- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA

Transcrição

- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA
UNIVERSIDADE FEDERAL MARANHÃO – UFMA.
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Carla Maria Lobato Alves
(EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO:
Vivências de Mulheres.
São Luís – MA
2011
CARLA MARIA LOBATO ALVES
(EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO:
Vivências de Mulheres.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Maranhão para
obtenção do Título de Mestre em Ciências
Sociais.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sandra Maria
Nascimento Sousa.
SÃO LUÍS - MA
2011
Alves, Carla Maria Lobato
(En)gendramento na passagem do tempo: vivências de
mulheres / Carla Maria Lobato Alves. - São Luis, 2011.
210f.
Orientadora: Profª. Drª. Sandra Maria Nascimento Sousa
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Universidade Federal do Maranhão, 2011.
1. Mulher – História e memória I. Titulo.
CDU 396 – 053.89
CARLA MARIA LOBATO ALVES
(EN)GENDRAMENTO NA PASSAGEM DO TEMPO:
Vivências de Mulheres.
___/____/___
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Maranhão para
obtenção do Título de Mestre em Ciências
Sociais.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Sandra Maria N. Sousa (Orientadora)
Prof.ª Dr. ª em Ciências Sociais
Universidade Federal do Maranhão (PPGCSoc)
______________________________________________________
Francisca Verônica Cavalcante
Prof.ª Dr. ª em Ciências Sociais
Universidade Federal do Piauí (PPGAArq)
______________________________________________________
Álvaro Roberto Pires
Prof. Dr. em Ciências Sociais
Universidade Federal do Maranhão (PPGCSoc)
Dedico este trabalho à minha família.
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida e pelas bênçãos concedidas.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
pela concessão da bolsa de estudos, durante todo o curso, que possibilitou adquirir
materiais e investir na participação de eventos científicos; investimento intelectual
que resulta nessa Dissertação de Mestrado.
Aos meus pais, Jarbas e Socorro, que sempre me incentivaram a trilhar no
caminho do conhecimento. Em especial à minha mãe, por incentivar cada etapa de
meus estudos. Obrigada por seu amor, carinho e atenção. À minha avó Glória,
minha irmã Silvana e minhas sobrinhas, Gabriela e Rafaela. Ao meu irmão Eduardo
por, muitas vezes, propiciar recursos materiais que se fizeram necessários em
minha trajetória acadêmica.
À minha orientadora Sandra Maria Nascimento Sousa. Seu apoio foi, desde o
princípio, muito importante. Sem sua ajuda nada disso seria possível.
Às coordenadoras do GEN e da UNITI, respectivamente, Jacira Nascimento
Serra e Hortência Maciel, por terem me recebido nestas instituições. Agradeço ainda
à médica geriatra Maria Zally Borges San Lucas, por facilitar meu contato com o
grupo de convivência do GEN.
A Rosa, Joana, Rosário e Francisca, mulheres que se tornaram interlocutoras
deste estudo, por terem concedido seu tempo com os relatos acerca de suas
vivências; bem como pela atenção, hospitalidade e confiança obtidas com o
transcorrer de nossos prazerosos encontros.
Aos professores Álvaro Roberto Pires e Maristela de Paula Andrade pelas
contribuições na qualificação.
À professora Francisca Verônica Cavalcante que gentilmente aceitou o
convite para compor a banca examinadora deste estudo com o professor Álvaro
Roberto Pires.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Ciências
Sociais que ajudaram na constante problematização e construção do objeto de
estudo. Às secretárias Mary, Soraya e Paula pela disponibilidade, prontidão e
paciência a cada ajuda que me foi concedida.
A todos os colegas da turma seis com quem compartilhei alegrias e
momentos de desespero durante as disciplinas: Bianca Bezerra, Bruno Leonardo
Ferreira, Carolina Portela, Karla Suzy Pitombeira, Raissa Moreira Lima, Roseane
Dias e Suellen Bastos. Em especial, agradeço a Andréa Sousa, Jesus Marmanillo e
Débora Melo pelas conversas que ajudaram a esclarecer nossos questionamentos,
pelo apoio e incentivo nos momentos difíceis.
Às amigas de todos os momentos Renata Mesquita, Carolina Torres e Darles
Pires. Agradeço por compartilhar com vocês momentos felizes e tenho certeza que
nossa amizade fez com que vocês compreendessem algumas das minhas
ausências nos momentos de lazer. Juciana Sampaio, amiga que carinhosamente
chamo de “minha co-orientadora”, foi uma pessoa muito importante na construção
desta dissertação, pois foi com quem sempre pude desabafar e compartilhar minhas
dúvidas, receber críticas e sugestões. Também agradeço aos demais colegas que,
direta ou indiretamente, ajudaram nesta caminhada.
Dentro de mim, bem no fundo,
há reservas colossais de tempo.
Futuro, pós-futuro, pretérito...
Carlos Drummond de Andrade.
RESUMO
Este estudo analisa processos de mudanças e/ou permanências nos papéis
de gênero a partir das vivências familiares de mulheres, na faixa etária de 60 a 75
anos, que participam dos grupos Gerenciamento do Envelhecimento Natural (GEN)
e Universidade da Terceira Idade (UNITI), ambos localizados na cidade de São Luís,
Maranhão. Através da articulação entre Memória e da História de Vida, enquanto
recursos técnico-metodológicos, Rosário, Joana, Francisca e Rosa registram
variados episódios e contextos percorridos ao longo da passagem do tempo.
Resgatam reminiscências que consideraram significativas em suas trajetórias de
existência e destacam, sobretudo, diferenças entre os modos nos quais homens e
mulheres são socializados diante dos “padrões sociais” de conduta de cada época.
Nesse sentido, as narrativas ressaltam a configuração de um sistema binário de
relações de gênero que, em geral, preconiza o masculino e o feminino a atributos
demarcados como opostos e excludentes em relação às vivências no casamento, ou
outras formas de conjugalidade, criação e orientação de filhos, cuidados com a
saúde, conhecimento das mudanças corporais e práticas da intimidade.
Palavras- chave: Mulheres, Memória, Velhice e Relações de Gênero.
ABSTRACT
This study
examines processes
of change and / or continuities ingender
roles from the family experiences of women, aged 60-75 years, participating groups
Gerenciamento do Envelhecimento Natural (GEN) e Universidade da Terceira Idade
(UNITI), both located in São Luis, Maranhão. Through the link between Memory and
History of Life, while technical and methodological resources, Rosário, Joana,
Francisca e Rosa recorded several episodes and contexts traveled along the
passage of time. Recover memories they considered significant in their paths of
existence and out, above all, differences between the ways in which men and women
are socialized before the “social standards” of conduct for each season. In this
sense, the narratives highlight the configuration of a binary system of gender
relations in general, calls the masculine and feminine marked as opposite and
mutually exclusive in relation to experiences in marriage or other forms of couples,
creation and guidance of children, health care, awareness of bodily changes and
practices of intimacy.
Keywords: Women, Memory, Old Age and Gender Relations.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Julieta e Romeu, Novela Sete Pecados (TV Globo, 2007)....................123
Figura 2 – Copélia, Seriado “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010).................124
Figura 3 – Avó e neta, Comercial “Havaianas Fit”..................................................125
Figura 4 – Avó, Remake Comercial “Havaianas Fit”...............................................126
LISTA DE SIGLAS
ABRAZ – Associação Brasileira de Alzheimer
ACEPI - Associação Cearense Pró-Idosos
ACT – Ação Comercial Trabalhista
AGE – Advocacia Geral do Estado
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AL – Aliança Libertadora
ALCOA – Alcoa Alumínio S.A.
ALUMAR – Consórcio de Alumínio do Maranhão
AVC – Acidente Vascular Cerebral
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAPS - Caixas de Aposentadoria e Pensões
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
CEST – Faculdade Santa Teresinha
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
COBAP - Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas
COHAB – Conjunto Habitacional
COHATRAC – Comunidade Habitacional dos Trabalhadores Comerciários
DPI – Delegacia de Proteção ao Idoso
DF – Distrito Federal
FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural.
GEN - Gerenciamento do Envelhecimento Natural
GENI - Grupo de Estudos Gênero, Memória e Identidade
H1N1 – Influenza tipo A
IAPS - Institutos de Aposentadoria e Pensões
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
LBA – Legião Brasileira de Assistência Social
MA – Maranhão
MAP – Musculatura do Assoalho Pélvico
MOPI - Movimento Pró-Idosos
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PAI – Programa de Assistência ao Idoso
PD – Partido Democrático
PEM – Partido Evolucionista Maranhense
PETROBRÁS – Petróleo Brasileiro S.A.
PI – Piauí
PPB – Partido Proletário Brasileiro
PR – Partido Republicano
PRF – Partido Republicano Federal
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSD – Partido Social Democrático
PSDM - Partido Social Democrático Maranhense
PSP – Partido Social Progressista
PST – Partido Social Trabalhista
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RJ – Rio de Janeiro
RS – Rio Grande do Sul
SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
SEARHP - Secretaria de Estado de Administração, Recursos Humanos e
Previdência
SEMARC – Serviço de Marcação de Consultas
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SESC - Serviço Social do Comércio
STE – Supremo Tribunal Eleitoral
TRE - Tribunal Regional Eleitoral
TV - Televisão
UDN - União Democrática Nacional
UEMA – Universidade Estadual do Maranhão
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
UNITI - Universidade Integrada da Terceira Idade
URM – União Republicana Maranhense
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
ZBM – Zona de Baixo Meretrício
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...............................................................................................................15
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................18
1. Velhice, Idade Avançada: um problema social em evidência..........................................19
1. 2 A Construção das Categorias de Análise do que é ser velho, idoso e da
terceira idade.......................................................................................................................21
2. Experiências de “Sujeitos Idosos” e Demarcações de Gênero: delineamento do
tema de estudo....................................................................................................................24
3. Narrativas e Interlocutoras...............................................................................................32
CAPÍTULO 1 – CONJUNTURA SOCIAL DE SÃO LUÍS DOS ANOS 1930 a 1950
E OS PAPÉIS DE GÊNERO...............................................................................................39
CAPÍTULO 2 - VIVÊNCIAS NOS “GRUPOS DE IDOSOS”...............................................54
CAPÍTULO 3 – VIVÊNCIAS NO CONTEXTO FAMILIAR E ESCOLARIDADE..................74
CAPÍTULO 4 – “SOCIEDADE MODERNA” E (EN)GENDRAMENTO DE
“INDIVÍDUOS”.....................................................................................................................90
4.1 Espaço da Domesticidade: papéis de gênero e divisão de tarefas...............................91
4.2 Corpo e Cuidados com a Saúde....................................................................................95
4.3 Corpo e Padrões de Beleza.........................................................................................101
4.4 Mudanças Corporais: entre experiências veladas e o conhecimento..........................107
4.5 Memórias de Práticas Sexuais.....................................................................................113
4.5.1 Desejo e Prazer em Práticas Sexuais.......................................................................117
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................132
REFERÊNCIAS.................................................................................................................135
ANEXOS............................................................................................................................144
Roteiro de Apresentação.................................................................................................145
Rosário..............................................................................................................................146
Joana.................................................................................................................................160
Francisca..........................................................................................................................177
Rosa..................................................................................................................................193
15
APRESENTAÇÃO
Este estudo é constituído por narrativas de mulheres que tem atualmente
entre 60 e 75 anos de idade. Narrativas que foram colhidas ao longo de um período
de 8 meses, cuidadosamente interpretadas à luz de alguns estudos de gênero que,
também, constituíram interpretações mais amplas a respeito das condições sociais
em que se forjam o “ser mulher” e o “ser homem”, em relações desiguais de poder.
Neste caso, falo especialmente de alguns discursos feministas.
Várias foram as interpretações sobre essas desigualdades, muitas vezes
atribuindo aos homens a dominação e a opressão das mulheres, especialmente
aquelas que circularam entre os anos 1970 e 1980. Muitas mudanças nas
conjunturas históricas e sociais predispuseram outros olhares, outras interpretações
que desestabilizavam a perspectiva das relações de gênero entre opressores
(homens) e oprimidas (mulheres) muito próprias de um determinado contexto
histórico-cultural. Michel Foucault foi um autor importante para as estudiosas de
gênero ao discutir o poder como conjunto de relações dispersas em micro relações,
descaracterizando a perspectiva dual acima destacada.
Ao final dos anos 1980 e nos anos 1990, destacou-se a importância do
gênero como uma categoria de análise, com a qual se percebe a construção
polarizada em feminino e masculino para classificar e hierarquizar sujeitos em nossa
sociedade ocidental.
Como base dessa classificação, vários discursos no âmbito da ciência
médica, psiquiátrica e biológica atestam que a anatomia - o órgão genital - é o
referente da “diferença sexual”. Podemos acrescentar que estes discursos produzem
desigualdades à medida que homens e mulheres seriam “naturalmente” dotados de
uma fisiologia específica, associada aos critérios de superioridade e inferioridade.
Outra configuração dessa perspectiva é a de que o corpo é natureza e o gênero é o
suporte cultural que define a identidade dos sujeitos.
Outros discursos científico-institucionais, tais como os da Psicologia do
Desenvolvimento e da Biologia, também definem as fases da vida em que se
16
inserem os sujeitos do gênero, distribuindo atributos e competências, como padrões
ideais, através dos quais estes sujeitos são referidos e comparados.
Nesse sentido, o gênero é uma categoria importante neste estudo à medida
que se refere à possibilidade de se perceber a complexidade das relações de poder
entre homens e mulheres, assim como estes sujeitos se tornam homens e/ou
mulheres – no sentido de que um destes pólos exclui o outro como opositor, o que
significa que ser homem é demarcado distintamente do ser mulher.
Trabalho, portanto, com a articulação possível entre gênero e memória
buscando apoio em outras autoras dos estudos de gênero que entendem que as
demarcações rígidas e fixas das identidades e papéis de gênero se flexibilizam e
ressignificam constantemente.
Joana, Rosário, Francisca e Rosa, foram mulheres que se tornaram
colaboradoras e co-autoras deste estudo e à medida que constroem as narrativas,
de suas experiências, vou efetuando um trabalho de interpretação de segunda mão,
inspirada no que ressalta Clifford Geertz: “os textos antropológicos são eles mesmos
interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão. (Por definição, somente
um nativo faz a interpretação em primeira mão: é a sua cultura)” (2008, p.11).
A estrutura textual na qual organizo e sistematizo interpretações e análises
reúne, além desta apresentação, uma introdução, três capítulos, considerações
finais e os anexos, como apresento, a seguir:
Na introdução apresento a problematização das categorias de análise velho,
idoso e terceira idade, ressaltando os sentidos históricos e políticos que as envolvem
e os variados critérios (biológico, etário, econômico e social) que algumas
instituições lhes imputam. Ainda indico os caminhos percorridos (escolhas,
dificuldades e estratégias) e as fontes teorias utilizadas ao longo do constante
processo de construção do objeto de estudo.
No primeiro capítulo destaco o panorama social, político e econômico de São
Luís, MA, durante as décadas de 1930 a 1950, interligando esta conjuntura local
com as transformações políticas e sociais que aconteciam no âmbito nacional. Ainda
ressalto que são mínimos os espaços destinados às mulheres na Historiografia
17
Oficial, através de jornais e documentos da época, como se aqueles feitos e fatos
conjunturais estivessem desatrelados de suas vidas, pois somente algumas
publicações da época, revistas e colunas de jornais, eram destinadas às mulheres,
reforçando a distinção dos papéis de gênero que atribuía o mundo público aos
homens, e o mundo privado às mulheres, como esferas separadas.
No segundo capítulo realizo uma discussão sobre o envelhecimento levando
em consideração a inserção de Rosa, Joana, Rosário e Francisca em “grupos de
idosos” GEN e UNITI, destacando como significam suas vivências nesses grupos.
No terceiro capítulo focalizo suas rememorações no contexto escolar e
familiar em período considerado da infância ressaltando, sobretudo, os papéis de
pais e de filhos, relações de autoridade e poder vinculadas a regras e transgressões
que perpassaram suas vivências até a condição de mulheres adultas.
No quarto capítulo analiso como destacam modos de distinção nas
especificidades do gênero – homens e mulheres – naturalizadas em acordo com o
sistema hetero-normativo, segundo o qual as tarefas de trabalho, criação e
orientação de filhos, cuidados com o corpo, e, sobretudo, vivências em relação a
namoro, casamento, outras formas de conjugalidade, práticas eróticas e sexuais são
diferenciadas e justificadas como sendo referidas a uma natureza biológica.
Em anexo localizo as histórias de vida narradas por Rosa, Joana, Rosário e
Francisca. Destaco aos leitores o modo como suas narrativas são apresentadas.
Estas seguem uma seqüência livre e também movimentos de avanços e recuos,
como é o trabalho da memória. O tempo das lembranças não é linear, é um “tempo
reversível”1 em que se articulam passado, presente e futuro, algumas vezes em
convergência.
INTRODUÇÃO
1
Alfredo Bosi (1992) e Maurice Halbwachs (2006) acentuam em seus estudos essa concepção de
“tempo reversível” para explicarem imbricações das lembranças no percurso dos relatos.
18
As classificações que demarcam e inserem os sujeitos nas denominadas
idade da vida, infância, adolescência, juventude e velhice2, provém de campos
científicos, predominantemente, da biologia e da psicologia, que estabeleceram
estas etapas priorizando critérios anatômicos e biológicos.
Philippe Ariès (1981) demonstra que as idades da vida foram construídas a
partir do começo da Idade da Moderna, entre os séculos XVI até o XIX, levando em
conta as divisões da historiografia, através de características que lhes seriam
peculiares, porém distintas entre si.
Nos séculos XIV e XV, um único termo era utilizado para fazer referência, por
exemplo, tanto a uma criança quanto a um rapaz3, pois a demarcação entre infância,
adolescência e juventude não existia na forma como hoje são conhecidas. No
entanto, foi no século XVII, segundo Ariès (1981), com a assimilação do sentimento
de amor e dos cuidados com infância, que se passou a reconhecer a necessidade
de limitar a participação destas no “mundo dos adultos”. A adolescência foi
demarcada como período distinto da infância em meados do século XIX, pela
atribuição de algumas características como espontaneidade e alegria de viver. A
juventude foi delimitada pela força e liberdade no século XIX. Durante os séculos
XVI e XVII, a velhice foi considerada a idade da caduquice e o termo ancião tinha
conotação de algo considerado ridículo. Essas atribuições persistiram até o século
XIX, porém os termos ancião e velho só desapareceram, em geral, de discursos
médicos e institucionais no século XX, quando então foram substituídos, segundo
Ariès (1981), por “homem de certa idade” e também por “idoso” e “terceira idade”,
segundo Clarice Peixoto (2007) e Guita Debert (2004).
Tendo em mente que tal classificação foi formulada em contexto histórico,
cultural e político europeu, não posso desconsiderar, porém, a relevância de sua
expansão para outros continentes. Por mais que seja uma construção localizada no
tempo e no espaço, tem sido reiteradamente atualizada anulando entrecruzamentos
2
Utilizo o itálico em algumas passagens para destacar alguns elementos no texto.
Valets, garçoon, fils e beau fils eram algumas das expressões compartilhadas. Ariès (1981, p.41)
(grifos do autor).
3
19
que se constituem pelas diferenças de raça, etnia, classe social e gênero. Em geral,
enquadra os sujeitos como se tais categorias, infância, adolescência, juventude e
velhice, fossem representativas de sujeitos homogêneos.
A tarefa do sociólogo, porém, não é assumir, cristalizar ou confirmar as
classificações já dadas, mas demonstrar, especialmente no caso das categorias
velho, idoso e terceira idade processos pelos quais as pessoas passaram a ser
assim designadas e classificadas. As categorias não são envoltórios vazios, ao
contrário são preenchidas histórica e politicamente de sentidos múltiplos, podendo
ser orientadas por critérios biológico, etário, produtivo-econômico ou social.
Apresento, a seguir, uma discussão a respeito das categorias velho, idoso e terceira
idade uma vez que este estudo discorre, como já foi mencionado, sobre narrativas
de mulheres que, segundo referência de faixa etária, têm atualmente entre 60 e 75
anos de idade.
1 Velhice, Idade Avançada: um problema social em evidência.
Como hoje a categoria idoso, em substituição à categoria velho, está presente
no cotidiano e é usualmente empregada pelas pessoas nos meios de comunicação,
nas instituições, nos setores públicos e privados, nas conversas, em palestras, no
meio acadêmico e outros, é necessário refletir que ela nem sempre esteve presente
como questão socialmente relevante nestes ou em outros discursos, mas cabe aqui
questionar como foi possível seu uso ter se tornado tão comum hoje?
Que
processos envolveram a emergência desta categoria e de outras, como velho e
terceira idade? Para responder estas questões, busco subsídios nas elaborações
teóricas do sociólogo francês Remi Lenoir (1998) com intuito de demonstrar que as
categorias que permeiam as relações sociais, das quais o sociólogo também faz
parte, são elaboradas socialmente.
Remi Lenoir (1998) lembra que o primeiro obstáculo do sociólogo é realizar a
desnaturalização dos objetos que estão dados naturalmente, como bem exemplifica
a respeito das noções de velhice, de família e dos imigrantes. Aqui, interessa-me
mais especificamente a velhice, pois como evidenciado, esta já possui uma noção
pré-construída devido ao seu uso ter se tornado tão naturalizado. Isto pode ser
perceptível na medida em que qualquer pessoa pode julgar ter uma ideia do que
20
venha a ser a velhice, ou de que maneira a vivenciará. As contribuições de Lenoir
(1998) ajudam a compreender que a velhice é relacional e não pode ser considerada
uma realidade homogênea para todas as pessoas que chegam a uma idade
avançada.
