capítulo 1 - Comunidade da Construção

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capítulo 1 - Comunidade da Construção
Capítulo 1 – Considerações Iniciais
CAPÍTULO
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1. Conceito Estrutural Básico
O principal conceito estrutural ligado à utilização da alvenaria estrutural é a transmissão de
ações através de tensões de compressão. Esse é o conceito crucial a ser levado em conta quando se
discute a alvenaria como processo construtivo para elaboração de estruturas. É evidente que,
especialmente no presente, se pode admitir a existência de tensões de tração em determinadas
peças. Entretanto, essas tensões devem preferencialmente se restringir a pontos específicos da
estrutura, além de não apresentarem valores muito elevados. Em caso contrário, se as trações
ocorrerem de forma generalizada ou seus valores forem muito elevados, a estrutura pode ser até
mesmo tecnicamente viável, mas, dificilmente será economicamente adequada.
Assim, pode-se perceber porque o sistema construtivo se desenvolveu inicialmente através do
empilhamento puro e simples de unidades, tijolos ou blocos, de forma a cumprir a destinação
projetada. Nessa fase inicial, vãos até podiam ser criados, mas sempre por peças auxiliares, como,
por exemplo, vigas de madeira ou pedra. É importante mencionar que os vãos criados através desse
sistema apresentavam uma deficiência séria: a necessidade de serem executados com dimensões
relativamente pequenas.
Além disso, existia o problema óbvio da durabilidade, no caso de se utilizar para essas vigas
um material de vida útil relativamente pequena quando comparado ao que era utilizado nas alvenarias
propriamente dita. Esse era o caso, por exemplo, de vigas de madeira utilizadas sobre alvenarias
cerâmicas de pedra. É principalmente por causa disso que muitas construções da antiguidade não
podem ser apreciadas em sua plenitude. Exemplos eloqüentes são as construções de Pompéia, figura
1.1(a), ou as ruínas de Babilônia, figura 1.1(b), onde as paredes são originais, mas os pavimentos e
telhados, quando existem, são partes reconstruídas, pois os originais desapareceram com o correr
dos séculos.
Com o desenvolvimento do sistema construtivo, percebeu-se que uma alternativa interessante
e viável para a execução dos vãos seriam os arcos. Nesse caso, os vãos poderiam ser obtidos
através do conveniente arranjo das unidades, de forma a se garantir o preceito básico da não
existência de tensões de tração de valores significativos. A figura 1.2(a) apresenta, de forma
esquemática, um vão produzido dentro dessa concepção. Dessa forma puderam ser executadas
pontes e muitas outras obras de grande beleza e durabilidade, obtendo-se um salto de qualidade
significativo para o sistema construtivo em análise.
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
a) Pompéia
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b) Babilônia
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Fig. 1.1
a) Arco simples
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b) Arco contraventado
Fig. 1.2
Talvez os mais marcantes exemplos de estruturas que se utilizaram de forma generalizada
desse procedimento para a obtenção de amplos espaços internos tenham sido as catedrais góticas do
final da idade média e começo do renascimento. Com os tetos em abóbadas suportadas por arcos de
alvenaria, essas construções aliavam a beleza das formas à durabilidade. Essas estruturas, quando
necessário, foram construídas até mesmo com arcos que se apoiavam em outros arcos de
contraventamento, evitando-se as tensões de tração de valores elevados e permitindo-se a criação de
vãos e pés-direito relativamente grandes. É o esquema que se apresenta na figura 1.2(b), e que pode
ser visto claramente, por exemplo, na parte posterior da igreja de Notre Dame, em Paris.
1.2. Aspectos Históricos e Desenvolvimento do Sistema
A alvenaria é um sistema construtivo muito tradicional, tendo sido muito utilizado desde o
início da atividade humana de executar estruturas para os mais variados fins. Com a utilização de
blocos de diversos materiais, como argila, pedra e outros, foram produzidas obras que desafiaram o
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MICROSOFT ENCARTA 96 ENCYCLOPEDIA (1996) Microsoft Corporation
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA (1990)
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
tempo, atravessando séculos ou mesmo milênios e chegando até nossos dias como verdadeiros
monumentos de grande importância histórica. Outras edificações não têm grande importância
histórica geral, mas, dentro do sistema construtivo estudado acabaram se tornando marcos a serem
mencionados.
