Revista Atitude Nº 11

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Revista Atitude Nº 11
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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1
REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades
Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre
Ano VI - Nº 11 - Janeiro a Junho de 2012
Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
ISSN 1809-5720
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Porto Alegre, 2012
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da Faculdade
Dom Bosco de Porto Alegre
Ano VI, Volume 6, número 11, jan-jun 2012 – ISSN 1809-5720
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Sumário
CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS........................................................................ 7
1.
O novo Estatuto do Estrangeiro (Projeto de Lei 5.655/2009) em abordagem
comparativa e sociológica.................................................................................... 9
Ricardo Strauch Aveline
2.
Quando os princípios da assessoria jurídica transbordam para a assistência.....................19
Lúcia Regina Ruduit Dias
3.
Partidos políticos: o contraste entre o modelo idealizado e a realidade operativa.............29
Gustavo Vicente Sander
4.
Fundamentos da existência da prescrição trabalhista.................................................35
Cinthia Machado de Oliveira
5.
Direito e sociologia da literatura: “lavoura arcaica” e as fundações da família.................41
Roberta Drehmer de Miranda
6.
A importância da gestão dos polos de apoio presencial à educação a distância..................59
Eduardo Pertille Costa Leite e Cláudia Terra Nascimento Paz
CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS............................................................................. 71
1.
Minicompostagem: uso para os resíduos sólidos domésticos.........................................73
Carlos Atalla Hidalgo Hijazin e Monique da Silva Pires
2.
Estudo de impacto de vizinhança: perspectiva de aplicação nos licenciamentos
ambientais na cidade de Porto Alegre (RS)..............................................................83
Alexandre Machado da Rosa
3.
Pesquisa de clima organizacional: um estudo de caso em um banco privado de
Porto Alegre no Rio Grande do Sul.........................................................................91
Neuri A. Zanchet, Liége Pires do Rosário Lau e Rodrigo Policarpo
4.
Avaliação de desempenho de navalhas de corte...................................................... 103
Márcio Britto Silvano
5.
Comprometimento organizacional nas empresas de telefonia.................................... 109
Alexandre de Melo Abicht, Eduardo de Oliveira Wilk, Alessandra Carla Ceolin e
Carlos Otávio Zamberlan
CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS............................................................................119
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Ciências Sociais e Aplicadas
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Ciências Sociais e Aplicadas
O novo Estatuto do Estrangeiro
(Projeto de Lei 5.655/2009) em
abordagem comparativa e sociológica
Ricardo Strauch Aveline*
Resumo
A globalização, as novas tecnologias de transporte e o aumento da população mundial intensificaram os processos de migração e de mobilidade de pessoas ao redor do
mundo. Esse deslocamento de pessoas do seu país de origem para outros países, em
busca de melhores condições de vida, aumenta o número de estrangeiros no mundo.
Esse processo amplia a importância da legislação sobre estrangeiros, a qual está
regulada no Brasil pela Lei n.º 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro). A referida lei foi
criada no período da Guerra Fria, tendo como princípios a segurança e o interesse
nacionais, encontrando-se em descompasso com a atual orientação jurídica de proteção internacional de direitos humanos. Para atualizar a legislação, o governo federal apresentou em 2009 o Projeto de Lei 5.655/2009, o qual tramita no Congresso
Nacional. O Projeto altera a política de migração brasileira, a admissão e os tipos de
vistos existentes, os direitos dos estrangeiros, assim como os mecanismos de retirada
compulsória dos estrangeiros do território nacional como será demonstrado ao longo
do artigo.
Palavras-chave
Migração. Mobilidade. Estrangeiro. Estatuto do Estrangeiro. Projeto de Lei 5.655/2009.
Abstract
Globalization, the new technologies of transport and the raise in the world population intensified the processes of migration and mobility of people around the world.
The displacement of people from the country where they are nationals to other
countries increases the number of foreigners in the world. This process increases the
importance of legislation on foreigners. In Brazil, the Law n.º 6.815/80 (Statute of
the Foreigner) was created during the Cold War, based on the principle of national
security and national interest, finding itself at odds with the current legal guidance
of international protection of human rights. To update the legislation, the federal
government in 2009 presented before the Congress the Project of Law 5.655/2009,
which is being discussed in Congress. The project changed the Brazilian migration
policy, the admission and the types of visas available, the rights of the foreigners,
as well as the mechanisms of compulsory withdrawal of foreigners from the national
territory as will be demonstrated along the article.
Keywords
Migration. Mobility. Foreigner. Statute of the Foreigner. Project of Law 5.655/2009.
Doutor em Ciências Sociais (UNISINOS/2011), Mestre em Direito (UNISINOS/2005), Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (UNISINOS/2003).
Professor de Direito na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, na Universidade Feevale e no Centro Universitário Metodista do IPA.
*
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9
Introdução
Apesar de a migração1 não ser um fenômeno novo, ela parece estar andando em ritmo acelerado como parte de um processo de integração global que se tornou possível graças às novas tecnologias de comunicação e de transporte. Assim, ao mesmo tempo em que a internet possibilita o acompanhamento e a obtenção de informações sobre a realidade econômica e social em diferentes países, a
redução no custo das passagens aéreas facilitou a mobilidade para outros continentes.
Estima-se que, em 1990, a população migrante do mundo foi de mais de 80 milhões de
pessoas, 20 milhões das quais eram refugiadas. Esse número está em crescimento, induzindo alguns
estudiosos a rotularem essa época como “a era da migração”.2
Os padrões de migração mundiais podem ser vistos como reflexo dos laços econômicos, políticos e culturais que estão em rápida mudança entre os países. Assim, a migração é estimulada por
forças subjacentes como a Guerra, que gera refugiados (ex. Iraque, Afeganistão durante a invasão
norte-americana), conflitos políticos internos que geram asilados (ex. países latino-americanos durante os Regimes Militares), problemas sociais e econômicos que geram mudança para outros países em
busca de emprego (ex. Bolívia, México, Moçambique, etc.).
Acrescente-se, ainda, o comércio internacional que gera a emigração de representantes de
empresas para outros países (ex. empresas da China, Estados Unidos e Alemanha com funcionários
transferidos da matriz para as filiais em diferentes países do mundo).
Em um mundo com tal nível de mobilidade, as reiteradas crises econômicas globais e as
consequentes restrições ao ingresso de estrangeiros na Europa, por exemplo, podem rapidamente refletir no fluxo de migração do continente europeu para países emergentes como os membros do BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o que exige uma legislação moderna e capaz de regular a
condição jurídica dos estrangeiros que se deslocam de um país para o outro.
Soma-se ao processo de migração global, outros processos em que os sujeitos não possuem a
intenção de fixar residência necessariamente, mas possuem o interesse de transitar de um país para
o outro. Nesta categoria, encontram-se pessoas como criminosos que fogem para outros países com o
objetivo de ficarem impunes3 ou turistas que viajam pelo mundo para conhecer outras culturas e belezas arquitetônicas e naturais. Existem, ainda, aqueles que viajam a trabalho como os correspondentes
jornalísticos, os religiosos e os desportistas profissionais.
Quanto à última categoria, convém ressaltar que o Brasil receberá inúmeros desportistas e
turistas durante os eventos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas. Estima-se que somente durante
a Copa do Mundo de 2014 circulem cerca de 600 mil estrangeiros, o que estimulará a economia nacional
ao mesmo tempo em que exigirá um nível elevado de efetivação dos direitos humanos no plano interno.4
Nesse sentido, seria, por exemplo, temerário submeter um estrangeiro ao cumprimento de pena no Presídio Central de Porto Alegre, conhecido por suas péssimas condições de higiene e segurança.
Soma-se a isso, o desafio da efetivação dos princípios da isonomia e da não discriminação, os
quais são seguidamente violados principalmente na Europa e nos Estados Unidos, onde imigrantes de
origem islâmica são objeto de todos os tipos de preconceito e restrição de liberdades. Mas, também
no Brasil, onde estrangeiros são objeto de uma discriminação “à brasileira”.5
Este contexto de alta complexidade representa um grande desafio ao Direito Internacional
Privado6 na medida em que cabe ao mesmo o estudo sobre o tema da condição jurídica do estrangeiro.
A condição jurídica do estrangeiro compõe-se por assuntos como a admissão ou recusa ao ingresso
de estrangeiros em território nacional, o regime de vistos, os direitos dos estrangeiros e suas restrições, a
naturalização e, finalmente, os mecanismos para retirada compulsória do estrangeiro do território nacional.
Tais temas, atualmente devem conciliar de forma harmônica com aspectos como a segurança
jurídica, o atendimento ao interesse nacional e o respeito aos direitos humanos.
1
A migração é composta por dois processos: a imigração (movimento de pessoas que entram em um país) e a emigração (processo pelo qual
pessoas deixam um país para residirem em outro). GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ª ed. São Paulo: Artmed, 2005, p. 215.
2
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ª ed. São Paulo: Artmed, 2005, p. 215.
3
O Brasil recebe anualmente inúmeros pedidos de extradição de pessoas acusadas de terem cometido crimes em outros países, as quais fugiram para o Brasil. Dentre os mais conhecidos encontram-se os casos de pedido de extradição contra Ronald Biggs, Abadia e Cesare Battiste.
4
Em 2011 o Brasil alcançou a marca recorde de 5,4 milhões de turistas, alta que se deve, segundo a Embratur, à divulgação internacional da
Copa do Mundo e das Olimpíadas. Informação obtida no site Portal 2014: http://www.portal2014.org.br/noticias/8718/BRASIL+RECEBE+RECO
RDE+DE+54+MI+TURISTAS+ESTRANGEIROS+EM+2011.html. Acesso em 5 de julho de 2012 às 22h38min.
5
Roberto Damatta explica que o preconceito brasileiro é mais sofisticado do que o norte-americano, sendo difícil de combater, pois é invisível, já que o brasileiro tem preconceito contra quem tem preconceito. DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco,
1986, p. 43.
6
De acordo com a concepção francesa, o Direito Internacional Privado abrange quatro matérias distintas: a nacionalidade, a condição jurídica
do estrangeiro, o conflito de leis e o conflito de jurisdições. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte Geral. 10.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, p. 23.
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No Brasil, a condição jurídica do estrangeiro ou “estrangeiria” vem sendo regulada pela Lei
n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 6.964/81 e com os
acréscimos trazidos pelo Decreto n.º 86.715/81.
Os referidos diplomas legais, entretanto, se encontram desatualizados e em desarmonia com
a Constituição Federal de 1988 e com os tratados de Direitos Humanos.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Novo Estatuto do Estrangeiro apresentado
pelo governo,7 sendo importante sua análise no âmbito acadêmico no sentido de verificar suas diferenças em relação ao atual diploma legal e se o mesmo representa um avanço no tratamento legal do
estrangeiro que ingressa no território nacional.
O artigo pretende, por meio de uma abordagem comparativa e sociológica, explicar as principais diferenças entre o atual diploma legal e o projeto de lei do novo Estatuto do Estrangeiro, comentando do ponto de vista jurídico e sociológico se tais alterações representam ou não um avanço para a
sociedade brasileira no caminho dos Direitos Humanos.
Para abordar o referido tema, o artigo desenvolverá os seguintes assuntos: diferença axiológica entre a Lei n.º 6.815/80 e o Projeto de Lei 5.655/2009, o conceito jurídico de estrangeiro, os
direitos do estrangeiro e suas restrições, a admissão do estrangeiro no território nacional, o regime de
vistos, a deportação, a expulsão e a extradição.
1.
Condição Jurídica do Estrangeiro
A condição jurídica do estrangeiro é o conjunto de direitos que o estrangeiro goza em determinado país, que não o de sua origem, em certa época. É o estado de estrangeiro em oposição ao
estado de nacional.8
As regras jurídicas sobre a “estrangeiria”, condição jurídica do estrangeiro, são normas substantivas, diretamente aplicáveis às pessoas de nacionalidade estrangeira que se encontrem no território nacional, em contrapartida às normas indicativas ou diretas do Direito Internacional Privado, que
determinam o direito aplicável a uma relação jurídica com conexão internacional, não solucionando a
quaesito iuris propriamente dita.9
Regra geral, estas normas são classificadas como de direito público, significando que a discriminação em relação ao estrangeiro, perante o nacional, pode fundar-se tão somente em motivos de
interesse público.10
Na história, o tratamento que as diferentes nações concediam aos estrangeiros residentes em
seu território figura entre os aspectos mais importantes na determinação de seu grau de civilização e de
humanitarismo. Assim, enquanto os povos antigos discriminavam o estrangeiro inspirados por seus próprios
interesses, a modernidade foi introduzindo gradualmente algumas alterações para permitir a participação
dos estrangeiros no desenvolvimento econômico e, até mesmo político, das sociedades em que vivem.11
Sob uma perspectiva histórico-sociológica, percebe-se uma oscilação constante nas regras
jurídicas internas concernentes aos direitos dos estrangeiros. Percebe-se que quando a imigração convém aos interesses econômicos nacionais, facilita-se a admissão do estrangeiro, sua naturalização e
garantem-se os seus direitos fundamentais. Isso ocorre, por exemplo, quando um Estado necessita de
trabalho em ocupações não profissionalizadas e manuais.
Por outro lado, quando, por exemplo, vive-se um momento de crise econômica em determinado
Estado, havendo desemprego, a legislação tende a se tornar mais rígida para o estrangeiro, sendo restringido
o ingresso de novos estrangeiros, sendo deportados os irregulares, sendo burocratizada a naturalização.12
Tais alterações conforme interesses econômicos encontram algum nível de restrição jurídica
por meio da chamada arquitetura internacional dos Direitos Humanos, principalmente na Declaração
Universal de Direitos Humanos (ONU – 1948). A Declaração, em seus 30 artigos, introduziu uma série de
direitos tidos como inerentes ao ser humano, os quais devem ser respeitados de forma universal, ou
seja, independentemente do país onde se encontre o indivíduo.
Foi principalmente a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos que o tema da
condição jurídica do estrangeiro deixou de ser um tema que poderia ser interpretado unicamente com
7
O projeto de Lei n.º 5.655/2009 se encontra na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara de Deputados, que em 8 de março de 2012
apresentou parecer favorável a sua aprovação.
8
STRENGER, Irineu. Direito Internacional privado. 6.ª ed. São Paulo: LTr, 2005.
9
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional Privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 30/31.
10
Ibidem, p. 31.
11
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte Geral. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 89.
12
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ª ed. São Paulo: Artmed, 2005, p. 219-220.
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base no interesse nacional, passando a configurar-se como um tema que deveria ser interpretado de
forma sistemática, relacionando os diplomas legais internos com os tratados internacionais de Direitos
Humanos. É também neste ponto que se percebe que o Direito Internacional Privado sofre crescente
influência do Direito Internacional Público.
O governo brasileiro ao apresentar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.655/2009 demonstra
um esforço na direção da compatibilização e harmonização dos direitos dos estrangeiros em relação aos
Direitos Humanos. A ação brasileira pode ser compreendida em um contexto maior em que o Brasil também
envia seus militares para prestar auxílio humanitário em missões de paz da ONU, apresenta casos no órgão
de solução de controvérsias da OMC, sedia eventos como a Conferência Ambiental da Rio +20, pretendendo
ter uma participação maior no sistema multilateral típico da sociedade internacional contemporânea.
Ainda assim, tem-se que reconhecer que as ações humanitárias e ambientais do Brasil se
encontram em dissonância com algumas ações de países membros da União Europeia e dos Estados
Unidos, os quais gradualmente restringem os direitos dos estrangeiros.13
É neste ponto justamente que o atual Estatuto do Estrangeiro passa a ser analisado de forma
comparativa com o Projeto visando-se identificar as diferenças entre o paradigma da segurança nacional (de visão nacionalista e protecionista que parece ressurgir na Europa) e o paradigma dos Direitos
Humanos (de visão cosmopolita e humanitária) presente no Projeto de Lei 5.655/2009.
1.1.
Diferença Axiológica entre a Lei n.º 6.815/80 e o Projeto de Lei 5.655/2009
A Lei n.º 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) foi criada no período da Ditadura Militar, ou seja,
trata-se de uma normativa elaborada no período da Guerra Fria, época em que os governos de países
capitalistas na América Latina preocupavam-se com a possível ascensão do comunismo, reprimindo as
ações de intelectuais de esquerda tidos como “subversivos”.14
O período foi caracterizado no Brasil também por relações exteriores pautadas no protecionismo e no nacionalismo. Assim, o ingresso de produtos estrangeiros era limitado legalmente como
forma de proteger a indústria nacional. Por pertencer a este período, o Estatuto do Estrangeiro adotou
valores típicos da sua época como: “a segurança nacional” e “os interesses políticos”. Expressões presentes em diferentes partes do Estatuto, destacando-se os artigos 2, 7 e 65.
Com a abertura democrática e a Constituição Federal de 1988,15 novos princípios passaram a
pautar as relações internacionais do Brasil, conforme previstos no artigo 4.º. Destacam-se, entre eles,
a prevalência dos direitos humanos, a igualdade entre Estados, a defesa da paz, a cooperação entre os
povos para o progresso da humanidade, o repúdio ao racismo e a concessão de asilo.
Os referidos princípios trazem uma carga axiológica humanista que entra em conflito com os
princípios do Estatuto do Estrangeiro. O Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80), no seu artigo 2º,
valoriza a “segurança nacional”, “os interesses políticos” e a “defesa do trabalhador nacional”, deixando de manifestar valor aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana:
Art. 2.º Na aplicação desta lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos
interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional. (grifei)
Tais valores, ainda que importantes, demandam atualização e, principalmente, restrições com
base na dignidade da pessoa humana que é o núcleo dos Direitos Humanos. O Projeto do Novo Estatuto
do Estrangeiro (Projeto n.º 5.655/2009) conseguiu trazer este contraponto ao introduzir uma visão condizente com o período pós Guerra Fria. Nesse sentido, sua redação entrou em harmonia com a Constituição
Federal de 1988 e com a proteção internacional dos Direitos Humanos, representando um avanço.
O artigo 2.º do Projeto de Lei do Novo Estatuto do Estrangeiro é bastante ilustrativo da nova
orientação axiológica, conforme se verifica abaixo:
Art. 2.º A aplicação desta Lei deverá nortear-se pela política nacional de migração, garantia dos direitos humanos, interesses nacionais, socioeconômicos e culturais, preservação das instituições democráticas e fortalecimento das relações internacionais. (grifei)
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ª ed. São Paulo: Artmed, 2005, p. 220.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. “Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADA
Lucila de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano – O Tempo da Ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 251-2.
15
Sobre o tema, Flávia Piovesan explica que no Brasil, após o longo período de vinte e um anos de regime militar ditatorial, que perdurou
de 1964 a 1985, deflagra-se o processo de democratização. A lenta e gradual abertura democrática permitiu que a evolução histórica dos
direitos humanos, ocorrida no plano internacional, fosse recebida no Direito interno quando da elaboração da Constituição Federal de 1988.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 52 e 115.
13
14
12
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O dispositivo acima mantém uma valorização aos interesses nacionais, importante em época
de crise econômica global que poderá trazer um número excessivo de estrangeiros ao território nacional, o que poderia inserir o país em um contexto próximo ao Europeu. Ao mesmo tempo, o Projeto
compõe os interesses nacionais em conjunto com a garantia dos direitos humanos universais, com a
preservação das instituições democráticas e com o fortalecimento das relações internacionais, o que
se demonstra altamente relevante em um período caracterizado pelos excessos discriminatórios ocorridos, por exemplo, no setor de imigração de países europeus como a Espanha.
O artigo 3.º do Projeto demonstra a preocupação do governo brasileiro em não violar os direitos humanos daqueles indivíduos que estiverem passando pelos setores de imigração. O dispositivo poderá ser aplicado para restringir as ações de fiscalização que possam ser abusivas, violando a dignidade
da pessoa humana, tais como revista íntima ou submissão de estrangeiro a tratamento degradante no
seu ingresso ou saída do território nacional. Dispõe o referido artigo o que segue:
Art. 3.º A política nacional de migração contemplará a adoção de medidas para regular os fluxos migratórios de forma a proteger os direitos humanos dos migrantes, especialmente em razão de práticas
abusivas advindas de situação migratória irregular. (grifei)
Pelo disposto acima, mesmo que o estrangeiro esteja em situação migratória irregular como
saída após o prazo legal ou impossibilidade de ingresso por ter sido previamente expulso do país, não
poderá o mesmo ser submetido a qualquer tipo de violação de direitos humanos.
Com base no Projeto, a defesa do trabalhador brasileiro em relação ao imigrante estrangeiro deve
ser interpretada em equilíbrio com o interesse nacional de desenvolvimento, devendo ser priorizada a imigração de pessoas cujo conhecimento contribua para o desenvolvimento nacional. Neste sentido, destacam-se temas como pesquisa científica e inovação tecnológica, conforme disposto no artigo 4.º do Projeto.
Neste ponto o projeto se encontra adequado aos interesses nacionais, pois justamente a educação vem sendo apontada como o ponto mais frágil da estrutura socioeconômica brasileira, tornando-se empecilho para o desenvolvimento. Assim, a contribuição dos estrangeiros torna-se relevante para
impulsionar avanços em inovação e propriedade intelectual, possibilitando que o país diversifique sua
exportação que hoje está centrada em matérias-primas como a soja. Com a mão-de-obra qualificada
poderá ampliar a exportação em inovações na área da propriedade intelectual a exemplo de países
como Alemanha, Estados Unidos e Japão.
Este tipo de medida discriminatória na política de imigração, constante no artigo 4.º pende
com maior intensidade para os interesses nacionais, afastando-se dos princípios dos direitos humanos,
porém é comum há décadas em países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
Resumindo, verifica-se que o Estatuto do Estrangeiro foi elaborado com base em valores
típicos do contexto histórico nacionalista, protecionista e de Guerra Fria, enquanto os valores que
norteiam o Projeto de Lei 5655/2009 apresentam-se condizentes com uma sociedade internacional
globalizada em que a dignidade da pessoa humana ocupa a posição principal no ordenamento jurídico
interno e internacional.
1.2.
Conceito Jurídico de Estrangeiro
Para conceituar “estrangeiro”, a doutrina costuma apontar a distinção entre os nacionais e
os estrangeiros. Assim, ao determinar quais são os seus nacionais, ato do próprio Estado, “automaticamente classifica como estrangeiros os demais indivíduos que se encontram em seu território, quer
a título permanente, quer a título temporário, os quais poderão possuir nacionalidade estrangeira ou
serem apátridas, isto é, não possuir qualquer nacionalidade”.16
Deste modo, para a Ciência do Direito, classifica-se como estrangeiro aquele que, conforme
as normas jurídicas do Estado em que se encontra, não integra o conjunto dos nacionais deste Estado
em particular. Por conseguinte, para tornar-se estrangeiro, é necessário que a pessoa se desloque do
Estado do qual é nacional e passe à jurisdição de outro, “sem integrar, a qualquer título, a massa dos
nacionais deste Estado”.17
No caso do Brasil, o artigo 12 da Constituição estabelece o sistema misto de aquisição originária de nacionalidade, determinando que serão brasileiros aqueles que nascerem no território nacional (ius soli), mesmo que os pais sejam estrangeiros (exceto se os pais estiverem a serviço do Estado
estrangeiro). Estabelece também que, serão brasileiros aqueles que nascerem no exterior, desde que
16
17
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 708.
Ibidem, p. 709.
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13
o pai ou a mãe sejam brasileiros e que registrem o nascimento da criança na repartição competente
(Consulado do Brasil no exterior). Traz ainda a nacionalidade adquirida pela naturalização, ou seja,
aquela obtida por aquele que permanecer no território nacional pelo período de um ano (se for nacional de país que adote a língua portuguesa), quatro anos (naturalização ordinária) ou quinze anos
(naturalização extraordinária), as duas últimas para nacionais de países em que não se fala língua
portuguesa.18
Assim, qualquer pessoa que não se enquadre no conceito de nacional brasileiro, conforme
disposto no artigo 12 da Constituição explicado acima, seria classificado como estrangeiro ao ingressar
no território nacional, aplicando-se a ele o Estatuto do Estrangeiro.
O Projeto do Novo Estatuto do Estrangeiro supriu a lacuna do atual diploma que deixou de
conceituar expressamente o estrangeiro. Ao conceituar incorporou a interpretação que já vinha sendo
realizada pela doutrina. Assim, de acordo com o Projeto do Novo Estatuto do Estrangeiro no parágrafo
único do art.1.º: “Considera-se estrangeiro todo aquele que não possui a nacionalidade brasileira originária ou adquirida”.
Neste sentido, o estrangeiro poderá ser um refugiado (que saiu do seu país por fundado temor
pela sua vida e integridade), um asilado (que sofre perseguição por motivo político), um apátrida (que
vem de Estado que deixou de existir, e.g. Tibete), um imigrante (que pretende viver permanentemente no Brasil), um forasteiro (aquele que está apenas de passagem, seja por motivo de turismo, estudo
ou negócios, por exemplo).19
1.3.
A Admissão do Estrangeiro no Território Nacional e o Regime de Vistos
O artigo 4.º do atual Estatuto do Estrangeiro prevê sete tipos de vistos. Alguns vistos poderão
ser concedidos pelas missões diplomática no país em que se encontra o estrangeiro. De acordo com
a atividade a ser exercida, o visto poderá ser de: turista, de trânsito, temporário, permanente, de
cortesia, oficial e diplomático. No Projeto foi retirado o visto de trânsito e o visto de turista passou a
se chamar de turismo e negócios.
O visto representa o tipo de vínculo que o Estado brasileiro terá com este estrangeiro. Ele
exerce um enquadramento do estrangeiro em um status específico. O status poderá ser de turista,
de permanente, diplomático, etc. Porém, uma vez conferido o respectivo status, cabe ao estrangeiro
seguir os direitos e respeitar as limitações estabelecidas pela natureza do visto a ele conferido.
Assim, uma pessoa que ingressa com o status de turista não poderá trabalhar em território
nacional, uma pessoa que ingressa para jogar durante a Copa do Mundo não poderá, via de regra,
simplesmente sair da concentração (ou vila olímpica) e buscar emprego ou abrir um negócio no Brasil.
Apesar do enquadramento legal, existe, tanto na Lei nº 6.815 quanto no Projeto, a possibilidade
de alteração de visto no território nacional. Assim, a pessoa poderá, por exemplo, ingressar com visto de
turista, se apaixonar no Brasil, casar-se no Brasil e, em função do casamento ou união estável, solicitar na
Polícia Federal a alteração de visto de turista para visto permanente, que lhe autoriza o trabalho no país.
O atual Estatuto do Estrangeiro faculta a dispensa de visto de turista ao nacional de país que
também dispense este mesmo visto aos brasileiros, devendo esta reciprocidade estar estabelecida
através de tratado internacional entre ambos os países. O Brasil não exige visto para a maioria dos
países da América Latina e da Europa Ocidental. O ingresso do estrangeiro sem o visto não presume a
sua estada como definitiva, deve ser sempre temporária.20 Um carimbo no setor de imigração definirá
o dia da entrada para fins de controle do tempo de permanência do estrangeiro em território nacional.
Eventual saída após o prazo conferido poderá ensejar a punição com multa prevista no artigo 62 do
atual Estatuto do Estrangeiro.
Conforme figura no art. 7.º do Estatuto do Estrangeiro, o Brasil não conferirá visto para estrangeiro menor de 18 anos desacompanhado dos pais ou responsáveis (exceto se tiver autorização dos
mesmos), ao que for considerado nocivo à ordem ou aos interesses nacionais, ao anteriormente expulso, salvo se a expulsão tiver sido anteriormente revogada, ao condenado por crime doloso passível
de extradição segundo a lei brasileira e aos que não apresentarem condições de saúde estabelecidas
pelo Ministério da Saúde.
O Projeto, em seu artigo 66, apresenta um rol bastante semelhante. Retirou, entretanto, a
exigência referente às condições de saúde e inseriu restrição à concessão de visto para pessoa que
porte documento falsificado ou esteja sem documento válido para o ingresso no território nacional.
18
19
20
14
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 215.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 198.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 711/713.
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1.4.
Direitos dos Estrangeiros
A Carta Magna Brasileira dispõe em seu artigo 5º, caput, que todos devem ser iguais perante
a lei, garantindo ao brasileiro e ao estrangeiro residente no país os direitos fundamentais à pessoa
humana. A distinção existente no termo “estrangeiro residente” tende a gerar discussão na doutrina,
prevalecendo o entendimento de que aos não residentes também serão estendidos os direitos fundamentais, pautados na universalidade dos direitos humanos em virtude de tratados ratificados pelo
Brasil nos termos do artigo 5.º, § 2.º da Constituição Federal.21
A redação constitucional do caput do artigo 5.º interpretada de forma restritiva implicaria em
não conferir ao estrangeiro não residente os direitos e garantias fundamentais no território nacional. Tal
interpretação poderia levar ao absurdo de determinar que a um turista de passagem pelo Brasil não seria
conferido o direito à vida, à propriedade, à liberdade de expressão, não estaria livre de tortura, etc.
Neste sentido, foi salutar que o Projeto de Lei tenha criado uma subdivisão para o termo
residente, reduzindo a necessidade de discussão sobre este tema. O residente nos termos do Projeto
está dividido em duas categorias: o temporário e o permanente, sendo que ambos possuem os direitos
e garantias fundamentais.
Assim, mesmo o turista seria considerado um estrangeiro residente, porém residente de forma temporária. O artigo 5.º do Projeto de Lei traz a seguinte redação:
Art. 5º Ao estrangeiro residente no Brasil, permanente ou temporário, são assegurados os direitos e
garantias fundamentais consagrados na Constituição, em especial: (...)
Além disso, o rol de direitos do estrangeiro foi ampliado no Projeto do Novo Estatuto do
Estrangeiro, possuindo, dentre outras novidades, os direitos sociais reconhecidos aos brasileiros, o
direito à educação, o direito à saúde pública e os direitos trabalhistas, os quais não se encontram
expressos na Lei n.º 6.815/80.
Assim, o Estado brasileiro compromete-se expressamente a garantir proteção de direitos
fundamentais de primeira (civis e políticos) e de segunda dimensão (econômicos, sociais e culturais)
aos estrangeiros no Projeto 5.655/2009.
Um estrangeiro que sofra um acidente ou necessite de atendimento público por motivo de
doença, terá direito ao tratamento oferecido pelo SUS, não necessitando possuir seguro de saúde para
ingressar no território nacional, diferentemente do que ocorre em outros países.
Neste ponto, o Projeto poderá onerar o contribuinte caso haja uma corrente migratória para
o país nos próximos anos como se imagina que venha a ocorrer. De qualquer forma, do ponto de vista
jurídico, representa um imenso avanço no caminho dos direitos humanos universais.
Dispõe o artigo 5.º do Projeto:
Art. 5º Ao estrangeiro residente no Brasil, permanente ou temporário, são assegurados os direitos e
garantias fundamentais consagrados na Constituição, em especial:
I - a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;
II - os direitos civis e sociais reconhecidos aos brasileiros;
III - a liberdade de circulação no território nacional;
IV - o direito de reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente
de autorização, desde que não frustre outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local,
sendo exigido prévio aviso à autoridade competente;
V - o direito de associação para fins lícitos, nos termos da lei;
VI - o direito à educação;
VII - o direito à saúde pública;
VIII - os direitos trabalhistas e de sindicalização, nos termos da lei;
IX - o acesso à Justiça, inclusive a gratuita.
Ressalte-se ainda o direito ao acesso à justiça de forma gratuita, previsto no inciso IX, o
qual possibilita aos advogados solicitar AJG ao estrangeiro que não tenha condições econômicas para
ingressar com ação judicial.
No parágrafo único do artigo 5.º do Projeto percebe-se a importante preocupação com o tema
do tráfico de pessoas, o qual representa uma realidade internacional crescente em tempos de crise. Grupos organizados de criminosos aliciam pessoas de países onde a renda é muito baixa, seduzindo-as com
21 ACCIOLY, Hildebrando. CASELLA, Paulo Borba. SILVA, G.E. do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora
Saraiva, 2009. p. 491/492.
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propostas enganosas para trabalhar no exterior. Posteriormente estas pessoas são submetidas ao trabalho
escravo em fazendas, à prostituição forçada, ao trabalho em fábricas sem direitos trabalhistas, etc.
Como mecanismo para combater o referido crime organizado, o Projeto garantiu às vítimas e
às testemunhas do crime de tráfico de pessoas medidas especiais de proteção.
Aos estrangeiros em território nacional são assegurados também os direitos humanos assumidos pelo Brasil por meio de tratados internacionais. Isso ocorre nos termos do artigo 5.º, § 2.º da
Constituição Federal, conforme mencionado anteriormente.
Neste sentido, destaca-se a Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU – 1948), em seu
artigo 8º, que prevê que “todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro
das fronteiras de cada Estado”, e em seu § 2.º adiciona que: “todo ser humano tem direito de deixar
qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”.
A Declaração dispõe que qualquer pessoa tem o direito de sair de seu país, entretanto, não
reconhece o direito de ela ingressar em outro país, o que vem sendo interpretado como um direito do
Estado decorrente do princípio da soberania. Este ponto provavelmente será objeto de discussão e crítica pelos adeptos da corrente dos direitos humanos, pois legitima uma gama imensa de discriminações
praticadas pelo setor de imigração dos países.
Destaca-se, ainda, nos termos da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de
1961, que o estrangeiro poderá recorrer à missão diplomática ou à repartição consular de seu país,
caso seus direitos não estejam sendo respeitados. Caso seja preso no exterior, possuirá, também, o
direito de informar o Consulado do seu Estado sobre o fato ocorrido, devendo o seu Estado fornecer
a devida assistência jurídica (art. 5.º). Por outro lado, o Estado que prender um estrangeiro, terá a
obrigação de comunicar o Estado do qual o estrangeiro é nacional (art. 36).
1.5.
Restrições aos Direitos dos Estrangeiros
Os estrangeiros que ingressam no território nacional possuem os mesmos direitos fundamentais dos brasileiros conforme visto acima, porém sofrem algumas restrições. Estas restrições ocorrem
no tocante aos direitos de liberdade, aos direitos políticos, ao trabalho no país, à aquisição de propriedade e à participação nos negócios públicos do país.
O Projeto de Lei pouco alterou as restrições aos direitos dos estrangeiros, retirando apenas
as restrições quanto à participação nos negócios públicos no país e avançou ao inserir um rol maior de
possibilidades de trabalho do estrangeiro no território nacional.
Assim, pelo Projeto de Lei, o estrangeiro continua sofrendo restrições à liberdade em território nacional, podendo ser deportado (art. 103 e ss.), expulso (art. 111 e ss.) ou extraditado (art. 122 e
ss.). O Projeto de Lei inseriu ainda a figura da repatriação (art. 102) que consiste no impedimento da
entrada do esteja em área de aeroporto, porto ou fronteira.
No tocante aos direitos políticos dos estrangeiros as restrições foram mantidas pelo Projeto
de Lei. Assim, os mesmos não podem votar nem serem votados, o que só é garantido aos brasileiros
natos ou naturalizados, conforme disposto no artigo 14, parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988
e no artigo 8.º do Projeto de Lei, conforme redação abaixo:
Art. 8.º O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade político partidária,
sendo-lhe vedado organizar, criar ou manter associação ou quaisquer entidades de caráter político,
salvo o português com o gozo dos direitos políticos no Brasil, conforme previsto no Tratado de Amizade,
Cooperação e Consulta.
Existem, ainda, as restrições constitucionais quanto ao direito de propriedade ou controle de
empresa jornalística e de radiodifusão sonora, de sons e imagens (reservada aos brasileiros natos e naturalizados há mais de dez anos), à aquisição de propriedade rural (nos termos da lei, de acordo com o art. 190
da Constituição) e também à ocupação e utilização da faixa de 150 quilômetros de largura, ao longo das
fronteiras terrestres (também dependem da lei regulamentadora, de acordo com o artigo 20, §2º).22
O Projeto de Lei possui dispositivo específico com o rol de restrições aos direitos dos estrangeiros, conforme segue:
Art. 7º É vedado ao estrangeiro, ressalvado o disposto em legislação específica:
I - ser armador, comandante ou chefe de máquinas de embarcações de bandeira nacional;
II - ser proprietário de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
ACCIOLY, Hildebrando, CASELLA, Paulo Borba, SILVA, G.E. do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora
Saraiva, 2009, p. 492/493.
22
16
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
III - ser responsável pelo conteúdo editorial e atividades de seleção e direção da programação veiculada
em qualquer meio de comunicação social;
IV - obter autorização ou concessão para a exploração e aproveitamento de jazidas, minas e demais
recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica;
V - ser proprietário ou explorador de aeronave brasileira;
VI - ser corretor de navios, de fundos públicos, leiloeiro e despachante aduaneiro;
VII - ser prático de barras, portos, rios, lagos e canais;
VIII - adquirir, em nome próprio ou de terceiros, terras em região de fronteira; e
IX - ser proprietário, sócio ou empregado de empresa de segurança privada e de formação de vigilantes.
O artigo acima demonstra a preocupação do Projeto em manter com as holdings nacionais23 o
poder sobre três fontes de riqueza e influência: 1) a mídia e suas matérias jornalísticas; 2) a natureza e a
riqueza que se extrai da venda de matéria-prima; 3) a concessão pública para transporte e segurança.
A restrição ao trabalho do estrangeiro, por sua vez, é uma das restrições mais comuns nas
legislações dos mais diversos países.24 Neste ponto, o Projeto de Lei manteve o entendimento da Lei
n.º 6.815/80 de que o estrangeiro que quiser trabalhar no Brasil deverá possuir o visto temporário para
trabalho ou o visto permanente.
O visto temporário para o trabalho é obtido no Consulado do Brasil no exterior mediante solicitação instruída com documentos da empresa estrangeira com filial no Brasil, indicando o interesse
da mesma em obter o trabalho do estrangeiro em sua filial brasileira, por exemplo.
O visto permanente, por sua vez, é concedido para o estrangeiro que pretende fixar domicílio
no Brasil por ter esposa e/ou filhos brasileiros, por exemplo.
1.6. Mecanismos de Retirada Compulsória do Estrangeiro do Território Nacional: Repatriação, Deportação, Expulsão e Extradição
Desde a Constituição Federal de 1988 foram vedados os mecanismos de retirada compulsória
de brasileiros natos do território nacional, tais como a deserção e o banimento. Assim, mesmo que
um brasileiro nato cometa um crime horrendo como o terrorismo, o mesmo não poderá ser retirado
compulsoriamente do território nacional. No caso do brasileiro naturalizado, essa garantia sofre restrições, podendo ele sofrer extradição caso tenha cometido um crime comum no exterior antes da
naturalização ou crime de tráfico ilícito de entorpecentes a qualquer tempo.
No caso do estrangeiro que ingressa no território nacional, por outro lado, o Estatuto prevê
três mecanismos para sua retirada compulsória (deportação, expulsão e extradição) e o Projeto mantém os três mecanismos e acrescenta mais um: a repatriação (art. 102).
A repatriação consiste no impedimento da entrada do estrangeiro sem autorização para ingressar no território nacional que ainda esteja em área de aeroporto, porto ou fronteira. Ainda que
não esteja previsto no Estatuto, sua utilização vem sendo veiculada na mídia em casos em que o Brasil
veda a entrada de espanhóis com base no princípio da reciprocidade.
A deportação é a retirada compulsória de estrangeiro que ingressou de forma clandestina, que praticou ato não autorizado pelo seu visto ou que excedeu o prazo de estada autorizado pelo setor de imigração.
A expulsão é utilizada em face de estrangeiro que pratique crime em território nacional ou
que haja de forma contrária aos interesses nacionais. O caso mais famoso veiculado na mídia foi o do
jornalista William Rohter, do jornal The New York Times, em 2004, expulso por decreto presidencial
após matéria jornalística em que afirmou que o então presidente possuía hábitos de alcoolismo. O
pedido de revogação da expulsão foi levado e aceito pelo STF, autorizando o reingresso do estrangeiro,
pois ele possuía filhos e esposa brasileiros, há mais de cinco anos, enquadrando-se perfeitamente na
vedação à expulsão prevista no artigo 75 do Estatuto do Estrangeiro.
A vedação à expulsão supra referida também foi mantida no Projeto, tendo sido acrescentada
ainda uma nova vedação referente à pessoa que ingressou no país nos primeiros cinco anos de sua vida,
tendo vivido desde então no território nacional de forma regular e contínua (art. 113).
Tanto a deportação quanto a expulsão possui em comum o fato de serem medidas para retirada compulsória de estrangeiros do território nacional, sendo que ambas se configuram juridicamente
como atos administrativos discricionários. Assim, a deportação e a expulsão não necessitam ser submetidas ao Judiciário para que sejam válidas e eficazes. Nisto, elas se diferem da extradição, na qual
há necessidade de processo no STF.
A extradição pode ser utilizada em duas situações. Na primeira, o Estado brasileiro solicita ao
23
24
Sobre o tema, ver: FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2001.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 199.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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Estado estrangeiro a entrega de uma pessoa que tenha cometido um crime no território nacional (extradição ativa). Na segunda hipótese, o Brasil recebe um pedido de entrega por parte de Estado estrangeiro
de uma pessoa que tenha cometido crime no território do país solicitante (extradição passiva).
A extradição no Projeto recebeu um incremento decorrente do caráter humanitário dos seus
princípios orientadores, ocorrendo uma ampliação das restrições à sua concessão.
Neste sentido ficou vedada a extradição para países que possam aplicar a pena corporal
(art. 123, VIII) como pena de morte ou açoite, além de ser mantida a vedação de extradição para
países que possam aplicar pena de reclusão superior ao máximo constitucional de 30 anos. O Projeto
também veda a concessão de extradição quando houver fundados motivos para supor que o pedido
de extradição foi apresentado com a finalidade de perseguir ou punir o extraditando por motivações
discriminatórias, tais como de raça, sexo, religião, nacionalidade, opinião política, orientação sexual
ou que esses motivos sirvam para agravar sua situação (art. 123, X).
Por outro lado, o Projeto esclarece que não serão considerados crimes políticos os atos de
terrorismo, nem os crimes contra a humanidade (art. 123, § 2.º e 3.º). Ao assim dispor, demonstrou o
legislador ter conhecimento dos tratados multilaterais ratificados pelo Brasil em campos como o do
combate ao terrorismo e também do combate contra os crimes de maior gravidade previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998).
Conclusão
Costuma-se afirmar que o Direito acompanha as evoluções sociais, estando sempre um passo atrás.
No caso do Projeto do Novo Estatuto do Estrangeiro, confirma-se a referida máxima, tendo o mérito de
harmonizar o texto legal frente à Constituição Federal e aos tratados internacionais de Direitos Humanos.
Ao trazer mais direitos aos estrangeiros, maiores possibilidades de trabalho em território nacional
e maior proteção contra extradição, o Projeto abre as portas para a imigração em território nacional, dando
preferência para pessoas que tenham habilidades profissionais em áreas tecnológicas e nas engenharias.
O projeto consegue assim conciliar Direitos Humanos com o interesse nacional de desenvolvimento.
Referências Bibliográficas
ACCIOLY, Hildebrando, CASELLA, Paulo Borba, SILVA, G.E. do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte Geral. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2001.
FERREIRA, Jorge; DELGADA Lucila de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano. O Tempo da Ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ª ed. São Paulo: Artmed, 2005.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2010.
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 30/31.
STRENGER, Irineu. Direito Internacional privado. 6.ª ed. São Paulo: LTr, 2005.
Site Portal 2014: http://www.portal2014.org.br/noticias/8718/BRASIL+RECEBE+RECORDE+DE+54+MI+
TURISTAS+ESTRANGEIROS+EM+2011.html. Acesso em 5 de julho de 2012 às 22h38min.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Quando os princípios da
assessoria jurídica transbordam
para a assistência
Lúcia Regina Ruduit Dias*
Resumo
Este artigo discute as práticas de um grupo interdisciplinar de assistência e assessoria jurídica universitária em direitos de gênero do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU-UFRGS), o G8-Generalizando (G8-G).
A estratégia metodológica utilizada foi a intervenção fotográfica, situada no campo da
pesquisa-intervenção e das metodologias de investigação qualitativa de coletividades.
As ferramentas metodológicas utilizadas foram o acompanhamento do grupo, o diário
de pesquisa, a análise de implicação e oficinas de fotografia. A intervenção fotográfica
tem por objetivo provocar as visibilidades e os modos de ver legitimados, buscando as
linhas de visibilidade em tensão com as linhas de dizibilidade. Imerso nas discussões
sobre a assistência e assessoria jurídica, o G8-G opera um contrafluxo às características assistencialistas, paternalistas, individualizantes e formalistas da assistência jurídica
tradicional, transbordando os princípios de transformação social e exercício da cidadania
da assessoria jurídica para a assistência jurídica. Para o G8-G se faz importante trabalhar
com base na ideia de “e”, a partir da qual a assessoria e assistência não se opõem, bem
como a assessoria não subsome a assistência como algo menos importante.
Palavras-chave
Assessoria Jurídica. Assistência Jurídica. Intervenção Fotográfica.
Abstract
This article discusses the practices of an interdisciplinary group of university legal
counsel and assistance on gender rights Office of Legal Counsel of Rio Grande do Sul
Federal University (UFRGS-Saju), Generalizing Group-G8 (G8-G). The methodological
approch used was photographic intervention, situated in the field of intervention research and qualitative research methodologies on collectivities. The methodological
tools used were the follow-up group, the research diary, analysis of implication and
photography workshops. A photographic intervention pretend to provoke the visibilities and legitimate ways of seeing, seeking lines of visibility in tension with the lines of
what is utterable. Immersed in discussions on assistance and legal counsel, the G8-G
operates a counterflow on paternalistic characteristics, patronizing, individualistic
and traditional formalist in legal assistance, overflowing the principles of social transformation and citizenship legal counsel for legal assistance. For the G8-G becomes
important to work on the idea of “and”, from which the counsel and assistance are
not opposed, as well as counsel not subsumes assistance as something less important.
Keywords
Legal Advice. Legal Assistance. Photographic Intervention.
