Segurança rodoviária e conservação da vida selvagem

Transcrição

Segurança rodoviária e conservação da vida selvagem
SEGURANÇA RODOVIÁRIA E CONSERVAÇÃO DA VIDA SELVAGEM
Marcela Barcelos Sobanski
Universidade Federal do Paraná – UFPR
Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura - ITTI
Philipe Ratton
Universidade Federal do Paraná – UFPR
Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura - ITTI
Eduardo Ratton
Universidade Federal do Paraná – UFPR
Departamento de Transportes do Setor de Tecnologia - DTT
Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura - ITTI
RESUMO
Atropelamentos de animais silvestres causam impactos significativos não apenas sobre a fauna local, mas
também sobre os usuários de rodovias. Se para os animais os atropelamentos podem constituir uma ameaça à
sobrevivência de certas espécies, para os motoristas, colidir com um animal ou tentar desviar do mesmo,
representa também um risco à sua segurança e pode resultar em custos significativos. No estado do Mato Grosso
do Sul, a BR-262 destaca-se como uma das principais rodovias federais, ligando Corumbá, na fronteira
Brasil/Bolívia, a Três Lagoas, na divisa com o estado de São Paulo. No trecho compreendido entre os municípios
de Anastácio (MS) e Corumbá (MS), a rodovia corta os biomas Cerrado e Pantanal. Neste segmento, os
atropelamentos de animais silvestres são recorrentes e, embora possam não ser impactantes para espécies
abundantes como fator condicionante para levar a um declínio da população, sempre colocam em risco a
segurança dos usuários da rodovia. Neste contexto, durante o período de junho de 2011 a maio de 2012, foram
realizadas inspeções com periodicidade semanal no trecho da BR-262/MS entre os municípios de Anastácio e
Corumbá, com o intuito de mapear os atropelamentos para identificar os pontos críticos e a partir destes propor
dispositivos visando à redução dos acidentes envolvendo a fauna local. Neste período, foi registrado um total de
610 animais silvestres atropelados, identificando-se 35 pontos críticos de atropelamentos de fauna, os quais
embasaram a elaboração de uma proposta de dispositivos de segurança, tanto para a fauna local como para os
usuários da rodovia, contemplando sinalização vertical de advertência e indicativa educativa diferenciada,
controladores eletrônicos de velocidade, cercas em segmentos críticos, supressão da vegetação nas áreas
contíguas à rodovia e educação ambiental.
Palavras-Chave: Acidentes; animais silvestres; pontos críticos.
ABSTRACT
Not only does a wildlife-vehicle collision cause significant impacts on the local wildlife, but also on road users.
If the roadkill of animals can pose a threat to the survival of certain species, for drivers, colliding with an
animal or trying to deviate from it, is also a risk to their safety and can result in significant costs. In the State of
Mato Grosso do Sul, BR-262 stands out as one of the major federal highways, from Corumbá, at the border
between Brazil and Bolivia, to Três Lagoas, at the border with the State of São Paulo. At the section between the
cities of Anastácio (MS) and Corumbá (MS), the highway goes through the Cerrado and Pantanal biomes. In
this stretch, trampling of wild animals are recurrent and, although they may not be as impactful for abundant
species as determinant factor to lead to a declination on the wild animals population, they always put in risk the
road users security. In this context, from June 2011 to May 2012, inspections were weekly performed in the
stretch of BR-262/MS between the cities of Anastácio and Corumbá, in order to map the roadkill, identify critical
points and propose devices to reduce the accidents involving wildlife. In this period, a total of 610 wild animals
run over was recorded and 35 critical points of trampling of fauna were identified, giving the basis for
development of a security devices proposal for local wildlife and highway users, contemplating road warning
signs and non-standard information signs, speed measurement radars, fences in the critical segments and
vegetation suppression in areas adjacent to the highway.
Keywords: Roadkill; wildlife; hotspots.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (2009), mais de 1,2 milhões de
pessoas morrem a cada ano nas estradas do mundo, e entre 20 e 50 milhões sofrem lesões não
fatais. O mesmo estudo mostra que as tendências atuais sugerem que até o ano de 2030, os
acidentes de trânsito se tornarão a quinta principal causa de morte no mundo.
