Baixar - NEPPOS - Universidade de Brasília

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Baixar - NEPPOS - Universidade de Brasília
ISSN 1984-6223
POLITIZANDO
Ano 1 - 1ª ed. abril de 2009
Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS/CEAM/UnB)
POLÍTICAS SOCIAIS:
FOCALIZAÇÃO X UNIVERSALIZAÇÃO
Entrevista com a Profª. Potyara A. P. Pereira
E MAIS:
Vicente Faleiros Alternativas ao NeoliberalismoiEspaço do Aluno resumos de
Teses, Dissertações e Trabalhos de Conclusão de Curso defendidos recentementei
Bibliografias ComentadasiEventosiSugestão de Filmes
POLITIZANDO
TOME NOTA!
EDITORIAL
O informativo Politizando,
Politizando do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Política Social (NEPPOS), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da Universidade de Brasília, visa, como o seu próprio
nome sugere, veicular idéias, conhecimentos e informações politicamente posicionados.
Isso quer dizer que o propósito central do projeto que deu vida a
este veículo de comunicação é o de articular e difundir pensamentos e ações comprometidos com a crítica da realidade contemporânea caracterizada por uma profunda desigualdade social.
Condenar essa desigualdade, cuja face mais cruel e inadmissível é
a pobreza absoluta, à qual estão submetidos cerca de um bilhão de
pessoas em todo o planeta, é um dever de cidadania urgente e necessário. Mas essa condenação não poderá estar desfalcada da
análise das determinações estruturais e das escolhas políticas que
forjam e perpetuam, no atual regime de acumulação capitalista, a
distribuição socialmente injusta de custos e oportunidades.
É com esse intento que tanto o texto do professor Vicente Faleiros
sobre o neoliberalismo, como a entrevista com a professora Potyara
Pereira sobre a disjuntiva focalização versus universalidade no campo das políticas sociais, se apresentam como um chamado à reflexão. As demais informações que compõem este boletim cumprem a
finalidade de indicar outras incursões analíticas, inclusive discentes,
sobre o tema geral da desigualdade, na Universidade de Brasília.
Ao lançar mão de mais esse instrumento de difusão de sua produção intelectual e política o NEPPOS/CEAM reafirma a intenção de
continuar perseguindo os dois principais objetivos que, em 1987,
compuseram a sua proposta de criação, a saber: a) propiciar um
espaço interdisciplinar e interinstitucional de reflexão e troca de conhecimento, com vista a permanente análise e crítica dos modelos
de política social, oficialmente adotados; e b) garantir o sentido
político da produção científica do Núcleo, seja socializando-a, seja
colocando-a a serviço dos processos democráticos de formulação e
implementação de políticas sociais.
Durante a sua trajetória o NEPPOS sempre procurou registrar e difundir o conhecimento produzido pelos seus pesquisadores
(professores, alunos e colaboradores externos à UnB), mesmo que de
forma artesanal, dada a ausência de recursos financeiros próprios,
por ser, o Núcleo, uma instituição eminentemente pública. Fazem
parte dessa iniciativa a criação, desde fins os anos 1980, de uma Série intitulada “Política Social em Debate”, constituída de textos para
discussão, com circulação restrita. Nesta Série e nos Cadernos do
CEAM, assim como em livros publicados com o apoio do CNPq, os
temas tratados sucintamente nesse Informativo são aprofundados.
Com isso espera-se devolver à comunidade acadêmica e à sociedade brasileira em geral parte dos investimentos públicos recebidos.
28 a 30/abril
IV Seminário Internacional de
Política Social: Política Social,
Trabalho e Democracia em
Questão.
Local: Auditório da FINATEC /
Universidade de Brasília
05/maio
Palestra: Sociedade Civil e Hegemonia com o Professor Jorge
Luís Acanda (Universidad de
Havana/Cuba)
Local: Universidade de Brasília
28 a 30/maio
I Congresso Baiano de Serviço
Social
Local: Faculdade Nobre (FAN)
de Feira de Santana/BA
03 e 04/junho
Mini-Curso “Trabalho e Serviço
Social” com o Professor Sérgio
Lessa (UFAL). Inscrições a partir
do dia 20 de maio pelo e-mail:
[email protected]
Local: Universidade de Brasília.
25 a 28/agosto
IV Jornada Internacional de Políticas Públicas.