Assim sendo, aqui serão apresentados alguns exemplos que podem ser considerados
importantes para o entendimento do desenvolvimento do sistema construtivo em análise. Não se
pretende aqui discutir de forma detalhada a história da alvenaria, mas, apenas apresentar um rápido
resumo da evolução desse sistema construtivo ao longo do tempo, em especial destacando-se os
seus aspectos estruturais.
1.2.1. Pirâmides de Guizé
São três grandes pirâmides, Quéfren, Queóps e Miquerinos, construídas em blocos de pedra
que datam de aproximadamente 2600 anos antes de Cristo. A Grande Pirâmide, túmulo do faraó
Queóps e que aparece na figura 1.3(a), mede 147 m de altura e sua base é um quadrado de 230 m
de lado. Em sua construção foram utilizados aproximadamente 2,3 milhões de blocos, com peso
médio de 25 kN.
Por essas características, as pirâmides de Guizé são consideradas grandes monumentos da
antiguidade, símbolos da capacidade dos faraós de mobilizarem verdadeiros exércitos de
trabalhadores durante longos períodos. Entretanto, do ponto de vista estrutural, as pirâmides não
apresentavam nenhuma grande inovação, sendo construídas através da colocação de blocos, uns
sobre os outros, de maneira a produzirem a forma piramidal que as caracterizam.
1.2.2. Farol de Alexandria
Construído em uma das ilhas em frente ao porto de Alexandria, Faros, aproximadamente 280
anos antes de Cristo, é o mais famoso e antigo farol de orientação. Construído em mármore branco,
com 134 m de altura, possuía um engenhoso sistema de iluminação, baseado em um jogo de
espelhos.
(a) Grande Pirâmide de Guizé
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(b) Farol de Alexandria
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Fig. 1.3
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http://geocities.com/TheTropics/Shores/7037/pharos.htm
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
Do ponto de vista estrutural tratava-se de uma obra marcante, com altura equivalente a um
prédio de 45 pavimentos. Infelizmente, foi destruído por um terremoto no século XIV, restando apenas
as suas fundações como um testemunho de sua grandeza. As imagens que podem ser apresentadas
para representá-lo, como a que se mostra na figura 1.3(b), são apenas tentativas de esboçar o que
infelizmente só se conhece por descrições contidas em textos bastante antigos.
1.2.3. Coliseo
Esse grande anfiteatro, com capacidade para 50.000 pessoas, é um maravilhoso exemplo de
arquitetura romana, com mais de 500m de diâmetro e 50m de altura, figura1.4(a). Construído por volta
do ano 70 DC possuía 80 portais, de forma que toda as pessoas que estivessem assistindo aos
espetáculos lá realizados pudessem entrar e sair com grande rapidez.
Outra característica interessante, agora quanto ao aspecto estrutural, é que os teatros
romanos, ao contrário dos teatros gregos que se aproveitavam de desníveis naturais de terrenos
apropriados, eram suportados por pórticos formados por pilares e arcos. Essa característica estrutural
lhes conferia uma maior liberdade em termos de localização, podendo estar situados até mesmo nos
centros das grandes cidades.
(a) Coliseo
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(b) Catedral de Reims
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Fig. 1.4
1.2.4. Catedral de Reims
É um grande exemplo de catedral gótica e aparece na figura 1.4(b). Construída entre 1211 e
1300 DC demonstra a aprimorada técnica de se conseguir vãos relativamente grandes utilizando-se
apenas estruturas comprimidas. Seu interior é amplo, com os arcos que sustentam o teto sendo
apoiados em pilares esbeltos, que, por sua vez, são contraventados adequadamente por arcos
externos.
