a prática do enfermeiro como instrumentador cirúrgico

Transcrição

a prática do enfermeiro como instrumentador cirúrgico
Relato de Experiência
A PRÁTICA DO ENFERMEIRO COMO INSTRUMENTADOR
CIRÚRGICO
THE PRACTICE OF NURSE AS SCRUB NURSE
LA PRÁCTICA DEL ENFERMERO COMO INSTRUMENTADOR QUIRÚRGICO
GOMES, Jacqueline Ramos de Andrade Antunes; CORGOZINHO, Marcelo Moreira; LOURENCINI, Júlio
César; HORAN, Linda Mary
RESUMO: Este é um relato de experiência profissional onde foi realizada uma revisão bibliográfica sobre
instrumentação cirúrgica e a descrição da atuação
de enfermeiros como instrumentadores cirúrgicos em
um hospital de reabilitação em Brasília. Além disso,
foi caracterizado o método 5S da Qualidade Total e
descrito o seu uso para a realização da instrumentação cirúrgica, com a finalidade de criar mecanismos
educativos para o treinamento dos enfermeiros. Finalmente, foi elaborada uma análise crítica da atuação
da enfermagem na instrumentação cirúrgica frente
à legislação. Na experiência relatada, a atuação do
enfermeiro instrumentador junto à equipe médica
criou um ambiente de interação multiprofissional, o
qual propiciou o desenvolvimento de conhecimentos
e habilidades que contribuíram para a melhoria da
qualidade da assistência aos pacientes.
Palavras-chave: Enfermagem. Centros de cirurgia.
Técnicas.
ABSTRACT: This is a report of a professional experience in which was performed a bibliographical
review of surgical instrumentation and a description
of nurse’s activities as scrub nurses at a rehabilitation hospital in Brasília. In addition, the 5S Total
Quality method was defined and its use in surgical
instrumentation was described, in order to create
educational mechanisms for nurse training. Finally, a
critical analysis of the nurse’s work in surgical instru54
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
mentation was prepared regarding to applicable legislation. In the experience described, the work of scrub
nurse with the medical team created an environment
of multi-professional interaction, which enabled the
development of knowledge and skills that contributed
to improving the quality of patient care.
Key words: Nursing; Surgicenters; Techniques.
RESUMEN: Este es un relato de experiencia profesional, en el que fue realizada una revisión bibliográfica sobre instrumentación quirúrgica y la descripción
de la actuación de enfermeros como instrumentadores quirúrgicos en un hospital de rehabilitación en la
Capital Federal. Además, se realizó la caracterización
del método 5S de la Calidad Total y la descripción de
su utilización para la instrumentación quirúrgica, en el
afán de crear mecanismos educativos para el entrenamiento de los enfermeros. Por fin, fue elaborado un
análisis crítico de la actuación de la enfermería en la
instrumentación quirúrgica frente a la legislación. En
la experiencia relatada, la actuación del enfermero
instrumentador en conjunto con el equipo médico ha
creado un ambiente de interacción multiprofesional,
que proporcionó el desarrollo de conocimientos y
habilidades que contribuyeron para la mejoría de la
calidad de la asistencia a los pacientes.
Palabras clave: Enfermería; Centros quirúrgicos;
Técnicas.
INTRODUÇÃO
Toda cirurgia representa um trauma ao organismo
com finalidade terapêutica. Dentre as atividades
exercidas em um hospital, a cirurgia é aquela que
mais desperta admiração e consideração. Para que
a cirurgia aconteça com segurança, é necessário um
conjunto de ações inter-relacionadas entre anestesiologistas, cirurgiões, equipe de enfermagem, pessoal
de apoio e paciente/família, por meio de atividades
integradas de natureza psicológica, emocional, intelectual e técnica. A disciplina e a harmonia devem
nortear os movimentos individuais e grupais dos
profissionais. Poderia ser dito que a cirurgia é como
uma orquestra metaforicamente regida, com a meta
primordial de proporcionar assistência de qualidade
ao paciente, de maneira holística.
Nesse contexto, no Centro Cirúrgico (CC) é fundamental que o trabalho em equipe seja realizado de
maneira harmônica, sincronizada e sistematizada.
Os cirurgiões e anestesiologistas dependem do
preparo do ambiente e dos materiais cirúrgicos e
anestésicos pela equipe de enfermagem para um
bom aproveitamento do tempo. Para isso, a atuação
do profissional deve ser realizada de forma consciente, conforme evidências científicas e princípios que
norteiem suas funções, sendo o paciente o elemento
central de toda a elaboração desse trabalho.