De acordo com Lenoir (1998), a velhice surgiu como um problema social na
classe operária francesa no século XIX, pois os empresários passaram a considerar
baixo o desempenho produtivo e, consequentemente, econômico dos operários que
possuíam idade avançada. O que fazer com estes que não serviam para exercer as
atividades lucrativas? Até que fossem criadas as caixas de aposentadoria não se
sabia se os encargos da velhice ficariam com os empresários ou com as famílias4.
Lenoir (1998) percebe o caráter relacional da velhice nos jogos de poder do
campo das profissões, pois compara as idades em que os operários e empresários
envelhecem e revela que para aqueles a idade cronológica é menor tendo em vista a
incapacidade do desempenho de funções sociais e produtivas, como pode ser
observado a seguir:
(...) segundo os empregadores, a mais importante ‘deficiência’ dos
trabalhadores que estão envelhecendo, é o ‘enfraquecimento das
faculdades de aptidão às novas tarefas, métodos ou técnicas’, em seguida,
é mencionada a ‘perda de velocidade’, a ‘perda de força’, e depois a perda
da ‘vivacidade intelectual’, da ‘habilidade’, da ‘memória’ e, em último lugar,
‘a inaptidão para o comando’. Por outras palavras, isso significa que a
diminuição, com a idade, das qualidades julgadas necessárias pelos
empregadores para o exercício das diversas atividades profissionais ou, se
preferirmos, a idade a partir da qual as diferentes categorias sociais
começam a ‘envelhecer’ é mais precoce para os membros das classes
mais baixas: para os empresários, os trabalhadores braçais são
considerados como 100% produtivos somente até a idade média de 51,4
anos; os operários sem qualquer qualificação até 53,5; os contramestres
até 55,9; os executivos até 57,9; e nenhuma idade é fixada para os
empresários (...) (ibidem ,1998, p.72).
Foram elencados, como se pode observar, alguns marcadores para
considerar a velhice daqueles operários, mas acrescento que é devido às ações dos
experts ou especialistas que um problema é transformado em problema social.
Lenoir (1998, p.84) menciona que a função dos experts, ou seja, aqueles que são
4
No Brasil, segundo Solange Teixeira (2003), a velhice ganhou visibilidade como questão social na
década de 1920, com a criação das CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões), geridas pelas
empresas. Posteriormente, foram criados os IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), geridos
pelo Estado, mas somente algumas categorias profissionais eram assistidas com os benefícios. No
Governo de Getúlio Vargas os direitos dos benefícios garantidos pelos IAPs foram estendidos a todos
trabalhadores regulamentados pela CLT( Consolidação das Leis do Trabalho).
21
detentores de um saber oficial e legítimo, “pressupõe um verdadeiro ‘trabalho social’
que compreende duas etapas essenciais: o reconhecimento e a legitimação do
‘problema’ como tal”. Logo, o reconhecimento torna um problema visível e digno de
atenção e a legitimidade, esta nem sempre resultado do reconhecimento, opera na
inserção daquele problema nas preocupações do momento. Foi isso que aconteceu
com a questão previdenciária, pois como as famílias não tinham como suportar os
encargos da velhice dos operários, os experts recomendaram uma atenção mais
efetiva por parte do Estado.
1.2 A Construção das Categorias de Análise do que é ser velho, idoso e da
terceira idade.
Contemporaneamente, vários fatores podem ser elencados para determinar
se uma pessoa é considerada velha ou não. Podem ser os aspectos fisiológicos e
orgânicos, ou uma determinação etária que demarque o limite entre a passagem da
vida adulta para a velhice? Se assim considerar, poderia questionar se toda pessoa
é considerada velha por apresentar unicamente ou os cabelos brancos, ou a pele
enrugada, ou ainda dificuldade de locomoção? Se todas as pessoas que atingem a
demarcação etária adotada pelo sistema previdenciário brasileiro, para receber
aposentadoria por idade, são consideradas velhas e velhos?5 Será que outros
países compartilham desta mesma demarcação etária ou estendem-na para
concedê-los? Por que assim o fazem? Quais os interesses dos sistemas
previdenciários e econômicos ao determinarem uma idade menor ou maior para
aposentar as pessoas? Ainda questionaria se todos os sujeitos que atingem os 60
anos de idade se consideram e se identificam como idosos a partir de uma
determinação legal estipulada pela classificação criada em 1985, pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas (ONU), adotada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)?
5
O sistema previdenciário brasileiro concede benefícios segundo as seguintes especialidades:
aposentadorias (especial, por idade, por invalidez e por tempo de contribuição), auxílios (acidente,
doença e reclusão), pensão por morte, salário-família, salário-maternidade. A aposentadoria por idade
no Brasil segue, conforme Lei Nº. 9.876 de 26 de novembro de 1999, a demarcação etária de 60 e 65
anos de idade, respectivamente, para mulheres e homens trabalhadores urbanos e 55 e 60 anos de
idade,
respectivamente,
para
mulheres
e
homens
trabalhadores
rurais.
http://www.previdenciasocial.gov.br . Acesso em: 15 de setembro de 2010.
22
De acordo com estudos de Lenoir (1998), Mercadante (2005), Mascaro (2004)
e Beauvoir (1970), as categorias velho, idoso, terceira idade, entre outras, são
formuladas a partir de diversos critérios que variadas instituições lhes imputam,
segundo os jogos de interesses nas quais estão envolvidas, tais como, proteção à
saúde, à segurança, à assistência previdenciária, sendo preciso, sobretudo,
considerar o contexto de tempo e de espaço nos quais estão situadas as pessoas
consideradas velhas ou idosas, pois como afirma a antropóloga Elisabeth
Mercadante, “sempre se é velho em algum lugar e num determinado tempo
histórico” (2005, p.74).
Segundo Clarice Peixoto (2007), velho (vieux) ou velhote (vieillard) eram
categorias que se referiam às pessoas que, na França, não tinham status social e
posses materias, pois as que as detinham eram reconhecidas como idosas
(personne âgée). Nesta diferenciação está evidente o caráter relacional que
demarca a conotação dos termos segundo fatores econômicos.
Jacira Serra (2005) relata que o termo idoso foi trazido para o Brasil, na
década de 1960, para substituir o termo velho dos documentos oficiais.
Posteriormente, em 1985, a OMS e a ONU estipularam a determinação etária de 60
anos para os países considerados subdesenvolvidos e 65 anos para países
considerados desenvolvidos. No entanto compreendo que tais demarcações não
deixam, muitas vezes, evidentes outros critérios, além da faixa etária, que as
instituições utilizaram para determinar quem é considerado idoso ou não.
Guita Debert (2004) revela que a categoria terceira idade surgiu na França na
década de 1970, com a criação da “Universités du Troisième Âge”. Posteriormente,
em 1981, expressão similar foi utilizada em Cambridge, na Inglaterra, quando foi
implantada a “Universites of the Third Age”. Esta categoria foi utilizada no Brasil,
inicialmente, pelo gerontólogo Marcelo Salgado, na década de 1970, época em que
esteve à frente da direção do Serviço Social do Comércio (SESC). A proposta de
utilização das categorias seria a de amenizar o caráter pejorativo associado à
categoria velho e, também, transmitir a noção de que o processo de envelhecimento
pode ser ativo, independente, autônomo, rejeitando, dessa forma, estereótipos e
preconceitos vinculados à categoria velho.
23
Desse modo, vários sentidos são atribuídos aos sujeitos, com valores
positivos e negativos, tendo sempre como referência principal a faixa etária. Isto se
reafirma contemporaneamente com a Lei Nº. 10.741, também conhecida como
Estatuto do Idoso, instituída a partir de 01 de outubro de 20036. Segundo esta lei, as
pessoas com mais de 60 anos de idade têm prioridade de atendimento em serviços
públicos e privados (artigo 3º), como filas de agências bancárias, de supermercados
e casas lotéricas, vagas preferenciais em estacionamentos públicos e privados
(artigo 41), gratuidade da passagem em transporte coletivo urbano (artigo 39)7,
gratuidade das passagens intermunicipais e interestaduais (artigo 40)8 e meia
entrada em eventos culturais, como cinema, shows e teatro (artigo 23). Chamo
atenção que nem sempre estas determinações são cumpridas, pois são frequentes
as transmissões de reportagens na mídia televisiva, local e nacional, embora
também presentes em periódicos e na internet, nas quais os considerados idosos,
que deveriam ser os beneficiados, apresentam reclamações sobre o não
cumprimento de tal lei e exigem as medidas cabíveis.
Estas classificações, portanto, como já afirmamos, resultam de lutas
simbólicas para definição e legitimação do que é ser criança, adolescente, jovem,
adulto e velho. Karl Mannheim, em “O problema das gerações” (1982), publicado em
1928, revisa vários enfoques teóricos sobre os modos de classificar sujeitos e
populações e percebe que não há unidade nestes trabalhos. Sua problematização
inicia por não associar as diversas classificações ao tempo cronológico pautado,
principalmente, na forma linear, pois não basta que os sujeitos tenham nascido em
uma
mesma
época,
é
preciso
que
estes
compartilhem
da
possibilidade/potencialidade de presenciar os mesmos acontecimentos e vivenciar
experiências semelhantes para serem considerados de uma mesma geração. Por
6
Desde 1998, o projeto lei nº57, de autoria do então deputado federal Paulo Paim (PT-RS), já
tramitava no Congresso Nacional dando futuramente bases à formulação do Estatuto do Idoso
(Haddad, 2001).
7
A lei federal Nº 10.741 de 01/10/03, estipula no artigo 39 a gratuidade nos transportes coletivos
públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores de 65 anos e, no parágrafo segundo, lhes reserva 10%
(dez por cento) dos assentos, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente
para idosos. Para aqueles que a faixa etária compreende entre os 60 e 65 anos, deixa a cargo da
legislação local. Em São Luís, MA, a lei municipal Nº 4.929 de 30 de maio de 1989 estipula a
gratuidade nos transportes coletivos aos maiores de 65 anos.
8
A lei federal Nº 10.741 de 01/10/03, no artigo 40, inciso I, reserva duas vagas gratuitas nos
transportes interestaduais para pessoas idosas que tenham renda inferior ou igual a dois saláriosmínimos. Já estando estas duas vagas ocupadas por idosos, no inciso II, concede 50% (cinqüenta
por cento) de desconto às demais pessoas consideradas idosas.
24
considerar o fluxo da história, Mannheim ressalta que as gerações não são fixas,
uma vez que sofrem mudanças contínuas, processos dinâmicos e interativos.
Tendo, desse modo, realizado esta breve discussão a respeito de algumas
das categorias de entendimento a respeito do que se designa como velho, idoso e
terceira idade, categorias mais sistematicamente utilizadas, caminho, agora, em
direção a destacar algumas das inquietações que me trouxeram a este estudo.
2 Experiências de “Sujeitos Idosos” e demarcações de gênero: delineamento
do tema de estudo.
O estágio curricular, cumprido junto à Delegacia de Proteção ao Idoso (DPI),
na cidade de São Luís - MA, me possibilitou realizar uma reflexão crítica no exercício
de elaboração de meu trabalho monográfico para conclusão do Curso de Ciências
Sociais, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a respeito de sujeitos
designados como idosos e dos casos de violência, que eram frequentemente
registrados naquela delegacia. Busquei entender processos constitutivos daquela
trama social na qual estes sujeitos apareciam em situação de fragilidade, como
vítimas de agressões e violências, na maioria das vezes praticadas por seus
parentes próximos9.
A análise dos relatos, que me foram concedidos naquele trabalho, me
chamou a atenção, além da questão da violência, para o fato de que as mulheres e
os homens narravam, diferentemente, muitas outras histórias vividas com seus
familiares, amigos ou companheiros conjugais. Deste modo, mesmo tratando-se de
destacar uma experiência comum – a de serem agredidos ou violentados – traziamme o questionamento de que eram diferentes as formas de expressão para as
experiências vividas. Assim, meu olhar se voltava, sobretudo, para perceber as
demarcações de gênero que apontavam desigualdades de poder nas relações
profissionais, familiares, conjugais, vida amorosa e em relações de intimidade, em
geral.
9
ALVES, Carla M. L. Vivências de velhos e situações de violência. Monografia. (Curso de
Ciências Sociais) – UFMA/MA. São Luis, 2007.
25
Atentando aos seus relatos, ia enveredando na direção de conversas sobre
seus relacionamentos mais íntimos e sobre suas práticas sexuais, tema que me
parecia,
na
ocasião,
extremamente
relevante
na
perspectiva
de
sujeitos
considerados velhos ou idosos.
Minhas primeiras observações, então, sugeriam que os relatos dos homens,
ao se aproximarem dessa temática, eram mais evasivos e destacavam, timidamente,
que o início de suas práticas sexuais teria ocorrido bem antes do casamento,
destacando seu papel viril, fazendo referência ao número de parceiras sexuais, às
conquistas e traições conjugais, sempre enfatizando que eles tinham mais liberdade
que as mulheres. Algumas das mulheres entrevistadas destacavam, por sua vez,
que teriam tido uma educação repressiva na qual não se falava sobre “certos
assuntos” como menstruação e virgindade. Entre outras questões, destacavam,
também, os receios que as envolviam na primeira relação sexual, realizada após o
casamento, e como sentiam, muitas vezes, a obrigação para com seus respectivos
maridos, no sentido de agradá-los, destacando, ainda que, em raras vezes, tiveram
prazer derivado dessas relações.
Outras mulheres, porém, revelaram que tiveram relações sexuais antes do
casamento, ao contrário do que se poderia pensar como próprio de um sistema de
relações hetero-normativo, segundo o qual homens e mulheres, “diferentes por
natureza”, atendiam, no período dos anos 1940 e 1950, a desejos, necessidades e
práticas sexuais de modo diferenciado, tendo as mulheres à obrigatoriedade de
preservarem-se “virgens” até seu casamento. Desse modo, eu atentava para
aqueles relatos desejando adensar o seu conteúdo. Os estudos que vinha
desenvolvendo no GENI (Grupo de Estudos Gênero, Memória e Identidade),
coordenado pela Profª. Drª. Sandra Maria Nascimento Sousa, haviam mobilizado
meu olhar para melhor compreender a dinâmica do gênero nas diferenciações que
se concretizam pela via dos entrecruzamentos com a classe social, a raça, a etnia,
etc. No entanto, o trabalho monográfico, com suas limitações de conteúdo e do
tempo de execução, para sua conclusão, não permitiu a exploração de questões que
vinham se desdobrando a partir daquela temática.
Oportunizado o momento de elaboração de uma dissertação de mestrado,
retomei a ideia de refletir sobre estas questões. Ao focalizá-las, me interessava
26
entender como mulheres que estão incluídas na faixa etária dos 60 a
aproximadamente 75 anos de idade, e são assim consideradas velhas ou idosas,
constroem experiências significativas no campo das relações de gênero,
especialmente no que se referem aos relacionamentos conjugais, vivências
amorosas, satisfação de desejos e prazeres erótico-sexuais.
Este interesse, com certeza, foi derivado das muitas conversas que tive na
construção do trabalho monográfico, como citei anteriormente. Deriva-se, também,
da minha própria internalização de discursos específicos, de literatura considerada
especialista e da mídia televisiva, em especial. Segundo estes discursos, as
pessoas consideradas velhas ou idosas necessitam de cuidados especiais, perdem
seus interesses e estímulos para a participação ativa na vida social, amorosa, ou na
obtenção de prazer em práticas sexuais.
Ao tentar operacionalizar a investigação concentrada nesta temática, que
reafirmo me parecer bastante relevante, alguns problemas, porém, me fizeram
refletir, primeiramente, sobre os limites da concreticidade do tempo necessário para
estabelecer uma relação entre pesquisadora e sujeitos pesquisados, que
possibilitasse a fluidez de narrativas sobre questões consideradas como sendo da
intimidade daquelas mulheres.
Num primeiro momento, supus a facilidade de diálogo com cinco mulheres
que entrevistei em meu trabalho monográfico, pois elas se prontificaram a
disponibilizar seu tempo para que pudéssemos conversar sobre suas experiências.
No entanto, à medida que fui retomando a aproximação, elas foram desistindo de
participar. Esta situação me remeteu a pensar nos excertos de Foucault (1988)
sobre a imposição em nossa sociedade moderna ocidental para se falar de sexo ou
de sexualidade nos espaços institucionais legitimados, e na orientação internalizada
pela maioria das mulheres das gerações mais antigas para se mostrarem inocentes
ao falarem de sexualidade ou dela falarem, apenas, quando vinculada a processos
reprodutivos.
Receosa de ficar sem interlocutoras, que colaborassem na construção desta
investigação, procurei superar este obstáculo metodológico, pois já estava com o
projeto de pesquisa formulado e iniciando alguns estudos. Conversei com colegas
27
sobre esta dificuldade, perguntando se conheciam algumas mulheres com as quais
eu pudesse conversar, mas também não obtive sucesso. Foi a partir desta situação
que decidi ir a espaços institucionalizados, denominados como grupos de idosos, de
início, me apresentando como estudante do curso de mestrado em Ciências Sociais
da UFMA, pois sabia que nestes eram frequentes as reuniões nas quais mulheres
consideradas velhas ou idosas participavam.
Naquele momento, continuava tendo como ponto de referência mulheres
consideradas velhas ou idosas que não tivessem visibilidade ou reconhecimento de
valorização do seu status social por estarem inseridas em camadas sociais mais
privilegiadas. Abstraía, assim, as interveniências de elementos ligados à classe
social, assim como aos marcadores de raça e etnia, tomando a condição de
“mulheres idosas” como um paradigma unificador a despeito de já haver criticado
esta opção pelos limites e reduções que incidem na construção de interpretações
analíticas sobre os sujeitos sociais. Esta reflexão só veio ocorrer no andamento do
trabalho, em meio à escolha das mulheres e com alguns referenciais já trabalhados.
Neste caminhar, fui ampliando conhecimento a respeito dos “grupos de
idosos” existentes em São Luís, tendo fixado mais atenção nos grupos UNITI
(Universidade da Terceira Idade) e GEN (Gerenciamento do Envelhecimento
Natural).
A categoria idoso é, em geral, trabalhada por algumas instituições na medida
em que visam promover uma mudança na concepção da velhice. A gerontologia 10 é
o estudo multidisciplinar da velhice que, segundo Guita Debert (2004), engloba
profissionais de diferentes áreas interessados em relacioná-la às questões políticas,
econômicas, culturais, sociais e de saúde.
Estes profissionais são orientados por discursos trabalhados por especialistas
que incentivam o desenvolvimento de ações no intuito de reverter conotações
pejorativas atribuídas à categoria velhice, como destaquei anteriormente. Assim,
esta passa a ser substituída, por algumas instituições, pela categoria terceira idade,
10
O termo gerontologia surgiu em 1908, quando o médico russo Elie Metchnikoff, buscou os termos
de origem grega “gero” (velho) e “logia” (estudo) para designar o estudo da velhice (Serra, 2005,
p.39). Segundo Guita Debert (2004) a primeira Fundação de Geriatria foi criada em 1961, mas foi em
1968 que passou a ser denominada de Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
28
o que intenciona promover um sentido positivo, de liberdade de criação de
oportunidades, de realização de coisas prazerosas como passear, dançar, viajar,
voltar a estudar e, principalmente, de ruptura com a concepção de que a “vida
acaba” com o avançar da idade.
Contemporaneamente as instituições e os especialistas planejam suas ações
e criam programas, aulas de dança, ginástica, informática, universidades e outras
atividades voltadas para os que estão inseridos numa faixa etária que passa a ser
designada como terceira idade. Propõem uma nova maneira de ser velho. Nesta
perspectiva destacam-se a UNITI e o GEN, uma vez que seus discursos oficiais
envolvem ações para seu público alvo, denominado de idoso e não mais velho.
A UNITI é um programa de extensão desenvolvido em parceria com a
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), a Secretaria de Estado de
Administração, Recursos Humanos e Previdência (SEARHP) e o Serviço Social do
Comércio (SESC). Em seu discurso oficial, é uma instituição voltada para a
realidade maranhense, objetivando o resgate da cidadania da população
denominada idosa, promovendo sua inserção na sociedade através da prática de
atividades que possibilitem fortalecer a sua participação social e política; assumirem
conscientemente o seu processo de envelhecimento e gozarem do pleno exercício
da cidadania11.
Busquei, primeiramente, um contato com esta instituição que constantemente
é participativa em encontros estaduais e municipais, nos quais o processo de
envelhecimento está em questão. Além disso, sua localização representava um
elemento facilitador à pesquisa, pois a mesma encontra-se situada nas instalações
da Universidade Federal do Maranhão, Campus Bacanga, no prédio da Biblioteca
Central. Meu primeiro contato com a Coordenadora da UNITI, Hortência Maciel
Gago, foi no final do mês de setembro de 2009. Expliquei o objetivo da pesquisa e
perguntei sobre a possibilidade de entrevistar mulheres lá matriculadas que
11
A UNITI realiza processo seletivo anual que oferece 150 vagas, mas nem todas são preenchidas.
As atividades, divididas em dois semestres, iniciam conforme o calendário acadêmico da UFMA. Até
o ano de 2009, somente uma turma participava das atividades. Em 2010, a UNITI distinguiu os alunos
em egressos, ou seja, os que em um ano de curso já fizeram todas as disciplinas, e os iniciantes, os
que o começaram então. Dentre algumas das disciplinas oferecidas têm-se Noções Básicas de
Gerontologia Social, Concentração e Memória, Terapia Ocupacional, Nutrição, Lazer na Terceira
Idade e algumas das oficinas são Artesanato, Fitoterapia, Informática.