Local: Universidade Federal do
Maranhão - São Luis/MA.
EXPEDIENTE:
Editora responsável: Camila Potyara Pereira Comissão Editorial: Potyara A. P. Pereira, Maria Auxiliadora César, Vitória
Góis de Araújo e Marcos César Alves Siqueira Bolsistas: Rafaella de Oliveira da Câmara Ferreira, Micheli Reguss
Doege e Carolina Vaz Revisão: Marcos César Alves Siqueira Criação e Diagramação: Camila Potyara Pereira
Capa: Micheli Reguss Doege e Isan Rocha Agradecimentos: Evilásio Salvador, Joselito Pacheco e Cecília Cabrera
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS / CEAM / UnB)
Universidade de Brasília - Campus Universitário Darcy Ribeiro – Pavilhão Multiuso I, Gleba A, Bloco A. Asa Norte. CEP: 70910 –900. Brasília/ DF. Tel: +55 (61) 3307-2932.
Website: www.neppos.unb.br E-mails: [email protected] ou [email protected]
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POLITIZANDO
ESPAÇO DO ALUNO
AS BASTILHAS MODERNAS: O Albergue Conviver e a Gestão da População de Rua no Distrito Federal
GRADUAÇÃO
Autora:
O estudo teve por objetivo identificar a ideologia liberal na resposta estatal à população de rua no Distrito Federal – DF. Para tanto, realizou
uma comparação do discurso presente no Albergue Conviver – principal
política pública destinada a esse contingente no DF – com os preceitos
presentes nas Workhouses da Inglaterra Vitoriana, principal instrumento
de controle da mendicância naquele período. Apesar das duas instituições possuírem práticas diferentes, o estudo concluiu que o ideal por
detrás de ambas é similar, demonstrando serem versões de controle da
pobreza separadas historicamente mas unidas em sua intenção última,
que é a de recolher, segregar e expulsar a população de rua dos centros urbanos.
MESTRADO
Autora:
Neimy Batista da Silva
Orientadora:
Profª. Ivanete Salete Boschetti
Data de Defesa:
Junho/2008
Instituição:
Programa de Pós-Graduação
em Política Social/Departamento
de Serviço Social (SER)/Instituto
de Ciências Humanas (IH)/ Universidade de Brasília (UnB)
Talita Siqueira Cavaignac
Orientadora:
Profª. Camila Potyara Pereira
Data de Defesa:
março/2009
Instituição:
Departamento de Serviço Social
(SER)/Instituto de Ciências Humanas (IH)/Universidade de Brasília
(UnB)
DIFICULDADES E AVANÇOS NA IMPLANTAÇÃO DO SUS EM GOIÂNIA-GOIÁS
NO PERÍODO DE 1997 A 2004
Esta dissertação teve como objeto a apreensão do processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), em duas gestões do município de Goiânia-Goiás (de 1997 a 2004) buscando estabelecer uma relação entre elas. A análise contemplou as dimensões da gestão –
organização dos serviços e do controle democrático – e o papel das
conferências e dos conselhos de saúde. Buscou ainda, problematizar a
função do Estado e da sociedade civil na condução das políticas de
saúde, ao destacar os interesses de classes, os conflitos e contradições
presentes nesse processo histórico. Pela análise dos dados coletados,
bem como de relatos obtidos de entrevistas, observou-se que as
características de cada gestão se consolidam conforme as condições
objetivas – conjuntura política, social, cultural – e o fortalecimento ou não
da democracia, e da observância de alguns princípios como gestão
participativa democrática, autonomia e emancipação.
O ENVELHECIMENTO NA AGENDA DA POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA:
Avanços e Limitações
Esta tese discutiu o envelhecimento no contexto da política social no
Brasil, elegendo como objeto de estudo a agenda governamental para
a população idosa. O objetivo geral foi o de procurar saber, por meio da
análise dessas políticas, como o Estado e a sociedade brasileira agem e
atuam frente ao envelhecimento da população. A discussão partiu da
hipótese de que a política para a população idosa não é elaborada e
desenvolvida de forma multi e intersetorial e a de que a cidadania deste
grupo social está sendo negligenciada, uma vez que seus direitos não
estão sendo atendidos integralmente. Sendo assim, concluiu-se que as
respostas políticas do Estado e da sociedade brasileira ainda são limitadas e incompatíveis com os emergentes desafios e oportunidades do
envelhecimento populacional. A análise da agenda da política social
para a população idosa identificou avanços e limitações na sua configuração. Em contrapartida, observou-se participação incisiva da seguridade social, especialmente na área da saúde e da assistência social.