O papel do enfermeiro de CC é constituído de atividades específicas de grande responsabilidade,
como, por exemplo, orientar e preparar carrinhos
cirúrgicos, materiais para posicionamento, preparar
salas operatórias, testar equipamentos, auxiliar nos
procedimentos anestésicos e cirúrgicos, além das
atividades administrativas específicas ao setor. Muitos pacientes desconhecem que o sucesso de sua
cirurgia deve-se, em grande parte, à eficiência no
preparo dos materiais e ao apoio técnico da enfermagem para a equipe cirúrgica e anestesiológica.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Enfermei-
ros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica
e Centro de Material e Esterilização (SOBECC)1, a
equipe que atua no CC deve lidar com vários aspectos pertinentes à competência técnica, ao relacionamento e aos recursos materiais, além da interação
com o paciente e sua família. Assim, a enfermagem
deve garantir aos pacientes o apoio psicológico no
momento da chegada ao setor, promover o conforto
dentro de um ambiente seguro e zelar pela assepsia
durante todos os procedimentos invasivos.
Dentre as diversas funções executadas pela enfermagem em um CC, a de instrumentador é aquela que auxilia a equipe cirúrgica e fornece os instrumentais para
a realização do ato operatório. O instrumentador é um
elemento fundamental para o ato cirúrgico, que contribui
para amenizar o tempo cirúrgico, garantir a assepsia e
zelar pelo uso correto dos instrumentais. Segundo Parra
e Saad2, o instrumentador deverá conhecer a técnica
cirúrgica, desde os fios de sutura até os instrumentais
específicos antes do início do ato operatório e acompanhar a realização da intervenção cirúrgica para poder
antecipar os instrumentais ao cirurgião.
Outro aspecto importante está relacionado aos
princípios éticos do enfermeiro instrumentador, especificamente relativo à responsabilidade quanto,
por exemplo, à preservação da assepsia do campo
operatório e à sua real importância para a integridade
da saúde do paciente. Dessa forma, o instrumentador
deverá informar a equipe cirúrgica quando houver
contaminação acidental de algum material, avental
cirúrgico ou qualquer outro equipamento.
É fundamental que este profissional tenha conhecimentos sobre esterilização, assepsia, cuidados
e conservação de instrumentais cirúrgicos, fios de
sutura, posições cirúrgicas, organização do instrumental cirúrgico conforme os tempos operatórios,
conceitos de planos cirúrgicos e anatômicos, tempos cirúrgicos, equipamentos e acessórios.
Parra e Saad3 descrevem as atribuições principais
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
55
do instrumentador, quais sejam:
- conhecer os instrumentos por seus nomes e colocálos sobre as mesas auxiliares, sempre na mesma
ordem, bem como ter preparados agulhas e fios
adequados a cada tempo operatório;
- ser responsável pela assepsia, limpeza e acomodação ordenada e metódica dos instrumentos, desde
o início até o fim da operação;
- entregar os instrumentos com presteza ao sinal ou
pedido verbal do cirurgião, colocando-os em sua mão,
de forma precisa e exata para uso imediato, sem que
tenha necessidade de reacomodá-lo antes do uso;
- fazer os pedidos necessários ao circulante da sala
(fios, gazes, compressas, drenos, etc);
- sincronizar tempos e ações manuais com o cirurgião
e o assistente, segundo a técnica da equipe.
A Association of periOperative Registered Nurses
(AORN)4 relata que o enfermeiro perioperatório
exerce a arte de aplicar conhecimentos, habilidades
e possui a competência interpessoal para garantir a
qualidade individualizada do cuidado. O enfermeiro
tem habilidade para lidar com o paciente e seus
familiares nas diversas fases: pré-operatória, transoperatória e pós-operatória.
Em uma pesquisa5, foi verificado que 81,64% dos
profissionais de enfermagem de algumas instituições
consideraram o domínio de conhecimento técnicocientífico sobre esterilização, técnicas assépticas,
instrumentais cirúrgicos e habilidades no manuseio
desses instrumentais como os requisitos mais importantes para o instrumentador.
Um estudo qualitativo6, realizado na Inglaterra com
enfermeiros e médicos, verificou que a implementação de sistemas a partir de regras e padronizações
contribui para redução de erros e propicia maior segurança aos pacientes. Neste mesmo estudo, foi enfatizado que o uso de protocolos e sistematização de
56
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
procedimentos é especialmente útil no treinamento
de novos membros da equipe de enfermagem, bem
como na educação continuada da equipe.
