109 CRÔNICAS E CONTROVÉRSIAS O PROBLEMA DO SIGNO

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109 CRÔNICAS E CONTROVÉRSIAS O PROBLEMA DO SIGNO
CRÔNICAS E CONTROVÉRSIAS
O PROBLEMA DO SIGNO LINGUÍSTICO
EM SAUSSURE E EM BENVENISTE
Cármen Agustini
ILEEL-UFU/GELS
Mostrando que entre estas duas dimensões [a semiótica e
a semântica] não existe passagem, Benveniste conduziu a
ciência da linguagem diante de sua própria aporia
suprema. […] A dupla articulação em língua e discurso
parece, pois, constituir a estrutura específica da
linguagem humana (AGAMBEN, 2005, p. 14).
Palavras iniciais
O presente artigo surge de minha inquietação, sempre viva e
presente, sobre o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure.
Leitura tantas vezes (re)visitada e a (re)visitar. Saussure e seus muitos
caminhos. Neste artigo, pretendo trazer do Curso de Linguística Geral,
doravante CLG, aquilo que ele traz sobre a constituição do signo
linguístico, a fim de problematizar, em particular, a noção de
significado/conceito, uma vez que, em muitas ocasiões, ouvi que o
significado/conceito seria um significado amplo, primário e imanente
ao signo, cujo valor se igualaria ao sentido referencial ou denotativo do
signo; nos termos de Benveniste ([1962]1995), sentido referendum.
Assim sendo, o signo ‘árvore’ seria constituído, por exemplo, pela
imagem acústica (representada pela transcrição fonológica do signo
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árvore) e o conceito (representado pelo sinônimo 'arbusto' ou pela
imagem de uma árvore).
Embora essa explicação, assim posta, também apareça no CLG, não
a considero trabalhada de modo a permitir uma compreensão adequada
sobre a constituição do signo linguístico, se for considerada a definição,
também saussuriana, da língua como um sistema de valores puros.
Surge dessa colocação a ideia deste artigo: trabalhar sobre a condição
paradoxal da língua, a fim de problematizar a constituição do signo
linguístico. Cito abaixo o recorte de uma explicação similar a essa
supracitada, presente em Walmirio Macedo, e que utilizarei, no
decorrer do presente texto, na construção de minha argumentação:
O signo, seja qual for a sua dimensão, tem sempre os mesmos
constituintes: SIGNIFICANTE e SIGNIFICADO. Esses constituintes
são fundamentais. Um significante sem significado, ou viceversa, não é signo linguístico: #napato não é um signo linguístico
porque não tem significado, mas sapato é um signo porque tem
um significante /sapatu/ e um significado que é a ideia ou a
imagem que ele evoca. Ou seja: o seu conteúdo linguístico
(MACEDO, 2012, p.46).
Essa forma de explicação, que supunha algo estranha desde minhas
primeiras incursões nos territórios da Linguística, já que contradiz
afirmações recorrentes e contundentes de Saussure, como “esses signos
atuam, pois, não por seu valor intrínseco, mas por sua posição relativa”
(SAUSSURE, [1916] 1996, p.137), em minhas (re)visitas ao CLG,
revelou-se problemática e contraditória, a ponto de não aceitá-la, sem
desenvolver um trabalho de compreensão mais acurado sobre ela.
Trata-se, a meu ver, de uma explicação que acresce ao signo o sentido
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referendum que a linguagem lhe habilita no e pelo discurso, que
enforma a língua de significação. Trata-se, portanto, de uma explicação
que, além de apregoar a imanência do sentido referendum, também
nega seu caráter relacional, negativo e opositivo, se ela não for
(re)dimensionada em função da dupla significância da linguagem.
Diante dessa problemática contradição, busquei um caminho que
pudesse, de alguma forma, trazer-me um norte que se constituísse, para
mim, em um porto de compreensão. Essa compreensão veio a partir da
definição de Saussure da língua como um sistema de pura diferença
associada à leitura benvenistiana do plano semiótico, cuja tópica é o
conceito saussuriano de língua.
Meu encontro teórico com o pensamento de Émile Benveniste e com
seu trabalho sobre o funcionamento da linguagem, assim como a paixão
que me movimenta a perscrutar a linguagem e a experiência humana,
são caminhos que se convergem nessa busca por compreender o sistema
linguístico e a constituição do signo linguístico. Essa compreensão não
significa ultrapassar Saussure; significa trilhar um caminho possível em
sua teorização, a fim de compreender certas questões e caminhos
abertos por Benveniste. Nesse sentido, então, essa compreensão
significa, em certa medida, desenvolver o pensamento saussuriano a
partir de um caminho por ele mesmo aberto. Desse autor, utilizarei o
tomo I dos Problemas de Linguística Geral, doravante PLG I.
