LINGUAGENS E ESTÉTICAS DA COMUNICAÇÃO NO METRÔ DE
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LINGUAGENS E ESTÉTICAS DA COMUNICAÇÃO NO METRÔ DE
São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 LINGUAGENS E ESTÉTICAS DA COMUNICAÇÃO NO METRÔ DE SÃO PAULO Frederico Tavares de Oliveira1 Resumo O artigo trata de problematizar um lugar praticado em São Paulo, o metrô, através do conceito de (publi)cidade, isto é, a demarcação do espaço público como um espaço do público, particularmente do mercado. Desenvolvido em um mapa das mediações, este conceito adquire pertinência metodológica aos estudos das Linguagens e Estéticas da Comunicação. O mapa, de Jesus Martín-Barbero, remete às novas complexidades nas relações constitutivas entre comunicação, cultura e política, indicando pistas para entrever meios e mediações. Palavras-Chave Publicidade, Comunicação, Estética, Mediações, Metrô. Equipamento Cultural Metropolitano, São Paulo Estruturas narrativas têm valor de sintaxes espaciais, porque exercem o papel cotidiano de uma instância móvel e magisterial de demarcação. “Operações de demarcação”, contratos narrativos e compilações de relatos, são compostos por fragmentos tirados de histórias anteriores e “bricolados” num todo único, que então pode ser considerado um espaço semântico, de produção de sentido (CERTEAU, 2009). A trama de mediações constitutiva do espaço propriamente urbano de produção de sentido, na tardomodernidade, inevitavelmente articula a relação entre comunicação, cultura e política, e por isso uma abordagem metodológica que se tresdobre a partir dessa trama pode servir a um pensamento da Comunicação. Martín-Barbero (2003), em texto de particular alcance metodológico, oferece “Pistas para entre-ver meios e mediações”, ponto de desembarque de nosso objeto de pesquisa. O metrô de São Paulo, ou melhor dizendo, a publicidade no metrô de São Paulo, é o nosso lugar de observação e discussão, mas enquanto um lugar que é praticado, isto é, enquanto um 1 Doutorando em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing: PPGCOM-ESPM; linha de pesquisa: Processos de recepção e contextos socioculturais articulados ao consumo. Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo: ECA-USP-PPGCOM; área: Teoria e Pesquisa em Comunicação, linha de pesquisa: Linguagens e Estéticas da Comunicação. 9 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 espaço de mediações sociais que passam essencialmente por “lógicas de produção” e “competências de recepção”. Do lado da recepção – que corresponde ao nosso lugar de origem –, este espaço coexiste em meio a uma multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, sobrepõem-se, isolam-se ou se contrastam, mas que, assistidas por emblemas ou estruturas narrativas do marketing, demarcam uma hegemonia comunicacional do mercado em nossa sociedade. Dentro do paradigma marxista da Pesquisa Crítica, a hegemonia é um conceito amplo que não só visa definir o horizonte ideológico de uma época, quando simbolicamente a classe governante teria incorporado as classes governadas, mas também um contínuo processo de formação e suplantação de um equilíbrio instável gerado no próprio complexo de atividades políticas, ideológicas e culturais (RESENDE; RAMALHO, 2005). O marketing, bem como a publicidade, podem ser considerados mecanismos centrais e vorticosos deste processo, cujas operações de demarcação conjugam o hegemônico com o subalterno e tantos espaços quantas “experiências espaciais distintas” existirem. Guardadas as diferenças entre espaço “geométrico” e “espaço antropológico”, ou entre lugar e espaço, que é lugar praticado, cruzamento de móveis, ocupação polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais, o espaço do metrô é também o lugar de “brechas” da própria demarcação hegemônica, porque lugar praticado de uma multidão; isso significa que essa experiência de que tratamos tem a ver com a relação (hegemonia/contra-hegemonia) que temos com o poder, na práxis comunicativa, reativos à obediência e sensíveis, de inúmeras maneiras, às demarcações espaciais e estéticas do mundo; no sonho e na percepção, e por assim dizer anterior à sua diferenciação, [essa relação] exprime “a mesma estrutura essencial do nosso ser como ser situado em relação com um meio” – um ser situado por um desejo, indissociável de uma “direção da existência” e plantado no espaço de uma paisagem. Deste ponto de vista, “existem tantos espaços quantas experiências espaciais distintas” (MERLEAU-PONTY, 1976, apud CERTEAU, 2009, 2 p. 185) . São práticas culturais, políticas e comunicacionais, que regulam o que entendemos se tratar de um “monólogo laudatório” da dominação da mercadoria e do dinheiro nos espaços da cidade; o discurso hegemônico, espécie de antropologização da cultura do consumo, e seus 2 Maurice Merleau-Ponty, Phénoménologie de la perception, Paris, Gallimard, Tel, 1976, p. 324-344. 