Estudos brasileiros7-8 destacaram a importância da
instrumentação cirúrgica na formação de enfermeiros, e ressaltam que esta é de grande importância
para que alunos de graduação de enfermagem se
integrem no ato anestésico-cirúrgico como membros
da equipe e não como meros observadores. Esses
estudos comprovaram a importância da instrumentação cirúrgica para o enfermeiro e recomendam que
esta faça parte do currículo dos cursos de graduação
em enfermagem.
Para conquistar seu espaço de atuação, tanto na
equipe de enfermagem, como na equipe de saúde, o
enfermeiro tem que assumir sua função assistencial
e de responsável pela assistência de enfermagem.
Cada instituição tem sua filosofia que norteia e
influencia as atitudes dos diversos serviços que as
compõem. Desde a sua criação, a Rede Sarah de
Hospitais de Reabilitação teve e tem como um dos
princípios básicos “tratar os pacientes como sujeitos e não como objetos onde se aplicam técnicas”9.
Dessa forma, o enfermeiro do Sarah participa do
cuidado aos pacientes de forma integralizada e,
especificamente, os enfermeiros do CC têm uma
atuação ampla, onde exercem diversas funções,
dentre as quais a circulação de sala operatória, a
instrumentação cirúrgica, a participação em induções
anestésicas, a organização de carros cirúrgicos, a
coordenação dos serviços e várias outras atividades
de enfermagem nas diversas especialidades médicas que são atendidas no setor.
Na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, o papel
do instrumentador é exercido, exclusivamente, por
enfermeiros, por serem estes os profissionais com
conhecimento mais abrangente para o exercício
desta função. O enfermeiro é o profissional habilitado para planejar e aplicar os cuidados ao paciente,
devido à sua formação acadêmica, por isso a grande
importância de sua participação efetiva em campo
operatório. O enfermeiro instrumentador tem que
estar voltado para o atendimento integral ao paciente,
por ser o ato cirúrgico caracterizado por momento de
grande estresse e ansiedade para os clientes.
Diante da experiência dos autores como enfermeiros de CC, que atuam também na instrumentação
cirúrgica, e, devido ao fato de não haver relatos
no Brasil que evidenciem a prática de enfermeiros
como instrumentadores cirúrgicos, surgiu a motivação para o presente estudo. O artigo visa relatar a
importância dessa atividade e o desenvolvimento
de método educativo e sistematização para a instrumentação cirúrgica, que possibilitou que enfermeiros atuassem mais diretamente na assistência,
contemplando, de forma mais abrangente e na práxis, o processo de enfermagem.
OBJETIVOS
• Relatar a experiência de enfermeiros de Centro
Cirúrgico de um hospital de reabilitação que atuam
como instrumentadores cirúrgicos;
• Descrever o uso do método 5S da Qualidade Total
utilizado pelos enfermeiros instrumentadores como
mecanismo educativo para sistematizar a atividade
de instrumentação cirúrgica;
• Realizar uma análise crítica da atuação da enfermagem na instrumentação cirúrgica, frente à legislação.
MÉTODO
Este estudo é um relato de experiência, onde foi
feita uma revisão bibliográfica sobre instrumentação cirúrgica e, após, foi descrito analiticamente
o trabalho desenvolvido pelos enfermeiros de CC
que atuam como instrumentadores cirúrgicos, em
um hospital de reabilitação situado em Brasília-DF.
Após, foi realizada a caracterização do método 5S
da Qualidade Total e de como este foi aplicado como
instrumento educativo para a sistematização da
instrumentação cirúrgica no hospital. Na sequência,
analisou-se criticamente a atuação da enfermagem
na instrumentação cirúrgica frente à legislação. Este
trabalho foi desenvolvido após a autorização da área
de Recursos Humanos e do Comitê de Ética da Rede
Sarah de Hospitais de Reabilitação, de acordo com
as normas internas da Instituição que, independentemente do tipo de estudo, requerem a anuência dos
setores acima referidos.
