- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA
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UNIVERSIDADE FEDERAL MARANHÃO – UFMA. CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Carla Maria Lobato Alves (EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO: Vivências de Mulheres. São Luís – MA 2011 CARLA MARIA LOBATO ALVES (EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO: Vivências de Mulheres. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sandra Maria Nascimento Sousa. SÃO LUÍS - MA 2011 Alves, Carla Maria Lobato (En)gendramento na passagem do tempo: vivências de mulheres / Carla Maria Lobato Alves. - São Luis, 2011. 210f. Orientadora: Profª. Drª. Sandra Maria Nascimento Sousa Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Maranhão, 2011. 1. Mulher – História e memória I. Titulo. CDU 396 – 053.89 CARLA MARIA LOBATO ALVES (EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO: Vivências de Mulheres. ___/____/___ Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________ Sandra Maria N. Sousa (Orientadora) Prof.ª Dr. ª em Ciências Sociais Universidade Federal do Maranhão (PPGCSoc) ______________________________________________________ Francisca Verônica Cavalcante Prof.ª Dr. ª em Ciências Sociais Universidade Federal do Piauí (PPGAArq) ______________________________________________________ Álvaro Roberto Pires Prof. Dr. em Ciências Sociais Universidade Federal do Maranhão (PPGCSoc) Dedico este trabalho à minha família. AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom da vida e pelas bênçãos concedidas. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de estudos, durante todo o curso, que possibilitou adquirir materiais e investir na participação de eventos científicos; investimento intelectual que resulta nessa Dissertação de Mestrado. Aos meus pais, Jarbas e Socorro, que sempre me incentivaram a trilhar no caminho do conhecimento. Em especial à minha mãe, por incentivar cada etapa de meus estudos. Obrigada por seu amor, carinho e atenção. À minha avó Glória, minha irmã Silvana e minhas sobrinhas, Gabriela e Rafaela. Ao meu irmão Eduardo por, muitas vezes, propiciar recursos materiais que se fizeram necessários em minha trajetória acadêmica. À minha orientadora Sandra Maria Nascimento Sousa. Seu apoio foi, desde o princípio, muito importante. Sem sua ajuda nada disso seria possível. Às coordenadoras do GEN e da UNITI, respectivamente, Jacira Nascimento Serra e Hortência Maciel, por terem me recebido nestas instituições. Agradeço ainda à médica geriatra Maria Zally Borges San Lucas, por facilitar meu contato com o grupo de convivência do GEN. A Rosa, Joana, Rosário e Francisca, mulheres que se tornaram interlocutoras deste estudo, por terem concedido seu tempo com os relatos acerca de suas vivências; bem como pela atenção, hospitalidade e confiança obtidas com o transcorrer de nossos prazerosos encontros. Aos professores Álvaro Roberto Pires e Maristela de Paula Andrade pelas contribuições na qualificação. À professora Francisca Verônica Cavalcante que gentilmente aceitou o convite para compor a banca examinadora deste estudo com o professor Álvaro Roberto Pires. Aos professores do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Ciências Sociais que ajudaram na constante problematização e construção do objeto de estudo. Às secretárias Mary, Soraya e Paula pela disponibilidade, prontidão e paciência a cada ajuda que me foi concedida. A todos os colegas da turma seis com quem compartilhei alegrias e momentos de desespero durante as disciplinas: Bianca Bezerra, Bruno Leonardo Ferreira, Carolina Portela, Karla Suzy Pitombeira, Raissa Moreira Lima, Roseane Dias e Suellen Bastos. Em especial, agradeço a Andréa Sousa, Jesus Marmanillo e Débora Melo pelas conversas que ajudaram a esclarecer nossos questionamentos, pelo apoio e incentivo nos momentos difíceis. Às amigas de todos os momentos Renata Mesquita, Carolina Torres e Darles Pires. Agradeço por compartilhar com vocês momentos felizes e tenho certeza que nossa amizade fez com que vocês compreendessem algumas das minhas ausências nos momentos de lazer. Juciana Sampaio, amiga que carinhosamente chamo de “minha co-orientadora”, foi uma pessoa muito importante na construção desta dissertação, pois foi com quem sempre pude desabafar e compartilhar minhas dúvidas, receber críticas e sugestões. Também agradeço aos demais colegas que, direta ou indiretamente, ajudaram nesta caminhada. Dentro de mim, bem no fundo, há reservas colossais de tempo. Futuro, pós-futuro, pretérito... Carlos Drummond de Andrade. RESUMO Este estudo analisa processos de mudanças e/ou permanências nos papéis de gênero a partir das vivências familiares de mulheres, na faixa etária de 60 a 75 anos, que participam dos grupos Gerenciamento do Envelhecimento Natural (GEN) e Universidade da Terceira Idade (UNITI), ambos localizados na cidade de São Luís, Maranhão. Através da articulação entre Memória e da História de Vida, enquanto recursos técnico-metodológicos, Rosário, Joana, Francisca e Rosa registram variados episódios e contextos percorridos ao longo da passagem do tempo. Resgatam reminiscências que consideraram significativas em suas trajetórias de existência e destacam, sobretudo, diferenças entre os modos nos quais homens e mulheres são socializados diante dos “padrões sociais” de conduta de cada época. Nesse sentido, as narrativas ressaltam a configuração de um sistema binário de relações de gênero que, em geral, preconiza o masculino e o feminino a atributos demarcados como opostos e excludentes em relação às vivências no casamento, ou outras formas de conjugalidade, criação e orientação de filhos, cuidados com a saúde, conhecimento das mudanças corporais e práticas da intimidade. Palavras- chave: Mulheres, Memória, Velhice e Relações de Gênero. ABSTRACT This study examines processes of change and / or continuities ingender roles from the family experiences of women, aged 60-75 years, participating groups Gerenciamento do Envelhecimento Natural (GEN) e Universidade da Terceira Idade (UNITI), both located in São Luis, Maranhão. Through the link between Memory and History of Life, while technical and methodological resources, Rosário, Joana, Francisca e Rosa recorded several episodes and contexts traveled along the passage of time. Recover memories they considered significant in their paths of existence and out, above all, differences between the ways in which men and women are socialized before the “social standards” of conduct for each season. In this sense, the narratives highlight the configuration of a binary system of gender relations in general, calls the masculine and feminine marked as opposite and mutually exclusive in relation to experiences in marriage or other forms of couples, creation and guidance of children, health care, awareness of bodily changes and practices of intimacy. Keywords: Women, Memory, Old Age and Gender Relations. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Julieta e Romeu, Novela Sete Pecados (TV Globo, 2007)....................123 Figura 2 – Copélia, Seriado “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010).................124 Figura 3 – Avó e neta, Comercial “Havaianas Fit”..................................................125 Figura 4 – Avó, Remake Comercial “Havaianas Fit”...............................................126 LISTA DE SIGLAS ABRAZ – Associação Brasileira de Alzheimer ACEPI - Associação Cearense Pró-Idosos ACT – Ação Comercial Trabalhista AGE – Advocacia Geral do Estado AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AL – Aliança Libertadora ALCOA – Alcoa Alumínio S.A. ALUMAR – Consórcio de Alumínio do Maranhão AVC – Acidente Vascular Cerebral BNB – Banco do Nordeste do Brasil BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAPS - Caixas de Aposentadoria e Pensões CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica CEST – Faculdade Santa Teresinha CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas COBAP - Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas COHAB – Conjunto Habitacional COHATRAC – Comunidade Habitacional dos Trabalhadores Comerciários DPI – Delegacia de Proteção ao Idoso DF – Distrito Federal FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural. GEN - Gerenciamento do Envelhecimento Natural GENI - Grupo de Estudos Gênero, Memória e Identidade H1N1 – Influenza tipo A IAPS - Institutos de Aposentadoria e Pensões IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS – Instituto Nacional de Previdência Social INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social LBA – Legião Brasileira de Assistência Social MA – Maranhão MAP – Musculatura do Assoalho Pélvico MOPI - Movimento Pró-Idosos MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PAI – Programa de Assistência ao Idoso PD – Partido Democrático PEM – Partido Evolucionista Maranhense PETROBRÁS – Petróleo Brasileiro S.A. PI – Piauí PPB – Partido Proletário Brasileiro PR – Partido Republicano PRF – Partido Republicano Federal PSB – Partido Socialista Brasileiro PSD – Partido Social Democrático PSDM - Partido Social Democrático Maranhense PSP – Partido Social Progressista PST – Partido Social Trabalhista PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro RJ – Rio de Janeiro RS – Rio Grande do Sul SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia SEARHP - Secretaria de Estado de Administração, Recursos Humanos e Previdência SEMARC – Serviço de Marcação de Consultas SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESC - Serviço Social do Comércio STE – Supremo Tribunal Eleitoral TRE - Tribunal Regional Eleitoral TV - Televisão UDN - União Democrática Nacional UEMA – Universidade Estadual do Maranhão UFMA – Universidade Federal do Maranhão UNITI - Universidade Integrada da Terceira Idade URM – União Republicana Maranhense UTI – Unidade de Terapia Intensiva ZBM – Zona de Baixo Meretrício SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...............................................................................................................15 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................18 1. Velhice, Idade Avançada: um problema social em evidência..........................................19 1. 2 A Construção das Categorias de Análise do que é ser velho, idoso e da terceira idade.......................................................................................................................21 2. Experiências de “Sujeitos Idosos” e Demarcações de Gênero: delineamento do tema de estudo....................................................................................................................24 3. Narrativas e Interlocutoras...............................................................................................32 CAPÍTULO 1 – CONJUNTURA SOCIAL DE SÃO LUÍS DOS ANOS 1930 a 1950 E OS PAPÉIS DE GÊNERO...............................................................................................39 CAPÍTULO 2 - VIVÊNCIAS NOS “GRUPOS DE IDOSOS”...............................................54 CAPÍTULO 3 – VIVÊNCIAS NO CONTEXTO FAMILIAR E ESCOLARIDADE..................74 CAPÍTULO 4 – “SOCIEDADE MODERNA” E (EN)GENDRAMENTO DE “INDIVÍDUOS”.....................................................................................................................90 4.1 Espaço da Domesticidade: papéis de gênero e divisão de tarefas...............................91 4.2 Corpo e Cuidados com a Saúde....................................................................................95 4.3 Corpo e Padrões de Beleza.........................................................................................101 4.4 Mudanças Corporais: entre experiências veladas e o conhecimento..........................107 4.5 Memórias de Práticas Sexuais.....................................................................................113 4.5.1 Desejo e Prazer em Práticas Sexuais.......................................................................117 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................132 REFERÊNCIAS.................................................................................................................135 ANEXOS............................................................................................................................144 Roteiro de Apresentação.................................................................................................145 Rosário..............................................................................................................................146 Joana.................................................................................................................................160 Francisca..........................................................................................................................177 Rosa..................................................................................................................................193 15 APRESENTAÇÃO Este estudo é constituído por narrativas de mulheres que tem atualmente entre 60 e 75 anos de idade. Narrativas que foram colhidas ao longo de um período de 8 meses, cuidadosamente interpretadas à luz de alguns estudos de gênero que, também, constituíram interpretações mais amplas a respeito das condições sociais em que se forjam o “ser mulher” e o “ser homem”, em relações desiguais de poder. Neste caso, falo especialmente de alguns discursos feministas. Várias foram as interpretações sobre essas desigualdades, muitas vezes atribuindo aos homens a dominação e a opressão das mulheres, especialmente aquelas que circularam entre os anos 1970 e 1980. Muitas mudanças nas conjunturas históricas e sociais predispuseram outros olhares, outras interpretações que desestabilizavam a perspectiva das relações de gênero entre opressores (homens) e oprimidas (mulheres) muito próprias de um determinado contexto histórico-cultural. Michel Foucault foi um autor importante para as estudiosas de gênero ao discutir o poder como conjunto de relações dispersas em micro relações, descaracterizando a perspectiva dual acima destacada. Ao final dos anos 1980 e nos anos 1990, destacou-se a importância do gênero como uma categoria de análise, com a qual se percebe a construção polarizada em feminino e masculino para classificar e hierarquizar sujeitos em nossa sociedade ocidental. Como base dessa classificação, vários discursos no âmbito da ciência médica, psiquiátrica e biológica atestam que a anatomia - o órgão genital - é o referente da “diferença sexual”. Podemos acrescentar que estes discursos produzem desigualdades à medida que homens e mulheres seriam “naturalmente” dotados de uma fisiologia específica, associada aos critérios de superioridade e inferioridade. Outra configuração dessa perspectiva é a de que o corpo é natureza e o gênero é o suporte cultural que define a identidade dos sujeitos. Outros discursos científico-institucionais, tais como os da Psicologia do Desenvolvimento e da Biologia, também definem as fases da vida em que se 16 inserem os sujeitos do gênero, distribuindo atributos e competências, como padrões ideais, através dos quais estes sujeitos são referidos e comparados. Nesse sentido, o gênero é uma categoria importante neste estudo à medida que se refere à possibilidade de se perceber a complexidade das relações de poder entre homens e mulheres, assim como estes sujeitos se tornam homens e/ou mulheres – no sentido de que um destes pólos exclui o outro como opositor, o que significa que ser homem é demarcado distintamente do ser mulher. Trabalho, portanto, com a articulação possível entre gênero e memória buscando apoio em outras autoras dos estudos de gênero que entendem que as demarcações rígidas e fixas das identidades e papéis de gênero se flexibilizam e ressignificam constantemente. Joana, Rosário, Francisca e Rosa, foram mulheres que se tornaram colaboradoras e co-autoras deste estudo e à medida que constroem as narrativas, de suas experiências, vou efetuando um trabalho de interpretação de segunda mão, inspirada no que ressalta Clifford Geertz: “os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão. (Por definição, somente um nativo faz a interpretação em primeira mão: é a sua cultura)” (2008, p.11). A estrutura textual na qual organizo e sistematizo interpretações e análises reúne, além desta apresentação, uma introdução, três capítulos, considerações finais e os anexos, como apresento, a seguir: Na introdução apresento a problematização das categorias de análise velho, idoso e terceira idade, ressaltando os sentidos históricos e políticos que as envolvem e os variados critérios (biológico, etário, econômico e social) que algumas instituições lhes imputam. Ainda indico os caminhos percorridos (escolhas, dificuldades e estratégias) e as fontes teorias utilizadas ao longo do constante processo de construção do objeto de estudo. No primeiro capítulo destaco o panorama social, político e econômico de São Luís, MA, durante as décadas de 1930 a 1950, interligando esta conjuntura local com as transformações políticas e sociais que aconteciam no âmbito nacional. Ainda ressalto que são mínimos os espaços destinados às mulheres na Historiografia 17 Oficial, através de jornais e documentos da época, como se aqueles feitos e fatos conjunturais estivessem desatrelados de suas vidas, pois somente algumas publicações da época, revistas e colunas de jornais, eram destinadas às mulheres, reforçando a distinção dos papéis de gênero que atribuía o mundo público aos homens, e o mundo privado às mulheres, como esferas separadas. No segundo capítulo realizo uma discussão sobre o envelhecimento levando em consideração a inserção de Rosa, Joana, Rosário e Francisca em “grupos de idosos” GEN e UNITI, destacando como significam suas vivências nesses grupos. No terceiro capítulo focalizo suas rememorações no contexto escolar e familiar em período considerado da infância ressaltando, sobretudo, os papéis de pais e de filhos, relações de autoridade e poder vinculadas a regras e transgressões que perpassaram suas vivências até a condição de mulheres adultas. No quarto capítulo analiso como destacam modos de distinção nas especificidades do gênero – homens e mulheres – naturalizadas em acordo com o sistema hetero-normativo, segundo o qual as tarefas de trabalho, criação e orientação de filhos, cuidados com o corpo, e, sobretudo, vivências em relação a namoro, casamento, outras formas de conjugalidade, práticas eróticas e sexuais são diferenciadas e justificadas como sendo referidas a uma natureza biológica. Em anexo localizo as histórias de vida narradas por Rosa, Joana, Rosário e Francisca. Destaco aos leitores o modo como suas narrativas são apresentadas. Estas seguem uma seqüência livre e também movimentos de avanços e recuos, como é o trabalho da memória. O tempo das lembranças não é linear, é um “tempo reversível”1 em que se articulam passado, presente e futuro, algumas vezes em convergência. INTRODUÇÃO 1 Alfredo Bosi (1992) e Maurice Halbwachs (2006) acentuam em seus estudos essa concepção de “tempo reversível” para explicarem imbricações das lembranças no percurso dos relatos. 18 As classificações que demarcam e inserem os sujeitos nas denominadas idade da vida, infância, adolescência, juventude e velhice2, provém de campos científicos, predominantemente, da biologia e da psicologia, que estabeleceram estas etapas priorizando critérios anatômicos e biológicos. Philippe Ariès (1981) demonstra que as idades da vida foram construídas a partir do começo da Idade da Moderna, entre os séculos XVI até o XIX, levando em conta as divisões da historiografia, através de características que lhes seriam peculiares, porém distintas entre si. Nos séculos XIV e XV, um único termo era utilizado para fazer referência, por exemplo, tanto a uma criança quanto a um rapaz3, pois a demarcação entre infância, adolescência e juventude não existia na forma como hoje são conhecidas. No entanto, foi no século XVII, segundo Ariès (1981), com a assimilação do sentimento de amor e dos cuidados com infância, que se passou a reconhecer a necessidade de limitar a participação destas no “mundo dos adultos”. A adolescência foi demarcada como período distinto da infância em meados do século XIX, pela atribuição de algumas características como espontaneidade e alegria de viver. A juventude foi delimitada pela força e liberdade no século XIX. Durante os séculos XVI e XVII, a velhice foi considerada a idade da caduquice e o termo ancião tinha conotação de algo considerado ridículo. Essas atribuições persistiram até o século XIX, porém os termos ancião e velho só desapareceram, em geral, de discursos médicos e institucionais no século XX, quando então foram substituídos, segundo Ariès (1981), por “homem de certa idade” e também por “idoso” e “terceira idade”, segundo Clarice Peixoto (2007) e Guita Debert (2004). Tendo em mente que tal classificação foi formulada em contexto histórico, cultural e político europeu, não posso desconsiderar, porém, a relevância de sua expansão para outros continentes. Por mais que seja uma construção localizada no tempo e no espaço, tem sido reiteradamente atualizada anulando entrecruzamentos 2 Utilizo o itálico em algumas passagens para destacar alguns elementos no texto. Valets, garçoon, fils e beau fils eram algumas das expressões compartilhadas. Ariès (1981, p.41) (grifos do autor). 3 19 que se constituem pelas diferenças de raça, etnia, classe social e gênero. Em geral, enquadra os sujeitos como se tais categorias, infância, adolescência, juventude e velhice, fossem representativas de sujeitos homogêneos. A tarefa do sociólogo, porém, não é assumir, cristalizar ou confirmar as classificações já dadas, mas demonstrar, especialmente no caso das categorias velho, idoso e terceira idade processos pelos quais as pessoas passaram a ser assim designadas e classificadas. As categorias não são envoltórios vazios, ao contrário são preenchidas histórica e politicamente de sentidos múltiplos, podendo ser orientadas por critérios biológico, etário, produtivo-econômico ou social. Apresento, a seguir, uma discussão a respeito das categorias velho, idoso e terceira idade uma vez que este estudo discorre, como já foi mencionado, sobre narrativas de mulheres que, segundo referência de faixa etária, têm atualmente entre 60 e 75 anos de idade. 1 Velhice, Idade Avançada: um problema social em evidência. Como hoje a categoria idoso, em substituição à categoria velho, está presente no cotidiano e é usualmente empregada pelas pessoas nos meios de comunicação, nas instituições, nos setores públicos e privados, nas conversas, em palestras, no meio acadêmico e outros, é necessário refletir que ela nem sempre esteve presente como questão socialmente relevante nestes ou em outros discursos, mas cabe aqui questionar como foi possível seu uso ter se tornado tão comum hoje? Que processos envolveram a emergência desta categoria e de outras, como velho e terceira idade? Para responder estas questões, busco subsídios nas elaborações teóricas do sociólogo francês Remi Lenoir (1998) com intuito de demonstrar que as categorias que permeiam as relações sociais, das quais o sociólogo também faz parte, são elaboradas socialmente. Remi Lenoir (1998) lembra que o primeiro obstáculo do sociólogo é realizar a desnaturalização dos objetos que estão dados naturalmente, como bem exemplifica a respeito das noções de velhice, de família e dos imigrantes. Aqui, interessa-me mais especificamente a velhice, pois como evidenciado, esta já possui uma noção pré-construída devido ao seu uso ter se tornado tão naturalizado. Isto pode ser perceptível na medida em que qualquer pessoa pode julgar ter uma ideia do que 20 venha a ser a velhice, ou de que maneira a vivenciará. As contribuições de Lenoir (1998) ajudam a compreender que a velhice é relacional e não pode ser considerada uma realidade homogênea para todas as pessoas que chegam a uma idade avançada. De acordo com Lenoir (1998), a velhice surgiu como um problema social na classe operária francesa no século XIX, pois os empresários passaram a considerar baixo o desempenho produtivo e, consequentemente, econômico dos operários que possuíam idade avançada. O que fazer com estes que não serviam para exercer as atividades lucrativas? Até que fossem criadas as caixas de aposentadoria não se sabia se os encargos da velhice ficariam com os empresários ou com as famílias4. Lenoir (1998) percebe o caráter relacional da velhice nos jogos de poder do campo das profissões, pois compara as idades em que os operários e empresários envelhecem e revela que para aqueles a idade cronológica é menor tendo em vista a incapacidade do desempenho de funções sociais e produtivas, como pode ser observado a seguir: (...) segundo os empregadores, a mais importante ‘deficiência’ dos trabalhadores que estão envelhecendo, é o ‘enfraquecimento das faculdades de aptidão às novas tarefas, métodos ou técnicas’, em seguida, é mencionada a ‘perda de velocidade’, a ‘perda de força’, e depois a perda da ‘vivacidade intelectual’, da ‘habilidade’, da ‘memória’ e, em último lugar, ‘a inaptidão para o comando’. Por outras palavras, isso significa que a diminuição, com a idade, das qualidades julgadas necessárias pelos empregadores para o exercício das diversas atividades profissionais ou, se preferirmos, a idade a partir da qual as diferentes categorias sociais começam a ‘envelhecer’ é mais precoce para os membros das classes mais baixas: para os empresários, os trabalhadores braçais são considerados como 100% produtivos somente até a idade média de 51,4 anos; os operários sem qualquer qualificação até 53,5; os contramestres até 55,9; os executivos até 57,9; e nenhuma idade é fixada para os empresários (...) (ibidem ,1998, p.72). Foram elencados, como se pode observar, alguns marcadores para considerar a velhice daqueles operários, mas acrescento que é devido às ações dos experts ou especialistas que um problema é transformado em problema social. Lenoir (1998, p.84) menciona que a função dos experts, ou seja, aqueles que são 4 No Brasil, segundo Solange Teixeira (2003), a velhice ganhou visibilidade como questão social na década de 1920, com a criação das CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões), geridas pelas empresas. Posteriormente, foram criados os IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), geridos pelo Estado, mas somente algumas categorias profissionais eram assistidas com os benefícios. No Governo de Getúlio Vargas os direitos dos benefícios garantidos pelos IAPs foram estendidos a todos trabalhadores regulamentados pela CLT( Consolidação das Leis do Trabalho). 21 detentores de um saber oficial e legítimo, “pressupõe um verdadeiro ‘trabalho social’ que compreende duas etapas essenciais: o reconhecimento e a legitimação do ‘problema’ como tal”. Logo, o reconhecimento torna um problema visível e digno de atenção e a legitimidade, esta nem sempre resultado do reconhecimento, opera na inserção daquele problema nas preocupações do momento. Foi isso que aconteceu com a questão previdenciária, pois como as famílias não tinham como suportar os encargos da velhice dos operários, os experts recomendaram uma atenção mais efetiva por parte do Estado. 1.2 A Construção das Categorias de Análise do que é ser velho, idoso e da terceira idade. Contemporaneamente, vários fatores podem ser elencados para determinar se uma pessoa é considerada velha ou não. Podem ser os aspectos fisiológicos e orgânicos, ou uma determinação etária que demarque o limite entre a passagem da vida adulta para a velhice? Se assim considerar, poderia questionar se toda pessoa é considerada velha por apresentar unicamente ou os cabelos brancos, ou a pele enrugada, ou ainda dificuldade de locomoção? Se todas as pessoas que atingem a demarcação etária adotada pelo sistema previdenciário brasileiro, para receber aposentadoria por idade, são consideradas velhas e velhos?5 Será que outros países compartilham desta mesma demarcação etária ou estendem-na para concedê-los? Por que assim o fazem? Quais os interesses dos sistemas previdenciários e econômicos ao determinarem uma idade menor ou maior para aposentar as pessoas? Ainda questionaria se todos os sujeitos que atingem os 60 anos de idade se consideram e se identificam como idosos a partir de uma determinação legal estipulada pela classificação criada em 1985, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas (ONU), adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)? 5 O sistema previdenciário brasileiro concede benefícios segundo as seguintes especialidades: aposentadorias (especial, por idade, por invalidez e por tempo de contribuição), auxílios (acidente, doença e reclusão), pensão por morte, salário-família, salário-maternidade. A aposentadoria por idade no Brasil segue, conforme Lei Nº. 9.876 de 26 de novembro de 1999, a demarcação etária de 60 e 65 anos de idade, respectivamente, para mulheres e homens trabalhadores urbanos e 55 e 60 anos de idade, respectivamente, para mulheres e homens trabalhadores rurais. http://www.previdenciasocial.gov.br . Acesso em: 15 de setembro de 2010. 22 De acordo com estudos de Lenoir (1998), Mercadante (2005), Mascaro (2004) e Beauvoir (1970), as categorias velho, idoso, terceira idade, entre outras, são formuladas a partir de diversos critérios que variadas instituições lhes imputam, segundo os jogos de interesses nas quais estão envolvidas, tais como, proteção à saúde, à segurança, à assistência previdenciária, sendo preciso, sobretudo, considerar o contexto de tempo e de espaço nos quais estão situadas as pessoas consideradas velhas ou idosas, pois como afirma a antropóloga Elisabeth Mercadante, “sempre se é velho em algum lugar e num determinado tempo histórico” (2005, p.74). Segundo Clarice Peixoto (2007), velho (vieux) ou velhote (vieillard) eram categorias que se referiam às pessoas que, na França, não tinham status social e posses materias, pois as que as detinham eram reconhecidas como idosas (personne âgée). Nesta diferenciação está evidente o caráter relacional que demarca a conotação dos termos segundo fatores econômicos. Jacira Serra (2005) relata que o termo idoso foi trazido para o Brasil, na década de 1960, para substituir o termo velho dos documentos oficiais. Posteriormente, em 1985, a OMS e a ONU estipularam a determinação etária de 60 anos para os países considerados subdesenvolvidos e 65 anos para países considerados desenvolvidos. No entanto compreendo que tais demarcações não deixam, muitas vezes, evidentes outros critérios, além da faixa etária, que as instituições utilizaram para determinar quem é considerado idoso ou não. Guita Debert (2004) revela que a categoria terceira idade surgiu na França na década de 1970, com a criação da “Universités du Troisième Âge”. Posteriormente, em 1981, expressão similar foi utilizada em Cambridge, na Inglaterra, quando foi implantada a “Universites of the Third Age”. Esta categoria foi utilizada no Brasil, inicialmente, pelo gerontólogo Marcelo Salgado, na década de 1970, época em que esteve à frente da direção do Serviço Social do Comércio (SESC). A proposta de utilização das categorias seria a de amenizar o caráter pejorativo associado à categoria velho e, também, transmitir a noção de que o processo de envelhecimento pode ser ativo, independente, autônomo, rejeitando, dessa forma, estereótipos e preconceitos vinculados à categoria velho. 23 Desse modo, vários sentidos são atribuídos aos sujeitos, com valores positivos e negativos, tendo sempre como referência principal a faixa etária. Isto se reafirma contemporaneamente com a Lei Nº. 10.741, também conhecida como Estatuto do Idoso, instituída a partir de 01 de outubro de 20036. Segundo esta lei, as pessoas com mais de 60 anos de idade têm prioridade de atendimento em serviços públicos e privados (artigo 3º), como filas de agências bancárias, de supermercados e casas lotéricas, vagas preferenciais em estacionamentos públicos e privados (artigo 41), gratuidade da passagem em transporte coletivo urbano (artigo 39)7, gratuidade das passagens intermunicipais e interestaduais (artigo 40)8 e meia entrada em eventos culturais, como cinema, shows e teatro (artigo 23). Chamo atenção que nem sempre estas determinações são cumpridas, pois são frequentes as transmissões de reportagens na mídia televisiva, local e nacional, embora também presentes em periódicos e na internet, nas quais os considerados idosos, que deveriam ser os beneficiados, apresentam reclamações sobre o não cumprimento de tal lei e exigem as medidas cabíveis. Estas classificações, portanto, como já afirmamos, resultam de lutas simbólicas para definição e legitimação do que é ser criança, adolescente, jovem, adulto e velho. Karl Mannheim, em “O problema das gerações” (1982), publicado em 1928, revisa vários enfoques teóricos sobre os modos de classificar sujeitos e populações e percebe que não há unidade nestes trabalhos. Sua problematização inicia por não associar as diversas classificações ao tempo cronológico pautado, principalmente, na forma linear, pois não basta que os sujeitos tenham nascido em uma mesma época, é preciso que estes compartilhem da possibilidade/potencialidade de presenciar os mesmos acontecimentos e vivenciar experiências semelhantes para serem considerados de uma mesma geração. Por 6 Desde 1998, o projeto lei nº57, de autoria do então deputado federal Paulo Paim (PT-RS), já tramitava no Congresso Nacional dando futuramente bases à formulação do Estatuto do Idoso (Haddad, 2001). 7 A lei federal Nº 10.741 de 01/10/03, estipula no artigo 39 a gratuidade nos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores de 65 anos e, no parágrafo segundo, lhes reserva 10% (dez por cento) dos assentos, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos. Para aqueles que a faixa etária compreende entre os 60 e 65 anos, deixa a cargo da legislação local. Em São Luís, MA, a lei municipal Nº 4.929 de 30 de maio de 1989 estipula a gratuidade nos transportes coletivos aos maiores de 65 anos. 8 A lei federal Nº 10.741 de 01/10/03, no artigo 40, inciso I, reserva duas vagas gratuitas nos transportes interestaduais para pessoas idosas que tenham renda inferior ou igual a dois saláriosmínimos. Já estando estas duas vagas ocupadas por idosos, no inciso II, concede 50% (cinqüenta por cento) de desconto às demais pessoas consideradas idosas. 24 considerar o fluxo da história, Mannheim ressalta que as gerações não são fixas, uma vez que sofrem mudanças contínuas, processos dinâmicos e interativos. Tendo, desse modo, realizado esta breve discussão a respeito de algumas das categorias de entendimento a respeito do que se designa como velho, idoso e terceira idade, categorias mais sistematicamente utilizadas, caminho, agora, em direção a destacar algumas das inquietações que me trouxeram a este estudo. 2 Experiências de “Sujeitos Idosos” e demarcações de gênero: delineamento do tema de estudo. O estágio curricular, cumprido junto à Delegacia de Proteção ao Idoso (DPI), na cidade de São Luís - MA, me possibilitou realizar uma reflexão crítica no exercício de elaboração de meu trabalho monográfico para conclusão do Curso de Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a respeito de sujeitos designados como idosos e dos casos de violência, que eram frequentemente registrados naquela delegacia. Busquei entender processos constitutivos daquela trama social na qual estes sujeitos apareciam em situação de fragilidade, como vítimas de agressões e violências, na maioria das vezes praticadas por seus parentes próximos9. A análise dos relatos, que me foram concedidos naquele trabalho, me chamou a atenção, além da questão da violência, para o fato de que as mulheres e os homens narravam, diferentemente, muitas outras histórias vividas com seus familiares, amigos ou companheiros conjugais. Deste modo, mesmo tratando-se de destacar uma experiência comum – a de serem agredidos ou violentados – traziamme o questionamento de que eram diferentes as formas de expressão para as experiências vividas. Assim, meu olhar se voltava, sobretudo, para perceber as demarcações de gênero que apontavam desigualdades de poder nas relações profissionais, familiares, conjugais, vida amorosa e em relações de intimidade, em geral. 9 ALVES, Carla M. L. Vivências de velhos e situações de violência. Monografia. (Curso de Ciências Sociais) – UFMA/MA. São Luis, 2007. 25 Atentando aos seus relatos, ia enveredando na direção de conversas sobre seus relacionamentos mais íntimos e sobre suas práticas sexuais, tema que me parecia, na ocasião, extremamente relevante na perspectiva de sujeitos considerados velhos ou idosos. Minhas primeiras observações, então, sugeriam que os relatos dos homens, ao se aproximarem dessa temática, eram mais evasivos e destacavam, timidamente, que o início de suas práticas sexuais teria ocorrido bem antes do casamento, destacando seu papel viril, fazendo referência ao número de parceiras sexuais, às conquistas e traições conjugais, sempre enfatizando que eles tinham mais liberdade que as mulheres. Algumas das mulheres entrevistadas destacavam, por sua vez, que teriam tido uma educação repressiva na qual não se falava sobre “certos assuntos” como menstruação e virgindade. Entre outras questões, destacavam, também, os receios que as envolviam na primeira relação sexual, realizada após o casamento, e como sentiam, muitas vezes, a obrigação para com seus respectivos maridos, no sentido de agradá-los, destacando, ainda que, em raras vezes, tiveram prazer derivado dessas relações. Outras mulheres, porém, revelaram que tiveram relações sexuais antes do casamento, ao contrário do que se poderia pensar como próprio de um sistema de relações hetero-normativo, segundo o qual homens e mulheres, “diferentes por natureza”, atendiam, no período dos anos 1940 e 1950, a desejos, necessidades e práticas sexuais de modo diferenciado, tendo as mulheres à obrigatoriedade de preservarem-se “virgens” até seu casamento. Desse modo, eu atentava para aqueles relatos desejando adensar o seu conteúdo. Os estudos que vinha desenvolvendo no GENI (Grupo de Estudos Gênero, Memória e Identidade), coordenado pela Profª. Drª. Sandra Maria Nascimento Sousa, haviam mobilizado meu olhar para melhor compreender a dinâmica do gênero nas diferenciações que se concretizam pela via dos entrecruzamentos com a classe social, a raça, a etnia, etc. No entanto, o trabalho monográfico, com suas limitações de conteúdo e do tempo de execução, para sua conclusão, não permitiu a exploração de questões que vinham se desdobrando a partir daquela temática. Oportunizado o momento de elaboração de uma dissertação de mestrado, retomei a ideia de refletir sobre estas questões. Ao focalizá-las, me interessava 26 entender como mulheres que estão incluídas na faixa etária dos 60 a aproximadamente 75 anos de idade, e são assim consideradas velhas ou idosas, constroem experiências significativas no campo das relações de gênero, especialmente no que se referem aos relacionamentos conjugais, vivências amorosas, satisfação de desejos e prazeres erótico-sexuais. Este interesse, com certeza, foi derivado das muitas conversas que tive na construção do trabalho monográfico, como citei anteriormente. Deriva-se, também, da minha própria internalização de discursos específicos, de literatura considerada especialista e da mídia televisiva, em especial. Segundo estes discursos, as pessoas consideradas velhas ou idosas necessitam de cuidados especiais, perdem seus interesses e estímulos para a participação ativa na vida social, amorosa, ou na obtenção de prazer em práticas sexuais. Ao tentar operacionalizar a investigação concentrada nesta temática, que reafirmo me parecer bastante relevante, alguns problemas, porém, me fizeram refletir, primeiramente, sobre os limites da concreticidade do tempo necessário para estabelecer uma relação entre pesquisadora e sujeitos pesquisados, que possibilitasse a fluidez de narrativas sobre questões consideradas como sendo da intimidade daquelas mulheres. Num primeiro momento, supus a facilidade de diálogo com cinco mulheres que entrevistei em meu trabalho monográfico, pois elas se prontificaram a disponibilizar seu tempo para que pudéssemos conversar sobre suas experiências. No entanto, à medida que fui retomando a aproximação, elas foram desistindo de participar. Esta situação me remeteu a pensar nos excertos de Foucault (1988) sobre a imposição em nossa sociedade moderna ocidental para se falar de sexo ou de sexualidade nos espaços institucionais legitimados, e na orientação internalizada pela maioria das mulheres das gerações mais antigas para se mostrarem inocentes ao falarem de sexualidade ou dela falarem, apenas, quando vinculada a processos reprodutivos. Receosa de ficar sem interlocutoras, que colaborassem na construção desta investigação, procurei superar este obstáculo metodológico, pois já estava com o projeto de pesquisa formulado e iniciando alguns estudos. Conversei com colegas 27 sobre esta dificuldade, perguntando se conheciam algumas mulheres com as quais eu pudesse conversar, mas também não obtive sucesso. Foi a partir desta situação que decidi ir a espaços institucionalizados, denominados como grupos de idosos, de início, me apresentando como estudante do curso de mestrado em Ciências Sociais da UFMA, pois sabia que nestes eram frequentes as reuniões nas quais mulheres consideradas velhas ou idosas participavam. Naquele momento, continuava tendo como ponto de referência mulheres consideradas velhas ou idosas que não tivessem visibilidade ou reconhecimento de valorização do seu status social por estarem inseridas em camadas sociais mais privilegiadas. Abstraía, assim, as interveniências de elementos ligados à classe social, assim como aos marcadores de raça e etnia, tomando a condição de “mulheres idosas” como um paradigma unificador a despeito de já haver criticado esta opção pelos limites e reduções que incidem na construção de interpretações analíticas sobre os sujeitos sociais. Esta reflexão só veio ocorrer no andamento do trabalho, em meio à escolha das mulheres e com alguns referenciais já trabalhados. Neste caminhar, fui ampliando conhecimento a respeito dos “grupos de idosos” existentes em São Luís, tendo fixado mais atenção nos grupos UNITI (Universidade da Terceira Idade) e GEN (Gerenciamento do Envelhecimento Natural). A categoria idoso é, em geral, trabalhada por algumas instituições na medida em que visam promover uma mudança na concepção da velhice. A gerontologia 10 é o estudo multidisciplinar da velhice que, segundo Guita Debert (2004), engloba profissionais de diferentes áreas interessados em relacioná-la às questões políticas, econômicas, culturais, sociais e de saúde. Estes profissionais são orientados por discursos trabalhados por especialistas que incentivam o desenvolvimento de ações no intuito de reverter conotações pejorativas atribuídas à categoria velhice, como destaquei anteriormente. Assim, esta passa a ser substituída, por algumas instituições, pela categoria terceira idade, 10 O termo gerontologia surgiu em 1908, quando o médico russo Elie Metchnikoff, buscou os termos de origem grega “gero” (velho) e “logia” (estudo) para designar o estudo da velhice (Serra, 2005, p.39). Segundo Guita Debert (2004) a primeira Fundação de Geriatria foi criada em 1961, mas foi em 1968 que passou a ser denominada de Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). 28 o que intenciona promover um sentido positivo, de liberdade de criação de oportunidades, de realização de coisas prazerosas como passear, dançar, viajar, voltar a estudar e, principalmente, de ruptura com a concepção de que a “vida acaba” com o avançar da idade. Contemporaneamente as instituições e os especialistas planejam suas ações e criam programas, aulas de dança, ginástica, informática, universidades e outras atividades voltadas para os que estão inseridos numa faixa etária que passa a ser designada como terceira idade. Propõem uma nova maneira de ser velho. Nesta perspectiva destacam-se a UNITI e o GEN, uma vez que seus discursos oficiais envolvem ações para seu público alvo, denominado de idoso e não mais velho. A UNITI é um programa de extensão desenvolvido em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), a Secretaria de Estado de Administração, Recursos Humanos e Previdência (SEARHP) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Em seu discurso oficial, é uma instituição voltada para a realidade maranhense, objetivando o resgate da cidadania da população denominada idosa, promovendo sua inserção na sociedade através da prática de atividades que possibilitem fortalecer a sua participação social e política; assumirem conscientemente o seu processo de envelhecimento e gozarem do pleno exercício da cidadania11. Busquei, primeiramente, um contato com esta instituição que constantemente é participativa em encontros estaduais e municipais, nos quais o processo de envelhecimento está em questão. Além disso, sua localização representava um elemento facilitador à pesquisa, pois a mesma encontra-se situada nas instalações da Universidade Federal do Maranhão, Campus Bacanga, no prédio da Biblioteca Central. Meu primeiro contato com a Coordenadora da UNITI, Hortência Maciel Gago, foi no final do mês de setembro de 2009. Expliquei o objetivo da pesquisa e perguntei sobre a possibilidade de entrevistar mulheres lá matriculadas que 11 A UNITI realiza processo seletivo anual que oferece 150 vagas, mas nem todas são preenchidas. As atividades, divididas em dois semestres, iniciam conforme o calendário acadêmico da UFMA. Até o ano de 2009, somente uma turma participava das atividades. Em 2010, a UNITI distinguiu os alunos em egressos, ou seja, os que em um ano de curso já fizeram todas as disciplinas, e os iniciantes, os que o começaram então. Dentre algumas das disciplinas oferecidas têm-se Noções Básicas de Gerontologia Social, Concentração e Memória, Terapia Ocupacional, Nutrição, Lazer na Terceira Idade e algumas das oficinas são Artesanato, Fitoterapia, Informática. 29 quisessem conversar e conceder entrevistas a respeito da temática de estudo. Naquela ocasião, a coordenadora explicou-me que seria mais interessante iniciar a pesquisa no próximo ano, 2010, pois elas só teriam mais dois meses de atividades e o contato seria mais difícil. Assim combinado, esperei até fevereiro do próximo ano, 2010, para que pudesse retornar, mas ao chegar à UNITI fui informada de que as aulas só começariam no final de março de 2010, à tarde. Fui, inicialmente, conversar com as turmas de alunos egressos após solicitação da autorização às professoras que, então, me concederam 5 a 10 minutos no final de suas aulas para que eu pudesse me apresentar e falar da pesquisa que abordaria questões relativas ao exercício da sexualidade de mulheres consideradas velhas ou idosas. Como já havia suposto, anteriormente, esta questão, é, em geral, considerada de modo bastante naturalizado como sendo de instância privada, e não foi bem aceita pelo grupo que me pareceu sem interesse ou temeroso em lidar com o tema. Isto já se apresentou como um dado da pesquisa que deveria ser problematizado. As vivências do prazer, erotismo, que compõem o exercício da sexualidade, entre pessoas consideradas velhas ou idosas constituem tema envolto em preconceitos? Ou estas questões, consideradas como “de intimidade” não podem ser comentadas com alguém considerado estranho, por não participar de seus relacionamentos mais próximos, como é o caso de uma pesquisadora acadêmica? Revi o modo de minha abordagem e redirecionei o olhar para tornar foco central deste estudo suas vivências nas relações com suas famílias de origem, pais, mães, parentes próximos e com aquelas foram geradas a partir das suas parcerias amorosas, conjugais ao perceber seus recuos para exporem vivências de intimidade conjugal e, também, ao observar que nos primeiros diálogos elas já traziam o núcleo familiar como alvo de as suas vivências. Consegui que cinco mulheres do grupo se interessassem pela pesquisa. Três delas, Joana, Rosa e Francisca, se disponibilizaram a conversar, depois de vários contatos feitos por telefone e tentativas de marcar uma primeira conversa informal, em suas residências. 30 Um dos outros grupos de trabalho com pessoas consideradas velhas ou idosas, no qual pude fazer contato, foi o GEN, localizado nas dependências do Hospital Estadual Dr. Carlos Macieira, no bairro Renascença II, nesta cidade. O GEN foi criado em 2001, em seu discurso oficial é um programa ambulatorial voltado para o atendimento das pessoas denominadas idosas e oferece atendimento médico em diversas especialidades (geriatria, cardiologia, ginecologia, urologia, nutrição, terapia ocupacional, fisioterapia, entre outras), serviço de emergência e cirúrgico, exames complementares, atendimento. O Grupo é formado por uma equipe interdisciplinar que oficialmente orienta quanto ao processo do envelhecimento em suas alterações e principais doenças, para que conheçam essa fase da existência humana, superando os obstáculos a fim de obter longevidade com qualidade12. Através do contato intermediado com a médica geriatra Dra. Maria Zali Borges Sousa San Lucas, funcionária deste hospital e coordenadora do referido grupo, pude participar de três reuniões do GEN na sede do Programa de Apoio ao Idoso (PAI), no bairro Calhau, bem como no próprio Hospital, nos meses de junho e julho de 2010. Estas reuniões eram dinamizadas por palestras proferidas por médicos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde com o intuito de explicar e tirar dúvidas sobre os processos biossociais que ocorrem no período marcado como do envelhecimento. Meu primeiro contato com o GEN foi no final do mês de maio de 2010. As atividades do grupo estavam finalizando e por conta disso só retornariam no mês de julho. Assim como combinado, retornei em julho para conversar com as mulheres que participavam do grupo e explicar que minha pesquisa trataria sobre relações de gênero, mais especialmente, vivências na família, no casamento, no namoro, no relacionamento com os filhos e netos. Além disso, gostaria de saber como sentem 12 O GEN atende mensalmente cerca de 700 funcionários públicos aposentados do Estado do Maranhão, e/ou seus dependentes, neste caso, exclusivamente o (a) cônjuge, com idade superior a 60 anos. Além de atendimento médico-ambulatorial conta com reuniões semanais localizadas na sede do Programa de Apoio ao Idoso (PAI), que desenvolvem oficinas de Tai Chi Chuan, Dança, Artesanato, Pintura, Ginástica, Hidroginástica e Natação e etc. Ambos, UNITI e GEN se destinam atender e trabalhar com pessoas com idade superior a 60 anos, mas abrem alguns precedentes para algumas pessoas com idade acima dos 50 anos. O precedente apresenta uma fenda entre o critério etário estipulado para determinar quem é considerado idoso e a procura no atendimento, o que faz considerar seu caráter relacional. 31 experiências, que lhes parecem mais significativas, em relação ao corpo, ao exercício da sexualidade e à obtenção de prazer. Fui a dois encontros realizados em outra instituição, o PAI, um às segundasfeiras e outro às sextas-feiras. Quatro mulheres se interessaram pela pesquisa e me deram seus contatos. Posteriormente, me comuniquei com as mesmas e somente uma, Rosário, quis marcar uma conversa em sua residência. As demais desistiram ainda no contato feito por telefone por não terem tempo, pois desenvolviam várias atividades, e ainda alegaram receio quanto ao que seria feito com o que elas falariam, embora eu tivesse tido o cuidado e a atenção de lembrá-las sempre que seus nomes verdadeiros seriam mantidos em sigilo. Desse modo, diante das limitações de tempo que envolve a produção de um trabalho de curso de mestrado, finalizei minhas busca por interlocutoras e pude assim dedicar esforços para com estas quatro mulheres construir este estudo. Assim, Joana, Rosa, Rosário e Francisca13 constituíram-se, voluntariamente, como importantes colaboradoras deste estudo que busca compreender, a partir da fala dos próprios sujeitos, como significam experiências vividas nas relações com suas famílias de origem e com aquelas geradas a partir de suas parcerias conjugais e amorosas. Trabalhar com mulheres inseridas nessas instituições me conduziu a outras questões, tais como: quem são estas pessoas que buscam estes grupos? Como se interessaram por eles? Qual era seu discurso sobre a velhice antes de participar das atividades? E depois de sua inserção, a percepção continuou a mesma? Estas foram algumas das questões que propus incluir, dirigindo-as a estas mulheres. Ressalto que estas questões não foram exploradas em sua totalidade, permitindo adensar interpretações a serem desdobradas em estudos futuros. 3. Narrativas e Interlocutoras 13 Os nomes destas mulheres e de seus familiares são fictícios, decisão tomada conjuntamente para que o sigilo fosse mantido. Elas têm idade entre 60 e aproximadamente 75 anos, participam de grupos como UNITI e GEN, casaram, somente uma vez, tiveram filhos, netos e uma delas hoje já tem bisnetos. Duas são viúvas e as outras duas são casadas. O fato de terem se casado somente uma vez, bem como de duas delas serem casadas, e das outras duas serem viúvas, foram coincidências que surgiram no processo investigativo e não situações, propositalmente, estabelecidas. 32 Considero que a História Oral, como História de Vida é o recurso técnicometodológico mais adequado para a realização deste estudo, pois através da rememoração os sujeitos podem resgatar e ativar reminiscências que, segundo Regina Faria e Antônio Montenegro (2005, p.21), trazem seleções de “contornos, imagens, emoções, desafios, sonhos, desejos realizados ou não, vitórias e derrotas”, à medida que se remetem às experiências passadas, presentes e projeções futuras. A história de vida ainda propicia captar modos de pensar, comportar e múltiplas visões de mundo através da escolha de acontecimentos que os sujeitos elegem como significativos sobre diversas passagens de suas vidas. Nesse sentido, esta técnica permite captar indicadores do contexto social e das redes de sociabilidade das quais participaram/participam os sujeitos que ora narram. História Oral é um termo amplo que abriga diversos recursos para coleta de informações: entrevistas, histórias de vida, depoimentos, autobiografias e biografias. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988) apresenta aproximações e distinções destes recursos tanto em relação à coleta, quanto à finalidade dos relatos de sujeitos. Destaco, a seguir, as peculiaridades referentes à história de vida. A História de Vida é considerada como uma técnica na qual o narrador relata “sobre sua experiência através do tempo, tentando reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (Queiroz, 1988, p. 19). Cabe ao pesquisador ultrapassar a individualidade dos relatos e captar a coletividade percebendo como foram delineadas suas relações em vivências com familiares, profissionais, indivíduos de outras camadas sociais e grupos étnicos. Uma de suas maiores potencialidades “refere-se ao seu caráter heterogêneo e essencialmente dinâmico de captação do que passou, segundo a visão de diferentes narradores” (Delgado, 2006, p. 50). O trabalho dos narradores ativa, sobretudo, vivências de uma trajetória que se atualiza no presente junto àqueles que os escuta, neste caso uma pesquisadora. Atentar para as narrativas, interpretá-las cuidadosamente sem perder de vista que são vários os sentidos atribuídos pelos sujeitos que as constroem, requer utilizar a memória enquanto um instrumento metodológico e, ainda, como fundamentação teórica. Nessa perspectiva Maurice Halbwachs (2006) é um autor fundamental, na medida em que, em seus estudos, procura destacar fortes vínculos entre as 33 rememorações de experiências vividas individualmente e os grupos sociais nos quais os sujeitos vivenciam tais experiências. Na tentativa de acentuar os vínculos sociais com a produção de memórias e identidades, Halbwachs (2006) refere que são muitos os grupos em que vivemos e dos quais guardamos recordações. Nestas estão presentes “os outros” com os quais convivemos e construímos memórias coletivas. A autora Ecléa Bosi (2004), reconhecida pela elaboração de um trabalho de grande destaque no Brasil, “Memória e Sociedade – Lembrança de Velhos”, também corrobora essa perspectiva ao demonstrar que as narrativas de oito sujeitos, de idade superior a 70 anos, sobre suas vivências nos bairros, nas escolas, nas ruas, nas relações profissionais e familiares, construíam outras interpretações que não estão incluídas nas Histórias Oficiais sobre a cidade de São Paulo na década de 1970. Outro destaque na obra de Bosi (2004) deve-se à fluidez, entre passado e presente, que é bastante evidente nas narrativas. Por exemplo, o Sr. Amadeu discorre sobre sua infância na escola e, logo em seguida, começa a falar do prêmio recebido, certa vez, pela participação em corridas no circuito do Brás, ou também na ocasião em que a Sra. Brites narra sobre a Primeira Guerra Mundial e, logo em seguida, fala da Escola Normal. Percebi que o mesmo ocorreu no meu trabalho de pesquisa, pois são vários os momentos de idas e vindas nas narrativas de Rosário, Rosa, Francisca e Joana, aproximando passado e presente, além de projetá-los em suas expectativas de futuro. Utilizar esta técnica requer um longo esforço por ampliar as possibilidades de escuta do pesquisador. Não se trata simplesmente de coletar informações, mas de escutar histórias que se estendem, reconfiguram e mudam, sempre, a cada nova possibilidade de serem narradas. Concordo com o excerto de Verena Alberti que destaca: (...) a participação do entrevistador deve se adequar ao ritmo do entrevistado, procurando não interromper o curso de seu pensamento, acompanhando seu discurso. (...) reformulando suas próprias ideias à partir daquilo que lhe é relatado. (...) É o entrevistado que imprime o teor/tema à entrevista e cabe ao entrevistador aprender seu estilo para adequar seu próprio desempenho àquela relação específica (ALBERTI, 2004, p. 103) (Grifos da autora). 34 Trabalhar com história de vida, portanto, ainda possibilita que os narradores contem livremente os fatos que lhes forem despertados nos processos de rememorações. Deve o pesquisador, porém, como recomenda Alberti (2004), fazer um roteiro preliminar de apresentação sem perguntar, a todo o momento, evitando, assim, interromper constantemente o fluxo das rememorações. Algumas poucas intervenções podem ser feitas na medida em que as questões encaminhem ou apontem para outros focos das vivências. Walter Benjamim (1994), contudo, destaca que nada do que relata o narrador é considerado perdido para a história ainda que os significados variem de importância para o pesquisador e o sujeito que narra. A narrativa difere da informação. Esta é breve, e, em geral, contada do mesmo jeito por diferentes pessoas, enquanto a narrativa pode durar muito tempo e ser contada diferentemente por diversas maneiras. Para este estudo, elaborei um roteiro de questões que permitissem reunir elementos sobre as apresentações de minhas interlocutoras aos meus leitores, destacando faixa etária, local de nascimento, profissão exercida pelos pais, escolaridade cursada, profissão exercida, tempo de residência em São Luís, estado civil, relacionamentos amorosos, vivências com filhos, filhas, netos e netas, o interesse pelos “grupos de idosos” e outras atividades atuais, entre outras questões, privilegiando o papel significativo do relato das histórias de vida, nas quais os sujeitos recortam aquilo que lhes pareça mais significativo. Seguindo estas orientações no meu trabalho, deixei Rosa, Francisca, Joana e Rosário falarem livremente, sendo poucas as minhas intervenções. Foram marcados em média 4 a 5 encontros, com cada uma delas nos “grupos de idosos” e depois, separadamente, em sua residência, segundo suas disponibilidades de tempo e acomodação. Rosário e Joana preferiam marcá-los logo cedo, nas primeiras horas do dia, porque tinham alguns afazeres domésticos para serem concluídos. Rosa, sempre que eu ligava, preferia marcar para os domingos ou feriados, pois durante a semana sempre tinha muitos compromissos e dizia que não poderíamos conversar aos sábados porque era da Igreja Adventista e sua religião não permitia. Francisca preferia marcar às sextas-feiras à tarde, logo após o almoço, pois era o único horário que tinha disponível, já que nas manhãs tinha muito serviço de casa pra fazer. 