14.05.2013_RenatoAAlonso_Resenha

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14.05.2013_RenatoAAlonso_Resenha
Título: Novas Mídias, Excedente Cognitivo e Cultura Participativa.
Por Renato Almada Alonso
Resenha do livro
A CULTURA DA PARTICIPAÇÃO; CRIATIVIDADE E GENEROSIDADE NO
MUNDO CONECTADO de Clay Shirky
Em 1720, Londres passava por uma onda de embriaguez de gim chamada
gim-mania. O gim era vendido em vários lugares e em diversas formas,
inclusive em trapos ensopados. O consumo da bebida cresceu de forma
notável nos primeiros anos do século XVIII, enquanto o consumo de outras
bebidas alcoólicas permanecia estável.
Os acontecimentos que se seguiam derivados do consumo de gim
preocupavam as autoridades locais. Aumentaram os crimes e roubos, da
mesma forma que aumentava a população da capital. Uma nova redistribuição
da população oriunda das zonas rurais criou uma migração de novos
habitantes londrinos anestesiados de gim.
Preocupados com este tipo de comportamento, o Parlamento declarou
ilegais as bebidas aromatizadas, o que gerou a comercialização da bebida no
mercado negro.
A solução apareceu quando o gim deixou de ser tratado como o problema
central, quando na verdade era uma reação real da população ao problema
real de inadaptabilidade de antigos modelos cívicos. Ao abraçar a população
com novos grupos sociais, políticos e religiosos, o consumo de gim que até
então era a única “saída” para os horrores da época foi substituído por estas
novas estruturas. Assim, o consumo da bebida caiu resultante, entre outros
fatores, desta nova transição comportamental.
A TV tem sido o nosso gim. Na história da mídia, o rádio permitia que o
ouvinte realizasse outras atividades enquanto ouvia sua programação. A
Televisão, no entanto, mobiliza o usuário. Tornamo-nos telespectadores
passivos, assistindo tanto bons quanto programas ruins. Mas o olhar não deve
ser somente para o produto, mas principalmente ao seu consumidor.
Para ilustrar esta afirmação, Shirky relata o “Erro do Milk Shake”. A rede Mc
Donnald’s quis aumentar a venda de seus Milk-Shakes e contratou
pesquisadores para isso. Um deles, Gerald Berstell preferiu estudar os
consumidores ao produto. Descobriu que estes estavam sempre sozinhos, pela
manhã, raramente compravam outro produto da loja e nunca consumiam no
próprio local. Com isso, desenvolveu a idéia de algo que se possa comer
quando dirige, sem ser gorduroso ou fazer muita sujeira, agradável e demorar
um pouco para acabar. Temos os mesmos problemas ao pensarmos na mídia.
Quebrando os paradigmas que desvios da sociedade atual são repugnantes
e nocivos, algumas pessoas ainda se espantam com o fato de não passarmos
mais o tempo consumindo, mas voluntariamente produzindo e compartilhando
novas coisas.
O século XX nos deixou afastados desta cultura participativa. Nós sempre
quisermos produzir tanto quanto consumir, do ato criativo mais simples (como
as figuras LOL Cats) quanto à cultura de participação cívica (do Ushahidi). E o
prazer em “você também pode”, com ferramentas cada vez mais simples nos
conteúdos gerados por usuários, reside também do compartilhar. A noção de
mídia é realinhada da antiga tradução que se refere a um conjunto de
negócios, de jornais e revistas, de rádios e televisão, com maneiras específicas
e formas específicas de fazer dinheiro. Porém este conceito está se
transformando, já que temos acesso a mecanismos baratos e globalmente
disponíveis para o compartilhamento organizado que nos permitem equilibrar
consumo e produção.
A palavra mídia deve destoar-se de conotações de “algo produzido por
profissionais para o consumo de amadores”. De acordo com Shirky, mídia é o
tecido conjuntivo da sociedade.
Os efeitos desta nova realidade são vistos diversas vezes em nosso dia a
dia. Essa mudança reflete-se no que estamos gastando em nosso tempo livre,
denominado excedente cognitivo. A mídia do século XX voltava-se para um
único enfoque: consumo. Passávamos (e continuaremos passando) este tempo
entre as “oito horas para trabalhar, oito horas para dormir e oito horas para
fazermos o que quisermos” em frente a uma tela, como receptores. No entanto,
o excedente cognitivo não é somente o tempo livre. É a energia que
desprendemos a ele, as oportunidades e as relações sociais que nos permite
ter. Isso só é possível porque temos meios para usá-lo.