A epígrafe, escolhida não por acaso, traz o cerne da discussão que
pretendo apresentar neste artigo, a saber: a implicação língua-discurso
produz o caráter paradoxal do signo linguístico. Há, no CLG, definições
de língua que, em certo sentido, (d)enunciam uma articulação
constitutiva entre língua e discurso. Em “A língua constitui um sistema
de valores puros que nada determinam fora do estado momentâneo de
seus termos” (SAUSSURE, [1916] 1996, p.95) é retomada, em parte, a
definição “A língua é um sistema de signos que exprimem ideias”
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(SAUSSURE, [1916] 1996, p.24). Essas duas definições, na discussão
aqui apresentada, encontram-se em certa relação sinonímica.
Se assim o for, “valores puros” está recobrindo “signos”, o que não
deixa de ter implicação sobre “na língua só existem diferenças [sem
termos positivos]” (SAUSSURE, [1916] 1996, p.139) e, “que nada
determinam fora do estado momentâneo de seus termos” está
recobrindo “que exprimem ideias”. Se essa interpretação for possível,
“valores puros” e “signos” estão na ordem da língua enquanto “que
nada determinam fora do estado momentâneo de seus termos” e “que
exprimem ideias” estão na ordem do discurso e, portanto, sob a égide
da contingência e da estabilização social dos sentidos, sendo que a
estabilização social da contingência converte esta em necessidade.
Assim considerando, as duas dimensões benvenistianas nessas
definições aparecem, portanto, imbricadas.
A partir da consideração acima tecida, pergunto-me: quais as
consequências dessa articulação constitutiva entre língua e discurso?
Não seria essa articulação a responsável por certa confusão na
explicação da constituição do signo linguístico? Não seria essa
articulação a responsável por outras confusões ou incompreensões
sobre o pensamento saussuriano, principalmente aquelas relativas à
positivação do signo linguístico? Não seria essa articulação a
responsável pela produção de um efeito de que haveria um sentido
referendum sempre-já-lá para o signo? Em que a teorização
benvenistiana pode contribuir para a discussão de tais questões? Nas
páginas seguintes, debruçar-me-ei sobre essas questões a fim de pontuar
caminhos possíveis para lidar com elas e os estranhamentos decorrentes
da implicação língua-discurso.
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1. A constituição do signo linguístico no CLG e nos PLG I.
Pontuando alguns sentidos
Para melhor explicar a posição aqui assumida, irei, de início,
trabalhar a noção de arbitrário. Para tanto, cito Saussure no CLG
([1916] 1996, p.81):
chamamos signo a combinação do conceito [significado] e da
imagem acústica [significante]. (…) O laço que une o
significante ao significado é arbitrário. (…) Assim, a ideia de
“mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de
sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada
igualmente bem por outra sequência, não importa qual.
Se a língua é forma e não substância, porque o signo é uma entidade
psíquica de dupla face, não seria cabível preconizar que uma parte tenha
uma natureza distinta da outra; no processo de discretização das
entidades linguísticas em unidades linguísticas, os signos, o sentido do
significante é da ordem do diferencial, cujo valor é distintivo. Essa
premissa, para não usurpar o valor teórico e explicativo da afirmação
de que na língua só há diferença, precisa valer para o significado
também. Por isso, o sentido do significado também é da ordem do
diferencial, cujo valor é distintivo. Nesse sentido, o significado não
pode subsumir o sentido referendum, que é constituinte do plano
semântico1 e, portanto, do discurso.
Sendo assim, é fundamental conceber que a arbitrariedade aludida
por Saussure refere-se à não-motivação na constituição do signo
linguístico. No entanto, trata-se de um laço necessário para que haja
signo, uma vez que é o distintivo do significado que permite que a
língua, no processo de sua conversão em discurso, signifique. Dito de
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outro modo, é o valor distintivo do significado que permite que a língua
seja enformada de significação, cujo aspecto fundante é a relatividade
à instância de discurso que a produz e à estabilização que a sua
circulação social promove.
É oportuno dizer ainda que, para o falante, nada está na língua antes
de seu aparecimento no discurso, de modo que é necessária a “colagem”
ao signo linguístico de um sentido referendum para que o falante
reconheça uma forma como signo linguístico de uma língua específica.
Por conseguinte, uma forma latente como #napato, embora não deponha
em nada contra o sistema linguístico da Língua Portuguesa, não é
particularmente reconhecida como signo linguístico pelos falantes de
Língua Portuguesa, porque lhe falta a “colagem” de um terceiro
elemento, o referendum.