35 Vários encontros foram remarcados devido a outros compromissos que elas tinham como as aulas na UNITI, que ocorrem no período da tarde, ou mesmo às reuniões do GEN, que ocorrem no período da manhã, ou ainda exames de saúde e reuniões comunitárias, de condomínio, passeios e almoços familiares, etc. Desse modo, já nestes primeiros contatos, eu percebia que eram pessoas ativas, que se movimentavam bastante cumprindo não só agenda doméstica, mas participando de muitas outras atividades. Já me dava conta de que ao contrário de um discurso que constrói imagens de idosos como pessoas declinantes, depressivas e solitárias, suas experiências eram marcadas por atividades que exigiam bastante vigor. Fui estreitando meus contatos com elas, percebendo que em nossos diálogos, que ocorriam até mesmo fora dos espaços e momentos das interlocuções com gravador, com anotações registradas no diário de campo, destacavam primordialmente seus papéis na família, seu lugar de mãe e a vivência com os filhos. A partir de uma aproximação maior com elas, passei a ser convidada, algumas vezes, a tomar um lanche, ou um café, e sempre levava algo para acompanhar, um bolo ou biscoito, mesmo quando diziam que não precisava. Naquelas conversas informais perguntavam por que me interessava, em seus relatos, por vida de gente velha e como tinha paciência para escutá-las, entre outras coisas. Eu sempre respondia que era um assunto que tinha interesse, mas estas questões me remetiam à minha experiência particular com as chamadas “velhas da família”, ou seja, a minha avó materna e suas cinco irmãs. Sempre tive uma relação bastante próxima com elas e, quando tinha entre meus 14 ou 15 anos, dedicava um bom tempo a rever, muitas vezes, os álbuns de família que lhes pertenciam, com as fotos em preto e branco, muitas delas já amareladas pelo tempo, e passava horas conversando sobre aquelas pessoas, sobre o passado, sobre a infância delas em Axixá, no interior do Maranhão, e a vinda para a capital do Estado. Perguntava muito sobre como tinham conhecido seus maridos, se tiveram outros namorados, pois cresci ouvindo-as contar que naquela época casavam com quem a família mandasse, apesar de mencionarem que uma delas enfrentou a mãe para casar com quem queria. Eu gostava de saber 36 cada detalhe e as conversas sempre fluíam facilmente. Cada uma contava uma coisa e aos poucos ia juntando aquele quebra-cabeça de informações, ligando os fatos. Hoje, daquelas seis mulheres, somente três são vivas, incluindo minha avó materna, mas já não podem conversar como outrora, por questões de saúde. Assim, conversar com Joana, Rosa, Rosário e Francisca sempre foi uma tarefa da pesquisa bastante agradável, embora algumas vezes cansativa, pelas longas horas narradas, mas de onde extraímos saberes sobre envolvimentos afetivos, desejos, jogos de poder nas relações de gênero. Entretanto, não afastando o meu interesse em compreender, especialmente, experiências de mulheres de mais de 60 anos de idade, em suas relações afetivo/sexuais, sempre que tentava aprofundar suas narrativas sobre estas experiências elas desviavam o assunto. Exploravam, como já destaquei anteriormente, em suas trajetórias existenciais, sobretudo, as vivências com seus parceiros, as expectativas nas relações amorosas e com os filhos. Assim, como mostram vários dos pesquisadores que trabalham com História Oral, o sujeito narrador conduz sua narrativa ao seu modo e temos de estar atentos a todas as brechas que nos permitem visibilizar as nuances da temática que queremos focalizar. Através de vivências relatadas no âmbito da família, do destaque dado ao seu papel de mãe, apareciam bem mais parcerias e experiências idealizadas com parceiros, maridos e namorados, desejos e frustrações, do que enfoques relacionados a satisfações e prazeres sexuais. No caso específico de Francisca, percebi que a presença do marido a impedia de falar sobre aqueles assuntos porque ele entrava e sentava na sala reservada onde conversávamos. Propus marcar os encontros em outro lugar, mas ela colocou isto como impossível. Com Rosa, Joana e Rosário a falta de intimidade, ocasionada pelo contato recente, talvez tenha sido o principal empecilho para que aqueles assuntos fossem destacados. É provável que laços mais próximos construídos com estas mulheres poderiam fazê-las discorrer mais espontaneamente, como já mencionei, pois de certa forma, ao selecionar acontecimentos significativos, a pessoa entrevistada faz uma produção de si nos relatos. Bourdieu (2002) ainda lembra que nesta produção, é comum esta coagir e censurar algumas informações com a apresentação pública de sua vida, principalmente, a privada. Neste caso, 37 pode-se inferir que na produção de identidades de gênero, às mulheres é, em geral, imputado o silêncio sobre suas relações de intimidade: práticas sexuais e obtenção de prazer. Nesse sentido, a tentativa de estimular rememorações de foro íntimo com Rosa, Francisca, Joana e Rosário, a respeito de práticas sexuais, relações de prazer com parceiros, talvez tenha ocorrido em momento e condições desfavoráveis para que elas se sentissem à vontade e confiantes para discorrer sobre estes assuntos. Os não-ditos e silêncios sobre estes temas foram marcantes ao longo dos encontros. Vergonha, medo de repreensão social e timidez podem ter sido as razões para o aparecimento destes silêncios, mas acredito que, também, o pouco tempo que tivemos, para uma maior proximidade e intimidade, implicou na reserva e recusa para relatarem suas experiências sobre o exercício da sexualidade, considerando a presença de uma pesquisadora, a princípio considerada estranha e que não pertencia às suas redes de sociabilidade. O que é censurado ou não-dito por estas mulheres pode se aproximar daquilo que Michael Pollak denomina de memórias subterrâneas, ou seja, aquelas lembranças marcadas por silêncios e zonas de sombras que não são expressas “pela angústia de não encontrar uma escuta, pelo medo de ser punido por aquilo que se diz, ou ao menos, de se expor a mal-entendidos” (1989, p.08). As lembranças traumatizantes, segundo Pollak (1989) podem ser silenciadas e guardadas ao longo dos anos e esperarem um período oportuno para aflorarem publicamente, como demonstrou em seus estudos sobre as experiências de sujeitos em campos de concentração, no período dos regimes nazista e fascista. As recordações deste período foram, muitas vezes, silenciadas e esquecidas no decorrer do tempo devido, sobretudo, às razões políticas e pessoais que às vezes eram transmitidas oralmente somente em redes bem próximas de sociabilidade, como entre familiares, amigos e associações políticas. Alessandro Portelli (2002) ressalta que algumas lembranças que acarretam sofrimento não são totalmente silenciadas e preservadas ao longo dos anos, mas ao 38 contrário são amplamente narradas. É o caso, por exemplo, dos relatos dos sobreviventes do massacre de Civitella Val di Chiana, na Toscana, Itália, em 194414. Este episódio desencadeou uma série de narrativas sobre as perdas de familiares, os corpos sangrentos pela cidade e o compartilhamento do luto vivido. Capto na análise deste autor que situações consideradas traumatizantes, que consequentemente seriam marcadas por censuras e não-ditos, pelo sofrimento que a recordação despertaria, se apresentavam com fluente eloqüência nos relatos. O que ocasionava tal eloqüência eram circunstâncias como os contextos de tempo e de espaço nos quais eram proferidas as narrativas dos sobreviventes e dos descendentes. Algumas alterações eram perceptíveis entre o que era dito sobre o episódio em 1946, logo após o massacre, e em 1994, cinqüenta anos depois do acontecido. Estas alterações ocorriam por inúmeros fatores, entre eles o temor de alguma represália pessoal ou familiar na conjuntura pós-segunda guerra mundial, ou a afirmação de uma identidade contrária à dos membros da Resistência. Desse modo, os sobreviventes do massacre realizavam suas próprias cerimônias em homenagem aos 115 homens civis mortos e ainda rejeitavam todo ato cívico estipulado pelo Estado Italiano que queria exaltar os membros da Resistência e não àqueles mortos. Assim, volto aos fatores que teriam ocasionado os silêncios e desvios de assunto nas narrativas de Rosário, Joana, Francisca e Rosa sobre experiências que envolviam práticas sexuais, eróticas e obtenção de prazer. Percebi, em sintonia com as assertivas de Portelli (2002), mais uma vez, que a circunstância na qual se desenvolve um estudo e a relação construída entre entrevistador e entrevistado influencia tanto no que é dito como no que não é dito na produção de si, como bem destaca Bourdieu (2002). No entanto, não posso desconsiderar que o trabalho com lembranças narradas implica, sobretudo, em compreender que silêncios e hesitações podem significar muito na construção de diversas interpretações. CAPÍTULO 1 – CONJUNTURA SOCIAL DE SÃO LUÍS DOS ANOS DE 1930 a 1950 E OS PAPÉIS DE GÊNERO. 14 O massacre de Civitella foi desencadeado a partir da ação dos membros da Resistência, que mataram três soldados alemães, o que fez com que, consequentemente, as tropas de ocupação alemã atacassem Civitella e executassem 115 homens civis. 39 Inserindo esta investigação na perspectiva dos estudos de gênero, entendo que algumas experiências histórico-sociais singulares, recortadas via histórias de vida, podem retratar experiências vividas mulheres que nasceram especialmente na primeira metade do século XX. Nascidas no contexto das décadas de 1930 a 1950, Joana, Rosa, Francisca e Rosário são sujeitos sociais definidos politicamente na condição de “mulheres”, cujas experiências são perpassadas por conjunturas econômico-político e social que apontam transições ora entre regimes conservadores (fortemente pautados no controle político e social por alguns grupos dominantes), ora entre regimes pautados nos discursos de Modernização (em que se destacam, por exemplo, ideais de industrialização e urbanização). Nesse sentido, a seguir, exponho este panorama que fornece significativos elementos conjunturais no qual uma parte das vivências destas mulheres foi construída. Algumas transformações no âmbito político, econômico e social marcaram a década de 1930 no Brasil. Tais mudanças foram impulsionadas principalmente por crises na conjuntura político-econômica que aconteciam tanto no exterior, com a crise da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, quanto no Brasil, com a eclosão da Revolução de 1930. No Brasil, durante todo o período da República Velha (1889-1930) vigorou a governabilidade conhecida como “política do café com leite”, ou seja, a alternância de políticos representantes dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Esta política foi assim denominada porque estes Estados produziam, respectivamente, leite e café (Arruda, 1980). Assim, de acordo com este autor, nas eleições que seriam realizadas em 1930, para presidência da República, o então presidente Washington Luís deveria ter indicado um candidato representante do Estado de Minas Gerais, dando prosseguimento ao que estipulara aquela política, mas acabou indicando Júlio Prestes, representante do Estado de São Paulo. Tal indicação não foi bem aceita por políticos dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba que, em oposição à indicação de Júlio Prestes, se juntaram e lançaram a candidatura do 40 político gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, tendo João Pessoa candidato a vicepresidente. Getúlio Vargas perdeu para Júlio Prestes na eleição presidencial de 1º de março de 1930, mas o que ocasionou a instauração da mobilização armada no país, conhecida como “Revolução de 30”, foi a morte de João Pessoa, candidato à vicepresidência, em 26 de julho daquele ano. A partir de então, vários levantes se iniciaram em todo o país, o que fez com que Júlio Prestes fosse deposto e Getúlio Vargas assumisse a presidência da República do Brasil. Estes levantes, que resultaram a “Revolução de 30”, receberam apoio das antigas oligarquias 15 brasileiras e de tenentes do Exército Brasileiro16, ambos insatisfeitos com a situação política e econômica do país (Ferreira e Delgado, 2007). As forças políticas que assumiram o poder, em 1930, apoiaram o projeto de implementação da industrialização do Brasil, pois estavam insatisfeitas com a “política do café com leite” e com a economia agro-exportadora cafeeira. Naquele contexto, as exportações do café brasileiro foram abaladas com a crise que atingiu a bolsa de valores de Nova Iorque em 1929. Algumas ações governamentais foram realizadas, cujo intuito era impedir a falência daqueles produtores, mas não foram suficientes, pois o sistema agro-exportador cafeeiro não pôde encontrar bases seguraras que sustentassem a economia do país depois da crise de ocorreu nos anos de 1929 e 1930, conforme ressalta a análise de Arruda (1980). O interesse das novas forças que assumiram o poder foi incentivar e promover a industrialização do Brasil e vetar, progressivamente, os interesses dos agro-exportadores. Assim, já no governo, Getúlio Vargas decidiu incentivar a 15 Reis (2007, p.21) define por oligarquia o “predomínio de redes de poder privado de base familial sobre o aparelho do Estado”. Foi uma forma de governo predominante no período da República Velha (1889-1930), embora não tenha desaparecido com o fim desta, como destacam as análises de Arruda (1981) e Caldeira (1981). Sustentando-se em bases políticas e financeiras, caracterizou-se por formar alianças entre as esferas municipal, estadual e federal no sentido de garantir e assegurar os interesses dos grupos políticos dominantes, em cada uma destas esferas, através da troca de favores pessoais e/ou políticos. 16 O Tenentismo foi um movimento político-militar que envolveu principalmente a baixa oficialidade do Exército Brasileiro insatisfeitos com os dirigentes políticos, com a exploração estrangeira exercida no Brasil, com o predomínio do grande latifúndio e das péssimas condições de vida da população urbana. Os levantes que tiveram maior destaque na conjuntura política brasileira foram a Revolta do Forte de Copacabana em 1922, a Revolução de 1924, em São Paulo, e a Coluna Prestes, que percorreu mais de 27.000 km do interior do Brasil, entre os anos de 1925 e 1927, pregando reformas políticas e sociais e combatendo os governos de Arthur Bernardes (presidente do Brasil de 1922 a 1926) e Washington Luís (presidente do Brasil de 1926 a 1930) (Arruda, 1980) e Reis (2007). 41 produção industrial de bens de consumo não-duráveis como alimentos, vestuário, utensílios, bebidas, etc. para substituir bens importados pelo Brasil. O objetivo do presidente, de acordo com Argemiro Brum (1985), era produzir bens que atendessem as necessidades mais imediatas da população brasileira, uma vez que esta estava impossibilitada de importar produtos fabricados pelos países envolvidos no combate da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Segundo Ferreira e Delgado (2007), a permanência de Getúlio Vargas na presidência foi marcada por dois momentos: de 1930 a 1945 e, posteriormente, no ano de 1951 (Vargas não concluiu seu segundo mandato como presidente do Brasil em razão de ter cometido suicídio). Seu primeiro governo foi dividido em Governo Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1935-1937) e Estado Novo (19371945). No Estado do Maranhão, segundo Flavio Reis (2007), antes da mobilização política que desencadeou nacionalmente a “Revolução de 30”, terminava o governo de José Maria Magalhães de Almeida, oficial da Marinha Brasileira, que esteve à frente da função governamental durante o período de 1º de março de 1926 a 1º de março de 1930. Quando ocorreram as eleições no ano de 1930, José Pires Sexto foi então eleito presidente do Estado do Maranhão. Naquele momento eram precárias condições sociais da cidade de São Luís, o que causou insatisfação da população com a falta de habitação, a sujeira impregnada, o racionamento dos serviços de água e iluminação pública por toda a cidade e etc. (Reis, 2007). Estas condições se arrastavam e, muitas vezes, a revolta da população com a precariedade dos serviços era expressa nas páginas dos periódicos locais como A Flecha, Pacotilha, Jornal da Manhã, como destaca Paulo Câmara (2008) a respeito da cidade de São Luís na passagem do século XIX ao XX. Flávio Reis (2007) ressalta que as oligarquias dissidentes locais utilizaram aquelas precárias condições sociais como instrumento para conseguir adeptos contra os grupos dirigentes locais e questionar a administração pública. Nesse sentido, o Partido Republicano (PR)17 e o Partido Democrático (PD)18 utilizaram este 17 O PR era dividido entre situacionistas e governistas. Os situacionistas eram liderados por Magalhães de Almeida e os governistas por Marcelino Machado. A base da diferença entre estas divisões se refere à reunião de oligarcas dissidentes no grupo governista (Caldeira, 1981). 18 O PD era liderado pelo médico Tarquínio Lopes Filho, sendo também conhecido como partido tarquinista (ibidem, p. 54). 42 apoio popular para apoiarem Getúlio Vargas à presidência da república pela Aliança Libertadora (AL). Tal apoio político não foi suficiente para alcançar votos naquele pleito, pois Vargas perdeu as eleições no Maranhão. Por outro lado, as eleições para os cargos no Congresso Estadual, Prefeitura e Câmara Municipal, marcadas para o dia 12 de outubro de 1930, contribuíram com o desenrolar do processo que instaurou o “golpe de 1930” no Maranhão. De acordo com Caldeira (1981), em agosto de 1930 se inicia o desenrolar do golpe quando o PR situacionista, liderado por Magalhães de Almeida, encontrou discordância com representantes da classe operária para indicação dos cargos elegíveis no pleito de outubro para o Congresso Estadual, Prefeitura e Câmara Municipal. Alguns operários aceitaram apoiar os candidatos a deputado estadual e à Câmara de São Luís indicados pelo Presidente do Estado e pelo Conselho Superior de Proletários do Maranhão. Outros, por outro lado, recusaram aquela indicação, pois queriam escolher os candidatos provenientes das indicações feitas pelas associações de classe operária. A relação de candidatos enviada ao jornal Tribuna, em 07 de agosto de 1930, não continha o nome de Raimundo Valle Sobrinho, representante da classe operária. A direção do Conselho Superior de Proletários do Maranhão manifestou-se contrária àqueles nomes publicados, mas manteve o posicionamento neutro entre os representantes do PR e os operários (ibidem, p.73). Os operários fizeram um concurso para eleger os candidatos a vereador, mas em 28 de agosto, novamente o nome do escolhido não estava na lista publicada pelo jornal. O que constava era o nome de João Azevedo Ramos, indicado por aquele Conselho. Diante da resistência encontrada, os operários decidiram indicar José Inácio Couto para concorrer com João Azevedo Ramos. No entanto, as eleições marcadas para o dia 12 de outubro de 1930 foram suspensas pelo presidente do Estado, Pires Sexto, em cumprimento à determinação do presidente da república, Washington Luís, que decretou Estado de Sitio no dia 06 de outubro daquele ano (ibidem, p. 79). Com a incerteza que se instalou na cidade, duas tentativas de levante foram realizadas até que o “golpe de 30” fosse deflagrado por Reis Perdigão, no começo 43 de outubro de 1930. Este assumiu momentaneamente o controle do Estado do Maranhão através da Junta Governativa, tendo apoio de dois militares do Exército, mas não queria permanecer no poder por muito tempo. Logo, indicou-se o nome de Luso Torres para ocupar o cargo de primeiro interventor do Estado do Maranhão. O grupo político marcelinista19, considerado governalista, apoiou o novo interventor (ibidem, p. 81). Durante o Governo Provisório de Vargas (1930 a 1934), cinco interventores foram nomeados para o Maranhão. Segundo Reis (2007) e Caldeira (1981), somente de outubro de 1930 a agosto de 1931, três interventores ocuparam o cargo de presidente do Estado do Maranhão, respectivamente, Luso Torres, Reis Perdigão e Astolfo Serra20. As ações destes interventores se concentraram ora em acomodar os grupos políticos no poder, marcelinistas, magalhãesistas21 e tarquinistas22, ora romper com as alianças. Também construíram bases que solidificassem aliança entre o governo e sindicatos, associações de comerciantes e população, de um modo geral. De setembro de 1931 a fevereiro de 1933 foi nomeado o quarto interventor, Seroa da Mota. Caldeira (1981) ressalta que sua gestão ficou marcada pela ausência de aliança partidária e de indicações para ocupação de cargos públicos, pois nesta fase, denominada de tenentista, interessava ao Estado Brasileiro nomear interventores estaduais que atendessem a três requisitos: ser militar, ser estrangeiro (neste caso os interventores não poderiam ter nascido nos estados que governariam) e ser neutro (que garantiria centralidade administrativa e não atendesse interesses de grupos políticos locais). 19 O médico Marcelino Machado liderava o PR governista, sendo também conhecido como partido marcelinista. Representava grupo de oposição política de maior peso eleitoral nos governos estadual e federal. Reunia latifundiários, agro-industriais, comerciantes importador-exportadores, além de representantes da classe média e popular e contava com amplo apoio do Partido Republicano Federal (PRF), liderado por Clodomir Cardoso (ibidem, p.41). 20 Segundo Caldeira (1981), Luso Torres foi interventor do Maranhão de 15 de outubro a 28 de novembro de 1930. Reis Perdigão o sucedeu, ficando no cargo de 29 de novembro de 1930 a 08 de janeiro de 1931. Astolfo Serra, indicado por Reis Perdigão, ocupou o cargo de interventor de janeiro a agosto de 1931, sendo indicado por Reis Perdigão. 21 O oficial da Marinha Brasileira José Maria Magalhães de Almeida liderou o PR situacionista, sendo também conhecido como partido magalhãesista. Grupo representado pela oligarquia estadual, predominantemente os grandes proprietários de latifúndio, agro-industriais e representantes do comércio ligado à agro-exportação e membros da classe média do Estado (ibidem, p. 29). 22 Tarquínio Lopes Filho liderava o PD. O tarquinismo tinha identificação ideológica com o movimento tenentista e fazia oposição aos magalhãesistas e marcelinistas, pois eram representantes de interesses oligárquicos. Contava com pequena parcela da burguesia e da classe média (ibidem, p. 55). 44 A oposição, no entanto, se mostrou descontente à medida que não conquistou cargos políticos. Assim, utilizou a imprensa local para expressar os descontentamentos. Novos partidos também foram criados, como a União Republicana Maranhense (URM), agora liderada por Magalhães de Almeida, em contestação à política interventora de Seroa da Mota. Em fevereiro de 1933, o interventor renunciou o cargo após de longas discordâncias com a Associação Comercial (ibidem, p. 170). Álvaro Jansen Saldanha, interventor interino, assumiu o cargo por uma semana e logo foi substituído pelo Capitão Antônio Martins de Almeida23. Sua interventoria foi marcada pela contenção de despesas do Estado. Para isto demitiu muitas pessoas, reduziu os salários dos funcionários públicos e também aumentou os tributos cobrados aos comerciantes, o que gerou grande crise no governo. A Insatisfação dos comerciantes, com os tributos elevados, fez com que estipulassem uma greve do setor em todo o Estado. Em resposta a tal ato, o interventor mandou prender os dirigentes da Associação Comercial e conter os combates entre governo e comerciantes com apoio de agentes civis de outros Estados. Martins de Almeida ainda construiu aliança com Magalhães de Almeida, que saíra da URM para fundar o Partido Social Democrático do Maranhão (PSDM). Outros partidos também foram criados durante sua interventoria, tais como: Ação Comercial Trabalhista (ACT), Frente Única Proletária e Ação Integralista Brasileira. Mesmo sem conquistar os cargos a deputado federal, vereador, senador, estes partidos mostravam a mobilização existente em São Luís na década de 1930 (ibidem, p.184). Em 22 de junho de 1935, Aquiles Lisboa foi eleito interventor24 contando com apoio dos partidos PR e URM. Sua eleição foi conquistada a partir da junção dos partidos PR e URM. No entanto, posteriormente sua interventoria foi marcada pela crise criada com o grupo oposicionista da URM, que tentou destituí-lo do cargo junto ao Supremo Tribunal Eleitoral (STE), mas não obteve sucesso no que pretendia junto à instância federal. Em seguida, com seu impeachment, o PR pedia 23 Segundo Caldeira (1981),o Capitão Antônio Martins de Almeida foi interventor do Estado do Maranhão de 29 de junho de 1933 a 22 de junho de 1935. 24 Aquiles Lisboa foi interventor do Maranhão de 22 de junho de 1935 a 05 de junho de 1936, data na qual foi exonerado por Getúlio Vargas (Caldeira, 1981). 45 intervenção federal para o Maranhão. Foi então que o presidente do Brasil, Getúlio Vargas nomeou o Major Carneiro de Mendonça, em 14 de junho de 1936, para estabelecer a ordem no Maranhão - por um período de dois meses – até indicar o nome de Paulo Martins de Souza Ramos em 15 de agosto de 1936. A crise entre governo e oposição não findara com a posse de Paulo Ramos, em 15 de agosto de 1936, pois o PR e a URM continuaram a fazer oposição ao interventor. Paulo Ramos, querendo minimizar as oposições, tentou organizar um só partido, o Partido Evolucionista Maranhense (PEM), que englobariam as legendas PSD, URM e Partido Socialista Brasileiro (PSB). Os marcelinistas do PR ficaram insatisfeitos com tal medida e em seguida receberam apoio da URM, que também recusou a proposta que validava a ascensão de Paulo Ramos como condutor da política estadual. No entanto, o PEM foi fundado com apoio de Magalhães de Almeida e Tarquínio Lopes Filho em 1937. Paulo Ramos também criou um Comitê que regularizou os sindicatos existentes e possibilitou que outros surgissem, bem como criou a Câmara de Expansão Comercial do Maranhão, cujo objetivo era formar aliança com os setores empresariais. Procurou, assim, construir base de sustentação do governo com setores sociais e empresariado. Por outro lado, punia amplamente seus opositores com o objetivo de preservar instituições nacionais. Assim, frequentes atos de intimidação e truculência marcaram a interventoria de Paulo Ramos durante o período que se estendeu até os anos de 1945. No contexto nacional, o ano de 1945 marca o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. No Maranhão, o ex-interventor Paulo Ramos não constituiu bases que lhe sustentassem e quem ascendeu ao poder estadual foi Vitorino Freire, articulador da campanha presidencial do general Eurico Gaspar Dutra (Garcia, 1982). De acordo com Nelson Garcia (1982) e Wagner Cabral (2004), Vitorino Freire rearticulou o PSD e neste partido, ao qual era filiado, também encontrou resistência com suas lideranças, o que fez com que os vitorinistas ficassem em legendas de aluguéis, tais como o PPB e o Partido Social Trabalhista (PST). Tal situação perdurou até 1954, quando retomou o comando do PSD com seus aliados. A aliança 46 estabelecida com a esfera federal do PSD garantiu a Vitorino Freire condições que garantissem sua governabilidade no Estado do Maranhão. Aquele quadro político era formado por vários partidos de oposição, que juntos formaram uma coligação denominada de Oposições Coligadas. Wagner Cabral (2004, p.266) relata que “estas não representavam uma esquerda partidária, mas um ponto de escape contra as oligarquias rurais maranhenses, apoiada pelos sindicatos e pela classe média e popular de São Luís”. Suas ações recebiam apoio político e financeiro do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e privilegiavam ações populistas. Contando com ampla sustentação do interior do Estado e das periferias da capital, o Partido Social Progressista (PSP) - principal e majoritário partido que a compunha as Oposições Coligadas - objetivava a criação de escolas primárias, escolas de corte e costura, postos de saúde, torneios esportivos e etc. Como as propostas do PSP eram bem aceitas pela população, Adhemar de Barros conseguiu um número expressivo de votos no Maranhão, nos pleitos nos quais concorreu ao cargo de presidente da República, em 1955 e 1960. Os periódicos, Jornal do Povo e O Combate, que circulavam no Maranhão nestas décadas, expressavam que o PSP era contrário à injustiça social, ao compadrio e imoralidade dos costumes políticos maranhenses (Cabral, 2004). O ano de 1950 ainda se caracterizou por sucessivas oposições contra o vitorinismo25, processo que culminou na articulação da “Greve de 51”. Naquele ano seriam realizadas eleições para cargos estaduais de governador, senador e deputados e presidente da República. Assim, no âmbito estadual, Vitorino Freire indicou o nome de Eugênio de Barros para o governo. Segundo Wagner Cabral (2004), a indicação não foi aceita pelas Oposições Coligadas que, então, indicam Saturnino Bello, ex-interventor e ex-vice-governador do Maranhão, para concorrer ao cargo naquele pleito. No entanto, os 25 Para Caldeira (1978), o vitorinismo foi uma dinâmica política exercida no Maranhão desde 1946 até 1965, pelo político pernambucano Vitorino Freire. Foi uma política de base clientelista baseada na troca de favores entre chefes políticos dominantes e grupos locais. Em geral, Vitorino Freire dedicou esforços para controlar lideranças e partidos políticos com os quais mantinha alianças formadas. 47 desdobramentos da sucessão presidencial foram decisivos para que a greve de 1951 fosse desencadeada no Estado do Maranhão. Cabral (2004) ainda destaca que no âmbito nacional mais uma vez Getúlio Vargas se candidatou ao cargo de presidente e contou, entre tantas alianças, com o apoio político de Adhemar de Barros. Este veio ao Maranhão em agosto de 1950, em campanha a favor de Vargas, e seria homenageado pelas Oposições Coligadas. Todavia, os vitorinistas esquematizaram um plano que desarticulou as atividades programadas. Nesse sentido, o chefe da polícia proibiu que o comício fosse realizado na Praça João Lisboa, no centro da cidade de São Luís, transferindo-o para a Praça Deodoro. No outro local, as sabotagens dos vitorinistas continuaram na medida em que cortaram a luz elétrica no momento em que o governador de São Paulo discursava. Em represália, as Oposições Coligadas organizaram uma passeata e teve início o confronto entre oposicionistas e policiais, que resultou em inúmeras mortes e feridos. Assim, as eleições marcadas para 03 de outubro de 1950 ocorreram em meio ao clima de tensão. Os vitorinistas apoiaram o candidato Cristiano Machado. As Oposições Coligadas dividiram seus votos entre Getúlio Vargas (coligação Partido Trabalhista Brasileiro/Partido Social Progressista, ou seja, PTB /PSP) e o Brigadeiro Eduardo Gomes da União Democrática Nacional (UDN). No âmbito das eleições estaduais, rumores de que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão teria anulado muitos votos e, consequentemente, favorecido Eugenio de Barros, desencadeou uma batalha judicial instaurada pelas Oposições Coligadas, cujo intuito era a realização de eleições suplementares. A decisão judicial arrastou-se por alguns meses e o infarto cardíaco que Saturnino Bello sofreu, em 15 de janeiro de 1951, deu início a uma greve geral dos setores e serviços na cidade de São Luís. A cidade de São Luiz tinha cansado de viver em paz. Em dois momentos, a capital ficou completamente paralisada numa greve geral, nos meses de fevereiro/março (cerca de 15 dias) e setembro/outubro (20 dias). A greve de 1951 assumiu tal magnitude que reunia em suas manifestações diárias contingentes de, no mínimo, 3-4 mil pessoas na chamada “Praça da Liberdade” (praça João Lisboa ou Largo do Carmo, o centro político ludovicense). Dada magnitude e riqueza das manifestações e da mobilização popular (incluindo trabalhadores, estudantes, setores da classe média, políticos e mesmo empresários), a capital recebeu, nessa ocasião, 48 a alcunha de Ilha Rebelde (às vezes, Ilha Indomável), pois foi ‘uma manifestação violenta da população de São Luiz contra os excessos da corrupção eleitoral, então ostensivamente praticada no Estado’26 (CABRAL, 2004, p. 270). Segundo Cabral (2004, p.271), casas de juízes do TRE foram depredadas, rádios e jornais, aliados do vitorinismo, foram destruídos e incendiados. A insegurança e o medo fizeram com que setores industriais, comerciais, de transportes urbanos e bancários fechassem as portas, o que causou uma paralisação geral na cidade, que ainda contou com o desabastecimento de alimentos e problemas de fornecimento de água e energia elétrica. Sandra Sousa (1998) também demonstra que os moradores de São Luís, nos anos de 1950 e 1951, temiam, dentre outras questões, pelas conseqüências que a greve ocasionaria na indústria, mais especificamente nos setores fabris (com galpões lotados de fardos de tecido que não tinham compradores). Este autor ainda acrescenta que a situação só foi controlada quando Eugênio de Barros propôs, a Getúlio Vargas, que as forças federais se retirassem do Estado do Maranhão. A greve findou em 08 de outubro de 1951, mas seus vestígios ainda seriam sentidos por toda população nos anos seguintes, em 1952 e 1953. Sandra Sousa (1998) ressalta que os jornais veiculavam várias manchetes que destacavam as preocupações com a questão econômica do Estado no que se refere às possíveis falências de fábricas e comércio, bem como dos desempregos que acarretariam. No âmbito nacional, Vargas continuou a incentivar a industrialização brasileira, criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a Petrobrás, entre outros. No entanto, sofrendo inúmeras manifestações de protesto e greves trabalhistas, pressões da imprensa (que denunciava frequentes casos de corrupção e desmandos administrativos do governo federal) e dos militares (que unidos aos grupos oposicionistas exigiam a renúncia do presidente), Vargas suicida-se em 24 de agosto de 1954. Nesse contexto, é importante destacar que o incentivo pregado por Vargas sobre o processo de industrialização do Brasil não foi vivenciado, ao longo da década de 1950, no Maranhão. 26 CALDEIRA (1978) apud CABRAL (2004). 49 Ao apresentar a conjuntura econômica, política e social na qual foram construídas as vivências de Joana, Rosa, Francisca e Rosário, ressalto que predominantemente os homens aparecem como personagens principais. Isto assim se evidencia, segundo Michelle Perrot (1989), porque a historiografia tradicional não reserva espaço em seus escritos às mulheres. Nesse sentido, o mesmo se percebe a respeito das fontes documentais e jornalísticas utilizadas nas análises de Cabral (2004), Caldeira (1981) e Reis (2007). Estas fontes destacam a participação dos homens em conflitos, legendas partidárias, alianças políticas, entre outros e oferecem pouca, ou quase nenhuma informação que se refiram às mulheres. Isto reforça a assertiva de Perrot, na medida em que demonstra que aqueles acontecimentos conjunturais, ocorridos nas décadas de 1930 a 1950, em geral, não teriam algum tipo de relação com a vida das mulheres. Em “Práticas de Memórias Feminina” (1989), Perrot (1989) aponta que à medida que foram artificializados espaços sociais definidos como “público” e “privado”, como distintos e excludentes, papéis de gênero foram diferentemente alocados nesses espaços. Assim, as mulheres não eram solicitadas para falar da cena pública sobre, por exemplo, as guerras, a política ou a economia, haja vista que estariam designadas a viver a cena privada e o que elas registravam nesse espaço, em diários íntimos e cartas, não tinha valor historicamente significativo27. Sandra Sousa (1998, p.91), “buscando reconhecer, na cidade de São Luís, os sujeitos-atores que contracenavam nas décadas de 1950 e 1960, através de jornais locais”, também nota que os homens ocupavam destaque naquelas manchetes. Eles apareciam, sobretudo, em notícias que remetiam às ações e decisões políticas, econômicas e sociais da capital maranhense. A autora continuou sua investigação à procura de outros “sujeitos-atores” que também compusessem aquela trama motivada em encontrar as mulheres naqueles jornais. Elas, então, aparecem em colunas, crônicas e reportagens que se 27 Segundo Perrot (1989), muitos daqueles escritos, como cartas e diários, eram queimados e destruídos para não revelarem algo que abalasse a ordem social e, principalmente, familiar, pois tomar conhecimento daquelas vivências, através da leitura, poderia provocar constrangimento de familiares e descendentes já que era uma exposição individual, mas também coletiva, no sentido de seu pertencimento familiar. 50 destinavam a orientar modos e qualidades que eram socialmente esperados delas através do processo de socialização. A Página Feminina (1950), do jornal O Imparcial; O Diário nos Assuntos Femininos (1952), do Diário Popular; Suplemento Feminino (1959), do Diário da Manhã, A Coluna Feminina (1960), do Jornal do Dia e o Jornal do Povo (1963) foram algumas das seções e colunas jornalísticas maranhenses analisadas pela autora. Nelas eram transmitidas mensagens que reforçavam o controle sobre as mulheres no que se refere às leituras aconselháveis, às roupas consideradas provocativas, à vaidade, ao consumo de bebidas alcoólicas, namoros e casamento, cuidados com os bebês e decoração da casa. Nesse sentido, destaco dois recortes que se referem àquelas orientações: O CUIDADO PESSOAL...A elegância de uma mulher vem, em primeiro lugar, da frescura de sua pele e de seus cabelos sempre limpos. Um pequeno descuido imperceptível para você salta aos olhos dos outros, dos homens, das mulheres, suas amigas e, consequentemente, suas rivais. É um pequeno defeito que faz com que seus 15 ou 20 anos lhe dêem aspecto de mulher mais velha, ter as costas abauladas, olhos inchados, enrugados, cabelos secos e sem brilho, olhos tristes, mãos deformadas...O que fazer para ser impecável?... Um pouco de paciência, de atenção, muita disciplina, organização, farão de você uma mulher de elegância perfeita e de aparência inatacável (Coluna Feminina - O Imparcial, São Luís – MA, 25 jan. 1953 apud SOUSA, 1998, p. 97). Ficava mal à reputação de uma jovem, por exemplo, usar roupas muito ousadas, sensuais, sair com muitos rapazes diferentes, ou ser vista em lugares escuros ou em situação que sugerisse intimidades com um homem. Os mais conservadores ainda preferiam que elas só andassem com rapazes na companhia de outras pessoas – amigas, irmãos ou parentes, os chamados seguradores de vela (BASSANEZI, 2007, p. 612). Estas colunas jornalísticas não estavam isoladas do âmbito nacional. Algumas revistas também continham seções destinadas às mulheres, entre elas: Jornal das Moças, Querida, Você, Vida Doméstica, O Cruzeiro e Revista Feminina. Carla Bassanezi (2007) ressalta, através da análise destas publicações, que aquelas revistas transmitiam notas que diziam que as mulheres nasceram para ser donas de casa, esposas e mães. 51 As seções da revista Querida28 comentavam sobre assuntos de culinária, moda, beleza, decoração, cinemas, teatros, livros e cartas. De acordo com Bassanezi (1996), ao longo de toda a revista são explicitadas representações de como mulheres deveriam se comportar frente ao namoro, casamento, criação de filhos e relações extraconjugais. Uma das grandes preocupações das famílias dizia respeito à sexualidade das moças. Tal assunto também se fazia presente, sutilmente, nas revistas que circulavam nacionalmente. Assim, ter encontros íntimos com rapazes antes do casamento era algo impensável às moças que pretendiam se casar, pois aquelas revistas mencionavam que os homens buscavam as moças consideradas recatadas, dóceis e com uma boa moral, que assim não lhes trouxessem problemas. O Cruzeiro29 foi outra revista que também demonstrou que as moças não deveriam manter contato íntimo, nem apresentar comportamento ousado com os rapazes. As colunas chegavam a responsabilizá-las, por tais atos, caso estes tomassem algum tipo de liberdade com elas, como podemos observar a seguir: A experiência aconselha, em benefício da moça que quer conviver com rapazes, que, conquanto tenha confiança em si mesma, nunca tenha confiança em tal grau que a exponha a toda a prova. O amor é uma força às vezes cega – é preciso andar sempre de olhos abertos para não cair. [...] Encontrar-se com um desconhecido e sair com ele é arriscar muito. Nem sempre a popularidade é uma boa recomendação para a moça [...] nem sempre o rapaz se diverte com a moça de maneira recomendável para ela. Depende muito da moça a maneira como é tratada pelos rapazes. Se dá preferência a modas e modos provocantes, perde o direito de queixar-se se o rapaz quiser avançar o sinal. O estímulo quem deu foi ela. [...] chamar a atenção dos rapazes [com gestos estudados e sensuais] é depreciativo para a moça (O Cruzeiro, 24 mai. de 1958 apud BASSANEZI, 2007, p. 612). Em outra revista, Jornal das Moças30 encontram-se orientações que se referem à maneira como as esposas deveriam agir para com seus maridos, bem 28 Segundo Carla Bassanezi (1996), a revista Querida surgiu em junho de 1954. Até o ano de 1966, a revista publicava 24 exemplares por ano, dois exemplares por mês, passando para 26 exemplares anuais até o ano de 1968. 29 Segundo Carla Bassanezi (1995), a revista O Cruzeiro foi editada em 1928. Seus exemplares ainda se destinavam à Argentina e Portugal. Em O Cruzeiro encontrar-se-iam seções de cartas e conselhos intitulada “Da Mulher para a Mulher”, sob a responsabilidade de Maria Teresa, e a seção humorística “Garotas”, ilustrada por Alceu Penna com textos de A. Ladino (Edgar Alencar) e de Maria Luiza Castelo Branco (a partir do ano de 1957). As "Garotas do Alceu" estiveram presentes na revista de 1938 a 1964. 30 A revista Jornal das Moças foi publicada de 1945 a 1960, segundo Bassanezi (1993). 52 como àquelas divisões entre papéis de gênero e espaços sociais público e privado, estabelecendo que os homens devam se ocupar do trabalho e que as mulheres, em geral, não devam opinar, nem combater as decisões do marido sobre questões nesta esfera. A esposa que realmente deseja o bem do marido deve saber realçar-lhe as qualidades de espírito e coração, o valor pessoal e até incensar sua vaidade. [...] Jamais deve imiscuir-se nas atividades profissionais do marido, a não ser para expressar aprovação por suas obras, e, a não ser que o homem seja realmente incapaz, ela evitará opinar sobre suas decisões (Jornal das Moças, 13 nov. de 1958 apud Bassanezi, 2007, p. 630). Grande parte daquelas publicações legitimou socialmente a construção dos papéis de mãe e esposa. Isto, consequentemente, reforçou a concepção de que às mulheres caberia a memória do privado. No entanto, reafirmo que esta concepção é alvo das críticas de Michelle Perrot (1989), pois mesmo envolvendo questões que, em geral, são discursivamente consideradas de uma vida privada, alguns trabalhos demonstram que as memórias das mulheres também podem revelar significativos acontecimentos que se remetam à conjuntura econômica ou política. Comungando das idéias de Michelle Perrot (1989), Maria Bernardete Flores (1995) analisa as memórias femininas das festas açorianas no sul do Brasil, na primeira metade do século XX. A autora considera que as memórias não são exclusivamente separadas pela divisão sexual dos papéis, pois as mulheres que entrevistou transitavam tanto na casa quanto na rua, logo suas memórias “longe de expressarem apenas o privado, a morte em família, o nascimento e outros eventos, apontaram os espaços da rua e do coletivo, como o comércio, a acumulação, as diferenças sociais, as mudanças” (FLORES, 1995, p. 139). Contudo, percebo que ao lado das diversas instituições (escolar, familiar, religiosa, etc.), as colunas e seções de jornais e revistas, que circulavam nas décadas de 50 e 60, seja a nível nacional ou local, se constituíram em mais um instrumento que projetou socialmente que as moças, naquele contexto, deveriam desempenhar, sobretudo, os papéis de esposa e mãe. 53 Assim, Rosa, Francisca, Joana e Rosário destacaram em suas narrativas que eram socializadas para expandirem emoções e sentimentos, dedicarem-se absolutamente aos deveres familiares, subordinando suas decisões a imposição de pais e depois dos maridos - embora tenham buscado construir estratégias que permitissem não seguirem fielmente o modelo socialmente legitimado, como é registrado em suas narrativas - suas lembranças se reportam muito aos detalhes de suas relações familiares, que então se constituíram como foco central deste estudo, conforme já mencionado. CAPÍTULO 2– VIVÊNCIAS NOS “GRUPOS DE IDOSOS”. Não são apenas os fatos, mas os modos de ser e de pensar de outrora que se fixam assim na memória (...). Os grupos de que 54 faço parte em diversas épocas não são os mesmos. Ora, é de seu ponto de vista que penso no passado (...). É preciso que minhas lembranças se renovem e se completem, à medida que me sinto mais envolvido nesses grupos e participo mais estreitamente de sua memória (HALBWACHS, 2006, p.95). É com a citação de Maurice Halbwachs que início este capítulo para mencionar que neste estudo serão apresentados modos de ser e de pensar de Rosário, Joana, Rosa e Francisca31. Não se trata de registrar plenamente histórias de vida, mas de registrar traços destas através de relatos, curtos ou mesmo longos, que apresentam recordações de experiências vividas e como tais, são cheias de sombras, longos silêncios, intervalos obscuros, privacidades indevassadas que, segundo Suely Kofes (2002, p.22), “terminam por falar do que o tempo faz com a memória de uma vida, vislumbrando apenas o que seria a verdadeira experiência desta vida no tempo”. Os relatos são recordações de si, de relações, de valores, de política, dos contextos de suas origens e trajetórias de existência. Rosário, como Joana, Francisca e Rosa, em seus relatos, narram o lugar onde nasceram orientando-se, inicialmente, pelo roteiro previsto em minha investigação. Desse modo, suas formulações iniciais dão conta da idade, do lugar de nascimento, da profissão dos pais, dos deslocamentos territoriais percorridos e relações com suas famílias de origem, etc. Aos poucos vão estendendo, nessas narrativas, detalhes e recortes que vão considerando necessários, portanto significativos para situarem suas experiências no atual convívio familiar e em outros relacionamentos mais próximos. Vão construindo personagens, modos de “ser mulher”, gendrando identidades, modificando histórias e vivências segundo suas conjecturas no presente. Neste trajeto é bastante significativo que sejam mulheres inseridas em grupos de convivências para pessoas consideradas idosas, tão em voga, atualmente. Nestes casos, como já frisei, Joana, Rosário, Francisca e Rosa participam ativamente dos grupos GEN e UNITI, que trabalham na perspectiva de uma construção discursiva, segundo a qual o processo de envelhecimento é uma fase de 31 Utilizo fonte e espaçamento diferenciados do restante do texto nos trechos das narrativas, cuja finalidade é distingui-los. As informações contidas nos colchetes são alguns esclarecimentos que faço sobre o que vem sendo narrado por estas mulheres. 55 determinada faixa etária que deve ser aproveitada para se exercer atividades prazerosas, como passear, viajar, dançar, viver de forma ativa e positiva, rompendo com estereótipos que numa anterior concepção sobre a velhice, a destacam como associada ao descanso e à solidão, algo parecido ao que registram Rosário e Francisca quando se apresentam a mim: (...) Eu freqüento aqui na COHAB o grupo Clube das Mães, das idosas, e da Legião de Maria, da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. (...) Eu faço muita atividade, a minha vida tem que tá sempre agitada. Num sou de ficar parada em casa não, deitada, de papo pro ar. Com as colegas, aqui, eu faço ginástica ali na quadra. Terça e quinta. Tem ginástica pra tudo, pra terceira idade também. É a mesma ginástica que tem no Parque Bom Menino. Vem uma professora pra cá e quando me disseram eu já tava lá. E eu ando de manhã. Eu quase não paro não. Tem jeito não. Tem gente que não acha que eu tenho sessenta e dois anos. Tem gente que não acha que em agosto eu vou fazer sessenta e três anos. A colega amanhece assim mole e eu digo: “Vamos! Te esperta! Vamos!” (..) Eu levanto às 5 horas da manhã, deixo o café na mesa pra ele, que é só uma hora de ginástica. E eu vou fazer minha ginástica e volto, faço a comida e quando é às 12:00 horas o cume tá pronto e eu já vou pra UNITI, de tarde. (...) O pessoal pensa que eu sou parada, mas eu não sou não. Olha, se eu não fosse tão ativa eu tinha tido assim uma coisa mais, mais grave como uma conseqüência dessa queda de ontem [no dia anterior Francisca caiu ao descer do coletivo]. Já pensou? Porque eu era morta. Caía até de venta no chão. Eu empinei logo e rodei. Caí, mas caí sentada (risos). Quando ele não tá aqui e o bebedouro seca eu ligo ali e o menino traz e eu boto sozinha. Ele pergunta quem me ajudou e eu respondo que Deus (risos) (Francisca - 63 anos, mulher branca, reside em São Luís há 38 anos, atualmente no bairro COHAB). Hoje em dia a vida dos idosos é mais liberal. Tem mais oportunidade. (...) Hoje em dia as idosas se cuidam mais. Naquele tempo ficava só em casa, era só com roupa de velho mesmo. Minha filha me dá no dia das mães e no natal um presente. Ela vai comprar com o marido dela e ele compra dois, um pra mim e um pra mãe dele. (...) A mãe dele é daquelas que não se cuida e ele compra pra mim igual ao da mãe dele. Quando chega aqui eu digo: “Vocês pensam que eu tô velha? Eu vou trocar! (risos). Tua mãe gosta, mas eu não. Eu vou trocar!”. Eu gosto muito de lá do GEN. Gosto das palestras, tem oficina de...de...leitura. Agora eu tô fazendo fisioterapia e é muito bom mesmo o exercício. Tem reunião toda sexta lá no PAI, que tá agora em reforma. Tem festa das mães, tem passeio pros idosos. Teve um passeio pra uma fazenda que eu nunca tinha ido, muito linda. Passamos o dia lá. Foi muito bom. Todo o grupo reunido, cantando, dançando, teve sorteio, foi perto do Natal. 56 Foi muito bom mesmo (fala entusiasmada). Teve outros, mas eu não fui. Eu não pude ir. Toda sexta também tem reunião e eu ainda não fui esse mês. Segunda tem reunião e consulta com as doutoras, quarta é leitura...oficina de leitura e sexta, reunião do grupo. Eu não fui ainda nas sextas esse mês. Sexta que vem eu acho que eu vou. Então eu tenho gostado muito do GEN. Muito mesmo, se soubesse mais cedo já tava lá (risos). Foi uma conhecida minha que falou (Rosário - 70 anos, mulher negra, reside em São Luís há 66 anos, atualmente no bairro Vila Palmeira). Em outro momento, também, indo de encontro com a perspectiva discursiva do envelhecimento ativo, autônomo e independente, Francisca continua a enfatizar que gosta de viajar e dançar, mas diz que não se conforma com pessoas que “se entregam à velhice”. (...) Ainda hoje eu gosto de festa. Eu saio pra ginástica e lá às vezes o professor bota o forró e a gente dança. Hoje mesmo eu tive ginástica ali, que eu faço aqui, e a professora botou pé-de-serra. Nós....nós não sabia se dançava ou fazia ginástica (risos). Tem uma professora que sempre leva a gente pro cinema, nas terças-feiras e quando ela avisa eu já digo logo: “Já tô lá (risos)”. E eu vou mesmo. Não gosto de ficar só em casa não. Tem que aproveitar e nesse shopping aqui, que inauguraram [Rio Anil Shopping], de vez em quando eu me mando pra lá (risos). (...) Eu fico triste quando vejo uma pessoa mais nova do que eu e não quer fazer nada, se entrega logo pra velhice. A minha filha diz pras colegas dela, lá em Belém, que eu sou assim e toda vez que eu vou lá o povo quer me conhecer ou rever. Eles acham que eu sou nova. (...) E meu menino foi resolver umas coisas em Chapadinha e ele não queria ir só. Eu tava aqui sentada e ele veio aqui em casa e me chamou pra ir no outro dia com ele. (...) Agora ele não gosta de sair. Parece que teve um trauma depois que se aposentou. Vai fazer dez anos que ele se aposentou e só vive em casa (Francisca). A participação nos grupos delineia grande parte de suas narrativas adotando a concepção de que ser velho não é ser passivo, doente ou deprimido. Transitam, porém, entre outras mulheres que materializam o discurso da decrepitude como é o caso de Rosário, que percebe a diferença entre o modo de ser da sogra de sua filha e o seu. Francisca relata que se encarrega de tarefas domésticas, mesmo as que exigem sobrecarga, de forma a sentir-se forte, participativa. Dança, movimenta-se, orienta-se por um estilo ativo. Esta ressalva implica, mais uma vez, em fazer reconhecer que suas narrativas são, em grande parte, perpassadas por aquelas construções discursivas 57 institucionais que realçam positividade, contrastando com outros discursos naturalizados sobre a velhice como decadência, que incluem aspectos biofisiológicos, psicológicos e culturais. (...) Eu tô gostando muito da UNITI. Eu sei que isso aqui não é leitura, nem negócio de....é uma faculdade da terceira idade. É pra gente abrir a memória, tem memorização, psicologia da terceira idade, tem atividade física, que eu escolhi a hidroginástica. A outra parte foi que eu escolhi a fitoterapia. Eu queria saber, aprender alguma coisa sobre plantas, pra fazer um lambedor em casa, pra meus netos, pra meus filhos. (...) A gente tem que aproveitar a vida, o resto que ainda tem porque ninguém sabe o dia de amanhã. Deixa eu ver quem era, era uma professora lá da UNITI dizia que não é porque a gente tá nessa idade que vocês vão se entregar (Francisca). Eu acho que a UNITI é um veículo de ensinamento que todo mundo tá lá pra aprender. Inclusive as professoras falam que não são só professoras, que são alunas também, porque aprendem muito conosco. Elas são realmente bem mais jovens, mas a experiência que nós temos diante delas é muito maior, embora elas tenham mais conhecimento acadêmico, mas nós temos outra experiência de vida. Nós passamos pra elas e elas recebem também. Então é muito bom essa troca e quando a gente vai com esse propósito, de dar e receber, é muito mais eficiente, proveitoso. Cada um tira sua parcela. Temos colegas que no começo queriam desistir, mas dado o apoio da gente, ajudando e tudo, ninguém mais quis deixar de ir. Agora muitas tá lá só o nome, nunca foram, nem no primeiro dia. Na hora da chamada, tem nomes que até hoje tá registrado na caderneta e nunca foram. Nunca apareceram. Quer dizer, houve desistência assim....espontânea. Nem foi lá pra conhecer, porque quem foi também não quer deixar de ir. Inclusive nós não vamos ficar só com um ano, algumas estão lá há seis anos. A turma de egressos tem gente com seis anos. Porque encontrou lá o apoio que em outro lugar não tem. A família já tá crescida, ou às vezes tem família pequena ...não tem mais aquele apoio. E estando lá, tá tudo seguro (Rosa - tem 75 anos, mulher negra, reside em São Luís há 35 anos, atualmente no bairro Bequimão). Os elementos positivos proporcionados por estes grupos seguem nas narrativas na medida em que estas mulheres procuravam dar exemplos de como muda a vida dos sujeitos, de situações de apatia, esmorecimento e desânimo para vivacidade, energia, motivação, após sua inserção na UNITI. 58 Eu cheguei a ter um início de depressão, mas não foi nada muito sério.....Sempre gostei de fazer minhas caminhadinhas e faço pela manhã.....e não foi assim muito. Aí depois eu cheguei na UNITI, quando eu descobri a UNITI só fez é melhorar, só melhorar. Aí teve passeios, inclusive ontem teve um passeio no SESC. Eu não fui, eu perdi, mas eu fui em outro anterior no SESC. (...) Pra mim tá sendo muito bom as aulas da UNITI porque eu vejo a minha mãe. Ela começou a envelhecer com o problema da saúde....da diabetes, e ela morava na época no interior. É de muitos anos a diabetes dela. Ela levou aquilo que tinha como o fim pra ela. Ela se via como aquela pessoa que não podia mais fazer nada, que já ia morrer ali. Então...é muito difícil convencer...ela, mamãe. É muito difícil convencer que ela tem que fazer caminhada, que ela tem que se exercitar. Que ela pode fazer algum movimento. E até hoje nós nunca conseguimos. Tanto que pra sair com ela sempre tem que ter alguém; ou eu ou minha irmã. Ou vai meu marido, ou vai meu cunhado, mas sempre tem que ir alguém pra levar, que ela já não anda bem de ônibus. Sempre tem que ir alguém...ou então meu filho vai. Pra botar ela no carro é difícil, pra tirar também. Ontem eu tava olhando assim o jeito dela...ela tá com 85 anos e parece ter mais (Joana - 63 anos, é branca, reside em São Luís há 38 anos, atualmente no bairro São Francisco). Minha irmã já tava se entregando, no fundo de um apartamento, que não descia nem pra ver quem passava por lá. Eu disse pra minha sobrinha, que é de criação, casada com meu filho, que era pra gente ir na faculdade, na UNITI, logo amanhã pra fazer a matrícula das duas. Ela ainda achou que minha irmã não ia, mas eu incentivei mesmo assim. Ela foi pra se precisar pagar alguma coisa, ela pagava e eu dava depois, que meu marido tava viajando na época. A gente fez a inscrição e quando as aulas começaram, ela foi ainda umas três vezes arrastada, mas hoje não deixa de ir. Às vezes nós nem vamos pra aula, vamos é bater perna pela Rua Grande, mas só pra ela sair de casa. E ainda ensinei pra ela dizer que nós ia fazer uns cursinhos lá nas férias, que é pra gente sair, ir pra cinema, oras (risos). (...) Na UNITI eu tô com uns 3 ou 4 anos que eu vejo falar e tinha muita vontade de participar, mas quando chegava, quando me espertava pra me matricular já tinha acabado a matrícula, não tinha mais vaga. Quando foi esse ano não, eu tava na sala e deu na televisão. Eu liguei pra minha nora depressa e disse: “Eu queria ir amanhã”, mas eu tava sem dinheiro, sem nenhum tostão que meu marido ainda não tinha mandado dinheiro pra mim e vou levar a Vera também, que é minha irmã. A Vera também se aposentou, mas tava se acabando. No dia ela foi pra levar os retratos dela e no primeiro dia ela ficou assim pelos cantos e hoje em dia quero que você veja! A Vera já aumentou até 2 kg. Ela trabalhava na Polícia Federal aí ficou socada dentro de casa depois que se aposentou. Ela chega lá toda cocotinha, e eu incentivo. Eu sou danada. Eu sou danada pra incentivar, eu não paro não! (Francisca). 59 Nestes relatos também apreendo que permeia, no imaginário social, a noção de que o processo de envelhecimento é igualitário ou homogêneo para todos os sujeitos, pois sobressaem os receios de Francisca e Joana de o vivenciarem conforme, respectivamente, sua irmã e sua mãe. Estas narrativas, entretanto, não me deixam desprezar que aqueles elementos demarcadores de um envelhecimento ativo não atingem todas as pessoas consideradas velhas, idosas ou em terceira idade. Digo isto porque as trajetórias de vida dos sujeitos constituem diversas maneiras de envelhecer, nas quais as condições sociais de inserção no gênero, na classe social e nas questões de saúde, entre outras, influenciam no interesse e na procura para participarem destes grupos e, desse modo, assumirem representações contemporâneas do que é ser velho, que, em geral, não diferenciam o ser mulher idosa e o ser homem idoso. Em nossa vivência cotidiana nos deparamos com muitos outros sujeitos, homens e mulheres, considerados velhos ou idosos que por diversas razões e especificidades vivem sozinhos, alguns abandonados dentro de casa, outros que se encontram em hospitais, instituições asilares ou moram nas ruas, além daqueles que preferem não freqüentar espaços designados como “grupos de idosos”. As abordagens realizadas nos primeiros estudos na área da gerontologia consideravam que todas as pessoas velhas ou idosas enfrentariam os mesmos problemas, independente de diferenças culturais, religiosas, classe social, gênero, etnia, raça, entre outras. Somente na década de 1970, segundo Eneida Haddad (1993) e, também, Guita Debert (2004), é que as variações existentes segundo estes marcadores sociais foram validadas frente à sua compreensão. Nesse sentido, retomo subsídios no estudo de Mercadante (2005) que tem intenção de demonstrar que envelhecer faz parte do ciclo da vida que compreende as fases de nascimento, crescimento, amadurecimento, envelhecimento e morte. No entanto, a autora enfatiza que a compreensão desse processo não deve ser reduzida à influência de mudanças ligadas a aspectos biológicos, pois outros fatores interagem no processo de envelhecimento. Volto a destacar que Remi Lenoir (1998) enfatiza o caráter relacional da categoria velhice ao expor que, no contexto do século XIX, proprietários de fábricas 60 utilizaram o critério etário como parâmetro para determinar quem eram os operários considerados velhos para exercerem atividades produtivas. O autor ainda reforça sua concepção ao apresentar as considerações feitas por Maurice Halbwachs (1972) sobre os diferentes critérios que foram utilizados na França e Alemanha, após Segunda Guerra Mundial, para definir as faixas etárias que constituiriam as pirâmides das idades destes países. Halbwachs ressalta que as diferenças etárias estipuladas por estes países ocasionaram a impossibilidade de uma possível comparação entre aquelas pirâmides das idades, como se pode perceber a seguir: Ao comparar a pirâmide das idades das populações francesas e alemãs, entre as duas guerras – depois de ter verificado que os dados numéricos mostravam, claramente, diferenças que diziam respeito à representação das faixas etárias nos dois países (nessa época havia um número maior de ‘jovens’ na Alemanha do que na França) – Maurice Halbwachs se pergunta qual é o alcance dessa comparação do ponto de vista sociológico. ‘Seria necessário saber o limite estabelecido, pela opinião pública, para a separação entre idade adulta e juventude, entre velhice e idade adulta, é o mesmo nos dois países. Podemos duvidar porque nas regiões onde existe um grande número de idosos, estes consideram-se talvez mais jovens do que sua idade, e nas regiões onde existem mais jovens – como um grande número deles ocupam ou aprestam-se a ocupar situações reservadas, alhures, a adultos – talvez se considerem e são considerados como mais velhos do que são realmente, ao ser tida em conta sua idade cronológica (HALBWCHACS, 1972 apud LENOIR, 1998, p. 66). Ao tomar estas referências, penso que as vivências de Joana e Francisca não podem ser totalmente idênticas às de sua mãe e de sua irmã, como as comparam, pois a conjuntura na qual conviveram/convivem são diferentes tanto no tempo e no espaço, quanto em relação a outros determinantes sócio-culturais. Segundo Debert (2004) a compreensão do processo de envelhecimento deve, sobretudo, se pautar na distinção entre velhos no geral e a experiência social. Discorrer sobre os velhos em geral é reproduzir uma série de estereótipos com os quais a velhice é tratada: “o velho é passivo e acomodado”, “o velho não participa”, “o velho vive reclamando da vida”, “o velho só pensa em dormir e comer”. Falar da experiência pessoal é, pelo contrário, enumerar uma série de atitudes e atividades que tornam o indivíduo radicalmente distinto dos outros velhos, mesmo quando ele considera que sua idade é avançada (DEBERT, 2004, p. 183). Com estas reflexões quero destacar que heterogêneas e variadas podem ser as experiências de um grupo que é definido através de categorias homogeneizadoras, tais como: velhice, velhos, idosos, terceira idade, entre outras. As categorias terceira idade e idoso são legitimadas institucionalmente, em grupos formais, como promotoras do combate a preconceitos e discriminações e buscam 61 associar sentidos de positividade e possibilidades de melhores oportunidades para esta etapa da vida. Nesse sentido, percebo o que ressalta Guita Debert (2004, p. 85) a respeito do trabalho realizado por algumas instituições. Segundo esta antropóloga, o objetivo destas é rever “a idéia dos idosos como sendo sujeitos passivos de um conjunto de mudanças sociais, apontando, ao contrário, o seu papel ativo como criador dessas mudanças, fazendo novos arranjos sociais em resposta às transformações da sociedade”. As transformações econômicas e políticas ocorridas ao longo do século XX fizeram com que o aumento da população considerada velha ou idosa emergisse em contexto social como alvo da atenção de políticas estatais, sobretudo, as questões que se destacaram no âmbito das experiências cotidianas. A demografia vem registrando este crescimento populacional também no Brasil. Segundo o IBGE atualmente o país possui cerca de 21 milhões de pessoas com mais de 60 anos, destacadas pela categoria idosa. As recentes análises sóciodemográficas demonstram que os dados da população brasileira considerada idosa passaram de 14,8% (1998) para 18,8% (2008) 32. No Brasil, os fatores considerados determinantes para este fenômeno foram a redução do número de nascimentos e da taxa de fecundidade, o aumento da expectativa de vida, a redução da mortalidade da população e os incentivos na prevenção e controle de algumas doenças a partir da produção de vacinas e antibióticos (Zimerman, 2001). Até a década de 1970, segundo Ana Bastos (2001), o Brasil era conhecido como “um país jovem”, pois as taxas de natalidade eram superiores às de mortalidade, mas o fenômeno denominado de “envelhecimento da população brasileira” só começa a ser perceptível, em dados numéricos, ao longo da década de 1980, com a progressiva diminuição das taxas de natalidade. A expectativa de vida de brasileiros e brasileiras também aumentou, nesta década, com os cuidados 32 A “Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2009” pode ser encontrada no endereço eletrônico www.ibge.gov.br . Acesso: 13 de dezembro de 2010. 62 higiênico-sanitários oferecidos à população através de programas de saneamento de águas e esgotos e da prevenção e do controle de algumas doenças. Estas medidas foram iniciadas ainda na década de 1940 e progressivamente obtidas ao longo das décadas seguintes através das ações governamentais (federal, estadual e municipal), como ressaltam as análises de Bastos (2001), Berquó (1988) e Skidmore (1988). Desse modo, paulatinamente as questões que englobavam a referida realidade da velhice foram emergindo no cenário social. A visibilidade adquirida com a questão previdenciária, como mencionei, desde a década de 1920, fez com que a velhice entrasse na agenda pública brasileira. Outras ações estatais foram surgindo, não só no âmbito previdenciário, mas também na assistência social, na saúde, na segurança, etc. Nesse contexto é significativo destacar que no Brasil, na década de 1970, paralelamente à adoção de categorias como idoso e terceira idade, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) 33 realizou uma pesquisa que comprovou o aumento da população considerada idosa, o que resultou na formulação, a partir de 1974, de programas voltados para a população de mais idade, considerada velha ou idosa por algumas instituições como SESC, LBA (Legião Brasileira de Assistência Social), assim como a criação de “grupos de convivência de idosos” e de universidades para a terceira idade (Debert, 2004). Algumas ações político-reivindicatórias também projetaram a velhice no cenário público. Os descontentamentos com os alcances, por exemplo, da Política Social do Idoso, formulada pelo MPAS em 1977, ocasionaram a criação de movimentos sociais como Movimento Pró-Idosos (MOPI) e Associação Cearense Pró-Idosos (ACEPI), criados em 1977 (Haddad, 2001). Nas décadas de 1980 e 1990, outros movimentos sociais surgiram e, dentre eles, o movimento dos aposentados e pensionistas foi o que mais se destacou. A 33 No governo de Getúlio Dornelles Vargas, na década de 1930, a questão previdenciária foi atrelada à trabalhista a partir da supervisão do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – MTIC. A lei Nº 6.036 de 01 de maio de 1974 desmembra a questão previdenciária da trabalhista com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, cuja finalidade era desenvolver programas de previdência e assistência social; bem como supervisionar e coordenar instituições como o INPS (Eneida Haddad, 2001). 