Professora de Psicologia Jurídica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Pesquisadora do grupo de pesquisa Saúde Mental e Trabalho da
UFRGS. Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS). Especialista em Saúde e Trabalho (UFRGS), Psicopedagogia e Interdisciplinaridade
(ULBRA), Psicologia Clínica (CRP/07). Possui experiência nas áreas da docência, educação, clínica, psicopedagogia e programas sociais. E-mail:
[email protected]
*
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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Introdução
O grupo G8-Generalizando (G8-G) do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU-UFRGS) se colocou como o espaço que possibilitou a reflexão
sobre as relações entre assistência e assessoria jurídica presentes nesse artigo. O grupo foi acompanhado através do projeto de extensão “Assessoria em psicologia ao SAJU-UFRGS” da Faculdade de
Psicologia da UFRGS e do grupo de pesquisa “Trabalho, ética e estética” da Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional da mesma universidade. O acompanhamento no contexto da realização de
um curso de mestrado teve como resultado o estudo intitulado “A assessoria jurídica universitária em
direitos de gênero como uma estética da amizade” (DIAS, 2011).
O G8-G iniciou seu trabalho, no ano de 2006, enquanto um grupo de assistência jurídica
a mulheres em situação de violência doméstica e ampliou sua prática, vindo a se colocar como um
grupo de assistência e assessoria em direitos de gênero ao longo de um processo de ampliação de seu
trabalho para a população LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais travestis e transexuais)1. Tal grupo tem
por objetivo a defesa dos direitos humanos, buscando fomentar visibilidade e legitimidade jurídicosocial às sexualidades historicamente marginalizadas através do debate e da problematização das
desigualdades de gênero a partir do protagonismo estudantil e de uma abordagem interdisciplinar.
O G8-G foi acompanhado nos anos de 2009 e 2010, tendo a intervenção fotográfica como
estratégia metodológica (TITTONI 2009 e 2011, OLIVEIRA 2010, SILVA 2010, DIAS 2011). A intervenção
fotográfica se coloca no campo das pesquisas qualitativas, mais especificamente da pesquisa-intervenção, que questiona a pesquisa experimental baseada na ideia de objetividade e de neutralidade do(a)2
pesquisador(a) e tem por objetivo a investigação da vida de coletividades no sentido de gerar micropolíticas de transformação social, dentro de uma visão ético-estético-política de pesquisa (ROCHA e
AGUIAR, 2003, MARASCHIN 2004, PAULON 2005, 2009). Se a pesquisa-intervenção procura provocar
aquilo que está instituído nos coletivos, a intervenção fotográfica o faz através da provocação das visibilidades e dos modos de ver legitimados, buscando as linhas de visibilidade em tensão com as linhas
de dizibilidade (DIAS 2011, TITTONI 2011). Para tal, a intervenção fotográfica utiliza-se de ferramentas
como o acompanhamento do grupo, o diário de pesquisa, a análise de implicação e oficinas de fotografia. Os conceitos operadores utilizados nessa estratégia metodológica têm origem em noções oriundas
da Análise Institucional e nos estudos de Renè Lourau (1993). Nas oficinas de fotografia ocorrem trabalhos de sensibilização à imagem, bem como a contemplação, a produção e a difusão de imagens,
dependendo do processo do grupo acompanhado. A temática a ser fotografada também depende do
processo do grupo e do interesse do mesmo. No caso do G8-G, a temática fotografada foi o “processo
do grupo”, emergindo, do material coletado durante o estudo, três fluxos de análise: a categoria gênero, a (inter)disciplinaridade3 e a assistência/assessoria jurídica, sendo este último o foco desse artigo.
A análise do fluxo assistência/assessoria jurídica indicou um transbordamento dos princípios
da assessoria jurídica para a assistência jurídica deslocando-se, essa última, de um trabalho assistencialista, paternalista, individualizante e “reformista”, operando enquanto uma micropolítica de
transformação social.
Assistência e assessoria jurídica: um campo de tensões
O trabalho de assistência não é fato novo na história do Direito. A preocupação com a parte
mais desprotegida da população tem registro desde as mais remotas civilizações, estando presente no
Código Hamurabi, a mais antiga codificação de leis de que se tem conhecimento. O Código Hamurabi é
um monumento talhado em rocha, na Mesopotâmia, por volta de 1.700 a. C., que tem como objetivo
a construção de leis “[...] para que o forte não oprima o fraco e para que seja feita justiça à viúva e
ao órfão” (PIERRI, 2008, p. 8).
As mudanças históricas no direito à assistência jurídica não remetem, entretanto, a uma evolução histórica linear. Embora estando presente desde a antiguidade até os dias de hoje, a assistência
jurídica está atravessada por correlações de forças sociais e políticas que possibilitam que ela se faça
Nomenclatura utilizada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Optou-se pela flexão de gênero por tratar-se de um grupo que trabalha pelos direitos de gênero e por tal flexão visibilizar possíveis outras
identidades de gênero que as não normatizadas pela nossa sociedade. Sendo assim, o símbolo “@” indica tanto o masculino “o” quanto o feminino “a” (exemplo: pesquisador@ no lugar de pesquisador e pesquisadora). O símbolo “æ” indica o plural que termina por “as” no feminino
e “es” no masculino (exemplo: trabalhadoræs indicando tanto trabalhadoras como trabalhadores).
3
Abordada no artigo A assessoria jurídica universitária em direitos de gênero e a produção de espaços (inter)disciplinares: experiências híbridas entre direito, psicologia e ciências sociais”, de Lúcia Regina Ruduit Dias, Jaqueline Tittoni e Diego Drescher de Castro, publicado na
Revista do SAJU, v. 7, n 1 de setembro de 2011.
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presente, ou não, ao longo da história, de diferentes formas e com diferentes nuances, tendo uma
presença plural nos dias de hoje e estando longe de perfazer um campo unificado de práticas.
A partir das ideias de Foucault é que pensamos a temática da assistência e da assessoria jurídica, não enquanto uma unidade, mas “um nó em uma rede”, “um feixe de relações”. Sendo assim, o
campo da assistência e da assessoria jurídica se constitui “a partir de um campo complexo de discursos”, que compõe uma unidade que é variável e relativa. (FOUCAULT, 2003, p. 37). Trata-se, então,
de uma história de regularidades, mas também de dispersões e de descontinuidades (FOUCAULT, 2007)
que podem ser observadas nos pequenos extratos históricos relatados a seguir.
Se a preocupação com a assistência aos menos favorecidos está presente desde a antiguidade
é na legislação ateniense, entretanto, que a assistência judiciária é positivada. Exemplo disso é que
dez advogados eram nomeados a cada ano para exercer a defesa das pessoas sem recursos para tal.
No direito romano não se concebia a representação, uma vez que a pessoa deveria falar em direito
próprio. No baixo império, com o fortalecimento dos ideais de igualdade e humanidade, é incorporada a possibilidade da representação, através de um advogado, para quem não tivesse recursos para
constituí-lo. Na Idade Média, não é mais permitida a defesa gratuita dos mais necessitados. Tal defesa
só se revigorou a partir da Revolução Francesa e foi universalizada através da Declaração do Estado de
Virgínia (1776) e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Daí em diante, a assistência no campo judiciário passou a ser adotada por praticamente todas as constituições.
No Brasil, as primeiras manifestações em relação ao assunto datam das Ordenações Filipinas,
na época em que o Brasil ainda era colônia de Portugal, e perduraram até a criação do Código Civil,
em 1916. Enquanto garantia constitucional, a assistência judiciária gratuita apareceu na Constituição
de 1934 (artigo 113, §32), desaparecendo, em seguida, na Constituição de 37, outorgada por Getúlio
Vargas na época do Estado Novo e sendo mantida como norma infraconstitucional no Código de Processo Civil de 1939. Na Constituição de 46, que simboliza o retorno do país à democracia, houve o
revigoramento desse direito sancionado através do seguinte texto: “o poder público, na forma que a
lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados” (artigo 141,§ 35).
Como se pode notar, a Constituição de 46, ao determinar que a assistência judiciária seja
concedida “na forma da lei”, fez necessária a criação de uma lei que a regulamentasse. Assim, foi
criada a lei 1060/504, quatro anos mais tarde, para fazer esse papel. A Constituição de 67, alterada
pela emenda constitucional de 69 (artigo 150, §32), continuou garantindo tal direito, mas manteve a
necessidade de uma regulamentação por lei infraconstitucional.
A Constituição de 885 trouxe uma mudança importante tanto ao dispor que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º, caput), como ao garantir que o Estado prestaria assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovassem insuficiência de recursos (inciso LXXIV).
Observe-se que aqui não se trata mais de assistência judiciária apenas, mas de assistência jurídica.
PIERRI (2008) diferencia assistência judiciária de jurídica e ainda de justiça gratuita. Assevera
que os próprios textos legislativos dão margem à confusão dos termos que, na verdade, são diferentes.
Para o autor, por justiça gratuita entende-se a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, que seriam abarcadas pelo cidadão para o correto desenvolvimento do processo. A gratuidade processual é uma concessão do Estado, onde este deixa de exigir o pagamento das custas e das
despesas devidas ao próprio Estado como também a terceiros como honorários de perito, por exemplo.
Já a assistência judiciária gratuita é o patrocínio gratuito da causa por um advogado, ou
seja, é a defesa do assistido em juízo, oferecida pelo Estado, que pode ser feita por organizações não
estatais, conveniadas ou não pelo poder público. Assim, é correto dizer que aquilo que se pede ao
Estado é a justiça gratuita, podendo ocorrer de uma pessoa receber assistência judiciária por parte de
alguma entidade, mas a justiça gratuita ser indeferida pelo juiz por esse considerar que os requisitos
para receber o benefício não se encontram preenchidos. O inverso também pode ocorrer, ou seja, uma
pessoa pode ganhar a gratuidade de justiça e contratar um advogado para defender sua causa através
de um contrato de risco que implique o ganho pelo seu trabalho ao final do processo, se houver o ganho
de causa. Cabe ressaltar que a gratuidade de justiça pode ser conferida também à pessoa jurídica.
Por fim, a assistência jurídica é mais ampla e envolve serviços jurídicos e não jurídicos relacionados ao processo, como orientações individuais ou coletivas, esclarecimentos de dúvidas e programas de informação a toda uma comunidade.
Para PIERRI (2008), a própria Lei 1060/50 confunde os termos acima, na medida em que utiliza o termo assistência judiciária em momentos em que deveria se referir à justiça gratuita. Para ele,
a assistência judiciária só está sendo usada corretamente no artigo 1º, nos parágrafos 1º e 2º do artigo
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5
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1060.htm>.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
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5º e no artigo 16. Já o artigo 14, parágrafos 1º e 18º utilizam o termo assistência, que é o serviço,
enquanto se refere ao prestador de serviço.
No campo da assistência jurídica também se encontra em questão o debate sobre o que significa o termo “necessitado”, podendo este referir-se a necessitado econômico ou necessitado jurídico.
A Lei 1060/50, ainda em vigor, por entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), garante que o
Estado concederá assistência judiciária aos necessitados nos termos da lei (artigo 1º), considerando
necessitado “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os
honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (artigo 2º, parágrafo único).
Já a Constituição Federal de 88, através do artigo 5, inciso LXXIV, dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Percebe-se o tensionamento entre as operadoras do direito na compreensão da Lei 1060/50 em sua articulação com a
Constituição de 88. Para alguns (algumas) há o entendimento de que a palavra “necessitado” não trata
de um conceito rígido e não tem correlação direta com o fato de a pessoa não possuir bens. Para estas,
é possível que a pessoa não seja completamente desprovida de recursos materiais e, ainda assim, seja
um “necessitado jurídico”. Outras, entretanto, fazem uma leitura do termo “necessitado”, desde o
ponto de vista econômico. Na primeira compreensão, contudo, o patrimônio da pessoa não seria parâmetro para determinar sua condição de “necessitado”, podendo ocorrer que alguém que possua bens
e remuneração que não o coloque como um “necessitado econômico”, mas que, entretanto, possua
uma família numerosa e filhos em idade escolar, sendo que entre seus ganhos e despesas não reste o
suficiente para fazer frente às custas de um processo. Não é esta compreensão, entretanto, a que se
vê, geralmente, na prática da assistência jurídica.
Se ainda hoje há grande confusão entre a assistência judiciária e a assistência jurídica e há
pouca produção sobre esta última comparando-se com a primeira, maior ainda é a invisibilidade da
temática da assessoria jurídica.
Furmann (2004, p. 1), ancorado na ideia de que o Direito é um instrumento de dominação
social e principal instrumento de expressão do status quo, coloca-o como uma importante ferramenta
de luta política na busca de conquistas para as populações oprimidas através de seu uso crítico. A assessoria jurídica seria uma dessas importantes ferramentas.
Rocha (2011) salienta a origem brasileira do termo “assessoria jurídica” e o acréscimo do
adjetivo “popular” como forma de diferenciação da assistência jurídica e como forma de visibilizar
a ligação desta com os movimentos sociais e a busca por processos de emancipação social. Para tal,
a assessoria jurídica popular busca na proposta pedagógica de Paulo Freire a base para seu trabalho.
Sendo assim, os objetivos de desenvolver o senso crítico dos educandos e de trabalhar para que estes
“se reconheçam enquanto sujeitos históricos capazes de interferir e de modificar a realidade na qual
estão situados”, através da construção dialética do conhecimento, ancorada no diálogo entre educador e educando e da construção do processo a partir da realidade dos educandos transfere-se para a
assessoria jurídica popular e para a relação advogado-comunidade (ROCHA, p 60-61).
Luz (2008) traz a assessoria jurídica popular como uma prática ancorada na “teoria crítica”
ou em uma “Sociologia jurídica crítica”, que tem por base a teoria marxista e que, portanto, demonstra uma preocupação com as classes mais desassistidas, numa busca de “formas emancipatórias de
compreensão e de exercício do direito” (LUZ, 2008, p. 1-2). Para esse autor, os serviços de assessoria
universitária se colocam como um importante campo de atuação no ambiente da assessoria jurídica popular, juntamente com a advocacia militante. Tanto os serviços de assessoria jurídica popular quanto os
serviços oferecidos pela advocacia militante foram constituídos e constituintes de um processo histórico
ocorrido durante as décadas de 70, 80 e 90, que redundou em uma noção de cidadania participativa e
em “novas subjetividades coletivas” (LUZ, 2008, p. 232). As assessorias universitárias teriam, ainda, um
importante papel no “rompimento dos padrões do ensino jurídico tradicional” (p. 233).
Citando Campilongo, Luz (2008) coloca que os serviços legais podem ser divididos em tradicionais e inovadores. Os serviços legais tradicionais, no plano do atendimento, seriam aqueles que
priorizam os interesses individuais, que mantêm um modelo tradicional de assistência judiciária e que
possuem uma orientação paternalista e um apego ao formalismo. O atendimento individualizado traria
a marca liberal, com base na qual “o indivíduo é encarado como um ser isolado, dissociado das contradições sociais e históricas do mundo em que vive” (LUZ, 2008, p. 62). O discurso desse tipo de serviço,
mesmo que não explícito, estaria ancorado na liberdade individual, ao levar a uma responsabilização
individual acerca das questões jurídicas trazidas. Os litígios jurídicos seriam tratados pontualmente e
deslocados das múltiplas determinações sociais. Já os serviços inovadores seriam um contraponto dos
serviços tradicionais na medida em que procuram se envolver com pautas coletivas, ao romper com o
ideário liberal individualista.
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No plano do relacionamento, o serviço legal tradicional estaria baseado em um assistencialismo paternalista, que envolve uma preocupação com a situação econômica daquele que procura
o serviço. Isso resultaria em uma postura caritativa e condolente daquele que presta o serviço e de
uma postura de vitimização e de desarticulação com os membros de sua comunidade, por parte do
demandante. Já o trabalho dos serviços inovadores procura substituir essa relação baseada no assistencialismo por uma relação que privilegia o processo de tomada de consciência dos direitos, da capacidade transformadora e do exercício da cidadania. Sendo assim, os serviços inovadores se deslocam
da preocupação com os rígidos critérios de pobreza necessários para a adequação às exigências legais
que lidam com o conceito de “necessitado”, ao ampliar a conotação econômica para uma conotação
de necessidade jurídica.
Furmann (2004) também parte das características dos serviços tradicionais e inovadores para
colocar que assistência e assessoria jurídica são irreconciliáveis, já que a assistência jurídica, assim
como a assistência judiciária, estaria colocada enquanto um serviço tradicional e a assessoria jurídica
enquanto um serviço inovador. Para ele, as noções de paternalismo e assistencialismo estão coladas ao
trabalho de assistência jurídica que, na sua visão, é um trabalho reformista e “melhorista”, enquanto
a assessoria jurídica partiria da noção de transformação porque estaria “fundada na contestação ao
sistema social” (FURMANN, p. 02). Além disso, a assistência jurídica estaria afastada da interdisciplinaridade por influência do positivismo jurídico e seu viés formalista que separa o Direito das demais
áreas do conhecimento (FURMANN, p. 01).
Luz (2008, p. 66) coloca, entretanto, que o próprio Campilongo, autor da classificação em
serviços tradicionais e inovadores, aponta que essa tipologia está baseada em dicotomias, individual/
coletivo e paternalismo/emancipação, que podem levar a “generalizações simplificadoras”.
Luz (2008) traz, então, a leitura proposta por Elaine Junqueira, que compara os serviços modernos e os serviços pós-modernos de assessoria jurídica. Do ponto de vista da matriz organizativa, os
serviços modernos trabalham a partir de uma visão de um Estado enquanto instrumento de uma classe
dominante. Isso se dá pelo fato de que as demandas devem estar organizadas contra as violências do
mesmo, ao circularem no âmbito dos setores produtivos e por estarem envolvidas com os direitos trabalhistas. A filiação discursiva desses serviços tem apoio na metanarrativa marxista, que traz a ideia de
emancipação social aliada ao modelo socialista como orientação política. Nos serviços pós-modernos,
há o trabalho com “uma matriz organizacional voltada para identidades particularizadas, subjetividades sociais filtradas por questões específicas, por grupos de serviços particularizados: de mulheres,
doentes mentais, crianças etc.” (LUZ, 2008, p. 69). As demandas estão relacionadas às questões de
identidade cultural, ao acentuar mais a noção de consumo do que de produção. Já no que diz respeito
à filiação discursiva, os serviços pós-modernos apresentam duas posturas: o pós-modernismo cético
que se apoia na crise do modelo neoliberal, no qual há a “descrença na possibilidade de legitimação
de um modelo político verdadeiramente democrático” e o pós-modernismo afirmativo, que percebe a
crise desse modelo como abrindo “[...] a possibilidade de participação, de afirmação de subjetividades
e de organização de grupos até então excluídos da lógica representativa tradicional” (LUZ, 2008, p.
71). Sua orientação política está calcada, portanto, no fortalecimento dos grupos subrrepresentados.
O trabalho do G8-G, enquanto parte do SAJU-UFRGS, encontra-se imerso nas discussões que
põem em questão a assistência e a assessoria jurídica como contrafluxo ao discurso da assistência judiciária, identificada com o direito “tradicional”. Porém, outro tensionamento opera sobre o trabalho do
G8-G e do SAJU-UFRGS à medida que estes encontram-se imersos também nas discussões que ou opõem
a assessoria jurídica à assistência jurídica ou englobam esta última à primeira, ao colocar a assistência
como subproduto menos importante da assessoria, por “tratar-se de uma prática individualizante”.
Assim é que os discursos dos serviços de assessoria moderna e de assessoria pós-moderna
(LUZ, 2008) circulam pelo SAJU-UFRGS e criam tensões que, muitas vezes, operam como uma divergência irreconciliável entre alguns grupos.
Assistência versus assessoria jurídica ou assistência e assessoria jurídica
No G8-G, a discussão sobre assistência e assessoria é constante e ocupa muitos momentos das
reuniões. Há uma identificação do grupo com autores pós-estruturalistas, que se aproximam da visão
dos “serviços pós-modernos” (LUZ, 2008), mas que, ao mesmo tempo, já os questionam no sentido
de serem serviços que reforçam movimentos identitários e que, portanto, operariam dentro de uma
normatização sociopolítica. Ao invés de embasar seus estudos e trabalhos em autores como Marx e
Gramsci, como em alguns grupos de assessoria do SAJU-UFRGS, o G8-G opera através dos conceitos
de Foucault. Assim, o grupo procura pensar o poder enquanto “relações de poder”, como algo que
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não é exercido somente do Estado sobre as comunidades, mas que também está presente em todas as
práticas (FOUCAULT, 1995). A noção de sujeito se coloca como importante por não operar uma cisão
entre o individual e o coletivo na medida em que os sujeitos são produzidos, mas também produtores
de uma sociedade.
Alguns extratos do diário de pesquisa do estudo “A Assessoria jurídica em direitos de gênero
como uma estética da amizade” (DIAS, 2011) trazem um pouco das preocupações que circulam pelo
grupo e sua forma de perceber a assistência e a assessoria:
“Ágata traz uma discussão que perpassa as assembleias do SAJU que fala sobre a divisão entre
grupos de assistência e grupos de assessoria [...] como se o trabalho de assistência não fosse um direito
da pessoa atendida. Faz-se uma discussão sobre como se deveria denominar essa pessoa atendida, já
que não se trata de uma cliente porque o SAJU não é um escritório modelo. [A discussão] Foca o tensionamento entre os termos ‘cliente’ versus ‘assistida’ versus ‘atendida’. [...] O projeto Generalizando
seria um ‘plus’, não uma predominância sobre a assistência [...]. No conselho, as discussões levam
para uma ideia de que a assessoria engloba a assistência, mas também há um receio de que a assessoria diminua a assistência. Com o fato de o projeto [de extensão] expirar no final de 2009 e haver a
necessidade de revisão do mesmo e reapresentação, volta a discussão assessoria versus assistência. Há
um medo de que, ao nomear o grupo como ‘generalizando’, a assistência do jeito que o G8 faz venha
a se invisibilizar. [...] Ágata coloca que alguns discursos no país, sobre a assessoria, são negadores da
assistência, como se os atendimentos jurídicos gratuitos não pudessem fazer atendimentos individuais,
mas somente às comunidades. Entretanto, o G8 não faz a assistência ‘bastantão’, sem pensar. [Surge
a questão] ‘Será que o trabalho de assistência do G8 é igual a de outros grupos?’ Ágata acha que não
porque tem a Psicologia junto, e a assistência é estruturada, pensada, cuidada, com leitura teórica e
se pensa ‘como foi nosso atendimento hoje?’. Tem o grupo de fotografia, que surgiu da assistência, o
atendimento é feito na sala e não nos corredores ou no ‘balcão’, e se preocupa com a mediação. Ágata
conta que na reunião de final de semana do conselho se falou em assessoria mais assistência. Comentamos que, geralmente, a estrutura que se organiza é ‘ou-ou’ e não ‘e’.” (Diário de pesquisa, 23/10/09)6
Outro extrato do diário de pesquisa se coloca como importante por se tratar da reflexão a
respeito do caso de uma mulher, que emerge justamente em meio a uma discussão sobre assessoria e
assistência. Na ocasião, os trabalhadores construíram uma solução pouco usual com o casal que estava
em processo de separação. A resolução veio a bom termo para ambos:
“[...] o G8 não faz um atendimento ‘modelo fordista’, ‘a gente não quer enfiar petição em ninguém’.
Armando diz: ‘tu lembra o caso da R.? Sentamos e pensamos: não sabemos o que fazer com isto, pois
ela necessitava de uma solução não jurídica. Eu não pensava em tocar uma petição pro juiz solucionar.
Ela saiu do lar e estava morando na rua. A solução seria dividir a casa em duas, mas que juiz iria dar
um troço desses [uma solução dessas]?’.” (Diário de pesquisa, 04/12/2009)
Várias das imagens produzidas pelos trabalhadores do G8-G visibilizavam a temática assistência/assessoria jurídica e foram discutidas durante as oficinas de fotografia, sendo que as seguintes
imagens foram escolhidas para serem aqui analisadas:
1.
2.
6
Os nomes citados nos estratos de Diário de Campo são pseudônimos escolhidos pelos próprios trabalhadores do G8-G, durante o processo de
acompanhamento do grupo, para preservação do sigilo de suas identidades na publicação do estudo. Esta escolha acaba por transformar-se
em um mecanismo de resistência às identidades de gênero instituídas, pois alguns(mas) trabalhadoræs homens optaram por pseudônimos
femininos e vice-versa.
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3.
4.
5.
6.
As imagens de número 1 e 2 visibilizaram e trouxeram a discussão sobre as leis que o grupo
herda da construção normativa jurídica e seus limites. Tais leis o grupo procurou ressignificar. Emerge
o questionamento: “o que o grupo faz com as leis dos nossos pais?”. Para o G8-G é nas pessoas que as
leis esbarram, são elas que estão “por trás das leis” (fotografia 2). São as pessoas que mostram como
as leis possuem limites.
Tais leis são contrapostas pela “análise do amor” (fotografia 1), algo que foge da normativa
costumeira, de uma visão positivista na qual os afetos seriam relegados. A laranja (fotografia 1) aparece com o significado de amadurecimento do grupo e da possibilidade de lidar com esses limites.
Na primeira oficina (fotografia 3), as imagens visibilizam uma assistência que opera através
de “um atendimento totalmente vertical, de um olhar de submissão de quem é assistido para quem
atende, um atendimento de portas fechadas.” A cadeira preta enuncia “a própria noção de distância,
o poder intelectual” e a cadeira grande “oprime a cadeira pequenininha”. Poder que pode se colocar
inclusive na fala difícil de muitos operadores da lei, inacessível à compreensão das pessoas que são
atendidas (fotografia 4 e 57).
Tal reflexão faz o grupo retomar uma discussão sobre o quanto o G8-G tem uma assistência
constituída sobre bases diferentes das que são criticadas nas imagens e do quanto essa produção diferenciada fica invisibilizada no trabalho do dia a dia, por não se ter a dimensão de tal diferença e do
quanto esses momentos de parada para reflexão durante as oficinas de fotografia são importantes para
essa visibilização.
Trata-se, portanto, de uma produção diferenciada porque procura levar em conta a autonomia. Autonomia, essa, tão relevante no trabalho de assessoria quanto no trabalho de assistência
jurídica, como enunciado nesse extrato da segunda oficina de fotografia:
Luiza: [...] E também lembro do que Armando falou de que outro dia discutimos, discutimos um caso e
quando chegou a hora de atender a pessoa, todo mundo se olhou e ficou aquele silêncio e uma pessoa
disse “tá, e aí? Não ficou resolvido nada, né?” e o Armando disse “tá, mas a gente está aqui para ajudar
a cliente a pensar e não para resolver por ela”. Juntando essas duas coisas, eu vejo como se opõem a
isso (assistência falada anteriormente).
Armando: “Nosso papel não é simplesmente dizer o que a pessoa tem que fazer, mas sim construir
junto com ela, e esse não é o nosso papel, mas sim de qualquer pessoa que pegue um problema sério
na mão. Não é fácil se colocar na posição onde não se dá a solução para uma pessoa que está em uma
situação mais complicada, que é o que ela quer; mas não é o que ela vai receber porque uma boa parte
de profissionais já não vê mais isso como um modelo a ser seguido, mas é difícil se colocar nesse tipo de
posição porque tu pode ser visto não como o profissional que quer ajudar naquela situação, mas como
um profissional que não está entendendo o caso porque não está dando a solução”.
7
Imagem produzida pelo G8-G para as oficinas de fotografia coordenadas por Renata Ghisleni de Oliveira no ano de 2009.
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Ciências Sociais e Aplicadas
No G8-G o processo de reflexão conjunta daqueles que procuram o serviço com aqueles
que atendem se faz fundamental refletindo, inclusive, na disposição espacial do atendimento que
se transforma da tradicional mesa com uma cadeira de cada lado, separando a pessoa atendida e o
operador(a) da lei, para um círculo de cadeiras onde estão presentes a pessoa atendida, o advogado
e o psicólogo (ou estudante de psicologia), em uma espacialidade horizontal, que subverte os afastamentos tradicionais (fotografias 3, 4 e 5).
A discussão a respeito de um atendimento a uma transexual que busca o serviço para pleitear
o nome social mostra que um atendimento individual não significa um atendimento descolado das
“contradições sociais e históricas do mundo” ou que opere uma “responsabilização individualizante
das questões jurídicas” como nos serviços legais tradicionais (LUZ, 2008). Esse atendimento dispara
uma discussão sobre o longo processo de acompanhamento médico-psicológico a que uma transexual
deve se submeter para que, inserida, então, na época, dentro de uma classificação do CID (Código
Internacional de Doenças) se subjetive e se “confesse” doente para, somente então, conseguir pleitear
seu nome social. A preocupação do grupo recaía sobre o quanto este processo realmente subjetivava a
pessoa enquanto doente, a ponto de, durante o processo, esta classificação passar a ser buscada pelo
próprio demandante como uma possibilidade de obter aquilo que realmente queria, ou seja, um nome
que viesse a se adequar à sua identidade de gênero. Para o grupo surge a questão: como lidar com essa
situação, já que o diagnóstico operava como condição para o andamento do processo e o deslocamento
do demandante desse lugar de “doente” poderia atrapalhá-lo? A solução encontrada pelo grupo
encontra-se novamente no processo de reflexão junto à pessoa demandante, ou seja, possibilitar uma
reflexão a respeito de todo processo de acompanhamento médico-psicológico, seus efeitos sobre quem
passa por ele, os possíveis sentidos que adquire perante a normatividade social, as reais necessidades
e desejos da pessoa atendida e, a partir dessa reflexão, a tomada de decisão de como encaminhar o
processo de pedido de nome social.
Esse exemplo mostra o quanto um atendimento em assistência jurídica pode deslocar-se dos
princípios de serviços “tradicionais”, mas principalmente, como um atendimento em assistência jurídica pode embasar-se em uma noção de “sujeito” e não em uma noção de “indivíduo”, deslocando-se
da divisão individual/coletivo.
Na segunda oficina ocorre uma discussão sobre as dicotomias:
Cid: A foto do copo é uma foto que tentei montar, está caindo água e vinho. [A imagem] Partiu da dicotomia, de dois polos e mostra o G8 rompendo isso, misturando as coisas e quebrando as dicotomias.
Armando: Isto [líquido do copo] é outra coisa, não é água e vinho mais.
Luiza: Achei legal a foto porque olhei e deu bem a ideia de ter uma dicotomia, uma binaridade, de
ter duas coisas separadas, divididas aparentemente, porque a vida não é assim, mas a gente divide, e
no momento que aquilo entra no copo já não é mais aquelas duas coisas, mas elas estão ali e são uma
coisa nova.
A imagem 6 visibiliza que no G8-G as fronteiras entre assistência e assessoria se borram, práticas se misturam como água e vinho vertidos em um copo - o copo G8-G - e os princípios da assessoria
jurídica se “derramam” para a assistência. Percebe-se claramente essa postura em atendimentos de
assistência que extrapolam o que se chama de “solução jurídica” e que implicam resoluções que saem
do âmbito processual e individual, geralmente pensadas pelos operadores do direito. Um trabalho
onde a invenção se faz presente em uma opção pela vida enquanto transformadora, ao manter a
alteridade e a diferença presentes em um movimento que leva ao reconhecimento do lugar do outro
como legítimo. Atendimento em assistência e em assessoria que parte de uma horizontalização entre
trabalhadores do G8-G e pessoas ou comunidades com as quais contribui, mas não é “uniformizadora”,
pois leva em consideração as trajetórias individuais e as peculiaridades de cada um(a) (indivíduo ou
comunidade) em contato com seu trabalho. Em tal trabalho não existe “a” atitude certa, mas soluções
construídas em conjunto. Trata-se de um trabalho que “desestabiliza”, porque põe a pensar tanto
pessoas e comunidades atendidas quanto trabalhadores do G8-G buscando a construção de parcerias.
Para o G8-G se faz importante trabalhar com base na ideia de “e”, a partir da qual a assessoria e assistência não se opõem, não são irreconciliáveis, bem como a assessoria não subsume a assistência como algo menos importante. Para o G8-G, o que se opera é um borramento das fronteiras entre
assistência e assessoria, já que a compreensão do que é assessoria e seus pressupostos entram em
questão também no trabalho de assistência, ao se fraturar a dicotomia assistência versus assessoria.
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Partidos políticos: o contraste
entre o modelo idealizado
e a realidade operativa
Gustavo Vicente Sander*
Resumo
O presente artigo descreve, em linhas gerais, o modelo ideal que deve orientar a formação e atuação dos partidos políticos na teoria da democracia pelos partidos. Em
seguida, o autor apresenta diversos fatores que, atuando sobre a realidade concreta
da atividade política, afastam os partidos político do modelo idealizado. O artigo é
concluído com a exposição de algumas medidas jurídicas que podem mitigar, ainda
que timidamente, os efeitos adversos dos fatores de degeneração.
Abstract
This scientific article describes, in broad strokes, the abstract model which shall
guide the formation and concrete activities of the political parties, according to the
modern theory of democracy. Following this description, the author presents several
concrete causes, which move political parties away from the idealized model. The
article is concluded with an exposition of some statutory measures that can reduce
the adverse effects of the degenerative elements, albeit slightly so.
Palavras-chave
Partidos Políticos. Modelo Ideal. Degeneração.
Keywords
Political Parties. Abstract Model. Degeneration.
“A democracia moderna é impensável, salvo em termos de partidos políticos.”
E. E. SCHATTSCHNEIDER
1.
Introdução
O surgimento da moderna democracia de massas elevou o status dos partidos políticos, de
meras máquinas eleitorais (o que continuam a ser) a peças-chaves indispensáveis para o funcionamento da democracia, pois eles são os únicos meios conhecidos e viáveis para instrumentalizar a
participação dos cidadãos na vida política do país. Esse papel central é acompanhado, contudo, do
permanente risco da atividade político-partidária acabar por desvirtuar esta participação até o ponto
de comprometer a própria legitimidade do regime democrático1.
Dessa singela constatação, surge o plano do trabalho que desenvolveremos: a primeira parte
trata,
sumariamente,
da visão ideal da democracia instrumentalizada pelos partidos; a segunda aponta
1
os fatores de degeneração da vida partidária que afastam os partidos políticos do ideal preconizado; por
fim, a terceira indica as medidas profiláticas que têm sido aplicadas para contrabalançar a influência
dos fatores degenerativos.
*
1
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 28a ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 120.
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2.
O MODELO IDEAL DA DEMOCRACIA PELOS PARTIDOS
A ascensão dos partidos como atores indispensáveis ao processo político democrático foi um
fenômeno coetâneo à transição do Estado Liberal Clássico para o Estado Social, embora seja possível
identificar associações partidárias ainda na fase de predomínio da forma liberal clássica de organização estatal2. Com efeito, dentre as causas políticas do surgimento do Estado Social, estão a universalização do sufrágio e a organização política das massas em partidos de cunho ideológico, que tornaram
viável sua participação no processo eleitoral, propiciando a chegada ao poder de reformistas dispostos
a atender aos clamores por uma maior intervenção no domínio social e econômico, em prol do bem-estar geral de todos, com ênfase nos menos validos3.
A evolução institucional que se processou nessa época levou à superação do modelo clássico
da separação de poderes em prol de uma integração entre o executivo e legislativo. Nesse novo modelo, o executivo passa a governar, ele orienta os rumos da intervenção, e como seus membros são oriundos da maioria parlamentar, a conquista do Parlamento adquire caráter estratégico para os grupos
que desejam dela beneficiar-se. Para tanto, é necessário que se organizem em partidos disciplinados,
capazes de arregimentar grande número de simpatizante e eleitores, ideologicamente orientados, no
sentido de oferecer à escolha do eleitorado planos de ação (programas) diversos (conforme a orientação partidária) a serem implementados quando da conquista do poder.
Esse contexto, em traços amplos, dentro do qual foi teorizado o modelo chamado de democracia pelos partidos, é assim resumido por FERREIRA FILHO:
“... no esquema para cuja definição Kelsen contribui decisivamente, passa ele [o partido] a ser elemento necessário de uma democracia representativa em que o povo escolhe, além dos representantes
e governantes, a orientação política do governo.
Como? Por um lado pela exigência de que os partidos tenham um programa, mas um programa de governo, com cuja concretização os seus eventuais eleitos estejam comprometidos. Assim, verdadeiramente,
a eleição se faria entre partidos, a vitória de um deles significaria a escolha de seu programa para reger
a comunidade. O que evidentemente presumia que os eleitores dessem o voto em função dos programas
partidários, bem como que os eleitos estivessem presos a estes (a fidelidade partidária)”4
Percebe-se que não será qualquer partido aquele habilitado a cumprir a tarefa de mediação
entre as demandas da massa e a atuação do aparelho governamental. Para bem cumprir esta missão, é
necessário que os partidos revistam-se de algumas características, tais como: a) conteúdos ideológicos
diferenciados, que possam representar uma opção ao eleitor; b) adesão, qualquer que seja a linha
ideológica, aos valores democráticos; c) organização interna democrática e d) comprometimento dos
eleitos ao programa do partido que os elegeu5.
A incapacidade dos partidos políticos adequarem-se a esse ideal é causa da distância entre
o modelo teórico da “democracia pelos partidos” e o que se observa na realidade quotidiana dos
sistemas de governo. Muitos são os obstáculos que impedem uma maior aproximação do mundo real
ao mundo ideal e é provável, ou mesmo certo, que esta nunca virá a realizar-se plenamente6. Apesar
disso, o modelo teórico da “democracia pelos partidos” nos fornece um ponto de referência que torna
possível avaliar o grau de degeneração partidária e inquirir quanto aos fatores que a provocam.
2
SEILER identifica, nos EUA, por volta de 1800, o Partido Republicano com tendo estrutura, coesão e disciplina suficientes para atribuir-lhe o
título de “premier grand parti de l’histoire”. De la Comparaison de Les Partis Politiques. [s.e]. Paris: Economica. p. 44. Entretanto, há diferenças estruturais importantes entre os partidos da fase liberal clássica e os partidos atuantes no conjunto do Estado Social. Os primeiros são
partidos de quadros, preocupados em arregimentar personalidades, fracamente estruturados e que não contestam a forma vigente de organização econômica e social. Os segundos, por sua vez, apresentam características diametralmente opostas: são partidos de massa, preocupados
em arregimentar o maior número possível de seguidores; são fortemente estruturados e disciplinados e apresentam programas reformistas.
Cf. SOUZA JUNIOR. Consenso e Tipos de Estado no Ocidente. 1a ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002. p. 43/44
3
Cf. SOUZA JUNIOR. Consenso e Tipos de Estado... p. 71.
4
FERREIRA FILHO. Constituição e Governabilidade. 1a ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 75
5
FERREIRA FILHO delineia o protótipo de “partido pasteurizado”: “...de estrutura democrática, escolhidos pelas bases os seus dirigentes.
Limpo de corrupção, com fontes puras de financiamento. De atuação permanente, contribuindo para a formação política do povo. De ideais
democráticos, respeitoso dos demais partidos, devotado aos direitos fundamentais do homem. Buscando o poder pelo convencimento e pelo
voto, jamais pela força.” Apud, CAGGIANO, Mônica Hermann. Finanças Partidárias. 1a ed. Brasília: Senado Federal, 1983. p. 12.
6
Vai neste sentido a avaliação de SOUZA JUNIOR: “A democracia pelos partidos, como se tem dito, é um ‘modelo’, ou seja, um esforço de
racionalização, geralmente ex post facto, de um conjunto de práticas concretas, que, entre outros objetivos, visa influir sobre a evolução
dessa mesma realidade concreta. Assim, fica fácil compreender a existência de uma distância invencível que separa o modelo da realidade.
Esta nunca será capaz de esgotar as virtualidades daquela”. Consenso e tipos de Estado... p. 97.
30
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3.
FATORES DE DEGENERAÇÃO DA ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA
A atividade político-partidária desenvolve-se ao redor de inúmeros condicionantes de ordem
econômica, social e psicológica que tornam digna de heróis e santos a tarefa de aproximá-la do paradigma “pasteurizado”, preconizado como o ideal para a plena satisfação do modelo de democracia
instrumentalizada pelos partidos. Nada indica, todavia, que as virtudes do heroísmo e da santidade
estejam presentes entre os políticos em maior proporção do que entre os demais homens, por isso
cumpre investigar alguns desses fatores degenerativos para, em etapa posterior, indagar quanto a
soluções capazes de remediar os males por eles causados.
3.1.
A homogeneização das ideologias
As campanhas eleitorais evidenciam-se, atualmente, pela grande semelhança de propostas e
programas apresentados pelos principais candidatos, aqueles com chances reais de eleger-se. Caracterizam-se pela comunhão em torno de ideias vagas e abstratas, de princípios suficientemente genéricos para tocar a todos ou quase todos os eleitores, sem que se indique, contudo, soluções efetivas a
problemas concretos.
Isso ocorre devido à necessidade do partido de massas reunir o maior número possível de
eleitores ao seu redor, arrebanhando-os em uma sociedade fragmentada em múltiplos grupos de interesse, quase sempre contrapostos, os quais não convêm correr o risco de afastar com a apresentação
de medidas concretas que, se beneficiando de determinados interesses, contrariam e geram oposição
de muitos outros. É a avaliação feita por LOEWENSTEIN:
“... los partidos políticos tienen que apelar a la totalidad del electorado, independientemente de la
profesión de cada elector individual, y sus filosofías sociopolíticas tienen, por lo tanto, que ser amplias
y al mismo tiempo lo suficientemente indefinidas para acomodar-se a los intereses de todos; no pueden
correr el riesgo de perjudicar a determinados grupos de interés al favorecer abiertamente a otros.”7
Desse modo, a primeira condição a ser satisfeita para que os partidos funcionem como efetivas engrenagens de transmissão dos pontos de vista e expectativas dos eleitores para o Governo, qual
seja, que fornecem propostas alternativas de condução política do país, para que o eleitorado escolha
dentre elas a que melhor corresponda a seus anseios, esboroa-se diante da necessidade de sobrevivência dos partidos: o mecanismo engendrado para mediar a participação das massas no processo político
é enfraquecido pela estrutura fragmentada da sociedade a que deveria acudir.
3.2.
A personalização do Poder e a videopolítica
A ausência de diversidades significativas entre os programas partidários acaba realçando, como
elemento de diferenciação, as características pessoais de cada candidato, com vantagem para o mais
simpático, bem-falante e aprazível, que não necessariamente será o mais qualificado para ocupar o
posto em disputa. Essa valorização das personalidades não se separa de outro fenômeno que lhe fornece
formidável impulso: o advento do Estado-espetáculo, a disputa pelo poder – e seu exercício – transformada
em espetáculo midiático, com os candidatos sendo cuidadosamente trabalhados por técnicas de marketing
não muito diferentes daquelas empregadas para anunciar sabonetes e refrigeradores. SCHWARTZEMBERG
refere-se ao fenômeno com cáustica ironia, no início da obra que consagrou ao assunto:
“A Política se faz, agora, ‘encenação’. Agora, todo dirigente se exibe e se dá ‘ares’ de vedete. Por aí vai. Fiel
à sua etimologia. ‘Pessoa’ não é uma palavra derivada do latim persona, que significa máscara de teatro?”8
Dentre as causas desse comportamento encontra-se a relativa indiferença de boa parte dos
eleitores frente a atividade política9. Enquanto maioria, ou pelo menos um número expressivo, os
indiferentes têm a capacidade de influir decisivamente no resultado eleitoral e sendo, além do mais,
maleáveis em suas opções, não é difícil imaginar que são eles o alvo preferencial da propaganda
In. Teoría de la Constitución. 2ª ed. Barcelona: Ariel, 1976. p. 429.
In: O Estado Espetáculo. 1a ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Difel, 1978. p. 01.
9
FERREIRA FILHO transcreve as conclusões de pesquisa realizada por CHARLES LINDBLON, segundo a qual, nos EUA, 1/3 dos cidadãos se
mantém completamente alheio à atividade política, sequer votando. Dos que votam, 70% limitam sua participação a este ato e nada mais.
Constituição e Governabilidade... p. 80.
7
8
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31
política, são, portanto, os que definem o padrão da videopolítica10, pois não há meio mais eficaz de
atingi-los do que a televisão.
Evidentemente, o maior peso da imagem tende a personalizar a disputa pelo poder em detrimento da discussão sobre os programas partidários. Desse modo, o partido tende a ser colocado
em segundo plano, podendo transformar-se, em casos extremos, em mero veículo para projeção de
ambições de líderes carismáticos. GIOVANNI SARTORI defende que a influência da videopolítica na deterioração do papel dos partidos depende de uma série de variáveis, sendo uma das mais importantes
o sistema eleitoral.
Nos países que adotam a votação em circunscrições uninominais e pessoais, essa influência
tende a ser maior do que naqueles onde o voto é dado às legendas. Do mesmo modo, o regime presidencialista, por motivos óbvios, tende a acentuar a ação degenerativa da videopolítica sobre os partidos, enquanto os regimes parlamentares tendem a reduzi-la. Em linhas gerais, todavia, em nenhum
lugar escapa-se à sua influência. O autor italiano é taxativo ao concluir que a videopolítica tende, em
qualquer caso, a reduzir o peso e a influência dos partidos11.
3.3.
As tendências oligárquicas dos partidos políticos
Projetados como instrumentos que viabilizam a participação das massas na vida política democrática, seria de esperar, como espera a teoria da democracia pelos partidos, que estes adotem
uma organização interna democrática na qual a base de filiados tenha voz ativa na condução das atividades partidárias e na determinação da linha programática do partido. Infelizmente, também aqui,
uma longa distância separa o ideal teórico da realidade concreta.
A obra pioneira de ROBERT MICHELS apontou com clareza a tendência oligárquica dos partidos
políticos, i.e., a tendência de que em sua direção encruste-se um grupo de políticos profissionais e
burocratas que dirigem a atividade partidária conforme ditam seus interesses, pouco importando a
opinião da massa de seguidores. Segundo MICHELS, essa não é uma característica exclusiva dos partidos políticos, pois “é uma lei social inelutável que qualquer órgão da coletividade, nascido da divisão
do trabalho, cria para si, logo que estiver consolidado, um interesse especial, um interesse que existe
dentro de si e para si”12. Neste sentido, a burocracia que comanda o partido não seria mais do que a
corporificação deste interesse peculiar do corpo coletivo, que não se confunde com os interesses de
seus membros.