Benveniste ([1964] 1995, p.137) nos PLG I afirma que o sentido é
correlato à forma e esclarece que
na língua organizada em signos, o sentido de uma unidade é o
fato de que ela tem um sentido, de que é significante. (…) Um
problema totalmente diferente consistiria em perguntar: qual é
esse sentido? Aqui sentido se toma numa acepção completamente
diferente. Quando se diz que determinado elemento da língua tem
um sentido, entende-se uma propriedade que esse elemento
possui, enquanto significante, de constituir uma unidade
distintiva, opositiva, delimitada por outras unidades e
identificável para os locutores (…) Esse “sentido” é implícito,
inerente ao sistema linguístico e às suas partes. Ao mesmo tempo,
porém, a linguagem refere-se ao mundo dos objetos (…) Cada
enunciado, e cada termo do enunciado, terá assim um
referendum, cujo conhecimento está implicado pelo uso.
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Em suma, o signo linguístico é arbitrário em sua constituição. No
entanto, como o signo não é fora do discurso que o produziu, há a
produção de um efeito de que o sentido referendum está desde sempre
já-lá, como parte integrante do signo. Esse é o sentido próprio ao plano
semântico. É nesse ponto, parece-me, que o linguista precisa, a partir
do conceito saussuriano de língua, produzir um corte entre signo e
sentido referendum a fim de compreender que a língua é uma instituição
social única, diferente de todas as outras, porque ela está fundada em
um vazio radical, ou seja, antes dela não há nada; não há um a priori.
Ela é na relação entre os signos e essa relação é marcada por duas
propriedades inalienáveis: a negação e a oposição. A negação refere-se
ao fato de que não há um a priori antes da constituição dos signos
linguísticos e, por conseguinte, do sistema linguístico. Por isso, a língua
se constitui na pura diferença. Ou seja, não há propriedades a partir das
quais se construiria o sistema. O sistema é na relação negativa de seus
constituintes solidários entre si.
A oposição, por sua vez, refere-se ao fato de que um signo é o que
os outros signos não são. Nos dizeres de Saussure ([1916] 1996, p.136),
“sua característica mais exata é ser o que os outros não são”. Saussure
([1916] 1996, p.133) diz ainda que
o conceito [de um lado] nos aparece como a contraparte da
imagem acústica no interior do signo e, de outro, este mesmo
signo, isto é, a relação que une seus dois elementos, é também, e
de igual modo, a contraparte dos outros signos da língua. Visto
ser a língua um sistema em que todos os termos são solidários e
o valor de um resulta tão-somente da presença simultânea de
outros.
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Nesse sentido, o laço que une um significante e um significado, na
constituição do signo linguístico, é contingente e, por isso, arbitrário.
No entanto, esse mesmo laço mostra-se necessário para que haja língua,
uma vez que não há língua fora do discurso. A língua se forma e se
constitui no e pelo discurso. Eis o aspecto paradoxal da língua. Sem
esse laço constituído entre um significante e um significado não há
como a linguagem exercer sua função simbólica, cuja premissa básica
é significar, de modo a organizar o mundo para o locutor via reprodução e para seus interlocutores via re-criação. A função simbólica
da linguagem é o fundamento da possibilidade de o homem viver em
sociedade.
Essa contradição constitutiva do signo linguístico leva, inclusive,
Saussure ([1916] 1996, p.137) a (d)enunciar que
(…) não existe imagem vocal que responda melhor que outra
àquilo que está incumbida de transmitir, é evidente, mesmo a
priori, que jamais um fragmento de língua poderá basear-se, em
última análise, noutra coisa que não seja sua não-coincidência
com o resto. Arbitrário e diferencial são duas qualidades
correlativas.
Assim sendo, arbitrário e diferencial estão em relação de mútua
dependência, o que significa dizer que o princípio do arbitrário mostra
que, ao dividir o signo linguístico em significado e significante, a
combinação entre eles não é motivada, uma vez que não há a priori à
constituição da língua. Por isso, é preciso compreender o que implica
dizer que se trata de um laço necessário, conforme posto por Benveniste
([1939] 1995). É preciso, ainda, questionar a evidência de que esse
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“necessário” corresponderia à condição sistêmica do signo. Não parece
ser o caso. Não é à-toa que Benveniste alocou seu texto “Natureza do
signo linguístico” na seção Comunicação dos PLG I. O ponto de vista
em prevalência é o semântico e não o semiótico. É necessário, então,
compreender que a “linguagem habilita a palavra à significação” para
que ela possa cumprir sua função simbólica e, dessa forma, haver a
possibilidade de uma correferência, na instância de discurso, entre os
(inter)locutores. Essa associação entre significado (conceito) e
significante (imagem acústica), nessa perspectiva, torna-se necessária
para que o locutor reconheça a forma como uma unidade linguística
disponível à conversão da língua em discurso.