29
quisessem conversar e conceder entrevistas a respeito da temática de estudo.
Naquela ocasião, a coordenadora explicou-me que seria mais interessante iniciar a
pesquisa no próximo ano, 2010, pois elas só teriam mais dois meses de atividades e
o contato seria mais difícil. Assim combinado, esperei até fevereiro do próximo ano,
2010, para que pudesse retornar, mas ao chegar à UNITI fui informada de que as
aulas só começariam no final de março de 2010, à tarde.
Fui, inicialmente, conversar com as turmas de alunos egressos após
solicitação da autorização às professoras que, então, me concederam 5 a 10
minutos no final de suas aulas para que eu pudesse me apresentar e falar da
pesquisa que abordaria questões relativas ao exercício da sexualidade de mulheres
consideradas velhas ou idosas. Como já havia suposto, anteriormente, esta questão,
é, em geral, considerada de modo bastante naturalizado como sendo de instância
privada, e não foi bem aceita pelo grupo que me pareceu sem interesse ou temeroso
em lidar com o tema.
Isto já se apresentou como um dado da pesquisa que deveria ser
problematizado. As vivências do prazer, erotismo, que compõem o exercício da
sexualidade, entre pessoas consideradas velhas ou idosas constituem tema envolto
em preconceitos? Ou estas questões, consideradas como “de intimidade” não
podem ser comentadas com alguém considerado estranho, por não participar de
seus relacionamentos mais próximos, como é o caso de uma pesquisadora
acadêmica?
Revi o modo de minha abordagem e redirecionei o olhar para tornar foco
central deste estudo suas vivências nas relações com suas famílias de origem, pais,
mães, parentes próximos e com aquelas foram geradas a partir das suas parcerias
amorosas, conjugais ao perceber seus recuos para exporem vivências de intimidade
conjugal e, também, ao observar que nos primeiros diálogos elas já traziam o núcleo
familiar como alvo de as suas vivências.
Consegui que cinco mulheres do grupo se interessassem pela pesquisa. Três
delas, Joana, Rosa e Francisca, se disponibilizaram a conversar, depois de vários
contatos feitos por telefone e tentativas de marcar uma primeira conversa informal,
em suas residências.
30
Um dos outros grupos de trabalho com pessoas consideradas velhas ou
idosas, no qual pude fazer contato, foi o GEN, localizado nas dependências do
Hospital Estadual Dr. Carlos Macieira, no bairro Renascença II, nesta cidade.
O GEN foi criado em 2001, em seu discurso oficial é um programa
ambulatorial voltado para o atendimento das pessoas denominadas idosas e oferece
atendimento médico em diversas especialidades (geriatria, cardiologia, ginecologia,
urologia, nutrição, terapia ocupacional, fisioterapia, entre outras), serviço de
emergência e cirúrgico, exames complementares, atendimento. O Grupo é formado
por uma equipe interdisciplinar que oficialmente orienta quanto ao processo do
envelhecimento em suas alterações e principais doenças, para que conheçam essa
fase da existência humana, superando os obstáculos a fim de obter longevidade
com qualidade12.
Através do contato intermediado com a médica geriatra Dra. Maria Zali
Borges Sousa San Lucas, funcionária deste hospital e coordenadora do referido
grupo, pude participar de três reuniões do GEN na sede do Programa de Apoio ao
Idoso (PAI), no bairro Calhau, bem como no próprio Hospital, nos meses de junho e
julho de 2010. Estas reuniões eram dinamizadas por palestras proferidas por
médicos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde
com o intuito de explicar e tirar dúvidas sobre os processos biossociais que ocorrem
no período marcado como do envelhecimento.
Meu primeiro contato com o GEN foi no final do mês de maio de 2010. As
atividades do grupo estavam finalizando e por conta disso só retornariam no mês de
julho. Assim como combinado, retornei em julho para conversar com as mulheres
que participavam do grupo e explicar que minha pesquisa trataria sobre relações de
gênero, mais especialmente, vivências na família, no casamento, no namoro, no
relacionamento com os filhos e netos. Além disso, gostaria de saber como sentem
12
O GEN atende mensalmente cerca de 700 funcionários públicos aposentados do Estado do
Maranhão, e/ou seus dependentes, neste caso, exclusivamente o (a) cônjuge, com idade superior a
60 anos. Além de atendimento médico-ambulatorial conta com reuniões semanais localizadas na
sede do Programa de Apoio ao Idoso (PAI), que desenvolvem oficinas de Tai Chi Chuan, Dança,
Artesanato, Pintura, Ginástica, Hidroginástica e Natação e etc. Ambos, UNITI e GEN se destinam
atender e trabalhar com pessoas com idade superior a 60 anos, mas abrem alguns precedentes para
algumas pessoas com idade acima dos 50 anos. O precedente apresenta uma fenda entre o critério
etário estipulado para determinar quem é considerado idoso e a procura no atendimento, o que faz
considerar seu caráter relacional.
31
experiências, que lhes parecem mais significativas, em relação ao corpo, ao
exercício da sexualidade e à obtenção de prazer.
Fui a dois encontros realizados em outra instituição, o PAI, um às segundasfeiras e outro às sextas-feiras. Quatro mulheres se interessaram pela pesquisa e me
deram seus contatos. Posteriormente, me comuniquei com as mesmas e somente
uma, Rosário, quis marcar uma conversa em sua residência. As demais desistiram
ainda no contato feito por telefone por não terem tempo, pois desenvolviam várias
atividades, e ainda alegaram receio quanto ao que seria feito com o que elas
falariam, embora eu tivesse tido o cuidado e a atenção de lembrá-las sempre que
seus nomes verdadeiros seriam mantidos em sigilo.
Desse modo, diante das limitações de tempo que envolve a produção de um
trabalho de curso de mestrado, finalizei minhas busca por interlocutoras e pude
assim dedicar esforços para com estas quatro mulheres construir este estudo.
Assim, Joana, Rosa, Rosário e Francisca13 constituíram-se, voluntariamente, como
importantes colaboradoras deste estudo que busca compreender, a partir da fala dos
próprios sujeitos, como significam experiências vividas nas relações com suas
famílias de origem e com aquelas geradas a partir de suas parcerias conjugais e
amorosas.
Trabalhar com mulheres inseridas nessas instituições me conduziu a outras
questões, tais como: quem são estas pessoas que buscam estes grupos? Como se
interessaram por eles? Qual era seu discurso sobre a velhice antes de participar das
atividades? E depois de sua inserção, a percepção continuou a mesma? Estas
foram algumas das questões que propus incluir, dirigindo-as a estas mulheres.
Ressalto que estas questões não foram exploradas em sua totalidade, permitindo
adensar interpretações a serem desdobradas em estudos futuros.
3. Narrativas e Interlocutoras
13
Os nomes destas mulheres e de seus familiares são fictícios, decisão tomada conjuntamente para
que o sigilo fosse mantido. Elas têm idade entre 60 e aproximadamente 75 anos, participam de
grupos como UNITI e GEN, casaram, somente uma vez, tiveram filhos, netos e uma delas hoje já tem
bisnetos. Duas são viúvas e as outras duas são casadas. O fato de terem se casado somente uma
vez, bem como de duas delas serem casadas, e das outras duas serem viúvas, foram coincidências
que surgiram no processo investigativo e não situações, propositalmente, estabelecidas.
32
Considero que a História Oral, como História de Vida é o recurso técnicometodológico mais adequado para a realização deste estudo, pois através da
rememoração os sujeitos podem resgatar e ativar reminiscências que, segundo
Regina Faria e Antônio Montenegro (2005, p.21), trazem seleções de “contornos,
imagens, emoções, desafios, sonhos, desejos realizados ou não, vitórias e derrotas”,
à medida que se remetem às experiências passadas, presentes e projeções futuras.
A história de vida ainda propicia captar modos de pensar, comportar e múltiplas
visões de mundo através da escolha de acontecimentos que os sujeitos elegem
como significativos sobre diversas passagens de suas vidas. Nesse sentido, esta
técnica permite captar indicadores do contexto social e das redes de sociabilidade
das quais participaram/participam os sujeitos que ora narram.
História Oral é um termo amplo que abriga diversos recursos para coleta de
informações: entrevistas, histórias de vida, depoimentos, autobiografias e biografias.
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988) apresenta aproximações e distinções destes
recursos tanto em relação à coleta, quanto à finalidade dos relatos de sujeitos.
Destaco, a seguir, as peculiaridades referentes à história de vida.
A História de Vida é considerada como uma técnica na qual o narrador relata
“sobre sua experiência através do tempo, tentando reconstruir os acontecimentos
que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (Queiroz, 1988, p. 19). Cabe
ao pesquisador ultrapassar a individualidade dos relatos e captar a coletividade
percebendo como foram delineadas suas relações em vivências com familiares,
profissionais, indivíduos de outras camadas sociais e grupos étnicos. Uma de suas
maiores potencialidades “refere-se ao seu caráter heterogêneo e essencialmente
dinâmico de captação do que passou, segundo a visão de diferentes narradores”
(Delgado, 2006, p. 50). O trabalho dos narradores ativa, sobretudo, vivências de
uma trajetória que se atualiza no presente junto àqueles que os escuta, neste caso
uma pesquisadora.
Atentar para as narrativas, interpretá-las cuidadosamente sem perder de vista
que são vários os sentidos atribuídos pelos sujeitos que as constroem, requer utilizar
a memória enquanto um instrumento metodológico e, ainda, como fundamentação
teórica. Nessa perspectiva Maurice Halbwachs (2006) é um autor fundamental, na
medida em que, em seus estudos, procura destacar fortes vínculos entre as
33
rememorações de experiências vividas individualmente e os grupos sociais nos
quais os sujeitos vivenciam tais experiências. Na tentativa de acentuar os vínculos
sociais com a produção de memórias e identidades, Halbwachs (2006) refere que
são muitos os grupos em que vivemos e dos quais guardamos recordações. Nestas
estão presentes “os outros” com os quais convivemos e construímos memórias
coletivas.
A autora Ecléa Bosi (2004), reconhecida pela elaboração de um trabalho de
grande destaque no Brasil, “Memória e Sociedade – Lembrança de Velhos”, também
corrobora essa perspectiva ao demonstrar que as narrativas de oito sujeitos, de
idade superior a 70 anos, sobre suas vivências nos bairros, nas escolas, nas ruas,
nas relações profissionais e familiares, construíam outras interpretações que não
estão incluídas nas Histórias Oficiais sobre a cidade de São Paulo na década de
1970.
Outro destaque na obra de Bosi (2004) deve-se à fluidez, entre passado e
presente, que é bastante evidente nas narrativas. Por exemplo, o Sr. Amadeu
discorre sobre sua infância na escola e, logo em seguida, começa a falar do prêmio
recebido, certa vez, pela participação em corridas no circuito do Brás, ou também na
ocasião em que a Sra. Brites narra sobre a Primeira Guerra Mundial e, logo em
seguida, fala da Escola Normal. Percebi que o mesmo ocorreu no meu trabalho de
pesquisa, pois são vários os momentos de idas e vindas nas narrativas de Rosário,
Rosa, Francisca e Joana, aproximando passado e presente, além de projetá-los em
suas expectativas de futuro.
Utilizar esta técnica requer um longo esforço por ampliar as possibilidades de
escuta do pesquisador. Não se trata simplesmente de coletar informações, mas de
escutar histórias que se estendem, reconfiguram e mudam, sempre, a cada nova
possibilidade de serem narradas. Concordo com o excerto de Verena Alberti que
destaca:
(...) a participação do entrevistador deve se adequar ao ritmo do
entrevistado, procurando não interromper o curso de seu pensamento,
acompanhando seu discurso. (...) reformulando suas próprias ideias à partir
daquilo que lhe é relatado. (...) É o entrevistado que imprime o teor/tema à
entrevista e cabe ao entrevistador aprender seu estilo para adequar seu
próprio desempenho àquela relação específica (ALBERTI, 2004, p. 103)
(Grifos da autora).
34
Trabalhar com história de vida, portanto, ainda possibilita que os narradores
contem livremente os fatos que lhes forem despertados nos processos de
rememorações. Deve o pesquisador, porém, como recomenda Alberti (2004), fazer
um roteiro preliminar de apresentação sem perguntar, a todo o momento, evitando,
assim, interromper constantemente o fluxo das rememorações. Algumas poucas
intervenções podem ser feitas na medida em que as questões encaminhem ou
apontem para outros focos das vivências. Walter Benjamim (1994), contudo, destaca
que nada do que relata o narrador é considerado perdido para a história ainda que
os significados variem de importância para o pesquisador e o sujeito que narra. A
narrativa difere da informação. Esta é breve, e, em geral, contada do mesmo jeito
por diferentes pessoas, enquanto a narrativa pode durar muito tempo e ser contada
diferentemente por diversas maneiras.
Para este estudo, elaborei um roteiro de questões que permitissem reunir
elementos sobre as apresentações de minhas interlocutoras aos meus leitores,
destacando faixa etária, local de nascimento, profissão exercida pelos pais,
escolaridade cursada, profissão exercida, tempo de residência em São Luís, estado
civil, relacionamentos amorosos, vivências com filhos, filhas, netos e netas, o
interesse pelos “grupos de idosos” e outras atividades atuais, entre outras questões,
privilegiando o papel significativo do relato das histórias de vida, nas quais os
sujeitos recortam aquilo que lhes pareça mais significativo. Seguindo estas
orientações no meu trabalho, deixei Rosa, Francisca, Joana e Rosário falarem
livremente, sendo poucas as minhas intervenções.
Foram marcados em média 4 a 5 encontros, com cada uma delas nos “grupos
de idosos” e depois, separadamente, em sua residência, segundo suas
disponibilidades de tempo e acomodação.
Rosário e Joana preferiam marcá-los logo cedo, nas primeiras horas do dia,
porque tinham alguns afazeres domésticos para serem concluídos. Rosa, sempre
que eu ligava, preferia marcar para os domingos ou feriados, pois durante a semana
sempre tinha muitos compromissos e dizia que não poderíamos conversar aos
sábados porque era da Igreja Adventista e sua religião não permitia. Francisca
preferia marcar às sextas-feiras à tarde, logo após o almoço, pois era o único horário
que tinha disponível, já que nas manhãs tinha muito serviço de casa pra fazer.
35
Vários encontros foram remarcados devido a outros compromissos que elas tinham
como as aulas na UNITI, que ocorrem no período da tarde, ou mesmo às reuniões
do GEN, que ocorrem no período da manhã, ou ainda exames de saúde e reuniões
comunitárias, de condomínio, passeios e almoços familiares, etc.
Desse modo, já nestes primeiros contatos, eu percebia que eram pessoas
ativas, que se movimentavam bastante cumprindo não só agenda doméstica, mas
participando de muitas outras atividades. Já me dava conta de que ao contrário de
um discurso que constrói imagens de idosos como pessoas declinantes, depressivas
e solitárias, suas experiências eram marcadas por atividades que exigiam bastante
vigor.
Fui estreitando meus contatos com elas, percebendo que em nossos
diálogos, que ocorriam até mesmo fora dos espaços e momentos das interlocuções
com gravador, com anotações registradas no diário de campo, destacavam
primordialmente seus papéis na família, seu lugar de mãe e a vivência com os filhos.
A partir de uma aproximação maior com elas, passei a ser convidada,
algumas vezes, a tomar um lanche, ou um café, e sempre levava algo para
acompanhar, um bolo ou biscoito, mesmo quando diziam que não precisava.
Naquelas conversas informais perguntavam por que me interessava, em seus
relatos, por vida de gente velha e como tinha paciência para escutá-las, entre outras
coisas. Eu sempre respondia que era um assunto que tinha interesse, mas estas
questões me remetiam à minha experiência particular com as chamadas “velhas da
família”, ou seja, a minha avó materna e suas cinco irmãs.
Sempre tive uma relação bastante próxima com elas e, quando tinha entre
meus 14 ou 15 anos, dedicava um bom tempo a rever, muitas vezes, os álbuns de
família que lhes pertenciam, com as fotos em preto e branco, muitas delas já
amareladas pelo tempo, e passava horas conversando sobre aquelas pessoas,
sobre o passado, sobre a infância delas em Axixá, no interior do Maranhão, e a
vinda para a capital do Estado. Perguntava muito sobre como tinham conhecido
seus maridos, se tiveram outros namorados, pois cresci ouvindo-as contar que
naquela época casavam com quem a família mandasse, apesar de mencionarem
que uma delas enfrentou a mãe para casar com quem queria. Eu gostava de saber
36
cada detalhe e as conversas sempre fluíam facilmente. Cada uma contava uma
coisa e aos poucos ia juntando aquele quebra-cabeça de informações, ligando os
fatos. Hoje, daquelas seis mulheres, somente três são vivas, incluindo minha avó
materna, mas já não podem conversar como outrora, por questões de saúde. Assim,
conversar com Joana, Rosa, Rosário e Francisca sempre foi uma tarefa da pesquisa
bastante agradável, embora algumas vezes cansativa, pelas longas horas narradas,
mas de onde extraímos saberes sobre envolvimentos afetivos, desejos, jogos de
poder nas relações de gênero.
Entretanto, não afastando o meu interesse em compreender, especialmente,
experiências de mulheres de mais de 60 anos de idade, em suas relações
afetivo/sexuais, sempre que tentava aprofundar suas narrativas sobre estas
experiências
elas
desviavam
o
assunto.
Exploravam,
como
já
destaquei
anteriormente, em suas trajetórias existenciais, sobretudo, as vivências com seus
parceiros, as expectativas nas relações amorosas e com os filhos.
Assim, como mostram vários dos pesquisadores que trabalham com História
Oral, o sujeito narrador conduz sua narrativa ao seu modo e temos de estar atentos
a todas as brechas que nos permitem visibilizar as nuances da temática que
queremos focalizar. Através de vivências relatadas no âmbito da família, do
destaque dado ao seu papel de mãe, apareciam bem mais parcerias e experiências
idealizadas com parceiros, maridos e namorados, desejos e frustrações, do que
enfoques relacionados a satisfações e prazeres sexuais.
No caso específico de Francisca, percebi que a presença do marido a impedia
de falar sobre aqueles assuntos porque ele entrava e sentava na sala reservada
onde conversávamos. Propus marcar os encontros em outro lugar, mas ela colocou
isto como impossível. Com Rosa, Joana e Rosário a falta de intimidade, ocasionada
pelo contato recente, talvez tenha sido o principal empecilho para que aqueles
assuntos fossem destacados. É provável que laços mais próximos construídos com
estas mulheres poderiam fazê-las discorrer mais espontaneamente, como já
mencionei, pois de certa forma, ao selecionar acontecimentos significativos, a
pessoa entrevistada faz uma produção de si nos relatos. Bourdieu (2002) ainda
lembra que nesta produção, é comum esta coagir e censurar algumas informações
com a apresentação pública de sua vida, principalmente, a privada. Neste caso,
37
pode-se inferir que na produção de identidades de gênero, às mulheres é, em geral,
imputado o silêncio sobre suas relações de intimidade: práticas sexuais e obtenção
de prazer.
Nesse sentido, a tentativa de estimular rememorações de foro íntimo com
Rosa, Francisca, Joana e Rosário, a respeito de práticas sexuais, relações de prazer
com parceiros, talvez tenha ocorrido em momento e condições desfavoráveis para
que elas se sentissem à vontade e confiantes para discorrer sobre estes assuntos.
Os não-ditos e silêncios sobre estes temas foram marcantes ao longo dos
encontros. Vergonha, medo de repreensão social e timidez podem ter sido as razões
para o aparecimento destes silêncios, mas acredito que, também, o pouco tempo
que tivemos, para uma maior proximidade e intimidade, implicou na reserva e recusa
para relatarem suas experiências sobre o exercício da sexualidade, considerando a
presença de uma pesquisadora, a princípio considerada estranha e que não
pertencia às suas redes de sociabilidade.
O que é censurado ou não-dito por estas mulheres pode se aproximar daquilo
que Michael Pollak denomina de memórias subterrâneas, ou seja, aquelas
lembranças marcadas por silêncios e zonas de sombras que não são expressas
“pela angústia de não encontrar uma escuta, pelo medo de ser punido por aquilo que
se diz, ou ao menos, de se expor a mal-entendidos” (1989, p.08).
As lembranças traumatizantes, segundo Pollak (1989) podem ser silenciadas
e guardadas ao longo dos anos e esperarem um período oportuno para aflorarem
publicamente, como demonstrou em seus estudos sobre as experiências de sujeitos
em campos de concentração, no período dos regimes nazista e fascista. As
recordações deste período foram, muitas vezes, silenciadas e esquecidas no
decorrer do tempo devido, sobretudo, às razões políticas e pessoais que às vezes
eram transmitidas oralmente somente em redes bem próximas de sociabilidade,
como entre familiares, amigos e associações políticas.
Alessandro Portelli (2002) ressalta que algumas lembranças que acarretam
sofrimento não são totalmente silenciadas e preservadas ao longo dos anos, mas ao
38
contrário são amplamente narradas. É o caso, por exemplo, dos relatos dos
sobreviventes do massacre de Civitella Val di Chiana, na Toscana, Itália, em 194414.
Este episódio desencadeou uma série de narrativas sobre as perdas de
familiares, os corpos sangrentos pela cidade e o compartilhamento do luto vivido.