No Brasil, segundo dados das estatísticas de acidentes rodoviários do Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes – DNIT, entre os anos de 2007 e 2011 foram registrados mais
de 800 mil acidentes, sendo 467,6 mil o total dos registros de feridos e 38,5 mil vítimas fatais.
Os custos associados aos acidentes rodoviários são diversos, entre gastos hospitalares, danos à
propriedade e impacto ambiental (CNT, 2012), existindo ainda aqueles “não-valorados” em
que segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2006): “todo esforço e
empenho na revelação científica, objetiva e insofismável, contida na valoração dos
componentes quantificáveis, não diminui a importância de outros impactos que sublinham a
magnitude gigantesca da dimensão não quantificável, sem tradução monetária, das perdas
humanas e ambientais associadas aos acidentes de trânsito”.
Neste contexto, acidentes rodoviários envolvendo animais silvestres têm impactos
significativos não apenas sobre os condutores dos veículos, mas também sobre a fauna local.
Se para os motoristas as colisões apresentam um perigo à segurança e pode resultar em custos
significativos, para a fauna, muitas vezes, o atropelamento pode representar uma ameaça para
a sobrevivência de certas espécies.
Na maioria dos casos, um animal que foi atropelado morre imediatamente ou logo após a
colisão. Segundo Huijser et al. (2008) essas mortes afetam a sobrevivência imediata de muitos
animais individuais, no entanto, elas também representam um grave problema de
conservação, onde quando a sobrevivência a longo prazo de uma população local ou regional
pode ser ameaçada, especialmente em combinação com outros fatores, tais como a perda de
habitat devido à agricultura e à urbanização.
Assim, colisões com animais silvestres nas rodovias não são apenas uma ameaça à segurança
humana, mas à sobrevivência das próprias espécies, dados os registros de atropelamento de
diversos animais ameaçados de extinção nas rodovias brasileiras.
A partir destas constatações, a identificação de pontos críticos (hotspots) de atropelamentos de
animais silvestres deve ser prioritária no planejamento rodoviário, como maneira de
maximizar o investimento em ações de mitigação, o que resultará em maior segurança aos
usuários das rodovias como e melhorias no âmbito de conservação da fauna.
No Mato Grosso do Sul, a BR-262 destaca-se como uma das principais rodovias federais do
estado, ligando Corumbá (MS), na fronteira Brasil/Bolívia, a Campo Grande (MS) e Três
Lagoas (MS), na divisa com o Estado de São Paulo. No subtrecho entre as cidades de
Anastácio a Corumbá, a rodovia BR-262/MS atravessa os Biomas Cerrado e Pantanal, sendo
os atropelamentos de animais silvestres recorrentes.
Desde meados de 2009, o referido subtrecho vem recebendo melhorias no pavimento e
implantação de acostamentos. Assim, no âmbito da gestão ambiental das obras, a
Universidade Federal do Paraná/Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura
executou, através de Termo de Cooperação Técnica com o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes – DNIT, o Programa de Monitoramento de Atropelamentos de
Fauna, tendo por objetivos: (i) identificar as espécies atingidas com maior frequência; (ii)
avaliar a distribuição espacial dos atropelamentos, identificando pontos críticos; e (iii) propor
mecanismos de proteção à fauna a serem adotados com o intuito de reduzir o impacto da
rodovia sobre a fauna silvestre, bem como o índice de acidentes.
2.
METODOLOGIA
2.1. Área de Estudo
O Programa de Monitoramento de Atropelamentos de Fauna foi realizado em um segmento de
284,2 quilômetros da BR-262, no Estado do Mato Grosso do Sul, entre os municípios de
Anastácio e Corumbá (Fig. 1).
Figura 1 – Localização da área de estudo do monitoramento de atropelamentos de fauna –
BR-262/MS, trecho de Anastácio a Corumbá.
2.2. Coleta dos Dados
As inspeções à rodovia para levantamento dos dados de atropelamentos de animais silvestres
foram realizadas semanalmente através da realização do trajeto de ida e volta do trecho
Anastácio a Corumbá a uma velocidade média de 60 km/h, durante o período de junho de
2011 a maio de 2012.
Todas as ocorrências de atropelamentos de animais silvestres foram registradas, sendo
anotados os dados referentes a espécie, posição geográfica e registro fotográfico. Ademais,
toda carcaça registrada foi removida da rodovia para evitar que fosse contabilizada
novamente.