63 Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (COBAP)34 ganhou visibilidade no cenário nacional, entre tantas outras associações criadas no Estado de São Paulo, com o objetivo de defender e vocalizar os direitos de aposentados e pensionistas. Suas ações de maior destaque foram as conquistas de alguns anseios reivindicados em 1985, garantidos com a promulgação da Constituição de 1988 (nos artigos 194, 201, 202 e 203) e no protesto, em 1991 e 1992, que ficou conhecido como “mobilização dos 147%”, ou seja, uma batalha judicial na qual aposentados contestaram o reajuste inferior das aposentadorias e pensões em relação ao índice aplicado ao salário mínimo (de 147%)35. Através destes exemplos reivindicatórios, de associações de aposentados e pensionistas, muitas pessoas consideradas velhas ou idosas intencionam romper com alguns estereótipos associados à anterior concepção discursiva sobre a velhice na medida em que se mostram participativas em questões que dizem respeito a processos de mudanças sociais. Tal participação na esfera pública revelou uma face da velhice, completamente diferente daquela conhecida, marcada pelo conformismo, apatia e resignação. Essa nova fase rompeu com as imagens históricas de inatividade e passividade associadas ao idoso, transformando-as em respeitabilidade e reconhecimento (TEIXEIRA, 2003, p.123). Assim, Rosa, Francisca, Joana e Rosário, em suas histórias narradas, procuram destacar sua participação ativa e o combate às idéias de decadência, de inatividade, à medida que se inseriram em “grupos de idosos”. Estes grupos, segundo os trabalhos de algumas autoras como Alda Britto da Motta (1997), Benedita Cabral (1997), Flávia de Mattos Motta (1998) e Guita Debert (2004), geralmente estabelecem a faixa etária como principal fator que possibilite a inserção e participação das pessoas. Como já mencionei, a UNITI e o GEN direcionam suas atividades às pessoas que possuem mais de 60 anos de idade, consideradas como idosas em seus 34 A COBAP reunia várias associações de base e de federações de aposentados e pensionistas de diferentes estados do país como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 1989, congregou mais de 600 associações de base e 9 federações e era mantida a partir de contribuições das associações a ela filiada (cf. Haddad, 2001, p. 62-63). 35 Eneida Haddad (2001, p. 61) destaca alguns dos anseios atendidos na Constituição da República de 1988 e Guita Debert (2004), Júlio de Assis Simões (2000) e Solange Teixeira (2003) discorrem sobre a “mobilização dos 147%”. 64 discursos oficiais. Apesar de a idade ser o critério determinado para participar, as coordenadoras destes grupos relataram que abrem precedentes diante da procura e da disponibilidade de vagas àquelas pessoas com idade inferior à referida como critério. Nos intervalos de aula da UNITI ou de reuniões no GEN conversei, algumas vezes, com pessoas que ali se encontravam e que tinham um pouco mais de 50 anos de idade. Contavam-me, naquelas breves conversas, que procuravam um local no qual pudessem ocupar seu tempo, fazer amizades, se distrair. Dessa maneira, noto o caráter relacional, que perpassa o critério faixa etária, segundo jogos de interesses estabelecidos pelas instituições, que demarcam quem é ou não considerado idoso e, consequentemente, pode ou não participar dos grupos. Outro elemento que se destaca na configuração desses grupos se refere à predominante participação de mulheres. Nas reuniões e aulas que presenciei no PAI, GEN e UNITI, pude observar que o número de mulheres era consideravelmente mais elevado. Em turmas de 40 a 45 pessoas, apenas dois ou três eram homens. A este respeito, Rosário é quem nos chama atenção ao narrar: Eu entrei no GEN em outubro do ano passado [2009]. No tempo que meu marido tava na UTI já tinha o grupo e eu não sabia, senão tinha ficado logo lá também. Ele passou 25 dias na UTI direto. Foi um sofrimento. Eu direto ali. E tem médico também. E se por acaso a gente adoecer, eles arranjam um leito. Se preocupam em arranjar pra gente que já é de lá. Dizer que é pra arrumar um leito pra uma pessoa do GEN é mais conhecido. Agora os homens lá são poucos, eles não querem. É mais mulher. É difícil ter dois homens. Até quando teve a festa dos pais, eu não fui, não deu pra ir, mas disseram que era pra gente levar dois ou três idosos, mas é difícil. Meu marido, se ele fosse vivo, ele não ia. Ele não gostava de jeito nenhum. (...) Os maridos nem vão nas reuniões, porque homem não gosta. Lá só tem o marido de uma que vai. E ele acompanha ela porque de resto, é muito difícil eles irem. Meu marido mesmo, quando vivo, nunca gostou. Ele dizia que isso era coisa pra quem não tem o que fazer. Eu ia nas reuniões do quartel, quando tinha, e tinha brincadeira, música. Eu ia, mas meu marido não gostava. O marido da minha filha é outro que não vai, mas se chamar pra ele tomar uma cerveja, ele vai (risos). Meu filho também é outro que não gosta. Ele não gosta nem de ir em festa de aniversário. Até na festa dos pais, no GEN, eles não foram. Elas pediram pra convidar idoso, mas quem disse! Os próprios maridos não queriam ir. Agora no dia das mães não, é diferente. Vai todo mundo e pode levar uma filha, uma nora (Rosário). 65 Nesse sentido, a preponderância da procura e participação das mulheres pelos espaços denominados de “grupos de idosos” vem sendo explicada em razão de alguns fatores, tais como: demográficos, mudanças nos arranjos familiares e nas relações de sociabilidade. As análises demográficas apontam que as mulheres vivem sete anos a mais do que homens no Brasil. O cuidado com a saúde é, na maioria das vezes, o principal elemento responsável pela promoção de uma expectativa de vida mais elevada. Discurso médico, gerontológico e várias pesquisas assinalam que em relação à saúde, em geral, as mulheres tomam mais cuidados preventivos do que os homens. Elas vão à consultas médicas, usam medicamentos regularmente, realizam atividades físicas, evitam fumar, entre outros. No entanto, os estudos de Cabral (1997), Britto da Motta (1997) e Veras (1999) ressaltam que tanto critério demográfico quanto os cuidados com a saúde não podem sintetizar e/ou determinar a busca pelos espaços denominados de “grupos de idosos” ou “grupos de convivência”, haja vista que outras motivações e elementos devem ser considerados. Guita Debert (2004) amplia esta reflexão na medida em que considera que o interesse pelos espaços denominados de “grupos de idosos” deve ser compreendido por fatores que permeiam as suas vivências. O núcleo familiar constituído outrora, segundo o modelo hegemônico, previa que os homens desempenhassem o papel de provedor, enquanto as mulheres gerenciassem o lar e a formação dos filhos - o que era justificado, respectivamente, por suas capacidades “racionais” e “emocionais”. Nesse sentido, atribuíam-se às mulheres capacidades de interação social, amizades, atenções especiais e carinhos com outras pessoas, enquanto que aos homens, capacidades que se distanciassem de gestos e atitudes que demonstrassem maiores sensibilidades. De certo modo, isto parece vinculado à menor participação de homens que possuem idade acima dos 60 anos de idade nos espaços denominados de “grupos de idosos”, nos quais é preciso expor e expressar emoções, interagir e dialogar. 66 Debert (2004) ainda ressalta que o avançar da idade pode vir acompanhado de novas configurações nos arranjos familiares. Estes vêm passando por várias modificações na contemporaneidade. Podem aumentar (situações nas quais os pais residem juntamente com filhos, noras, netos, netas e até bisnetos) e/ou diminuir (por situações de viuvez ou pela saída dos filhos, já crescidos, da casa dos pais). As análises dos levantamentos demográficos apresentados pelo IBGE (2009) indicam que no país, em 2008, a proporção de pessoas consideradas idosas que moravam com filhos, era de 33,3%. Segundo Kátia Bernardo (2006), tal fenômeno tem sido designado como coabitação entre gerações. Clarice Peixoto destacada algumas das formas de coabitação: pais com recursos financeiros morando com filhos que atravessam um período de desemprego, mães divorciadas ou viúvas que acolhem seus filhos divorciados ou as filhas solteiras com seus filhos; ou ainda filhos solteiros que nunca saíram da casa dos pais, pais ou mães viúvas mais abastados que não acolhem os filhos em suas casas, mas ajudam financeiramente aqueles em dificuldade, casados ou não; pais e filhos adultos (casados e com filhos) que sempre moraram juntos etc. (PEIXOTO, 2005, p. 75). Um dos principais fatores que possibilitam estas variadas formas de coabitação é o recebimento aposentadorias e/ou pensões. No Brasil, conforme levantamentos do IBGE (2009) os benefícios repassados às pessoas consideradas velhas ou idosas estão configurados da seguinte maneira: 58,3% recebem aposentadoria, 11,2% recebem pensões, 7,7% recebem aposentadoria e pensão e 22,8% recebem outros rendimentos. Fabiana Almeida (2000, p.92) enfatiza que “em algumas famílias os idosos são incluídos no âmbito familiar apenas devido a sua responsabilidade pelas despesas da casa, graças a sua aposentadoria”. Muitos homens e mulheres, considerados velhos ou idosos ajudam financeiramente familiares com estes benefícios através da coabitação entre gerações, ou da ajuda dada a algum filho ou neto com os quais nem sempre residem. As análises do IBGE (2009) e de Peixoto (2004) indicam que maioria das coabitações são vivenciadas pelas mulheres consideradas velhas ou idosas: 45,6% moram com seus filhos, 37,6% não moram com seus filhos e 11,6% não tem filhos vivos. Segundo Debert (2004), viuvez e separações conjugais são alguns dos fatores que podem revelar porque as coabitações são constituídas mais pelas 67 mulheres consideradas velhas ou idosas, uma vez que estas se casam menos do que os homens considerados velhos ou idosos separados ou viúvos. No caso de minhas interlocutoras percebo que seus arranjos familiares encontram-se, atualmente, conforme alguns daqueles descritos tanto por Clarice Peixoto (2004) quanto pelas informações apresentadas pelo IBGE (2009). Francisca reside somente com o marido, Joana reside com o marido e o filho mais novo. Rosa e Rosário são viúvas, mas enquanto a primeira reside sozinha, a segunda reside com um de seus filhos, a nora e uma neta. Há casos que, em se tratando de camadas sociais mais pobres, em geral, algumas pessoas consideradas velhas ou idosas passam a conviver nas residências dos filhos, ou vice-versa, para diminuir os custos e dividir as despesas com alimentação, moradia, ajudar na execução das tarefas domésticas e cuidar dos netos e/ou bisnetos. Esta realidade poderia trazer benefícios a ambas as partes, mas estas coabitações, entre diferentes grupos geracionais, também tem gerado muitos conflitos. Estes podem ocorrer tanto pelo deslocamento de hierarquia e poder no núcleo familiar, quanto pela falta de paciência de alguns familiares que cuidam de pessoas consideradas velhas ou idosas que tem algum tipo de limitação ou dificuldade, como por exemplo, de locomoção, audição, visão ou paladar, perpetrando, em alguns casos, agressões físicas e psicológicas. Em outro momento, Rosa narrou que as pessoas com “família crescida ou pequena encontram um apoio” em grupos como a UNITI. Por esse motivo, algumas já permanecem neles há seis anos. Assim, tendo novas experiências, muitas vezes as pessoas consideradas velhas ou idosas projetam e definem aqueles espaços institucionalizados como uma “família”, tal como se percebe nas narrativas a seguir: E a UNITI.... a gente só tem a agradecer a UNITI e as pessoas que nos apóiam. É uma família. Lá a gente recebe apoio. Se a gente acha que tá com um problema, a gente chega e já conversa e cada um conta o seu e daqui a pouco se supera....É aquela amizade! (...) Depois da UNITI, muita coisa mudou. Bastante mesmo. Em termos de associação com os colegas....Porque a gente fica em casa, e é até como uma professora nova agora, que nós temos, nesse segundo semestre, ela relatou que a gente vai perdendo...Perde contato com as pessoas, perde a vontade de sair, e agora estamos tendo mais uma vez a oportunidade de viajar. Antes também teve passeios, só que eram menores (Joana). 68 Aqui a UNITI tá sendo muito bom! Desde que eu me aposentei, eu fiz uma ficha aqui, só que como eu fui convidada pra Pereira Feitosa eu não vim pra cá. Aí pronto, passou esse tempo, mas agora...ano passado [2009] meu filho veio e me inscreveu, até nem tinha vaga, mas ele deixou meu nome lá na...na lista de espera. Em fevereiro [2010] eu vim, quando começaram as..as, as..atividades não...as inscrições, aí eu vim. Até por uma fase só de experiência. No dia que eu vim consegui a vaga, me inscrevi e fiz logo tudo (risos). Tô gostando muito, tá sendo muito positivo. Além de fazer novas amizades, é uma outra...é uma outra família que a gente consegue. Já fizemos dois passeios maravilhosos, as oficinas eu estou gostando muito. E é certo que eu estou muito feliz com essa atividade aqui. Olha, eu acho muito positivo as experiências que a gente adquire e o aprendizado, que é de uma vida toda. Cada dia eu aprendo mais, eu busco aprender mais.(...) Nossa turma é chique (risos). Tem contador, tem assistente social, tem professora de francês. Nós estamos nos organizando pra no outro semestre ela dar umas aulas pra gente. E tem gente formada em várias áreas. Tem bibliotecária e várias pessoas com curso superior em, por exemplo, Teologia, Serviço Social, Direito. Estamos lá, todo mundo fazendo parte da mesma turma. A gente se ajuda, todo mundo se entende. É uma turma assim coesa (Rosa). O trecho da narrativa de Rosa, acima, nos mostra a formação superior de algumas das pessoas consideradas velhas ou idosas que atualmente participam da UNITI, bem como que a aposentadoria se constitui como um outro elemento que possa indicar a procura por espaços denominados de “grupos de idosos”. Este processo pode desencadear duas concepções de vida: uma que considera as pessoas velhas ou idosas como improdutivas e outra que considera que neste período elas possam trilhar novas experiências (Mascaro, 2004). De acordo com Araújo (2005), a primeira concepção é embasada na perspectiva de que o sujeito tem seu valor reconhecido na sociedade de acordo com o papel profissional que ele exerce, o que faz com que o fim/término das atividades profissionais seja relacionado à inatividade, inutilidade e improdutividade. É o que ressalta Lenoir (1998), ao destacar que: (...) segundo os empregadores, a mais importante ‘deficiência’ dos trabalhadores que estão envelhecendo, é o ‘enfraquecimento das faculdades de adaptação às novas tarefas, métodos ou técnicas’; em seguida, é mencionada a ‘perda de velocidade’, a ‘perda da força’, e depois a ‘perda da vivacidade intelectual’, da ‘habilidade’, da ‘memória’ e, em último lugar, a ‘inaptidão ao comando’ (LENOIR, 1998, p.72). 69 Lenoir (1998) enfatiza algumas das limitações que, naquele contexto, foram elencadas pelos empresários para estipular quem eram os operários considerados velhos e, consequentemente, improdutivos para seus anseios. Contemporaneamente, de acordo com Guite Zimerman (2001), as transformações tecnológicas e industriais, que se processam na sociedade, continuam a reforçar a associação das pessoas consideradas velhas ou idosas como improdutivas, inúteis, atrasadas e descartáveis (grifos meus). Nessa perspectiva, junto com o envelhecimento viriam as limitações nas habilidades cognitivas e corporais, projetando a noção de que, em geral, as pessoas consideradas velhas ou idosas não se adaptariam àquelas transformações. No entanto, percebo que não se pode generalizar tal abordagem, haja vista os diferentes processos de envelhecer, pois do mesmo modo que há pessoas que não conseguem se adaptar, outras já o conseguem36. Debert (2004) ainda lembra que isolamento e solidão nas relações sociais, possivelmente geradas a partir do processo de aposentadoria, podem ser responsáveis pela procura dos espaços denominados como “grupos de idosos” ou “universidades da terceira idade”. Algumas das situações de isolamento podem suceder com mudança de cidade, de trabalho, dos lugares freqüentados e, consequentemente, das amizades construídas e desfeitas. Enfim, de toda uma mudança na rede de sociabilidade que foi construída ao longo dos anos pelas pessoas que chegam à idade avançada dada à maneira segmentada, em ciclos de vida e faixa etária, como foram construídas socialmente as relações entre as pessoas. Outros casos também podem ocorrer, tais como: a diminuição no convívio familiar (com filhos trabalhando o dia todo fora de casa e os pais já aposentados) ou a dificuldade de diálogo entre pais e filhos, avós e netos (decorrente das diferentes formas e valores com que estas gerações foram socializadas). 36 Matheus Papaléo Netto (2005) e Clarice Peixoto (2004) questionam a concepção de que somente as pessoas consideradas jovens acompanhariam os avanços da aparelhagem e do sistema de produção uma vez que as pessoas consideradas velhas ou idosas não manuseariam aparelhos modernos e softwares de última geração. 70 Por outro lado, há especialistas que trabalham a perspectiva de que a aposentadoria constitui um momento de novas experiências, segundo o qual as pessoas consideradas velhas ou idosas possam aproveitar a vida através de vivências positivas. Assim, os profissionais dos “grupos de idosos” e universidades para a terceira idade empreendem esforços para ressignificar esta etapa como produtiva, autônoma e independente. Os relatos, portanto, demonstram que novos arranjos familiares e aposentadoria podem ser alguns dos fatores que impulsionam a procura por espaços institucionalizados para pessoas consideradas velhas ou idosas, mas não devem ser compreendidos como os únicos, pois não é para todas as pessoas que o envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento, exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo e político. Os relatos de Rosário, Joana, Francisca e Rosa narram que foram às primeiras reuniões e aulas com o intuito de conhecer, de “experimentar”, mas acabaram gostando e decidindo continuar. Algumas conheciam os grupos dos quais hoje fazem parte e já demonstravam interesse de participar, embora em outros anos perdessem a oportunidade de matrícula. Outras tomaram conhecimento através de conhecidos e decidiram visitar. Assim, aos poucos e timidamente foram chegando àqueles espaços, levando consigo uma irmã ou amiga, e logo foram construindo novas vivências que, em seus relatos, parecem lhes proporcionar experiências bastante satisfatórias. A inserção de Rosário, no GEN, e de Francisca e Joana, na UNITI, demonstra que suas vidas tiveram algumas transformações, tornando-se mais agitada e cheia de compromissos. Pude perceber isto nas suas narrativas, como também nos momentos em que telefonava para elas, na tentativa de marcar ou confirmar os próximos encontros, e precisava remarcá-los devido aos passeios e outras atividades que seriam realizados pelos grupos. Nesse sentido, Francisca narra algumas das mudanças que consideram mais significativas: Hum, tô gostando demais da UNITI! Pergunte pra esse aí, pergunte pra esse aí, que esse....Eu largo tudo aqui dentro de casa pra ir pra UNITI (risos). (...) Sexta-feira nós tivemos um passeio. Começamos aqui no Reviver e foi terminar em Ribamar. Que coisa maravilhosa! Todo 71 mundo adorou esse passeio! Agora em agosto vai ter outra viagem pra ...lá pro lado do Ceará e termina no Piauí, em Parnaíba. (...) Depois da UNITI eu renasci. Antes de eu entrar na UNITI eu era uma pessoa que eu gosto de brincar, mas eu era mais reservada, de ficar dentro de casa, não tinha aquele ânimo. Eu só vivia sentindo uma coisa, sentindo outra. Sempre eu sentia algo, nem que fosse uma dor de cabeça e hoje não, graças a Deus! Eu entrei na UNITI e se Deus quiser eu vou continuar na UNITI porque eu melhorei muito. E é aquela disposição, porque no dia que eu tenho que ir de manhã eu levanto às 05:00 horas, deixo o cafezinho dele aí pronto e me mando. Às 06:30 horas eu já tô na parada esperando o ônibus. Não é porque começa às 08:00 horas, mas é porque os ônibus que vem cheio demais. Quando não é de manhã, eu limpo essa casa, lavo roupa, faço o almoço e boto a comida dele aí. Tomo banho, se dá pra comer, eu como, senão dá, eu levo um dinheirinho pra merendar lá na senhora que vende lanche, mas quando dá às 12:40 horas eu tô na parada pronta pra ir. Pego o ônibus pra não perder e no dia que eu faltei pra ir bater um Eletro [Eletrocardiograma], todo mundo ficou preocupado. Perguntaram pra minha irmã e ela disse que era um exame de rotina. Aí no outro dia não era dia de aula, era uma sexta-feira, veio bem umas quatro aqui me visitar. Perguntando assustadas: “Menina o que foi que houve?” O médico achou que o coração tava um pouco acelerado, mas eu contei os problemas de saúde que já tive pra ele, e ele decidiu observar (Francisca). Francisca nos conta que amizade, associação e passeios são algumas das vivências mais significativas. Faz esforços e sacrifícios no gerenciamento das atividades domésticas para chegar no horário das aulas e evitar, ao máximo, as faltas. As conversas e passeios proporcionados pela UNITI lhes dão motivações e apontam para modificações que se referem, sobretudo, à melhora em seu estado de saúde. Joana aproveita o espaço da narrativa e relata que a participação no mesmo grupo lhe possibilitou “pensar diferente” a respeito das atenções direcionadas, quase que exclusivas, ao papel de esposa, mãe e dona de casa que sempre desempenhara ao longo de sua vivência no âmbito familiar. Ela também narrou que a flexibilização das atividades domésticas desempenhadas decorreu do que aprendeu naquele espaço. Muito bom, muito bom. Me fez mudar em muitos aspectos, principalmente em casa. Antes eu era muito exigente com negócio de limpeza. Dia de sábado, tinha dias que eu ia fazer aquela faxina geral na casa. Às vezes eu ia almoçar 3 horas, 4 horas da tarde. Quer dizer, hoje eu já penso diferente. “Ah, a panela tá aí. Deu pra limpar o necessário?” “Vou limpar o necessário, mas quando chega hora de almoçar eu paro e vou almoçar”. Se der pra continuar depois, eu continuo. Se não der, eu deixo. Antes eu não pensava assim! A casa 72 tinha que ser impecável, muito bem limpa. Não é que hoje eu não limpe, mas só que não é mais assim como antes. Quer dizer, eu botava em primeiro lugar filho, marido e a casa. Às vezes eu deixava de cuidar de mim. Deixava até de pensar em mim pra pensar neles. Hoje eu já penso completamente diferente, mas eu aprendi assim na UNITI. Nós somos incentivados lá. As professoras nos dão muita informação nessa parte. E não só os professores, né? Os colegas vem e, com a experiência de cada um, nos ajuda. Então tá sendo muito bom, muito bom. (...) E eles, meu marido e meu filho, não criaram nenhum tipo de problema, mas é o tipo da coisa, eu mesma sinto que mudei. Essa parte aí eu mudei. Antigamente era casa, marido e filhos. Quer dizer, eu não vivia, praticamente, a minha vida. Eu vivia mais a vida deles. “Ah, eu não posso sair”. “Ah, eu não posso fazer essa viagem porque eu tenho que cuidar dos meus filhos, do meu marido. Tem a casa pra cuidar”. E hoje não é que eu deixei tudo, abandonei casa, marido e filho. Não, mas eu já tô assim mais entrosada. Não penso mais duas vezes antes de sair! Faço o que tenho que fazer. Se precisar faço só a metade e vou! É o caso dessa viagem, por exemplo. Como teve essa oportunidade agora, que eu tô trabalhando com minha irmã na lanchonete, aí lá em casa tá mais assim só. Só com eles. Eu venho pra cá, passo a manhã toda e daqui já vou direto pra UNITI. Eu dou uma ajuda, adianto. Já deixo adiantado alguma coisa aí eles se viram como der. Conseguem se virar, vão botando almoço, lava uma roupa que pode. Jamais eu faria uma viagem dessas, pra passar seis dias fora. Eu não iria antes. E muita gente me pergunta, e porque agora vocês estão fazendo isso? Eu respondo que hoje eles se viram. Meu filho já tem 23 anos, já sabe fritar um ovo pra comer, já sabe esquentar alguma coisa, um bife. Eu deixo adiantado na geladeira e eles fazem. (...) Eu deixei muita coisa pelos meus filhos. Os meus filhos eram menores, precisavam de mim e eu perdi oportunidade de trabalhar e até de estudar, continuar a estudar. Eu achava que eu deveria cuidar mais dos filhos e sempre ficava preocupada. Eu sair e o pai também sair, como é que ia ficar uma criança dessas? Ou na mão de uma pessoa, pra deixar em casa pra tomar conta? Essa pessoa não ia ter os mesmos cuidados que eu. Agora não. Agora tá diferente. Agora já tá criado. Eu já tenho neta de 05 anos, mas nunca, desde pequena, eu nunca cuidei dela sozinha. Nunca pensei: “Eu não vou em tal lugar porque eu tenho que cuidar de neto!” (Joana). Nestes trechos de suas narrativas, contam algumas das mudanças que perceberam após inserção na UNITI, mas, sobretudo aquelas relacionadas às tarefas domésticas dedicações empreendidas no lar, no cuidado com os filhos e maridos. Retomando o registro de suas narrativas, lembro de Portelli (2005) quando destaca que “o momento da vida em que a história é contada é um fator crucial em sua moldagem”. Em outro de seus excertos ressalta: A história de vida é algo vivo. Sempre é um trabalho em evolução, no geral os narradores examinam a imagem do seu próprio passado enquanto 73 caminham (...) a demanda de um indivíduo ao contar sua história pode, muitas vezes, trazer tanto conformidade quanto mudança, tanto coerência quanto amadurecimento. Os narradores estabelecem serem tanto a voz da pessoa de sempre, quanto uma outra pessoa (PORTELLI, 2005, p. 298). Assim, ao constituírem uma imagem positiva, colada aos discursos dos grupos nos quais estão inseridas, muitas vezes realçaram diferenças que percebem tanto em relação às suas mães, irmãs, amigas próximas quanto aos modos de pensar e comportar nas vivências cotidianas. Nossos contatos iam se estreitando enquanto eu buscava, em suas narrativas, focalizar mais suas vivências familiares com pais, mães e outros parentes próximos. Nessa direção, no terceiro capítulo prossigo destacando o local onde nasceram, a profissão dos pais, a escolaridade cursada, algumas das vivências com as irmãs e os irmãos e outras pessoas com as quais mantinham relações significativas. CAPÍTULO 3 – VIVÊNCIAS NO CONTEXTO FAMILIAR E ESCOLARIDADE. Em primeiro lugar, eu não sou daqui do Maranhão. Eu sou do Piauí, Teresina, né , aí eu nasci no dia 30 de Agosto de 47. Em Teresina. Eu vim 74 pra cá conhecer o Maranhão. E com dois meses que eu tava aqui no Maranhão, eu namorei, noivei e casei. Uma irmã minha veio pra cá porque o marido era do Exército, aí se aposentou lá, reformou, e aí veio pra cá. Aqui ela teve nenê e quando...ela pediu pra mamãe: “Mande uma das meninas aqui pra me ajudar”. Aí mamãe mandou a outra irmã, mas ela disse: “Mamãe, eu mesma que não vou”. Eu disse: “Eu vou mamãe!”. E eu vim. Quando eu cheguei aqui era uma saudade de casa. (...) Eu fui criada por minha avó. Minha mãe me deu pra minha avó me criar com dois meses de nascida. Não fui criada em Teresina, fui criada em União [PI]. Meu pai era lavrador e tinha um comercio. Minha mãe era dona de casa. Papai prometeu pra ela: “Mamãe, nessa próxima barrigada eu vou lhe dar”. Bem assim, desse jeito. Eu nasci e com 2 meses ela me levou. Quando eu era pequena, pra mim, minha mãe, meu pai, e minha avó tudo era ela. Por que era com ela que eu morava. Quando ela morreu que eu voltei pra mamãe. (...) Eu estudei no colégio das freiras, lá mesmo em União. O colégio era semi-interno. Fiz o primário e depois ela se mudou pra Teresina por causa de mim, pra eu estudar. Eu fiz até o segundo ano ginasial. Foi o tempo que eu parei, casei e agora eu queria continuar, mas não podia com os filhos tudo pequeno. Quando cheguei em Teresina fui fazer exame de admissão e fiz a 1ª série, a 2ª e foi o tempo que ela morreu. Com 17 anos ela faleceu. Eu ainda estudei um ano no colégio das freiras, de Santa Teresinha, mas foi só um ano porque elas ficavam muito no meu “pé” e eu também não fui mais (risos). Quando minha avó adoeceu o maior medo dela era de morrer e não ter com quem me deixar, pra eu não ficar com minhas irmãs e elas me botarem a perder! Era muito filho que eles tinham. Nós éramos dezoito filhos e já tinha morrido duas irmãs minhas. Duas não, só uma. É. Ficou dezessete. Nós éramos dez mulheres e sete homens. (...) E minha mãe teve esse horror de filho, apesar de que duas das filhas de mamãe foram criadas por vó. Minha irmã mais velha foi criada com minha avó e foi quando ela ficou moça e veio embora pra fazer o Normal em Teresina e aí mamãe me deu pra ela. Ela criou também outro primo nosso. Ela só teve dois filhos, papai e meu tio. E meu avô morreu e ela ficava sozinha naquela casa grande. O pessoal tinha pena, as noras né, e davam os filhos pra ela criar. Ela criou um do outro, do meu tio, e do meu pai ela criou duas (Francisca). Eu tenho 70 anos. É difícil hoje em dia alguém chegar nessa idade. Eu nasci no Piauí, na capital Teresina. Eu vim pra cá, minha mãe disse, que com 4 anos. Eu vim com meus pais e meus irmãos. Nós éramos quatro irmãs e a mais nova veio com 11 meses. Eu era a segunda das filhas. Meu pai veio pra cá transferido. Ele era jogador. Ele chegou aqui e mandou buscar a gente...a família era nós e minha avó. E estamos aqui até hoje. Aí minha mãe já morreu, meu pai já morreu, meu marido já morreu e estamos aqui. Minha mãe trabalhava na Fabril. Há 4 anos sou viúva. Eu tive cinco filhos, mas morreu um e ficaram quatro. São dois casais. Todos são casados. Mora uma, no Anjo da Guarda, outra, no Pará, um, na Liberdade, e o outro veio morar comigo. Já tenho até 75 bisnetos (risos). São 16 netos e 4 bisnetos. (...) Eu fiz até a 6ª porque meu marido era igual meu pai. Não deixava sair, não deixava estudar. Ele dizia que quem quisesse estudar não tinha casado. Ele não deixou eu terminar os estudos. Eu casei....deixa eu ver.....eu casei com 17 anos. (Rosário). Bom, eu nasci em Penalva, na cidade de Penalva, Maranhão, só que nem eu mesma conheço a cidade porque eu nasci e meus pais se mudaram logo de lá, eu era muito pequena, e eu nunca mais voltei lá. Porque eu estudei na cidade de Monção, também uma cidade da Baixada, porque tinha uma professora de preferência de todos os pais, que queriam que as crianças estudassem com ela. Por conta disso meu pai se mudou pra onde ela veio morar, que foi em Monção. (....) Aí, lá que eu fiz o meu primário até o quinto ano na época. Aí terminou o primário e tudo e meu avô se mudou pra Santa Inês, aí eu fui pra Santa Inês...eu já tinha quatorze anos. Aí de lá, em Santa Inês, eu fiquei até...eu comecei a trabalhar, me casei, tenho seis filhos. Me casei muito nova, com dezoito anos, mas graças a Deus fui muito feliz, tenho os meus seis filhos. (...) Então é assim, meus filhos são todos em idade pertinho um do outro e eu criei todos com muito vigor e estudando junto, porque quando eu parei de ter criança eu comecei a estudar de novo. E nisso eu ajudei muito meus filhos, e me ajudei também. Eu fiz meu 2º grau, quando eu terminei de fazer o 2º grau eu alcancei um trabalho que foi...é...Já não fiquei em Santa Inês, aí eu me mudei pra Turiaçu, onde eu fiquei trabalhando 10 anos como representante do INPS na época O meu pai era lavrador. A mamãe era só dona de casa. Ela nasceu no Acre. Meu avô era Cearense e foi embora pro Amazonas e mamãe é descendente de índio. A família do meu pai é do Ceará. Eles vieram de lá. (Rosa). Eu tenho 60 anos. Eu nasci em Cururupu, cidadezinha daqui do Maranhão. Eu vivi lá a minha infância.....praticamente a infância toda lá. Quando eu vim pra cá eu já tinha 18 anos. Eu vim pra casa de parente. Eu vim estudar aqui e fiquei na casa de parente. Até porque.....lá o estudo era fraco, e meu pai era de pouca condições, então eu morava na casa de parente aqui. Vim pra estudar, pra continuar estudando. Só fiz até o segundo grau. O meu pai era pescador. A minha mãe, dona de casa e ajudava também. Ela ajudava assim na roça, mas ela não era de trabalhar direto na roça. Ela dava sempre uma ajuda porque meu pai além de trabalhar na pescaria ele também trabalhava na roça. Era mais a farinha, pro nosso consumo. Não era pra ele vender ou....viver só daquilo. Ele tinha...da pesca era pra ele vender. Ele vendia. Passava 15 dias fora de casa pescando aí voltava por 15 dias, aí tornava a voltar. Aí nesse intervalo ele ia na roça, ele fazia um pouco de farinha pra gente não ter que comprar. Eu vim pra São Luís. Eu morava no Bairro de Fátima junto com uma prima do meu pai. Aí depois essa minha prima ela foi pra Belém [Pará]. (...) 76 Quando eu cheguei aqui em São Luís eu vim morar na casa de uma prima de meu pai. Estudava e fui bem acolhida por essa prima, apesar de não conhecer nada, não saber nada, nada, nada e foi muito difícil. Eu estudava no colégio Nina Rodrigues e meu pai fazia um sacrifício enorme, nesse tempo, pra pagar o colégio, porque a gente não tinha muito conhecimento aí com o colégio.....Tinham muitos colégios, vários grátis, do Estado, mas a gente não tinha muito conhecimento se era bom. Então eu fui pra esse colégio e a minha prima, ela ajudava muito. Ela me ajudou muito. Então eu estudei até....eu terminei até a 8ª série lá nesse colégio. Aí depois, no tempo que eles viajaram, eu ainda não tinha terminado a 8ª série quando eles viajaram. E eu fiquei aqui no São Francisco na casa de outra prima. (...) tava terminando o 2º grau quando eu engravidei. Terminei o colégio e o que é que eu fiz? Eu fui embora pro interior (Joana). Estas mulheres nasceram em períodos distintos, 1935, 1940, 1947 e 1950 e apresentam algumas semelhanças no modo como foram criadas, nas relações existentes com alguns familiares, como no percurso trilhado para a capital São Luís, provenientes tanto do interior do estado do Maranhão, quanto de outro estado brasileiro, neste caso Piauí. Nestas primeiras lembranças aparecem personagens e situações significativas como as experiências com suas famílias de origem, os arranjos familiares de outrora, as recordações da escola, do trabalho. Também surgem algumas referências sobre as famílias que constituíram mais tarde com os filhos, filhas, netos e netas que tiveram. Vieram para São Luís em momentos diferentes, mas vivenciaram experiências parecidas. Rosário, natural da cidade de Teresina (PI), chegou à capital ludovicense ainda com quatro anos de idade, em 1944. No decorrer de sua narrativa ressalta a experiência com a família de origem. Em 1968, chega Joana com então 18 anos de idade. Um ano depois, em 1969, chega Francisca com então 22 anos de idade. Estas duas mulheres já enfatizam algumas de suas vivências em Cururupu (MA) e União (PI), cidades onde nasceram. Em suas narrativas recordam sobre infância e juventude com mais minúcias. A motivação de Joana para vir para São Luís foi a possibilidade de continuar os estudos. Francisca veio passear, conheceu um rapaz e decidiu com ele casar e residir nesta cidade. Rosa, natural de Penalva (MA), destacou principalmente sua vida estudantil e profissional nas cidades de Monção (MA), Santa Inês (MA) e Turiaçu (MA), embora não tenha sido a única a exercer atividade profissional, pois Joana também exerceu. Estes são dois aspectos, 77 vida estudantil e profissional, que aparecerão densamente nas narrativas de Rosa à medida em que apresenta os filhos, a filha, os netos e as netas. Rosa foi a que veio mais tarde para São Luís, em 1987, quando foi aprovada em concurso público estadual. Segundo Halbwachs (1994), o passado que existe é apenas aquele que é reconstruído continuamente no presente e, para lembrarem, os indivíduos necessitam da memória coletiva, ou seja, da memória que foi construída a partir da interação entre indivíduos. Sociedade religiosas, políticas, econômicas, familiares, grupos de amigos, relações e mesmo reuniões efêmeras de salões, numa mesma sala de espetáculos, na rua, todos imobilizam o tempo à sua maneira, ou impõem a seus membros a ilusão de que por uma certa duração, ao menos, num mundo que se transforma incessantemente, algumas zonas adquirem uma estabilidade e um equilíbrio relativos, e que nada que é essencial ali se transformou por um período longo (ibidem, p. 135). As rememorações de Joana, Rosa, Francisca e Rosário são remetidas aos grupos sociais com os quais mantiveram e ainda mantém significativas relações. Falam de suas famílias configurando o núcleo básico mãe, pai, irmãos e parentes próximos. Esse núcleo é marcado pela distinção hierárquica de papéis, nos quais, o pai aparece como um personagem que encarnava a autoridade maior, pois embora a esposa gerenciasse o lar cuidando dos filhos e filhas, as últimas decisões, ou aquelas consideradas mais importantes na educação dos filhos, em geral, seriam de sua alçada. O controle familiar pode ser percebido nestes trechos das narrativas: Quando eu morava com minha avó ela não me deixava tá na rua. Tudo que eu queria ela me dava pra não me ajuntar com vizinho. Minha avó era muito assim, assim, rígida. Era horrível! Tava conversando com alguém, ela só fazia olhar e eu já sabia que era pra correr pra casa. Eu brincava e quando tinha alguma colega ela ficava perto. Nós brincava, brincava, aí dava a hora de terminar, nós ia tomar banho, jantar e dormir. No colégio que eu ainda brincava com as meninas e tudo. Eu gostava muito no colégio de sorrir. Eu sorria demais e o professor dizia que ia colocar um esparadrapo na minha boca (risos). Ele dizia que não sabia o que eu tinha pra tanto rir. Eu sempre gostei de ser alegre! No colégio das freiras, em União, era só mulher, mas quando eu saí de lá e fui pra Teresina era misturado. Eu estudei ainda dois anos a noite. E naquela época as mães nunca queriam que ficasse brincando menino com menina junto, ta entendendo? Quando eu tava com minhas amigas brincando, minhas coleguinhas, a primeira coisa que minha avó fazia era ir olhar se tinha homem pelo meio. Se tivesse menino pelo meio, porque 78 tá brincando de corre-corre e se esconder não era pra ter homem no meio. Era um controle muito rígido, demais, demais, pra não colocar as filhas num precipício. (...) E nessa época era muito bom. Era boa por uma parte e ruim por outra porque sabe que freira é gente ruim! Elas pegavam no “pé” e pior era pras que eram de regime internato, porque eu era semi-interna. Eu ia de manhã e voltava a noite. Quando minha avó precisava ir em Teresina pra fazer uma consulta, ou alguma coisa, ela me deixava lá interna. Aí eu ficava. Eu dormia lá e só saía de lá quando ela chegava pra me buscar. As outras que eram internas eram mais de outros interiores, que a família deixava e vinha visitar no fim de semana. Eu lembro que uma das freiras era a Madre Teresinha. Elas eram da congregação de Santa Rita. Antigamente era muito rígido. No colégio das irmãs você não podia fazer nada. Não podia andar descalça, tinha que usar anágua, tinha que usar combinação. Não nada de sutiã, era combinação, uma espécie de camiseta por dentro, só que mais compridinha, de alçinha. Elas pegavam no pé e tudo. Quando minha avó adoeceu o maior medo dela era de morrer e não ter com quem me deixar, pra eu não ficar com minhas irmãs e elas me botarem a perder! (Francisca). A minha criação foi muito rígida. Meu pai não queria que a gente fosse nem na janela!! Quando a gente avistava e dizia: “Lá vem papai!”, ele já dizia “O que tu já tá fazendo na janela? Entra logo!”. Ele não deixava a gente sair. A noite, passou das 18:00 horas, a gente tinha que tá dentro de casa. Era desse jeito! Ele não batia não, mas só ele olhar e falar todo mundo obedecia. A minha mãe trabalhava e chegava em casa só a noite. Então quem me criou mais foi minha avó. Ela criava assim....Não queria pra gente fazer nada, né? Ela queria fazer tudo e minha mãe chegava às vezes na hora do almoço só pra comer e saía de novo pra fábrica. Quando ela vinha na hora do jantar, era jantar e dormir. No outro dia ela ia pro serviço...Minha avó criou assim, sem deixar fazer nada. Quem custava mais pra dormir era minha irmã, mas às 18:00 horas tava todo mundo em casa, mas a gente dormia às 20:00 horas. Era desse jeito, sem tá em porta, porque meu pai não queria. Não era de tá conversando com colega, nem em casa alheia. Meu pai era muito rígido. Minha mãe trabalhava, não era tanto assim, mas minha avó que cuidava da gente. Ela faleceu com 101 anos e ela tava lúcida. Às vezes mandava a gente comprar uma coisa, que ela gostava de comer um pirão, arroz de toucinho, essas coisas....Ela nunca teve problema, gostava de comer essas coisas e comia (Rosário). A minha infância foi muito rígida. A minha mãe, a criação era muito rígida, a gente foi criado obedecendo, respeitando, apanhando e tinha que obedecer...Nós tínhamos que obedecer nossa mãe até pelo olhar. Só de olhar já sabia qual coisa ela não gostasse. Bastava um olhar. Pelo olhar a gente já sabia o que ela...que ela não tava gostando daquilo. Tinha que procurar o jeito de concertar aquilo. Então a gente tinha muito 79 respeito, principalmente as pessoas mais velhas. E apanhando mesmo. Meu pai era diferente. Ele sempre queira que a gente respeitasse e tudo. Também era a favor do respeito...a gente tinha que andar na linha direitinho, mas ele não era muito de bater. Era mais de conversar. Minha mãe era mais rígida, ela batia e bastante (Joana). Estas rememorações destacam a força da autoridade dos papéis materno e paterno e o controle exercido pra que as mulheres (filhas e netas) não caíssem no “precipício” ou “se perdessem”, como destaca Francisca. É, nesse sentido, que parecem comparar a educação das mulheres jovens atualmente com aquelas que eram comuns ao âmbito de suas famílias. O pai de Rosário controlava os filhos mais que do que a mãe, talvez porque esta trabalhasse na fábrica e passasse o dia todo fora de casa, o que desconstrói a concepção de que todas as mulheres viviam dentro do lar assistidas por maridos provedores. Assim, coube à avó paterna o cuidado dos netos. Delegar os cuidados de uma criança às mulheres, situação que parece ser bastante comum no contexto das décadas de 1940 a 1960, reforçava a noção de que aquelas saberiam cuidar destes “naturalmente”, como se uma das condições primordiais de ser mulher fosse a de ser predestinada a cuidar dos filhos e do marido. Também é importante destacar que nos casos em que as mães trabalhavam fora de casa, como é o caso da mãe de Francisca, avós e/ou tias assumiriam cuidar das crianças. De acordo como Margareth Rago (1985) no período de 1890 a 1930 todos os discursos voltavam-se para priorizarem a ocupação das mulheres com a atividade da educação, com a formação do caráter das crianças com a destilação de valores morais, concebendo-se, a partir de então, a maternidade como traço da “natureza feminina”. Jurandir Freire (1994) afirma em seus estudos que aquilo que se designa como família desestruturada, na sociedade contemporânea, tem muitos resíduos ou efeitos de discursos produzidos pela medicina higienista do século XIX, no Brasil, segundo os quais a vocação natural das mulheres, de acordo com suas disposições físico-corporais, seria a maternidade. Nesta construção, vai se consolidando uma distinção entre a “natureza feminina” e a “natureza masculina”, como pólos opostos, 80 excludentes, que nos atuais estudos de gênero são problematizados como vetores rígidos, polarizados em um sistema de relações – o sistema binário do gênero. Desse modo, para Jurandir Freire (1994), o modelo de homem e de mulher que se encaixa na “norma familiar” são construções discursivas, mais específicas do âmbito da medicina higiênica, que ainda circulam em alguns contextos e em algumas camadas das classes médias urbanas. Entretanto, estes modelos se disseminaram como a “norma”, o modelo ideal de família, em contraposição a muitas outras formas práticas de convivência familiar nas mais diversas camadas sócioeconômicas. Na narrativa de Joana, sua mãe aparece como figura controladora da família. Os filhos temiam fazer algo errado pensando nos castigos, em especial, nas “surras” que levariam, o que em nenhum dos relatos aparece como violência dos pais contra os filhos. Francisca relembra também o controle exercido pela avó, que só a deixava brincar com as coleguinhas, nas proximidades de casa. Ainda destaca que algumas brincadeiras se constituíam como alvos das preocupações dos adultos, como aquelas nas quais meninos e meninas ficavam por muito tempo juntos e fora da vigilância dos adultos. Ela não fala abertamente, mas deixa pistas de que tais circunstâncias poderiam colocar as meninas em “precipício”, ou seja, em situações ameaçadoras, pois envolviam jogos de manipulação e de descoberta de prazeres do corpo. Pode parecer que o cuidado da avó para falar sobre o assunto à sua neta seja encarado como hesitação, mas a partir das considerações feitas por Michel Foucault (1988) percebo que se trata de uma forma diferenciada, dentre muitas outras, de falar sobre sexo e não de silenciá-lo. Isto se configura pelo processo de colocação do sexo em discurso, negando a possibilidade de aprendizado das crianças e construindo a concepção de que as mulheres deveriam ser inocentes a respeito do próprio corpo e de suas possibilidades de prazer. Desse modo, a sexualidade para a reprodução (geração de filhos) ia se fortalecendo na legitimação do discurso sobre a diferença na identidade de gênero, pois se disseminavam os discursos de especialistas, segundo os quais os homens teriam por “natureza” instintos mais fortes em relação ao sexo e prazer, enquanto que as mulheres em sua “natureza” não os tinham. Em alguns outros discursos como, por exemplo, a 81 literatura, só o amor romântico legitimaria o prazer de mulheres casadas nas relações sexuais. Em estudos sobre o que designa como “sexualidade moderna”, Foucault destaca que até o século XVII não havia pudores, segredos e nem reticências para se falar sobre sexo. No entanto, o século XVIII se caracteriza pela instauração da hipótese repressiva da sexualidade. Neste contexto, falar abertamente sobre este assunto era difícil e muitos textos científicos que analisavam a temática pediam desculpas ao leitor para abordá-lo. O controle sobre o sexo também era exercido com a redução ao nível da linguagem e da circulação do discurso, pois os prazeres advindos de práticas sexuais e eróticas eram vistos como pecaminosos e ilícitos, uma vez que os ideais Católicos da Idade Média privilegiavam o ocultamento e a negação dos atos, desejos, prazeres e fantasias. Desse modo, a instituição religiosa pretendia controlar a vida sexual dos seus fiéis através do mecanismo da confissão e da penitência. O que fugia à norma era condenado porque abalava a moral social. No entanto, com a passagem do século XVIII para o século XIX ocorre um processo que se caracterizou pela proliferação dos discursos sobre o sexo. Discursos estes que pretendem captar a “verdade do sexo” à medida que transitam da confissão religiosa para instituições científicas modernas como a medicina psiquiátrica, a psicologia e pedagogia, pois esta Durante muito tempo permaneceu solidamente engastada na prática da penitência. Mas, pouco a pouco, a partir do protestantismo, da ContraReforma, da pedagogia do século XVIII e da medicina do século XIX, perdeu sua situação ritual e exclusiva: difundiu-se; foi utilizada em toda uma série de relações: crianças e pais, alunos e pedagogos, doentes e psiquiatras, delinqüentes e peritos. As motivações e os efeitos dela esperados se diversificaram, assim como as formas que toma: interrogatórios, consultas, narrativas autobiográficas ou cartas, que são consignados, transcritos, reunidos em fichários, publicados e comentados (FOUCAULT, 1988, p.72). A intenção é fazer os sujeitos falarem. É assim que se propagam os discursos a respeito da masturbação, das perversões, da sexualidade infantil e feminina. Foucault destaca que com a ciência da sexualidade, os discursos não perpassam pelo viés da moral, mas sim da racionalidade, da cientificidade. Nesse sentido, a ciência exige exames, observações e relatórios que legitimem a busca da verdade sobre o sexo. 82 Todos estes procedimentos acarretavam um sistema de vigilância contínuo exercido pelos pais, mas este controle não incidiu, necessariamente, em um silêncio sobre a sexualidade das crianças. Pelo contrário, incentivou-se a falar do sexo, mas de diferentes maneiras e por outras pessoas como educadores e médicos. Francisca também relata o controle que os colégios de freiras exerciam na vida das alunas com a expressão “freira é gente ruim!”. As freiras eram intermediárias do controle que a instituição escolar de cunho religioso tinha. Elas controlavam, tal como em uma instituição total, os horários, as atividades, os comportamentos e vestuário de todas as alunas, que eram divididas entre internas e semi-internas. De acordo com Goffman (2005, p. 11) Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. A principal característica das instituições totais é, segundo Goffman (2005), o “fechamento”, ou seja, a tendência a estabelecer uma barreira com o mundo externo. Outra característica apontada pelo autor é a separação entre equipe dirigente/supervisores e equipe de internados, o que no caso dos colégios de freiras pode ser demonstrado, respectivamente, entre as freiras (em algumas escolas religiosas estas ocupam cargos de diretoras, coordenadoras e de professoras, mas há também outras escolas nas quais se delegam estes cargos a outros profissionais que não tenham seguido necessariamente a vida religiosa) e os estudantes37. O elemento central destas instituições é controlar o comportamento dos indivíduos de acordo com regras bem demarcadas, tais como: horários regrados para acordar, dormir, realizar as refeições e atividades, etc. Estas atividades são realizadas em conjunto com os demais internos, pois vontades, preferências e gostos individuais são suprimidos uma vez que todas as pessoas que estiverem na instituição são “tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto” (ibidem, p.18). 37 Goffman ressalta densamente algumas das características referentes ao “mundo do internado” (2005, p.23) e ao “mundo da equipe dirigente” (2005, p. 69). 83 Nesse sentido, a narrativa de Francisca expressa o controle exercido pelas instituições religiosas nas quais estudou. O regime semi-interno cursado, de certa forma, estabelece uma barreira criada com o mundo externo, pois ia e voltava para o colégio todos os dias, mas havia ocasiões nas quais ficava em regime interno, quando sua avó necessitava viajar e não tinha com quem deixá-la. Francisca divulga o descontentamento que sentia com o regime de controle das duas instituições religiosas que estudou, em União e Teresina, ao narrar que as freiras “pegavam no seu pé”, pois sendo uma garota alegre, que gostava de brincadeiras e sorrir, sentia que precisava modificar seu comportamento para internalizar as regras que recomendavam serenidade, calma e o modo de ser contido que, em geral, é imputado aos homens e às mulheres que seguem a vida religiosa num convento ou mosteiro, seja como padres ou freiras (ou suas demais ordens hierárquicas). O corpo e a vestimenta também eram focos do controle e da vigilância tanto que Francisca narra sobre o uso dos calçados e das roupas íntimas que eram permitidas às meninas por aquelas instituições. Os uniformes escolares também podem ser considerados como uma das estratégias do processo denominado por Goffman (2005) como “mortificação do eu”. Rosário e Francisca narram sobre normas e ordem familiar e instituições religiosas, mas mostram também que burlá-las não era algo impossível. Francisca consegue burlar o controle da escola religiosa decidindo abandoná-la, pois nela se sentia sufocada. Por sua vez, Rosário conta que seu pai atribuía algumas tarefas fora de casa ao seu irmão, mas este demorava a retornar porque aproveitava para brincar na rua. Também narra outras situações nas quais tanto ela quanto a irmã mais nova conseguiam driblar controles e proibições dos pais sobre os namoros. Rosário inventava alguma compra no centro da cidade para namorar escondido no cinema às segundas-feiras. Sua irmã mais nova namorava escondido aos 13 anos de idade e por isso foi enviada para a casa da avó materna em Teresina, PI. No entanto, nesta cidade também conseguiu enganar seus parentes, bem como sua mãe, em São Luís, pois continuava a se encontrar com o rapaz que namorava escondido em São Luís. 84 Estas interpretações apontam, também, para algumas das análises de Judith Butler na obra, “Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade” (2003), na qual destaca: O gênero é uma identidade tenuamente construída no tempo, constituído no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos. O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanente marcado pelo gênero. (...) então a aparência de substância é precisamente isso, uma identidade construída, uma realização performativa em que a platéia social mundana, incluindo os próprios atores, passam a acreditar, exercendo-a sob a forma de uma crença (BUTLER, 2003, p.200) (Grifos da autora). Ainda segundo Butler: Não haveria atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou distorcidos, e a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria uma ficção reguladora. (...) o caráter performativo do gênero e as possibilidades performativas de proliferação das configurações de gênero fora das estruturas restritivas da dominação masculinista e da heterossexualidade compulsória são observados à medida que se entende que as identidades de gênero são criadas mediante performances sociais contínuas (ibidem, p. 201) (Grifos da autora). Tinha muito controle naquela época. Às 21:00 horas já era pra tá em casa dormindo! A gente namorava escondido (risos). Minha mãe não queria. Não deixava a gente sair pra nada, nem pra cinema. Eu ia escondido pro cinema dia de semana, que ela [mãe] tava trabalhando e eu ia. Dia de segunda-feira que eu ia pro cinema com namorado. Eu dizia que ia na rua fazer compra pra costurar, comprava uns enfeites, uns botões e zíper pra vestido e aí ia pro cinema (risos). Acho que em todo tempo é assim, a gente enganando pra namorar. Minha irmã casou com 13 anos, a caçula. Minha irmã namorava e minha mãe ia atrás dela, que ela era muito nova, 13 anos e ainda tava estudando. Quando ela soube que ela tava namorando foi atrás e deu no rapaz, ele saiu correndo e mandou ela pra Teresina, pra casa da minha avó, mãe de mamãe. E a avó dele também morava lá, só que ela [mãe] não sabia. Aí ele foi pra casa da avó dele também e ficou eles dois juntos lá em Teresina. Minha avó não sabia, que minha mãe não contou nada e ninguém lá sabia de nada. Eu sei que quando ela ficou devendo uma prova aqui, na escola, e nesse tempo era telegrama que mandava e mamãe escreveu pra ela vir fazer a prova, que a professora tava chamando. E nada! Minha avó não deu nem sinal e um dia minha prima foi comprar a passagem na Rodoviária pra minha irmã voltar e foi quando encontrou ela e o namorado. Aí eles estavam lá perto da praça namorando. Ela tava com minha prima e minha prima disse que ia embora e chamou ela, mas ela não foi. Aí disse que ficaram conversando e não repararam a hora. Quando viram já era umas 2:00 85 horas da manhã, e essa hora ela não podia chegar na casa da minha avó, porque essa sim que era brava. Sei que de manhã minha avó foi na polícia, foi no hospital e não achou. Mais tarde a mãe dele foi levar ela lá na casa da minha avó. Ela disse: “Vim trazer sua neta que tava com meu filho”. E minha avó disse bem assim: “Eu não recebo ela! Eu só recebo casada!” Minha irmã disse: “Minha avó pode mandar fazer o exame, eu sou moça”. E ela disse: “Não quero saber, eu só recebo casada. Mulher que dorme fora de casa, principalmente moça, pra mim não é mais”. Aí foram fazer o casamento, ela com 13 anos e ele com 15 anos. Fizeram o casamento lá em Teresina e depois de 3 meses é que ela voltou e foi quando ela telegrafou pra minha mãe e contou: “Olha, sua filha casou”. Minha mãe, quando viu aquilo, desmaiou. E ela cansava de dizer: “Eu não me casei, me casaram” (Rosário). Ao relatar que sua irmã mais nova teve que casar com 13 anos de idade por passar a noite fora com o namorado, apreende-se que o modelo de socialização das mulheres, nas décadas de 1950 e 1960, as orientava para não terem intimidades ou ficarem sozinhas com os rapazes, a fim de casarem virgens. Carla Bassanezi (2007) destaca que, neste contexto, algumas revistas como Querida, Jornal das Moças e O Cruzeiro ressaltavam, em crônicas, reportagens e colunas sociais, representações e formas ideais das mulheres se comportarem no lar, na escola, nas tarefas domésticas, no cuidado com maridos e filhos, compondo assim a configuração performática de uma possível identidade feminina. Embora tais publicações não pudessem ser adquiridas por todas as moças daquela época, devido ao seu valor de aquisição mais elevado, as informações que elas continham se disseminavam por outros meios, especialmente nas instituições religiosas, espaços nos quais era ressaltado o modelo de família, segundo o qual Maria e Eva são dois contrapontos de configuração de mulher – a virgem e a pecadora – representações complementares de uma mesma imagem. Desse modo, mulheres jovens das mais diversas camadas sociais absorviam o que a sociedade delas esperava – uma conduta regrada e voltada para o respeito à norma familiar, embora transgressões muitas vezes acontecessem, evidenciando a proliferação das condutas que apontavam para as construções das distinções de gênero. Ainda segundo Bassanezi (1995), ter encontros íntimos com rapazes antes do casamento era algo impensável às consideradas moças de família, pois o que a maioria delas pretendia era o casamento e os homens buscavam como esposa as moças recatadas, dóceis, que não lhes trouxessem problemas, com uma boa moral, 86 diferentemente do comportamento apontado socialmente como próprio de mulheres levianas. Até a maneira correta para o namoro ou flerte, como era conhecido na época, seguia este modelo. A condição de ser virgem era valorizada no contexto das décadas de 1950 e 1960 para que as moças conseguissem um futuro marido, mas Joana e Rosário relataram que suas primeiras experiências sexuais foram antes do casamento, com a idade de 16 anos. Rosário, que burlava a vigilância dos pais e da avó para namorar, tendo cuidados para retornar para casa no horário estipulado e não levantar suspeitas e ser descoberta, também enganava os pais para ir ao baile Vesperal do Moisés, conhecido baile de máscara que ocorria nas décadas de 1950 e 1960, em São Luís. Também conta que foi a outro baile, na cidade de Pindaré Mirim, MA, mas este não era de máscaras. Eu namorei, mas nunca namorei em casa. Mesmo antes de meu pai morrer eu namorava escondido. Quando ele faleceu, eu também namorava escondido porque minha mãe não queria. Aí eu namorava escondido (risos), mas quando dava 20:00 horas eu tava em casa (risos). Às 18:00 horas ou às 19:00 horas eu já tava procurando o caminho de casa. Então quando ele era vivo, ele não deixava, não queria, e ela também, a mesma coisa. Hoje em dia é diferente. (...) Se a gente ia num aniversário, por exemplo, às 20:00 horas tinha que tá em casa. Meu pai não batia, mas era rígido. Muito, muito, muito mesmo. Era muito difícil ir. Nem ele ia acompanhando. Tinha uma vizinha, lá junto de casa, que era muito amiga né e quando ela fazia algum aniversário, convidava a gente, mas uma vez eu fui escondida, que nesse tempo tinha Vesperal. Era o baile do Moisés, era conhecido. Eu cheguei cedo, mas nunca mais fui. Quase que eu não entrava em casa. Depois nunca mais fui, nunca mais dancei. Começava, naquele tempo, às 17:30 horas, assim pra jovem e adolescente, e terminava às 22:00 horas. Pros adultos começava essa hora. Encerrava um pra começar o outro. Fui no de adolescente. Cheguei lá tava todo mundo fantasiado [fala como fisionomia de desespero] e só nós que tava sem máscara. Fui eu e mais duas colegas. Ficamos lá e todo mundo dizendo: “Eu te conheço! Eu te conheço!”. Eu só disse na hora: “Pronto, nós tamos perdidas! Todo mundo vai saber agora que nós tava aqui.” E de fato a minha mãe soube. Ela também brigou muito comigo. Ela e meu pai, mas também só fui nesse. Eu fui pra um também no interior. Meu tio morava lá e eu fui passar um carnaval lá e lá tinha baile de moça, de casadas e os de solteiras. Tudo separado. Hoje em dia não, é tudo junto. Foi em Pindaré Mirim, que minha tia e meu tio moravam lá. Tinha o Luis Rocha, que já faleceu, foi governador, esposo de Teresinha Rocha. E ela era sobrinha da mulher do meu tio. Eles eram de lá. A gente chegou lá e convidaram pra ir. E lá nos fomos. Como eu disse, lá era separado. Tinha os de casadas, de solteiras, que era como chamavam as 87 raparigas, e os das moças. As solteiras eram as mulheres que tinham amantes. Eram três, separados. Cada um tinha o seu salão. A Teresinha convidou e nós fomos com ela. Eram bailes de carnaval também. Tinha música, o povo ia pra dançar e namorar, mas sem máscara. Era muito marcada a separação naquele tempo! Nos colégios também era tudo rígido. Qualquer coisa eles descobriam logo. Agora não. Antes se descobrissem que a pessoa tava grávida, falavam logo. Agora já está mais liberado, né? (Rosário). Quem também nos conta sobre os bailes de máscaras e outros que marcavam distinções é Rosa. Esteve em um deles na cidade de Santa Inês, MA, mas sua presença não ocorreu de modo furtivo como o fez Rosário. Os bailes, blocos e clubes de “primeira”, “segunda” e “terceira” daquela cidade foram apresentados por ela segundo o pertencimento à classe social das mulheres que os freqüentavam: para moças da elite, para moças negras, independente de sua condição econômica, e para meretrizes; adicionando assim, os critérios de cor da pele/raça e encaixe na norma social do gênero. Pra você ver que naquela época pras moças era uma dificuldade, porque os rapazes sempre se entrosam em todas né. Até pras moças sair, ir pras festas, tinha que ir de acordo com a qualificação, como a maneira que se comportava na sociedade. Tinha os bailes de primeira, tinha os bailes de segunda e tinha os bailes de terceira. Baile de primeira era assim pra moças de elite, da classe alta. Os de segunda, geralmente, eram pros escurinhos. Não misturavam. Isso lá no interior, em Santa Inês. Alguns... Algumas meninas que já tinham uma condição melhor, mas que não era branca, que participava. E os de terceira eram as meretrizes. Esse era o...a separação que tinha. E tinha mesmo. Isso era muito distinto. Eram nos bailes. Sempre aconteciam. Então tinham as festas, por exemplo, Carnaval. Tinha os blocos de primeira, os blocos de segunda, e os blocos das meretrizes. Todo mundo brincava na rua mesmo. Eu nunca fui de brincar em bloco, mamãe não deixava, mas em algumas vezes que a gente ia nas festas, a gente ia nos clubes. E era a mesma coisa. Tinha os clubes de primeira, o clube dos morenos e, então isso era definido, tinha lá o local, o clube das mulheres de vida fácil. Hoje não! Hoje há uma igualdade. Há uma mistura e isso até que é melhor porque não tem essa separação. Todo mundo se iguala na sua maneira de viver, mas ninguém tem essa discriminação. Eu achava até que era uma discriminação! Por mais que a pessoa tivesse condição financeira, mas ela era negra, ela ia lá pro baile dos negros, baile de segunda. Era separado. E os homens ia né...era tudo junto, homem e mulher, porque senão não tinha como dançar direito (risos) (Rosa). 88 Sandra Sousa (1998) realiza um estudo sobre a participação das mulheres nos bailes de máscaras carnavalescos que ocorriam no período de 1950 a 1960 na cidade de São Luís, MA. Entre variadas festas que ocorriam nesta cidade no período carnavalesco, os bailes de máscaras eram os mais animados segundo algumas manchetes veiculadas nos periódicos que circulavam no Estado, desde os primeiros dias de um ano que então se iniciava. As folias nos clubes “Lunáticos Clube”, “Pierrot Clube Carnavalesco”, “Paquetá Clube”, “Flamengo”, Cassino”, “Lítero”, “Jaguarema” e “Araçagi”, entre outros, mobilizavam a participação de muitas mulheres, casadas e solteiras, que sob as máscaras poderiam dançar, namorar sem que pudessem ser reconhecidas pelos demais foliões. Embora alguns dos bailes de máscaras que participaram Rosa e Francisca tenham sido realizados no interior do Estado do Maranhão, em Pindaré Mirim e Santa Inês, possuem alguns elementos semelhantes e outros diferentes dos que ocorriam na capital do estado. Uma das semelhanças encontrada refere-se à distinção dos espaços sociais nos quais se localizavam os foliões: bailes de “primeira”, “segunda” e “terceira”. Esta separação dos bailes e blocos se apresenta como um reflexo das distinções existentes na sociedade, que delimitava o acesso de algumas pessoas a determinados espaços segundo critérios como condições sócioeconômicas, raciais e normas sociais do gênero. Não posso deixar de ressaltar que estes critérios se entrecruzavam à medida que distinguiam e delimitavam os locais nos quais negros, brancos, ricos, pobres, moças de família e meretrizes deveriam socialmente freqüentar, revelando assim as relações de poder existentes. Retomo a narrativa de Rosário para ressaltar que certas emoções são revividas no momento da rememoração. O susto e o desespero foram emoções ressaltadas no momento que lembrou estar sem a máscara, podendo consequentemente ser reconhecida pelos demais foliões que participavam do vesperal do baile do Moisés, localizado no bairro Diamante, no centro da cidade. Rosário ainda nos relata que ser reconhecida nos bailes de máscaras gerava uma preocupação já que havia, em geral, uma concepção de que tais bailes eram freqüentados, em sua maioria, pelas moças perdidas, embora as denominadas moças de família também os freqüentassem. Segundo Sandra Sousa (1998), os jornais das décadas de 1950 a 1960 anunciam a presença das moças nos bailes 89 segundo as designações “garotas de outro mundo”, “garotas infernais” que tinham comportamentos considerados opostos aos das “moças de família”. Neste caso, Rosário coloca em questão a norma social segundo a qual as mulheres, tendo vocação natural para o lar, maternidade e família, não seriam afeitas a estes prazeres considerados como próprios da natureza masculina. 