Capto na análise deste autor que situações consideradas traumatizantes, que
consequentemente seriam marcadas por censuras e não-ditos, pelo sofrimento que
a recordação despertaria, se apresentavam com fluente eloqüência nos relatos.
O que ocasionava tal eloqüência eram circunstâncias como os contextos de
tempo e de espaço nos quais eram proferidas as narrativas dos sobreviventes e dos
descendentes. Algumas alterações eram perceptíveis entre o que era dito sobre o
episódio em 1946, logo após o massacre, e em 1994, cinqüenta anos depois do
acontecido. Estas alterações ocorriam por inúmeros fatores, entre eles o temor de
alguma represália pessoal ou familiar na conjuntura pós-segunda guerra mundial, ou
a afirmação de uma identidade contrária à dos membros da Resistência. Desse
modo, os sobreviventes do massacre realizavam suas próprias cerimônias em
homenagem aos 115 homens civis mortos e ainda rejeitavam todo ato cívico
estipulado pelo Estado Italiano que queria exaltar os membros da Resistência e não
àqueles mortos.
Assim, volto aos fatores que teriam ocasionado os silêncios e desvios de
assunto nas narrativas de Rosário, Joana, Francisca e Rosa sobre experiências que
envolviam práticas sexuais, eróticas e obtenção de prazer. Percebi, em sintonia com
as assertivas de Portelli (2002), mais uma vez, que a circunstância na qual se
desenvolve um estudo e a relação construída entre entrevistador e entrevistado
influencia tanto no que é dito como no que não é dito na produção de si, como bem
destaca Bourdieu (2002). No entanto, não posso desconsiderar que o trabalho com
lembranças narradas implica, sobretudo, em compreender que silêncios e
hesitações podem significar muito na construção de diversas interpretações.
CAPÍTULO 1 – CONJUNTURA SOCIAL DE SÃO LUÍS DOS ANOS DE 1930 a 1950
E OS PAPÉIS DE GÊNERO.
14
O massacre de Civitella foi desencadeado a partir da ação dos membros da Resistência, que
mataram três soldados alemães, o que fez com que, consequentemente, as tropas de ocupação
alemã atacassem Civitella e executassem 115 homens civis.
39
Inserindo esta investigação na perspectiva dos estudos de gênero, entendo
que algumas experiências histórico-sociais singulares, recortadas via histórias de
vida, podem retratar experiências vividas mulheres que nasceram especialmente na
primeira metade do século XX.
Nascidas no contexto das décadas de 1930 a 1950, Joana, Rosa, Francisca e
Rosário são sujeitos sociais definidos politicamente na condição de “mulheres”,
cujas experiências são perpassadas por conjunturas econômico-político e social que
apontam transições ora entre regimes conservadores (fortemente pautados no
controle político e social por alguns grupos dominantes), ora entre regimes pautados
nos discursos de Modernização (em que se destacam, por exemplo, ideais de
industrialização e urbanização). Nesse sentido, a seguir, exponho este panorama
que fornece significativos elementos conjunturais no qual uma parte das vivências
destas mulheres foi construída.
Algumas transformações no âmbito político, econômico e social marcaram a
década de 1930 no Brasil. Tais mudanças foram impulsionadas principalmente por
crises na conjuntura político-econômica que aconteciam tanto no exterior, com a
crise da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, quanto no Brasil, com a eclosão
da Revolução de 1930.
No Brasil, durante todo o período da República Velha (1889-1930) vigorou a
governabilidade conhecida como “política do café com leite”, ou seja, a alternância
de políticos representantes dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Esta política
foi assim denominada porque estes Estados produziam, respectivamente, leite e
café (Arruda, 1980).
Assim, de acordo com este autor, nas eleições que seriam realizadas em
1930, para presidência da República, o então presidente Washington Luís deveria
ter indicado um candidato representante do Estado de Minas Gerais, dando
prosseguimento ao que estipulara aquela política, mas acabou indicando Júlio
Prestes, representante do Estado de São Paulo. Tal indicação não foi bem aceita
por políticos dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba que, em
oposição à indicação de Júlio Prestes, se juntaram e lançaram a candidatura do
40
político gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, tendo João Pessoa candidato a vicepresidente.
Getúlio Vargas perdeu para Júlio Prestes na eleição presidencial de 1º de
março de 1930, mas o que ocasionou a instauração da mobilização armada no país,
conhecida como “Revolução de 30”, foi a morte de João Pessoa, candidato à vicepresidência, em 26 de julho daquele ano. A partir de então, vários levantes se
iniciaram em todo o país, o que fez com que Júlio Prestes fosse deposto e Getúlio
Vargas assumisse a presidência da República do Brasil. Estes levantes, que
resultaram a “Revolução de 30”, receberam apoio das antigas oligarquias 15
brasileiras e de tenentes do Exército Brasileiro16, ambos insatisfeitos com a situação
política e econômica do país (Ferreira e Delgado, 2007).
As forças políticas que assumiram o poder, em 1930, apoiaram o projeto de
implementação da industrialização do Brasil, pois estavam insatisfeitas com a
“política do café com leite” e com a economia agro-exportadora cafeeira. Naquele
contexto, as exportações do café brasileiro foram abaladas com a crise que atingiu a
bolsa de valores de Nova Iorque em 1929. Algumas ações governamentais foram
realizadas, cujo intuito era impedir a falência daqueles produtores, mas não foram
suficientes, pois o sistema agro-exportador cafeeiro não pôde encontrar bases
seguraras que sustentassem a economia do país depois da crise de ocorreu nos
anos de 1929 e 1930, conforme ressalta a análise de Arruda (1980).
O interesse das novas forças que assumiram o poder foi incentivar e
promover a industrialização do Brasil e vetar, progressivamente, os interesses dos
agro-exportadores. Assim, já no governo, Getúlio Vargas decidiu incentivar a
15
Reis (2007, p.21) define por oligarquia o “predomínio de redes de poder privado de base familial
sobre o aparelho do Estado”. Foi uma forma de governo predominante no período da República Velha
(1889-1930), embora não tenha desaparecido com o fim desta, como destacam as análises de Arruda
(1981) e Caldeira (1981). Sustentando-se em bases políticas e financeiras, caracterizou-se por formar
alianças entre as esferas municipal, estadual e federal no sentido de garantir e assegurar os
interesses dos grupos políticos dominantes, em cada uma destas esferas, através da troca de favores
pessoais e/ou políticos.
16
O Tenentismo foi um movimento político-militar que envolveu principalmente a baixa oficialidade do
Exército Brasileiro insatisfeitos com os dirigentes políticos, com a exploração estrangeira exercida no
Brasil, com o predomínio do grande latifúndio e das péssimas condições de vida da população
urbana. Os levantes que tiveram maior destaque na conjuntura política brasileira foram a Revolta do
Forte de Copacabana em 1922, a Revolução de 1924, em São Paulo, e a Coluna Prestes, que
percorreu mais de 27.000 km do interior do Brasil, entre os anos de 1925 e 1927, pregando reformas
políticas e sociais e combatendo os governos de Arthur Bernardes (presidente do Brasil de 1922 a
1926) e Washington Luís (presidente do Brasil de 1926 a 1930) (Arruda, 1980) e Reis (2007).
41
produção industrial de bens de consumo não-duráveis como alimentos, vestuário,
utensílios, bebidas, etc. para substituir bens importados pelo Brasil. O objetivo do
presidente, de acordo com Argemiro Brum (1985), era produzir bens que
atendessem as necessidades mais imediatas da população brasileira, uma vez que
esta estava impossibilitada de importar produtos fabricados pelos países envolvidos
no combate da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Segundo Ferreira e Delgado (2007), a permanência de Getúlio Vargas na
presidência foi marcada por dois momentos: de 1930 a 1945 e, posteriormente, no
ano de 1951 (Vargas não concluiu seu segundo mandato como presidente do Brasil
em razão de ter cometido suicídio). Seu primeiro governo foi dividido em Governo
Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1935-1937) e Estado Novo (19371945).
No Estado do Maranhão, segundo Flavio Reis (2007), antes da mobilização
política que desencadeou nacionalmente a “Revolução de 30”, terminava o governo
de José Maria Magalhães de Almeida, oficial da Marinha Brasileira, que esteve à
frente da função governamental durante o período de 1º de março de 1926 a 1º de
março de 1930. Quando ocorreram as eleições no ano de 1930, José Pires Sexto foi
então eleito presidente do Estado do Maranhão. Naquele momento eram precárias
condições sociais da cidade de São Luís, o que causou insatisfação da população
com a falta de habitação, a sujeira impregnada, o racionamento dos serviços de
água e iluminação pública por toda a cidade e etc. (Reis, 2007). Estas condições se
arrastavam e, muitas vezes, a revolta da população com a precariedade dos
serviços era expressa nas páginas dos periódicos locais como A Flecha, Pacotilha,
Jornal da Manhã, como destaca Paulo Câmara (2008) a respeito da cidade de São
Luís na passagem do século XIX ao XX.
Flávio Reis (2007) ressalta que as oligarquias dissidentes locais utilizaram
aquelas precárias condições sociais como instrumento para conseguir adeptos
contra os grupos dirigentes locais e questionar a administração pública. Nesse
sentido, o Partido Republicano (PR)17 e o Partido Democrático (PD)18 utilizaram este
17
O PR era dividido entre situacionistas e governistas. Os situacionistas eram liderados por
Magalhães de Almeida e os governistas por Marcelino Machado. A base da diferença entre estas
divisões se refere à reunião de oligarcas dissidentes no grupo governista (Caldeira, 1981).
18
O PD era liderado pelo médico Tarquínio Lopes Filho, sendo também conhecido como partido
tarquinista (ibidem, p. 54).
42
apoio popular para apoiarem Getúlio Vargas à presidência da república pela Aliança
Libertadora (AL). Tal apoio político não foi suficiente para alcançar votos naquele
pleito, pois Vargas perdeu as eleições no Maranhão. Por outro lado, as eleições para
os cargos no Congresso Estadual, Prefeitura e Câmara Municipal, marcadas para o
dia 12 de outubro de 1930, contribuíram com o desenrolar do processo que
instaurou o “golpe de 1930” no Maranhão.
De acordo com Caldeira (1981), em agosto de 1930 se inicia o desenrolar do
golpe quando o PR situacionista, liderado por Magalhães de Almeida, encontrou
discordância com representantes da classe operária para indicação dos cargos
elegíveis no pleito de outubro para o Congresso Estadual, Prefeitura e Câmara
Municipal. Alguns operários aceitaram apoiar os candidatos a deputado estadual e à
Câmara de São Luís indicados pelo Presidente do Estado e pelo Conselho Superior
de Proletários do Maranhão. Outros, por outro lado, recusaram aquela indicação,
pois queriam escolher os candidatos provenientes das indicações feitas pelas
associações de classe operária.
A relação de candidatos enviada ao jornal Tribuna, em 07 de agosto de 1930,
não continha o nome de Raimundo Valle Sobrinho, representante da classe
operária. A direção do Conselho Superior de Proletários do Maranhão manifestou-se
contrária àqueles nomes publicados, mas manteve o posicionamento neutro entre os
representantes do PR e os operários (ibidem, p.73).
Os operários fizeram um concurso para eleger os candidatos a vereador, mas
em 28 de agosto, novamente o nome do escolhido não estava na lista publicada
pelo jornal. O que constava era o nome de João Azevedo Ramos, indicado por
aquele Conselho. Diante da resistência encontrada, os operários decidiram indicar
José Inácio Couto para concorrer com João Azevedo Ramos. No entanto, as
eleições marcadas para o dia 12 de outubro de 1930 foram suspensas pelo
presidente do Estado, Pires Sexto, em cumprimento à determinação do presidente
da república, Washington Luís, que decretou Estado de Sitio no dia 06 de outubro
daquele ano (ibidem, p. 79).
Com a incerteza que se instalou na cidade, duas tentativas de levante foram
realizadas até que o “golpe de 30” fosse deflagrado por Reis Perdigão, no começo
43
de outubro de 1930. Este assumiu momentaneamente o controle do Estado do
Maranhão através da Junta Governativa, tendo apoio de dois militares do Exército,
mas não queria permanecer no poder por muito tempo. Logo, indicou-se o nome de
Luso Torres para ocupar o cargo de primeiro interventor do Estado do Maranhão. O
grupo político marcelinista19, considerado governalista, apoiou o novo interventor
(ibidem, p. 81).
Durante o Governo Provisório de Vargas (1930 a 1934), cinco interventores
foram nomeados para o Maranhão. Segundo Reis (2007) e Caldeira (1981),
somente de outubro de 1930 a agosto de 1931, três interventores ocuparam o cargo
de presidente do Estado do Maranhão, respectivamente, Luso Torres, Reis Perdigão
e Astolfo Serra20. As ações destes interventores se concentraram ora em acomodar
os grupos políticos no poder, marcelinistas, magalhãesistas21 e tarquinistas22, ora
romper com as alianças. Também construíram bases que solidificassem aliança
entre o governo e sindicatos, associações de comerciantes e população, de um
modo geral.
De setembro de 1931 a fevereiro de 1933 foi nomeado o quarto interventor,
Seroa da Mota. Caldeira (1981) ressalta que sua gestão ficou marcada pela
ausência de aliança partidária e de indicações para ocupação de cargos públicos,
pois nesta fase, denominada de tenentista, interessava ao Estado Brasileiro nomear
interventores estaduais que atendessem a três requisitos: ser militar, ser estrangeiro
(neste caso os interventores não poderiam ter nascido nos estados que
governariam) e ser neutro (que garantiria centralidade administrativa e não
atendesse interesses de grupos políticos locais).
19
O médico Marcelino Machado liderava o PR governista, sendo também conhecido como partido
marcelinista. Representava grupo de oposição política de maior peso eleitoral nos governos estadual
e federal. Reunia latifundiários, agro-industriais, comerciantes importador-exportadores, além de
representantes da classe média e popular e contava com amplo apoio do Partido Republicano
Federal (PRF), liderado por Clodomir Cardoso (ibidem, p.41).
20
Segundo Caldeira (1981), Luso Torres foi interventor do Maranhão de 15 de outubro a 28 de
novembro de 1930. Reis Perdigão o sucedeu, ficando no cargo de 29 de novembro de 1930 a 08 de
janeiro de 1931. Astolfo Serra, indicado por Reis Perdigão, ocupou o cargo de interventor de janeiro a
agosto de 1931, sendo indicado por Reis Perdigão.
21
O oficial da Marinha Brasileira José Maria Magalhães de Almeida liderou o PR situacionista, sendo
também conhecido como partido magalhãesista. Grupo representado pela oligarquia estadual,
predominantemente os grandes proprietários de latifúndio, agro-industriais e representantes do
comércio ligado à agro-exportação e membros da classe média do Estado (ibidem, p. 29).
22
Tarquínio Lopes Filho liderava o PD. O tarquinismo tinha identificação ideológica com o movimento
tenentista e fazia oposição aos magalhãesistas e marcelinistas, pois eram representantes de
interesses oligárquicos. Contava com pequena parcela da burguesia e da classe média (ibidem, p.
55).
44
A oposição, no entanto, se mostrou descontente à medida que não
conquistou cargos políticos. Assim, utilizou a imprensa local para expressar os
descontentamentos. Novos partidos também foram criados, como a União
Republicana Maranhense (URM), agora liderada por Magalhães de Almeida, em
contestação à política interventora de Seroa da Mota. Em fevereiro de 1933, o
interventor renunciou o cargo após de longas discordâncias com a Associação
Comercial (ibidem, p. 170).
Álvaro Jansen Saldanha, interventor interino, assumiu o cargo por uma
semana e logo foi substituído pelo Capitão Antônio Martins de Almeida23. Sua
interventoria foi marcada pela contenção de despesas do Estado. Para isto demitiu
muitas pessoas, reduziu os salários dos funcionários públicos e também aumentou
os tributos cobrados aos comerciantes, o que gerou grande crise no governo.
A Insatisfação dos comerciantes, com os tributos elevados, fez com que
estipulassem uma greve do setor em todo o Estado. Em resposta a tal ato, o
interventor mandou prender os dirigentes da Associação Comercial e conter os
combates entre governo e comerciantes com apoio de agentes civis de outros
Estados. Martins de Almeida ainda construiu aliança com Magalhães de Almeida,
que saíra da URM para fundar o Partido Social Democrático do Maranhão (PSDM).
Outros partidos também foram criados durante sua interventoria, tais como: Ação
Comercial Trabalhista (ACT), Frente Única Proletária e Ação Integralista Brasileira.
Mesmo sem conquistar os cargos a deputado federal, vereador, senador, estes
partidos mostravam a mobilização existente em São Luís na década de 1930
(ibidem, p.184).
Em 22 de junho de 1935, Aquiles Lisboa foi eleito interventor24 contando com
apoio dos partidos PR e URM. Sua eleição foi conquistada a partir da junção dos
partidos PR e URM. No entanto, posteriormente sua interventoria foi marcada pela
crise criada com o grupo oposicionista da URM, que tentou destituí-lo do cargo junto
ao Supremo Tribunal Eleitoral (STE), mas não obteve sucesso no que pretendia
junto à instância federal. Em seguida, com seu impeachment, o PR pedia
23
Segundo Caldeira (1981),o Capitão Antônio Martins de Almeida foi interventor do Estado do
Maranhão de 29 de junho de 1933 a 22 de junho de 1935.
24
Aquiles Lisboa foi interventor do Maranhão de 22 de junho de 1935 a 05 de junho de 1936, data na
qual foi exonerado por Getúlio Vargas (Caldeira, 1981).
45
intervenção federal para o Maranhão. Foi então que o presidente do Brasil, Getúlio
Vargas nomeou o Major Carneiro de Mendonça, em 14 de junho de 1936, para
estabelecer a ordem no Maranhão - por um período de dois meses – até indicar o
nome de Paulo Martins de Souza Ramos em 15 de agosto de 1936.
A crise entre governo e oposição não findara com a posse de Paulo Ramos,
em 15 de agosto de 1936, pois o PR e a URM continuaram a fazer oposição ao
interventor. Paulo Ramos, querendo minimizar as oposições, tentou organizar um só
partido, o Partido Evolucionista Maranhense (PEM), que englobariam as legendas
PSD, URM e Partido Socialista Brasileiro (PSB). Os marcelinistas do PR ficaram
insatisfeitos com tal medida e em seguida receberam apoio da URM, que também
recusou a proposta que validava a ascensão de Paulo Ramos como condutor da
política estadual. No entanto, o PEM foi fundado com apoio de Magalhães de
Almeida e Tarquínio Lopes Filho em 1937.
Paulo Ramos também criou um Comitê que regularizou os sindicatos
existentes e possibilitou que outros surgissem, bem como criou a Câmara de
Expansão Comercial do Maranhão, cujo objetivo era formar aliança com os setores
empresariais. Procurou, assim, construir base de sustentação do governo com
setores sociais e empresariado. Por outro lado, punia amplamente seus opositores
com o objetivo de preservar instituições nacionais. Assim, frequentes atos de
intimidação e truculência marcaram a interventoria de Paulo Ramos durante o
período que se estendeu até os anos de 1945.
No contexto nacional, o ano de 1945 marca o fim do Estado Novo de Getúlio
Vargas. No Maranhão, o ex-interventor Paulo Ramos não constituiu bases que lhe
sustentassem e quem ascendeu ao poder estadual foi Vitorino Freire, articulador da
campanha presidencial do general Eurico Gaspar Dutra (Garcia, 1982).
De acordo com Nelson Garcia (1982) e Wagner Cabral (2004), Vitorino Freire
rearticulou o PSD e neste partido, ao qual era filiado, também encontrou resistência
com suas lideranças, o que fez com que os vitorinistas ficassem em legendas de
aluguéis, tais como o PPB e o Partido Social Trabalhista (PST). Tal situação
perdurou até 1954, quando retomou o comando do PSD com seus aliados. A aliança
46
estabelecida com a esfera federal do PSD garantiu a Vitorino Freire condições que
garantissem sua governabilidade no Estado do Maranhão.
Aquele quadro político era formado por vários partidos de oposição, que
juntos formaram uma coligação denominada de Oposições Coligadas. Wagner
Cabral (2004, p.266) relata que “estas não representavam uma esquerda partidária,
mas um ponto de escape contra as oligarquias rurais maranhenses, apoiada pelos
sindicatos e pela classe média e popular de São Luís”. Suas ações recebiam apoio
político e financeiro do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e
privilegiavam ações populistas. Contando com ampla sustentação do interior do
Estado e das periferias da capital, o Partido Social Progressista (PSP) - principal e
majoritário partido que a compunha as Oposições Coligadas - objetivava a criação
de escolas primárias, escolas de corte e costura, postos de saúde, torneios
esportivos e etc.
Como as propostas do PSP eram bem aceitas pela população, Adhemar de
Barros conseguiu um número expressivo de votos no Maranhão, nos pleitos nos
quais concorreu ao cargo de presidente da República, em 1955 e 1960. Os
periódicos, Jornal do Povo e O Combate, que circulavam no Maranhão nestas
décadas, expressavam que o PSP era contrário à injustiça social, ao compadrio e
imoralidade dos costumes políticos maranhenses (Cabral, 2004).
O ano de 1950 ainda se caracterizou por sucessivas oposições contra o
vitorinismo25, processo que culminou na articulação da “Greve de 51”.
Naquele ano seriam realizadas eleições para cargos estaduais de
governador, senador e deputados e presidente da República. Assim, no âmbito
estadual, Vitorino Freire indicou o nome de Eugênio de Barros para o governo.
