O punk em São Paulo: Reflexões acerca da construção de

Transcrição

O punk em São Paulo: Reflexões acerca da construção de
André de Pieri Pimentel
O punk em São Paulo: Reflexões acerca da
construção de identidades – e alteridades – no
cenário urbano
São Carlos
2015
1
André de Pieri Pimentel
O punk em São Paulo: Reflexões acerca da
construção de identidades – e alteridades –
no cenário urbano
Prof. Dr. Gabriel de Santis Feltran (orientador)
Monografia
apresentada
ao
Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Carlos
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Bacharel em
Ciências Sociais
São Carlos
2015
2
Monografia de conclusão de curso
André de Pieri Pimentel
O punk em São Paulo: Reflexões acerca da
construção de identidades – e alteridades – no cenário
urbano
Monografia apresentada ao Departamento
de Ciências Sociais da Universidade
Federal de São Carlos como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título
de Bacharel em Ciências Sociais
Banca examinadora:
Prof. Dr. Gabriel de Santis Feltran (orientador)
Universidade Federal de São Carlos
Prof. Dr. Luiz Henrique de Toledo
Universidade Federal de São Carlos
São Carlos
2015
3
4
Resumo
Esta monografia possui o objetivo de discutir articulações entre política, estética e
violência, a partir da cena punk em São Paulo. O texto se divide em duas partes, estruturadas
em torno das noções de identidades e alteridades. A primeira é mais focada em uma
genealogia da cena. Primeiro marcada por sociabilidades que gravitavam em torno das
gangues, e depois, a partir de um questionamento da lógica ganguista mais especificamente
por parte dos punks da cidade de São Paulo, aos poucos configurou-se uma “cisão de
posturas” entre punks de São Paulo e do ABC paulista. Em um momento posterior, a partir da
disjunção entre a cena punk “nas ruas” e a cena de bandas punks, consolidam-se polarizações
ideológicas que se refletem em oposições “de rolê”. A segunda parte do texto é mais dedicada
a uma cartografia da cena punk nos anos 2000. Primeiro, discorro sobre a cena punk “nas
ruas”, discutindo as interfaces entre os punks e outros grupos identitários, como carecas e
nazistas, e também dos punks com os dispositivos de segurança pública e a imprensa. Depois,
me volto à cena de bandas punks, discutindo a noção de “circuitos underground” envolvidos
na produção e na distribuição musical, aqui recorrendo a exemplos empíricos de dois selos em
particular (a Rebel Music e a Red Star), na tentativa de estabelecer reflexões sobre a
mobilização prática desses discursos, e da constituição de segmentalidades no interior dessa
“cena underground”.
PALAVRAS-CHAVE: Punk, São Paulo, política, estética, violência, juventude,
cultura, identidade.
5
6
Sumário
Introdução……………………………………………………………………………………10
Parte 1: Tensões estético-discursivas na cena punk entre 77 e 88………………………...14
1.1 – De 1977 a 1982: Os “primeiros sintomas” do punk em São Paulo……………………..14
1.2 – 82-83: Discurso em prol do “movimento punk”: Treta com os punks do ABC………...22
1.3 – A partir de 1983: Estagnação na cena de bandas, fragmentação ideológica “nas ruas”...28
Parte 2: Os anos 2000………………………………………………………………………..37
2.1 – “Urbano cindido”: O declínio do ideal democrático inclusivo em São Paulo………….37
2.2 – Cena cindida: “Cê é punk? Punk o quê?”………………………………………………41
2.3 – A “cena underground”: As bandas, os selos, os shows punks…………………………..54
Conclusão…………………………………………………………………………………….66
Bibliografia…………………………………………………………………………………..69
7
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
pela concessão da bolsa de Iniciação Científica que viabilizou a realização da pesquisa
contida nessa monografia.
Gostaria de agradecer a todos os companheiros do Namargem, grupo de pesquisa do
qual eu faço parte desde o final do ano de 2013, momento em que essa pesquisa ainda
engatinhava. Meus inestimáveis agradecimentos ao coordenador do grupo, o professor e
amigo Gabriel Feltran, que sempre arrumou um tempo para responder minhas dúvidas e
anseios e me dar conselhos e sugestões muito mais que valiosas, mesmo quando tempo não
havia. Aos pesquisadores colegas e amigos de grupo, Carla Mattos, Damien Roy, Deborah
Fromm, Domila Pazzini, Evandro Cruz, Evelyn Postigo, Giordano Bertelli, Gregório Zambon,
Janaina Maldonado, José Douglas da Silva, Josimar Priori, Leandro Silva de Oliveira, Luana
Motta, Luciano Oliveira, Mariana Martinez, Matheus Carracho Nunes, Roselene Breda e
William Alvarez. A vivência com o pessoal do grupo, tanto as reuniões de trabalho quanto as
confraternizações e conversas informais sempre me propiciaram um ambiente de reflexões e
discussões intensas, e eu possivelmente eu nunca serei capaz de expressar em palavras o quão
grato eu sou por fazer parte disso.
Agradeço também aos amigos e colegas de graduação, em especial Bruno Cholak,
João Francisco Dias, Marcus Vinícius Guidotti, Pedro Lemos e Rodrigo Mantovani, com os
quais eu dividi parte das reflexões e das preocupações ao longo da realização dessa pesquisa.
Aos meus amigos, Pablo Alcântara, Raquel Cappellano, Theo Russo e Victor Machado, que
participaram diretamente do meu contato com a expressão e com o rolê punk e da minha
própria formação enquanto pessoa. Aqui, não poderia deixar de registrar os agradecimentos à
minha mãe, Rosana de Pieri, a meu pai, Edmur Vaz Pimentel, e a meus irmãos, Gabriela e
Luis Fernando. Se, na vida, nós temos a oportunidade de integrar várias famílias, não
devemos nos esquecer daqueles que são e serão a nossa família para sempre, que nos ensinam
e nos lembram a importância da união e dos laços de afeto.
Agradeço ao professor Luiz Henrique de Toledo, que foi ao longo da minha graduação
uma referência na temática dos estudos urbanos. No decorrer dessa pesquisa, Larissa Nadai e
Paulo Malvasi contribuíram com comentários bastante valiosos, e aqui registro meu
agradecimento a ambos. Agradeço especialmente aos meus interlocutores, os punks, sem os
8
quais obviamente não haveria condições para se realizar esta pesquisa. Mais do que isso, os
punks me propuseram diversas reflexões acerca da minha própria colocação em campo, da
minha participação enquanto observador e do compromisso político que o trabalho acadêmico
deve manter com aqueles que participam de sua coautoria.
E, por fim, agradeço a todos aqueles que, de alguma forma, nos lembram que as
Ciências Sociais podem e devem ser atuantes, engajadas, militantes, autônomas e
independentes.
9
Introdução
“Vagando pelas ruas tentam esquecer/ Tudo que os oprime e os impede de viver/ Será que
esquecer seria a solução/ Pra dissolver o ódio que eles tem no coração?/ Vontade de gritar
sufocada no ar/ O medo causado pela repressão/ Tudo isso tenta impedir/ Os garotos do
subúrbio de existir/ Garotos do subúrbio, garotos do subúrbio/ Vocês, vocês, vocês não
podem desistir/ Garotos do subúrbio, garotos do subúrbio/ Vocês, vocês, vocês não podem
desistir de viver!”
[Letra da música Garotos do subúrbio, da banda Inocentes1].
São Paulo, final dos anos 70. Estancam os efeitos aparentemente positivos do “milagre
econômico” promovido pelos militares, esgota-se a sensação de aumento do padrão de vida
das classes trabalhadoras, que começavam a sentir os efeitos do crescimento do desemprego e
do aumento do custo de vida. Somada a tudo isso, a repressão policial se impunha de forma
muito presente no cotidiano dos jovens de classes baixas. Aqueles que fossem abordados na
rua por policiais e não tivessem registro na carteira de trabalho, ainda que alegassem estar ali
justamente procurando um emprego, eram levados à delegacia. Em tempos de
desmantelamento do aparato burocrático-autoritário estatal, nem todos se sentiam incluídos
pelo projeto de redemocratização que se ensaiava. Se na Inglaterra os Sex Pistols gritavam
que “não havia futuro”2, essa frase parecia fazer muito mais sentido nos subúrbios de São
Paulo, onde a ausência de perspectivas era sentida por muitos na pele. E é nesse cenário,
cinza, industrial, urbano, opaco e violento3, que começam a surgir as primeiras manifestações
espontâneas de uma “cultura punk” na cidade. No trajeto entre o centro e as periferias, nos
trens ou nos ônibus, entre o desemprego e a delinquência, entre a diversão e a revolta,
formam-se os elementos fundamentais dessa “(sub)cultura”.
Este texto pretende se focar nas tensões estético-discursivas, próprias da emergência e
do desenvolvimento da cena punk em São Paulo. A partir das representações que os punks
fazem do urbano, eles assumem identidades4, disputas e antagonismos. Esses processos, além
1
2
3
4
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=kR_s_oJaXdQ]. Acesso 30/05/2015.
Referência à letra da música God save the queen, uma das mais conhecidas da banda punk inglesa. A última
parte da letra dessa canção é: “No future! No future! No future for you!”.
Aqui, ao descrever essa cena urbana, não me preocupo tanto em reconstituir uma realidade objetiva, me
atenho mais a enxergar o cenário pela perspectiva com a qual os punks o figuravam, seja em depoimentos,
seja em suas produções artísticas, ou mesmo na forma com que “se apropriam” da cidade. Aqui tenho em
vista a noção de “figuração”, tal qual proposta por Norbert Elias (1970), enquanto configuração decorrente
de formas de interconexões e interações sociais.
A noção de identidade com a qual eu trabalho dialoga com a concepção expressa por Hall (2005), segundo a
qual a identidade cultural diz respeito a um sentimento subjetivo de sentir-se representado por certos “traços
10
e apesar de possuírem certas correspondências com movimentos observados em outros
campos, trazem a tona elementos que de certa forma contrastam com a bibliografia sobre as
“classes populares” produzida nos anos 70 e 80 em São Paulo. Muitos dos trabalhos que se
debruçaram sobre os moradores das periferias nesse contexto enfatizavam a centralidade do
trabalho na vida dessas pessoas (CALDEIRA, 1984) ou a sua atuação política junto aos
movimentos sociais (PAOLI, 1995; SADER, 1988). As questões da violência e do crime
seriam vistas como centrais no cotidiano das periferias e da cidade apenas nos anos 90
(ADORNO, 2002; CALDEIRA, 2000; PINHEIRO, 1997), coincidindo justamente com a
consolidação de uma “confluência perversa”, entre o processo de redemocratização política e
a liberalização econômica (DAGNINO, 2004). A estética, embora nunca tenha estado de todo
ausente dessa bibliografia, só foi tomada como questão relevante mais recentemente, a partir
dos anos 20005. Esse artigo pretende contribuir para uma historiografia das representações e
das apropriações do urbano em São Paulo, discutindo as interações e interconexões entre
estética, política e violência em um contexto de transição entre essas duas representações
distintas das periferias e das classes populares.
Segundo Abramo (1994), o fenômeno da emergência do punk no Brasil, e em especial
em São Paulo, teria deflagrado um até então inédito protagonismo de uma juventude
proveniente das classes trabalhadoras no chamado “universo juvenil”. Antes do punk, a
juventude brasileira era procurada entre os estudantes, sobretudo universitários, e na figura do
movimento estudantil. O foco dos estudos que se desenvolviam nessa temática pendulava
entre a possibilidade de mobilidade social e a capacidade de organização e transformação
política dos jovens. No contexto entre o final dos anos 70 e o início dos 80, no entanto, o
movimento estudantil enfrentou um processo de esvaziamento, não apenas enquanto agente
político mas também enquanto elemento central constituinte de uma identidade estudante
(ABRAMO, 1994). Ao mesmo tempo, a condição juvenil – o privilégio, ou a maldição, de já
não ser mais criança e ainda não ser um adulto – foi ampliada para as classes trabalhadoras a
partir do dito milagre econômico, no início dos anos 70, com o crescimento de empregos
combinado com uma política de arroxo salarial, que favoreceu a contratação de pessoas em
tese mais subordinadas e menos suscetíveis a se envolver com sindicatos, como jovens e
5
culturais” partilhados por uma dada “população”. Além do “sentimento de pertença”, outra dimensão
importante dessa constituição identitária é o estabelecimento de oposições, elemento que lhe confere uma
historicidade. Aqui, me aproximo da concepção de identidade de classe expressa por Thompson (1987).
Aqui, faço menção a trabalhos que tematizam o RAP em São Paulo, em especial o grupo Racionais MC´s
(BERTELLI, 2012; GESSA, 2007). Esses trabalhos me serviram de inspiração para pensar conexões entre
estética e periferia.
11
mulheres (ABRAMO, 1994)6. E teria sido justamente a partir da inserção no mercado de
trabalho que os jovens de classes baixas entraram também nas esferas do consumo e do lazer
– uma diferença em relação aos jovens das classes média e alta, que experimentavam a
juventude a partir da inserção no ambiente universitário, em situação pré-funcional. É nesse
momento que se forma um mercado de bens culturais voltado especificamente para o público
jovem: discos, fitas, revistas de entretenimento, filmes (ORTIZ, 1988)7. Além dos bens
culturais e do lazer, outro tipo de mercadoria que se torna visada pelos jovens é a roupa.
Agora, esses jovens de classes baixas circulavam mais, tinham maior visibilidade, e por isso
passaram a ter maior preocupação com a aparência, fosse para tentar reverter o estigma da
pobreza em forma de uma construção identitária positiva, fosse para escapar da discriminação
e da repressão policial (ABRAMO, 1994). Nesse sentido, o punk traz uma ruptura em relação
a essa insipiente cultura juvenil popular. Sua estética é suja e feia, e busca não minimizar ou
sublimar a condição de pobreza, mas sim justamente o contrário, a escancarar e a denunciar, a
“esfregar na cara da sociedade”.
Ressalto que por estética eu entendo não apenas elementos relacionados a vestuário ou
adornos corporais, ou mesmo corporalidades, mas também sonoridades, de bandas ou de
subgêneros punks, e a própria estética evocada pelos discursos aqui envolvidos (assim como o
discurso presente na estética estaria também contido na definição de discurso com a qual eu
trabalho). Como “meio de entrada” para uma análise dessas estéticas e desses discursos, eu
me utilizo da trajetória de algumas bandas, espaços, gangues ou acontecimentos significativos
ligados à cena punk, que foram colhidos através de documentos secundários – depoimentos,
reportagens e matérias jornalísticas, incluindo as de fanzines punks, documentários, textos
acadêmicos ou leigos e músicas e letras das bandas. Na segunda parte do texto, me utilizarei
também de dados colhidos durante a minha experiência enquanto punk, que se deu entre os
anos de 2004 e 2008. A partir da minha experiência enquanto punk, pude apreender e
compartilhar do universo simbólico punk, ou melhor dizendo, de uma “parte específica” da
cena punk, mais próximo dos punks anarquistas. Entendo que, a partir desses elementos
estético-discursivos e da forma como se articulam e se tensionam, podemos compreender
melhor o substrato simbólico de constituição e de performance do “self” (GOFFMANN,
6
7
A “condição juvenil”, segundo Abramo (1994), além de ser um fenômeno inscrito na modernidade, é
também amplamente relacionada com questões de classe, de raça e de gênero. Nesse sentido, a juventude
seria um “privilégio” social, que por muito tempo foi restrito a jovens brancos do sexo masculino e de
classes abastadas.
Segundo Essinger (1999, p 81), houve nesse período uma importação massiva de produtos e mesmo de
valores culturais especialmente provenientes dos Estados Unidos. Dentre eles, o rock.
12
1985). Minha proposta central é, através dessas tensões estético-discursivas que marcaram o
desenvolvimento de uma cena punk em São Paulo, pensar conexões e articulações entre as
noções de estética, política e violência, com o objetivo de problematizar as formas que elas
podem vir a assumir em práticas e discursos de apropriação do urbano.
A dissertação se organiza em duas partes. A primeira mais dedicada em uma
genealogia do rolê punk em São Paulo. No primeiro capítulo, me detenho mais aos primeiros
momentos de constituição de uma cena punk em São Paulo, entre o final dos anos 70 e o
início dos 80. Através da constituição das primeiras gangues punks, bem assentadas em
territórios específicos da cidade, desenvolve-se uma sociabilidade específica, marcada pela
fragmentação e pela disputa de identidades. No segundo capítulo, trato do processo de
consolidação de uma cena de bandas punks e de um discurso em prol de um “movimento
punk” especialmente entre os punks da city (de São Paulo) e a treta entre estes e os punks do
ABC paulista. Aqui, o conflito já diz respeito não mais a uma disputa de identidades mas a
uma “cisão de posturas”, ou seja, ao próprio sentido que se dá à identidade punk. No terceiro
capítulo, comentarei o período posterior a 1983, marcado por uma estagnação na cena de
bandas punks e pela eclosão de outras cenas dentro da própria cena punk, denotando
fragmentações discursivas – e estéticas. Já a segunda parte do texto é mais centrada em uma
espécie de cartografia da cena nos tempos atuais. Primeiro discuto a cena punk “nas ruas”,
onde cisões e polarizações ideológicas se constituem e caracterizam uma “cena cindida”, e
depois, me detenho sobre a constituição de uma cena underground mais centrada nas bandas
punks, em torno das quais se formam verdadeiras redes de múltiplos agentes – selos, casas de
shows, estúdios – empenhados, de forma mais ou menos direta, na produção e distribuição do
som punk.
13
Parte 1: tensões estético-discursivas na cena punk entre 77 e 88
1.1 – De 1977 a 1982: Os “primeiros sintomas” do punk em São Paulo
“´Punk´ foi a denominação dada às bandas inglesas que em 76/77 começaram a fazer um
tipo de som que arremessava o rock para novas direções e numa virada tão extrema que
tornou nostálgica qualquer retomada. Pela atitude musical e política, isso: o punk veio
para não salvar nada (e nem a si mesmo). (…) O som é muito simples, e muito rápido.
Basicamente percussivo, com vocal violento. Contra a complicação do ´rock progressivo´
que se fazia na época, o punk-rock é o uso imediato do instrumento. Produzir intensidade
e lançar um desafio – essa a contundência do punk – e fazer isso com o mínimo”
(CAIAFA, 1985, p. 9).
Nesse contexto entre os anos de 1976 e 1977, o “fenômeno punk” na Inglaterra era mais
circunscrito à música. Não porque ele não dizia respeito ao contexto social em que se inseria,
mas sim porque as inovações – estéticas e discursivas – que o punk rock trazia influenciariam
decisivamente os rumos posteriores do mainstream8 do rock n´roll. A influência do punk na
cena do rock foi tão extensa justamente porque ele trazia à tona um som cru, simples, que para
alguns retomava o aspecto de estranhamento e de contestação, que seria um elemento inerente
ao rock mas que parecia obscurecido pelos “grandes astros” e toda sua parafernalha
sofisticada (CAIAFA, 1985). O visual dos punks – coturnos, calças rasgadas, jaquetas,
patchs9, moicanos, uma sobreposição de signos e de traços cortantes, alusão a uma espécie de
“dejeto urbano” – compunham, junto com a sonoridade do punk rock e o discurso impresso
nas letras e contido nessa estética, uma cena punk. Além de influenciar nos rumos que o rock
comercial tomou depois de sua emergência, inclusive no Brasil, o punk foi “exportado” para
outros países, e constituem-se cenas punks em diversas partes do planeta, que de modo mais
ou menos geral compartilhavam um cenário de desemprego, recessão econômica e crise de
representatividade das instituições políticas. E nessas apropriações “locais” do punk,
constituíam-se cenas punks locais, com dinâmicas próprias.
Antes de mais nada, evidencio o que aqui estou definindo por cena. Essa noção, da
forma como aqui proponho, tem em vista o conceito de partilha do sensível, definido por
Ranciére como “um sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência
8
9
“Mainstream” seria a cena musical mais diretamente ligada à “Cultura de massas” (às grandes gravadoras, à
grande imprensa). Em contraposição ao “mainstream”, o “underground” se refere à produção cultural que é
feita à parte do aparato da “cultura de massas”. Na segunda parte do texto, pretendo definir esses termos de
forma mais detalhada e precisa.
Retalhos de pano que são costurados às calças ou às jaquetas dos punks, e que trazem impressos em si
alguma mensagem – o logotipo de alguma banda, uma imagem, um símbolo, uma frase.
14
de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas” (RANCIERE,
2005, p. 15). Eis o “fundo estético” da política, aqui entendida enquanto performance,
enquanto dissenso, o choque entre mundos sensíveis que produz novas configurações de
“comum” (RANCIERE, 1997). A política enquanto movimento, enquanto exercício, enquanto
perturbação. Não apenas o “comum” partilhado mas também as próprias extensões de sua
partilha estão sempre em disputa. E é justamente a essa extensão que se refere o conceito de
cena, da forma como eu o “peguei emprestado” dos punks. A cena pode, dependendo da
situação, abarcar todos os punks ou apenas alguns (os de tal gangue, de tal bairro, de São
Paulo ou do ABC, os que têm bandas ou os que não têm, os que contribuem ativamente para o
“movimento” e os que não contribuem), ou ainda pode englobar também outros grupos,
aqueles com quem os punks podem ou não vir estabelecer alguma forma de interação
cooperativa ou conflituosa.
Antes de conhecer as chamadas bandas da “primeira geração do punk” (as inglesas
Sex Pistols e The Clash, e os Ramones, banda de Nova York 10), alguns desses “garotos do
subúrbio” de São Paulo que já eram mais chegados em um rock n´roll já ouviam bandas como
MC-5, The Stooges ou New York Dolls, que antes de se falar em punk rock já tocavam um
rock mais “rebelde”, uma estética sonora que transmitia algo que fazia sentido para esses
jovens – um rock´n roll com arranjos simples e que tinha como cenário o “submundo” das
cidades industriais11. Essas bandas estavam “na margem” da cena do rock, literalmente. Na
época, o que se tinha no “centro” do rock n´roll era outro tipo de som: Bandas como Led
Zeppelin e Deep Purple, além do rock progressivo e das bandas hippies. Em geral suas
canções eram longas e musicalmente virtuosas, além de dispendiosas, porque demandavam
mais instrumentos e equipamentos e de melhor qualidade. Não era um tipo de música que
qualquer um pudesse tocar, nem mesmo curtir. Os shows dessas bandas também eram caros,
tinham um clima mais de “espetáculo”, a distância em relação ao publico, aqui reduzido a
plateia. Aparte dessa cena mainstram do rock, outra nova tendência era a Disco Music, que
começava a se popularizar metonimizada na figura do ator John Travolta. E no Brasil, o
mesmo de sempre: O samba e os “grandes monstros sagrados” da bossa-nova e da MPB12.
10
11
12