Note-se que a mesma massificação responsável pela emergência dos partidos políticos como órgãos de mediação, encarregados de unificar e compactar o universo dos representados ao redor de agremiações estáveis que funcionem como elo entre eles a máquina governamental, acaba também se posicionando
como causa do caráter oligárquico dessas organizações, pois é impossível que o grande partido cumpra seu
papel sem que esteja dotado de uma organização centralizada, hierarquizada e burocratizada13.
Importa ressaltar que, privados de uma organização democrática, os partidos veem comprometida sua capacidade de atuação como corpos intermediários em um sistema de democracia
pelos partidos. Em verdade, o caráter oligárquico deforma este sistema14, pois permite que políticos
assenhoreados da máquina partidária imponham aos partidos as diretrizes que bem entenderem, predeterminado, assim, de cima para baixo, a escolha do eleitorado.
3.4.
A influência do dinheiro na atividade político-partidária
O funcionamento da máquina partidária demanda somas apreciáveis de recursos, tanto no
período eleitoral quanto no pré-eleitoral. As disponibilidades financeiras condicionam os meios de
ação do partido e sua utilização influi decisivamente no resultado eleitoral. A questão mais delicada,
contudo, diz respeito aos meios de arrecadação de que se valem os partidos para obter os recursos
necessários ao exercício de suas atividades, uma vez que são notórias as relações de dependência com
SCHWARTZEMBERG o afirma com clareza: “... os especialistas da televisão tomam como alvo preferencial de suas campanhas não os eleitores politizados – cujo ponto de vista não poderia ser modificado – e sim o ‘teleitores’ indecisos e não politizados, particularmente sensíveis à
qualidade formal do show político.” O Estado Espetáculo. p. 212.
11
In: Homo Videns – Televisão e pós-pensamento. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 92/95.
12
Sociologia dos Partidos Políticos. 1a ed. Brasília: UNB, 1982. p. 234.
13
É a opinião de GIUSTI TAVARES: “Com a expansão da participação política e, em particular, com a expansão do sufrágio, que peculializaram
o ingresso das massas na cena política, a representação política em larga escala passou a exigir organizações partidárias complexas, hierarquizadas, burocratizadas e centralizadas, capazes de operar como anéis estáveis entre o corpo eleitoral, de um lado, e o corpo representativo
e o governo, de outro.(...) A burocratização dos partidos de massas torna-se inevitável porque responde por funções políticas básicas. E, com
a burocratização, torna-se também inevitável algum nível de oligarquização”. Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas. 1a ed.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p.264/265.
14
Cf. FERREIRA FILHO. Curso... p. 124.
10
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
representantes de interesses particulares que daí podem advir.
O duplo risco, representado, de um lado pelo financiamento da atividade partidária e, de
outro, pelo gasto dos recursos obtidos, foi salientado por MÔNICA HERMANN:
“... a verdade é que as dádivas e os gastos político-partidários têm sido encarados com bastante reserva
não só em virtude do lastro de dependência que possam originar, com também, face ao iminente perigo
de desfiguração da vontade popular expressa através do voto.”15
A presença de grupos de interesse no financiamento da atividade partidária é sensível mesmo
nas nações que adotam sistemas públicos (em verdade mistos) de financiamento da atividade político-partidária. Obviamente, a influência de interesses espúrios afasta o partido de sua função de articulador de propostas e empreendedor, uma vez no poder, de políticas atinentes ao bem comum.
Outro aspecto que merece realce, é aquele atinente à constatação de que nenhum partido
político sobrevive sem propaganda, a qual, em tempo de domínio da videopolítica, acarreta altos
custos a todos os partidos. Não obstante, o acesso aos recursos não se encontra uniformemente distribuído pelo universo partidário16, constatação que tem contribuído, dentre outros fatores, à defesa de
um sistema público de financiamento partidário.
4.
MEDIDAS CONTRA OS FATORES DEGENERATIVOS
A gradual tomada de consciência em relação aos riscos que a degeneração partidária traz ao
regime democrático tem levado à tomada de medidas capazes de contrabalançar as causas da degeneração. Neste contexto, interessa-nos verificar, sobretudo, que instrumentos o Direito fornece para
auxiliar a tarefa de “higienizar” os partidos políticos17, no sentido de uma maior aproximação entre
o ideal do partido como instrumento da democracia e a realidade concreta da atividade partidária.
A proteção jurídica da democracia contra a atividade deletéria dos partidos teve início com
as Constituições surgidas no segundo após guerra, que não apenas reconhecem os partidos como atores
políticos legítimos, mas preocupam-se, principalmente, em prevenir os efeitos daninhos de sua atividade desenfreada18. Neste sentido, nenhuma foi mais longe do que a Lei Fundamental de Bonn, cujo
Art. 21 encontra-se assim redigido:
“Os partidos concorrerão para a formação da vontade política do povo. Eles poderão ser criados livremente. Sua organização interna deverá ser condizente com os princípios democráticos. Eles deverão
prestar contas publicamente da procedência e do emprego de seus recursos financeiros, bem como de
seu patrimônio.
Serão inconstitucionais os partidos que, por seus objetivos ou pelas atitudes de seus adeptos, atentarem contra o Estado de direito livre e democrático ou tentarem subvertê-lo, ou puserem em perigo a
existência da República Federal da Alemanha. Caberá ao Tribunal Constitucional Federal decidir sobre
a questão da inconstitucionalidade.
Leis federais regularão a matéria.”
Claramente, a Constituição alemã acolheu a ideia de democracia pelos partidos (... concorrerão para a formação da vontade política do povo), ao mesmo tempo em que procura atacar duas das
formas mais perigosas e frequentes de degeneração partidária: a tendência oligárquica dos partidos e
a influência escusa do poder econômico sobre suas atividades, determinando, a uma, que os partidos
mantenham uma estruturação interna democrática, a duas, que haja transparência na prestação de
contas dos recursos arrecadados e gastos.
Preocupa-se ainda em prevenir a disseminação de partidos que antes de pretenderem servir
como instrumento da democracia, apresentam-se como inimigos da ordem instituída, cominando-lhes
a pena da inconstitucionalidade. Certamente, a história alemã fornece motivo de preocupação quanto
Finanças partidárias. p. 13
FERREIRA FILHO destaca esse problema na obra Os Partidos Políticos nas Constituições Democráticas. 1a ed. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1966. p . 132 e ss.
17
Que não haja, porém, ilusões quanto aos poderes curativos da norma jurídica. A eficácia (em termos sociológicos) do Direito está condicionada por uma gama de fatores que escapam ao controle do jurista, como comprovam, no Brasil, a infinidade de leis que “não pegam”. Cumpre
ter em mente a advertência de REHBINDER: “Es cierto que no puede discutir-se que hay cada vez más quejas sobre la falta de eficacia del
Derecho. Sean actos terroristas, la ola de estupefacientes o la delincuencia económica: siempre que parece necesitarse realmente del Derecho, éste fracasa. El motivo de esto es conocido desde hace tiempo. Son los demás ordenes sociales, como los usos y la moral, los que aquí
claudican. En la sociedad industrial de masas hay una dejación de la fuerza normativa de agrupaciones sociales, como la familia, la vecindad,
el mundo del trabajo, etc., cuyos miembros no ‘aceptan como vinculantes´.” Sociologia del Derecho. 1a ed. Madrid: Pirámide, 1981. p. 172.
18
Cf. FERREIRA FILHO. Os Partidos Políticos... p. 22.
15
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a presença de tais partidos no cenário político. O Exemplo alemão foi seguido, ainda que em menor
extensão, por outras cartas constitucionais do período ou surgidas na sequência, como a francesa de
1958, e não apenas na Europa, como demonstram as Constituições brasileiras de 1946 a 1988, todas
contendo normas reguladoras da atividade político-partidária.
As normas constitucionais atinentes à regulação dos partidos políticos obviamente não esgotam o assunto, cabendo um papel importantíssimo à legislação ordinária, única capaz de disciplinar os
meandros tortuosos da dinâmica atividade partidária, cuja análise, todavia, em virtude da amplitude
da matéria, exigiria um trabalho à parte.
Conclusão
Avaliados segundo o elevado padrão estabelecido pelo modelo da democracia pelos partidos,
os partidos políticos vêm desde sempre apresentando um desempenho insatisfatório no cumprimento
de sua função institucional. A impossibilidade de atender o que idealmente, ou idealisticamente, espera-se deles, não decorre apenas e nem mesmo majoritariamente, da má vontade ou “imoralidade”
dos homens. Ela é oriunda das difíceis condições materiais do meio social e político dentro do qual eles
são chamados a cumprir sua missão.
O fato, objetivamente constatável, de não conseguirem atender plenamente ao ideal posto
à sua frente, não indica, contudo, que a experiência democrática calcada nos partidos políticos seja
um fracasso a sugerir sua inutilidade. Apesar de todos os defeitos, até o momento não se encontraram fórmulas mais eficazes de instrumentalizar a participação das massas no processo democrático.
Ademais, é um dado da experiência que um quadro normativo inteligentemente formulado e aplicado
e em constante atualização, pode servir de contrapeso efetivo às tendências degenerativas inerentes
aos partidos políticos, reduzindo seus efeitos daninhos a níveis toleráveis pelo sistema democrático.
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34
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Ciências Sociais e Aplicadas
Fundamentos da existência
da prescrição trabalhista
Cinthia Machado de Oliveira*
Resumo
O estudo da prescrição trabalhista traz instigante questionamento quando analisamos os fundamentos que justificam tal instituto. Afinal, pode parecer incongruente o
fato de o ordenamento jurídico se dedicar a proteger direitos e reparar as violações
que estes podem sofrem e, por outro lado, esta mesma ordem legal determina que
estas pretensões, se não forem exercidas dentro de determinado prazo, não contam
mais com o auxílio do Poder Judiciário para serem adimplidas. Há uma multiplicidade de justificativas e fundamentos apresentados para a existência da prescrição, e
sobre elas este trabalho pretende debruçar-se.
Palavras-chave
Prescrição Trabalhista. Fundamentos da existência da prescrição. Segurança Jurídica.
Abstract
The study of the labor prescription brings an instigating question when we analyze
the reasons that justify such institute. After all, it may seem incongruous the fact
that the legal system is dedicated to protect rights and to remedy the violations that
they may suffer, and on the other hand, this same legal order, to determine that
these pretensions, if not made within a certain period of time, cannot rely on the
help of the judiciary to be applied. There are a multitude of reasons and arguments
presented for the existence of this prescription, and over them this paper intends
to look into.
Keywords
Labour Prescription. Prescription fundamentals of existence. Legal Security.
1.
Introdução
Para que possamos avaliar os fundamentos da existência da prescrição é necessário fazer
uma breve visualização histórica, tanto do seu surgimento, que remonta ao direito romano, como da
evolução que o instituto sofreu em matéria trabalhista no direito do trabalho brasileiro. Além disso,
é interessante visualizar seu sentido etimológico para a boa compreensão sobre o seu surgimento e
consagração da terminologia hoje adotada.
2.
Notas históricas sobre a prescrição
O Direito não contou desde o seu princípio com o instituto da prescrição. Nos primórdios do Direito romano, havia somente a previsão de cinco ações nas Leis das XII Tábuas, e todas eram perpétuas1.
Assim, não importando quanto tempo transcorresse entre a lesão do direito e a tentativa de vê-lo corrigido através da ação, mesmo que muito longo este período, o réu jamais seria absolvido em decorrência
Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito do Trabalho. Advogada
trabalhista. Consultora da área trabalhista da Secretaria da Reforma do Judiciário – Ministério da Justiça; Relatora na Comissão de Alto Nível
para aprimoramento e modernização da legislação material e processual do trabalho. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
em cursos de graduação e Pós-Graduação em Direito.
1
LORENZETTI, Ari Pedro. A prescrição no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 17; MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 7. ed. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 56; MIRANDA, F. C. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. Tomo VI. p. 103.
*
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da demora do credor. A primeira experiência que pode ser ligada à prescrição remonta ao período pretoriano. Com a criação de novas possibilidades de ações para que fosse possível atender à demanda da
sociedade, instituiu-se o annus utilis, ou seja, criaram-se ações temporárias que deveriam ser exercidas
dentro de um ano. Se assim não o fossem, o réu poderia opor a exceção praescriptio temporis, no que
então o pretor o absolveria frente ao fato de o autor não haver intentado a ação no prazo2.
Efetivamente, a prescrição se consolidou com a Constituição de Teodósio3, na qual desapareceram as ações perpétuas com a praescriptio triginta annorum4, que determinou que as ações devessem
ser exercidas dentro de 30 anos, salvo se já tivessem prazo menor determinado para o seu exercício5.
A prescrição apareceu na legislação brasileira pela primeira vez no Código Comercial de
1850, em seus artigos 411 a 4566. O artigo 448 do mesmo Código traz importante dispositivo sobre a
contagem do prazo prescricional, determinando que esta inicie somente após o final do contrato de
trabalho. Reza a lei:
Art. 448. As ações de salários, soldadas, jornais ou pagamentos de empreitadas contra comerciantes,
prescrevem no fim de 1 (um) ano, a contar do dia em que os agentes, caixeiros ou operários tiverem
saído do serviço do comerciante, ou a obra da empreitada for entregue7.
Como advento do Código Civil de 1916, passou a existir um conflito de leis. A disposição supratranscrita
passou a se chocar com o artigo 178, § 10, V, do diploma civil, que determinava:
Art. 178 – Prescreve:
[...]
§ 10º - Em 5 (cinco) anos:
[...]
V – A ação dos serviçais, operários e jornaleiros, pelo pagamento dos seus salários.8
Frente aos dois dispositivos, e levando-se em conta a não existência da atual Consolidação
das Leis do Trabalho, surgiu a dúvida: aplicar para as relações de emprego o Código Comercial ou o Código Civil vigente à época? Os contrários à aplicação do Código Comercial aduziam que este só regia os
comerciantes e seus empregados, enquanto o Código Civil disciplinava as regras referentes à indústria
e seus trabalhadores9. Wilson Batalha e Sílvia Rodrigues Neto indicam que este argumento é errôneo,
pois “a indústria era capitulada como comércio lato sensu, nos expressos termos, aliás, do art. 29 do
Regulamento n. 197, de 25.11.1850”10. Com razão os autores. Pela redação literal da norma, pode-se
constatar a informação:
Considera-se mercancia:
§ 1º A compra e venda ou troca de efeitos móveis ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho,
na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar seu uso.
§ 2º As operações de câmbio, banco e corretagem.
§ 3º As empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transporte de
mercadorias; de espetáculos públicos.
§ 4º Os seguros, fretamentos, riscos e quaisquer contratos relativos a comércio marítimo.
§ 5º A armação de navios11.
Infelizmente, a decisão sobre o texto legal a ser aplicado recaiu sobre a prescrição descrita no Código Civil. Wilson de Souza Batalha e Sílvia M. L. Batalha Rodrigues Neto explicam a opção tomada: “Ou por
2
LORENZETTI, Ari Pedro. A prescrição no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 17; RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Parte Geral. 22.ed.
atual. São Paulo: Saraiva, 1991. v. I. p. 346
3
ALMEIDA, Ísis. Manual da prescrição trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 19; PLANIOL apud RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Parte Geral.
22.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991. v. I. p. 346; LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil.
4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 5; BATALHA, Wilson de Souza; RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha.
Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 30.
4
ALMEIDA, Ísis. Manual da prescrição trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 19
5
LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, 1982. p. 5.
6
BATALHA, Wilson de Souza; RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 31.
7
BRASIL. Lei 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial Brasileiro. FRANCO, Vera Helena de Mello (Org.). Código Comercial. Código
Tributário Nacional. Constituição Federal, 4. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 258
8
BRASIL. Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. CAHALI, Yussef Said (Org.). Código Civil. Código de Processo Civil. Constituição
Federal, 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 243.
9 BATALHA, Wilson de Souza e RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 32
10
BATALHA, Wilson de Souza e RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 32.
11
BATALHA, Wilson de Souza e RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 32.
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desconhecimento do texto, ou por critério de conveniência, a Justiça do Trabalho considerava inadequado
computar a prescrição nos termos do Código de Comércio, para evitar a eternização de demandas que só
prescreveriam após o término do contrato.”12
Desta forma, a prescrição, que era, até o advento do Código Civil de 1916, contada somente
após o término da relação de emprego, deixou de sê-lo através da interpretação dos juristas da época.
Passou-se, então, a ter-se o maléfico entendimento de que a relação de emprego não é causa impeditiva da contagem do prazo prescricional.
Houve ainda outras normas dispondo sobre prazos prescricionais e seu cômputo, tais como
o Decreto 23.103, de 19 de agosto de 1933, e a Lei 62, de 5 de junho de 1935, até a unificação dos
prazos pelo Decreto-Lei 1.237, de 2 de maio de 1939, que dispunha sobre a Justiça do Trabalho e em
seu artigo 227 indicava: “Não havendo disposição especial em contrário, qualquer reclamação perante
a Justiça do Trabalho prescreve, em dois anos, contados da data do ato que lhe der origem.”13
A Consolidação das Leis do Trabalho, publicada em 1º de maio de 1943, trata da prescrição
em seu artigo 11, que possuía a seguinte redação original: “Não havendo disposição especial em contrário nesta Consolidação, prescreve em dois anos o direito de pleitear a reparação de qualquer ato
infringente de dispositivo nela contido.”14
O Estatuto do Trabalhador Rural — Lei 5.889, de 8 de junho de 1973 —, reacende a ideia da
contagem do prazo prescricional somente após a finalização da relação de emprego, assim como o
era primitivamente no Código Comercial, ao dispor em seu artigo 10: “A prescrição dos direitos assegurados por esta Lei aos trabalhadores rurais só ocorrerá após dois anos de cessação do contrato de
trabalho.”15
Esta mesma disposição foi repetida na Constituição de 1988 em sua redação original, que
decidiu que para os rurícolas a prescrição só contaria após o término do contrato de trabalho, diferentemente da estipulação feita para os trabalhadores urbanos:
Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
[...]
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes da relação de trabalho, com prazo prescricional de:
cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato;
b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural.16
Importante aspecto a se comentar sobre a Constituição foi o aumento do prazo prescricional,
pois anteriormente havia a unificação dos prazos em dois anos, tendo sido criada a prescrição quinquenal
em 1988. Destaca-se também o fato de pela primeira vez a prescrição de créditos trabalhistas constar
na norma suprema brasileira.
Acerca da prescrição do trabalhador rural, a disposição supracitada não mais vigora; a redação foi alterada pela Emenda Constitucional 28, de 25 de maio de 2000. A emenda retirou o direito dos
trabalhadores rurais de ver contada sua prescrição somente após a cessação do contrato de trabalho,
igualando, a respeito da matéria, rurícolas e urbanos. Excelente se a igualdade realizada fosse balizada pelo critério dos trabalhadores rurais, ou seja, que todos os trabalhadores tivessem a contagem
da prescrição somente após a finalização do seu contrato de trabalho. A opção foi, em vez de manter
a boa regra já existente para o rurícola, de piorá-la, e deixá-la como a terrível contagem de prazo
prescricional aplicada ao urbano. Desta forma, a Constituição dispõe, em sua redação atual:
Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
[...]
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes da relação de trabalho, com prazo prescricional de cinco
anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato17.
BATALHA, Wilson de Souza e RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 32
BATALHA, Wilson de Souza e RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 32
14
BATALHA, Wilson de Souza e RODRIGUES NETO, Sílvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
1998. p. 33
15
BRASIL. Lei 5.889, de 8 de junho de 1973. Estatui normas regulamentadoras do trabalho rural e dá outras providências. Vade Mecum, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1269.
16
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 28.
17
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 28.
12
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Destaca-se ainda como importante alteração legislativa sobre prescrição a edição do atual
Código Civil que disciplina a matéria entre seus artigos 189 e 206. Muito embora o Direito do Trabalho
possua norma específica a respeito, ela não é autossuficiente, aplicando-se subsidiariamente o Código
Civil, conforme previsão expressa do artigo 8º consolidado.
Finalizando, a Lei 11.280, de 2006, que alterou o Código de Processo Civil em vários aspectos,
o fez também referente à prescrição, disciplinando que esta deve ser conhecida de ofício pelo juiz.
3.
Significado etimológico do termo prescrição
Prescrição vem do vocábulo latino praescripto (que deriva do verbo praescribero, de prae +
scribero), e significa “o que vem antes”, caracterizando o momento do processo, no período formulário
do direito romano, em que o pretor romano declarava a absolvição do réu em decorrência da passagem
de tempo surgida pela inércia do autor em intentar a ação18. A fórmula romana era composta de quatro
momentos: a demonstratio, na qual eram apresentados os fatos não contestados no processo; a intentio,
na qual constavam as postulações do autor e a defesa do réu; a condemnatio, a possibilidade dada ao
juiz para condenar ou absolver; e a adjudicatio, a autorização dada ao juiz para conceder às partes a
propriedade do bem em disputa na ação. Quando a ação se resolvesse em favor do réu, em decorrência de
o autor ter deixado transcorrer mais que o tempo permitido em lei para ajuizar o processo, havia uma parte
introdutória da fórmula, a qual se dava o nome de praescriptio, que pronunciava tal situação19.
Como se vê, a origem do termo prescrição nada tinha de relação com o conteúdo expressado
nesta parte preliminar da fórmula, e sim com o simples fato de ser introdutória da própria fórmula.
Com o decurso do tempo, o termo foi se fundindo com o conteúdo expressado preambularmente, dando vida à expressão hoje conhecida como prescrição20.
4.
Fundamentos do instituto da prescrição
Feitas as observações iniciais, históricas e etimológicas sobre a prescrição, passo a debruçar-me sobre o interesse maior deste trabalho, qual seja, os fundamentos da existência do instituto da
prescrição.
Interessante e instigante estudar sobre os fundamentos da prescrição. Afinal, não parece uma
estranha incongruência o fato de o ordenamento jurídico se dedicar a proteger direitos e reparar as violações que estes podem sofrem, e por outro lado, esta mesma ordem legal determinar que estas pretensões, se não forem exercidas em um certo período de tempo, falecem e levam a perpetuação da violação?
Vários são os fundamentos indicados para a existência do instituto da prescrição. Câmara
Leal enumera alguns: da ação destruidora do tempo, do castigo à negligência, da presunção de abandono ou renúncia, da presunção de extinção do direito, da proteção ao devedor, da diminuição das
demandas e o do interesse social pela estabilidade das relações jurídicas21. Antonio Álvares da Silva
indica outro fundamento, o da presunção de pagamento ou perdão da dívida, defendido por Pothier22.
Numa do Valle apresenta outros fundamentos presentes na doutrina: teoria da facilitação da prova,
princípio da anistia, teoria da preservação da memória dos fatos, tese da presunção absoluta, primado
do interesse geral23. Câmara Leal ressalva que, não obstante possua a prescrição diversas utilidades,
não se deve confundir estas com os seus fundamentos24. Miguel Maria de Serpa Lopes ilustra bem a
diversidade de opiniões sobre os fundamentos da prescrição:
Quando se trata de explicar a razão de ser dessa influência do tempo no direito, divergem os
LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, 1982. p. 3 - 4; MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 56.
LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, 1982. p. 3 - 4.
20
LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, 1982. p. 4.
21
LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, 1982. p. 13-14.
22
SILVA, Antônio Álvares da. Prescrição trabalhista na nova Constituição: Estudo sistematizado do art. 7º, XXIX. Rio de Janeiro: Aide, 1990.
p. 40-41.
23
Apud SILVA, Homero Mateus da. Estudo crítico da prescrição trabalhista. São Paulo: LTr, 2004. p. 35.
24
Câmara leal indica neste mesmo sentido, e apresenta algumas vantagens do instituto da prescrição, que são confundidas com seus fundamentos: “1º - evitar as demandas de difícil solução pela antiguidade dos fatos, cujas provas se tornariam embaraçosas, e, por vezes,
impossíveis, pela dispersão ou perecimento; 2º - impedir que o autor retarde, maliciosamente, a demanda, no intuito de dificultar a defesa
do réu pelo desbaratamento das provas, em virtude da remota ocorrência dos fatos; 3º - proteger o devedor contra a má fé do credor, que
prevalecendo-se do desaparecimento das provas do pagamento, por extravio da quitação, ou pela ausência ou morte das testemunhas, que o
presenciaram, poderia novamente em exigí-lo”. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil.
4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p.18.
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juristas. M. I. Carvalho de Mendonça explica a prescrição, fundando-a na negligência do credor e na
necessidade de serem solvidas certas situações de fato: ne in perpetuum incerta sit iura. Carpenter, ao
justificá-la, procurou o princípio da necessidade social, a ordem social. Os pensadores estão divididos.
Uns, como Ahrens, Cassiodoro, Gaio, Grocio, Thibaut e Savigny, consideram a prescrição mera criação
política, por isso que os direitos são eternos e o tempo não é um modo de constituí-los ou de extinguí-los, enquanto outros (Puffendorff, d’Argentré, Troplong e Béline) entendem a prescrição como de
direito natural.
Giorgi apresenta, como razão precípua, um altíssimo fim de conveniência social assentado na
justiça natural o seu fundamento, ora mediata ora imediata25.
Desta multiplicidade de justificativas e fundamentos apresentados, uma lição pode ser extraída: a importância do instituto da prescrição e a necessidade de sua existência para a convivência
em sociedade, e não o seu caráter desnecessário como muitos de seus críticos chegaram a apontar26.
Entre tantas posições diferentes quanto aos fundamentos da prescrição, uma se destaca, tanto
por perdurar no tempo (já que desde séculos atrás já era apontada como justificadora da existência
do instituto), tanto por ser a que hodiernamente é a mais recorrente nos autores. Este fundamento se
encontra travestido de diversas denominações: segurança jurídica, paz social, estabilidade das relações,
interesse social, harmonia social, interesse público, certeza das relações, entre tantos outros. Tantas
são as expressões utilizadas, mas todas apresentam o mesmo ponto de convergência, a ideia, expressada
pelas próprias terminologias empregadas, de “estabilização”, “certeza”, “paz” nas relações jurídicas.
Com respeito a todo o estudo e esforço empregado durante tantos séculos sobre o tema, mas
as razões que fundamentam a existência da prescrição são cristalinas e apontam para um fim único: a
garantia de pacificação social. Aliás, este é o “maior fundamento da existência do próprio direito”27.
Outras discussões sobre penalidades, castigos ao devedor etc. não passam de consequências da prescrição, e não a sua razão de existir.
Quando um direito é violado, surge uma perturbação no ordenamento jurídico, que retornará
a sua paz no momento em que a agressão seja exterminada. Inúmeras lesões ao direito ocorrem todos
os dias, mas nem todos os seus titulares buscam a reparação em um prazo razoável. É impossível ficar eternamente aguardando que o credor saia de sua passividade e lute pelo que lhe pertence. Esta
espera acarretaria um estado de insegurança e incerteza insuportável na sociedade. As pessoas poderiam décadas e décadas depois ser questionadas por relações jurídicas pretéritas. Geraria também a
necessidade de guardar indefinidamente toda e qualquer prova referente a estas relações, pois elas
poderiam se mostrar necessárias no futuro. Algumas provas, como as testemunhais, sofreriam sérios
entraves, pois as testemunhas poderiam não só esquecer ou confundir fatos tão antigos, como inclusive, em decorrência do longo período, vir até a falecer. Estes são apenas alguns dos problemas que
poderiam advir da ausência da prescrição, que revelam por trás deles o grande inconveniente que a
sua falta acarretaria: a insegurança jurídica.
Não há dúvida de que o valor segurança jurídica é indispensável para a vida em sociedade, mas
não pode ser negado que ao dar-se relevância a ele, termina-se por perpetuar no mundo a violação do
direito que não foi postulado a tempo, posto que este não contará mais com a mão do Estado para se
fazer cumprir. Somente a boa vontade dos devedores pode agora restaurar a perturbação ocorrida. É
uma situação que parece estranha: de um lado, o ordenamento jurídico regula diversas relações, pune
aqueles que violam direitos, busca a reparação de lesões; de outro lado, dispõe que se a parte prejudicada não agir a tempo, a lesão sofrida permanecerá, e não será mais possível exigir o cumprimento da
obrigação. Isto traz como consequência o fato de que a sociedade passará a contar dentro de si com o
direito violado, que não poderá mais ser reparado (salvo espontaneamente), e terá que com ele conviver.
Esta perspectiva traz angústia e a sensação de injustiça, pois o indivíduo prejudicado sente-se “desamparado” pelo Estado, sente que a ordem jurídica “legitimou” a violação ao seu direito. Ao
longo dos séculos, demonstrou-se que o sentimento desagradável de perpetuação de uma lesão seria
menos sério do que causar a toda sociedade insegurança jurídica. Até porque não se está impedindo
que a parte vá em busca do seu direito, apenas está se colocando um limite temporal para esta ação.
Injustiça seria não fornecer a possibilidade de restauração da violação sofrida, ou não respeitar as
impossibilidades que a parte pode, em determinados momentos, apresentar, que retiram a sua plena
condição de exercício do direito.
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 9. ed. rev. e atual. pelo prof. José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2000. v. I. p. 561.
26
LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da decadência: Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, 1982. p.14-18.
27
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: (abrangendo o código de 1916 e o novo código civil) parte
geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. v. I. p. 475.
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Maurício Godinho Delgado traduz bem o que se pretendeu dizer:
Não há dúvida de que a prescrição agride direitos assegurados pela ordem jurídica: é instituto
que, em nome da segurança nas relações sociais, torna inexigíveis parcelas não reivindicadas ao longo
de certo prazo legalmente estabelecido. É figura que confere prevalência, de certo modo, ao valor segurança em detrimento do valor justiça. É como se a ordem jurídica assegurasse a busca, pelo titular, da
proteção estatal a seus interesses, mas desde que o fazendo em um prazo máximo prefixado, de maneira
a não eternizar situações indefinidas no âmbito social. Se o justo não é perseguido em certo tempo, fica
a ordem jurídica com o status quo, com a segurança, em favor da estabilização social.28 (grifei)
Não está errado em se instituir a prescrição, aliás, muito pelo contrário, ela é essencial às relações jurídicas. Equivocado é não perceber que certos indivíduos, pela sua própria condição pessoal,
ou quando inseridos em relações especiais, não possuem a plenitude da luta pelo seu direito. Ignorar
este peculiar panorama é cometer uma injustiça. Significa não dar chance à parte de ter o seu direito
cumprido. Afinal, se ela não tem como agir naquele prazo, ou o agir lhe trará consequências tão sérias,
que praticamente o repelem, a sensação de desagrado é imensa. A este indivíduo não foi concebido
prazo nenhum para agir, pois não se respeitou o momento em que ele não podia fazê-lo. Quando ele
estiver apto à ação, pode ser tarde demais, e a prescrição já pode ter sido consumada. Esta, sim, é a
verdadeira injustiça.
Sobre esta grande questão, já escrevi em outros momentos29. Já discuti em trabalhos anteriores que a prescrição termina não concretizando seus reais fundamentos quando o tempo fornecido
para aqueles que devem judicialmente buscar as suas pretensões é tão curto, ou mesmo não sendo tão
exíguo, durante seu transcurso é impossível, ou quase impossível, para aquele que foi lesado, buscar
a reparação ao seu dano.
Assim, defendo que a grande questão não é discutir os fundamentos da prescrição, estes são
nobres e justificam a existência de um prazo, em nome da segurança jurídica, para que as partes lesadas busquem os direitos que lhes foram subtraídos. O que devemos realmente discutir é se os prazos
e as condições dadas àqueles que precisam se socorrer do judiciário verdadeiramente são adequados.
Pois, se não o forem, aí sim teremos aquele sentimento de injustiça que manifestei outrora neste trabalho; e, mais do que isto, teremos a prescrição servindo a uma missão que a ela não cabe, e que nunca foi a que se imaginou para este instituto. Ou seja, em última análise, defendo que a prescrição deve
sempre existir, mas é necessário que o ordenamento jurídico contemple corretamente as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição. Desta forma, o direito deve perceber que existem
situações excepcionais em que a prescrição deve existir, mas merecem tratamento especial, tendo
em vista as peculiares condições que envolvem determinadas relações jurídicas, como por exemplo, a
relação do empregado subordinado ao seu empregador durante a vigência de sua relação de emprego.
Situações como esta merecem tratamento especial e, neste caso, deveriam constar no rol das hipóteses que neutralizam a contagem do prazo prescricional. Só assim a prescrição realmente pode atender
aos nobres fins a que se destina e para os quais ela foi pensada e estudada durante séculos.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 255.
OLIVEIRA, Cinthia Machado de. A vigência da relação de emprego como causa impeditiva do cômputo da prescrição trabalhista. in OLIVEIRA,
Cinthia Machado de, DORNELES, Leandro do Amaral D. (Org.). Temas de Direito e Processo do Trabalho. Vol. I – Relação de emprego. Estudos
em homenagem a Paulo Orval Particheli Rodrigues. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 13-24.
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Ciências Sociais e Aplicadas
Direito e sociologia da
literatura: “lavoura arcaica”
e as fundações da família
Roberta Drehmer de Miranda*
RESUMO
O Direito, hoje, não pode ser compreendido sem uma análise interdisciplinar, seja
na sua dimensão científica, seja na sua manifestação social, como ordem das relações humanas. Este artigo tem por finalidade apresentar uma proposta de estudo
interdisciplinar, a respeito do Direito de Família, numa aproximação entre o Direito,
a Sociologia e a Literatura — estas duas últimas disciplinas unidas sob uma linha de
pesquisa conhecida na Ciência Sociológica como “Sociologia da Literatura”. Dita proposta está fundada na leitura do fenômeno da “família” sob a ótica da obra literária
“Lavoura Arcaica”, escrita por Raduan Nassar. Nesse sentido, apresenta-se uma visão
sobre a família, protegida pelo Direito, cuja origem é social e que tem como “olhar”
a própria obra literária.
Palavras-chave
Direito. Sociologia da Literatura. Família.
ABSTRACT
The Law, today, can’t be understanded without an interdisciplinary analysis, in your
scientific dimension, or in his social demonstration, as a human relation order. This
article intends to introduce an interdisciplinary study proposition, concerning Family
Law, in an approximation between Law, Sociology and Literature – this last two subjects, together under an research line known in the Sociological Science as “Sociology of Literature”. This proposition is based on the reading of “family” phenomenon,
under the look by the literary work “Lavoura Arcaica”, written by Raduan Nassar.
Therefore, it is introduced an vision about family, protected by Law, whose origin is
social and it has a “look” by the literary work of your own.
Keywords
Law. Sociology of Literature. Family.
“... se acaso distraído eu perguntasse ‘para onde estamos indo?’... haveria de ouvir
claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso,
desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre para casa’” – Raduan Nassar
Introdução
No princípio era a palavra. A palavra desvela significado, que, por sua vez, procura, por um
esboço teórico, descrever o ser, o ente sobre o qual não se pode conhecer em sua completude, mas
que, pelo menos, se pode perceber na experiência humana — a experiência da comunicação. Contudo,
Mestre em Direito pela UFRGS. Doutoranda em Direito UFRGS.
Professora de Direito de Família e Sucessões da Faculdade Dbom Bosco de Porto Alegre.
*
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quando a palavra é esvaziada de conteúdo, separada de sua correspondência com o real, e, assim,
transformada em ente abstrato inatingível, cria uma vida própria de tal maneira que pode assumir
diferentes faces e disfarces conforme o “humor” ou sentimento daquele que a pronuncia ou comunica.
Assim está ocorrendo com a palavra “família” — e aqui consideremos a palavra dentro do
mundo jurídico que é, afinal, o espaço próprio dos detentores da palavra: os juristas. Família, pois, é
tudo e é nada. É isso e é qualquer coisa. É uma estrutura de membros que se reúnem para compartilhar
bens e meios de subsistência e uma sociedade de pessoas unidas pelo afeto. Família criou vida própria:
pode assumir várias personas em diferentes intervalos de tempo e espaço.
A atmosfera da obra literária “Lavoura Arcaica” é familiar. Em alguns momentos parece um
espelho da própria família de Raduan Nassar, em outros, uma crítica a certos comportamentos íntimos
que encontram barreiras intrasponíveis para serem externados. A linguagem narrativa presente no livro procura destrinchar as alegrias, qualidades e mazelas da família de André, de maneira tão realista,
que causa o impacto e a sensação em cada leitor de que se está reconhecendo, ali, na trama fictícia,
perfis de seus próprios membros familiares.
Nassar, pois, na sua descrição crua e real da família de André (personagem principal do romance), pode trazer elementos que auxiliam para uma análise mais profunda do exato conteúdo do
que seja a família, como fenômeno jurídico e social. A literatura, por ser arte, mostra a realidade sob
um prisma que os nossos olhos, cansados pelo cotidiano, tenham perdido a qualidade de ver e perceber. O livro, carregado de visões e sentimentos transportados pelas palavras, sempre alcança a sua
atualidade no tempo, e, por essa razão, aproxima-se do direito, como instrumento de percepção da
realidade e dos fatos sociais a serem normados e tutelados juridicamente.
Desta forma, a aproximação entre a literatura e o direito permitirá a identificação do nomos
da família1 como fenômeno jurídico-social. A definição do espaço da família, no tempo e na história,
a partir de elementos presentes na realidade narrativa literária e na realidade narrativa do direito,
permitirá a construção de uma dogmática jurídica mais aproximada da experiência social, unindo o ser
ao dever-ser, a realidade jurídica e o mundo dos valores, a composição, enfim, do que MIGUEL REALE
chamou de tempo cultural2.
Este artigo tem por finalidade resgatar o conteúdo da palavra “família” à luz da narrativa
literária e do ordenamento jurídico pátrio. A proposta é elaborar um estudo profundo acerca dos dois
tipos ideais3 da estrutura familiar — a família como instituição, e a família “molecular” como mera
soma de seus membros — buscando uma interpretação jurídica do fenômeno social “família” que atenda aos limites temporais da cultura e dos valores humanos. O Direito é formado por palavras; se essas
são vazias, então, também existirá um Direito completamente vazio.
O presente estudo está dividido em duas partes. Na primeira, será analisada a família como
instituição, sua forma de constituição e realização na experiência jurídica, e de que maneira a família
retratada em Lavoura Arcaica se insere, na literatura, como o paradigma de estrutura familiar em
conflito, internamente (entre seus membros) e externamente (entre o rural e o urbano). Na segunda parte, o objeto é a família dita “molecular”, definida a partir de uma união matemática de seus
membros, e, como toda soma, individualmente absorvidos pelo ente familiar, personificados na figura
da “casa” e do “chefe de família”, cuja finalidade é a cooperação mútua para fins de sobrevivência,
subsistência e sucessão, sem espaço, portanto, para a realização plena da pessoa de cada um. É a
família então criticada por André, em Lavoura Arcaica, e, de forma um pouco diversa — nos dias de
hoje — protegida pela designação ampla e vaga de “formas” de família.
1.
A família como instituição: a comunhão plena de vida
Ainda que a palavra “família” tenha assumido ‘n’ significados hoje plenamente absorvidos
pelo direito4, pode-se identificar, na realidade social, elementos estáticos e dinâmicos, os quais per1
“A palavra grega nomos, lei, vem de nemein, que significa distribuir, possuir (o que foi distribuído), habitar”. MARTINS-COSTA, Judith. Introdução. A Reconstrução do Direito Privado. Org.: Judith Martins-Costa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.11.
2
Acerca da visão de MIGUEL REALE sobre a experiência jurídica como experiência histórica, e a integração da realidade axiológica ao direito
constituindo a cultura humana, o estudo de MARTINS-COSTA, Judith. Direito e Cultura. Entre as Veredas da Existência e da História. Revista
da Faculdade de Direito Ritter dos Reis. Porto Alegre: Ritter dos Reis Editora, Vol. V, Ano IV, 2001, p.14/15.
3
Expressão criada pelo sociólogo do direito MAX WEBER para designar não um conceito, mas uma criação teórica do jurista para definir o fenômeno sócio-jurídico, com todos os seus elementos, observado na realidade. É um tipo, pois possui características peculiares e singulares que
o tornam algo único e primeiro; é ideal pois requer uma elaboração racional para defini-lo, posto que na realidade, em si mesma considerada,
o fenômeno possui ‘n’ elementos não perceptíveis pelo jurista. Sobre a sociologia jurídica weberiana, o excelente estudo de FREUND, Julien.
Sociologia de Max Weber. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975.
4
O pluralismo da família, de que fala LEMOULAND, reflete a existência de variadas significações e, por essa razão, a própria aleatoriedade
de qualquer tentativa de sistematização – LEMOULAND, Jean-Jacques. Le pluralisme et le droit de la famille, post-modernité ou pré-déclin?
Recueil Dalloz. Paris: Dalloz, n.18, mai/1997, p.133.
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manecem constantes no fenômeno de integração familiar, como o sangue5 (definindo os parâmetros
para delimitação da ascendência e descendência), a autoridade6 (os pais ainda mantêm sua posição
hierarquicamente superior, em padrões, é certo, menos rigorosos que uma sociedade antiga patriarcal
em que os filhos são vistos como uma continuidade da linhagem, e não propriamente pessoas em si
mesmas consideradas, individualmente) e, o mais importante, a comunhão7 (vida em comum fundada
no amor — uma palavra também esvaziada, mas que significa muita coisa), direcionada à realização da
família como comunidade e, ao mesmo tempo, de cada membro dela, individualmente8.
Da mesma forma que qualquer experiência social, a família também acompanha o tempo e
o espaço, e sofre mutações significativas, muitas vezes necessárias para seguir seu movimento e não
ficar fadada a uma mera expressão estática da sociabilidade humana — e o Direito, como ordem, também absorve esta evolução.
Nesse sentido, alguns tipos de família, observáveis na experiência jurídica, podem auxiliar
para compreendermos a exata noção do que é, enfim, uma estrutura familiar “institucionalista” — no
pensamento de GILBERTO FREYRE, a família que é ela mesma o centro da comunidade (e não propriamente o pai, como o fora a estrutura patriarcal), e a casa, que a personifica9. Sendo a família, então, a
célula nuclear da sociedade, muito mais cuidado deve ter o Direito em definir seu papel, seu conteúdo,
e, principalmente, seu significado, sem retirá-la, outrossim, da própria realidade que a concebeu.
Parece ter sido esse o pensamento dos romanos quando por sucessivas leges e actiones procuraram regular os conflitos privados (e demais situações jurídicas) de forma a preservar a família e sua
estrutura basilar. As regras e formalidades do casamento visavam, claramente, proteger a estrutura
familiar a ser constituída, pois significava não só a união fática entre um homem e uma mulher, mas a
própria continuidade do culto divino dos antepassados, da memória do pater10 (que, ao falecer, tinha
segurança na transmissão de seu patrimônio, pois tinha herdeiros para nomear — membros da família,
sejam filhos, sobrinhos, ou até tios), da honra de cada membro familiar que, por pertencer a esta
instituição, tinha seu status reconhecimento perante o ius11. A família, pois, não era mera soma de
indivíduos, mas uma instituição, reunida sob a autoridade e nome do pater familias.
Tradição. Esse é o elemento-chave para compreensão da família romana. Elementos subjetivos como o amor e a paixão vinham em segundo lugar12 — vindo a colocar-se como fundamento da
família apenas com o advento do cristianismo. Com efeito, Justiniano, ao definir o casamento como o
“costume indivisível de vida”13 (clara influência do cristianismo), traz o elemento da comunhão plena,
que inseriu-se ao elemento da tradição, presente na família romana.
O desenvolvimento dos mercados no Medievo traz novas experiências sociais, atingindo o
casamento no seu aspecto tradicional, quer dizer, na sua visão institucional como “meio de auxílio
mútuo entre famílias”, união de Reinos e até assunção de títulos de nobreza14. Os típicos casamentos
“arranjados” moldaram muitas estruturas familiares, atingindo já o início da Idade Moderna, e não
raro são observados, neste período histórico, como extremamente frios, convencionais, muitas vezes
escandalosos, permeados de infidelidades “escondidas”. Os casamentos “queridos”, isto é, levados
5
O critério sanguineo está presente em todo o direito de família do Código Civil, como nos impedimentos para casar (art.1.521, I, proibição
de casamento entre ascendentes e descendentes, e IV, impedimento de casamento entre irmãos e colaterais até o terceiro grau); na ordem
de sucessão hereditária (art.1.829, I e II, descendentes e ascendentes); e na definição legal de herdeiros necessários (art.1.845, descendentes
e ascendentes).
6
Não existe formação familiar sem autoridade – é o fundamento da norma prevista no art.1.630 do Código Civil, in verbis: “Os filhos estão
sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.
7
Norma-princípio fundamental do direito de família no Código Civil, a comunhão plena de vida vivida no casamento pressupõe a total igualdade entre os cônjuges, em direitos e deveres, para com ambos e para com os filhos (art.1.511 do Código Civil, in verbis: “O casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”).
8
A Constituição de 1988, que dá fundamento a todo o sistema jurídico, ao dispor sobre a família, une os dois elementos – a comunhão e a
individualidade – ao definir a família como base da sociedade e ao garantir a tutela estatal à intimidade familiar e à pessoa de cada um dos
seus membros, como disposto no caput do art.226 (“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”) e no parágrafo oitavo
do mesmo dispositivo (“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações”).
9
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano. Vol. I. São Paulo: Editora José
Olympio, 1951, p.64. A casa – patriarcal, sobrado, rancho, apartamento, cobertura, mansão – na cultura brasileira, manifesta a estrutura
familiar elementar da sociedade e de sua época, definindo, ainda hoje, o imaginário da própria estruturação social no país (como o “sonho
da casa própria” para uma família com reduzidos recursos econômicos – significa também um sonho de ascensão e reconhecimento social).
10
PETIT, Eugene. Tratado Elemental de Derecho Romano. Buenos Aires: Albatros, 1970, p.666/667.
11
GIUFFRÉ, Vincenzo. Il Diritto dei Privati Nell’Esperienza Romana. 2 ed. Nápoles: Casa Editrice Jovene, 1998, p.299/300.