RESULTADOS
A Instrumentação Cirúrgica na Rede Sarah de
Hospitais de Reabilitação
A atividade de instrumentação cirúrgica na Rede
Sarah de Hospitais de Reabilitação passou a ser
exercida exclusivamente por enfermeiros a partir
de 1997, em cumprimento à Lei 7.498/9810, devido
ao fato de que a instituição entende que o procedimento cirúrgico é atividade de alta complexidade, e
o enfermeiro é o profissional capacitado para essa
atividade. Foram seguidas recomendações de importantes associações nacionais e internacionais
como, SOBECC, Associação Paulista de Estudos e
Controle de Infecção Hospitalar (APECIH), European
Operating Room Nurses Association (EORNA), Operating Room Nurses Association of Canada (ORNAC)
e AORN, para que fossem adotadas normas para a
organização das mesas de instrumentais cirúrgicos,
além da conferência de instrumentais, esponjas
(compressas, gazes, cotonoide, etc), cortantes e
demais materiais utilizados em campo operatório. Os
enfermeiros de CC da Rede Sarah de Hospitais de
Reabilitação exercem a atividade de instrumentação
cirúrgica, nas seguintes especialidades: ortopedia,
neurocirurgia, urologia, cirurgia torácica, cirurgia
geral e cirurgia plástica reparadora.
Utilização dos Cinco Sensos do Programa 5S da
Qualidade Total como mecanismo educativo para
sistematizar a instrumentação cirúrgica
Segundo Carvalho11, o Programa 5S da Qualidade
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
57
Total é um conjunto de práticas originadas em cinco
sensos que criam um ambiente de qualidade. Isso
possibilita grande envolvimento e estímulo para que
os indivíduos promovam e mantenham os benefícios
das mudanças. Esse Programa teve início no Japão,
após a Segunda Guerra Mundial, para auxiliar na
organização das fábricas e, no Brasil, foi formalmente introduzido em 1991. O termo 5S é derivado de
cinco palavras em japonês, iniciadas com a letra “S”.
Em uma adaptação para o Português, foi utilizado o
acréscimo do termo “Senso de” antes de cada palavra, com o sentido de aplicar corretamente a razão
para julgar ou raciocinar cada caso em particular.
Dessa maneira, no Quadro 1, é relatado o significado
de cada um dos cinco sensos do Programa 5S da
Qualidade Total, com a representação em japonês,
inglês e português.
Quadro 1. Significado dos Cinco Sensos do Programa 5S da Qualidade Total.
Senso
1º
2º
3º
4º
5º
Japonês
Seiri
Seiton
Seisoh
Inglês
Português
Significado
Sorting
Senso de
utilização
Separar itens necessários e
desnecessários e descartar os
desnecessários; arrumação, organização,
seleção.
Systematyizing
Senso de
ordenação
Sistematização, classificação; definir o
lugar de cada item e colocar cada item no
seu lugar.
Sweeping
Senso de
limpeza
Zelo; eliminar as causas da sujeira, fazer
manutenção preventiva, limpar e conservar
diariamente.
Seiketsu
Sanitizing
Senso de saúde
Asseio, higiene, saúde, integridade;
identificar situações que ofereçam riscos à
saúde e eliminar as condições de risco.
Shitsuke
Selfdisciplining
Senso de
autodisciplina
Educação, compromisso; discutir normas
e padrões e honrar compromissos
assumidos.
Foi desenvolvido um método para instrumentação de
cirurgias, fundamentado nos pressupostos dos Cinco
Sensos do Programa 5S da Qualidade Total, a partir
da experiência de uma das autoras em Qualidade
Total, que possibilitou uma sistematização na organização das mesas operatórias, onde os instrumentais
e os equipamentos cirúrgicos foram dispostos de
forma a permitir que qualquer enfermeiro da equipe
substituísse um colega sem prejuízo ao andamento
58
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
da cirurgia, além de facilitar e dinamizar o trabalho
da instrumentação cirúrgica em todo o setor.