As catedrais góticas em geral, e a catedral de Rheims em particular, podem ser citadas como
os grandes exemplos de estruturas de alvenaria com interiores que conferem sensação de amplitude
e grandeza. Ao se adentrar nessas edificações fica claro que, apesar de todas as limitações que os
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
procedimentos empíricos impunham aos arquitetos desses edifícios, as técnicas construtivas que
foram sendo refinadas ao longo de séculos acabaram produzindo resultados muito satisfatórios.
1.2.5. Edifício Monadnock
Foi construído em Chicago de 1889 a 1891 e aparece na figura 1.5(a). Com seus 16
pavimentos e 65m de altura, foi considerado uma obra ousada, como se explorasse os limites
dimensionais possíveis para edifícios de alvenaria.
Entretanto, por causa dos métodos empíricos de dimensionamento empregados até então, as
paredes na base têm 1,80 m de espessura. Acredita-se que se fosse dimensionado pelos
procedimentos utilizados atualmente, com os mesmos materiais, essa espessura seria inferior a 30
cm.
(a) Edifício Monadnock
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(b) Hotel Excalibur
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Fig. 1.5
1.2.6. Hotel Excalibur em Las Vegas
Segundo AMRHEIN (1998), o mais alto edifício em alvenaria estrutural da atualidade é o Hotel
Excalibur, em Las Vegas, EUA, mostrado na figura 1.5(b).
O complexo do hotel é formado por quatro torres principais, com 28 pavimentos, cada uma
contendo 1008 apartamentos. As paredes estruturais foram executadas em alvenaria armada de
blocos de concreto e a resistência à compressão especificada na base foi de aproximadamente 28
MPa.
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA (1990)
AMRHEIN (1998)
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
1.2.7. Alvenaria Não-Armada na Suíça
Outro marco importante na história das construções em alvenaria é um edifício construído em
1950, por Paul Haller, na Basiléia, Suíça. O edifício, com 13 pavimentos e 42 m de altura, foi
executado em alvenaria estrutural não armada. A espessura das paredes era de 15 cm, para paredes
internas, e 37,5 cm, para as paredes externas.
Considerando-se esses dados e sabendo-se que as paredes internas é que recebem a maior
parte das cargas da edificação, pode-se concluir que o dimensionamento deve ter sido realizado com
base em procedimentos não muito diferentes dos que se utiliza atualmente. A largura de 15 cm para
as paredes mais solicitadas é exatamente a que se obteria em um dimensionamento convencional
utilizando-se qualquer uma das principais normas internacionais. Muito provavelmente a largura das
paredes externas, de 37,5 cm, foi adotada em função de características relacionadas ao conforto
térmico.
1.2.8. Primeiros Edifícios Residenciais no Brasil
O sistema construtivo em alvenaria é utilizado no Brasil desde que os portugueses aqui
desembarcaram no início do século XVI. Entretanto, a alvenaria com blocos estruturais, que pode ser
encarada como um sistema construtivo mais elaborado e voltado para a obtenção de edifícios mais
econômicos e racionais, demorou muito a encontrar o seu espaço.
A cronologia das edificações realizadas com blocos vazados estruturais é um pouco
controversa, mas, pode-se supor que os primeiros edifícios construídos no Brasil tenham surgido em
1966, em São Paulo. Foram executados com blocos de concreto e tinham apenas quatro pavimentos,
conforme se apresenta na figura 1.6(a).
Edifícios mais elevados foram construídos, também em São Paulo, em 1972. O condomínio
Central Parque Lapa tinha quatro blocos com 12 pavimentos em alvenaria armada de blocos de
concreto, figura 1.6(b).
(a)
(b)
Fig. 1.6 – Primeiros edifícios residenciais no Brasil
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA (1990)
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
Um pouco posterior é o edifício Muriti, em São José dos Campos, com 16 pavimentos.
Também foi executado em alvenaria armada de blocos vazados de concreto.
Em alvenaria não-armada, apenas em 1977 se tem notícia dos primeiros edifícios, com nove
pavimentos. Essas edificações foram executadas com blocos sílico-calcáreos, com 24 cm de largura
para as paredes estruturais.