Para a avaliação do tráfego da rodovia BR-262/MS, no trecho em estudo, foram solicitados os
registros da praça de pedágio de Porto Morrinho, localizada logo após a ponte sobre o rio
Paraguai, no sentido Campo Grande – Corumbá. Os dados foram fornecidos pela Secretaria
de Estado de Obras Públicas e de Transporte – SEOP, Agência Estadual de Gestão de
Empreendimentos – AGESUL. Os dados compreendem o período de junho de 2011 a maio de
2012, o mesmo período de amostragem do estudo.
Para a análise dos acidentes foi utilizado o banco de dados de acidentes de trânsito do DNIT,
formado tomando-se por base os registros efetuados pelo Departamento de Polícia Rodoviária
Federal - DPRF, nas rodovias federais sob jurisdição do DNIT, que os remete à Coordenação
Geral de Operações Rodoviárias - CGPERT/DIR. A base de dados conta com os registros dos
anos de 2005 a 2011.
2.3. Análise dos Dados
Para uma primeira análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva.
O teste de Kruskall-Wallis foi utilizado para avaliar a hipótese de que não há diferença entre
os registros de acidentes por ano e para o volume de tráfego mensal no subtrecho. As análises
foram realizadas no programa Bioestat 5.0 (Ayres et al., 2007).
Para a identificação de pontos críticos de atropelamentos foi utilizado o software Siriema.
Para detalhamento das análises efetuadas pelo software Siriema, ver Coelho et al. (2011).
3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Impacto sobre a fauna
Durante o período de junho de 2011 a maio de 2012, foram registrados 610 animais silvestres
atropelados. A média mensal de atropelamentos foi de 50,83 animais por mês, 2,14 animais
atropelados por km/ano, e quase dois por dia (1,67).
As espécies mais registradas foram: jacaré-do-pantanal (Caiman yacare) (n=114), cachorrodo-mato (Cerdocyon thous) (n=80), capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) (n=66), tamanduámirim (Tamandua tetradactyla) (n=65), tatu-peludo (Euphractus sexcinctus) (n=53), tatugalinha (Dasypus novemcinctus) (n=45), mão-pelada (Procyon cancrivorus) (n=25) e
tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) (n=25).
Entre outros registros que envolveram animais de maior porte, citam-se: anta (Tapirus
terrestris) (n=6) (Fig. 2(a)), veado (Mazama spp.) (n=4), queixada (Tayassu pecari) (n=12),
onça-pintada (Panthera onca) (n=1) e ema (Rhea americana) (n=2). A Figura 2(b) ilustra um
acidente ocorrido no trecho onde o veículo colidiu com uma anta.
(a)
(b)
Figura 2 – Registro de acidente na BR-262/MS, trecho de Anastácio a Corumbá, envolvendo
uma anta.
Ainda entre as espécies identificadas atropeladas na BR-262/MS, trecho de Anastácio a
Corumbá, P. onca (onça-pintada), Leopardus pardalis (jaguatirica), Chrysocyon brachyurus
(lobo-guará) e M. tridactyla (tamanduá-bandeira) estão no Livro Vermelho da Fauna
Brasileira Ameaçada de Extinção (MMA, 2008), na categoria vulnerável. Já a anta (T.
terrestris) e novamente o tamanduá-bandeira (M. tridactyla) também estão classificados como
vulneráveis na Lista Vermelha da International Union for Conservation of Nature – IUCN
(versão 2012.2).
3.2. Estatística de acidentes rodoviários
Segundo o relatório de estatística de acidentes rodoviários do DNIT, em 2011, ocorreram
cerca de 188,9 mil acidentes nas rodovias federais, 6.000 a mais que no ano anterior. No
período de 2005 a 2011, houve crescimento de 58% no volume de acidentes registrados (Fig.
3).
Figura 3 – Variação anual do registro de acidentes em rodovias federais.
Fonte: Banco de dados de acidentes de trânsito do DNIT de 2005-2011.
Os dados de acidentes na rodovia BR-262/MS, no trecho de Anastácio a Corumbá, entre os
anos de 2005 e 2011, somam 1054 registros. A análise estatística resultou em diferença
significativa (H=24,2208; g.l.=6; p=0,0005) entre os registros do ano de 2006 e os anos de
2008, 2009 e 2010, demonstrando um aumento significativo no número de acidentes (Fig. 4).