90 CAPÍTULO 4 – “SOCIEDADE MODERNA” E (EN)GENDRAMENTO DE “INDIVÍDUOS”. São vários os discursos que no contexto das sociedades ocidentais, séculos XIX e XX, promovem a modernidade associada ao ativismo, participação e desenvolvimento. Constroem, também, imagens sobre os indivíduos modernos, sujeitos que deveriam ser autônomos e representantes de uma humanidade livre de quaisquer grilhões sociais. Indivíduo e Sociedade nos discursos da modernidade são categorias distintas, problematizadas por vários cientistas sociais que buscam compreender até que ponto as determinações sociais constroem e subvertem os indivíduos ou, ao contrário, como indivíduos podem agir livremente e influenciar a moldagem de contextos sociais. Norbert Elias (1998) e Anthony Giddens (2003), por exemplo, formulam interpretações segundo as quais indivíduos são agentes sociais que se submetem às estruturas sociais, mas também as reconstroem e reconfiguram. Apesar destas problematizações constantes na esfera das construções científicas, este indivíduo por muito tempo não foi explicitado via “diferenças de gênero”. Só muito recentemente, após as décadas de 1970 e 1980, tem-se a discussão da diferença sexual por meio de movimentos de massa de mulheres. No contexto de Teorias da Memória, como as de Halbwachs, a memória coletiva e as representações individuais são referidas a um sujeito universal, neste caso o homem como representante da “espécie humana”. A obra de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo (1980), teve uma importância muito grande quando, no conjunto de produção de conhecimento, pôs em questão o sujeito humano universal. Em certos trechos da obra, a autora criticou fortemente a concepção de que existe uma natureza feminina e uma distinta natureza masculina. Beauvoir (1980) analisou a situação da mulher e do homem ao casarem, ressaltando que socialmente se estabelece que ela participe da vida que ele estipula para viver, de modo a ser considerada imanente ao homem, ou seja, que faz parte, que se insere e continua exercendo atividades para aquele que é considerado o transcendente, como se fossem naturezas de cunho oposto: 91 Sendo êle o produtor, é quem supera o interesse da família em prol da sociedade e lhe abre um futuro cooperando para a edificação do futuro coletivo: êle é quem encarna a transcendência. A mulher está votada à perpetuação da espécie e à manutenção do lar, isto é, à imanência (ibidem, p. 169). Michelle Perrot corrobora com esta assertiva na obra “Os Excluídos da História” (1988) à medida que destaca a invisibilidade dos feitos das mulheres na construção da História Oficial, que em seus registros privilegia os feitos e fatos históricos da espécie humana que foram exercidos e vivenciados pelos homens. Desde o início de suas narrativas, Francisca, Rosário, Rosa e Joana, ao apresentarem pais, mães, irmãs, irmãos, destacam experiências bastante diferenciadas por condições econômicas e, sobretudo, por especificidades de gênero. Rosário, já no primeiro momento registra suas dificuldades de estudar, por impedimento do seu pai e, em seguida, do marido, com quem casou aos 17 anos cursou até a 6ª série do ensino fundamental. A avó de Francisca tornou-se referência de criação de netos para a família. As “barrigadas” das noras, em geral, acabavam em seu colo, confirmando a forte referência, do contexto dos anos 1940 a 1960, de que criar filhos e filhas, gerados por homens e mulheres, era tarefa primordial das mulheres. Em muitos dos discursos deste contexto a maternidade seria uma vocação natural das mulheres ou a própria essência da natureza feminina. 4.1 Espaço da Domesticidade: papéis de gênero e divisão de tarefas Nesse sentido, grande parte dessas narrativas aponta para a construção discursiva de um modelo de mulher ideal e de um sistema de relações heteronormativo – divisão de especificidades de gênero polarizada a partir do que se designava como “a diferença sexual” – vetor através do qual se justificava as atribuições dos papéis de gênero. Por outro lado, destacam também diferentes modos de atuação das mulheres nas práticas cotidianas, tal como registra a narrativa de Francisca. Ah, minha vida foi dentro de casa cuidando de menino porque casei e com um ano de casada já tinha filho. No outro ano, outro filho. Ainda não tinha nem feito um ano!! A minha vida....eu perdi minha mocidade, pra completar, cuidando de meus filhos. Nunca paguei ninguém. Nunca levei filho pra casa de mamãe pra ela cuidar. Eu aqui nessa casinha criei meus filhos tudinho. Todos eles. Fui mãe e pai dos meus filhos. O marido 92 saía de manhã pro serviço, almoçava pra lá mesmo. Eu é que ia pra colégio, eu é que ia pra reunião, eu é que ia pra todo lado com meus filhos. Então, eles são mais apegados a mim do que ao pai (risos). Então, nunca deram pra ser sem vergonha, nunca fez coisa que não deve, que eles todos me respeitam. Tão casados aí, mas se eu disser não, é não. O meu filho tá chegando, que ele mora bem aqui no Angelim, e às vezes a mulher tá trabalhando, ele pega o nenê e diz: “Mamãe, fique ai rapidinho que eu venho depressa”. Aí ele toma umas 2 ou 3 cervejinhas e volta. Rosa também acrescenta: Mamãe foi embora pra Brasília, uma época, com meus irmãos e lá ela estudou [irmã que morou um tempo com Rosa]. Eu fiquei em Santa Inês. (...) Então ... meu marido, quando nós fomos pra Turiaçu, ele já ia um pouco adoentado. Aí viemos pra São Luís novamente...ele ficou doente, não pode mais trabalhar e eu que arquei com toda a responsabilidade da família, contanto que quando ele faleceu, eu já não estranhei cuidar da família porque eu já era acostumada a lutar. (...) Na família é uma coisa muito importante esse controle, essa firmeza, saber os deveres que a mãe deve ter. Esses deveres são distintos, mas muitas vezes a mãe absorve. No meu caso foi assim. O Fernando [marido falecido] sempre deixava a meu critério. Ora, reunião de pais e mestres? Nunca o Fernando assistiu uma. Eu sempre falava: “Os meninos só tem mãe?”. Ele dizia que eu estava mais inteirada, mais próxima, que cuidava mais deles. A educação maior dependeu de mim mesma. Ele dava apoio e tudo. Também nunca entramos em conflito, choque...como eu digo assim e ele diz de outro jeito! Não! Papai orientava a gente assim: “Quando o pai diz uma coisa, a mãe tem que confirmar”. Se a mãe diz uma coisa, o pai não pode dizer diferente! Mesmo que ache que não está certo, conversem os dois separados, sem que os filhos notem que um tá divergindo do outro pra evitar que as crianças depois não respeitem ninguém. (...) Nunca virei a mente e não vou dizer que minha vida era um mar de rosas. Não! Havia as dificuldades, havia as divergências. Eu enfrentei muito....muito...assim...enfrentei muita barreira no casamento. (...) Eu fui estudar, mas ele não queria! Ah, era uma barreira grande! Eu trabalhava também no colégio e lá eu também estudava. (...) Aí tinha dia que ele dizia: “Hoje tu não vai pro colégio!” E ia comigo até na porta do colégio, mas aí eu entrava, pra ir pra secretaria, pro meu trabalho, e da porta ele voltava.(...) Outra coisa...Ele tinha comércio e o comércio caiu em decadência e tudo. Ele não soube administrar bem. Não soube acompanhar a evolução, então caiu em falência. Aí eu comecei a trabalhar também e cuidar das crianças e comecei a vender Avon. Vendi Avon muito tempo e eu precisava sair, pra fazer as vendas e tudo, e ele não gostava. Ele não gostava, dizia: “Mulher que anda com sacola é mulher safada”. Eu dizia: “Olhe, nem sempre. Eu vou fazer minha venda, eu vou cuidar da minha vida, vender meus produtos e nada disso me atinge”. Depois eu comecei a juntar, 93 acumular produtos e quis abrir uma lojinha. Eu viajava pra Teresina e a gente ia comprar miudezas de armarinho. (...) Ele nunca queria que eu fizesse. Vivia implicando, mas sempre eu fazendo. Eu tava certa que não tava fazendo nada errado. Certa de que eu tinha que ajudar na criação das crianças. Meus seis filhos ali precisando das coisas e eu com saúde, com entusiasmo, com disposição, porque que eu não ia fazer? Só porque ele tava achando que tava errado? Eu tava fazendo certo! Eu nunca deixei de fazer, até ele cair na real e perceber. Rosário destaca: Meu marido não queria pra mim trabalhar, nem terminar de estudar. Se eu quisesse estudar que não tivesse procurado marido e casado. Era pra cuidar dos filhos. E eu não estudei mais, nem trabalhei. Não queria pra mim estudar, nem fazer nada...nem trabalhar. Aí, mesmo assim, eu trabalhava em casa, eu fazia unha, eu costurava e ajudava ele, mas tudo em casa. Aí eu comecei a fazer cursos e com isso aí ele não se importava. Eu fiz curso de cabeleireiro, de manicure. Nesse tempo no SENAC não se pagava nada, era grátis. Eu fiz lá. Ele não queria que eu trabalhasse porque ele disse que ele conhecia e via como era esse negócio de patrão com empregada, que tomava gosto e até meu pai também falava isso. Ele não queria pra mim trabalhar porque ele trabalhava numa repartição e sabia de patrão que ficava tomando gosto. E ele dizia: “Não, mulher minha não vai trabalhar!” Os pais de Joana tiveram seis filhos, dois homens e quatro mulheres. Ela narra como era a criação naquela época: A mais velha é falecida. O respeito tinha que ser de ambas as partes, mas tinha diferença na criação. [Pensativa] ... algumas coisas que o homem podia fazer e mulher não. Assim, como no caso...o homem tinha mais liberdade pra sair. Nós mulheres fomos... por exemplo, se tivesse uma festa, vamos supor, se fosse uma festa de época como no Natal, que era quando tinha algo, se a minha mãe não pudesse ir nos levar, tinha que ser ou com uma tia, uma irmã dela, ou a minha avó. Tinha que ir alguém de responsabilidade levar. Já os meninos não. Eles poderiam ir com os amigos, mas no nosso caso não ia. Se não tivesse alguém de responsabilidade pra levar, não ia. Se ela não pudesse ir acompanhar, não ia. Aí a minha irmã mais velha ela casou com 13 anos. Então ela sempre saiu. O marido dela sempre gostou muito de sair, de festa e tudo, e nós podíamos ir com ela. Com ela, porque ela já era casada, tinha mais responsabilidade. Então eu e uma outra, que é quase da minha idade, que tá lá na UNITI também, iríamos porque a mais nova, quando minha mãe teve essa outra, nós já estávamos bem grande. Ela já tava assim entrando no período de menopausa quando ela engravidou. Então a diferença é bem grande. E nós que cuidávamos 94 mais dela, ajudava mamãe. Aí lá em casa era tudo assim. Todo mundo tinha que aprender a fazer as coisas em casa e lá era dividida as tarefas. Era uma semana pra cada. Voltando a Butler (2003), lembro que o gênero é construído por atos, gestos, significações constantemente reiteradas e o espaço privado aparece nas narrativas como privilegiado para a construção da feminilidade via divisão de tarefas, em acordo com os discursos normativos daquele contexto. Giddens (1993) também destaca, na obra “A Transformação da Intimidade” que o casamento da mulher, na norma social do século XX, não era propriamente com o “marido”, mas com o “lar” e a “família”. Era preciso que isto fosse internalizado pelas mulheres. Nesse sentido, vou recortando trechos das narrativas de Rosa, Joana, Rosário e Francisca para perceber em seus relatos, sobre suas vivências nesse espaço, os modos de articulação na construção de identidades e papéis de gênero. Eu gostava muito de brincar de pula corda, de roda, jogando pedrinha....é...é...cancão. Era jogando a pedra nos riscos, nas janelas e pulando. É, hoje conhece como amarelinha. Era cancão. Tinha o céu e tudo. Eu brinquei muito disso aí, mas só no quintal de casa, na rua não. Era só no quintal e na porta de casa. Tinha também pegador, mas eu nunca gostei. Agora às 18:00 horas tava todo mundo dentro de casa que mamãe não deixava. Eles gostavam de brincar de bola, futebol. E nesse tempo eles usavam até aquele chambrão (risos), minha avó fazia pra eles. Fazia com os retalhos, aí emendava tudinho na mão e fazia. Uma vez meu irmão foi não sei pra onde e foi de chambre e começaram a chatear ele (risos). Ele era garoto, pequeno, e se escondeu atrás do poste com vergonha porque diziam que era roupa de menina. Ai depois minha avó fez macacão pra ele e o outro, que era roupa de menino. (...) E meus filhos também foram criados assim. Eles gostavam de futebol. Até hoje eles jogam de vez em quando. Os netos também. Nunca brincam com menina, nem bonequinha, nada disso. As meninas brincavam de boneca, tinha elástico e corda também. Agora os meninos é só futebol. Vem desde o avô, de meu pai, meu marido também, e agora meus filhos, netos...tudo é futebol (Rosário). Um destaque especial no trabalho de Halbwachs é o de que as lembranças diferem no decorrer da vida à medida que o indivíduo vai se tornando adulto e, geralmente, desenvolve sua consciência crítica da realidade que o cerca. Suas lembranças já não são as mesmas que da infância, assim como as da idade adulta não são as mesmas da velhice. O fato é que a lembrança é em larga medida, “uma 95 reconstrução do passado com dados emprestados do presente” (HALBWACHS, 2006, p.71). Esta fala de Rosário articula a conjuntura atual às experiências vividas no passado, realçando modos de construção de identidades de gênero, num sistema de marcações que aparece como fixo, sem mobilidade, especialmente quando diz “meus filhos também foram criados assim”, e como ela atuava em tarefas bem específicas, assim como brincava de “modo diferente”. Além disso, as diferenças são justificadas como algo que não tem explicação: “é assim” e “continua sendo até hoje”. Ao mesmo tempo, Rosário, Joana, Francisca e Rosa registram diferenças quanto à educação - modos de castigos e penalidades - que eram aplicados quando eram crianças, na casa dos pais ou avós, e os que são aplicados hoje, na educação dos filhos e netos. 4.2 Corpo e Cuidados com a Saúde Ao falar dessa diferença, Rosário abre uma grande brecha para apontar modos de configuração e expressão do corpo: Até roupa naquele tempo era diferente. Eu tinha um vestido, que o zíper, era de lado e às vezes ele abria um pouco e isso causava a maior coisa se o corpo aparecesse. Precisava ver....minissaia, vestido cavado, era tudo coisa das mulheres lá de baixo, que eles chamavam de mulher da vida. Nesse tempo o Quartel era lá embaixo, lá na 28 38. Meu marido trabalhava lá no Quartel, nesse tempo, na Polícia. ... A criação de meu pai foi muito rígida. A gente não sabia de nada. Quando ele tava, às vezes, no quarto com minha mãe e minha irmã passava, a caçula, que era a mais curiosa, ele dizia: “Essa menina fica passando aqui toda hora! Não sei o que ela quer aqui”! Eu era mais quieta, mas minha irmã era mais curiosa. (...) Eu me lembro que quando eu era moça, meu pai ainda era vivo, e ele me botou pra aprender datilografia lá perto do Hospital Geral [Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho], no Centro, lá com uma senhora, Dona Gilda, mas ela só ensinava moças. Um dia disseram pra ela que na turma tinha uma moça que era lá da 28 e ela disse que ia despachar ela, que lá ela não queria! Aí quando a mulher foi....foi até o motorista que avisou a senhora, ele disse: “Olhe, aquela mulher ali, ela não é da sociedade. Ela é lá debaixo, da Zona, e eu conheço ela”. A dona do curso chamou ela pra conversar e chegou um dia que ela não foi 38 A Zona de Baixo Meretrício (ZBM) de São Luís era localizada no Centro da cidade. As chamadas pensões eram gerenciadas pelas madames e reuniam muitas mulheres, que nos dias de hoje são denominadas de profissionais do sexo, em casarões localizados, em sua maioria, na Rua Afonso Pena, Rua da Palma, Rua 28 de Julho e Rua da Estrela. Algumas daquelas pensões mais conhecidas foram a Pensão da Maroca e a Pensão da Lolita. 96 mais. Tinha muito preconceito, sabe? Você não lembra por que é nova, mas até nas escolas tinha. Nas escolas tinha época de exames pra saber quem não eram mais moças. E elas saiam dos colégios. Eu não sei como era, mas sei que era pra saber quem era moça, pra ficar na escola, e quem não era, pra sair de lá. Eles excluíam da escola. Eu ouvi essa história, mas agora não lembro. Hoje em dia não, né? Tornava-se necessário na educação das filhas, segundo as rememorações, que estas tivessem consciência de que a conduta moral diferenciava as mulheres em: mulheres virtuosas e mulheres devassas. Considerado como defeito de caráter ou falhas na educação familiar, as representações de gênero as distinguiam entre as mulheres com as quais os homens pensariam em constituir família e aquelas com as quais poderiam se divertir. Rosário e Rosa destacaram estas diferenças ao lembrarem que os bailes de carnaval separavam as mulheres casadas, as solteiras e as prostitutas. Usar roupas provocativas também poderia associar às mulheres à fama “de leviana, namoradeira, vassourinha ou maçaneta (que passa de mão em mão), enfim, de garota fácil” (BASSANEZI, 2007, p. 612) (Grifos da Autora). Assim, os cuidados com as vestimentas também ocupavam destaque nas colunas femininas como, por exemplo, o Diário da Manhã, jornal de São Luís – MA, de janeiro de 1959: A ROUPA E A DISSIPAÇÃO DO ESPÍRITO - Para quem aspira trabalhar há roupas adequadas para o trabalho, embora muitas moças pareçam não perceber isso. Jamais se deve usar, por exemplo, no verão, uma blusa transparente. Também são impróprios os decotes demasiadamente baixos e as blusas sem mangas. Os vestidos de algodão e de cores escuras com enfeites de fustão são sempre apropriados para o escritório. Os vestidos de verão devem ter sempre, um pouco de manga, para que ganhem aspecto mais sério (Suplemento Feminino - Diário da Manhã, São Luís – MA, 29 de jan. de 1959 apud SOUSA, 1998, p. 119). Percebo que tal anúncio transmitia mensagem que reforçava o controle sobre as mulheres no que se refere aos comportamentos que poderiam distingui-las das moças consideradas levianas ou mal faladas, pois as vestimentas usadas poderiam associar os cuidados com o corpo à conduta moral das mulheres. Neste caso, podemos sintonizar estes “atos reiterados” com argumentos de Judith Butler (2003), quando esta autora destaca que o ato performativo não é simples singularidade. É, na verdade, todo ato que é citado e reiterado constantemente. Para Teresa Lauretis (1994), eles são produzidos por variadas tecnologias, tais como jornal, mídia televisiva, literatura, produzindo assim especificidades de gênero. 97 Voltando aos destaques quanto às configurações e expressões corporais, as instituições especializadas para focalizar estas questões registram que o corpo também sofre algumas modificações na passagem do tempo. Segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), as maiores complicações de saúde que atingem a população de mais idade estão relacionadas a problemas cardiovasculares (Infarto, Insuficiência Cardíaca), neurológicos (Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer e Acidente Vascular Cerebral), respiratórios (Pneumonia, Enfisema e Bronquite Crônica), Renais (Infecção e Retenção Urinária), bem como casos de Diabetes, Osteoporose, variações na Pressão Arterial e níveis de Colesterol39. É importante frisar, de acordo com estudos produzidos por aquela associação, que estes e outros problemas de saúde exigem mais de um terço dos rendimentos das pessoas consideradas velhas ou idosas, fato que tem sido freqüentemente alvo de queixa destas pessoas em várias reportagens veiculadas nos meios de comunicação. Joana, que já retirou um nódulo do seio, narrou que já trabalhou como babá de criança, em loja de departamentos, supermercado, creche, bar e que por um tempo teve que parar suas atividades devido ao aparecimento da osteoporose. Nos dias de hoje montou uma lanchonete com sua irmã e a doença lhe traz alguns empecilhos que ela relaciona mais à realização de algumas atividades domésticas: Eu trabalhei dois anos no Estado e depois fiquei parada, foi quando eu botei um bar na Ponta d’Areia. Era um quiosque. Eu tive uns problemas de saúde e parei. Até aí o Carlos me ajudava lá, o mais novo. Aí fiquei muito tempo parada de novo, devido aos problemas de saúde. Foi começando a aparecer osteoporose e eu fui começando a fazer acompanhamento e tratamento. (...) A minha limitação, o que eu sinto é devido a minha osteoporose. Eu descobri isso ai, já tá com um tempo e eu comecei a sentir algumas dores muito anormais. Eu fui no médico, fui na médica e contei o que eu sentia na minha ginecologista e ela pediu o exame. Eu fiz o exame e pra minha surpresa deu. Então eu já venho fazendo acompanhamento também dessa parte. As limitações, as únicas que eu tenho é dessa parte aí. É, mas eu mesma gosto de fazer minhas coisas. Sempre eu mesma gostei de lavar minha roupa. Eu nunca gostei de máquina. Até de outras pessoas eu lavava, porque eu sempre gostei, mas hoje eu já não posso mais. Eu lavo, não é que eu não lave, mas coisas mais pesadas eu já sinto. Assim, varrer a casa e passar o pano eu sinto um pouco, não é todo tempo. Eu acho que isso tem haver com o tempo, quando a gente faz muito movimento aí eu sinto. Tem também a 39 Informação obtida no site www.sbgg.com.br. Acesso em 25 de março de 2011. 98 lavagem de roupa que eu sinto. Até aqui eu nunca quis máquina, mas aí agora eu optei. Eu já comprei e só tá faltando instalar. O rapaz tá fazendo até um serviço aqui pra colocar porque eu não to podendo lavar. As roupas do dia-a-dia, mais leve, tudo bem, mas toalha de banho, colcha, essas coisas mais pesadas, aí fica mais difícil. E eu optei por isso. Agora o que eu mais sinto é passar o pano na casa e varrer, o principal. É o principal! Cozinhar, como aqui é só eu, meu marido e meu filho, não tem que passar a manhã todinha. Fazer um monte de comida, pra um monte de gente, como eu lembro que era lá na casa da minha mãe. Era muita gente! Aqui, como é só nos três, qualquer coisa dá, qualquer coisa a gente come. Isso tudo não é coisa que não se possa resolver. Sempre que eu posso chamo uma pessoa pra fazer uma faxina e quando tem muita roupa, agora que tem muita, eu só lavo o necessário, e se eu vejo que eu não posso, eu não forço. Eu levo pra casa do meu filho e lavo na máquina lá. Agora que eu comprei, aqui vai ficar mais fácil. Meu filho, qualquer coisa leva, que ele sempre passa por aqui. Tá em rota por aqui, aí bota a sacola de roupa no carro e ele leva. Quando chega lá a minha nora bota na máquina e depois ele traz ou então eu vou pra lá, passo o dia e lavo por lá e volto. Francisca também destaca algumas das operações realizadas, porém demonstra maior preocupação com os atuais problemas cardíacos, seus exames e consultas, como se percebe a seguir: Fiz vesícula, fiz apendicite, fiz cesariana e não sinto nada. A única coisa que tenho é minha glicemia, que teve alta, mas eu controlo e a pressão, que tem quase trinta e cinco anos que eu tenho problema de pressão. (...) Agora eu bati um Eletro [Exame eletrocardiograma] e o médico pediu pra fazer outro, uma Cintilografia Miocárdia40. Eu tô com medo desse exame que eu tenho que fazer. Já operei, mas com coração a gente não brinca. A gente nunca fica tranqüilo quando o negócio é doença. Eu fiz uma cesariana pra ter meu ultimo filho porque o médico disse que era pra fazer Laqueadura. (...) Eu perguntei: “Doutor, essa Laqueadura o senhor vai me corta?”. Ele disse que era um corte pequeno, mas eu disse que se era pra cortar ele ia tirar logo meu filho. Eu não queria sentir dor pra ter bebê e ainda fazer essa Laqueadura. Já operei três vezes, de Apendicite, Cesariana e Vesícula. Não sinto nadinha. Nunca senti nada de nada. (...) Aí que ele pediu pra fazer uma Cintilografia Miocárdia. E esse exame é caro, tá R$ 2.900,00. Meu filho ta vendo se eu ainda faço esse mês, ou no começo do outro. Nem sei como foi dar isso porque eu sempre faço atividade. Aqui minhas 40 Exame intermediário entre o teste de esteira (ergométrico) e o cateterismo. Este exame usa uma substância radioativa fraca chamada radioisótopo para marcar as áreas onde o sangue está chegando com dificuldade. O marcador cintila ou emite radiação e daí vem o nome. Em umas 24 horas o radioisótopo sai do corpo pela urina, completamente. Ver http://www.seuamigodopeito.com/index.php?option=com_content&view=article&id=157:cintilografiamiocardica&catid=41:infarto&Itemid=63. Acesso em 21 de outubro de 2010. 99 atividades oh! Hoje nós pegamos peso. Eu tenho meu pesinho da perna e faço tudo direitinho. Se tivesse alguma coisa eles não deixavam eu fazer atividade, porque lá tem acompanhamento. Rosário, por sua vez, minimiza seus problemas de saúde e nos relembra a diferenciação dos cuidados segundo diferenças de gênero, conforme já destaquei, exemplificando a maneira com que ela e o marido se cuidavam. Eu não tenho essas doenças todas. Só tenho problema asmático, senão fosse isso era uma maravilha. Eu faço tratamento, mas o meu marido morreu porque ele fumava e bebia muito. Ele não fazia tratamento de nada. Ele não queria, só ia na emergência e depois acabou os cuidados pra ele. Depois ele não ia mais. Eu falava pra ele ir se tratar, mas ele não ia. (...) Depois do último filho eu liguei 41 e fiz períneo 42, com 36 anos. (...) Eu liguei e fiz períneo. Graças a Deus essa operação foi muito bem feita. Hoje em dia eu vejo é muita senhora, de 70 e 80 anos, tendo problema e tendo que fazer períneo. Ou então que já fez e que vai ter que fazer de novo porque a bexiga baixa. Eu fiz tá com a idade do meu filho caçula, e não sinto nada. A cirurgia foi bem feita. Esse médico foi muito bom. Eu só fiz essa cirurgia e uma no meu pé, que eu tinha problema de joanete. Ah, uma vez também fiz uma pequena operação de varizes, mas em nenhuma delas teve complicação. Ela continua narrando a respeito das mudanças corporais que ocorrem com o avançar da idade e rememora os problemas sofridos por sua mãe: Quando ficamos velhas, o corpo da gente todo muda. Agora a memória é que pega mais. Esquecimento todo mundo tem, mas a memória que eu acho que me preocupa mais porque minha mãe se esqueceu cedo. Com 73 anos ela não conhecia mais filho. Não sabia mais de nada. Ela se esquecia. Não lembrava mais de nada, nada, nada. A gente perguntava e ela dizia: “Não, tu que é minha mãe”. Ela morava com meu irmão na Cohama e um dia ele percebeu. Até então ele não tinha percebido.....Ela morava no Rio (RJ) com uma outra irmã que morava lá e ela veio. Todo ano vinha passar férias. O último ano que ela veio foi esse! Aí na casa dele, na Cohama, ele disse: “Mamãe, eu vou sair e vai chegar uma pessoa com encomenda e a senhora recebe, viu”. Aí quando a pessoa chegou e procurou, ela disse que lá não morava 41 A Laqueadura consiste, segundo Osis, Faundes e Sousa (1999), em uma técnica cirúrgica de esterilização na qual se interrompe a comunicação na tuba uterina, com um corte ou ligamento, impedindo a fecundação do óvulo pelo espermatozóide 42 A Perionioplastia consiste, de acordo com Amaro, Haddad e Trindade (2005), em uma técnica cirúrgica que refaz a Musculatura do Assoalho Pélvico (MAP), local de sustentação dos órgãos pélvicos (útero, ovários, bexiga, etc.). A função da MAP é auxiliar na continência de urina (apertando a uretra), na função sexual (apertando a vagina) e na continência fecal (fechando o reto). 100 ninguém com aquele nome. Quando ele chegou e perguntou se tinham ido alguém lá, ela disse que não tinha ido ninguém (Rosário). O episódio citado nos faz refletir que os lapsos da memória podem estar relacionados tanto a meros esquecimentos quanto a situações que são designadas no âmbito de patologias tal como a doença conhecida por Alzheimer 43 e/ou outros processos atribuídos à senilidade (envelhecimento das células neurológicas). Em seus estudos sobre processos de lembrança, associação e esquecimento, Freud (1964) entendia que este último tinha como objetivo ocultar acontecimentos dolorosos ou indizíveis que tenham ocorrido na vida das pessoas e que, por variadas circunstâncias, são armazenadas ao nível do inconsciente. Esta assertiva de Freud tem certa proximidade com a noção de “memórias subterrâneas” de Michel Pollak (1989), segundo a qual as lembranças traumatizantes são silenciadas por longos anos, e assim permanecem até momento julgado oportuno de serem reveladas, devido às censuras, represálias e/ou conseqüências que as pessoas ou grupos poderiam sofrer com a sua divulgação. Não tenho maiores fragmentos de relatos que possam revelar as causas do esquecimento que a mãe de Rosário viveu e, assim, precisar se seria sinal do processo de senilidade ou de Alzheimer - doença esta que nos dias de hoje se tem maiores informações que outrora, devido às crescentes pesquisas realizadas por profissionais da área médica. Noto que tais esquecimentos atingem diretamente a perda de algumas referências de sua identidade ligada aos papéis de mãe, esposa, provedora do lar e dos filhos. É importante enfatizar que os discursos médicos procuram destacar que nem todas as pessoas consideradas velhas ou idosas apresentarão lapsos de memória ou esquecimentos por estarem vivenciando o processo de envelhecimento, uma vez que um fenômeno não decorre do outro. 4.3 Corpo e Padrões de Beleza 43 A Doença de Alzheimer é, segundo Aprahamian, Martinelli e Yassuda (2009), uma doença degenerativa que atinge o sistema neurológico. Seu tratamento não leva à cura, mas visa minimizar os sintomas. No início geralmente a perda da memória é associada à demência, mas exames mais elaborados constatam que os sintomas são mais complexos e atingem toda a vida de seus portadores. Maiores informações sobre a doença podem ser encontradas no site da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAZ) http://www.abraz.com.br/ . Acesso em 25 de março de 2011. 101 Outros aspectos que se referem ao corpo são os cuidados com aparência física e beleza. Tais cuidados podem ser considerados como um dos atos ou gestos performáticos, ressaltados por Butler (2003), que elencam traços marcadores da feminilidade em oposição à masculinidade. A seguir, Rosário e Francisca narram alguns dos cuidados de beleza que realizam. Agora sobre corpo... antes eu não me cuidava. Agora, depois de idade é que eu tô me cuidando (risos). Tem uma colega da minha neta que veio aqui e perguntou se eu tinha 70 anos, porque eu sou dura. Não aparento!(risos). Minha neta diz que eu sou toda vaidosa! E eu passo uma coisinha no rosto, uns cremes, um batom leve, porque eu nunca gostei de batom forte, só mesmo pra mudar a cor. Passar um perfume eu também gosto. Pintar meu cabelo! Desde moça que eu pinto meu cabelo (risos). Meu cabelo era liso, liso, liso e eu dizia pra minha mãe que queria meu cabelo crespo (risos). Ela me dizia que só se fosse com permanente e aí fazia, só que quando saía ficava feio. Aí eu mandava cortar e pintar (risos). Até hoje eu pinto meu cabelo. Nesse tempo, as senhoras, como minha avó, não eram assim. Não pintava cabelo, não vestia calça. Era difícil ver uma usando. Antes se achava ridículo, mas hoje não. Eu acho positivo se chegar a essa idade, ou mais. (...) Antes, quando eu era mais nova e via uma senhora de idade no ônibus, de boca pintada eu dizia: “Meu Deus do céu! De boca pintada, nessa idade?!”. Eu criticava muito, falava, mas agora não. Eu me pinto, pra você vê como é as coisas! (risos). Eu ainda pinto meu cabelo, tem vezes que eu gosto de fazer uma limpeza de rosto. Eu uso produto da Avon e da Jequiti, e também vendo. Eu vendia tudo que era cosmético, mas agora só esses. Então eu tô nesse meio e uso. Uso perfume, uso creme, hidratante. Isso tudo eu uso. Eu sou vaidosa, mas tem muitas mulheres que perdem a vaidade. Tem senhora que não gosta, fica mesmo natural. Agora eu, desde nova, uso. Eu puxei pra minha avó. Ela morreu com 101 nos, mas enquanto ela podia andar direito, com postura, ela andava. Ela ia pra igreja toda arrumada. Era vestido, meia, sapato. Usava compacto, ela gostava e usava, mas batom nem tanto. Eu não usava compacto não, agora que eu tô usando. Agora sempre pinto meu cabelo. Eu gosto muito de me cuidar e agora, depois de idosa, comecei a tirar minha sobrancelha (risos). As minhas noras começam a falar: “Tira! Tira!”, mas quando eu era nova eu nunca tirei. Eu achava feio e também meu marido não gostava dessas coisas. Agora a minha nora chega aqui e faz (risos). Eu tiro pra ficar mais bonita, mas é como eu disse, antes eu achava uma senhora pintada uma coisa ridícula. Agora não! Eu gosto de me arrumar. Gosto de usar secador. Gosto de rímel, mas só daquele transparente. Ele é bom porque não mancha. Antes eu só gostava de batom e rímel, mas agora eu tô usando compacto. Eu gosto muito de tratar do meu cabelo. A mulher tem que se cuidar em qualquer idade (Rosário). 102 Ontem a colega ligou dizendo que não ia ter aula, aí eu fui na casa da minha irmã, aqui no Angelim, levar uma calça pra ela ajeitar. Eu tô chegando e outra colega liga perguntando se eu não vou pra aula. Eu estranhei porque me avisaram que não ia ter, mas na mesma hora mandei minha irmã descer e nós pegamos o ônibus correndo. Ainda chegamos lá pelas 15:00 horas e tava todo mundo já no auditório e as colegas guardaram nossos lugares lá. Quando eu cheguei todo mundo ficou me olhando porque eu fui mais arrumada né. Na verdade eu tava indo pra casa da minha irmã, aí ligaram dizendo que ia ter aula, fui assim mesmo. Eu sempre fui vaidosa, quer dizer, desde novinha não, mas depois, quando eu tava já saindo com minha irmã, eu me arrumava mesmo. Eu fazia até sinal de lápis no rosto (risos). Hum...tudo pra ficar bonita. Eu sair de casa sem pintura e sem perfume, é a mesma coisa de que eu tá nua, nua, nua. Tenho que sair arrumada, direitinho. Eu não gosto de vestido, mas uso um ou outro quando me dão. Não gosto de saia, é usando bermuda o tempo todo, ou então calça. Uso minhas roupinhas e não to nem aí, mas menino....hum! Eu uso o que eu gosto. Quando vou sair é usando cheia de balangandãs, mas eu gosto (risos). A gente tem que aproveitar a vida, o resto que ainda tem porque ninguém sabe o dia de amanhã (Francisca). Estas mulheres citam quais são as coisas que mais lhes despertam interesse no cuidado de seus corpos. Rosário fala sobre os produtos de beleza que utiliza e enfatiza, principalmente, os cuidados com seus cabelos. Fala muito da vontade de cacheá-los com permanente quando nova. Essa vontade talvez se justificasse porque os padrões de beleza nas décadas de 1950 e 1960 eram os cabelos cacheados, exibidos tanto pelas atrizes do cinema Hollywoodiano – como Ava Gardner, Bete Davis, Elizabeth Taylor, Débora Kerr, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Grace Kelly, Rita Hayworth, quando pelas atrizes brasileiras – Laura Cardoso, Joana Fomm, Nicete Bruno44. Com o advento do cinema e da televisão, as normas de feminilidade passaram cada vez mais a ser transmitidas culturalmente através do desfile de imagens visuais padronizadas. (...), ficamos sabendo das regras diretamente através do discurso do corpo, expressão facial, movimentos e comportamentos que são exigidos (JAGGAR e BORDO, 1997, p.24). Embora tais atrizes fossem mulheres brancas, o padrão de beleza que ajudaram a construir foi transmitido às demais mulheres, independentemente da classe social e etnia, pois mesmo que algumas mulheres não tivessem condições financeiras que as possibilitassem irem ao cinema ou assistir televisão – cujo preço 44 Informação obtida nos sites www.c1nema.tripod.com/atrizes.htm e www.mulheresdocinemabrasileiro.com/atrizesadecadas.htm. Acesso em 06 de abril de 2011. 103 do aparelho naquelas décadas era elevado e nem todas as pessoas tinham condições de comprá-lo – modelos de cortes e permanentes de cabelo, vestidos e demais acessórios da moda chegavam até elas por meio das vivências cotidianas como, por exemplo, nas Igrejas, nas Praças e Comércios, nos contatos com outras senhoras, possivelmente nas casas em que trabalharam. Não posso deixar de frisar que os exemplos de atrizes cinema e televisão, acima citados, são de mulheres brancas. Ao buscar informações sobre as atrizes brasileiras e estrangeiras que atuavam naquele contexto, pude notar que apareciam poucos nomes de mulheres negras. No Brasil, as atrizes negras eram Ruth de Sousa, Léa Garcia, Chica Xavier, Neuza Borges e Zezé Motta. Internacionalmente os destaques eram Cicely Tyson, Diahann Carroll e Dorothy Jean Dandridge. Nesse sentido, a diminuta atuação no cinema ou na televisão não era exclusividade das mulheres negras, pois os homens negros também participavam pouco deles. Nacionalmente projetaram-se Grande Otelo, Milton Gonçalves, Tony Tornado e Antônio Pitanga. A nível internacional sobressaíam-se Sidney Poitier, Morgan Freeman, James Earl Jones e Paul Winfield45. Nesse sentido, alguns estudiosos têm refletido sobre a pequena participação de atores negros e atrizes negras em novelas, cinema, teatro e na mídia em geral, como em telejornais e na publicidade. Segundo Igor Gomes (2008), os trabalhos de maior destaque são “A Negação do Brasil: o negro na telenovela” (2000a) de Joel Zito Araújo, a coletânea “Espelho Infiel: o negro no telejornalismo” (2004), de Rosane Borges e Flávio Carrança, e a pesquisa “A Identidade da Personagem Negra na Telenovela Brasileira” (1999), de Solange Martins Couceiro de Lima. Estas análises questionam tanto a pequena participação de homens negros e de mulheres negras na mídia, quanto os papéis estereotipados por eles vividos, o que tem levado à invisibilidade e desvalorização dos negros na sociedade brasileira. Jaques D’Adesky (2001) e Joel Zito de Araújo (2000b) apresentam algumas pesquisas que levantaram o número de negros atuando nas telenovelas brasileiras de 1960 a 1990. Estas pesquisas evidenciam quanto ínfima tem sido a participação 45 Informação obtida nos sites http://cinemetro.blogspot.com/2011/03/atores-afro-americanosganhadores-do.html, http://cinemetro.blogspot.com/2011/03/atrizes-negras-oscar-1927-2009.html e http://veja.abril.com.br/cronologia/oscar/index.html. Acesso em 07 de abril de 2011. 104 do negro na mídia. As exceções são novelas e filmes que abordam a temática abolicionista, como “A Escrava Isaura” (TV Globo, 1976), “Sinhá Moça” (TV Globo, 1986 e 2006) que requisitam a atuação de atores e atrizes negros46. Quanto aos papéis estereotipados, na maioria das vezes, os atores negros e atrizes negras atuam em papéis subalternos fazendo personagens que são motoristas, caseiros, babás, domésticas, bandidos, malandros e mulheres sensuais. D’Adesky (2001) enfatiza que são raros os casos nos quais aqueles atuam como protagonistas empresários, advogados, políticos – e que a falta de talento ou de pessoal não podem ser utilizados, generalizadamente, como argumentos de autores e/ou produtores de filmes, novelas, telejornais e propagandas de TV, pois existem outros fatores relacionados à atribuição de papéis secundários a atores negros e atrizes negras. Retomando a análise dos cuidados com sua aparência física, para aproximála dos padrões idéias de beleza, Rosário conta que hoje usa batom, rímel, pó compacto e tira a sobrancelha, mas reflete que antes “achava ridículo e criticava” a postura de mulheres consideradas velhas ou idosas que se pintassem com, por exemplo, batom. Tal mudança de opinião pode decorrer da sua participação em espaços institucionais, tais como os “grupos de idosos”, que promovem a valorização e o estímulo das pessoas consideradas velhas ou idosas em seus discursos, e/ou de discursos médicos que anunciam vários tratamentos cirúrgicos e dermatológicos que minimizem ou acabem com os efeitos do processo de envelhecimento como, por exemplo, os cremes anti-rugas ou anti-sinais, preenchimento facial com fios de ouro ou materiais como botox ou colágeno. Francisca conta que gosta de andar arrumada. Sua vaidade foi sendo construída a partir do momento que foi morar com seus pais, depois que sua avó faleceu, quando passou a andar mais com as irmãs e “despertar” para festas e namoros. Seus cuidados com a aparência física se concentram hoje nas roupas usadas, nos perfumes, na maquiagem e nos acessórios utilizados. Pude observar 46 De acordo com Araújo (2000b), embora algumas novelas tenham abordado conflitos raciais, sobretudo, em relacionamentos amorosos e trabalhistas, determinados personagens sofreram rejeição do público telespectador como, por exemplo, na primeira versão da novela “Pecado Capital” (TV Globo, 1975), em que o ator Milton Gonçalves interpretou um psicólogo que foi censurado ao se apaixonar por uma mulher branca, ou também na novela “A Próxima Vítima” (TV Globo, 1995), em que uma família negra de classe média alta, formada pelos atores Antônio Pitanga, Zezé Motta, Camila Pitanga, Lui Mendes e Norton Nascimento, residia num luxuoso condomínio na cidade de São Paulo e era constantemente discriminada pelos vizinhos. 105 isso nos momentos que nos encontrávamos, em sua residência, pois ela sempre teve o cuidado em usar colares e pulseiras que combinassem com o tom de sua roupa. Percebo, assim, que maquiagem, outros produtos de beleza, acessórios e roupas da moda, modelos de cortes de cabelo são alguns dos recursos que foram constituídos como sendo próprios para as mulheres, consolidando a perspectiva de que eram assuntos dos quais somente estas deveriam se preocupar e reforçando a concepção de uma “natureza feminina”, elemento social que envolvia características de sedução para atrair e envolver os homens. Contemporaneamente, esta perspectiva vem sendo modificada, sobretudo pelos homens das gerações mais novas que já apresentam interesse frente a alguns daqueles elementos, a exemplo de algumas reportagens transmitidas na mídia televisiva. Com isso se percebe um pouco da flexibilização que os papéis de gênero tiveram nas últimas décadas, embora estas duas perspectivas ainda (co)existam. Desse modo, compreendo que a feminilidade e masculinidade são opostamente construídas através de atributos que constituem corpos de mulheres e de homens. Nesse sentido, problematizo a categoria corpo no intuito de compreendê-la para além da perspectiva biológico-natural (músculos, órgãos, tecidos e células), visualizando o contexto sócio-cultural que a engloba. A categoria corpo vem sendo debatida por vários teóricos das Ciências Sociais e os trabalhos de Robert Hertz, “A Preeminência da Mão Direita” (1980) e Marcel Mauss, “A Expressão Obrigatória dos Sentimentos” (1979) e “As Técnicas Corporais” (1974), se projetaram por perceberem que diferentes e variadas são as técnicas de expressões utilizadas pelos corpos. Nesse sentido, David Le Breton (2009) acrescenta que a grande contribuição dos autores contemporâneos, como Norbert Elias (1997) e Michel Foucault (1977), foi considerar a corporeidade humana como fenômeno social e cultural. Le Breton revisa alguns estudos históricos e etnológicos e considera que: O corpo parece explicar-se a si mesmo, mas nada é mais enganoso. O corpo é socialmente construído, tanto nas suas ações sobre a cena coletiva quanto nas teorias que explicam seu funcionamento ou nas relações que mantém com o homem que encarna. A caracterização do corpo, longe de ser unanimidade nas sociedades humanas, revela-se surpreendentemente 106 difícil e suscita várias questões epistemológicas. O corpo é uma falsa evidência, não é um dado inequívoco, mas o efeito de uma elaboração social e cultural (ibidem, p.26). Le Breton (2009) enfatiza o aspecto da construção cultural a respeito da noção de corpo, apresentando a multiplicidade de traços, crenças e representações que podem ser expressos através dele e, conseqüentemente, da variabilidade de significados que o mesmo pode ter de uma sociedade para outra ou na mesma sociedade. Corroborando com esta, José Carlos Rodrigues (1975) acrescenta que as técnicas e práticas corporais podem variar segundo grupos etários, étnicos, de gênero e classe social. Segundo Marcel Mauss (1974), as técnicas corporais estariam relacionadas ao universo simbólico que circundam os corpos e também ao contínuo processo de aprendizagem que é direcionado às pessoas das mais diferentes culturas, conforme se percebe nos dois exemplos a seguir: Reconhecemos à primeira vista um muçulmano piedoso: mesmo que ele tenha garfo e faca nas mãos (o que é raro), fará o possível e o impossível para servir-se apenas com a mão direita; ele não deve tocar jamais na comida com a mão esquerda, nem em certas partes do corpo com a direita. Para saber por que ele fez este gesto, e não aquele outro, não basta nem a fisiologia nem a psicologia da dissimetria motriz no homem; é preciso conhecer as tradições que lhe impuseram (ibidem, p.221). A noção de que o dormir é algo natural é completamente inexata. Posso dizer-lhe que a guerra ensinou-me a dormir em toda parte, sobre montes de pedras, por exemplo, (...). O que é muito simples é que é possível distinguir as sociedades que nada tem para dormir, salvo “a dura”, e outros que recorrem a instrumentos. A “civilização por 15º de latitude”, de que fala Graebner, caracteriza-se, entre outros costumes, por dormir com um banco sob a nuca. O parapeito é muitas vezes um totem, às vezes esculpido com figuras agachadas de homens, de animais totêmicos. Há povos de esteira e povos sem esteira (Ásia, Oceania, uma parte da América). Há povos de travesseiro e povos sem travesseiro. (...). Há, enfim, o sono de pé. (...). Eis uma grande quantidade de práticas que são ao mesmo tempo técnicas corporais e que são profundas em influências e efeitos biológicos (ibidem, p.226). Estes exemplos demonstram que o aspecto cultural está relacionado às técnicas corporais. As Ciências Sociais devem compreender o corpo como estrutura simbólica e não somente como um composto biológico, fisiológico, anatômico e natural, conforme é anunciado pelo discurso médico ocidental. O importante é analisar os significados culturais que o corpo pode adquirir/apresentar e não 107 cristalizar, logo de imediato, um deles como único e legítimo, pois os conhecimentos orientais e da chamada medicina popular são outras maneiras de compreendê-lo. O corpo não é somente uma coleção de órgãos arranjados segundo leis da anatomia e da fisiologia. É, em primeiro lugar, uma estrutura simbólica, superfície de projeção passível de unir as mais variadas formas culturais. Em outras palavras, o conhecimento biomédico, conhecimento oficial das sociedades ocidentais, é uma representação do corpo entre outras, eficaz para as práticas que o sustenta. Tão vivas quanto aquelas, e por outros motivos, são as medicinas ou as disciplinas que repousam em outras visões do homem, do corpo e dos sofrimentos. (...) Conforme os espaços culturais, o homem pode ser criatura de carne e osso comandado por leis anatomofisiológicas; ou rede de energia como a medicina chinesa, que une os homens ao universo que o cerca como se fosse um microcosmo; ou animal que carrega em si todos os perigos da selva; ou parcela do cosmo em estreita ligação com os eflúvios do meio ambiente; ou domínio predileto para a estrada dos espíritos (LE BRETON, 2009, p.29). Diante da variabilidade de significados associados aos corpos entre/nas sociedades, volto à perspectiva de que os atributos imputados aos corpos de mulheres e de homens geram traços de feminilidade e masculinidade – em esferas opostas – que são produzidos culturalmente e não “essências” ou “naturezas” biológicas. 4.4 Mudanças Corporais: entre experiências veladas e o conhecimento A socialização de homens e mulheres naturaliza traços da masculinidade e feminilidade em identidades opostas num sistema de relações heteronormativas. De acordo com Branca Moreira Alves et al. (1980), a identidade feminina foi caracterizada por alguns atributos, tais como timidez, docilidade, fragilidade, pureza enquanto que a identidade masculina foi caracterizada pela coragem, tenacidade e virilidade. Segundo as autoras, outros elementos que configuram a identidade feminina estão atrelados ao desconhecimento a respeito da sexualidade e das transformações corporais que acontecem com as mulheres. Nesse sentido, sentimentos como medo, vergonha e insegurança expressariam um pouco do que as mulheres pensariam a respeito, por exemplo, da primeira menstruação, das experiências erótico-sexuais vividas com namorados, maridos e/ou parceiros e da menopausa. Tal como apontam aquelas autoras, os relatos de Joana, Rosário, Francisca e Rosa sobre o momento de sua primeira menstruação também são marcados tanto 108 pelo desconhecimento quanto pelas recriminações e ocultações que, em geral, as mães faziam sobre aquele momento. Eu sempre tive assim...sempre fui muito retraída. É até um avanço eu sair com o Sr. Luís. Outra coisa que não se falava era sobre menstruação. Nessa época minha mãe foi muito calada. A não ser com alguma colega que a gente falava e eu com muita vergonha de perguntar. Eu não tinha coragem assim... e depois o pessoal podia falar: “Essa menina tão saliente. Quer saber das coisas antes do tempo”. Então, eu me reservava. Fiquei esperando. Menstruei com treze anos, aí falei pra mamãe e ela disse: “Não, isso é assim mesmo. A menina tem que ficar moça. Agora você é moça”. Aí tinha as recomendações: “não comer isso, não comer aquilo”. Não podia comer limão, não podia comer azedo. Era tanta coisa. Aí papai dizia: “As mulheres lá no Ceará, quando estão nesses dias, não passam nem debaixo de pé de Limoeiro” (risos). Depois que eu menstruei foi tudo bem. E depois mamãe me acompanhava nos meus partos (Rosa). Acho que foi com 15 anos que eu menstruei. Não se conversava sobre isso não. Nada, nada. Nunca. Minha mãe não falava e meu pai, piorou. Eu fui criada assim, sem saber nada. Meu pai até reclamava quando minha irmã passava no corredor e dizia com raiva: “Essa é curiosa. Quer passar só pra olhar, pra ver o que a gente tá fazendo”. Assim que era....Lá em casa ninguém falava. Nunca vi minha mãe beijar meu pai, nem abraçar...tudo era escondido. Sentar no colo...Ave Maria! (risos). Nunca! No meu tempo, com meu pai, não! (...) Quando eu menstruei eu pensava que tinha me cortado. Eu pensava que era corte e perguntei pra uma prima minha, também naquele tempo, não sabia o que era. Ninguém respondia quando a gente perguntava, tinham vergonha de falar. (Rosário). Eu acho....eu não tenho certeza, não tô lembrada, mas acho que foi na idade de 13 anos que eu menstruei. Foi nessa faixa. (...) A minha mãe sempre teve vergonha de contar as coisas. Conversar com a gente, se abrir com a gente. Ninguém contava, era assim como algo vergonhoso. Eu não sabia de nada. Eu lembro assim porque quando eu menstruei eu não sabia nem o que é que era. Quer dizer, não sabia entre aspas, porque eu já olhava minha mãe aqui e acolá, visto que elas usavam panos, não era absorvente. Eu olhava e criança sempre é curiosa e eu perguntava, mas elas não queriam nem responder o que é que era aquilo. Quando elas respondiam, respondiam errado. Era assim: “Ah, isso aí. Isso é meu. É que eu uso e tudo...”, mas não dizia o que era, qual era a finalidade. Aí quando eu menstruei eu me assustei. Eu não sabia o que é que era, mas tinha mais ou menos a idéia, já imaginava né? A gente conversava, eu e minhas primas. Às vezes as primas mais velhas, que menstruava primeiro, contava que nós iríamos 109 passar por isso. Porque do jeito que era minha mãe, eram minhas tias. Sobre sexo, nem falavam. Nem podia falar sobre sexo. Se falasse já era apanhando, era assim. Então aos poucos a gente ia descobrindo. Eu sabia que existia a menstruação, mas eu não explorava, eu gostava era de brincar, tomar banho em rio. E nos primeiros dias eu escondi. Eu fiquei escondida, toda sem jeito. Depois que eu falei pra minha mãe e ela ficava com vergonha. Ela não olhava nos meus olhos. Por isso que os pais tinham todos os cuidados pros filhos não namorarem. Os meus parentes anteriores eram todos analfabetos. Eles não iam pro colégio pra não saber fazer carta pra namorar. Tinha esses cuidados todos na época. (Joana). Já operei três vezes, de Apendicite, Cesariana e Vesícula. Não sinto nadinha. Nunca senti nada de nada. Da cintura pra baixo sou uma pessoa que me cuido muito. Vou nesses médicos, faço meus preventivos, mas não tenho nada, nada. Eu nunca senti cólica ou outra dor. Tive quatro filhos e não senti nada. E dentro de 15 pra 16 anos que eu menstruei. Foi perto, um pouco depois que minha avó morreu. Todo mundo lá de casa falava pra minha avó pra ela me dar um remédio caseiro que eu com 15 anos não tinha vindo nada. E ela não me dava, dizia que na hora certa viria. E de lá pra cá nunca passou de três dias. Nunca, nunca, nunca. Não sei nem o que foi cólica (risos). Quando eu pensava que não, minha roupa já tava suja e eu me espantava: “Vixe, já?” (risos). Agora ninguém falava nada. Minha mãe mesmo não falou. Minha avó também, ela era uma cabocona do interior e não gostava de falar dessas coisas. A gente acabava aprendendo era com as colegas (Francisca). As narrativas de Rosa, Joana, Francisca e Rosário demonstram que falar sobre menstruação, bem como manifestar alguma curiosidade sobre a sexualidade era um comportamento desaprovado às mulheres no contexto das décadas de 1940 e 1950. Estas mulheres contam que tinham medo de perguntar e contar que tinham menstruado, porém o desconhecimento sobre o assunto não era total, visto que as informações chegavam até elas observando, aqui e ali, que o mesmo acontecia com suas mães e tias. Tinham uma breve idéia do que poderia ser, mas sempre que perguntavam; as respostas geralmente eram evasivas. As reações das mães, avós e tias se aproximam das assertivas de Foucault (1980) sobre maneiras diferenciadas de falar sobre o sexo, ressaltadas anteriormente, segundo as quais “a sexualidade é falada através de próprio ocultamento ou da utilização de metáforas ou formas eufemísticas de abordagem” (Alves et al., 1980, p.259), por intermédio de elementos envoltos de mistérios e segredos. Tais elementos acabaram por 110 consolidar, na construção dos papéis de gênero, ideais de pureza e inocência ao comportamento socialmente esperado das mulheres, no que se refere às vivências da sexualidade, como “essências” ou “naturezas” biologicamente determinadas. Criticando esta perspectiva, Alves et al. (1980) argumentam que: O desconhecimento, o silêncio sobre a sexualidade não é um vazio. É um silêncio simbólico, na medida em que transmite um modelo do “ser mulher”, um modelo de conformidade. O desconhecimento amplia o significado dessa sexualidade feminina, enquanto uma espécie de tabu, cercada de interdições, de regras de comportamento, de exigências, que definem não apenas a atuação da mulher como sua própria essência, a sua própria “natureza”. É visto como algo “natural”, próprio do comportamento adequado à condição feminina, e, conseqüentemente, atua como um dos elementos do poder exercido sobre a sexualidade feminina (ibidem, p.259). A argumentação continua a questionar a naturalização dos papéis de gênero em: Esse silêncio não é um silencio absoluto e nem apenas um silencio acionado de fora para dentro. Ele é também assumido pela própria mulher, como parte de um comportamento aprendido para a maximização de recursos se sobrevivência numa sociedade desigual. Toda essa aparente contradição se encaixa no jogo de sedução-recato- (...), assegurando, nesse sentido, à mulher que o exerce, a possibilidade de integração numa cultura que “naturaliza” a sua condição social (ibidem, p.260). Essas informações também poderiam ser internalizadas pelo conteúdo de revistas destinadas às mulheres que circulavam nacionalmente na primeira metade do século XX. Essas publicações apresentavam, entre outros assuntos, que a sexualidade das moças solteiras e noivas era uma preocupação das famílias, aconselhando-as a não manter contato íntimo com os rapazes a fim de conservar a inocência sexual até o momento do matrimônio, pois estes geralmente buscavam como esposa as moças que fossem recatadas e com uma boa moral (Bassanezi, 2007). A revista O Cruzeiro recomendava: Evite a todo custo ficar com seu noivo (...) a sós [quando] deixam-se levar pela onda dos instintos para lastimarem, mais tarde, pela vida toda [...] vocês cometem o crime de roubar ao casamento sensações que lhe pertencem correndo o risco de frustrar a vida matrimonial (O Cruzeiro, 07 de out de 1955 apud BASSANEZI, 2007, p.619) A experiência aconselha, em benefício da moça que quer conviver com rapazes, que conquanto tenha confiança em si mesma, nunca tenha confiança em tal grau que a exponha a toda a prova. O amor é uma força 111 às vezes cega – é preciso andar sempre de olhos abertos para não cair (O Cruzeiro, 24 de mai de 1958 apud BASSANEZI, 2007, p. 612). Também se percebe que essas mensagens não abordavam o assunto diretamente, o que encontra sintonia com as análises de Branca Moreira Alves et al. (1980). Os eufemismos eram muito utilizados naquelas revistas, destinadas às mulheres, para substituir palavras como sexo, relações sexuais, virgindade por “familiaridades, intimidades, liberdades, aventuras” (BASSANEZI, 2007, p. 620). José Carlos Rodrigues (1975) ressalta que as atitudes diante do sangue variam culturalmente, podendo ser associado, pelos variados povos, à destruição ou à regeneração. O autor destaca que, em algumas sociedades, as mulheres menstruadas não poderiam tocar certos alimentos, que apodreceriam, nem praticar atos sexuais, exercícios físicos, lavar a cabeça, andar descalças ou tomar banho frio. Também poderiam ser segregadas, mantidas em um local separado, acreditando-se que o encontro casual com uma delas poderia ocasionar doenças. Entretanto, há outras sociedades em que o sangue menstrual não é evitado e nem representa ameaça ou perigo, podendo até curar enfermidades. As narrativas de Joana e Rosário enfatizam algumas das interdições que foram atreladas ao sangue menstrual. Elas se referem, sobretudo, às frutas e comportamentos que deveriam ser evitados durante o ciclo menstrual. Além disso, o uso de ervas e chás no combate a cólicas menstruais e outras doenças ainda são relembrados. E tinha muita coisa que falavam, na época, que podia fazer, não podia comer. Ah, mas era muita coisa! A gente não podia comer tanta coisa. A minha avó, ela era muito....assim, ela dizia que entendia de muita coisa. Ela era do tempo que tudo fazia mal. Até uma fruta, sem ser em período de menstruação ou não, tinha problema se misturasse com outra. Até hoje ainda tem....por exemplo, o Açaí. Quando eu tomo Açaí eu já tenho aquela coisa de não poder comer outra coisa. Isso ainda ficou, mas muita coisa já saiu. Já não faço mais. Algumas coisas saíram. A gente foi aprendendo que não fazia mal, mas o açaí ficou. Eu ainda lembro de Laranja, que era uma das frutas. Abacate, Buriti...é...Melancia, Goiaba. Eram inúmeras frutas. Manga. Lá onde a gente morava tinha muita Manga. Eu sempre fui louca por Manga, mas não podia. Manga fazia mal. Todo mundo dizia que principalmente Manga. Eu lembro que minha avó dizia assim: “Manga é pus. Não pode” (risos). E ela fazia muito remédio caseiro. Chá de hortelã, que era pra 112 acalmar, pra má digestão....toda erva ela sabia alguma coisa. Tanto que eu queria ficar na Fitoterapia [disciplina da UNITI], mas não deu por causa do horário pela manhã. Ela tinha muitas ervas. Ela tinha canteiros e mais canteiros de ervas. Todo mundo que precisava ela sabia o que dar. A gente morava num lugarzinho e lá era pequeno e tudo, não tinha médico, e tudo ela sabia. Ela sabia remédio pra dor de dente, pra dor de ouvido, pra febre, remédio pra tudo, pra tudo mesmo. O banho também. Era recomendado que a gente tomasse um banho rápido. Não podia banhar na parte da tarde. Não queriam que molhasse a cabeça. Tinha todos uns cuidados, assim. Eu tinha cólica e ela fazia um chá de uma folha que eu esqueci agora (Joana). Eu sentia dor e tomava remédio mesmo, aquele Atroveran. Às vezes tomava Cibalena. Agora depois que eu casei acabou, não tive mais cólicas. O povo tomava muito era chá de Aroeira. Eu ouvia falar mais de Aroeira porque pra não engravidar. Eu nunca usei remédio assim, como hoje, pílula, que às vezes incha, às vezes faz mal. Pílula eu nunca usei, só a pílula contra [pílula do dia seguinte] e usei muito o limão. Limão em jejum, purinho, sem água, sem açúcar, sem nada. Assim que termina de ter relação, toma o limão. Isso eu tomei muito. Já tomava casada, pra evitar filho, que eu já tinha quatro. E ele queria ter quantos viesse. Eu que não queria porque não tinha condições financeiras pra ter muita criança e tá sofrendo depois. Não dar médico, um colégio adequado pra aprender. Eu dizia pra ele né: “Olha, eu não quero”. Aí foi quando ele pensou que eu já tinha cinco, morreu uma com 20 anos e hoje tem quatro filhos. (...) Antigamente as mães da gente não falavam dessas coisas não, parece que tinham vergonha. Eram vergonhosas. E tinha mais, se tava menstruada, não pegava sereno, não comia limão, nem comida gordurosa. Também não tomava banho com água fria, e eu, pelo menos, já vim tomar banho frio depois de muito tempo. Eu fiquei com aquilo dentro de mim e quando eu tinha menino eu só banhava com água morna. Só depois que eu fui me despertando, que a gente vai aprendendo e vê. Se eu não tivesse tirado essas coisas até hoje eu era uma pessoa que não tomava banho frio! Onde já se viu, menino? Hum, que coisa! (risos). Aí meus filhos iam crescendo e dava logo banho neles com água fria e pronto. Não andava descalço, naquela época. Faziam era amarrar tamanco no meu pé pra eu não sair descalça quando tava menstruada. Diziam também que não se passava em cima de fezes de cavalo, de boi... é, é isso tudo mesmo. Olha, eu me lembro que quando eu tive minha filha eu passei foi quarenta dias deitada na cama. E era só comendo pirão, pirão com frango. Não comia feijão pra não dar coceira na cirurgia, nos pontos. Menina, mas era tanta coisa que não podia! Meu marido ainda conseguiu uma mulher aqui pra cuidar de mim e ela era pior do que minha avó (risos). Não podia isso, não podia aquilo. E eu já tava era abusada daquele pirãozinho de galinha. Era temperado só na água, no sal e no tempero seco. (Rosário). 113 Neste trecho de narrativa, acima, Rosário nos conta que preferia tomar limão em jejum para evitar futuras gravidezes, uma vez que já tinha quatro filhos, a usar outro tipo de método contraceptivo, como a pílula anticoncepcional surgida na década de 1960, evidenciando que a vivência de sua sexualidade estava desatrelada da procriação, o que ampliava o controle sobre seu corpo e a possibilidade de gerar filhos. 