12
Sobre a família romana, a visão de CARLOS SILVEIRA NORONHA: “A família desse modo constituída atenderia apenas à satisfação pura e simples de apetites inferiores e egoísticos do homem e da mulher e não se conformaria com a razão humana, nos limites do aequum et bonum, da
sentença de PAULO (D.1.1.11), em que originariamente se funda a lei natural”. NORONHA, Carlos Silveira. Conceito e fundamentos de família
e sua evolução na ordem jurídica. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, n.326, 1995, p.21.
13
JUSTINIANO. Institutas. Título IX, parágrafo primeiro. Tradução: José Cretella Junior e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p.37.
14
HESPANHA faz excelente análise sobre a visão do amor, no medievo, em meio à formação familiar, e a contradição entre o amor de fundamento cristão e o amor presente nas práticas sociais, que, por não constituírem família, eram considerados ou como contrato ou como
“vestes” de pactos – HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura Jurídica Européia. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p.163/166.
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adiante por casais que se enamoraram, não eram em maior número, e, muitas vezes, eram repudiados
publicamente perante a sociedade15.
O humanismo e a descoberta do “eu” na Modernidade foi a primeira quebra do modelo
tradicional de família de então16. A literatura, nesse sentido, dá uma contribuição valiosa. O engrandecimento do indivíduo e sua capacidade de autorrealização exaltada por MONTAIGNE e os vínculos
matrimoniais e seus “desfechos” genialmente retratados por BALZAC, bem como o “escândalo” da infidelidade de Madame Bovary de FLAUBERT17, foram paradigmas da nova família então insurgente, que
não perde seu caráter institucional, mas gradualmente deixa de esconder suas mazelas e seus limites.
Contudo, o mais importante nesse processo humanista moderno é que a família passou a ter
que enfrentar a contrariedade de seus próprios membros, que, afirmando sua individualidade, buscam
seu espaço dentro da estrutura que vivem. O elemento tradição passou a ser substituído pela situação: a família hoje está unida, amanhã pode estar desunida. O advento das legislações de divórcio18
— apesar do divórcio existir desde o Direito Romano, tendo sido mantido inclusive por Justiniano — foi
o impulso para o fenômeno que culminou na limitação da família no tempo, ou seja, o caráter eterno
do vínculo matrimonial passou a ser rechaçado socialmente para, por fim, sê-lo no mundo jurídico.
Ainda assim, mesmo estando situada no tempo, a família manteve seu status de instituição.
O paradigma de família pós-Revolução Francesa, e consagrado no Código Napoleônico, reforçou o aspecto institucional pelo lado da “autoridade parital”, quer dizer, a manutenção da visão do “chefe de
família”, sob cuja dependência estão todos os demais membros da entidade, in casu, esposa e filhos19.
Nesse sentido, o Código Napoleônico permaneceu, por muito tempo, sendo o “tipo ideal” ou
paradigma de direito privado, certamente influenciando outros sistemas jurídicos, como o brasileiro,
que, no Código Civil de 1916, protege a família tradicional “patriarcal”, que gira em torno do pai de
família, que, na visão de BEVILÁQUA, é requisito necessário para formação da estrutura familiar20.
Sob o regime do Código Civil de 1916 e da família rural patriarcal de então que vive a família
retratada por Nassar em Lavoura Arcaica. Ao mesmo tempo, o romance retrata uma época social brasileira em que o desenvolvimento do urbano sobrepunha-se ao meio rural21, alterando formas de pensar
e hábitos de vida, atraindo jovens camponeses para “aventurar-se” na cidade, e ali buscar principalmente uma formação educacional e laboral que não encontrariam nas fazendas que moravam. Esta é
um pouco da história de André, o “filho pródigo” de João22; este foi, pois, o seu grito de independência: a fuga para a cidade. E tal atitude certamente mudou a sua família, para sempre.
Conta-se, por exemplo, que no Medievo, os pais de Juan de la Cruz (um dos maiores poetas espanhóis) sofreram represálias por terem se
casado, por amor, e não por conveniência (como queriam suas famílias). Uma das “sanções” sofrida pelo pai de Juan foi ter sido subtraído
(pela própria família) de todos os seus bens e seus títulos, pois era nobre e casara-se com uma artesã (portanto, não nobre). A família de Juan,
pois, sempre viveu em extrema necessidade econômica e humana, e seu pai não conseguia emprego pois seu “estigma” social permaneceu –
repúdio público por ter se casado com quem amava.
16
A modernidade fez com que na cultura ocidental, “uno dei compiti fondamentali Del diritto privato è la tutela dell’individuo. Il singolo cittadino é riconosciuto e tutelato come persona dotada di piena capacitá giuridica e dia gire, come soggetto di azioni libere e autoresponsabili”.
RAISER, Ludwig. Il Compito del diritto privato. Milano: Giuffré, 1990, p.133.
17
Sobre a família vista pela literatura do século XIX, por todos, o estudo de SALLERON, Claude. La littérature au XIX Siécle et la Famille.
Renouveau des idées sur la famille. Paris: Presses Universitaires de France, 1954, p.63/67.
18
GUILHERME DE OLIVEIRA mostra que o divórcio foi admitido a partir do reconhecimento da falibilidade da união familiar, sujeita a crises e
conflitos – OLIVEIRA, Guilherme de. Sobre a verdade e a ficção no direito de família. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Gráfica de
Coimbra, vol.LI, 1975, p.276.
19
LEMOULAND, Jean-Jacques. Le pluralisme et le droit de la famille, post-modernité ou pré-déclin? Recueil Dalloz. Paris: Dalloz, n.18,
mai/1997, p.133.
20
BEVILÁQUA faz uma distinção entre o patriarcado “despótico”, que remonta aos antigos povos primitivos, e a família moderna do Código
Civil de 1916 centrada no pai (“patriarcal”, no sentido do pai ser o chefe da família): “Os diferentes modos pelos quais se podem estabelecer
as relações entre os cônjuges e os filhos determinam várias formas de família. Uma delas dependem, diretamente, da modalidade que reveste
a união conjugal e daí a poligamia, ora monândrica ora poliândrica, e a monogamia. Outras procedem já das relações de dependência, parentesco e autoridade que se tecem entre os membros da associação familial. Daí as formas incoerentes dos primeiros tempos, o patriarcado e o
tipo de família atual que se poderia chamar igualitário, embora a sociedade doméstica, à semelhança de todas as outras, tenha necessidade
de um chefe, ao menos em algumas situações, e esse deva ser homem. [...] O patriarcado já constitui uma forma familial mais consistente e
definida. Repousa ela sobre a autoridade de um chefe despótico que é, ao mesmo tempo, o ascendente mais velho, ao menos em regra geral,
e o pontífice do grupo a que preside. [...] A forma igualitária atual, se não é a mais forte e se espera modificações do tempo para acentuar-se
melhor é, certamente, mais própria do que as suas precursoras, para satisfazer às necessidades modernas da conservação da espécie, assim
como para dar maior expansão à vida física, econômica e moral do indivíduo”. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito da Família. 2 ed. Recife: Livraria
Contemporânea, 1905, p.5 e 7.
21
Nas palavras de CLÓVIS DO COUTO E SILVA, “No Brasil, há duas realidades bastante acentuadas: a urbana e a das grandes extensões do nosso
país, a rural, embora haja uma predominância de estilo de vida da civilização urbana, porque é nas grandes cidades que estão os meios de
comunicação”. COUTO E SILVA, Clóvis. Temas Atuais do Direito de Família no Anteprojeto do Código Civil. Manuscrito. Conferência pronunciada
no Instituto dos Advogados de São Paulo em 07 de março de 1973, p.151.
22
Os elementos de religiosidade próprios da tradição cristã fazem parte da narrativa de Lavoura Arcaica, assim como o nome de cada personagem e sua posição perante à família. Nesse sentido, o estudo de REGINA CÉLI ALVES DA SILVA, que acentua: “Nesse romance, André, o narrador
e também personagem, retoma a parábola do filho pródigo para contar, ele próprio, sua versão, pessoal e diferenciada de uma história que,
tradicionalmente, fora sempre contada por outros”. SILVA, Regina Céli Alves da. A Tra(d)ição dos nomes na Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. Revista de Filosofia e Lingüística Portuguesa. Presente no endereço eletrônico http://www.filologia.org.br/revista/artigo/9(25)03.htm.
15
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a)
A família patriarcal de “Lavoura Arcaica” e o “grito” de individualidade de André
“Lavoura Arcaica” é uma obra em ebulição. Pode-se perceber, pelo estilo narrativo empregado
por Nassar, uma intensidade de sentimentos que corresponde diretamente à alma inquieta de André, o
personagem central da família à qual abandona e depois retorna, personificando-se na figura bíblica do filho
pródigo, a ovelha negra que se entrega às coisas mundanas e depois, arrependido, retorna à casa de seu pai.
A história narrada no romance gira em torno dos desejos, anseios e pensamentos de André, o
filho-homem mais novo da família de João, dono de uma propriedade rural mantida pelo seu trabalho
agrícola junto de seus filhos — típica imagem das famílias rurais brasileiras. André sai de casa por uma
série de razões; a narrativa não deixa claro se foi pelos desejos impróprios sentidos pela irmã, Ana, ou
se pela relação conflitante com o pai e com o irmão mais velho, Pedro, ou, ainda, se pelo simples intento de experimentar a liberdade e a solidão, a fim de esclarecer, para si mesmo, quem ele realmente
é e o que realmente quer na sua vida. O fato é que André volta para casa, depois de ser buscado pelo
pai e pelo irmão, mudado, disposto a pôr na mesa da família tudo aquilo que o aflige e o desorienta. O
final do romance é trágico: o pai assassina a própria filha, levado pela raiva e pelo medo de ver o grito
de liberdade dela como um sinal de igual abandono da família e de, quiçá, promiscuidade. A morte de
Ana é o sinal evidente de que algo estava muito errado na família “então feliz” de André.
A efervescência de emoções, que permeia todo o romance, aparece, primeiramente, na ausência
de pontuações nos momentos em que André entra em crise, aliado à epilepsia que o ataca constantemente — o discurso é corrido e intenso, como se as palavras não pudessem expressar tudo o que o personagem
deseja libertar para o exterior23. Depois, os parágrafos longos, que não terminam, frases separadas apenas
por vírgulas, o alto grau de descrição de paisagens, ações, partes do corpo humano, cheiros, mostra ao
leitor a identificação de André com o ambiente em que vive, o meio social que foi educado, a vida contra
a qual revoltara-se24. Ato contínuo, os raros momentos de pausa na narrativa ocorrem em momentos de
grande ternura, representados na mãe de André, que personifica o porto seguro do personagem.
A família de André parece um espelho da família de Nassar25. Conhecendo um pouco sua biografia, percebe-se que as escolhas de André, principalmente de afastar-se da vida familiar agrícola em
que crescera, também foram as escolhas de Nassar, que passou a morar no ambiente urbano especialmente depois de ingressar na Faculdade de Direito — a qual, mais tarde, vai abandonar no último ano
para cursar Letras, e dedicar-se à literatura, sua grande vocação26.
O ambiente de religiosidade piedosa vivido na família de André corresponde diretamente à
base familiar de Nassar, que, quando menino, frequentava o ofício da missa todos os dias, orava fervorosamente, assimilava o cristianismo muito mais fortemente que seus irmãos e seus pais. Tal qual
André, que desenvolvera uma religiosidade emotiva, Nassar abandona suas crenças sem conseguir
negá-las totalmente, ou apagá-las da alma, tornando-se assim uma pessoa imersa em dúvidas pessoais
(ou melhor, existenciais), representadas nitidamente no personagem central da Lavoura Arcaica27.
O imaginário de Nassar, pois, é este ambiente agrícola, fechado, onde os filhos trabalham
Eis a análise de MARIA JOSÉ CARDOSO LEMOS: “Como se nota, estrutura do romance é espiralada, entre a partida e a chegada, retomando
o autor um tempo mítico e circular de um eterno retorno, mas na diferença. Aliás, os textos de Nassar se assemelham nesse tipo de estrutura
espiralada, ao se encaminharem para situações-limite, com uma ruptura no final que conduz a narrativa de volta para uma situação semelhante à inicial, criando-se um outro elo ao movimento em espiral”. LEMOS, Maria José Cardoso. Raduan Nassar: apresentação de um escritor entre
tradição e (pós) modernidade. Estudos sociedade e Agricultura. N.20, abril 2003 (p.81-112), p.04, presente no endereço eletrônico http://
bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/vinte/lemos20.htm.
24
Segundo MARIA APARECIDA ANTUNES DE MACEDO, em estudo acerca da forma narrativa usada por Nassar em Lavoura Arcaica: “O ‘tom recitativo trágico’ e o ‘registro lírico’ estendem o texto para mais além de uma narrativa, alcançando o duplo estatuto de ‘poemas em prosa’.
No entanto, salientamos que o acento deste artigo não recairá no estudo desse hibridismo de gêneros, mas sim na observação da coexistência
e alternância desses dois registros de linguagem, a partir da qual pretendemos atingir uma interpretação da estrutura de Lavoura arcaica.
Para iniciarmos a discussão, sublinhamos que a narrativa de Nassar põe em andamento a dicotomia diálogo-silêncio. A tensão entre estes está
efetivada através da oscilação com a qual eles movimentam-se na narração. Ao longo do romance é aventada a possibilidade do diálogo, que
não se efetivará, encontrando sua existência apenas na memória do narrador. À hipótese de um diálogo segue-se sua negação, isto é, a ela
vem imediatamente acompanhada a negativa de sua efetivação. [...] A concatenação dos capítulos nos é oferecida se atentarmos à resposta
do narrador, proposta em um contracanto (o ‘tom lírico’) ao tom prescritivo, universalista e trágico dos demais discursos. Em resposta a
esses discursos totalitários e universais, enrijecidos (lembremos que o narrador nomeia a palavra do pai por meio da metáfora ‘pedra’) é
construída uma palavra que se quer liberta do seu aspecto universalista e instrumental. Para tanto, o seu estatuto singular e marginal prossegue inalterado até o final de sua narração, declinando o narrador de sobrepor um discurso totalitário por outro de igual natureza. Origina-se,
dessa maneira, a construção de dois registros de linguagem: o trágico e recitativo – discurso universal, do poder, entrevisto naquele do pai
e sua reprodução no do irmão - e outro, o lírico e/ou embriagado-colérico (singular, acontecido à margem da palavra totalitária, do poder),
construído como resposta à palavra universal”. MACEDO, Maria Aparecida. A Construção Crítica em Lavoura Arcaica. Revista Línguas e Letras.
São Paulo, vol.08, n.15, 2007, p.181 e 183.
25
“Como vimos, o mundo biográfico ressona na obra nassariana e sua escrita trabalha sempre com a experiência pessoal; entretanto, sua escritura, pelo seu labor estético, ultrapassa o autobiográfico”. LEMOS, Maria José Cardoso. Raduan Nassar: apresentação de um escritor entre
tradição e (pós) modernidade. Estudos sociedade e Agricultura. N.20, abril 2003 (p.81-112), p.07, presente no endereço eletrônico http://
bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/vinte/lemos20.htm.
26
NASSAR, Raduan. Biografia. Presente no endereço eletrônico http://www.releituras.com/rnassar_bio.asp.
27
NASSAR, Raduan. Biografia. Presente no endereço eletrônico http://www.releituras.com/rnassar_bio.asp.
23
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com os pais e seu cotidiano (sua vida inteira, laboral e pessoal) resume-se àquela pequena propriedade
rural. A ideia de todos ficarem unidos, para sempre, é constante, sendo impensável a possibilidade
de um dos filhos tomar seu caminho — atitude de André (um tanto exagerada, e com motivos igualmente confusos) — fato que levaria a uma tristeza profunda na família e uma desunião tal a ponto de
instaurar-se um verdadeiro ambiente fúnebre no lar.
Como dito, Nassar trabalha com percepções, cheiros, experiências, imaginações, fantasias,
dados, enfim, que constituem a ficção da narrativa, e que fazem parte da linguagem poética do romance28. No entanto, apesar de tantos elementos trabalhados, todo o romance tem, como foco central, a
família, e tem por fim expor que tipo de família formou André, e da qual André evade, como um militar
abandona o seu regimento.
Importante dizer, a família de André não é perfeita, mas também não é terrível ou odiosa; o próprio personagem descreve o ambiente acolhedor da casa, a mesa preparada, o jantar sendo servido, as irmãs
que o preparam para o banho, o irmão mais velho que faz de tudo para trazê-lo de volta e assim assumir o
legado do pai (e que fardo para Pedro! Também ele buscava um pouco o seu próprio caminho), e, mais do
que tudo, a figura da mãe, que congrega, que acaricia, que dá amor, que compreende, que tudo espera29.
A questão central, pois, é que a família retratada por André não é uma alcateia, ou um conjunto de pessoas reunidas num mesmo ambiente. É uma família humana. E como toda família humana,
partícipe da história, tem seu auge e seu declínio; sua união e desunião (o amor une e desune, como diz
André); seus ofícios e seus ócios; suas qualidades e mazelas; suas comunhões e seus segredos. A família,
pois, é um espelho da comunhão entre as pessoas humanas que a compõem: imperfeitas por natureza.
A família de André é permeada de extremos. O extremo do trabalho; o extremo do carinho;
o extremo da perfeição; o extremo da união; o extremo da religiosidade piedosa (toda a narrativa
evoca o ambiente religioso da família: “minha taça transborda”; o filho pródigo; o vinho associado ao
sangue; o pão de cada dia; o rosário; a capela); o extremo do segredo; o extremo do ódio (a ponto do
pai de família golpear a própria filha na frente de toda a comunidade, reunida em festa); o extremo
da sensualidade (os devaneios de André); o extremo da culpa (a mãe que envelhece e fica depressiva
por sentir-se culpada pela fuga do filho); o extremo do zelo (Pedro que não tem vida própria, pois
carrega sobre si a simbologia do irmão mais velho); o extremo da paixão (Ana que quer libertar seus
sentimentos de menina-mulher); o extremo da solidão (André que decide fugir para trancar-se sozinho
num quarto de pensão para ali viver sua amargura)30.
Contudo, parece que quando reunida à mesa, quando em festa, ao dormir, nos momentos,
pois, em que todos encontram-se olhando um para o outro, a família se une novamente; se congrega;
se refaz. É esta vivência que faz com que o pai e o irmão mais velho procurem, achem e busquem
aquele que fugiu; e faz com que aquele que fugiu retorne para casa. Talvez se não houvesse essa experiência, e a família vivesse completamente dos extremos — como da desunião — André teria ficado
eternamente no quarto de pensão, e a família seguindo adiante no seu dia a dia, fingindo que nada
tivesse acontecido, deixando, pois, o irmão desgarrado à própria sorte. A indiferença – apesar dos pesares — não existe na família de André e o amor, pelo menos, ainda remanesce.
O grito de André, por uma maior liberdade e individualidade, ainda ecoa pela sua família,
mesmo depois da sua volta. André busca a sua plenitude como pessoa, como indivíduo, descobrir-se
como tal, situar-se na família como um membro que a constitui, e não como um elemento cuja função
é apenas para ajudar no seu sustento e para obedecer aos pais.
“Queria o meu lugar na mesa da família”31, exclama André a seu pai, expressão que resume o
sentimento do filho para com sua família: quer viver nela, quer crescer com ela, mas quer fazer parte verdadeiramente dela — ser ouvido e participar de suas decisões fundamentais, passando de elemento passivo para ativo. Em outras palavras: quer ser o André indivíduo e, ao mesmo tempo, o André filho e irmão.
Por outro lado, o romance retrata, na relação pai-filho, uma típica situação que na psicologia
moderna é tratada como um “padrão histórico-cultural de sobrevivência”, que remonta desde o imaginário da mitologia grega, em que deuses como Urano, Cronos e Zeus procuram eliminar, de alguma
forma, seus filhos para evitar que a própria prole pudesse vir a destruir com o próprio gerador32. É,
MACEDO, Maria Aparecida. A Construção Crítica em Lavoura Arcaica. Revista Línguas e Letras. São Paulo, vol.08, n.15, 2007, p.190.
A própria disposição dos membros da família à mesa traz uma simbologia: “Essa distribuição dos lugares à mesa retratava, no dizer do
narrador, ‘caprichos do tempo’ e definia a organização da casa, dividida em duas linhas: a da direita e a da esquerda. A divisão DIREITA/
ESQUERDA guarda em si um simbolismo que vem marcando, há muito, a civilização ocidental, sendo a DIREITA o lado masculino e a ESQUERDA
o lado feminino”. SILVA, Regina Céli Alves da. A Tra(d)ição dos nomes na Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. Revista de Filosofia e Lingüística
Portuguesa. Presente no endereço eletrônico http://www.filologia.org.br/revista/artigo/9(25)03.htm., p.01.
30
NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
31
NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.159.
32
NETO, João Baptista de Mello e Souza. Conflito de gerações entre colegas, ou conflito entre egos? Aspectos psicológicos da prática jurídica.
Org. David Zimerman e Antônio Carlos Mathias Coltro. Campinas: Milenium Editora, 2002, p.131.
28
29
46
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pois, o conflito entre o novo e o antigo, entre a experiência e a nova experiência, entre o arcaico e o
moderno — entre a família rural e a família urbana (ou que sofre as influências do urbano).
A história da família brasileira sempre enfrentou o dilema do rural e do urbano. Nos estudos
de GILBERTO FREYRE é fácil perceber que o advento da manufatura industrial e a construção das cidades, criando a atmosfera urbana da rua, onde todos pisam no mesmo chão (e, portanto, são iguais),
mudou radicalmente a própria estrutura da então família patriarcal brasileira, centrada no Sobrado e
na produção agrícola (em outras palavras, no puro domínio da terra)33. A intimidade da família, então
reservada à casa (ao Sobrado), passou a ser vista na rua, com capítulos da história do Brasil repletos de
escândalos e infidelidades, tornando visível as mazelas das famílias aristocráticas de então.
A própria família real portuguesa, já instalada no território brasileiro, envolvida em situações
constrangedoras — principalmente com relação às “peripécias” de Dom Pedro I — manteve o imaginário patriarcal, apesar de sucessivas crises familiares. Conta-se que a Imperatriz Leopoldina sofria interiormente ao deparar-se, face a face, com a amante “oficial” de Dom Pedro I, Dona Domitila de Castro, a qual era apresentada pelo próprio Imperador à toda a Corte e à sua própria esposa; contudo, a
Imperatriz, pela sua formação austríaca, mantinha sua postura e, por isso, sempre foi bem quista pela
sociedade brasileira — era o que ela podia fazer para manter sua dignidade num casamento infeliz34.
O jogo, portanto, das aparências sempre permeou esse tipo de estrutura familiar patriarcal,
que culturalmente formou-se no Brasil35. A eterna luta do que a família deve aparentar (ou como deve
apresentar-se perante a sociedade) e o que verdadeiramente é, é a luta vista em Lavoura Arcaica: como
a família de André aparenta ser, e o que ela verdadeiramente é — eis o fundo do dilema do personagem
principal em seus monólogos no quarto de pensão. André não sabe nem quem é, nem o que é sua família.
Na verdade, André busca transformar sua família “determinista”, em que cada membro ocupa
um lugar específico e desempenhe um papel previamente estipulado pelo cabeça, ou seja, pelo pai36,
em uma entidade que busca a comunhão plena de vida, respeitando a individualidade e ao mesmo tempo a comunidade. Esse paradigma familiar ocorre na passagem para a modernidade, na qual a família
passou a ser vista como ambiente de formação da personalidade, e de respeito da individualidade.
Nesse sentido, a realização individual de cada membro não acarreta, necessariamente, a
desunião, pelo contrário, leva à conjugação de esforços em torno do auxílio mútuo. Da antiga família
centrada na “publicidade”, passa-se para a família da “intimidade”. Da família numerosa, para a família restrita37. A família instituição, pois, passa a ter como centro a comunhão plena da vida e o respeito
à subjetividade, quer dizer, crescimento da família e de seus membros, tomados individualmente, pela
cooperação e amor mútuos.
b)
A comunhão plena de vida: harmonia entre o indivíduo e a comunidade familiar
A família é uma instituição natural, portanto, pré-jurídica, que independe de conceituação
normativa pelo direito, posto que continuará existindo, mesmo sem tutela estatal38. É fenômeno social, estimulado pela simples aptidão humana em socializar-se, em unir-se por laços afetivos e sentimentais para formação de uma comunidade plena — fundada no amor mútuo.
A comunhão plena de vida, prevista no art.1.511 do Código Civil, é o próprio fundamento de
todo o direito de família regulado neste diploma legal. A própria palavra ‘comunhão’ (que deriva de
communio39, quer dizer, identificação plena, quase transcendental, entre membros de uma associação
humana, com um elemento em comum: o amor) denota um conteúdo ético, que, apesar de definir
a família, a remete para uma análise concretiva na realidade. Isso quer dizer que a família tem por
conteúdo ético a comunhão plena de vida, e, por conseguinte, os desdobramentos desse conteúdo se
darão na realidade, nas formas como se apresentam em cada situação fática.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano. Vol. I. São Paulo: Editora José
Olympio, 1951, p.97/99.
MURILO DE CARVALHO, José. Perfis Brasileiros. Dom Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.14/15.
35
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano. Vol. I. São Paulo: Editora José
Olympio, 1951, p.98.
36
Sobre a noção de família “determinista”, LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.16.
37
SILVA, Eduardo. A dignidade da pessoa humana e a comunhão plena de vida. A Reconstrução do Direito Privado. Org.: Judith Martins-Costa.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.453.
38 SILVA, Eduardo. A dignidade da pessoa humana e a comunhão plena de vida. A Reconstrução do Direito Privado. Org.: Judith Martins-Costa.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.450.
39
Interessante que a concepção romana de communio é relativa à co-propriedade (ou co-titularidade do domínio), que se caracterizava pela
cooperação e repartição dos bens comuns (internamente) bem como pela defesa e disposição de cada co-titular dos bens comuns (externamente). A communio ocorria na família pois para os romanos a estrutura familiar era composta pelas pessoas e pelos bens. Mais tarde, com
a influência do cristianismo, a communio passa a ser identificada com a comunidade fundada na caritas (no amor), na imagem das comunidades em que viviam os primeiros cristãos nos territórios então dominados pelo direito romano - GIUFFRÉ, Vincenzo. Il Diritto dei Privati
Nell’Esperienza Romana. 2 ed. Nápoles: Casa Editrice Jovene, 1998, p.473/475.
33
34
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47
Nesse sentido, o conteúdo da comunhão plena de vida, além de definir a família, também
atua como filtro para identificar em diversas situações a existência, ou não, de comunidade familiar.
Não é possível, para o Direito, tomar uma postura meramente empirista, com o fim de reconhecer
qualquer grupo social como família — senão, inevitavelmente, chegar-se-á a um esvaziamento daquele
conteúdo ético normativo, e formar-se-á um “círculo vicioso” em que a família começa sendo qualquer
coisa, e termina não sendo nada. Em outras palavras: é preciso harmonizar o conteúdo ético do conceito normativo de família com a realidade social presente, sem minar a natureza de cada fenômeno.
Essa falta de harmonia tem sido vista em algumas decisões judiciais que têm delimitado
linhas jurisprudenciais no Judiciário Brasileiro. A comunhão plena de vida simplesmente é reduzida a
mero enunciativo valorativo, sendo substituída por outros valores — que não estão presentes na norma
jurídica, saliente-se — criados jurisprudencialmente, para definir “família” em cada situação fática
então analisada no caso processual.
Conceitos abstratos como “afeto”, “cuidado”, “afeição”, “proteção”, são usados como
verdadeiras normas meta-jurídicas para identificar, no velho raciocínio da subsunção, que grupos
sociais são entes familiares, e quais não o são40. Chega-se a absurdos como não reconhecer filiação
biológica quando a pessoa tem quarenta anos (portanto, idade avançada) em lugar de uma filiação
“socioafetiva” pretensamente existente; ou não permitir a mudança de regime de casamento querido
pelos cônjuges, mas reconhecer como casamento uma união fática entre duas pessoas do mesmo sexo41.
Em nenhum dos casos analisou-se a existência de família como comunhão plena de seus membros, mas
simplesmente a aplicação direta de conceitos (que nem princípios jurídicos são) que, em si mesmos,
podem significar várias relações humanas — causando, como é fácil concluir, na total relativização da
família, como instituição.
O Código Civil, como sabido, alinhou-se aos preceitos jurídicos máximos da Constituição
de 1988, tecnicamente e materialmente. No primeiro caso (o critério formal), o Código não poderia
preceituar normativamente quaisquer grupos sociais como família, pois incorreria em direta inconstitucionalidade, tendo em conta o art.226 da Constituição que funda a família na união entre homem
e mulher e dispõe como parâmetro ideal desta comunhão o instituto do casamento42. Isso quer dizer
que a Constituição define os valores fundantes da família, bem como seu tipo ideal, mas deixa ao Código — o direito ordinário — a função de concreção, ou seja, a finalidade de normatizar essa família e
protegê-la como núcleo fundamental da sociedade e do Estado.
No segundo caso (o critério material), o Código Civil acompanhou a própria evolução social
da família, resguardando às “novas formas” de família a tutela jurídica do Estado — antes ausente no
Código Civil de 1916, e minimamente regulada por legislação posterior. Contudo, ainda pode-se questionar se a finalidade do Código era instituir novas famílias ou prever apenas a tutela do direito para
associações familiares que antes não tinham proteção jurídica estatal (e que, portanto, não seriam
famílias, proprio iure).
O essencial é que o Código Civil veio atualizar o direito para realidades até então não aventadas por ele, e para outras realidades que podem advir, criando um liame inseparável entre a norma
jurídica e o fato social, entre a experiência jurídica e a cultura. O uso das cláusulas gerais, pois, tem
essa função, de reforçar essa relação entre o direito e a realidade, e não para ser usada aleatoriamente, num empirismo ao extremo, esvaziando seu conteúdo e tornando suas palavras sem nenhum (ou
qualquer) significado.
Dessa forma, os preceitos normativos do direito de família do Código (e da legislação que o
acompanha) visam à proteção da intimidade familiar e de sua estrutura, bem como ao pleno desenvolvimento do indivíduo, como pessoa centrada em sua dignidade, propiciando a realização de uma plena
harmonia entre a comunidade e a subjetividade — entre o indivíduo como membro da família e como
pessoa, em si mesmo considerado.
A afetividade, consoante RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, é princípio jurídico fundante de toda a família, para o direito – PEREIRA, Rodrigo da
Cunha. Princípios Fundamentais e Norteadores para a organização jurídica da família. Tese de Doutorado defendida na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2004, p.129/130, presente em http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2272/1/Tese_Dr.%20Rodrigo%20
da%20Cunha.pdf.
41
Ambos casos concretos vistos e vividos pela autora desse artigo na prática advocatícia, que, por uma questão de sigilo profissional, opta por
não fazer a referência às partes envolvidas ou ao número de processo judicial.
42
Por todos, a lição de MIGUEL REALE: “Dentre os artigos da Constituição de 1988 merece especial destaque o de nº 226, que dispõe sobre a
criação e as funções das entidades familiares. Em primeiro lugar, é aumentado o número delas que passam a ser três: a formada pelo casamento; a realizada pela união estável entre um homem e uma mulher; e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Equivocam-se aqueles que afirmam não haver hierarquia entre essas entidades familiares, pois é irrecusável o primado conferido à sociedade
conjugal, estabelecendo o casamento “comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Para demonstrar
a posição preeminente da sociedade conjugal, bastará observar que, segundo o § 3º do citado art. 226, deve a lei facilitar a conversão da
união estável em casamento. Ora, não teria sentido essa conversão para um ideal a ser atingido, se o vínculo conjugal não figurasse como
o da entidade familiar por excelência”. REALE, Miguel. Cônjuges e Companheiros. Presente em http://www.miguelreale.com.br/artigos/
conjcomp.htm.
40
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Essa diretiva tem por objetivo respeitar o que é próprio do humano: sua individualidade e
sociabilidade. O ser humano é um ser individual e social; e nenhuma das suas dimensões deve ser
prejudicada, seja pelo Estado, seja pela própria família. A comunhão plena de vida, como centro da
vivência em família, certamente acarretará um meio social de amor, afeto, compreensão, respeito,
cooperação mútua e solidariedade. Tais valores, portanto, são decorrência do núcleo central — da
communio — e não subsistem por si mesmos.
A família retratada em Lavoura Arcaica contribui para a exata delimitação do que seja a communio que realiza a família e a própria pessoa que dela faz parte. É perceptível em André a luta pela
preservação de sua individualidade e intimidade. O que parece é que tudo na família do personagem
deve ser partilhado entre todos, seja o trabalho na roça, seja as alegrias e tristezas, não tendo espaço
para o espaço de cada um. Isso fez com que não houvesse diálogo entre pai e filho, entre irmão e irmã,
entre mãe e filho — mas tão somente relações de cooperação para manutenção da “ordem” (ditada
pelo pai), da segurança e da harmonia (que, para a família de André, era estar todos juntos à mesa,
ou unidos na casa, e não propriamente de auxílio mútuo no crescimento de cada um como pessoa).
A volta de André para a casa retrata a esperança do personagem em tentar mudar o status
familiar então instaurado pelo pai, típico chefe de família das comunidades rurais da época, cujo legado estava sendo deixado ao irmão mais velho, Pedro, então próximo sucessor do patrimônio parental.
As irmãs de André nada mais eram que apêndices na família, assim como a mãe que, apesar de estar
sempre em silêncio, era a imagem (para os filhos, principalmente) da pureza e do amor que ainda
remanesciam na casa. Cada qual com seus segredos, suas insanidades (com a irmã de André, na cena
final da trama), manifestando uma total renúncia a tudo o que é íntimo, a qualquer projeto pessoal, a
toda realização individual, seja profissional, social ou amorosa.
A família de André, pois, é a típica família transpessoal, patriarcal, distinta de seus membros
e cujo bem-estar determinava os rumos da vida de cada membro que a compõe43. E a revolta de André
é para transformá-la numa família centrada no amor e comunhão de todos os seus membros tomados
em sua individualidade, como pessoas, únicas, irrepetíveis, que têm seu lugar à mesa e o direito de
preservar sua intimidade e seus projetos fundamentalmente pessoais — que muitas vezes não dizem
respeito algum à família. A busca, pois, é pela realização plena da dignidade da pessoa e da dignidade
da instituição família.
Por se tratar dos laços humanos mais profundos, é o direito de família o ramo do direito
privado que mais carrega em si a carga de emocionalidade44. In casu, o amor, retratado nas artes e na
literatura como o sentimento norteante da obra do artista, é o elemento fundante da comunhão plena
de vida, do qual deriva todos os princípios basilares de qualquer ordenamento jurídico: solidariedade,
filantropia, auxílio, cooperação, uns para com os outros.
Essa comunhão plena de vida visa, sobretudo, à formação da personalidade de cada membro
da família45 e, por conseguinte, da realização de todos como pessoa humana, em sua dignidade, na
comunidade familiar. A relação familiar, assim, é o lugar da realização da pessoa humana em sua totalidade, merecendo proteção e tutela integral do Estado, inclusive no sentido negativo — o sentido da
não interferência no íntimo da família.
2.
A família como “soma de indivíduos”: uma concepção “molecular”
Como sabido, pela física moderna, a molécula é um conjunto de átomos ligados mecanicamente, sendo porção fundamental de todo composto, formadora, pois, da substância de cada corpo.
Essa união é somática, quer dizer, quanto maior o número de átomos unidos, diferente será a molécula
e, portanto, a substância que materialmente forma.
Será a família uma estrutura mecânica? Uma mera soma de indivíduos como átomos ligados
entre si, com o único propósito de “formar uma substância”? Certamente que não. A família é uma
composição humana (nota do termo família para animais, que é eminentemente por razão didática
científica), e, por isso, une em si diferentes elementos que compõem o que é próprio do ser humano:
amor, ódio, raiva, alegria, dor, emoção, tristeza, euforia, razão, sensibilidade. Tais elementos não
podem ser somados simplesmente como íons, prótons e elétrons.
Outrossim, por ser fundamentalmente humana, a família não se estrutura de forma mecâniSILVA, Eduardo. A dignidade da pessoa humana e a comunhão plena de vida. A Reconstrução do Direito Privado. Org.: Judith Martins-Costa.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.451.
44
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Emocionalidade em Áreas Jurídicas Específicas. Aspectos psicológicos da prática jurídica. Org. David
Zimerman e Antônio Carlos Mathias Coltro. Campinas: Milenium Editora, 2002, p.245.
45
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Emocionalidade em Áreas Jurídicas Específicas. Aspectos psicológicos da prática jurídica. Org. David
Zimerman e Antônio Carlos Mathias Coltro. Campinas: Milenium Editora, 2002, p.255.
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ca, apenas para concretizar algum fim. O próprio processo de encontros, namoro, noivado, que precedem principalmente o casamento (ainda hoje a instituição jurídica escolhida socialmente, por excelência, para constituição da família), envolve uma série de qualidades sensoriais (como a empatia, por
exemplo, atributo da sensibilidade) que qualificam a estrutura como metafísica (aqui, tomando num
sentido puro aristotélico de ser “além da física”), posto que não se trata da união de substâncias, mas
de pessoas, únicas, diferentes entre si.
Algo que parece tão óbvio, e objetivo, pode estar, hoje, não sendo tão visível assim, pelo
menos na prática jurídica. Não raro o Judiciário brasileiro, ao defrontar-se com conflitos familiares
que envolvem eminentemente o direito pessoal de família, tendem a tratar a questão como se o fosse
de direito patrimonial, aproximando a realidade familiar de uma mera soma de pessoas que estão
unidas, precipuamente, para fins de subsistência e conforto mútuo46. O ramo do direito civil fulcrado
na emocionalidade passa a ser obrigado, nessa orientação, a corresponder-se a um valor pecuniário ou
uma prestação típica de relação obrigacional.
Alguns dados concretos ilustram essa orientação. A total ausência do conteúdo da comunhão plena de vida na prática jurídica é perceptível mediante uma simples pesquisa por palavras no
repertório de jurisprudência dos tribunais brasileiros. No caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, ao colocar o verbete “comunhão plena de vida”, apenas 07 acórdãos foram apontados como
resultado47, quer dizer, tão somente esses ventilaram, ao analisar o conceito de família, a existência
da communio entre os membros familiares.
Ao contrário, digitando o verbete “família e afeto”, o resultado foi um total de 69 acórdãos
cuja ementa referia a definição da família como união fundada no afeto – sem nenhuma remissão à
comunhão de vida. Teria caído a cláusula geral fundadora do direito de família no Código Civil no
esquecimento? Talvez seja melhor pensar que o princípio da comunhão de vida seja tão imanente à
concepção familiar que os juízes não precisam ser tão explícitos em suas decisões, nem os advogados
precisam referi-la em suas petições, para não concluir precipitadamente que teria a família chegado
à sua concepção somática de pessoas unidas pelo afeto.
Ora, se o critério da soma prevalece sobre o da communio, então, a família se torna mais
um dos vários agrupamentos humanos, que todos os dias são constituídos na realidade social. A família
instituição não tem mais razão de ser: para ser família, basta ter pessoas reunidas sob um mesmo
teto, com um mínimo de afeto e cooperação, com vistas a perseguirem uma finalidade comum, que é
a mera subsistência. Cada indivíduo, que deveria realizar-se como pessoa e, ao mesmo tempo, realizar
a própria família como tal (princípio da solidariedade), nessa concepção “somática” familiar, busca
apenas sua realização pessoal, servindo a família como um mero instrumento para satisfação de seus
direitos subjetivos.
Não se trata, pois, de plenitude da personalidade da pessoa em família, mas sim plenitude
do direito próprio (subjetivo) de cada pessoa em relação à própria família, requerendo, se for preciso,
litigar contra ela mesma para ver realizado sua “pretensão” jurídica. Dita prática, respaldada por algumas decisões judiciais, e por parte da doutrina, vem por esvaziar ainda mais o conteúdo da família
como comunhão plena de vida, tornando completamente inoperantes as normas jurídicas previstas no
Código Civil e na Constituição brasileira.
a)
A família como mera reunião de indivíduos: antítese da ideia de comunidade
A família é fenômeno resultante da experiência humana. No sentido antropológico, a pessoa
humana é aberta ao outro, busca o outro, e no outro também procura ela mesma. A pessoa humana é
essencialmente dialogante; não há eu sem o tu, e que o tu é um rosto48. O outro é sempre um rosto que
se mostra para o eu conhecê-lo. Nesta relação entre pessoas, alguns elementos se destacam, para a
Sobre o assunto, a lição de CLÓVIS DO COUTO E SILVA: “Tudo está na necessidade de manter uma linguagem uniforme dentro de todo o
direito, supondo-se que nem sempre existirá uma igualdade de matéria encoberta por uma mesma denominação. Nesse ponto é que afloram
as divergências. No direito pessoal de família, as exigências éticas e o ‘quantum’ de pessoalidade da relação, em muitos casos, tornam quase
impróprio aludir-se ao conceito de direito subjetivo, na sua acepção corrente e mais adequada às relações designadamente patrimoniais.
[...] A distinção entre o direito pessoal e o patrimonial de família provém do fato de o ordenamento jurídico não poder deixar de valorizar
as relações dos partícipes da família, levando em conta seus atributos de pessoalidade e patrimonialidade já existentes na dimensão social.
Ao transpor para o ordenamento esses dados objetivos, distinguiu-se o direito pessoal do direito patrimonial, os dois conjuntos de relações
básicas que formam o Direito de Família e que, apesar da sua diversidade, ou talvez por isso mesmo, se implicam dialeticamente. [...] Em
suma, a distinção direito pessoal e patrimonial de família revela a existência de dois sistemas de relações jurídicas no Direito de Família,
permitindo, por força dessa diversidade material, a adoção de normas e de tutela jurídica inconfundíveis para ambos os tipos”. COUTO E
SILVA, Clóvis Veríssimo. Direito Patrimonial de Família no projeto do Código Civil Brasileiro e no Direito Português. Revista Direito e Justiça.
Lisboa: Gráfica de Coimbra, vol.I, 1980, p.131 e 132.
47
A pesquisa foi feita no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no endereço eletrônico www.tj.rs.gov.br.
48
STORK, Ricardo Yepes, ECHEVARRÍA, Javier Aranguren. Fundamentos de Antropologia. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência
Raimundo Lúlio, 2005, p.307.
46
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continuidade desta mesma relação: o comum, o amor e a amizade. Pode-se dizer que estas qualidades,
tomadas em conjunto, são o substrato da família.
Na história humana a família sempre é identificada e apontada como o fundamento das relações sociais. O tipo de família (ou de famílias) definirá o tipo de sociedade vivida e, numa visão macro, o
tipo de estado vivido49. Desta forma, a realidade familiar sofrerá os impactos da mudança social, alheia
a ela, mas também da sua própria modificação interna, que trará efeitos para a sociedade. É, pois, um
círculo vicioso, dentro do qual a família ainda conservará um núcleo básico: a estrutura pais-filhos.
Essa estrutura básica, como já foi dito, acompanha o tempo e as mudanças sociais. A família
romana não é a mesma que a família burguesa do século XIX, nem a mesma família dos anos 60/70
ou do século XXI. A história é o instrumento do devir social humano, da produção da cultura, da constituição do direito e das instituições políticas. Contudo, não se pode afirmar que tudo são variáveis,
e que constantes não existem: núcleos básicos sociais ainda permanecem no tempo e, nesse caso, o
fenômeno família parece ser um deles.
Por isso, a formação e fundação da família, bem como as etapas de sociabilidade que constituem o processo de estruturação familiar, reúnem uma série de elementos físicos e não-físicos que
na própria relação de comunhão procuram encaixar-se, como peças em um quebra-cabeças, para,
assim, formar uma unidade, uma síntese, uma única imagem em que ainda é possível identificar as
peças individuais que a formam. No fenômeno da formação da família, pode-se dizer que as peças são
os membros que a constituem, que mantém sua forma e sua própria substância, e que, unidas, geram
a imagem proposta no jogo de quebra-cabeças, única, mas que, se bem observada, é a conjugação
perfeita de cada peça relacionada entre si.
Ao contrário, numa concepção somática, meramente orgânica da família, a soma destruiria
a substância própria de cada peça (ou elemento), então absorvida pelo todo, que prevalece sobre
todas as partes conjugadas, não sendo possível nem sua identificação, no particular. No mundo físico,
isso é plenamente possível de ocorrer (uma substância química nova, uma equação matemática); nas
relações humanas, não, pois o homem não é uma máquina, é um homem50.
Portanto, com o auxílio da sociologia jurídica, torna-se evidente identificar que o fenômeno
família não ocorre mediante um mero somatório de indivíduos unidos por conveniência, in casu, quantidade de famílias estruturadas de uma forma “x” ou “y”, mas sim a repetição ou a continuidade de
um fenômeno, com suas características mantidas, na história e nas sociedades diversas. Se a família
for apenas um somatório, então, sua variabilidade ocorrerá conforme a mudança de seus fatores, e
isso não é o que de fato ocorre na realidade social. A família tende a ser uma unidade, estruturada sob
bases concretas, que permanecem no decorrer da história humana: sempre haverá pais, mães e filhos.
Na visão literária de Nassar, podemos encontrar a mesma percepção. O autor não busca, na
obra, rediscutir a estrutura da família, em si; mas, sim, a mentalidade da família, fulcrada em uma religiosidade piedosa extrema, em escrúpulos, em culpas, em negações da individualidade e em segredos
guardados. Essa mesma mentalidade tira a individualidade de Pedro; tira o lugar de André da mesa;
tira a liberdade das meninas; tira a competência para opinar e decidir da mãe; tira o equilíbrio do pai,
que, para manter essa sacralidade, tira, por fim, a vida da própria filha. O verbo, aqui, é “tirar”; e
Nassar propõe o “repor”.
O ponto nevrálgico que se coloca, a partir da análise da família de Lavoura Arcaica, é se o
direito deve buscar adaptar-se a toda e qualquer mudança social ou se sua função é acompanhar o
devir social mas, ao mesmo tempo (e apesar disso), preservar valores fundamentais próprios da pessoa
humana e das instituições básicas em que ela se forma.