Alguns apontam a existência de uma cena punk em Nova York, incluindo nela artistas como Ramones, Patti
Smith, The Heartbreacks e The Blondie, e até mesmo o Velvet Underground (MCNEILS;MCCAIN, 2011a).
No entanto, a única banda punk de Nova York que foi ouvida (e reconhecida como punk) pelos punks daqui
foi o Ramones, que de fato é a única delas que possui uma sonoridade e uma estética discursiva mais
próxima do punk rock.
As duas primeiras são de Detroit, a terceira, de Nova York.
Novamente não estou preocupado em uma reconstituição fiel da cena musical no Brasil, e sim em
reconstituir um cenário que se consolidou como a figuração que os punks faziam da cena musical brasileira.
15
Membros da banda punk inglesa The Clash,
também em foto da capa de seu primeiro disco.
Integrantes da banda punk novaiorquina Ramones,
em foto da capa de seu primeiro álbum.
Da esquerda para a direita, Sid Vicious e Johnny Rotten, ambos membros da banda punk inglesa Sex Pistols.
16
A cena da música brasileira e mundial parecia, para esses jovens, reafirmar a segregação
social: Na música e na sociedade, não lhes era dado espaço nem voz.
Independentemente da validade geral ou não do conceito de subcultura, tal qual
proposto pelos pesquisadores ligados ao Centre for Contemporary Cultural Studies da
Universidade de Birmingham (HALL E JEFFERSON, 1993; HEBDIGE, 2002), ele apresenta
alguns elementos bastante interessantes para se pensar o surgimento da (sub)cultura punk em
São Paulo. O conceito foi elaborado e utilizado em análises sobre os grupos juvenis que
começaram a surgir sobretudo na Inglaterra a partir dos anos 50. Segundo estes autores, as
subculturas seriam grupos juvenis que compartilhavam um “estilo”, uma estética própria,
configurando-se como uma espécie de cena à parte, mas não desconectada, da “cultura de seus
pais”. De modo geral, e em variados graus, as subculturas se punham em posição de
resistência frente a “cultura hegemônica”13, manifestações estéticas de uma subversão de
cunho semântico. Possivelmente em São Paulo de modo mais intenso do que na Inglaterra, a
cultura punk estabeleceu-se enquanto reação estético-discursiva de franca oposição às
estruturas e valores sociais vigentes – ao “sistema”. Haveria também, nas subculturas – ou na
noção de subcultura – um forte aspecto de pertença de classe, e também de raça. Dessa forma,
as subculturas seriam, ao mesmo tempo, resistências frente a uma cultura hegemônica e
reelaborações de uma identidade ligada à cultura de uma dada classe social e/ou etnia. Aqui, o
conceito de homologia, formulado por Lévi-Strauss e aplicado pelos pesquisadores da “escola
de Birmingham” no contexto das subculturas urbanas, ajuda a pensar não apenas o processo
pelo qual os signos estéticos ostentados por grupos juvenis de estilo adquirem sentidos
inerentemente conectados a uma cena específica, a um fundo estético-simbólico particular,
mas também as estratégias desenvolvidas e estabelecidas em torno da manutenção desse
vínculo, para não deixar que o “estilo” se torne “moda” – uma estética vazia, desconectada de
seu contexto de criação. No caso do punk, o fato de este ter sido amplamente explorado pelas
grandes gravadoras e pela mídia de massa foi visto por muitos como um sinal de perda de
homologia, entre estética e “estilo” punk. Mas a aparente desativação da homologia original
nesse caso acontece simultaneamente à constituição de novas homologias, locais.
Em São Paulo, os primeiros contatos com a estética punk, que “veio de fora”, viriam
13
Aqui, o conceito de hegemonia em questão é o formulado por Gramsci (1982). Segundo o autor, a
hegemonia se refere a uma espécie de supremacia de cunho ideológico, imposta por uma elite política e
compartilhada de modo relativamente consentido pela população como um todo. Importante ressaltar que
essa supremacia não se dá sem que se estabeleçam disputas entre os intelectuais orgânicos ligados aos
grupos sociais que almejam hegemonia.
17
por via de matérias veiculadas por revistas de entretenimento jovem. No Brasil, ao contrário
do que aconteceu na Inglaterra ou nos Estados Unidos, a difusão midiática em torno da
emergência do punk foi pequena (ABRAMO, 1994). Nessas poucas matérias contidas em
revistas, ele figurava como um verdadeiro espetáculo estético quase que teatral, composto de
visuais pontiagudos, corporalidades insanas e discursos e sonoridades ébrios e ásperos. Apesar
da relativa homogeneidade dessa estética que até então se associava ao punk, ele foi
apropriado e significado de formas heterogêneas e particulares pelos “garotos do subúrbio” de
São Paulo, que se inscreviam, a um tempo só, em um espaço específico da cidade e em um
campo alternativo de apropriação dos espaços urbanos e de partilha de experiências e de
posições que se formava a partir da estética punk.
Nos primeiros anos, o rolê dos punks gravitava em torno das gangues. Essas turmas de
garotos que tomavam contato com o punk e se identificavam com essa estética de
transgressão iam aos poucos se assumindo como gangues punks, e juntos eles costumavam
frequentar festas na própria região – os salões, em geral construções precárias, onde a entrada
era barata e os jovens do próprio bairro iam pra ouvir um som (PEDROSO E SOUZA, 1983).
Alguns desses salões onde os punks iam já tocavam um rock mais pesado. Outros tocavam
mais os novos hits da disco music. A maioria deles, na verdade, “tocava um pouco de tudo”. O
punk rock tocava quando os punks conseguiam impor suas fitas K-7. Era prática recorrente na
época. Os punks iam pro rolê munidos de suas próprias fitas, com gravações de músicas de
bandas punks de fora, e era comum que, ao tentarem impor seu som, eles arrumassem treta
com outros grupos juvenis locais, como roqueiros, cabeludos ou escovinhas – os que
gostavam de black e disco music. Claro que a própria carência de opções de rolê para esses
jovens de certa forma incitava que os diferentes grupos entrassem em conflito pelo espaço –
pelo direito de ouvir “seu som” naquele espaço14. Mas, além das circunstâncias externas,
alguns deles se apropriavam e se utilizavam ativamente dessa violência física descarregada
nas tretas, seja como forma de afirmar suas identidades e a de suas gangues (como “mais
fodidos”, e por isso “mais punks”), seja como subversão, seja como diversão (PEDROSO E
SOUZA, 1983).
Num primeiro momento, quando o rolê desses punks saia dos bairros em direção ao
centro da cidade ou a quebradas distantes, havia muitas brigas entre as gangues. Aqui, faço
14
Apesar dos conflitos desencadeados pela disputa em torno dos picos que haviam nos bairros, alguns punks
começaram a organizar seus próprios rolês, alugando salões, arrumando a aparelhagem. Este seria um
primeiro passo no sentido de uma conduta orientada para a iniciativa de criação e construção autônoma e
cooperativa, que é característica do punk e expressa no lema “faça você mesmo”.
18
menção à noção de “pedaço”, definida por Magnani (2002) enquanto uma espécie de
intermediário entre o espaço da “casa” (o privado, o doméstico) e da “rua” (o público). Se a
“casa” era o espaço dos parentes e a “rua” é o lugar dos estranhos, o “pedaço” é o local dos
“chegados” - aqueles que são amigos mais próximos, quando se trata de um contexto mais “de
bairro”, ou que possuem alguma espécie de “afinidade identitária”, em regiões centrais
(MAGNANI, 2002, p. 21-22). Enquanto no contexto dos bairros os punks entravam em
conflito com outros grupos pelo domínio do “pedaço”, quando o rolê era no centro a suposta
maior “afinidade identitária” entre os punks não necessariamente implicava em uma
convivência mais harmoniosa. Isso por causa da existência de recortes nas próprias dinâmicas
de sociabilidades que se desenvolveram em torno das gangues. Se, na cena dos rolês nos
bairros, os punks se distinguiam por ser punks, na cena dos rolês no centro eles se distinguiam
pela gangue e pelo “pedaço” de onde vinham15. Muitas vezes, a pertença a uma gangue se
punha para esses jovens também como condição necessária para a própria segurança, afinal,
para se andar pelas ruas nas noites de São Paulo, toda companhia e disposição para brigar
poderiam ser exigidos. Mesmo aqueles que preferiam não “ser” de nenhuma gangue
acabavam circulando em torno delas. O cenário das gangues não necessariamente se limitava
às gangues punks, mas quando a treta era entre elas parecia entrar em disputa a própria autoafirmação, dos indivíduos e das gangues, enquanto “mais” punks. Essa auto-afirmação se
dava de forma efêmera e fragmentária (PEDROSO E SOUZA, 1983). Desde o início, o punk
em São Paulo sempre esteve em disputa16.
Infelizmente, não se tem muitas informações sobre a maioria dessas gangues punks.
Muitas se foram e deixaram apenas seus nomes, outras nem isso. O que se sabe é que, entre as
diferentes quebradas e as diferentes gangues, e mesmo dentro delas, as cenas eram bastante
heterogêneas. Podia variar muito o posicionamento em relação a envolvimento com delitos,
com as tretas, com o uso de drogas, com ideologias políticas (ou falta de) ou mesmo com a
organização de atividades ligadas à expressão punk, como rolês, bandas, shows, fanzines,
entre outros. Sabe-se também que a partir do momento que começou a se formar uma cena de
15
16
Aqui, o termo rolê, em comparação com a de “pedaço”, possui uma conotação mais flúida. Isso porque,
muitas vezes, um rolê não acontecia duas vezes no mesmo lugar (alguns diriam que o próprio
comportamento violento do público garantia que isso não ocorresse). Possui, também, o aspecto fundamental
de demandar articulações em torno de sua realização. Isso será comentado adiante. Mas, em ambos os casos,
ainda que por motivos aparentemente contraditórios, há fluxos. Já o termo “pedaço” acaba assumindo
sentido parecido ao de quebrada (o lugar de onde você vem).
Essa aversão à centralização e às hierarquias, que acaba gerando mecanismos internos de fragmentação e
disputa, em algum ponto, se aproxima de certas características que Clastres (2006) atribuiria às “sociedades
sem Estado”.
19
bandas punks, alguns começaram a se alinhar a um discurso em prol da união entre os punks e
entre as gangues. Muitas das bandas que se formaram a partir de 1978 surgem em contextos
de “trocas” entre gangues. A banda Restos de Nada, apontada por muitos como a primeira
banda punk de São Paulo (já ensaiava desde 77, e se apresentou pela primeira vez em 78), se
forma ainda num contexto mais restrito aos bairros. Seus membros eram todos moradores da
Vila Carolina, zona norte da capital paulista, e eram todos da “turma” que mais tarde
comporia a gangue Carolina Punk17. Mais ao centro de São Paulo, em 78, forma-se o AI-5.
Seu vocalista, Válson, trabalhava na loja de discos Wop Bop, apontada por muitos como a
primeira que começou a vender discos de punk rock em São Paulo. A loja foi aberta também
em 78, e ficava nas Grandes Galerias (na rua 24 de maio, centro da cidade). A pegada do AI-5
era mais estritamente musical e mais antenada nas novidades vindas de fora (inclusive em
termos de visual).
De volta à Vila Carolina. No ano de 79, forma-se a banda Condutores de Cadáver. O
contexto aí sim já era de uma maior convivência entre as gangues. Além da abertura da loja de
discos Punk Rock, também nas Grandes Galerias, que rapidamente se tornou um “pedaço”
para os jovens punks que estavam no Centro às tardes ou nos sábados de manhã (trabalhando
como office-boys ou à procura de emprego), os punks começavam a organizar mais rolês, de
som de fita ou mesmo shows das bandas que haviam na época (além dessas três, o Cólera se
formou no final de 79. Sobre essa banda, falarei mais adiante). O próprio esforço de se fazer
um rolê já propunha uma maior articulação entre os punks, inclusive pelos aspectos
“estruturais”: Nenhuma banda, ou gangue, possuía toda a aparelhagem necessária para fazê-lo
sozinha. O Condutores de Cadáver foi uma banda que organizou e participou de muitos rolês,
que além de demandarem um esforço de articulação em torno de suas organizações acabavam
também se tornando eles mesmos espaços de convivência entre os punks e entre as gangues. A
banda durou até 81. Aliás, todas essas três bandas não foram além disso, em termos de
atividade (o Restos de Nada acabou em 80, e o AI-5 ainda em 79). Mas, nessa altura, já
haviam muitas outras bandas, e algumas delas já começavam a falar em “movimento punk”.
17
A Carolina punk era basicamente composta por garotos que moravam na Vila Carolina, muitos deles estudavam na
Escola Estadual Tarcísio Álvares Lobo, o EETAL. Além de uma das maiores gangues punks de São Paulo, a Carolina
Punk teria papel fundamental na constituição de uma cena de bandas e de rolês punks na cidade.
20
Membros da banda Restos de Nada, Ariel, Carlos,
Clemente e Douglas.
Integrantes da banda AI-5, Válson, Ratto, Fausto e
Luiz.
Integrantes do Condutores de cadáver em show. Local e data descohecidos.
21
1.2 – 82-83: Discurso em prol do “movimento punk”: Treta com os punks do
ABC
“Querem exterminar, querem acabar/ Querem mais espaço pro mundo se estourar/ U! A! U!
A!/ UNIÃO ENTRE PUNKS DO BRASIL!/ UNIÃO ENTRE PUNKS DO BRASIL!/ Vamos
nos juntar, temos que nos unir/ Pra juntos levantar, o movimento não pode parar/ U! A! U!
A!/ UNIÃO ENTRE PUNKS DO BRASIL!/ UNIÃO ENTRE PUNKS DO BRASIL!”
[Letra da canção União entre punks do Brasil, da banda Fogo Cruzado18]
A partir dos anos 80, já havia relativa integração entre os punks em São Paulo. Agora, eles se
identificavam uns aos outros primeiro pela zona de onde vinham (norte, sul, leste ou oeste), e
depois pela gangue a que pertenciam19. Já se faziam fanzines punks, que tentavam suprir a
falta de informação sobre coisas relacionadas ao punk – tanto o “daqui” quanto o “de fora” – e
de canais de expressão de suas posições, em geral também sobre coisas relacionadas ao punk.
Essa maior integração se refletia também na própria dinâmica de sociabilidades dos
“pedaços” punks, que agora se tornavam locais de circulação e de trocas de informações
(fanzines, sons, rolês, conversas). Mais bandas surgiram. Na Vila Carolina, os ex integrantes
do Condutores de Cadáver formariam, em 81, os Inocentes20. Outra banda que passou pelas
garagens da Vila Carolina foi o Cólera, que surgiu ainda em 79 e tinha os irmãos Rédson e
Pierre, que moravam no Centro de São Paulo, e Helinho, que havia tocado no Condutores de
Cadáver. Eles teriam decidido formar a banda na estação São Bento do metrô, na época outro
“pedaço” punk no centro, isso logo após Helinho ter sido “dispensado” do Condutores de
Cadáver (em seu lugar, entrou Clemente, ex Restos de Nada). No começo eles ensaiavam com
dois violões e um sofá no lugar da bateria. Foi na Vila Carolina que eles, pela primeira vez,
tocaram em instrumentos “de verdade” – nos equipamentos do Condutores de Cadáver.
Algumas outras bandas se formariam em torno da galera que frequentava a loja Punk
Rock Discos. Segundo Fábio, que era dono da loja e que mais tarde também formaria sua
própria banda, o Olho Seco, as bandas Ratos de Porão, Fogo Cruzado e Psikóze se formaram
na sua loja. Essas bandas, em comparação com as outras, tinham uma sonoridade mais pesada
e suas músicas tinham andamentos mais rápidos. No início dos anos 80, na loja Punk Rock já
18
19
20
A música está contida na coletânea Sub, lançada em 1983. Disponível em [https://www.youtube.com/watch?
v=BJYTuYLdAVY]. Acesso 30/05/2015.
Informação retirada do texto Memórias do Invasor, relato redigido por Ariel (membro do Restos de Nada e
ex
membro
do
Inocentes).
Texto
publicado
no
site:
[http://portalrockpress.com.br/modules.phpname=News&file=article&sid=4595]. Acesso 18/07/2014.
Em 82, Ariel, que assim como o baixista Clemente também fora membro do Restos de Nada, também se
junta aos Inocentes.
22
começavam a chegar alguns discos de bandas, principalmente norte-americanas (e depois
também britânicas, alemãs, finlandesas, suecas), que tocavam um som ainda mais rápido e
agressivo que o punk rock. Era o hardcore, uma espécie de reação, no plano sonoro, à
“comercialização” da sonoridade do punk rock, que teria sido apropriada pela Indústria
Cultural nas formas do new wave e do pós-punk21. As próprias letras das músicas de hardcore,
em geral, eram mais agressivas, evocavam cenários mais violentos. Na verdade, o hardcore
pode ser visto como um desdobramento de um movimento maior, um movimento de “volta às
origens” do punk, expresso pelo lema “Punks not Dead” (nome de um disco e de uma canção
da banda escocesa The Exploited, que será melhor comentada mais adiante). O punk saía da
moda e voltava para as ruas, por assim dizer. Em São Paulo, apesar de essas bandas de certa
forma se alinharem a essa nova tendência, nem se sabia direito o que era hardcore. Bandas
como Olho Seco e Ratos de Porão teriam sido “classificadas” como bandas de hardcore
apenas quando suas músicas passaram a ser ouvidas fora do Brasil, isso por volta de 82.
Além das bandas que se formavam em São Paulo, havia também outras surgindo no
ABC paulista, principalmente na cidade de São Bernardo no Campo – na época um dos
principais polos industriais do país. Em meio às grandes greves promovidas pelo novo
sindicalismo, ia se constituindo entre aqueles jovens uma sociabilidade punk específica. Se
pouco se conhece sobre a dinâmica das gangues punks de São Paulo, ainda menos se sabe
sobre a das do ABC. Geralmente, a informação que se têm sobre os punks do ABC partem
mais do ponto de vista dos de São Paulo. Esses os descrevem como mais violentos, com um
visual mais “sujo”, e por isso se dizia que eles queriam se afirmar como “mais punks”, até
pelo pano de fundo mais politizado – e talvez menos “ideologizado” – das greves do ABC.
Das bandas punks que se formaram lá, duas são bastante importantes: O Ulster e o Hino
Mortal. O Ulster é formado em 79, ainda com o nome M-19. Quando foram se apresentar pela
primeira vez, já em 1980, descobriram que já havia uma banda punk em São Paulo que usava
esse nome, e mudaram o nome para Ulster inspirados no Exército Revolucionário NorteIrlandês. O Hino Mortal se formou em 1981. O vocalista da banda era Índio (outro ex
membro do Condutores de Cadáver, banda de São Paulo). Ambas as bandas ensaiavam juntas,
em um galpão abandonado em São Bernardo. Ambas também já tocavam um som mais
21
Apesar do nome, o pós-punk tem uma estética diferente: Se podemos descrever o punk como a fúria, o póspunk seria uma espécie de “depressão pós-fúria”. Essas bandas “´pós-punks” mais tarde ficariam conhecidas
como “góticas”. O new wave já possui uma estética mais alegre, canções mais dançantes, roupas mais
coloridas. Ambos os estilos continham “elementos” do punk rock, mas já com propostas bem diferentes,
mais comerciais e menos contestadoras.
23
alinhado ao hardcore, bem agressivo e com andamentos rápidos22.
Se, em São Paulo, os punks da city começavam a falar em união e em “movimento”
punk, os punks do ABC pareciam não estar muito alinhados a essa ideia. As tretas não
cessaram, mas agora elas ganhariam uma conotação diferente. Não se tratava mais de brigas
entre gangues: A questão agora se colocava como guerra, entre punks do ABC e punks de São
Paulo. Apesar do aparente cunho territorial em torno desse conflito, a cisão aqui expressa diz
mais respeito a uma cisão de concepções e de vivências acerca da própria “identidade punk”.
Quando em São Paulo iniciou-se uma sociabilidade punk, esta também esteve fortemente
marcada pela dinâmica das gangues. Não apenas as brigas, mas também a própria cena de
bandas tinha saído delas. Mas a essa altura já se ensaiava entre os punks da city um processo
de reflexividade identitária23. Alguns já aderiam ao anarquismo, assumindo um discurso mais
politizado que nesse momento era bastante atrelado à cena de bandas punks. Os punks que
permaneceram mais ligados às gangues, em especial os do ABC, tinham outra concepção de
“identidade punk”, que estaria intimamente atrelada ao ganguismo enquanto mecanismo de
fragmentação e de disputa (PEDROSO E SOUZA, 1983). Uns acusavam os outros de
alienados, os outros acusavam os primeiros de querer impor um discurso. Quanto às bandas
punks do ABC, embora a sonoridade e, em grande parte, as próprias letras delas fossem, para
alguns, mais pesadas e violentas, isso não significava necessariamente adesão a uma postura
ligada ao ganguismo. Entre as bandas, tanto em São Paulo quanto no ABC, havia muito mais
concordância em relação ao sentido que se atribuía ao discurso de união 24. Para muitos dos
que estavam mais diretamente engajados em bandas, na organização de rolês e na edição de
fanzines, o punk era um movimento cultural25.
22
23
24
25
Sobre o Ulster, uma peculiaridade: Nos shows, seus membros tocavam usando capuzes pretos cobrindo a
cara, vestidos de terroristas. Muitas das letras das músicas do Ulster falam sobre atentados terroristas, e de
modo geral a maioria delas fala sobre violência.
Aqui tenho em vista o conceito de “reflexividade” tal qual exposto por Giddens (1997). Claro que aqui eu
não me refiro à reflexividade enquanto algo dado, inerente à modernização ou à institucionalização. Mas
acho esse conceito bastante válido para pensar a constituição de identidades, sempre ressaltando que esse
processo não se dá sem tensões.
A esse respeito, é bastante representativo um evento ocorrido com outra banda do ABC, o Passeatas. Durante
um show em data desconhecida na casa Construção (em São Paulo), o vocalista da banda, Pádua, acendeu
um coquetel molotov, com a intenção de arremessar no público e “machucar mesmo”. A bomba explodiu na
mão dele, e ele perdeu parte do braço direito. Anos mais tarde ele passaria a usar um gancho no lugar da
parte amputada do braço. Apesar do incidente, o Passeatas assumiria depois também uma posição mais
atuante em direção ao discurso de união entre os punks, se afastando da postura ganguista.
Isso é bem expresso pelo texto contido na carta de resposta de Clemente ao jornal O Estado de São Paulo,
pela publicação de uma matéria que falava sobre os punks. A matéria, intitulada Geração abandonada, foi
publicada em 1982, e nela os jovens punks eram descritos como delinquentes juvenis, adoradores de satã,
que se divertiam assaltando velhinhas e ingerindo leite com limão para provocar vômitos. A resposta de
Clemente foi publicada dias depois. Nela, ele definia o punk como um “movimento sócio-cultural, (…) a
24
Capa do disco "Grito suburbano", lançado em
1982, com as bandas Inocentes, Olho Seco e
Cólera.
Capa do disco "Sub", lançado em 1983, com as
bandas Ratos de Porão, Cólera, Fogo Cruzado e
Psikóze.
Punks "batendo cabeça" durante o festval "O começo do
fim do mundo".
Capa do disco coletânea do festival "O começo
do fim do mundo", lançada em 1983.
revolta dos jovens das classes menos privilegiadas, transportada por meio da música”. É nesse momento que
a grande mídia começa a voltar seus olhos para os punks de São Paulo (os do ABC acabaram sendo