Figura 4 – Variação anual do registro de acidentes na BR-262/MS, no trecho em estudo.
Fonte: Banco de dados de acidentes de trânsito do DNIT de 2005-2011.
Quanto ao tipo de acidente, os maiores registros são de saída da pista com 43% (n=451) e
atropelamentos de animais com 23% (n=242). Acredita-se que grande parte dos registros de
saída da pista seja decorrente de manobras na tentativa de desviar de algum animal que estava
atravessando a rodovia.
Ao analisar o horário em que ocorreram os acidentes envolvendo atropelamento de animais,
86% (n=209) destes foram registrados no período da noite e madrugada (Fig. 5), o que pode
estar associado à menor visibilidade do motorista e ao fato da fauna se deslocar
preferencialmente em horas que as temperaturas são mais amenas.
Figura 5 – Total de registros (n) de atropelamentos de animais para os períodos do dia.
Fonte: Banco de dados de acidentes de trânsito do DNIT de 2005-2011.
O baixo número de registros de acidentes envolvendo animais (n=242 para 2005 a 2011), se
comparado ao registro do monitoramento apresentado (n=610 para 1 ano jun/2011 a
mai/2012), provavelmente se deve ao fato de o motorista acionar a Polícia Rodoviária Federal
ou registrar boletim de ocorrência apenas quando este tem prejuízo material relevante, ou
quando o acidente envolve vítimas, o que ocorre em colisões com animais de porte maior,
como antas, cervos ou animais domésticos como cavalos e gado.
Quanto à gravidade dos acidentes, do total de registros no trecho em análise, 59% (n=621)
não apresentaram vítimas, 35% (n=373) causaram ferimentos, 5% (n=51) envolveram mortes
e 1% (n=9) não foi informado.
3.3. Identificação dos pontos críticos
A Figura 6 ilustra os atropelamentos de animais silvestres por quilômetro da rodovia BR262/MS, trecho de Anastácio a Corumbá, e a Figura 7Figura 7 ilustra a determinação dos
pontos de maior agregação de mortalidade (hotspots), tendo sido identificados 35 pontos.
Figura 6 – Número de atropelamentos por quilômetro da rodovia BR-262/MS, trecho de
Anastácio a Corumbá.
Figura 7 – Resultado da análise de hotspots na BR-262/MS, trecho Anastácio a Corumbá. A
linha preta representa a intensidade de agregação de atropelamentos observados e as linhas
cinzas representam os limites de confiança.
3.4. Medidas de mitigação
A partir do levantamento de dados e da identificação dos pontos críticos de atropelamentos de
animais silvestres, foi elaborada uma proposta de medidas e dispositivos de redução de
acidentes e de proteção à fauna a serem instalados na BR-262/MS, trecho em estudo, a saber:
 Sinalização vertical de advertência diferenciada;
 Supressão e manutenção da vegetação na faixa de domínio da rodovia, ao longo de todo o
subtrecho;
 Instalação de controladores eletrônicos de velocidade;
 Cercas de proteção em segmentos mais críticos;
 Educação ambiental.
3.4.1 Sinalização vertical de advertência diferenciada
A sinalização rodoviária de aviso da travessia de animais silvestres é provavelmente a medida
de mitigação mais comumente aplicada em rodovias para tentar reduzir os atropelamentos de
fauna (Forman et al. 2003, Sullivan & Messmer 2003 apud Huijser & Kociolek, 2008).
Segundo Huijser & Kociolek (2008), a sinalização adverte o motorista para a possível
presença de animais selvagens na rodovia ou perto desta, com a finalidade de alertá-los a
reduzir a velocidade, impedindo uma colisão ou reduzindo a gravidade no caso de uma
colisão a velocidades mais baixas de impacto.
Uma vez que a eficácia dos sinais de aviso depende da resposta do condutor, é essencial que
os sinais de aviso sejam confiáveis (isto é, o condutor é avisado quando há uma possibilidade
relativamente elevada de travessia de fauna em localizações específicas). Assim, esta
sinalização deve ser colocada em trechos da rodovia que excedam certo risco mínimo de
colisões com animais, contudo, na prática a sinalização é amplamente distribuída como
maneira do órgão rodoviário responsável se precaver no caso de colisões com animais.