4.5 Memórias de Práticas Sexuais No que se refere às primeiras experiências sexuais, Rosário e Joana narram que as tiveram com namorados, situações que se distanciavam do que era socialmente esperado das mulheres nas décadas de 1940 e 1950. No caso de Joana, as experiências com outro namorado ocasionaram a gravidez do seu primeiro filho. Sua narrativa ressalta que ser mãe solteira representaria uma ofensa social e desonra para famílias daquela época. Nesse sentido, era comum as moças esconderem a gravidez, como estratégia, para adiarem uma possível reprovação social. Muitas pessoas perdem a virgindade porque vê na televisão, mas gente isso é do homem. Na lei de Deus só no casamento que é pra ter relações. Eu tive antes, mas..... Foi com o primeiro, eu tinha 16 anos. Eu não casei porque ele foi embora. Ah, mas meu pai quase me mata e me batia. Foi horrível. Eu nunca fiquei grávida ou tive filho, mas quando eu fui casar eu contei pra não dizer que eu tinha enganado. Se enganasse era pior. Nesse tempo era ruim! Não tomei nada porque eu só fiz essa vez mesmo. Só foi aquela relação e acabou, não vi mais ele. Também fiquei escondida, sem falar nada (...) Depois que eu arrumei esse, que eu contei pra ele, ele foi e contou pra minha mãe. Aí foi aberto e ele disse que queria casar comigo, mesmo assim, que ela não se preocupasse que eu não ia ficar prejudicada. E foram 46 anos de casado (Rosário). Quando eu descobri que tava grávida, eu escondi. Eu passei cinco meses grávida e escondendo. Ninguém sabia. Eu acredito que como era a primeira gestação, eu não tinha quase barriga. E eu apertava, né. Amarrava um pano pra ninguém saber. Aí depois ficou muito difícil pra mim, porque o povo ia falar: “Ah, é mãe solteira. Não vai morar com o pai do filho dela (em tom de reprovação)”. Não contei nada e quando ele foi saber.....assim, eu morava aqui na época, que eu estudava aqui, tava terminando o 2º grau quando eu engravidei. Terminei o colégio e o que é que eu fiz? Eu fui embora pro interior e quando ele soube eu já tinha tido a criança lá. Ele nunca procurou assim....e também eu não quis mais, não quis mais....não procurei aproximação. Ele sabe, conhece, mas eu também nunca procurei. Eu assumi. Eu trabalhava e eu 114 mesma assumi. Eu trabalhava lá mesmo no interior. Eu ganhava pouquinho, mas dava e com a ajuda dos meus pais fui levando. (...) Eu tive um namorado lá em Cururupu. Foi mais ou menos um ano, um ano ou pouco mais de um ano que a gente namorou. E quando eu vim pra cá que eu conheci o pai do meu primeiro filho. Eu tinha 16 anos quando perdi a virgindade, mas não foi com o pai do meu filho mais velho. Foi com o de lá [Cururupu]. Nos não chegamos a morar juntos. Naquela época ninguém conversava, era cheio de dúvidas. É como eu falei, a gente tinha até medo de tocar no assunto. A gente não tinha orientação nenhuma. Falar nisso aí era...sobre relações....não se tinha nem conhecimento. Naquela época era um problema ser mãe solteira. Tinha muito problema, e como tinha! Por isso que os pais tinham tantos cuidados. Depois que ele nasceu foi muito bem acolhido por eles. Eles acolheram ele e eu sempre trabalhando e não deixava nada faltar. Quando eu voltei pra cá eles não quiseram deixar ele vir comigo. Aí minha irmã já morava aqui e eu vim morar com ela e trabalhar (Joana). Percebe-se que Joana e Rosário tiveram experiências que burlaram o que era considerado como comportamento normativo naquele contexto, conforme apontado por Carla Bassanezi (2007) - mulheres deveriam preservar a virgindade e evitar encontros e/ou relações mais íntimas até o casamento, pois este que legitimava o exercício da sexualidade às mulheres. Nas narrativas destas mulheres sobressaem a desinformação e o desconhecimento sobre a sexualidade. No entanto,percebe-se que o silêncio – estratégia usada para ocultar aqueles encontros mais íntimos com namorados - também é bastante significativo na medida em que a “descoberta” poderia gerar repressão social. As reações do pai de Rosário e do seu futuro marido, que contou à família de Rosário o ocorrido e, por isso, poderia desistir de casar com ela, refletem os descontentamentos diante da perda da virgindade, pois as mulheres que apresentassem um comportamento considerado ousado, como ter relações sexuais antes do casamento ou conversar sobre assuntos considerados como da intimidade, na maioria das vezes, seriam denominadas de “fáceis”, “galinhas” ou “biscates”. Leila Diniz foi um exemplo de mulher que na década de 1960 teve uma conduta de vida destoante do que delas era esperado: ingenuidade, castidade, passividade. Segundo Miriam Goldemberg (2008), esta atriz, nascida em 1945, foi repreendida socialmente por ter uma conduta considerada ousada para a época, por exemplo, unindo-se maritalmente com um diretor de Teatro (relação que não era 115 legitimada pelo casamento) e relacionando-se, em outra ocasião, com dois homens ao mesmo tempo (um deles já casado). No entanto, a autora ressalta que se por um lado Leila Diniz “escandalizou” a sociedade brasileira por ser “revolucionária, corajosa, transgressora, imprevisível, escandalosa” (ibidem, p.54), por outro representou um modelo de mulher que rompeu com padrões sociais que estipulavam às mulheres a submissão e dedicação ao marido, lar e filhos como destino. Nesse sentido, as narrativas de Rosa e Rosário também ressaltam que os padrões idealizados para os papéis de gênero eram bem demarcados e que “a vida das mulheres”, nas décadas de 1950 e 1960, exigia sacrifícios e dedicações ao casamento, bem como condutas que não fossem reprovadas socialmente. Uma mulher....na minha época uma mulher separada ela ficava recriminada. Inclusive meu avô ensinava pra mim assim: “Minha filha, uma moça é uma louça fina. Toda mancha pega! Uma mulher casada é uma louça mais fina ainda! Nela é que pega mancha; porque ela já tem a família dela e qualquer coisa que ela fizer de errado, ela é caluniada, ela é comprometida. E uma mulher viúva, ou mulher separada, essa sim que tem que ser cuidadosa pra evitar as más línguas, os falatórios!”. Quer dizer, em todas as circunstâncias a mulher é maculada. Naquele tempo era muito mais! Hoje não, as pessoas já tem sua independência de cuidar da sua vida, mas naquele tempo ela tinha que se anular. Se era esposa tinha que ser submissa mesmo. Se era solteira tinha que andar na linha. Se era viúva ela tinha que se comportar. Ou então....porque a moça então, essa tinha que andar direitinho. Pra evitar os falatórios, sabe....as más línguas. Os homens sempre foram livres! Homem podia cair e levantar que era a mesma coisa. Isso que se dizia: “Homem pode cair e levantar que é a mesma coisa”. Mulher é diferente, se cair mostra o que tem. (risos). Pra você ver que naquela época pras moças era uma dificuldade, porque os rapazes sempre se entrosam em todas (Rosa). A vida de mulher casada naquela época era mais difícil porque minha mãe queria pra ela ficar com ele até o fim. “Você arrumou, você procurou, agora você vai ficar!”. Eles separavam e voltavam, separavam e voltavam. E minha mãe que fazia ela voltar e ela dizia: “Olha minha mãe, eu tive esse outro filho por causa da senhora”. Nesse tempo era mais difícil. Porque a pessoa quando casava não era pra separar. Era pra ficar até o fim, como minha mãe. Minha mãe, quando ela casou, aliás, não foi nem minha mãe, foi minha avó. Ela era morena e ela arrumou um claro e nenhum dos dois sabiam ler. Ela (avó) fugiu, que ele (avô) levou ela pra casa dos pais dele e os pais dele disseram: “É com essa preta que tu vai casar?” Ela ouviu. Eles não disseram na frente dela, mas ela ouviu. Ela sentiu vontade de sair de lá. Nesse tempo, que 116 ela não era mais nova também, teve que aturar. Ela ficou, casou, teve 12 filhos, e ele também era de muita mulher na rua. Largou ela com os 12 filhos e aí que ela foi trabalhar. Criou os filhos fazendo bolo e botava eles pra vender, e ele na rua com as mulheres. E ele dizia que não botava nenhum pra estudar porque ele não ia botar pra as filhas escrever carta pra namorado. Aí minha avó, depois que meu avô largou ela, ela botou todos os filhos pra estudar. Ela criou sozinha e se arrependeu de ter fugido com ele. Depois de muito tempo, ele ainda ia lá visitar e ela já tinha arrumado um namorado. Naquele tempo as famílias eram grandes. A avó do meu marido teve 21 filhos. Vinte homens e uma mulher. 21 filhos....E ela era parteira (Rosário). Por outro lado, seguindo os conselhos e normas sociais daquela época, Rosa e Francisca contam que tiveram suas primeiras experiências sexuais após o casamento, com rapazes que se tornaram seus maridos. A desinformação e o desconhecimento sobre a vida de casada foram registrados, sobretudo, na narrativa de Rosa. As diferenças sociais e de idade, entre ela e o futuro marido, ainda são relembrados como possíveis empecilhos à união do casal. (...) Casei logo. Foi rápido, dois meses. Namorei, noivei e casei. Eu tinha umas paquerinhas de longe, de longe na época, mas minha filha esse aí foi meu primeiro homem fixo, com que eu perdi a virgindade, com ele que eu casei, com ele tive meus filhos. E tô aqui, ano que vem, o outro, tô fazendo quarenta anos de casada (Rosário). Eu trabalhava na loja que era dele. Eu era balconista, comerciária. Na época, eu trabalhava lá e ele era solteiro. A gente teve um namoro e eu tinha muito medo, justamente, da língua do povo. Isso me comprometia muito, porque eu tinha medo. (...) Agora desde que ele chegou em Santa Inês, tinha aquele flertezinho, aquele namorico. Depois que eu fui pra loja dele ficou mais sério e eu fiquei com medo. Eu tinha medo de me casar e não dar certo. Aí eu tinha medo. Porque ele...a nossa diferença de nível, e ele um homem já maduro e eu uma menina muito jovem e não tinha conhecimento de nada. Assim, era muito....precisava de mais conhecimento mesmo. Eu não conhecia nada da vida. Não tive orientação, não sabia fazer. Não tive....[pausa]. Relações sexuais era um outro assunto que a mãe da gente não falava. Moçinha não tinha que saber. Por isso eu era muito ingênua quando me casei. Não tinha conhecimento de nada. Depois, lendo, que eu vi algumas coisas (Rosa). 4.5.1 Desejo e Prazer em Práticas Sexuais 117 Ao falar que tinha medo que a união não desse certo, Rosa ressalta sua preocupação com a falta de conhecimento e orientação sobre o exercício das práticas sexuais. A ingenuidade que é registrada em seu relato constitui como um dos atributos que são estipulados à conduta das mulheres frente ao exercício da sexualidade. Na divisão dos papéis de gênero exigia-se, segundo Branca Moreira Alves et al. (1980), que elas fossem castas, passivas e inibidas sexualmente para que os homens as envolvessem e conduzissem nos jogos de prazer e sedução. Desse modo, Rosa e Joana continuam registrando a “falta de conhecimento” e “’vergonha” ao narrarem como eram os encontros íntimos com seus maridos: Eu fiquei viúva de marido vivo, durante muito tempo. O Fernando fumava muito, bebia muito e por ser mais velho do que eu, ele perdeu a atividade sexual, ele brochava. Aí ele ficava chateado, mas eu sempre dizia que não tinha nada não, que não era a principal coisa, quando na verdade é! É uma das principais, mas pra mim ajudá-lo pra ele não cair em depressão eu ajudava. Na cabeça dele ele queria, mas o membro não ajudava. Aí não realizava. E nisso passou foi muito tempo. Quando ele morreu, já fazia muito tempo que a gente era irmão. Que não tinha mais...da parte dele não tinha. E eu me conformava e acho que também não tinha vontade. Eu não sentia prazer. Não sabia o que era orgasmo. Só fui saber dessas coisas bem depois, lendo, conversando com as amigas. No começo ele que ajudava, mas eu ficava muito acanhada. Muito, muito, muito. Pra te ser sincera, nunca tomei banho junto com ele. Nunca fiquei despida na frente dele, pelada. Sempre foi assim reservado. Naquele momento e pronto. Ali, era sem luz. Era tudo sem intimidade. Ele não era assim carinhoso, como eu vejo o povo falando. Às vezes era brusco, muito avançado, mas aí terminava e não era assim de ter aquele carinho, como eu vejo sobre o preparo, as preliminares. Eu leio muito sobre isso. Eu olho hoje que passou tanto tempo e ficou por isso (risos). Agora que eu já tenho o conhecimento e tudo, só falta experimentar mesmo e saber (risos) (Rosa). Antes eu também não procurava meu marido. Antes eu não procurava. Eu achava que aquilo era vergonhoso, porque eu fui ensinada assim: “Que o homem que tinha que procurar a mulher”. Então era vergonhoso se uma mulher procurasse o marido! Era assanhamento! Era isso, era aquilo. Então eu não procurava porque eu tinha vergonha. Depois, um dia, ele perguntou pra mim porque eu não procurava ele. Ele chegou e perguntou pra mim se eu não sentia vontade? Foi aí que eu me abri. Eu disse que sentia, mas tinha vergonha. Ele disse que eu não devia sentir vergonha. Ai que mudou, melhorou. Antes eu não tinha coragem de chegar e tomar a iniciativa. Eu tinha que esperar. Eu achava que era assim, que tinha que ser assim. Porque eu fui ensinada assim. Eu não falava nada. Hoje já mudou. Hoje eu aprendi que a gente tem que falar o que gosta, o que 118 agrada, que dá prazer. Tem que dizer o que a gente acha, o que a gente gosta. Hoje em dia tudo é diferente. A gente vê na televisão, a gente lê. Eu gosto muito de ler. Às vezes vejo alguma entrevista. É bom se informar e saber mais (Joana). Estes trechos de relatos registram que estas mulheres foram socializadas de modo que não revelassem preferências e/ou desgostos nos encontros íntimos e nem demonstrassem interesse pelas práticas sexuais comportando-se de maneira considerada ousada, naquele contexto, ao “procurarem os maridos”. No entanto, ainda é possível perceber uma flexibilização nos papéis de gênero na medida em que Joana conta que seu comportamento modificou-se e hoje já toma iniciativa e conversa sobre as suas preferências nas práticas sexuais com seu marido. Rosa, assim como Joana, ainda narram que adquirram mais informações sobre assuntos considerados como da “intimidade” lendo revistas e assistindo matérias exibidas na mídia televisiva. Outro aspecto que cada vez mais se faz presentes cotidianamente são os discursos que incentivam o exercício da sexualidade às pessoas consideradas velhas ou idosas através de jornais impressos, revistas especializadas e reportagens de TV. A Gerontologia tem empreendido esforços no sentido de incentivar a sexualidade daqueles que são considerados velhos ou idosos e, sobretudo, refletir sobre a concepção de que a vida sexual acaba com o avançar da idade. As análises de Robert Butler e Myrna Lewis (1985) e Ricardo Iacub (2007) indicam que o desejo e prazer não acabam com o passar da idade e que o assunto é muitas vezes abordado com piadas ou brincadeiras. Isto foi percebido quando Francisca narrou que o fato de pedir um preservativo, para realizar um exame preventivo marcado pela sua ginecologista, provocou riso e, sobretudo, reação de surpresa e susto em seu filho e esposo. Iacub (2007) ressalta que reações semelhantes ou de desaprovação podem ocorrer às pessoas consideradas velhas ou idosas que manifestarem desejo sexual, que muitas vezes são rotuladas como “velha tarada/velho tarado”, “velha safada/velho safado” ou “velha depravada/velho depravado”, tal como também ressalta Simone de Beauvoir: Se os velhos manifestam os mesmos desejos, os mesmos sentimentos, as mesmas reivindicações que os jovens, eles escandalizam; neles o amor, o ciúme, parecem odiosos ou ridículos, a sexualidade repugnante, a violência irrisória. Devem dar o exemplo de todas as virtudes. (...) A 119 imagem sublimada deles mesmos que lhes é proposta é a do sábio aureolado de cabelos brancos, rico de experiência e venerável. Se dela se afastam, caem no outro extremo: a imagem que se opõe à primeira é a do velho louco que caduca e delira e de quem as crianças zombam (BEAUVOIR, 1990, p.10). Como se percebe, as práticas sociais desaprovam, muitas vezes, que as pessoas consideradas velhas ou idosas exerçam sua sexualidade, como se somente os jovens e adultos pudessem exercê-la. Butler e Lewis (1985) ressaltam que as mulheres consideradas velhas ou idosas podem ser mais repreendidas socialmente ao manifestarem desejos ou interesses por práticas sexuais do que os homens considerados velhos ou idosos, porque estes são estimulados, desde a infância, a terem muitas parceiras e grandes desempenhos sexuais. Estes modos de comportamento confirmam, mais uma vez, os padrões idealizados para os distintos papéis de gênero em “atos performativos”, constantemente reiterados socialmente, como fora apontado por Judith Butler (2003) e Branca Moreira Alves et al. (1980). A partir de estudos gerontológicos, Ricardo Iacub (2007, p.153) destaca que apesar de alguns estereótipos como, por exemplo, “a sexualidade não é importante na velhice”, “a prática sexual não é considerada normal nessa etapa da vida”, “pessoas mais velhas que enviuvarem não deveriam ser incentivadas a casar novamente” e etc., sexualidade e envelhecimento não se excluem. Os trechos de relatos de Rosário e Rosa, a seguir, registram que a falta do prazer e o anseio pela satisfação sexual perpassam suas vivências. Elas ressaltam a existência do desejo na velhice, rompendo com uma daquelas noções que atrelam o seu fim às situações como, por exemplo, a viuvez ou separação conjugal em idade avançada. Meu marido morreu há quatro anos e até minha nora perguntou se eu não sentia falta daquilo. Eu disse eu às vezes me lembro, dá saudade dele também, mas dá pra passar, dá pra passar. Vai fazer 4 anos dia 25 de setembro. Por exemplo, lá no GEN tem muitas que ainda tem marido, mas tem outras que querem encontrar um. Tem umas bem assanhadinhas (risos). Viúva lá parece que só tem eu e mais duas. O resto é casada, mas ninguém fala. Só assim quando surge uma brincadeira (...) Às vezes eu penso em arrumar outra pessoa. Tem até uma prima do meu marido que mora no Angelim e ela me disse pra botar na internet, que já apareceu um pra ela, mas eu disse que não. A 120 gente vê tanta coisa estranha acontecendo por aí né? E eu até falei pro meu filho, mas ele disse que na internet não, que tinha perigo, mas ele não vê problema se eu encontrar outra pessoa. Se eu quiser, eu sou livre! Às vezes sinto falta de ter relação. Não é todo dia, igual quando era jovem, mas sinto. Até minha nora perguntou (risos). Eu não vou mentir. A gente se lembra como era, mas aí a gente supera. Meu marido era muito carinhoso, aí isso facilitava, mas às vezes ele até se zangava porque eu não queria. Eu dizia que tava com dor de cabeça e ele ameaçava procurar outra mulher, mas ele nunca foi (risos). Passou esses anos tudinho comigo. Ele dizia isso só na hora que tava zangado. Sabe como é homem, né? É mesmo como um animal quando quer e a gente não quer. Meu filho e a mulher dele também são assim. Ela chega aqui de manhã e diz: “Dona Rosário, ele tá com raiva de mim porque eu não quis fazer aquilo ontem”. Eu me acabo de sorrir! (risos). Eles ficam zangado (risos). E assim que era meu marido também, ficava zangado e até mal, às vezes, comigo. Tem que ser na hora que eles querem, mas nem sempre a gente tá disposta né? Só que eles não querem saber. Eu falava muito que não tava com vontade porque tava com dor de cabeça. (Rosário). Uma colega minha, ela disse: “Dona Rosa, porque a senhora não arranja namorado?” Eu digo: “Luiza, eu não sei”. Ela diz: “A senhora é nova, é bonita”. Eu disse: “Luíza, não sei por quê!”. Ela diz que eu não sei olhar pros lados (risos). Eu até brinco: “Olha Luíza, eu não aprendi a olhar pros lados” (risos). Porque eu sempre vivi em função da minha família. Eu viajava, eu trabalhava, mas sempre meu plano, meu foco, era meu marido e meus filhos. (...) Depois que eu fiquei viúva eu não tive mais companheiro, mas eu acho que é muito válido encontrar uma pessoa ainda. A gente sente falta de ter relações. A mulher que disser que ela não sente, ela não está falando a verdade! Porque faz falta. É necessário. Agora, se a gente não tem, como eu não tenho, disposição de sair, de procurar fica mais difícil. Minha amiga diz: “Rosa, tu não acha porque tu só fica em casa. Tu não vai pra lugar nenhum. Só vai pra Igreja, onde não tem. Só tem os que já são tudo casado. O que é que tu quer? Vai pra outra Igreja!” (risos). A gente sente falta mesmo, porque a mulher sempre se sente...sente necessidade e também de proteção. Eu gosto muito de ler sobre esse assunto. Eu acho que é muito positiva, que é necessária. É uma necessidade. Sinto falta, sinto. Agora mesmo, semana passada, uma amiga me disse: “Tem um senhor que a senhora tem que conhecer lá à Igreja”. Aí eu fico me perguntando: “Eu não tenho coragem de sair e ir lá só com esse propósito”. Eu vou falar com ela pra ver se ele tem um e-mail, aí mando uma mensagem. Aí eu tenho coragem de me comunicar, de conversar, marcar alguma coisa, um encontro. (...) Se ela pegar o telefone dele eu tenho coragem de telefonar, me apresentar e marcar, se ele tiver interessado em conversar. (...) Meus filhos acham que eu tenho razão de encontrar alguém. Só que tem que ser um alguém especial (risos). Só que não pode 121 ser qualquer um (risos). E isso eu tenho certeza que Deus está reservando pra mim (Rosa). Nestes trechos, acima, Rosa e Rosário também registram que os assuntos considerados da “intimidade” são abordados, mesmo que tímida e superficialmente, pelos grupos sociais com os quais mantém algum tipo de relação, tal como familiares, amigos e os espaços dos “grupos de idosos”. Estas mulheres também ressaltam o anseio por novas parcerias amorosas e/ou conjugais. Elas exemplificam que outras mulheres consideradas velhas ou idosas, com as quais tem parentesco, já tiveram outros relacionamentos e, do mesmo modo, as incentivam a “encontrar uma pessoa”. As conversas destacam, sobretudo, que os jogos de sedução podem envolver técnicas consideradas mais conservadores, como a paquera, quanto pelo uso da tecnologia, como a internet e o telefone. Rosa e Rosário ainda contam como tem sido a paquera e os jogos de sedução depois que enviuvaram. Ao avaliarem se estas relações tornar-se-ão “compromissos”, projetam expectativas sem deixar de levar em conta o que foi vivenciado em seus casamentos anteriores. Angústias, alegrias, tristezas, percalços e aborrecimentos sempre são rememorados ao longo das narrativas e, de certa forma, acabam auxiliando nas escolhas por alguém “do seu nível”. Suas escolhas ainda se ancoram em valores religiosos, pois enfatizam que as futuras uniões “terão que ser abençoadas por Deus”, conforme se nota a seguir: Agora tem que aparecer alguém do meu nível. A minha irmã tem um namorado. Ela tem 75 anos e também é viúva. Ela já teve um, dois, e esse agora é até Peruano, é idoso também. Ela disse que é boa pessoa, que ela quer ter alguém pra passear, dançar e ela perguntou: “Minha irmã, tu não sente falta?” Eu digo que às vezes, mas até agora não apareceu (risos). Aqui na rua tem dois aí, mas não sei....Já mostraram interesse, mas a família de um é muito problemática. (...) O outro veio até aqui falar com meu filho (risos), mas na hora não teve coragem. Aí ele disse pra minha neta: “Ah, eu fiquei com vergonha”, mas ele não veio. Se aparecer e for uma boa companhia, que goste de Igreja, vá pra Igreja também, ter a união abençoada por Deus, porque eu vou muito à Igreja (Rosário). Eu tenho um amigo, inclusive ele é da UNITI. Ele é viúvo. A gente sempre se encontra. Ele me convida pra almoçar, a gente conversa. (...) É uma pessoa muito bacana, mas a gente tem que respeitar. E a gente 122 se conheceu, foi uma amiga minha. Uma amiga nossa, minha e dele, ela era muito amiga da esposa dele e me apresentou por telefone. Não sei como eu perguntei e ela disse: “Ah, vou te apresentar Sr. Luís”. E eu disse: “Tudo bem”. Ela me deu o telefone dele e eu liguei várias vezes até que um dia ele ligou e tudo. Ficamos de nos encontrar, conversar. E nisso, realmente nos encontramos. Foi uma alegria muito grande. Eu achei ele muito bacana. (...) Ele me convida pra jantar, me convida pra almoçar, mas a gente fica nessa de amizade mesmo. Por enquanto, né? Tô reaprendendo a namorar (risos). Ultimamente ele tá assim até mais aberto, né. Diz: “Olha, você tem que ter paciência comigo”. E quem sabe um dia vai dar certo! Pode ser. Eu espero! Ele é uma pessoa muito especial, realmente. Ele é bonitão. É um charmoso. É um “gatoso” mesmo. É muito bonito (risos). Agora ele me tem uma consideração muito especial. Quando ele passa por lá, pelo corredor da UNITI, ele diz: “Tô com saudade do abraço”. Ele é meio encabulado nessas horas (risos). Ele ficou numa turma e eu na outra, mas a gente se comunica muito. Eu ligo pra ele, ele me telefona, passa mensagem, mas tá nesse nível. Eu tenho uma esperança. Vamos ver o que é que Deus tem preparado (Rosa). Outro elemento que se percebe nestes relatos é a preocupação que o futuro parceiro amoroso/conjugal agrade e seja aceito pelos familiares. Seja por situação de viuvez ou de separação, Ricardo Iacub (2007), Robert Butler e Myrna Lewis (1985) destacam que as algumas das novas parcerias conjugais, almejadas pelas pessoas consideradas velhas ou idosas, encontram entraves que se referem tanto à aceitação social, sobretudo, à aceitação familiar. Para estes autores, as preocupações familiares se direcionam para os novos envolvimentos amorosos/conjugais, sobretudo quando estes envolvem questões de bens e patrimônios materiais possuídos por pessoas consideradas velhas ou idosas. Esta preocupação pode ou não estar atrelada ao fator idade/geração; o que pode suscitar o questionamento a respeito dos interesses que estariam ocultos e/ou dissimulados na nova parceria amorosa/conjugal. A mídia é um dos instrumentos que, direta ou indiretamente, tem colocado em evidência algumas das questões relativas à “intimidade” das pessoas consideradas velhas ou idosas, através de novelas, programas de TV e propagandas publicitárias. 123 A novela “Sete Pecados” (TV Globo, 2007), abordou o reencontro amoroso de Julieta e Romeu, casal que havia namorado no passado e que após muitas décadas separados retomam o relacionamento. A união do casal, que foi interpretado por Nicete Bruno e Ary Fontoura, foi rejeitada pelo filho dela. Este argumentava que sua mãe deveria manter a viuvez a fim de honrar a memória do pai. Para impedir que o casal se unisse, utilizou de várias estratégias, inclusive internando sua mãe em uma casa de repouso para pessoas consideradas velhas ou idosas. O filho só permite a união daquele casal depois de descobrir que o pretendente de sua mãe era um homem rico. Figura 1 – Julieta e Romeu, Novela Sete Pecados (TV Globo, 2007) Fonte: www.globo.com/setepecados Acesso em: 06 de maio de 2011. O programa semanal “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010) foi uma comédia em que a atriz Arlete Sales interpretou Copélia, uma mulher considerada velha ou idosa que destoava do modelo de avó que se preocupava com a família e com o lar. Copélia era uma mulher que gostava de andar com roupas da moda e bem maquiada. Interessava-se por festas, boates, namoros ou “ficas” com rapazes mais novos, às vezes até “deixava no ar” alguns envolvimentos amorosos/sexuais com outras mulheres. O comportamento de Copélia “escandalizava” os moradores do condomínio e seus familiares. Sempre que Copélia retornava para casa depois de passar noites, e até mesmo dias, fora de casa se divertindo, seus familiares se mostravam preocupados e questionavam seu paradeiro. As respostas, que ficaram conhecidas na forma do “bordão”: “Prefiro Não Comentar!”, incitavam muitas gargalhadas. 124 Figura 2 – Copélia, Seriado “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010). Fonte: www.globo.com/tomaladaca Acesso em: 06 de maio de 2011. Arlete Sales concedeu uma entrevista à Revista da TV, Editora Globo, de 1º de abril de 2010, na qual comentou, dentre outras questões, sobre a personagem Copélia. A atriz ressaltou, naquela ocasião, que ficou preocupada de “chocar” o público por interpretar uma mulher considerada velha ou idosa “fogosa”, tal como se nota: Arlete Sales – “Tive medo de aceitar o papel porque achei que poderia causar estranheza no público, por ser uma mulher muito livre sexualmente. E a sexualidade é um lado que causa muito medo nas pessoas. Pensei: ‘Será que ela vai chocar, principalmente as pessoas de mais idade?’ Aí veio a surpresa: ‘Quem mais aceitou a Copélia foram essas pessoas!’ Confesso que fiquei receosa de ela ser rejeitada por falar tanto em sexo, que é um assunto escondido em véus” (ANTUNES, REVISTA DA TV, p. 27, 2007). A aceitação da personagem Copélia talvez decorra do viés cômico que o autor pede à intérprete Arlete Sales, ou também do horário de exibição da série, depois das 22:00 horas. É importante lembrar que o fator “horário de exibição” estipula, de certa forma, a faixa etária dos telespectadores da série associando a indicação de idade, 14 anos, às temáticas abordadas em cada episódio. 125 Outro exemplo é o da propaganda publicitária da “Havaianas”, marca de chinelos. O comercial de TV (Figura 2) aborda formas contemporâneas de relações amorosas/conjugais em um almoço, entre avó e neta, em um restaurante refinado. Figura 3 – Avó e neta, Comercial “Havaianas Fit” (04.09.2009) Fonte: www.havaianas.com Acesso em: 22.09.2009. A entrada do ator Cauã Reymond, no mesmo restaurante, suscita o diálogo que transcrevo a seguir: - Avó: Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você! - Neta: Ah, mas deve ser muito chato casar com um famoso, né? - Avó: Quem falou em casamento? Eu tô falando de sexo! - Neta: Vó!? - Avó: E depois eu é que sou a atrasada? (risos). 126 O espanto causado na neta certamente decorre da exposição de ideias consideradas “modernas”. Alguns telespectadores também devem ter sentido a mesma reação, pois este comercial de TV permaneceu no “ar” por dezessete dias. A veiculação, principalmente em horário comercial, e a mensagem transmitida pela atriz que interpretou a avó - que registrou e apoiou encontros erótico/sexuais ocasionais entre as pessoas sem que estas tenham algum tipo de “compromisso”, como namoro, noivado ou casamento, que os legitimem – podem ter sidos alguns dos fatores que tenham ocasionado a suspensão do comercial. A gravação de outro comercial (Figura 3), como nota de esclarecimento, com a mesma atriz que interpretou a avó, explicou que o mesmo foi retirado de apresentação porque algumas pessoas se sentiram incomodadas com as mensagens transmitidas e reclamaram da propaganda. No entanto, ainda destacou que o mesmo poderia ser visto no endereço eletrônico das “Havaianas”, marca de chinelos, por aquelas outras pessoas que gostaram da propaganda. Figura 4 – Avó, Remake Comercial “Havaianas Fit” (21.09.2009). Fonte: www.havaianas.com Acesso em: 22.09.2009. Estes exemplos de novelas, programas de TV e propagandas publicitárias destacam que a abordagem de assuntos considerados da “intimidade”, dos relacionamentos amorosos/conjugais, bem como do exercício da sexualidade envolvendo pessoas consideradas velhas ou idosas são recebidas pelo público tanto com incentivos quanto com recriminações, mas o importante é frisar que os 127 meios de comunicação os colocam em evidência e discussão. Além dos programas de televisão, algumas publicações impressas como jornais e revistas, especializadas ou não nas áreas da Gerontologia e Geriatria, também abordam aquelas questões, como foi registrado por Joana e Rosa, anteriormente, e por Francisca, a seguir: (...) Hoje a gente vê tudo na televisão. Outro dia mesmo, aí no Globo Repórter, falaram sobre isso. Tem velho de setenta anos aí em forma, namorando, saindo. E as velhas também, mas tá certo que não é mais como antigamente, fazendo todo dia, ou um dia sim e um dia não, mas isso aí ainda rola, como dizem por aí (risos). É assim, nós tamos vivos e temo vontade. Mudou e muda tudo, é a idade. Eu já tenho sessenta e três anos e meu marido tem sessenta e oito anos, mas a gente ainda tem vontade, ainda tá vivo. Hum..aqui ainda não morreu nada, sempre sentindo prazer, e ele procurando me agradar, mas menino...graças a Deus tá tudo vivo ainda (risos). Essa colega minha aqui diz que o marido dela não quer mais saber dessas coisas, que ele chama ela até de irmã. O bichinho não faz mais nada. Ele é da idade do meu marido, mas tá quebrado porque ele já foi mais mulherengo de que o meu. Agora ela, ela tem sessenta e sete anos, e diz que tá bem com uns três anos que ele não quer saber de nada. Eu digo pra ela que desse jeito ela vai ficar morta (risos). Isso Deus botou na gente pra gente se espertar, aproveitar enquanto ainda pode que depois, mais velho, que não vai fazer. Que negócio é esse de ficar um olhando pra cara do outro e não fazer nada? Onde já se viu. Não, mas menino...! Sabe o que é isso também? Eu acho assim, que a pessoa, veja no meu caso, claro que meu marido me procurando, eu tenho que servir ele, porque isso aí faz parte. Eu digo que eu sou mais assim ativa porque eu não me entrego (Francisca). Hoje eu vejo que os idosos tem que namorar, aproveitar também. O povo pensa que porque está velho não pode namorar. Não. Isso aí tudo mudou hoje em dia. Quantos deixaram de namorar, na terceira idade, só de ouvir outras pessoas dizer que não podia mais. “Ah, não faz mais nada”. Aí aquilo vai morrendo, vai parando e hoje em dia a gente vê que não é assim. A gente já sabe que é até bom pra própria saúde da gente. É bom pro bem estar. É falado muito lá na UNITI, mas nós não tivemos aula diretamente sobre esse assunto. É falado sempre. Pra algumas pessoas tem problema de falar disso. Tem algumas pessoas, eu até acredito, que devido à criação. A maioria teve uma criação mais rígida e tem dificuldade pra conversar, mas eu acredito que mudou e tem muita gente que já tem outros pensamentos. Eu ainda tenho relações com meu marido. Sinto prazer e tudo, mas quando eu comecei a entrar na menopausa, com 42 anos, eu tive dificuldade. Eu tinha a dificuldade porque o prazer era mais difícil. Porque eu sentia que, no caso, a vagina da gente fica muito ressecada. [Pensativa]...No 128 meu caso, na menopausa, logo no início eu senti uma mudança muito brusca. A gente não quer conversar com as pessoas, a gente quer se isolar. Se bem que em mim foi uma coisa muito passageira. Eu não tive muito assim. Eu tinha preocupação porque minha mãe teve. A minha mãe, na menopausa, ela teve muito doente. Logo no início eu achava que eu também ia passar pelo que ela passou, mas aí eu acredito que eu não tive porque quando eu terminei, parei com 45 anos, mas não foi assim direto. Eu acho que isso ajudou (Joana). Francisca e Joana narram que ainda mantém relações de foro mais íntimo com seus respectivos maridos. Os seus relatos valorizam o exercício destas práticas talvez em decorrência da influência dos variados discursos com os quais mantém contato, como de publicações, especializadas ou não, da mídia, dos espaços dos “grupos de idosos” que participam e das conversas com amigos e familiares. Estas mulheres também ressaltam alguns dos problemas fisiológicos que podem interferir nas práticas da intimidade de pessoas consideradas velhas ou idosas. Segundo Robert Butler e Myrna Lewis (1985), as maiores complicações são a impotência sexual e a menopausa47. As complicações de impotência sexual masculina são lembradas tanto por Francisca, que contou a situação vivida por um casal de pessoas consideradas velhas ou idosas que reside ao lado de sua residência, quanto por Rosa, que contou os problemas de ereção que seu marido teve, em outra ocasião. As causas da falta de ereção estão ligadas, segundo algumas publicações especializadas, a fatores emocionais e orgânicos como cansaço, tensões, aborrecimentos, doenças e bebida alcoólica em excesso. O acompanhamento médico, através de terapias psiquiátricas, ainda pode ser necessário uma vez que aqueles fatores tenham sido solucionados e a falta de ereção persista. Alguns medicamentos também auxiliam os homens considerados velhos ou idosos que não conseguem ter ou manter a ereção. Nesse sentido projetaram-se as chamadas 47 Os especialistas da área da saúde destacam que estes processos podem acontecer em qualquer momento da idade adulta, pois são processos fisiológicos e, como tais, são difíceis de serem precisados cronologicamente. Assim, algumas pessoas podem senti-los mais cedo e outras, mais tarde (Butler e Lewis, 1985). 129 “garrafadas” (bebida que reúne algumas ervas) e os medicamentos farmacêuticos (como a pílula Viagra) 48 , cujo objetivo é estimular a ereção nos homens que os utilizarem. Entre as mulheres, os discursos mais constantes destacam que as maiores complicações referem-se ao período da menopausa. Os sintomas mais característicos são a diminuição das taxas hormonais de estrógeno e progesterona, interrupção da ovulação, suspensão do ciclo menstrual, calor excessivo e mudanças abruptas de humor. Apesar destes sintomas característicos, Ricardo Iacub (2007) ressalta que eles não serão sentidos por todas as mulheres, uma vez que a menopausa é um processo fisiológico que comporta variações orgânicas; tais como aquelas registradas por Rosário e Francisca, a seguir: E quando eu entrei na menopausa, eu nem sabia. Eu nem fiz tratamento. A minha mãe também nunca fez tratamento. Nunca ouvi ela falar. Eu me consultei porque eu pensei que tava grávida. Com 45 anos começou a menstruação a parar, aí eu pensei que tava grávida. Eu ia até tomar remédio, que minha prima disse que tinha um muito bom pra descer, mas aí na outra semana veio a menstruação. No dia que eu fui comprar o remédio, desceu. Ai começou a vir de novo normal, mas tratamento eu não fiz. A única coisa que eu sinto hoje é uma quentura na cabeça. (...) Agora mesmo, mês retrasado eu fiz preventivo e a doutora disse que tinha um problema de ressecamento, que não tava úmida, tava seca né, e passou um remédio. Tinha também uma inflamaçãozinha, mas aí eu cuidei e tá tudo certo agora. Não tenho coceira, não tenho corrimento. Quando eu era mais jovem, eu tinha, mas agora parou, não tem nada. Sempre eu faço também exame de sangue, pra cuidar a saúde. Tem até que marcar. Agora meu marido não era assim. Ele reclamava que eu só vivia no medico (risos) (Rosário). Eu sempre tive uns problemas de saúde, mas nessas coisas de mulher não. Por incrível que pareça, eu não sentia cólica, só tive dor de parto, nem na menopausa eu num senti nada como eu vejo o povo falando aí de uns calores (risos). Cheguei até a tomar Cálcio, mas não 48 A pílula para o tratamento de disfunção erétil nos homens, popularmente conhecida como Viagra ou “azulzinho” (denominação em referência a sua coloração), fez com que a impotência sexual dos homens considerados velhos ou idosos já não fosse um problema nas relações sexuais. Segundo Mauro Brigeiro e Ivia Maksud (2009), a pílula foi lançada pelo laboratório Pfizer em abril de 1998, nos Estados Unidos, e em junho, daquele mesmo ano, no Brasil. 130 tomei hormônio. Cálcio eu cheguei a tomar uns três vidros, e pronto. Eu faço meus exames de rotina e nunca dá nada. Agora eu vou fazer de novo, ne?. Nem ressecamento na vagina eu sinto, mas sabe por quê? Eu não sinto nada de inflamação ou de outra coisa porque minha avó, tu sabe o que ela fazia? Ela fazia, fazia não, ela mandava buscar lá nos matos pra mim comer Jatobá. Eu comia e eu gostava tanto daquela massinha. Ela é dessa grossura [gesticula mostrando] e quando tá no ponto de comer você quebra, que a casca é dura, e come normal mesmo (Francisca). Percebe-se que o processo da menopausa foi marcado pelo desconhecimento para Rosário e Francisca. Esta situação se aproxima das idealizações dos papéis de gênero, destacadas por Branca Moreira Alves et al. (1980), segundo as quais as mulheres deveriam ser castas, ingênuas e, principalmente, desconheceriam os próprios processos de mudanças corporais. Rosa e Joana compartilham dos mesmos desconhecimentos, porém vivenciaram o período menopáusico com alguns problemas. O tratamento de reposição hormonal, feito até hoje, ajudaram Rosa a driblar as complicações que sentia, sobretudo, as hemorragias. Para Joana, o ressecamento vaginal foi registrado como a maior implicação da menopausa, interferindo principalmente nas relações sexuais com seu marido, tal como se percebe: Tô me sentindo ótima (risos). Com regime e sem passar fome, sem deixar de me alimentar bem e estou controlando todas as taxas. Agora mamografia também. Eu faço acompanhamento ginecológico. Já estou com data marcada pra levar resultado de mamografia e ultrasonografia. A mamografia eu faço de ano em ano e a ultrasonografia faz de seis em seis meses. Acredita que eu entrei na menopausa com trinta e cinco anos? Isso mesmo. Foi muito cedo, muito precoce. Com trinta e cinco anos eu já estava na menopausa. Eu sofri muito porque tive hemorragia, mas eu comecei a fazer o acompanhamento. Daí eu comecei a fazer reposição hormonal. E isso eu faço ate hoje. Sempre fazendo, então os médicos recomendam que a gente tem que se cuidar (Rosa). Eu vim parando aos poucos. Tinha mês que eu menstruava, tinha mês que não. Aí eu passava três meses sem menstruar e quando eu menos imaginava vinha. Eu não cheguei a ter....assim.....calor, aquele calor insuportável! E às vezes baixava uma depressão....um início de depressão. Em outro tempo eu jamais falaria ou chegaria pra falar isso pra médica! Hoje em dia eu já chego e falo pra ela a situação. Quando a 131 pessoa entra na menopausa o prazer diminui, mesmo pelo fato dos hormônios que mudam tudo. E a gente sente a dificuldade na penetração. Quando a vagina da pessoa tá ressecada, ela não vai sentir prazer. Ela vai sentir é dor ou arder. Então, hoje em dia já tem os cremes que a gente pode usar. E isso já melhora muito. No meu caso eu já uso creme direto e eu deveria tomar hormônio, mas aí como eu já sou operada do seio a médica achou melhor eu não usar hormônio. Eu já tirei um nódulo. No começo eu não falei nadinha. A mudança é muito brusca. Eu não cheguei logo e me abri com meu marido não. Logo de imediato, não. Eu passei em alguns médicos, que eu também não tinha coragem de falar dessa dificuldade. Aí foi quando eu conheci a Dra. Socorro e ela começou a fazer perguntas e aí eu comecei a me soltar mais. Eu já tive coragem de perguntar as coisas. Eu já tinha passado em outras médicas, mas mesmo assim não falava. (...) Com ela não precisou nem eu chegar e falar logo. Depois que eu conversei com ela aí que eu já fui conversar com meu marido. Aí ele entendeu minha dificuldade. Antes eu vinha seguindo o mesmo exemplo da minha mãe. Assim, não era o mesmo, o mesmo [bem enfática], mas muita coisa veio mudando aos poucos. Às vezes é um a opinião aqui de uma colega.....Eu tenho algumas colegas que conversam comigo e já dou até certos conselhos com as colegas que vem e se abrem comigo. Quer dizer, já converso porque antigamente eu tinha vergonha, eu não falava. Eu tinha vergonha porque eu aprendi assim. Eu não procurava porque achava que era vergonhoso, que o certo era o homem procurar, mas hoje mudou (Joana). Expor as dificuldades e angústias nas práticas sexuais causadas pelo ressecamento vaginal a alguns ginecologistas se constituiu uma tarefa impossível para Joana, uma vez que a vergonha a rondava. Conversar com seu marido sobre suas preferências mais íntimas também era algo “impensável” para ela. Estas atitudes indicam os vínculos com elementos dos processos de sua socialização e das demais moças que nasceram nas décadas de 1930 a 1950, contexto no qual perpassavam alguns discursos como: “mulheres são educadas para fazer isto e não fazer aquilo”. Nesse sentido, ao compararem, igualarem e projetarem seus comportamentos aos de seus familiares, amigos e outras pessoas que foram conhecidas ao longo de suas vidas, Rosa, Joana, Francisca e Rosário registram variados processos de mudanças e permanências nos padrões idealizados para os papéis de gênero. CONSIDERAÇÕES FINAIS 132 Trabalhar com o recurso da Memória possibilitou registrar as histórias de vida de mulheres, consideradas velhas ou idosas pelos critérios etários, e nelas perceber processos constitutivos da formação dos sujeitos, principalmente atos performáticos que demarcam e diferenciam os gêneros em pólos opostos e excludentes. Em se tratando do registro de histórias de vida, o ato de rememorar pode parecer individual, uma vez que reúne relatos de si, mas Rosário, Joana, Francisca e Rosa destacam que as recordações estão apoiadas no processo de interação com os indivíduos e grupos sociais (família, escola, igreja e trabalho), o que se aproxima das assertivas de Maurice Halbwachs (2006). Como um livro, estas mulheres apresentam, à medida que cada página é lida, personagens principais e secundários com os quais compartilharam experiências, lugares onde viveram e acontecimentos que consideraram significativos. Suas trajetórias de existência projetam os quadros sociais da memória, pois as narrativas condensam uma riqueza de informações. No entanto, estas não foram exploradas em sua totalidade, visto que recortes e escolhas precisam ser feitos em um trabalho dissertativo, entretanto indicam outros pontos que podem ser desdobrados em trabalhos futuros. Ao percorrerem os caminhos trilhados, ao longo da passagem do tempo, Rosário, Joana, Francisca e Rosa ressaltam os movimentos de avanços e recuos da memória, pois o ato de rememorar não é linear ou cronológico. Em várias oportunidades elas invocam lembranças presentes e recorrem às vivências do passado quando exemplificam, avaliam, criticam ou reforçam modos de pensar e agir. A Memória também revela que vivências destas mulheres são atravessadas por concepções, ideais e valores que permeiam no imaginário social. Em vários momentos, as narrativas de Rosário, Joana, Francisca e Rosa ressaltam e avaliam processos de mudanças, permanências e entrelaçamento entre concepções consideradas conservadoras e contemporâneas sobre, por exemplo, família, casamento e trabalho. 133 Através da rememoração as narrativas articulam experiências vividas no passado às da atual conjuntura e apontam para a construção da divisão de especificidades de gênero polarizada, segundo a qual o vetor das diferenças sexuais justificariam as atribuições dos papéis de gênero e consolidariam a distinção entre “natureza feminina” e “natureza masculina” em pólos excludentes e opostos. Rosário, Joana, Francisca e Rosa nos fazem perceber que as especificidades de gênero são construídas ao longo das diferentes etapas da vida. Os atributos que configuram a masculinidade e a feminilidade vão sendo apresentados, distintamente, a meninos e meninas, desde a infância, a fim de que estes comecem a assimilar e se comportar de acordo com o que é/será esperado socialmente de homens e mulheres ao longo de suas vidas. Assim, o sistema binário do gênero vai sendo constituído a partir das vivências cotidianas com o grupo familiar através de atos performáticos constantemente reiterados, tais como a hierarquia do núcleo familiar (papéis materno e paterno), as brincadeiras demarcadas, especificamente, “para meninos” e “para meninas”, a vigilância dos pais sobre os horários das brincadeiras, o controle das escolas a respeito das vestimentas e dos modos de se comportar, sobretudo, das meninas e os cuidados e controles frente aos namoros juvenis. Revistas e jornais, de circulação nacional e local, também destacavam a configuração performática de uma identidade feminina que orientava as mulheres a cuidar de maridos e filhos e das tarefas domésticas. No entanto, embora tais traços constituíssem representações socialmente esperadas das mulheres, nas décadas de 1950 e 1960, as práticas cotidianas apresentavam situações contrárias àqueles ideais como, por exemplo, separações conjugais, prática de relações sexuais em uniões não oficializadas, gravidez sem vínculo conjugal e etc. A “identidade feminina” também é construída por outros elementos que estão atrelados aos cuidados que as mulheres deveriam ter com a beleza (uso de produtos de maquiagem, acessórios de moda e tratamentos de cabelos) e pelos atributos de fragilidade, pureza, passividade, castidade, sobretudo em questões de foro mais íntimo como práticas sexuais. Nesse sentido, a divisão dos papéis de gênero estipulava que as mulheres não demonstrassem interesse, 134 descontentamentos e/ou preferências nas práticas sexuais, não tivessem encontros íntimos antes do casamento e não conhecessem as mudanças corporais que viveriam no que se refere, principalmente, à menstruação, perda da virgindade, maternidade e menopausa. Estes comportamentos vão, ao longo da passagem do tempo, configurando padrões idealizados para os distintos papéis de gênero em “atos performativos”, tal como aponta Judith Butler (2003). Entretanto, mudanças e permanências nos papéis de gênero são perceptíveis no modo de criação dos filhos, netos e bisnetos, nos valores e concepções que contemporaneamente circulam entre as variadas gerações. Em alguns casos a flexibilização dos papéis de gênero é ressaltada como positiva, e em outros, como negativa. Essa avaliação depende, em suma, dos referenciais (religiosos, familiares e morais) que direcionam as vivências de Rosário, Joana, Francisca e Rosa. A participação nos espaços institucionais dos grupos de idosos, GEN e UNITI, também se destaca no processo de flexibilização dos papéis de gênero. Talvez em função do discurso oficial daqueles grupos, que valorizam e incentivam o processo de envelhecimento com atividades prazerosas e combatem ideais de inatividade e decadência atrelados ao envelhecer, estas mulheres reavaliam suas vivências e apresentam um estilo de vida no qual as mulheres cuidam mais de si do que das tarefas domésticas e cuidados de filhos e marido. Assim, se algumas vezes o sistema de demarcações dos papéis de gênero aparece polarizado e fixo, em outras projeta mudanças e mobilidades forjadas ao longo da passagem do tempo nas práticas cotidianas. Nesse sentido, a memória e outros instrumentos como, por exemplo, revistas, novelas, propagandas de TV se constituem como aportes que demonstram processos de (des)construção dos papéis gêneros nas vivências de Rosário, Joana, Francisca e Rosa. REFERÊNCIAS 135 ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004. 2ª ED. ALMEIDA, Fabiana. Idosos em Instituições Asilares e suas Representações sobre Família. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de PósGraduação em Sociologia, Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2000. ALVES, Branca Maria Moreira; ROMANI, Jacqueline Pitanguy de; BARSTED, Leila de Andrade Linhares; HEILBORN, Maria Luíza; RIBEIRO, Mariska e BOSCHI, Sandra. Sexualidade e Desconhecimento: a negação do saber. In: Vivência – História, Sexualidade e Imagens Femininas. BRUSCHINI, Maria Cristina; ROSEMBERG, Fúlvia (Orgs.). São Paulo, Brasiliense, 1980. ALVES, Carla Maria Lobato. VIVÊNCIAS DE VELHOS E SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA. 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O Cruzeiro (1958), Rio de Janeiro-RJ. Jornal das Moças (1958), Rio de Janeiro-RJ. 144 ANEXOS 145 ROTEIRO DE APRESENTAÇÃO - Qual sua idade? Em que cidade nasceu? - Quando veio para São Luís, MA? - Em que seus pais trabalhavam? - Quantos filhos eles tiveram? - Quais as lembranças de sua infância? - Como foi a sua criação? - Como era a criação de homens e mulheres? Quais eram as brincadeiras daquela época? - Estudou até que série? - Trabalhou? Como era seu trabalho? - Qual seu estado civil? - Tem filhos, netos? Fale sobre a criação deles. - Percebe diferenças no modo das criações de filhos e netos? - Quais as lembranças de sua juventude? O que costumavam fazer, que lugares freqüentavam? - Como conheceu seu marido? Como foi/é seu casamento? - Como se interessou por grupos de idosos, como GEN e UNITI? De que atividade participa? - Como tem sido as experiências neles? - Com que idade menstruou? Com quem conversava sobre o assunto? - Com que idade foi sua primeira experiência sexual? Como foi essa experiência? - Percebeu mudanças corporais com o avançar da idade? - Como foi o período da menopausa? O que sentiu de diferente em relação a seu corpo? - Tem vida sexual ativa? Como tem sido a busca de prazer e satisfação sexual com o avançar da idade? 146 ROSÁRIO Eu tenho 70 anos. É difícil hoje em dia alguém chegar nessa idade. Eu nasci no Piauí, na capital Teresina. Eu vim pra cá, minha mãe disse, que com 4 anos. Eu vim com meus pais e meus irmãos. Nós éramos quatro irmãs e a mais nova veio com 11 meses. Eu era a segunda das filhas. Meu pai veio pra cá transferido. Ele era jogador. Ele chegou aqui e mandou buscar a gente...a família era nós e minha avó. E estamos aqui até hoje. Aí minha mãe já morreu, meu pai já morreu, meu marido já morreu e estamos aqui. Minha mãe trabalhava na Fabril. Há 4 anos sou viúva. Eu tive cinco filhos, mas morreu um e ficaram quatro. São dois casais. Todos são casados. Mora uma, no Anjo da Guarda, outra, no Pará, um, na Liberdade, e o outro veio morar comigo. Já tenho até bisnetos (risos). São 16 netos e 4 bisnetos. A minha criação foi muito rígida. Meu pai não queria que a gente fosse nem na janela!! Quando a gente avistava e dizia: “Lá vem papai!”, ele já dizia “O que tu já tá fazendo na janela? Entra logo!”. Ele não deixava a gente sair. A noite, passou das 18:00 horas, a gente tinha que tá dentro de casa. Era desse jeito! Ele não batia não, mas só ele olhar e falar todo mundo obedecia. A minha mãe trabalhava e chegava em casa só a noite. Então quem me criou mais foi minha avó. Ela criava assim....Não queria pra gente fazer nada, né? Ela queria fazer tudo e minha mãe chegava às vezes na hora do almoço só pra comer e saía de novo pra fábrica. Quando ela vinha na hora do jantar, era jantar e dormir. No outro dia ela ia pro serviço... Minha avó criou assim, sem deixar fazer nada. Estudando só... Eu fiz até a 6ª porque meu marido era igual meu pai. Não deixava sair, não deixava estudar. Ele dizia que quem quisesse estudar não tinha casado. Ele não deixou eu terminar os estudos. Eu casei....deixa eu ver.....eu casei com 17 anos. Meu pai não queria a gente na porta. Às 19:00 horas já queria todo mundo dentro de casa. Não queria ninguém em rua e quando ele não gostava só fazia olhar pra gente e não dizia nada. Aí quando ele tomava umas duas cervejas é que ele ia conversar. Falava que não queria assim, que tinha dito pra gente.....um monte de coisa! De vez em quando dava uns bolos nas mãos (risos). Só que ele não era de bater não, nem de espancar, mas só com o olhar dele a gente já sabia que tinha feito algo errado. Aliás, eu nunca apanhei de meu pai, mas no meu irmão ele dava mais porque ele mandava fazer uma coisa e ele ia jogar bola. Ele demorava e quando chegava é que ele ia conversar e às vezes dava surra nele. Meu marido não queria pra mim trabalhar, nem terminar de estudar. Se eu quisesse estudar que não tivesse procurado marido e casado. Era pra cuidar dos filhos. E eu não estudei mais, nem trabalhei. Não queria pra mim estudar, nem fazer nada...nem trabalhar. Aí, mesmo assim, eu trabalhava em casa, eu fazia unha, eu costurava e ajudava ele, mas tudo em casa. Aí eu comecei a fazer cursos e com isso aí ele não se importava. Eu fiz curso de cabeleireiro, de manicure. Nesse tempo no SENAC não se pagava nada, era grátis. Eu 147 fiz lá. Ele não queria que eu trabalhasse porque ele disse que ele conhecia e via como era esse negócio de patrão com empregada, que tomava gosto e até meu pai também falava isso. Ele não queria pra mim trabalhar porque ele trabalhava numa repartição e sabia de patrão que ficava tomando gosto. E ele dizia: “Não, mulher minha não vai trabalhar!”. E minha mãe, quando meu pai morreu....Meu pai morreu com 36 anos. E nesse tempo era preto fechado, de mangas compridas. Ela passou 2 anos de preto fechado, depois 6 meses de branco e preto, depois ela começou a usar assim estampadinho. E depois de viúva ela não casou mais, não quis saber. A criação dela também foi muito rígida. Ela não casou mais, foi trabalhar pra cuidar da gente. A gente morava em casa alugada aí que depois disso que nós fomos estudar. Nessa época ela [mãe] trabalhava na Fabril, de Cezar Abud. Aí ela terminou de nos criar e foi o tempo que depois eu casei e tinha também a mais nova casada [irmã mais nova]. Eu casei e meu marido não queria pra eu fazer nada. Meu pai não queria, e com ele foi a mesma coisa. Não queria pra mim ir na quitanda, em feira. Ele que ia. Ele dizia que era porque tomavam gosto lá também. Não respeitavam ninguém. Ele conhecia porque antes dele ser da Polícia ele trabalhou muitos anos na feira como barbeiro. Ele tinha uma barbearia na feira. Ele ficava lá e sabia de tudo. Aí eu fui criada nisso e até hoje é muito difícil eu ir em quitanda, em feira. Às vezes vou lá no João Paulo, mas pra feira assim, fazer compra, não. Meu filho que vai, minha nora.....às vezes eu vou com ela. Aí depois, quando meu marido já tava aposentado, foi que ele não queria mais sair foi que ele começou a me mandar fazer compra em supermercado. Aí eu ia com minha nora. Aí a gente ia porque ele não tinha mais o ritmo pra fazer. Aí ele faleceu e eu fiquei com meu filho e minha nora. E com os meus filhos foi quase igual a minha criação. E hoje eles me respeitam, graças a Deus. (pausa). Eu criei meus filhos botando pra fazer as coisas. Tive duas meninas e dois homens, mas depois a minha sogra, mãe de meu marido, que ele era filho único, quando o esposo dela faleceu, ela veio morar com a gente. E ela fazia tudo! Acredita que eu não fazia nada? Eu não encontro hoje em dia uma sogra dessas! Ela era melhor que minha mãe. Ela lavava, ela gomava, ela cozinhava. Meus filhos não faziam nada, ela não deixava. Era só pra estudar. Nenhum tá formado porque não quiseram estudar. Eles fizeram só curso né...de informática, o outro fez de segurança. Eles só terminaram o segundo grau. Não quiseram saber de faculdade. Esse, que mora aqui comigo, só fez curso também. Ele trabalha na portaria, de vigilante. O outro é chefe administrativo de uma empresa e as meninas não trabalham, nenhuma delas. Ela foi criada com uma família. Ela não conheceu nem pai, nem mãe. Era cearense e veio pra cá cuidada por uma família. Essa família não botou ela pra estudar nesse tempo. Ela dizia que subia num banquinho pra gomar roupa. Ela foi acostumada nisso e casou. O marido dela era mulherengo, tinha muita mulher na rua e ela começou a trabalhar de novo em casa de família. Quando meu marido começou a trabalhar e ganhar melhorzinho, ele disse que a mãe dele não ia trabalhar mais. Ele dava o dinheiro pra ela. Foi o tempo que o marido dela faleceu e ela 148 veio morar com a gente. A gente brigava pra eu fazer as coisas, mas não tinha jeito. Ela queria fazer tudo (risos). Era o costume. Ela ainda morou 14 anos com a gente e faleceu. Eu gostava muito de brincar de pula corda, de roda, jogando pedrinha....é...é...cancão. Era jogando a pedra nos riscos, nas janelas e pulando. É, hoje conhece como amarelinha. Era cancão. Tinha o céu e tudo. Eu brinquei muito disso aí, mas só no quintal de casa, na rua não. Era só no quintal e na porta de casa. Tinha também pegador, mas eu nunca gostei. Agora às 18:00 horas tava todo mundo dentro de casa que mamãe não deixava. Eles gostavam de brincar de bola, futebol. E nesse tempo eles usavam até aquele chambrão (risos), minha avó fazia pra eles. Fazia com os retalhos, aí emendava tudinho na mão e fazia. Uma vez meu irmão foi não sei pra onde e foi de chambre e começaram a chatear ele (risos). Ele era garoto, pequeno, e se escondeu atrás do poste com vergonha porque diziam que era roupa de menina. Ai depois minha avó fez macacão pra ele e o outro, que era roupa de menino. Quem custava mais pra dormir era minha irmã, mas às 18:00 horas tava todo mundo em casa, mas a gente dormia às 20:00 horas. Era desse jeito, sem tá em porta, porque meu pai não queria. Não era de tá conversando com colega, nem em casa alheia. Meu pai era muito rígido. Minha mãe trabalhava, não era tanto assim, mas minha avó que cuidava da gente. Ela faleceu com 101 anos e ela tava lúcida. Às vezes mandava a gente comprar uma coisa, que ela gostava de comer um pirão, arroz de toucinho, essas coisas....Ela nunca teve problema, gostava de comer essas coisas e comia. E meus filhos também foram criados assim. Eles gostavam de futebol. Até hoje eles jogam de vez em quando. Os netos também. Nunca brincam com menina, nem bonequinha, nada disso. As meninas brincavam de boneca, tinha elástico e corda também. Agora os meninos é só futebol. Vem desde o avô, de meu pai, meu marido também, e agora meus filhos, netos...tudo é futebol. Tinha muita diferença na criação de hoje, se tinha [enfática]! Meu pai, se a gente mandasse um nome era uma coisa terrível.. Hoje as coisas estão muito diferentes. Eu digo muito pra minhas netas que naquele tempo as coisas eram mais pesadas. Era mais rígido. Hoje em dia mesmo os namoros tão em primeiro lugar, são diferentes. Antigamente era assim: a gente sentava de um lado, o rapaz do outro e a mãe e o pai no sofá da sala. Eu namorei, mas nunca namorei em casa. Mesmo antes de meu pai morrer eu namorava escondido. Quando ele faleceu, eu também namorava escondido porque minha mãe não queria. Aí eu namorava escondido (risos), mas quando dava 20:00 horas eu tava em casa (risos). Às 18:00 horas ou às 19:00 horas eu já tava procurando o caminho de casa. Então quando ele era vivo, ele não deixava, não queria, e ela também, a mesma coisa. Hoje em dia é diferente. Por exemplo, eu vejo minhas netas aí e meu filho fala pra mim: “Minha mãe, naquele tempo era assim, mas agora é diferente. A gente não vai prender, não pode proibir, em bater”. Olha hoje não se bate, mas meu marido quando batia no meu filho era pra valer. Era pra espancar. Esse mais velho apanhou foi muito porque era o mais teimoso. Ele apanhava mais e as 149 meninas, não. E ele quis criar o filho dele, o meu neto, quase igual, mas agora o menino já ta tomando jeito, tá bem melhor. Ele se converteu, foi pra Igreja. A filha dele, a mais velha, só saiu de casa casada, como a criação do pai, o meu marido. Ele disse pra ela: “Se não quiser casar, você some, mas aqui não quero nem saber”. Ela casou porque tava grávida e tão juntos até hoje. Pra mais nova ele disse logo: “Olha, se tu aparecer grávida, não quero saber. O pai tem que assumir”. Ele tá mandando estudar, dando oportunidade, mas se ela não aproveitar, o que se pode fazer? Hoje em dia o pessoal não quer mais casar, só quer ficar, morar logo junto. Esse namorado da mais velha queria morar junto, mas o pai dela não deixou. Hoje em dia ele libera, não prende, mas conversa tudo. Até roupa naquele tempo era diferente. Eu tinha um vestido, que o zíper, era de lado e às vezes ele abria um pouco e isso causava a maior coisa se o corpo aparecesse. Precisava ver....minissaia, vestido cavado, era tudo coisa das mulheres lá de baixo, que eles chamavam de mulher da vida. Nesse tempo o Quartel era lá embaixo, lá na 28. Meu marido trabalhava lá no Quartel, nesse tempo, na Polícia. ....A criação de meu pai foi muito rígida. A gente não sabia de nada. Quando ele tava, às vezes, no quarto com minha mãe e minha irmã passava, a caçula, que era a mais curiosa, ele dizia: “Essa menina fica passando aqui toda hora! Não sei o que ela quer aqui”! Eu era mais quieta, mas minha irmã era mais curiosa. Ele era muito rígido mesmo. Não deixava ir pra parte nenhuma. Se a gente ia num aniversário, por exemplo, às 20:00 horas tinha que tá em casa. Meu pai não batia, mas era rígido. Muito, muito, muito mesmo. Era muito difícil ir. Nem ele ia acompanhando. Tinha uma vizinha, lá junto de casa, que era muito amiga né e quando ela fazia algum aniversário, convidava a gente, mas uma vez eu fui escondida, que nesse tempo tinha Vesperal. Era o baile do Moisés, era conhecido. Eu cheguei cedo, mas nunca mais fui. Quase que eu não entrava em casa. Depois nunca mais fui, nunca mais dancei. Começava, naquele tempo, às 17:30 horas, assim pra jovem e adolescente, e terminava às 22:00 horas. Pros adultos começava essa hora. Encerrava um pra começar o outro. Fui no de adolescente. Cheguei lá tava todo mundo fantasiado [fala como fisionomia de desespero] e só nós que tava sem máscara. Fui eu e mais duas colegas. Ficamos lá e todo mundo dizendo: “Eu te conheço! Eu te conheço!”. Eu só disse na hora: “Pronto, nós tamos perdidas! Todo mundo vai saber agora que nós tava aqui.” E de fato a minha mãe soube. Ela também brigou muito comigo. Ela e meu pai, mas também só fui nesse. Nunca mais fui. Eu fui pra um também no interior. Meu tio morava lá e eu fui passar um carnaval lá e lá tinha baile de moça, de casadas e os de solteiras. Tudo separado. Hoje em dia não, é tudo junto. Foi em Pindaré Mirim, que minha tia e meu tio moravam lá. Tinha o Luis Rocha, que já faleceu, foi governador, esposo de Teresinha Rocha. E ela era sobrinha da mulher do meu tio. Eles eram de lá. A gente chegou lá e convidaram pra ir. E lá nos fomos. Como eu disse, lá era separado. Tinha os de casadas, de solteiras, que era como chamavam as raparigas, e os das moças. As solteiras eram as mulheres que tinham amantes. Eram três, separados. Cada um tinha o seu salão. 