“negligenciados” nessa relação com os veículos de comunicação). Foi mais ou menos por essa época
também que o jornalista Antônio Bivar começa a “se envolver” com os punks (ALEXANDRE, 2013).
25
A essa altura, já havia sido lançado o primeiro registro gravado em disco de bandas punk
paulistas, a coletânea Grito Suburbano, que tinha músicas do Inocentes, do Olho Seco e do
Cólera. Meses depois, ainda em 1982, era lançado também o EP do Lixomania (banda
também de São Paulo), chamado Violência e sobrevivência, o primeiro disco individual de
uma banda punk paulista lançado. Nessa época, por volta de 1982, a censura promovida pelo
regime militar já estava debilitada, o que também viabilizou que alguns discos fossem
lançados “sem problemas” – caso contrário, as canções seriam todas proibidas. Mesmo assim,
Rédson, vocalista do Cólera, chegou a ter seu nome incluso no SNI (Serviço Nacional de
Inteligência) por alguns anos por não ter mandado para a Polícia Federal as letras das músicas
do Cólera que estavam contidas na coletânea Grito Suburbano. Embora enfraquecida, a
censura ainda existia formalmente. Antes desses discos terem sido lançados, algumas bandas
gravavam fitas K-7 de seus ensaios (além de ser muito mais barato e fácil do que gravar um
disco, o controle que a censura tinha sobre fitas era praticamente nulo). Em geral, esse
material ficava disponível nas prateleiras da loja Punk Rock, e Fábio chegou a mandar
algumas dessas fitas para contatos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Foi aí que algumas
bandas – da city – passaram a ser ouvidas fora do Brasil.
Enfim, à medida que aqueles mais diretamente engajados na cena de bandas punks
viam no crescimento da cena de bandas um crescimento da cena punk de modo geral, parecia
se ensaiar um movimento de afastamento entre a cena dos punks “nas ruas” e a das bandas
punks, que coincidia mais ou menos com o movimento de afastamento entre a cena dos punks
da city e a dos do ABC. Ao que parece, nem todos compartilhavam uma definição comum
daquilo que seria o “movimento punk”. Em São Paulo, embora parecesse ser mais
hegemônico o discurso de união do movimento, alguns punks já acusavam certas bandas de
“traidoras”, o que demonstrava que nem todos viam o punk como movimento de cunho
estritamente cultural – essas bandas estariam “se vendendo” justamente por querer
circunscrever o punk à “cultura”, resumi-lo a música26. Quanto às bandas, elas de certa forma
assumiam essa tarefa de tentar promover uma maior integração entre as cenas punks, primeiro
entre as gangues, depois entre punks de São Paulo e do ABC. No final de 82, já se pretendia
fazer um grande festival punk, reunindo várias bandas de São Paulo e do ABC. O festival,
26
Essa relação dialética entre autonomia de agência e institucionalização também foi verificada nos
movimentos sindicais do “novo sindicalismo” no ABC (SADER, 1988) e também no contexto de inserção
institucional dos novos movimentos sociais, isso já no final dos anos 90 (FELTRAN, 2007; 2010). A
institucionalização, ainda que não seja algo inerente ao processo de reflexividade identitária (ou de atuação
política, nos outros dois exemplos), acaba se colocando como questão tanto para os que a defendem quanto
para os que a repudiam.
26
organizado por Antonio Bivar e por Callegari, guitarrista dos Inocentes, se chamaria O
começo do fim do mundo. Ocorreria em dois dias, na Fábrica da Pompéia, zona oeste de São
Paulo. Nos dois dias de evento, se apresentariam vinte bandas, dez em cada dia, e depois seria
lançado um disco coletânea do festival, com uma faixa de cada uma delas. A realização do
evento parecia ambiciosa, não apenas pelo alto grau de organização que se exigia, mas
principalmente pela alta possibilidade de tretas. Era preciso fazer um evento antes do festival,
para “pacificar” as duas turmas. Fizeram, então, um show na PUC, com as bandas Inocentes,
de São Paulo, Passeatas e Ulster, do ABC. Esse não foi o primeiro show punk na PUC. Na
época, o DCE da PUC era gerido por uma chapa anarquista, o que os fazia ter uma certa
simpatia pelos punks. E também, até aquele dia, nada de mais tinha acontecido nesses shows,
a não ser uma ou outra pichação nos banheiros, nada fora do normal (ALEXANDRE, 2013;
BIVAR, 2001). Naquele dia, no entanto, houve confusão27. Mas ela não envolveu brigas entre
punks de São Paulo e do ABC, o que foi lido como algo positivo.
O festival foi, enfim, realizado, em um fim de semana de setembro de 1982. No
sábado, os shows ocorreram sem incidentes. Já no domingo, havia mais gente, e houve brigas,
segundo ALEXANDRE (2013) envolvendo as gangues punk da Morte e Carecas do Subúrbio
(que na época ainda compunha a cena de gangues punks). Os moradores do bairro da
Pompéia, não muito acostumados com aquele cenário, acionaram a polícia militar. Os
policiais não chegaram a entrar no local para dar fim ao evento, mas fizeram cercos nos
arredores para pegar os punks na saída. Alguns tiveram que ir embora para a casa a pé pela
linha do trem. A repercussão na mídia em torno do desfecho do festival foi bastante negativa.
Inclusive, durante o próprio festival, uma van da Rede Globo que estava incumbida de cobrir
o evento quase foi tombada por alguns punks. A emissora não abriria mão de usar as cenas
capturadas naqueles dias, que mostravam uma juventude violenta e delinquente. Dias depois
viria ao ar no programa Fantástico uma matéria jornalística sobre os punks. Os efeitos foram
imediatos: A maioria dos que trabalhavam perderam seus empregos. Tempos antes a loja Punk
Rock discos havia sido obrigada a se retirar das Grandes Galerias, por conta de um abaixoassinado feito pelos outros lojistas que lá trabalhavam – havia apenas três lojas de rock na
época (A Galeria ainda não era a “Galeria do Rock”, como ficaria conhecida anos depois), o
resto na maioria eram lojas de “crentes”, que não gostavam muito da movimentação daqueles
27
O motivo da confusão não é muito claro. Existem pelo menos duas versões: Uma diz que cerca de cinco
punks começaram a quebrar os banheiros (BIVAR, 2001); A outra diz que a polícia é que teria realizado um
atentado ateando fogo em documentos do DCE e aproveitando para simular uma confusão envolvendo os
punks (ALEXANDRE, 2013).
27
jovens vestidos de preto e com cabelos estranhos.
Em 83, é lançada a coletânea Sub, com quatro bandas: Cólera, Ratos de Porão, Fogo
Cruzado e Psikóze. O disco, o primeiro gravado nos Estúdios Vermelhos (estúdio construído
por Rédson, do Cólera), a princípio era para ser só do Cólera, e se chamaria Sub-ratos (nome
de uma das canções do Cólera presentes no disco). As outras bandas propuseram um rateio
para fazer a gravação em conjunto – todos ajudaram com um pouco, exceto os membros do
Ratos de Porão, que não tinham dinheiro nenhum para contribuir. Pouco tempo depois é
lançada a coletânea do festival O começo do fim do mundo. O disco trazia dezenove faixas,
isso porque o Ulster se recusou a incluir uma música sua no disco sob a alegação de que
haviam sido prejudicados na gravação de seu show. Apenas treze anos depois a posição da
banda mudaria, sendo lançada uma nova versão da coletânea, com a canção Heresia inclusa
como faixa-extra. O Ulster interrompera suas atividades pouco tempo depois do festival, só
retornando-as em 1995. Apesar da violência que parecia transbordar dos encapuzados de São
Bernardo, eles pararam de tocar porque não concordavam com os rumos que o punk estaria
tomando, no sentido do aumento das tretas. Nesse período pós 83, muitas das bandas que
compunham a cena interromperam suas atividades ou acabaram mesmo, algumas outras, em
variadas medidas, se afastaram do punk – ou dos punks.
1.3 – A partir de 1983: Estagnação na cena de bandas, fragmentação ideológica “nas
ruas”
Alguns apontam no período a partir dos anos de 83 e 84 uma estagnação na cena de bandas
punks em São Paulo. Existem os que vão mais longe, e dizem em morte do movimento. O que
parece evidente nesse contexto é a concretização do processo de disjunção entre a cena de
bandas punks e a dos punks “nas ruas”. Na verdade é possível se falar em fragmentação, em
ambas as cenas. A começar pelas bandas, eis a trajetória de algumas delas a partir de 1983:
Os Inocentes, após acabarem em pleno palco em 1983, retornariam às atividades cerca
de um ano depois, com formação diferente e uma sonoridade mais inspirada no pós-punk. A
essa altura eles já frequentavam a cena do rock mainstream paulista, o que lhes rendeu um
contrato com a gravadora multinacional Warner – e a acusação de “vendidos” por parte dos
punks. O Ratos de Porão, ao longo dos anos 80, foi incorporando em sua sonoridade
elementos do metal, chegando a frequentar a cena de bandas de metal e se tornando inclusive
28
amigos pessoais e parceiros profissionais da banda Sepultura (de Belo Horizonte). A essa
altura, o vocalista da banda, João Gordo, já havia recebido por parte dos punks a ingrata
alcunha de “traidor do movimento”28. Quanto ao Cólera, os punks começavam a achar que o
discurso deles tinha se tornado muito pacifista e que eles estavam “se vendendo”, por entre
outras coisas eles, assim como os Inocentes, terem estabelecido contatos com bandas da cena
mainstream do rock paulista29. A banda até chegou a receber propostas de gravadoras, graças a
esses “contatos”, mas recusou. A essa altura, os Estúdios Vermelhos, construídos por Rédson,
já contavam com uma estrutura que permitia uma maior autonomia para ensaios e gravação de
discos, e os próprios membros, com o auxílio de alguns colaboradores externos, trabalhavam
na distribuição desse material. Além das condições materiais permitirem a recusa, ela na
verdade representa muito mais uma opção por se manter independente de gravadoras, até para
manter uma autonomia estético-discursiva, algo que para muitos se tornou justamente um dos
traços distintivos da banda. Mas “nas ruas”, os punks até então não viam nessa opção pelo
underground um elemento de aproximação com a “identidade punk”. Pelo contrário: eles
diziam que o Cólera estava se tornando uma “empresa punk”, com “funcionários punks”
(COSTA, 1993; KEMP, 1993). Enfim, a partir de meados dos anos 80, os shows do Cólera em
São Paulo não raro atraiam para si as tretas, o que também os fez tocar bem menos na cidade.
A banda passou a se apresentar em outras cidades, estados e até países30.
Nas ruas, a luta parecia ser outra. Agora, as tretas começavam a revelar uma
fragmentação ideológica na cena das gangues. Na verdade, apesar da associação que muitos
faziam entre o punk e o anarquismo, esta nunca foi consensual entre os punks. Porém, até o
começo dos anos 80, a questão ideológica não figurava nesse “comum” partilhado entre os
punks enquanto elemento delimitador de cisões internas ou mesmo rupturas. Nesse momento,
as gangues operavam como o mecanismo que atribui lugares – nesse caso, lugares físicos,
inscritos em um território específico da cidade. Alguns desenhavam “A´s” em suas jaquetas
28
29
30
A resposta vem em uma música do álbum Brasil (de 1989), intitulada Traidor. A canção é bem curta, e a
mensagem é clara: “A coisa tá distorcida/ Não dá mais pra segurar/ Nossa causa está perdida/ Nunca mais
vai melhorar/ Se agora eu sou um traidor/ Mais traidor é você!!/ HEI!!”.
Na verdade, desde o início dos anos 80 alguns punks já tinham uma certa “implicância” com o Cólera,
principalmente depois de o vocalista Rédson ter assumido um discurso mais ativista (e “panfletário”, diriam
esses). Alguns chamavam a banda de “Coleira”, em menção a isso (fanzine Factor Zero, n. zero).
Em 1987, o Cólera fez uma turnê na Europa, e gravou um disco com registros ao vivo (o European tour ´87,
que apesar do nome só foi lançado dois anos depois por conta de dificuldades financeiras decorrentes da
viagem, custeada “pelos próprios bolsos” dos integrantes). Essa turnê teria sido bastante representativa para
a trajetória da banda. Na Europa, grande parte dos picos que eles tocaram eram squats, habitações ocupadas
que serviam como moradia e também como espaços culturais. Em geral, os envolvidos com squats eram
militantes anarquistas, muitos deles punks. A partir dessa turnê na Europa eles incluiriam na sua “agenda”
temas até então pouco abordados por bandas punks, como ecologia e proteção dos animais.
29
ou camisetas, mas isso não necessariamente indicava uma adesão a teorias anarquistas, tendo
em vista que outros também usavam suásticas (o que também de forma alguma indicava que
estes necessariamente fossem nazistas). Em um primeiro momento, os punks se apropriavam
desses símbolos mais pelo apelo estético que eles possuíam, o que também os conferia outros
sentidos31. Esses signos inicialmente eram em si e também compunham, no arranjo entre eles,
uma transgressão estética.
A partir do momento em que se esboçou um movimento de reflexividade identitária
por parte de alguns punks, a questão ideológica foi alçada a um patamar de maior centralidade
enquanto elemento demarcador de posições, ainda sob a forma de uma “cisão de posturas” –
entre aqueles que propunham esse tipo de questionamento e os que acusavam os primeiros de
querer impor um discurso. Quando os punks da city começaram a falar e união e em
“movimento punk”, alguns já aí sim aderiam mais abertamente a ideias anarquistas, que
chegavam através de livros que começavam a circular em algumas bancas. Em pouco tempo,
alguns começavam a questionar a utilização da suástica, já tendo em vista uma maior
compreensão da ideologia que estaria por trás daquele símbolo mas também com a
preocupação de não passar uma imagem errada dos punks. Em fanzines, começavam as
recomendações: se for usar a suástica, risque-a, ou escreva “destrua” nela32. Outro símbolo
que era também outrora usado pelos punks e que passou a ser alvo de questionamentos era a
bandeira da grã bretanha. Alguns achavam que os punks brasileiros deveriam se preocupar
mais com os problemas daqui e parar de pagar pau para os gringos, e aí começaram a usar
patchs com bandeiras do Brasil. De início, não havia grande contradição entre apoiar um
discurso mais alinhado ao anarquismo e ostentar uma bandeira do Brasil, já que esta carregava
uma conotação de não-submissão aos estrangeiros e até uma reafirmação de uma identidade
suburbana, sendo o Brasil uma “periferia” do mundo (capitalista).
Claro que, no interior das gangues e dos grupos punks, e entre uma gangue e outra,
variava também o sentido que se atribuía a cada um desses símbolos. Entre aqueles que na
época se assumiam como punks, nem todos estavam interessados na transgressão estética
proposta pelo punk. Havia os que preferiam assumir uma identidade transgressiva manifesta
31
32
Esses “novos sentidos” tinham em grande parte se constituído já no contexto da “explosão punk” na
Inglaterra, encarnada na imagem dos Sex Pistols. A letra da canção Anarchy in the UK a meu ver é bastante
representativa da visão que os Pistols tinham de Anarquia. Ela aparece como “o inimigo”, “a destruição”, “o
anti-cristo”. A suástica, estampada na camiseta usada por Sid Vicious, o baixista dos Sex Pistols, tinha mais
o sentido de denunciar o fascismo por trás da “falsa democracia” monárquica britânica, que entrava na fase
neo-liberal.
Fanzine SP Punk, n. zero (junho/82).
30
mais diretamente nas tretas. Alguns deles usavam um visual mais “limpo” do que o da estética
punk, apenas jaquetas pretas sem patchs, camisas lisas, calças jeans, coturno, suspensórios e
cabeça raspada. No início dos anos 80 já existiam os Carecas do Subúrbio. A princípio eles
ainda compunham a cena de gangues punks, já com suas diferenças esteticamente
evidenciadas – um “lugar” demarcado. Durante a treta entre os punks do ABC e os da city, era
comum que os carecas entrassem do lado dos primeiros para pegar os segundos. Claro que
havia aí também uma cisão de cunho ideológico: Muitos dos carecas não concordavam com o
discurso anarquista, achavam que não passava de modismo, e procuraram depois se afastar
não apenas dele mas também dos punks de modo geral (COSTA, 1997). Afastamento estéticodiscursivo. E o “modelo” para essa nova postura dos carecas seria o skinhead, grupo
identitário juvenil que surgiu na Inglaterra por volta de 1966. No começo, os skinheads eram
em geral jovens proletários, que ouviam ska jamaicano e gostavam de beber e agitar – e
eventualmente brigar. O visual do skinhead, o coturno, a calça jeans, os suspensórios, a
cabeça raspada, o porte físico avantajado, evoca uma identidade proletária, uma exaltação
idealizada e orgulhosa da condição de trabalhador. Quanto ao posicionamento ideológico
desses jovens, de início não havia predominância de uma ideologia: Alguns eram comunistas,
outros anarquistas, outros nacionalistas, alguns apolíticos. A questão ideológica a princípio
não era central nesse “comum” partilhado entre os skins dos anos 60. No decorrer dos anos 70
muitos skinheads na Europa passaram a aderir a ideias nacionalistas e fascistas, e começam a
eclodir “vertentes” já ligadas ao neonazismo33. No Brasil, isso já nos anos 80, a opção por
“carecas” – que é uma espécie de tradução do termo skinhead – já denota uma postura mais
ligada ao nacionalismo. Desde antes de os carecas se afirmarem como dissidentes dos punks
(por volta de 1983), eles já se viam mais na imagem do skinhead do que na imagem do punk,
mas essas duas imagens muito em geral figuravam como não muito distantes uma da outra.
Ambas eram representadas pela mídia como posturas juvenis ligadas à violência e ao
ganguismo. E de fato elas só iriam se tornar antagônicas mais tarde, quando as posições
ideológicas em questão começaram a ficar mais evidentes. Cisão não mais “de postura”: aqui,
as ideologias se evidenciam e constituem oposição franca.
Na verdade, nem mesmo esse antagonismo entre punks e carecas era, ou é, um
consenso. Basta nos voltarmos ao movimento de “resgate” do punk, que se deu em várias
33
Na contramão desse movimento rumo a discursos de direita, surgem algumas vertentes skinheads que
procuram se distanciar dessa tendência, como por exemplo o RASH (Red and anarchist skinheads) e o
SHARP (Skinheads against racial prejudice).
31
partes do mundo – inclusive em São Paulo – por volta do início dos anos 80. É justamente
nesse contexto que emerge o Oi!, um discurso que pregava justamente a união entre punks e
skinheads – ambas identidades juvenis ligadas ao subúrbio e à juventude das classes
trabalhadoras, cada uma à sua própria maneira. A já mencionada banda escocesa The
Exploited era uma banda punk Oi! (ou streetpunk), assim como diversas outras que se
formavam de forma mais concentrada na grã bretanha34. Mas em São Paulo, o cenário era um
pouco diferente. O próprio fato de os carecas assumirem a posição de dissidentes em relação
aos punks já tornava uma identificação entre essas identidades muito mais problemática. Não
a toa alguns punks anarquistas de São Paulo não gostam do The Exploited – isso ainda
atualmente –, alguns os chamam de “banda fascista” 35. Sem falar que os carecas daqui, em
geral, começaram a se reconhecer como skinheads em um momento em que essa identidade já
estava fortemente associada a ideias ligadas ao nacionalismo e à extrema direita. Isso
enquanto os punks iam também se afirmando cada vez com mais veemência como
anarquistas, também à sua maneira. Alguns, na verdade, se alinharam ao Oi!, seja por
afinidades pessoais ou por proximidades ideológicas com os carecas. Claro que “nas ruas”,
muitas vezes, estar com os carecas era o mesmo que estar contra outros punks. E as tretas
entre punks e carecas se tornavam mais violentas, perdiam o caráter de disputa “entre iguais”
e assumiam a conotação de guerra entre inimigos.
E é justamente nesse momento, em que alguns proclamaram a morte do punk, que
começam a surgir bandas Oi! também em São Paulo. Na verdade, se nos voltarmos à
coletânea O começo do fim do mundo, já haviam lá pelo menos duas bandas já mais próximas
dos carecas: A banda Neuróticos, que toca a terceira canção da coletânea (entitulada Carecas),
e o Doze Brutal, responsável pela faixa de abertura do disco (que se chamava Faces da
morte). O Doze Brutal foi uma das muitas que chegou parar de tocar por volta de 1982. Eles
retornaram as atividades em 1986, com nova formação e lançando um EP, autointitulado. A
capa continha um desenho de um braço musculoso e de uma bandeira do Estado de São Paulo,
34
35
Muitas dessas bandas eram Oi! mas tocavam um som mais alinhado ao punk rock ou ao hardcore, que
começava a ganhar força. Algumas, no entanto, mesclavam essas sonoridades com uma outra que seria mais
associada ao Oi! mesmo, com andamentos de bateria mais lentos e mais percussivos (menos pratos, mais
tambores). O Oi! não era apenas um discurso de união entre punks e skinheads, mas também tinha, de certa
forma, uma sonoridade própria – e uma identidade própria, inclusive visual (algo como um intermediário
entre o punk e o skinhead, geralmente pendendo mais pra um dos lados).
Na verdade, o The Exploited tinha essa “fama” não apenas por ser uma banda Oi!, mas também porquê,
entre outras coisas, seu vocalista, Wattie Bunchan, havia sido filmado usando uma camiseta com uma
suástica. Em resposta a esse evento, a banda de hardcore californiana Dead Kennedys compõe uma música
chamada Nazi punks fuck off (punks nazistas, caiam fora). O The Exploited retornou os “comentários” dos
colegas estadosunidenses, com a canção Fuck you (Vá se foder).
32
o que já mostrava um alinhamento muito mais claro a ideias “anti-imigrantes”. Alguns
skinheads são francamente contrários à imigração, principalmente nordestina, sob a alegação
de que estes seriam “parasitas” e de que isso era prejudicial para o “trabalhador paulista”. Aos
poucos, os skinheads, e também parte dos Oi! (aqueles que eram “mais próximos” dos carecas
do que dos punks) iam mesclando à sua identidade proletária uma ideologia nacionalista com
ideias separatistas.
Uma das principais bandas Oi! da grande São Paulo foi o Garotos Podres, que eram de
Mauá, na região do ABC paulista. O ABC, região industrial, foi também um dos grandes
polos de formação de grupos e gangues carecas, que mais tarde dariam origem aos Carecas do
ABC. No início, os carecas colavam com os punks, eles de certa forma compunham a cena
punk, ainda que já usassem um visual diferente e muitos já tivessem idéias mais
“conservadoras”. Os Garotos Podres, no entanto, assumiam um discurso anarquista, com
letras bastante satíricas, algumas até escatológicas (esse senso de humor mais debochado é um
traço distintivo que algumas bandas Oi! carregam). A banda é formada em 1982, e assumia
um discurso mais alinhado ao anarquismo, mas que trazia consigo elementos ligados a ideias
nacionalistas. Esses elementos eram evocados quando se tematizava a exploração que os
“países ricos” exerciam sobre o “trabalhador brasileiro”. Dessa perspectiva, o Estado e as
elites brasileiras também são inimigos.