Dessa forma, apesar de sua chegada tardia, o sistema acabou se firmando como uma
alternativa eficiente e econômica para a execução de edificações residenciais e também industriais.
Com um desenvolvimento mais lento a princípio e bem mais rápido nos últimos anos, o sistema
acabou sendo muito bem aceito, o que se pode perceber principalmente quando se considera o
número de empresas produtoras de blocos, tanto de concreto como cerâmicos, existentes na
atualidade.
1.2.9. Situação Atual no Brasil
Atualmente, no Brasil, o sistema construtivo em alvenaria tem experimentado um grande
impulso. Devido à estabilização da economia, a concorrência tem feito com que um número crescente
de empresas passe a se preocupar com os custos, acelerando as pesquisas e a utilização de novos
materiais.
Dentro do sistema alvenaria, a alvenaria não-armada de blocos vazados de concreto parece
ser um dos mais promissores, tanto pela economia proporcionada como pelo número de fornecedores
já existentes. Sua utilização é mais indicada em edificações residenciais de padrão baixo ou médio
com até 12 pavimentos. Nesses casos utilizam-se paredes com espessura de 15 cm e a resistência
normalmente necessária é de 1 MPa para cada pavimento acima do nível considerado.
Entretanto, a alvenaria de blocos cerâmicos também ganha força, com o aparecimento de
fornecedores confiáveis para resistências da ordem de 10 MPa. Apesar de, no momento, ser mais
utilizada em edificações de poucos pavimentos, pode-se considerar que dentro de algum tempo os
blocos cerâmicos passarão a disputar com os blocos de concreto a utilização em edifícios de até 10
pavimentos.
1.3. Componentes da Alvenaria Estrutural
Neste item serão apresentadas algumas características dos principais componentes da
alvenaria estrutural. Inicialmente é importante se ressaltar dois conceitos básicos que são aqui
necessários: componente e elemento. Neste texto, esses conceitos são mencionados com o
significado que possuem na NBR 10837 Cálculo de Alvenaria Estrutural de Blocos Vazados de
1
Concreto . Essa norma de cálculo, entretanto, os apresenta de forma diversa da NBR 8798 Execução
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e controle de obras de alvenaria estrutural de blocos vazados de concreto . Assim, torna-se
necessário um esclarecimento cabal sobre os significados aqui adotados.
Entende-se por um componente da alvenaria uma entidade básica, ou seja, algo que compõe
os elementos que, por sua vez, comporão a estrutura. Os componentes principais da alvenaria
estrutural são: blocos, ou unidades; argamassa; graute e armadura. Já os elementos são uma parte
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1989)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1985)
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
suficientemente elaborada da estrutura, sendo formados por pelo menos dois dos componentes
anteriormente citados. Como exemplo de elementos podem ser citados: paredes, pilares, cintas,
vergas, etc.
1.3.1. Bloco
Como componentes básicos da alvenaria estrutural, os blocos são os principais responsáveis
pela definição das características resistentes da estrutura.
Quanto ao material componente, os blocos mais utilizados no Brasil para edificações de
alvenaria estrutural são, em ordem decrescente de importância: blocos de concreto, blocos cerâmicos
e blocos sílico-calcáreos.
Quanto à forma os blocos podem ser maciços ou vazados. São considerados blocos maciços
aqueles que possuem um índice de vazios de no máximo 25% da área total. Se os vazios excederem
esse limite, o bloco é classificado como vazado. Desse detalhe advém dois conceitos de grande
importância estrutural. A tensão que se refere à área total da unidade, desconsiderando-se os vazios,
é chamada tensão em relação à área bruta. Já a tensão calculada descontando-se a área de vazios é
chamada de tensão em relação à área líquida. No Brasil, é muito mais comum a referência à área
bruta e assim, exceto quando for feita uma observação explícita sobre esse ponto, todas as tensões
aqui mencionadas serão referidas à área bruta. Usualmente, os blocos vazados apresentam uma área
de vazios em torno de 50%. Dessa forma a conversão da tensão na área bruta para a tensão na área
líquida se faz multiplicando-se o primeiro valor por dois.