150 A Teresinha convidou e nós fomos com ela. Eram bailes de carnaval também. Tinha música, o povo ia pra dançar e namorar, mas sem máscara. Era muito marcada a separação naquele tempo! Nos colégios também era tudo rígido. Qualquer coisa eles descobriam logo. Agora não. Antes se descobrissem que a pessoa tava grávida, falavam logo. Agora já está mais liberado, né? Agora eu, eu já fui namorar quando meu pai já tinha falecido e minha mãe já era mais aberta. Ela deixava a gente sair um pouco. Às vezes ela não queria, porque minha irmã caçula tava namorando e era muito nova e eu nesse tempo era solteira, então ela não brigava comigo. Eu, como era mais velha, ela queria pra eu sair. Arrumei um rapaz e ele casou comigo. Ela gostava muito dele e ele era desse tipo aí. Era machista, de que mulher não podia estudar, não podia trabalhar. Foram mais de 40 anos minha filha....46 anos. Vai fazer 4 anos da morte dele no dia 25 de setembro. Ia fazer 50 anos de casada. Ele morreu com 72 anos. E hoje em dia o povo não quer nem casar. Por exemplo, uma neta minha, que minha filha criou, ela arrumou um namorado e o pai não quer. Tá dizendo que o rapaz não presta, mas ela quer e o pai que não quer. Ele tá preocupado porque ela tem 16 anos e ele tem 25 ou 26. O pai acha que o rapaz tá seduzindo ela. Ele tá com medo dela engravidar. Agora ela tá louca por ele. Naquela época era difícil pra mãe criar um filho. Sozinha, era muito difícil. Não tinha essa história de pensão, de ajuda. Eu me lembro que quando eu era moça, meu pai ainda era vivo, e ele me botou pra aprender datilografia lá perto do Hospital Geral [Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho], no Centro, lá com uma senhora, Dona Gilda, mas ela só ensinava moças. Um dia disseram pra ela que na turma tinha uma moça que era lá da 28. E ela disse que ia despachar ela, que lá ela não queria! Aí quando a mulher foi.... foi até o motorista que avisou a senhora, ele disse: “Olhe, aquela mulher ali, ela não é da sociedade. Ela é lá debaixo, da Zona, e eu conheço ela”. A dona do curso chamou ela pra conversar e chegou um dia que ela não foi mais. Tinha muito preconceito sabe. Você não lembra por que é nova, mas até nas escolas tinha. Nas escolas tinha época de exames pra saber quem não eram mais moças. E elas saiam dos colégios. Eu não sei como era, mas sei que era pra saber quem era moça, pra ficar na escola, e quem não era, pra sair de lá. Eles excluíam da escola. Eu ouvi essa história, mas agora não lembro. Hoje em dia não, né? Hoje é muito fácil, qualquer pessoa pode estudar. Hoje em dia tá muito diferente....Idoso, por exemplo, não podia sair. Era só em casa fazendo crochê. Hoje não, graças a Deus! Eu moro com meu filho, mas ele sempre diz que eu tô consciente e posso fazer o que eu quiser. E eu faço o que eu quero! Eu compro o que eu gosto. Se eu olho uma coisa que eu quero e eu puder comprar, eu compro. Se não puder eu compro no cartão. Ninguém me diz que eu tô estragando as coisas, ou estragando dinheiro. Não, não! E ainda tem hoje mãe que faz o que o filho manda, filho que não deixa mãe fazer isso, comprar aquilo... Outro dia tinha uma senhora no Hospital falando isso. Meus filhos são bons comigo. Eu tenho livre arbítrio pra fazer o que quiser. Comprar o que eu quero, comer o que eu quero, ir pra onde eu quero. 151 Viajar também, não tem problema. Eles ficam é preocupado, ligam toda hora, mas eles sabem que eu sou assim...tímida e não chego numa parte já perguntando, falando com todo mundo. Se tá faltando alguma coisa eu não peço, eu não falo. Então eles me ligam pra saber se tá tudo bem, se eu tô precisando de alguma coisa. Eu fico calada e ai eles ligam (risos). Eu vi uma senhora falar: “Ah, meu filho não deixa eu fazer isso”. E comigo não é assim. Aqui em casa não tem nada disso. Se eu gostar de uma coisa, eu compro. Se eu não tiver dinheiro, pago no cartão (risos). Ainda hoje eu gosto de boneca grande (risos). Eu tenho dois aí que fala (risos). Eu gosto de cachorrinho, de bichinho, coelhinho...Eu gosto. Eu tive infância, mas minha mãe não podia comprar. Então hoje eu compro. As netas ficam me pedindo as bonecas e eu digo que só dou quando eu morrer. Quando ficamos velhas, o corpo da gente todo muda. Agora a memória é que pega mais. Esquecimento todo mundo tem, mas a memória que eu acho que me preocupa mais porque minha mãe se esqueceu cedo. Com 73 anos ela não conhecia mais filho. Não sabia mais de nada. Ela se esquecia. Não lembrava mais de nada, nada, nada. A gente perguntava e ela dizia: “Não, tu que é minha mãe”. Ela morava com meu irmão na Cohama e um dia ele percebeu. Até então ele não tinha percebido..... Ela morava no Rio (RJ) com uma outra irmã que morava lá e ela veio. Todo ano vinha passar férias. O último ano que ela veio foi esse! Aí na casa dele, na Cohama, ele disse: “Mamãe, eu vou sair e vai chegar uma pessoa com encomenda e a senhora recebe, viu”. Aí quando a pessoa chegou e procurou, ela disse que lá não morava ninguém com aquele nome. Quando ele chegou e perguntou se tinham ido alguém lá, ela disse que não tinha ido ninguém. Aí ela já tava esquecendo. Aí que foram perceber. Depois desse dia não deixaram ela viajar mais só. Ela ficava ou lá, direto, ou aqui. E foi quando ela veio pra cá e eu fiquei com ela uns 5 anos. Lá era corrido, meu irmão trabalhava e não tinha quem ficasse com ela. Ela nunca foi internada. Eu cuidei dela até o fim. Eu e o irmão que mora aqui, porque o mais velho faleceu antes e a outra irmã mora no Rio (RJ). Agora sobre corpo... antes eu não me cuidava. Agora, depois de idade é que eu tô me cuidando (risos). Tem uma colega da minha neta que veio aqui e perguntou se eu tinha 70 anos, porque eu sou dura. Não aparento! (risos). Minha neta diz que eu sou toda vaidosa! E eu passo uma coisinha no rosto, uns cremes, um batom leve, porque eu nunca gostei de batom forte, só mesmo pra mudar a cor. Passar um perfume eu também gosto. Pintar meu cabelo! Desde moça que eu pinto meu cabelo (risos). Meu cabelo era liso, liso, liso e eu dizia pra minha mãe que queria meu cabelo crespo (risos). Ela me dizia que só se fosse com permanente e aí fazia, só que quando saía ficava feio. Aí eu mandava cortar e pintar (risos). Até hoje eu pinto meu cabelo. Nesse tempo, as senhoras, como minha avó, não eram assim. Não pintava cabelo, não vestia calça. Era difícil ver uma usando. Antes se achava ridículo, mas hoje não. Eu acho positivo se chegar a essa idade, ou mais. Eu vejo os rapazes morrendo cedo, com 18 ou 24 anos. Eu acho que cheguei a essa idade porque tive uma boa criação. Eu não tenho essas doenças todas. 152 Só tenho problema asmático, senão fosse isso era uma maravilha. Eu faço tratamento, mas o meu marido morreu porque ele fumava e bebia muito. Ele não fazia tratamento de nada. Ele não queria, só ia na emergência e depois acabou os cuidados pra ele. Depois ele não ia mais. Eu falava pra ele ir se tratar, mas ele não ia. Eu não, né. Eu sou lá do GEN e faço exames. Agora mesmo vou ao cardiologista. Acompanho tudo na saúde. Ele falava pra mim: “Que tu tanto quer em médico?”. Depois que meus filhos cresceram, aí pronto, ele liberou, deixou eu ir pra onde quiser. Aí eu passava o dia todo na rua, que nesse tempo minha mãe morava aqui e eu ia lá visitar. Passava o dia e só vinha de tarde (risos)! Antes, eu passava era anos e anos sem ir na casa da minha mãe porque os meninos eram pequenos. Ele não queria não. [Pausa] Pois hoje em dia a vida dos idosos é mais liberal. Tem mais oportunidade. Antes, quando eu era mais nova e via uma senhora de idade no ônibus, de boca pintada eu dizia: “Meu Deus do céu! De boca pintada, nessa idade?!”. Eu criticava muito, falava, mas agora não. Eu me pinto, pra você vê como é as coisas! (risos). Eu ainda pinto meu cabelo, tem vezes que eu gosto de fazer uma limpeza de rosto. Eu uso produto da Avon e da Jequiti, e também vendo. Eu vendia tudo que era cosmético, mas agora só esses. Então eu tô nesse meio e uso. Uso perfume, uso creme, hidratante. Isso tudo eu uso. Eu sou vaidosa, mas tem muitas mulheres que perdem a vaidade. Tem senhora que não gosta, fica mesmo natural. Agora eu, desde nova, uso. Eu puxei pra minha avó. Ela morreu com 101 nos, mas enquanto ela podia andar direito, com postura, ela andava. Ela ia pra igreja toda arrumada. Era vestido, meia, sapato. Usava compacto, ela gostava e usava, mas batom nem tanto. Eu não usava compacto não, agora que eu tô usando. Agora sempre pinto meu cabelo. Eu gosto muito de me cuidar e agora, depois de idosa, comecei a tirar minha sobrancelha (risos). As minhas noras começam a falar: “Tira! Tira!”, mas quando eu era nova eu nunca tirei. Eu achava feio e também meu marido não gostava dessas coisas. Agora a minha nora chega aqui e faz (risos). Eu tiro pra ficar mais bonita, mas é como eu disse, antes eu achava uma senhora pintada uma coisa ridícula. Agora não! Eu gosto de me arrumar. Gosto de usar secador. Gosto de rímel, mas só daquele transparente. Ele é bom porque não mancha. Antes eu só gostava de batom e rímel, mas agora eu tô usando compacto. Eu gosto muito de tratar do meu cabelo. A mulher tem que se cuidar em qualquer idade. Às vezes eu demoro pra me arrumar e meus filhos reclamam. Meu filho diz: “Mamãe, primeiro a senhora vai se arrumar, depois eu vou”. O problema é que eu demoro é pra arrumar a bolsa (risos). Tem que botar remédio, o óculos, boto compacto, batom e outras coisas e nisso que demora. Tirar de uma bolsa e botar na outra. Eu tenho diversas bolsas aí. Cada uma de uma cor. Eles brigam porque eu tenho tanta bolsa, dizem que dá pra botar uma loja (risos). Se eu vou na rua e vejo uma bolsa que eu gosto, vou lá e compro. É bolsa, brinco e sandália que eu gosto mais. Até já comprei uma calça pra vestir por Natal! Eu sempre fui desde nova, mas não era assim como hoje. Meu marido gostava que eu me pintasse. Dizia: “Te pinta, bota um batom”. Aí eu comecei a pintar, mas antes mamãe não 153 gostava que a gente se pintasse. Minha mãe não usava nada. Ela não gostava mesmo. Só que depois, quando ela foi pro Rio (RJ), minha irmã mandava fazer a unha dela, mas antes ela nunca tinha pintado a unha. Depois de idosa é que ela veio pintar, mas batom ela nunca usou. Hoje em dia as idosas se cuidam mais. Naquele tempo ficava só em casa, era só com roupa de velho mesmo. Minha filha me dá no dia das mães e no natal um presente. Ela vai comprar com o marido dela e ele compra dois, um pra mim e um pra mãe dele. A mãe dele é daquelas que não se cuida e ele compra pra mim igual ao da mãe dele. Quando chega aqui eu digo: “Vocês pensam que eu tô velha? Eu vou trocar! (risos). Tua mãe gosta, mas eu não. Eu vou trocar!”. Às vezes até intero o dinheiro, quando é mais caro, mas eu troco. Sempre é assim. Ele compra igual ao da mãe dele. Ele compra vestido, blusa. A gente tem que usar o que gosta, o que deixa bonita. Eu uso mais é calça. Nem saia eu uso muito. Vestido é difícil eu usar. Antes as mulheres usavam mais vestido, agora é calça. Tem muitas senhoras lá da igreja que nunca usaram calça. Uma irmã minha não usa de jeito nenhum, é só costume. Eu uso desde nova, desde que eu casei. Eu tenho muita calça, só muda os modelos. Agora vou comprar de tecido, que eu tenho mais é jeans, tudo azul. Agora que nós vamos começar a fazer fisioterapia. Eu tinha vontade de fazer é musculação, mas não tive oportunidade ainda. Também tenho vontade de fazer informática, mas teve e eu não soube. Agora, quando tiver de novo, eu vou fazer. Eu entrei no GEN em outubro do ano passado [2009]. No tempo que meu marido tava na UTI já tinha o grupo e eu não sabia, se não tinha ficado logo lá também. Ele passou 25 dias na UTI direto. Foi um sofrimento. Eu direto ali. Eu gosto muito de lá do GEN. Gosto das palestras, tem oficina de...de...leitura. Agora eu tô fazendo fisioterapia e é muito bom mesmo o exercício. Tem reunião toda sexta lá no PAI, que tá agora em reforma. Tem festa das mães, tem passeio pros idosos. Teve um passeio pra uma fazenda que eu nunca tinha ido, muito linda. Passamos o dia lá. Foi muito bom. Todo o grupo reunido, cantando, dançando, teve sorteio, foi perto do Natal. Foi muito bom mesmo (fala entusiasmada). Teve outros, mas eu não fui. Eu não pude ir. Toda sexta também tem reunião e eu ainda não fui esse mês. Segunda tem reunião e consulta com as doutoras, quarta é leitura...oficina de leitura e sexta, reunião do grupo. Eu não fui ainda nas sextas esse mês. Sexta que vem eu acho que eu vou. Então eu tenho gostado muito do GEN. Muito mesmo, se soubesse mais cedo já tava lá (risos). Foi uma conhecida minha que falou. E tem médico também. E se por acaso a gente adoecer, eles arranjam um leito. Se preocupam em arranjar pra gente que já é de lá. Dizer que é pra arrumar um leito pra uma pessoa do GEN é mais conhecido. Agora os homens lá são poucos, eles não querem. É mais mulher. É difícil ter dois homens. Até quando teve a festa dos pais, eu não fui, não deu pra ir, mas disseram que era pra gente levar dois ou três idosos, mas é difícil. Meu marido, se ele fosse vivo, ele não ia. Ele não gostava de jeito nenhum. Eu e meu marido, nós morávamos no mesmo bairro, ali na Macaúba [Bairro Areinha, perto do centro de São Luís]. Ali que a gente morou e ali que a gente casou. Tinha uma barbearia perto de casa e 154 defronte era a casa dele. E ele já tinha três filhos quando eu conheci ele, aliás, quando ele me conheceu porque ele dizia que passou cinco anos me observando, paquerando (risos). Eu não queria e nem percebia. Depois de cinco anos ele mandou uma carta pra mim. Nesse tempo era carta que se mandava (risos). Até outro dia eu tinha uma carta ai e parece que ele que pegou e rasgou. Ele mandou a carta dizendo, mas eu não queria ele porque eu tinha outros namorados. Ele já tinha mulher e filho.... três filhos e eu não queria um homem desses pra minha vida! Aí eles se largaram e depois de muito tempo, eu já tinha namorado outro, aí foi que um dia nós se encontramos. Ele fez uma serenata na minha porta. Ele gostava de cantar, fazer poesia. Ele era poeta. Tinha até aí, quando ele morreu eu achei algumas coisas. Ele recitava as poesias, mas quando ele bebia implicava com a minha igreja, porque ele não era crente. Eu não dizia nadinha, me arrumava rápido e ia. Nós namoramos, parece que, um ano. Quando nos casamos ele disse que ia levar os três filhos dele e como eu não tinha nenhum disse que podia trazer. A mãe dos meninos não deixou. Disse que não dava nenhum. Aí ele disse: “Fica com teus filhos que eu vou fazer mais dez!” (risos). Aí o pai dele que criou. Hoje em dia os filhos dele vêm aqui, são tudo amigo. Quando o pai faleceu eles estavam lá. A mãe deles, hoje nós já nos damos. Ela mora no Rio, mas quando ela e a filha vêm pra cá sempre passam aqui em casa. Tinha muito controle naquela época. Às 21:00 horas já era pra tá em casa dormindo! A gente namorava escondido (risos). Minha mãe não queria. Meu pai morreu, mas minha mãe ficou cuidando e minha avó também ali de olho. Não deixava a gente sair pra nada, nem pra cinema. Eu ia escondido pro cinema dia de semana, que ela tava trabalhando e eu ia. Dia de segunda-feira que eu ia pro cinema com namorado. Eu dizia que ia na rua fazer compra pra costurar, comprava uns enfeites, uns botões e zíper pra vestido e aí ia pro cinema (risos). Acho que em todo tempo é assim, a gente enganando pra namorar. Minha irmã casou com 13 anos, a caçula. Não tinha nem seio ainda. A minha mãe era a única que tinha seio grande e nós tudo sem, assim lisinha. Eu tinha vontade de botar silicone, se eu fosse mais nova. Agora não quero mais e ainda é muito caro (risos). Só se tivesse alguém que pagasse (risos). Sim, aí minha irmã namorava e minha mãe ia atrás dela, que ela era muito nova, 13 anos e ainda tava estudando. Quando ela [mãe] soube que ela tava namorando foi atrás e deu no rapaz, ele saiu correndo e mandou ela pra Teresina, pra casa da minha avó, mãe de mamãe. E a avó dele também morava lá, só que ela [mãe] não sabia. Aí ele foi pra casa da avó dele também e ficou eles dois juntos lá em Teresina. Minha avó não sabia, que minha mãe não contou nada e ninguém lá sabia de nada. Eu sei que quando ela ficou devendo uma prova aqui, na escola, e nesse tempo era telegrama que mandava e mamãe escreveu pra ela vir fazer a prova, que a professora tava chamando. E nada! Minha avó não deu nem sinal e um dia minha prima foi comprar a passagem na Rodoviária pra minha irmã voltar e foi quando encontrou ela e o namorado. Aí eles estavam lá perto da praça namorando. Ela tava com minha prima e minha prima disse que ia 155 embora e chamou ela, mas ela não foi. Aí disse que ficaram conversando e não repararam a hora. Quando viram já era umas 2:00 horas da manhã, e essa hora ela não podia chegar na casa da minha avó, porque essa sim que era brava. Sei que de manhã minha avó foi na polícia, foi no hospital e não achou. Mais tarde a mãe dele foi levar ela lá na casa da minha avó. Ela disse: “Vim trazer sua neta que tava com meu filho”. E minha avó disse bem assim: “Eu não recebo ela! Eu só recebo casada!” Minha irmã disse: “Minha avó pode mandar fazer o exame, eu sou moça”. E ela disse: “Não quero saber, eu só recebo casada. Mulher que dorme fora de casa, principalmente moça, pra mim não é mais”. Aí foram fazer o casamento, ela com 13 anos e ele com 15 anos. Fizeram o casamento lá em Teresina e depois de 3 meses é que ela voltou e foi quando ela telegrafou pra minha mãe e contou: “Olha, sua filha casou”. Minha mãe, quando viu aquilo, desmaiou. Meu irmão começou a dizer que era mentira, que não era pra acreditar, que era mentira. Deixaram a poeira abaixar e ela veio mais ele. Novinha, novinha. E ela cansava de dizer: “Eu não me casei, me casaram”. Depois ela lutou muito pra arrumar emprego e era difícil. Aí ela foi para o Rio e lá ficou até hoje. Graças a Deus hoje ela tá bem, mora em Copacabana. Largou o marido porque ele não prestou, era muito mulherengo. Ia atrás das mulheres, só vendo! Eles tinham cinco filhos. A vida de mulher casada naquela época era mais difícil porque minha mãe queria pra ela ficar com ele até o fim. “Você arrumou, você procurou, agora você vai ficar!”. Eles separavam e voltavam, separavam e voltavam. E minha mãe que fazia ela voltar e ela [irmã] dizia: “Olha minha mãe, eu tive esse outro filho por causa da senhora”. Nesse tempo era mais difícil. Porque a pessoa quando casava não era pra separar. Era pra ficar até o fim, como minha mãe. Minha mãe, quando ela casou, aliás, não foi nem minha mãe, foi minha avó. Ela era morena e ela arrumou um claro e nenhum dos dois sabiam ler. Ela (avó) fugiu, que ele (avô) levou ela pra casa dos pais dele e os pais dele disseram: “É com essa preta que tu vai casar?” Ela ouviu. Eles não disseram na frente dela, mas ela ouviu. Ela sentiu vontade de sair de lá. Nesse tempo, que ela não era mais nova também, teve que aturar. Ela ficou, casou, teve 12 filhos, e ele também era de muita mulher na rua. Largou ela com os 12 filhos e aí que ela foi trabalhar. Criou os filhos fazendo bolo e botava eles pra vender, e ele na rua com as mulheres. E ele dizia que não botava nenhum pra estudar porque ele não ia botar pra as filhas escrever carta pra namorado. Aí minha avó, depois que meu avô largou ela, ela botou todos os filhos pra estudar. Ela criou sozinha e se arrependeu de ter fugido com ele. Depois de muito tempo, ele ainda ia lá visitar e ela já tinha arrumado um namorado. Naquele tempo as famílias eram grandes. A avó do meu marido teve 21 filhos. Vinte homens e uma mulher. 21 filhos....E ela era parteira. Depois do último filho eu liguei [cirurgia de laqueadura] e fiz períneo, com 36 anos. Foi parto tudo normal. Acho que foi com 15 anos que eu menstruei. Não se conversava sobre isso não. Nada, nada. Nunca. Minha mãe não falava e meu pai, piorou. Eu fui criada assim, sem saber nada. Meu pai até reclamava quando minha irmã passava no 156 corredor e dizia com raiva: “Essa é curiosa. Quer passar só pra olhar, pra ver o que a gente tá fazendo”. Assim que era....Lá em casa ninguém falava. Nunca vi minha mãe beijar meu pai, nem abraçar...tudo era escondido. Sentar no colo...Ave Maria! (risos). Nunca! No meu tempo, com meu pai, não! Até o meu marido disse que ele foi criado assim. A avó dele era parteira e ele perguntava as coisas pra ela, mas ela não dizia. Dizia só que a cegonha vinha trazer a criança (risos). Já grandinho, um dia chegou uma senhora lá pra ter filho e ele foi olhar pelo buraco da fechadura como era que nascia criança. Aí que ele foi saber quando ele viu. Ele todo curioso pra saber como era (risos). Agora meu marido já criou meus filhos mais aberto. Ele conversava. Ele falava tudo aberto porque ninguém é inocente. Se alguém fizesse algo é porque quer, que ele dava conselho. Quando eu menstruei eu pensava que tinha me cortado. Eu pensava que era corte e perguntei pra uma prima minha, também naquele tempo, não sabia o que era. Ninguém respondia quando a gente perguntava, tinham vergonha de falar. Eu sentia dor e tomava remédio mesmo, aquele Atroveran. Às vezes tomava Cibalena. Agora depois que eu casei acabou, não tive mais cólicas. O povo tomava muito era chá de Aroeira. Eu ouvia falar mais de Aroeira porque pra não engravidar. Eu nunca usei remédio assim, como hoje, pílula, que às vezes incha, às vezes faz mal. Pílula eu nunca usei, só a pílula contra [pílula do dia seguinte] e usei muito o limão. Limão em jejum, purinho, sem água, sem açúcar, sem nada. Assim que termina de ter relação, toma o limão. Isso eu tomei muito. Já tomava casada, pra evitar filho, que eu já tinha quatro. E ele queria ter quantos viesse. Eu que não queria porque não tinha condições financeiras pra ter muita criança e tá sofrendo depois. Não dar médico, um colégio adequado pra aprender. Eu dizia pra ele né: “Olha, eu não quero”. Aí foi quando ele pensou que eu já tinha cinco, morreu uma com 20 anos e hoje tem quatro filhos. Eu liguei com 36 anos e foi com uns 45, 46 anos que parou de vir a menstruação. Foi cedo. Eu pensei que tinha sido cedo porque eu liguei, mas com 45 começou a falhar. Minha filha tava com 5 anos, a caçula. Aí eu fui na doutora porque minha irmã, 5 anos depois da menopausa ela engravidou. Aí eu fiquei pensando: “Será que eu vou engravidar também? Eu fiquei com medo”. Fui na farmácia pra comprar o teste e já tava com um mês que não vinha, mas eu tava sem dinheiro, que nesse tempo eu não trabalhava, e pensei que na segunda-feira eu voltava lá pra comprar. Na outra semana veio. Aí começou assim, de 2 em 2 meses não vinha, 3 meses e assim foi. Até os 50 anos deixou de vir. Foi cedo. Eu nem fiz tratamento. Nem sabia que fazia tratamento. Não tomei nada, agora calor eu senti muito. Até hoje eu sinto muito calor e não sei se é disso, que eu não fiz tratamento né. Às vezes eu tô com muito calor, por isso que meu cabelo é curtinho. Não agüento cabelo comprido. Eu pinto, mas não deixo ele comprido. Ele cresce rápido, mas eu corto e pinto, que eu não quero deixar os brancos aparecer. Daqui a pouco ele fica branquinho, que vai crescendo, aí eu pinto. E outra coisa, muitas pessoas perdem a virgindade porque vê na televisão, mas gente isso é do homem. Na lei de Deus só no casamento que é pra ter 157 relações. Eu tive antes, mas..... Foi com o primeiro, eu tinha 16 anos. Eu não casei porque ele foi embora. Ah, mas meu pai quase me mata e me batia. Foi horrível. Eu nunca fiquei grávida ou tive filho, mas quando eu fui casar eu contei pra não dizer que eu tinha enganado né. Se enganasse era pior. Nesse tempo era ruim! Não tomei nada porque eu só fiz essa vez mesmo. Só foi aquela relação e acabou, não vi mais ele. Também fiquei escondida, sem falar nada. Depois que eu arrumei esse, que eu contei pra ele, ele foi e contou pra minha mãe. Aí foi aberto e ele disse que queria casar comigo, mesmo assim, que ela não se preocupasse que eu não ia ficar prejudicada. E foram 46 anos de casado. Ele era muito bom, nunca soube que ele tinha mulher na rua. Nunca. Morreu e mesmo depois, às vezes a gente vê falar que aparece outra mulher e filho, mas com ele não. A nossa dificuldade era só financeira, mas sobre traição não. Ele era romântico, cantava, fazia poesia, cozinhava. Depois que ele se aposentou, e a mãe dele faleceu, ele fazia muito a comida. Eu saía e quando eu chegava tava tudo pronto. E é difícil hoje em dia encontrar um assim. Eu podia tá até em casa, mas ele dizia que ia fazer a comida e fazia. Tinha dia que ele se zangava e dizia que eu não ia sair, que era pra fazer comida porque ele queria comer às 11:00 horas e quando eu via ele já tava era fazendo (risos). Era só da boca pra fora que ele falava. Ele foi muito bom. Depois que se aposentou não saía pra nada. Era só fazendo comida, fazendo alguma coisa de casa, varrendo quintal, arrumava porta. Onde tinha alguma coisa pra arrumar ele ia. Ele não ficava parado, mas não queria sair. Até pra receber dinheiro ele mandava meu filho pra receber porque ele não gostava de sair. Então eu digo que eu nunca soube, nesses 46 anos, que ele teve outra mulher. Agora dizem que antes de mim ele era muito namorador (risos). Muito, muito mesmo. Ele dizia que eu que endireitei ele (risos). Que antes ele era muito namorador, tinha muita mulher, era livre e ele largou tudo. E quando eu entrei na menopausa, eu nem sabia. Eu nem fiz tratamento. A minha mãe também nunca fez tratamento. Nunca ouvi ela falar. Eu me consultei porque eu pensei que tava grávida. Com 45 anos começou a menstruação a parar, aí eu pensei que tava grávida. Eu ia até tomar remédio, que minha prima disse que tinha um muito bom pra descer, mas aí na outra semana veio a menstruação. No dia que eu fui comprar o remédio, desceu. Ai começou a vir de novo normal, mas tratamento eu não fiz. A única coisa que eu sinto hoje é uma quentura na cabeça. Eu liguei, mas quando começou a falhar eu tive medo de tá grávida. Eu liguei e fiz períneo. Graças a Deus essa operação foi muito bem feita. Hoje em dia eu vejo é muita senhora, de 70 e 80 anos, tendo problema e tendo que fazer períneo. Ou então que já fez e que vai ter que fazer de novo porque a bexiga baixa. Eu fiz tá com a idade do meu filho caçula, e não sinto nada. A cirurgia foi bem feita. Esse médico foi muito bom. Antigamente eu acho que era melhor que hoje. Os médicos eram mais atenciosos. Fez uma cirurgia bem feita, que eu nunca tinha levado ponto e não senti e nem sinto nada. Eu só fiz essa cirurgia e uma no meu pé, que eu tinha problema de joanete. Ah, uma vez também fiz uma pequena operação de varizes, mas em nenhuma delas teve 158 complicação. Agora mesmo, mês retrasado eu fiz preventivo e a doutora disse que tinha um problema de ressecamento, que não tava úmida, tava seca né, e passou um remédio. Tinha também uma inflamaçãozinha, mas aí eu cuidei e tá tudo certo agora. Não tenho coceira, não tenho corrimento. Quando eu era mais jovem, eu tinha, mas agora parou, não tem nada. Sempre eu faço também exame de sangue, pra cuidar a saúde. Tem até que marcar. Agora meu marido não era assim. Ele reclamava que eu só vivia no medico (risos). Meu irmão, que também morreu, era outro que não gostava de médico, mas quando ele adoeceu é que ele sentiu que devia ter ido antes. Só que pra ele não teve mais jeito! Ele fumava muito e bebia. Ele morreu com 59 anos. Meu marido morreu há quatro anos e até minha nora perguntou se eu não sentia falta daquilo. Eu disse eu às vezes me lembro, dá saudade dele também, mas dá pra passar, dá pra passar. Vai fazer 4 anos dia 25 de setembro. Por exemplo, lá no GEN tem muitas que ainda tem marido, mas tem outras que querem encontrar um. Tem umas bem assanhadinhas (risos). Viúva lá parece que só tem eu e mais duas. O resto é casada, mas ninguém fala. Só assim quando surge uma brincadeira. Os maridos nem vão nas reuniões, porque homem não gosta. Lá só tem o marido de uma que vai. E ele acompanha ela porque de resto, é muito difícil eles irem. Meu marido mesmo, quando vivo, nunca gostou. Ele dizia que isso era coisa pra quem não tem o que fazer. Eu ia nas reuniões do quartel, quando tinha, e tinha brincadeira, música. Eu ia, mas meu marido não gostava. O marido da minha filha é outro que não vai, mas se chamar pra ele tomar uma cerveja, ele vai (risos). Meu filho também é outro que não gosta. Ele não gosta nem de ir em festa de aniversário. Até na festa dos pais, no GEN, eles não foram. Elas pediram pra convidar idoso, mas quem disse! Os próprios maridos não queriam ir. Agora no dia das mães não, é diferente. Vai todo mundo e pode levar uma filha, uma nora. Às vezes eu penso em arrumar outra pessoa. Tem até uma prima do meu marido que mora no Angelim e ela me disse pra botar na internet, que já apareceu um pra ela, mas eu disse que não. A gente vê tanta coisa estranha acontecendo por aí né? E eu até falei pro meu filho, mas ele disse que na internet não, que tinha perigo, mas ele não vê problema se eu encontrar outra pessoa. Se eu quiser, eu sou livre! Agora tem que aparecer alguém do meu nível. A minha irmã tem um namorado. Ela tem 75 anos e também é viúva. Ela já teve um, dois, e esse agora é até Peruano, é idoso também. Ela disse que é boa pessoa, que ela quer ter alguém pra passear, dançar e ela perguntou: “Minha irmã, tu não sente falta?” Eu digo que às vezes, mas até agora não apareceu (risos). Aqui na rua tem dois aí, mas não sei....Já mostraram interesse, mas a família de um é muito problemática. Ele tá com quase 4 anos também de viúvo. Depois que meu marido morreu a mulher dele morreu. Ele já tem neto também. O outro veio até aqui falar com meu filho (risos), mas na hora não teve coragem. Aí ele disse pra minha neta: “Ah, eu fiquei com vergonha”, mas ele não veio. Se aparecer e for uma boa companhia, que goste de Igreja, vá pra Igreja também, ter a 159 união abençoada por Deus, porque eu vou muito à igreja. Vou quarta feira a noite, tem oração. Vou à vigília também. Meus filhos também vão. Eu disse pra minha prima que se aparecer uma pessoa boa pra me ajudar, porque nessa idade a gente precisa de ajuda, companheirismo, diálogo e eu penso em casar de novo. Às vezes eu fico aqui sozinha, dia de domingo então, nem se fala. Meu filho que liga e pergunta se não quero ir pra casa dele, se precisa fazer uma feira, essas coisas. Ele traz abacate, macaxeira, que eu gosto, e assim que é. Eu até pensei em morar só, num apartamento, mas ele não deixou. Disse que ia ser pior pra mim ficar sozinha, e que aqui tem sempre gente me acompanhando. Eu tirei uns empréstimo e agora não posso, mas é só terminar que vou pensar nisso. Se eu não tivesse esses empréstimos eu já tava lá. Peguei o dinheiro pra arrumar a casa, que não era assim, e ele veio morar comigo. Agora a minha neta caçula, a Patrícia, ela que disse que o senhor aqui da rua falou primeiro pra ela. Ela tava na Lan House e ele, que quer casar comigo, mandou recado (risos). Este outro que falou com ela é só, separado, não é viúvo não. Ele mora aí com a filha e a neta, mas ele nunca falou nada pra mim não. Às vezes sinto falta de ter relação. Não é todo dia, igual quando era jovem, mas sinto. Até minha nora perguntou (risos). Eu não vou mentir. A gente se lembra como era, mas aí a gente supera. Meu marido era muito carinhoso, aí isso facilitava, mas às vezes ele até se zangava porque eu não queria. Eu dizia que tava com dor de cabeça e ele ameaçava procurar outra mulher, mas ele nunca foi (risos). Passou esses anos tudinho comigo. Ele dizia isso só na hora que tava zangado. Sabe como é homem né? É mesmo como um animal quando quer e a gente não quer. Meu filho e a mulher dele também são assim. Ela chega aqui de manhã e diz: “Dona Rosário, ele tá com raiva de mim porque eu não quis fazer aquilo ontem”. Eu me acabo de sorrir! (risos). Eles ficam zangado (risos). E assim que era meu marido também, ficava zangado e até mal, às vezes, comigo. Tem que ser na hora que eles querem, mas nem sempre a gente tá disposta né? Só que eles não querem saber. Eu falava muito que não tava com vontade porque tava com dor de cabeça. Eles sempre foram mais livres, desde de menino. Agora tinha também os casados que eram casados só da porta de casa pra dentro, pra fora é de outra. As moças de hoje dão tudo em cima mesmo, querem nem saber de nada. Tem umas que o homem pode ser casado, mas elas vão lá falar com ele. 160 JOANA Eu tenho 60 anos. Eu nasci em Cururupu, cidadezinha daqui do Maranhão. Eu vivi lá a minha infância.....praticamente a infância toda lá. Quando eu vim pra cá eu já tinha 18 anos. Eu vim pra casa de parente. Eu vim estudar aqui e fiquei na casa de parente. Até porque.....lá o estudo era fraco, e meu pai era de pouca condições, então eu morava na casa de parente aqui. Vim pra estudar, pra continuar estudando. Só fiz até o segundo grau. O meu pai era pescador. A minha mãe, dona de casa e ajudava também. Ela ajudava assim na roça, mas ela não era de trabalhar direto na roça. Ela dava sempre uma ajuda porque meu pai além de trabalhar na pescaria ele também trabalhava na roça. Era mais a farinha, pro nosso consumo. Não era pra ele vender ou....viver só daquilo. Ele tinha...da pesca era pra ele vender. Ele vendia. Passava 15 dias fora de casa pescando aí voltava por 15 dias, aí tornava a voltar. Aí nesse intervalo ele ia na roça, ele fazia um pouco de farinha pra gente não ter que comprar. Eu vim pra São Luís. Eu morava no Bairro de Fátima junto com uma prima do meu pai. Aí depois essa minha prima ela foi pra Belém [Pará]. O marido dela trabalhava na Petrobrás e ele foi transferido pra Belém e aí eu fiquei...me mudei pra cá pro São Francisco, pra casa de outra prima de papai. Eu morei aqui até um determinado tempo. Depois foi o tempo que eu tive um filho, meu primeiro filho, mas não cheguei a morar com o pai...não cheguei a morar com o pai... e eu voltei pra lá, pra Cururupu. E lá eu ensinava no interior. Eu comecei a ensinar e como professora leiga: só ensinando o básico mesmo. Aí depois, quando meu filho já tava com uns três anos, eu voltei pra cá pra São Luís. Aí eu fui trabalhar na época. Tá com uns 30....Não, 32 anos, que é a idade do meu filho mais velho, porque eu tenho dois. O mais novo, que eu tive agora do meu segundo relacionamento, da pessoa com quem eu convivo até hoje, já tem 23 anos. Já tá formado, graças a Deus. Formou lá na UFMA em Química Industrial e aí já ta trabalhando. Só um mora comigo. O outro já é casado, já tem família. Eu já tenho uma neta. Ele morava aqui perto também, aqui no São Francisco, mas agora ele ta morando no Turu. Comprou um apartamento pra lá e tá morando. Ele trabalha na Skincariol. A minha infância foi muito rígida. A minha mãe, a criação era muito rígida, a gente foi criado obedecendo, respeitando, apanhando e tinha que obedecer... Nós tínhamos que obedecer nossa mãe até pelo olhar. Só de olhar já sabia qual coisa ela não gostasse. Bastava um olhar. Pelo olhar a gente já sabia o que ela... que ela não tava gostando daquilo. Tinha que procurar o jeito de concertar aquilo. Então a gente tinha muito respeito, principalmente as pessoas mais velhas. E apanhando mesmo. Meu pai era diferente. Ele sempre queira que a gente respeitasse e tudo. Também era a favor do respeito...a gente tinha que andar na linha direitinho, mas ele não era muito de bater. Era mais de conversar. Minha mãe era mais rígida, ela batia e 161 bastante. Tão vivos até hoje, graças a Deus. Já moram aqui. Vieram embora com minha mãe muito doente. Ela é diabética, hipertensa. Meu pai também. Então, foi uma luta a gente, nós lutamos muito pra eles virem pra cá, porque eles não queriam. Eles gostavam de lá, da vida de lá. Já eram acostumados, mas como ela vivia muito doente nós, depois de muito tentar, conseguimos vender a casa de lá e comprar uma outra aqui. Hoje ela mora aqui no mesmo bairro, perto. Eles tiveram seis filhos, dois homens e quatro mulheres. Já tem uma falecida. A mais velha é falecida. O respeito tinha que ser de ambas as partes, mas tinha diferença na criação. [Pensativa]...É, algumas coisas que o homem podia fazer. Assim, como no caso: o homem tinha mais liberdade pra sair. Nós mulheres fomos...por exemplo, se tivesse uma festa, vamos supor, se fosse uma festa de época como no Natal, que era quando tinha algo, se a minha mãe não pudesse ir nos levar, tinha que ser ou com uma tia, uma irmã dela, ou a minha avó. Tinha que ir alguém de responsabilidade levar. Já os meninos não. Eles poderiam ir com os amigos, mas no nosso caso não ia. Se não tivesse alguém de responsabilidade pra levar, não ia. Se ela não pudesse ir acompanhar, não ia. Aí a minha irmã mais velha ela casou com 13 anos. Então ela sempre saiu. O marido dela sempre gostou muito de sair, de festa e tudo, e nós podíamos ir com ela. Com ela, porque ela já era casada, tinha mais responsabilidade. Então eu e uma outra, que é quase da minha idade, que ta lá na UNITI também, iríamos porque a mais nova, quando minha mãe teve essa outra, nós já estávamos bem grande. Ela já tava assim entrando no período de menopausa quando ela engravidou. Então a diferença é bem grande. E nós que cuidávamos mais dela, ajudava mamãe. Aí lá em casa era tudo assim. Todo mundo tinha que aprender a fazer as coisas em casa e lá era dividida as tarefas. Era uma semana pra cada. Nós tínhamos tarefas a cumprir, tarefas da casa. Varrer, limpar, pegar água. Os homens não. Os homens ajudavam o meu pai na roça ou na pescaria que fosse, mas todos nós ajudávamos e estudávamos. Meu pai pagava uma professora particular pra ensinar a gente, apesar de que são analfabetos. Os dois são analfabetos. A minha mãe ela não era...porque minha avó não freqüentou colégio pra não saber fazer carta pra não namorar (risos). ... A minha avó também, porque os pais não botavam na época. Então ela morreu analfabeta. Com certeza ela tinha algum namorado né (risos)!!!. Eles achavam que.... assim, na época dos meus bisavós, no caso, era um meio do namoro, de facilitar o namoro pra saber fazer uma carta, um bilhete, alguma coisa. Então por isso eles não botaram ela pra estudar. Eles preferiam levar pra roça, que era um serviço que eles estavam ali de olho. Tava junto com eles. O que isso aí não ia impedir depois né? Porque minha avó depois casou e teve os filhos e eles não tiveram chance de prender. E com a minha mãe também foi a mesma coisa. Agora o meu pai aprendeu um pouco. Ele sabe assinar o nome dele, mas ele não aprendeu muita coisa e também não tinha muita chance porque meu avô adoeceu muito cedo e ele era o filho mais velho e teve que cuidar dos irmãos e da família. Meu avô faleceu logo e ele que assumiu a responsabilidade. Desde pequeno, criança ele 162 trabalhava. Ele não teve chance. Depois ele conseguiu aprender muito pouco... ele mal assina o nome dele. Agora minha mãe, essa não. Até porque nós tentamos, mas ela é muito rígida. Ela achava que quando a gente queria ensinar pra ela era uma ofensa, uma falta de respeito, pra dizer que não sabia. Eu acredito que seja assim: nada o filho tinha que saber. Quem tinha que ensinar tudo eram os pais. Eu acho que era assim....ela tá viva hoje. Nós vivemos cuidando dela. Ontem, no caso, eu iria marcar com você, mas tive que levar pra vacinar os dois [vacinas contra Influenza tipo A, também conhecida como H1N1]. Eles estão bem. Meu pai tem 91 anos, mas ele não aparenta a idade. Aparenta ser bem novo. E ela tem 85 anos, mas ela aparenta ser mais velha que ele. Ela é mais nova e aparenta mais porque ela vive muito doente...é diabetes, hipertensão. Ela quase não sai. É muito difícil sair porque tem sempre que ter alguém com ela. Ou eu, ou minhas irmãs - as outras duas – mas moramos todos aqui no São Francisco.... um da assistência pro outro quando precisa. Quando eu cheguei aqui em São Luís eu vim morar na casa de uma prima de meu pai. Estudava e fui bem acolhida por essa prima, apesar de não conhecer nada, não saber nada, nada, nada e foi muito difícil. Eu estudava no colégio Nina Rodrigues e meu pai fazia um sacrifício enorme, nesse tempo, pra pagar o colégio, porque a gente não tinha muito conhecimento aí com o colégio... Tinham muitos colégios, vários grátis, do Estado, mas a gente não tinha muito conhecimento se era bom. Então eu fui pra esse colégio e a minha prima, ela ajudava muito. Ela me ajudou muito. Então eu estudei até.... eu terminei até a 8ª série lá nesse colégio. Aí depois, no tempo que eles viajaram, eu ainda não tinha terminado a 8ª série quando eles viajaram. E eu fiquei aqui no São Francisco na casa de outra prima. Terminei o colégio e foi o tempo que eu conheci o pai do meu primeiro filho. Aí engravidei e não fiquei mais aqui. Voltei pro interior e tive menino lá. Aí depois de três anos que eu voltei novamente pra cá. Quando eu descobri que tava grávida, eu escondi. Eu passei cinco meses grávida e escondendo. Ninguém sabia. Eu acredito que como era a primeira gestação, eu não tinha quase barriga. E eu apertava né. Amarrava um pano pra ninguém saber. Aí depois ficou muito difícil pra mim, porque o povo ia falar: “Ah, é mãe solteira. Não vai morar com o pai do filho dela (em tom de reprovação)”. Não contei nada e quando ele foi saber..... assim, eu morava aqui na época, que eu estudava aqui, tava terminando o 2º grau quando eu engravidei. Terminei o colégio e o que é que eu fiz? Eu fui embora pro interior e quando ele soube eu já tinha tido a criança lá. Ele nunca procurou assim.... e também eu não quis mais, não quis mais.... não procurei aproximação. Ele sabe, conhece, mas eu também nunca procurei. Eu assumi. Eu trabalhava e eu mesma assumi. Eu trabalhava lá mesmo no interior. Eu ganhava pouquinho, mas dava e com a ajuda dos meus pais fui levando. E com os meus filhos, eu também tinha o mesmo tipo de educação da minha mãe, de não falar nada. Eu tive problema, principalmente, com o meu mais velho. Quando eu vi, ele já tava namorando, mas eu não tinha a liberdade pra falar, como a gente vê hoje. Eu tinha a mesma dificuldade visto o meu tipo de 163 criação. Eu não tinha aquela facilidade pra conversar. Eu não cheguei a ter, porque hoje eu já falo, mas antes não. Já hoje, o meu mais novo, que já namora, já hoje melhorou. Agora quando eles precisaram, quando estavam rapazinhos, pra gente conversar, eu não tive essa iniciativa porque eu não tinha abertura pra falar. Eu tinha dificuldade pra falar com eles. Hoje eu vejo que os idosos tem que namorar, aproveitar também. O povo pensa que porque está velho não pode namorar. Não. Isso aí tudo mudou hoje em dia. Quantos deixaram de namorar, na terceira idade, só de ouvir outras pessoas dizer que não podia mais. “Ah, não faz mais nada”. Aí aquilo vai morrendo, vai parando e hoje em dia a gente vê que não é assim. A gente já sabe que é até bom pra própria saúde da gente. É bom pro bem estar. É falado muito lá na UNITI, mas nós não tivemos aula diretamente sobre esse assunto. É falado sempre. Pra algumas pessoas tem problema de falar disso. Tem algumas pessoas, eu até acredito, que devido à criação. A maioria teve uma criação mais rígida e tem dificuldade pra conversar, mas eu acredito que mudou e tem muita gente que já tem outros pensamentos. Eu ainda tenho relações com meu marido. Sinto prazer e tudo, mas quando eu comecei a entrar na menopausa, com 42 anos, eu tive dificuldade. Eu tinha a dificuldade porque o prazer era mais difícil. Porque eu sentia que, no caso, a vagina da gente fica muito ressecada. [Pensativa]... No meu caso, na menopausa, logo no início eu senti uma mudança muito brusca. A gente não quer conversar com as pessoas, a gente quer se isolar. Se bem que em mim foi uma coisa muito passageira. Eu não tive muito assim. Eu tinha preocupação porque minha mãe teve. A minha mãe, na menopausa, ela teve muito doente. Logo no início eu achava que eu também ia passar pelo que ela passou, mas aí eu acredito que eu não tive porque quando eu terminei, parei com 45 anos, mas não foi assim direto. Eu acho que isso ajudou. Eu vim parando aos poucos. Tinha mês que eu menstruava, tinha mês que não. Aí eu passava três meses sem menstruar e quando eu menos imaginava vinha. Eu não cheguei a ter....assim.....calor, aquele calor insuportável! E às vezes baixava uma depressão....um início de depressão. Em outro tempo eu jamais falaria ou chegaria pra falar isso pra médica! Hoje em dia eu já chego e falo pra ela a situação. Quando a pessoa entra na menopausa o prazer diminui, mesmo pelo fato dos hormônios que mudam tudo. E a gente sente a dificuldade na penetração. Quando a vagina da pessoa tá ressecada, ela não vai sentir prazer. Ela vai sentir é dor ou arder. Então, hoje em dia já tem os cremes que a gente pode usar. E isso já melhora muito. No meu caso eu já uso creme direto e eu deveria tomar hormônio, mas aí como eu já sou operada do seio a médica achou melhor eu não usar hormônio. Eu já tirei um nódulo. No começo eu não falei nadinha. A mudança é muito brusca. Eu não cheguei logo e me abri com meu marido não. Logo de imediato, não. Eu passei em alguns médicos, que eu também não tinha coragem de falar dessa dificuldade. Aí foi quando eu conheci a Dra. Socorro e ela começou a fazer perguntas e aí eu comecei a me soltar mais. Eu já tive coragem de perguntar as coisas. Eu já tinha passado 164 em outras médicas, mas mesmo assim não falava. Quando eu comecei a entrar na menopausa, eu me consultava com médico e eu não tinha coragem de chegar e falar pra ele. Eu tive muito tempo uma ginecologista, mas como aconteceu uma mudança e ela teve que sair. Eu não soube mais dela, e mudei pra um médico, o doutor Ademar. Ele já era um senhor, mas eu não tinha coragem de falar, de relatar essa parte. Com a doutora Socorro foi diferente! Com ela não precisou nem eu chegar e falar logo. Depois que eu conversei com ela aí que eu já fui conversar com meu marido. Aí ele entendeu minha dificuldade. Antes eu também não procurava meu marido. Antes eu não procurava. Eu achava que aquilo era vergonhoso, porque eu fui ensinada assim: “Que o homem que tinha que procurar a mulher”. Então era vergonhoso se uma mulher procurasse o marido! Era assanhamento! Era isso, era aquilo. Então eu não procurava porque eu tinha vergonha. Depois, um dia, ele perguntou pra mim porque eu não procurava ele. Ele chegou e perguntou pra mim se eu não sentia vontade? Foi aí que eu me abri. Eu disse que sentia, mas tinha vergonha. Ele disse que eu não devia sentir vergonha. Ai que mudou, melhorou. Antes eu não tinha coragem de chegar e tomar a iniciativa. Eu tinha que esperar. Eu achava que era assim, que tinha que ser assim. Porque eu fui ensinada assim. Eu não falava nada. Hoje já mudou. Hoje eu aprendi que a gente tem que falar o que gosta, o que agrada, que dá prazer. Tem que dizer o que a gente acha, o que a gente gosta. Hoje em dia tudo é diferente. A gente vê na televisão, a gente lê. Eu gosto muito de ler. Às vezes vejo alguma entrevista. É bom se informar e saber mais. Antes eu vinha seguindo o mesmo exemplo da minha mãe. Assim, não era o mesmo, o mesmo [bem enfática], mas muita coisa veio mudando aos poucos. Às vezes é um a opinião aqui de uma colega..... Eu tenho algumas colegas que conversam comigo e já dou até certos conselhos com as colegas que vem e se abrem comigo. Quer dizer, já converso porque antigamente eu tinha vergonha, eu não falava. Eu tinha vergonha porque eu aprendi assim. Eu não procurava porque achava que era vergonhoso, que o certo era o homem procurar, mas hoje mudou. Eu acho....eu não tenho certeza, não tô lembrada, mas acho que foi na idade de 13 anos que eu menstruei. Foi nessa faixa. E tinha muita coisa que falavam, na época, que podia fazer, não podia comer. Ah, mas era muita coisa! A gente não podia comer tanta coisa. A minha avó, ela era muito....assim, ela dizia que entendia de muita coisa. Ela era do tempo que tudo fazia mal. Até uma fruta, sem ser em período de menstruação ou não, tinha problema se misturasse com outra. Até hoje ainda tem....por exemplo, o Açaí. Quando eu tomo Açaí eu já tenho aquela coisa de não poder comer outra coisa. Isso ainda ficou, mas muita coisa já saiu. Já não faço mais. Algumas coisas saíram. A gente foi aprendendo que não fazia mal, mas o Açaí ficou. Eu ainda lembro de Laranja, que era uma das frutas. Abacate, Buriti...é...Melancia, Goiaba. Eram inúmeras frutas. Manga. Lá onde a gente morava tinha muita Manga. Eu sempre fui louca por Manga, mas não podia. Manga fazia mal. Todo mundo dizia que principalmente Manga. Eu lembro que minha avó dizia assim: “Manga é pus. Não pode” (risos). E ela fazia 165 muito remédio caseiro. Chá de hortelã, que era pra acalmar, pra má digestão....toda erva ela sabia alguma coisa. Tanto que eu queria ficar na Fitoterapia [disciplina da UNITI], mas não deu por causa do horário pela manhã. Ela tinha muitas ervas. Ela tinha canteiros e mais canteiros de ervas. Todo mundo que precisava ela sabia o que dar. A gente morava num lugarzinho e lá era pequeno e tudo, não tinha médico, e tudo ela sabia. Ela sabia remédio pra dor de dente, pra dor de ouvido, pra febre, remédio pra tudo, pra tudo mesmo. O banho também. Era recomendado que a gente tomasse um banho rápido. Não podia banhar na parte da tarde. Não queriam que molhasse a cabeça. Tinha todos uns cuidados, assim. Eu tinha cólica e ela fazia um chá de uma folha que eu esqueci agora. Eu fui cheia de problema nos partos. O meu primeiro parto foi normal. E eu tive uma hemorragia, passei mal e fui pro hospital. Eu tive o primeiro menino em casa. Não foi com médico, foi com parteira. Foi normal, eu tive a criança normal. Após o parto eu tive a hemorragia e então eu fiz uma transfusão de sangue, lá mesmo em Cururupu, mas como eu tive em casa e passei mal eu fui pro hospital. E ficava longe lá de casa, lá do povoado pra cidade. A gente tinha que ir ou de rede ou de canoa. Eu fui na rede porque na canoa o horário dependia de maré e de ter uma canoa pra levar e nem sempre tinha canoa pra levar. Então a maioria ia de rede. Muitos homens seguravam a rede e amarrava num pau, como no tempo dos escravos. Amarrava a rede e levava no ombro. Eu fui assim, perdendo muito sangue. Sensação mal mesmo. Fui pra Santa Casa de Cururupu e lá eu tive que fazer uma transfusão de sangue e me deram o sangue errado. Aplicaram o sangue errado. Eu sou A- e tomei A+ [Eritroblastose Fetal]49. Eu tive problema. Eu perdi duas gravidezes antes do meu segundo filho. Eu não sabia o motivo e nessa época eu morava no Rio de Janeiro. Lá eu perdi essas gravidezes e quando eu engravidei do Carlos, o segundo filho, que foi descoberto que meu problema era o sangue. Aí eu fiz um tratamento, tive que ficar internada. Tive que receber transfusão intra-uterina, sangue no útero. Foi um tratamento muito rigoroso que eu fiz. Eu ficava mais tempo no hospital do que em casa. Às vezes eu passava o dia todo no hospital e voltava só de noite pra casa. Às vezes eu tinha que passar a noite, fazendo a preparação, pra no dia seguinte receber a transfusão intrauterina, mas eu nunca cheguei a evitar. Nunca evitei porque depois eu já fui ligada. Ele, o médico, disse que eu tinha que ligar por causa do problema. Eu não ia poder mais engravidar porque, daí pra frente, toda gravidez ia ter problema. No caso, tudo isso aconteceu porque eu devia ter tomado uma vacina e como lá no interior não sabia, eu não tomei. A minha mãe sempre teve vergonha de contar as coisas. Conversar com a gente, se abrir com a gente. Ninguém contava, era assim como algo vergonhoso. Eu não sabia de nada. Eu lembro assim porque 49 Conhecida como doença de incompatibilidade de Rh sanguíneo, ocorre quando a mãe é Rh negativo e entra em contato com sangue de Rh positivo do filho ou por transfusão de sangue acidental. A partir do contato entre os sangues de Rhs distintos, é preciso realizar tratamento para que este Rh positivo, numa possível segunda gravidez, não entre em contato com o sangue da criança gerada. http://www.medicina.ufba.br/imuno/roteiros_imuno/imunologia_da_reproducao.pdf . Acesso em 27 de junho de 2010. 166 quando eu menstruei eu não sabia nem o que é que era. Quer dizer, não sabia entre aspas, porque eu já olhava minha mãe aqui e acolá, visto que elas usavam panos, não era absorvente. Eu olhava e criança sempre é curiosa e eu perguntava, mas elas não queriam nem responder o que é que era aquilo. Quando elas respondiam, respondiam errado. Era assim: “Ah, isso aí, isso é meu. É que eu uso e tudo...”, mas não dizia o que era, qual era a finalidade. Aí quando eu menstruei, eu me assustei. Eu não sabia o que é que era, mas tinha mais ou menos a idéia, já imaginava né? A gente conversava, eu e minhas primas. Às vezes as primas mais velhas, que menstruava primeiro, contava que nós iríamos passar por isso. Porque do jeito que era minha mãe, eram minhas tias. Sobre sexo, nem falavam. Nem podia falar sobre sexo. Se falasse já era apanhando, era assim. Então aos poucos a gente ia descobrindo. Eu sabia que existia a menstruação, mas eu não explorava, eu gostava era de brincar, tomar banho em rio. E nos primeiros dias eu escondi. Eu fiquei escondida, toda sem jeito. Depois que eu falei pra minha mãe e ela ficava com vergonha. Ela não olhava nos meus olhos. Por isso que os pais tinham todos os cuidados pros filhos não namorarem. Os meus parentes anteriores eram todos analfabetos. Eles não iam pro colégio pra não saber fazer carta pra namorar. Tinha esses cuidados todos na época. Eu tive um namorado lá em Cururupu. Foi mais ou menos um ano, um ano ou pouco mais de um ano que a gente namorou. E quando eu vim pra cá que eu conheci o pai do meu primeiro filho. Eu tinha 16 anos quando perdi a virgindade, mas não foi com o pai do meu filho mais velho. Foi com o de lá [Cururupu]. Nos não chegamos a morar juntos. Naquela época ninguém conversava, era cheio de dúvidas. É como eu falei, a gente tinha até medo de tocar no assunto. A gente não tinha orientação nenhuma. Falar nisso aí era...sobre relações....não se tinha nem conhecimento. Naquela época era um problema ser mãe solteira. Tinha muito problema, e como tinha! Por isso que os pais tinham tantos cuidados. Depois que ele nasceu foi muito bem acolhido por eles. Eles acolheram ele e eu sempre trabalhando e não deixava nada faltar. Quando eu voltei pra cá eles não quiseram deixar ele vir comigo. Aí minha irmã já morava aqui e eu vim morar com ela e trabalhar. Depois que eu tive meu filho, o primeiro, eu comecei a trabalhar nesse tempo nas Lojas Brasileiras. Eu dei uma sorte e comecei a trabalhar direto. Primeiro eu fui pra uma casa de família, mas um dia, eu pela rua, olhei a loja e pensei: “Um dia eu ainda trabalho aqui!”. Porque eu achei muito bonito as meninas lá trabalhando. Ai eu achei...me deu uma vontade muito grande, mas eu já trabalhava em casa de família. Eu tomava conta de uma criança, mas foi pouco tempo. Eu passei acho que...que dois meses tomando conta dessa criança. Aí eu passei lá, entrei na loja, me informei, sem saber de nada. Eles mandaram eu subir uma escada e lá era um escritório. Eu fui, quando eu cheguei lá estavam fazendo inscrição. Eu fiz minha inscrição, fui chamada pra fazer a prova. Fiz a prova, passei e fiquei trabalhando na lanchonete. Com um mês que eu tava trabalhando lá...eu não sabia de nada...e depois eu descobri que eu tinha entrado em período de Natal. Só mesmo 167 aquele período e depois saía. Aí eu...eu...mas nesse período eu aprendi “o caixa”. Aprendi como funcionava o caixa, como trabalhar no caixa. Nós tínhamos o horário de almoço e nesse horário eu não descansava. Eu ia lá pra baixo olhar como as meninas trabalhavam. Fui aprendendo e com 2 meses, que eu tinha entrado lá, eu fui dispensada por causa do período, mas logo depois passei só 15 dias e fui chamada novamente. Quando eu voltei, a lanchonete entrou em reforma, e nós tínhamos que ficar nas outras sessões. E eu ficava direto próximo a um caixa, porque eu queria aprender e aprendi. A lanchonete voltou a funcionar eu já voltei como caixa. Fiz todo um treinamento, fiz uma prova e passei e entrei como caixa. Eu trabalhei lá dois anos. Teve uma falta lá...e eu pedi pro caixa ser conferido e eles falaram que na hora não dava. E ele, o subgerente, queria que eu assinasse assumindo essa dívida do que tava em falta no caixa. Eu falei que eu não iria assinar. Sem o caixa ser conferido eu não assinava. Aí ele achou que era uma falta de respeito com ele e eu não assinei e eles me mandaram embora. E não tinha falta no caixa. Eu soube depois, no outro dia, quando eu voltei lá no escritório ela me disse que o caixa tava certo, que teve um engano porque eles não queriam parar uns momentos. Eles queriam ali, em funcionamento, fazer a conta. Não tinha como, mas era assim que eles faziam. Aí sempre dava engano. Sempre dava erro. Depois teve alguns acontecidos lá e eles botaram dois caixas. Um fechava no horário..... Porque era assim: saía uma turma mais cedo, que era essa turma que eu tava. Eu saía de 17:00 horas por que eu pegava às 8:00 horas da manhã. Eu tive um ano na turma que pegava às 10:00 horas e saía às 19:00 horas. Na época era sete da noite. Depois eu mudei pra primeira turma porque eu perdia muita aula, estudava a noite e perdia aula. Aí eu lutei muito tempo pra passar pra primeira turma até que eu consegui passar. Trabalhei também num supermercado, aqui no São Francisco. Sempre eu trabalhei, mas na época que eu trabalhei nas Lojas Brasileiras eu só tinha o meu filho mais velho, o Pedro. E a minha mãe ficava com ele. Ela que cuidava, porque ele nem morava comigo. Aí eu trabalhei no supermercado Oliveira, aqui no São Francisco. Quando o meu filho mais novo nasceu, que ele nasceu com problema, aí eu já me dediquei mais a ele. Eu não trabalhei mais. Depois que ele já tava com uns três anos é que eu trabalhei um período no Estado com criança, inclusive, numa Creche. Eu trabalhei com criança nessa época. O lugar dessa creche é hoje o Socorrinho. Na época era uma creche. Eu trabalhei dois anos no Estado e depois fiquei parada, foi quando eu botei um bar na Ponta d’Areia. Era um quiosque. Eu tive uns problemas de saúde e parei. Até aí o Carlos me ajudava lá, o mais novo. Aí fiquei muito tempo parada de novo, devido aos problemas de saúde. Foi começando a aparecer osteoporose e eu fui começando a fazer acompanhamento e tratamento. Agora que eu comecei aqui [lanchonete] com minha irmã. Na verdade num tá com duas semanas! E tá dando certo. Vai dar tudo certo ainda! E a UNITI.... a gente só tem a agradecer a UNITI e as pessoas que nos apóiam. É uma família. Lá a gente recebe apoio. Se a gente acha que tá com um problema, a gente chega e já conversa e cada um conta 168 o seu e daqui a pouco se supera.... É aquela amizade! Tá sendo muito bom, pra mim, a UNITI. Muito bom, muito bom. Me fez mudar em muitos aspectos, principalmente em casa. Antes eu era muito exigente com negócio de limpeza. Dia de sábado, tinha dias que eu ia fazer aquela faxina geral na casa. Às vezes eu ia almoçar 3 horas, 4 horas da tarde. Quer dizer, hoje eu já penso diferente. “Ah, a panela tá aí. Deu pra limpar o necessário?” “Vou limpar o necessário, mas quando chega hora de almoçar eu paro e vou almoçar”. Se der pra continuar depois, eu continuo. Se não der, eu deixo. Antes eu não pensava assim! A casa tinha que ser impecável, muito bem limpa. Não é que hoje eu não limpe, mas só que não é mais assim como antes. Quer dizer, eu botava em primeiro lugar filho, marido e a casa. Às vezes eu deixava de cuidar de mim. Deixava até de pensar em mim pra pensar neles. Hoje eu já penso completamente diferente, mas eu aprendi assim na UNITI. Nós somos incentivados lá. As professoras nos dão muita informação nessa parte. E não só os professores, né? Os colegas vem e, com a experiência de cada um, nos ajuda. Então tá sendo muito bom, muito bom. Depois da UNITI, muita coisa mudou. Bastante mesmo. Em termos de associação com os colegas....Porque a gente fica em casa, e é até como uma professora nova agora, que nós temos, nesse segundo semestre, ela relatou que a gente vai perdendo... Perde contato com as pessoas, perde a vontade de sair, e agora estamos tendo mais uma vez a oportunidade de viajar. Antes também teve passeios, só que eram menores. Então esse agora é um passeio mais longo [viagem de seis dias para o Município de Santo Amaro/MA]. E eles, meu marido e meu filho, não criaram nenhum tipo de problema, mas é o tipo da coisa, eu mesma sinto que mudei. Essa parte aí eu mudei. Antigamente era casa, marido e filhos. Quer dizer, eu não vivia, praticamente, a minha vida. Eu vivia mais a vida deles. “Ah, eu não posso sair”. “Ah, eu não posso fazer essa viagem porque eu tenho que cuidar dos meus filhos, do meu marido. Tem a casa pra cuidar”. E hoje não é que eu deixei tudo, abandonei casa, marido e filho. Não, mas eu já tô assim mais entrosada. Não penso mais duas vezes antes de sair! Faço o que tenho que fazer. Se precisar faço só a metade e vou! É o caso dessa viagem, por exemplo. Como teve essa oportunidade agora, que eu tô trabalhando com minha irmã na lanchonete, aí lá em casa tá mais assim só. Só com eles. Eu venho pra cá, passo a manhã toda e daqui já vou direto pra UNITI. Eu dou uma ajuda, adianto. Já deixo adiantado alguma coisa aí eles se viram como der. Conseguem se virar, vão botando almoço, lava uma roupa que pode. Jamais eu faria uma viagem dessas, pra passar seis dias fora. Eu não iria antes. E muita gente me pergunta, e porque agora vocês estão fazendo isso? Eu respondo que hoje eles se viram. Meu filho já tem 23 anos, já sabe fritar um ovo pra comer, já sabe esquentar alguma coisa, um bife. Eu deixo adiantado na geladeira e eles fazem. Eu deixei muita coisa pelos meus filhos. Os meus filhos eram menores, precisavam de mim e eu perdi oportunidade de trabalhar e até de estudar, continuar a estudar. Eu achava que eu deveria cuidar mais dos filhos e sempre ficava preocupada. Eu sair e o pai também sair, como é que ia ficar uma criança dessas? Ou na mão 169 de uma pessoa, pra deixar em casa pra tomar conta? Essa pessoa não ia ter os mesmos cuidados que eu. Agora não. Agora tá diferente. Agora já tá criado. Eu já tenho neta de 05 anos, mas nunca, desde pequena, eu nunca cuidei dela sozinha. Nunca pensei: “Eu não vou em tal lugar porque eu tenho que cuidar de neto!”. Eu já cuidei, assim, em período que a mãe trabalhava. Eu cuidei. Ficava com ela na parte da tarde. A mãe ia trabalhar e eu ficava até a hora que a mãe chegava, mas pra trabalhar. Assumir neto, não. A não ser que seja um caso diferente, um caso de doença. Se for pra estudar a noite, sim, mas do contrário, se for pra sair, não. Eu acho errado. Às vezes acontece do filho não querer nada com a vida e ter uma criança, aí depois ele quer que os pais cuidem! Eu acho errado isso aí. Não é que eu sou contra a pessoa estudar, mas na hora que teve sua chance não valorizou no tempo certo. O meu marido é garçom. Trabalha à noite. Ele tá levantando agora porque ele trabalhou à noite (risos). Ele chega lá pra madrugada....03:00horas. Ele sempre trabalhou de garçom. Desde que nós nos conhecemos. Ele nunca precisou mudar de profissão. Nós criamos os meninos. Eu conheci ele ...eu morei aqui com a minha irmã. Depois a outra irmã, a mais velha, separou do marido dela. O marido dela bebia muito e ela separou e veio pra cá. Aí a casa da minha irmã já vivia muito cheia, porque já tinha meu irmão, eu, aí chegou ela...tinha uma sobrinha. Então nós duas decidimos alugar um quarto pra nós duas, eu e minha irmã mais velha. Lá nesse local que tinha os quartos, foi lá que eu conheci meu marido. Aí nós nos conhecemos lá porque ele também já morava lá, num quarto. Daí nós fomos morar junto. Nós passamos aqui um ano, foi um ano ou pouco mais que isso... não lembro ao certo. Daqui nós viajamos pro Rio (RJ). Lá no Rio foi que eu tive o meu segundo filho, o Carlos. Só que nesse intervalo, o meu filho mais velho ficou com a minha mãe. Ficou lá no interior porque minha mãe não deixava de jeito nenhum eu levar. Os meus pais se apegaram muito, muito a ele e até hoje ele chama mãe... ele me chama de mãe e chama minha mãe de mãe e papai, de pai também. Eles são muito apegados a ele. Lá no Rio eu tive o Carlos, que é o meu caçula. Nós passamos uns 6 anos e pouco no Rio. Aí de lá nos viemos pra cá. Foi a época que o Carlos nasceu. Ele nasceu com problema de saúde por causa do meu sangue. Eu me sentia muito cansada, muito só porque que ele [marido] sempre trabalhava. Ele sempre trabalhou a noite, passava a noite fora, trabalhando. Ele chegava as vezes de madrugada e eu ficava só com Carlos... ele muito pequeno, era muito dependente de mim, era muito trabalhoso cuidar dele. Eu me sentia muito cansada porque durante a minha gravidez eu ficava mais tempo no hospital do que em casa com ele,... grávida. Então eu ia pro hospital fazer o tratamento, acompanhamento médico até quando ele nasceu. Ele nasceu prematuro, ficou mais tempo ainda no hospital. E eu todo tempo junto. Aí eu sentia muita vontade de vir embora pra cá. Quando ele tava com... com um ano, já, eu vim embora. Eu vim e depois fiquei voltando no Rio pra levar ele pra fazer acompanhamento com a pediatra lá, porque o caso dele era sério. Eu fiquei até com.....com uns 4 170 anos eu deixei de ir porque ficava muito caro. Aí eu deixei de ir. Hoje que tá mais barato ir. Na época era muito dispendioso, muito caro. Eu tinha uma prima que morava lá e ela ajudava. Teve uma época que eu vinha e ela me ajudava. Ela me ajudava nas passagens. Mesmo assim era muito ruim pra mim. Porque não podia ir eu e meu marido. Tinha que ir só um. E no caso era eu que tinha que ir com ele. E mesmo porque não tinha despesa lá, porque eu ia ficar na casa de minha prima, mas de qualquer maneira só as passagens!!! De lá a gente ficou por aqui mesmo. A médica de lá mandou um... recomendou um médico do Materno Infantil [Hospital Universitário Unidade Materno Infantil] aqui, e ele ficou fazendo acompanhamento. Ele foi crescendo e foi diminuindo os problemas de saúde. O Pedro estudou também, se não fez uma faculdade foi por que... não chegou a fazer vestibular... devido a problema dele mesmo. Os meus pais apoiavam muito ele e eles tiravam minha autoridade. Então é aquela tal coisa: com a gente - eu sempre falo isso - os filhos, eram rígidos demais e já com os netos não! Liberava até demais. Assim, tudo que eu falava: “Pedro, vai estudar!”