Segundo Wagner Cabral (2004), a indicação não foi aceita pelas Oposições
Coligadas que, então, indicam Saturnino Bello, ex-interventor e ex-vice-governador
do Maranhão, para concorrer ao cargo naquele pleito. No entanto, os
25
Para Caldeira (1978), o vitorinismo foi uma dinâmica política exercida no Maranhão desde 1946 até
1965, pelo político pernambucano Vitorino Freire. Foi uma política de base clientelista baseada na
troca de favores entre chefes políticos dominantes e grupos locais. Em geral, Vitorino Freire dedicou
esforços para controlar lideranças e partidos políticos com os quais mantinha alianças formadas.
47
desdobramentos da sucessão presidencial foram decisivos para que a greve de
1951 fosse desencadeada no Estado do Maranhão.
Cabral (2004) ainda destaca que no âmbito nacional mais uma vez Getúlio
Vargas se candidatou ao cargo de presidente e contou, entre tantas alianças, com o
apoio político de Adhemar de Barros. Este veio ao Maranhão em agosto de 1950,
em campanha a favor de Vargas, e seria homenageado pelas Oposições Coligadas.
Todavia, os vitorinistas esquematizaram um plano que desarticulou as atividades
programadas. Nesse sentido, o chefe da polícia proibiu que o comício fosse
realizado na Praça João Lisboa, no centro da cidade de São Luís, transferindo-o
para a Praça Deodoro. No outro local, as sabotagens dos vitorinistas continuaram na
medida em que cortaram a luz elétrica no momento em que o governador de São
Paulo discursava. Em represália, as Oposições Coligadas organizaram uma
passeata e teve início o confronto entre oposicionistas e policiais, que resultou em
inúmeras mortes e feridos.
Assim, as eleições marcadas para 03 de outubro de 1950 ocorreram em meio
ao clima de tensão. Os vitorinistas apoiaram o candidato Cristiano Machado. As
Oposições Coligadas dividiram seus votos entre Getúlio Vargas (coligação Partido
Trabalhista Brasileiro/Partido Social Progressista, ou seja, PTB /PSP) e o Brigadeiro
Eduardo Gomes da União Democrática Nacional (UDN). No âmbito das eleições
estaduais, rumores de que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão teria
anulado muitos votos e, consequentemente, favorecido Eugenio de Barros,
desencadeou uma batalha judicial instaurada pelas Oposições Coligadas, cujo
intuito era a realização de eleições suplementares.
A decisão judicial arrastou-se por alguns meses e o infarto cardíaco que
Saturnino Bello sofreu, em 15 de janeiro de 1951, deu início a uma greve geral dos
setores e serviços na cidade de São Luís.
A cidade de São Luiz tinha cansado de viver em paz. Em dois momentos, a
capital ficou completamente paralisada numa greve geral, nos meses de
fevereiro/março (cerca de 15 dias) e setembro/outubro (20 dias). A greve
de 1951 assumiu tal magnitude que reunia em suas manifestações diárias
contingentes de, no mínimo, 3-4 mil pessoas na chamada “Praça da
Liberdade” (praça João Lisboa ou Largo do Carmo, o centro político
ludovicense). Dada magnitude e riqueza das manifestações e da
mobilização popular (incluindo trabalhadores, estudantes, setores da classe
média, políticos e mesmo empresários), a capital recebeu, nessa ocasião,
48
a alcunha de Ilha Rebelde (às vezes, Ilha Indomável), pois foi ‘uma
manifestação violenta da população de São Luiz contra os excessos da
corrupção eleitoral, então ostensivamente praticada no Estado’26 (CABRAL,
2004, p. 270).
Segundo Cabral (2004, p.271), casas de juízes do TRE foram depredadas,
rádios e jornais, aliados do vitorinismo, foram destruídos e incendiados. A
insegurança e o medo fizeram com que setores industriais, comerciais, de
transportes urbanos e bancários fechassem as portas, o que causou uma
paralisação geral na cidade, que ainda contou com o desabastecimento de
alimentos e problemas de fornecimento de água e energia elétrica. Sandra Sousa
(1998) também demonstra que os moradores de São Luís, nos anos de 1950 e
1951, temiam, dentre outras questões, pelas conseqüências que a greve ocasionaria
na indústria, mais especificamente nos setores fabris (com galpões lotados de fardos
de tecido que não tinham compradores).
Este autor ainda acrescenta que a situação só foi controlada quando Eugênio
de Barros propôs, a Getúlio Vargas, que as forças federais se retirassem do Estado
do Maranhão. A greve findou em 08 de outubro de 1951, mas seus vestígios ainda
seriam sentidos por toda população nos anos seguintes, em 1952 e 1953. Sandra
Sousa (1998) ressalta que os jornais veiculavam várias manchetes que destacavam
as preocupações com a questão econômica do Estado no que se refere às possíveis
falências de fábricas e comércio, bem como dos desempregos que acarretariam.
No âmbito nacional, Vargas continuou a incentivar a industrialização
brasileira, criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a Petrobrás, entre outros. No
entanto, sofrendo inúmeras manifestações de protesto e greves trabalhistas,
pressões da imprensa (que denunciava frequentes casos de corrupção e
desmandos administrativos do governo federal) e dos militares (que unidos aos
grupos oposicionistas exigiam a renúncia do presidente), Vargas suicida-se em 24
de agosto de 1954. Nesse contexto, é importante destacar que o incentivo pregado
por Vargas sobre o processo de industrialização do Brasil não foi vivenciado, ao
longo da década de 1950, no Maranhão.
26
CALDEIRA (1978) apud CABRAL (2004).
49
Ao apresentar a conjuntura econômica, política e social na qual foram
construídas as vivências de Joana, Rosa, Francisca e Rosário, ressalto que
predominantemente os homens aparecem como personagens principais. Isto assim
se evidencia, segundo Michelle Perrot (1989), porque a historiografia tradicional não
reserva espaço em seus escritos às mulheres.
Nesse sentido, o mesmo se percebe a respeito das fontes documentais e
jornalísticas utilizadas nas análises de Cabral (2004), Caldeira (1981) e Reis (2007).
Estas fontes destacam a participação dos homens em conflitos, legendas
partidárias, alianças políticas, entre outros e oferecem pouca, ou quase nenhuma
informação que se refiram às mulheres. Isto reforça a assertiva de Perrot, na medida
em que demonstra que aqueles acontecimentos conjunturais, ocorridos nas décadas
de 1930 a 1950, em geral, não teriam algum tipo de relação com a vida das
mulheres.
Em “Práticas de Memórias Feminina” (1989), Perrot (1989) aponta que à
medida que foram artificializados espaços sociais definidos como “público” e
“privado”, como distintos e excludentes, papéis de gênero foram diferentemente
alocados nesses espaços. Assim, as mulheres não eram solicitadas para falar da
cena pública sobre, por exemplo, as guerras, a política ou a economia, haja vista
que estariam designadas a viver a cena privada e o que elas registravam nesse
espaço, em diários íntimos e cartas, não tinha valor historicamente significativo27.
Sandra Sousa (1998, p.91), “buscando reconhecer, na cidade de São Luís, os
sujeitos-atores que contracenavam nas décadas de 1950 e 1960, através de jornais
locais”, também nota que os homens ocupavam destaque naquelas manchetes. Eles
apareciam, sobretudo, em notícias que remetiam às ações e decisões políticas,
econômicas e sociais da capital maranhense.
A autora continuou sua investigação à procura de outros “sujeitos-atores” que
também compusessem aquela trama motivada em encontrar as mulheres naqueles
jornais. Elas, então, aparecem em colunas, crônicas e reportagens que se
27
Segundo Perrot (1989), muitos daqueles escritos, como cartas e diários, eram queimados e
destruídos para não revelarem algo que abalasse a ordem social e, principalmente, familiar, pois
tomar conhecimento daquelas vivências, através da leitura, poderia provocar constrangimento de
familiares e descendentes já que era uma exposição individual, mas também coletiva, no sentido de
seu pertencimento familiar.
50
destinavam a orientar modos e qualidades que eram socialmente esperados delas
através do processo de socialização.
A Página Feminina (1950), do jornal O Imparcial; O Diário nos Assuntos
Femininos (1952), do Diário Popular; Suplemento Feminino (1959), do Diário da
Manhã, A Coluna Feminina (1960), do Jornal do Dia e o Jornal do Povo (1963) foram
algumas das seções e colunas jornalísticas maranhenses analisadas pela autora.
Nelas eram transmitidas mensagens que reforçavam o controle sobre as mulheres
no que se refere às leituras aconselháveis, às roupas consideradas provocativas, à
vaidade, ao consumo de bebidas alcoólicas, namoros e casamento, cuidados com
os bebês e decoração da casa.
Nesse sentido, destaco dois recortes que se
referem àquelas orientações:
O CUIDADO PESSOAL...A elegância de uma mulher vem, em primeiro
lugar, da frescura de sua pele e de seus cabelos sempre limpos. Um
pequeno descuido imperceptível para você salta aos olhos dos outros, dos
homens, das mulheres, suas amigas e, consequentemente, suas rivais. É
um pequeno defeito que faz com que seus 15 ou 20 anos lhe dêem
aspecto de mulher mais velha, ter as costas abauladas, olhos inchados,
enrugados, cabelos secos e sem brilho, olhos tristes, mãos deformadas...O
que fazer para ser impecável?... Um pouco de paciência, de atenção, muita
disciplina, organização, farão de você uma mulher de elegância perfeita e
de aparência inatacável (Coluna Feminina - O Imparcial, São Luís – MA, 25
jan. 1953 apud SOUSA, 1998, p. 97).
Ficava mal à reputação de uma jovem, por exemplo, usar roupas muito
ousadas, sensuais, sair com muitos rapazes diferentes, ou ser vista em
lugares escuros ou em situação que sugerisse intimidades com um
homem. Os mais conservadores ainda preferiam que elas só andassem
com rapazes na companhia de outras pessoas – amigas, irmãos ou
parentes, os chamados seguradores de vela (BASSANEZI, 2007, p. 612).
Estas colunas jornalísticas não estavam isoladas do âmbito nacional.
Algumas revistas também continham seções destinadas às mulheres, entre elas:
Jornal das Moças, Querida, Você, Vida Doméstica, O Cruzeiro e Revista Feminina.
Carla Bassanezi (2007) ressalta, através da análise destas publicações, que aquelas
revistas transmitiam notas que diziam que as mulheres nasceram para ser donas de
casa, esposas e mães.
51
As seções da revista Querida28 comentavam sobre assuntos de culinária,
moda, beleza, decoração, cinemas, teatros, livros e cartas. De acordo com
Bassanezi (1996), ao longo de toda a revista são explicitadas representações de
como mulheres deveriam se comportar frente ao namoro, casamento, criação de
filhos e relações extraconjugais.
Uma das grandes preocupações das famílias dizia respeito à sexualidade das
moças. Tal assunto também se fazia presente, sutilmente, nas revistas que
circulavam nacionalmente. Assim, ter encontros íntimos com rapazes antes do
casamento era algo impensável às moças que pretendiam se casar, pois aquelas
revistas mencionavam que os homens buscavam as moças consideradas recatadas,
dóceis e com uma boa moral, que assim não lhes trouxessem problemas.
O Cruzeiro29 foi outra revista que também demonstrou que as moças não
deveriam manter contato íntimo, nem apresentar comportamento ousado com os
rapazes. As colunas chegavam a responsabilizá-las, por tais atos, caso estes
tomassem algum tipo de liberdade com elas, como podemos observar a seguir:
A experiência aconselha, em benefício da moça que quer conviver com
rapazes, que, conquanto tenha confiança em si mesma, nunca tenha
confiança em tal grau que a exponha a toda a prova. O amor é uma força
às vezes cega – é preciso andar sempre de olhos abertos para não cair.
[...] Encontrar-se com um desconhecido e sair com ele é arriscar muito.
Nem sempre a popularidade é uma boa recomendação para a moça [...]
nem sempre o rapaz se diverte com a moça de maneira recomendável para
ela. Depende muito da moça a maneira como é tratada pelos rapazes. Se
dá preferência a modas e modos provocantes, perde o direito de queixar-se
se o rapaz quiser avançar o sinal. O estímulo quem deu foi ela. [...] chamar
a atenção dos rapazes [com gestos estudados e sensuais] é depreciativo
para a moça (O Cruzeiro, 24 mai. de 1958 apud BASSANEZI, 2007, p.
612).
Em outra revista, Jornal das Moças30 encontram-se orientações que se
referem à maneira como as esposas deveriam agir para com seus maridos, bem
28
Segundo Carla Bassanezi (1996), a revista Querida surgiu em junho de 1954. Até o ano de 1966, a
revista publicava 24 exemplares por ano, dois exemplares por mês, passando para 26 exemplares
anuais até o ano de 1968.
29
Segundo Carla Bassanezi (1995), a revista O Cruzeiro foi editada em 1928. Seus exemplares ainda
se destinavam à Argentina e Portugal. Em O Cruzeiro encontrar-se-iam seções de cartas e conselhos
intitulada “Da Mulher para a Mulher”, sob a responsabilidade de Maria Teresa, e a seção
humorística “Garotas”, ilustrada por Alceu Penna com textos de A. Ladino (Edgar Alencar) e de
Maria Luiza Castelo Branco (a partir do ano de 1957). As "Garotas do Alceu" estiveram presentes na
revista de 1938 a 1964.
30
A revista Jornal das Moças foi publicada de 1945 a 1960, segundo Bassanezi (1993).
52
como àquelas divisões entre papéis de gênero e espaços sociais público e privado,
estabelecendo que os homens devam se ocupar do trabalho e que as mulheres, em
geral, não devam opinar, nem combater as decisões do marido sobre questões
nesta esfera.
A esposa que realmente deseja o bem do marido deve saber realçar-lhe as
qualidades de espírito e coração, o valor pessoal e até incensar sua
vaidade. [...] Jamais deve imiscuir-se nas atividades profissionais do
marido, a não ser para expressar aprovação por suas obras, e, a não ser
que o homem seja realmente incapaz, ela evitará opinar sobre suas
decisões (Jornal das Moças, 13 nov. de 1958 apud Bassanezi, 2007, p.
630).
Grande parte daquelas publicações legitimou socialmente a construção dos
papéis de mãe e esposa. Isto, consequentemente, reforçou a concepção de que às
mulheres caberia a memória do privado. No entanto, reafirmo que esta concepção é
alvo das críticas de Michelle Perrot (1989), pois mesmo envolvendo questões que,
em geral, são discursivamente consideradas de uma vida privada, alguns trabalhos
demonstram que as memórias das mulheres também podem revelar significativos
acontecimentos que se remetam à conjuntura econômica ou política.
Comungando das idéias de Michelle Perrot (1989), Maria Bernardete Flores
(1995) analisa as memórias femininas das festas açorianas no sul do Brasil, na
primeira metade do século XX.
A autora considera que as memórias não são exclusivamente separadas pela
divisão sexual dos papéis, pois as mulheres que entrevistou transitavam tanto na
casa quanto na rua, logo suas memórias “longe de expressarem apenas o privado, a
morte em família, o nascimento e outros eventos, apontaram os espaços da rua e do
coletivo, como o comércio, a acumulação, as diferenças sociais, as mudanças”
(FLORES, 1995, p. 139).
Contudo, percebo que ao lado das diversas instituições (escolar, familiar,
religiosa, etc.), as colunas e seções de jornais e revistas, que circulavam nas
décadas de 50 e 60, seja a nível nacional ou local, se constituíram em mais um
instrumento que projetou socialmente que as moças, naquele contexto, deveriam
desempenhar, sobretudo, os papéis de esposa e mãe.
53
Assim, Rosa, Francisca, Joana e Rosário destacaram em suas narrativas que
eram socializadas para expandirem emoções e sentimentos, dedicarem-se
absolutamente aos deveres familiares, subordinando suas decisões a imposição de
pais e depois dos maridos - embora tenham buscado construir estratégias que
permitissem não seguirem fielmente o modelo socialmente legitimado, como é
registrado em suas narrativas - suas lembranças se reportam muito aos detalhes de
suas relações familiares, que então se constituíram como foco central deste estudo,
conforme já mencionado.
CAPÍTULO 2– VIVÊNCIAS NOS “GRUPOS DE IDOSOS”.
Não são apenas os fatos, mas os modos de ser e de pensar de
outrora que se fixam assim na memória (...). Os grupos de que
54
faço parte em diversas épocas não são os mesmos. Ora, é de
seu ponto de vista que penso no passado (...). É preciso que
minhas lembranças se renovem e se completem, à medida que
me sinto mais envolvido nesses grupos e participo mais
estreitamente de sua memória (HALBWACHS, 2006, p.95).
É com a citação de Maurice Halbwachs que início este capítulo para
mencionar que neste estudo serão apresentados modos de ser e de pensar de
Rosário, Joana, Rosa e Francisca31. Não se trata de registrar plenamente histórias
de vida, mas de registrar traços destas através de relatos, curtos ou mesmo longos,
que apresentam recordações de experiências vividas e como tais, são cheias de
sombras, longos silêncios, intervalos obscuros, privacidades indevassadas que,
segundo Suely Kofes (2002, p.22), “terminam por falar do que o tempo faz com a
memória de uma vida, vislumbrando apenas o que seria a verdadeira experiência
desta vida no tempo”. Os relatos são recordações de si, de relações, de valores, de
política, dos contextos de suas origens e trajetórias de existência.
Rosário, como Joana, Francisca e Rosa, em seus relatos, narram o lugar
onde nasceram orientando-se, inicialmente, pelo roteiro previsto em minha
investigação. Desse modo, suas formulações iniciais dão conta da idade, do lugar de
nascimento, da profissão dos pais, dos deslocamentos territoriais percorridos e
relações com suas famílias de origem, etc. Aos poucos vão estendendo, nessas
narrativas, detalhes e recortes que vão considerando necessários, portanto
significativos para situarem suas experiências no atual convívio familiar e em outros
relacionamentos mais próximos. Vão construindo personagens, modos de “ser
mulher”, gendrando identidades, modificando histórias e vivências segundo suas
conjecturas no presente.
Neste trajeto é bastante significativo que sejam mulheres inseridas em grupos
de convivências para pessoas consideradas idosas, tão em voga, atualmente.
Nestes casos, como já frisei, Joana, Rosário, Francisca e Rosa participam
ativamente dos grupos GEN e UNITI, que trabalham na perspectiva de uma
construção discursiva, segundo a qual o processo de envelhecimento é uma fase de
31
Utilizo fonte e espaçamento diferenciados do restante do texto nos trechos das narrativas, cuja
finalidade é distingui-los. As informações contidas nos colchetes são alguns esclarecimentos que faço
sobre o que vem sendo narrado por estas mulheres.
55
determinada faixa etária que deve ser aproveitada para se exercer atividades
prazerosas, como passear, viajar, dançar, viver de forma ativa e positiva, rompendo
com estereótipos que numa anterior concepção sobre a velhice, a destacam como
associada ao descanso e à solidão, algo parecido ao que registram Rosário e
Francisca quando se apresentam a mim:
(...) Eu freqüento aqui na COHAB o grupo Clube das Mães, das
idosas, e da Legião de Maria, da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro. (...) Eu faço muita atividade, a minha vida tem que tá sempre
agitada. Num sou de ficar parada em casa não, deitada, de papo pro ar.
Com as colegas, aqui, eu faço ginástica ali na quadra. Terça e quinta.
Tem ginástica pra tudo, pra terceira idade também. É a mesma
ginástica que tem no Parque Bom Menino. Vem uma professora pra cá e
quando me disseram eu já tava lá. E eu ando de manhã. Eu quase não
paro não. Tem jeito não. Tem gente que não acha que eu tenho sessenta
e dois anos. Tem gente que não acha que em agosto eu vou fazer
sessenta e três anos. A colega amanhece assim mole e eu digo: “Vamos!
Te esperta! Vamos!” (..) Eu levanto às 5 horas da manhã, deixo o café na
mesa pra ele, que é só uma hora de ginástica. E eu vou fazer minha
ginástica e volto, faço a comida e quando é às 12:00 horas o cume tá
pronto e eu já vou pra UNITI, de tarde. (...) O pessoal pensa que eu sou
parada, mas eu não sou não. Olha, se eu não fosse tão ativa eu tinha
tido assim uma coisa mais, mais grave como uma conseqüência dessa
queda de ontem [no dia anterior Francisca caiu ao descer do coletivo]. Já
pensou? Porque eu era morta. Caía até de venta no chão. Eu empinei
logo e rodei. Caí, mas caí sentada (risos). Quando ele não tá aqui e o
bebedouro seca eu ligo ali e o menino traz e eu boto sozinha. Ele
pergunta quem me ajudou e eu respondo que Deus (risos) (Francisca - 63
anos, mulher branca, reside em São Luís há 38 anos, atualmente no bairro
COHAB).
Hoje em dia a vida dos idosos é mais liberal. Tem mais
oportunidade. (...) Hoje em dia as idosas se cuidam mais. Naquele tempo
ficava só em casa, era só com roupa de velho mesmo. Minha filha me dá
no dia das mães e no natal um presente. Ela vai comprar com o marido
dela e ele compra dois, um pra mim e um pra mãe dele. (...) A mãe dele
é daquelas que não se cuida e ele compra pra mim igual ao da mãe
dele. Quando chega aqui eu digo: “Vocês pensam que eu tô velha? Eu vou
trocar! (risos). Tua mãe gosta, mas eu não. Eu vou trocar!”. Eu gosto
muito de lá do GEN. Gosto das palestras, tem oficina de...de...leitura.