Outra banda Oi! importante, que surgiu em São Paulo também em 1982 foi o Vírus 27.
No início, eles tinham uma sonoridade mais alinhada ao punk rock, algumas músicas até
tinham andamentos mais rápidos, característicos do hardcore. Discursivamente, eles
expressavam uma posição crítica à polícia, aos políticos, ao capitalismo, ao imperialismo, à
desigualdade social, mas que não era alinhada a nenhuma “matriz discursiva”. A partir da
segunda metade dos anos 80, a banda se filia a um discurso mais abertamente nacionalista, o
que se reflete também na sua sonoridade – menos punk rock, mais Oi!. Aqui, há também a
centralidade da figura do “trabalhador brasileiro”, mas essa ideia já não diz respeito à classe
social, aqui ela é muito mais fortemente associada à “Nação”. É mais ou menos nesse
momento que alguns carecas começam a frequentar a cena das organizações políticas ligadas
à extrema direita – ainda que essas os vissem menos como militantes e mais como uma
espécie de “tropa de assalto” particular (COSTA, 1997)36.
36
No final dos anos 80, alguns carecas já se alinhavam a ideias e organizações políticas neonazistas. Mais
tarde, os nazis se afirmariam como dissidentes dos carecas. Ao contrário do que a mídia e o senso comum
pensa, carecas e nazis não compõem um mesmo grupo. Eles também possuem tretas entre si.
33
De modo geral a cena das gangues a partir dessa segunda metade dos anos 80 é
marcada por uma intensificação da violência nas tretas: Não se tratava mais de afirmar sua
identidade perante um igual, e sim de combater “inimigos”, aqueles que de alguma forma
personificam comportamentos que não devem ser tolerados. Se, para muitos carecas, os punks
representavam esses comportamentos, a recíproca é igualmente verdadeira. Claro que, além
de evidenciar oposições – que, vale lembrar, não são necessariamente fixas37 – as tretas
também nos indicam uma estratégia bem específica de se lidar com elas, no caso a agressão
física e se possível a morte. Nesse sentido, as gangues, e não apenas as punks, operam em
uma “lógica comum” – ainda que os “inimigos” não sejam os mesmos, a forma de se lidar
com a alteridade é quase a mesma. Mas, entre os punks, haviam aqueles que não
concordavam com essa lógica das gangues. Se nos voltarmos ao início dos anos 80, mais
precisamente no contexto em que os punks da city começam a propor o discurso de “união do
movimento”, veremos que esse discurso está fortemente atrelado a uma crítica à postura
ganguista, que aponta justamente para uma constatação de que as tretas destoavam de uma
proposta que se propusesse mais construtiva. Mas nesse contexto, o que se parecia definir
como “construtivo” talvez ainda se limitasse muito à cena das bandas punks. Tanto é que, a
partir de 83, ambos – a cena de bandas e o discurso de “união” – estagnaram juntos. Depois,
seguiriam rumos distintos. Enquanto algumas das poucas bandas que mantiveram atividades
nesse período ou romperam com a cena punk ou simplesmente já não se viam mais no papel
de agentes difusores do discurso de união entre os punks, aqueles dos punks “nas ruas” que
defendiam esse discurso também não mais os viam nas bandas. Estes já tinham uma outra
concepção acerca da identidade punk, mais diretamente associada à militância ativa e
anarquista.
No ano de 1989, alguns punks criam o “Movimento Anarco-Punk de São Paulo”,
grupo que tinha o intuito de difundir essa nova orientação identitária entre os punks de modo
mais geral (KEMP, 1993). Procurava-se estabelecer uma diferenciação, entre “os 'punks de
verdade' (que são anarquistas ativos e militantes) e os 'caras de gangues', que só se preocupam
em 'arrumar 'treta's', pensando com isso estar defendendo o Movimento e a identidade punks”
(KEMP, 1993, p. 99). Os “caras de gangues” – da S.P. Punk e da Devastação Punk, por
exemplo – seriam “falsos punks” porque estariam mais interessados em tretas e visual. A essa
altura, os punks que eram mais engajados politicamente já haviam abandonado a militância
37
Algumas oposições podem se construir no rolê (a pilantragem, o leva-e-traz).
34
Os anarco-punks: A identidade enquanto postura
militante e anarquista, em contraposição ao ganguismo.
O Oi!, movimento/discurso que prega a
união entre punks e skinheads.
Os carecas, que no começo dos anos 80 se afirmaram
enquanto grupo à parte dos punks, e mesmo em
contraposição ao punk. Ao invés do anarquismo, o
nacionalismo.
Os skinheads nazistas: No final dos anos 80,
eles se afirmariam como dissidentes dos
carecas.
35
partidária38 e se aproximavam de outras correntes de militância anarquista, buscando também
uma articulação mais estreita com os M.A.P's que surgiram depois em outras regiões do
Brasil39.
Alguns descrevem o ano de 1988 como um marco no sentido de uma
“conscientização” dos punks – dos “verdadeiros” (os anarco-punks). Nas eleições que
ocorreram nesse mesmo ano, junto com membros da Juventude Libertária e representantes do
Movimento Anarquista, alguns punks fizeram uma manifestação em prol do voto nulo
(KEMP, 1993). É mais ou menos nesse contexto que alguns começam a militar junto a
organizações anarquistas, como o CCS (Centro de Cultura Social) e a COB (Confederação
Operária Brasileira), promovendo manifestações e panfletagens. Mas os anarco-punks
possuiam também uma posição marcada nessa cena de ativismo anarquista. Os militantes
“mais velhos” os viam com desconfiança, ainda que esses se vissem como uma parte do
movimento anarquista que não podia mais ser ignorada (KEMP, 1993). Em relação ao visual
punk, os anarco-punks o viam como um meio de expressão de suas posições, mas repudiavam
aqueles que, repentinamente, começavam a “se produzir” demais, comportamento que
denotaria modismo. Mesmo a ênfase que os anarco-punks davam à formação de bandas era
menor. Elas existiam, mas como “mais um meio de divulgar a postura do movimento”
(KEMP, 1993, p. 101). Aqui, a expressão estética é vista necessariamente como suporte de um
discurso e de uma atuação militante e anarquista. A estética desprovida de política seria na
visão destes, portanto, uma estética vazia, um modismo, algo a ser combatido. Claro que a
forma de combate não era a mesma das gangues, ou no limite do possível buscava se
distinguir dessa. Sendo a ação política militante o elemento central dessa identidade anarcopunk, a violência desprovida de política era também reprovável. Posições bem definidas, que
inscreviam os anarco-punks também em um lugar específico da cena punk.
Figurações instáveis, configurações mutáveis. Ao longo do período aqui tratado, houve
diversas reconfigurações na cena punk, motivadas por reorientações identitárias e pela
evidenciação de cisões estético-discursivas que se constituíam nesse processo. De alguma
forma, o punk introduziu na cena urbana em São Paulo certos elementos característicos
daquilo que Wieviorka (1997) chamaria de “novo paradigma da violência”. Essa transição de
38
39
Segundo KEMP (1993), até então alguns deles votavam e/ou militavam no PT, o Partido dos Trabalhadores.
O M.A.P de São Paulo possuía articulação com outros núcleos no país, como o M.A.P do Rio de Janeiro e o
de Juiz de Fora (MG). Claro que essa articulação impunha problemas, dentre os quais o principal era a
escassez de recursos materiais, como por exemplo a ausência de uma sede (KEMP, 1993). Atualmente,
existem mais núcleos em outras partes do país, e há maior articulação entre eles e também com núcleos de
fora do Brasil (OLIVEIRA, 2008).
36
paradigmas se iniciara, na visão do autor, no final dos anos 70, por coincidência ou não, o
mesmo contexto da eclosão do punk na Inglaterra e também em São Paulo. Se nos voltarmos
à bibliografia paulista sobre as periferias produzida nas décadas de 80 e 90, o que parece é
que esse processo de transição, que aqui coincide também com a transição entre
representações distintas das periferias (de “locais das classes trabalhadoras” para “lugares
violentos”), se deu de forma tardia em São Paulo. Sob essa perspectiva, o punk se insere
também em um contexto de transição, e parece mesmo, em alguma medida, antecipá-la.
Parte 2: Os anos 2000
(Ao fundo, ruídos. Uma voz feminina em tom calmo, porém firme, começa a falar) 1998.
Explode a revolta do povo contra o Estado, e a violência está nos quatro cantos da cidade. A
insatisfação das pessoas relata o ódio contra aqueles que os roubaram, roubam e roubarão. A
polícia não protege, mas sim humilha e agride as pessoas que não têm pra quem recorrer.
Todo cuidado é pouco quando se trata da sobrevivência nos bairros da periferia, onde
cidadãos se tornam gangsters e não acreditam nas malditas leis e regras. 1998. Bem vindos à
era do caos.
[Faixa surpresa contida no disco Caos 1998, da banda Agrotóxico]
2.1 – “Urbano cindido”: O declínio do ideal democrático inclusivo em São Paulo
Se, entre o final da década de 80 e o início dos anos 90 o Brasil – e, em especial, São Paulo –
se inseria definitivamente em um processo global de transição do paradigma da violência, nos
termos de Wieviorka (1997), este já se fazia bastante visível e consolidado cerca de uma
década depois, na virada dos anos 90 para os anos 2000. Possivelmente, este é o aspecto que
mais nos aproximou do processo de globalização e expansão da economia neoliberal
encabeçado pelas grandes potências capitalistas vinte anos antes. No decorrer dos anos 90,
presenciou-se o gradual declínio do ideal poliárquico da democracia inclusiva (DANIGNO,
2004; FELTRAN, 2003; ZALUAR, 2007). Se, nos anos 80, os elementos que atuavam como
chaves de inteligibilidade do social, que eram percebidos como espécies de horizontes
comuns a todos, eram a política e o trabalho (CALDEIRA, 1984; SADER, 1988; PAOLI,
1995), a partir da década de 90, os elementos centrais para se apreender as dinâmicas sociais
passaram a ser a violência e o crime (ADORNO, 2002; CALDEIRA, 2003). Apesar de
relativamente bastante compartilhadas entre as pessoas – incluindo aquelas apontadas como
37
correspondentes a um “perfil criminal” –, essa representação do urbano não pode ser chamada
de inclusiva. Se trata de uma representação inerentemente disjuntiva.
Em São Paulo, em particular, nota-se uma ascensão desse tipo de representação
discursiva. Já nos anos 90, Caldeira (2003) discorre sobre a maneira como as formulações
discursivas que visavam estabelecer um ordenamento das percepções de crescimento
quantitativo e qualitativo da “violência urbana”, de forma recorrente, atribuíam e
circunscreviam a criminalidade a territórios específicos da cidade – as periferias – e a um
grupo específico de pessoas – os jovens de periferias, negros ou de origem nordestina.
Discurso ambíguo, altamente racializante mas sem jamais se assumir racista, que alega
defender a legalidade mas que é tolerante e muitas vezes até conivente com a adoção de
mecanismos extra-legais de gestão do crime. Nesse período, além dos delitos violentos, como
homicídios e assaltos a mão armada, atividades ilícitas a princípio não violentas, como o
tráfico de drogas, também cresceram substancialmente 40. A partir do estabelecimento da
imagem de um “perfil criminoso” (perfil racial, de classe e também territorial) e da sua
assunção ao status de inimigo público, justificam-se medidas repressivas – muitas delas, e
muitas vezes, às margens das leis – por parte das forças policiais, mais concentradas nos
bairros periféricos. É justamente a este processo, de ascensão de uma representação discursiva
que atribui o potencial criminoso a determinadas pessoas e localidades, como uma espécie de
elemento inerentemente inscrito em sus subjetividades, que se refere o conceito de “sujeição
criminal”, proposto por Misse (2010). Longe de ser um processo apenas de ordem discursiva,
essa ascensão de uma representação do urbano enquanto espaço inerentemente cindido – entre
“nós”, as pessoas de bem, plenamente inseridos na cidadania e nos dispositivos disciplinares
convencionais, e “eles”, os bandidos, excluídos da categoria de cidadão, geridos pela ótica do
controle e da vigilância (FOUCAULT, 1999) – manifesta-se na própria constituição do
território das cidades. Em São Paulo, nas regiões mais nobres, verifica-se o crescimento dos
“enclaves fortificados”, construções com muros e grades, apartadas do público e protegidas
por seguranças armados (CALDEIRA, 2003). Os novos condomínios de luxo e os edifícios
corporativos modernos seriam a corporificação mais explícita desse processo, mas seus
desdobramentos e reverberações afetam o território urbano como um todo. A circulação de
jovens correspondentes ao “perfil criminal” em bairros mais nobres ou regiões mais centrais
40
Nesse primeiro momento, ainda não havia nenhuma espécie de regulação do tráfico em um nível mais amplo
em São Paulo. Eram relativamente comuns os confrontos armados para tomar biqueiras. De forma
recorrente, a bibliografia mais atual produzida sobre periferias relata os anos 90 como “anos de matança”.
38
não é formalmente impedida, mas existem uma série de mecanismos e de barreiras simbólicas
ou físicas mesmo, que vão desde a vigilância oficial da polícia até a vigilância informal dos
olhares pouco receptivos dos moradores e dos frequentadores socialmente aceitos. Curiosa
essa articulação, entre discursos segregacionistas que revelam e que operam uma
criminalização dirigida a um segmento específico da população, e a materialização prática
desses discursos e desses mecanismos, a constituição de um espaço urbano fisicamente
segregado e inerentemente cindido.
Nos anos 2000, aponta-se uma alteração significativa na rotina de muitos moradores
de periferias em São Paulo e Região Metropolitana. Os números relativos a homicídios nessas
localidades, até então considerados altos, caem de forma substancial. Existem, no mínimo,
duas versões para o ocorrido; A que trabalha com a hipótese de que a redução advém de
intervenções estruturais nas polícias civil e militar, e a que aponta para a imanência do PCC
enquanto agente/enunciado regulador não apenas da economia do tráfico de drogas ilícitas em
São Paulo, mas também de litígios dentro das quebradas41. Claro que isso não significou o
declínio da hegemonia dessa representação do urbano altamente racializante – até porquê, se,
por um lado, os homicídios caíram nas periferias, por outro, eles aumentaram nos bairros mais
centrais. Em maio de 2006, em meio a rebeliões em prisões de todo o estado, ônibus
queimados por toda a cidade e chacinas nas periferias – um verdadeiro “estado de guerra
civil” – presenciou-se, possivelmente, o ápice desse temor generalizado frente ao “inimigo
público número um”, o bandido. O episódio, que ficou conhecido na imprensa como “os
ataques do PCC”42, desencadeou na morte de quase quinhentas pessoas em um intervalo de
uma semana, mil em um mês, sendo entre as vítimas a grande maioria jovens pretos e pardos
provenientes de bairros periféricos. Não a toa, nas quebradas, o episódio é mais conhecido
como “os crimes de maio” (crimes estes creditados não ao PCC, mas à PM). Se a questão da
segurança pública já era tida como central pela gestão do governo do estado, a partir desse
evento, novos desdobramentos decorrem de uma ainda maior ênfase do poder público neste
quesito. Em agosto do mesmo ano, é instituído o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas, o Sisnad. A partir de então, as punições legais para usuários de drogas se tornam mais
brandas, ao passo que as sanções para traficantes se tornam mais severas. O que se sucedeu da
41
42
Sobre essa discussão, ver SILVA (2014).
Naquela época, a grande mídia falava mais abertamente sobre a existência do PCC. Se não me engano, foi a
partir de maio de 2006 que a imprensa televisiva começou a se referir ao PCC por “a quadrilha que age
dentro dos presídios da capital”, em consonância com a política do Governo do Estado de não admitir sua
existência.
39
implementação desse projeto foi, de um lado, um crescimento dos índices de encarceramento
por todo o estado de São Paulo, e no interior da população carcerária, um aumento ainda mais
abrupto dos condenados por tráfico de drogas, e de outro, um deslocamento discursivo nas
políticas públicas dirigidas a usuários de “drogas pesadas” e a segmentos populacionais tidos
como mais sujeitos ao vício, em especial moradores de rua. É nessa segunda perspectiva que
se incluem as medidas mais recentes que se focam no combate ao crack.
Se no cenário social se criam e se consolidam disjunções e rupturas, também no
âmbito político e ideológico se intensificam disputas e polarizações discursivas. Ao longo dos
anos 2000, com o avanço das politicas de repressão ao crime organizado, emergem na arena
política tanto discursos à esquerda, contrários ao “genocídio da população preta e pobre” e
favoráveis à desmilitarização da polícia quanto de discursos mais alinhados à direita,
mobilizados principalmente em torno da demanda por redução da maioridade penal. De um
lado ou de outro, o que parecia comum a ambos os discursos era a impressão de que a atuação
do poder público era ineficiente. A partir de 2013, após as chamadas “jornadas de julho”,
intensificou-se substancialmente essa disjunção discursiva entre movimentos sociais,
organizações políticas ou grupos identitários ligadas à esquerda e à direita. No contexto
paulista, as grandes manifestações foram convocadas em prol da luta contra o aumento da
passagem de ônibus, trens e metrô (que subiriam, de R$3,00 para R$3,20). No momento em
que as manifestações ganharam grande repercussão em especial das emissoras de televisão,
ficou evidente que nem todos os que estavam ali reunidos estavam de fato unidos. Desde as
agressões a militantes que ostentavam bandeiras de partidos de esquerda até a atuação dos
Black Blocs43, manifestava-se uma profunda divergência e até uma certa polarização entre
projetos políticos, que se acentuou nos últimos anos. Tanto no plano social quanto no plano
político, a inclusividade e a convivência em meio às diferenças parecem, cada vez mais, ideais
utópicos e distantes.
43
Quando eu menciono a atuação dos Black Blocs como um aspecto revelador de cisões discursivas, me refiro
muito mais à forma como ela foi retratada pela imprensa (e às reações a ela contrárias vindas inclusive de
parte dos manifestantes) do que na sua atuação de fato. Até porque, muitas das ações creditadas aos Black
Blocs, como por exemplo os atos de vandalismo ocorridos no portão do Palácio dos Bandeirantes, sede do
governo estadual, e a responsabilidade pela morte de um jornalista atingido por um rojão, teriam sido
praticadas por policiais infiltrados nas manifestações, segundo os próprios Black Blocs.
40
2.2 – Cena cindida: “Cê é punk? Punk o quê?”
“Briga de punks e skinheads, marcada via Twitter, deixa 1 morto em Pinheiros – Cerca de 200
pessoas participaram de tumulto na frente de casa noturna da Rua Cardeal Arcoverde; outro
jovem segue em estado grave.”
[Título e subtítulo de matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, no dia 5 de
setembro de 2011]
“Polícia investiga se punk assassinado durante briga em São Paulo foi vítima de vingança –
Para a Polícia Civil de São Paulo, o assassinato de Johni Raoni Falcão Galanciak, 25, no
último sábado (3), em Pinheiros (zona oeste da capital), tem conotações de vingança. (…) De
acordo com o setor de investigação da Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de
Intolerância), onde o caso é investigado, o fato de a vítima ser conhecida por outros casos de
agressão e a quantidade de facadas que ele recebeu podem indicar ação motivada por
vingança. ´Acreditamos que não se trata de um fato isolado, ao acaso ou fruto de uma
rivalidade entre facções: a pessoa [Galanciak] já era visada pelos seu rivais e isso pode se
depreender pela barbaridade dos golpes. Quem fez [matou], fez com vontade´, disse ao UOL
Notícias um dos integrantes do setor de investigações, que pediu anonimato.”
[Título e trecho de matéria publicada no portal UOL notícias no dia 5 de setembro de 2011]
“Crime: Johni Punk, mais uma vítima da selvageria entre gangues paulistanas – Jovem que
abraçou o movimento enquanto enfrentava uma dura jornada de tratamento psiquiátrico
morre em briga”
[Título e subtítulo de matéria publicada na revista Veja São Paulo, no dia 9 de setembro de
2011]
O suspeito de matar o punk Johni Raoni Falcão Galanciak, 25, em uma briga de gangues em
São Paulo era amigo da vítima, segundo os investigadores do caso. O suspeito foi preso pelo
DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) na tarde desta sexta-feira.
Conhecido pelo apelido de Guilherme Treze, o rapaz é um ex-punk que passou a integrar um
grupo de skinheads. Logo após ter sido ferido, Galanciak, ainda dentro da ambulância na
qual era socorrido, chegou a dizer a um colega o nome de quem havia o atacado e citou
Guilherme Treze.
[Trecho de matéria publicada no portal de notícias Cadaminuto, no dia 9 de setembro de
2011]
Para começar este capítulo, compilei alguns trechos de matérias publicadas em setembro de
2011, que falam sobre o assassinato do punk Johni Raoni Falcão Galanciak – vulgo “Johni
38”44. No dia 3 deste mesmo mês, Johni foi morto por mais de dez facadas, em uma briga
entre punks e skinheads nazistas que aconteceu nas imediações da casa de shows Carioca
44
Segundo amigos e familiares, o “38” seria o número do carrinho de corrida que Johni tinha quando criança.
Segundo a polícia e a revista Veja São Paulo, se trataria de uma alusão ao revólver calibre 38.
41
Club, em Pinheiros, onde naquela noite aconteceria o show da banda Oi! britânica Cock
Sparrer, uma das percursoras do estilo. Este acontecimento é bastante representativo na cena
punk dos anos 2000, e pode ser visto como uma espécie de marco, um ponto de inflexão no
rolê. Foi o último caso que foi registrado de forma enfática pela grande mídia televisiva e
impressa de briga entre punks e carecas ou nazistas. Isso não porque não mais houve as tretas,
mas porque este caso em especial parecia evidenciar o fato de que a guerra entre os “grupos
rivais” estava se tornando maior e mais violenta. Além do fato de ela ter se dado em um bairro
mais central e elitizado da cidade e do grande contingente de pessoas envolvidas, entre 50 e
200 pessoas (dependendo da fonte consultada), o evidente teor de brutalidade envolvido
chocou o “cidadão comum” – além de facas, houve rojões, coquetéis molotov e até disparos
de arma de fogo. Este caso é particularmente interessante porque a partir dele é possível
acessar diversos elementos que aqui me interessam, como a constituição e intensificação das
cisões manifestas e praticadas no rolê punk e a construção da imagem do punk (e também das
dos skinheads e nazistas) sob o olhar da imprensa e do(s) dispositivo(s) de segurança pública.
Além disso, escolho este caso para dar início a esta reflexão pelo fato de que eu
conheci o Johni nos meus “tempos de rolê”, o que me permite uma visão mais crítica acerca
do que foi veiculado pelos meios de comunicação que se debruçaram não apenas sobre este