. Sempre eles tomavam a frente. Sempre eles tiravam minha autoridade, mas mesmo assim ele foi trabalhar na Arapuã. Trabalhou na Arapuã até quando fechou, quando faliu. Quando ele saiu da Arapuá.... é o segundo emprego dele hoje. Ele tá na Skincariol. Entrou como vendedor e hoje ele é supervisor. Já o Carlos se formou e o primeiro emprego ele começou agora, em janeiro. Se formou e já começou. Já conseguiu isso, né! Ele trabalha na Ênfase [Consultoria em Meio Ambiente]. Continua fazendo uma outra faculdade, que ele gosta de estudar. É o que ele gosta. Não quer parar por aqui. A experiência de ser mãe... ser mãe é uma experiência maravilhosa. Eu tenho muito a agradecer a Deus pelos dois filhos que eu tenho. Eu nunca tive problema. Eu vejo muitos casos de mães que tem problema com filhos. Filho com drogas, com más companhias. São muitas coisas que a gente vê hoje. Eu não criei eles solto não. Eu sempre fui rígida, não como os meus pais, mas também sempre criei meus filhos sempre obedecendo, respeitando bem as pessoas. Lá em Cururupu a gente só saía mesmo quando tinha festa e a gente participava. Nós morávamos num povoado de Cururupu e lá era mais difícil sair. Depois, quando viemos estudar na cidade de Cururupu mesmo, tinha cinema e era mais movimentado né! Aí, sempre morando em casa de parente,daqui e acolá a gente saía, mas era o mesmo ritmo, porque tinha parente que já liberava as filhas pra sair só, iam pra festa, cinema, e tinha uns que não liberava. Então tinha que ser na casa de um parente lá do ritmo lá de casa, mas aí depois de um certo tempo a gente já saía assim...eu e minha irmã nós já saíamos. Alguma festa que tinha.....festa de colégio, essas coisas. Porque eram poucas também. E os meus filhos saiam, mas também não era solto assim. Quando já estavam rapazinhos, mas não era devido o...não era o problema de querer manter dentro de casa, ou outra coisa. Era o medo. A gente mora numa área que a gente vê muitos casos, problemas, a maioria com meninos de 10 anos solto, vê eles fumando, vê bebendo, no vício, cheirando cola. Aqui é uma área que tem muito, São Francisco 171 [em referência à proximidade com a Ilhinha]. Tem muito isso ultimamente. Ultimamente e sempre teve..... Eu criei um pouco preocupada, mas eu deixava, eu soltava. Eles foram sair já grande ....O Pedro sempre gostou de sair. Ia em festa, saía com os colegas, com os primos, mas o Carlos nunca gostou. É porque ele não gosta mesmo. Ele não gosta de sair, ele não gosta de festa. Namoro era aquela rigidez, mas quando foi mesmo na época de namorar mesmo eu já não tava por lá. Eu já vivia mais aqui estudando. Já foi mais leve. Eles não tinham como controlar muito. E com meus filhos eu tive muito cuidado nessa parte aí..muito cuidado. Eu sempre aconselhei nos namoros. Pode namorar, mas quando vê que tá muito...tá... já tá muito assim...profundo, tem que ter cuidado. Carlos, no caso, que Pedro começou logo a namorar e aí ...O Pedro quis logo ser independente. Ele começou... ele foi logo, comprou terreno, começou a trabalhar logo, fez uma casa. Quando ele arrumou...quando a menina foi morar com ele, ele já tinha as coisas dele tudinho. Só que ele vivia lá e aqui. Fazia comida, levava pra lá. Antes ele morava só. Ele tinha as coisas dele. A minha irmã mais nova veio morar pra cá, então, ele morava aqui e eles se juntaram pra alugar casa os dois. A minha irmã arrumou família e ele ficou só. Daí foi quando ele ficou na casa, pagando aluguel, mas aí um dia ele chegou pra mim falando que tinha um dinheirinho e ia comprar uma moto pra ele. Aí eu falei pra ele: “Não, você não vai comprar não. Você vai comprar ou um terreno ou uma casinha que você já ta namorando e não vai pensar que vai namorar e trazer mulher pra cá, pra dentro de casa. Tem que primeiro arrumar o local pra depois pensar em casamento”. Eu já sabia que o namoro deles estava um pouco avançado. Ela já dormia por lá na casa, na casa alugada. No começo ele se chateou, mas ele caiu na real. Comprou o terreno, fez a casa. Fez uma parte em cima pra ele morar e embaixo fez quarto de aluguel. Continuou trabalhando na Arapuã e quando eu pensei ela já tava lá dentro da casa morando com ele. Casaram e tem uma filha. Hoje eles estão morando no Turu, mas a casa deles continua aqui. Eles alugaram. [Pensativa] Já o Carlos, ele sempre foi mais quieto. Ele tem namorada, ela vem, visita e tudo, mas ele é calmo. O Pedro que sempre foi mais sapeca. Eles são bem diferentes. Pedro não pensava duas vezes. Quando tinha festa pra ir, eu dizia: “Vai!”. E ele sempre respeitava, mas quando eu dizia não, era não e pronto! Quando eu liberava, ele saía mesmo. Carlos não gosta muito. Hoje ele tá formado. É muito estudioso. Trabalha. Ele nunca me deu trabalho em termo de estudo. Eu e meu marido não chegamos a casar na Igreja. Nos só convivemos. Ele aceitou meu filho, até porque eu nunca escondi, nunca. Meu filho tava com meus pais, mas eu trabalhava aqui. Quando eu trabalhava, aqui, nas Lojas Brasileiras, quando eu recebia...Às vezes mal dava pra mim, visto que eu morava com a minha irmã e eu não tinha despesa. Eu almoçava até na loja, tinha a comida de lá. Então, quando eu recebia já era direto pra mandar. Às vezes não dava nem pra comprar uma sandália. Quando eu conheci ele foi a primeira coisa que eu falei. Ele não se opôs. Inclusive ele queria que o meu primeiro filho morasse com a gente. Ele queria que ele morasse com a gente, 172 mas ele já veio depois de um certo tempo. Depois que nós voltamos do Rio, devido problemas de colégio. E ele, o Pedro, que é o mais velho, ele sempre foi assim mais peralta em termos de estudar. Mais preguiçoso. Ele é inteligente, mas como ele se achava inteligente, sabido, ele achava que resolvia tudo com a inteligência dele. Não queria estudar, tinha preguiça. E meus pais davam o maior apoio pra ele. Então eu não podia falar nada. Eu não podia dizer nada, porque ele é que tava certo. Então, depois teve que vir pra cá. Veio pro colégio e daqui que ele foi estudar e tudo. [A vizinha chega à casa de Joana e pede um pouco de açúcar emprestado. Depois que aquela sai, Joana comenta que ela é homossexual e vive com outra mulher] .....Tá tudo confuso hoje em dia. É uma confusão porque a gente tem que parar bem pra entender. Eu vejo muito, aqui mesmo, homem casando com homem; mulher casando com mulher. Já passa na televisão. Então eu vejo assim muito....[pausa e hesita responder]...eu não sei se é um preconceito isso aí, mas eu também leio muito a Bíblia e eu vou muito pela parte de que o homem foi criado pra mulher e a mulher pro homem. Não é... quer dizer, não sei se é preconceito, mas eu sou contra esse relacionamento de um homem com outro homem e mulher com mulher. É estranho. Eu acho muito esquisito. Agora, por exemplo, relacionamento de pessoas com idade diferente, já esse dependendo do que a gente vê, dependendo do caso. Tem caso que algumas meninas bem novinhas, que se relaciona com uma pessoa de certa idade, mas através de dinheiro, às vezes até pensando em fazer algum mal e depois que a pessoa morrer vai ficar.... pensa mais nesse lado. A gente vê né! São casos que acontecem e a gente vê que são coisas verdadeiras, mas tem vezes que a pessoa se apega, até pela experiência, se é mais velho. Talvez seja uma mulher que vem de uma experiência de sofrimento muito grande e se apega àquela pessoa. Então, eu já não vejo assim com muito preconceito. Agora de gostar de pessoa do mesmo sexo sempre teve, inclusive na minha família. Na minha família assim... a gente, nós, no caso... Ele era da minha idade, nós éramos amigos. Era meu primo. Ele era mal visto pela família. Os irmãos queriam bater nele. A gente que evitava... que procurava evitar. Ele... ele que não se entrosava muito com os meninos. Ele brincava ...ele só mais coisa de mulher. E a minha tia, que era a mãe dele, ela só teve filho homem e aí eu não sei se teve alguma contribuição pra isso, dando tarefas.... porque ela tinha muita vontade de ter uma filha e a filha que ela teve morreu. Aí ele foi crescendo e eu não sei...eu tenho assim... eu era pequena na época né, quando ele começou...aí quando cresce que a gente vai vendo que é. Eu acho que teve alguma participação da minha tia. Era ele que fazia as tarefas de casa. Mais ele. Ele lavava roupa, ele passava, ele queria tudo....Ele cuidava de jardim, que tinha um jardim na frente da casa. Cozinhava. Aí depois a minha tia faleceu e eles ficaram... Eram muitos filhos. Eram treze, se não me engano. Então o marido dela arrumou uma outra pessoa, que não aceitava esse filho, e a minha avó, que ainda era viva, ficou com uma parte deles; morou um com meu pai. 173 Eram muitos irmãos e foram espalhando. A prima que eu morei aqui, exatamente ela, foi pra Belém e de Belém eles foram pra Natal. Ela morava na época em Natal e mandou buscar. Ela queria ajudar ficando com um dos meninos, um deles. E foi ele. Foi lá que ele se revelou (risos). Quando ele veio de lá ele já veio assumido, mas só que nós já percebíamos. Desde pequeno. Alguns da família aceitaram, outros não. Inclusive alguns irmãos. O pai dele também não aceitava. Não gostava dele. A minha avó, que ele morou um tempo com ela, não percebia...Ela já tava de idade e ela já foi perceber quando ele voltou de lá. Quando minha prima descobriu lá ela trouxe ele por isso, porque ele já não obedecia muito eles já, já tava acontecendo isso. Ai ela trouxe ele. Nesse tempo minha irmã morava aqui e ele foi pra lá com a minha avó. Como a minha avó vivia muito doente, um dia meu pai ligou lá e pediu pra minha irmã pra ver se ele podia ficar com ela porque ele vivia lá dando trabalho pra minha avó e minha irmã trouxe. Ele ficou morando com a minha irmã e trabalhava em restaurante. Meu cunhado que arrumou serviço pra ele no restaurante, porque ele cozinhava como ninguém! Cozinhava muito bem! Depois de um tempo ele foi embora daqui. Ele fugiu, ninguém sabia onde ele tava. Ele sumia e ninguém sabia notícia dele. E numa dessas sumidas dele, passou muito tempo, ninguém sabia. Nós achávamos que ele estava morto. Depois de muitos anos tivemos notícia que ele tava em... depois de algum tempo tivemos notícia que ele tava no Pará.....Eu não lembro a cidade do Pará. Só tivemos essa notícia e passou muitos anos de novo pra saber... ninguém tinha notícia dele. Acharam, de novo, que ele tinha morrido e foi quando ele nos deu notícia que tava em São Paulo. E tá com pouco tempo que ele faleceu. Ele foi morto. Ele saía pelas madrugadas, mas ele assumido, vestia roupa de mulher, se pintava, se depilava, assim....era todo mulher. Um dia ele vindo de madrugada, da farra dele, um carro bateu. Eles dizem que os carros botam de mal, fazem de propósito porque conhecem os gays e fazem isso, mas ninguém sabe né? Pode ter sido que não, que a gente não sabe. Podia ser que ele tivesse bêbado... A gente não sabe. O certo é que ele faleceu lá. Ele já veio mudado, mas devido à família, aqui ele era mais contido. Ele tinha mais abertura comigo e com a minha irmã e ele contava as coisas dele. Ele não tinha cerimônia conosco. Ele veio mudado, mas quando ele teve aqui fazia tudo escondido. Quando a gente menos pensava ele já tava pronto pra sair em escola de samba. Ele se pintava, se vestia de baiana. Assim que ele era...as roupas dele eram todas roupas de mulher.. A gente olhava se ele tinha feito operação, se tinha botado silicone, mas só se foi lá em São Paulo e isso eu não sei nem te falar. Eu não sei lá em São Paulo, que ele morreu e o corpo dele ficou lá mesmo. Ele foi enterrado lá. Enquanto ele tava por aqui nada.... Ele se depilava, tirava sobrancelha, alisava o cabelo. Todo mundo achava ele parecido com a minha irmã mais velha, que já faleceu. Ele era muito parecido com ela. Todo mundo achava pelo jeito que ele se pintava, que se maquiava. Tinha gente que até confundia e pensava que era ela. Eu cheguei a ter um início de depressão, mas não foi nada muito sério... Sempre gostei de fazer minhas caminhadinhas e faço pela 174 manhã... e não foi assim muito. Aí depois eu cheguei na UNITI, quando eu descobri a UNITI só fez é melhorar, só melhorar. Aí teve passeios, inclusive ontem teve um passeio no SESC. Eu não fui, eu perdi, mas eu fui em outro anterior no SESC. Teve passeio o dia todo na praia. Almoçamos na Raposa. Passamos o dia todo. Não foi só na Raposa. Começou aqui, no Reviver, passou pela Ponta d’Areia, Calhau, Olho d’Água, Araçagy, Raposa e São José de Ribamar. O grupo estava animado! Foi dividido em dois grupos porque era muita gente. Na primeira etapa foi na semana passada e essa semana foi meu grupo. O primeiro do SESC tava indeciso e a coordenadora do passeio daria a resposta na segunda, mas eu fui pra oficina na terça e quando cheguei à noite meu esposo falou que tinham ligado de lá avisando que seria na quarta pela manhã. Eu não tinha me preparado. O meu filho tinha o almoço dele, tinha que levar meus pais pra vacinar, aí não deu pra ir. Vai ter mais [responde animada]. Ela sempre faz. A professora de “sentindo o corpo na terceira idade”. Pra mim tá sendo muito bom as aulas da UNITI porque eu vejo a minha mãe. Ela começou a envelhecer com o problema da saúde....da Diabetes, e ela morava na época no interior. É de muitos anos a diabetes dela. Ela levou aquilo que tinha como o fim pra ela. Ela se via como aquela pessoa que não podia mais fazer nada, que já ia morrer ali. Então...é muito difícil convencer...ela, mamãe. É muito difícil convencer que ela tem que fazer caminhada, que ela tem que se exercitar. Que ela pode fazer algum movimento. E até hoje nós nunca conseguimos. Tanto que pra sair com ela sempre tem que ter alguém, ou eu ou minha irmã. Ou vai meu marido, ou vai meu cunhado, mas sempre tem que ir alguém pra levar, que ela já não anda bem de ônibus. Sempre tem que ir alguém, ou então meu filho vai. Pra botar ela no carro é difícil, pra tirar também. Ontem eu tava olhando assim o jeito dela...ela tá com 85 anos e parece ter mais. E tudo assim...ela .....ela tem um medo horrível. Eu vinha com ela ontem e meu pai tem 91 anos, mas ele é incrível porque ele não aparenta a idade. É muito engraçado o jeito deles (risos)! Ele que cuida dela. Ele que faz a comida dela. Ele faz tudo! Ele faz questão de fazer as coisas pra ela. É muito interessante a vida deles. Às vezes tem oportunidade dele viajar pra Cururupu e eu digo: “Pai, vai! Passa uma semana lá. Eu venho pra cá. Tomo conta dela”. Ela toma insulina todo dia. Todo dia eu vou lá e minha irmã, que mora lá pertinho, todo dia ela vai lá antes do trabalho aplicar a insulina. Tem uma menina, amiga da gente, que é Agente de Saúde e mora lá perto também e vai e aplica, mas ele não vai. Ele não sai! Ele não quer sair, ele não quer deixar de jeito nenhum. Ontem eu tava vendo lá dentro do Paulo Ramos [Centro de Saúde Paulo Ramos] e na saída tava apertado e ela queria vir agarrada nele. Eu disse: “Mãe, solta o papai. Deixa ele passar na frente”. Ela não quis soltar. Ela só tem confiança nele. Ela acha que ela só comigo ela vai cair, e com ele não. Agora ela se acomodou logo. Ela ficou doente, hipertensa, diabética, e ela não faz praticamente nada. E eu já faço minha caminhada todo tempo. Faço... Já fiz ginástica muito tempo. Fiz fisioterapia, mas eu parei porque eu fazia pelo plano de saúde, mas como dependente do meu filho, porque eu não tenho condição de pagar, 175 você sabe que plano é caro, né? Eu não posso ter, no caso. Então, como o Carlos tem problema de saúde eu fiz um plano pra ele que é mais barato. Com muito sacrifício que eu fiz! E o Pedro, quando ele entrou na empresa, entrou com plano de saúde e me botou como dependente, mas agora eles tiraram, cortaram os dependentes....mãe e pai....eles cortaram. Eu saí e fez uma falta muito grande. Era muito bom. Já o de Daniel é individual e eu não posso entrar como dependente dele. Eu fazia ginástica duas vezes na semana. E ainda tinha a fisioterapia. Agora tem também particular, mas particular é caro, né. Com muita pena eu tive que deixar. Sempre faço caminhada, continuo andando. Vou até lá em frente à Lagoa, volto e vou à casa dos meus pais e depois venho embora. Todo dia, todo dia não digo porque tem dia que chove, tem dia que eu tenho que marcar consulta pra eles, tem dia que eu tenho que levá-los pra fazer exames. Eu fazia porque antes da UNITI, quando não dava pra eu ir de manhã eu ia a tarde, até uma pracinha, lá depois dos prédios. Lá em frente tem uma praça. Eu não ia mais adiante porque antes era perigoso, hoje tem uma cabine da polícia. Eles ficam lá e é mais seguro. É bom pra fazer caminhada. A gente fica às vezes receoso de ir, devido os assaltos que tem, mas tem por todo lugar, a gente não pode deixar de sair de casa, ficar trancada em casa. Tem gente que pensa: “Ah, deveria ter aproveitado mais. Eu deveria ter ....”. Se fosse ao contrário, se eu pudesse recomeçar agora eu não teria feito de um jeito que fiz. A gente avalia mais. Para mais pra pensar. A minha limitação, o que eu sinto é devido a minha osteoporose. Eu descobri isso ai, já tá com um tempo e eu comecei a sentir algumas dores muito anormais. Eu fui no médico, fui na médica e contei o que eu sentia na minha ginecologista e ela pediu o exame. Eu fiz o exame e pra minha surpresa deu. Então eu já venho fazendo acompanhamento também dessa parte. As limitações, as únicas que eu tenho é dessa parte aí. É, mas eu mesma gosto de fazer minhas coisas. Sempre eu mesma gostei de lavar minha roupa. Eu nunca gostei de máquina. Até de outras pessoas eu lavava, porque eu sempre gostei, mas hoje eu já não posso mais. Eu lavo, não é que eu não lave, mas coisas mais pesadas eu já sinto. Assim, varrer a casa e passar o pano eu sinto um pouco, não é todo tempo. Eu acho que isso tem haver com o tempo, quando a gente faz muito movimento aí eu sinto. Tem também a lavagem de roupa que eu sinto. Até aqui eu nunca quis máquina, mas aí agora eu optei. Eu já comprei e só tá faltando instalar. O rapaz tá fazendo até um serviço aqui pra colocar porque eu não to podendo lavar. As roupas do dia-a-dia, mais leve, tudo bem, mas toalha de banho, colcha, essas coisas mais pesadas, aí fica mais difícil. E eu optei por isso. Agora o que eu mais sinto é passar o pano na casa e varrer, o principal. É o principal! Cozinhar, como aqui é só eu, meu marido e meu filho, não tem que passar a manhã todinha. Fazer um monte de comida, pra um monte de gente, como eu lembro que era lá na casa da minha mãe. Era muita gente! Aqui, como é só nos três, qualquer coisa dá, qualquer coisa a gente come. Isso tudo não é coisa que não se possa resolver. Sempre que eu posso chamo uma pessoa pra fazer uma faxina e quando tem muita roupa, agora que tem muita, eu só lavo o 176 necessário, e se eu vejo que eu não posso, eu não forço. Eu levo pra casa do meu filho e lavo na máquina lá. Agora que eu comprei, aqui vai ficar mais fácil. Meu filho, qualquer coisa leva, que ele sempre passa por aqui. Tá em rota por aqui, aí bota a sacola de roupa no carro e ele leva. Quando chega lá a minha nora bota na máquina e depois ele traz ou então eu vou pra lá, passo o dia e lavo por lá e volto. 177 FRANCISCA Eu sou do Piauí, Teresina, né , aí eu nasci no dia 30 de Agosto de 47. Em Teresina. Eu vim pra cá conhecer o Maranhão. E com dois meses que eu tava aqui no Maranhão, eu namorei, noivei e casei. Uma irmã minha veio pra cá porque o marido era do Exército, aí se aposentou lá, reformou, e aí veio pra cá. Aqui ela teve nenê e quando...ela pediu pra mamãe: “Mande uma das meninas aqui pra me ajudar”. Aí mamãe mandou a outra irmã, mas ela disse: “Mamãe, eu mesma que não vou”. Eu disse: “Eu vou mamãe!”. E eu vim. Quando eu cheguei aqui era uma saudade de casa. Uma semana e ela, minha irmã, dizia assim...Ela dizia pro esposo dela: “José, eu vou mandar Francisca voltar por que ela vai se acabar de tá chorando”. A vizinha dela, o marido dela trabalhava na Petrobrás, e então teve um acidente com ele. Ele caiu de uma escada e quebrou a clavícula e teve crise de apendicite. Então isso foi numa quarta-feira e quando foi no domingo ela convidou, perguntou pra minha irmã se ela deixava eu ir com ela lá no Dutra [Hospital Universitário Unidade Presidente Dutra]. Aí ela: “Vai, pelo menos se distrair, que vive triste pelos cantos”. Ela veio e perguntou: “Tu não quer ir não gordinha?” Eu disse: “Ah, eu vou pra hospital pra fazer o quê?” Por que eu sempre gostei de brincar né, e ia fazer o quê lá? Ia ver doente? Ela disse: “Não, tem uns amigos do meu marido”. E eu disse: “Ah, então eu vou!” Cheguei lá não encontrei ninguém, só o doente, todo enfaixado. Eu disse: “A senhora me enganou, cadê os homens que tava aqui (risos)?” Ela disse assim: “Não, mas eles vêm, eles vêm. Antes da gente sair eles tão chegando”. Quando nós estávamos pra sair, lá estava ele na porta. E ela disse: “Vai abrir lá gordinha”, que ela me chamava de gordinha. Aí eu fui abrir e era meu esposo. Ele ficou parado, parado ali olhando pra mim. E eu: “Vixe Maria, o que foi isso?” Ela disse assim: “Tu não disse que não vinha ninguém aqui?” Ai eu respondi: “Ah, mas agora melhorou já a situação”. Nesse encontro da gente, nós nos conhecemos, no outro... com uma semana ele foi onde meu cunhado, que meu cunhado era do Exército, era cheio de coisa, ficava no “pé” da gente todo tempo, já falou e começou a namorar comigo. E com dois meses nós casamos, e já tô com 38 anos de casada. Ele era da Petrobrás. Depois a Petrobrás transferiu quem tinha mais de 10 anos e como ele não tinha nós ficamos aqui no Maranhão. Eu Tenho quatro filhos, meus filhos são maravilhosos. São três homens e uma mulher. A mulher é casada, mora em Belém e é evangélica. O marido dela é pastor e hoje mora em Belém. Os outros: um é para-médico, do Corpo de Bombeiros, o outro é da Polícia e o outro é segurança particular, mas no momento ele trabalha na SEMARC, ali onde marca consulta na Alemanha. Tenho sete netos. Quatro mulheres e três homens. A caçula vai fazer um ano, tem outro de um ano, quatro anos, cinco anos.... tem dois de cinco anos, mas com a diferença de mês né. E tem uma de dez anos e uma de treze anos. A mais velha mora em 178 Caxias e os outros moram aqui e o da menina de Belém.... os outros moram aqui. Eu fui criada por minha avó. Minha mãe me deu pra minha avó me criar com dois meses de nascida. Não fui criada em Teresina, fui criada em União (PI). É bem pertinho, dá assim uma hora e meia de ônibus, mas de carro é rápido. E lá que eu terminei meu primário. Ela veio pra Teresina e eu comecei....naquela época a gente fazia quinto ano, exame de admissão, e eu fiz até o segundo ano ginasial. Foi o tempo que eu parei, casei e agora eu queria continuar, mas não podia com os filhos tudo pequeno. Minha....Minha irmã mais velha que também foi criada com minha avó até quando ela ficou moça. Estudou o primário todo lá em União. Foi a época em que eu nasci, e minha avó já tinha perdido o marido, meu avô, e tava sozinha. Aí papai prometeu pra ela: “Mamãe, nessa próxima barrigada eu vou lhe dar”. Bem assim, desse jeito. Eu nasci e com 2 meses ela me levou. Quando eu era pequena, pra mim, minha mãe, meu pai e minha avó tudo era ela. Por que era com ela que eu morava. Quando ela morreu que eu voltei pra mamãe. Aí foi quando eu voltei. Minhas irmãs tudo com ciúme porque mamãe queria me fazer todo carinho que ela não fazia pra mim. Ai foi indo, foi indo, foi indo, e tudo bem. Aí vim pra São Luís e casei. Minha mãe teve vinte e dois filhos, viveram dezoito. Já depois de casado, de idade, que morreram quatro e ficou quatorze. Essa minha irmã, que eu vim pra cá, São Luís, passar uns dias com ela, ela já faleceu. Agora nós só temos onze irmãos vivos. Pois é minha filha, minha vida é nesse Maranhão, mas....Eu gosto, não vou dizer que não gosto, mas meu maior desejo era morar em Teresina. [Pausa longa]... Eu tenho vontade de voltar, mas ele não se dá bem em Teresina. Ele também não é daqui do Maranhão. Ele é de Manaus. Quando eu conheci ele tava com três, quase três meses que tinha se mudado, transferido de lá de Manaus pra cá. Eu moro aqui, mas nunca fui em Manaus. Ele tava pra lá em dezembro [2009], passou dois meses lá, mas eu não ando de avião, não ando de navio. Todo mundo diz que eu tenho que perder o medo, mas eu me apavorei porque uma prima minha morreu num desastre de avião. Ele passou foi dois meses, novembro e dezembro. Ele foi no dia 11 de novembro, passou dezembro e voltou no dia 11 de janeiro. Todo mundo perguntou por mim. A família dele já veio quase toda aqui. Eu trato bem, tudo, mas eu não. Eu não vou lá. Os meninos dizem: “Mamãe, a senhora vai com papai. Eu lhe dou a passagem” - que foi o presente dele de aniversário em setembro. “Mamãe, eu dou pra senhora”. E eu: “Não meu filho”. Pra ir bem aí em Belém, a minha menina quer que eu vá de avião, mas eu não vou não. Vou de Expresso [empresa de transporte rodoviário]. Eu vou olhando as paisagens. Eu gosto de olhar as paisagens, as cidades onde para. Ver tudo. Então assim vou só daqui pra Teresina de ônibus (risos). É uma cidade quente, mas é uma cidade boa. Tem muita coisa boa que não tem aqui. Eu tenho muita vontade um dia, se Deus quiser. O meu marido se aposentou. Eu tinha na mente assim: “No dia meu marido se aposentar, a gente passava seis meses lá e seis meses aqui”, mas ele não quer não. Ele quando chega lá adoece por causa do calor. Se bem que aqui 179 também tava calor. Ele tava em Manaus e pegou calor de 42 graus. Ele adoeceu lá, mas tava com a família dele lá, e tudo. Quem sabe, né? Deus é quem sabe se um dia eu perco esse medo e vou lá! Vou fazer 40 anos de casada e ainda não fui lá! Não sei não. Vim embora pra cá e aqui vou pra Teresina de ano em ano. Perdi já meus pais, já morreram. Meu pai morreu primeiro e com um ano e oito meses minha mãe morreu. Aí eu fiquei, mas eu vou todo ano em Teresina. Ainda tenho irmão por lá. Tenho irmão em Imperatriz, no Rio de Janeiro. Aqui tem eu...tem três irmãs aqui, eram quatro com a que morreu. Ainda agora uma colega tava aqui e depois que meu filho saiu ela disse: “Francisca, teu filho é tão educado”. Assim que eu fui criada e assim que eu criei. E eu pretendia tanto que minhas noras criassem tanto os filhos do jeito que eles foram criados, mas não, fazem gosto. Meus filhos eles chegam... dá boa tarde e olhe, essa é uma amiga minha e ele vem e já fala, eu quero que você veja. Eles tudinho, Jorge, Sílvia, João e José, meus filhos foram criados do jeito que eu fui criada. Minha criação foi assim, tratar bem todo mundo e não desejar mal ao próximo. Minha criação foi mesmo caseira, muito caseira. Naquela época a gente saía pro colégio, chegava em casa e brincava, andava...eu tamanha quinze, dezesseis anos brincava de se esconder. Eu só casei com vinte e dois anos..... Todo mundo dizia lá, pra nós lá, que quem casa com vinte e dois anos já tinha dado “três tiros na macaca” (risos). O povo dizia que tinha passado a hora de casar, e eu acho que eu tinha dado era mais (risos). Minha vida foi dentro de casa cuidando de menino porque casei e com um ano de casada já tinha filho. No outro ano, outro filho. Ainda não tinha nem feito um ano!! A minha vida....eu perdi minha mocidade, pra completar, cuidando de meus filhos. Nunca paguei ninguém. Nunca levei filho pra casa de mamãe pra ela cuidar. Eu aqui nessa casinha criei meus filhos tudinho. Todos eles. Fui mãe e pai dos meus filhos. O marido saía de manhã pro serviço, almoçava pra lá mesmo. Eu é que ia pra colégio, eu é que ia pra reunião, eu é que ia pra todo lado com meus filhos. Então, eles são mais apegado a mim do que ao pai (risos). Então, nunca deram pra ser sem vergonha, nunca fez coisa que não deve, que eles todos me respeitam. Tão casados aí, mas se eu disser não, é não. O meu filho tá chegando, que ele mora bem aqui no Angelim, e às vezes a mulher tá trabalhando, ele pega o nenê e diz: “Mamãe, fique ai rapidinho que eu venho depressa”. Aí ele toma umas 2 ou 3 cervejinhas e volta. E meus netos...quer dizer, não é.... O convívio é quando eles tão aqui em casa....são tudo pequenininho. Tem um....é assim, vai tudo da criação. [Fala com discordância] Já a mãe que quer uma coisa, já o pai quer tratar do jeito que eles foram criados, né. Já a mãe de hoje já acha tudo moderno. Esse aí saía de manhã e só chegava de noite e eu não ia esperar... “Vou esperar teu pai chegar pra tomar providência?” Eu tomava era logo, pois é...pra educar...hum! Enquanto ele estava no trabalho, eu tava em casa. Num terminei meus estudos. Eu arrumei um emprego naquela época que João Castelo... e eu não assumi porque eu tinha quem ficasse com meus filhos. Não tinha mesmo e eu não tinha confiança, não vou mentir. Minha mãe criou dezoito filhos, nunca botou 180 ninguém pra morar junto que ela não tinha confiança, já vieram morrer depois de adulto. E assim, hoje em dia a gente vê televisão aí, essas babás. Agorinha mesmo apareceu uma babá aí dando em uma criança de três meses. Que coisa horrível! Eu mesma tomava de conta de meus filhos. E agora querem que eu tom conta de neto! De jeito nenhum! Não, mas menino! Só se for de passagem (risos). Eu criei meus filhos sozinha. Tudinho foram criados sem estar no meio da rua. Tem uma pracinha, que eu sempre morei aqui desde que eu casei. Essa pracinha que tem de lado era só um terrenozinho, com umas besteirinha que eles iam brincar de bolinha. Deixava, mas na hora de “vamos ir pra casa”, vinha um atrás do outro. Nunca brigaram com colega....tem o que é hoje evangélico, o que é soldado, o José, o Bombeiro, ele toma uma cervejinha, mas nunca foi de tá com história de confusão, briga. Já tiveram dois grupos de pagode, mas depois do tempo que casaram, aí...sossegaram (risos). São tudo doido por mim. Ontem de noite que queria que você olhasse aqui, era um atrás do outro chegando e minha menina, a de Belém ainda nem sabe [no dia anterior, dona Francisca caiu ao saltar do coletivo] e eu disse: “Olha, não é pra dizer nada pra tua irmã pra não causar preocupação. Eu tô bem. Amanhã ou depois eu ligo pra ela e digo alguma besteirinha pra ela e pronto”. Essa minha filha tem três faculdades. Foi uma menina que o primeiro namorado dela foi esse pastor. Esse que ela casou. Não gostava de aniversário, de casa de ninguém. A vida de Sílvia era tudo estudo. Nunca foi menina de tá com amizade com coleguinha. Era do colégio pra casa. Ela fez Edificações na escola. Daqui do Colégio Freitas ela passou pra estudar no Meng, fez o 1º ano. Ela disse: “Mamãe, eu queria fazer Edificações”. Na época, Edificações só tinha na escola, e eu disse que já tava terminando o ano. E ela: “Não mamãe, mas eu vou fazer a prova”. Ela fez e passou em 1º lugar. Quando terminou Edificações, não tinha naquela época Arquitetura, só no CEUMA e o pai não podia pagar. Ela fez o vestibular e botou pra Serviço Social e passou em 3º lugar, tirou o diploma. Quando ela casou, tava terminando o curso, foi morar em...nessas outras cidade...Imperatriz, Bacabal, Maracaçumé. Vida de Pastor é como Padre, só vive....só vive sendo transferido. Quando chegou em Belém ela disse, ela arrumou serviço como assistente social e queria por que queria ter o filho dela. Já tava com, deixa eu ver, com oito anos de casada e queria um filhinho. Ela engravidou. Quando ela engravidou, mesmo grávida ela fez a prova do vestibular e as colegas incentivaram pra fazer Pedagogia. Só por fazer mesmo, e passou em 1º lugar. Ela já tirou Pedagogia inteiro. É professora e ela fez agora pra Letras, passou e tá fazendo também o....o Mestrado. Depois ela vai fazer o doutorado. Ela não para.... aquela menina, na cama de um hospital....que ela tinha tido o nenê dela, mas com o livro o tempo todo na mão oh! Já Meus filhos tudo tem segundo grau. Como aqui uma vez a namorada de um....a mulher disse: “ah ele deveria ter feito vestibular”. E eu disse: “Teve oportunidade. Todos tiveram oportunidade de ter um anel no dedo, mas se optaram pra ser um bombeiro, outro fez a prova da polícia e passou 181 direto, na frente, o outro fez segurança particular, tem curso até em São Paulo, esse mais novo”. Então vive só nós dois aqui. Dia de domingo vem um, vem outro pra cá. É assim. Tô gostando demais da UNITI! Pergunte pra esse aí, pergunte pra esse aí, que esse....Eu largo tudo aqui dentro de casa pra ir pra UNITI (risos). O Jorge disse: “Mamãe, a senhora agora, é todo dia suas aulas?” Eu digo: “É todo dia meu filho! E ainda vai ter sábado e domingo (risos)”. Que sexta-feira nós tivemos um passeio. Começamos aqui no Reviver e foi terminar em Ribamar. Que coisa maravilhosa! Todo mundo adorou esse passeio! Agora em agosto vai ter outra viagem pra... lá pro lado do Ceará e termina no Piauí, em Parnaíba.Ela disse agora, segunda-feira. Essa viagem não é de professores, é da UNITI.... Porque tem muita gente que pensa que a professora que paga. Ela não patrocina pra ela mesma, imagina pra aluno! Eu não sei se eu vou. Deus é quem sabe! Se eu não for, em dezembro, no fim do ano, eu vou na outra. Aconteceu esse negócio ontem uma fatalidade mesmo, mas eu tô aqui falando e explicando. Era pior se eu tivesse com o braço quebrado, com a perna quebrada, com dedo quebrado. Se eu tivesse ido de sandália alta talvez tivesse quebrado até um dedo, torcido. Eu freqüento aqui na COHAB o grupo Clube das Mães, das idosas e da Legião de Maria, da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Da UNITI eu tô com uns 3 ou 4 anos que eu vejo falar e tinha muita vontade de participar, mas quando chegava, quando me espertava pra me matricular já tinha acabado a matrícula, não tinha mais vaga. Quando foi esse não eu tava na sala e deu na televisão. Eu liguei pra minha nora depressa e disse: “Eu queria ir amanhã”, mas eu tava sem dinheiro, sem nenhum tostão que meu marido ainda não tinha mandado dinheiro pra mim e vou levar a Vera também, que é minha irmã. A Vera, ela também se aposentou, mas tava se acabando. No dia ela foi pra levar os retratos dela e no primeiro dia ela ficou assim pelos cantos e hoje em dia quero que você veja! A Vera já aumentou até 2 kg. Ela trabalhava na Polícia Federal aí ficou socada dentro de casa depois que se aposentou. Ela chega lá toda “cocotinha” e eu incentivo! Eu sou danada. Eu sou danada pra incentivar, eu não paro não! Eu faço muita atividade, a minha vida tem que tá sempre agitada. Num sou de ficar parada em casa não, deitada, de papo pro ar. Com as colegas, aqui, eu faço ginástica ali na quadra. Terça e quinta. Tem ginástica pra tudo, pra terceira idade também. É a mesma ginástica que tem no Parque Bom Menino. Vem uma professora pra cá e quando me disseram eu já tava lá. E eu ando de manhã. Eu quase não paro não. Tem jeito não. Tem gente que não acha que eu tenho sessenta e dois anos. Tem gente que não acha que em agosto eu vou fazer sessenta e três anos. Eu já queria era ter sessenta e cinco pra me aposentar (risos). Pra pegar esse benefício e aumentar com o que meus filhos me dão. A colega amanhece assim mole e eu digo: “Vamos! Te esperta! Vamos!” Eu levanto às 5 horas da manhã, deixo o café na mesa pra ele, que é só uma hora de ginástica. E eu vou fazer minha ginástica e volto, faço a comida e quando é 12:00 horas o cume ta pronto e eu já vou pra UNITI, de tarde. O pessoal pensa que eu sou parada, mas eu não sou não. Olha, se eu não fosse tão ativa eu tinha 182 tido assim uma coisa mais, mais grave como uma conseqüência dessa queda de ontem. Já pensou? Porque eu era morta. Caía até de venta no chão. Eu empinei logo e rodei. Caí, mas caí sentada (risos). Quando ele não tá aqui e o bebedouro seca eu ligo ali e o menino traz e eu boto sozinha. Ele pergunta quem me ajudou e eu respondo que Deus (risos). Tenho meus problemas de saúde, mas faço tudo. Sou operada. Fiz vesícula, fiz apendicite, fiz cesariana e não sinto nada. A única coisa que tenho é minha glicemia, que teve alta, mas eu controlo e a pressão, que tem quase trinta e cinco anos que eu tenho problema de pressão. Ontem que ela, que o nervoso foi tão grande, que ela subiu. Tomei remédio, mas tá tudo normal, graças a Deus. Não é à toa que esse “caboquinho” veio aí me agüenta. Eu também sou dose! (risos). Eu não tenho nada de que falar de meu casamento. Vivo bem. Nunca levantou a voz pra mim. Ele era namorador demais e na rua também. Hum...não era flor que cheirava. E eu só trancando (risos). Não é a toa que eu tô há trinta e oito anos com ele. Eu sou uma heroína (risos). O meu filho com 2 anos de casado já largou a mulher, já tá com outra e ela tá com outro também. Não é mais como antigamente. Eles dizem: “naquele tempo da senhora”....mas eu digo: “naquele tempo não que eu ainda não morri. Em todo tempo é tempo”. Dessa idade que eu tenho, mas se eu fosse criar uma criança, ou neto, ia criar do jeito que eu criei meus filhos. Eu tenho dois netos que valem por dez. Um tá chegando aí, o Lucas, e o outro mora aqui perto. Quando tá comigo aqui boto logo é um cinto na cintura, é.... boto logo é um cinto na cintura, porque senão! Eu tenho um cachorrinho aqui, porque agora ele tá preso, tá lá dentro, mas eles mexem no bichinho. Eles agarram o cachorro. É por isso que eu digo, eu não quero mais não. Cada um no seu canto. Pra passear tudo bem, mas pra tomar conta eu não fico não. De jeito nenhum. Eu sempre digo a meus filhos, se for pra trabalhar, se for caso de doença, eu fico com o neto, mas pra sair pra vadiação, bebedeira, não! E quando eu não tô aqui eles não trazem porque meu marido não agüenta, ele não gosta da agonia que eles fazem. Pra se viver bem tem que fechar os olhos e deixar passar muita coisa. Era minha amiga no telefone combinando o passeio para a ALUMAR. Amanhã eu vou sair de casa às 05:40 da manhã pra chegar lá cedo porque a Hortência disse que o ônibus da ALUMAR tem horário de entrada e de saída, não vai esperar ninguém. Agora ainda vai ter gente que vai se atrasar e a Dulce, professora, disse logo que só espera 10 minutos, de tolerância. Quem não chegar, não vai porque o ônibus é contratado. E também não devolvem o dinheiro porque já pagaram o ônibus. A vez passada teve uma viagem pra Santo Amaro [MA] e eu não fui. Não fui porque eu não ando de barco, não ando de Toyota e ainda mais agora que eu tô com um problema na veia. Agora eu bati um Eletro [Exame eletrocardiograma] e o médico pediu pra fazer outro, uma Cintilografia Miocárdia. Esse é o Jorge. Ele parece com o pai. É o mais velho dos homens. São três homens e uma mulher, só que ele é do mesmo ano da mulher. No mesmo ano eu tive os dois. Hoje vive só nós dois aqui, porque os filhos tão tudo casado! O caçula que ainda vem, de vez em quando, aqui. Agora ele tá separado da mulher. Ele vem e almoça aqui 183 em casa todo dia. E esse aí também. O mais assim que não vem é o que é soldado. Ele custa a vir aqui em casa porque ele vive tirando plantão de 24 horas. Esse aí, o Jorge, agora tá numa boa. Quando não é de manhã, é de tarde que trabalha. Esse é meu filho mais brincalhão. Eu fui criada pela minha avó. Meu avô eu não conheci, que ele já tinha falecido, agora a minha avó era dona de fazenda. Ela era muito católica, praticante. Eu vivia com ela morando mais na Igreja do que dentro de casa (risos). Aí eu estudei no colégio das freiras, lá mesmo em União. O colégio era semi-interno. Fiz o primário e depois ela se mudou pra Teresina por causa de mim, pra eu estudar. Nós morava juntas, né. Sempre as duas juntas e ela nunca quis que eu me ajuntasse com as outras irmãs. Ela dizia que era pra eu não aprender coisa que não presta. Quando cheguei em Teresina fui fazer exame de admissão e fiz a 1ª série, a 2ª e foi o tempo que ela morreu. Com 17 anos ela faleceu. Deu uma infecção intestinal e ela morreu. Fiquei um tempo sem estudar e quando eu voltei só fiz terminar o ginásio. Foi o tempo que eu vim pra cá, conhecer o Maranhão, e casei logo. Foi rápido, dois meses. Namorei, noivei e casei. Eu tinha umas paquerinhas de longe, de longe na época, mas minha filha esse aí [se refere ao marido] foi meu primeiro homem fixo, com que eu perdi a virgindade, com ele que eu casei, com ele tive meus filhos. E tô aqui, ano que vem, o outro, tô fazendo quarenta anos de casada. Aí quando eu morava com minha avó ela não me deixava tá na rua. Tudo que eu queria ela me dava pra não me ajuntar com vizinho. Minha avó era muito assim, assim, rígida. Era horrível! Tava conversando com alguém, ela só fazia olhar e eu já sabia que era pra correr pra casa. Hoje em dia a gente pode arregalar os olhos pros filhos, pros netos, que é a mesma coisa que nada. Eles dizem: “O que é mamãe? Pra que a senhora tá abrindo o olho?”. Eu brincava e quando tinha alguma colega ela ficava perto. Nós brincava, brincava, aí dava a hora de terminar, nós ia tomar banho, jantar e dormir. Aí pronto. Era assim. No colégio que eu ainda brincava com as meninas e tudo. Eu gostava muito no colégio de sorrir. Eu sorria demais e o professor dizia que ia colocar um esparadrapo na minha boca (risos). Ele dizia que não sabia o que eu tinha pra tanto rir. Eu sempre gostei de ser alegre! No colégio das freiras, em União, era só mulher, mas quando eu saí de lá e fui pra Teresina era misturado. Eu estudei ainda dois anos à noite. E nessa época era muito bom. Era boa por uma parte e ruim por outra porque sabe que freira é gente ruim! Elas “pegavam no pé” e pior era pras que eram de regime internato, porque eu era semi-interna. Eu ia de manhã e voltava a noite. Quando minha avó precisava ir em Teresina pra fazer uma consulta, ou alguma coisa, ela me deixava lá interna. Aí eu ficava. Eu dormia lá e só saía de lá quando ela chegava pra me buscar. As outras que eram internas eram mais de outros interiores, que a família deixava e vinha visitar no fim de semana. Lá era uma cidade pequena. Hoje em dia que está mais desenvolvida. Eu lembro que uma das freiras era a Madre Teresinha. Elas eram da congregação de Santa Rita. Quando eu fui pra Teresina eu ainda estudei um ano no colégio das freiras, de Santa Teresinha, mas foi só um ano porque elas ficavam muito no meu pé e eu também não fui mais 184 (risos). Antigamente era muito rígido. No colégio das irmãs você não podia fazer nada. Não podia andar descalça, tinha que usar anágua, tinha que usar combinação. Não nada de sutiã, era combinação, uma espécie de camiseta por dentro, só que mais compridinha, de alçinha. Elas pegavam no pé e tudo. Quando minha avó adoeceu o maior medo dela era de morrer e não ter com quem me deixar, pra eu não ficar com minhas irmãs e elas me botarem a perder! Era muito filho que eles tinham. Pra você ver, nós éramos dezoito filhos e já tinha morrido duas irmãs minhas. Duas não, só uma. É. Ficou dezessete. Nós éramos dez mulheres e sete homens. Papai quando saía pra comprar roupa pra gente ele comprava era a peça. E assim era uma peça só de uma cor. Se a peça era estampada, as roupas eram tudo estampada. Se era lisa, era só vermelha, cor-de-rosa. Era assim, tudo de uma cor só. E tinha uma pessoa pra fazer nossas roupas. A gente dizia se queria saia, se queria babado, se queria de tubinho. A gente escolhia o feitio, mas era da mesma estamparia. Aí todo mundo já sabia: “Ih, ali é filho de seu Zé Mundico!” (risos). Que era os meninos andando tudinho um do lado do outro com a mesma roupa. E minha mãe teve esse horror de filho, apesar de que duas das filhas de mamãe foram criadas por vó. Minha irmã mais velha foi criada com minha avó e foi quando ela ficou moça e veio embora pra fazer o Normal em Teresina e aí mamãe me deu pra ela. Ela criou também outro primo nosso. Ela só teve dois filhos, papai e meu tio. E meu avô morreu e ela ficava sozinha naquela casona grande. O pessoal tinha pena, as noras né, e davam os filhos pra ela criar. Ela criou um do outro, do meu tio, e do meu pai ela criou duas. Eu com doze anos, com quinze anos na casa de minha avó, eu ainda brincava de boneca (risos). Só fui despertar mais quando voltei pra casa de mamãe. Até namorado eu era uma besta. Não queria saber. E até hoje sou doida por boneca que tenho aí sempre uma ou duas guardadas. Eu tenho urso. Meu marido avisa que vai pra Manaus e eu peço logo: “Traz um urso pra mim!” (risos). Hoje menino não brinca, fica só no computador. E naquela época as mães nunca queriam que ficasse brincando menino com menina junto, ta entendendo? Quando eu tava com minhas amigas brincando, minhas coleguinhas, a primeira coisa que minha avó fazia era ir olhar se tinha homem pelo meio. Se tivesse menino pelo meio, porque tá brincando de corre-corre e se esconder não era pra ter homem no meio. Era um controle muito rígido, demais, demais, pra não colocar as filhas num precipício. E mesmo assim, nessa pouca criação que eu tive, eu criei meus filhos. Criei separando pra não ter negócio de ver como hoje tem. Até uns tempos atrás eu via que amiga minha que tinha filho dava boneca pra ele, pra menino brincar, porque ele queria. Que ele não queria só carrinho, mas também bonequinha. E dava, mas eu nuca fiz isso com os meus filhos. Meus filhos tinham o lugar deles brincar, num canto, e minha filha, que é só ela de mulher mesmo, no outro, mas ela nunca gostou de brincar. Sempre ela foi de estudar. Eu dizia pra ela ir brincar, mas ela dizia que não, que ela queria era estudar. E pra você ver que no primeiro vestibular ela passou. Passou no segundo também. Ela fez Pedagogia por fazer e passou lá em Belém. E ela ainda disse que ainda vai fazer outras coisas, mas o sonho dela é 185 fazer Arquitetura. E ela sonha com isso e vai fazer. Ela desenha muito bem!! Quando eu quero uma planta, eu mando logo pra ela fazer, mando por um conhecido meu. Em julho ela teve aqui, passou as férias, quinze dias aqui comigo. E eu ainda fui com ela e passei uma semana lá, mas menina! Hum, não fico em casa assim não. Agora meu marido não gosta muito de sair. Quer dizer, não gosta agora, porque antes só vivia na rua! Depois que ele se aposentou parece que ficou assim...parece que esqueceu daquele lazer, dos passeios, mas comigo não. Eu passeio. Antes, eu nem podia passear que ele não deixava. Agora eu aproveito é pra tá na rua. Invento qualquer coisa. Logo que eu perdi minha avó eu passei pra dentro da casa de meu pai. Eu tinha uns 16 anos. Mamãe já não deixava eu sair com minhas irmãs pra elas não me botarem a perder, em precipício. Eu era tímida, eu tinha medo de ir até na porta. Já minhas irmãs eram mais saídas, tinham as amigas delas e eu, minha criação foi em União, uma cidade pequena que fica duas horas de viagem de Teresina. Eu já fui ficar mais esperta assim menina, foi com meus dezoito anos, que minha irmã, a que mora aqui no Bequimão ela me levava pras festas, pros passeios e dizia: “Deixa de ser besta!”. E mamãe só deixava ela sair se eu fosse. Ta entendendo? A gente ia lá em Teresina. Isso antes deu casar. Lá em Teresina teve uma época que eles gostavam muito de fazer piquenique. Eles arrumavam um quintal grande, limpava tudo, enfeitava e mandava os convites pras famílias. A comida a gente sempre comprava lá, era feijoada, mocotó. Esse era o piquenique. Botava um sanfoneiro ali e passava o dia todinho tocando. O pessoal comendo, bebendo e dançando. Eu gostava de lá porque eu sempre gostei de dançar. Ave Maria, eu gostava muito! Minha avó não deixava eu ir em festa e quando eu cheguei lá em casa eu aprendi a dançar e ia pros aniversários e pras festas. Aí foi o tempo que minha irmã casou com um sargento do exército e ele era presidente do clube lá de Teresina, aí nós tinha carta livre (risos). Toda festa que tinha no Marquês a gente tava lá. Carnaval, São João, Natal...a gente não morava assim muito longe não, então a gente ia. Era como daqui pro Angelim. E nessa época a gente ia andando. Ainda hoje eu gosto de festa. Eu saio pra ginástica e lá às vezes o professor bota o forró e a gente dança. Hoje mesmo eu tive ginástica ali, que eu faço aqui, e a professora botou pé de serra. Nós não sabia se dançava ou fazia ginástica (risos). Essa minha colega que tava aqui, ela perguntou: “Francisca, tu tá dançando ou o quê?”. Eu só respondi: “Eu não sei, mas a dança vem em primeiro lugar pra mim” (risos). É movimento! Eu não paro não. Eu até chamo meu marido pra ir fazer ginástica, que aqui perto, mas ele não quer. Só quer andar. Então, que eu posso fazer, né? Amanhã é dia de ginástica lá na UNITI, mas ninguém vai por causa do passeio. Os professores lá são tudo divertidos, são bacanas. Tem até uma que tá grávida agora. Agora depois que eu vim pra cá eu casei, tive menino e já tô aqui quase quarenta anos. Ainda vai fazer né, se eu não morrer daqui pra lá (risos). Naquela época minha família queria que eu casasse com uma pessoa que mamãe gostava muito. Eu tava até me interessando de casar com ele, mas por causa de minha família. Quando eu cheguei no 186 Maranhão eu conheci esse aí e o de lá não enxerguei mais (risos). E mamãe não queria esse meu casamento. Ela não queria porque era uma pessoa desconhecida, que tava terminando de chegar aqui no Maranhão vindo de Manaus, veio pela Petrobrás, e mamãe ficava dizendo: “Minha filha vai sofrer! Minha filha vai sofrer!”. E realmente teve uma época, logo depois do casamento que foi difícil, mas hoje eu nem ligo. Porque ele era muito namorador. O pessoal da Petrobrás, com um dinheirão no bolso que eles gastavam. Hoje era pra eu ter uma mansão, mas ele gastou muito dinheiro com mulher, com bebida e a besta aqui ficava dentro de casa cuidando dos meninos. Eu nunca fui mulher de tomar dinheiro dele. Nunca fui mulher de meter mão no bolso dele. Isso não. Até hoje eu nunca mete a mão no bolso dele. Só mesmo quando eu vou lavar pra ver se tem uns trocados (risos). Agora nessa época era muito comum mesmo. Ele saía daqui e ia pra um negócio aí da Petrobrás e ia também pra Alcântara [MA]. Ele ia pra Alcântara e passava dois, às vezes, três dias lá. Sabe Deus fazendo o que?! Agora tem uma coisa, ele é uma pessoa muito farta dentro de casa. Às vezes eu pegava a comida que ele trazia e dava pros vizinhos pra não estragar. Ele trazia era cofos e mais cofos de carne, de frango que ele ganhava lá das mulheres. Eu dava muita coisa que ele trazia pra essa vizinha aqui, ela até já morreu. Dava pra essa que tava aqui em casa, que ela tinha um bando de menino nessa época também, porque agora ela só vive com o marido também, que os filhos já casaram, mas eu venci. Eu venci, venci. Eu dizia pra ele: “Tu não vai ficar fogoso desse jeito o tempo todo”. Ele rebatia: “Tá jogando praga pra mim?”. E eu dizia que de jeito nenhum, mas eu orei muito, muito mesmo. E eu sempre oro muito pelos meus filhos, por todo mundo pra que nada de ruim aconteça. Sem a oração a gente não é nada! Eu até o ano passado, eu fiz dez anos daqui pra Canindé na Romaria. Este ano [2010] eu não fui porque a UNITI não deixou. No ano que vem, se Deus quiser, eu vou, mesmo que eu teja na UNITI, mas eu vou. É quinze dias e eu tiro essa folguinha. Eu vou pra Teresina e de lá vou com as minhas irmãs. Ele também vai, ele gosta muito. No começo ele não ia, mas de uns tempos pra cá eu levo ele. Aí ano que vem eu já posso perder mais uns dias porque já tô avançada nas aulas. Este ano eu fui para o Cohatrac, pra romaria de Nossa Senhora de Nazaré. É isso mesmo, porque eu tava confundindo com a romaria da Conceição, mas foi de Nazaré mesmo. Agora nós tamo tendo aqui a festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e domingo é o encerramento. Eu vou ano que vem, mesmo que eu tô gostando muito da UNITI. Eu sei que isso aqui não é leitura, nem negócio de....é uma faculdade da terceira idade. É pra gente abrir a memória, tem memorização, psicologia da terceira idade, tem atividade física, que eu escolhi a hidroginástica. A outra parte foi que eu escolhi a fitoterapia. Eu queria saber, aprender alguma coisa sobre plantas, pra fazer um lambedor em casa, pra meus netos, pra meus filhos. Depois da UNITI eu renasci. Antes de eu entrar na UNITI eu era uma pessoa que eu gosto de brincar, mas eu era mais reservada, de ficar dentro de casa, não tinha aquele ânimo. Eu só vivia sentindo uma 187 coisa, sentindo outra. Eu já tive começo de AVC [Acidente Vascular Cerebral], já tive uma época tão ruim que meu menino chegou aqui dizendo que eu tava tão vermelha e me levou pro médico. No médico me disseram pra ir pra um Cardiologista, que eu tava era enfartando. Sempre eu sentia algo, nem que fosse uma dor de cabeça e hoje não, graças a Deus! Eu entrei na UNITI e se Deus quiser eu vou continuar na UNITI porque eu melhorei muito. E é aquela disposição, porque no dia que eu tenho que ir de manhã eu levanto às 05:00 horas, deixo o cafezinho dele aí pronto e me mando. Às 06:30 horas eu já tô na parada esperando o ônibus. Não é porque começa às 08:00 horas, mas é porque os ônibus que vem cheio demais. Quando não é de manhã, eu limpo essa casa, lavo roupa, faço o almoço e boto a comida dele aí. Tomo banho, se dá pra comer, eu como, senão dá, eu levo um dinheirinho pra merendar lá na senhora que vende lanche, mas quando dá às 12:40 horas eu tô na parada pronta pra ir. Pego o ônibus pra não perder e no dia que eu faltei pra ir bater um Eletro, todo mundo ficou preocupado. Perguntaram pra minha irmã e ela disse que era um exame de rotina. Aí no outro dia não era dia de aula, era uma sextafeira, veio bem umas quatro aqui me visitar. Perguntando assustadas: “Menina o que foi que houve?” O médico achou que o coração tava um pouco acelerado, mas eu contei os problemas de saúde que já tive pra ele, e ele decidiu observar. Aí que ele pediu pra fazer uma Cintilografia Miocárdia. E esse exame é caro, tá R$ 2.900,00. Meu filho ta vendo se eu ainda faço esse mês, ou no começo do outro. Nem sei como foi dar isso porque eu sempre faço atividade. Aqui minhas atividades oh! Hoje nós pegamos peso. Eu tenho meu pesinho da perna e faço tudo direitinho. Se tivesse alguma coisa eles não deixavam eu fazer atividade, porque lá tem acompanhamento. [Pausa] Eu tô com vontade de ir visitar minha filha perto da minha formatura, antes de me formar. Ela me disse assim: “Quando chegar perto da sua formatura venha aqui”. Eu acho que ela quer comprar minha roupa, né? Então, eu já tô pensando aqui em passar uma semana viajando. Eu já disse pra Lúcia. Eu vou num domingo e volto no outro porque na segunda eu falto, na terça eu falo pro meu professor que eu não vou, na quinta eu falto também, eu só não queria faltar era na da Terezinha Rêgo, mas eu digo pra minha irmã falar lá. Nós fizemos até um trabalho agora, sexta-feira. Assim, quando for segunda-feira já tô na minha aula de novo. Passo uma semana lá passeando com minha filha [Fala animada]. Vou domingo e volto domingo, mas menina, tu acha que eu vou perder essa oportunidade? Hum, vou nada (risos)! Eu volto é disposta. Eles aí querem que eu vá de avião, mas eu não vou. Eu digo: “Não inventem que eu não vou!”. Eu não ando de avião. Eu quero ir e ver estrada, ver paisagem, ver gente andando pelo chão. Negócio de avião não é comigo, me dá o dinheiro do avião que eu aproveito por lá (risos). Eu não ando não de avião porque eu já tive um problema de Labirintite. Olha, teve uma época que eu ficava com Labirintite e ficava era semanas e mais semanas deitada. Eu queria me sentar e parece que eu caía num buraco. Menina, era uma coisa horrível! Hoje me dia, graças a Deus passou, mas também não deixo faltar o remédio em casa. Na hora 188 que eu sinto que tô assim meio tontinha eu tomo logo. Aí pronto, evita logo! Eu não ando em escada rolante porque na hora que eu vou querer botar o pé, parece que assim...que roda tudo. O pessoal diz que é impressão minha, mas não é não. Eu digo que vou pela escada. Eu ando nas escadas e não sinto nada. E ainda é bom porque exercita. Eu tô com medo desse exame que eu tenho que fazer. Já operei, mas com coração a gente não brinca. A gente nunca fica tranqüilo quando o negócio é doença. Eu fiz uma cesariana pra ter meu ultimo filho porque o médico disse que era pra fazer Laqueadura. Eu perguntei: “Doutor, essa Laqueadura o senhor vai me corta?”. Ele disse que era um corte pequeno, mas eu disse que se era pra cortar ele ia tirar logo meu filho. Eu não queria sentir dor pra ter bebê e ainda fazer essa Laqueadura. Já operei três vezes, de Apendicite, Cesariana e Vesícula. Não sinto nadinha. Nunca senti nada de nada. Da cintura pra baixo sou uma pessoa que me cuido muito. Vou nesses médicos, faço meus preventivos, mas não tenho nada, nada. Eu nunca senti cólica ou outra dor. Tive quatro filhos e não senti nada. E dentro de quinze pra dezesseis anos que eu menstruei. Foi perto, um pouco depois que minha avó morreu. Todo mundo lá de casa falava pra minha avó pra ela me dar um remédio caseiro que eu com quinze anos não tinha vindo nada. E ela não me dava, dizia que na hora certa viria. E de lá pra cá nunca passou de três dias. Nunca, nunca, nunca. Não sei nem o que foi cólica (risos). Quando eu pensava que não, minha roupa já tava suja e eu me espantava: “Vixe, já?” (risos). Agora ninguém falava nada. Minha mãe mesmo não falou. Minha avó também, ela era uma cabocona do interior e não gostava de falar dessas coisas. A gente acabava aprendendo era com as colegas. Num vê hoje como é que tá! A gente vê na televisão que crianças de 13 ou 14 anos já com AIDS. Eu vi que foi bem aí, em Imperatriz. Deus me livre! Eu sempre fui uma mãe que conversava com os meus filhos. Se tivesse alguma coisa era pra me dizer, pra não esconder as coisas. Sempre orientei meus filhos sobre isso. Criei meus filhos. Eduquei meus filhos. Fui pai e fui mãe. E você vê como é a alegria deles agora. São respeitadores. Brincam, mas sabem ser sérios. Isso foi a criação do meu tempo, né a de hoje não. E assim eu digo pra eles: “Vocês devem criar seus filhos como vocês foram criados”. Meu marido saí ás 06:30 horas pro serviço e chegava lá pelas 22:00 horas. Já tava tudo dormindo, as crianças. Já tavam com a barriguinha cheia, dava o jantar e eles dormiam. Quando era umas 05:30 da manhã eu já chamava eles pra acordar pra ir pro colégio. E eu que levava eles tudinho pro colégio. E não me arrependi do que eu fiz pelos meus filhos. Antigamente as mães da gente não falavam dessas coisas não, parece que tinham vergonha. Eram vergonhosas. E tinha mais, se tava menstruada, não pegava sereno, não comia limão, nem comida gordurosa. Também não tomava banho com água fria, e eu, pelo menos, já vim tomar banho frio depois de muito tempo. Eu fiquei com aquilo dentro de mim e quando eu tinha menino eu só banhava com água morna. Só depois que eu fui me despertando, que a gente vai aprendendo e vê. Se eu não tivesse tirado essas coisas ate hoje eu era uma pessoa que não tomava banho frio! Onde já se viu, menino? Hum, 189 que coisa! (risos). Aí meus filhos iam crescendo e dava logo banho neles com água fria e pronto. Não andava descalço, naquela época. Faziam era amarrar tamanco no meu pé pra eu não sair descalça quando tava menstruada. Diziam também que não se passava em cima de fezes de cavalo, de boi... é isso tudo mesmo. Olha, eu me lembro que quando eu tive minha filha eu passei foi quarenta dias deitada na cama. E era só comendo pirão, pirão com frango. Não comia feijão pra não dar coceira na cirurgia, nos pontos. Menina, mas era tanta coisa que não podia! Meu marido ainda conseguiu uma mulher aqui pra cuidar de mim e ela era pior do que minha avó (risos). Não podia isso, não podia aquilo. E eu já tava era abusada daquele pirãozinho de galinha. Era temperado só na água, no sal e no tempero seco. Eu sempre tive uns problemas de saúde, mas nessas coisas de mulher não. Por incrível que pareça, eu não sentia cólica, só tive dor de parto, nem na menopausa eu num senti nada como eu vejo o povo falando aí de uns calores (risos). Cheguei até a tomar Cálcio, mas não tomei hormônio. Cálcio eu cheguei a tomar uns três vidros, e pronto. Eu faço meus exames de rotina e nunca dá nada. Agora eu vou fazer de novo, né? Nem ressecamento na vagina eu sinto, mas sabe por quê? Eu não sinto nada de inflamação ou de outra coisa porque minha avó, tu sabe o que ela fazia? Ela fazia, fazia não, ela mandava buscar lá nos matos pra mim comer Jatobá. Eu comia e eu gostava tanto daquela massinha. Ela é dessa grossura [gesticula mostrando] e quando tá no ponto de comer você quebra, que a casca é dura, e come normal mesmo. Tá com uns dois anos. Dois anos? É, acho que isso, que da última vez que eu fui pra Canindé, que o carro parou no caminho, que ele vai levando muita pessoa de idade e sempre quer parar, aí o motorista parou, que ele já é conhecido meu, há muito tempo, e eu perguntei pra ele: “Seu Raimundinho, o que é aquilo ali no alto da árvore? Aquilo pretinho lá naqueles galhos secos?” Aí ele disse: “Dona Chica, aquilo é Jatobá, só as frutinhas”. Ah, mas eu fiquei animada (risos)! Ainda derrubou umas quatro pra mim e quando eu cheguei....ainda tem uma aí guardada não sei por onde (risos). Não sei onde tá, mas aqui eu dei pra a colega, essa que tava aqui, que a sobrinha dela tava com uns corrimentos danado. E a casca dele você ainda quebra e fica tomando. É bom pra corrimento, é bom pra inflamação, é bom pra tudo. Eu não tenho nada. Eu vou fazer meu preventivo e da última vez a doutora perguntou se eu ainda tinha relação com meu marido. Eu disse que tinha e perguntei porque, né? Ela me disse porque eu era uma pessoa muito sadia, que tava tudo certinho, sem ressecamento e eu até brinquei com ela. “Doutora, a senhora acha que eu vou ficar futricando dia e noite é?” Tem a hora doutora (risos). E ela começou a sorrir (risos). Ela me disse que hoje em dia raramente se vê alguém assim. Sempre fui uma pessoa que me preservava. Ele tava na rua e quando chegava eu mandava ele pra lá. Era um olho no padre e outro na missa (risos). No dia do exame ela mandou eu levar uma camisinha e eu até brinquei com ela: “Pra que eu quero uma camisinha?”. Ela disse: “Não, é que a gente vai fazer o exame da senhora”. E olha só, depois de casada eu fiz só uma vez esse exame, tá vendo? Depois de 30 anos, acredita? Ela ficou admirada que eu 190 nunca tinha feito o exame. Antes do dia do exame eu pedi pra meu filho: “Jorge, me arranja uma camisinha”. Ele se assustou! Disse: “O que mamãe?”