10 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 dispositivos3 espaciais de acesso, passam a agenciar o devir mercado da sociedade, enquanto fazem da própria cidade uma mercadoria. Nesse sentido, o acesso aqui discutido problematiza demarcações e “brechas” “que ora potencializam e ora fragilizam nossa real possibilidade de ação comum. De comunicação” (ROCHA, 2012, p. 17). É preciso se pensar que não são apenas formas discursivas, as da publicidade, mas também formas dialógicas possíveis de comunicação, pois que no fundo promovem pontes de desengate e inserção de culturas – étnica, nacional, local –, através das tecnologias globais; produzem expressão cultural, uma vez que fazem circular bens simbólicos e ajustados a “públicos consumidores”, e assumem formas de política, porque “nem a produtividade social da política é separável das batalhas que vêm à luz no terreno simbólico, nem o caráter participativo da democracia é hoje real fora da cena pública que constrói a comunicação massiva” (MARTÍNBARBERO, 2003, p. 5). Isso significa que nas cidades-negócio a conversão do território urbano em produto de marketing exige um controle permanente do espaço público, que por sua vez passa pela trama de mediações entre comunicação, cultura e política. Nota-se que a renúncia deliberada dos agentes políticos de sua responsabilidade em garantir direitos urbanos fundamentais permite que se instaure um padrão autoritário de controle dos dispositivos espaciais de demarcação, então concebidos no âmbito de estratégias de comunicação de empresas privadas (DELGADO, 2007). Essa predominância da empresa no meio social, datada no pós-guerra, intensifica-se sobretudo a partir dos anos 1980, com a imposição das diversas formas de privatização que se oficializaram através de títulos legais e de práticas concretas. Mais e mais se descobriram espaços onde a lógica do mercado pudesse vigorar com proveito, multiplicando-se as superfícies de inscrição do capital (CAIAFA, 2009). É dado que o metrô paulistano está em operação desde os anos 1970, sua extensão ultrapassa 70 quilômetros de malha ferroviária, que são distribuídos em cinco linhas e 64 estações; é operado, de um lado, pela empresa de capital misto do estado de São Paulo, a Companhia do Metropolitano de São Paulo – o Metrô SP –, com 58 estações, e de outro, pela 3 Em uma perspectiva foucaultiana, pode-se dizer que os “dispositivos” remetem à ideia de organização e rede. Designam o conjunto heterogêneo que engloba discurso, instituições, arquiteturas, decisões regulamentares, leis e medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas. As teses de Foucault, particularmente em Vigiar e punir (1975), servem para caracterizar o modo como os dispositivos comunicação-poder funcionam para além do seu controle disciplinar, na medida em que geram fascinação, sedução; nesse sentido, a figura conceitual e arquitetônica de poder, o panóptico, que visa indicar os meios de comunicação como “máquinas de organização”, torna-se o “panóptico invertido” em outras expressões filosóficas da Teoria Crítica. 11 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 ViaQuatro, empresa pertencente à Companhia de Concessões Rodoviárias, responsável pela operação e manutenção da Linha 4, com 6 estações; esta funciona sob um contrato de concessão de 30 anos, através de uma parceria público-privada com o governo do Estado de São Paulo, e junta com o Metrô SP, desde 2010, ano em que se inaugurou a Linha, transportam mais de 4 milhões de passageiros por dia4. Essas informações esboçam traços do fenômeno de privatização de um equipamento coletivo, espaço, portanto, de prestação de um serviço a uma coletividade, que, no caso, fundamentalmente se caracteriza pela distribuição de milhões de pessoas no cotidiano. Bem se sabe que a noção de serviço não é uniforme, daí a diversidade dos equipamentos coletivos. Sabese, contudo, que a noção de equipamento coletivo se aplica principalmente ao conjunto de dispositivos espaciais que proporcionam um serviço público, ou seja, um serviço em alguma medida vital para a coletividade. Observados sob uma mirada Estética, e também política, uma ruptura epistemológica se faz pertinente com relação aos dispositivos ditos de comunicação no metrô, posto que ao direito de uso ligado à ideia de "facilitação da vida do indivíduo na coletividade” (MEIRELLES, 1995, p. 298), se somam as estratégias cosmotecnológicas da publicidade, que não visam exatamente esta dimensão do uso. Entende-se que o tratamento do passageiro (usuário) como cliente muda o funcionamento do equipamento coletivo, então acrescido da cosmotecnológica de consumo. O mundo do consumo basta a si mesmo; ele tem ares de