Assim, os cinco sensos foram aplicados no método
criado para montagem de uma mesa com instrumentais, equipamentos cirúrgicos e instrumentação
cirúrgica, conforme a Figura 1, onde:
- Seiri significou seleção, arrumação e organização
dos instrumentais conforme a utilização nos tempos
cirúrgicos;
- Seiton significou a ordenação e a classificação desses materiais para que, sistematicamente, durante
as cirurgias, esses instrumentais e equipamentos
fossem mantidos no mesmo lugar, onde, por exemplo, foi definido um lugar para cada item e cada item
mantido em seu lugar após a utilização, de forma a
possibilitar maior agilidade na entrega do instrumental ao cirurgião e aos assistentes;
- Seisoh diz respeito à limpeza e ao zelo, ou seja,
evidenciou-se a importância da manutenção dos
instrumentais e equipamentos limpos durante o ato
operatório, de forma a propiciar melhor funcionamento dos mesmos, como, por exemplo, limpeza
constante da ponta da caneta do bisturi elétrico, além
de diminuição da matéria orgânica nesses materiais
através de limpeza com compressas úmidas, com
água estéril, o que faz com que seja aumentada a
vida útil dos mesmos, bem como facilita a limpeza automatizada no reprocessamento destes materiais;
- Seiketsu está relacionado à identificação de
situações que ofereçam riscos à saúde e à eliminação das condições de risco, o que foi enfatizado no
papel do enfermeiro na preservação da esterilidade
dos materiais e no auxílio à vigilância para manutenção da assepsia do campo operatório e para
preservar e proteger a saúde dos pacientes, através
das técnicas específicas requeridas em um CC, em
especial em sala operatória. Outro item essencial
desse senso é relativo ao registro da contagem
de instrumentais, esponjas (compressas, gazes,
cotonoides, etc) e cortantes, o que conferiu maior
segurança nas cirurgias, sendo essa conferência de
responsabilidade do enfermeiro instrumentador e do
enfermeiro circulante;
- O quinto e último senso, Shitsuke está relacionado
à autodisciplina, educação e compromisso com o
trabalho, onde normas e padrões foram discutidos
e estabelecidos, para que o exercício da função de
instrumentador cirúrgico fosse realizada da melhor
forma possível, tendo sido enfatizada a importância
do estudo por parte dos enfermeiros, para que se
aprimorassem nas diversas especialidades cirúrgicas, no conhecimento dos instrumentais e equipamentos, bem como dos tempos operatórios das
diversas cirurgias realizadas na Instituição.
Figura 1. Exemplo de mesa de instrumentais para
cirurgia ortopédica em adultos, com materiais e
equipamentos cirúrgicos para a instrumentação sistematizada, de acordo com o método dos Cinco
Sensos do Programa 5S da Qualidade Total.
Quanto à contagem de instrumentais, esponjas
(compressas, gazes, cotonoides, etc) e cortantes
na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, foram
também seguidas as Práticas Recomendadas pela
AORN12 para o controle dessa contagem, sendo de
responsabilidade do instrumentador e do circulante
a conferência na abertura da mesa de instrumental,
no fechamento de cavidades, do tecido subcutâneo
e da pele.
DISCUSSÃO
O Conselho Federal de Medicina13, em sua Resolução no 1.490/98, resolve, no Artigo 1º, que “a composição da equipe cirúrgica é de responsabilidade
direta do cirurgião titular e deve ser composta exclusivamente por profissionais de saúde devidamente
qualificados”.
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
59
O cirurgião é o responsável pela equipe cirúrgica e
pelo ato cirúrgico, devendo zelar pela boa formação
profissional dos componentes da equipe, garantir ao
paciente um processo cirúrgico ético, legal e seguro.
Com esta responsabilidade, torna-se fundamental
que todos os componentes da equipe sejam os profissionais que a resolução determina, não podendo
sua autoridade profissional ser superior a esta.
Segundo o Artigo 3°, da Resolução no 1.490/98, do
Conselho Federal de Medicina (CFM)13, “é lícito o
concurso de acadêmico de medicina na qualidade
de auxiliar e de instrumentador cirúrgico de unidades
devidamente credenciadas pelo seu aparelho formador e de profissionais de enfermagem regularmente
inscritos no Conselho de origem, na condição de
instrumentador, podendo este concurso ser estendido
também aos estudantes de enfermagem”. Por outro
lado, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN)14,
em sua Resolução no 214, de 1998, resolve que a
instrumentação cirúrgica é uma atividade de Enfermagem, não sendo, entretanto, ato privativo da mesma.
O enfermeiro responsável técnico pelo CC também
tem seus respectivos deveres legais e ético-profissionais a serem observados. Ele deve denunciar
ao Conselho Regional de Enfermagem (COREN)
qualquer conhecimento de ato ilícito legal ou ético,
sendo que a não observação deste, poderá levar o
enfermeiro e os demais profissionais de enfermagem
à situação de conivência, negligência e omissão, com
sérias consequências éticas e criminais.
Desta forma, acredita-se que, tanto a segurança do
ato cirúrgico, como os resultados pós-operatórios, serão satisfatórios quando este for exercido por equipe
devidamente qualificada. O ato de instrumentar não
consiste somente em entregar instrumentos, mas envolve outras habilidades e conhecimentos científicos
necessários ao processo de trabalho.