Temos em nosso alcance o que a economia Gutenberg sempre nos trouxe
como gerenciamento; produtores, empresários e editores decidindo o que era
bom para o público. Temos o botão “publicar”. A crescente liberdade para
publicar realmente reduz a qualidade média, mas a crescente liberdade de
participar da discussão pública tem seus valores. Edgar Allan Poe comentou
em 1845: “A enorme multiplicação de livros em todos os ramos do
conhecimento é um dos maiores males desta era, uma vez que apresenta um
dos mais sérios obstáculos à aquisição de informação correta, ao lançar no
caminho do leitor pilhas de trastes que ele precisará dolorosamente tatear em
busca de sobras de sucata útil”.
No entanto, formas sociais de organização podem ser muito úteis à
sociedade. As “Grobanites”, grupo de fãs de Josh Groban reuniram-se em prol
de doações em nome do cantor (apesar de não ter nenhuma ligação real com o
mesmo) em um site que reúne milhares de fãs que queiram doar para
instituições de caridade. Esta motivação intrínseca que agrupa por diversas
razões pessoas motivadas não somente pela recompensa financeira, mas por
fazerem parte de algo em seu excedente cognitivo, basea-se em um
sentimento de conexão e de ter sua voz ouvida.
O que faz com que pessoas postem e publiquem em lugares on-line,
mesmo de forma amadora, sem se importarem com quem está lucrando com
isso é a recompensa do desejo de autonomia e de competência, em um
sistema de generosidade. Ninguém publica um vídeo no Youtube ou um artigo
na Wikipédia imaginando que existe alguém gerenciando o site, lucrando em
cima de seu trabalho. No entanto, esta linha tênue pode ser quebrada quando
os participantes internalizam a intenção de lucro. Foi o caso da revista People,
que permitiu ao leitor que hierarquizarem as 50 pessoas mais bonitas daquele
ano, pedindo aos leitores que em uma enquete online ajudassem a separar as
mais bonitas das apenas incrivelmente lindas. O resultado da eleição foi a
vitória de Hank, o Anão Bêbado Zangado, vencendo com distância Leonardo
DiCaprio.
O servidor Apache é o mais utilizado do mundo, abrangendo cerca de 60%
do mercado. Este servidor é um software livre, onde qualquer um pode pegar
seu código, fazer uma própria versão e vendê-la. No entanto, por ser livre,
também não pode impedir ninguém de fazer uma versão grátis e vendê-la. Seu
projeto, iniciado por Brian Behlendorf, baseia-se em um mecanismo livre, onde
diversos programadores trabalham para seu aperfeiçoamento. Sua criação
coloca em xeque o conceito de que quando queremos algo complexo, há dois
mecanismos primários: o setor privado e o setor público. No entanto, a
produção social nos traz mais um mecanismo de análise.
A idéia de socialização não reflete o pensamento stalinista tampouco de
uma calamidade social. Quando o Napster surgiu, compartilhando músicas de
forma barata, rápida e simples, foi taxado como o início de uma malandragem
generalizada ou a aurora de uma nova era da bondade humana. É um
comportamento natural humano – a junção de novas oportunidades a
motivações antigas por meio dos incentivos corretos.
Estes limites são discutidos no caso da universidade Ryerson, no Canadá.
Um de seus alunos, Christopher Avenir tornou-se administrador de uma página
de estudos da disciplina de química da universidade. A página chamava-se
Masmorras/ Dominando soluções em Química e contava com 146 membros.
Masmorra era como os alunos chamavam a sala de estudos da universidade.
Isso gerou a ameaça de expulsão do aluno pela faculdade, alegando que o
trabalho deveria ser feito individualmente e a colaboração era fraude, seja pelo
Facebook, fax ou mimeógrafo. Isso traz exageradamente ao conflito “O
Facebook é como uma sala online” e “O Facebook é uma máquina de fax
melhorada”.
Os esforços divididos sem controle gerencial produzem crenças arraigadas
que trabalho sério é feito por pessoas adequadas, remuneradas com gerentes
que dirigem o trabalho. No entanto, indivíduos agindo como um grupo mesmo
que não coordenados é uma forma de autogerenciamento que cria um valor
real. O valor pessoal é o valor que recebemos por estar ativos em vez de
passivos, por ser criativos em vez de consumistas.
A complexidade da nova mídia nos traz duas linhas de pensamento a
respeito das mídias sociais: uma que os usuários não vão se comportar como
esperam os criadores de sistemas. Outra é que não há uma receita para a
formação de comunidades bem sucedidas.
As pessoas do mundo fornecem a matéria para o excedente cognitivo, onde
não somos mais o alvo, mas parte legítima individual ou coletivamente. A nova
geração procura o mouse na televisão. A mídia inclui possibilidades de
consumir, produzir e compartilhar lado a lado e essas possibilidades estão
aberta a todos.
Bibliografia:
SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação, criatividade e generosidade no
mundo conectado. Rio de Janeiro, Zahar, 2011.