cosmologia: define-se por seu manual de utilização. A cosmotecnologia, se entendermos por isso o conjunto das tecnologias colocadas à disposição dos humanos para gerenciar sua vida material e o conjunto das representações ligadas a elas, é para si mesma seu próprio fim; ela define a natureza e os meios das relações que os humanos podem ter referindo-se a ela: mundo da imanência em que a imagem remete à imagem e a mensagem à mensagem; mundo a ser consumido imediatamente, como os doces de creme (AUGÉ, 2012, p. 27-28). A partir do sentido original da palavra Estética5, e pensando na experiência da viagem pelo metrô, quase tudo o que pode ser percebido pelos sentidos deve passar pela cosmotecnologia publicitária, ou seja, pelo relato sintático e ideológico do consumo: back lights, front lights, banners, sancas, painéis, estandes promocionais, telemídias, etc., e os conteúdos programáticos 4 A rede metroviária ainda integra as linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) – com mais de 330 quilômetros de malha ferroviária – e os ônibus municipais de São Paulo, que estão sob responsabilidade da São Paulo Transporte (SPTrans). 5 O termo aparece em meados do Século XVIII, quando Alexander Gotlieb Baumgarten cria o neologismo para explicar as razões, os modos e os alcances da percepção artística. São muitos os significados que hoje o emprego do termo alcança. Derivado do grego, αισθητική, originalmente servia para designar a percepção sensível em oposição à ciência do conhecimento (AQUINO, 2012). 12 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 desses meios, sejam estes anúncios de produtos, serviços, notícias, eventos culturais, campanhas de conscientização, de doação, ou mesmo de participação – via celular – em enquetes como as que visam levantar o maior vilão das novelas, atuam como uma verdadeira metáfora da experiência metropolitana de consumo, e por isso correspondem a estruturas narrativas, operações de demarcação que determinam hábitos estéticos, vinculados à hegemonia. Na Atenas contemporânea, os transportes coletivos se chamam metaphorai. Para ir para o trabalho ou voltar para casa, toma-se uma “metáfora” – um ônibus ou um trem. Os relatos [publicitários] poderiam igualmente ter esse belo nome: todo dia, eles atravessam e organizam lugares; eles os selecionam e os reúnem num só conjunto: deles fazem frases e itinerários. São percursos de espaços (CERTEAU, 2009, p. 182). Pode-se dizer que a aventura estética da publicidade no metrô opera num tipo de produção de geografias de ações que não só derivam para os lugares comuns das zonas de lucro capitalista – os centros comerciais, restaurantes, feiras, lojas, faculdades, etc. –, mas “fazem a viagem antes ou enquanto os pés a executam” (CERTEAU, 2009, p. 183). Dessa maneira, a problemática teórica e empírica que ora apresentamos, frente ao pulular de metáforas publicitárias no metrô, porquanto o conceito (publi)cidade é de ordem sintática e semântica, desdobra-se em dois níveis fundamentais de observação e crítica: num nível de manipulação consciente, sintático, a organização dos elementos ou da paisagem deve ser pensada especialmente através das “lógicas de produção” e dos “formatos industriais”, das questões ligadas à “institucionalidade” e à “tecnicidade”; em suma, deve enfocar a codificação do espaço público assistido por muitos, mas restrita a uma esfera reduzida de praticantes. E num nível de manipulação inconsciente, semântico, ligado às “competências de recepção”, a reflexão deve considerar práticas de “socialidade” e de “ritualidade” associadas a essas competências. É evidente que a questão ideológica e inconsciente atravessa também as “lógicas de produção” e os “formatos industriais”, uma vez que o “nível” de consciência dos agentes normalmente não ultrapassa o senso funcionalista do mercado. Este tipo de descortinamento estético relacionado ao espaço do metrô, tornado suporte para emblemas do marketing, revela uma relação de consumo com o próprio espaço público, que numa certa medida constitui uma agenda crítica da Comunicação6; vale dizer que este “estado de 6 Habermas, em O espaço público. Arqueologia da publicidade como dimensão constitutiva da sociedade burguesa (1962), indentificou uma mutação do “princípio da publicidade” existente no centro do desenvolvimento de uma opinião pública na Inglaterra e na França, em fins do século XVII e no século seguinte – quando este princípio se definia como pondo à disposição da opinião pública os elementos de 13 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 conhecimento” não condena de uma vez por todas a utilização do espaço de um metrô para a publicidade, mas coloca em perspectiva como isso se realiza, qual o tipo de tratamento do espaço que se desenvolve em cada caso e quais são os seus resultados. Por exemplo, se a renda produzida contribuir para a modicidade da tarifa, ou se um cuidado em referir as interferências à estética do espaço e à experiência da viagem prevalecer, não haveria desqualificação do espaço ou da presença do passageiro [...]