DOUTORADO
Autora:
Izabel Lima Pessoa
Orientadora:
Profª. Potyara A. P. Pereira
Data de Defesa:
Março/2009
Instituição:
Programa de Pós-Graduação
em Política Social/Departamento
de Serviço Social (SER)/Instituto
de Ciências Humanas (IH)/ Universidade de Brasília (UnB)
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POLITIZANDO
Vicente Faleiros
Alternativas ao Neoliberalismo
Na conjuntura da crise financeira de 2008,
pelo menos dois movimentos, opostos entre si,
nos levam a pensar alternativas ao neoliberalismo. O primeiro refere-se à nova regulação para uma purga do próprio capitalismo e o segundo a um movimento de crítica “para além
do capitalismo”, para sua superação enquanto estrutura/superestrutura de exploração e de
dominação do bloco hegemônico políticoeconômico-financeiro mundializado.
A crise decorre, de imediato, da falência do
sistema financeiro e de sua ideologia de
“santificação” do mercado de aplicações e
derivativos na competitividade mundial das
transações financeiras sem freios e limites. O
capital financeiro tornou-se um cassino em que
ganham os “players” mais inescrupulosos e gananciosos e onde pagam a conta dos juros e
taxas os mais pobres que necessitam de empréstimos para morar, comer, vestir-se ou divertir-se. A negociata imobiliária nos Estados Unidos, com empréstimos “subprime”, sem garantias e com cobranças faraônicas, implicou uma verdadeira venda de ilusões e de informações inadequadas para uma população excluída da habitação, levando as pessoas a se
endividarem duas vezes mais que o valor do
imóvel, proporcionando ganhos fantásticos aos
intermediadores financeiros. A economia fictícia dominou a economia real.
A crise não significou somente a falência do
sistema financeiro, mas a falência da confiança nesse sistema, da ilusão dos ganhos das aplicações e dos créditos fáceis. A consequência disso foi a restrição do crédito e do consumo, com quedas abruptas na produção e no
consumo, trazendo consequências maciças de
desemprego, numa bola de neve. A queda
do Produto Interno Bruto de vários países teve
uma redução de uma rapidez, extensão e profundidade nunca historicamente registrada .
O PIB da União Européia sofreu queda de 1,5%
de outubro a dezembro de 2008, chegando a
6,2% nos Estados Unidos, 5,6% na Coréia e a
12,7% no Japão. Em 2009, segundo dados da
OIT (FSP, 16/02/09, p.B12), as perdas de emprego podem chegar a 50 milhões de postos de
trabalho. Nos Estados Unidos já se esvaíram 3,6
milhões de empregos e no Brasil 797 mil vagas
desapareceram, de novembro de 2008 a janeiro de 2009. Os custos da crise estão sendo jogados nas costas dos trabalhadores. Diante da
ameaça ao próprio sistema e a possibilidade
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de uma crise política com manifestações sociais, a reação mais compartilhada pelos Estados
foi a de salvar o sistema de mercado com dinheiro público, a partir da proposta do Primeiro
Ministro da Inglaterra, Gordon Brown. Os radicais de direita, como membros do Partido Republicano norteamericano, mantêm sua declaração de fé no mercado e de “surpresa” com
a crise.
No mundo inteiro, inclusive no Brasil, estão
sendo editados pacotes de subsídio a bancos,
empresas e consumidores para restabelecer o
crédito, com o discurso de salvar empregos.
Combinam-se medidas monetárias, inclusive
de aquisição de créditos podres, com políticas
fiscais de redução de impostos para estimular o
consumo. Nessa perspectiva, a alternativa à
crise do neoliberalismo financeiro é a de socorrer o mercado com o preço que está sendo
negociado, de maior regulação sobre as transações financeiras e possibilidade de maior
protecionismo ou barreiras às importações,
apesar do discurso e declarações a favor do
livre comércio. É o que fez, por exemplo, a Argentina no início de 2009 e o que está na proposta do “buy american” de Barak Obama.