Agora eu tô fazendo fisioterapia e é muito bom mesmo o exercício. Tem
reunião toda sexta lá no PAI, que tá agora em reforma. Tem festa das
mães, tem passeio pros idosos. Teve um passeio pra uma fazenda que
eu nunca tinha ido, muito linda. Passamos o dia lá. Foi muito bom. Todo
o grupo reunido, cantando, dançando, teve sorteio, foi perto do Natal.
56
Foi muito bom mesmo (fala entusiasmada). Teve outros, mas eu não fui.
Eu não pude ir. Toda sexta também tem reunião e eu ainda não fui esse
mês. Segunda tem reunião e consulta com as doutoras, quarta é
leitura...oficina de leitura e sexta, reunião do grupo. Eu não fui ainda
nas sextas esse mês. Sexta que vem eu acho que eu vou. Então eu tenho
gostado muito do GEN. Muito mesmo, se soubesse mais cedo já tava lá
(risos). Foi uma conhecida minha que falou (Rosário - 70 anos, mulher
negra, reside em São Luís há 66 anos, atualmente no bairro Vila Palmeira).
Em outro momento, também, indo de encontro com a perspectiva discursiva
do envelhecimento ativo, autônomo e independente, Francisca continua a enfatizar
que gosta de viajar e dançar, mas diz que não se conforma com pessoas que “se
entregam à velhice”.
(...) Ainda hoje eu gosto de festa. Eu saio pra ginástica e lá às vezes
o professor bota o forró e a gente dança. Hoje mesmo eu tive ginástica
ali, que eu faço aqui, e a professora botou pé-de-serra. Nós....nós não
sabia se dançava ou fazia ginástica (risos). Tem uma professora que
sempre leva a gente pro cinema, nas terças-feiras e quando ela avisa eu
já digo logo: “Já tô lá (risos)”. E eu vou mesmo. Não gosto de ficar só em
casa não. Tem que aproveitar e nesse shopping aqui, que inauguraram
[Rio Anil Shopping], de vez em quando eu me mando pra lá (risos). (...)
Eu fico triste quando vejo uma pessoa mais nova do que eu e não quer
fazer nada, se entrega logo pra velhice. A minha filha diz pras colegas
dela, lá em Belém, que eu sou assim e toda vez que eu vou lá o povo quer
me conhecer ou rever. Eles acham que eu sou nova. (...) E meu menino
foi resolver umas coisas em Chapadinha e ele não queria ir só. Eu tava
aqui sentada e ele veio aqui em casa e me chamou pra ir no outro dia
com ele. (...) Agora ele não gosta de sair. Parece que teve um trauma
depois que se aposentou. Vai fazer dez anos que ele se aposentou e só
vive em casa (Francisca).
A participação nos grupos delineia grande parte de suas narrativas adotando
a concepção de que ser velho não é ser passivo, doente ou deprimido. Transitam,
porém, entre outras mulheres que materializam o discurso da decrepitude como é o
caso de Rosário, que percebe a diferença entre o modo de ser da sogra de sua filha
e o seu. Francisca relata que se encarrega de tarefas domésticas, mesmo as que
exigem sobrecarga, de forma a sentir-se forte, participativa. Dança, movimenta-se,
orienta-se por um estilo ativo.
Esta ressalva implica, mais uma vez, em fazer reconhecer que suas
narrativas são, em grande parte, perpassadas por aquelas construções discursivas
57
institucionais que realçam positividade, contrastando com outros discursos
naturalizados sobre a velhice como decadência, que incluem aspectos biofisiológicos, psicológicos e culturais.
(...) Eu tô gostando muito da UNITI. Eu sei que isso aqui não é
leitura, nem negócio de....é uma faculdade da terceira idade. É pra
gente abrir a memória, tem memorização, psicologia da terceira idade,
tem atividade física, que eu escolhi a hidroginástica. A outra parte foi
que eu escolhi a fitoterapia. Eu queria saber, aprender alguma coisa
sobre plantas, pra fazer um lambedor em casa, pra meus netos, pra
meus filhos. (...) A gente tem que aproveitar a vida, o resto que ainda
tem porque ninguém sabe o dia de amanhã. Deixa eu ver quem era, era
uma professora lá da UNITI dizia que não é porque a gente tá nessa
idade que vocês vão se entregar (Francisca).
Eu acho que a UNITI é um veículo de ensinamento que todo mundo
tá lá pra aprender. Inclusive as professoras falam que não são só
professoras, que são alunas também, porque aprendem muito conosco.
Elas são realmente bem mais jovens, mas a experiência que nós temos
diante delas é muito maior, embora elas tenham mais conhecimento
acadêmico, mas nós temos outra experiência de vida. Nós passamos pra
elas e elas recebem também. Então é muito bom essa troca e quando a
gente vai com esse propósito, de dar e receber, é muito mais eficiente,
proveitoso. Cada um tira sua parcela. Temos colegas que no começo
queriam desistir, mas dado o apoio da gente, ajudando e tudo, ninguém
mais quis deixar de ir. Agora muitas tá lá só o nome, nunca foram, nem
no primeiro dia. Na hora da chamada, tem nomes que até hoje tá
registrado na caderneta e nunca foram. Nunca apareceram. Quer dizer,
houve desistência assim....espontânea. Nem foi lá pra conhecer, porque
quem foi também não quer deixar de ir. Inclusive nós não vamos ficar
só com um ano, algumas estão lá há seis anos. A turma de egressos tem
gente com seis anos. Porque encontrou lá o apoio que em outro lugar
não tem. A família já tá crescida, ou às vezes tem família pequena
...não tem mais aquele apoio. E estando lá, tá tudo seguro (Rosa - tem
75 anos, mulher negra, reside em São Luís há 35 anos, atualmente no bairro
Bequimão).
Os elementos positivos proporcionados por estes grupos seguem nas
narrativas na medida em que estas mulheres procuravam dar exemplos de como
muda a vida dos sujeitos, de situações de apatia, esmorecimento e desânimo para
vivacidade, energia, motivação, após sua inserção na UNITI.
58
Eu cheguei a ter um início de depressão, mas não foi nada muito
sério.....Sempre gostei de fazer minhas caminhadinhas e faço pela
manhã.....e não foi assim muito. Aí depois eu cheguei na UNITI, quando
eu descobri a UNITI só fez é melhorar, só melhorar. Aí teve passeios,
inclusive ontem teve um passeio no SESC. Eu não fui, eu perdi, mas eu fui
em outro anterior no SESC. (...) Pra mim tá sendo muito bom as aulas da
UNITI porque eu vejo a minha mãe. Ela começou a envelhecer com o
problema da saúde....da diabetes, e ela morava na época no interior. É
de muitos anos a diabetes dela. Ela levou aquilo que tinha como o fim
pra ela. Ela se via como aquela pessoa que não podia mais fazer nada,
que já ia morrer ali. Então...é muito difícil convencer...ela, mamãe. É
muito difícil convencer que ela tem que fazer caminhada, que ela tem
que se exercitar. Que ela pode fazer algum movimento. E até hoje nós
nunca conseguimos. Tanto que pra sair com ela sempre tem que ter
alguém; ou eu ou minha irmã. Ou vai meu marido, ou vai meu cunhado,
mas sempre tem que ir alguém pra levar, que ela já não anda bem de
ônibus. Sempre tem que ir alguém...ou então meu filho vai. Pra botar ela
no carro é difícil, pra tirar também. Ontem eu tava olhando assim o
jeito dela...ela tá com 85 anos e parece ter mais (Joana - 63 anos, é
branca, reside em São Luís há 38 anos, atualmente no bairro São Francisco).
Minha irmã já tava se entregando, no fundo de um apartamento,
que não descia nem pra ver quem passava por lá. Eu disse pra minha
sobrinha, que é de criação, casada com meu filho, que era pra gente ir
na faculdade, na UNITI, logo amanhã pra fazer a matrícula das duas.
Ela ainda achou que minha irmã não ia, mas eu incentivei mesmo
assim. Ela foi pra se precisar pagar alguma coisa, ela pagava e eu dava
depois, que meu marido tava viajando na época. A gente fez a inscrição
e quando as aulas começaram, ela foi ainda umas três vezes arrastada,
mas hoje não deixa de ir. Às vezes nós nem vamos pra aula, vamos é
bater perna pela Rua Grande, mas só pra ela sair de casa. E ainda
ensinei pra ela dizer que nós ia fazer uns cursinhos lá nas férias, que é
pra gente sair, ir pra cinema, oras (risos). (...) Na UNITI eu tô com uns 3
ou 4 anos que eu vejo falar e tinha muita vontade de participar, mas
quando chegava, quando me espertava pra me matricular já tinha
acabado a matrícula, não tinha mais vaga. Quando foi esse ano não, eu
tava na sala e deu na televisão. Eu liguei pra minha nora depressa e
disse: “Eu queria ir amanhã”, mas eu tava sem dinheiro, sem nenhum
tostão que meu marido ainda não tinha mandado dinheiro pra mim e
vou levar a Vera também, que é minha irmã. A Vera também se
aposentou, mas tava se acabando. No dia ela foi pra levar os retratos
dela e no primeiro dia ela ficou assim pelos cantos e hoje em dia quero
que você veja! A Vera já aumentou até 2 kg. Ela trabalhava na Polícia
Federal aí ficou socada dentro de casa depois que se aposentou. Ela
chega lá toda cocotinha, e eu incentivo. Eu sou danada. Eu sou danada
pra incentivar, eu não paro não! (Francisca).
59
Nestes relatos também apreendo que permeia, no imaginário social, a noção
de que o processo de envelhecimento é igualitário ou homogêneo para todos os
sujeitos, pois sobressaem os receios de Francisca e Joana de o vivenciarem
conforme, respectivamente, sua irmã e sua mãe.
Estas narrativas, entretanto, não me deixam desprezar que aqueles
elementos demarcadores de um envelhecimento ativo não atingem todas as
pessoas consideradas velhas, idosas ou em terceira idade. Digo isto porque as
trajetórias de vida dos sujeitos constituem diversas maneiras de envelhecer, nas
quais as condições sociais de inserção no gênero, na classe social e nas questões
de saúde, entre outras, influenciam no interesse e na procura para participarem
destes grupos e, desse modo, assumirem representações contemporâneas do que é
ser velho, que, em geral, não diferenciam o ser mulher idosa e o ser homem idoso.
Em nossa vivência cotidiana nos deparamos com muitos outros sujeitos, homens e
mulheres, considerados velhos ou idosos que por diversas razões e especificidades
vivem sozinhos, alguns abandonados dentro de casa, outros que se encontram em
hospitais, instituições asilares ou moram nas ruas, além daqueles que preferem não
freqüentar espaços designados como “grupos de idosos”.
As abordagens realizadas nos primeiros estudos na área da gerontologia
consideravam que todas as pessoas velhas ou idosas enfrentariam os mesmos
problemas, independente de diferenças culturais, religiosas, classe social, gênero,
etnia, raça, entre outras. Somente na década de 1970, segundo Eneida Haddad
(1993) e, também, Guita Debert (2004), é que as variações existentes segundo
estes marcadores sociais foram validadas frente à sua compreensão.
Nesse sentido, retomo subsídios no estudo de Mercadante (2005) que tem
intenção de demonstrar que envelhecer faz parte do ciclo da vida que compreende
as fases de nascimento, crescimento, amadurecimento, envelhecimento e morte. No
entanto, a autora enfatiza que a compreensão desse processo não deve ser
reduzida à influência de mudanças ligadas a aspectos biológicos, pois outros fatores
interagem no processo de envelhecimento.
Volto a destacar que Remi Lenoir (1998) enfatiza o caráter relacional da
categoria velhice ao expor que, no contexto do século XIX, proprietários de fábricas
60
utilizaram o critério etário como parâmetro para determinar quem eram os operários
considerados velhos para exercerem atividades produtivas. O autor ainda reforça
sua concepção ao apresentar as considerações feitas por Maurice Halbwachs
(1972) sobre os diferentes critérios que foram utilizados na França e Alemanha,
após Segunda Guerra Mundial, para definir as faixas etárias que constituiriam as
pirâmides das idades destes países. Halbwachs ressalta que as diferenças etárias
estipuladas por estes países ocasionaram a impossibilidade de uma possível
comparação entre aquelas pirâmides das idades, como se pode perceber a seguir:
Ao comparar a pirâmide das idades das populações francesas e alemãs,
entre as duas guerras – depois de ter verificado que os dados numéricos
mostravam, claramente, diferenças que diziam respeito à representação
das faixas etárias nos dois países (nessa época havia um número maior de
‘jovens’ na Alemanha do que na França) – Maurice Halbwachs se pergunta
qual é o alcance dessa comparação do ponto de vista sociológico. ‘Seria
necessário saber o limite estabelecido, pela opinião pública, para a
separação entre idade adulta e juventude, entre velhice e idade adulta, é o
mesmo nos dois países. Podemos duvidar porque nas regiões onde existe
um grande número de idosos, estes consideram-se talvez mais jovens do
que sua idade, e nas regiões onde existem mais jovens – como um grande
número deles ocupam ou aprestam-se a ocupar situações reservadas,
alhures, a adultos – talvez se considerem e são considerados como mais
velhos do que são realmente, ao ser tida em conta sua idade cronológica
(HALBWCHACS, 1972 apud LENOIR, 1998, p. 66).
Ao tomar estas referências, penso que as vivências de Joana e Francisca não
podem ser totalmente idênticas às de sua mãe e de sua irmã, como as comparam,
pois a conjuntura na qual conviveram/convivem são diferentes tanto no tempo e no
espaço, quanto em relação a outros determinantes sócio-culturais. Segundo Debert
(2004) a compreensão do processo de envelhecimento deve, sobretudo, se pautar
na distinção entre velhos no geral e a experiência social.
Discorrer sobre os velhos em geral é reproduzir uma série de estereótipos
com os quais a velhice é tratada: “o velho é passivo e acomodado”, “o
velho não participa”, “o velho vive reclamando da vida”, “o velho só pensa
em dormir e comer”. Falar da experiência pessoal é, pelo contrário,
enumerar uma série de atitudes e atividades que tornam o indivíduo
radicalmente distinto dos outros velhos, mesmo quando ele considera que
sua idade é avançada (DEBERT, 2004, p. 183).
Com estas reflexões quero destacar que heterogêneas e variadas podem ser
as
experiências
de
um
grupo
que
é
definido
através
de
categorias
homogeneizadoras, tais como: velhice, velhos, idosos, terceira idade, entre outras.
As categorias terceira idade e idoso são legitimadas institucionalmente, em grupos
formais, como promotoras do combate a preconceitos e discriminações e buscam
61
associar sentidos de positividade e possibilidades de melhores oportunidades para
esta etapa da vida.
Nesse sentido, percebo o que ressalta Guita Debert (2004, p. 85) a respeito
do trabalho realizado por algumas instituições. Segundo esta antropóloga, o objetivo
destas é rever “a idéia dos idosos como sendo sujeitos passivos de um conjunto de
mudanças sociais, apontando, ao contrário, o seu papel ativo como criador dessas
mudanças, fazendo novos arranjos sociais em resposta às transformações da
sociedade”.
As transformações econômicas e políticas ocorridas ao longo do século XX
fizeram com que o aumento da população considerada velha ou idosa emergisse em
contexto social como alvo da atenção de políticas estatais, sobretudo, as questões
que se destacaram no âmbito das experiências cotidianas.
A demografia vem registrando este crescimento populacional também no
Brasil. Segundo o IBGE atualmente o país possui cerca de 21 milhões de pessoas
com mais de 60 anos, destacadas pela categoria idosa. As recentes análises sóciodemográficas demonstram que os dados da população brasileira considerada idosa
passaram de 14,8% (1998) para 18,8% (2008) 32.
No Brasil, os fatores considerados determinantes para este fenômeno foram a
redução do número de nascimentos e da taxa de fecundidade, o aumento da
expectativa de vida, a redução da mortalidade da população e os incentivos na
prevenção e controle de algumas doenças a partir da produção de vacinas e
antibióticos (Zimerman, 2001).
Até a década de 1970, segundo Ana Bastos (2001), o Brasil era conhecido
como “um país jovem”, pois as taxas de natalidade eram superiores às de
mortalidade, mas o fenômeno denominado de “envelhecimento da população
brasileira” só começa a ser perceptível, em dados numéricos, ao longo da década de
1980, com a progressiva diminuição das taxas de natalidade. A expectativa de vida
de brasileiros e brasileiras também aumentou, nesta década, com os cuidados
32
A “Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira
2009” pode ser encontrada no endereço eletrônico www.ibge.gov.br . Acesso: 13 de dezembro de
2010.
62
higiênico-sanitários oferecidos à população através de programas de saneamento de
águas e esgotos e da prevenção e do controle de algumas doenças. Estas medidas
foram iniciadas ainda na década de 1940 e progressivamente obtidas ao longo das
décadas seguintes através das ações governamentais (federal, estadual e
municipal), como ressaltam as análises de Bastos (2001), Berquó (1988) e Skidmore
(1988).
Desse modo, paulatinamente as questões que englobavam a referida
realidade da velhice foram emergindo no cenário social. A visibilidade adquirida com
a questão previdenciária, como mencionei, desde a década de 1920, fez com que a
velhice entrasse na agenda pública brasileira. Outras ações estatais foram surgindo,
não só no âmbito previdenciário, mas também na assistência social, na saúde, na
segurança, etc.
Nesse contexto é significativo destacar que no Brasil, na década de 1970,
paralelamente à adoção de categorias como idoso e terceira idade, o Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS)
33
realizou uma pesquisa que comprovou o
aumento da população considerada idosa, o que resultou na formulação, a partir de
1974, de programas voltados para a população de mais idade, considerada velha ou
idosa por algumas instituições como SESC, LBA (Legião Brasileira de Assistência
Social), assim como a criação de “grupos de convivência de idosos” e de
universidades para a terceira idade (Debert, 2004).
Algumas ações político-reivindicatórias também projetaram a velhice no
cenário público. Os descontentamentos com os alcances, por exemplo, da Política
Social do Idoso, formulada pelo MPAS em 1977, ocasionaram a criação de
movimentos sociais como Movimento Pró-Idosos (MOPI) e Associação Cearense
Pró-Idosos (ACEPI), criados em 1977 (Haddad, 2001).
Nas décadas de 1980 e 1990, outros movimentos sociais surgiram e, dentre
eles, o movimento dos aposentados e pensionistas foi o que mais se destacou. A
33
No governo de Getúlio Dornelles Vargas, na década de 1930, a questão previdenciária foi atrelada
à trabalhista a partir da supervisão do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – MTIC. A lei Nº
6.036 de 01 de maio de 1974 desmembra a questão previdenciária da trabalhista com a criação do
Ministério da Previdência e Assistência Social, cuja finalidade era desenvolver programas de
previdência e assistência social; bem como supervisionar e coordenar instituições como o INPS
(Eneida Haddad, 2001).
63
Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (COBAP)34 ganhou
visibilidade no cenário nacional, entre tantas outras associações criadas no Estado
de São Paulo, com o objetivo de defender e vocalizar os direitos de aposentados e
pensionistas. Suas ações de maior destaque foram as conquistas de alguns anseios
reivindicados em 1985, garantidos com a promulgação da Constituição de 1988 (nos
artigos 194, 201, 202 e 203) e no protesto, em 1991 e 1992, que ficou conhecido
como “mobilização dos 147%”, ou seja, uma batalha judicial na qual aposentados
contestaram o reajuste inferior das aposentadorias e pensões em relação ao índice
aplicado ao salário mínimo (de 147%)35.
Através destes exemplos reivindicatórios, de associações de aposentados e
pensionistas, muitas pessoas consideradas velhas ou idosas intencionam romper
com alguns estereótipos associados à anterior concepção discursiva sobre a velhice
na medida em que se mostram participativas em questões que dizem respeito a
processos de mudanças sociais.
Tal participação na esfera pública revelou uma face da velhice,
completamente diferente daquela conhecida, marcada pelo conformismo,
apatia e resignação. Essa nova fase rompeu com as imagens históricas de
inatividade e passividade associadas ao idoso, transformando-as em
respeitabilidade e reconhecimento (TEIXEIRA, 2003, p.123).
Assim, Rosa, Francisca, Joana e Rosário, em suas histórias narradas,
procuram destacar sua participação ativa e o combate às idéias de decadência, de
inatividade, à medida que se inseriram em “grupos de idosos”. Estes grupos,
segundo os trabalhos de algumas autoras como Alda Britto da Motta (1997),
Benedita Cabral (1997), Flávia de Mattos Motta (1998) e Guita Debert (2004),
geralmente estabelecem a faixa etária como principal fator que possibilite a inserção
e participação das pessoas.
Como já mencionei, a UNITI e o GEN direcionam suas atividades às pessoas
que possuem mais de 60 anos de idade, consideradas como idosas em seus
34
A COBAP reunia várias associações de base e de federações de aposentados e pensionistas de
diferentes estados do país como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia,
Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 1989, congregou mais de 600
associações de base e 9 federações e era mantida a partir de contribuições das associações a ela
filiada (cf. Haddad, 2001, p. 62-63).
35
Eneida Haddad (2001, p. 61) destaca alguns dos anseios atendidos na Constituição da República
de 1988 e Guita Debert (2004), Júlio de Assis Simões (2000) e Solange Teixeira (2003) discorrem
sobre a “mobilização dos 147%”.
64
discursos oficiais. Apesar de a idade ser o critério determinado para participar, as
coordenadoras destes grupos relataram que abrem precedentes diante da procura e
da disponibilidade de vagas àquelas pessoas com idade inferior à referida como
critério.