. Nesse caso, o uso se [colocaria] na frente do consumo (CAIAFA, 2009, p. 31). Observar e compreender esta disposição geral deste meio de transporte, pode-se dizer, de metáforas de uso e consumo, esteticamente, isto é, a partir das formas vigentes de expressão artística, ou das correntes de gosto e estilo que predominam na atualidade – e aqui nos permitimos, tal como Victor Aquino (2012), alargar a noção de expressão artística contemporânea à moda, ao design, às embalagens, infinitas peças de mobiliário, produtos os mais diversos, peças de campanha publicitária, roupas e uma infinidade de outros itens localizados para além dos recursos da utilidade a que se destinam – implica em um exercício, quando não complexo, altamente perturbador: Pois de um lado, localiza-se a profusão dos meios e recursos mediante os quais o ser humano expressa ideias, confessa sentimentos, aborda questões de maior ou menor interesse comum ou, ainda, cria modos de dizer que são, ou não, percebidos pelo semelhante, transcendendo aos limites dos códigos e convenções conhecidos, experimentados, praticados. De outro, a confusão de sentidos que essa abundante produção a cada instante propõe compreender (AQUINO, 2012). Aquino, então, problematiza o quadro analítico das Linguagens e Estéticas da Comunicação sob seu aspecto metodológico, o que nos motiva, neste artigo, a desenvolver um mapa metodológico de observação, desde o que Martín-Barbero chamou de um “novo mapa das mediações”. Ainda segundo Aquino (2012), dois problemas relacionados ao método de observação e estudo dos cenários, como a (publi)cidade, emergem desta composição espacial constituída por meios e linguagens da expressão artística contemporânea: O primeiro problema diz respeito aos recursos que se disponibilizam indiscriminadamente a quem deseja, não importando os objetivos, expressar-se, exibir-se, dizer de algum modo alguma coisa. O segundo, ao acesso e ao domínio dos códigos estatuídos. Códigos que informação de interesse geral –, com relação ao princípio que hoje integra o desenvolvimento das leis do mercado. No lugar daquele princípio de publicidade e daquela comunicação pública, o cidadão tende a se tornar um consumidor de comportamento emocional e aclamatório, e a comunicação pública dissolve-se em “atitudes, como sempre estereotipadas, de recepção isolada” (MATTELART, 1998, p. 85). 14 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 aparentemente encontram-se restritos a uma esfera reduzida de praticantes, que se expressam, exibem-se ou dizem de alguma coisa, usualmente percebida por muitos, embora compreendida por poucos. Esses dois problemas, no âmbito da (publi)cidade no metrô, podem ser conjugados no mapa das mediações de Martín-Barbero, que se move sobre um eixo diacrônico, ou histórico de longa duração, entre “matrizes culturais” e “formatos industriais”, e sobre um eixo sincrônico, entre “lógicas de produção” e “competências de recepção”. Vejamos, portanto, uma possibilidade de se articular os problemas apontados, vinculados ao pensamento das Linguagens e Estéticas da Comunicação, considerando as instâncias de “socialidade”, “ritualidade”, “tecnicidade” e “institucionalidade”, que por sua vez mediam os eixos do esquema barberiano, na trama dos lugares praticados entre comunicação, cultura e política. Estação (Publi)cidade. Desembarque pelo mapa das mediações Tentemos, em primeiro lugar, remontar o conceito de (publi)cidade, que deve servir como um indicador empírico observável do espaço comunicacional, cultural e político de que tratamos. 1. A cidade, em uma palavra, é o espaço polifônico metropolitano, sobreposição de melodias e harmonias, ruídos e sons, regras e improvisações (CANEVACCI, 2004). É a síntese urbana dos espaços, das condições e direitos do cidadão, mas também praça da sedimentação dos resíduos, dos jogadores impotentes, indolentes, e que devem ficar fora do jogo. Nesta histórica vida para o consumo que se constituiu na maioria das cidades do mundo, determinando, portanto, a sua expressão hegemônica em uma dimensão global, “se a sedimentação dos resíduos viesse a parar ou se reduzisse, aos jogadores não se exporia a visão terrificante da alternativa (a única, dizem-lhes) para permanecer no jogo” (BAUMAN, 2008, p. 167). 2. É sabido que a publicidade serve hoje, principalmente, para divulgar produtos e serviços por meio de anúncios geralmente pagos e veiculados por um anunciante identificado. Os objetivos da operação publicitária são principalmente de interesse comercial e correspondem ao conjunto de técnicas e atividades de informação e persuasão, destinadas a influenciar as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público (RABAÇA e BARBOSA, 1987). 