O Código Civil15 traz, em seu Artigo nº 186/2002 que,
“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direitos ou causar dano a
60
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”. Toda instituição deve sempre buscar a qualidade
e a segurança na assistência à saúde dos pacientes,
considerando-se, também, que esta responde por
eventuais danos ou intercorrências envolvendo pessoas não habilitadas na assistência aos pacientes.
Observa-se, ao analisar a legislação, que existe um
posicionamento claro do CFM quanto ao profissional que deve exercer a instrumentação cirúrgica e,
assim, fica a responsabilidade para o cirurgião e
para o enfermeiro responsável pelo CC de exercer a
vigilância sobre os profissionais que atuam na função
de instrumentador. A presença do enfermeiro como
instrumentador é uma atividade respaldada na legislação e que pode trazer benefícios à categoria como
um divulgador de novas técnicas e conhecimentos
desta área pouco explorada na literatura relativa à
enfermagem. O trabalho repetitivo deixa de ser rotina
e torna-se dinâmico, ao passo que novos conhecimentos são agregados.
A harmonia durante o procedimento cirúrgico, bem
como o sucesso deste depende de um instrumentador bem preparado e conhecedor do procedimento e
da equipe com quem trabalha. Esse preparo passa
pela formação acadêmica do enfermeiro nas aulas
de anatomia, fisiologia, patologia e de enfermagem
médico-cirúrgica, que oferecem suporte para uma
assistência com bases científicas.
Para que o enfermeiro atue em campo operatório,
é imprescindível que possua conhecimentos específicos e instrumentalização científica adequada,
que orientem sua atuação profissional. Dessa forma, quando o enfermeiro instrumentador avalia um
paciente cirúrgico, seu trabalho inicia-se com antecedência, por meio da leitura do prontuário, revisão
de exames diagnósticos e revisão do procedimento
cirúrgico que será realizado no paciente. Após o
enfermeiro instrumentador ter o diagnóstico do paciente, com seus problemas atuais e potenciais, poderá planejar sua assistência com a organização de
materiais cirúrgicos, equipamentos e disponibilizar
todos os recursos para que o ato cirúrgico transcorra com tranquilidade. Durante a cirurgia, alicerçado
pelos conhecimentos, terá condições plenas de, por
exemplo, antecipar instrumentais e precaver-se em
situações de risco. A interação do enfermeiro instrumentador com o cirurgião é bem maior, pois aquele
possui conhecimentos que facilitam sua atuação
em campo operatório.
de maior risco à saúde e à vida do paciente, ou seja,
que compromete de forma mais direta e grave o
cliente, deve ser realizado por equipe com formação
altamente especializada, de forma a propiciar total
segurança na assistência aos pacientes, em consonância com as recomendações da Organização
Mundial de Saúde (OMS) para cirurgias seguras.
Dessa forma, a instrumentação cirúrgica exercida
por enfermeiros favorece o desenvolvimento de
habilidades no contexto cirúrgico e contribui para
a qualidade de assistência aos clientes cirúrgicos.
Para que a enfermagem amplie os conceitos deste
método, faz-se necessário o envolvimento com a
pesquisa aplicada, a qual poderá resultar em dados
significativos para contribuir com a prática do enfermeiro instrumentador.
Parra e Saad colocam que a instrumentação cirúrgica deve ser exercida por enfermeiro especializado,
pois um instrumentador capacitado é uma ajuda de
grande valor, ao passo que um profissional inapto
pode ser causa de complicações intra e pós-operatórias. Porém, mesmo um profissional enfermeiro,
quando iniciante, deve ser treinado e acompanhado
por um profissional mais experiente, até desenvolver e aplicar as habilidades necessárias no ambiente perioperatório16.
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfermeiro é capaz de observar, relatar e cobrar
dos demais profissionais e de si próprio a importante missão que a equipe cirúrgica tem no controle da
infecção do sítio cirúrgico, além de possuir formação ética e responsabilidade civil, bem como o respeito da equipe cirúrgica para solicitar a interrupção
do fechamento da ferida por contagem incorreta de
instrumentais, gazes ou compressas16.
Evidencia-se um déficit de publicações na área de
enfermagem de sala operatória, no que se refere
à instrumentação cirúrgica. Acredita-se que essa
constatação se deva ao fato da pouca atuação de
enfermeiros nesta função, bem como à falta de currículos acadêmicos que contemplem a instrumentação cirúrgica como uma disciplina ou suas atividades incluídas na disciplina Enfermagem em CC.