Já quanto à aplicação, os blocos podem ser classificados em blocos de vedação e blocos
portantes. Neste texto apenas estarão sendo tratados os blocos portantes. Assim, é importante
observar o que está mencionado nas normas brasileiras quanto às resistências mínimas que devem
apresentar essas unidades. A NBR 6136 Blocos vazados de Concreto Simples para Alvenaria
1
Estrutural especifica que a resistência característica do bloco à compressão, medida em relação à
área bruta, deve obedecer aos seguintes limites:
fbk ≥ 6 MPa
: blocos em paredes externas sem revestimento
fbk ≥ 4,5 MPa : blocos em paredes internas ou externas com revestimento.
Portanto, na prática, só podem ser utilizados blocos de concreto com resistência característica
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de no mínimo 4,5 MPa. Já a NBR 7171 Bloco Cerâmico para Alvenaria menciona que para os blocos
portantes cerâmicos a resistência mínima deve ser de 4 MPa.
1.3.2. Argamassa
A argamassa de assentamento possui as funções básicas de solidarizar os blocos, transmitir
e uniformizar as tensões entre as unidades de alvenaria, absorver pequenas deformações e prevenir
a entrada de água e de vento nas edificações. Usualmente composta de areia, cimento, cal e água, a
argamassa deve reunir boas características de trabalhabilidade, resistência, plasticidade e
durabilidade para o desempenho de suas funções.
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1980)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1983)
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
Para o projetista é necessário o conhecimento da resistência média à compressão da
argamassa, uma vez que a NBR 10837 especifica diferentes valores de tensão admissível à tração e
ao cisalhamento para a alvenaria em função deste parâmetro. No entanto, a resistência à compressão
da argamassa não é tão significativa para a resistência à compressão das paredes, conforme ficará
claro em item subseqüente. Mais importante que essa característica de resistência é a plasticidade,
que realmente permite que as tensões sejam passadas de modo uniforme de um bloco para outro.
1.3.3. Graute
O graute é um concreto com agregados de pequena dimensão e relativamente fluido,
eventualmente necessário para o preenchimento dos vazios dos blocos. Sua função é promover o
aumento da área da seção transversal das unidades ou promover a solidarização dos blocos com
eventuais armaduras posicionadas nos seus vazios. Dessa forma pode-se aumentar a capacidade
portante da alvenaria à compressão ou permitir que as armaduras colocadas combatam tensões de
tração que a alvenaria por si só não teria condições de resistir. É interessante ressaltar que a NBR
8798 estabelece quantidades limites de cimento, cal e agregados para dosagens não experimentais, o
que pode ser consultado como referência sempre que necessário.
Considera-se
que
o
conjunto
bloco,
graute
e
eventualmente
armadura,
trabalhe
monoliticamente, de maneira análoga ao que ocorre com o concreto armado. Para tanto o graute deve
envolver completamente as armaduras e aderir tanto a ela quanto ao bloco, de modo a formar
realmente um conjunto único.
Segundo a NBR 10837 o graute deve ter sua resistência característica maior ou igual a duas
vezes a resistência característica do bloco. Essa recomendação é fácil de ser entendida quando se
recorda que a resistência característica do bloco é referida à área bruta e que o índice de vazios para
os blocos é usualmente de 50%. Na verdade, seria mais claro se a norma mencionasse que a
resistência do graute deve ser a mesma do bloco em relação à área líquida.
1.3.4. Armaduras
As barras de aço utilizadas nas construções em alvenaria são as mesmas utilizadas nas
estruturas de concreto armado, mas, neste caso, serão sempre envolvidas por graute, para garantir o
trabalho conjunto com o restante dos componentes da alvenaria. Uma exceção é feita para as
armaduras colocadas nas juntas das argamassas de assentamento. Nesse caso, é importante
ressaltar que o diâmetro deve ser de no mínimo 3,8 mm ou metade da espessura da junta.