15 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 A (publi)cidade é, então, o espaço metropolitano tornado suporte da publicidade; é a cidade tornada metáfora e produto da história do consumo, a um só tempo polifônica e midiática, meio e interface, processo, sem solução de continuidade, da produção e reprodução do trabalho social elementar a essa própria cultura. Diz respeito à formação discursiva dominante, a uma cosmotecnologia de figuras e temas que não apenas conclama ao consumo, mas que forma, ela própria, dados, sinais ou informações colocados a consumir. (Publi)cidade, sendo o centro vorticoso da sociedade do espetáculo, é o próprio capital, em tal grau de acumulação, feito imagem, uma visão do mundo que se objetivou (DEBORD, 1997). Em larga escala, é o espaço público confundido com um espaço do público/mercado, no sentido teatral do termo (AUGÉ, 2012). Todavia, o conceito adquire motricidade dialética ao flertar com a hegemonia, através da compreensão das situações ideais de fala, de consenso dialogal, como postula Habermas em inúmeros de seus escritos, ou de produção de novas sínteses, como sugere Flusser7. A (publi)cidade no metrô de São Paulo é, portanto, a consecução da publicidade neste espaço da cidade, que não deixa de constituir – a uma maioria de pessoas – os próprios fluxos da práxis comunicativa, das situações de consenso dialogal ou de diálogo efetivo que permitem novas produções de sentido e participação na sociedade. É possível dizer que a hegemonia comunicacional e a práxis comunicativa são faces de uma mesma emergência espacial (publi)citadina, em que se articulam demarcações gerativas entre comunicação, cultura e política. Martín-Barbero, em prefácio à segunda edição de Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia, sugere pensarmos as novas complexidades na trama dessas relações, a partir da seguinte proposta: trata-se de um esquema de leitura que se move sobre dois eixos: sobre o diacrônico, entre Matrizes Culturais (MC) e Formatos Industriais (FI), e sobre o sincrônico, entre Lógicas de Produção (LI) e Competências de Recepção (CR). 7 Ver O mundo codificado, por uma filosofia do design e da comunicação, coletânia de textos de Vilém Flusser, especialmente o texto que leva o nome do livro, “O mundo codificado”, p. 89-100. Não concordamos plenamente com o sentido epistemológico que o autor oferece à “comunicação humana”, porque carregado de um materialismo niilista, desolador e frágil frente aos avanços das ciências ditas naturais, filosóficas e religiosas, que a cada dia fornecem mais provas (positivas e dialéticas) da existência do Ser quântico (onda-partícula) e espiritual, e, portanto, um sentido mais amplo à comunicação humana; todavia, indicamos a perspectiva das “formas de comunicação” discursivas e dialógicas, porque imediatamente imprescindíveis ao homem, seja lá o que ele for em sua essência, na vida de relação. 16 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 LÓGICAS DE PRODUÇÃO Institucionalidade Tecnicidade COMUNICAÇÃO CULTURA POLÍTICA MATRIZES CULTURAIS Socialidade FORMATOS INDUSTRIAIS Ritualidade COMPETÊNCIAS DE RECEPÇÃO (CONSUMO) Partindo-se do reconhecimento do papel do homem na sociedade, ser que opera sobre o real, que não apenas contempla a cultura, mas a modifica, e, nesse sentido, considerando a complexa composição estética das paisagens na cidade, ainda o momento particular em que nos encontramos na instituição acadêmica, o que realizamos aqui é uma apropriação da proposta de Martín-Barbero como um ferramental metodológico de um projeto de pesquisa, que a seu turno pretende responder a implicações metodológicas das Linguagens e Estéticas da Comunicação. Ancorados nesta ordem interpretativa dialética da realidade social, em que o homem deve ser considerado na história, porque entra em relação com os outros e com a natureza por meio do trabalho, da técnica, da filosofia e da política, entende-se que o “dever ser” seja concreto, a única história em ato e filosofia em ato, a única política (SEMERARO, 2005); nessa direção, este exercício (sempre renovador) de definição do objeto de pesquisa, a (publi)cidade no metrô de São Paulo, aponta alguns elementos centrais do que neste momento entendemos dever ser considerado em nosso trabalho. 1. No que diz respeito à relação entre Matrizes Culturais e Formatos Industriais, as estruturas narrativas da (publi)cidade passam fundamentalmente pela história das mudanças na articulação entre movimentos sociais e discursos públicos, e destes com os modos de produção do público que agenciam demarcações hegemônicas de comunicação coletiva. 