Classificação dos receptores opióides

Transcrição

Classificação dos receptores opióides
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Instituto de Farmacologia e Terapêutica
FARMACOLOGIA
Notas sobre a classificação dos receptores opióides
Os receptores opióides foram classificados pela primeira vez (Martin et al. 1976) nos
tipos µ (miú), (capa) e (sigma) com base na diferença dos efeitos neurofisiológicos
e comportamentais de três substâncias em cães com lesões crónicas da medula: o
receptor µ (de morfina) é activado pela morfina e provoca analgesia e indiferença aos
estímulos do meio circundante, bradicardia e miose; o receptor (de ketazocine) é
activado pela cetazocina e provoca também redução da actividade motora, miose e
redução de reflexos; e o receptor
(de SKF 10047, nome de série da Nalilnormetazocina) é activado por este composto e provoca, pelo contrário, agitação,
taquicardia e midríase.
Mais tarde o grupo de Hans Kosterlitz, que descobriu os peptídeos opióides
endógenos, introduziu, na classificação dos receptores opióides, o receptor (delta)
(de vas deferens) que foi descrito pela primeira vez no canal deferente de ratinho e
tem a particularidade de ser mais sensível às encefalinas do que à morfina (Hughes et
al. 1975). Pelo contrário, retirou-se o receptor
da família dos receptores opióides
porque não é activado pelos peptídeos opióides endógenos, não é antagonizado pela
naloxona e não é activado pela morfina. Desconhece-se o ligando endógeno para este
receptor, que, por isso, é incluído nos receptores órfãos.
Conhece-se actualmente a sequência dos aminoácidos dos receptores opióides, e a
sequência de nucleotídeos dos genes que os codificam. Os estudos de biologia
molecular confirmaram a existência de três tipos de receptores opióides, que, de
acordo com as regras recentes de nomenclatura de receptores adoptadas pela
IUPHAR (International Union of Basic and Clinical Pharmacology) têm a abreviatura
OP (de opióide). A recomendação actual do Comité de Nomenclatura da IUPHAR é de
usar a abreviatura DOP para o receptor , KOP para o receptor e MOP para o
receptor µ (IUPHAR Receptor Database). Por falta de adesão abandonou-se a
sugestão anterior de designar os receptores opióides DOP, KOP e MOP por OP1, OP2
e OP3, respectivamente.
A função de cada um dos tipos de receptores opióides não está bem conhecida. O
contributo que o seu conhecimento tem trazido para se perceber as diferenças das
acções farmacológicas entre os diferentes opióides também não tem sido muito
esclarecedor. Deve-se ter alguma cautela com afirmações não confirmadas
experimentalmente e com a falta de experiência, no uso em seres humanos, de alguns
compostos. As previsões falhadas neste campo vêm já de há muitos anos, quando a
heroína (diacetilmorfina), sintetizada em 1898, foi considerada como grande substituto
da morfina porque não causaria dependência! Contudo, com os cuidados de
interpretação a ter, é razoável admitir que da activação selectiva de receptores KOP se
possa ter efeitos analgésicos com risco limitado de depressão respiratória e de uso
compulsivo: os receptores KOP predominam na medula e são menos importantes a
nível supra-espinhal, enquanto que os receptores MOP tanto existem na medula como
no encéfalo. A activação dos receptores MOP nos dois sítios produz um efeito
analgésico muito potente e no encéfalo causa inibição da ventilação e uso compulsivo.
O quadro seguinte é uma tentativa de síntese dos conhecimentos actuais sobre os
locais e formas de acção de alguns ligandos importantes dos receptores opióides
(baseado em: Gutsein e Akil, 2001).
Efeitos mediados por activação dos diferentes tipos de receptores opióides
DOP
KOP
MOP
• Analgesia por acção
• Analgesia por acção
• Analgesia por acção
•
•
• Analgesia por acção
•
•
•
supramedular
Analgesia por acção
medular
Depressão respiratória
Dependência
Obstipação
•
•
•
•
medular
É controversa a
existência de efeitos
analgésicos por acção
supramedular
Efeitos limitados sobre
a ventilação em
primatas
Não parecem mediar
efeitos de reforço em
animais de experiência
e podem causar
disforia em seres
humanos
Obstipação
Diurese por inibição da
libertação da hormona
antidiurética
supramedular
medular
• Depressão respiratória
• Dependência
• Obstipação
Acções farmacológicas de substâncias exógenas sobre os diferentes tipos de
receptores opióides
DOP
KOP
MOP
Morfina 1
Agonista total
Agonista total
Agonista total
Naloxona
Antagonista
Antagonista
Antagonista
Naltrexona
Antagonista
Antagonista
Antagonista
Nalorfina
Agonista
Antagonista ou
agonista parcial
Pentazocina
Agonista
Agonista parcial
Buprenorfina
Agonista parcial
Acções farmacológicas de peptídeos opióides endógenos sobre os diferentes
tipos de receptores opióides
DOP
MOP
Encefalinas 2
Agonista
Agonista
Endorfina β 3
Agonista
Agonista
Dinorfinas 4
1
KOP
Agonista
Agonista
A potência da morfina é maior para os receptores MOP.
2
As encefalinas são mais potentes do que a morfina, a endorfina β e as dinorfinas
sobre os receptores DOP.
3
A endorfina β é mais potente do que as encefalinas e as dinorfinas sobre o receptor
MOP.
4
As dinorfinas são mais potentes do que as encefalinas e a endorfina β sobre o
receptor KOP.
Referências
- IUPHAR receptor database (November 2003): www.iuphar-db.org/iuphar-rd/
- Hughes J, Smith TW, Kosterlitz HW, Forthergill LA, Morgan BA, Morris HR (1975)
Identification of two related pentapeptides from the brain with potent opiate agonist
activity. Nature 258:577-579
- Martin WR, Eades CG, Thompson JA, Huppler RE, Gilbert PE (1976) The effects of
morphine- and nalorphine-like drugs in the nondependent and morphine dependent
chronic spinal dog. The Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics
197:517-532
- Gutsein HB, Akil H (2001) Opiod analgesics. In Hardman JG, Limbord LL (editors)
Goodman and Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th edition.
McGraw-Hill, New York, pp 569-619
DM 24.11.2003

Documentos relacionados

Farmacologia dos opioides- parte 1

Farmacologia dos opioides- parte 1 difusível que a ionizada. Em meios ácidos, como o estômago, os opióides apresentam alto grau de ionização e baixa absorção. Em contrapartida, em meios básicos, como intestino delgado, ocorre predom...

Leia mais