Segundo o Manual de Sinalização Rodoviária do DNIT (2010), os sinais de advertência são
utilizados sempre que se julgar necessário chamar a atenção dos usuários para situações
potencialmente perigosas, obstáculos ou restrições existentes, na via ou em suas adjacências,
indicando a natureza das situações à frente, sejam permanentes ou eventuais.
A resposta esperada do condutor de um veículo à sinalização rodoviária de advertência
compreende um estado de alerta maior e a diminuição da velocidade do veículo. Segundo
Green (2000 apud Huijser et al., 2008), o tempo de reação do motorista a um evento incomum
e inesperado pode ser reduzido de 1,5s para 0,7s se o motorista for alertado para a
possibilidade do evento. Igualmente, a velocidade mais baixa do veículo permite um tempo de
reação maior e, no caso de a colisão ainda acontecer, é provável que tenha menor gravidade.
Assim, a conscientização do condutor e a sua resposta são influenciadas pelo tipo de sinal de
alerta. Desta maneira, propõe-se a utilização de pictogramas da fauna local, pois acredita-se
que a facilidade de reconhecimento e a resposta emocional ao utilizar a fauna local pode ser
mais eficaz do que a sinalização padrão.
Rodrigues (2002) também coloca que deveria ser incluso no curso teórico para a aquisição da
carteira nacional de habilitação, conteúdo que informe e oriente a respeito do atropelamento
de fauna. A alteração do pictograma padrão da placa A-36 traria à tona esta oportunidade, ou
seja, a de se trabalhar a educação ambiental dos futuros motoristas.
A utilização da fauna local como pictogramas para a sinalização de alerta da possibilidade de
travessia de animais silvestres já é usual em países como Austrália, Canadá e Estados Unidos
(Fig. 8).
(a)
(b)
(d)
(c)
(e)
Figura 8 – Sinalização de advertência para travessia de animais silvestres. Austrália: (a) coala,
(b) canguru; Estados Unidos da América: (d) puma, (e) urso; e Canadá: (f) alce.
Na BR-262/MS, subtrecho de Anastácio a Corumbá, recomenda-se que as placas de
advertência representem a fauna de maior porte, a qual pode ocasionar, no caso de uma
colisão, acidentes mais graves. Assim, no empreendimento em questão, foi proposta a
utilização de placas de sinalização de advertência com a seguinte fauna: anta (T. terrestris),
tamanduá-bandeira (M. tridactyla), cervo-do-pantanal (B. dichotomus), onça-pintada (P.
onca) e capivara (H. hydrochaeris) (Fig. 9, Fig. 10 e Fig. 11).
(a)
(b)
(d)
(c)
(e)
Figura 9 – (a) anta, (b) tamanduá-bandeira, (c) cervo-do-pantanal, (d) onça-pintada e (e)
capivara.
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
Figura 10 – (a) anta, (b) tamanduá-bandeira, (c) cervo-do-pantanal, (d) onça-pintada e (e)
capivara.
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
Figura 11 – (a) anta, (b) tamanduá-bandeira, (c) cervo-do-pantanal, (d) onça-pintada e (e)
capivara.
Ressalta-se que para a utilização da sinalização proposta, a mesma terá de ser primeiramente
aprovada pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, uma vez que o Código de
Trânsito Brasileiro (CTB), Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, estabelece em seu Artigo
72 que: “Todo cidadão ou entidade civil tem o direito de solicitar, por escrito, aos órgãos ou
entidades do Sistema Nacional de Trânsito, sinalização, fiscalização e implantação de
equipamentos de segurança, bem como sugerir alterações em normas, legislação e outros
assuntos pertinentes a este Código”.
Ainda segundo o CTB, compete ao CONTRAN aprovar, complementar ou alterar os
dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito (Art. 12, Inciso XI),
podendo autorizar, em caráter experimental e por período prefixado, a utilização de
sinalização não prevista neste Código (Art. 80, § 2º).
3.4.2 Manejo da vegetação na faixa de domínio
Como apontado por Catella et al. (2010), a existência de densa vegetação arbustiva e arbórea
contígua a rodovia faz com que essas áreas se transformem em refúgio de animais e dificulte a
visibilidade dos condutores, causando o efeito surpresa, que dificulta a frenagem do veículo e
aumenta o risco de impactos (Fig. 12).