17 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 Há uma relação espessa de cumplicidades entre discursos hegemônicos e subalternos, através da constituição – ao longo dos processos históricos – de “gramáticas discursivas originadas de formatos de sedimentação de saberes narrativos, hábitos e técnicas expressivas” (MARTÍNBARBERO, 2003, p. 7). Porquanto deve-se considerar, aqui, nesta ordem reflexiva, e principalmente, os movimentos sociais ligados ao funcionamento dos transportes urbanos, as transformações tecnológicas nodais do fluxo permanente desta topografia movediça de discursos entre sociedade política e sociedade civil. A “modernização” do metrô, cuja mobilidade provém tanto dessas transformações como das mudanças do capital, constitui uma via histórica de compreensão bastante cara ao estudo desse cenário. O lugar praticado entre MC e FI é histórico, remete ao movimento permanente de intertextualidades e intermedialidades que alimentam as diferentes estruturas narrativas e os diferentes meios. É um lugar complexo “entremeado de resíduos e inovações, de anacronias e modernidades, sofisticadas ‘estratégias de antecipação’ e, da parte dos espectadores, um espaço de ativação de novas e velhas competências de leitura” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 8). 2. A relação das MC com as Competências de Recepção é mediada pelos movimentos de socialidade, enquanto a relação das MC com as Lógicas de Produção é mediada pelas mudanças na institucionalidade. A socialidade é gerada na invenção do cotidiano, isto é, na trama das relações diárias que tecem os homens ao juntar-se. Nesse processo, as MC ativam e moldam hábitos estéticos em espaços de ancoragem da práxis comunicativa, resultante de usos coletivos da comunicação: os espaços a serem investigados, nesta ordem, são aqueles momentos do cotidiano que expressam os modos de interpelação/constituição dos atores sociais e de suas relações com o poder. Ora cidadão, ora consumidor, mercadoria e/ou manifestante, o usuário do metrô é, em suma, um usuário-consumidor sintonizado com um tipo de produção biopolítica que só se faz possível através dos hábitos, especialmente aqueles de comunicação. A produção biopolítica apresenta a possibilidade de fazermos o trabalho político de criar e manter as relações sociais de maneira colaborativa nas mesmas redes comunicativas e cooperativas da produção social, e não em intermináveis reuniões noturnas [...] Neste sentido, a produção econômica e política coincidiram, e as redes colaborativas de produção sugeriram um arcabouço para uma nova estrutura institucional de sociedade (HARDT; NEGRI, 2005, p. 438). 18 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 Quando uma multiplicidade social é capaz de se comunicar e agir em comum, ao mesmo tempo em que se mantém internamente diferente, significa que o comum que compartilhamos é menos descoberto do que produzido, e por isso a importância de descobri-lo, não como uma volta ao passado, mas como um novo desenvolvimento. Uma abordagem etnográfica pode nos fornecer métodos para narrar espaços de socialidade no (e fora do) metrô, espaços integrados on e off-line, a descortinar instâncias gerativas da multidão. Nesse sentido, é Martín-Barbero (2003) mesmo quem nos lança um desafio em duas direções: a necessidade de incluir no estudo do popular não só aquilo que produzem culturalmente as massas, mas também aquilo que consomem, aquilo de que se alimentam; e a de pensar o popular – ou a produção do comum na cultura – não como algo limitado que se relaciona com seu passado, mas também e principalmente como algo ligado à mestiçagem e à complexidade do urbano, à polifonia e às formas de inovação social. Será importante levantar, aqui, as transformações na socialidade que remetem a movimentos – não necessariamente fundamentalistas ou nacionalistas – que se reencontram com o comunitário; destacaríamos aqueles voltados aos mecanismos de poder ligados aos equipamentos coletivos do transporte público, e os movimentos que ocorrem no cotidiano como manifestações reativas às relações de abstração, separação, abolição da troca através da mídia, que, tal como propôs Baudrillard em célebre capítulo8, não é coeficiente, mas efetuadora de ideologia. Do ponto de vista da institucionalidade, entre Matrizes Culturais e Lógicas de Produção, é preciso considerar a mediação densa de interesses e poderes contrapostos, que afetam a regulação dos dispositivos espaciais – em geral –, e dos dispositivos espaciais estéticos – em particular. Da parte do Estado, a concessão destes dispositivos implica na produção de discursos públicos cuja hegemonia encontra-se hoje do lado dos interesses privados. Neste caso, o que se deve observar são três coisas: a estrutura empresarial, em suas dimensões econômicas, ideológicas profissionais e rotinas produtivas: quais as rotinas produtivas das demarcações da (publi)cidade no metrô? Deve-se também observar a competência comunicativa, a capacidade de o metrô, como um lugar praticado, interpelar tanto o usuário quanto o consumidor, os esforços e 8 Ver Pour une critique de l’économie politique du signe, em Requiem pour les media (1972). 