1.4. Aspectos Técnicos e Econômicos
Sempre que se fala de um novo sistema construtivo, é imprescindível que se discuta os
aspectos técnicos e econômicos envolvidos. Isso significa discutir, para cada um desses itens, as
principais vantagens e desvantagens desse sistema. Para tanto, optou-se não apenas por fazer um
breve apanhado das principais características da alvenaria estrutural, isoladamente falando, mas,
também desenvolver uma série de comparações com o processo convencional de produção de
edifícios de concreto armado.
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
Dessa forma pretende-se situar a alvenaria estrutural em relação às estruturas convencionais
de concreto armado, um sistema construtivo bastante disseminado e muito conhecido, facilitando-se
assim o entendimento de algumas características mais marcantes do sistema em análise.
Inicialmente, deve-se ressaltar que a alvenaria estrutural, para os edifícios residenciais, parte
de uma concepção bastante interessante que é a de transformar a alvenaria de vedação na própria
estrutura. Dessa forma, pode-se evitar a necessidade da existência dos pilares e vigas que dão
suporte a uma estrutura convencional.
Assim, a alvenaria passa a ter a dupla função de servir de vedação e suporte para a
edificação, o que é, em princípio, muito bom para a economia. Entretanto, a alvenaria, nesse caso,
precisa ter sua resistência perfeitamente controlada, de forma a se garantir a segurança da
edificação. Essa necessidade demanda a utilização de materiais mais caros e também uma execução
mais cuidadosa, o que evidentemente aumenta o seu custo de produção em relação à alvenaria de
vedação.
1.4.1. Principais Parâmetros a Serem Considerados para a Adoção do Sistema
Nos casos usuais, o acréscimo de custo para a produção da alvenaria estrutural compensa
com folga a economia que se obtém com a retirada dos pilares e vigas. Entretanto, é necessário que
se atente para alguns detalhes importantes para que a situação não se inverta, passando a ser a
alvenaria um processo mais oneroso para a produção da estrutura.
Esses detalhes dizem respeito a determinadas características da edificação que se pretende
construir, pois não é correto se considerar que um sistema construtivo seja considerado adequado a
qualquer edifício. Para maior clareza, apresenta-se a seguir as três características mais importantes
que devem ser levadas em conta para se decidir pelo sistema construtivo mais adequado.
a) Altura da edificação
No caso da altura, considerando-se os parâmetros atuais no Brasil, pode-se afirmar
que a alvenaria estrutural é adequada a edifícios de no máximo 15 ou 16 pavimentos. Para
estruturas com um número de pavimentos acima desse limite a resistência à compressão dos
blocos encontrados no mercado não permite que a obra seja executa sem um esquema de
grauteamento generalizado, o que prejudica muito a economia. Além disso, mesmo que a
resistência dos blocos pudesse ser adequada quanto à compressão, as ações horizontais
começam a produzir tensões de tração significativas, o que exige a utilização de armaduras e
graute. E se o número de pontos sob essas condições for muito grande a economia da obra
estará irremediavelmente comprometida.
b) Arranjo arquitetônico
É claro que as afirmações feitas no item anterior são feitas para edifícios usuais. Para
arranjos arquitetônicos que fujam desses padrões usuais, a situação pode ser um pouco
melhor, ou bem pior. Nesse caso é importante se considerar a densidade de paredes
2
estruturais por m de pavimento. Um valor indicativo razoável é que haja de 0,5 a 0,7 m de
2
paredes estruturais por m de pavimento. Dentro desses limites, a densidade de paredes
pode ser considerada usual e as condições para seu dimensionamento também refletirão
essa condição.
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
c) Tipo de uso
Pelo que se menciona no item anterior, é importante ressaltar que para edifícios
comerciais ou residenciais de alto padrão, onde seja necessária a utilização de vãos grandes,
esse sistema construtivo normalmente não é adequado. A alvenaria estrutural é muito mais
adequada a edifícios residenciais de padrão médio ou baixo, onde os ambientes e também os
vãos são relativamente pequenos.
Em especial para edifícios comerciais, é desaconselhável o uso da alvenaria
estrutural. Nesse tipo de edificação é muito usual a necessidade de um rearranjo das paredes
internas de forma a acomodar empresas de diversos tamanhos. A adoção de alvenarias
estruturais para esses casos seria inconveniente, pois essa flexibilidade deixa de existir.