Aceitando a primeira alternativa — que o direito deve acompanhar toda e qualquer mudança
social — inevitavelmente terá o primeiro que se submeter ao segundo, e, assim, as normas jurídicas terão
conteúdo totalmente variável, posto que deverão sempre mudar em conformidade com a cultura social.
Isso quer dizer que, se observado na realidade social uma prática cultural direcionada à formação familiar meramente somática, em que seus membros são apenas pessoas reunidas sob o mesmo teto (e tão
somente isto), deve o direito tutelar essa realidade, ou protegê-la, ou quiçá respaldá-la juridicamente,
derrogando todo e qualquer princípio ou conteúdo valorativo então existente — nesse caso hipotético,
seria derrogada a cláusula de comunhão plena de vida e o caráter institucional da família.
Ora, sabe-se que a primeira alternativa traz como consequência a total submissão do direito
49
50
SIMMEL, Georg. Cuestiones Fundamentales de Sociología. Barcelona: Gedisa, 2002, p.30/31.
“You are not machine, men you are!” exclama Charles Chaplin no papel do “falso Hinkel” no discurso final de O Grande Ditador – O Filme.
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ao devir social51. Acarretará, outrossim, o fim da própria historicidade do direito, formada tanto pela
tradição como pela inovação, pelo antigo e pelo novo, pelo pensar para o futuro e olhar para o passado. E, o que é mais grave, trará nova desvalorização do direito, na medida em que seus valores não
terão parâmetros seguros, posto que mutáveis em conformidade com qualquer mudança social.
A segunda alternativa — que o direito acompanha o devir social, mantendo valores fundamentais da pessoa humana — parece ser a proposta de André, que, no diálogo com seu pai, à mesa, em
frente à família reunida, diz:
Forte ou fraco, isso depende: a realidade não é a mesma para todos, o senhor não ignora, pai, que
sempre gora o ovo que não é galado; o tempo é farto e gêneros, mas não devolve a vida aos que não
nasceram; aos derrotados de partida, ao fruto peco já na semente, aos arruinados sem terem sido
erguidos, não resta outra alternativa: dar as costas para o mundo, ou alimentar a expectativa da
destruição de tudo; de minha parte, a única coisa que sei é que todo meio é hostil, desde que negue
direito à vida. (p.164/165)
A realidade não é a mesma para todos, nem nas diferentes épocas sociais e históricas. O
tempo passa, e o que existiu, e não existiu, não mais se repetirá. Um pai de família autoritário, que vê
seus filhos e sua esposa como meros apêndices, e que distribui entre eles tarefas que se assemelham
à divisão de trabalho de uma empresa, então considerado um forte, pode ser na verdade um fraco; e
aquele que procura respeitar a liberdade e individualidade dos filhos, cedendo às suas expectativas
para ajudá-los em seu crescimento, então considerado fraco (para uma família social típica patriarcal), é o forte, na medida em que, mesmo perante um domínio cultural familiar social, faz o que é devido e não nega o direito à vida, em sua plenitude: viver em conformidade com seu livre pensamento.
Forte ou fraco, isso depende.
A família não pode ser uma mera reunião de indivíduos, sob mesmo teto, que praticam entre si atos de afeto e cooperação mútuos, sem um conteúdo e uma finalidade comum: a comunhão
plena de vida e a manutenção de uma comunidade (e não sociedade). Para tanto, imprenscindível
reconhecer à família o status de instituição, distinta de seus membros, mas que não se abstrai deles,
pelo contrário, contribui, em conjunto, para o desenvolvimento e crescimento da pessoa cada um. E o
direito precisa ter a coragem (como André) para definir o que é família e o que não é família — o que
é instituição e o que não é.
b)
A família, o indivíduo e o Estado como realidades sociais e normativas
- O pão contudo sempre esteve à mesa, provendo igualmente a necessidade de cada boca, e nunca te
foi proibido sentar-se com a família, ao contrário, era esse o desejo de todos, que você nunca estivesse
ausente na hora de repartir o pão.
- Não falo deste alimento, participar só da divisão deste pão pode ser em certos casos simplesmente
uma crueldade: seu consumo só prestaria para alongar a minha fome; tivesse de sentar-me à mesa só
com esse fim, preferiria antes me servir de um pão acerbo que me abreviasse a vida.52
A família como totalidade e o indivíduo em sua individualidade: eis o eixo central do diálogo
entre André e seu pai, ambos representando mundos diferentes, ora em conflito, ora buscando o consenso. André chega a cansar-se de argumentar, e por um momento parece ceder às posições do pai;
mas o que fora dito na mesa em família nunca será esquecido, e seus efeitos repercutirão principalmente na atitude de Ana (irmã de André), que, no episódio final do livro, seguindo o exemplo do irmão,
dá o seu grito de liberdade para, mais tarde, eternamente ser calada pelo próprio pai.
O repartir o pão é a imagem da comunhão; na visão do pai de André, isso basta para formar-se
a família. Não se trata de autoritarismo, ou de domínio absoluto paternal. O pai de André realmente
acredita na comunhão familiar fundada na divisão do pão ou do trabalho, e, por essa razão, não consegue
enxergar, nos argumentos do filho, que cada um sentado à mesa é uma pessoa, plena de vida, com liberdade e intimidade, que desejam seja respeitado, pelo chefe de família, o seu lugar naquela estrutura.
André não quer apenas participar da divisão do pão. Quer ser respeitado inclusive quando não
A primeira alternativa acarretaria a legitimidade do direito vigente na pequena cidade de Joussip, no Mississipi, retratada em Mississipi em
Chamas – o Filme. As então “leis do Mississipi” permitiam que negros apanhassem em público de brancos, assim como estipulavam que não
podiam usar os mesmos banheiros e demais estabelecimentos “próprios de brancos”. O filme mostra que a lei era assim pois a sociedade era
assim: o consenso social acerca da inferioridade dos negros e da possibilidade de serem humilhados e mutilados em público, era tão grande,
que os agentes do FBI encontram imensas dificuldades de solucionar um crime de assassinato que envolvia, como suspeitos, membros da
cidade pertencentes a Klu Klux Kahn. Se o direito deve sempre submeter-se às transformações sociais, então, as leis do Mississipi estariam
corretas e atuais, posto que concernentes à cultura local.
52
NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.159.
51
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quer dividir o pão, quando quer seguir seu caminho, ter uma experiência de vida diferente, inclusive
ter o direito de errar. André admite que sua fuga foi precipitada e que sofreu ao experimentar a miséria e fome, além da solidão, longe da família. Porém, ao mesmo tempo, viveu práticas de liberdade
e sensibilidade que nunca tinha experimentado no mundo bucólico da pequena propriedade familiar.
Os conflitos da família de André são perceptíveis em qualquer família, dentro de variadas
épocas, pois são fruto dos sentimentos mais íntimos do ser humano, bem como das dificuldades existentes nas interrelações pessoais. De certa forma, tais conflitos familiares se repetem dentro das
relações sociais então tuteladas pelo Estado, saindo da seara íntima da família para o meio público
protegido pelo direito.
O indivíduo, a família e o Estado são a tríade fundamental sobre a qual reside todo o direito.
Reúnem em si os fatores essenciais de faticidade, normatividade e valoração, constituindo realidades
normativas que vão ser, ao fim e ao cabo, o próprio conteúdo de todo o ordenamento jurídico.
O indivíduo, protegido normativamente como pessoa humana, assim considerada em sua dignidade, é o ponto de partida da construção do direito53. O indivíduo já é pessoa, por sua natureza, e o
direito não o constitui como tal; mas garante seu pleno desenvolvimento por meio dos valores fundamentais para a realização da sua personalidade, como a vida, a liberdade e a intimidade.
O Estado, ente constituído pelo próprio direito como pessoa (então “pessoa jurídica”, criada pela norma), participa da vida do indivíduo dando-lhe os meios para sua formação e abstendo-se
de exercer qualquer prática ou influência dentro da esfera própria (subjetiva e individual) do mesmo. Por isso, o fim do Estado necessariamente deve ser a própria pessoa humana, proporcionando
os espaços para sua constituição como indivíduo, para suas ações sociais, para sua capacidade de
integrar-se na sociedade.
A família é a instituição intermediária na relação indivíduo-Estado, mas não menos importante (ao contrário, é a mais importante). Constitui a realidade normativa mais cara ao direito, posto que
sem sua proteção jurídica invariavelmente chegar-se-ia ao caos social, à completa falta de ordem nas
relações humanas, exatamente por ser a instituição que cumpre o papel social de habitat para o crescimento do indivíduo. A formação da personalidade do bebê, da criança, do adolescente, do adulto,
deve ocorrer na família, posto que é o elemento fundamental para que cada membro familiar exerça
o seu próprio papel na sociedade e na cultura onde estão inseridos.
Por ser concebida por uma determinada cultura e época histórica, a família é a realidade
normativa que mais sofre as consequências do tempo, por ser exatamente o meio mais particular de
aproximação entre o indivíduo e o Estado. Os séculos XX e XXI (exatamente os séculos da primeira e da
segunda guerra mundial, e do período de reconstrução dos valores humanos e direitos fundamentais
da pessoa) foram os protagonistas das mudanças mais rápidas e variadas que já se pode observar em
todo a experiência jurídica, em especial, na estrutura familiar tutelada pelo direito.
A família constituída pelo casamento continuou sendo o tipo ideal, ou parâmetro de estruturação familiar, mas passou a ser considerada apenas como uma forma de família, dentre outras então
insurgentes54. O surgimento das várias “formas” de família — união estável, família monoparental, família substituta, família socioafetiva — estabelecidas socialmente para, em momento posterior, serem
reconhecidas e protegidas pelo direito, ocorreu em velocidade quase que incontrolável, fruto de uma
sociedade “com pressa”, coexistente com o fenômeno da tecnologia e da virtualidade cibernética. Isso
trouxe como consequência direta a aplicação do conceito “família” para todas essas comunidades de
pessoas as quais fogem do parâmetro estrutural ditado pelo casamento.
Serão todas essas “formas” de família, família? Ora, “forma”, na linguagem filosófica, é
atributo da substância do ser. Por conseguinte, se a família é uma instituição, fundada na comunhão
plena de vida de seus membros, e, sendo uma realidade normativa, possui um conteúdo, logo, tem
uma substância própria, a qual é acompanhada por uma forma.
Esta “forma” pode sofrer modificações (chamada “acidentes”), que não alteram a substância
do ser, que, em si, continua o mesmo. Isso quer dizer que a família, apesar das modificações sofridas,
não alterou sua substância (sua essência como instituição), não tendo razão, pois, de assumir outras
“formas”, pois, se assim o fizesse, deixaria de ser família — não mais existiria a substância.
Em outras palavras: o que existe, no direito de família pós-moderno, é a família e demais
comunidades afetivas que são equiparadas àquela — e assim o são por uma questão de técnica jurídica, para fins de proteção de direitos daquela estrutura social e dos membros que as constituem. Essa
parece ser a melhor interpretação, no direito brasileiro, da norma prevista no art.226 da Constituição,
Sobre a noção de indivíduo e pessoa, por todos, MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa e a natureza da sua reparação. A Reconstrução
do Direito Privado. Org.: Judith Martins-Costa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.411/413.
REALE, Miguel. As Entidades Familiares. Presente em http://www.miguelreale.com.br/artigos/entfam.htm.
53
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53
seguida pelos dispositivos presentes no Código Civil e demais legislações que o acompanham (como o
Estatuto da Criança e do Adolescente).
Por conseguinte, existe a família (comunhão plena de vida); existem as entidades sociais
equiparadas à família para fins de tutela estatal (união estável, famílias monoparentais, família substituta); e existe o espaço reservado ao juiz para conceder a tutela jurídica em casos concretos envolvendo estruturas “familiares” não previstas na lei (como as famílias socioafetivas). Contudo, tais
estruturas são equiparações (semelhantes) à família próprio iure, que ainda se espelha no tipo ideal
do casamento e da filiação consanguínea, existente desde o Direito Romano.
Dita diferenciação é necessária a fim de preservar o conteúdo normativo da família e evitar
que ela se torne uma “palavra vazia”. O vazio, por si só, está suscetível de ser preenchido por qualquer conteúdo; e, na variabilidade extrema do conteúdo, pode-se chegar a significado algum. No caso
da família, se o direito possibilitar uma variabilidade tal de conteúdo, determinado pelas diversas
transformações sociais — sem nenhum parâmetro ou critério valorativo fundamental — , não existirão
razões justificáveis para condenar o incesto, a pedofilia, ou para reconhecer a invalidade de um testamento no qual todo o patrimônio é deixado para um animalzinho de estimação (um papagaio, talvez).
Acaso a família for considerada qualquer comunidade de união fundada no afeto e na cooperação, assim será a união formada por uma criança de dez anos com um homem de quarenta anos,
estando àquela já dando à luz ao seu segundo filho. Porque não haveria afeto e cooperação nesta
situação hipotética?
Afeto, cooperação, vivência sob um mesmo teto, nesta situação criada, pode existir. Mas
certamente não há comunhão plena de vida. O desequilíbrio imanente na relação entre uma criança,
cuja personalidade está em formação, e um adulto, que já atingiu a maturidade (pelo menos, aparentemente), já denota a inexistência da plenitude da união, ou da comunhão de vida entre os dois.
Certamente um dos membros dessa família sairá prejudicado; provavelmente a criança, que perdeu a
sua liberdade e individualidade, a sua oportunidade de frequentar uma escola, de fazer amizades, de
enamorar-se, enfim, de socializar-se.
O exemplo por não ter correspondência imediata com a realidade atual (não se conheceu,
notoriamente, no direito brasileiro, caso assim), porém, ilustra o problema do conteúdo variável da
realidade normativa da família. Espera-se que a narrativa hipotética descrita não se concretize, e, se
assim ocorrer, que o direito esteja preparado para preservar seus valores e sua essência normativa,
que deve ser independente de qualquer tentativa social de minar com tudo o que é próprio do humano
— fundamentalmente, sua dignidade.
Conclusão
O tempo, o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis, esse rio largo que não cansa de correr, lento e
sinuoso, ele próprio conhecendo seus caminhos, recolhendo e filtrando de vária direção o caldo curvo
dos afluentes e o sangue ruivo de outros canais para com eles construir a razão mística da história, sempre tolerante, pobres e confusos instrumentos, com a vaidade dos que reclamam o mérito de dar-lhe o
curso, não cabendo contudo competir com ele o leito em que há de fluir, cabendo menos ainda a cada
um correr contra a corrente, ai daquele, dizia o pai, que tenta deter com as mãos seu movimento: será
consumido por suas águas; ai daquele, aprendiz de feiticeiro, que abre a camisa para um confronto: há
de sucumbir em suas chamas, que toda mudança, antes de ousar proferir o nome, não pode ser mais
que insinuada; o tempo, o tempo, o tempo e suas mudanças sempre cioso da obra maior, e, atento ao
acabamento, sempre zeloso do concerto menor, presente em cada sítio, em cada palmo, em cada grão,
e presente também, com seus instantes, em cada letra desta minha história passional, transformando a
noite escura do meu retorno numa manhã cheia de luz, armando desde cedo o cenário para celebrar a
minha páscoa, retocando, arteiro e lúdico, a paisagem rústica lá de casa [...] (p.182/183)
A poesia de Nassar — vivida em André — como toda obra de arte é a única criação que consegue vencer o tempo e atingir a tão almejada eternidade — querida por alguns seres humanos, pretendida pelo direito. Tudo está no tempo; e do tempo, não pode escapar. O tempo, por ser invisível,
é a armadilha mais traiçoeira da perenidade, e, por isso, exige uma única constância: a adaptação.
A pessoa humana está no tempo; a família está no tempo; o direito está no tempo. E o que
significa o tempo? Horas, minutos, segundos, séculos? Talvez o tempo seja exatamente o agora, o
presente, e também o antes e o depois; seja o novo, e o velho; seja a mudança, e a constância; o
moderno e a tradição.
O tempo, no entanto, não deve ser o foco principal. O que importa realmente é a experiência: a vivência do tempo, a aprendizagem com o tempo, a construção no tempo. A família é fruto da
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experiência; é resultado de uma série de pequenas microrrelações que num meio social (ou macrossocial) forma seu conteúdo. A família vive do tempo, aprende com o tempo, e constrói no tempo.
A experiência familiar não é única; nem totalmente (ou completamente) situacional. É um
complexo de vivências culturais, sentimentais, íntimas, históricas, valorativas. Não nega o passado,
nem o presente, nem o futuro – pois se assim o fizesse, negaria o tempo. A família apenas está, e é,
com suas adaptações, mudanças e, também, constâncias.
O Direito, que igualmente não está alheio ao tempo, tem por finalidade acompanhar a família
como ela é, seja com sua carga tradicional, seja com faces modernas. Não pode deixar de tutelar a
família concebida pelo casamento, assim como precisa dar uma resposta jurídica às demais estruturas
familiares. Deve acompanhar o devir social, mas resistir, diante da experiência, de toda e qualquer
transformação social que venha contra os valores fundamentais da pessoa humana — muitas vezes,
motivada pela própria pessoa humana, contra ela mesma.
A família vence o tempo em apenas um aspecto: da communio. Da mesma forma, o Direito
ultrapassa o tempo em uma particularidade: a ordem. Nas palavras de André, toda ordem traz uma
semente de desordem (p.158). A família e o Direito são ordenações humanas, portanto, imperfeitas,
sempre sujeitas ao erro, à ordem e à desordem — ao fim e ao cabo, sujeitas ao tempo.
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A importância da gestão
dos polos de apoio presencial
à educação a distância
Eduardo Pertille Costa Leite*
Cláudia Terra Nascimento Paz**
Resumo
O polo de apoio presencial é espaço importante à educação a distância, trazendo
a necessidade de se olhar para seus processos de gestão. Este estudo buscou apresentar como ocorre a gestão desses polos através de cinco áreas preconizadas por
Catapan et al. (2011): gestão estratégica, de projetos, de infraestrutura, de equipe
e de processos. Para tanto, realizou-se pesquisa descritiva, através da aplicação
individual de questionário para dez gestores de polos gaúchos, constituindo uma
amostra de 20% dos polos UAB/CAPES do Estado. Os resultados mostraram que a
gestão de projetos não está implementada em nenhum polo e as gestões estratégica
e de processos encontram-se incipientes. Na gestão de processos, 60% dos polos
ainda não possuem orçamento próprio e a alocação e gerenciamento de recursos são
realizados a partir de decisões tomadas em conjunto com as Secretarias Municipais
de Educação. Nenhum polo faz autoavaliação de processos, deixando esta por conta
do MEC. As gestões de infraestrutura e de equipe foram as de melhor estruturação. A
infraestrutura é o que mais tem preocupado os gestores, tanto em nível de espaço físico, quanto de tecnologia. E na gestão da equipe observou-se que os coordenadores
estão assumindo mais do que deveriam, pois acompanham e supervisionam os tutores
presenciais, incumbência esta dos coordenadores de curso e de tutoria. Conclui-se
que a complexidade requerida à gestão de polos ainda não está totalmente viabilizada, necessitando de novos e mais aprofundados estudos.
Palavras-chave
Educação a distância. Processos de Gestão. Polos de apoio presencial.
Abstract
The personal assistance pole is shown as an important space bringing out a need for
looking inside your management processes. So this study aimed to outline how are
being managed these poles trough the five areas recommended by Catapan et al.
(2011): strategic management, projects, infrastructure, team and processes. It has
been held a descriptive research by way of an individual application of a questionnaire to ten managers of poles of Rio Grande do Sul which resulted in a sample of 20%
of UAB/CAPES poles of the State. The results have shown that project management
was not being implemented in any pole and strategic management and processes ma-
Administrador de Empresas, Mestre em Políticas e Planejamento Universitário. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Administrador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. E-mail: [email protected]. Telefone para contato: 3308-3798
Pedagoga, Mestre em Desenvolvimento Humano. Técnica em Assuntos Educacionais da Universidade Federal da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS. E-mail: [email protected]. Telefone para contato: 3308-3748
*
**
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Ciências Sociais e Aplicadas
nagement are still incipient. In processes management, 60% of the poles do not have
their own budget as allocation of the resources and management is carried out from
decisions taken together with Municipal Secretaries of Education. No self-evaluation
of processes was carried out by the poles but by Ministry of Education and Culture.
The infrastructure and team management were best structured even though problems may exist. The infrastructure is the most concerning item for the managers
whether in the level of physical space or technology level. In the team management
it was noted that the coordinators are more committed than they should as they are
monitoring and supervising the personal tutors, which should be done by course coordinators and tutoring coordinators. The conclusion is that the required complexity
to pole management is not completely provided yet requiring new and depth studies.
Keywords
Distance education. Processes Management. Personal assistance poles.
1.
Introdução
Nos últimos anos, várias mudanças significativas foram promovidas pelo Ministério da Educação, no sentido de colocar em ação políticas públicas voltadas à inclusão social de pessoas que
foram, historicamente, excluídas do sistema educacional. Dentre os diversos programas a serviço da
educação, de acordo com Brito (2008), “o ensino superior público brasileiro foi redimensionado, especialmente, pela confluência de três importantes iniciativas políticas: a democratização, a expansão e
a interiorização da educação superior”.
Nesse contexto, as Instituições de Ensino Superior (IES) vivem num ambiente de mudanças
e transformações que desafiam suas tradicionais estruturas e suas estratégias. E, uma das principais
mudanças remete-se ao crescimento da educação a distância (EAD) nas Universidades, a qual “ressurge no cenário educacional como uma das possibilidades de democratizar o acesso ao ensino superior,
especialmente, para as pessoas que residem em regiões geograficamente distantes das cidades que
possuem universidades públicas” (Brito, 2008).
No ano de 2006, através do Decreto nº 5800, criou-se o Sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB), integrando diversas universidades públicas que oferecem cursos superiores à distância, visando
facilitar o acesso à formação universitária, minimizando tais dificuldades através da educação a distância, priorizando a formação de professores da educação básica, bem como dos trabalhadores em
educação.
Seu funcionamento se dá a partir da articulação entre as instituições de ensino superior e
os governos dos Estados e Municípios, atendendo às demandas locais por educação superior. A partir
dessas, identifica-se a instituição para atendê-las e os polos de apoio presencial para desenvolvimento
dos cursos. Após todas as articulações necessárias, o Sistema UAB encarrega-se do fomento às ações.
Para que esse crescimento seja consolidado, então, é necessária a criação de Polos de Apoio
Presencial. O polo é o “braço operacional” da Instituição de Ensino Superior na cidade do estudante ou
mais próxima dele, onde acontecem os encontros presenciais, o acompanhamento e a orientação para
os estudos, as práticas laboratoriais e as avaliações presenciais.
De acordo com o já referido Decreto nº 5800 de 2006, um polo de apoio presencial pode ser
caracterizado como uma unidade operacional para o desenvolvimento descentralizado de atividades
pedagógicas e administrativas, relativas aos cursos e programas ofertados a distância pelas instituições
públicas de ensino superior.
Estudos comprovam que o polo de apoio presencial cria as condições para a permanência do
aluno no curso, possibilitando um vínculo mais próximo com a Universidade, valorizando a expansão,
a interiorização e a regionalização da oferta de educação superior. Dada a sua importância, pode-se
afirmar que tais polos se tornam essenciais à efetivação da educação a distância brasileira.
Nesse sentido, Zuin (2006) afirma que os polos de apoio presencial podem ser identificados
como elementos cruciais para o desenvolvimento do processo educacional à distância.
Nos locais escolhidos como polos, os estudantes dos cursos superiores a distância têm acesso a bibliotecas, são atendidos pelos tutores, assistem às aulas e têm a sua disposição um laboratório de informática
com recursos tecnológicos, interligados à internet, que lhes possibilitam estudar os módulos dos respectivos cursos na forma de artigos e apostilas on line, por exemplo (Costa; Costa, 2009).
60
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Assim, a educação a distância pode ser vista como um espaço sistêmico, descentralizado e
ético, o qual exige a flexibilidade dos processos, postura de escuta e valorização do outro, apresentando características que contribuem para a democratização do acesso ao conhecimento, diversificação
no processo de aprendizagem e ampliação dos espaços educacionais. E, nesse contexto, os polos de
apoio presencial representam grande parte do sucesso dessa modalidade educacional.
Conforme se pode observar, a gestão da educação a distância passa necessariamente pelos polos de apoio presencial. Mais do que isso, de acordo com Catapan et al. (2011), a criação dos polos é uma
das condições essenciais à educação a distância, pois possibilita “que se estenda o ensino superior a lugares distantes, favorecendo a uma descentralização do ensino e uma maior democratização e acesso”.
Sobre esta questão, estudos de Catapan et al. (2011) propõem a construção de referenciais de
qualidade para a gestão eficaz desses polos diante do Sistema Universidade Aberta do Brasil, já que, segundo os mesmos autores, “a gestão destes polos de apoio presenciais tem constituído um problema, devido
à carência de encaminhamentos adequados para gerenciamento e operacionalização destes ambientes”.
Segundo tais estudos, a gestão dos polos de apoio presencial passa pelo domínio e emprego
de técnicas relacionadas com cinco grandes áreas da gestão: gestão estratégica, gestão de projetos,
gestão de infraestrutura, gestão de equipe e gestão de processos (Catapan et al., 2011).
Neste contexto surge nosso problema de pesquisa: como está sendo desenvolvida a gestão nos
polos de apoio presencial, a partir das cinco áreas de gestão — estratégica, de projetos, de infraestrutura, de equipe e de processos? Para dar conta desse grande questionamento, este estudo se propõe a
investigar a gestão nos polos de apoio presencial do Estado do Rio Grande do Sul.
2.
Metodologia
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, a qual segundo Gil (2008) possui
como objetivo a descrição das características de uma população, fenômeno ou de uma experiência.
Nesse sentido, a pesquisa descritiva é realizada para compreender-se uma dada situação, proporcionando novas visões sobre uma dada realidade, buscando a compreensão sobre dado fenômeno.
No caso específico deste estudo, a pesquisa descritiva teve como objetivo identificar como
está sendo desenvolvida a gestão nos polos de apoio presencial situados no Estado do Rio Grande do
Sul, a partir das cinco áreas de gestão — estratégica, de projetos, de infraestrutura, de equipe e de
processos — estabelecidas por Catapan et al. (2011).
O estudo explorou a literatura e a legislação pertinentes à área de interesse. Além do suporte
da literatura, também se coletou dados empíricos, através de questionário estruturado, aplicado a 10
polos situados no Estado do Rio Grande do Sul, o que corresponde à amostra de 20% do total de polos
UAB/CAPES no referido Estado. O questionário foi aplicado, individualmente, a cada coordenador de
polo. Os dados geraram análises quantitativas e qualitativas a respeito da gestão desses polos.
3.
Análise dos Dados – A Gestão dos Polos de Apoio Presencial
Os polos de apoio presencial constituem-se de grande importância ao processo de educação a
distância de qualidade. O Decreto nº 5.622 de 2005 (Brasil, 2005) prevê, em seu artigo 1º, momentos
presenciais obrigatórios, os quais devem ser realizados na sede da instituição ou nos polos de apoio
presencial, devidamente credenciados, conforme orienta o Decreto nº 6.303 de 2007 (Brasil, 2007).
Nesse contexto, investigar a gestão nesses espaços torna-se crucial para identificar, em última instância, como os processos de educação a distância estão sendo desenvolvidos. Tanto a literatura
pertinente, quanto as documentações e regramentos legais sobre o tema abordam uma estrutura mínima a esses espaços, tanto em nível de infraestrutura, equipamentos, quanto de recursos humanos.
Essa estrutura proposta constitui-se em balizador para análises de adequação aos parâmetros
mínimos de qualidade e serão discutidos conjuntamente com os dados que serão apresentados a seguir.
Assim, para dar conta do objetivo geral deste estudo, a análise e discussão dos dados serão feitas a
partir das cinco áreas de gestão investigadas.
3.1.
Gestão Estratégica
De acordo com Certo; Peter (1993, p. 5) o conceito para gestão estratégica tem evoluído
através do tempo e continuará a evoluir, não possuindo, ainda, um consenso conceitual. Para Andrade;
Santos (2009, p. 7), “a gestão estratégica refere-se a um modelo de gestão que incorpora os princípios
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de pensamento e ferramentas do planejamento, desenvolvimento, controle e avaliação estratégicos e
sua aplicação nos diversos subsistemas que compõem o sistema administrativo de uma organização”.
Também Tavares (1991) afirma que essa gestão vincula-se ao planejamento estratégico vinculado à tomada de decisão em todos os níveis institucionais. A gestão de um polo de apoio presencial
deveria orientar-se pelos preceitos da gestão estratégica, ou seja, nas palavras de Certo; Peter (1993,
p. 6), um “processo contínuo e iterativo que visa manter uma organização, como um conjunto apropriadamente integrado ao seu ambiente”.
Observa-se, portanto, que a gestão estratégica está vinculada à tomada de decisão, ao plano
estratégico, bem como às possibilidades de dirigir o polo. Com relação ao processo de planejamento
do polo, identificou-se que 70% dos polos referem que efetuam procedimentos de planejamento de
suas ações, conforme mostra o Gráfico 1, abaixo.
80
70
60
40
Sim
20
Não
10
20
Em parte
0
Planejamento do Polo (%)
Gráfico 1: Percentual de planejamento dos polos.
Buscando esclarecimentos mais profundos acerca desse processo de planejamento, realizado
pelos polos, buscou-se identificar a forma de desenvolvimento do mesmo. Como resposta, obteve-se o
seguinte retorno, conforme apresenta a Tabela 1, que se segue.
Tabela 1: Forma de Planejamento realizado pelos polos (%).
Formas de planejamento
Percentual
Nº
Articulação informal com a Prefeitura
10
01
Elaboração do Plano de Gestão do Polo
10
01
Planejamento articulado entre equipe do polo e Conselho
Municipal de Educação
10
01
Planejamento articulado entre equipe do polo, IES e Prefeitura
20
02
Planejamento construído pela equipe do polo
30
03
Observa-se que 60% dos polos referem que seu planejamento envolve a equipe que compõe o
próprio polo. Destes, alguns polos envolvem, ainda, a prefeitura, o conselho municipal de educação e as
instituições de ensino superior que desenvolvem atividades no polo. Apenas um polo relatou a construção
de um plano de gestão propriamente dito. No outro extremo, um polo relatou que o planejamento é feito a
partir de uma articulação informal com a prefeitura. Desses dados depreende-se que a gestão estratégica,
tal qual propõem os conceitos estudados, ainda está longe de acontecer nos polos gaúchos investigados.
Ainda com relação à gestão estratégica, a questão do nível de autonomia do gestor torna-se
fundamental. Nesse contexto, identificou-se que 60% dos coordenadores de polo relatam que possuem
um nível alto de autonomia nas decisões do polo, conforme mostra a Tabela 2.
Tabela 2: Nível de autonomia do gestor nas decisões do polo (%).
Níveis de autonomia Percentual Nº
62
Baixo
0
0
Médio
40
04
Alto
60
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A partir dos dados informados anteriormente, observa-se que o papel do coordenador do
polo, enquanto gestor, é fundamental. Sobre esta questão Catapan et al. (2011, p. 6) afirmam que
“sem o domínio dos princípios básicos de gestão o coordenador pode ter dificuldade de conduzir o polo
e permitir sérios transtornos aos professores, tutores e coordenação geral dos cursos, tornando assim
insustentável as realizações previstas para sua função”. Dessa afirmação depreende-se que a formação
desse gestor torna-se importante, já que esta deve contemplar não somente aspectos pedagógicos,
como também administrativos. Assim, quanto à formação dos gestores, temos os seguintes dados,
explicitados na Tabela 3:
Tabela 3: Formação dos gestores dos polos (%).
Formação dos Gestores
Graduação
Percentual Nº
100
10
Especialização em diversas áreas do conhecimento
80
08
Especialização em gestão
40
04
Conforme se pode identificar, todas as pessoas envolvidas com a coordenação dos polos pesquisados possuem pelo menos formação em nível de graduação. São professores da rede pública de
ensino, com formação pedagógica, que foram realocados pelas prefeituras para atuar nos polos. Tal
dado vem ao encontro do regramento do Sistema UAB, que afirma que “o Coordenador de Polo é um
professor da rede pública selecionado para responder pela coordenação de polo de apoio presencial”.
E, ainda, “o Coordenador de Polo deve ser graduado e comprovar, no mínimo, três anos de experiência
em magistério na educação básica ou superior” (UAB, 2012).
Desses coordenadores, 80% possuem alguma formação em nível de pós-graduação lato senso
(especialização) em diversas áreas do conhecimento e, dentre essas, 40% são especialistas na área
específica de gestão. O que se depreende desse dado é que a coordenação desses polos está sendo
efetivada por profissionais da área da educação, capacitados pedagogicamente, com conhecimentos
na área da educação, fato importante para a compreensão da educação a distância, enquanto modalidade de educação e sua importância. No entanto, ainda necessitariam de capacitação mais específica
na área da gestão.
3.2.
Gestão de Projetos
Um projeto refere-se a uma iniciativa única, com objetivo bem definido e com início, meio e
fim. Nesse sentido, a gestão de projetos relaciona-se com a aplicação de conhecimentos, habilidades e
técnicas na elaboração de atividades relacionadas para atingir um conjunto de objetivos pré-definidos,
envolvendo escopo, prazo, custo, risco, qualidade e metas do projeto.
De acordo com Catapan et al. (2011, p. 7), “um coordenador de polo pode e deve utilizar
o conhecimento de gestão de projeto para controlar os processos administrativos e pedagógicos nos
polos”. Esse conhecimento poderia auxiliar o desenvolvimento de projetos nos polos, bem como “no
entendimento de projetos capilarizados da coordenação geral de polos”. No entanto, apesar da importância, não se identificou o uso desse tipo de gestão nos polos investigados.
3.3.
Gestão de Infraestrutura
Para Catapan et al. (2011, p. 6), “a gestão de infraestrutura é um ponto de fundamental
importância dentro da administração de um polo”. Gestar a infraestrutura significa dar conta da administração das condições básicas de uso do polo, tanto em nível de tecnologia da informação, quanto
de distribuição de área física.
Sobre este ponto, há que se pensar no tamanho geral do polo e quantitativos de equipamentos, dependendo do número de alunos e cursos a serem atendidos, mantendo instalações físicas
necessárias ao atendimento de todos os atores envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem
a distância. Assim, com relação à área física dos polos, verificou-se que 50% dos mesmos possuem
área superior a 300 m2, podendo ser considerados de médio a grande porte, conforme mostra o
Gráfico 2, a seguir.
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20
20
20
20
20
Até 150m
De 300 a 500m
15
10
10
De 500 a 800m
10
De 800 a 1000m
5
Mais de 1000
Não informou
0
Área Física (%)
Gráfico 2: Área física dos polos (%).
Tal dado parece estar coerente com relação ao número de alunos que são atendidos, em média,
nesses polos, já que 60% deles possuem mais de 300 alunos, conforme apresenta o Gráfico 3, abaixo.
50
50
40
30
30
Até 200
20
10
10
10
De 200 a 300
De 300 a 400
Mais de 400
0
Nº de alunos nos Polos (%)
Gráfico 3: Nº de alunos nos polos (%).
Ainda, há que se considerar, conforme apresenta o site da UAB, a proposta de infraestrutura
mínima aos polos de apoio presencial, a partir da área física mínima, a qual deve conter (UAB, 2012):
• Sala para secretaria acadêmica.
• Sala de coordenação de polo.
• Sala de tutores presenciais.
• Sala de professores.
• Sala de aula presencial.
• Laboratório de informática.
• Biblioteca.
Com relação a esta área física mínima, identificamos que os polos investigados possuem a
seguinte distribuição de área física, conforme mostra o Gráfico 4:
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
80
90
70
90
80
Sala de Coordenação
90
Sala para Secretária
Laboratório de Informática
70
Sala de Tutoria
50
Biblioteca
Sala de Aula
40
Auditório
Sala de Reuniões
10
Outros Laboratórios
Não respondeu
Área Física (%)
Gráfico 4: Distribuição da área física nos polos (%).
A partir do gráfico 4, observa-se que principalmente as salas de coordenação, de secretaria
e biblioteca encontram-se deficitárias em alguns polos. Há que se considerar, também, que um polo
não respondeu essa questão, o que explica porque o percentual máximo de respostas para a questão
está em 90%.
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A gestão da infraestrutura responde também pelas questões que envolvem a tecnologia da informação, assegurando aos usuários do polo o bom funcionamento dos recursos que compõem o parque tecnológico do polo. Neste estudo verificamos que 100% dos polos possuem redes de internet sem e com fio e que
os gestores se preocupam com a otimização na utilização dos recursos tecnológicos disponíveis nos polos.
Complementando essa questão, quando questionados sobre a manutenção dos recursos tecnológicos do polo, os gestores informaram que esta se dá, basicamente, de três formas, dependendo
do polo: por empresas terceirizadas, pela própria prefeitura ou por uma equipe existente no polo. O
Gráfico 5, que se segue, apresenta tais dados:
50
40
30
20
Empresas terceirizadas
10
Prefeitura
Equipe do Polo
0
Manutenções (%)
Gráfico 5: Manutenção dos equipamentos de informática do polo (%).
Observa-se que apenas 20% dos polos relatam possuir equipe própria para a manutenção dos
recursos tecnológicos. Esse ponto pode ser considerado perigoso, haja vista que as atividades pedagógicas de cursos à distância dependem, basicamente, do bom funcionamento da infraestrutura tecnológica existente nos polos. Nesse sentido, a gestão da infraestrutura deveria coadunar com a gestão
estratégica, somando esforços no sentido de garantir equipe própria em tempo integral para este fim.
3.4.
Gestão da Equipe
A gestão da equipe responde, basicamente, em como o gestor conduz sua equipe e como essa
equipe é selecionada. Assim, de acordo com Catapan et al. (2011, p. 7), “a perspectiva da criação de
uma boa equipe multidisciplinar de trabalho é fundamental para que se consigam atingir os resultados
no sistema de educação a distância”.
Minimamente, a UAB apresenta em seu site, como atores imprescindíveis nos polos de apoio
presencial (UAB, 2012):
• Coordenador de polo.
• Tutor presencial.
• Técnico em informática.
• Bibliotecário.
• Auxiliar de secretaria.
O sistema UAB oferece bolsas aos coordenadores e aos tutores. A remuneração dos demais
atores fica a cargo do mantenedor do polo, que pode ser o Município, o Estado ou ambos, através de
consórcio (UAB, 2012). Com relação aos atores que atuam nos polos investigados, encontramos as seguintes funções, conforme Gráfico 6:
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
90
90
80
80
Coordenação
Secretário
Assistente Administrativo
30
40
50
Técnico em Informática
Bibliotecário
30
Apoio Pedagógico
Serviços Gerais
10
Tutores Presenciais
Não respondeu
Equipe dos Polos (%)
Gráfico 6: Equipe que atua nos polos (%).
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65
Ciências Sociais e Aplicadas
Dos dados apresentados, dois pontos são importantes e merecem destaque. O primeiro diz respeito
à ausência, em número significativo de polos (60%), da figura do bibliotecário, considerado como recurso
humano fundamental nos polos. O segundo ponto trata da presença de técnicos de informática nos polos,
onde 80% deles referem ter esse técnico. No entanto, em questão anterior apenas 20% dos polos relata
realizar as manutenções tecnológicas necessárias através de equipe própria. Desse dado depreende-se uma
contradição nas informações, ou seja, de um lado temos 80% dos polos com técnico de informática e, por
outro, temos esses mesmos polos com apenas 20% das manutenções na área realizadas por equipe própria.
Outro ponto importante da gestão de equipe trata da seleção dessa equipe, sendo que essa
se inicia pelo próprio gestor do polo. Assim, com relação à seleção da coordenação dos polos, foram
obtidas as seguintes respostas, conforme mostra a Tabela 4:
Tabela 4: Seleção dos gestores dos polos (%).
Seleção dos gestores
Percentual
Nº
Processo seletivo/edital
10
01
Pela UAB/MEC a partir de lista tríplice de currículos
60
06
Pela Secretaria de Educação a partir de currículos
10
01
Pelas IPES a partir de currículos
10
01
Convite da Secretaria de Educação
01
01
Algumas das respostas obtidas são de coordenadores que estão já há algum tempo na função,
quando esse regramento não era tão acurado e a seleção praticamente não existia. A partir do ano de 2006,
através da Resolução CD/FNDE nº 26/2009 (Brasil, 2009), esse processo foi delineado com mais precisão.
A referida Resolução define, em seu artigo 5º, que é da competência dos Estados e Municípios proponentes de polos presenciais de apoio à educação a distância a indicação de professores da rede pública de
ensino para a função de coordenador de polo. Complementarmente, é da competência das Instituições Públicas
de Ensino Superior (IPES) a seleção desses coordenadores. Ainda, o artigo 6º da mesma Resolução determina que
essa seleção deve ser precedida de ampla divulgação, tornando públicos os critérios de seleção dos interessados.
No ano de 2008, a partir de um Comunicado, a UAB/CAPES reiterou a importância do processo
de seleção dos coordenadores de polo, orientando os Municípios a encaminhar aos Coordenadores UAB
de todas as IPES que ofertam cursos nos polos, a indicação de três professores da rede pública de ensino, acompanhada de seus currículos. Essa orientação explica algumas das respostas obtidas.
Para o ano de 2012 a DED/CAPES orienta que o órgão mantenedor de cada polo envie uma
lista tríplice à DED/CAPES, acompanhada de currículo, comprovante de tempo de experiência no magistério, comprovante de efetividade na rede pública de ensino e comprovantes de formação superior.
A DED/CAPES verificará os currículos enviados e enviará a lista tríplice às IPES, que farão a seleção.
Cabe acrescentar que o papel da coordenação é importante à execução das políticas educacionais, já que é no polo que tais políticas são executadas em última instância. Conforme o Anexo 1 da
Resolução nº 26/2009 do FNDE, cabe ao coordenador de polo, dentre outras atribuições, acompanhar
e coordenar as atividades docentes, discentes e administrativas do polo; acompanhar as atividades de
ensino, presenciais e a distância; garantir as atividades de ensino-aprendizagem; articular, junto às
IPES presentes no polo, a realização das atividades dos diversos cursos.
Outra atividade que cabe ao coordenador do polo é elaborar e encaminhar, às coordenações de cursos, relatório de frequência e desempenho dos tutores e técnicos atuantes no polo. Ou seja, o papel do gestor
do polo é de observação desses tutores. No entanto, quando questionados sobre a autonomia da coordenação
do polo sobre os tutores presenciais, 80% deles responderam possuí-la. O Gráfico 7 mostra esses dados.
80
80
60
40
20
0
20
Sim
Não
Autonomia da Coordenação do Polo X Totores Presenciais (%)
Gráfico 7: Autonomia da coordenação do polo sobre os tutores presenciais (%).
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O mesmo Anexo 1 da Resolução nº 26/2009 do FNDE coloca como função da coordenação do
curso acompanhar e supervisionar as atividades dos tutores e, ainda, como função do coordenador
de tutoria acompanhar e supervisionar as atividades dos tutores. Ou seja, o acompanhamento dos
tutores não cabe ao coordenador de polo, mas a esses outros dois atores, segundo regramento legal
pertinente.
3.5.
Gestão de Processos
Um processo pode ser definido como um grupo de tarefas interligadas, que utilizam recursos
institucionais para gerar resultados definidos, de forma a apoiar os objetivos da instituição (Harrington, 1993). A gestão de processos deve ocorrer, então, através de ações sistemáticas e delineadas
previamente, buscando o estabelecimento de rotinas de trabalho em prol de determinado resultado.
Para tanto, torna-se essencial que a gestão desses processos ocorra desde o delineamento inicial
dos mesmos, a partir da chegada de recursos financeiros, até a sua execução final, através da prestação
de contas. Silva et al. (2010, p. 08) afirmam que “a excelência de gestão dos polos de apoio presencial
é fundamental para um desenvolvimento profícuo do trabalho de mediação do ensino e aprendizagem”.
Tal processo de gestão se inicia pela presença, nos polos, de um orçamento próprio. Nesse
contexto, identificamos que 60% dos polos investigados ainda não possuem tal orçamento, conforme
apresenta o Gráfico 8:
60
60
40
40
20
Sim
Não
0
Orçamento Próprio (%)
Gráfico 8: Condição de orçamento nos polos (%).
Complementando tal informação, temos a questão da alocação e gerenciamento dos recursos financeiros que possibilitam a implementação dos processos nos polos. Sobre este ponto, 60% dos
gestores afirmaram que esta é uma decisão tomada pela coordenação do polo em conjunto com a
Secretaria Municipal de Educação. O Gráfico 9, apresenta melhor tais dados.
60
60
50
40
30
20
10
0
Polo PM
Polo SME
20
10
10
Alocação e Gestão de Recursos Financeiros (%)
LDO
Polo, Capes, PM e IES
Gráfico 9: Alocação e gestão de recursos financeiros nos polos (%).
Conforme se observa no Gráfico 9, apenas 10% dos polos afirmam possuir LDO (lei de diretrizes orçamentárias) própria, fato que pode impactar na gestão de processos e tomada de decisão dos
gestores com relação à administração do polo ou, até mesmo, impedi-la.
Ainda, toda gestão de processos depende, em sua última etapa, do processo de avaliação
ou feedback. Nos polos investigados, 100% referem possuir processo externo de avaliação instalado
regularmente. Quando questionados sobre quais instituições avaliam o polo regularmente, obtivemos
como retorno as seguintes respostas, constantes na Tabela 5:
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Tabela 5: Instituições que avaliam os polos (%).
Instituições
Percentual
Nº
Ministério da Educação
100
10
Instituições de Ensino Superior
60
06
Prefeitura Municipal
10
01
Conforme apresenta a Tabela 5, todos os polos referem ser avaliados externamente. O MEC
aparece como sendo a instituição que avalia regularmente todos os polos investigados. Este fato está
condizente com a política de educação a distância, a qual prevê a avaliação da SEED/MEC e também
do INEP de todos os polos cadastrados pelo Sistema UAB, objetivando com isto zelar pela qualidade
da oferta dos cursos, bem como orientar e dar suporte aos polos para o fortalecimento da educação a
distância no país (UAB, 2012).