Na crise de 1930 também houve mais intervenção do Estado, conforme proposto por
Keynes, no sentido de estimular o consumo,
articulando-o a políticas de seguro ou de assistência social (FALEIROS, 2008). Na crise de
2008/2009 os subsídios estatais priorizam os
banqueiros e a confiança no mercado de crédito (chamada de crise de liquidez) e o alívio
de impostos para empresas e consumidores. O
foco da política não é a garantia de renda,
mas a garantia do crédito lucrativo. Alguns governos, como o brasileiro, articulam inclusive, o
uso do dinheiro destinado ao pagamento de
benefícios, para subsidiar o sistema, por exemplo, com o adiamento dos pagamentos das
empresas e prefeituras para a seguridade social, colocando conquistas consolidadas da previdência a serviço do capital financeiro. Essa
alternativa ao neoliberalismo é a de transferir
ao Estado o fracasso do mercado, contrariando o ideário neoliberal de reduzir o Estado, discurso que se desmorona, pois não há saída da
crise sem o Estado com maior regulamentação. Esse fortalecimento do Estado é uma alternativa de se manter o mercado e a produção capitalista, podendo, no entanto, reduzir o
lucro de um setor ou de vários setores capitalis-
POLITIZANDO
tas para a manutenção do sistema no seu todo
(FALEIROS, 2008).
Evo Morales) possibilita o questionamento do
grupo hegemônico dominante e fortalece a
A crítica mais profunda ao sistema não busca contra-hegemonia ao poder dos Estados Unisalvá-lo, mas superá-lo. A crítica, no entanto, dos e dos grupos dominantes. No entanto, essa
implica a análise das forças em presença, prin- contra-hegemonia não aglutina forças suficiencipalmente dos movimentos de questionamen- tes nem dos operários (agentes históricos da
to da estrutura capitalista. Em primeiro lugar, revolução no marxismo), nem dos pobres da
estão os trabalhadores industriais ou de serviços periferia (visão marcusiana) e nem da multidão
que veem saindo às ruas para não serem demi- (visão de Hardt e Negri), mas minam as ilusões
tidos e nem terem salários reduzidos, no sentido do mercado e mostram outro tipo de Estado
voltado para os interesses
de garantir a vida e seu modo
populares. Sem resistência e
de vida já integrado no capi“O capital financeiro tornou- crítica não há, pois, alternatalismo. Podem forçar um retiva ao neoliberalismo que
direcionamento das políticas
se
um
cassino
em
que
possa acumular forças para
para manter ou ampliar bereverter a estrutura capitalisnefícios sociais. É a resistência.
ganham
os
“players”
mais
ta. A resistência, por sua
A força do operariado e de
vez, é múltipla e diversa no
suas organizações tornou-se
cotidiano e pode ressurgir
inescrupulosos e onde
mais limitada com o neolibeem manifestações que se
ralismo, como assinala Harapóiam em novas formas
pagam
a
conta
dos
juros
e
vey, (2008), pois pressupõe
de articulação como a innão somente que o mercado
ternet e a informática, aglutaxas os mais pobres que
seja a resposta, mas implica
tinando setores que se mouma restauração do poder
de classe dominante e de
necessitam de empréstimos bilizam de forma pluripartidária como os movimentos
concentração da riqueza. O
individuo passou a ser o foco
para morar, comer, vestir-se sociais de mulheres, negros,
ecológicos, de deficientes,
central dessa política. Quanpara protesto, pressão e
do os coletivos de diversas
ou divertir-se”.
proposta. O protesto é funordens e de diversos segmendamental para se evidencitos se mobilizam contra essa
institucionalização do mercado, do individuo e ar o inimigo como para construir a identidade
da submissão dos trabalhadores, é que se pode do grupo; a pressão mobiliza os grupos domiolhar alternativas ao neoliberalismo nas suas nados por direitos e objetivos de curto e médio
contradições, na dinâmica de relações de for- prazo e explicita o conflito; a proposta implica
ça, onde a mídia dominante sustenta e se sus- tanto negociação e consenso como busca de
uma sociedade igualitária, solidária, participatitenta com a ilusão do consumismo.
O Fórum Social Mundial abriu a discussão de va e democrática, não sem custos de comunicoletivos de autogestão, defesa de direitos ou cação, organização, informação, debate, mode crítica que, muitas vezes, fazem parcerias bilização e com profunda crítica coletivamencom o Estado com maior ou menor controle de te construída.
suas ações. É a luta contra o pensamento único. A parceria contraditória pode conquistar
espaços políticos para grupos populares que
vão possibilitando, embora de maneira limitada, a germinação de propostas que garantam
direitos aos mais destituídos e desapossados.