Benveniste, por sua vez, compreende essa contradição constitutiva
e a (d)enuncia, a seu modo, em diferentes momentos de sua produção
e, em particular, no artigo de 1939, “Natureza do Signo Linguístico”.
De um outro modo, ele a (d)enuncia no artigo de 1962, “Os níveis da
Análise Linguística”, ao trabalhar com a correlação entre forma e
sentido nos níveis da análise linguística e, assim, demonstrar que,
embora alguns linguistas tentem expurgar o sentido e priorizar a forma,
“essa cabeça de medusa [o sentido] está sempre aí, no centro da língua,
fascinando os que a contemplam” (BENVENISTE, [1962] 1995,
p.135). Isto porque, para Benveniste, esse sentido é o sentido
diferencial, opositivo, distintivo, delimitativo das unidades linguísticas,
que está na base de toda e qualquer análise linguística.
Benveniste ([1962] 1995) é levado, então, a distinguir duas formas
de sentido: um sentido diferencial e distintivo, relativo à língua, e um
sentido referendum, relativo ao discurso. Ao propor essa distinção, esse
autor está colocando em evidência essa contradição constitutiva e
convocando o linguista a questionar a evidência de um sentido sempre
já-lá implicado na constituição do signo linguístico. Além disso,
Benveniste está levando a sério o aspecto relacional da língua e do
discurso. Aspecto esse muito caro a esse autor, uma vez que sua luneta
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teórica, para analisar a língua e, também, a linguagem, é a presença do
homem na linguagem2.
Por conseguinte, embora a demonstração do princípio do arbitrário,
conforme análise de Benveniste em a “Natureza do Signo Linguístico”,
seja falsa, essa falsidade da demonstração não prova que o princípio em
si seja falso. A relação significante e significado, na constituição do
signo linguístico, é arbitrária e, também, é necessária. É arbitrária sob
o ponto de vista da língua e é necessária sob o ponto de vista do
discurso, uma vez que o discurso é produto da enunciação, ato de
conversão da língua em discurso. Mo(vi)mento em que a língua encarna
em linguagem e esse processo de encarne, ou enforme, tem a ver com
o sentido referendum, cuja função é tornar possível o estabelecimento
de certa correferenciação3 entre os (inter)locutores, promovendo, dessa
forma, o acirramento da relação discursiva entre os participantes da
enunciação.
Quando alguém recebe um signo, ele recebe o significado e o
significante juntos. “Juntos foram impressos em meu espírito”, diz
Benveniste ([1939] 1995, p.55). Por isso, para o falante, não há signo
vazio, sem conceito nomeado. O falante recebe o signo via discurso e,
por isso, já enformado de significação, de uma significação relativa ao
semantismo social e ao semantismo subjetivo. Como se trata de uma
significação relativa à instância de discurso que a produziu, esse sentido
referendum não é imanente ao signo e, por isso, pode ser alterado em
outra instância de discurso. Essa implicação entre os planos, semiótico
e semântico da língua, leva Saussure ([1916] 1996, p.90) a afirmar que
“uma língua é radicalmente incapaz de se defender dos fatores que
deslocam, de minuto a minuto, a relação entre o significado e o
significante”.
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3. Exemplificando. A relação constitutiva entre língua e discurso
Segundo Saussure ([1916] 1996, p.142), “num estado de língua,
tudo se baseia em relações”: as relações sintagmáticas e as associativas.
No discurso, diz esse autor, os signos estabelecem entre si relações
baseadas no caráter linear da língua. Assim, as combinações, que se
apoiam na extensão, são, por ele, denominadas sintagmas. Trata-se, em
tais relações, de unidades consecutivas, as quais adquirem seu valor na
oposição em relação ao que a precede e ao que a sucede.
Fora do discurso, os termos que apresentam algo em comum se
associam, na memória, formando grupos. São as relações associativas.
Essas não têm por base a extensão; sua sede é o cérebro. Ambas relações
estão no entremeio da língua e da fala. Portanto, é possível afirmar que
elas se materializam no discurso. O falante faz a associação; a
associação pertence à fala, mas é determinada pela língua. Assim sendo,
as relações associativas são, segundo Saussure ([1916] 1996]), um fator
de deslocamento da relação entre os constituintes sígnicos. Abaixo
apresento algumas frases que servem para exemplificar esse
deslocamento, via relações associativas:
(1)
(a) O gato da minha vizinha é da raça Persa. (= animal de
estimação)4
(b) Mariana está apaixonada por um gato. (= homem bonito; gato
animal)
(c) Cuidado! Há gatos assaltando na praia. (= assaltantes;
bandidos)
(d) Descobriram um gato no prédio. (= animal; ligação
clandestina; ladrão)
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O signo linguístico gato apresenta um significado e um significante,
ambos com sentido diferencial e correlacionados, em relação à língua.