Chamou-nos a atenção o fato de somente 10% dos polos referirem ser avaliados pela Prefeitura Municipal. No entanto, esta é a principal instituição mantenedora dos mesmos, sendo responsável por estruturar, organizar e manter os polos de apoio presencial de acordo com as orientações do
Sistema UAB, provendo-os de infraestrutura adequada e contratação de pessoal (UAB, 2012). Há que
se considerar ainda o processo de avaliação interno ou autoavaliação, o qual não foi mencionado por
nenhum polo, apesar de se constituir em etapa importante da gestão de processos.
4.
Considerações Finais
São indiscutíveis as contribuições da expansão e da interiorização da educação a distância no
país, no sentido de levar a um público novo as possibilidades de uma educação superior pública e de
qualidade, conseguindo através desse processo atingir uma maior quantidade de pessoas, muitas das
quais distanciadas dos grandes centros urbanos.
Nesse novo cenário, os polos de apoio presencial aparecem como importantes espaços de
concretização do processo de ensino-aprendizagem a distância, abrigando os novos atores que passam
a fazer parte deste. A complexidade de estrutura requerida pela educação a distância de qualidade
traz à tona a necessidade de se olhar com cuidado para os processos de gestão desses espaços.
Este estudo buscou, então, apresentar como está ocorrendo a gestão desses polos, vistos
enquanto espaços fundamentais à concretização da educação a distância, através das cinco grandes
áreas de gestão preconizadas por Catapan et al. (2011): gestão estratégica, gestão de projetos, gestão
de infraestrutura, gestão de equipe e gestão de processos.
De todas as cinco áreas, a gestão de projetos não foi identificada em nenhum polo e as gestões estratégica e de processos encontram-se ainda de forma bastante incipiente. Assim, com relação
à gestão estratégica identificou-se que 70% dos polos efetuam procedimentos de planejamento de suas
ações. Porém, apenas um polo o faz a partir de um plano de gestão propriamente dito. No outro extremo, encontramos um polo cujo planejamento é feito a partir de articulação informal com a prefeitura.
Com relação à gestão de processos, 60% dos polos ainda não possuem orçamento próprio e
a alocação e gerenciamento de seus recursos financeiros, os quais possibilitam a implementação de
processos, é realizada a partir de decisões tomadas em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação. Também a avaliação está comprometida, já que nenhum polo relatou fazer autoavaliação de seus
processos, deixando esta por conta, basicamente, do MEC.
As gestões de infraestrutura e de equipe, apesar de ainda possuírem problemas, foram as de
melhor estruturação nos polos investigados. Assim temos que a gestão de infraestrutura é a que mais
tem preocupado os gestores, tanto em nível de espaço físico, quanto de tecnologia. Já na gestão de
equipe os dados mostraram que os coordenadores estão assumindo mais do que deveriam, pois estão
acompanhando e supervisionando as atividades dos tutores presenciais, incumbência esta que caberia
aos coordenadores de curso e de tutoria.
Como palavra final fica a certeza da necessidade de novos e mais profundos estudos a respeito do tema, tendo em vista a sua relevância à educação a distância brasileira. A gestão dos polos de
apoio presencial afeta diretamente os processos de ensino-aprendizagem a distância, cabendo também às instituições de ensino superior, no sentido de parceira nesse processo educativo, graças a seu
know-how, contribuir com os gestores de polos, no sentido de muni-los de conhecimentos e habilidades
necessários ao bom desempenho de suas funções.
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Referências Bibliográficas
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universitária. Disponível em: <www.ndc.uff.br/textos/marcos_ana_rosa_principios.pdf> Acesso em:
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BRASIL. Resolução FNDE nº 26. Ministério da Educação, Brasília, De 05 de junho de 2009.
BRITO, E. P. Projeto pedagógico do curso de pós-graduação latu sensu em Gestão de Polos. Modalidade a Distância. Universidade Federal de Pelotas, 2008.
CATAPAN, A. H. et al. Construindo referenciais de qualidade para uma gestão eficaz no Sistema Universidade Aberta do Brasil: O ambiente virtual de ensino-aprendizagem e a capacitação dos coordenadores de polo de apoio presencial. 17º Congresso Internacional ABED de Educação a Distância.
[Anais...] Florianópolis, 2011.
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Ciências Tecnológicas
Minicompostagem: uso para os
resíduos sólidos domésticos
Carlos Atalla Hidalgo Hijazin*
Monique da Silva Pires**
Resumo
Uma pilha de composto é um modo de fornecer condições propícias para a vida dos micro-organismos que transformam a matéria orgânica em um produto final estável conhecido
como húmus, o qual fornece nutrientes para o solo. Existem fatores físico-químicos e microbiológicos que influenciam a compostagem e devem ser monitorados para um melhor
desempenho deste processo. A pesquisa baseou-se na experimentação e comparação entre duas composteiras desenvolvidas para um ambiente restrito, abordando a importância
de diminuir a quantidade de resíduo orgânico devolvido inadequadamente à natureza.
Palavras-chave
Compostagem. Resíduo Orgânico. Minicompostagem.
Abstract
A compost pile is a way of providing conditions for the life of micro-organisms that
convert organic matter into a stable end-product known as humus, which provides
nutrients to the soil. There are physical chemistry and microbiological parameters
which influence the composting process and should be monitored for an optimal
performance. The research was based on trial and comparison between two compost
bin systems developed for a restricted environment, addressing the importance of
reducing the amount of organic waste improperly returned to nature.
Key-words
Composting. Organic Waste. Little Composter.
1.
Introdução
O crescimento populacional, aliado aos avanços tecnológicos e ao acelerado processo de industrialização, nos últimos anos, vem causando um crescimento vertiginoso da sociedade de consumo
e descarte, consequentemente um aumento na geração de resíduos sólidos. A maior parte dos resíduos
sólidos domésticos é de matéria orgânica e o recurso mais apropriado para lidar com esse material é a
compostagem. Fernandes et al. (1999: p. 9) afirmam que:
“A compostagem pode ser definida como uma bioxidação aeróbia exotérmica de um substrato orgânico
heterogêneo, no estado sólido, caracterizado pela produção de CO2, água, liberação de substâncias
minerais e formação de matéria orgânica estável”. (FERNADES, 1999, p. 9)
A mutação biológica da matéria orgânica ao estado humificado acontece pelas atividades
microbianas, influenciadas por diversos fatores e tem importância quanto à redução da quantidade
de resíduos depositados na natureza. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2011: p. 27) há
Mestre em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela UFRGS (2003). Professor do ensino médio, técnico e professor titular da
Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, onde é orientador de projeto IC. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase em
Processos Industriais de Engenharia Química. E-mail: [email protected]
**
Bolsista de Iniciação Científica e graduanda do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail:
[email protected]
*
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estimativas de que 51,4% dos resíduos sólidos urbanos coletados no Brasil, em 2008, são formados de
matéria orgânica. Desta forma faz-se necessário a realização de pesquisas de processos que minimizem o descarte e favoreçam a reciclagem deste tipo de resíduo.
De acordo com Freuderich (2008: p. 1), os processos de compostagem podem ocorrer por via aeróbia ou anaeróbia; esta classificação depende da temperatura do composto e do ambiente no qual o mesmo
se encontra (com ou sem oxigênio). O estudo dos parâmetros físico-químicos que interferem no processo de
compostagem são de extrema importância, e se resumem em pH, temperatura, umidade e relação C/N; o
monitoramento correto destes parâmetros evitam problemas como a produção de odores ruins e emissão de
gases poluentes para a atmosfera e levam à formação de um composto final mais rico em nutrientes. Segundo Bidone e Povinelli (1999: p. 52), “Os principais micro-organismos responsáveis pelo processo de compostagem são as bactérias, os fungos e os actinomicetos.” Desta forma fica evidente também a importância do
monitoramento de parâmetros microbiológicos para um adequado processo de compostagem.
Esta pesquisa teve como objetivo estudar dois processos de compostagem, com montagens estruturais
idênticas e com diferentes matérias-primas. Ao longo de três meses foram monitorados parâmetros físico-químicos e microbiológicos em busca do melhor processo que forneça um composto que possa ser desenvolvido em um
ambiente restrito, como um apartamento; com maior fertilidade e com menos quantidade de emissões gasosas.
2.
Materiais e métodos
Foram montadas artesanalmente duas composteiras iguais, com compostos orgânicos diferentes
(Tabela 1) no Laboratório de Química, da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre - Rio Grande do Sul. As
estruturas das composteiras foram feitas com duas garrafas PET de 5L, cobertas com uma tela de poliéster
para evitar animais indesejáveis; a extremidade posterior foi composta de uma tampa furada para drenagem do chorume. As análises físico-químicas e microbiológicas foram realizadas durante os meses de julho
a setembro de 2011 para composteira 1 e os meses de agosto a outubro de 2011 para composteira 2. Para
a escolha dos materiais orgânicos utilizados na composteira observou-se as orientações de Oliveira et al.
(2005: p. 3) que afirmam que devem ser evitados materiais orgânicos como restos de carne na compostagem doméstica, por atraírem animais; bem como as gorduras animais por serem de difícil decomposição.
Tabela 1: Materiais utilizados na montagem das composteiras.
Composteira 1
Composteira 2
460 g Brita
435 g Brita
1804 g Terra seca
513g Terra seca
107 g Serragem
580 g Serragem
343 g Borra de café
210 g Borra de café
1216 g Matéria orgânica
653 g Matéria orgânica
20 mL água/dia
368 g Folhas secas
20 mL água (quando necessário)
A escolha dos materiais orgânicos (Tabela 2) da composteira 1 foi realizada com base em
Freudenrich (2008: p. 3). Os materiais orgânicos utilizados na composteira 2 tiveram como base
Católica (2009: p.5), o qual sugere uma relação 2:1 de materiais ricos em carbono, (castanhos) e de
materiais ricos em nitrogênio (verdes). Os materiais utilizados na composteira 2 estão descritos na
Tabela 3. A metodologia empregada nesta pesquisa está descrita no fluxograma Figura 1.
Tabela 2: Descrição da Matéria Orgânica utilizada na Composteira 1.
Materiais orgânicos
Cascas de frutas e verduras (banana, mamão, uva, cebola, caqui)
Borra de café
Serragem
Fonte: Adaptado de Freudenrich, 2008: p. 3.
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Tabela 3: Descrição da Matéria Orgânica utilizada na Composteira 2.
VERDES
CASTANHOS
Ricos em azoto, geralmente úmidos
Ricos em carbono, geralmente secos
- Folhas verdes
- Folhas secas
- Ervas daninha sem sementes
- Restos de relva cortada seca
- Restos de vegetais e frutas
- Palha ou feno
- Borra de café, incluindo os filtros
- Resíduos de cortes e podas
- Cascas de ovos (esmagadas)
- Aparas de madeira e serradura
- Flores
- Agulhas de pinheiros
- Folhas e sacos de chá
- Casca de batata
Fonte: Adaptado de Católica, 2009: p. 5.
Figura 1: Fluxograma das etapas da parte experimental.
Análises Físico-Químicas
Redução do tamanho das partículas: Para facilitar a degradação da matéria orgânica pelos
micro-organismos presentes nas composteiras realizou-se o processo de cominuição da mesma com o
auxílio de uma tesoura conforme descrito por Dias et al. (1996: p. 235)
Balanço de massa: Para o cálculo do percentual de massa reduzida durante o processo de
compostagem utilizou-se a Equação 1. As medidas foram realizadas semanalmente em balança de
precisão de 2g a 5000g da marca Bel Engeneering.
(mº - mf ) x 100 (%)
mº = massa inicial do composto orgânico.
mf = massa final do composto orgânico.
De acordo com Leite (1997: p. 191), esse tipo de monitoramento é importante para determinar a
eficiência de transformação em termos de aplicação, transformação e acumulação da massa do substrato.
pH: A medição do pH do composto orgânico foi realizada com o auxílio do medidor de pH
PHS-3D SANXIN. As análises foram realizadas diariamente baseadas no método potenciométrico descrito por Lange et al. (2002: p. 4). Inicialmente, colocou-se uma amostra do composto orgânico em
um béquer de 100 mL com uma relação de 1:20 de massa da amostra e de volume do extrator (água
destilada). A solução foi agitada por 8 min até que se atingisse o equilíbrio entre as fases líquida e
sólida após procedeu-se a medição do pH.
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Temperatura: A temperatura do composto orgânico foi controlada diariamente utilizando-se
um termômetro digital com sonda acoplada Gulterm 180 (-30ºC a 180ºC), introduzido na composteira
em três áreas específicas: base, meio e topo conforme descrito por Dias et al. (1996: p. 235). Após
calculou-se a média aritmética das três áreas.
Umidade e Aeração: A determinação de umidade das composteiras foi realizada quinzenalmente no Laboratório de Análises Químicas e Toxicológicos Pró-Ambiente, de acordo com o método
gravimétrico - norma ASTM D-95 com limite de detecção de 0,01%. No restante dos dias, o grau de umidade foi controlado manualmente utilizando-se luvas de látex. Para determinação “in loco” da umidade coleta-se uma amostra da composteira com a mão e aperta-se a mesma; caso esta apresente aridez
acrescenta-se água; este método, descrito por Dias et al. (1996: p. 235-237), mantém o composto com
cerca de 40 a 60% de umidade. O processo de aeração do composto foi realizado manualmente com
auxílio de uma pá de jardim conforme orientação do Instituto de Biologia, S/A da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) (2011: p. 1). O processo faz-se necessário para que não ocorram emissões gasosas de
CH4; produção de chorume e anaerobiose do composto.
Aparência e Odor: O odor não é possível de ser medido diretamente por instrumentos, a
sua avaliação é subjetiva através da sensação olfativa e deve estar virtualmente ausente (VA); pois a
sua presença é indicativo de processo de decomposição anaeróbio da matéria orgânica. A aparência
do composto foi monitorada visualmente. De acordo com Católica (2009: p. 10) a variação de cor do
composto orgânico no processo de compostagem varia do marrom, fase inicial do processo, à preta,
fase final do processo, quando o composto está maturado.
Relação C/N: O Carbono e o Nitrogênio constituem-se em importantes fontes de energia para
as atividades vitais dos micro-organismos, contribuindo para a reprodução dos mesmos (Oliveira, 2005:
p. 1). A determinação da relação C/N foi realizada mensalmente pelo Laboratório de Análises Químicas
e Toxicológicas Pró-Ambiente. De acordo com as orientações de Fernandes (1999: p. 110) procurou-se
realizar as análises de C/N nas três etapas do processo de compostagem: fase mesofílica, fase termofílica e fase de transição.
Sólidos Totais Voláteis (STV): As análises de STV dos compostos orgânicos foram realizadas mensalmente nas três etapas do processo de compostagem pelo Laboratório de Análises Químicas e Toxicológicas Pró-Ambiente utilizando-se o método gravimétrico com limite de detecção de 0,01%. De acordo com
Dias et al. (1996: p. 238) os STV são importantes de serem analisados no processo de compostagem, pois
fornecem uma indicação da mineralização da matéria orgânica e sua consequente estabilização.
Fertilidade do Composto: Para avaliar a fertilidade do composto presente nas composteiras 1
e 2 foram determinados os percentuais de P (fósforo) e K (potássio) no 2º e 3º mês (fase final) do processo de compostagem. As análises destes dois elementos químicos foram realizadas pelo Laboratório
de Análises Químicas e Toxicológicas Pró-Ambiente. O método utilizado para determinação de fósforo
total foi o gravimétrico com limite de detecção de 0,01%. A determinação de potássio foi realizada por
Espectrofotometria de Absorção Atômica com limite de detecção de 0,016 ppm.
Análises Microbiológicas
Micro-organismos Aeróbios: As análises dos Micro-organismos Aeróbios Mesófilos e dos Micro-organismos Aeróbios Termófilos foram realizadas pelo Laboratório da Fundação de Ciência e Tecnologia - CIENTEC
utilizando-se o método FDA descrito no manual Bacteriological Analytical, 8ª Edição. As análises microbiológicas foram realizadas em duas etapas do processo no segundo mês (fase de transição) e no terceiro mês
(fase mesofílica).
3.
Resultados e discussão
Análises Físico-Químicas:
Balanço de massa: De acordo com Fernandes et al. (1999: p.58) a redução da massa dos
resíduos orgânicos durante o processo de compostagem deve ser de 30-60%. Na composteira 1, a quantidade de massa inicial foi de 3470g e a quantidade de massa final (102º dia) foi de 2338g, havendo
portanto uma redução de 32,6%. Na Composteira 2, a quantidade de massa inicial foi de 2911g e a
quantidade de massa final (75º dia) foi de 2034g, havendo uma redução de 30,12%. O percentual de
redução de massa do composto encontrado para as duas composteiras desta pesquisa ficou dentro da
faixa citada pelo autor.
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pH: De acordo com a legislação brasileira (CEMPRE, 2011: p. 71) o pH=6 é o mínimo
exigido para compostos orgânicos. Dias et al. (1997: p.1664) afirmam que a fase de maturação
do composto orgânico possui um pH básico, apresentando uma variação do pH de 8,0 a 10,0. O
resultados das análises de pH das composteiras 1 e 2 são mostrados na Tabela 4. Observando a
tabela verifica-se que os valores encontrados estão dentro dos valores exigidos pela legislação
brasileira. Como a Composteira 1 apresentou valores baixos de pH, para ESAPL, S/A (2011, p.1)
são indicativos de falta de maturação devido à ocorrência de processos anaeróbios no interior da
pilha em compostagem.
Temperatura: As temperaturas médias do topo do meio da base dos compostos orgânicos na
Composteira 1 e 2 variaram de 2 a 3ºC acima da temperatura ambiente conforme mostra a Tabela 4.
Os valores baixos de temperaturas encontrados para os compostos podem ser explicados pelo pequeno
volume das composteiras; no caso deste experimento o volume das mesmas é de 5 m3, dessa forma o
calor dissipado pelo metabolismo dos microrganismos tende a ser baixo fazendo com que o material
orgânico não se aqueça.
Umidade e Aeração: Os resultados encontrados para a umidade são apresentados na Tabela 4. Verifica-se que para a composteira 1, a umidade esteve acima de 40% em todo o processo;
chegando a extrapolação dos 60% no 15º, 30° e 90° dias, havendo a necessidade de aeração diária,
verificaram-se zonas de anaerobiose no composto orgânico constatados pelo aparecimento de odores fétidos; portanto procede-se o revolvimento mecânico e manual do composto. Na composteira
2, a umidade ficou abaixo de 40% no 60º dia (composto parcialmente seco) e acima de 60% no 15º
dia, sendo resolvida com a adição de água ou aeração do composto, respectivamente, apresentando um considerável equilíbrio. Porém, durante aproximadamente 70 dias, a umidade se encontrou
na faixa indicada.
Aparência e Odor: Através da análise visual do composto orgânico da composteira 1; verificou-se que a partir do 34º dia o mesmo se apresentava como uma terra escura (preta); com fungos
e com partículas de matéria orgânica, ou seja, o composto não estava homogeneizado completamente. Na composteira 2, este mesmo resultado visual foi constatado a partir do 26º dia, indicando
desta forma um processo mais acelerado de decomposição da matéria orgânica. A homogeneização
das partículas de resíduos compostados se concebeu completamente na composteira 1 no 102º dia,
e na composteira 2 no 75º dia, indicando o término do processo.
Em relação ao odor causado pela decomposição da matéria orgânica realizado por mico-organismos das composteiras em condições anaeróbias verificou-se que o composto orgânico presente
na composteira 1 emitiu odores fétidos no 15º, 30º e 90º dias (Tabela 4) indicando a formação de
zonas de anaerobiose no composto e consequente emissão de gás metano para atmosfera. Devido
ao alto grau de umidade encontrado na composteira 1 no 15º, 30º e 90º dias (Tabela 4), observou-se o
aparecimento de moscas de fruta conhecidas como Drosophila melanogaster. Para amenizar o cheiro e
controlar a proliferação de moscas, foi utilizado, nas composteiras 1 e 2 borra de café. De acordo com
Consolmagno (2011, p. 1), o cheiro e a acidez do café funcionam como um inseticida natural, além de
ter a capacidade de atrair e reter odores.
Na composteira 2, o odor ruim esteve virtualmente ausente durante todo o processo de
compostagem (Tabela 4).
Relação C/N: De acordo com Oliveira (2005: p. 4), o material é considerado humificado quando está dentro da faixa de 10<C/N<15.
Na composteira 1, a relação C/N do composto não variou muito, e não ficou na faixa estabelecida pelo autor conforme mostra o gráfico da Figura 2. Apesar das altas relações C/N da composteira 1
o material atingiu o estado humificado no 102° dia ; devido à ação das bactérias mesófilas e dos fungos
verificados visualmente na primeira semana.
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Tabela 4: Resultados das análises físico-químicas no período de 90 dias.
Parâmetro
Composteira 1
Composteira 2
Dias
Dias
2
15
30
45
60
75
90
2
15
30
45
60
75
90
pH
6,5
7,0
6,2
6,7
6,0
6,2
6,0
8,3
8,7
9,2
8,9
8,2
8,7
-
Temperatura
Média* (ºC)
29,6
26,1
23,1
15,6
17,2
21,0
19,7
21,0
19,7
14,6
16,5
18,3
21,0
-
Temperatura
Ambiente (ºC)
26,5
25,3
21,8
15,0
16,5
17,0
16,6
17,0
16,6
12,8
14,9
16,5
17,0
-
Umidade (%)
50,0
61,2
69,4
45,2
46,3
50,0
65,9
50,0
65,9
43,5
58,3
39,4
50,0
-
Odor
VA
P
P
VA
VA
VA
P
VA
VA
VA
VA
VA
VA
-
Revolvimento/
Aeração
NR
R
R
NR
NR
NR
R
NR
R
NR
NR
NR
NR
-
* Média aritmética da temperatura do topo, meio e base da Composteira. VA: Virtualmente Ausente;
P: Presente; R: Realizado; NR: Não realizado.
De acordo com Bidone e Povinelli (1999: p.52) os fungos são organismos filamentosos que se
desenvolvem em faixas baixas de pH alto e baixo; como a composteira 1 apresentou pH praticamente
ácido durante o processo de compostagem (Tabela 4) pode-se afirmar que os fungos também contribuíram para o estado humificado do composto orgânico presente na mesma.
Outra observação constatada, de acordo com os resultados encontrados nesta pesquisa, é
que o processo de decomposição da matéria orgânica na composteira 1 foi mais lento (Tabela 4); este
resultado encontrado também pode ser analisado sob o ponto de vista da relação C/N pois, de acordo
com a Funasa (2009:p.8), as relações C/N acima de 40/1 tornam o processo lento. De acordo com Bidone e Povinelli (1999: p.56) “Ao se aplicar ao solo matéria orgânica com elevada relação C/N, pode-se
produzir deficiências que chegam a matar as plantas”. Dessa forma fica evidente o comprometimento
do composto obtido na composteira 1 para fins de fertilização do solo. Na composteira 2 a relação C/N
do composto não variou muito, e pode-se dizer que ficou praticamente dentro da faixa estabelecida
pelo autor conforme mostra o gráfico da Figura 3. Para Fernandes et al. (1999: p. 14), a relação de C/N
ótima é próxima de 30:1, estando dentro deste parâmetro.
Relação C/N da Composteira 1
99,8
Relação C/N
99,7
99,6
99,5
99,4
99,3
99,2
99,1
0,51
1,5
2
Mês
2,53
3,5
Figura 2: Gráfico referente à relação C/N da Composteira 1.
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Relação C/N da Composteira 2
Relação C/N
30
25
20
15
10
5
0
01 0,5
1,5
2
Mês
2,53
3,5
Figura 3: Gráfico referente à relação C/N da Composteira 2.
Sólidos Totais Voláteis (SVT): Os resultados obtidos dos SVT para a composteira 1 foram
de 17,7% no primeiro mês; 14,5% no segundo mês e 21,39% no último mês. De acordo com Souza
(2002: p. 4), uma compostagem eficiente deve reduzir o teor de SV para a metade de seu valor inicial
(50%), o que não ocorreu na composteira 1, devido ao grau de umidade estar acima do ideal em alguns
períodos e à geração de um processo lento de decomposição da matéria orgânica, com formação de
fertilizante pobre em nutrientes e inadequado para disposição no solo. A tendência é que os processos
de compostagem iniciem com uma alta quantidade de SVT, diminuam o percentual no intermédio do
processo e por fim o aumentem novamente, devido à limitação da vida microbiana. Na composteira 2 a
análise de Sólidos Totais Voláteis (SVT) do composto no primeiro mês foi de 10,32%, no segundo mês de
4,93 % e no último mês foi de 8,54%, ocorrendo o decréscimo de 50% do primeiro para o segundo mês.
Fertilidade do Composto: De acordo com Dias et al. (1996; p. 239), o elemento químico
P (fósforo) tem significação para o processo de compostagem quando apresenta concentrações no
composto maiores que 20 ppm; e o elemento químico K (potássio) tem significação quando apresenta
concentrações maiores que 90 ppm no composto. Os resultados encontrados destes macronutrientes
do solo, para as composteiras 1 e 2, são apresentados nos gráficos das Figuras 4 e 5. Os resultados
obtidos demonstraram aceitação como fertilizante, em termos destes nutrientes para composteiras já
que as concentrações de P e K estão bem acima dos valores mínimos recomendados pelo autor.
Concentração de P e K da Composteira 1
2000
1800
1600
1400
ppm
1200
1000
800
600
400
Fósforo (P)
200
Potássio (K)
0
1º
2º
3º
Mês
Figura 4: Gráfico referente à concentração de P e K da Composteira 1.
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Concentração de P e K da Composteira 2
2000
1000
ppm
800
600
400
200
Fósforo (P)
Potássio (K)
0
1º
2º
3º
Mês
Figura 5: Gráfico referente à concentração de P e K da Composteira 2.
Análises Microbiológicas:
Micro-organismos Aeróbios: De acordo com Fernandes et al. (1999, p. 2) as bactérias aeróbias são diferenciadas pela faixa de temperatura em que se encontram. Há ocorrência de mesófilas na
faixa de 15 a 43ºC e termófilas na faixa de 25 a 85º. Os resultados obtidos das análises desses micro-organismos aeróbios estão descritos na Tabela 5. As temperaturas médias (topo, meio e base) da
composteira 1 durante o processo variou de 15,6 a 29,6ºC (Tabela 4), assim como a composteira 2 que
obteve uma temperatura média durante o processo com variação de 14,6 a 21,0ºC (Tabela 4), estando
as duas composteiras dentro da faixa de temperatura das bactérias aeróbias mesófilas. Por isso há
quantidade maior das mesmas.
Micro-organismos Aeróbios Termófilos
Composteira 1
Composteira 2
Fase Transitória (segundo mês)
Fase Mesofílica (Terceiro mês)
3,6x103UFC/g
5,8x103UFC/g
2,1x102UFC/g
2,4x102UFC/g
Micro-organismos Aeróbios Mesófilos
Fase Transitória (segundo mês)
Fase Mesofílica (Terceiro mês)
Composteira 1
7,8x106UFC/g
3,6x106UFC/g
Composteira 2
3,7x106UFC/g
6,8x105UFC/g
4. Considerações finais
A partir dos resultados encontrados pode-se concluir que uma pilha de composto não é apenas
um monte de lixo orgânico e sim um modo de fornecer as condições propícias para a vida dos micro-organismos que atuam e transformam a matéria orgânica num produto final mais estável. Diante dos
resultados visuais; subjetivos, obtidos através da sensação olfativa; físico-químicos e microbiológicos
obtidos para composteiras 1 e 2, verificou-se que o processo mais adequado de minicompostagem
encontrado nesta pesquisa foi o da Composteira 2, pois a mesma forneceu um composto orgânico de
melhor qualidade; com decomposição mais rápida e que pode ser utilizada como fertilizante do solo;
este mesmo resultado não foi encontrado na composteira 1 pois a mesma apresentou produção de zonas de anaerobiose tendo como consequências a formação de odores fétidos e aparecimento de insetos
indesejáveis, sendo portanto um processo inadequado a um ambiente restrito, como um apartamento.
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5.
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Ciências Tecnológicas
Estudo de impacto de vizinhança:
perspectiva de aplicação nos
licenciamentos ambientais na
cidade de Porto Alegre (RS)
Alexandre Machado da Rosa*
Resumo
O presente trabalho propõe um estudo do histórico da avaliação de impactos ambientais urbanos com foco na cidade de Porto Alegre RS, considerando a política
ambiental e os instrumentos legais vigentes. O mesmo visa discutir a implantação do
EIV e suas implicações nos licenciamentos ambientais do referido município. Na perspectiva de uma visão sistêmica na abordagem da legislação ambiental, procura-se
estabelecer uma discussão sobre a aplicação e a importância do EIV como ferramenta
para obtenção de licenciamentos ambientais de empreendimentos. Para tanto, se
recorre a uma revisão bibliográfica histórica dos principais itens da legislação ambiental brasileira, abrangendo os períodos de 1981 até os dias atuais. O artigo está
estruturado contemplando os seguintes aspectos: Competência para o licenciamento
ambiental atual, Impactos ambientais e os instrumentos de avaliação na cidade de
Porto Alegre, Estatuto das Cidades e o Estudo de Impacto de Vizinhança EIV e O EIV
na cidade de Porto Alegre.
Palavras-chave
Impacto ambiental. Estatuto das Cidades. Estudo de Impacto de Vizinhança. Plano
diretor. Licenciamento.
Abstract
This paper proposes a study of the history of environmental impact assessment focusing on the urban city of Porto Alegre, RS considering environmental policy and
legal instruments in force. It aims to discuss the implementation of EIV and its implications for environmental licensing of that municipality. From the perspective
of a systemic approach in environmental legislation, seeks to establish a discussion
on the application and the importance of EIV as a tool for obtaining environmental
licenses of enterprises. To this end it draws on a literature review of the main items
of historical Brazilian environmental legislation, covering the periods 1981 to the
present day. The paper is structured considering the following aspects: competence
to current environmental licensing, environmental impacts and the assessment tools
in Porto Alegre, the City Statute and the Impact of Neighborhood EIV and EIV in the
city of Porto Alegre.
Keywords
EnvironmentalImpact. The City Statute. Impact Neighborhood. Plan director. Licensing.
Farmacêutico Industrial, Presidente COSAT, Agente Ambiental Faculdade de Farmácia /UFRGS, Pós-graduando Especialização Gestão Ambiental Faculdade Dom Bosco Porto Alegre ([email protected])
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Introdução
A síntese deste estudo visa uma retomada da legislação ambiental brasileira para discussão
da importância da criação de um novo instrumento de análise de impacto ambiental para empreendimentos comerciais denominado Estudo de Impacto de Vizinhança EIV, focando a importância da
implantação do mesmo no município de Porto Alegre (RS). Para tanto, foi realizado um levantamento das principais legislações brasileiras, partindo da Política Nacional do Meio Ambiente PNMA e da
Constituição Brasileira, levando em consideração sua importância na estruturação da municipalização
da fiscalização ambiental, bem como, da evolução histórica da aplicação da legislação ambiental em
Porto Alegre (RS).
As análises serão realizadas através da discussão dos seguintes tópicos: Competência para o
licenciamento ambiental atual, Impactos ambientais e os instrumentos de avaliação na cidade de Porto
Alegre, Estatuto das Cidades e o Estudo de Impacto de Vizinhança EIV e O EIV na cidade de Porto Alegre.
Situado neste contexto, será realizada uma discussão sobre a visão tradicionalmente adotada
até aqui em torno das questões ambientais, na qual a abordagem da legislação ambiental mundial
restringiu-se, ao longo dos anos, aos meios biótico e físico, sem considerar as questões referentes ao
meio socioeconômico. Neste sentido Guerra (2006, p.21) afirma que “Os estudos urbanos de impacto
ambiental relacionam-se a conhecimento insuficiente dos processos ambientais, pautado numa noção
defasada de equilíbrio e na ausência de uma teoria dos processos ambientais integradora das dimensões físicas, político-sociais, socioculturais e espaciais”. Entretanto, segundo Sampaio (2005,p.10)
“Meio físico, biótico e socioeconômico amalgamam-se de tal forma que se torna impossível analisar
impactos de cada meio isoladamente”.
No decorrer do trabalho também serão apresentadas as finalidades dos instrumentos de análise de impacto, bem como as perspectivas de mudança no futuro decorrentes da adoção de uma nova
abordagem integradora calcada numa visão sistêmica que inclui os aspectos urbanísticos na avaliação
dos impactos ambientais através da adoção do instrumento previsto no Estatuto das Cidades conhecido como EIV. Ao recorrer a uma revisão bibliográfica histórica da legislação ambiental abrangendo os
períodos de 1981, data de publicação da Política Nacional do Meio Ambiente, até os dias atuais, este
estudo pretende justificar a importância do EIV para licenciamentos ambientais de empreendimentos
na perspectiva de implantação desta ferramenta no Município de Porto Alegre (RS).
1.
Competência para o licenciamento ambiental atual
A Constituição Brasileira de 1988 promoveu a descentralização da proteção ambiental, mediante definição das competências dos entes federativos através de artigos específicos, disciplinando,
assim, a competência dos mesmos para legislar e para administrar. Desta forma, ficaram estabelecidos
a partir de então, através do Art.23, competência da União, Estados, Municípios e Distrito Federal para
legislar sobre matéria ambiental. Já o Art. 30. garantiu a chamada competência municipal suplementar, a qual estabelece que mediante a observação da legislação federal e estadual, os municípios também podem editar normas que atendam à realidade local ou até mesmo preencham lacunas das legislações federal e estadual. Segundo Andrade (2011, p.5) a atuação dos municípios na gestão ambiental
prescinde de articulação de políticas entre os âmbitos federal e estadual “... cujos papéis e níveis de
responsabilidade se relativizam e se distinguem de acordo com as funções, atribuições e competências
em especial com relação ao planejamento, gestão, fiscalização e/ou promoção de atividades direta ou
indiretamente impactantes sobre o meio ambiente”.
Cabe salientar que o licenciamento ambiental é um instrumento preventivo de proteção ambiental, indispensável para instalação de empreendimentos ou atividades potencialmente poluidoras,
cuja aplicação pelo poder público visa controle prévio dos possíveis impactos ambientais. O mesmo
está fundamentado na Lei Nº 6.938/81 que instituiu no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente
PNMA e na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA 237/1997 de forma a efetivar a
utilização do sistema de licenciamento como instrumento de gestão ambiental. Deste modo, a Resolução CONAMA 237, que também já funcionou como principal norma delimitadora das atribuições dos entes federativos dentro do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) é responsável pela instituição
do sistema de licenciamento ambiental único. A regulamentação por meio desta Resolução trouxe a
solução para problemas na definição de qual instância federativa deveria ser realizado o licenciamento
ambiental. Entretanto, de acordo com a Constituição Federal (art. 23, parágrafo único), caberia à Lei
Complementar esta função, sendo a referida resolução considerada, posteriormente, inconstitucional.
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Com o advento da Lei Complementar 140/2011, as competências dos entes federativos, relativas à proteção ambiental, foram regulamentadas. No que diz respeito ao licenciamento ambiental, verificou-se que as normas e conceitos estabelecidos na Resolução 237/1997 foram ratificadas,
sem maiores alterações pela Lei Complementar 140/2011. Permaneceu em vigor o sistema único de
licenciamento pelos órgãos executores do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Art. 13). Com relação
à competência para licenciamento ambiental dos entes federativos observou-se a manutenção do critério da abrangência do impacto “... se local, cabe aos municípios (desde que definidos pelo Conselho
Estadual do Meio Ambiente); se extrapola mais de um município dentro de um mesmo estado, cabe a
este o licenciamento e se ultrapassa as fronteiras do estado ou do país cabe ao órgão federal específico” (ANAMMA, 2012).
POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE
Lei 6.938/81
Política Nacional do Meio Ambiente
Resolução CONAMA 01/86
Resolução CONAMA 237/97
Código Estadual do Meio Ambiente Lei 11.520/00
Resolução CONSEMA Nº102/05
Figura 1: Legislação atual aplicável ao licenciamento ambiental em Porto Alegre (RS)
Porto Alegre, considerada uma cidade de vanguarda em muitos aspectos, dentre eles históricos, culturais, sociais e de movimentos preservacionistas, criou a primeira Secretaria Municipal de
Meio Ambiente (SMAM) no território nacional em 1976. Esta, dotada de corpo técnico multidisciplinar,
iniciou a elaboração de legislações ambientais, ferramentas indispensáveis para a atuação da fiscalização ambiental, o que ocorreu a partir de 1981, em decorrência natural de seu estabelecimento antes
mesmo da municipalização preconizada na Constituição Federal Brasileira de 1998. Inicialmente, a
SMAM priorizou a ampliação e a gestão de áreas verdes urbanas. A partir da década de 90, estruturou-se para promover políticas de proteção ao meio impactável e controlar as atividades impactantes.
Atualmente, o trabalho de fiscalização da SMAM está centrado no Licenciamento Ambiental. Os setores
da secretaria estão divididos em duas grandes supervisões: Supervisão de Praças, Parques e Jardins e
Supervisão de Meio Ambiente (SMAM, 2012). Na figura 1 podemos verificar a Legislação atual aplicável
ao licenciamento ambiental em Porto Alegre (RS).
2.
Impactos ambientais e os instrumentos de avaliação na cidade de Porto Alegre
Uma definição ampliada do conceito de impactos ambientais vislumbra, além da alteração
das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente em virtude da ação humana no
ambiente natural, também os fatores sociais que atuam como causa e efeito destes. Neste contexto,
impacto ambiental pode ser considerado fator desencadeador do processo de mudanças sociais e
econômicas causado por intervenções (uma nova ocupação e/ou construção de um objeto novo: uma
estrada ou uma indústria) no ambiente urbano. Segundo Guerra (2006 p.25), “O impacto ambiental
não é, obviamente, só resultado (de uma determinada ação realizada sobre o ambiente): é relação (de
mudanças sociais e ecológicas em movimento)”.
A avaliação do impacto ambiental local proveniente de empreendimentos e atividades econômicas que afetam os recursos naturais foi delegada aos municípios brasileiros através da Resolução
CONAMA 237/97. De acordo com a mesma estão sujeitos ao prévio licenciamento do órgão ambiental
competente “... a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de emRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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preendimentos e atividades utilizadoras de recursos naturais consideradas efetiva ou potencialmente
poluidoras, bem como os empreendimentos capazes de causar degradação ambiental”. A normativa
considerou a necessidade de se incorporar ao sistema de licenciamento ambiental os instrumentos de
gestão ambiental, visando o desenvolvimento sustentável e a melhoria contínua, constituindo a municipalização do licenciamento ambiental.
Vale lembrar que na elaboração de qualquer tipo de Estudo de impacto ambiental (EIA/RIA, EVU,
EIV), o órgão ambiental fiscalizador elabora um Termo de Referência a partir das informações prestadas pelo
próprio empreendedor na fase de pedido de licenciamento ambiental. Este tem por objetivo estabelecer
as diretrizes orientadoras, conteúdo e abrangência do estudo exigido do empreendedor. No caso de Porto
Alegre, a avaliação do impacto ambiental é realizada pela SMAM que, considerando o impacto a ser gerado,
poderá exigir a aplicação de instrumentos ambientais denominados estudos de impacto.
Historicamente, em Porto Alegre, as análises das repercussões de empreendimentos e atividades econômicas foram realizadas através de um instrumento administrativo denominado Estudo
de Viabilidade Urbanística EVU. O EVU caracteriza uma das etapas do processo administrativo de
licenciamento das edificações ou parcelamentos do solo, representando estudo exigido para situações
expressas na legislação urbanística. A inserção do EVU deve ser feita na etapa em que o interessado
apresenta a proposta preliminar de empreendimento ou atividade ao órgão responsável, com vistas à
análise por parte do poder público, das características envolvidas no projeto. Esta análise aponta os
condicionantes a serem observados, bem como avalia os possíveis impactos advindos da proposta apresentada, podendo exigir a realização de estudos ambientais mais complexos de acordo com o objeto
da solicitação de licenciamento.
A Secretaria do Planejamento Municipal SPM de Porto Alegre, através do Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano Ambiental PDDUA, criou um instrumento denominado Projeto Especial, com
a finalidade de promover análises diferenciadas dos múltiplos impactos de proposições de empreendimentos e atividades com interferência de alguma natureza no ambiente urbano. Enfatiza-se que o
Projeto Especial, encaminhado através de um EVU, pode ser considerado como um instrumento de
proposição da configuração socioespacial da cidade.
Cabe ressaltar que, em função da municipalização do licenciamento ambiental, identificou-se a necessidade de um instrumento de avaliação de impacto ambiental para empreendimentos ou
atividades que não exijam um estudo da magnitude do Estudo de Impacto Ambiental — Relatório de
Meio Ambiente — EIA/RIMA, aplicável às atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas
de significativo potencial de degradação ou poluição. Assim, a Lei Municipal 8267/98 introduziu o
Relatório de Impacto Ambiental RIA e seu respectivo Documento Síntese – DS “como um instrumento
de suporte à análise de propostas de empreendimentos ou atividades potencialmente causadores de
impacto, à semelhança do EIA/RIMA, mas com prazos e conteúdos mais simplificados” (MANN, 2006).
Constatou-se que para os licenciamentos no município de Porto Alegre “como norma geral
aplica-se EIA/RIMA para licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos arrolados no art.
2º, Resolução CONAMA N.º 001/86, com investigações nos meios físico, biótico e antrópico” (ARIOLI,
2008). Quanto à aplicabilidade do RIA-DS, o mesmo surge como forma de compatibilizar o conteúdo
dos estudos ambientais às características de empreendimentos de escala urbana, havendo, neste caso,
investigação nos três meios (físico, biótico e antrópico), ou em apenas um deles.
As licenças ambientais em Porto Alegre são emitidas pela SMAM com base na Lei Municipal nº
8.267/98, considerando a Resolução nº 05/98 do Conselho Estadual de Meio Ambiente e o convênio firmado entre a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM /Secretaria Estadual do Meio Ambiente) com a Prefeitura de Porto Alegre. O tipo de licença emitida (licença prévia, licença de instalação,
licença de operação e licença única) depende do perfil da atividade e de seu porte, e também da fase
em que se encontra sua implantação.
Na avaliação de viabilidade de atividades e empreendimentos, participam diversos órgãos,
com competências específicas, como Secretaria Municipal de Planejamento (SPM), Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), Secretaria Municipal de Transportes (SMT), Secretaria Municipal de Produção, Indústria e Comércio (SMIC), Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), Departamento Municipal
de Água e Esgotos (DMAE), Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e Secretaria Municipal
de Cultura (SMC), constituindo, desta forma, uma comissão técnica multidisciplinar.
3.
Estatuto das cidades e o Estudo de Impacto de Vizinhança EIV
Atualmente, constata-se que o planejamento urbano tradicional, tal como foi institucionalizado nas administrações públicas municipais do país, ao longo dos anos, não é mais capaz de suprir
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soluções adequadas à demanda relacionada à ocupação urbana. Não há como se efetuar grandes intervenções no ambiente urbano como a instalação de shoppings, hipermercados e grandes condomínios,
sem, no entanto, considerar a opinião das pessoas que se avizinham aos empreendimentos em questão, quanto aos equipamentos urbanos disponíveis, impactos ambientais e medidas de compensação
e mitigação necessárias.
Tudo isto implica em superar os desafios de um olhar sistêmico sobre a cidade e sua capacidade suporte. Neste sentido, o Estatuto das Cidades, Lei Federal Nº 10.257, de 10 de Julho de 2001,
regulamenta os Artigos 182 e 183 da Constituição Federal, através do parágrafo único: “estabelecendo
diretrizes gerais da política urbana através de normas de ordem pública e interesse social que regulam
o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem
como do equilíbrio ambiental.” O objetivo da política urbana no Estatuto da Cidade pode ser traduzido em quatro grupos de propósitos, segundo Bassul (2005,P.11): “Promover a gestão democrática das
cidades; oferecer mecanismos para a regularização fundiária; combater a especulação imobiliária; e
assegurar a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos núcleos urbanos.”
Inserido neste contexto, o EIV consiste num documento técnico a ser exigido, com base
em lei municipal, para a concessão de licenças e autorizações de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos ou atividades que possam afetar a qualidade de vida da população
residente na área ou nas proximidades. Cabe ressaltar que o EIV é responsável por reunir os estudos
e informações sistematizadas de um projeto, de natureza ou porte predefinido em lei definida pelo
Art. 36. do Estatuto das Cidades. A necessidade desse novo estudo para concessão dos licenciamentos ambientais em área urbana se deve ao fato de que a instalação de grandes empreendimentos
pode causar transtornos aos moradores da vizinhança por conta do barulho, do aumento do fluxo de
carros e de pessoas. Segundo Pegoraro (2010, p.14), “para entender este novo processo de inclusão
do EIV nas decisões relativas à questão urbana faz-se necessário esclarecer os desafios do planejamento urbano e seu novo paradigma, com planos estratégicos incluindo medição e monitoramento
dos impactos de caráter social”.
O EIV, de acordo com o Art. 37 do Estatuto das Cidades, será executado de forma a
contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade. De acordo com Pegoraro
(2010, p.52), o EIV “apesar de ser instituído tardiamente apresenta um escopo mínimo de questões
a serem analisadas, que abrangem a diversidade e a complexidade urbana”. O EIV identifica e avalia,
previamente, os impactos urbanísticos causados em determinada área da cidade mediante análise
dos seguintes itens: adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, diagnóstico
do meio antrópico (uso e ocupação do solo), valorização imobiliária, geração de tráfego, circulação,
acessibilidade e demanda por transporte público, ventilação e iluminação, paisagem urbana e
patrimônio natural e cultural. Deste modo, define as medidas mitigadoras e compensatórias que
o empreendedor deve atender, servindo como subsídio ao Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).