caso como também em oportunidades anteriores em que este mesmo Johni esteve presente nas
páginas dos jornais – que, nem no momento de sua morte, abriram mão de listá-las. Em 2006,
ele havia sido detido por tentar arremessar ovos no então prefeito Gilberto Kassab e no
governador eleito José Serra. Em 2007, foi preso acusado pelo espancamento de um
“estudante” (no rolê todos sabiam que era nazista e membro da gangue Front 88 45) nas
proximidades do local em que aconteceu naquela noite o show de outra banda Oi!
internacional, dessa vez a novaiorquina Casualties. Ficou preso por um ano e meio no Centro
de Detenção Provisória de Pinheiros. Fora outras tretas que não estamparam os jornais –
porque não eram a pauta do dia.
Johni era um punk independente46 e anarquista, era bastante conhecido no rolê punk.
Para muitos, ele era quase que um “tipo ideal” do punk, sempre disposto a entrar na linha de
frente e de peito aberto, fosse em manifestações, fosse em tretas. Neto de imigrantes
poloneses fugidos de sua terra de origem em virtude da ocupação nazista durante a segunda
45
46
Este mesmo “estudante” participou do atentado com bombas caseiras ocorrido na Parada Gay dois anos
depois, em 2009.
Isso é, não diretamente ligado a nenhuma gangue.
42
guerra mundial, Johni era também filho de um antigo membro da banda punk Excomungados,
uma banda importante na cena em São Paulo 47. Com cerca de quinze anos se torna um punk.
Segundo matéria publicada pela revista Veja São Paulo, essa “transformação” teria se dado
justamente no momento em que Johni fora diagnosticado com transtorno bipolar. A mesma
matéria narra a trajetória de Johni no rolê punk através das “grandes encrencas” em que ele
esteve envolvido, desenhando a imagem de um delinquente juvenil afetado por distúrbios
psicológicos – um anormal, um “monstro psicológico”, figura que encarna o processo de
subjetivação da monstruosidade (FOUCAULT, 2001). De modo geral, a maioria das matérias
jornalísticas produzidas sobre tretas entre punks e carecas ou nazistas não faz grande distinção
entre a forma de atuação dos grupos envolvidos – Ao olhar dos jornalistas (e também dos
policiais que atuavam nos casos em que eles estavam envolvidos), todos eles seriam
igualmente jovens briguentos, ganguistas, intolerantes, fanáticos e, por tudo isso,
despolitizados. Algumas até reconheciam as (“supostas”) divergências ideológicas envolvidas.
Outras, nem isso.
No período entre os anos de 2007 e 2011, alguns outros casos de tretas envolvendo
punks, carecas ou nazistas ganharam notoriedade na imprensa. Além do assassinato de Johni
em 2011 e do espancamento do nazista pelo qual ele foi acusado em 2007, o caso de um
atendente de pizzaria morto por punks (estes, membros da gangue SP Punk) porque “se
recusara a lhes dar um pedaço de pizza grátis” e a morte a facadas de um turista francês por
um punk (o Antrax, um sujeito que, por muitos no rolê, era tido como pilantra porque
circulava também entre carecas e nazistas) também foram amplamente divulgados – ambos
ocorreram no mesmo ano de 2007. Foi mais ou menos no início desse período que eu me
afastei do rolê. Eu mesmo, inclusive, cheguei a ser agredido uma vez, por uma banca de cerca
de dez pessoas, entre carecas e punk Oi!'s, homens e mulheres. Um deles estava vestido como
o Alex, personagem do filme Laranja Mecânica – estava claro que o que aquele sujeito
entendia por “ser punk”, de alguma forma, estaria intimamente ligado à violência e ao
ganguismo48. Eu estava “no visual”, moicano levantado, camiseta do Cólera, coturno com
cadarços brancos entrelaçados e calça jeans rasgada com um A de anarquia desenhado.
Seguindo a rigor o manual do intimão skinhead/punk Oi! (não-anarquista) quando encontra
algum punk anarquista no rolê, eles me perguntaram em tom inquisitor: “Você é anarco?”. Eu
47
48
O segundo nome de Johni, Raoni, é uma homenágem ao cacique Raoni, da tribo Txucarramae, que nos anos
70 e 80 se tornou uma figura importante ligada à militância indígena e ambientalista.
A referência aos personagens de Laranja mecânica pode ser vista como um elemento estético ligado ao Oi!.
Muitos deles, muitas vezes, atuam como os próprios personagens do filme, como inclusive foi o caso.
43
disse “Não, eu sou punk independente e anarquista”. Eles perguntaram mais algumas coisas,
até que veio o primeiro golpe de porrete, bem no meio da cabeça. Aí, começou o
espancamento. Depois de uns minutos apanhando muito eu consegui sair correndo. Eu, um
amigo (que era anarco-punk, o que era possível descobrir pelo visual dele) e as duas garotas
que estavam com a gente (eles não bateram nelas, só nos dois homens) fomos direto para o
Hospital das Clínicas, ensanguentados e enfurecidos. A polícia, que havia nos abordado cerca
de vinte minutos antes, no mesmo local onde se deu o espancamento, não demonstrou maior
interesse – um PM, ao ver minha cara arrebentada e meu visual punk todo ensanguentado,
depois que eu já saíra do hospital, não se mobilizou para apurar os fatos, ofereceu no máximo
um consolo do tipo “tome mais cuidado da próxima vez” (dando a entender que, na visão
dele, a culpa era em alguma medida minha). Nem polícia, nem imprensa. Mais uma treta
anônima, entre várias das quais possivelmente até hoje não se sabe.
Mas, mesmo que esse e muitos outros casos tenham permanecido no anonimato,
aqueles que se tornaram publicizados – aqueles em que havia mortes, ou que envolviam
“pessoas inocentes” – pareceram mobilizar a opinião pública, que voltava seus olhos mais
atentamente para a briga entre as “gangues urbanas”. Neste momento, assim como aconteceu
no início dos anos 80, o punk foi amplamente tratado e retratado como um caso de polícia. A
diferença dessa experiência mais contemporânea de criminalização do punk, no entanto, é
grande, e está muito menos na forma com que a imprensa atuou neste processo do que na
própria forma com que a cena punk e o próprio contexto urbano em São Paulo se constituíram
e se modificaram a partir do final dos anos 80, o que só fez crescer ainda mais a distância
entre a informação veiculada pela mídia, que tende a uma generalização criminalizadora, e a
realidade nas ruas, na qual cisões e disjunções se criam de forma dinâmica, heterogênea e,
muitas vezes, explosiva.
Esse movimento contemporâneo de criminalização do punk em São Paulo propõe
algumas reflexões acerca da própria constituição de discursos e de práticas criminalizantes de
modo mais geral. No caso dos punks em específico, argumento que existem algumas
peculiaridades envolvidas. A criminalização a que os punks estão sujeitos é, em muitos
pontos, diferente daquela criminalização mais estrutural, a que estão submetidos, de forma
mais geral e até constante, aqueles jovens que correspondem ao “perfil criminal”. É uma
criminalização que não se exerce de forma ininterrupta, mas que parece ser acionada a partir
de eventos específicos que ganham repercussão na imprensa, sobretudo a televisiva. A partir
44
Sequência de imagens contida na matéria publicada pela revista "Veja São Paulo" sobre o assassinato de Johni.
Na foto à esquerda, ele ainda criança, e na imagem á direita, já um punk, sendo detido por tentar arremessar
ovos em Gilberto Kassab e José Serra em 2006. O mote central da matéria é o processo de “transformação” de
Johni, de uma criança “normal e saudável” para um jovem punk com transtorno bipolar e passagens pela
polícia.
Uma das muitas homenagens "nas ruas" a Johni (entre
pichações, manifestações e textos). Aqui, ele é lembrado
não como um “louco delinquente”, mas sim como um
militante anti-fascista.
45
Capa da coletânea "Johni vive". O álbum,
lançado em homenagem a Johni, reúne
dezessete bandas punks, de São Paulo e do
interior paulista.
das denúncias veiculadas pela grande imprensa, a polícia civil começa a rastrear, identificar e
monitorar determinadas gangues ou indivíduos já envolvidos em confusões anteriores. Por
parte da polícia militar, aumenta-se a repressão dirigida aos punks e também a carecas e
nazistas, dependendo do caso (embora a estética punk seja mais chamativa e mais fácil de
reconhecer), concentrada especialmente nas regiões mais centrais da cidade, e sobretudo às
noites – que é quando as tretas acontecem.. No contexto a partir de 2011, esse aumento foi
significativo, tanto é que a presença punk nas noites do centro da cidade diminuiu de forma
considerável – não significa que existem necessariamente menos punks, mas sim que
certamente existe menos “visual punk”. Existe, nessa forma específica de criminalização
dirigida aos punks em São Paulo, uma lógica espetacular, no sentido de que consiste em
discursos e mecanismos que se ativam a partir não de uma constatação quantitativa de
aumento de incidência, mas da repercussão de eventos singulares que adquirem notoriedade,
atuando como que uma resposta à opinião pública a uma agressão pontual e evidente aos
valores socialmente estabelecidos como aceitáveis49. Uma consequência disso é a recorrência
de uma representação criminalizadora generalizante, que muitas vezes reúne punks, carecas e
nazistas em um mesmo grupo criminal – o das “gangues urbanas”, cuja atuação delitiva seria
essencialmente marcada pela violência e pela intolerância, em princípio dirigida contra os
grupos rivais mas que poderia também atingir pessoas não envolvidas, como o atendente de
pizzaria, ou o turista francês. As divergências ideológicas e de atuação entre os grupos
envolvidos, ainda que muitas vezes constituam elementos centrais não apenas das construções
identitárias aqui envolvidas mas também da própria forma de se conceber e encarar a
alteridade radical, são ignoradas ou deixadas em segundo plano50.
Até aqui eu me referi a uma criminalização diretamente ligada às notícias sobre casos
de brigas e agressões. No caso dos punks, existe também uma outra forma de criminalização,
mais ligada à atuação ligada à militância política e às manifestações. Mas mesmo essa
segunda forma é bastante inspirada na primeira. No contexto das manifestações, os punks
49
50
Para melhor explicitar o que aqui eu entendo por “lógica espetacular”, recorro à reflexões de Foucault
(1987) acerca dos suplícios, prática comum na Europa “pré-disciplinar”. As punições, sempre severas, à
infração das leis, eram conduzidas às vistas da massa, que acompanhava o espetáculo em praça pública. Na
sociedade contemporânea, no entanto, os próprios atos de infração participam desse processo de constituição
da imagem de um “inimigo público”. O espetáculo não mais faz ver a punição em si, mas sim a própria
figura do delinquente (aquele que deve ser punido). Articulação entre espetáculo e discursos que se
empenham em respaldar, no plano ideológico, a criminalização.
Segundo O´Hara (2005) uma das consequências nocivas da difusão dessa imagem dos punks enquanto
essencialmente violentos, por parte da mídia de massas, seria justamente a entrada de pessoas que de fato
pensam e agem assim na cena punk. O esteriótipo acaba, em alguma medida, se concretizando.
46
costumam ser vistos e retratados menos como militantes e mais como agitadores, que
promovem depredação do patrimônio público e privado e supostamente responsáveis por
iniciar os recorrentes “confrontos” com a polícia. Tanto é que, recorrentemente, era para os
punks que sobravam as balas de borracha51.
Durante a grande onda de manifestações em várias cidades brasileiras em junho de
2013, que ficariam conhecidas como as “jornadas de junho”, as notícias focadas na atuação de
“vândalos” entre os manifestantes foi amplamente associada aos Black Blocs, grupos vestidos
de preto e com panos cobrindo os rostos, que atiravam pedras contra vidraças de bancos,
depredavam carros de emissoras de televisão e concessionárias de veículos 52. Inspirados nas
teorias anarquistas, os Black Blocs se utilizam de uma tática de ação direta, dirigida
estritamente contra os “símbolos” da dominação capitalista e burguesa – uma postura de
(contra-)violência simbólica. Existe, não apenas em São Paulo mas em muitas partes do
mundo, uma interssecção entre punks e Black Blocs, que se revela pela própria articulação
entre essas duas estéticas, distintas mas intimamente ligadas, mobilizada recorrentemente
pelos adeptos. Se, de um lado, os últimos anos presenciaram um declínio da presença do
visual punk na paisagem das noites no centro da cidade, por outro, a ascensão da tática e da
estética Black Bloc nos contextos de manifestações promovem um deslocamento da imagem
do punk sob o olhar do(s) dispositivo(s) de repressão e criminalização em São Paulo: De
potencial delinquente para potencial terrorista. Olhar este – e mecanismos estes ativados a
partir desse olhar – ainda intimamente vinculados a uma lógica espetacular, o que denota uma
articulação entre as políticas voltadas à Segurança Pública e os veículos de comunicação em
massa, sobretudo as emissoras de televisão. Arranjos que revelam, constituem e consolidam
um projeto de hegemonia53 discursiva e política.
Sobre a minha “entrada em campo”, ela se deu em um contexto anterior, muito antes
na verdade de eu decidir entrar no curso de Ciências Sociais na Universidade de São Carlos.
Claro que, naquela época, eu não tinha um objetivo claro de coletar dados, de fazer pesquisa.
Mas, inevitavelmente, o jovem punk quando “entra no rolê” se depara com a necessidade de
51
52
53
Mesmo antes de se formarem grupos Black Blocs em São Paulo, o que aconteceu somente em 2013 durante
as “jornadas de julho”, alguns punks já se inspiravam na tática Black Bloc. Ânimos exaltados de ambos os
lados (tanto por parte dos punks quanto por parte dos policiais), não era raro que o confronto acontecesse.
Difícil saber quem começava. Os PM´s, acusados pelos manifestantes, acusavam os desordeiros e vândalos,
e em geral os punks figuravam neste grupo.
A tática Black Bloc surgiu no leste europeu ainda nos anos 80, sob o regime soviético, e foi mais difundida
já no final dos anos 90, a partir das grandes manifestações contra a Organização Mundial do Comércio em
Seattle, Estados Unidos.
Aqui, me refiro novamente à concepção de hegemonia formulada por Gramsci (1982).
47
“saber quem é quem”, de fazer uma espécie de cartografia da cena – Saber quem são seus
amigos e também seus inimigos, o que implica também em saber quem é você e qual sua
posição dentro do mapa. Geralmente a imposição dessa necessidade aparece na forma do
intimão clássico: “Você é punk? Punk o quê?” (falhar neste “jogo de perguntas” pode trazer
consequências nada agradáveis para o requisitado). Esse esforço de mapeamento da cena é
uma técnica importante de se adquirir para o jovem que decide entrar no rolê. Parte
importante deste aprendizado técnico é saber reconhecer os signos que podem operar como
marcadores de posição. O A de anarquia, a bandeira vermelha e negra, pachs e camisetas de
bandas (e a que “vertente discursiva” a banda está ligada, em alguns casos, importa),
discursos políticos (em prol da anarquia, do voto nulo, contra a burguesia, etc) ou da facção
ou vertente a que pertencem, além dos signos ligados a outros grupos, como os carecas –
patchs das bandeiras do estado de São Paulo e do Brasil – ou os nazis – a suástica, a cruz
gamada –, consistem em elementos estético-discursivos aos quais se deve estar atento. Até
mesmo a cor e o modo de traçar os cadarços do coturno 54 constituem signos que indicam
pertenças ideológicas e “de rolê”, que delimitam cenas e, portanto, evidenciam cisões. A partir
do reconhecimento desses signos, e do estabelecimento de relações de aproximação ou
repulsão com cada um deles, o indivíduo vai compondo um arcabouço estético-discursivo
específico, e a partir daí a forma como ele vivencia e experiencia o rolê se torna relativamente
alinhada às percepções e opiniões daqueles que estão no mesmo meio (sub)urbano.
A minha trajetória enquanto punk sempre esteve mais ao lado dos punks anarquistas
independentes. Esta posição específica me permitiu relativo contato com variados grupos
punks, desde anarco-punks até punks anarquistas ganguistas – não pertencer diretamente a
nenhum grupo permite fluidez de circulação, até certo ponto. O contato com os nãoanarquistas (em geral punk Oi!´s, apolíticos ou nacionalistas/integralistas) ou com aqueles que
no meu meio tinham a fama de pilantras (em geral, mas nem sempre, membros de gangues
como a Devastação punk, a Vício punk e a Vingança punk) era mais distante, por motivos
óbvios. Reconhecendo as dificuldades do ponto de vista analítico envolvidas na
especificidade da posição outrora por mim ocupada na cena punk, acredito, no entanto, que
existem vantagens em partir de uma visão mais “de dentro”, mais etnográfica creio ser
54
Punks anarquistas, anarcopunks e punks independentes, em geral usavam cadarços brancos e cruzados (e os
coturnos sempre surrados, enquanto expressão de anti-militarismo). Os carecas costumavam usar cadarço
branco reto, e seus coturnos, engraxados (e geralmente com a ponta de ferro). Alguns streetpunks usavam
cadarço amarelo reto. Entre os punks, existiam ainda os que usavam cadarços vermelhos, cruzados (alusão à
morte de nazistas) ou retos (alusão à morte de carecas).
48
possível dizer. Até porque, neste caso, não é possível estar em mais de um lado; não sem o
risco de ser taxado de leva-e-traz55. Se existe algo que é comum a todos aqueles que
reivindicam pra si a identidade punk na atualidade, é o reconhecimento de que, na cena,
existem inimigos.
Se, por um lado, a noção de uma união entre todos aqueles que reivindicam pra si a
identidade punk é algo pouco viável e pouco presente nos tempos atuais, por outro,
consolidam-se construções discursivas que disputam o status de “discurso hegemônico” em
torno da identidade punk – ou, melhor, de identidades punks, cada uma delas munida de seu
próprio “discurso de união” (mesmo que este em alguns casos pareça se restringir aos limites
da banca ou da gangue). O conflito entre essas diferentes posturas que se fundam em
discursos divergentes pode envolver as mais variadas situações, podendo chegar ao extremo
das tretas e da morte. Não apenas o conteúdo discursivo, mas também as próprias formas de
se conduzir a disputa delimitam posições na cena. Entre os anarco-punks e os punks
independentes anarquistas (a maioria deles pelo menos), existe uma recusa discursiva e, na
medida do possível prática, à utilização da violência física em brigas, por muitos vista como
uma estratégia mais compatível com a orientação ideológica e a atuação dos nazi-fascistas 56.
Entre os punks ganguistas, incluindo os anarquistas, é muito menos frequente essa postura
mais pacifista. O que variaria de gangue para gangue, neste caso, seria menos a estratégia de
combate, e mais o “alvo” a ser batido – cada gangue possui sua “lista de desavenças”. Claro
que essas divisões não necessariamente operam de maneira estanque e fixa. Nem sempre se
tem a opção de não entrar em uma treta, da mesma forma que nem sempre a expressão de
conflitos chega a este extremo, e mesmo as oposições (e alianças) existentes em certos casos
podem ser relativamente fluidas, até certo limite. Existem múltiplas “linhas de fuga”, ainda
que haja uma clara intenção de contê-las.
Entre punks que se afirmam anarquistas, em geral – mas nem sempre – a filiação
ideológica e a adoção de práticas ligadas ao anarquismo constituem partes se não centrais ao
menos bastante importantes da construção daquilo que entendem por “identidade punk”.
Claro que o que se entende por anarquismo aqui varia muito: Existem desde os anarcoterroristas, mais inspirados nas ideias de Mikhail Bakunin, até os anarco-pacifistas, que se
55
56
Leva-e-traz seria aquele que circula entre bancas inimigas. Sua presença no rolê é indesejável: Admití-la
seria se arriscar a dar informações de si e de seu rolê para os inimigos, abrindo brechas para a pilantragem.
No caso da treta que levou à prisão de Johni em 2007, por exemplo, ele foi preso junto com outros punks,
membros da gangue Vício punk. O fato indica que a polícia teria selecionado os suspeitos apenas
considerando o visual deles, o que para alguns sustentaria a tese de que Johni não participou do
espancamento, que teria sido cometido pelos ganguistas.
49
baseiam mais nos escritos de Pierre Jouseph Proudhon – além, é claro, daqueles que não
sabiam muito sobre teoria anarquista, mas que “viviam” a anarquia, à sua maneira. Além de
variar bastante qual a concepção que se tem de anarquismo, varia muito também com quem se
cola, ou com quem se tolera colar. Existem, dentre os anarquistas, tanto aqueles que não se
opõem a colar com não-anarquistas quanto aqueles que não admitem a sua presença – existem
ainda aqueles que se opõem veementemente à presença de punk Oi!´s ou skinheads, mesmo
os anarquistas ou os ANTIFA (Antifascistas) 57. Do “outro lado”, sem dúvida, existe a
recíproca. Muitas vezes, skinheads e punk Oi!´s também são hostis à presença de punks
anarquistas, em especial anarco-punks. Estes tendem a dar vasão à sua pouca receptividade de
forma mais violenta.
Acerca dessa variabilidade que diz respeito às formas de se conceber e de se encarar as
relações de alteridade no interior desta “cena das tribos urbanas”, alguns comentários. Não
raro, a forma como são concebidas e performadas as relações de alteridade frente aos inimigos
figuram mais como afirmação de suas próprias identidades discursivas do que como esforço
para se eliminar as dos outros. Nesse aspecto, é possível estabelecer algumas aproximações
com as reflexões expostas por Clastres (2004) acerca do lugar social da guerra em sociedades
primitivas ameríndias. A guerra enquanto mecanismo e enquanto instituição, que expressa
uma postura de fechamento perante os grupos externos e o desejo de manter-se enquanto
totalidade una, ou unidade total. Mas, neste caso, existem outros elementos, outros fatores,
que parecem promover uma peculiar articulação entre as formas ditas primitiva e moderna de
se conceber a guerra, nesse caso separadas por um intento de imposição. A começar pelo fato
de que, no caso dos punks, a ideologia política, em especial a anarquista, muitas vezes é
evocada como elemento central da construção de uma identidade punk. Dessa forma, a
afirmação dessa identidade, que estaria inerentemente fundada em um projeto político (que,
ainda que seja visto por muitos como utópico, não se pode ignorar que ele motiva e respalda
ações bastante concretas), implica também em uma luta direta contra discursos e projetos
políticos divergentes58.
57
58
Existe, principalmente entre os anarco-punks, um discurso que justifica essa pouca disposição à união com
skinheads ou “derivados”, mesmo quando se dizem antifascistas. Os motivos seriam tanto de cunho histórico
– o skinhead seria um grupo historicamente ligado a atos de preconceito, racismo e xenofobia – quanto
referentes à vivência “no rolê” – os skins, inclusive as vertentes “antifascistas”, se comportariam de forma