Em relação ao discurso, o sentido referendum apresenta várias
possibilidades já estabilizadas socialmente na Língua Portuguesa, ou
seja, que fazem parte do semantismo social da Língua Portuguesa,
conforme é possível observar a partir do verbete gato, reproduzido
abaixo, do Dicionáro online Priberam5.
ga·to (latim cattus, -i) substantivo masculino
1. [Zoologia] Mamífero digitígrado, da ordem dos carnívoros,
tipo da família dos felídeos, de que há várias espécies, uma das
quais é o gato doméstico.
2. Vergalhão de ferro com espigões (grampo) para manter unidas
as pedras das paredes.
3. Pedacinho de arame com que se conserta louça partida.
4. Peça de ferro em forma de grampo entre a qual e a madeira da
porta joga a tranqueta da aldraba.
5. Utensílio de tanoeiro para arquear as vasilhas.
6. Peça de ferro com que se endireitam as aduelas.
7. [Termo venatório] Ferro com um gancho para caçar.
8. Excesso de carne na parte superior do pescoço das
cavalgaduras. (Também se diz gato carnoso).
9. [Regionalismo] Omissão, lapso, erro, engano.
10. [Portugal: Alentejo] Pele preparada, em forma de odre, para
levar vinho.
11. Pedaço de fazenda que o alfaiate furta ao freguês.
12. [Marinha] Gancho de que se dependura um moutão.
13. [Portugal: Trás-os-Montes] Mentira.
14. [Brasil, Informal] Pessoa fisicamente atraente.
15. [Brasil, Informal] Desvio ou prolongamento ilegal de um
ponto de fornecimento de energia elétrica. (= gambiarra).
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Esse conjunto de acepções não esgotam as possibilidades de
associações. No cotidiano, o locutor faz deslocamentos que
permanecem em estado de latência e/ou possibilidade e que, no entanto,
são passíveis de serem compreendidos pelos (inter) locutores, porque o
signo já é parte da língua. Assim, por exemplo, é possível um falante
dizer para outro: “Nossa! Como você está gatoso hoje.” e essa frase não
constituir um problema de compreensão. O sentido de gatoso (adjetivo
formado a partir do acréscimo do sufixo -oso ao morfema lexical gat-,
cujo sentido é “cheio de gato”), nessa frase, pode, por exemplo, ser
“manhoso”, “bonito”, “elegante”, “atraente” etc. A ancoragem do
sentido dependerá da instância de discurso na qual essa frase aparecer,
assim como das relações que os termos que a constituem podem
assumir. Assim, se a (1d) se relaciona a frase “Alguém ficará sem TV a
cabo.”, delimita-se o sentido referendum a “ligação clandestina”,
descartando-se os sentidos referendum “animal” e “ladrão”.
(2)
ANGELI, 2014. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/cartum/cartunsdiarios/
#29/3/2014> Acesso em 29 março 2014.
Nesse cartum, há um rosto de homem desenhado na prancheta que
se personifica e elucubra sobre seu destino inevitável: ser um desenho
em uma prancheta. Parece haver nesse cartum uma relação metonímica
entre o cartunista e seus desenhos, de modo que ele se torna aquilo que
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desenhou. O homem é na e pela linguagem. De qualquer forma, o que
me interessa é analisar a frase “a maldição da prancheta” – a maldição
pertenceria à prancheta ou a prancheta seria a própria maldição? Essas
indagações só são possíveis tendo sido a língua já enformada de
significação, uma vez que, lançada no discurso, a frase “a maldição da
prancheta” torna-se ambígua por seus elementos deixarem de ter um
valor puramente diferencial e “receberem” o sentido referendum. No
plano semântico, o locutor que a lê apropriasse dela fazendo referência
ao mundo (já significado pela língua) de uma certa maneira. Ao lê-la,
estabeleço uma associação de pertença (a maldição pertence à
prancheta?) e de existência (a prancheta é uma maldição?), o que traz à
tona a ambiguidade. Entretanto, outro locutor-leitor poderia fazer outras
associações, e não ver essa ambiguidade, por exemplo.
Outra coisa é o funcionamento dessa frase no plano semiótico. Para
começar, “a maldição da prancheta”, nesse plano, nem se configura
como frase, uma vez que “com a frase se deixa o domínio da língua
como sistema de signos e se entra num outro universo, o da língua como
instrumento de comunicação, cuja expressão é o discurso”
(BENVENISTE, [1962]1995, p.139). A frase já está para a ordem do
discurso, no plano semântico. No plano semiótico, pois, “a maldição da
prancheta” é apenas uma linha linear de signos, os quais se diferenciam
por seu valor, não pelo referendum.