De acordo com o Artigo 38 do Estatuto das Cidades, a elaboração do EIV não substitui a
elaboração e a aprovação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), requerido pela legislação
ambiental. Segundo Sampaio (2005, p.15): “Busca-se num EIV, preponderantemente, avaliar a repercussão do empreendimento sobre a paisagem urbana; sobre as atividades humanas instaladas; sobre
a movimentação de pessoas e mercadorias; e sobre os recursos naturais da vizinhança.” Neste estudo
pode-se constatar que o EIV assemelha-se ao EIA quanto à avaliação dos impactos ambientais, no entanto, o mesmo diverge significativamente quanto aos seus objetivos. O EIV se destina aos projetos
habitacionais, institucionais ou comerciais, públicos ou privados, para os quais não há a obrigatoriedade de EIA (quando cabe EIA, dispensa-se o EIV), porém causam impacto significativo no meio urbano.
As conclusões resultantes do EIA podem não apenas viabilizar como também impedir a construção de
empreendimentos que comprometam o meio ambiente urbano.
Visto que comunidade é chamada à discussão através de audiências públicas, o EIV também
pode ser considerado um instrumento de mobilização popular, o qual pode evitar que empreendimentos sejam erguidos à revelia do interesse público. Cabe ressaltar que apesar da importância do EIV,
como um dos instrumentos de ordenação territorial urbana e controle de impactos ambientais, ele
ainda é desconhecido da maioria dos cidadãos brasileiros. Muitos municípios ainda não definiram que
critérios serão adotados, dando margem a avaliações de impacto urbano realizadas de maneira superficial. Observa-se que os técnicos de planejamento urbano, na dúvida sobre a aplicação do EIV, muitas
vezes optam por utilizar outros instrumentos de regulação urbana ou ambiental.
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4.
O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) na cidade de Porto Alegre
As cidades de Porto Alegre e São Paulo, amparadas na Política Nacional do Meio Ambiente, a
partir dos anos 90 já se utilizavam de instrumentos de impacto, incluindo o EIA, a fim de dar melhor
suporte às decisões relativas às intervenções no espaço urbano, além de instituírem instrumentos
semelhantes ao EIV, visando analisar os efeitos de determinados empreendimentos. Soma-se a isso o
fato do cidadão porto-alegrense já estar habituado ao perfil de administração municipal que inclui a
participação popular, introduzido há cerca de duas décadas pelo Orçamento Participativo e a socialização de informações através da realização de audiências públicas.
Entretanto, no que se refere à participação da população quanto à instalação de empreendimentos comerciais, atualmente Porto Alegre conta somente em algumas situações com o EIA e
com a possibilidade de manifestação nestas audiências. Ressalta-se que as mesmas, por ter caráter
consultivo, não suprem a função que o EIV deve cumprir. Isto se traduz em inúmeras solicitações de
mediação ao Ministério Público, decorrentes dos conflitos constantes entre a aplicação do previsto no
Plano Diretor, a intenção dos empreendedores e os direitos e as expectativas da vizinhança.
A cidade de São Paulo, apesar de possuir um histórico importante de ações, projetos e planos
ligados à política urbana desde o início do século passado, o EIV, contemplado no Plano de Desenvolvimento Estratégico (PDE), até 2010 ainda não havia sido regulamentado. Em decorrência disto,
os próprios órgãos municipais têm se manifestado impedidos de mediar os interesses envolvidos na
instalação de empreendimentos pela ausência da regulamentação do EIV. Com a aprovação do EIV em
27 de fevereiro de 2012, pela Câmara Municipal de Porto Alegre, em fase de regulamentação, acena-se para modificação do panorama acima descrito. A coordenação do EIV será atribuída à Secretaria
do Planejamento Municipal, que deverá emitir um Termo de Referência (TR) definindo as questões a
serem avaliadas para o licenciamento de novos empreendimentos. A análise do EIV deverá ser realizada por uma equipe multidisciplinar com a participação de
técnicos dos diversos órgãos públicos relacionados com os itens do estudo. O estudo deve ser contratado pelo empreendedor junto a uma consultoria ou empresa especializada e elaborado por responsável
técnico habilitado. A SPM deverá promover audiências públicas, de acordo com a normativa, com a
finalidade de divulgar o conteúdo do EIV, esclarecer dúvidas e receber sugestões da comunidade. As
propostas servirão de subsídios para a tomada de decisão sobre a implantação do empreendimento.
Pelo exposto até aqui, acredita-se que na compatibilização de instrumentos para licenciamento ambiental não devem ser desconsiderados conhecimentos adquiridos através do uso de instrumentos de gestão preexistentes, como o uso do EIV para casos de maior impacto urbanístico, agregando análises ainda não plenamente contempladas. O EIV é uma medida preventiva, enquanto que o
EIA, além de preventiva, também é corretiva, sendo então imprescindível sua aplicação nas análises
urbano ambientais. Podem existir dúvidas quanto à aplicação do EIV, por se tratar de um novo instrumento de controle da política urbana e pela semelhança com o EIA. Entretanto, cabe salientar que o
EIV é voltado às questões urbanísticas. A discussão reside no fato de que o EIV não substitui a elaboração e a aprovação do EIA, requerido na legislação ambiental. Segundo a SPM de Porto Alegre, torna-se
desnecessária a realização do EIV em duas situações: “quando os impactos puderem ser identificados
pelo EVU, desde que aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental, ou
quando a avaliação dos efeitos na cidade for solicitada pelo município por meio de EIA/Rima ou RIA/
DS” (SPM, 2008).
Considerações finais
Durante a realização deste trabalho verificou-se que o Estatuto da Cidade trata de um mecanismo de gestão democrática do espaço urbano, na medida em que prevê, entre outros requisitos, a
criação do Estudo de Impacto de Vizinhança, permitindo a participação popular através de audiências
públicas nas discussões acerca da implantação de novos empreendimentos comerciais.
No estudo constata-se que a aplicação do EIV nos licenciamentos ambientais dos empreendimentos, por ser um instrumento de avaliação dos impactos com ênfase nos aspectos urbanísticos, vem
legitimar o emprego dos princípios ecológicos na gestão urbana, uma vez que muitos elementos avaliados são também fundamentais para a administração de questões técnicas relativas à infraestrutura,
como saneamento, drenagem e controle da poluição do ar nas cidades.
Considera-se a aprovação da proposta de regulamentação do EIV para a Prefeitura de Porto
Alegre um ganho para o licenciamento ambiental local, visto que o referido instrumento pode oferecer
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uma visão integral do empreendimento em questão, superando os pareceres fragmentados das diferentes secretarias, que podem isentar de responsabilidade o Poder Executivo das consequências resultantes
da aprovação destes empreendimentos. Cabe ressaltar que a implantação do EIV somente cumprirá com
seus objetivos se o mesmo se constituir num instrumento de diálogo do poder público, da Prefeitura,
representada pela Secretaria do Planejamento Municipal, com a comunidade do entorno de futuros
empreendimentos. Acredita-se que somente assim o mesmo poderá se estabelecer como instrumento
democrático de discussão e proteção aos moradores da vizinhança, funcionando como um mecanismo de
detecção prévia dos possíveis impactos causados pela instalação de grandes empreendimentos.
Neste sentido, o EIV servirá como referência na definição de medidas de mitigação e compensação de danos, buscando o licenciamento ambiental com critérios de sustentabilidade urbana. Acredita-se que ao regulamentar o EIV, a prefeitura dará continuidade a um perfil de cidade que sempre
se caracterizou pela inovação na utilização de instrumentos para fornecer elementos aos gestores e à
comunidade quando do exame e da aprovação de empreendimentos, como é o caso do Licenciamento
Ambiental e do Estudo de Viabilidade Urbanística.
Conclui-se que a correta utilização do EIV nos licenciamentos ambientais permitirá o estabelecimento de parâmetros importantes não apenas na mitigação de impactos negativos como também
contribuirá na construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável no qual as preocupações com as questões ambientais no espaço urbano passam a ser prioritárias para o sucesso do desenvolvimento das cidades.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Ciências Tecnológicas
Pesquisa de clima organizacional: um
estudo de caso em um banco
privado de Porto Alegre no
Rio Grande do Sul
Neuri A. Zanchet*
Liége Pires do Rosário Lau**
Rodrigo Policarpo***
Resumo
O presente estudo tem como objetivo identificar como os funcionários de um banco
privado de Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul percebem o clima organizacional no qual estão inseridos considerando as seguintes variáveis: remuneração e
benefícios, relacionamento interpessoal, ambiente de trabalho, segurança no trabalho, comunicação e processo decisório. Para a realização do estudo utilizou-se uma
pesquisa exploratória com abordagem quantitativa. O “research design” empregado
é o de estudo de caso, com base em uma revisão bibliográfica e um questionário
aplicado aos funcionários da instituição. Os resultados demonstram um alto nível
de satisfação (61,44%) dos funcionários quanto ao clima organizacional. Contudo,
percebe-se que existe uma parcela considerável de 32,08% dos funcionários que estão insatisfeitos. Portanto, a instituição deve buscar melhorias quanto aos fatores
indicados pelos funcionários como insatisfatórios, visto que essa insatisfação é um
motivador de ambiente negativo, interferindo no trabalho realizado na instituição.
Palavras-chave
Clima organizacional. Ambiente de trabalho. Relacionamento interpessoal. Remuneração e benefícios
Abstract
This study aims at identifying how the co-workers of a private bank from the city of
Porto Alegre, Southern Brazil, evaluate the organizational climate considering the
following variables: remuneration and benefits, interpersonal relationship, working
environment, occupational safety, communication, and decision making processes.
We used an exploratory research with a quantitative approach. The research design
is that of a case study based on a bibliographical research and a questionnaire applied to the co-workers of the bank. Results indicated a high level of satisfaction of
the employees (61.44%) in relation to the organizational climate. However, there
was a significant proportion of employees (32.08%) that were dissatisfied. Thus, the
organization should seek improvements regarding the factors which were indicated
as unsatisfactory, considering that these factors could constitute a source of negative environment, interfering with the work of the organization.
Bacharel em Administração. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Doutor em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do
Sul – Unisc. Consultor de Empresas e professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected]
Psicóloga, mestre em Ciências Sociais Aplicadas, especialista em Administração e Estratégia Organizacional, professora da Faculdade Dom
Bosco de Porto Alegre, consultora de empresas. E-mail: [email protected]
***
Bacharel em Administração Pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected]
*
**
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Key words
Organizational climate. Working environment. Interpersonal relationship. Remuneration and benefits.
1.
Introdução
Atualmente, as instituições que atuam no segmento bancário possuem em geral profissionais com o mesmo nível de qualificação e o mesmo padrão tecnológico. Porém, num cenário incerto
e competitivo em que as organizações estão inseridas, há a necessidade de constante adaptação e
diferenciação de modo a garantir maior competitividade e manutenção das atividades. Daí resulta
a necessidade de estudar o comportamento dos trabalhadores, sua relação com a organização e entender como esse comportamento produz o clima organizacional que, por sua vez, irá influenciar na
competitividade da organização.
O clima organizacional é uma manifestação não visível, mas perfeitamente percebida por
toda organização. Envolve, necessariamente, as características dos indivíduos e suas relações com todos os aspectos internos e externos a ela. O estudo de clima organizacional devidamente diagnosticado
é um indicativo que serve para o gestor satisfazer as necessidades dos funcionários, ao mesmo tempo
em que direciona essa satisfação para a realização dos objetivos da organização.
Este estudo tem como objetivo principal identificar como os funcionários de um Banco privado de Porto Alegre no Rio Grande do Sul percebem o clima organizacional no qual estão inseridos considerando as seguintes variáveis: remuneração e benefícios, relacionamento interpessoal, ambiente de
trabalho, segurança no trabalho, comunicação e processo decisório.
O presente estudo está organizado em cinco seções, sendo esta introdução a primeira delas. Na segunda seção, apresenta-se a fundamentação teórica pertinente à pesquisa, no sentido de
oferecer suporte teórico e subsídios aos conceitos estudados. Na terceira, descreve-se a metodologia
utilizada na pesquisa. E, na quarta, apresentam-se os resultados obtidos, bem como a análise destas
informações. Por fim, na última seção apresentam-se as considerações finais.
2.
Clima organizacional
O clima organizacional retrata como o funcionário se sente dentro do contexto organizacional
que está inserido, sendo que este pode ser considerado bom e, por consequência, impactar diretamente
nos resultados positivos da empresa pela alta produtividade aliada a motivação. É possível, ainda, que o
clima organizacional reflita um resultado negativo, pela desmotivação do funcionário em estar fazendo
parte da empresa, diminuindo o rendimento e, consequentemente, reduzindo o resultado da empresa.
O estudo do clima organizacional é um instrumento de grande valia para a sustentabilidade
de uma empresa, uma vez que por meio deste pode-se diagnosticar o ambiente organizacional e até
mesmo sanar as deficiências que forem apresentadas.
Para Luz (2003, p. 6), clima organizacional é “o reflexo do estado de espírito ou ânimo das
pessoas, que predomina numa organização, em um determinado período”.
Já, para Maximiano (2009, p. 242), o clima organizacional “é uma medida de como as pessoas
sentem-se em relação à organização e a seus administradores”. De acordo com Lacombe (2005, p.
236), o clima organizacional reflete “o grau de satisfação do pessoal com o ambiente interno da empresa”. Está vinculado à motivação, à lealdade e à identificação com a empresa, à colaboração entre
as pessoas, ao interesse no trabalho, à facilidade das comunicações internas, aos relacionamentos entre as pessoas, aos sentimentos e emoções, à integração da equipe e outras variáveis intervenientes.
Assim, de acordo com Maximiano (2009), o clima organizacional pode ser classificado de
duas formas distintas: clima organizacional favorável ou positivo e clima organizacional desfavorável
ou negativo, de forma que ambos poderão acarretar consequências para a empresa. O clima organizacional é favorável ou positivo quando predominam na empresa atitudes positivas, como uma boa
comunicação interna e externa, integração entre departamentos, uma adequada remuneração para
todos os funcionários, dentre outros aspectos. Tais atitudes proporcionam ao ambiente de trabalho
um aspecto favorável, pois há alegria, entusiasmo, engajamento, participação, dedicação, satisfação
e motivação por partes das pessoas. O clima organizacional desfavorável ou negativo existe quando
algumas variáveis organizacionais e/ou ambientais afetam de maneira negativa o ânimo da maioria dos
funcionários, gerando tensões, discórdia, rivalidades, dentre outras atitudes.
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Segundo Luz (2003), o clima organizacional pode ser bom, prejudicado ou ruim. Quando o
clima é bom predominam atitudes positivas que tornam o ambiente favorável. Já o clima prejudicado
ou ruim ocorre quando algumas variáveis orga­nizacionais afetam negativamente o ânimo da maioria
dos funcioná­rios.
Para Chiavenato (2004), o clima de uma empresa pode ser saudável ou doentio, pode ser
quente ou frio, pode ser negativo ou positivo, satisfatório ou insatisfatório, dependendo de como os
participantes se sentem em relação à sua empresa. Ele “é favorável quando proporciona satisfação
das necessidades pessoais dos participantes. É desfavorável quando proporciona frustração daquelas
necessidades” (CHIAVENATO, 2004, p. 53).
Robbins (2005) observa que a satisfação com o trabalho se refere à atitude de uma pessoa com
relação ao trabalho realizado, sendo aquele satisfatório quando este apresenta atitudes positivas e insatisfatório quando apresenta atitudes negativas. Acrescenta que entre os fatores que podem influenciar
na satisfação no trabalho estão aspectos relacionados a tarefas mentalmente desafiadoras, recompensas
justas, condições de trabalho estimulantes e as relações com os colegas. Quando os funcionários estão
satisfeitos, parecem mais dispostos a falar bem da organização, a ajudar colegas e ultrapassar as expectativas em relação ao seu trabalho, pois querem retribuir suas experiências positivas.
A pesquisa de clima organizacional é um processo adequado e importante que pode auxiliar
muito os gestores a identificar percepções e atuar nas melhorias, seja em organizações privadas ou
públicas (BISPO, 2006).
Luz (2003) destaca como objetivo da pesquisa de clima organizacional a identificação, junto aos
funcionários, do nível de satisfação, entendimento, envolvimento e opiniões sobre aspectos da cultura,
normas, políticas, métodos, procedimentos e hábitos existentes e praticados na organização, bem como
as expectativas de progresso, possibilidade de carreira, relacionamento profissional e também pessoal.
Assim, de acordo com Luz (2003, p. 28), para realizar uma pesquisa de clima organizacional,
devemos abordar os funcionários da empresa para verificar o que eles pensam e como agem em relação
a diferentes variáveis organizacionais que têm impacto no clima organizacional. Entre estas variáveis,
podem ser destacadas as seguintes:
• O trabalho em si: procura-se conhecer a percepção e atitude das pessoas em relação ao
trabalho que executam.
• Integração interdepartamental: avalia o grau de cooperação e relacionamento existente
entre os diversos departamentos da empresa.
• Salário: analisa a existência de eventuais distorções e descontentamentos em relação aos
salários pagos.
• supervisão: aponta o grau de satisfação do funcionário com a sua chefia.
• Comunicação: procura explorar o conhecimento que os funcionários têm sobre os fatos
relevantes da empresa, seus canais de comunicação, etc.
• Progresso profissional: avalia as oportunidades de treinamento, promoções e carreira que
a empresa oferece.
• Relacionamento interpessoal: verifica o grau de relacionamento existente entre os funcionários, suas chefias e a própria organização.
• Estabilidade no emprego: procura-se conhecer o sentimento de segurança das pessoas em
relação aos seus empregos.
• Processo decisório: revela se a supervisão é centralizada ou descentralizada.
• Benefícios: apura o grau de satisfação com relação aos diferentes benefícios oferecidos
pela empresa e se as necessidades básicas dos funcionários andam bem atendidas.
• Condições físicas de trabalho: verifica-se as condições de conforto e a qualidade das instalações em geral.
• Relacionamento empresa x sindicato x funcionários: avalia o atendimento às queixas e reclamações dos funcionários, bem como sua satisfação em relação ao sindicato.
• Disciplina: verifica-se o grau de rigidez das normas disciplinares e a insatisfação que gera;
• Participação: mede algumas formas de participação na gestão da empresa.
• Pagamento: avalia os erros existentes no pagamento do pessoal e o conhecimento dos funcionários sobre os descontos efetuados.
• Segurança: levantando o grau de satisfação quanto à preocupação e providências da empresa em relação à integridade física da sua força de trabalho, minimizando os riscos de
acidentes de trabalho e doenças profissionais.
• Objetivos organizacionais: verifica a clareza com que os objetivos e planos de ação são
comunicados aos empregados.
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• Orientação para resultados: revela até que ponto a empresa estimula ou exige que seus
funcionários se responsabilizem pela consecução de resultados.
Neste contexto, apresentamos, a seguir, as variáveis organizacionais que foram escolhidas
para a elaboração do questionário aplicado aos funcionários do Banco pesquisado.
Remuneração e benefícios
Na concepção de Daft (1999), a remuneração refere-se a pagamentos monetários e não monetários utilizados na recompensa de funcionários de uma organização.
Segundo Lacombe (2005, p.147), remuneração é:
“a soma de tudo o que é periodicamente pago aos empregados por serviços prestados: salários, gratificações, adicionais, bem como todos os benefícios financeiros,como prêmios por produtividade, participação nos resultados e opções de compra de ações entre outros.”
Normalmente a remuneração é constituída de três componentes principais, sendo que a proporção relativa de cada um dos três componentes varia de uma organização para outra. São: remuneração básica que é o pagamento fixo que o funcionário recebe na forma de salário mensal ou por hora,
recebido de acordo com a venda de seu trabalho; incentivos salariais que são programas desenhados
para recompensar funcionários com bom desempenho através de bônus e participação nos resultados
como recompensas por resultados alcançados e benefícios que são concedidos através de diversos
programas, como férias, seguro de vida, plano de saúde, refeições, transportes. Esses programas são
quase sempre denominados remuneração indireta.
Segundo Chiavenato (2004), a administração científica baseia-se na concepção do homo economicus, no qual o homem é motivado somente pela busca do dinheiro e pelas recompensas salariais e materiais do trabalho. Mayo, citado por Chiavenato (2004, p.116), propôs uma nova teoria da motivação: “o ser
humano é motivado, não por estímulos salariais e econômicos, mas por recompensas sociais e simbólicas.”
Para White, citado por Gellerman (1976), muitos gestores acreditam que a motivação é sinônima de dinheiro que estimula a produção e garante a lealdade dos funcionários. A remuneração produz
grande efeito nas ideias e no comportamento do pessoal, mas isso não é tudo como pensa o gestor. O
dinheiro é apenas uma das preocupações do operário. Muitas vezes ele pensa na relação com o seu grupo
de trabalho como um fator mais relevante. Segundo Bergamini (2004, p.58), “os sistemas de recompensas conseguem apenas uma submissão temporária por parte dos empregados. São ineficazes em produzir
mudanças duradouras de comportamento e atitudes”. Muitos fatores influenciam no comportamento do
funcionário, desde o seu relacionamento fora da organização até o ambiente de trabalho.
Relacionamento interpessoal
De acordo com Waldow (2006), relacionamento interpessoal significa a busca da integralidade
pessoal, atentando para as características individuais e o relacionamento com os outros.
Luz (2003, p. 43), entende relacionamento interpessoal como sendo “as relações pessoais
entre funcionários, entre eles e sua chefia, entre os funcionários e a empresa, considerando a intensidade de conflitos”.
Neste sentido, ele é um forte indicador do clima organizacional. Ao apropriar-se das análises
das relações interpessoais em dado contexto organizacional, “é possível identificar as sinalizações
para a caracterização da cultura existente” (KANAANE, 1999, p.39).
Para Chiavenato (2004), o relacionamento interpessoal se constitui numa reciprocidade, por
vezes influenciadora, que nos permite compreender os sujeitos da interação no exercício de seus papéis: calorosas e amistosas, ou desconfiadas, ameaçadoras e sentimentais. Essas bases influenciam, de
modo geral, todo o contexto organizacional, como por exemplo, na elaboração do layout, na determinação dos espaços e nos relacionamentos interpessoais.
Ambiente de trabalho
De acordo com Lacombe (2005), o ambiente é tudo que envolve o sistema organizacional, ou
seja, ambientes macroeconômicos e microeconômicos. O ambiente de trabalho é constituído de duas
partes distintas: a física que engloba todos os materiais e equipamentos disponibilizados para o desem94
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penho das tarefas, analisando as condições reais proporcionadas ao funcionário para a realização de
suas atividades e a social que são as pessoas que o habitam. As pessoas são produtos do ambiente em
que vivem, têm sentimentos e comportam-se de acordo com o conjunto que as cercam, seja o espaço
físico ou social.
Luz (2003, p. 44) define condições físicas do trabalho como sendo uma variável determinante
do clima organizacional, em função da “qualidade e do conforto das condições de trabalho, das instalações, dos recursos disponíveis para execução do trabalho, da tecnologia, vestiários, local de trabalho
e carga horária”.
Tamayo (1999, p. 243) observa que, embora os indivíduos não percebam o ambiente de trabalho de mesma forma, “existem sempre elementos comuns na percepção e na interpretação do
ambiente organizacional”.
Segurança no trabalho
A segurança vem sendo definida como a mais constante preocupação do homem. É um fenômeno mundial e imprescindível quando o propósito é manter um ambiente de trabalho saudável e
produtivo (MARRAS, 2000).
Segundo Chiavenato (2004, p. 352), segurança no trabalho “é o conjunto de medidas técnicas, educacionais, médicas e psicológicas utilizadas para prevenir acidentes seja eliminando condições
inseguras do ambiente, seja instruindo as pessoas da utilização de práticas preventivas”.
De acordo com Carvalho e Nascimento (2002), a segurança no trabalho objetiva proteger as
pessoas, o patrimônio, o conceito, a imagem da organização e os valores existentes. Como principais
objetivos observados na prática de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, visualizam-se: “a
eliminação das causas das doenças profissionais; prevenção de agravamento de doenças e de lesões;
manutenção da saúde dos trabalhadores e aumento da produtividade por meio de controle do ambiente de trabalho” (CHIAVENATO, 2004, p. 352).
O mapeamento de localização de áreas de riscos, providências para eliminação de riscos de
acidentes e inspeções periódicas faz parte da observação que se exige da administração com fatores
que possibilitem um aumento nos riscos do trabalho. Havendo a precaução em se identificar esses
pontos com um mapeamento estruturado, as possibilidades de acidentes e condições adversas à saúde
tornam-se minimizados (TACHIZAWA, 2001).
Comunicação
Segundo Chiavenato (2004, p.304), comunicação “é o processo de transmissão de uma informação de uma pessoa para outra, sendo então compartilhada por ambas”.
Lopes (2006) entende que a comunicação é fundamental na gestão e nos procedimentos das
empresas, auxiliando na condução de suas políticas, para que não se espalhem boatos, rumores e suposições. A comunicação permite o acompanhamento, a avaliação e o julgamento dos resultados. Por isso,
deve envolver todos os indivíduos que, direta ou indiretamente, participem do processo, a fim de que
todos possam compartilhar do mesmo sentimento de missão e oferecer sua contribuição para o sucesso.
Os estudos de Robbins (2005, p. 326) revelam que a comunicação “tem quatro funções básicas
dentro de um grupo ou de uma organização: controle, motivação, expressão emocional e informação”.
E ainda, que para sua realização o processo se concretiza da seguinte forma:
Antes que a comunicação se realize, ela necessita de um propósito, de uma mensagem a ser transmitida entre um emissor e um receptor. O emissor codifica a mensagem (convertendo-a em um formato
simbólico) e a transmite por um meio (canal) até o receptor, que a traduz (decodifica). O resultado é a
transferência de um significado de uma pessoa para a outra (ROBBINS, 2005, p. 327).
Torna-se necessário o investimento das empresas no aprimoramento da comunicação interpessoal, grupal e organizacional, pois as distorções e ambiguidades entre as mensagens verbais e não verbais
são fatores de graves problemas e insatisfação dos funcionários e clientes, gerando perda de negócios.
Processo Decisório
Tomada de decisão é o processo pelo qual são escolhidas algumas ou apenas uma entre muitas
alternativas para as ações a serem realizadas. Chiavenato (2004, p. 710) define decisão como “o proRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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cesso de análise e escolha entre várias alternativas disponíveis do curso de ação que a pessoa deverá
seguir”. É tarefa mais característica do gestor. Porém, eles não são os únicos a decidir, pois o trabalho
do executivo consiste não apenas em tomar decisões próprias, mas também em providenciar para que
toda a organização que dirige, ou parte dela, tome-as também de maneira efetiva (CHIAVENATO, 2004).
Simon (1970) desenvolveu importantes estudos sobre a tomada de decisão. Relata que o ato
de decidir é essencialmente uma ação humana e comportamental. Ela envolve a seleção, consciente
ou inconsciente, de determinadas ações entre aquelas que são fisicamente possíveis para o agente e
para aquelas pessoas sobre as quais ele exerce influência e autoridade. Tomar decisão depende de
conhecer e ter a iniciativa de decidir; sem a atitude não há a tomada de decisão.
3.
Procedimentos Metodológicos
Conforme a taxonomia proposta por Vergara (2007, p. 46) pode-se definir o tipo de pesquisa
de acordo com dois critérios: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, ou seja, quanto ao
propósito deste estudo, a pesquisa foi exploratória. Segundo Gil (2007, p. 41), a pesquisa exploratória
“tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com a situação problema, explicitar ou construir
proposições para estudos subsequentes”. O presente estudo tem por finalidade proporcionar maiores
informações sobre o tema pesquisado.
Quanto aos meios de investigação, este estudo se enquadra como uma pesquisa de caráter bibliográfico e de estudo de caso. Segundo Yin (2005, p.19), o método de estudo “representa a estratégia
preferida quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra
em fenômenos inseridos em algum contexto da vida real”. A realização da pesquisa diretamente com os
funcionários do Banco, que dispunham das informações, caracteriza o presente estudo como um estudo
de caso. Segundo Vergara (2007, p. 47), a pesquisa bibliográfica consiste em “um estudo sistematizado
desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas que são acessíveis ao público em geral”.
Para a fundamentação teórico-metodológica, foi necessário um estudo contínuo, baseado em livros, artigos, além de periódicos que abordam os assuntos referentes ao objeto de estudo e o método de pesquisa.
A população-alvo desta pesquisa foram todos os funcionários do Banco. Na ocasião da pesquisa (setembro de 2011), o Banco contava com 28 funcionários. O instrumento utilizado para a coleta
de dados foi um questionário que continha duas partes. A primeira estava composta por questões
genéricas buscando informações acerca dos dados sociodemográficos como: sexo, idade, estado civil,
escolaridade e tempo de serviço no banco. Na segunda parte, o questionário apresenta uma escala
de cinco pontos: 1 – muito insatisfeito; 2 – insatisfeito; 3 – neutro; 4 – satisfeito e 5 – muito satisfeito,
com a finalidade de que os respondentes classifiquem o grau de satisfação quanto às variáveis: remuneração e benefícios, relacionamento interpessoal, ambiente de trabalho, segurança no trabalho,
comunicação e processo decisório no Banco.
As análises foram feitas em forma de pesquisa qualitativa, com auxílio do software Microsoft
Excel, o que possibilitou analisar a situação encontrada através do cruzamento das respostas e elaboração de gráficos. Segundo Malhotra (2001, p. 155), “a pesquisa quantitativa procura quantificar os
dados e aplicar alguma forma de análise estatística”.
Desta forma, após os dados coletados, verificou-se a frequência de cada resposta e calculou-se a porcentagem de cada categoria em relação ao total, possibilitando verificar o nível geral de
satisfação/insatisfação dos funcionários do Banco em relação a todos os itens abordados na pesquisa.
4.
Apresentação e análise dos dados
4.1
Informações sociodemográficas
Em relação aos dados sociodemográficos dos respondentes, quanto ao sexo, verificou-se que
39,29% são homens e 60,71%, mulheres. A faixa etária predominante (50%) é de 28 a 35 anos; 28,57%
estão entre 45 e 55 anos, bem como 10,71% dos 36 a 44 anos e dos 23 a 27 anos, respectivamente. O
estado civil é preponderantemente (78,57%) casado ou união estável; e 21,43% são solteiros. O grau de
instrução predominante é o de nível superior completo, representado por 64,29% do total dos respondentes; nenhum respondente possui apenas o ensino fundamental; 25% possuem ensino médio e 10,71%
possuem pós-graduação. O tempo de serviço no Banco predominante é de acima de 10 anos, com o
percentual de 39,29% do total dos respondentes; 7,14% possuem até 2 anos; 25% possuem acima de 2
anos até 5 anos e 28,57% acima de 5 anos até 10 anos de tempo de serviço na instituição.
96
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4.2
4.2.1
Variáveis pesquisadas
Remuneração e benefícios
As questões relativas à variável remuneração e benefícios visam avaliar a percepção dos
funcionários quanto à compatibilização dos salários e benefícios da empresa com os praticados no
mercado; o equilíbrio existente na empresa entre os salários dos cargos de mesma importância.
No que diz respeito à equivalência do salário do Banco em relação ao de outras instituições
financeiras (questão 01): uma pessoa (3,57%) está muito insatisfeita; quatro (14,29%) estão insatisfeitas; duas (7,14%) são neutras; 18 (64,29%) estão satisfeitas e três pessoas (10,71%), encontram-se
muito satisfeitas.
Quanto à adequação do salário em relação a sua respectiva função (questão 02): cinco pessoas (18%) estão insatisfeitas; 19 (67,86%) estão satisfeitas e quatro (14,29%) estão muito satisfeitas.
Em relação à comissão paga sobre a venda de produtos do Banco (questão 03): 10 pessoas
(36%) estão muito insatisfeitas; oito (29%) insatisfeitas, e 10 pessoas (35,71%) são neutras.
Sobre os outros benefícios oferecidos pelo Banco como gratificações, prêmios, abonos, entre
outros (questão 04): seis pessoas (21,43%) são neutras; 12 (42,86%) estão satisfeitas e cerca de 10
pessoas (35,71%) estão muito satisfeitas.
Relativo ao pagamento da participação nos lucros e resultados (questão 05): 13 pessoas (46%)
estão muito insatisfeitas; oito (29%) estão insatisfeitas; enquanto sete pessoas (25%) estão satisfeitas.
Em suma, o percentual total de satisfação do grupo de respondentes, em relação à variável
remuneração e benefícios, ficou assim: 17,14% estão muito insatisfeitos; 17,86% estão insatisfeitos;
12,86% são neutros; 40% estão satisfeitos e 12,14% encontram-se muito satisfeitos.
Dessa forma, verifica-se que a maior parte do grupo de respondentes encontra-se satisfeito
em relação à remuneração e benefícios pagos pela Instituição. Porém, Bergamini alerta que (2004,
p.58) “os sistemas de recompensas conseguem apenas uma submissão temporária por parte dos empregados. São ineficazes em produzir mudanças duradouras de comportamento e atitudes”.
40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
40,00%
17,14% 17,86%
12,86%
Muito
Insatisfeito Insatisfeito
Neutro
12,14%
Satisfeito
Muito
Satisfeito
Figura 6 – Variável remuneração e benefícios
Fonte: dados de pesquisa
4.2.2
Relacionamento interpessoal
Este item é formado por quatro questões que visam avaliar a qualidade das relações interpessoais existentes entre funcionários, suas chefias e a própria organização.
Quanto à atmosfera de cooperação existente no Banco (questão 06): 15 pessoas (53,57%)
estão satisfeitas e 13 (46,43%) estão muito satisfeitas.
Já em relação à confiança no trabalho dos colegas (questão 07): três pessoas (11%) estão muito insatisfeitas; sete (25%) estão insatisfeitas; duas (7,14%) são neutras; 10 (35,71%) estão satisfeitas
e seis pessoas (21,43%) estão muito satisfeitas.
Sobre a existência de bom relacionamento entre as pessoas (questão 08): uma pessoa (4%)
está muito insatisfeita; uma (4%) está insatisfeita; 22 (78,57%) estão satisfeitas e quatro pessoas
(14,29%) estão muito satisfeitas.
Relativamente à existência de harmonia no relacionamento entre os gestores e os subordiRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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nados (questão 09): uma pessoa (4%) está muito insatisfeita; uma (4%) está satisfeita; uma (4%) está
neutra; 14 (50%) estão satisfeitas e 11 pessoas (39%) estão muito satisfeitas.
O percentual de satisfação do grupo em relação à variável relacionamento interpessoal ficou
assim: 4,46% estão muito insatisfeitos; 4,81% estão insatisfeitos; 2,68% estão neutros; 54,46% estão
satisfeitos e 30,36% encontram-se muito satisfeitos. Esses resultados indicam que as relações pessoais
dos funcionários entre si e deles com a chefia são, em sua maioria, boas.
60,00%
54,46%
50,00%
40,00%
30,36%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
4,46%
Muito
Insatisfeito
8,04%
Insatisfeito
2,68%
Neutro
Satisfeito
Muito
Satisfeito
Figura 7 – Variável relacionamento interpessoal
Fonte: dados de pesquisa
4.2.3
Ambiente de trabalho
A variável ambiente de trabalho é estruturada em nove questões que visam avaliar a qualidade e o conforto das condições físicas, das instalações, dos recursos colocados à disposição dos
funcionários para a realização dos seus trabalhos.
Tratando-se da iluminação no ambiente de trabalho (questão 10): 14 pessoas (50%) estão
satisfeitas, enquanto outras 14 (50%) encontram-se muito satisfeitas.
Quanto à existência de ruídos que prejudicam o trabalho (questão 11): duas pessoas (7%) estão muito insatisfeitas; 13 (46%) estão insatisfeitas; sete (25%) estão satisfeitas e seis pessoas (21,43%)
estão muito satisfeitas.
Já em relação à temperatura no ambiente de trabalho (questão 12): duas pessoas (7%) estão muito
insatisfeitas; duas (7%) estão insatisfeitas; 10 (35,71%) estão satisfeitas e 14 (50%) estão muito satisfeitas.
Sobre a duração da jornada de trabalho (questão 13): oito pessoas (29%) estão muito insatisfeitas; 14 (50%) estão insatisfeitas; quatro (14,29%) estão satisfeitas e duas pessoas (7,14%) estão
muito satisfeitas.
Quanto ao pagamento das horas extras devidas (questão 14): 22 pessoas (78,57%) estão satisfeitas e seis pessoas (21,43%) estão muito satisfeitas.
No que diz respeito à existência de períodos de descanso durante a jornada de trabalho (questão 15): duas pessoas (7%) estão muito insatisfeitas; oito (29%) estão insatisfeitas; quatro (14,29%) estão satisfeitas e 14 pessoas (50%) estão muito satisfeitas.
Em relação ao respeito pelo período de férias remuneradas dos empregados (questão 16): seis
pessoas (21%) estão insatisfeitas; nove (32,14%) encontram-se satisfeitas e 13 pessoas (46,43%) estão
muito satisfeitas.
Sobre a existência de tecnologia adequada para a realização do trabalho (questão 17): quatro
pessoas (14,29%) estão satisfeitas e 24 (85,71%) estão muito satisfeitos.
Quanto à utilização tecnológica do Banco em relação ao mercado (questão 18): todos os respondentes, ou seja, 28 pessoas (100%) encontram-se muito satisfeitas.
Fazendo uma análise geral da variável ambiente de trabalho, verificou-se o seguinte percentual total de satisfação do grupo de respondentes: 5,56% estão muito insatisfeitos; 17,06% estão
insatisfeitos; 29,37% encontram-se satisfeitos e 48,02% estão muito satisfeitos. Observa-se que embora
os funcionários não percebam o ambiente de trabalho de mesma forma, “existem sempre elementos
comuns na percepção e na interpretação do ambiente organizacional” (TAMAYO, 1999, p. 243).
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50,00%
45,00%
40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
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5,00%
0
48,02%
29,37%
17,06%
5,56%
0,00%
Muito
Insatisfeito
Insatisfeito
Neutro
Satisfeito
Muito
Satisfeito
Figura 8 – Variável ambiente de trabalho
Fonte: dados de pesquisa
4.2.4
Segurança no trabalho
Para avaliar a variável segurança no trabalho, foram estruturadas três questões, conforme segue:
Quanto aos meios de prevenção a incêndios (questão 19): oito pessoas (29%) estão muito insatisfeitas; oito (29%) estão insatisfeitas; nove (32,14%) são neutras e três pessoas (10,71%) estão satisfeitas.
Sobre os meios de prevenção a acidentes (questão 20): oito pessoas (29%) estão muito insatisfeitas; oito (29%) estão insatisfeitas; nove (32,14%) são neutras e três pessoas (10,71%) estão satisfeitas.
No que se refere aos meios de prevenção a roubos (questão 21): 18 pessoas (64%) estão muito
insatisfeitas; quatro (14%) estão insatisfeitas; seis pessoas (22%) estão satisfeitas.
De acordo com os dados da Figura 9, o percentual de satisfação do grupo de respondentes em
questão foi o seguinte: 40,48% estão muito insatisfeitos; 23,81% estão insatisfeitos; 21,43% são neutros
e 14,29% estão satisfeitos.
Considerando os índices de insatisfação identificados na pesquisa, torna-se necessário localizar as áreas de riscos, tomar providências para eliminação de riscos de acidentes e realizar inspeções
periódicas. Após a identificação desses pontos com um mapeamento estruturado, as possibilidades de
acidentes e condições adversas à saúde tornam-se minimizados (TACHIZAWA, 2001).
45,00%
40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
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40,48%
23,81%
21,43%
14,29%
0,00%
Muito
Insatisfeito
InsatisfeitoN
eutro
Satisfeito
Muito
Satisfeito
Figura 9 – Variável segurança no trabalho
Fonte: dados de pesquisa
4.2.5
Comunicação
Para avaliar o grau de satisfação dos funcionários com o processo de comunicação levou-se
em conta: a adequação das informações recebidas ao correto desempenho das atividades; a clareza e
compreensibilidade das informações transmitidas; a existência de canais que possibilitam a participação dos funcionários (este item composto por três questões).
Sobre o conhecimento, por parte de todos, do que ocorre no Banco (questão 22): quatro pessoas (14%) estão muito insatisfeitas; 14 (50%) estão insatisfeitas; uma (3,57%) está neutra; duas (7,14%)
estão satisfeitas e sete pessoas (25%) estão muito satisfeitas.
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Em relação à objetividade e clareza das informações comunicadas pelo Banco, relativas ao
trabalho (questão 23): 13 pessoas (46,43%) estão satisfeitas e 15 (53,57%) estão muito insatisfeitas.
Quanto à disponibilidade, por parte do Banco, das informações necessárias para o bom desempenho do trabalho (questão 24): uma pessoa (4%) está muito insatisfeita; quatro (14%) estão insatisfeitas; 11 (39,29%) estão satisfeitas e 12 pessoas (42,86%) encontram-se muito satisfeitas.
Em suma, o percentual total de satisfação, do grupo de respondentes, em relação à variável
comunicação foi o seguinte: 5,95% estão muito insatisfeitos; 21,43% estão insatisfeitos; 1,19% são neutros; 30,95% estão satisfeitos e 40,48% estão muito satisfeitos.
45,00%
40,00%
35,00%
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25,00%
20,00%
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30,95%
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5,95%
1,19%
Muito
Insatisfeito Insatisfeito
Neutro
Satisfeito
Muito
Satisfeito
Figura 10 – Variável comunicação
Fonte: dados de pesquisa
4.2.6
Processo decisório
Para avaliar a opinião dos funcionários sobre a qualidade do processo decisório, em relação
à empresa ser ágil, participativa, centralizada ou descentralizada em suas decisões, foram criadas
cinco questões. Tratando-se da oportunidade de opinar sobre assuntos importantes referentes ao
trabalho (questão 25): oito pessoas (29%) estão muito insatisfeitas; cinco (18%) estão insatisfeitas;
uma (3,57%) é neutra; nove (32,14%) estão satisfeitas, enquanto cinco pessoas (17,86%) estão muito
satisfeitas.
Quanto ao fornecimento de informações referentes aos resultados obtidos, dificuldades e
avanços conseguidos (questão 26): 12 pessoas (42,86%) estão satisfeitas e 16 (57,14%) estão muito
satisfeitas.
Sobre o fornecimento de informações referentes às metas e objetivos planejados (questão
27): 16 pessoas (57,14%) estão satisfeitas e 12 pessoas (43,86%) estão muito satisfeitas.
Em relação à aceitação, por parte dos gestores, de críticas e sugestões dos funcionários
(questão 28): seis pessoas (21%) estão muito insatisfeitas; oito (29%) estão insatisfeitas; oito (29%)
estão satisfeitas e seis pessoas (21,43%) estão muito satisfeitas.
No que compete ao estímulo dos gestores para que o grupo participe das tomadas de decisões
(questão 29): 10 pessoas (36%) estão muito insatisfeitas; seis (21%) estão insatisfeitas; quatro (14%)
estão satisfeitas e quatro pessoas (29%) estão muito satisfeitas.
Analisando-se a variável processo decisório, verificou-se o seguinte percentual total de satisfação do grupo de respondentes: 17,14% estão muito insatisfeitos; 13,57% estão insatisfeitos; 0,71%
são neutros; 35% estão satisfeitos e 33,57% estão muito satisfeitos. Esses resultados indicam que
muitos funcionários não têm tido a oportunidade de participar na tomada de decisões. De acordo com
Chiavenato (2004), no entanto, o trabalho do executivo consiste não apenas em tomar decisões próprias, mas também em providenciar para que toda a organização que dirige, ou parte dela, tome-as
também de maneira efetiva.
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35,00% 33,57%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
17,14%
13,57%
10,00%
5,00%
0,00%
0,71%
Muito
Insatisfeito Insatisfeito
Neutro
Satisfeito
Muito
Satisfeito
Figura 11 – Variável processo decisório
Fonte: dados de pesquisa
Assim, analisando o total das 29 questões e dividindo-as em seus respectivos graus de satisfação, verificou-se que 34,01% dos funcionários do Banco, que responderam ao instrumento de pesquisa,
encontram-se satisfeitos quanto ao clima organizacional da instituição, seguidos por um percentual
de 27,43% de funcionários que estão muito satisfeitos; 16,96% estão insatisfeitos; 15,12% estão muito
insatisfeitos e 6,48% estão neutros.
Portanto, somando-se os percentuais de funcionários que estão satisfeitos e muito satisfeitos
e, comparando-a com a soma daqueles que estão insatisfeitos e muito insatisfeitos, verifica-se um percentual de satisfação do grupo de respondentes de 61,44% contra 32,08% de insatisfação em relação
ao clima organizacional do Banco. Tal resultado demonstra um alto nível de satisfação dos funcionários
quanto ao clima organizacional da instituição.
Contudo, percebe-se que existe uma parcela de 32,08% dos funcionários que estão insatisfeitos e que precisam ter esse nível melhorado, visto que essa insatisfação é um motivador de ambiente
negativo, interferindo no trabalho realizado no Banco.
Considerações finais
O objetivo principal do estudo foi identificar como os funcionários de um Banco privado de
Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul percebem o clima organizacional no qual estão inseridos,
considerando as seguintes variáveis: remuneração e benefícios, relacionamento interpessoal, ambiente de trabalho, segurança, comunicação e processo decisório.
Os resultados da pesquisa revelam um quadro positivo, segundo a percepção dos funcionários, com um índice de aprovação de 61,44% quanto ao clima organizacional da instituição.
No entanto, foram observadas deficiências em quase todas as variáveis pesquisadas que devem
receber, por parte dos gestores do Banco, uma atenção especial. São elas: a comissão a ser recebida sobre
vendas de produtos do Banco, participação nos lucros e resultados, confiança no trabalho dos colegas, ruídos
que prejudicam o trabalho, duração da jornada de trabalho, prevenção de incêndio, acidentes de trabalho
e roubos, objetividade e clareza das informações dos superiores, oportunidade de opinar sobre assuntos
referentes ao trabalho, aceitação por parte dos gestores de críticas e sugestões, estímulo dos gestores
para que os funcionários participem das tomadas de decisões. Estes são fatores importantes que precisam
ser qualificados rapidamente pela instituição, para obterem maior sucesso nas suas atividades, devendo-se
investir constantemente em estratégias que melhorem ou mantenham os níveis relacionados ao clima organizacional. Essa ação é necessária, pois os funcionários passam grande parte de suas vidas no seu ambiente
de trabalho. Funcionários satisfeitos e motivados estão mais propensos a apresentarem atitudes positivas
no alcance dos objetivos organizacionais propostos. Quando uma organização tem um ambiente de trabalho
saudável e motivador, os funcionários a valorizam, trabalham e desprendem o máximo de si para alcançar o
seu sucesso enquanto indivíduo, e também o sucesso da própria organização e a satisfação dos seus clientes.