Os instrumentadores devem se preocupar com a
técnica asséptica e seguir as políticas da instituição para contagem de lâminas, agulhas, esponjas
(compressas, gazes, cotonoide, etc), instrumentais,
grampeadores, drenos e o que mais for necessário
para prevenir que fiquem retidos no sítio cirúrgico16.
A atuação do instrumentador propicia o uso adequado e a preservação do instrumental, contribui para
diminuir o tempo cirúrgico e, consequentemente,
para um bom resultado da cirurgia.
Em nossa prática, a atuação do enfermeiro instrumentador junto com a equipe médica criou um ambiente de interação multiprofissional, onde ambos
desenvolveram conhecimentos que contribuíram
para a melhoria da assistência aos pacientes e
para realização das cirurgias com maior segurança.
A aplicação de um método sistematizado de organização da mesa operatória ofereceu tranquilidade à equipe médica e de enfermagem, no caso de
ser necessária a substituição de profissionais, bem
como facilitou o processo ensino-aprendizagem.
2
Considerar o entendimento de que a instrumentação
cirúrgica, em nosso país, deveria ser exercida exclusivamente por enfermeiros é uma reflexão de extrema importância, pois, sendo o ato cirúrgico aquele
O método dos Cinco Sensos do Programa 5S da
Qualidade Total, aplicado à instrumentação cirúrgica, favoreceu a organização dos instrumentais, ao
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
61
passo que tornou lógico e harmônico a execução
do trabalho, facilitou o treinamento de novos profissionais, minimizou a probabilidade de erros e
tornou o trabalho mais ágil. Isso resultou em um
trabalho com alta segurança e proporcionou maior
confiança à equipe cirúrgica.
de conhecimento avançado. A atuação do enfermeiro como instrumentador pode estimular a pesquisa
científica pela produção de informações relevantes à
assistência de enfermagem de forma integralizada.
As vantagens observadas na aplicação desse método
foram a melhor organização do trabalho do enfermeiro
instrumentador, a possibilidade de antecipação de
instrumentais e equipamentos para os cirurgiões, o
melhor planejamento e programação de utilização
desses materiais, a maior agilidade na instrumentação
e na substituição de profissionais no transoperatório,
bem como o registro da conferência de instrumentais,
esponjas (compressas, gazes, cotonoides, etc) e cortantes em todas as cirurgias, no sentido de propiciar
aumento na segurança dos procedimentos.
1. Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material
e Esterilização (SOBECC). Práticas recomendadas
- SOBECC. 5ª ed. São Paulo: SOBECC; 2009.
REFERÊNCIAS
2. Parra OM, Saad WA. Noções básicas das técnicas
operatórias. São Paulo: Atheneu; 2001.
3. Parra OM, Saad WA. Instrumentação cirúrgica.
São Paulo: Atheneu; 2003.
4. Association of periOperative Registered Nurses
(AORN). Standards, recommended practices, and
guidelines. Denver: AORN; 2010.
A instrumentação cirúrgica é parte componente das
ações de enfermagem e da medicina para a recuperação da saúde do ser humano, conforme disposto
em lei. A atuação da enfermagem na instrumentação cirúrgica resulta em um trabalho com alta segurança ao paciente, que propicia maior confiança da
equipe cirúrgica, devido ao fato destes possuírem
conhecimentos que facilitam sua habilitação para
atuação em campo operatório. Assim, as equipes
médica e de enfermagem constituem as categorias
profissionais de escolha para o desenvolvimento da
instrumentação cirúrgica.
5. Carvalho R, Farah OGD, Galdeano LE. Níveis
de ansiedade de alunos de graduação em enfermagem frente à primeira instrumentação cirúrgica.
Rev Lat Am Enferm [Internet]. 2004 [citado 2009 abr
16];12(6):918-23. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/rlae/v12n6/v12n6a11.pdf
Esperamos com este relato, incentivar os colegas de
profissão a se dedicarem à instrumentação cirúrgica,
a conhecerem os procedimentos cirúrgicos em suas
etapas e aplicação dos instrumentais e equipamentos cirúrgicos, bem como evidenciar a importância
de termos profissionais habilitados, com uma visão
holística da assistência que deve ser prestada aos
pacientes. Isso só acontece quando é possível registrar, com fidelidade, todos os passos realizados e
transmiti-los aos que estão começando na profissão
e que, certamente, por meio dos registros realizados
pelo enfermeiro, poderão começar em um estágio
7. Ribeiro RCN, Coutinho RMC, Costa ALS. Laboratório de enfermagem em centro cirúrgico: opinião de
alunos de graduação quanto à sua utilização. Acta
Paul Enf. 1998;11(1):7-13.