A esse respeito, Saussure explica que “os significantes acústicos só
dispõem da linha do tempo; seus elementos se apresentam um após o
outro; eles formam uma cadeia” (SAUSSURE, [1916] 1996, p.84). Os
signos se dispõem em uma sucessão linear que obedece simplesmente
ao critério do tempo, não ao da sintaxe, como ocorre no nível da frase.
Os signos acústicos têm que se suceder uns após os outros para não se
interporem, o que geraria complicações simultâneas, como ocorre com
os signos visuais, por exemplo. Portanto, no nível semiótico, os
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elementos “a maldição da prancheta” se diferenciam simplesmente por
um princípio estrutural e não discursivo.
(3)
LAERTE, 2014. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/cartum/cartunsdiarios/
#29/3/2014> Acesso em 29 março 2014.
Nesse cartum, “D. Ruth” toca os personagens envolvidos de maneira
especial, tanto pela aposição “dona”, que, na nossa sociedade,
rememora respeito, quanto pelo nome próprio “Ruth” que designa uma
pessoa reverenciada pelos personagens; ela nem precisaria de ter hora
marcada, o que é inferido a partir do pedido de “Desculpa” do
atendente. Quando ela se apresenta à plateia, seu nome é reverenciado.
Cada um que o repete, o faz de maneira singular. Saussure mesmo
afirma que uma repetição nunca é a mesma. No dizer de Saussure
([1916] 1996, p.125-126),
quando, numa conferência, ouvimos repetir diversas vezes a
palavra Senhores!, temos o sentimento de que se trata, toda vez,
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da mesma expressão, e, no entanto, as variações do volume de
sopro e da entonação a apresentam nas diversas passagens, com
diferenças fônicas assaz apreciáveis – tão apreciáveis quanto as
que servem, aliás, para distinguir palavras diferentes. (…) o
sentimento de identidade persiste, se bem que do ponto de vista
semântico não haja tampouco identidade absoluta entre um
Senhores! e outro, da mesma maneira por que uma palavra pode
exprimir ideias bastante diferentes sem que sua identidade fique
seriamente comprometida (cf. “adotar uma moda” e “adotar uma
criança”, “a flor da macieira” e “a flor da nobreza” etc.)
Constato, pois, a partir da colocação de Saussure supracitada, que a
cada enunciação de “D. Ruth” há um sentido referendum diferente, já
que do ponto de vista semântico não há identidade absoluta entre as
ocorrências de “D. Ruth”. Entretanto, no plano semiótico, “no lugar de
ideias dadas de antemão”, há “valores que emanam do sistema”
(SAUSSURE, [1916]1996, p.136).
Não poderia haver um sentido referendum diferente a cada repetição
de “D. Ruth”, se o sistema tivesse ideias dadas a priori. Ora, as ideias,
ou o sentido referendum, está para o plano semântico porque são
consequência da atividade social entre os homens. No sistema, não há
ideias, há apenas valores. Se existissem ideias, não seria possível que
cada enunciação de “D. Ruth” fosse diferente: sendo elas dadas a priori,
cada “D. Ruth” teria um e apenas um referendum. Com isso, a
linguagem seria transparente e o sentido seria unívoco. Como a
linguagem é opaca e o sentido é equívoco porque é relacional, é possível
que cada “D. Ruth” seja único e irrepetível. Portanto, o fato de a língua
possuir valores puramente diferenciais reflete no fato de a linguagem
poder veicular ideias, volições, sentimentos etc., sempre diferentes a
cada momento em que são enunciados.
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Consequentemente, a repetição de “D. Ruth! D. Ruth! D. Ruth!”, no
plano semiótico, apenas leva em consideração a linearidade estrutural
dos signos, que adquirem um valor por simplesmente um ser o que os
outros não são. Já no plano semântico, nessa repetição, estão imbricadas
questões para além de sociais, subjetivas.
(4)
“Neymar e Daniel Alves são alvos de racismo em clássico na
Catalunha”
(Manchete.
Disponível
em:
<http://www.folha.uol.com.br/> Acesso em 29 mar 2014)
Nessa manchete, há uma denúncia: a de racismo contra duas
personalidades importantes do futebol. É por meio do plano semântico
da língua que é possível atribuir um sentido referendum a “Neymar”,
“Daniel Alves” e a “clássico”, por exemplo.
“Clássico” pode ter muitos sentidos diferentes, mas a frase da
manchete poderia delimitá-la para o de “partida de futebol muito
importante”. Com relação a “Neymar” e “Daniel Alves” seria cômico
se a língua já tivesse um referendum preestabelecido para eles: todos os
Neymares do mundo seriam jogadores de futebol, teriam a pele morena
e o cabelo meio aloirado e espetado para cima. Ora, o processo de
substancialização da língua não implica algo tão absurdo.