Nos intervalos de aula da UNITI ou de reuniões no GEN conversei, algumas
vezes, com pessoas que ali se encontravam e que tinham um pouco mais de 50
anos de idade. Contavam-me, naquelas breves conversas, que procuravam um local
no qual pudessem ocupar seu tempo, fazer amizades, se distrair. Dessa maneira,
noto o caráter relacional, que perpassa o critério faixa etária, segundo jogos de
interesses estabelecidos pelas instituições, que demarcam quem é ou não
considerado idoso e, consequentemente, pode ou não participar dos grupos.
Outro elemento que se destaca na configuração desses grupos se refere à
predominante participação de mulheres. Nas reuniões e aulas que presenciei no
PAI, GEN e UNITI, pude observar que o número de mulheres era consideravelmente
mais elevado. Em turmas de 40 a 45 pessoas, apenas dois ou três eram homens. A
este respeito, Rosário é quem nos chama atenção ao narrar:
Eu entrei no GEN em outubro do ano passado [2009]. No tempo que
meu marido tava na UTI já tinha o grupo e eu não sabia, senão tinha
ficado logo lá também. Ele passou 25 dias na UTI direto. Foi um
sofrimento. Eu direto ali. E tem médico também. E se por acaso a gente
adoecer, eles arranjam um leito. Se preocupam em arranjar pra gente
que já é de lá. Dizer que é pra arrumar um leito pra uma pessoa do GEN
é mais conhecido. Agora os homens lá são poucos, eles não querem. É
mais mulher. É difícil ter dois homens. Até quando teve a festa dos pais,
eu não fui, não deu pra ir, mas disseram que era pra gente levar dois ou
três idosos, mas é difícil. Meu marido, se ele fosse vivo, ele não ia. Ele não
gostava de jeito nenhum. (...) Os maridos nem vão nas reuniões, porque
homem não gosta. Lá só tem o marido de uma que vai. E ele acompanha
ela porque de resto, é muito difícil eles irem. Meu marido mesmo, quando
vivo, nunca gostou. Ele dizia que isso era coisa pra quem não tem o que
fazer. Eu ia nas reuniões do quartel, quando tinha, e tinha brincadeira,
música. Eu ia, mas meu marido não gostava. O marido da minha filha é
outro que não vai, mas se chamar pra ele tomar uma cerveja, ele vai
(risos). Meu filho também é outro que não gosta. Ele não gosta nem de ir
em festa de aniversário. Até na festa dos pais, no GEN, eles não foram.
Elas pediram pra convidar idoso, mas quem disse! Os próprios maridos
não queriam ir. Agora no dia das mães não, é diferente. Vai todo mundo
e pode levar uma filha, uma nora (Rosário).
65
Nesse sentido, a preponderância da procura e participação das mulheres
pelos espaços denominados de “grupos de idosos” vem sendo explicada em razão
de alguns fatores, tais como: demográficos, mudanças nos arranjos familiares e nas
relações de sociabilidade.
As análises demográficas apontam que as mulheres vivem sete anos a mais
do que homens no Brasil. O cuidado com a saúde é, na maioria das vezes, o
principal elemento responsável pela promoção de uma expectativa de vida mais
elevada. Discurso médico, gerontológico e várias pesquisas assinalam que em
relação à saúde, em geral, as mulheres tomam mais cuidados preventivos do que os
homens. Elas vão à consultas médicas, usam medicamentos regularmente, realizam
atividades físicas, evitam fumar, entre outros. No entanto, os estudos de Cabral
(1997), Britto da Motta (1997) e Veras (1999) ressaltam que tanto critério
demográfico quanto os cuidados com a saúde não podem sintetizar e/ou determinar
a busca pelos espaços denominados de “grupos de idosos” ou “grupos de
convivência”, haja vista que outras motivações e elementos devem
ser
considerados.
Guita Debert (2004) amplia esta reflexão na medida em que considera que o
interesse pelos espaços denominados de “grupos de idosos” deve ser compreendido
por fatores que permeiam as suas vivências.
O núcleo familiar constituído outrora, segundo o modelo hegemônico, previa
que os homens desempenhassem o papel de provedor, enquanto as mulheres
gerenciassem o lar e a formação dos filhos - o que era justificado, respectivamente,
por suas capacidades “racionais” e “emocionais”.
Nesse sentido, atribuíam-se às mulheres capacidades de interação social,
amizades, atenções especiais e carinhos com outras pessoas, enquanto que aos
homens,
capacidades
que
se
distanciassem
de
gestos
e
atitudes
que
demonstrassem maiores sensibilidades. De certo modo, isto parece vinculado à
menor participação de homens que possuem idade acima dos 60 anos de idade nos
espaços denominados de “grupos de idosos”, nos quais é preciso expor e expressar
emoções, interagir e dialogar.
66
Debert (2004) ainda ressalta que o avançar da idade pode vir acompanhado
de novas configurações nos arranjos familiares. Estes vêm passando por várias
modificações na contemporaneidade. Podem aumentar (situações nas quais os pais
residem juntamente com filhos, noras, netos, netas e até bisnetos) e/ou diminuir (por
situações de viuvez ou pela saída dos filhos, já crescidos, da casa dos pais).
As análises dos levantamentos demográficos apresentados pelo IBGE (2009)
indicam que no país, em 2008, a proporção de pessoas consideradas idosas que
moravam com filhos, era de 33,3%. Segundo Kátia Bernardo (2006), tal fenômeno
tem sido designado como coabitação entre gerações. Clarice Peixoto destacada
algumas das formas de coabitação:
pais com recursos financeiros morando com filhos que atravessam um
período de desemprego, mães divorciadas ou viúvas que acolhem seus
filhos divorciados ou as filhas solteiras com seus filhos; ou ainda filhos
solteiros que nunca saíram da casa dos pais, pais ou mães viúvas mais
abastados que não acolhem os filhos em suas casas, mas ajudam
financeiramente aqueles em dificuldade, casados ou não; pais e filhos
adultos (casados e com filhos) que sempre moraram juntos etc. (PEIXOTO,
2005, p. 75).
Um dos principais fatores que possibilitam estas variadas formas de
coabitação é o recebimento aposentadorias e/ou pensões. No Brasil, conforme
levantamentos do IBGE (2009) os benefícios repassados às pessoas consideradas
velhas ou idosas estão configurados da seguinte maneira: 58,3% recebem
aposentadoria, 11,2% recebem pensões, 7,7% recebem aposentadoria e pensão e
22,8% recebem outros rendimentos. Fabiana Almeida (2000, p.92) enfatiza que “em
algumas famílias os idosos são incluídos no âmbito familiar apenas devido a sua
responsabilidade pelas despesas da casa, graças a sua aposentadoria”. Muitos
homens e mulheres, considerados velhos ou idosos ajudam financeiramente
familiares com estes benefícios através da coabitação entre gerações, ou da ajuda
dada a algum filho ou neto com os quais nem sempre residem.
As análises do IBGE (2009) e de Peixoto (2004) indicam que maioria das
coabitações são vivenciadas pelas mulheres consideradas velhas ou idosas: 45,6%
moram com seus filhos, 37,6% não moram com seus filhos e 11,6% não tem filhos
vivos. Segundo Debert (2004), viuvez e separações conjugais são alguns dos
fatores que podem revelar porque as coabitações são constituídas mais pelas
67
mulheres consideradas velhas ou idosas, uma vez que estas se casam menos do
que os homens considerados velhos ou idosos separados ou viúvos.
No caso de minhas interlocutoras percebo que seus arranjos familiares
encontram-se, atualmente, conforme alguns daqueles descritos tanto por Clarice
Peixoto (2004) quanto pelas informações apresentadas pelo IBGE (2009). Francisca
reside somente com o marido, Joana reside com o marido e o filho mais novo. Rosa
e Rosário são viúvas, mas enquanto a primeira reside sozinha, a segunda reside
com um de seus filhos, a nora e uma neta.
Há casos que, em se tratando de camadas sociais mais pobres, em geral,
algumas pessoas consideradas velhas ou idosas passam a conviver nas residências
dos filhos, ou vice-versa, para diminuir os custos e dividir as despesas com
alimentação, moradia, ajudar na execução das tarefas domésticas e cuidar dos
netos e/ou bisnetos. Esta realidade poderia trazer benefícios a ambas as partes,
mas estas coabitações, entre diferentes grupos geracionais, também tem gerado
muitos conflitos. Estes podem ocorrer tanto pelo deslocamento de hierarquia e poder
no núcleo familiar, quanto pela falta de paciência de alguns familiares que cuidam de
pessoas consideradas velhas ou idosas que tem algum tipo de limitação ou
dificuldade, como por exemplo, de locomoção, audição, visão ou paladar,
perpetrando, em alguns casos, agressões físicas e psicológicas.
Em outro momento, Rosa narrou que as pessoas com “família crescida ou
pequena encontram um apoio” em grupos como a UNITI. Por esse motivo, algumas
já permanecem neles há seis anos. Assim, tendo novas experiências, muitas vezes
as pessoas consideradas velhas ou idosas projetam e definem aqueles espaços
institucionalizados como uma “família”, tal como se percebe nas narrativas a seguir:
E a UNITI.... a gente só tem a agradecer a UNITI e as pessoas que
nos apóiam. É uma família. Lá a gente recebe apoio. Se a gente acha
que tá com um problema, a gente chega e já conversa e cada um conta
o seu e daqui a pouco se supera....É aquela amizade! (...) Depois da
UNITI, muita coisa mudou. Bastante mesmo. Em termos de associação
com os colegas....Porque a gente fica em casa, e é até como uma
professora nova agora, que nós temos, nesse segundo semestre, ela
relatou que a gente vai perdendo...Perde contato com as pessoas, perde
a vontade de sair, e agora estamos tendo mais uma vez a oportunidade
de viajar. Antes também teve passeios, só que eram menores (Joana).
68
Aqui a UNITI tá sendo muito bom! Desde que eu me aposentei, eu fiz
uma ficha aqui, só que como eu fui convidada pra Pereira Feitosa eu não
vim pra cá. Aí pronto, passou esse tempo, mas agora...ano passado
[2009] meu filho veio e me inscreveu, até nem tinha vaga, mas ele
deixou meu nome lá na...na lista de espera. Em fevereiro [2010] eu vim,
quando começaram as..as, as..atividades não...as inscrições, aí eu vim.
Até por uma fase só de experiência. No dia que eu vim consegui a vaga,
me inscrevi e fiz logo tudo (risos). Tô gostando muito, tá sendo muito
positivo. Além de fazer novas amizades, é uma outra...é uma outra
família que a gente consegue. Já fizemos dois passeios maravilhosos, as
oficinas eu estou gostando muito. E é certo que eu estou muito feliz com
essa atividade aqui. Olha, eu acho muito positivo as experiências que a
gente adquire e o aprendizado, que é de uma vida toda. Cada dia eu
aprendo mais, eu busco aprender mais.(...) Nossa turma é chique (risos).
Tem contador, tem assistente social, tem professora de francês. Nós
estamos nos organizando pra no outro semestre ela dar umas aulas pra
gente. E tem gente formada em várias áreas. Tem bibliotecária e várias
pessoas com curso superior em, por exemplo, Teologia, Serviço Social,
Direito. Estamos lá, todo mundo fazendo parte da mesma turma. A
gente se ajuda, todo mundo se entende. É uma turma assim coesa
(Rosa).
O trecho da narrativa de Rosa, acima, nos mostra a formação superior de
algumas das pessoas consideradas velhas ou idosas que atualmente participam da
UNITI, bem como que a aposentadoria se constitui como um outro elemento que
possa indicar a procura por espaços denominados de “grupos de idosos”. Este
processo pode desencadear duas concepções de vida: uma que considera as
pessoas velhas ou idosas como improdutivas e outra que considera que neste
período elas possam trilhar novas experiências (Mascaro, 2004).
De acordo com Araújo (2005), a primeira concepção é embasada na
perspectiva de que o sujeito tem seu valor reconhecido na sociedade de acordo com
o papel profissional que ele exerce, o que faz com que o fim/término das atividades
profissionais seja relacionado à inatividade, inutilidade e improdutividade. É o que
ressalta Lenoir (1998), ao destacar que:
(...) segundo os empregadores, a mais importante ‘deficiência’ dos
trabalhadores que estão envelhecendo, é o ‘enfraquecimento das
faculdades de adaptação às novas tarefas, métodos ou técnicas’; em
seguida, é mencionada a ‘perda de velocidade’, a ‘perda da força’, e depois
a ‘perda da vivacidade intelectual’, da ‘habilidade’, da ‘memória’ e, em
último lugar, a ‘inaptidão ao comando’ (LENOIR, 1998, p.72).
69
Lenoir (1998) enfatiza algumas das limitações que, naquele contexto, foram
elencadas pelos empresários para estipular quem eram os operários considerados
velhos
e,
consequentemente,
improdutivos
para
seus
anseios.
Contemporaneamente, de acordo com Guite Zimerman (2001), as transformações
tecnológicas e industriais, que se processam na sociedade, continuam a reforçar a
associação das pessoas consideradas velhas ou idosas como improdutivas, inúteis,
atrasadas e descartáveis (grifos meus).
Nessa perspectiva, junto com o envelhecimento viriam as limitações nas
habilidades cognitivas e corporais, projetando a noção de que, em geral, as pessoas
consideradas velhas ou idosas não se adaptariam àquelas transformações. No
entanto, percebo que não se pode generalizar tal abordagem, haja vista os
diferentes processos de envelhecer, pois do mesmo modo que há pessoas que não
conseguem se adaptar, outras já o conseguem36.
Debert (2004) ainda lembra que isolamento e solidão nas relações sociais,
possivelmente geradas a partir do processo de aposentadoria, podem ser
responsáveis pela procura dos espaços denominados como “grupos de idosos” ou
“universidades da terceira idade”.
Algumas das situações de isolamento podem suceder com mudança de
cidade, de trabalho, dos lugares freqüentados e, consequentemente, das amizades
construídas e desfeitas. Enfim, de toda uma mudança na rede de sociabilidade que
foi construída ao longo dos anos pelas pessoas que chegam à idade avançada dada
à maneira segmentada, em ciclos de vida e faixa etária, como foram construídas
socialmente as relações entre as pessoas. Outros casos também podem ocorrer,
tais como: a diminuição no convívio familiar (com filhos trabalhando o dia todo fora
de casa e os pais já aposentados) ou a dificuldade de diálogo entre pais e filhos,
avós e netos (decorrente das diferentes formas e valores com que estas gerações
foram socializadas).
36
Matheus Papaléo Netto (2005) e Clarice Peixoto (2004) questionam a concepção de que somente
as pessoas consideradas jovens acompanhariam os avanços da aparelhagem e do sistema de
produção uma vez que as pessoas consideradas velhas ou idosas não manuseariam aparelhos
modernos e softwares de última geração.
70
Por outro lado, há especialistas que trabalham a perspectiva de que a
aposentadoria constitui um momento de novas experiências, segundo o qual as
pessoas consideradas velhas ou idosas possam aproveitar a vida através de
vivências positivas. Assim, os profissionais dos “grupos de idosos” e universidades
para a terceira idade empreendem esforços para ressignificar esta etapa como
produtiva, autônoma e independente.
Os relatos, portanto, demonstram que novos arranjos familiares e
aposentadoria podem ser alguns dos fatores que impulsionam a procura por
espaços institucionalizados para pessoas consideradas velhas ou idosas, mas não
devem ser compreendidos como os únicos, pois não é para todas as pessoas que o
envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento, exclusão das relações
sociais, do espaço público, do mundo produtivo e político.
Os relatos de Rosário, Joana, Francisca e Rosa narram que foram às
primeiras reuniões e aulas com o intuito de conhecer, de “experimentar”, mas
acabaram gostando e decidindo continuar. Algumas conheciam os grupos dos quais
hoje fazem parte e já demonstravam interesse de participar, embora em outros anos
perdessem a oportunidade de matrícula. Outras tomaram conhecimento através de
conhecidos e decidiram visitar. Assim, aos poucos e timidamente foram chegando
àqueles espaços, levando consigo uma irmã ou amiga, e logo foram construindo
novas vivências que, em seus relatos, parecem lhes proporcionar experiências
bastante satisfatórias.
A inserção de Rosário, no GEN, e de Francisca e Joana, na UNITI, demonstra
que suas vidas tiveram algumas transformações, tornando-se mais agitada e cheia
de compromissos. Pude perceber isto nas suas narrativas, como também nos
momentos em que telefonava para elas, na tentativa de marcar ou confirmar os
próximos encontros, e precisava remarcá-los devido aos passeios e outras
atividades que seriam realizados pelos grupos. Nesse sentido, Francisca narra
algumas das mudanças que consideram mais significativas:
Hum, tô gostando demais da UNITI! Pergunte pra esse aí, pergunte
pra esse aí, que esse....Eu largo tudo aqui dentro de casa pra ir pra
UNITI (risos). (...) Sexta-feira nós tivemos um passeio. Começamos aqui
no Reviver e foi terminar em Ribamar. Que coisa maravilhosa! Todo
71
mundo adorou esse passeio! Agora em agosto vai ter outra viagem
pra ...lá pro lado do Ceará e termina no Piauí, em Parnaíba. (...) Depois
da UNITI eu renasci. Antes de eu entrar na UNITI eu era uma pessoa que
eu gosto de brincar, mas eu era mais reservada, de ficar dentro de casa,
não tinha aquele ânimo. Eu só vivia sentindo uma coisa, sentindo outra.
Sempre eu sentia algo, nem que fosse uma dor de cabeça e hoje não,
graças a Deus! Eu entrei na UNITI e se Deus quiser eu vou continuar na
UNITI porque eu melhorei muito. E é aquela disposição, porque no dia
que eu tenho que ir de manhã eu levanto às 05:00 horas, deixo o
cafezinho dele aí pronto e me mando. Às 06:30 horas eu já tô na parada
esperando o ônibus. Não é porque começa às 08:00 horas, mas é porque
os ônibus que vem cheio demais. Quando não é de manhã, eu limpo essa
casa, lavo roupa, faço o almoço e boto a comida dele aí. Tomo banho, se
dá pra comer, eu como, senão dá, eu levo um dinheirinho pra merendar
lá na senhora que vende lanche, mas quando dá às 12:40 horas eu tô na
parada pronta pra ir. Pego o ônibus pra não perder e no dia que eu
faltei pra ir bater um Eletro [Eletrocardiograma], todo mundo ficou
preocupado. Perguntaram pra minha irmã e ela disse que era um exame
de rotina. Aí no outro dia não era dia de aula, era uma sexta-feira, veio
bem umas quatro aqui me visitar. Perguntando assustadas: “Menina o
que foi que houve?” O médico achou que o coração tava um pouco
acelerado, mas eu contei os problemas de saúde que já tive pra ele, e ele
decidiu observar (Francisca).
Francisca nos conta que amizade, associação e passeios são algumas das
vivências mais significativas. Faz esforços e sacrifícios no gerenciamento das
atividades domésticas para chegar no horário das aulas e evitar, ao máximo, as
faltas. As conversas e passeios proporcionados pela UNITI lhes dão motivações e
apontam para modificações que se referem, sobretudo, à melhora em seu estado de
saúde. Joana aproveita o espaço da narrativa e relata que a participação no mesmo
grupo lhe possibilitou “pensar diferente” a respeito das atenções direcionadas, quase
que exclusivas, ao papel de esposa, mãe e dona de casa que sempre
desempenhara ao longo de sua vivência no âmbito familiar. Ela também narrou que
a flexibilização das atividades domésticas desempenhadas decorreu do que
aprendeu naquele espaço.
Muito bom, muito bom. Me fez mudar em muitos aspectos,
principalmente em casa. Antes eu era muito exigente com negócio de
limpeza. Dia de sábado, tinha dias que eu ia fazer aquela faxina geral
na casa. Às vezes eu ia almoçar 3 horas, 4 horas da tarde. Quer dizer,
hoje eu já penso diferente. “Ah, a panela tá aí. Deu pra limpar o
necessário?” “Vou limpar o necessário, mas quando chega hora de
almoçar eu paro e vou almoçar”. Se der pra continuar depois, eu
continuo. Se não der, eu deixo. Antes eu não pensava assim! A casa
72
tinha que ser impecável, muito bem limpa. Não é que hoje eu não limpe,
mas só que não é mais assim como antes. Quer dizer, eu botava em
primeiro lugar filho, marido e a casa. Às vezes eu deixava de cuidar de
mim. Deixava até de pensar em mim pra pensar neles. Hoje eu já penso
completamente diferente, mas eu aprendi assim na UNITI. Nós somos
incentivados lá. As professoras nos dão muita informação nessa parte. E
não só os professores, né? Os colegas vem e, com a experiência de cada
um, nos ajuda. Então tá sendo muito bom, muito bom. (...) E eles, meu
marido e meu filho, não criaram nenhum tipo de problema, mas é o tipo
da coisa, eu mesma sinto que mudei. Essa parte aí eu mudei.