Assim, direitos de negros, índios, idosos, mulheres, crianças e adolescentes puderam ser formalizados e implementados, ao menos parcialmente, na democracia formal e com ampliação da democracia participativa.
A conquista de governos por personalidades
(Hugo Chaves) ou partidos com forte presença
indígena (MAS – Movimento ao Socialismo de
Referência Bibliográfica
CECEÑA, Ana Esther (Org). Hegemonias e emancipações no século XXI. Buenos Aires: CLACSO,
2005
FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do
estado capitalista. 11ª ed. São Paulo: Cortez,
2008
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de
Janeiro: Record, 2001
HARVEY, David. O neoliberalismo. História e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008
MARX, Karl. As crises econômicas do capitalismo.
São Paulo:Ched Editorial, 1982
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OPINIÃO: Profª Potyara A. P. Pereira
Políticas Sociais: Focalização X Universalização
Entrevista com a
Professora Potyara A. P. Pereira,
titular do Departamento de Serviço Social da
Universidade de
Brasília e Coordenadora
do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social, sobre a focalização X universalização das Políticas Sociais.
Politizando: A focalização e a
universalidade são dois princípios pelos quais diferentes experiências de política social pública, em diferentes contextos
nacionais, vêm se pautando através dos tempos. Em sua opinião, quais os limites e possibilidades de aplicação desses dois
princípios, no marco do capitalismo contemporâneo?
Profª. Potyara: Realmente a focalização e a universalidade
são dois princípios que fazem
parte da história da política social e dependem do regime político prevalecente. No século
XIX os reformadores sociais da
esquerda européia defendiam
medidas de proteção social
que incluíssem todos indistintamente, enquanto os liberaisconservadores rechaçavam essa idéia por considerá-la esbanjadora. No século XX, o famoso
Sistema de Seguridade Social
britânico, inaugurado durante a
Segunda Guerra Mundial, sob a
liderança de um político de ideologia coletivista, William Beveridge, era universal e uniforme e,
portanto, isento de comprovações de pobreza. Tal medida
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encarnava o novo espírito de
igualdade fomentado pela guerra. Entretanto, o regime político
que a sustentava (de feição social-democrata), permitia a socialização do consumo, embora não
da produção, e comprometia
toda a sociedade com os custos
dos riscos e infortúnios sociais a
que todos estavam sujeitos. A
partir do final dos anos 1970 outro
regime político, de vocação individualista e meritocrática, se instalou em quase todo mundo,
condenando o sistema de seguridade social público e universal.
Esse regime, conhecido como
neoliberal impera até hoje, apesar das suas atuais fragilidades, e
jamais apoiou o princípio da universalização, especialmente
quando este é aplicado na perspectiva dos direitos sociais. Don-
A
política
social
focalizada
não
configura um direito,
mas uma ajuda institucional
insuficiente e geralmente
arrogante porque trata os
pobres como devedores e
não credores de uma dívida
social não saldada pelos
governos.
de se conclui que, no marco do
capitalismo contemporâneo, a
universalidade não tem vez. É a
focalização que está em alta.
Politizando: Na sua produção bibliográfica, o princípio da focalização das políticas sociais não é
considerado pertinente e consistente. Em vista disso, no seu en-
tendimento, o que significa focalização das políticas sociais?
Profª. Potyara: É a seleção dos
merecedores da política social
com base no critério da pobreza
absoluta. Trata-se de um merecimento por destituição, inclusive
de cidadania. Neste caso, a política social não configura um direito, mas uma ajuda institucional
insuficiente e geralmente arrogante porque trata os pobres como devedores e não credores de
uma dívida social não saldada
pelos governos. No Brasil, a palavra focalização é uma tradução
dos vocábulos ingleses targeting
ou target-oriented que significa
centrar as políticas sociais apenas
nos indigentes.
Politizando: Por que as políticas
sociais focalizadas não são pertinentes e consistentes?