Substancializando-se, a língua se refere a algo no mundo. Sendo
equívoca, esse algo pode ser significado de modos bem diferentes e
irrestritos. A equivocidade e a opacidade são condições fundamentais
para o funcionamento da língua; não são, portanto, meros pressupostos
de teorias discursivas particulares. Sem isso, a ordem da língua (e do
mundo) seria um absurdo.
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O PROBLEMA DO SIGNO LINGUÍSTICO EM SAUSSURE E EM BENVENISTE
Portanto, no nível semiótico, “Neymar” se contrapõe a “Daniel
Alves” apenas a fim de se positivar pela negação: “Neymar” se negando
a “Daniel Alves” se torna um um, um signo, e vice-versa. No sistema,
não faz diferença se “Neymar” é uma pessoa desta ou daquela maneira.
A esse respeito, Benveniste ([1963] 1995, p.31) afirma que “não há
relação natural, imediata e direta entre o homem e o mundo, nem entre
o homem e o homem. É preciso haver um intermediário, esse aparato
simbólico, que tornou possíveis o pensamento e a linguagem”. A língua
é o intermediário entre o homem e o mundo e os homens entre si. É
sabível que, na mediação, há aquilo que falta ou aquilo que excede, o
que torna impossível uma transmissibilidade completa e fechada.
Considerações finais
Do exposto, é possível concluir que o sentido referendum se “cola”,
em certo sentido, ao significado (conceito), espaço topológico
diferencial da língua, enquanto constituinte do discurso, de modo a
produzir uma implicação entre o plano da língua, o semiótico, e o plano
do discurso, o semântico. Essa implicação reflete nas definições de
língua presentes no CLG, o que possibilita a emergência de explicações
da constituição do signo linguístico que imiscue os planos, de modo a
atribuir ao significado um sentido positivado. Esse tipo de explicação
está presente no próprio CLG, conforme citação abaixo.
O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um
conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa
puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a
representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos;
tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é
somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da
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associação, o conceito, geralmente mais abstrato (SAUSSURE,
[1916] 1996, p.80).
Assumir que o signo linguístico é uma entidade psíquica exige levar
em conta que se trata de uma impressão capaz de firmar valor
linguístico no sistema, tendo em vista as possibilidades previstas pelo
próprio sistema. Por isso, Saussure ([1916] 1996) considerou que as
partes constituintes do signo linguístico são, respectivamente, um
conceito e uma imagem acústica e não uma coisa e uma palavra. Essa
impressão consolida-se no cérebro a partir de uma associação feita pelo
locutor e é parte do próprio funcionamento do sistema.
Nesse sentido, conforme posto em Agustini e Leite (2012, p.117),
o valor linguístico que essa impressão pode firmar teria a ver
exatamente com a consequência imediata que procede do
sistema. Na base dessa associação, está funcionando o princípio
da arbitrariedade do signo linguístico. Isso porque, para
Saussure ([1916] 1996), não há uma relação de motivação entre
conceito e imagem acústica, quando da constituição do signo
linguístico em dado sistema. Como vimos considerando aqui,
trata-se de uma relação gerida pelo próprio sistema, sendo
desconhecida uma causa externa a ele; além disso, do ponto de
vista da contingência, a associação entre conceito e imagem
acústica assume um formato específico, restando, como contra
face, a própria possibilidade de assunção de outro formato para
tal associação. Entretanto, uma vez constituído no sistema, o
formato específico passa a ser da ordem do necessário.
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O PROBLEMA DO SIGNO LINGUÍSTICO EM SAUSSURE E EM BENVENISTE
Intentamos, até aqui, demonstrar que a articulação constitutiva entre
língua e discurso é a responsável por certa confusão na explicação da
constituição do signo linguístico, uma vez que a conceituação do
significado/conceito precisa ser melhor problematizada, a fim de fazer
trabalhar a sua constituição paradoxal, que implica um sentido
diferencial e um sentido referendum, conforme tentei explanar.
A unidade linguística, o signo linguístico, é uma entidade concreta,
haja vista que não é possível valer-se dela a bel-prazer. A unidade
linguística impõe-se ao locutor. O mesmo ocorre com o significado e o
significante que é recebido por herança de outros locutores. Assim, os
locutores falam, em Língua Portuguesa, “casa”, por exemplo, porque
outros, antes e alhures, já falaram “casa”. Embora seja verdade o fato
de que o homem não é senhor da língua, o sistema linguístico lhe
confere uma certa “liberdade” nas relações associativas e na contraparte
subjetiva do sentido referendum. Essa “liberdade”, no entanto, é
delimitada pela língua e pelo semantismo social; em última instância, é
a ordem própria da língua e o semantismo social que põem cabresto no
locutor.