Deve-se salientar ainda que, na opinião de Luz (2003, p. 6), clima organizacional é “o reflexo
do estado de espírito ou ânimo das pessoas, que predomina numa organização, em um determinado
período”. Assim, este resultado não pode ser visto como permanente, mas como os funcionários estão
percebendo no momento. Ele é temporário, referindo-se ao momento específico, e pode sofrer alterações no decorrer do tempo em funções de várias variáveis, sendo elas internas e externas à organização.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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102
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Ciências Tecnológicas
Avaliação de desempenho
de navalhas de corte
Márcio Britto Silvano*
Resumo
Para a fabricação dos grampos ferroviários tipo “Deenik” através do método por
forjamento a quente é necessário um bom desempenho das navalhas de cortes empregadas no processo. Para aumentar a produtividade, a qualidade dos grampos e, ao
mesmo tempo, reduzir os custos de produção, foram planejados e executados alguns
testes, realizados em chão de fábrica com o objetivo de verificar a eficiência das
navalhas de corte. Considerando-se a mesma configuração geométrica inicial, mas
empregando-se diferentes materiais pré-selecionados com e intervalos de durezas
iguais, pôde-se avaliar a melhor combinação dureza e tenacidade para o caso, apontando também o material de melhor desempenho da navalha.
Palavras-chave
Navalhas de corte. Dureza. Aços.
Abstract
In this work the hot one of the railroad cramps “Deenik” was made the study of the
process of manufacture for forging, that it is initiated with the cut of daily pay-forms. In a preliminary analysis of the situation, it was concluded that it was necessary
to carry through studies theoretician-practical to improve the performance of the
used razors, improving the durability, increasing its useful life, and even though to
remake the necessary project of them if, and in view of the requirements specified
for the project for the produced cramps. To increase the productivity, the quality of
the cramps and at the same time to reduce the production costs, had been planned
and executed a series of plant soil tests. With the same initial geometric configuration, but using different preselected materials, and with same bands of hardness
(gotten with different thermal treatments) the best combination could be evaluated
hardness and tenacity for the case, also pointing o material of better performance.
Keywords
Razors of Cut. Hardness. Steel.
Introdução
Os Grampos Elásticos Deenik são produzidos pela empresa IAT Ltda que tem a permissão para
fabricar este tipo de ferramenta no Brasil. A marca Deenik é holandesa e é patenteada. Estes grampos
elásticos são vendidos para todo o Brasil e para diversos países, tais como: Chile, Argentina, Colômbia,
Tailândia, Indonésia, entre outros. A figura 1 mostra o Grampo Elástico de seção quadrada depois de
fabricado, já com tratamento térmico e pronto para uso.
*
Mestre em Engenharia Mecânica com ênfase em Processos de Fabricação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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103
Figura 1 – Grampo Elástico Deenik.
As Navalhas de Corte são peças utilizadas na primeira etapa de fabricação dos grampos, ou
seja, na etapa de corte das barras no tamanho para que sejam fabricados os grampos. As mesmas fazem
parte de um sistema de corte, que envolve uma prensa, além disso, são montadas em uma matriz de corte, devidamente projetada. As mesmas devem ter capacidade de resistência ao desgaste e aos choques.
Devido ao alto custo empregado nas mesmas, que envolve custo de matéria-prima, tratamentos térmicos
e custos de fabricação, além de custos de parada de produção para fazer a troca no momento de não
haver mais condições de uso, as mesmas devem ser bem projetadas para evitar custos desnecessários.
Existe a necessidade de evolução do processo produtivo, com isso procura-se para este trabalho experimentos que indiquem melhor situação de dureza que possibilite a redução do desgaste das
mesmas, diminuindo o custo de produção e também a melhoria no desempenho do produto em serviço.
Sendo assim busca-se proporcionar a determinação do adequado procedimento de fabricação, que está relacionado à escolha correta da matéria-prima a ser utilizado e, através de fabricação
de peças diferentes de acordo com o processo, realizar experimentos na própria empresa para reduzir
o desgaste das mesmas e, como consequência, melhorar a utilização das mesmas.
Trata-se de um experimento prático com o qual podem ser fabricadas as peças de diferentes aços
com mesmo intervalo de durezas, através do fornecimento por meio de parceiros de prestadores de serviço
de usinagem e de tratamento térmico que reduzem os custos. Os experimentos realizados são avaliados
durante o trabalho na própria empresa solicitante.
Objetivos
Este trabalho visa o estudo de caso de desgaste e aumento de vida útil de Navalhas de Corte
empregadas em processo de forjamento de Grampos Elásticos Deenik utilizados em ferrovias.
Materiais e Métodos
A primeira etapa de fabricação do Grampo Elástico Deenik, ou seja, o corte das barras é
justamente a base de estudo nesta pesquisa e análise. Foi necessário analisar especificadamente a
Navalha de Corte, que é o principal componente que realiza os cortes das barras, estudar o processo
de corte e, através de marcação e caracterização de uso das navalhas atuais, acompanhar o uso em
operação, e, através desse acompanhamento, estabelecer os critérios da falha.
A troca sistemática das peças desgastadas por novas peças e o consequente alto custo mensal
foram as motivações para aumentar a durabilidade das mesmas.
As navalhas utilizadas são fabricadas atualmente em aço AISI D6, sendo este aço conhecido
como aço para ferramentas e para trabalho a frio. (CHIAVERINI, 1998). Este aço é amplamente utilizado na fabricação de ferramentas de corte (matrizes e punções), ferramentas para forjamento a frio,
cilindros para laminação a frio, rolos para perfiladores de tubos, cocinetes e outros.
Este aço apresenta como principais características ser um aço para trabalho a frio, de elevada temperabilidade, alta resistência mecânica, alta resistência ao desgaste, alto grau de indeformabilidade e boa tenacidade. A dureza superficial, na condição de temperada e revenida, pode alcançar
até a 62 HRc. A figura 2 mostra a configuração geométrica das navalhas de corte.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Figura 2: Desenho da Navalha de Corte
O intervalo de dureza atualmente empregado nas Navalhas de Corte é produzido no tratamento
térmico com a possibilidade de variação entre 60 e 62 HRc. Analisando as características do aço e a sua
microestrutura, este aço apresenta um alto teor de carbono, ou seja, uma elevada resistência ao desgaste.
Além disso, apresenta características para trabalho a frio como alta indeformabilidade, boa tenacidade e
apresenta alta temperabilidade, o que é essencial para que se permita uma elevada dureza.
Este aço utilizado apresenta características comuns em relação ao tipo de trabalho e ao esforço necessário nas Navalhas de Corte. Estas barras para fabricação dos grampos são cortadas a frio,
ou seja, a temperatura de trabalho é inferior à temperatura de austenitização do aço e, por consequência, as Navalhas de Corte necessitam de uma grande resistência mecânica ao desgaste e devem
ser tratadas termicamente a fim de endurecimento. A partir da fabricação de pares de Navalhas de
Corte com diferentes aços e mantidos os intervalos de durezas é possível, através dos testes práticos
de durabilidade, fazer comparações técnicas e buscar a melhor solução.
Situação 1 (atual): Aço AISI D6, com tratamento térmico e revenido com dureza variando
entre 59 e 62 HRc.
Nesta situação, após as peças sofrerem tratamentos térmicos, a dureza final do par de Navalhas
de Corte apresentou 60 HRc sendo obtido através de dois revenimentos com temperatura de 250º ambos.
Desde o início até o fim dos cortes das barras com este par de Navalhas de Corte, foram cortadas cerca de 100 mil peças, com uma média de 12 mil peças por dia. Após chegar a este número de
peças cortadas, foi constatado principalmente pela experiência dos mecânicos que não haveria mais
condições de trabalho com as mesmas peças, devido às Navalhas de Corte apresentarem um péssimo
estado visual, não sendo mais possível continuar cortando as barras com a qualidade inicial.
A figura 3 mostra o par de Navalhas de Corte após o teste.
Figura 3 – Navalhas de Corte em aço AISI D6, com dureza 60 HRC.
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Embora o aço utilizado na ferramenta de corte esteja especificado de forma correta, existem
outros aços com características peculiares que podem fazer com que haja uma significativa mudança
de durabilidade. Baseado nesta possibilidade realizou-se uma análise criteriosa a respeito dos diferentes aços que podem ser utilizados para este tipo de trabalho.
Os testes foram realizados nos aços AISI D6 e AISI S1, sendo este aço utilizado na fabricação de
ferramentas de corte e punções, nos quais se exige alta tenacidade e boa resistência ao desgaste. Por ser
um aço de extraordinária tenacidade, é amplamente utilizado em facas para corte de aço, talhadeiras,
matrizes para estampagem a frio, ponteiras de marteletes pneumáticos, etc (CHIAVERINI, 1998).
Em função de sua elevada resistência ao impacto e à fadiga, tanto a quente quanto a frio,
pode também ser utilizado em facas para a rebarbação a quente, em moldes de injeção de plásticos,
etc. É um aço que apresenta as características para trabalho a frio, ligado ao tungstênio-cromo-vanádio, temperável em óleo, de elevada tenacidade, alta resistência mecânica e boa resistência ao
desgaste. Para o segundo teste, o aço empregado é o AISI S1, com dureza entre 59 e 62 HRc. Após o
tratamento térmico, a dureza encontrada foi de 59 HRc, sendo obtido através de dois revenimentos,
um com temperatura de 180ºC e outro com temperatura de 200ºC. Os resultados foram muitos satisfatórios em relação ao primeiro teste (situação inicial de projeto). Foram cortadas aproximadamente
130 mil peças ao longo de 10 dias, obtendo-se a média de 13 mil peças por dia durante o horário de
trabalho. A figura 4 mostra o par de Navalhas de Corte em aço AISI S1 com dureza de 59 HRc.
Figura 4 – Navalhas de Corte em aço AISI S1, com dureza 59 HRC.
Resultados e Discussão
Para podermos realizar este trabalho de pesquisa, algumas dificuldades foram encontradas.
Uma das dificuldades foi relacionada à fabricação da Matriz de Corte, onde são montadas as Navalhas
de Corte. Inicialmente, na elaboração do trabalho, não estava programada a fabricação de uma nova
matriz. Após a fabricação das Navalhas de Corte e antes do início dos testes práticos, constatou-se a
necessidade de fabricação de uma Matriz de Corte. A figura 5 mostra a Matriz de Corte que foi fabricada para a execução dos testes.
Figura 5 – Matriz de Corte
106
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A fabricação foi feita após a constatação do péssimo estado da matriz que estava em operação. Ela apresentava-se com excesso de folgas na fixação das navalhas e não contava com a rigidez
necessária para realização dos testes. O uso da mesma poderia prejudicar os testes aplicados e, consequentemente, os resultados.
Outra dificuldade encontrada foi referente à execução dos testes. Os testes, por diversas
vezes, tiveram que ser interrompidos pela necessidade de troca de posição das Navalhas de Corte e,
quando necessário, a troca foi demorada.
Um outro problema encontrado tem como base a contagem das peças cortadas. Pelo fato
de não haver um contador digital de peças e grande quantidade de peças cortadas com cada tipo de
navalha, o número de peças cortadas foi calculado por meio da média de peças cortadas por hora,
multiplicado pelo número de horas trabalhadas com aquele tipo de navalha. É importante salientar
que o tempo de paradas para troca de posições das navalhas foi devidamente considerado. Por estes
motivos, o número de peças cortadas apresentadas no trabalho foi calculado através de média por
hora trabalhada. O cálculo foi realizado fazendo-se a contagem durante um período de uma hora,
multiplicando-se pelo número de horas trabalhadas. Porém, o tempo de parada, seja por mudança
de posição dos cortes ou parada para alguma análise, foi descontado e, neste caso, foi calculado o
número de peças por hora.
Uma das dificuldades mais importantes apresentadas neste trabalho de pesquisa diz respeito ao
critério de descarte das Navalhas de Corte. Este critério é basicamente definido por uma análise visual
tanto das deformações apresentadas nas barras cortadas, quanto no aspecto visual das Navalhas de Corte
após o uso. A análise de descarte foi definida em conjunto com os operadores e o encarregado de produção.
Para o descarte das Navalhas de Corte, alguns fatores devem sempre ser considerados: a possível ruptura (se acontecer), e as condições de corte das barras que, havendo danos nas extremidades,
prejudica a condição dimensional. Além disso, uma deformação nos rasgos pode fazer com que haja
amassamento nas barras, e a consequente produção de grampos com defeito.
Uma grande dificuldade encontrada na prática industrial em situações similares está em
encontrar a melhor relação entre a dureza e a tenacidade do material: muito “mole”, acelera o desgaste, mas garante resistência ao impacto e vibrações de serviço; muito duro, garante melhor vida
ao desgaste, mas reduz a vida por vibrações e impactos. Além disso, todos os aços utilizados têm
características similares (de aços para ferramentas), mas cada um deles apresenta características peculiares que podem mudar os resultados. Sendo assim, o tratamento térmico tem extrema influência
nos resultados obtidos, não só pela dureza que produz nas peças. É importante salientar que o estado
de tensões internas (residuais), entre as fases presentes na microestrutura obtida, pode fazer com que
em casos idênticos de dureza e tipo de aço haja resultados diferentes.
Para utilização das Navalhas de Corte em aço AISI S1, foram obtidos os melhores resultados
para dureza de 59 HRc. Este aço tem como peculiaridade o uso em peças em que se necessite de alta
tenacidade, visto o corte ser através de pancadas da prensa, fazendo com que o aço tenha capacidade
de suportar impacto e vibrações sem que haja quebra da ferramenta.
Em relação à situação que estava sendo usada, ou seja, a utilização do aço AISI D6, com
dureza entre 60 e 62 HRc, esta não estava em desacordo com o que a literatura recomenda. Através
dos testes realizados ficou comprovado que se obtém alguns bons resultados, visto que se trata de um
corte a frio, sendo este aço amplamente usado para este tipo de trabalho.
Conclusões
Com base no exposto na formulação do problema e na revisão bibliográfica; e tendo em vista
resultados e discussão apresentada, conclui-se que:
1) A metodologia de teste proposta se mostrou adequada para a prática industrial, no processo de forjamento de grampos ferroviários. Os resultados foram validados e estão em prática, cumprindo os objetivos propostos no trabalho.
2) Dos materiais selecionados para análise, escolhidos de acordo com as recomendações e
especificações de dureza conhecidas pela literatura e fabricantes de aços para este tipo de trabalho,
o que se mostrou mais adequado para uso foi o aço AISI S1 com dureza de 59 HRC que produziu 130 mil
peças na sua vida útil.
3) A fabricação esmerada das navalhas proporcionou manter todas as exigências de acabamentos e tolerâncias dimensionais do projeto da ferramenta, e consequentemente do grampo produzido. Houve ganho em qualidade dimensional no grampo forjado.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
107
4) A eliminação de folgas e desgastes dos testes pela construção de uma nova Matriz de Corte
permitiu comparar melhor o desempenho dos diversos materiais e faixas de dureza, retirando estes
efeitos indesejáveis no processo de produção.
5) Houve um aumento de vida útil de 30 mil peças da nova ferramenta em relação àquela
anteriormente utilizada, produzindo redução de custos considerável para a fabricação de grampos.
6) A produtividade e a qualidade dos grampos produzidos foram consideravelmente melhoradas com o emprego dos resultados obtidos na construção da ferramenta otimizada, validando o esforço
empregado no estudo.
7) Através da realização do teste 1 referente à situação antiga, as peças foram fabricadas em
aço AISI D6, com dureza entre 60 e 62 HRc. Foi possível cortar cerca de 100 mil peças com o mesmo
par de navalhas.
8) Os melhores resultados foram atingidos com o uso do aço AISI S1 com dureza de 59 HRc.
Isto representa uma melhora em torno de 30% do número de peças cortadas.
9) Estes resultados foram satisfatórios para a empresa interessada e o projeto da nova ferramenta foi validado. O aço AISI S1 tem como peculiaridade o uso em peças em que se necessita de alta
tenacidade, sendo este requisito um fator adequado às condições de corte.
Agradecimentos
À empresa IAT Ltda, fabricante dos Grampos Elásticos Deenik que disponibilizou informações
importantes para a execução deste trabalho, à Metalúrgica Joper Ltda, que auxiliou na solução de
problemas relacionados ao processo de seus clientes, à IAT Ltda que disponibilizou recursos financeiros
na aquisição da matéria-prima utilizada, assim como disponibilizou as máquinas operatrizes para a
produção das peças e à Metaltécnica Metalúrgica Ltda, que disponibilizou a execução dos tratamentos
térmicos.
Referências Bibliográficas
CHIAVERINI, Vicente. Aços e Ferros Fundidos. São Paulo. Makron Books, 1998.
108
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Ciências Tecnológicas
Comprometimento organizacional
nas empresas de telefonia
Alexandre de Melo Abicht – FDB – UNISC
Eduardo de Oliveira Wilk – UNISC
Alessandra Carla Ceolin – NESPRO – UFRGS
Carlos Otávio Zamberlan – UEMS
Resumo
O presente estudo foi realizado nas operadoras de telefonia móvel, juntamente aos
seus agentes autorizados que as representam. A problemática da pesquisa testou se
há alguma diferença de nível do comprometimento organizacional nos dois setores
presentes, nas empresas de telefonia, que são o setor corporativo e o varejo, nos
três níveis do comprometimento organizacional proposto por Meyer e Allen (1991):
Afetivo, Normativo e Instrumental. Também descobriu em qual fator, dessa tridimensão, as empresas são mais comprometidas. Após a aplicação da pesquisa e a análise
e interpretação de dados, foram detectadas as diferenças dos níveis de comprometimento nos dois setores, dentro da tridimensionalidade do comprometimento organizacional, por fim, comprovou-se um maior comprometimento nos aspectos afetivos
e normativos.
Palavras-chave
Recursos Humanos. Comprometimento Organizacional. Empresas Privadas.
Abstract
This study was performed at mobile operators, together with their authorized agents
who represent it. The research problem tests whether there is any difference in
the level of organizational commitment in these two sectors, the phone companies,
which are the corporate sector and retail, three levels of organizational commitment
proposed by Meyer and Allen (1991): Affective, Normative and Instrumental. Also
find out which factor in this three-dimension, firms are more committed. After the
application of research and analysis and interpretation of data, differences were
detected in the levels of commitment in the two sectors within the three-dimensionality of organizational commitment, ultimately, it proved a greater involvement in
affective and normative aspects.
Keywords
Human Resources. Organizational Commitment. Private Companies.
1.
Instrodução
Esta pesquisa foi realizada nas empresas de telefonia, tendo como objetivo aprofundar os
estudos do comprometimento organizacional, matéria de grande importância para a Administração de
Recursos Humanos. Para Dessler (2003):
Os produtos de baixo custo e alta qualidade não são apenas resultado de máquinas automatizadas sofisticadas. Em vez disso, eles são o fruto de funcionários altamente comprometidos com todo o trabalho e
com autodisciplina de produzir os melhores produtos que puderem ao menor custo possível.
Neste mundo globalizado e extremamente competitivo, é primordial possuir uma vantagem
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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competitiva sobre os concorrentes. Ter uma força de trabalho competente, ter objetivos comuns à
organização e um alto nível de comprometimento, é necessário a qualquer organização que almeja ser
líder de mercado. Para isso ocorrer é imprescindível a união da principal força dentro da organização,
que são as pessoas. Essa união das pessoas as transforma em talentos, geradores do sucesso; elas não
são vistas somente como recursos.
O Comprometimento Organizacional é estudado há cerca de quarenta anos e atualmente
possui modelos de múltiplos componentes para sua mensuração. O seu principal objeto é a descoberta
dos níveis de comprometimento do indivíduo com sua organização, ou seja, é o engajamento, o envolvimento, um conjunto de ações e sentimentos do indivíduo com a instituição em que trabalha. Esta
pesquisa seguirá o modelo da tridimensionalidade proposto por Meyer e Allen (1991), modificado por
Meyer, Allen e Smith (1993) (apud MEDEIROS, 1998). O modelo de Meyer e Allen é aceito mundialmente, já que foi validado em diversas culturas organizacionais.
Esses autores definem o comprometimento organizacional em três componentes:
• Comprometimento Afetivo – Há um envolvimento de apego emocional pelo qual a pessoa se
identifica com a organização.
• Comprometimento Normativo – A pessoa possui um sentimento de obrigação de continuar
na organização.
• Comprometimento Instrumental – Há um sentimento de necessidade de continuar na organização acima de tudo, podendo se tornar um prejuízo à sua vida pessoal, caso deixe a organização.
O presente estudo exploratório tem como objetivo identificar os componentes do comprometimento organizacional dos dois setores (corporativo e varejo) das empresas de telefonia móvel.
A problemática da pesquisa gira em torno de uma pergunta central: Qual setor possui o maior
nível de comprometimento organizacional considerando a tridimensionalidade de sua formação?
Foram realizadas pesquisas descritivas e bibliográficas, através de questionários escritos e
individuais, aplicados à população total das organizações de telefonia da cidade de Santa Maria, RS.
Após a coleta de dados, foram feitas análises e interpretações, através dos cálculos estatísticos de
tendência central, utilizando o software SPSS 13.0.
Por fim, foram apresentados os resultados da pesquisa que mostrou qual setor das organizações possui um maior comprometimento, diante dos fatores da tridimensionalidade do comprometimento organizacional, já que esses influenciam os aspectos psicossociais e, também em sua vida
pessoal, profissional e organizacional, de todos os que estão envolvidos com as empresas. Também
se apresentou quais fatores do comprometimento organizacional as empresas possuem maior comprometimento.
2.
Comprometimento Organizacional
A expressão “comprometimento organizacional” foi definida como:
A forma de gerar diversas interpretações, consistindo em atitude ou orientação para a organização,
que une a identidade da pessoa à empresa. Pode ser um fenômeno estrutural que ocorre como resultado de transações entre os autores organizacionais; ou um estado em que o indivíduo se torna ligado
à organização por suas ações e crenças ou ainda, a natureza do relacionamento de um membro com o
sistema como um todo.
Ainda falam que não possui um conceito único, sendo que o propósito básico dos teóricos tem-se restringido a delimitar e identificar seus determinantes de modo a direcionar esforços para envolver o ser
humano integralmente com a organização e atingir maiores escores de produtividade.
Apesar da maioria das pesquisas concentrarem seus esforços nos enfoques afetivo-atitudinal e instrumental, as demais “vertentes” apresentam contribuição igualmente valiosa para o aprimoramento do tema.
O ponto de partida inicial é de que o vínculo do indivíduo com a organização existe e é inevitável. É diferenciado apenas na forma como este vínculo se desenvolve e se mantém no ambiente organizacional.
Também se tem a certeza de que altos níveis de comprometimento trazem resultados positivos para a
organização e seus membros (Bandeira, Marques e Veiga, 2000).
Para Medeiros (1997), o comprometimento organizacional:
Tem sido estudado profundamente nos últimos quarenta anos. O seu enfoque principal é o de encontrar
resultados que expliquem os níveis de comprometimento do indivíduo no trabalho. A grande maioria
dos estudos procurou formular modelos para quantificar o comprometimento e estudá-lo em face de
variáveis que o antecedem e variáveis que lhe são consequentes.
110
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Bastos (1994) estabeleceu vários significados para a palavra comprometimento. Dentre elas
identificou o comprometimento significando um engajamento, agregamento ou envolvimento. Mais
adiante, ressaltou o comprometimento e o seu caráter disposicional: “Como uma disposição, comprometimento é usado para descrever não só ações, mas o próprio indivíduo. É assim tomado como um estado,
caracterizado por sentimentos ou reações afetivas positivas tais como lealdade em relação a algo.”
O autor diz que o comprometimento é ainda uma propensão à ação, a se comportar de determinada forma, a ser um indivíduo disposto a agir.
Bastos (1997) diz que:
O conceito de comprometimento organizacional perde sua amplitude, conservando apenas o significado
de “engajamento” e eliminando o seu conteúdo de valorização negativa, passando a significar adesão,
forte envolvimento do indivíduo com variados aspectos do seu ambiente de trabalho, em especial com
a sua organização empregadora.
Ressalta ainda que, convivendo com inúmeros outros conceitos (envolvimento, identificação, entre
outros), entre as diversas definições de comprometimento organizacional, constantes da literatura,
pode-se perceber algumas dimensões de significados comuns, a saber: o desejo de permanecer, de continuar, o sentimento de orgulho por pertencer; a identificação, o apego, o envolvimento com objetivos
e valores; engajamento, exercer esforço, empenho em favor de.
As atitudes organizacionais tendem a ser substancialmente correlacionadas. O desempenho é determinado por limitações de habilidade, de motivação e situacionais, enquanto a rotatividade é determinada, em parte, por variáveis econômicas externas. Assim, a relação entre as atitudes organizacionais e
o comportamento é mediada por fatores que estão além do controle do indivíduo (MUCHINSKY, 2004).
3.
Metodologia
A metodologia utilizada gira em torno de pesquisas descritivas, que mostram os diversos níveis de comprometimento organizacional de uma determinada população.
O objetivo geral da pesquisa é verificar os níveis de comprometimento entre os setores das
organizações estudadas, conforme a sua estrutura tridimensional. Também, medir em qual fator do
comprometimento organizacional as empresas possuem maior comprometimento.
“As pesquisas descritivas têm como objeto primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 1999).
O autor conceitua delineamento de pesquisa, referindo-se ao planejamento da pesquisa em
sua dimensão mais ampla, envolvendo tanto a sua diagramação, quanto à previsão de análise e interpretação dos dados. Entre outros aspectos, o delineamento considera o ambiente em que são coletados os dados, bem como as formas de controle das variáveis envolvidas. Também o delineamento
ocupa-se precisamente do contraste entre a teoria e os fatos, e sua forma é a de uma estratégia ou
plano geral que determine as operações necessárias para fazê-lo.
As empresas de telefonia possuem dois setores distintos, o corporativo e o varejo, tendo uma
população total de 47 pessoas. A pesquisa será aplicada nesses dois tipos de população existentes nas
organizações e estudará os diversos níveis de comprometimento que cada setor tem com as organizações no seu universo. Segundo Cervo (2003):
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em
documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado, existentes sobre
um determinado assunto ou problema.
Juntamente com a pesquisa descritiva, haverá a pesquisa bibliográfica, pois foram buscados,
em trabalhos e artigos, experiências com populações de determinadas organizações no estudo dos
diversos níveis de comprometimento organizacional, que a compõem.
A pesquisa foi aplicada a todos os membros que compõem o universo das organizações, através de um questionário escrito e individual, portanto não há amostragem. Pode haver um índice de
pessoas que não responderam ao questionário, por motivos pessoais.
A construção de hipóteses que gira em torno das relações de comprometimento entre o pessoal do varejo e do corporativo mostrou se os colaboradores do varejo são mais comprometidos que os
do corporativo e, também, em qual fator as empresas possuem maior comprometimento.
O questionário estruturado aplicado foi construído com base na Escala Likert de seis
pontos, variando de Discordo Totalmente a Concordo Totalmente e foi criado por Meyer e Allen
(1991), modificado por Meyer, Allen e Smith (1993) e validado por Medeiros (1998) que utiliza 13
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
111
itens para a validação do modelo de conceitualização dos três componentes do comprometimento
organizacional.
Esse modelo de comprometimento organizacional, baseado no conceito tridimensional, é o
mais adequado ao objeto deste trabalho. Nos resultados deste, foi provado esse conceito e validado à
realidade das organizações brasileiras, conforme já utilizada em muitas outras dissertações.
Foram utilizadas medidas de tendência central e medidas de dispersão, para confirmar a
estrutura tridimensional do comprometimento organizacional.
Os indicadores deste questionário são divididos em fatores de comprometimento afetivo,
comprometimento normativo e comprometimento instrumental, respectivamente.
A análise e interpretação de dados foi realizada através de meio eletrônico, com software
estatístico, SPSS versão 13.0, e planilhas em MS Excel 2003.
Após serem coletados os dados, através dos questionários, foram então transferidos para o
software Excel, realizada uma planilha com os resultados da escala de cada uma das 13 variáveis do
questionário, dividido nos três aspectos. Depois de tabulados nesta planilha, ocorreu a sua transferência para o software SPSS, também possuindo uma planilha semelhante a do Excel e no SPSS solicitado
que fossem realizados os cálculos estatísticos da média, moda, mediana e desvio padrão. Enfim, o
software automaticamente apresentou as tabelas com os resultados estatísticos divididos em cada
uma das variáveis do aspecto analisado.
4.
Análise e Interpretação de Dados
A análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de forma tal que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros conhecimentos
anteriormente obtidos (GIL, 1999).
Após a coleta de dados nas organizações, aplicada à sua população total, e após a tabulação,
realizou-se a análise e interpretação dos dados coletados. Foram feitas comparações entre o setor
corporativo das empresas e o varejo dentro da tridimensionalidade do comprometimento organizacional, ou seja, nos aspectos afetivo, normativo e instrumental. Outra comparação também uniu o setor
corporativo com o varejo, comparando-os nos três pilares do comprometimento organizacional.
Essas verificações teve como objeto embasar uma solução à problemática da pesquisa, verificando qual dos dois setores das organizações possui um nível maior de comprometimento dentro da
sua tridimensionalidade e, por fim, a tendência das organizações, no seu modo global, para possuir um
maior nível de comprometimento, ou seja, qual é a tendência de comprometimento que o setor possui.
Stevenson (2001) cita as medidas de tendência central que são usadas para indicar um valor
que tende a representar melhor um conjunto de números. As três medidas mais utilizadas são a média,
a mediana e a moda. A média é a ideia que ocorre à maioria das pessoas quando se fala em “média”.
A mediana tem como característica principal dividir um conjunto ordenado de dados em dois grupos
iguais; a metade terá valores inferiores à mediana, e a outra, terá valores superiores à mediana. Por
fim, a moda é o valor que ocorre com mais frequência num conjunto.
Como uma das principais e mais comuns medidas de dispersão, o autor cita o desvio padrão,
que é a raiz quadrada da variância, que é a média dos quadrados dos desvios dos valores a contar da
média, calculada usando-se n-1 em lugar de n.
Os resultados obtidos foram calculados estatisticamente, através do cálculo da média, mediana e moda e a sua dispersão utilizando o desvio padrão.
A primeira análise realizada foi a comparação do corporativo com o varejo no ASPECTO AFETIVO, nas cinco variáveis coletadas, conforme os quadros a seguir:
112
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QUADRO 01 – Comprometimento Afetivo no Corporativo
Var. 01:
Var. 02:
Sentimento acerca Significado que
dos problemas or- a organização
ganizacionais como possui para a
pessoais
pessoa
Var. 03:
Var. 04:
Var. 05:
Lealdade para a Desejo de perma- Dedicação da
organização
necer na organi- carreira para a
zação
organização
Média
4,56
4,44
4,89
4,83
4,11
Mediana
5,00
5,00
5,00
5,00
5,00
Moda
6,00
5,00
5,00
5,00
4,00
Desvio Padrão
1,46
1,15
0,96
0,99
1,45
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
QUADRO 02 – Comprometimento Afetivo no Varejo
Var. 01:
Sentimento
acerca dos
problemas
organizacionais
como pessoais
Var. 02:
Var. 03:
Var. 04:
Var. 05:
Desejo de
Significado que Lealdade para
Dedicação da
a organização a organização permanecer na carreira para a
possui para a
organização
organização
pessoa
Média
5,00
5,35
5,65
5,20
4,35
Mediana
5,00
5,50
6,00
5,00
4,50
Moda
5,00
6,00
6,00
5,00
5,00
Desvio Padrão
0,73
0,75
0,49
0,52
1,04
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
Os quadros comprovaram uma predominância na média de aproximadamente 5,00, que é o
fator “concordo muito” no setor varejo, mostrando um comprometimento maior nesse aspecto, enquanto o corporativo obteve aproximadamente 4,00 de média, fator “concordo pouco”.
Com relação à mediana, o varejo obteve uma predominância de aproximadamente 5,50,
enquanto o corporativo, aproximadamente 5,00, “concordo muito”, reforçando, ainda mais, um comprometimento maior no varejo.
A moda mostrou tanto predominância no varejo, quanto no corporativo do fator 5,00, “concordo muito”, havendo assim uma semelhança muito grande da concordância dos aspectos pesquisados
com relação às decisões das empresas.
No desvio padrão, a dispersão predominante no varejo é um pouco menor que 1,00 e no
corporativo é maior que 1,00, mostrando assim uma dispersão nos dados respondidos, maiores no
corporativo.
Portanto, em relação ao comprometimento afetivo, o varejo é mais comprometido com as
organizações que o corporativo.
A segunda análise, a comparação do corporativo com o varejo no ASPECTO NORMATIVO, nas
quatro variáveis coletadas, conforme os quadros abaixo:
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
113
QUADRO 03 – Comprometimento Normativo no Corporativo
Var. 01:
Var. 02:
Var. 03:
Possui obrigações
Sentimento de
Sentimento de
morais com os seus culpa se deixasse a incerteza, mesmo
dirigentes para não
organização
com vantagem, para
deixar a organização
deixar a organização
Var. 04:
Sentimento de
dívida com a
organização
Média
4,94
4,39
3,67
4,44
Mediana
5,00
4,00
4,00
4,50
Moda
5.00
4,00
4,00
5,00
Desvio Padrão
0,87
1,04
1,53
0,92
Var. 03:
Var. 04:
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
QUADRO 04 – Comprometimento Normativo no Varejo
Var. 01:
Var. 02:
Possui obrigações
Sentimento de
Sentimento de
morais com os seus culpa se deixasse a incerteza, mesmo
dirigentes para não
organização
com vantagem, para
deixar a organização
deixar a organização
Sentimento de
dívida com a
organização
Média
4,85
4,65
4,35
5,10
Mediana
5,00
5,00
5,00
5,00
Moda
5,00
5,00
5,00
5,00
Desvio Padrão
0,99
0,99
1,35
0,85
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
Os quadros mostram uma predominância na média de aproximadamente 4,50, no varejo,
mostrando um comprometimento maior nesse aspecto, enquanto o corporativo obteve aproximadamente 4,00, “concordo pouco”, de média.
Na mediana, o varejo obteve uma predominância de aproximadamente 5,00, “concordo
muito”, enquanto o corporativo, aproximadamente 4,50, reiterando ainda mais o comprometimento
maior do varejo.
A moda mostrou tanto predominância no varejo, quanto no corporativo do fator 5,00, “concordo muito”, ocorrendo assim uma semelhança muito grande da concordância dos aspectos pesquisados, com relação às decisões das empresas.
No desvio padrão, a dispersão predominante no varejo é pouco menor que 1,00 e, no corporativo, é maior que 1,00, mostrando assim uma dispersão nos dados respondidos, maiores no corporativo.
Portanto, em relação ao comprometimento normativo, o varejo também é mais comprometido que o corporativo.
A terceira análise, a comparação do corporativo com o varejo no ASPECTO INSTRUMENTAL,
nas quatro variáveis coletadas, conforme os quadros a seguir:
114
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
QUADRO 05 – Comprometimento Instrumental no Corporativo
Var. 01:
Var. 02:
Se deixasse a
organização,
haveria uma
desestruturação na
vida pessoal
Se deixasse a
organização,
haveria poucas
alternativas
Var. 03:
Var. 04:
Seria difícil deixar
Se deixasse a
a organização,
organização, haveria
mesmo por
uma escassez de
vontade própria alternativas imediatas,
como conseqüências
negativas
Média
3,56
3,22
3,78
3,00
Mediana
3,50
3,50
4,00
2,50
Moda
3,00
5,00
2,00
2,00
Desvio Padrão
1,34
1,52
1,48
1,41
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
QUADRO 06 – Comprometimento Instrumental no Varejo
Var. 01:
Var. 02:
Se deixasse a
organização, haveria
uma desestruturação
na vida pessoal
Se deixasse a
organização,
haveria poucas
alternativas
Var. 03:
Var. 04:
Seria difícil deixar
Se deixasse a
a organização,
organização, haveria
mesmo por
uma escassez de
vontade própria alternativas imediatas,
como conseqüências
negativas
Média
4,40
3,50
4,50
3,70
Mediana
4,50
4,00
5,00
4,00
Moda
6,00
4,00
5,00
4,00
Desvio Padrão
1,54
1,32
1,00
1,30
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
Os quadros comprovaram uma predominância na média de aproximadamente 4,00, fator
“concordo pouco” no setor varejo, mostrando um comprometimento maior nesse aspecto, enquanto o
corporativo obteve aproximadamente 3,50.
Na mediana, o varejo obteve aproximadamente 4,50, enquanto o corporativo aproximadamente 3,50, reforçando ainda mais o comprometimento maior no varejo.
A moda mostrou predominância no varejo, no fator 5,00, “concordo muito”, enquanto o corporativo, aproximadamente 3,00, “discordo pouco”, havendo, assim, uma disparidade muito grande entre o varejo e o corporativo, relacionada à concordância dos aspectos pesquisados, sobre as decisões das empresas.
No desvio padrão, a dispersão predominante, tanto no varejo quanto no corporativo, é pouco
maior que 1,00, mostrando assim uma dispersão nos dados similares entre os setores.
Portanto, em relação ao comprometimento instrumental, o varejo é mais comprometido com
as organizações, que o corporativo.
Enfim, nessas três primeiras análises pode-se concluir que, em relação ao setor que possui maior comprometimento organizacional, as pessoas do varejo são as mais comprometidas, dentro dos seus três aspectos.
A quarta análise foi a comparação das empresas no modo global, com os três aspectos do
comprometimento organizacional, o COMPROMETIMENTO AFETIVO, NORMATIVO e INSTRUMENTAL, nas
cinco variáveis coletadas, conforme os quadros a seguir:
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
115
QUADRO 07 – Comprometimento do Corporativo e Varejo no Aspecto Afetivo
Var. 01:
Var. 02:
Var. 03:
Var. 04:
Sentimento
Significado que Lealdade para
acerca dos
a organização a organização
problemas
possui para a
organizacionais
pessoa
como pessoais
Var. 05:
Desejo de
Dedicação da
permanecer na carreira para a
organização
organização
Média
4,79
4,92
5,29
5,03
4,24
Mediana
5,00
5,00
5,00
5,00
4,00
Moda
5,00
5,00
6,00
5,00
4,00
Desvio Padrão
1,14
1,05
0,84
0,79
1,24
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
QUADRO 08 – Comprometimento do Corporativo e Varejo no Aspecto Normativo
Var. 01:
Var. 02:
Var. 03:
Possui obrigações
Sentimento de
Sentimento de
morais com os seus culpa se deixasse incerteza, mesmo
dirigentes para não
a organização
com vantagem, para
deixar a organização
deixar a organização
Var. 04:
Sentimento de
dívida com a
organização
Média
4,89
4,53
4,03
4,79
Mediana
5,00
5,00
4,00
5,00
Moda
5,00
5,00
5,00
5,00
Desvio Padrão
0,92
1,01
1,46
0,93
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
QUADRO 09 – Comprometimento do Corporativo e Varejo no Aspecto Instrumental
Var. 01:
Var. 02:
Se deixasse a
Se deixasse a
organização,
organização,
haveria uma
haveria poucas
desestruturação na
alternativas
vida pessoal
Var. 03:
Var. 04:
Seria difícil
Se deixasse a organização,
deixar a
haveria uma escassez de
organização,
alternativas imediatas,
mesmo por
como conseqüências
vontade própria
negativas
Média
4,00
3,37
4,16
3,37
Mediana
4,00
4,00
4,50
4,00
Moda
3,00
4,00
5,00
4,00
Desvio Padrão
1,49
1,40
1,29
1,38
Fonte – Pesquisa realizada pelo autor, (2006).
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
Os quadros comprovaram uma predominância na média de aproximadamente 5,00, “concordo
muito”, no comprometimento afetivo, mostrando um comprometimento maior nesse aspecto, enquanto no comprometimento normativo obteve aproximadamente 4,50 de média e, no comprometimento
instrumental, aproximadamente 3,50 de média.
Com relação à mediana, o comprometimento afetivo e normativo obteve aproximadamente 5,00, “concordo muito”, enquanto no comprometimento instrumental, aproximadamente 4,00,
“concordo pouco”, assim mostrando um comprometimento de níveis iguais no afetivo e no normativo,
ambos sendo maiores que o instrumental.
A moda mostrou tanto predominância no comprometimento afetivo, quanto no normativo,
de aproximadamente 5,00, “concordo muito”, havendo então uma semelhança muito grande na concordância dos aspectos pesquisados, em relação às decisões das empresas, enquanto no comprometimento instrumental uma disparidade muito grande em relação ao outros, com aproximadamente 4,00,
“concordo pouco”.
No desvio padrão, a dispersão predominante, tanto no comprometimento afetivo, quanto no
normativo, é muito próxima de 1,00 e no instrumental é mais distante que 1,00, mostrando, assim,
uma dispersão maior no comprometimento instrumental.
Portanto, em relação ao comprometimento organizacional, de um modo global, relacionado
com a sua tridimensionalidade, as pessoas mostraram um comprometimento maior nos aspectos afetivo e normativo que no instrumental.
5.
Conclusão
A pesquisa realizada teve importância para a identificação das características pessoais, em
diversos níveis de comprometimento organizacional nas empresas de telefonia.
Essa união da literatura técnica com a prática concordante proporciona um aperfeiçoamento
contínuo do trabalho humano, pois cada vez mais, neste mundo globalizado, o capital intelectual está
dominando nossa economia, sendo essa uma grande evolução do mundo capitalista. A cada dia que
passa, aumentam-se as necessidades de termos capitais intelectuais comprometidos com os objetivos
e metas das organizações, para não serem engolidos pelas grandes redes de empresas.
O trabalho apresentado obteve um resultado satisfatório no seu objetivo principal: o de medir
os padrões e níveis de comprometimento organizacional nos dois setores das organizações pesquisadas.
Foi possível obter a comprovação das três dimensões do comprometimento organizacional, o
afetivo, o normativo e o instrumental, dentro do universo estudado, considerando-o assim adequado à
realidade organizacional existente no nosso país.
Com os resultados alcançados, analisados e interpretados, pode-se concluir que há um comprometimento maior no setor do varejo que no corporativo, tanto nos aspectos afetivos, como nos normativos,
e nos instrumentais, existindo, assim, uma dispersão menor dos fatores comportamentais nesse setor.
Nas empresas em um modo global, as pessoas possuem uma maior uniformidade nos aspectos
afetivos e normativos, deixando mais de lado os aspectos instrumentais.
Há uma deficiência maior no comprometimento instrumental, porque seus colaboradores
estão nas empresas, mais por falta de opções de mercado, no entanto, se surgirem oportunidades
melhores, não pensarão muito em relação à troca das organizações em que trabalham.
Através dos cálculos estatísticos, medidas de tendência central, medidas de dispersão, conseguem-se comprovar o modelo de tridimensionalidade, proposto por Meyer e Allen (1991) (apud MEDEIROS, 1998), através de seus 13 indicadores de comprometimento organizacional dentro dos três
componentes da escala de Meyer, Allen e Smith (1993), validados por Medeiros (1998).
Como contribuição pessoal, o trabalho conseguiu mostrar que as organizações são compostas
de pessoas com diferentes objetivos, metas e comprometimentos diferentes em seus setores que as
compõem, podendo assim ser trabalhadas as diferenças nas análises de investimento, treinamentos,
seleção de pessoais, utilizando-se as diversas ferramentas do RH para a sua otimização, buscando,
assim, o equilíbrio de comprometimento nos setores.
6. Referências Bibliográficas
BANDEIRA, Mariana Lima; MARQUES, Antônio Luiz; VEIGA, Ricardo Teixeira. As Dimensões Múltiplas do
Comprometimento Organizacional: Um Estudo no ECT / MG. Revista de Administração Contemporânea. v. 4, n. 2. São Paulo, 2000.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 11 · Janeiro - Junho de 2012
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BASTOS, Antonio Virgílio B. Comprometimento Organizacional: Um Balanço dos Resultados e Desafios
que Cercam essa Tradição de Pesquisa. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, 1993.
BASTOS, Antonio Virgílio B. Comprometimento Organizacional: A Estrutura dos Vínculos do Trabalhador
com a Organização, a Carreira e o Sindicato. Tese de Doutorado em Psicologia – Universidade de Brasília. v. 33, n. 3. Brasília, 1994.
BASTOS, Antonio Virgílio B. Comprometimento Organizacional: Uma Análise do Conceito Expresso por
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CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall,
2003.
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MEDEIROS, Carlos Alberto Freire. Comprometimento Organizacional, Características Pessoais e Performance no Trabalho: Um Estudo dos Padrões de Comprometimento Organizacional. Dissertação de
Mestrado em Administração – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 1997.
MEDEIROS, Carlos Alberto Freire; ENDERS, Wayne Thomas. Validação do Modelo de Conceitualização de
Três Componentes do Comprometimento Organizacional (Meyer e Allen, 1991). Revista de Administração Contemporânea, v. 2, n. 3. São Paulo, 1998.
MEDEIROS, Carlos Alberto Freire; ALBUQUERQUE, Lindolfo Galvão de; SIQUEIRA, Michella; MARQUES,
Glenda Michelle. Comprometimento Organizacional: O Estado da Arte da Pesquisa no Brasil. Revista
de Administração Contemporânea, v. 7, n. 4. São Paulo, 2003.
MUCHINSKY, Paul M. Psicologia Organizacional. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
STEVENSON, William J. Estatística Aplicada à Administração. Tradução de Alfredo Alves de Farias. 1. ed.
São Paulo: Harbra, 2001. Chicago: SPSS, 2004.
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