19 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 intercâmbios destas duas intenções comunicacionais distintas. Uma que tende a se voltar à experiência da viagem e à consagração da cidade, outra que se fixa na agenda de produtos e serviços. E a última observação deve ser sobre a evolução tecnológica, as inovações e usos da tecnicidade ao longo dos últimos anos que passam em grande medida pela capacidade de mediação dos Formatos Industriais. Segundo Barbero, a tecnicidade, que no mapa está entre Lógicas de Produção e FI, é menos assunto de aparatos que de operadores perceptivos e destrezas discursivas. O autor reforça que a estratégica mediação da tecnicidade se coloca atualmente em cenário de globalização, como conector universal do global. “As perguntas abertas pela tecnicidade apontam então para o novo estatuto social da técnica, ao restabelecimento do sentido do discurso e da práxis política, ao novo estatuto da cultura, e aos avatares da estética” (MARTÍNBARBERO, 2003, p. 10). 3. A mediação das Ritualidades remete-nos à memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de interação e repetição, aos papéis assumidos pelos atores. Elas constituem, na relação com os FI – discursos, programas ou palimpsestos –, percursos de espaços, gramáticas da ação – do olhar, do escutar, do ler – que regulam a interação do homem com a cidade, do “usuárioconsumidor” com o metrô. Importante destacar, aqui, o rito de passagem fundante de nosso objeto de pesquisa, que se dá no horizonte de passagem do usuário a cliente: o papel social do usuário, que quer fazer uso de um equipamento coletivo (exercer o direito de uso) é interferido pelo papel social do consumidor, desde o momento em que se cobra um valor monetário pelo serviço, até o momento em que as próprias estruturas narrativas publicitárias demarcam os espaços (estéticos) de uso. Esta ritualidade do consumo do espaço comunicacional indica que o usuário é feito de alvo de um tipo de assistência ao serem-lhe fornecidas indicações e instruções que ele, na busca de exercer seu direito de uso, não pediu, e que em algum grau o desviam desse exercício e o distanciam da dimensão positiva e criadora da viagem (CAIAFA, 2009). O olhar do viajante urbano concomitantemente mergulha e recua ante essa paisagem babélica. Nela, unem-se, em eterno conflito, o olhar limítrofe do flâneur e a sensibilidade vertiginosa do zapeador, construindo uma habilidade de pular de flash em flash, de cena em cena, de registro em registro. E, incessantemente, encadeia trilhos de imagens descarriladas, farejando não apenas as pistas do que foi, mas, igualmente, tateando as 20 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 imagens do vir a ser. A bricolagem se dá em movimento, em trânsito, em estado de descontinuidade e desordem (ROCHA, 2004, p. 159-160). As ritualidades, arrancadas do arcaico por cientistas sociais para iluminar as especificidades da contemporaneidade urbana, significam, hoje, modos de existência do simbólico em condição de fluxo cada vez mais intenso; neste sentido, do olhar do viajante urbano globalizado, a publicidade agora é totem, símbolo de uma coletividade, protetora e objeto de tabus e deveres particulares, metáfora de trajetórias de iniciação e ritos de passagem, serialidade ficcional e repetição ritual. A partir de uma observação das ritualidades na (publi)cidade é possível “entrever o jogo entre cotidianidade e experiências da diferença, da ressacralização, do reencantamento do mundo a partir de certos usos ou modos de relações com os meios, entre inércias e atividade, entre hábitos e iniciativas do olhar e do ler” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 11). Neste espaço entre Formatos Industriais e Competências de Recepção, localizamos o nexo simbólico que sustenta boa parte de nossa perspectiva estética e crítica do fenômeno da comunicação (publi)citadina; em linhas gerais, são nossos objetivos: – Descobrir um panorama sobre os tipos de consumo publicitário no metrô: fluxos de uma enunciação da recepção publicitária. – Sistematizar imaginários vinculados aos produtos midiáticos, seus valores manifestados, e descobrir a importância da negociação de sentido nesse processo. Conclusão Este artigo pretendeu fazer uma espécie de reformulação da problemática do objeto de pesquisa por nós em construção, a (publi)cidade no metrô de São Paulo. Tentamos apresentar a característica de demarcações hegemônicas de consumo neste