Essa “liberdade” permite ao locutor produzir outros sentidos
referendum para um signo linguístico já constituído, mas não lhe
permite mudar a constituição sígnica. “Uma sequência de sons só é
linguística quando é suporte de uma ideia. […] na língua, um conceito
é uma qualidade da substância fônica, assim como uma sonoridade
determinada é uma qualidade do conceito” (SAUSSURE, [1916] 1996,
p.119).
Nessa citação de Saussure reside uma outra contradição se não for
considerado que o signo é uma impressão psíquica e que a língua é uma
forma e não uma substância. É possível compreender a conversão da
língua em discurso como um processo de substancialização da língua.
Se assim for, o significado/conceito é uma qualidade da substância
fônica e, por isso, somente tem existência a partir do discurso. Parece
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circular, mas esse processo de substancialização retoma o axioma: não
há língua sem discurso e não há discurso sem língua. Sem língua não
há nem a possibilidade de existência da sociedade. Portanto, o
significado/conceito é o termo do signo habilitado pela linguagem a
significar, que, nesse processo, é enformado de significação, passando,
por isso, a ter, embora provisoriamente, um sentido referendum. Por
isso, Benveniste afirma que a referência é da ordem do discurso, do
plano semântico; é na e pela enunciação que as instâncias do discurso
são construídas e (re)atualizadas à injunção do semantismo social
(sentidos possíveis e estabilizados que são (re)produzidos no e pelo
discurso), responsável pela possibilidade de se estabelecer ou não uma
certa correferenciação entre os (inter)locutores.
Portanto, para que as formas sejam “plenas6” é preciso mudar de
domínio; é preciso que a língua (enquanto possibilidade de língua)
esteja em discurso, porque é no discurso que o sentido referendum se
produz, ou seja, é no discurso e por ele que o locutor representa a
realidade imaginária7, a sua realidade. Assim sendo, no plano
semiótico, a língua é forma e, no plano semântico, o discurso é
substância. A conversão da língua em discurso é coextensiva ao
processo de substancialização da língua. A língua não acontece sem o
discurso. Eles formam uma “dupla instância conjugada”. Aí reside o
paradoxo constitutivo e o ponto de muitas problematizações possíveis.
Notas
1
Benveniste teoriza a existência, na linguagem verbal, de dois planos implicados entre
si, ou seja, que funcionam concomitantemente e que são, por isso, inalienáveis. O
plano semiótico é o plano da língua enquanto sistema de signos linguísticos e o plano
semântico é o plano da língua convertida em discurso e, por isso, semantizada.
2
Benveniste, em sua arte de questionar as evidências, inverte a comumente questão
da presença da linguagem na vida do homem, de modo que o homem é quem está na
linguagem, porque é a linguagem que o constitui, que o alça ao estádio hominal. Por
isso, “não atingimos jamais o homem separado da linguagem e não o vemos nunca
inventando-a” (BENVENISTE, [1958] 1995, p.285).
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3
A correferenciação não é completa; há uma hiância constitutiva que é dada pelo
aspecto subjetivo da linguagem.
4
Os enunciados de 1(a) a 1(d) são enunciados forjados pela autora deste artigo, como
parte da explicação em tela.
5
“Gato” In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013,
http://www.priberam.pt/dlpo/gato, consultado em 28-03-2014.
6
“Plenas” aqui está sendo compreendido como forma enformada de significação no
e pelo discurso.
7
A expressão “realidade imaginária” é de Benveniste ([1963] 1995, p.27) e é relativa
à realidade construída na e pela linguagem em oposição ao real, intangível.
Referências Bibliográficas
AGAMBEN, G. (2005). Infância e história: destruição da experiência e
origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 188p.
AGUSTINI, C. L. H.; LEITE, J. de D. (2012). “Benveniste e a teoria
saussuriana do signo linguístico: o binômio contingêncianecessidade”. In: Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos, v. 30,
pp.
113-129.
Disponível
em:
<http://www.revistalinguas.com/edicao30/artigo7.pdf>. Acesso
em: 01 mar. 2014.
BENVENISTE, É. (1963). “Vista d’olhos sobre o desenvolvimento da
linguística”. In: BENVENISTE, É. Problemas de Linguística Geral
I. Campinas, SP: Pontes, 2005 [1963], pp. 19-33.
_____. (1962). “Os níveis da análise linguística”. In: _____. Problemas de
Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 1995, pp. 127-140.
_____. (1958). “Da subjetividade na linguagem”. In: _____. Problemas de
Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 1995, pp. 284-293.
_____. (1939). Natureza do signo linguístico. In: _____. Problemas de
Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 1995, pp. 53-59.
MACEDO, W. (2012). O livro da semântica: estudo dos signos
linguísticos. Rio de Janeiro: Lexikon, 159p.
SAUSSURE, F. (1916). Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix,
1996.
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