Pode-se inclusive considerar que sua adoção seja perigosa, pois com o tempo é provável que
proprietários realizem modificações sem estarem conscientes dos riscos que correm.
1.4.2. Principais Pontos Positivos do Sistema
Continuando a discussão sobre os mais importantes aspectos técnicos e econômicos da
alvenaria estrutural, a seguir são apresentadas as características que podem representar as principais
vantagens da alvenaria estrutural em relação às estruturas convencionais de concreto armado, em
ordem decrescente de importância.
a) Economia de fôrmas
Quando existem, as fôrmas se limitam às necessárias para a concretagem das lajes.
São, portanto, fôrmas lisas, muito baratas e de grande reaproveitamento.
b) Redução significativa nos revestimentos
Por se utilizar blocos de qualidade controlada e pelo controle maior na execução, a
redução dos revestimentos é muito significativa. Usualmente o revestimento interno é feito
com uma camada de gesso aplicada diretamente sobre a superfície dos blocos. No caso dos
azulejos eles também podem ser colados diretamente sobre os blocos.
c) Redução nos desperdícios de material e mão de obra
O fato das paredes não admitirem intervenções posteriores significativas, como
rasgos ou aberturas para a colocação de instalações hidráulicas e elétricas, é uma importante
causa da eliminação de desperdícios. Assim, o que poderia ser encarado como uma
desvantagem, na verdade implica na virtual eliminação da possibilidade de improvisações,
que encarecem significativamente o preço de uma construção.
d) Redução do número de especialidades
Deixam de ser necessários profissionais como armadores e carpinteiros.
e) Flexibilidade no ritmo de execução da obra
Se as lajes forem pré-moldadas, o ritmo da obra estará desvinculado do tempo de
cura que deve ser respeitado no caso das peças de concreto armado.
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Capítulo 1 – Considerações Iniciais
Dos itens apresentados, pode-se perceber que, em termos gerais, a principal vantagem da
utilização da alvenaria estrutural reside numa maior racionalidade do sistema executivo, reduzindo-se
o consumo de materiais e desperdícios que usualmente se verificam em obras de concreto armado
convencional.
1.4.3. Principais Pontos Negativos do Sistema
Apesar das vantagens apresentadas serem de grande importância, não se pode esquecer de
se apresentar também algumas desvantagens da alvenaria estrutural em relação às estruturas
convencionais em concreto armado. Elas se encontram listadas a seguir, também em ordem
decrescente de importância.
a) Dificuldade de se adaptar arquitetura para um novo uso
Fazendo as paredes parte da estrutura, obviamente não existe a possibilidade de
adaptações significativas no arranjo arquitetônico. Em algumas situações isso se torna um
problema bastante sério. Estudos realizados demonstram que ao longo de sua vida útil uma
edificação tende a sofrer mudanças para se adaptar a novas necessidades de seus usuários.
No caso da alvenaria isso não só é inconveniente como tecnicamente impossível na grande
maioria dos casos.
b) Interferência entre projetos de arquitetura/estruturas/instalações
A interferência entre os projetos é muito grande quando se trata de uma obra em
alvenaria estrutural. A manutenção do módulo afeta de forma direta o projeto arquitetônico e a
impossibilidade de se furar paredes sem um controle cuidadoso desses furos condiciona de
forma marcante os projetos de instalações elétricas e hidráulicas.
c) Necessidade de uma mão-de-obra bem qualificada
A alvenaria estrutural exige uma mão de obra qualificada e apta a fazer uso de
instrumentos adequados para sua execução. Isso significa um treinamento prévio da equipe
contratada para sua execução. Caso contrário, os riscos de falhas que comprometam a
segurança da edificação crescem sensivelmente.
Quanto às desvantagens, deve-se ressaltar a impossibilidade de se efetuar modificações na
disposição arquitetônica original. Essa limitação é um importante inibidor de vendas e até mesmo um
fator que pode comprometer a segurança de uma edificação durante a sua vida útil.
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