Profª Potyara: Em primeiro lugar
porque, como já foi dito, elas não
se pautam pelo estatuto da cidadania. Além disso, elas selecionam arbitrariamente os mais pobres dentre os pobres, deixando
muitos pobres sem atendimento;
transformam um problema estrutural, como é a pobreza, em uma
falta moral, estigmatizando, assim,
os beneficiários da política; valem-se da ausência de poder de
pressão social dos beneficiários
para oferecer-lhes benefícios insuficientes ou de baixa qualidade;
desqualificam as políticas sociais,
inclusive a de assistência, ao
transformá-las em ações filantrópicas.
Politizando: Que razões não justificam o emprego deste princípio?
Profª Potyara: Uma das principais
razões é seu incorrigível efeito perverso, isto é, aumenta a pobreza
em vez de diminuí-la ou combatêla. Como as políticas focalizadas
deixam no desamparo significati-
POLITIZANDO
vas parcelas da população pobre, cedo essas parcelas descambam para a pobreza absoluta. Por outro lado, sem o amparo
das políticas universais, a maioria
da população compromete o
seu orçamento doméstico com
serviços sociais que deveriam ser
bancados pelo Estado, sofrendo,
assim, um processo de empobrecimento. Além disso, há estudos
que garantem serem, as políticas
focalizadas, mais onerosas que as
universais, pois, ao contrário destas, aquelas exigem um aparato
burocrático complexo para aplicar critérios de elegibilidade,
controlar fraudes e punir fraudadores.
Politizando: As políticas sociais
focalizadas têm algum potencial
preventivo da pobreza?
Profª. Potyara: Nenhum. Elas são
apenas paliativas. O princípio da
universalidade é o que melhor
contempla essa possibilidade
porque, além de não discriminar
os demandantes das políticas
sociais, não considera essas políticas como fardo ou desperdício
financeiro. Pelo contrário, tais políticas são consideradas investimentos nas capacidades humanas.
Politizando: Qual a relação da
focalização com a equidade?
Profª. Potyara: Sendo a equidade
um princípio que visa corrigir desigualdades, não vejo como a focalização, tal como descrita acima, possa ter alguma relação de
correspondência com esse princípio. A universalidade sim, que por
ter objetivos democráticos e pautar-se pelos direitos, pode ser enriquecida pela equidade e pelo
compromisso desta em manter as
diferenças e as diversidades imunes a discriminações e estigmas.
Politizando: Que direitos de cidadania as políticas sociais focalizadas concretizam?
Profª. Potyara: O direito à propriedade privada e à liberdade de
mercado. Trata-se de direitos associados às necessidades do capital e não às necessidades sociais.
Politizando: A seu ver, existe distinção entre os conceitos de focalização e seletividade? Em caso afirmativo, qual é essa distinção?
Profª. Potyara: Se a seleção ocorrer como forma de melhor atender os que mais precisam ou são
diferentes, a seletividade difere
da focalização e se identifica
com a equidade. Caso contrário,
errado
É
identificar
as
políticas sociais focalizadas, com os seus efeitos perversos e estigma-
tizadores, com a política pública de assistência social. Seria
mais apropriado dizer que está
havendo uma desassistencialização dos pobres, porque a
focalização não os assiste.
focalização ou seletividade, na
pobreza, podem significar a mesma coisa.
Politizando: Em sua opinião o princípio da focalização é antagônico ao da universalidade ou, na
prática, um pode complementar
o outro?
Para mim são princípios antagônicos. O que, na prática, poderia
complementar a universalidade
seria a seletividade a serviço da
equidade.
Politizando: Como avalia a afirmação de que as políticas sociais focalizadas estigmatizam os
seus destinatários e funcionam
como “armadilhas da pobreza” (poverty trap)?
Profª. Potyara: Considero uma afirmação correta. Efetivamente,
uma das características das políticas sociais focalizadas é a de
não liberarem os indigentes da
situação de privação, pois, para
que estes façam jus à política,
têm que se manter na pobreza
absoluta. Daí a pertinência da
comparação: elas são de fato
uma armadilha da pobreza.
Politizando: A focalização das
políticas sociais é geralmente
identificada como uma ação de
assistência social. O que acha
do pensamento corrente de que
as políticas sociais brasileiras estão se assistencializando?
Profª. Potyara: É errado identificar
as políticas sociais focalizadas,
com os seus efeitos perversos e
estigmatizadores, com a política
pública de assistência social. Seria mais apropriado dizer que
está havendo uma desassistencialização dos pobres, porque a
focalização, como vimos, não os
assiste.