62
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
6. McDonald R, Waring J, Harrison S, Walshe K,
Boaden R. Rules and guidelines in clinical practice:
a qualitative study in operating theatres of doctors’
and nurses’ views. Qual Saf Health Care [Internet].
2005 [cited 2010 Aug 10];14:290-4. Available from:
http://www.qualitysafety.bmj.com/content/14/4/290.
8. Carvalho R. Instrumentação cirúrgica: processo
ensino-aprendizagem por alunos de graduação de
enfermagem [tese]. São Paulo: Escola de Enferma-
gem, Universidade de São Paulo; 2002.
gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm
9. A Rede Sarah e o modelo de administração da
assistência médico-hospitalar com base no contrato de gestão instituído pela Lei n. 8.246/91: breve
histórico [Internet]. Brasília; 2007 [citado 2010 abr
16]. Disponível em: http://www.sarah.br/paginas/prevencao/PDF2011-10/PDF-ARTIGOS/A%20Rede%2
0SARAH%20e%20o%20modelo%20de%20adminis
tra%C3%A7%C3%A3o%20da%20assist%C3%AAn
cia%20m%C3%A9dico-hospitalar.pdf
16. Bronzatti JAG, Ferreti HH, Ponteli SRC. A visão
da equipe de enfermagem sobre o instrumentador
cirúrgico. Rev SOBECC. 2007;12(1):22-6.
10. Brasil. Lei n. 7.498 de 25 de junho e 1986. Dispõe
sobre a regulamentação do exercício de Enfermagem e dá outras providências. In: Conselho Regional
de Enfermagem. Leis [Internet]. Brasília. [citado
2010 jul 07]. Disponível em: http://www.coren-df.org.
br/portal/index.php/leis
11. Carvalho PC. O programa 5S e a qualidade total.
4ª ed. Campinas: Alínea; 2006.
12. Association of periOperative Registered Nurses
(AORN). Recommended practices for sponge, sharps,
and instrument counts. AORN J. 2006;83(2):418-33.
13. Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução n. 1.490/98. Dispõe sobre a composição da
equipe cirúrgica e dá outras providências [Internet].
Brasília; 1998. [citado 2010 jun 01]. Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/resoluções/
14. Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).
Resolução n. 214/98. Dispõe sobre a instrumentação
cirúrgica [Internet]. Brasília; 1998. [citado 2010 abr
19]. Disponível em: http//www.portalcofen.gov.br.
15. Brasil. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Artigo
nº 186/2002. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito [Internet]. Brasília; 2002. [citado 2010 jun 11]. Disponível em: http://www.planalto.
Autores
Jacqueline Ramos de Andrade Antunes Gomes
Enfermeira Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Especialista em Bioética pela Cátedra UNESCO de
Bioética da Universidade de Brasília (UnB), Especialista em CC, RA e CME pela SOBECC, Mestre
em Ciências da Saúde pela UnB, Doutoranda em
Ciências da Saúde pela UnB, Docente de Enfermagem no UniCEUB.
E-mail: [email protected].
Marcelo Moreira Corgozinho
Enfermeiro Graduado em Enfermagem pela Universidade do Vale do Sapucaí (MG), Especialista em
Auditoria de Serviços de Saúde pela Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas, Especialista em Bioética
pela Cátedra UNESCO de Bioética da UnB, Mestrando pela Cátedra UNESCO de Bioética da UnB,
Enfermeiro de Centro Cirúrgico da Rede Sarah de
Hospitais de Reabilitação.
Júlio César Lourencini
Enfermeiro Graduado em Enfermagem pela Universidade Estadual de Londrina (PR), MBA de Gestão em
Saúde e Controle de Infecção pelo INESP, Enfermeiro de Centro Cirúrgico da Rede Sarah de Hospitais
de Reabilitação.
Linda Mary Horan
Graduate Nurse of Halifax Infirmary School of Nursing, Halifax, Nova Scotia (Canadá), Especialista em
Cuidados Intensivos pela Universidade de Manitoba
(Canadá), Técnica Especialista da Rede Sarah de
Hospitais de Reabilitação, Coordenadora do CCICH,
Membro do Programa de Humanização da Rede
Sarah de Hospitais de Reabilitação.
Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 54-63.
63

Documentos relacionados