Figura 12 – Vegetação densa contígua à rodovia BR-262/MS no trecho de Anastácio a
Corumbá.
Segundo Huijser & Kociolek (2008), a remoção da vegetação nas proximidades da rodovia,
especialmente arbustos e árvores, pode permitir que os motoristas enxerguem a aproximação
dos animais, evitando colisões. Os mesmos autores relatam uma redução média de 38% nos
atropelamentos com a adoção desta medida.
Deve-se ressaltar que a manutenção da supressão deve ser feita continuamente, caso contrário,
a remoção dos arbustos e árvores pode resultar em crescimento de gramíneas que atrairá
outros animais para próximo da rodovia. Para evitar isto também se pode optar pelo plantio de
espécies de gramíneas menos palatáveis, que não serão tão atrativas.
3.4.3 Cercas para animais silvestres
A utilização de cercas em trechos muito extensos de uma rodovia pode aumentar o efeito de
barreira que a mesma já exerce sobre a fauna, interrompendo a dispersão e podendo reduzir a
probabilidade de sobrevivência de populações. Assim, a utilização de cercas para impedir o
acesso da fauna à rodovia deve ser acompanhada de travessias seguras, além de apresentar
oportunidades de escape para os animais que conseguirem transpor a barreira.
As cercas podem ser usadas para reduzir os atropelamentos de uma gama de espécies,
devendo ser adaptadas conforme o tamanho das espécies alvo, sendo muitas vezes destinadas
a mamíferos de grande porte, especialmente aqueles que não podem facilmente subir ou
atravessar as cercas.
Segundo Huijser e Kociolek (2008), quando instaladas e mantidas corretamente, as cercas
para animais silvestres podem formar uma barreira quase intransponível de grandes
mamíferos, eliminando ou reduzindo substancialmente o número de atropelamentos. Diversos
estudos relatam uma redução de 80 a 95% nas taxas de atropelamentos com a adoção dessa
medida.
Para se evitar ou diminuir o efeito barreira das cercas para os animais silvestres, estas devem
ser preferencialmente instaladas onde existam estruturas que funcionem como passagens de
fauna inferiores (pontes e bueiros de maiores diâmetros).
Para a fauna que conseguir acessar a rodovia e ficar presa entre as cercas, devem ser previstas
áreas de escape que permitam o retorno do animal ao ambiente seguro. E, para evitar a
concentração de atropelamentos nas extremidades das cercas, recomenda-se a instalação de
controladores de velocidade nesses pontos.
3.4.4 Controlador eletrônico de velocidade
Segundo Meese et al. (2007), as características do tráfego, ou seja, o volume e a velocidade,
interagem de formas complexas com a vida selvagem que tenta cruzar a rodovia. Sempre que
volume e velocidade de tráfego são elevados, a maioria dos animais percebe a estrada como
uma barreira e tende a não atravessar. Por outro lado, baixos volumes de tráfego podem levar
alguns animais a não perceberem a estrada como uma barreira e assim tentarem atravessá-la.
Ocorre também que, baixos volumes de tráfego geralmente são acompanhados por aumento
da velocidade de tráfego, o que pode causar o aumento das taxas de atropelamento de animais.
Nem sempre esta condição é válida, podendo haver alta incidência de atropelamentos de
fauna em trechos de rodovias mais movimentados, não sendo prudente generalizações.
Entretanto, o que a maioria dos estudos aponta é que o número de animais mortos em
rodovias é significativamente correlacionado com a velocidade dos veículos. Hobday e
Minstrell (2008) observaram que os atropelamentos de fauna na Tasmânia, Austrália,
normalmente ocorrem em rodovias em que o tráfego pratica velocidades mais elevadas, com
50% dos atropelamentos detectados quando a velocidade do veículo é superior a 80 km/h.
Huijser & Kociolek (2008) também apontam que em situações de velocidades relativamente
altas (por exemplo, ≥ 80 km/h), uma redução mínima da velocidade pode ser benéfica, visto
que conduz à diminuição do risco de uma colisão severa. Kloeden et al. (2001, apud Huijser
& Kociolek, 2008) estimaram que uma redução de 5 km/h em velocidades em torno de 80
km/h nas rodovias pode diminuir os atropelamentos em até 32%. Além disso, a velocidades
mais baixas o motorista consegue ter um tempo de frenagem menor, o que pode não só
reduzir a gravidade de um acidente, mas também ajudar a evitar uma colisão (Huijser &
Kociolek, 2008).