Politizando: Ultimamente, tem se
tornado comum a divulgação de
resultados de algumas pesquisas
quantitativas indicando que houve redução da pobreza absoluta
e da desigualdade no Brasil e
que a situação social do país
melhorou nos últimos anos. Quais
as explicações para esses resultados?
Profª. Potyara: Sem entrar no mérito das pesquisas referidas, posso dizer que, para quem não tinha nada, receber qualquer
quantia de forma regular e certa, melhora a renda de quem
recebe. Aí, o fator mais importante não é a quantia em si, que
é irrisória, mas a certeza da proteção por mínima que seja.
Com essa quantia certa o pobre
faz milagres dentro de seu universo de carências crônicas.
Mas, dizer que, com isso, houve
diminuição das desigualdades, é
esconder o fato de que o Brasil
continua sendo um dos países
mais desiguais do mundo, para
não dizer que é um dos mais injustos socialmente. Afinal, a rigor,
o Brasil não é um país pobre.
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POLITIZANDO Recomenda
Neste livro, resultado de anos de
pesquisas e estudos, a autora aborda os temas
referentes à política social de maneira a propor
uma análise global. Sua proposta
é discutir matérias
por diversas vezes
trabalhadas, lhes
atribuindo, contudo, um aprofundamento individualizado. São apresentadas análises dos paradigmas que acompanharam a política social, principalmente no período do segundo pós-guerra, quando foi institucionalizado o Estado de Bem-Estar Social. Pereira
dá ênfase em determinado momento às transformações sofridas pelas políticas sociais na sociedade neoliberal e explicita o jogo de conflitos e
interesses que contornaram esse período. A autora utiliza ainda uma abordagem científica,
buscando referências de autores renomados e
sempre pontuando suas análises com os fatos
históricos relacionados às políticas sociais. Este
livro é dedicado aos iniciantes e já iniciados no
estudo da política social, pois além de propiciar
subsídios para discussões e questionamentos, faz
referência a assuntos antigos, mas não suficientemente explorados.
Partindo
da
ideia de que o
campo da assistência social é
na
realidade
um jogo de interesses
políticos, econômicos e pessoais,
Boschetti expõe
sua
rigorosa
pesquisa sobre
essa
política
como direito no
âmbito do Governo Federal.
Desta
forma
fornece
uma
ampla visão das principais características das
políticas sociais a partir de 1994, por meio da
investigação das diferentes dimensões interligadas que as constituem. Além de apresentar
uma análise da natureza, das possibilidades e
da inserção das políticas na Seguridade Social, a autora esclarece a questão do financiamento e da operacionalização da Política de
Assistência Social depois da Lei Orgânica de
1993. Por fim, articula a análise empírica, o
aprofundamento teórico e o questionamento
político, por meio de um expressivo conjunto
de dados que evidencia a predominância da
visão restrita e equivocada da Assistência Social como política complementar, fragmentada e focalizada.
Referência: PEREIRA, Potyara A. P. Política Social:
Temas & Questões. São Paulo: Cortez, 2008.
Referência: BOSCHETTI, Ivanete. Assistência
Social no Brasil: um Direito entre Originalidade
e Conservadorismo. Brasília: GESST/SER/UnB,
2003.
Por Micheli Reguss Doege
Aluna do 6º semestre de Serviço Social da UnB
Por Rafaella Oliveira da Câmara Ferreira
Aluna do 4ª semestre de Serviço Social da UnB
O filme traça um paralelo entre o século XVIII, em que o escravo era tratado como um mero instrumento de geração de lucro aos Senhores
sendo livremente comercializado, e os dias atuais, onde o seu papel é
substituído pelo miserável, mas tendo o mesmo pano de fundo: o da
exploração. Escancarada no primeiro momento e disfarçada no segundo. Ao assistirmos o filme de Sérgio Bianchi fica a impressão de estarmos
diante de duas fotografias de uma mesma pessoa, sendo que o diferencial entre elas é unicamente a vestimenta característica a cada momento histórico. Em ambas temos o mesmo modelo: o da exploração
do pobre, seja de forma crua e direta, seja disfarçada de filantropia,
mas que, em essência, terminam por criar “escravos” de um mesmo moinho perverso.
Referência: Sérgio Bianchi. Quanto Vale ou é por Quilo? Europa Filmes.
Cor/108 min. Nov/2005.
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