violenta e ganguista, postura esta incompatível com o ideal anarquista. Entre os punk Oi!´s e os skinheads
anarquistas ou antifascistas, os que defendem tal discurso não passam de sectários, que se julgam donos dos
discursos libertários que defendem e, por isso, se preocupam demais em estabelecer faccionismos entre
aqueles que poderiam ser seus aliados.
Importante ressaltar: A noção de guerra com a qual eu trabalho, no que se refere ao contexto da cena punk
50
Claro que essa segunda forma de se conceber e de se conduzir a guerra, mais associada
às sociedades ocidentais modernas, não suprime a anterior. Ainda que aparentemente opostas,
essas duas formas são complementares, e aí reside talvez o caráter dúbio da guerra nas
sociedades ditas complexas: Ela é, a um só tempo, fechamento e expansão, afirmação
identitária e dominação da alteridade. Isso, sobretudo, nas últimas décadas, em que nas
grandes cidades brasileiras o horizonte da guerra é bastante visível e notável no âmbito das
políticas públicas voltadas à gestão da criminalidade e ao “problema” das drogas, em especial
o crack. Mas não basta apontar a relação entre essas formas distintas. Meu objetivo aqui é
analisar a forma como elementos pertencentes a uma ou a outra se articulam e se tensionam
em performance e em discurso especificamente na cena punk, para melhor entender de que
forma estabelecem-se e intensificam-se cisões e disjunções. Se o horizonte da guerra é
relativamente comum entre os punks, no sentido de que todos eles possuem seus inimigos,
não necessariamente essa alteridade conduz univocamente à saída violenta. A utilização mais
aberta desse tipo de recurso parece ser restrita ao contexto das gangues, independentemente
da orientação ideológica. Já entre aqueles mais ligados a uma postura militante anarquista,
postura essa que, discursivamente, se opõe à lógica e à atuação das gangues, não há essa
associação entre guerra e briga, pelo menos em relação à guerra que eles mesmos travam
contra seus inimigos, que aqui são menos pessoalizados – o ganguista, o skinhead, o nazista –
e mais politizados – o ganguismo, o nacionalismo, o fascismo, o nazismo. Esta guerra seria
travada menos no âmbito das tretas, e mais no âmbito da militância política (manifestações,
discussões, intervenções artísticas, atuação de coletivos e movimentos sociais, entre outros).
Aqui, possivelmente, há menos fechamento, e mais luta por hegemonia.
No contexto da militância política – organizações políticas, movimentos sociais e
coletivos – estabelecem-se também redes de alianças e disputas, também com relativa fluidez,
mas já em um mesmo plano de atuação. De modo geral, as associações e coletivos
francamente anarquistas compõem um grupo a parte no interior dessa cena de militância
política “à esquerda”. Um grupo que, na maioria das vezes, procura se distinguir da militância
“de esquerda”, geralmente composta por associações ligadas a partidos de esquerda e/ou
sindicatos. Em determinadas situações pontuais, no entanto, as diferenças são suspensas.
Exemplo disso foi a articulação em torno da Marcha Antifascista, realizada no dia 22 de
em São Paulo, diz respeito simplesmente à existência de alteridades e de disputa entre partes divergentes e,
em certa medida, inconciliáveis. Dessa perspectiva, guerra e política não são mutuamente excludentes, muito
pelo contrário, estão inerentemente ligados, a política entendida enquanto conflito de segmentos divergentes
em busca de hegemonia. .
51
março de 2014, aniversário de 50 anos do golpe militar. Alguns segmentos sociais ligados à
direita haviam anunciado uma manifestação – a Marcha da família com Deus e pela
Liberdade II (o retorno) – em homenagem ao golpe, e também pedindo a volta do regime
militar. A realização da Marcha Antifascista foi uma resposta a esse indício de início de uma
articulação de setores da direita. Eu estive nessa marcha, e pude presenciar a aliança entre
anarquistas e comunistas/partidários: Embora em mais de uma ocasião as diferenças entre os
grupos fossem evidenciadas (principalmente pelos anarquistas), estava claro que, naquele
momento, era preferível se aliar com comunistas e partidários do que não reagir perante a
aparente ascensão da direita, que ainda estava muito menos mobilizada do que no período
mais atual59. Não apenas a direita está mais mobilizada, com a ascensão da demanda por
Impeachment da presidente recém-eleita Dilma Rousseff, como a aliança entre anarquistas e
partidários de esquerda não mais existe, considerando que os últimos concentraram suas
reivindicações anti-golpistas em uma defesa do governo da presidente Dilma e das regras do
jogo democrático, levando sua militância a um horizonte estritamente limitado à política
partidária e institucional.
Como pretendi evidenciar ao longo desse capítulo, a identidade punk ainda atualmente
é um elemento a partir do qual engendram-se disputas, tensões estético-discursivas. Essas
divergências podem ser bastante extensas, a ponto inclusive de muitas vezes não se
expressarem em um plano comum. Claro que no rolê punk, a iminência das tretas nunca é
ignorada, mesmo para aqueles que desejam evitá-la. Mas nem todos vêem nas brigas o
mecanismo central de expressão identitária e política. Dessa perspectiva, a própria associação
entre política e violência é alvo de questionamentos e de disjunções, e dos mais importantes,
senão o mais.
59
Nesse aspecto, existe uma aproximação com os mecanismos de multisegmentalidade de grupos políticos
descritos por Evans-Pritchard em Os Nuer (1993).
52
A "Marcha com Deus pela família e propriedade II".
Inicialmente programada para partir da praça da Sé em
passeata, a marcha acabou ficando concentrada na praça
da República.
A concentração da "Marcha Antifascista e anti-golpista",
na praça da Sé. Em São Paulo, a marcha foi programada
para o mesmo local e horário do que a marcha pró-golpe,
que teve que alterar seus planos.
Parte da frente de um folheto que eu recebi
no dia da marcha (das mãos de um punk
Oi! anarquista).
O verso do mesmo folheto.
53
2.3 – A “cena underground”: As bandas, os selos, os shows punks
Para iniciar a exposição de uma análise da cena de bandas punks em São Paulo na atualidade,
alguns comentários acerca do contexto de surgimento do som punk. Nos anos 1970 e 1980, o
punk rock sobretudo inglês atraiu para si os olhares da “Indústria cultural”. Gravadoras
caçavam bandas punks – ou bandas que pudessem ser vendidas como punks – para lançar seus
discos; estilistas “lançavam moda” inspirados na estética crua e (sub)urbana do punk (há
quem diga que alguns desses elementos foram mesmo criados pelos estilistas); Revistas de
comportamento jovem publicavam matérias sobre os Sex Pistols, que em 1977 desfrutaram do
status de verdadeiros popstars. Mesmo no Brasil, onde o punk foi muito menos absorvido pela
“Indústria cultural” em comparação com o que se deu principalmente na Inglaterra, ele
exerceu sua influência estética e sonora sobre o chamado rock nacional dos anos 80,
sobretudo em São Paulo e Brasília60. Claro que, se por um lado, a “Indústria cultural” se
empenha em absorver a estética e o potencial criativo dos “garotos do subúrbio”, por outro, o
punk se empenha em manter sua autonomia criativa frente ao mercado cultural. Dessa forma,
a partir do início dos anos 80, surge o hardcore e as cenas punks propriamente undergrounds
em várias partes do mundo – incluindo São Paulo.
Ao falar em “cenas underground”, eu estou me referindo a uma multiplicidade de
redes de agentes – bandas, selos e pessoas envolvidas em produção musical e cultural, de
modo mais amplo – que se constituem em contraposição ao chamado mainstream, a saber, o
circuito de gravadoras, canais de televisão e mídia impressa diretamente ligados à “Indústria
cultural”. Se o mainstream é o espaço da arte convertida em produto, (re)produzida e
consumida dentro de uma lógica industrial e mercantil, o underground seria o terreno da
criação artística insubordinada às imposições do mercado, que não visa em primeira instância
o consumo e o lucro, e sim uma expressão de contestação. Ele se define, portanto, por ocupar
uma posição a parte, e mesmo em contraposição, à cena musical hegemônica sustentada pela
chamada “Indústria cultural”61. Em outros termos, uma resistência criativa face a uma
dominação reprodutiva, uma postura de “anti-colonialismo estético”. A tradução do termo
60
61
Sobre a influência da estética punk no “rock paulista” dos anos 80, ver Abramo (1994).
No caso específico dos punks e do “som punk”, embora eu honestamente nunca tenha ouvido da boca de
algum deles o termo “Indústria cultural”, é curioso como a grande maioria deles expressa posições em
relação também à música (mas não apenas) que em muitos aspectos se alinham à concepção expressa por
Adorno (2002). Isso é ainda mais curioso se pensarmos não apenas o punk mas também o underground de
modo geral, como traços de um processo de “democratização dos meios de criação e reprodução artística”, o
que dialoga bastante com a reflexão de Benjamin (1994). Discurso adorniano, que motiva praticas
benjaminianas.
54
underground seria, ao pé da letra, algo como “abaixo do solo” (em alguns países de língua
inglesa, “underground” é o termo que se usa para se referir ao sistema de transporte
metroviário). O termo carrega uma clara conotação de “algo que vem de baixo”, o que, ao
contrário de ser visto por uma ótica inferiorizadora, é positivado em forma de afirmação
identitária62. Há uma espécie de pretensão de “pureza criativa”, que é expressa não apenas na
sonoridade musical e no tipo de discurso contido nas letras, mas também na recusa formal em
participar da cena mainstream. Dessa forma, estabelece-se uma tensão, entre uma atuação que
se vê como ferramenta de transformação (política, social, cultural), e uma postura de
isolamento, visando uma defesa contra elementos exógenos. Em outras palavras, uma tensão
entre luta e resistência, termos que podem parecer semelhantes 63, mas que traduzem essa
relação conflitante entre posturas de abertura e de fechamento. Entre muitas outras coisas, este
tipo de tensão envolve uma recusa discursiva franca em “se vender”. Mas, o que seria “se
vender” afinal? Este talvez seja o grande ponto aglutinador de dissensos que se constituem em
torno da cena underground de bandas punks.
Para pensar a cena de bandas e de selos punks em São Paulo na atualidade, vou partir
de dois selos em específico: A Red Star Recordings e a Rebel Music Records. Não pretendo,
com isto, reduzir toda a cena punk em atividade a essas duas “redes underground”. Mas
acredito que a partir desses dois casos em particular seja possível estabelecer reflexões
bastante válidas. Novamente, aqui faço a opção por restringir o meu campo de visão enquanto
pesquisador, me distanciando – ou ao menos buscando me distanciar – de uma pretensão de
cunho mais generalizante. Restringir o campo de visão, para maximizar o olhar, o foco.
Partindo destes dois selos, que atuam na cena punk e, portanto, são agentes envolvidos em um
circuito de produção e distribuição musical underground, viso pensar os selos enquanto
espécies de agentes aglutinadores, em torno dos quais se constituem redes de bandas, de
produção e distribuição de material a elas relacionado, e até de casas de eventos ou estúdios
para gravação e ensaios. Agentes estruturais em torno dos quais a própria cena se constitui,
portanto.
62
63
Vale ressaltar que, ao falar em underground eu me refiro menos a uma espécie de lugar e mais a uma
construção discursiva, em torno da qual se constituem práticas e mecanismos que visam materializar uma
“contra-cultura”. Não necessariamente aqueles que “estão no underground” se empenham, ou sequer visam
se empenhar, em expressar alguma forma de oposição ao “mainstream” (exemplos: As bandas punks
vendidas, os punks “modinha”). Quando falo em “contra-cultura”, me refiro a qualquer movimento artístico
que discursivamente se coloca em oposição a uma “cultura hegemônica” (no sentido gramsciniano), que
pode também ser definida de uma infinidade de maneiras (por exemplo, os hippies nos anos 60 se viam
como contra-cultura, mas os punks nos 70 os acusavam de serem tornado parte da cultura hegemônica).
Inclusive, não raro, são pronunciados “lado a lado” pelos punks, como duas partes de um mesmo todo.
55
Analisando tanto a trajetória desses dois selos quanto as redes de alianças
estabelecidas por cada um deles, podemos compreender elementos importantes que se
articulam e se tensionam na consolidação de redes – e de um circuito – underground. De
modo geral, as iniciativas mobilizadas em torno da formação de selos partem tanto de
necessidades mais operacionais ligadas às bandas (a de gravar um álbum, em especial) quanto
de uma prática discursiva baseada no lema “faça você mesmo”, que atua no sentido de uma
busca por autonomia perante às grandes gravadoras e também da consolidação de alianças,
visando “fortalecer a cena”. Distante da relação competitiva estabelecida no circuito das
grandes gravadoras e da grande mídia, constituem-se práticas e discursos que vão no sentido
de uma postura cooperativa. Apesar de ambos os selos aqui tratados terem sido formados para
viabilizar o lançamento de álbuns pontuais – A Red Star foi formada em 1998, como esforço
em prol do lançamento do primeiro álbum da banda de hardcore Agrotóxico, e a Rebel Music
surge em 1999, e sua fundação também é diretamente ligada ao lançamento do primeiro
álbum solo da banda de punk rock Phobia –, em ambos os casos havia um objetivo também de
lançar outras bandas.
Se ambas as trajetórias se iniciam com pontos de consonância, mais tarde as
dissonâncias e particularidades acabam se evidenciando. Enquanto a Rebel Music, selo criado
por Demente (guitarrista das bandas Phobia e Juventude Maldita) e Claudião (vocalista do
Phobia), foi concentrando seus esforços em torno da constituição de uma cena punk local, a
Red Star, criada por Jefferson (baixista do Agrotóxico) aos poucos se mobilizou mais em
torno da constituição de uma rede de alianças de caráter internacional 64, contando também
com bandas já renomadas no cenário nacional65. Ao passo que a Red Star focou sua atuação
mais no lançamento e na distribuição de álbuns de bandas já consolidadas na cena, a Rebel
Music dispõe também de uma “casa de eventos”, o Estúdio Noise Terror (localizado na zona
sul de São Paulo, próximo ao metrô Conceição), que abriga tanto shows de bandas locais
como gravações e até ensaios – uma maior ênfase, portanto, na realização de shows e na
disponibilização de infra-estrutura para que as bandas locais possam ensaiar, tocar e gravar.
Em 2013, o Estúdio Noise Terror quase fechou as portas, devido a um roubo. Além do
dinheiro que estava no caixa, foram levados um computador, que continha os registros da casa
64
65
Ao mesmo tempo que a Red Star lançou discos de bandas estrangeiras, em especial da banda alemã Rasta
Knast, o Agrotóxico tem também um selo na Alemanha, a Dirty Faces Schallplatten (lá, inclusive, todos os
discos da banda foram lançados tanto em CD quanto em vinil).
Apenas para citar algumas bandas que já lançaram material pela Red Star: Ação Direta (banda de hardcore
de São Bernardo do Campo), Cavalera Conspiracy (banda dos irmãos Cavaleira, ex Sepultura), Cólera, Dead
Fish (banda de hardcore melódico de Vitória, Espirito Santo), Olho Seco e Ratos de Porão.
56
(incluindo quem lhes devia dinheiro, e quanto) e uma câmera, com seis meses de registros de
bandas punks, entre apresentações e entrevistas. Segundo os administradores da casa, era uma
segunda à noite, “dia de ensaio”, e os ladrões eram – ou se diziam – punks. Mas, a partir de
doações e, principalmente, do empenho do pessoal diretamente envolvido com a casa, ela
pôde manter-se em atividade. Isso sem dúvida nenhuma é um acontecimento relevante na
cena musical punk em São Paulo, considerando que o Estúdio Noise Terror é uma das poucas
casas propriamente punks que permanece em atividade – outras tantas foram fechadas, ou
“vendidas”66.
De fato, se nos voltarmos às letras das bandas ligadas à Rebel Music – o Phobia e, em
especial, o Juventude Maldita, banda em que Demente, do Phobia, toca guitarra e canta –, elas
sugerem uma maior aproximação com o rolê punk “nas ruas”67, tanto por suas temáticas
quanto pela linguagem com que eles as expõem. Apenas a título de exemplo:
Duas letras do Phobia, contidas no primeiro álbum da banda, Ousar Lutar, Ousar
Vencer68:
“Me dá, Me dá, Me dá! Me dá um nazista para eu socar!/ Me dá um nazista que eu vou
quebrar, vou dar coturnadas depois vou matar!/ Chutar, socar, quebrar, pisar na cabeça e os
ossos esmagar!/ Chutar, socar, quebrar, pisar na cabeça e os ossos esmagar!/ Ele é, ele é, ele é
um racista maldito que não sabe pensar!/ É um ignorante sem inteligência, e pra cor da pele
ele tem que apelar!/ Chutar, socar, quebrar, pisar na cabeça e os ossos esmagar! Chutar,
socar, quebrar, pisar na cabeça e os ossos esmagar!/ Não dá pra conversar com esse imbecil,
com esse idiota!/ Um cara desses não tem jeito! A gente tem mais é que surrar!/ Chutar,
socar, quebrar, pisar na cabeça e os ossos esmagar!/ Chutar, socar, quebrar, pisar na cabeça e
os ossos esmagar!”
[Letra da canção Bife do nazi, a sexta faixa do álbum69]
66
67
68
69
Lembro-me em especial de três delas: O Hangar 110, que ainda existe e ocasionalmente abriga shows punks,
mas não é mais uma “casa punk” porque foi vendido para a rádio 89 FM; O Black Jack Bar e o Germinal,
ambos fechados.
Exemplo dessa íntima relação com a cena punk “nas ruas” é o lançamento, pela Rebel Music em parceria
com a Corsário Records, selo ligado à banda Excomungados, do álbum coletânea em homenagem a Johni
Raoni Falcão Galanciak, o punk morto a facadas por nazistas em 2011. Além do Juventude Maldita e do
Phobia, que não lançava músicas novas já a um tempo (para a coletânea, lançaram uma canção inédita), o
Excomungados também participa do disco, que conta com a participação dezessete de bandas de todo o
estado de São Paulo.
A inspiração para o nome do álbum vêm da famosa frase de Carlos Lamarca. A sétima faixa do disco,
inclusive, é uma citação da carta que Lamarca deixou para seus filhos antes de partir para a guerrilha.
A melodia da canção é inspirada em um antigo e famoso jingle, do Danoninho. Disponível em
[https://www.youtube.com/watch?v=NSjIM2pnCbQ]. Acesso 30/05/2015.
57
Capa do primeiro àlbum da banda
Agrotóxico, "Caos 1998".
A banda Agrotóxico, se apresentando na Alemanha, em
2009.
Capa do primeiro álbum da banda
Phobia, "Ousar lutar, ousar vencer".
A banda Phobia, se apresentando no festival
"30 anos de punk", em Santo André, no ano
de 2007.
58
“O sistema não é pra você, O sistema vai te fuder!/ O sistema não é pra você, O sistema vai te
fuder!/ O sistema não é pra você, O sistema vai te fuder!/Andando pela noite vivo a observar/
Procurando algo sem nunca encontrar/ Sem escapatória não nego meus princípios/ Nessa
vida só me resta lutar/ Sou um anarquista, um livre pensador/ Dedico minha vida a nos
libertar/ Com o totalitarismo devemos liquidar/ E com os governantes vamos acabar!
(Porque)/ Eu sou Punk, não há como negar, pelo meu ideal eu irei lutar!/ Eu sou Punk, não
há como negar, pelo meu ideal eu irei lutar!/ Ando pelas ruas sozinho a enxergar/ Um país
sem futuro e um mundo desigual/ Quero ver um mundo mais justo/ Sem uma elite para nos
dominar/ Mas eu tenho medo da sua ignorância/ Eles nós odeiam, querem nós matar/ Acham
que conosco vão acabar/ Enquanto eu viver vou anarquizar! (Porque)/ Eu sou Punk, não há
como negar, pelo meu ideal eu irei lutar!/ Eu sou Punk, não há como negar, pelo meu ideal eu
irei lutar!/ Eu não acredito na falsa democracia/ Eu não acredito na hierarquia/ Vivendo
num mundo de mentiras/ Eu acredito na anarquia/ Ordem e progresso é coisa de fascista/ Eu
quero liberdade, igualdade e justiça!/ Ordem e progresso é coisa de fascista/ Eu quero
liberdade, igualdade e justiça!”
[Letra da canção Eu sou punk, a terceira faixa do álbum70]
E três letras de canções do Juventude Maldita:
“Você me fala em união, e quando eu viro as costas, há mais um corpo caído no chão/ Sempre
contra mim, nunca ao meu lado, fecha os olhos e cerra o punho, você é mais um bastardo!/ É
essa a sua união?!/ Mais um corpo caído no chão!”
[Letra da canção União, contida no álbum Germinal71]
“Você diz que nunca quis saber, que não quer se envolver nem se comprometer/ Que seu rolê
é só o visual, é só curtir um som, brigar com o pessoal/ Sua omissão é covardia! Sua apatia é
covardia! Seu rolê é covardia! Sua omissão!/ Você diz ´política pra quê?´, que não quer
entender assunto tão sacal/ Não passa de um puta de um playboy cuzão otário pagando de
mau-mau/ Sua omissão é covardia! Sua apatia é covardia! Seu rolê é covardia! Sua omissão!”
[Letra da canção Omissão é covardia, do split Quem de medo corre de medo morre, em
parceria com a banda Final Fight72]
“Diz que é punk mas é um pilantra/ É muito macho no meio da banca/ Se fica sozinho se
borra de medo, acho que seu problema é que tem um pau pequeno!/ Pequeno! Acho que seu
problema é pequeno!/ Pequeno! Acho que seu problema é pequeno!/ Diz que é punk mas é
um pilantra/ É muito macho no meio da banca/ Não vê que o inimigo está à espreita, dando
risada de todas suas tretas/ Pequeno! Acho que seu problema é pequeno!/ Pequeno! Acho que
seu problema é pequeno!/”
[Letra da canção Pau pequeno, também do split Quem de medo corre de medo morre73]
70
71
72
73
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=r9mwpUYvfCc]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=_GTrBg4nFWI]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=WTdjISuUOaY]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=y2DxPtMVz4Y]. Acesso 30/05/2015.
59
Alguns elementos interessantes podem ser discutidos a partir da forma como figuram nas
letras citadas. Em relação às duas primeiras, podemos ver, em uma, a demarcação de uma
oposição franca e radical frente aos nazistas (embora a linguagem explicitamente violenta
seja, segundo os próprios integrantes da banda, mais satírica do que expressiva de um
sentimento e de uma intensão real), e na outra, uma afirmação categórica da identidade punk.
Já nas três músicas seguintes, que foram gravadas e lançadas já em um período posterior – O
disco do Phobia foi lançado no final de 1999, e os discos do Juventude Maldita já são datados
de meados dos anos 2000 –, nota-se um curioso deslocamento: De uma afirmação da
identidade punk para um discurso de cunho reflexivo em relação a essa identidade. Apesar de
as letras, em franco tom de ataque, fazerem menção a comportamentos que não seriam
toleráveis no rolê punk, podemos extrair alguns elementos no sentido contrário – quais
comportamentos são não apenas aceitáveis como de certa forma pressupostos de uma
identidade punk. Estes seriam: a união sincera, a atuação política ativa e a luta contra o “real