. Eu disse: “Me dá uma camisinha aí”. Ele respondeu: “Pra que a senhora quer?” Eu disse: “Ah, foi minha ginecologista que disse que era pra levar uma camisinha amanhã”. Ele ficou até estranhando eu pedir, mas disse que ia providenciar. Meu marido também perguntou pra que eu queria. E eu respondi que era pra levar pro consultório. Lá eu ia ver pra que era (risos). A gente tem que tá de vez em quando fazendo, né? (risos). Não vou dizer que é pra tá toda hora lá, mas eu faço sim. A gente tem que fazer. Não é porque tá nessa idade que não vai fazer mais nada. Hoje a gente vê tudo na televisão. Outro dia mesmo, aí no Globo Repórter, falaram sobre isso. Tem velho de setenta anos aí em forma, namorando, saindo. E as velhas também, mas tá certo que não é mais como antigamente, fazendo todo dia, ou um dia sim e um dia não, mas isso aí ainda rola, como dizem por aí (risos). É assim, nós tamos vivos e temos vontade. Mudou e muda tudo, é a idade. Eu já tenho sessenta e três anos e meu marido tem sessenta e oito anos, mas a gente ainda tem vontade, ainda tá vivo. Hum..aqui ainda não morreu nada, sempre sentindo prazer, e ele procurando me agradar, mas menino...graças a Deus tá tudo vivo ainda (risos). Essa colega minha aqui diz que o marido dela não quer mais saber dessas coisas, que ele chama ela até de irmã. O bichinho não faz mais nada. Ele é da idade do meu marido, mas tá quebrado porque ele já foi mais mulherengo de que o meu. Agora ela, ela tem sessenta e sete anos, e diz que tá bem com uns três anos que ele não quer saber de nada. Eu digo pra ela que desse jeito ela vai ficar morta (risos). Isso Deus botou na gente pra gente se espertar, aproveitar enquanto ainda pode que depois, mais velho, que não vai fazer. Que negócio é esse de ficar um olhando pra cara do outro e não fazer nada? Onde já se viu. Não, mas menino...! Sabe o que é isso também? Eu acho assim, que a pessoa, veja no meu caso, claro que meu marido me procurando, eu tenho que servir ele, porque isso aí faz parte. Eu digo que eu sou mais assim ativa porque eu não me entrego. Desde que tem luz no dia eu tô em pé, eu faço uma coisa, faço outra. Ele briga e fala comigo que não me vê armando uma rede, deitada descansando, mas pra que vou deitar depois do almoço? Depois que eu largo a louça da cozinha, ligo minha TV e fico fazendo meu crochê aqui. De vez em quando vou na porta, olho prum lado, olho pro outro pra ver se olho uma colega pra bater papo. O que eu vou fazer deitada? Olha, pra deitar eu preciso tá muito doente, muito mal, ou me recuperando de alguma coisa. Ou então chega alguém me chamando e eu guardo o crochê e vou lá bater perna um pouco. Ontem a colega ligou dizendo que não ia ter aula, aí eu fui na casa da minha irmã, aqui no Angelim, levar uma calça pra ela ajeitar. Eu tô chegando e outra colega liga perguntando se eu não vou pra aula. Eu estranhei porque me avisaram que não ia ter, mas na mesma hora mandei minha irmã descer e nós pegamos o ônibus correndo. Ainda chegamo lá pelas 15:00 horas e tava todo mundo já no auditório e as colegas guardaram nossos lugares lá. Quando eu cheguei todo mundo ficou me olhando porque eu fui mais arrumada né. Na verdade eu tava 191 indo pra casa da minha irmã, aí ligaram dizendo que ia ter aula, fui assim mesmo. Eu sempre fui vaidosa, quer dizer, desde novinha não, mas depois, quando eu tava já saindo com minha irmã, eu me arrumava mesmo. Eu fazia até sinal de lápis no rosto (risos). Hum...tudo pra ficar bonita. Eu sair de casa sem pintura e sem perfume, é a mesma coisa de que eu tá nua, nua, nua. Tenho que sair arrumada, direitinho. Eu não gosto de vestido, mas uso um ou outro quando me dão. Não gosto de saia, é usando bermuda o tempo todo, ou então calça. Uso minhas roupinhas e não to nem aí, mas menino....hum! Eu uso o que eu gosto. Quando vou sair é usando cheia de balangandãs, mas eu gosto (risos). A gente tem que aproveitar a vida, o resto que ainda tem porque ninguém sabe o dia de amanhã. Deixa eu ver quem era, era uma professora lá da UNITI dizia que: “Não é porque a gente tá nessa idade que vocês vão se entregar”. Eu digo isso porque minha irmã já tava se entregando, no fundo de um apartamento, que não descia nem pra ver quem passava por lá. Eu disse pra minha sobrinha, que é de criação, casada com meu filho, que era pra gente ir na faculdade, na UNITI, logo amanhã pra fazer a matricula das duas. Ela ainda achou que minha irmã não ia, mas eu incentivei mesmo assim. Ela foi pra se precisar pagar alguma coisa, ela pagava e eu dava depois, que meu marido tava viajando na época. A gente fez a inscrição e quando as aulas começaram, ela foi ainda umas três vezes arrastada, mas hoje não deixa de ir. Às vezes nós nem vamos pra aula, vamo é bater perna pela Rua Grande, mas só pra ela sair de casa. E ainda ensinei pra ela dizer que nós ia fazer uns cursinhos lá nas férias, que é pra gente sair, ir pra cinema, oras (risos). Tem uma professora que sempre leva a gente pro cinema, nas terças-feiras e quando ela avisa, eu já digo logo: “Já tô lá (risos)”. E eu vou mesmo. Não gosto de ficar só em casa não. Tem que aproveitar e nesse shopping aqui, que inauguraram [Rio Anil Shopping], de vez em quando eu me mando pra lá (risos). Não compro mais nada nessas pobrezas dali, só no shopping agora. Eu fico triste quando vejo uma pessoa mais nova do que eu e não quer fazer nada. A minha filha diz pras colegas dela, lá em Belém, que e sou assim e toda vez que eu vou lá o povo quer me conhecer ou rever. Eles acham que eu sou nova. Parece que foi mês passado, numa sexta-feira? Foi numa sexta mesmo. E meu menino foi resolver umas coisas em Chapadinha [MA] e ele não queria ir só. Eu tava aqui sentada e ele veio aqui em casa e me chamou pra ir no outro dia com ele. Ele só me disse que passava aqui cedinho e mandou eu arrumar uma muda de roupa pra levar. Ai que ele me disse que a gente ia pra Chapadinha e só voltava n outro dia! Eu me espantei, mas fui mesmo assim (risos). Fomos só nos dois no carro. Foi tão bom, mas menino! Agora ele [marido] não gosta de sair. Parece que teve um trauma depois que se aposentou. Vai fazer dez anos que ele se aposentou e só vive em casa. Meu outro filho tem um terreno em Ribamar e às vezes consegue levar ele pra dar um passeio por lá, mas é difícil. O negócio dele é sentar ali, naquela mesa, e ficar escrevendo, ficar desenhando, fazendo planta que tamos pretendendo levantar a casa. Ele já fica fazendo logo os desenhos ali pra quando minha filha chegar ela olhar. Ele fica só dentro de casa porque quer. Eu, 192 pelo menos, quando comecei a ter meus filhos, eu não ia pra lugar nenhum. Eu recebia convite pra ir pra aniversário, pra ir pra passeio do serviço dele e eu não ia porque não tinha com quem deixar os meninos. Eu deixei muitas vezes de sair de casa pra cuidar dos meninos. Eu não tinha com quem deixar os meninos e não podia levar eles. Então eu não ia. Se quando minha mãe ficou doente, bem aí em Teresina, eu tive que levar os meninos tudinho porque não tinha com quem deixar e ele [marido] saía pra trabalhar cedo e só chegava de noite. Não ia deixar com empregada doida que a gente não sabe como ia cuidar. Eu já tive muita pessoa aqui pra me ajudar, mas pra ficar sozinha com meus filhos, não. Então, como eu disse, eu torno a repetir, eu fui pai e mãe de meus filhos. Hoje eles reconhecem, reconhecem mesmo, mas foi um sacrifício. Nunca chegaram pro pai desrespeitando, mesmo que eles sabiam que o pai era namorador. Eu não escondia nada deles. Uma vez o meu mais velho chegou e me perguntou porque eu ainda vivia com o pai deles. Ele tinha uns quinze anos. Eles viam que ele me deixava sozinha e ia pras farras. Eu dizia pra eles: “Meus filhos, eu vim de uma família que se casou tem que agüentar”. Ele tinha as aventuras dele, mas nunca deixava faltar as coisas pra casa, comida, roupa e nem nada pra vocês, nem pra mim. Se tinha um chinelo quebrado, a noite ele trazia pra vocês. Ele tinha aqueles casos na rua, mas sempre não deixava as coisas faltar. Então eu superava mais as coisas por meus filhos, ai o tempo foi passando, passando e hoje ele sossegou. Olhe, esse problema de pressão que eu tinha, eu vim tendo desde o meu terceiro filho, mas eu vinha controlando. Teve uma época aí que ele andou pro lado de uma mulher e a bicha não prestava e foi quando descontrolou tudo. Foi quando eu tive esse negocio de AVC e descontornou tudo, tudo, tudo. Depois eu pedi pra Deus pra botar tudo no lugar que era. Eu ando nessas brincadeiras tudinho, mas eu me cuido. Antigamente eu bebia até cerveja, mas hoje em dia eu não bebo. Já não bebo mais de jeito nenhum. Até o refrigerante eu já tirei, às vezes tomo uns dois ou três copinhos quando é diet, mas eu acho que é tudo igual aos outros. Eu prefiro tomar água porque coca-cola diet e a outra é quase tudo a mesma coisa. 193 ROSA Bom, eu nasci em Penalva, na cidade de Penalva, Maranhão, só que nem eu mesma conheço a cidade porque eu nasci e meus pais se mudaram logo de lá, eu era muito pequena, e eu nunca mais voltei lá. Porque eu estudei na cidade de Monção [MA], também uma cidade da Baixada, porque tinha uma professora de preferência de todos os pais, que queriam que as crianças estudassem com ela. Por conta disso meu pai se mudou pra onde ela veio morar, que foi em Monção....Aí, lá que eu fiz o meu primário até o quinto ano na época. Aí terminou o primário e tudo e meu avô se mudou pra Santa Inês, aí eu fui pra Santa Inês...eu já tinha quatorze anos. Aí de lá, em Santa Inês, eu fiquei até...eu comecei a trabalhar, me casei, tenho seis filhos. Me casei muito nova, com dezoito anos, mas graças a Deus fui muito feliz, tenho os meus seis filhos. Hoje eu tenho...os filhos já estão todos casados, eu considero minhas noras como minhas filhas e o genro, que é só um, é como um filho também; que são cinco homens e uma mulher. É a minha filha nasceu no dia do meu aniversário, foi um presente maravilhoso. No dia que eu fiz vinte e seis anos ela nasceu. Então é assim, meus filhos são todos em idade pertinho um do outro e eu criei todos com muito vigor e estudando junto, porque quando eu parei de ter criança eu comecei a estudar de novo. E nisso eu ajudei muito meus filhos, e me ajudei também. Eu fiz meu 2º grau, quando eu terminei de fazer o 2º grau eu alcancei um trabalho que foi...é...Já não fiquei em Santa Inês, aí eu me mudei pra Turiaçu, onde eu fiquei trabalhando 10 anos como representante do INPS na época. Eu fui como representante do FUNRURAL, mas aí o INPS incluiu o FUNRURAL ao INPS e ficou o INPS urbano e o rural. O representante da área urbana faleceu, aí a própria entidade, o INPS, me chamou e eu fiquei representando as duas áreas, tanto urbana quanto rural. Depois quando já tava com uns dez anos eu fiz um concurso aqui no... no Maranhão, em São Luís, aqui na capital, na Auditoria Geral do Estado (AGE) e fui classificada, tirei o 4º lugar no concurso e fiquei trabalhando. Trabalhei treze anos na AGE, alcancei um...uma posição melhor porque o meu chefe ele criou a Divisão de Material e Patrimônio e me colocou como...como diretora desta Divisão. Ele me chamou e disse: “Olha Dona Rosa, essa Divisão é pra melhorar sua aposentadoria” [fala contente seguida de risos]. E graças a Deus eu, só com o Ensino Médio, alcancei uma posição de nível superior, porque ele disse que gostava muito do meu trabalho, do meu desempenho.... Foi reconhecimento mesmo onde ele dizia que em todo lugar podia não dar certo a...o trabalho de Material de Patrimônio, mas lá na AGE tinha que ser exemplo e graças a Deus foi. Sempre deu muito certo e ele mandava que os auditores levassem ao reconhecimento de todas as entidades, quando iam fazer auditoria, que levassem o exemplo da AGE...como Material e Patrimônio não tinha com o que reclamar e graças a Deus eu fui bem sucedida. E quando ele saiu, foi a época que eu ia me aposentar também e nós saímos juntos. Hoje ele é o Prefeito 194 de São José de Ribamar, Dr. Luís Fernando. Muito meu amigo!Ai depois que eu me aposentei da Auditoria eu fui convidada pelo meu cunhado que é o diretor da Pereira Feitosa. Ele me convidou pra trabalhar na Pereira Feitosa. Eu fiquei lá quatro anos trabalhando na Pereira Feitosa. Também fiz um “rodízio” de posições da empresa. Eu ocupei desde cuidar, de gerenciar o material, gerenciar o arquivo....Quando eu saí mesmo eu trabalhava no arquivo. Me identifiquei muito com o trabalho do arquivo. Deixei tudo organizado. Quando eu pedi pra sair, deixei uma pessoa com recomendação daquele conhecimento que tinha a responsabilidade do trabalho. E graças a Deus eu sei que a Pereira Feitosa tem desenvolvido e eu sei que tenho uma parcela de ajuda [fala alegremente]. A minha filha teve gravidez de gêmeos, então nessa época eu me dediquei mais a cuidar dela e das crianças, os meninos já vão fazer quatro anos. Contanto que eles são muito apegados a mim, e tem assim...os outros, todos eles, têm aquele carinho, aquele cuidado. Tanto tem atenção e me ajudam em tudo. Em agosto faz dez anos que me aposentei, mas sempre tenho atividade! Atividade física... eu faço ginástica há dez anos também, desde esse tempo eu comecei a fazer e cuido muito da minha família. Meus filhos, tudo que eles querem eles me procuram. A minha neta, filha do Adriano, é minha vizinha, é formada em Nutrição, e eu estou ajudando na caminhada (risos). Ela teve uma filhinha e engordou muito na gestação e como nutricionista ela tava fora de forma, porque ela tem que estar bem, com o corpo menor (risos). Agora ela tá fazendo caminhada e nós estamos indo juntas. Faço ginástica há dez anos e caminhada há mais de trinta. É muito bom. A ginástica é às segundas, quartas e sextas das 7:30 às 8:20 horas. Eu saiu cedinho daqui pra não enfrentar trânsito. Faço a ginástica e de lá venho pra casa. Às terças, quintas e domingos a gente faz caminhada. A ginástica e a caminhada é que realmente me dão saúde. Eu tenho ânimo, não sinto nada de doença. Não tenho diabetes, não tenho pressão alta, não sinto dor em nada. Não sinto dor. No dia que a gente foi fazer avaliação física na universidade eles ficaram admirados porque eu não sentia nada. Na hora de fazer o teste a colega Anunciação, que é assistente social aposentada também, ela é mais nova que eu! E disse assim: “Menina, Rosa na hora de fazer o teste eu tava só vendo. Todo mundo ficava ali, não conseguia tudo e ela conseguia até o chão”! Que eu posso fazer, né? Eu tenho essa saúde, essa flexibilidade. O corpo acompanha. Não tenho dificuldade de fazer nenhum exercício. Faço e quanto mais faço, mais tenho vontade de fazer. Aqui a UNITI tá sendo muito bom! Desde que eu me aposentei, eu fiz uma ficha aqui, só que como eu fui convidada pra Pereira Feitosa eu não vim pra cá. Aí pronto, passou esse tempo, mas agora...ano passado [2009] meu filho veio e me inscreveu, até nem tinha vaga, mas ele deixou meu nome lá na...na lista de espera. Em fevereiro [2010] eu vim, quando começaram as..as, as..atividades não...as inscrições, aí eu vim. Até por uma fase só de experiência. No dia que eu vim consegui a vaga, me inscrevi e fiz logo tudo (risos). Tô gostando muito, tá sendo muito positivo. Além de fazer novas amizades, é uma outra...é uma outra 195 família que a gente consegue. Já fizemos dois passeios maravilhosos, as oficinas eu estou gostando muito. E é certo que eu estou muito feliz com essa atividade aqui. Olha, eu acho muito positivo as experiências que a gente adquire e o aprendizado, que é de uma vida toda. Cada dia eu aprendo mais, eu busco aprender mais. Eu acho que a UNITI é um veículo de ensinamento que todo mundo tá lá pra aprender. Inclusive as professoras falam que não são só professoras, que são alunas também, porque aprendem muito conosco. Elas são realmente bem mais jovens, mas a experiência que nós temos diante delas é muito maior, embora elas tenham mais conhecimento acadêmico, mas nós temos outra experiência de vida. Nós passamos pra elas e elas recebem também. Então é muito bom essa troca e quando a gente vai com esse propósito, de dar e receber, é muito mais eficiente, proveitoso. Cada um tira sua parcela. Temos colegas que no começo queriam desistir, mas dado o apoio da gente, ajudando e tudo, ninguém mais quis deixar de ir. Agora muitas tá lá só o nome, nunca foram, nem no primeiro dia. Na hora da chamada, tem nomes que até hoje tá registrado na caderneta e nunca foram. Nunca apareceram. Quer dizer, houve desistência assim....espontânea. Nem foi lá pra conhecer, porque quem foi também não quer deixar de ir. Inclusive nós não vamos ficar só com um ano, algumas estão lá há seis anos. A turma de egressos tem gente com seis anos. Porque encontrou lá o apoio que em outro lugar não tem. A família já tá crescida, ou às vezes tem família pequena ...não tem mais aquele apoio. E estando lá, tá tudo seguro. A minha turma é quente, animada (risos). A gente tem merenda, já estamos fazendo lanche pra preparar nossa festa de fim de ano. Vai ter a festa de quadrilha. Cada turma escolheu a sua, mas vai ser eleita uma só pra representar. A gente não sabe ainda qual vai ser a eleita, se da turma A, B ou C. Nós que vamos votar. E isso tá sendo muito bom! Dá um entusiasmo! Nossa turma é chique (risos). Tem contador, tem assistente social, tem professora de francês. Nós estamos nos organizando pra no outro semestre ela dar umas aulas pra gente. E tem gente formada em várias áreas. Tem bibliotecária e várias pessoas com curso superior em, por exemplo, Teologia, Serviço Social, Direito. Estamos lá, todo mundo fazendo parte da mesma turma. A gente se ajuda, todo mundo se entende. É uma turma assim coesa. Sempre trabalhei muito, graças a Deus, e sempre fui muito feliz cuidando de meus filhos. Hoje meus filhos são formados...o mais velho vai fazer uma faculdade, começar agora, na próxima semana, porque era sempre o que ele queria. É aqui pela UFMA, tem um programa que tem...é...Ciências Agrárias. Ele fez o vestibular, passou, foi bem classificado e ele vai começar essa faculdade. O meu segundo filho já é advogado, Felipe. Ele trabalhou na..na...desde que ele se formou ele alcançou cargo na OAB. Foi conselheiro, foi presidente da Caixa de Assistência da OAB, por dois mandatos seguidos, e se candidatou a presidente da OAB, mas quem ganhou foi o Macieira. Mesmo assim ele não ficou triste, tá fazendo os cursos que ele quer, de especialização. O escritório dele é um escritório de muito destaque, até é credenciado para os alunos de Direito aqui da UFMA, para todos os estagiários. Já 196 tem... que já trabalhou com ele, tem Juiz, tem Desembargador. ...Eu sei que todos já até saíram daqui do Maranhão, alcançaram boa posição em outros Estados, em Brasília mesmo; contanto que ele é muito feliz por isso. Porque ele tem ajudado muita gente, muitos colegas com esse plano de trabalho no escritório dele. E isso tem trazido muitas alegrias pra nós. Ele mudou o escritório dele, que era no Edifício Multiempresarial. Há um ano ele mudou para o Edifício Vinicíus de Moraes. No dia que ele mudou ele mandou celebrar um culto de Ação de Graças pela mudança e fez um ano semana passada. Ele pediu outro culto pelo ano que passou. E isso me dá alegria por reconhecer que Deus tem sido misericordioso, que tem abençoado, que tem ajudado não só ele como a todos que trabalharam com ele. O meu terceiro filho ele não fez faculdade, mas ele é Técnico Agrícola e tem se dedicado muito em criação de abelhas, sendo instrutor aqui no Maranhão. Em todo o Maranhão ele já foi instrutor de criação de abelha. Ele tem um currículo muito bom. Ele trabalha com o pessoal da UEMA, como os professores da UEMA em pesquisas de abacaxi, que ele mora em Turiaçu. Então, como é uma terra muito boa pra abacaxi, tem se sobressaído muito o plantio do abacaxi. Ele tem desenvolvido, através do próprio currículo dele. Os professores o procuram para cuidar dessas pesquisas. Ele tem curso e no Brasil todo ele vai em congresso, participa. Todo congresso que tem, Olavo vai. É muito interessado. E agora vai ser pai de novo...já é avô e vai ser pai outra vez (risos). O outro filho, que é o Adriano, ele é formado em Administração. Desde que ele fez estágio na ALUMAR, foi muito bem classificado. Quando ele se formou, fez estágio, e já está com vinte e três ou vinte quatro anos que ele é funcionário da ALUMAR. E nesse ínterim, com o trabalho dele, ele foi convidado pra ir pra ALCOA em São Paulo. Passou 5 anos na ALCOA pelos trabalhos prestados aqui na ALUMAR. A ALUMAR investiu muito nele em cursos, em viagens. Quando ele tava em São Paulo, ele viajava muito para o exterior e em todos os países ele ia com representante da ALCOA no Brasil. Já foi até na África do Sul fazendo trabalho para a ALCOA. Agora a ALUMAR o trouxe novamente....como a família, nós, moramos aqui, ele veio sem problema; porque a família tanto nossa quanto da esposa dele moram aqui. Ele tá em São Paulo esses dois dias porque ele foi pra um casamento de uns amigos. O filho mais novo é o Guilherme Ele também tinha começado a faculdade, deixou passar e tal, trancou....Agora ele recomeçou e tá fazendo Direito também. E minha filha, que é a única, é a caçula, ela é formada em Ciências Contábeis. Ela trabalha agora pelo Estado, na Secretaria de Meio Ambiente aplicando os conhecimentos de Contabilidade. Inclusive já fez curso em Brasília, para o trabalho, para melhor aplicar os conhecimentos no trabalho. Eu tenho 14 netos. Eu tenho...o mais velho que também trabalha na ALUMAR, é formado em Administração e já tem um filhinho que é meu bisneto, o Gustavo. A outra neta, que é filha do Adriano, é formada em Nutrição e tá fazendo agora Pós-Graduação. Também já tem uma filhinha, que é a Clarissa...é outra bisneta. Então...eu tenho um casal de bisnetos lindos....e os outros são casados todos. Os meus outros netos 197 fazem faculdade. O Gabriel faz..é..é...Engenharia Química aqui na UFMA e também, ele começou Engenharia Civil no CEFET, mas como também o CEFET agora não está em atividade ele tá fazendo só a Engenharia Química aqui. Tem outro, filho do Felipe, que o Daniel...ele faz Engenharia de Produção lá no Pitágoras. Tem a Fernanda que faz..ela estuda no CEST. Ela faz dois cursos. Ela pretende ser Odontóloga...então tá estudando. E tem os outros...tem a Larissa, filha do Felipe que está fazendo o primeiro ano do Ensino Médio do segundo grau. Tem o Daniel, que é irmão do Gabriel, já ta fazendo o 3º ano do segundo grau. Tem o Adrianinho, que é filho do Adriano, também faz o 3ºano do segundo grau. A Juliana que faz 9º ano agora, porque agora mudou de classificação né? É.. tem mais: o João, esse é filho do Felipe também, e ele tem uma Síndrome....ele tem Síndrome de Dawn, tem 17 anos, é acompanhado pelo Fonoaudiólogo. Ele estuda também, mas no colégio não tem muita evolução por causa da Síndrome, que é muito avançada. O filho do Guilherme também tem Síndrome de Dawn, mas é totalmente diferente. Ele faz Judô, é muito ativo, é um menino muito inteligente. E os meus dois netinhos que são os caçulas, até agora, eles vão fazer 4 anos, mas já escrevem os nomes deles....aí são os xodós da vovó (risos). E o mais novo, que vai chegar, que é filho do Olavo, que depois de avô, vai ser pai também. O meu filho mais velho, que vão fazer Ciências Agrárias, não tem filho. Eu sempre queria que meu filho mais velho fosse homem. Ah, porque homem passa idéia de segurança, de modelo pros outros. ...Aí tudo bem, mas tinha a esperança da menina. Aí foi esperando a menina e foi indo até o quinto filho. Quando chegou no quinto menino, aí foi mais uma vez e veio a menina. E chegou num dia muito bom que foi o dia do meu aniversário. Foi um presente. Meu pai sempre aconselhou muito e dizia...inclusive ele dizia, como eu sou a mais velha: “Olha, o filho mais velho é o espelho da família”. Ele conversava muito comigo e eu sempre gostei de perguntar muito. Eu ficava colhendo todas as informações que ele tinha. Então eu criei os meus filhos com muita autoridade, tendo controle sobre a família. Teve diferença da que eu recebi, mas tudo baseado na criação que eu tive. Meu marido ele tinha...ele nunca assistiu uma reunião de pais, parece que os meninos só tinham mãe. E com isso, eu cuidei deles. Todos foram criados com deveres, estudaram... Houve uma época que lá em casa eram 10 estudantes: eu, os seis filhos e as pessoas que moravam comigo. Todos estudaram. Todos que trabalharam na minha casa não ficaram sem estudar. Pude dar, às pessoas que me ajudaram, oportunidade de crescimento. Os meus filhos todos são responsáveis....O Felipe, quando eles vieram pra São Luís, ele era como se fosse o pai da família. Eu fiquei no interior com meu marido, eu trabalhando, e ele aqui era o responsável....apesar de ser de menor ainda, ele era o responsável. Tem 18 anos que eu fiquei viúva, mas não tenho queixas por que meus filhos só me deram alegrias. Todos eles querem o melhor pra mim...filhos, netos me ajudam....quando eu preciso de qualquer coisa eles estão prontos a me...me oferecer sem eu até esperar, de surpresa. Meus filhos se preocupam muito comigo. Eu tenho meu transporte, que é uma maneira fácil de me locomover. Eles 198 até se preocupam....E, quando eu comecei na UNITI, porque eu não dirigia pra qualquer lugar, aí o Felipe disse: “Mamãe e agora, como é?” Eu disse: “Não meu filho, eu vou e volto no horário que é bom”. Eu venho às 13:00 horas pra cá e volto às 17:00horas. É um horário bom, que não tem engarrafamento.... Às vezes tem um pouquinho, mas não dá pra atrapalhar. Não, é....tem sido um desafio, mas tenho sido vitoriosa. Sempre posso levar alguém e trago, porque vem uma colega comigo. E quando a gente vai, o carro vai cheio. Vou levando as amigas, as colegas até no ponto onde elas podem pegar o transporte delas e vão pra casa, mas pelo menos até onde elas...onde eu posso levar elas ficam satisfeitas. E a nossa turma é muito alegre, a turma C. No dia que eu vim não tinha meu nome em lugar nenhum. Aí eu disse: “Professora, era a professora Feitosa, eu não posso ficar de fora!” Ela disse: “Você vai ficar aqui na C”! E ela mesma escreveu meu nome. E fiquei muito feliz, até falei com Lúcia, professora: “Oh Lúcia, meu nome ficou jogado lá no fim” (tom de desânimo). Acho que Deus que escolheu essa turma pra mim. Então eu fiquei satisfeita, feliz! Já fizemos um passeio maravilhoso com a professora Dulce e a outra turma também fez, mas com a nossa turma foi muito bom. Voltando a falar da minha família.... Meu pai já morreu faz muito tempo e minha mãe ainda é viva, tem 93 anos, ela que me ligou agora. Todo dia me telefona pra saber como estou, às vezes pra conversar. Ela mora aqui perto, mas gosta de tá na casa dela e eu vivo na rua, nem paro tanto em casa. Ela tem muito vigor ainda, tem muita saúde, e eles viveram uma vida de paz. Não tinham condição financeira, assim elevada, mas tinha carinho um pelo outro, carinho pela família. Meu pai foi assim um conselheiro no lugar onde ele morava. Ele era muito solicitado pra dar conselho, pra conversar. Ele era uma pessoa muito amiga, muito amável, não tinha....era uma família muito feliz, graças a Deus. E minha mãe também. Lá em casa nós somos cinco filhos. Eu sou a primeira, depois teve outra irmã, aí nasceu meu irmão, depois nasceu outra irmã, aí com 10 anos depois dessa minha irmã, que era a caçula, Maria José, aí minha mãe ficou grávida da minha irmã que é “De Jesus” e ela era da idade de meu filho. Meu terceiro filho era mais velho que minha irmã mais nova. Então ela tem idade de ser minha filha! Mamãe foi embora pra Brasília, uma época, com meus irmãos e lá ela estudou. Eu fiquei em Santa Inês. Continuei em Santa Inês só com minha família, meu marido e meus filhos. Então... meu marido, quando nós fomos pra Turiaçu, ele já ia um pouco adoentado. Aí viemos pra São Luís novamente...ele ficou doente, não pode mais trabalhar e eu que arquei com toda a responsabilidade da família, contanto que quando ele faleceu, eu já não estranhei cuidar da família porque eu já era acostumada a lutar. A minha neta vai receber uma premiação no futebol e ligou convidando. No meu tempo menina não jogava bola, mas hoje tá tudo moderno. Eu lembro que papai e mamãe diziam era muito pra gente: “Menino joga bola, gosta de ir pra rua, gosta de aventura. E menina é mais caseira, gosta mais de brincar de boneca, de ser mamãe”. Então, tem essa afinidade mais com a família, mais com a mãe. O menino não! Ele é aventureiro! O meu irmão então, ele gostava 199 de passarinhar. Ia jogar bola, sempre foi muito ativo. Então essas diferenças, na família, a mãe é que tem que, realmente, acomodar de maneira diferenciada. Já na minha família eu, como mãe, eu tenho seis filhos, mas cinco são homens e só uma é mulher. Os cinco primeiros, que ela é a caçula, eu cuidava tudinho. Sempre tive gente pra ajudar, mas eu que cuidava. Eu tive uma luta com eles, assim de correria. Arrumar, dar comida, tudo era comigo mesmo. As pessoas que me ajudavam cuidava da roupa, da mesa deles, organizar a mesa na hora do almoço. Eu mandei fazer uma mesa só pra eles, no tamanho deles, quatro cadeirinhas. Os maiorzinhos já iam saindo pra mesa dos adultos e os outros ficavam lá. A mesa sempre tava cheia, porque a minha irmã, essa que mora em Portugal também morou comigo durante muito tempo. Quando ela nasceu eu já tinha meu terceiro filho. Ela era minha irmã, mas tinha idade de ser minha filha. Pois é, ela já nasceu tia (risos). O meu terceiro filho nasceu em março e ela nasceu em junho, do mesmo ano. Então foi perto, mas ela era mais nova. Isso, poucos meses. E depois que papai morreu mamãe foi morar comigo e ela foi junto. Aí ela ficou como se fosse minha filha. Foi criada como filha até quando mamãe se mudou pra Brasília. Quando a minha filha chegou, já tinha a “De Jesus” que era menina, e os dois meninos menores. A criação de menino e menina é realmente diferenciada. Os meninos gostam de jogar bola, sempre. Era mais brincadeira de bola mesmo, de carrinho e de construção. Um era engenheiro, outro era agricultor. A minha criação eles brincavam no quintal. Vinham outros meninos da vizinhança lá pra minha casa. Era um quintal grande com coqueiros, tinha sombra, e eles iam brincar no quintal. Enchia o quintal de menino! (risos). Eu não deixava que os meus fossem pra casa alheia. Eu preferia que os de lá viesse. Daí eu me preocupava e fazer lanche e tudo, mas contanto que ficassem sob a minha vigilância. Quando eles tinham que sair, saiam também, mas era com hora certa de voltar. Até o mais velho dizia que era na “Lei da Chibata” (risos), porque tinha hora certa de chegar, pra tomar o banho, pra jantar na hora. E só saiam depois que faziam os deveres da escola. Eu era a professora. Enchia a mesa de menino, depois do almoço, até terminarem. Os que acabavam mais cedo iam saindo e o outro, esse que é técnico agrícola, me deu muito trabalho porque era muito brincalhão. Se eu não tivesse pressão sobre ele teria sido pior, mas graças a Deus, ele tomou consciência que tinha que estudar e começou a ver as coisas diferentes (risos). E a menina não, ela sempre tava em casa, nunca teve que sair pra brincar. Tinha outras meninas que viam pra minha casa! Elas sempre brincavam de boneca. Jogava bola, também, mas brincava mais de casinha. Agora uma minha irmã era danada pra tá subindo em árvore. Aí meus pais diziam: “Não, isso aí não é pra menina. Deixa que menino sobe”. Eu nunca fui muito de subir em árvore, mas minha irmã era igual uma macaquinha pra gostar de subir em árvore (risos). Ia lá pra cima. Tinha goiabeira, tinha ingazeira no nosso quintal e ela gostava de subir. Eu não, eu tinha era mais medo. Não era de tá indo pras árvores, mas a Lourdes gostava de subir e mamãe reclamava demais. Dizia assim: “Isso não é serviço pra menina! Não é brinquedo pra menina!” 200 Então tem sempre essa recomendação. Brinca junto, aí o menino geralmente o menino era o pai. Era o dono da casa. E a menina era a mãe, era a filha, mas as brincadeiras realmente são diferenciadas. E na criação de meus filhos também foi a mesma coisa! Hoje já é diferente. Já tem mais igualdade, porque já tem.....Por exemplo, lá na casa da minha filha, ela não tem filha. É só menino, mas na casa dos meus filhos, tem menina. Eu tenho uma neta, essa que ligou agora, que ela gosta muito de futebol, já o menino não é tão assim pra futebol...Adrianinho e a Juliana. A Juliana joga futebol. Naquela época não se via menina jogando bola. Na minha época era mais difícil de aceitar. As brincadeiras com bola era em dias festivos, comemorações de colégio, mas não era nem voleyball. Era uma brincadeira de jogar a bola uma pra outra na fila...não me lembro bem agora o nome que dava, mas tudo de calçãozinho, mas era um jogo que ali era só menina! Os meninos iam pro futebol. E hoje eu vejo que realmente é diferente. Tem os times de mulheres, de meninas. Elas jogam competição. Realmente tem menina que gosta mais, porque tem menina que gosta mais de brinquedo de menino, mas as diferenças, elas existem. E devem existir. As mães, os pais, têm que ter cuidado. Hoje tá muito mais fácil essa coisa do homem querer ser mulher e da mulher querer ser homem. Tem que ter uma orientação. Tem que ter uma divisão nessa parte. A mulher ela pode ser igual em todos os aspectos de profissão, mas como mulher, ela é mulher. E o homem, as profissões podem ser iguais, mas ele é o homem. A gente tem que educar os filhos da gente pra um não querer ser o outro, eu acho que é perigoso porque....diante da nossa cultura, diante da nossa criação, nós temos que saber que Deus criou apenas homem e mulher e um para unir-se com o outro, mas não os dois sexos juntos. Isso não é do agrado de Deus. A aceitação hoje é maior, mas antes não passava. Hoje a gente já assiste na televisão. Nesse tempo não era tamanha...assim, não era tão grande o número de gays. Alguns....em todo lugar tinha, mas ...lá em Santa Inês tinha um, o Brigite. Ele era um homossexual que cozinhava muito bem. Ele trabalhava o ano inteiro. Tinha restaurante e todo mundo freqüentava. Na época do Carnaval ele se vestia muito bem! Tinha até uma amiga minha que fazia as fantasias dele. Ele não pagava pra fazer, mas ele dava depois a seda que ele usava, que era muito boa, da melhor qualidade pra ela. E isso, ela distribuía essa seda em flores que ela fazia. Então o lucro dela era melhor do que receber o pagamento pela costura. Ela preferia assim e ele já tinha isso. Todo ano ela sabia que ia ganhar essa seda dele. Todo mundo conhecia como Brigite. Ele era respeitado e valente. Ele tinha as parcerias dele. Companheiros, [pausa] pra praticar o que ele achava bom, mas ele era respeitado. Todo mundo respeitava e ele respeitava as pessoas. Ele não era desses promíscuos, nem ficava debochando. Depois teve outro que chamava Maria Bajá, mas era uma minoria deles. Não eram tantos quanto hoje e com a liberdade que eles tem hoje. Eles eram mais reservados. Hoje eles tem liberdade. Em parte ela é boa, mas também hoje, essa....aceitação de homem com homem e mulher com mulher eu acho errada. Pelos princípios de, de....religiosos. O amor pra servir a Deus tem que ser de 201 homem com mulher e não homem com homem e mulher com mulher. Não é uma doença, é uma escolha. E os homens acham que com a liberdade que tem eles fazem o que quiserem. E diante da sociedade, hoje essa aceitação eu acho perigosa porque influencia muito. Tem criança que desde pequenininha ela demonstra, já tem uns traços. Então eu volto à mesma tecla, a educação da família, se ela toma conhecimento e procura ajudar, pra que a criança, o homem saiba que ele é homem e a menina saiba que ela é mulher. Ajudar nessa parte, orientando e mostrando, cabe muito à família. Até minha filha diverge de mim nesse assunto. “Ah mamãe, mas se um filho meu escolher ser gay. Eu não vou jogar ele fora!”. Eu digo que tudo bem, mas se eles são pequenos tu procura orientar. Então pronto, tá bem aqui o ponto. Depende de nós ajudarmos a criança pra que ele depois, se ele disser que faz da vontade dele o que quiser, da vida o que ele quer. Essa semana mesmo eu tava lendo uma revista e tinha lá a mudança de sexo. É uma médica que nasceu homem, mas sempre quis ser mulher. É preciso ensinar o homem a ser homem e a mulher a ser mulher. Homem e mulher se completam, agora homem com homem e mulher com mulher? A adoção... como é que dois homens, que se dizem casal, vão adotar uma criança? Vão adotar uma menina? Como esta menina vai ser criada conhecendo dois homens como pai e mãe? Na cabecinha dela quem é o pai e quem é a mãe? Na hora que ela estiver no colégio vai ter muita pergunta. Esta criança não pediu pra nascer, ela não pediu pra ser adotada. Ela vai ser criada numa situação que vai dar nó na cabeça dela. Até ela chegar ao ponto de discernir o certo do errado, ela já foi confundida demais. Tem que respeitar essa criança. Se duas mulheres se unem, como homem e mulher, e vão adotar uma criança, menino ou menina, essa criança não vai saber quem é pai e mãe vendo duas mulheres na frente dela. Uma servindo de pai e uma de mãe. Isso faz uma confusão na cabeça dela! Por melhor que seja o propósito destas duas pessoas, mas a criança que está sendo criada no meio delas vai ficar.....[pausa]...até que ela chegue na vida adulta e tenha entendimento, ela já sofreu muito. Sofreu recriminação, sofreu perguntas que os amiguinhos fazem. Isso é uma coisa difícil de digerir. Tudo está na base da família e se essa família está degenerada, tá dissolvida, o resultado ruim fica na criança. Olha, as crianças já convivem com isso e elas podem achar bonito, elas podem querer fazer isso, mas a família tem que implantar no coração da criança, na educação da criança, no caráter dela, que ela é, o que ela é, se nasceu homem ou mulher. Eu acho que isso influencia muito e se houvesse mais rigor na criação, teríamos menos gays e lésbicas. Eu acho que isso depende muito da criação. Ninguém me convence de que a criação não influi. Influi sim, é a convivência. Ela não tem uma orientação de família. Ela não conhece família. Na família é uma coisa muito importante esse controle, essa firmeza, saber os deveres que a mãe deve ter. Esses deveres são distintos, mas muitas vezes a mãe absorve. No meu caso foi assim. O Fernando [marido falecido] sempre deixava a meu critério. Ora, reunião de pais e mestres? Nunca o Fernando assistiu uma. Eu sempre falava: “Os meninos só tem mãe?”. Ele dizia que eu 202 estava mais inteirada, mais próxima, que cuidava mais deles. A educação maior dependeu de mim mesma. Ele dava apoio e tudo. Também nunca entramos em conflito, choque...como eu digo assim e ele diz de outro jeito! Não! Papai orientava a gente assim: “Quando o pai diz uma coisa, a mãe tem que confirmar”. Se a mãe diz uma coisa, o pai não pode dizer diferente! Mesmo que ache que não está certo, conversem os dois separados, sem que os filhos notem que um tá divergindo do outro pra evitar que as crianças depois não respeitem ninguém. Se o pai diz uma coisa e a mãe diz outra, a criança fica sem saber quem seguir. Se a orientação do pai ou da mãe. Isso traz uma dificuldade muito grande. Os filhos de pais separados podem ter mais dificuldades porque o pai quer uma coisa, a mãe quer outra. Ele vive com a mãe, no fim de semana vai pra casa do pai. O pai já tem um costume diferente e a criança gosta mais do que é mais leve, do que lhe agrada mais, do que é mais solto. Então, se a mãe corrige e o pai vai lá e diz o contrário, isso fere a educação da criança. Só traz prejuízo pra criança. Hoje as crianças não estão mais acostumadas a ouvir a pessoa dizer “isso é falta de educação”. Essa frase é muito importante a criança saber. “Não faz isso!” Porque é falta de educação. Ninguém repreende. Tem que dizer o porquê que está errado. A criança fica com essa indagação, se ela não perguntar logo, depois ela vai querer descobrir. Se quiser ir pra um lugar e a mãe não deixa, tem que dizer por quê. “Ah, mas minhas colegas vão”. Bom, tem que ver quem são as colegas, tem que ver a mesma faixa etária. Ver se o que as amigas de sua filha fazem, se cabe à sua filha fazer. É preciso saber como conduzir pra que ela entenda o porquê não é pra fazer. Isso tudo traz uma segurança ou uma conseqüência. Filhos de pais separados, por exemplo, eu acho isso muito complicado, essa criação deles. Um tempo com um, um tempo com outro. A dificuldade é muito grande pra criar. Tem muitos que aceitam, mas outros não tem como conciliar. Os filhos são prejudicados. O casamento é um passo muito sério. Eu mesma, na minha família, a minha filha é separada. Ela passou 15 anos casada e teve os dois filhos mais velhos. Quando ela decidiu se separar, o mais velho já tinha dezesseis ou dezessete anos e o outro, que é mais novo cinco anos, tinham entre onze e doze anos. E ela conseguiu colocar na cabeça deles a aceitação. Eles aceitaram numa boa. Hoje é mais fácil. Hoje ela já tem a outra família, tem os filhos gêmeos. Ela o ajudou a casar com outra pessoa! (risos). Ele já tinha essa pessoa, ela ficou grávida e tava com dificuldade de acompanhar a gravidez e ele se queixou pra minha filha. Eles ficaram amigos, mesmos separados. Ele falou que a moça estava com dificuldade pra fazer o pré-natal, que ela não tinha plano de saúde e eles não aceitavam o que ele tinha porque eles não eram casados, não tinham a união oficializada. Ela, minha filha, perguntou o que faltava pra eles se casarem se já estavam esperando um filho e tinha como dar o atendimento pra ela. Aí ele aceitou a dica (risos). Hoje a aceitação é maior. Uma mulher....na minha época uma mulher separada ela ficava recriminada. Inclusive meu avô ensinava pra mim assim: “Minha filha, uma moça é uma louça fina. Toda mancha pega! Uma mulher casada é uma louça mais fina 203 ainda! Nela é que pega mancha; porque ela já tem a família dela e qualquer coisa que ela fizer de errado, ela é caluniada, ela é comprometida. E uma mulher viúva, ou mulher separada, essa sim que tem que ser cuidadosa pra evitar as más línguas, os falatórios!”. Quer dizer, em todas as circunstâncias a mulher é maculada. Naquele tempo era muito mais! Hoje não, as pessoas já tem sua independência de cuidar da sua vida, mas naquele tempo ela tinha que se anular. Se era esposa tinha que ser submissa mesmo. Se era solteira tinha que andar na linha. Se era viúva ela tinha que se comportar. Ou então....porque a moça então, essa tinha que andar direitinho. Pra evitar os falatórios, sabe....as más línguas. Os homens sempre foram livres! Homem podia cair e levantar que era a mesma coisa. Isso que se dizia: Homem pode cair e levantar que é a mesma coisa. Mulher é diferente, se cair mostra o que tem. (risos). Pra você ver que naquela época pras moças era uma dificuldade, porque os rapazes sempre se entrosam em todas né. Até pras moças sair, ir pras festas, tinha que ir de acordo com a qualificação, como a maneira que se comportava na sociedade. Tinha os bailes de primeira, tinha os bailes de segunda e tinha os bailes de terceira. Baile de primeira era assim pra moças de elite, da classe alta. Os de segunda, geralmente, eram pros escurinhos. Não misturavam. Isso lá no interior. Alguns... Algumas meninas que já tinham uma condição melhor, mas que não era branca, que participava. E os de terceira eram as meretrizes. Esse era o...a separação que tinha. E tinha mesmo. Isso era muito distinto. Eram nos bailes. Sempre aconteciam. Então tinham as festas, por exemplo, Carnaval. Tinha os blocos de primeira, os blocos de segunda, e os blocos das meretrizes. Todo mundo brincava na rua mesmo. Eu nunca fui de brincar em bloco, mamãe não deixava, mas em algumas vezes que a gente ia nas festas, a gente ia nos clubes. E era a mesma coisa. Tinha os clubes de primeira, o clube dos morenos e, então isso era definido, tinha lá o local, o clube das mulheres de vida fácil. Hoje não! Hoje há uma igualdade. Há uma mistura e isso até que é melhor porque não tem essa separação. Todo mundo se iguala na sua maneira de viver, mas ninguém tem essa discriminação. Eu achava até que era uma discriminação! Por mais que a pessoa tivesse condição financeira, mas ela era negra, ela ia lá pro baile dos negros, baile de segunda. Era separado. E os homens ia né...era tudo junto, homem e mulher, porque senão não tinha como dançar direito (risos). Tudo isso fazia muita diferença e que hoje a aceitação é muito melhor, embora as mulheres tenham que se preservar mais. Eu acho que às vezes a mulher tá muito liberta! Ela usa a liberdade de maneira errada. Até se expõe muito....se deixando.....se expõe demais. Sempre a mulher mais recatada é mais....ela é mais aceita do que as que se expõe tanto. A maneira de se comportar que compromete. Se expondo assim....se ela não se respeita; se ela é separada, mas aí ela se joga! Vai pra todo lugar, vai pra todo ambiente. Ela quer saber que arranja alguém! Não quer saber como arranjar...Eu acho que isso é....[pausa]. Eu que já sou viúva há 18 anos, e nunca fiz essas coisas. Não é nem que não queira arranjar algúem, mas não apareceu! Uma colega minha, ela disse: 204 “Dona Rosa, porque a senhora não arranja namorado?”. Eu digo: “Luiza, eu não sei”. Ela diz: “A senhora é nova, é bonita”. Eu disse: “Luíza, não sei por quê!”. Ela diz que eu não sei olhar pros lados (risos). Eu até brinco: “Olha Luíza, eu não aprendi a olhar pros lados” (risos). Porque eu sempre vivi em função da minha família. Eu viajava, eu trabalhava, mas sempre meu plano, meu foco, era meu marido e meus filhos. Nunca virei a mente e não vou dizer que minha vida era um mar de rosas. Não! Havia as dificuldades, havia as divergências. Eu enfrentei muito....muito...assim...enfrentei muita barreira! Que tipo de barreiras? No casamento, porque meu marido era bem mais velho do que eu. E ele também era um homem muito assim...ele gostava de ir pra festa, bebia e fumava. E não gostava muito de me levar e também eu não podia ir, ou acompanhar, por causa das crianças. Eu não tinha coragem de deixar elas sozinhas. Ele fazia de conta que....o pretexto era esse e ele ia mesmo. E eu num digo que ele foi mulherengo....isso não. Ele sempre me respeitou. Podia até ter alguma coisa por lá, mas era longe de mim. Não chegou a meu conhecimento, mas ele bebia muito, eu me irritava, me chateava, mas sempre pedi a Deus que me desse paciência e juízo pra saber levar, conduzir as coisas com seriedade. De certo que quando eu comecei a estudar depois, depois que eu tive a Mariana, que eu só tinha o primário, eu senti a necessidade de fazer o ginásio. Eu fui estudar, mas ele não queria! Ah, era uma barreira grande! Eu trabalhava também no colégio e lá eu também estudava. Com o plano de ir trabalhar eu tinha que ir todo dia e ir pra aula também né? Aí tinha dia que ele dizia: “Hoje tu não vai pro colégio!” E ia comigo até na porta do colégio, mas aí eu entrava, pra ir pra secretaria, pro meu trabalho, e da porta ele voltava. Ele ficava na casa de esquina que vendia cerveja. Ele ficava lá tomando a cervejinha dele. Quando eu saía da escola ele ainda estava lá e eu passava diretinho e ia embora, não dava confiança! Ia embora. Chegava em casa, tomava meu banho, jantava e ia cuidar dos meus deveres escolares até a hora que ele chegava e o jantar dele já tava pronto, a roupa já tava no banheiro...a toalha, tudinho. Então, eu tava chateada, mas antes dele chegar eu ficava remoendo comigo mesma: “Quando Fernando chegar hoje eu brigo com ele, faço e aconteço! Quando ele chegava na porta e que entrava eu pensava: “Ah, não compensa. Vou só é me chatear. Amanhã eu falo. Ele já vem “queimado”. Amanhã eu falo com ele”. No outro dia, deixava pra lá, que já passou. E isso eu fui levando. Nisso eu fui vencendo e sempre estando de acordo, embora eu tivesse com minhas mágoas acumuladas, mas eu não deixava expor. Não ia fazer confusão. Sempre detestei confusão, briga, escândalo. Outra coisa...Ele tinha comércio e o comércio caiu em decadência e tudo. Ele não soube administrar bem. Não soube acompanhar a evolução, então caiu em falência. Aí eu comecei a trabalhar também e cuidar das crianças e comecei a vender Avon. Vendi Avon muito tempo e eu precisava sair, pra fazer as vendas e tudo, e ele não gostava. Ele não gostava, dizia: “Mulher que anda com sacola é mulher safada”. Eu dizia: “Olhe, nem sempre. Eu vou fazer minha venda, eu vou cuidar da minha vida, vender meus produtos e nada disso me atinge”. Depois eu comecei a 205 juntar, acumular produtos e quis abrir uma lojinha. Eu viajava pra Teresina e a gente ia comprar miudezas de armarinho. Era agulha, renda, essas coisas e de lá a gente ia até Fortaleza pra comprar confecção, calçados, e fiz a minha lojinha. Ele nunca queria que eu fizesse. Vivia implicando, mas sempre eu fazendo. Eu tava certa que não tava fazendo nada errado. Certa de que eu tinha que ajudar na criação das crianças. Meus seis filhos ali precisando das coisas e eu com saúde, com entusiasmo, com disposição, porque que eu não ia fazer? Só porque ele tava achando que tava errado? Eu tava fazendo certo! Eu nunca deixei de fazer, até ele cair na real e perceber. Depois eu viajei, viajei, e ele disse que eu não ia mais sozinha, que ia com ele agora. A gente ia. Ele enchia a cara (risos) antes da viagem e quando a gente entrava no ônibus, pois o ônibus ia de Belém a Fortaleza, e passava 15:00 horas em Santa Inês, mas ele já tinha tomado umas e outras, e quando ele entrava no ônibus arriava até Peritoró. Eu ficava chateada porque ele não via nada. Ele tava embriagado, né! Chegava lá de dia, tomava um café, comia alguma coisa e ele tomava outra cerveja e o carro seguia pra Fortaleza. Às 7:00 horas da manhã amanhecia em Fortaleza. A gente descia no Hotel, deixava as coisas, tomava um banho, tomava um lanche e ia pro comércio. Fazia as compras...ele me acompanhou muito tempo. Ele ficava muito satisfeito quando chegava nas lojas e as pessoas me admiravam, viam a minha disposição, que eu era muito jovem, e viam a minha disposição pro comércio, pra vender. Aí ele ficava bem convencido (risos). Nessa luta nos fomos muito tempo, até que eu fiz um concurso do INSS e fui pra Turiaçu. Aí lá já mudou. Foi um quadro totalmente diferente. Eu tava estudando a noite e pra fazer as provas levava os exercícios e vinha só pra prestar o exame de final de mês. Até que terminei meu curso. Meu plano era montar meu escritório, só que aí, como eu já estava trabalhando no INSS, que na época era INPS, aí eu não fiz o que eu tinha vontade, mas de qualquer forma eu conclui os estudos e me ajudou muito. Com isso eu aprendi muito, mesmo lá não tendo curso e eu fazendo por correspondência. Ainda fiz Correspondência Comercial, porque tinha dificuldade nas comunicações por carta pra o INPS. Eu vinha pra cá [São Luís] no mês de dezembro de 1987, fiz um treinamento e aí que eu fui pra Auditoria. Eu aturei muita coisa casada, muita coisa mesmo. Eu me casei com dezoito anos e ele tinha trinta e um anos. Ele era mais velho que eu treze anos. Nós nos casamos em fevereiro e ele fez 31 anos em julho. Eu trabalhava na loja que era dele. Eu era balconista, comerciária. Na época, eu trabalhava lá e ele era solteiro. A gente teve um namoro e eu tinha muito medo, justamente, da língua do povo. Isso me comprometia muito, porque eu tinha medo. A gente ia para os bailes e eu tinha que dançar com ele, né? Só que eu ficava me reservando. Ficou naquela luta até que depois papai precisou fazer uma viagem pra Fortaleza, pra receber uma herançazinha, negócio de família. Eu fui com papai. Nessa viagem minha, ele acelerou o casamento. Na minha ausência, mas eu tinha medo...assim...medo de me expor. Não tinha liberdade assim de sair come ele. Era um namoro muito reservado, justamente pela minha classe, de balconista da loja. Ele era o patrão, e eu me reservava mais 206 pra evitar falatório. Interior todo mundo sabe das coisas (risos). Quando nós voltamos, nós passamos lá mais de mês, eu ainda tinha dezessete anos. No dia que eu fiz dezoito anos a gente tava voltando dessa viagem, de Bacabal [MA] pra Santa Inês, foi dia 9 de fevereiro. Nós chegamos no dia 10, 10 de fevereiro de 1960. Foi o ano que eu me casei. Então, quando eu cheguei mamãe me contou: “Menina, toda noite o Fernando vinha pra cá. E eu já tinha era medo do povo falar de mim com teu patrão” (risos). Ela tava sozinha, e ele ia no intuito de saber minha notícia, mas vizinho não ia saber o que ele ia fazer lá em casa né? Ela também se sentia comprometida (risos). Ela disse: “Olha, Sr. Fernando quer casar”. Eu disse que não sabia. Quando eu voltei pra loja, a casa, que era onde tinha a loja, no mesmo lugar, tinha sido toda reformada. Tinha mandado mudar tudo. Ele comprou o terreno antes e construiu a casa porque ele já tinha a intenção de casar e ficar por lá. Só que tava procurando a pessoa (risos). E tinha muitas pretendentes. Também, ele era um homem bonito, rico, dono de uma loja e no interior toda moça queria ser mulher dele! Moças da alta sociedade e eu...eu uma menina humilde, de família pobre, era balconista, apenas uma funcionária. Eu me colocava no meu lugar e tinha medo de conseqüências desastrosas quanto a minha reputação, mas ele não mediu essas diferenças. Arrumou a casa. Quando papai chegou, ele foi lá em casa e fez o pedido. Aí foi aquela emoção (risos). E nos casamos no mesmo mês de fevereiro, no dia 24. No mesmo mês! O medo dele era que eu tivesse arranjado um namorado nessa viagem e ele viesse me buscar. Ele sempre perguntava pra mamãe: “Dona Maria, será que seu Pedro vai deixar Rosa por lá? Ele foi levar Maria Rosa pra ficar com os parentes dele?” Mamãe respondia que não sabia, que nem notícia se tinha. Não tinha comunicação, era só um telegrama, ou carta. Não tinha telefone, essas coisas... Aí ficava aquela interrogação muito grande na cabeça dele, como na de mamãe. E eu lá tava nem....tava aproveitando. Conhecendo parentes, passeando, não tava nem pensando em nada. Agora desde que ele chegou em Santa Inês, tinha aquele flertezinho, aquele namorico. Depois que eu fui pra loja dele ficou mais sério e eu fiquei com medo. Eu tinha medo de me casar e não dar certo. Aí eu tinha medo. Porque ele...a nossa diferença de nível, e ele um homem já maduro e eu uma menina muito jovem e não tinha conhecimento de nada. Assim, era muito....precisava de mais conhecimento mesmo. Eu não conhecia nada da vida. Não tive orientação, não sabia fazer. Não tive....[pausa]. Relações sexuais era um outro assunto que a mãe da gente não falava. Moçinha não tinha que saber. Por isso eu era muito ingênua quando me casei. Não tinha conhecimento de nada. Depois, lendo, que eu vi algumas coisas. Passei pela fase sem realmente aproveitar. E outra coisa, eu fiquei viúva de marido vivo, durante muito tempo. O Fernando fumava muito, bebia muito e por ser mais velho do que eu, ele perdeu a atividade sexual, ele brochava. Aí ele ficava chateado, mas eu sempre dizia que não tinha nada não, que não era a principal coisa, quando na verdade é! É uma das principais, mas pra mim ajudá-lo pra ele não cair em depressão eu ajudava. Na cabeça dele ele queria, mas o membro 207 não ajudava. Aí não realizava. E nisso passou foi muito tempo. Quando ele morreu, já fazia muito tempo que a gente era irmão. Que não tinha mais...da parte dele não tinha. E eu me conformava e acho que também não tinha vontade. Eu não sentia prazer. Não sabia o que era orgasmo. Só fui saber dessas coisas bem depois, lendo, conversando com as amigas. No começo ele que ajudava, mas eu ficava muito acanhada. Muito, muito, muito. Pra te ser sincera, nunca tomei banho junto com ele. Nunca fiquei despida na frente dele, pelada. Sempre foi assim reservado. Naquele momento e pronto. Ali, era sem luz. Era tudo sem intimidade. Ele não era assim carinhoso, como eu vejo o povo falando. Às vezes era brusco, muito avançado, mas aí terminava e não era assim de ter aquele carinho, como eu vejo sobre o preparo, as preliminares. Eu leio muito sobre isso. Eu olho hoje que passou tanto tempo e ficou por isso (risos). Agora que eu já tenho o conhecimento e tudo, só falta experimentar mesmo e saber (risos). Depois que eu fiquei viúva eu não tive mais companheiro, mas eu acho que é muito válido encontrar uma pessoa ainda. A gente sente falta de ter relações. A mulher que disser que ela não sente, ela não está falando a verdade! Porque faz falta. É necessário. Agora, se a gente não tem, como eu não tenho, disposição de sair, de procurar fica mais difícil. Minha amiga diz: “Rosa, tu não acha porque tu só fica em casa. Tu não vai pra lugar nenhum. Só vai pra igreja, onde não tem. Só tem os que já são tudo casado. O que é que tu quer? Vai pra outra Igreja!” (risos). A gente sente falta mesmo, porque a mulher sempre se sente...sente necessidade e também de proteção. Eu gosto muito de ler sobre esse assunto. Eu acho que é muito positiva, que é necessária. É uma necessidade. Sinto falta, sinto. Agora mesmo, semana passada, uma amiga me disse: “Tem um senhor que a senhora tem que conhecer lá à Igreja”. Aí eu fico me perguntando: “Eu não tenho coragem de sair e ir lá só com esse propósito”. Eu vou falar com ela pra ver se ele tem um email, aí mando uma mensagem. Aí eu tenho coragem de me comunicar, de conversar, marcar alguma coisa, um encontro. Eu tenho disposição pra isso, mas pra eu ir só com esse propósito? Eu acho que não. Eu não vou lá pra orar, eu vou lá pra achar namorado! (risos) Que eu quero, eu quero, mas eu não quero me expor dessa forma. Então eu vou solicitar se ele tem uma maneira de como a gente se comunicar. De uma maneira suave, por telefone. Se ela pegar o telefone dele eu tenho coragem de telefonar, me apresentar e marcar, se ele tiver interessado em conversar. Se ele é sozinho, e eu também. Então pra mim é normal, assim. Agora pra eu me expor assim, só pra ir atrás de namorado, não. Eu tenho esperança de encontrar um companheiro ainda. Meus filhos acham que eu tenho razão de encontrar alguém. Só que tem que ser um alguém especial (risos). Só que não pode ser qualquer um (risos). E isso eu tenho certeza que Deus está reservando pra mim. Eu tenho essa esperança! Eu tenho um amigo, inclusive ele é da UNITI. Ele é viúvo. A gente sempre se encontra. Ele me convida pra almoçar, a gente conversa. Eu sinto....ele é viúvo tá fazendo cinco anos agora, ou seis anos. Isso, vai fazer seis anos. Ele ficou ainda muito apegado a lembrança da esposa. É o Luís, é dono de uma livraria. Ele é da turma 208 A. Lá ele é o líder da turma (risos). É uma pessoa muito bacana, mas a gente tem que respeitar. E a gente se conheceu, foi uma amiga minha. Uma amiga nossa, minha e dele, ela era muito amiga da esposa dele e me apresentou por telefone. Não sei como eu perguntei e ela disse: “Ah, vou te apresentar Sr. Luís”. E eu disse: “Tudo bem”. Ela [amiga] me deu o telefone dele e eu liguei várias vezes até que um dia ele ligou e tudo. Ficamos de nos encontrar, conversar. E nisso, realmente nos encontramos. Foi uma alegria muito grande. Eu achei ele muito bacana. Eu gosto muito dele, mas.... E ele demonstra gostar de mim, mas ele tem as suas reservas, suas limitações. Ele disse que é pra eu ter paciência. Alimenta uma esperança não é? E tem sido assim. A gente conversa. Eu vou sempre lá comprar alguma coisa, levo freguês pra lá. Tenho dado assim uma atenção. Ele diz que eu tenho sido a......como é que ele diz? Ah, ele diz que eu tenho sido o oásis pro deserto dele. Ele diz: “Você chegou na hora certa!”. Só que a gente conversa muito, mas nunca houve assim um compromisso. Não, isso não. Ele me convida pra jantar, me convida pra almoçar, mas a gente fica nessa de amizade mesmo. Por enquanto né. Tô reaprendendo a namorar (risos). Ultimamente ele tá assim até mais aberto, né. Diz: “Olha, você tem que ter paciência comigo”. E quem sabe um dia vai dar certo! Pode ser. Eu espero! Ele é uma pessoa muito especial, realmente. Ele é bonitão. É um charmoso. É um gatoso mesmo. É muito bonito (risos). Agora ele me tem uma consideração muito especial. Quando ele passa por lá, pelo corredor da UNITI, ele diz: “Tô com saudade do abraço”. Ele é meio encabulado nessas horas (risos). Ele ficou numa turma e eu na outra, mas a gente se comunica muito. Eu ligo pra ele, ele me telefona, passa mensagem, mas tá nesse nível. Eu tenho uma esperança. Vamos ver o que é que Deus tem preparado. Voltando àquele assunto, eu sempre tive assim...sempre fui muito retraída. É até uma avanço eu sair com o Sr. Luís. Outra coisa que não se falava era sobre menstruação. Nessa época minha mãe foi muito calada. A não ser com alguma colega que a gente falava e eu com muita vergonha de perguntar. Eu não tinha coragem assim...e depois o pessoal podia falar: “Essa menina tão saliente. Quer saber das coisas antes do tempo”. Então, eu me reservava. Fiquei esperando. Menstruei com treze anos, aí falei pra mamãe e ela disse: “Não, isso é assim mesmo. A menina tem que ficar moça. Agora você é moça”. Aí tinha as recomendações: não comer isso, não comer aquilo. Não podia comer limão, não podia comer azedo. Era tanta coisa. Aí papai dizia: “As mulheres lá no Ceará, quando estão nesses dias, não passam nem debaixo de pé de Limoeiro” (risos). Depois que eu menstruei foi tudo bem. E depois mamãe me acompanhava nos meus partos. Depois de ter a Mariana eu tive um problema de cistos no ovário. Foi muita gravidez seguida e o organismo muito frágil. Com dezenove anos eu comecei a ter filho, logo depois que eu casei. Eu me casei no dia 24 de fevereiro e o Luís nasceu no dia 11 de fevereiro do outro ano. Eu fiz 19 anos, no dia 09 de fevereiro, e ele nasceu no dia 11, dois dias depois. No outro ano, foi em 1961, que o primeiro nasceu....No dia 04 de março de 1962 que o Felipe nasceu. 1 ano e um mês de diferença. Felipe fez 1 ano, no dia 04 de março, e nos dia 09 de 209 março nasceu Olavo Luis. Todo ano. Era sempre um ano de diferença de um pra outro. Como eu tinha saúde, e era muito fértil e o Fernando bem mais maduro. Depois do Olavo Luis eu tive um aborto. Adriano nasceu em 01 de maio. No outro ano nasceu Marco. Quando Marco tinha 1 ano e 3 meses nasceu a Mariana. A sexta gestação o organismo já tava muito debilitado. Eu precisei fazer um tratamento e quando ela fez 3 anos eu fiz uma cirurgia de barriga aberta. O doutor, que foi um médico muito bom, ele tirou o apêndice e os cistos, mas os ovários ficaram. O útero até hoje eu tenho. Eu tive o acompanhamento. Na gravidez não tinha enjôo. Eu não sentia coisa nenhuma. Fica era disposta, fazia tudo. Não tive desejo, essas coisas. Nunca tive nem dor de cabeça. Minha gravidez era tudo sadia. Eu sabia que tava grávida, a barriga ia crescendo e eu não tinha restrição pra fazer as coisas. Fazia tudo, cuidava dos que já tinha. Quando eu tava grávida da Mariana e já tinha os cinco, todos tiveram sarampo, e eu grávida. Ah, mas eu tratei desses meninos. Cinco meninos com sarampo! E sarampo é uma doença forte pra criança. Imagina cinco de uma vez? O Marco era pequenininho, tinha um ano e pouquinho. O Luís tinha sete anos, que é o mais velho. Ela nasceu no dia do meu aniversário e ele ia fazer sete anos, dois dias depois. O medico dizia pra eles não pegarem vento e a casa era grande, o quarto era grande. Quando eu entrei em trabalho de parto da Mariana, eu comecei a perder água. Eu fiquei em repouso e dizendo pra eu ter repouso. No dia 09, que eu preparei a lista pra mandar fazer o bolo, as coisas - que eu era tesoureira do Clube das Mães e eu sabia que no dia de aniversário as sócias vinham pra cantar parabéns. Era uma sexta-feira, um dia bom de fazer festa! Fiz a relação pra minha irmã, essa que morava comigo, ir comprar. Ela saiu pra fazer as compras e eu fui ao banheiro e lá veio o sinal de sangue. Fiquei logo no banheiro, tomei banho, pedi a roupa com a malinha de roupa do nenê, que eu não sabia o que era, se menino ou menina. Eu pedi pra menina avisar pro Fernando que ia pra clínica. Ele chamou um táxi e me levou. Lá não demorou muito, ela nasceu. A enfermeira que me atendeu, era por sinal, a mesma que fazia todos os meus partos, desde o primeiro até a última. Quando eu fiz movimento pra levantar, soltou uma coisa lá dentro e quando me deitei ela disse: “Dr. a criança tá nascendo!” Foi assim, muito rápido que ela nasceu. Daí esperei a festa no domingo. Naquela época a gente ainda passava cinco dias no hospital, agora que é 24 horas. Todo mundo foi pra lá e todo mundo esperava que viesse uma menina. A minha cunhada, irmã do Fernando, só tinha menina e eu só tinha menino. Então o primeiro menino dela foi uma festa e a minha primeira menina foi uma festa. Eu estou fazendo o “check up” de todos os exames. O cardiologista me recomendou diminuir o açúcar. Ao diminuir o açúcar, a minha reumatologista recomendou que eu tomasse “AS”, que afina o sangue e é bom pra circulação. Aí levando à ginecologista ela já disse pra diminuir massas, arroz, porque tem açúcar e isso já ta com quinze dias e eu já diminui de peso. As roupas que eu tava vestindo apertada não estão mais. Tô me sentindo ótima (risos). Com regime e sem passar fome, sem deixar de me alimentar bem e estou controlando todas as 210 taxas. Agora mamografia também. Eu faço acompanhamento ginecológico. Já estou com data marcada pra levar resultado de mamogafia e ultrasonografia. A mamografia eu faço de ano em ano e a ultrasonografia faz de seis em seis meses. Acredita que eu entrei na menopausa com trinta e cinco anos? Isso mesmo. Foi muito cedo, muito precoce. Com trinta e cinco anos eu já estava na menopausa. Eu sofri muito porque tive hemorragia, mas eu comecei a fazer o acompanhamento. Daí eu comecei a fazer reposição hormonal. E isso eu faço até hoje. Sempre fazendo, então os médicos recomendam que a gente tem que se cuidar. Eu tenho muita disposição. Agora tem muita gente que tem dificuldade com isso, de aceitar a mudança. Eu quero é ir até os 100 anos, disposta, com saúde. A idade pra mim não é problema. Tem gente que não aceita, que nega a idade, mas depende muito de cada pessoa. Velho não é peixe podre não (risos). Tem muitos que se preparam, pensando quando ficar mais velho e outros nem pensam, não querem nem pensar. Eu penso que quem não quer ser velho tem que morrer novo. Tu quer morrer novo? Não! Então pronto, te prepara que os dias passam. A velhice não esta no físico, está na cabeça de cada um.