cenário, em que as formas de comunicação/informação agenciam a construção de subjetividades singulares, num aparente paradoxo de produção massificante. A cidade tornada suporte para emblemas do marketing é (publi)cidade, lugar praticado de uma negociação de sentidos, na perspectiva do poder simbólico vigente; é constituída por práticas de socialidade e ritualidade, mediadas pela incontestável centralidade que ocupam os meios de 21 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 comunicação e consumo na transformação das competências de recepção e participação na cultura/política. Quando a (publi)cidade é metrô, a tônica da problemática passa, portanto, pelo lugar praticado de um equipamento coletivo, pela “fricção” da instância de exercício/direito de uso com a instância demarcatória do consumo. Esta última, antes de se projetar como dispositivo espacial estético (e de algum tipo de acesso público), escamoteia a pauperização e a exclusão de uma multidão que geralmente não pode usar o metrô – que às vezes circula nas estações e vagões a pedir dinheiro –, e a construção de um espaço hegemônico de comunicação, cujos contratos, ligados à institucionalidade e à tecnicidade, respondem a lógicas restritas de produção para o mercado. São essas lógicas que, segundo Barbero (2003, p. 5-6), não podem produzir vínculos societais, pois que estes se constituem em processos de comunicação de sentido, enquanto que “o mercado opera anonimamente mediante lógicas de valor que implicam em trocas puramente formais, associações e promessas evanescentes que somente engendram satisfações ou frustrações, nunca, porém, sentido”. No âmbito das reflexões sobre as Linguagens e Estéticas da Comunicação, particularmente no que essas apontam para o estudo das conexões entre a generalidade histórica dos fatos e a singularidade da produção do discurso polissêmico, considerado na arte, no cotidiano e na indústria cultural, projetou-se o objeto de pesquisa através do mapa das mediações de MartínBarbero. O mapa é de 2003, remete-se à segunda edição de Dos meios às mediações, surgido em 1987, e representava para o autor um mapa das novas complexidades nas relações constitutivas entre comunicação, cultura e política. O estudo aqui apresentado, visando, então, percursos metodológicos de construção do objeto de pesquisa, fixa sua justificativa e relevância para o Campo nestas visões barberianas do devir social, no rumo que estaria necessitando a investigação sobre as relações entre comunicação e cultura na América Latina. Desdobradas em dois projetos distintos e dialéticos, identificamo-nos com aquele que, partindo da envergadura econômico-cultural que adquiriram as tecnologias audiovisuais e informáticas nos acelerados processos de globalização, busca levar em conta os meios na hora de construir políticas culturais que façam frente aos efeitos dessocializadores do neoliberalismo e insiram explicitamente as indústrias culturais na construção econômica e 22 São Paulo, n. 9, jan-jun. 2014 política da região. O outro projeto resulta da combinação do otimismo tecnológico com o mais radical pessimismo político, e o que busca é legitimar, através do poder dos meios, a onipresença mediadora do mercado (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 1). Este último projeto, segundo o autor, é o hegemônico, frente ao qual resulta mantermos a estratégica tensão epistemológica e política, sem a qual seria impossível o pensamento crítico. Um estudo que leve em consideração o consumo como lugar de exercício da cidadania e de constituição das identidades culturais, como bem apontou Canclini (1995), deve buscar “estabelecer a produção de sentido como critério comum aos processos de recepção na publicidade e nas práticas de consumo”, como sugere Trindade (2008, p. 73). A (publi)cidade no metrô de São Paulo, por constituir-se como operações de demarcação do espaço público, a um só tempo polifônica e midiática, meio e interface, é um complexo de dispositivos espaciais de fruição de uma série de tipos de acesso discursivos, indicando, nesta medida, ser também o espaço do diálogo e da participação na cultura: convertida à dimensão do uso do equipamento coletivo, assume a chance de se permitir ao usuário marcar sua atividade criativa na cidade. Em outras palavras, a publi(cidade) é um conceito indicador de que a publicidade na cidade pode assumir também a função de nos conduzir ou orientar, propiciando a viagem. Referências AQUINO, Victor. Estética, de múltiplos significados e rara precisão. Revista Estética, São Paulo, n. 8, Jan. 2012. Disponível em: < http://www.usp.br/estetica/index.php/artigo-1-revista-8>. Acesso em: 10 Jul. 2013. AUGÉ, Marc. Para onde foi o futuro? Campinas: Papirus, 2012. BAUMAN, Zygmunt. 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