inimigo”, o sistema.
Em relação ao Agrotóxico, a “banda fundadora” da Red Star, o deslocamento
verificado nas temáticas e no tom de suas letras se deu em sentido diverso: Das temáticas
referentes à realidade mais local – a vivência nos bairros de periferia, a violência, o crime:
“Obter respeito através de armamento/ Crianças se drogando, outros enriquecendo/
Traficantes doentes pela ambição/ Reinam nas favelas, Mundo cão/ Levantar dinheiro
praticando roubo/ Ser preso, ser solto através de suborno/ A vida do crime então se torna
difícil/ Matar pra não morrer pode virar um vício/ Observamos agora a humanidade/
Caminhando ao caos, a perdição e a maldade/ Pessoas se matam em busca do mundo dos
sonhos/ Dinheiro, poder, costumes medonhos/ Crime nas ruas! Armas nas mãos/ Brigas,
violência, prostituição/ Roleta russa, jogar com a sorte/ Assinando calado a sentença de
morte/ A força nos leva a ser respeitados/ Mas o que começa acaba, é bom tomar cuidado/ Às
vezes penso se tudo isso vale a pena/ Mas só os fortes sobrevivem, esse é o meu lema”
[Letra da canção Caminhando ao caos, a primeira faixa do primeiro álbum da banda, Caos
199874]
A questões mais globais:
74
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=Z5zoqJM5W9o]. Acesso 30/05/2015.
60
“G7 se encontra pra decidir tudo/ Os donos do poder, pra conquistar o mundo/ Jovens
massacrados em manifestações/ Os sete mais ricos dividem milhões/ Milhões de vítimas,
milhões de dólares/ Milhões de vidas, milhões de pobres/ Decisões unilaterais, embargos
políticos/ Devastação ecológica, bloqueio econômico/ Atitudes escusas fazem seu destino/ Os
pobres mais pobres, e os ricos mais ricos/ Milhões de vitimas, milhões de dólares/ Milhões de
vidas, milhões de pobres/ E agora você? O que vai fazer?/ Pra resistir? Pra não morrer?”
[Letra da canção G7, a primeira faixa do álbum Estado de guerra civil, de 200175]
“Vítimas inocentes/ De uma morte anunciada/ A África está doente/ E o mundo não faz nada/
Séculos de exploração/ Evolução interrompida/ Terror, escravização/ Colonização maldita/
Vejo expressões de dor, ouço gritos de horror/ Crianças subnutridas/ Aids, contaminação/
Não há água nem comida/ Só peste, degradação/ Vejo expressões de dor, ouço gritos de
horror/ Guerras e lutas tribais/ Massacres, genocídios/ Governos ditatoriais/ Golpes de
Estado, homicídios/ Vejo expressões de dor, ouço gritos de horror”
[Letra da canção África, a segunda faixa do álbum Libertação, de 200776]
“Declínio irreversível, em decadência cultural/ Sobre a bandeira da razão/ Colapso
econômico, capitalismo racional/ A morte em vida do ser/ Recrutamento escravo,
compulsório, ilegal/ Inércia, rotina e tradição/ Desemprego em massa, desastre social/ E
ainda há muito pra ver/ A consciência em declínio brutal/ Neoliberalismo em ataque frontal/
Pobreza, apatia, ansiedade, poder/ Barbárie em especulação/ Pacifismo monetário em guerra
social/ Instabilidade moral”
[Letra da canção Neoliberalismo em ataque frontal, a quarta faixa do álbum XX, de 201377]
Já o Flicts, banda de punk rock que se tornou uma espécie de “irmã” do Agrotóxico (ambas
possuem dois membros em comum, Jefferson e Artur) 78, aborda em suas letras, além dos
temas mais tradicionais de bandas punks – críticas ao capitalismo, à polícia, exaltação do
anarquismo, da liberdade, do trabalhador –, outras temáticas e outras perspectivas não usuais:
75
76
77
78
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=cU8CcltJ9b8]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=EUpEjViQdPk]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=vYwNoJXhudU]. Acesso 30/05/2015.
O começo do Flicts está bastante ligado à Rebel Music. O Baterista do Flicts, Rafael, chegou a tocar também
no Juventude Maldita, banda de Demente. O Flicts inclusive chegou a participar de uma coletânea (Punk
Rock: Distorção e resistência) lançada pela Rebel Music, junto com Juventude Maldita e Phobia, entre
outras bandas. Foi o primeiro material lançado da banda.
61
“Domingo, chegou o grande dia!/ Meu time nas finais. Uma tarde de alegria/ No boteco com
os camaradas/ A cerveja lidera a invasão da arquibancada!/ Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!
Olê!/ Nossa torcida cumpre seu papel/ Cantamos e cantamos nosso time lá no céu/ A defesa é
como uma muralha/ Nosso ataque corta como uma navalha!/ Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!
Olê!/ O jogo segue empatado/ O adversário luta e por isso é respeitado/ Então um pênalti é
marcado/ Vamos ao deliro, chacoalhamos o estádio!/ Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!/ A
tensão congela nossas almas/ E o nosso atacante corre para a bola/ O nervosismo estampado
nos seus olhos/ O chute muito alto e a bola vai pra fora!/ Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!/
O empate não é nosso resultado/ Um pênalti perdido, lá se vai o campeonato!/ A raiva nos
toma o coração/ Queremos quebrar tudo, mas beber é a opção! Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!
Olê!Olê!/ Cantando, vamos para o bar/ Lembrar as nossas glórias, a mágoa afogar/ Apesar
da alegria, ninguém pode esquecer/ Que o maldito campeonato acabamos de perder!/Olê!
Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!Olê!/Olê!Olê!Olê!Olê!(Filha da puta!)Olê!Olê!Olê!Olê! (Filha da
puta!)”
[Letra da canção Lá se vai o campeonato, do álbum Canções de batalha79]
“Uma pergunta, uma questão/ O que é que você traz em seu coração?/ Quem é que está logo
atrás de você/ Quando o desespero vem em sua direção?/ Quem é quem senta do outro lado
da mesa/ Enchendo a lata, acompanhado você?/ Quando o cansaço te golpeia na cara/ Quem
são os caras que estão lá pra te erguer?/ Quem são os caras que também mostram a cara/
Quando o tapa era só pra você?/ Quem são os caras que seguram sua barra/ Sem querer
saber o que vai acontecer?/ Quem é que senta do outro lado da mesa/ Enchendo a lata,
acompanhado você?/ Quando o cansaço te golpeia na cara/ Quem são os caras que estão lá
pra te erguer?/ Amigos, amigos, amigos!”
[Letra da canção Amigos, do mesmo álbum80]
Mesmo estando também inserido na rede da Red Star, que com o passar dos anos tendeu a se
expandir para mercados internacionais, o Flicts não mudou sua estética sonora, suas temáticas
ou sua abordagem de forma substancial – até talvez por ser uma banda ligada a uma proposta
estética alinhada ao “punk rock 77”, estilo que apresenta uma sonoridade mais definida,
homogênea e cristalizada. No último álbum da banda, no entanto, algumas letras trazem temas
que parecem emergir do próprio contexto político e social brasileiro contemporâneo. Como a
ascensão de discursos ligados à direita:
79
80
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=AhtloJ9a8xE]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=pg5fWwVBGKE]. Acesso 30/05/2015.
62
“Foda-se a bandeira do estado de São Paulo/ Foda-se a bandeira e o hino nacional/ Fascismo
enrustido sob as cores do estandarte/ Velando o ódio ao livre amar e a diversidade/ A defesa
imbecil da tal origem e tradição/ Mal disfarça o medo, a insegurança e a desrazão/ O orgulho
paulista acoberta, na verdade/ O racista, o recalcado, o frustrado e o covarde/ ANTIFA!
ANTIFA!/ Desmascarar o fascio/ Desmascarar o fascista que é você!/ Desmascarar o fascio/
Desmascarar o fascista que é você!”
[Letra da canção Desmascaras sua bandeira, a primeira faixa do álbum81]
E uma espécie de “autocrítica” em relação às mobilizações populares:
“Há décadas falamos em revolução/ Em resistência e luta, luta e união/ Não há ninguém
conosco, ninguém está ao lado/ Não sabemos estender a mão, solitários a lutar em vão/
Manter a chama viva, celebrar cada batalha vencida/ Ganhar as ruas de novo e inflamar o
povo/ E o povo, onde está? E o povo, onde está? Não sabemos ser ouvidos e esperamos ser
seguidos!/ E o povo, onde está? E o povo onde está? E o povo onde está? Não sabemos
estender a mão e aguardamos a revolução!/ Avançar ignorando o cidadão comum/ Avançar
sem direção rumo a lugar nenhum/ E então tudo se revela, tragédia, farsa, a mesma história/
Não sabemos assumir os erros e sonhamos com triunfo e glória/ A chama que se apaga,
reconhecer cada batalha perdida/ Perder as ruas de novo, ignorados pelo povo/ E o povo,
onde está? E o povo, onde está? Não sabemos ser ouvidos e esperamos ser seguidos!/ E o
povo, onde está? E o povo onde está? E o povo onde está? Não sabemos estender a mão e
aguardamos a revolução!”
[Letra da canção E o povo, onde está?, a quinta faixa do álbum82]
Em relação ao deslocamento estético-discursivo verificado nas canções do Agrotóxico, os
membros da banda não discordam em afirmar que, em grande medida, ela se deve ao maior
contato com a cena punk européia, que foi viabilizado graças à realização de turnês 83. Curioso
o fato de que o Juventude Maldita, que também chegou a fazer uma turnê pelo velho
continente, não enfrentou tal processo. Sobre a forma com a qual os membros do Juventude
Maldita lidaram com essa ida à Europa, é bastante significativa uma resposta de Demente,
quanto questionado por um entrevistador sobre o que seria necessário para uma banda punk
underground do Brasil fazer uma turnê européia.
81
82
83
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=ky4ZILMBjls]. Acesso 30/05/2015.
Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=Jfvnv0rDBNc]. Acesso 30/05/2015. Embora o disco
Singelos confrontos tenha sido lançado em 2013, ele foi gravado antes das chamadas “jornadas de julho”.
Curioso como ambas as letras, compostas poucos meses antes, ganhariam ainda mais sentido depois da
grande onda de manifestações que tomou o país naquele mesmo ano.
Como já dito na primeira parte do texto, processo semelhante aconteceu com o Cólera, depois de sua
passagem pela Europa em 1987. O Agrotóxico fez cinco turnês europeias (nos anos de 2002, 2004, 2007,
2009 e 2014), e, antes disso, em 1999, Jeferson, Marcos e André, membros do Agrotóxico, fizeram uma
excursão pelo velho continente com o Olho Seco (André saiu do Agrotóxico em 2002, entrando em seu lugar
Pedro, que segue na banda até hoje).
63
“[Precisa de] coragem, história, atitude, organização, disposição e também grana pra bancar
a tour e as passagens, porque é um risco, não existem garantias. No nosso caso foi muito
bom, apesar de serem relativamente poucos shows, mas tô ligado em bandas que tiveram que
investir muita nota nas primeiras tours até a coisa dar certo e hoje em dia vira e mexe tão lá.
Também gostaria de dizer que o fato de uma banda ir ou não tocar na Europa não faz dela
melhor que as outras que não foram. Na verdade eu descobri que isso é muito mais um golpe
de marketing do que a realidade, pois muita gente já se ligou que infelizmente brasileiro só
dá moral pra uma banda quando os gringos dizem amém, e aí usa disso pra alavancar a
carreira da banda. Apenas uma observação, espero que ninguém se ofenda.”84
Uma possível alusão ácida ao Agrotóxico, que pode indicar um distanciamento não apenas
entre as redes que giram em torno das bandas e dos selos, mas também um distanciamento de
posturas. Essa diferença se expressa, por exemplo, na forma como os membros de cada
banda/rede analisam as cenas punks de países do “primeiro mundo”, comparando-as com a
paulista. Para Arthur, guitarrista do Flicts e do Agrotóxico,
“Geralmente o que se percebe de diferença entre os punks daqui e de lá é que lá a média de
idade é bem mais velha, cara.”
Para Marcos, também guitarrista do Agrotóxico,
“Ele não entra no negócio de cabeça, fica dois, três anos e cansa, que nem aqui. De uma
forma geral é meio isso que acontece, assim, a gente já viu nosso público, assim, mudar
diversas vezes, tá ligado? Lógico que tem os maloqueiro que tão aí na caminhada desde
sempre (…). E isso se reflete nos shows, você vai trocar ideia com os caras, às vezes você vê
que o cara tá perdido, não sabe o que tá fazendo lá, o cara confunde ser punk com ser
ganguista, com dar tiro nos outros, tá ligado? (…) E é um negócio que lá fora é diferente, o
cara pode ser um puta tranqueira, um puta bêbado, meu, se o cara vai trocar uma ideia ali
você vê que o cara sabe do que ele tá falando, tá ligado?”
E Jefferson, baixista do Agrotóxico e do Flicts, complementa:
“Porque o muleque vai pra boas escolas antes de ser punk, o muleque vai pra estudar a
história do mundo, o muleque vai pra bons museus, o muleque tem boa formação, e depois
ele vira punk. Entendeu? Então isso tudo influencia na forma dele depois desenvolver as
atividades dele dentro da cena. Então, o moleque escreve melhor, tem uma visão perceptiva
melhor do mundo, consegue fazer letras que tenham um engajamento maior, que sejam mais
complexas em termos de ideias políticas, que vá mais próximo do mundo real.”85
84
85
Depoimento contido em entrevista publicada pelo blog ZP, em 31/01/2012. Disponível em
[http://zp.blog.br/?m=interviews&id=240]. Acesso 05/03/2015.
Todos os depoimentos dos integrantes do Agrotóxico foram retirados do documentário Pelos escombros. O
filme, que narra a trajetória da banda, foi lançado pela Red Star em parceria com uma produtora de filmes, a
Treze Produções, em 2009. O sinal (…) indica cortes de edição durante as falas.
64
A opinião de Demente, guitarrista do Juventude Maldita e do Phobia, é um pouco diferente.
“Acho o punk da América Latina muito marcado por ter surgido em uma época de ditaduras
e falta de liberdades civis e isso se reflete até hoje nas letras, postura e ideologia. Não posso
falar com muita propriedade das cenas de outros países que não vivenciei de perto, mas
tenho a impressão que nos EUA, o punk é mais um comportamento social que uma postura
política, como é aqui. Acho que a principal diferença, é que num país violento de terceiro
mundo, quem está envolvido com o movimento punk tem muita garra e vontade de fazer
acontecer, de mudar. É uma galera que levanta a bandeira mesmo, não é só curtir um som e
um visual. Aqui a barra é pesada: a polícia bate, os fascistas estão à solta fazendo merda, não
tem squats, não tem seguro desemprego, é outra realidade. Ser punk no Brasil não é pra
qualquer um não. Quanto ao fato de vivermos em um país subdesenvolvido, isso obviamente
se reflete em todas as classes de pessoas, inclusive dentro do movimento punk. Um dos
reflexos disso, na minha opinião, é o alto índice de atraso e violência que os movimento punk
e afins atravessam há anos, a ignorância generalizada e a preguiça mental institucionalizada
também têm seus reflexos no underground.”86
Enquanto os membros do Agrotóxico enfatizam elementos relacionados a um incremento – de
experiências, intelectual, cultural, estético-discursivo – como fatores importantes no
desenvolvimento da atuação de um indivíduo na cena punk, Demente, membro do Juventude
Maldita, ressalta a “vontade de fazer acontecer” e a constante luta perante as iminentes
adversidades como elementos centrais que conferem conotações propriamente políticas à
atuação punk. De um lado, enfatiza-se o aspecto prático, e do outro, a fundamentação
ideológica e discursiva que lhe dá respaldo e sustentação.
A partir desses fragmentos, de letras de músicas e de depoimentos, que remetem a
impressões e opiniões subjetivas acerca da própria concepção que se têm da identidade e da
atuação punk, podemos acessar certas características peculiares dessa constituição de
disjunções e segmentalidades no interior da cena musical punk em São Paulo. Se, no discurso
expresso pelas bandas punks, e pelos punks de modo geral, recorrentemente se faz referência
a oposições de caráter binário – o povo contra o sistema, o trabalhador contra a burguesia, o
underground contra a música comercial – no interior das cenas que se constituem em torno do
punk, incluindo a cena musical punk, constituem-se segmentalidades que escapam do
binarismo, que se constituem não a priori mas em performance. Aqui, retomo as reflexões
propostas por Deleuze e Guatarri (1996) acerca da constituição de segmentalidades em
sociedades humanas. Os autores apontam duas lógicas distintas segundo as quais as
segmentalidades se constituem: Uma mais dual, mais dura, mais macropolítica, e outra, mais
circular, mais flexível e micropolítica. Importante ressaltar que a distinção entre essas duas
86
Depoimento extraído da mesma entrevista publicada no blog ZP.
65
lógicas é qualitativa, e não em termos de dimensões (a lógica micropolítica é tão extensível
quanto a macropolítica, senão mais). Ainda que os autores associem esta primeira lógica à
própria figura do Estado moderno, agente/aparelho operador e refrator de sobrecodificações,
sobreterritorializações, centralidades e binaridades, não se pode dizer que esta lógica se
sobrepôs à outra, nem que a persistência da outra lógica seja um “traço primitivo” do qual nós
modernos não conseguimos nos libertar. Essas duas lógicas distintas seriam, isto sim,
codependentes uma da outra e simultâneas uma à outra. Se, em um nível macropolítico, as
bandas punks defendem discursos mais ou menos alinhados às ideias anarquistas, compondo
um grupo aparentemente homogêneo (uma cena de bandas punks), em um nível micropolítico
revelam-se discordâncias em relação ao sentido que se atribui a esse discurso e à própria
atuação na cena – ou, melhor, às próprias cenas que se constituem a partir e em torno da
atuação de cada uma delas.
Em comparação com a cena punk “nas ruas”, a cena de bandas punks compõe uma
unidade mais homogênea. A começar pelo fato de que aqui se compartilha de um mesmo
plano de atuação, o da expressão musical underground, onde o discurso mais alinhado ao
anarquismo é relativamente hegemônico – e é por isso que, nesse caso, eu não trabalho com a
noção de guerra. Mas, mesmo nessa aparente unidade, constituem-se segmentalidades
internas, que expressam as diferenças envolvidas na própria forma de se conceber e de
performar a atuação das bandas punks enquanto agentes políticos. Até mesmo a proximidade
ou o afastamento em relação à cena punk “nas ruas” figura como elemento gerador de
segmentalidades.
Conclusão
“Para começar, vou dizer o que acho que o punk não é: ele não é uma moda, um certo estilo
de se vestir; uma fase passageira de falsa rebeldia contra seus pais; a última moda irada ou
mesmo uma forma específica de estilo ou música, de fato. É uma ideia, que conduz e motiva
sua vida. A comunidade punk que existe o faz para apoiar e conscientizar essa ideia através
da música, da arte, de fanzines e outras formas de expressão de criatividade pessoal. E o que
é essa ideia? Pense por si mesmo, seja você mesmo, não aceite o que a sociedade lhe oferece,
crie suas próprias regras, viva sua própria vida” (O´HARA, 2005, pp. 40-1).
Para concluir as reflexões aqui propostas de maneira inicial e introdutória, alguns comentários
finais. Quando decidi fazer minha monografia de conclusão de curso em Ciências Sociais
sobre a cena punk em São Paulo, eu estabeleci para mim um desafio: O de tirar, de uma
66
experiência minha do passado, algo de novo à tona, algo que na época havia me passado
desapercebido. Para isso eu sabia que não devia olhar para o punk com o mesmo olhar de
quando eu era um. Enorme desafio: Se, enquanto punk, eu tive e ainda hoje tenho minhas
próprias impressões e opiniões acerca do que é – ou do que deveria ser – a identidade punk,
na posição de analista tal pretensão normativa se mostrava perigosa. Era preciso enxergar
discurso ali, onde antes se via nada além de contraste. Esse esforço de tentativa de traduzir
estéticas e posturas conflitantes em discursos em dissenso, de fato, me permitiu uma
compreensão maior acerca da multiplicidade de planos em que as diferenças se constituem e
se expressam. A emergência e a genealogia dessas cisões e disjunções estético-discursivas
indicam articulações inusitadas entre as noções de política, estética e violência, sem contudo
se restringir a qualquer um desses planos em particular. Isso porque a multiplicidade de
posições em torno desses conflitos varia na mesma medida que a distinção de olhares e de
focos neles envolvidos.
Com relação ao esforço de me desfazer de minha perspectiva anterior, ele acabou não
indo adiante. Ao invés disso, eu procurei estabelecer novamente uma tensão, entre o olhar
perspectivado de um punk e o olhar “à distância” de um cientista social. E dessa forma,
busquei primeiro discorrer sobre a constituição de uma cena punk em São Paulo e sobre as
dinâmicas, as sociabilidades e os conflitos que emergem nesse contexto, para depois analisar a
configuração que essas cisões constituídas ao longo dos anos assumem nos tempos mais
atuais. De um lado, uma tentativa de contribuição para uma historiografia de representações e
de apropriações do urbano, e de outro, uma busca por similaridades e correlações existentes
em outros contextos, no esforço de melhor compreender certos movimentos contemporâneos
inscritos na cena urbana em São Paulo.
No momento da redação do projeto dessa pesquisa, eu tinha em mente traçar uma
análise sobre as múltiplas articulações entre política e violência, a partir da percepção de que
essas categorias, e a forma como eles se articulam em performance e em discurso, constituem
elementos centrais da construção de disjunções e alteridades de cunho identitário no interior
da cena punk. Conforme o andamento da pesquisa, pude perceber a centralidade da noção de
estética nesse processo. Entendendo a estética como um campo, através do qual evidenciamse discursos, e portanto, articulações discursivas entre política e violência, podemos situá-la
enquanto campo e/ou elemento discursivo que promove uma intermediação e até mesmo uma
interssecção entre essas duas categorias. É através da estética que a violência pode se tornar
67
expressão de contestação, e que a política pode constituir-se enquanto terreno de conflitos.
A partir dessas reflexões acerca das múltiplas interações e interconexões entre esses
três elementos na cena punk em São Paulo, é possível, de alguma forma, elucidar certos
aspectos acerca da forma como essas categorias se articulam em outros contextos urbanos. Se,
para grande parte dos estudos que se debruçaram sobre as temáticas da política e da violência,
essas duas noções figuram como opostas e mutuamente excludentes, mais recentemente
algumas pesquisas têm trabalhado com uma outra perspectiva, menos focada nos limites entre
uma e outra, e mais concentrada nas articulações entre ambas. Essa tendência tem dado bons
frutos no campo da sociologia e da antropologia urbana, produzindo pesquisas que se valem
da etnografia enquanto método, e da estética enquanto material privilegiado de análise. A
partir desse novo olhar acerca do contexto urbano, novas questões emergem, e o debate se
expande para uma nova direção, se diversifica, e sobretudo, se torna mais atento ao que dizem
nossos “objetos de estudos” – ou, melhor dizendo, nossos interlocutores. E é nesta nova
perspectiva que essa pesquisa procurou se situar.
68
Bibliografia

ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São
Paulo: Scrittá, 1994.

ADORNO, Sérgio. Crime e violência na sociedade brasileira contemporânea. Jornal
de Psicologia-PSI, n. Abril/Junho. pp. 7-8. 2002.

ADORNO, Theodor. A indústria cultural – o iluminismo como mistificação das
massas. In: Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: O rock e o Brasil dos anos 80. Porto Alegre:
Arquipélago Editorial, 2013.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:
BENJAMIN, Walter, Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre literatura e
história da cultura. 7.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BERTELLI, Giordano. Errâncias racionais: A periferia, o RAP e a política.
Sociologias. Porto Alegre. n. 31. pp. 214-237. 2012.

BIVAR, Antônio. O que é punk. São Paulo: Brasiliense, 2001.

CAIAFA, Janice. Movimento punk na cidade – a invasão dos bandos sub. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989.

CALDEIRA, Teresa. A política dos outros: o cotidiano dos moradores da periferia e o
que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984.

.Cidade dos muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo: Edusp/Editora 34, 2000.

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o estado. In: CLASTRES, Pierre. Sociedade
contra o Estado. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

.Arqueologia da violência: A guerra nas sociedades primitivas.
In: CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência: Pesquisas de antropologia política.
São Paulo: Cosac Naify, 2004.

COSTA, Marcia Regina da. Os “carecas do subúrbio”: caminhos de um nomadismo
moderno. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1993.

DAGNINO, Evelina. ¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos
falando?. In: MATO, Daniel (coord.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en
tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, 2004.
69

DELEUZE, Gilles. GUATARRI, Félix. 1933 – Micropolítica e segmentalidade. In:
DELEUZE, Gilles. GUATARRI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e esquizofrenia,
Volume 3. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.

ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70. 1970.

ESSINGER, Silvio. Punk: Anarquia planetária e a cena brasileira. São Paulo: Editora
34, 1999.

EVANS-PRITCHARD. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva, 1993.

FELTRAN, Gabriel De Santis. Vinte anos depois: a construção democrática vista da
periferia de São Paulo. Lua Nova. São Paulo. n.72. pp. 83-114. 2007.

. Margens da política, fronteiras da violência: uma
ação coletiva das periferias de São Paulo. Lua Nova. São Paulo. n. 79. pp. 201-233.
2010.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (19751976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.

. Os anormais: Curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo:
Martins Fontes, 2001.

GALLO, Ivone. Por uma historiografia do punk. Projeto História. São Paulo. n. 41.
pp. 283-314. 2010.

. Punk: cultura e arte. Varia Historia. Belo Horizonte. Vol. 24. n. 40.
p.747-770. 2008.

GESSA, Marília. Por uma poética do RAP. Língua, literatura e ensino. Vol. 2. pp. 167173. 2007.

GIDDENS, Anthony. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: GIDDENS,
Anthony. BECK, Ulrich. LASH, Scott. Modernização reflexiva. São Paulo: Editora
Unesp, 1997.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Editora
Vozes, 1985.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1982.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 2005.

HALL, Stuart. JEFFERSON, Tony (eds.). Resistence through rituals: Youth
Subcultures in Post War Britain. London: Routledge, 1993.
70

HEBDIGE, Dick. Subculture – The meaning of a style. London: Routledge, 2002.

KEMP, Kênia. Grupos de estilo jovens: O “rock underground” e as práticas (contra)
culturais dos grupos “punk” e “trash” em São Paulo. Dissertação de mestrado em
Antropologia, Unicamp (Campinas-SP): IFCH, 1993.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia
urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 17. n. 49. pp. 11-29. 2002.

MCNEIL, Legs. MCCAIN, Gillian. Mate-me por favor – volume 1. Porto Alegre:
L&PM, 2011a.

.Mate-me por favor – volume 2. Porto Alegre: L&PM,
2011b.

MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: Aspectos de uma contribuição
analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova. São Paulo. n. 79. pp. 15-38. 2010.

O´HARA, Craig. A filosofia do punk: Mais do que barulho. São Paulo: Radical livros,
2005.

OLIVEIRA, Vantiê Clínio Carvalho de. O movmento Anarco-Punk: a identidade e a
autonomia nas produções e nas vivências de uma tribo urbana juvenil. Natal: Editor
Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira, 2008.

ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural.
São Paulo: Brasiliense, 1988.

PAOLI, Maria Célia. Movimentos sociais no Brasil: em busca de um estatuto político.
In: HELLMANN, Michaela (org). Movimentos sociais e democracia no Brasil. São
Paulo: Marco Zero/Ildesfes, 1995.

PEDROSO, Helenrose Aparecida da Silva. SOUZA, Héder Cláudio Augusto. Absurdo
de realidade: O movimento punk. Cadernos do IFCH-UNICAMP. Campinas. n.6.
1983.

PINHEIRO, Paulo Sérgio. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas
democracias. Tempo Social; Rev. Sociol. USP. São Paulo. Vol. 9. n.1. pp. 43-52. 1997.

RANCIERE, Jacques. A partilha do sensível: Estética e política. São Paulo: Editora
34, 2005.

. O dissenso. In: NOVAES, Adauto (org). A crise da razão. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos
71
trabalhadores na grande São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 1988.

SILVA, José Douglas dos Santos. Políticas de quebrada e políticas estatais referentes
aos homicídios em Luzia, São Paulo. Dissertação de Mestrado em Sociologia. UFSCar
(São Carlos-SP): CECH, 2014.

THOMPSON, Edward P. A Formação da Classe Operária Inglesa: “A árvore da
liberdade", vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

WIEVIORKA, Michel. O novo paradigma da violência. Tempo Social. São Paulo. v.9.
n. 1. pp. 5-41. 1997.

ZALUAR, Alba. Democratização inacabada: Fracasso da segurança pública.
Estudos Avançados. São Paulo. Vol. 21. n. 61. pp. 31-49. 2007.
72

Documentos relacionados