A capacidade de uma rodovia de pista simples é de 3200 ucp/h (equivalentes de carros de
passeio/hora) (HCM - Highway Capacity Manual, 2000), para ambos os sentidos de tráfego.
A rodovia BR-262/MS, trecho em estudo, apresenta um volume médio diário anual (VMDA)
de 1149 veículos/dia, o que corresponde a aproximadamente 48 ucp/h. Com base neste dado,
podemos inferir que a rodovia apresenta um baixo fluxo de tráfego. Este fator aliado à
geometria da rodovia, praticamente retilínea, e à falta de fiscalização, faz com que a
velocidade praticada pelos usuários seja extremamente alta, dificilmente inferior a 120 km/h.
Estas características corroboram com o observado por Meese et al. (2007), que afirmam que
rodovias com baixos volumes de tráfego geralmente são acompanhadas por aumento da
velocidade de tráfego, a qual pode levar ao aumento das taxas de atropelamentos de animais.
Hobday e Minstrell (2008) colocam que medidas de mitigação que alterem o comportamento
humano podem ser mais eficazes do que medidas que busquem a mitigação através de
mudanças no comportamento da fauna local afetada pela rodovia, e que uma estratégia
amplamente utilizada é o ajuste da velocidade de tráfego. Assim, o que é proposto para a BR262/MS, trecho de Anastácio a Corumbá, não são redutores de velocidade, mas controladores
que fiscalizem a velocidade regulamentar da rodovia, que não é respeitada pelos usuários.
3.4.5 Educação Ambiental
Segundo Catella et al. (2010), um dos meios para se reduzir os atropelamentos dos animais
nas rodovias é a condução dos veículos por motoristas bem informados, o que pode ser
alcançado através de campanhas educativas que visam divulgar aspectos sobre o
comportamento dos animais e sensibilizar os usuários da rodovia.
Neste sentido, foram desenvolvidas diversas ações pelos programas de Educação Ambiental e
Comunicação Social na região, junto a órgãos públicos, empresas de transporte, mídias locais
e comunidades de Anastácio, Miranda e Corumbá. Dentre as atividades, se destacaram: (i) a
produção de um videoclipe com a música “O Bicho”, canção que aborda problemas relativos
ao atropelamento de fauna na BR-262/MS; (ii) explanação da Campanha de conscientização
junto às comunidades e motoristas, com a entrega de CDs, folders e colocação de adesivo;
(iii) e a realização de pesquisa de opinião pública, onde, quando indagados sobre o
conhecimento ou não do grande número de animais vítimas de atropelamentos na região,
91,26% dos 595 entrevistados afirmaram que esse é um problema recorrente, entre os quais
45,11% já presenciaram, pelo menos um acidente com o envolvimento de animais. Quando
questionados sobre as possíveis causas da grande incidência de acidentes com animais na
região, 48,61% assinalaram que uma das principais causas é o excesso de velocidade dos
veículos que trafegam pela rodovia.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acidentes rodoviários envolvendo animais são preocupantes tanto do ponto de vista de
conservação da vida silvestre quanto da segurança dos usuários da rodovia. Se apenas uma
pequena proporção de acidentes com animais resultam em mortes humanas, na maioria dos
casos, um animal que foi atropelado morre imediatamente ou logo após a colisão.
Assim, enquanto a coleta e o monitoramento de dados não têm benefícios diretos na redução
dos atropelamentos, dados sobre a magnitude, a tendência e a localização destas ocorrências
podem destacar claramente o problema, documentar a necessidade de mitigações e permitir
um processo de priorização dos possíveis locais de mitigação, sendo a melhor maneira de
garantir que atenuações apropriadas sejam instaladas nos locais onde haverá um maior
impacto (Huijser et al., 2008). Ou seja, dados dos registros de atropelamento são
fundamentais para justificar e priorizar locais para implantação de medidas de mitigação.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes pela oportunidade de
execução dos trabalhos relatados, bem como por poderem contribuir com o desenvolvimento da questão
ambiental atrelada à execução de obras de infraestrutura de transportes.
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