Antigamente era casa, marido e filhos. Quer dizer, eu não vivia,
praticamente, a minha vida. Eu vivia mais a vida deles. “Ah, eu não
posso sair”. “Ah, eu não posso fazer essa viagem porque eu tenho que
cuidar dos meus filhos, do meu marido. Tem a casa pra cuidar”. E hoje
não é que eu deixei tudo, abandonei casa, marido e filho. Não, mas eu já
tô assim mais entrosada. Não penso mais duas vezes antes de sair! Faço
o que tenho que fazer. Se precisar faço só a metade e vou! É o caso
dessa viagem, por exemplo. Como teve essa oportunidade agora, que eu
tô trabalhando com minha irmã na lanchonete, aí lá em casa tá mais
assim só. Só com eles. Eu venho pra cá, passo a manhã toda e daqui já
vou direto pra UNITI. Eu dou uma ajuda, adianto. Já deixo adiantado
alguma coisa aí eles se viram como der. Conseguem se virar, vão
botando almoço, lava uma roupa que pode. Jamais eu faria uma viagem
dessas, pra passar seis dias fora. Eu não iria antes. E muita gente me
pergunta, e porque agora vocês estão fazendo isso? Eu respondo que
hoje eles se viram. Meu filho já tem 23 anos, já sabe fritar um ovo pra
comer, já sabe esquentar alguma coisa, um bife. Eu deixo adiantado na
geladeira e eles fazem. (...) Eu deixei muita coisa pelos meus filhos. Os
meus filhos eram menores, precisavam de mim e eu perdi oportunidade
de trabalhar e até de estudar, continuar a estudar. Eu achava que eu
deveria cuidar mais dos filhos e sempre ficava preocupada. Eu sair e o
pai também sair, como é que ia ficar uma criança dessas? Ou na mão
de uma pessoa, pra deixar em casa pra tomar conta? Essa pessoa não ia
ter os mesmos cuidados que eu. Agora não. Agora tá diferente. Agora já
tá criado. Eu já tenho neta de 05 anos, mas nunca, desde pequena, eu
nunca cuidei dela sozinha. Nunca pensei: “Eu não vou em tal lugar
porque eu tenho que cuidar de neto!” (Joana).
Nestes trechos de suas narrativas, contam algumas das mudanças que
perceberam após inserção na UNITI, mas, sobretudo aquelas relacionadas às
tarefas domésticas dedicações empreendidas no lar, no cuidado com os filhos e
maridos. Retomando o registro de suas narrativas, lembro de Portelli (2005) quando
destaca que “o momento da vida em que a história é contada é um fator crucial em
sua moldagem”. Em outro de seus excertos ressalta:
A história de vida é algo vivo. Sempre é um trabalho em evolução, no geral
os narradores examinam a imagem do seu próprio passado enquanto
73
caminham (...) a demanda de um indivíduo ao contar sua história pode,
muitas vezes, trazer tanto conformidade quanto mudança, tanto coerência
quanto amadurecimento. Os narradores estabelecem serem tanto a voz da
pessoa de sempre, quanto uma outra pessoa (PORTELLI, 2005, p. 298).
Assim, ao constituírem uma imagem positiva, colada aos discursos dos
grupos nos quais estão inseridas, muitas vezes realçaram diferenças que percebem
tanto em relação às suas mães, irmãs, amigas próximas quanto aos modos de
pensar e comportar nas vivências cotidianas. Nossos contatos iam se estreitando
enquanto eu buscava, em suas narrativas, focalizar mais suas vivências familiares
com pais, mães e outros parentes próximos. Nessa direção, no terceiro capítulo
prossigo destacando o local onde nasceram, a profissão dos pais, a escolaridade
cursada, algumas das vivências com as irmãs e os irmãos e outras pessoas com as
quais mantinham relações significativas.
CAPÍTULO 3 – VIVÊNCIAS NO CONTEXTO FAMILIAR E ESCOLARIDADE.
Em primeiro lugar, eu não sou daqui do Maranhão. Eu sou do Piauí,
Teresina, né , aí eu nasci no dia 30 de Agosto de 47. Em Teresina. Eu vim
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pra cá conhecer o Maranhão. E com dois meses que eu tava aqui no
Maranhão, eu namorei, noivei e casei. Uma irmã minha veio pra cá
porque o marido era do Exército, aí se aposentou lá, reformou, e aí veio
pra cá. Aqui ela teve nenê e quando...ela pediu pra mamãe: “Mande uma
das meninas aqui pra me ajudar”. Aí mamãe mandou a outra irmã, mas
ela disse: “Mamãe, eu mesma que não vou”. Eu disse: “Eu vou mamãe!”. E
eu vim. Quando eu cheguei aqui era uma saudade de casa. (...) Eu fui
criada por minha avó. Minha mãe me deu pra minha avó me criar com
dois meses de nascida. Não fui criada em Teresina, fui criada em União
[PI]. Meu pai era lavrador e tinha um comercio. Minha mãe era dona de
casa. Papai prometeu pra ela: “Mamãe, nessa próxima barrigada eu vou
lhe dar”. Bem assim, desse jeito. Eu nasci e com 2 meses ela me levou.
Quando eu era pequena, pra mim, minha mãe, meu pai, e minha avó
tudo era ela. Por que era com ela que eu morava. Quando ela morreu que
eu voltei pra mamãe. (...) Eu estudei no colégio das freiras, lá mesmo em
União. O colégio era semi-interno. Fiz o primário e depois ela se mudou
pra Teresina por causa de mim, pra eu estudar. Eu fiz até o segundo ano
ginasial. Foi o tempo que eu parei, casei e agora eu queria continuar,
mas não podia com os filhos tudo pequeno. Quando cheguei em Teresina
fui fazer exame de admissão e fiz a 1ª série, a 2ª e foi o tempo que ela
morreu. Com 17 anos ela faleceu. Eu ainda estudei um ano no colégio das
freiras, de Santa Teresinha, mas foi só um ano porque elas ficavam
muito no meu “pé” e eu também não fui mais (risos). Quando minha avó
adoeceu o maior medo dela era de morrer e não ter com quem me
deixar, pra eu não ficar com minhas irmãs e elas me botarem a perder!
Era muito filho que eles tinham. Nós éramos dezoito filhos e já tinha
morrido duas irmãs minhas. Duas não, só uma. É. Ficou dezessete. Nós
éramos dez mulheres e sete homens. (...) E minha mãe teve esse horror
de filho, apesar de que duas das filhas de mamãe foram criadas por vó.
Minha irmã mais velha foi criada com minha avó e foi quando ela ficou
moça e veio embora pra fazer o Normal em Teresina e aí mamãe me deu
pra ela. Ela criou também outro primo nosso. Ela só teve dois filhos,
papai e meu tio. E meu avô morreu e ela ficava sozinha naquela casa
grande. O pessoal tinha pena, as noras né, e davam os filhos pra ela
criar. Ela criou um do outro, do meu tio, e do meu pai ela criou duas
(Francisca).
Eu tenho 70 anos. É difícil hoje em dia alguém chegar nessa idade.
Eu nasci no Piauí, na capital Teresina. Eu vim pra cá, minha mãe disse,
que com 4 anos. Eu vim com meus pais e meus irmãos. Nós éramos
quatro irmãs e a mais nova veio com 11 meses. Eu era a segunda das
filhas. Meu pai veio pra cá transferido. Ele era jogador. Ele chegou aqui
e mandou buscar a gente...a família era nós e minha avó. E estamos
aqui até hoje. Aí minha mãe já morreu, meu pai já morreu, meu marido
já morreu e estamos aqui. Minha mãe trabalhava na Fabril. Há 4 anos
sou viúva. Eu tive cinco filhos, mas morreu um e ficaram quatro. São
dois casais. Todos são casados. Mora uma, no Anjo da Guarda, outra,
no Pará, um, na Liberdade, e o outro veio morar comigo. Já tenho até
75
bisnetos (risos). São 16 netos e 4 bisnetos. (...) Eu fiz até a 6ª porque
meu marido era igual meu pai. Não deixava sair, não deixava estudar.
Ele dizia que quem quisesse estudar não tinha casado. Ele não deixou eu
terminar os estudos. Eu casei....deixa eu ver.....eu casei com 17 anos.
(Rosário).
Bom, eu nasci em Penalva, na cidade de Penalva, Maranhão, só que
nem eu mesma conheço a cidade porque eu nasci e meus pais se
mudaram logo de lá, eu era muito pequena, e eu nunca mais voltei lá.
Porque eu estudei na cidade de Monção, também uma cidade da
Baixada, porque tinha uma professora de preferência de todos os pais,
que queriam que as crianças estudassem com ela. Por conta disso meu
pai se mudou pra onde ela veio morar, que foi em Monção. (....) Aí, lá
que eu fiz o meu primário até o quinto ano na época. Aí terminou o
primário e tudo e meu avô se mudou pra Santa Inês, aí eu fui pra Santa
Inês...eu já tinha quatorze anos. Aí de lá, em Santa Inês, eu fiquei
até...eu comecei a trabalhar, me casei, tenho seis filhos. Me casei muito
nova, com dezoito anos, mas graças a Deus fui muito feliz, tenho os
meus seis filhos. (...) Então é assim, meus filhos são todos em idade
pertinho um do outro e eu criei todos com muito vigor e estudando
junto, porque quando eu parei de ter criança eu comecei a estudar de
novo. E nisso eu ajudei muito meus filhos, e me ajudei também. Eu fiz
meu 2º grau, quando eu terminei de fazer o 2º grau eu alcancei um
trabalho que foi...é...Já não fiquei em Santa Inês, aí eu me mudei pra
Turiaçu, onde eu fiquei trabalhando 10 anos como representante do
INPS na época O meu pai era lavrador. A mamãe era só dona de casa.
Ela nasceu no Acre. Meu avô era Cearense e foi embora pro Amazonas e
mamãe é descendente de índio. A família do meu pai é do Ceará. Eles
vieram de lá. (Rosa).
Eu tenho 60 anos. Eu nasci em Cururupu, cidadezinha daqui do
Maranhão. Eu vivi lá a minha infância.....praticamente a infância toda
lá. Quando eu vim pra cá eu já tinha 18 anos. Eu vim pra casa de
parente. Eu vim estudar aqui e fiquei na casa de parente. Até
porque.....lá o estudo era fraco, e meu pai era de pouca condições,
então eu morava na casa de parente aqui. Vim pra estudar, pra
continuar estudando. Só fiz até o segundo grau. O meu pai era
pescador. A minha mãe, dona de casa e ajudava também. Ela ajudava
assim na roça, mas ela não era de trabalhar direto na roça. Ela dava
sempre uma ajuda porque meu pai além de trabalhar na pescaria ele
também trabalhava na roça. Era mais a farinha, pro nosso consumo.
Não era pra ele vender ou....viver só daquilo. Ele tinha...da pesca era
pra ele vender. Ele vendia. Passava 15 dias fora de casa pescando aí
voltava por 15 dias, aí tornava a voltar. Aí nesse intervalo ele ia na
roça, ele fazia um pouco de farinha pra gente não ter que comprar. Eu
vim pra São Luís. Eu morava no Bairro de Fátima junto com uma prima
do meu pai. Aí depois essa minha prima ela foi pra Belém [Pará]. (...)
76
Quando eu cheguei aqui em São Luís eu vim morar na casa de uma
prima de meu pai. Estudava e fui bem acolhida por essa prima, apesar
de não conhecer nada, não saber nada, nada, nada e foi muito difícil.
Eu estudava no colégio Nina Rodrigues e meu pai fazia um sacrifício
enorme, nesse tempo, pra pagar o colégio, porque a gente não tinha
muito conhecimento aí com o colégio.....Tinham muitos colégios, vários
grátis, do Estado, mas a gente não tinha muito conhecimento se era
bom. Então eu fui pra esse colégio e a minha prima, ela ajudava muito.
Ela me ajudou muito. Então eu estudei até....eu terminei até a 8ª série lá
nesse colégio. Aí depois, no tempo que eles viajaram, eu ainda não
tinha terminado a 8ª série quando eles viajaram. E eu fiquei aqui no São
Francisco na casa de outra prima. (...) tava terminando o 2º grau
quando eu engravidei. Terminei o colégio e o que é que eu fiz? Eu fui
embora pro interior (Joana).
Estas mulheres nasceram em períodos distintos, 1935, 1940, 1947 e 1950 e
apresentam algumas semelhanças no modo como foram criadas, nas relações
existentes com alguns familiares, como no percurso trilhado para a capital São Luís,
provenientes tanto do interior do estado do Maranhão, quanto de outro estado
brasileiro, neste caso Piauí. Nestas primeiras lembranças aparecem personagens e
situações significativas como as experiências com suas famílias de origem, os
arranjos familiares de outrora, as recordações da escola, do trabalho. Também
surgem algumas referências sobre as famílias que constituíram mais tarde com os
filhos, filhas, netos e netas que tiveram.
Vieram
para
São
Luís
em
momentos
diferentes,
mas
vivenciaram
experiências parecidas. Rosário, natural da cidade de Teresina (PI), chegou à capital
ludovicense ainda com quatro anos de idade, em 1944. No decorrer de sua narrativa
ressalta a experiência com a família de origem. Em 1968, chega Joana com então
18 anos de idade. Um ano depois, em 1969, chega Francisca com então 22 anos de
idade. Estas duas mulheres já enfatizam algumas de suas vivências em Cururupu
(MA) e União (PI), cidades onde nasceram. Em suas narrativas recordam sobre
infância e juventude com mais minúcias. A motivação de Joana para vir para São
Luís foi a possibilidade de continuar os estudos. Francisca veio passear, conheceu
um rapaz e decidiu com ele casar e residir nesta cidade. Rosa, natural de Penalva
(MA), destacou principalmente sua vida estudantil e profissional nas cidades de
Monção (MA), Santa Inês (MA) e Turiaçu (MA), embora não tenha sido a única a
exercer atividade profissional, pois Joana também exerceu. Estes são dois aspectos,
77
vida estudantil e profissional, que aparecerão densamente nas narrativas de Rosa à
medida em que apresenta os filhos, a filha, os netos e as netas. Rosa foi a que veio
mais tarde para São Luís, em 1987, quando foi aprovada em concurso público
estadual.
Segundo Halbwachs (1994), o passado que existe é apenas aquele que é
reconstruído continuamente no presente e, para lembrarem, os indivíduos
necessitam da memória coletiva, ou seja, da memória que foi construída a partir da
interação entre indivíduos.
Sociedade religiosas, políticas, econômicas, familiares, grupos de amigos,
relações e mesmo reuniões efêmeras de salões, numa mesma sala de
espetáculos, na rua, todos imobilizam o tempo à sua maneira, ou impõem a
seus membros a ilusão de que por uma certa duração, ao menos, num
mundo que se transforma incessantemente, algumas zonas adquirem uma
estabilidade e um equilíbrio relativos, e que nada que é essencial ali se
transformou por um período longo (ibidem, p. 135).
As rememorações de Joana, Rosa, Francisca e Rosário são remetidas aos
grupos sociais com os quais mantiveram e ainda mantém significativas relações.
Falam de suas famílias configurando o núcleo básico mãe, pai, irmãos e parentes
próximos. Esse núcleo é marcado pela distinção hierárquica de papéis, nos quais, o
pai aparece como um personagem que encarnava a autoridade maior, pois embora
a esposa gerenciasse o lar cuidando dos filhos e filhas, as últimas decisões, ou
aquelas consideradas mais importantes na educação dos filhos, em geral, seriam de
sua alçada. O controle familiar pode ser percebido nestes trechos das narrativas:
Quando eu morava com minha avó ela não me deixava tá na rua.
Tudo que eu queria ela me dava pra não me ajuntar com vizinho. Minha
avó era muito assim, assim, rígida. Era horrível! Tava conversando com
alguém, ela só fazia olhar e eu já sabia que era pra correr pra casa. Eu
brincava e quando tinha alguma colega ela ficava perto. Nós brincava,
brincava, aí dava a hora de terminar, nós ia tomar banho, jantar e
dormir. No colégio que eu ainda brincava com as meninas e tudo. Eu
gostava muito no colégio de sorrir. Eu sorria demais e o professor dizia
que ia colocar um esparadrapo na minha boca (risos). Ele dizia que não
sabia o que eu tinha pra tanto rir. Eu sempre gostei de ser alegre! No
colégio das freiras, em União, era só mulher, mas quando eu saí de lá e
fui pra Teresina era misturado. Eu estudei ainda dois anos a noite. E
naquela época as mães nunca queriam que ficasse brincando menino
com menina junto, ta entendendo? Quando eu tava com minhas amigas
brincando, minhas coleguinhas, a primeira coisa que minha avó fazia era
ir olhar se tinha homem pelo meio. Se tivesse menino pelo meio, porque
78
tá brincando de corre-corre e se esconder não era pra ter homem no
meio. Era um controle muito rígido, demais, demais, pra não colocar as
filhas num precipício. (...) E nessa época era muito bom. Era boa por uma
parte e ruim por outra porque sabe que freira é gente ruim! Elas
pegavam no “pé” e pior era pras que eram de regime internato, porque
eu era semi-interna. Eu ia de manhã e voltava a noite. Quando minha avó
precisava ir em Teresina pra fazer uma consulta, ou alguma coisa, ela
me deixava lá interna. Aí eu ficava. Eu dormia lá e só saía de lá quando
ela chegava pra me buscar. As outras que eram internas eram mais de
outros interiores, que a família deixava e vinha visitar no fim de semana.
Eu lembro que uma das freiras era a Madre Teresinha. Elas eram da
congregação de Santa Rita. Antigamente era muito rígido. No colégio das
irmãs você não podia fazer nada. Não podia andar descalça, tinha que
usar anágua, tinha que usar combinação. Não nada de sutiã, era
combinação, uma espécie de camiseta por dentro, só que mais
compridinha, de alçinha. Elas pegavam no pé e tudo. Quando minha avó
adoeceu o maior medo dela era de morrer e não ter com quem me
deixar, pra eu não ficar com minhas irmãs e elas me botarem a perder!
(Francisca).
A minha criação foi muito rígida. Meu pai não queria que a gente
fosse nem na janela!! Quando a gente avistava e dizia: “Lá vem papai!”,
ele já dizia “O que tu já tá fazendo na janela? Entra logo!”. Ele não
deixava a gente sair. A noite, passou das 18:00 horas, a gente tinha que
tá dentro de casa. Era desse jeito! Ele não batia não, mas só ele olhar e
falar todo mundo obedecia. A minha mãe trabalhava e chegava em casa
só a noite. Então quem me criou mais foi minha avó. Ela criava
assim....Não queria pra gente fazer nada, né? Ela queria fazer tudo e
minha mãe chegava às vezes na hora do almoço só pra comer e saía de
novo pra fábrica. Quando ela vinha na hora do jantar, era jantar e
dormir. No outro dia ela ia pro serviço...Minha avó criou assim, sem
deixar fazer nada. Quem custava mais pra dormir era minha irmã, mas
às 18:00 horas tava todo mundo em casa, mas a gente dormia às 20:00
horas. Era desse jeito, sem tá em porta, porque meu pai não queria. Não
era de tá conversando com colega, nem em casa alheia. Meu pai era
muito rígido. Minha mãe trabalhava, não era tanto assim, mas minha
avó que cuidava da gente. Ela faleceu com 101 anos e ela tava lúcida. Às
vezes mandava a gente comprar uma coisa, que ela gostava de comer
um pirão, arroz de toucinho, essas coisas....Ela nunca teve problema,
gostava de comer essas coisas e comia (Rosário).
A minha infância foi muito rígida. A minha mãe, a criação era muito
rígida, a gente foi criado obedecendo, respeitando, apanhando e tinha
que obedecer...Nós tínhamos que obedecer nossa mãe até pelo olhar. Só
de olhar já sabia qual coisa ela não gostasse. Bastava um olhar. Pelo
olhar a gente já sabia o que ela...que ela não tava gostando daquilo.
Tinha que procurar o jeito de concertar aquilo. Então a gente tinha muito
79
respeito, principalmente as pessoas mais velhas. E apanhando mesmo.
Meu pai era diferente. Ele sempre queira que a gente respeitasse e tudo.
Também era a favor do respeito...a gente tinha que andar na linha
direitinho, mas ele não era muito de bater. Era mais de conversar. Minha
mãe era mais rígida, ela batia e bastante (Joana).
Estas rememorações destacam a força da autoridade dos papéis materno e
paterno e o controle exercido pra que as mulheres (filhas e netas) não caíssem no
“precipício” ou “se perdessem”, como destaca Francisca. É, nesse sentido, que
parecem comparar a educação das mulheres jovens atualmente com aquelas que
eram comuns ao âmbito de suas famílias.
O pai de Rosário controlava os filhos mais que do que a mãe, talvez porque
esta trabalhasse na fábrica e passasse o dia todo fora de casa, o que desconstrói a
concepção de que todas as mulheres viviam dentro do lar assistidas por maridos
provedores. Assim, coube à avó paterna o cuidado dos netos. Delegar os cuidados
de uma criança às mulheres, situação que parece ser bastante comum no contexto
das décadas de 1940 a 1960, reforçava a noção de que aquelas saberiam cuidar
destes “naturalmente”, como se uma das condições primordiais de ser mulher fosse
a de ser predestinada a cuidar dos filhos e do marido. Também é importante
destacar que nos casos em que as mães trabalhavam fora de casa, como é o caso
da mãe de Francisca, avós e/ou tias assumiriam cuidar das crianças.
De acordo como Margareth Rago (1985) no período de 1890 a 1930 todos os
discursos voltavam-se para priorizarem a ocupação das mulheres com a atividade
da educação, com a formação do caráter das crianças com a destilação de valores
morais, concebendo-se, a partir de então, a maternidade como traço da “natureza
feminina”.
Jurandir Freire (1994) afirma em seus estudos que aquilo que se designa
como família desestruturada, na sociedade contemporânea, tem muitos resíduos ou
efeitos de discursos produzidos pela medicina higienista do século XIX, no Brasil,
segundo os quais a vocação natural das mulheres, de acordo com suas disposições
físico-corporais, seria a maternidade. Nesta construção, vai se consolidando uma
distinção entre a “natureza feminina” e a “natureza masculina”, como pólos opostos,
80
excludentes, que nos atuais estudos de gênero são problematizados como vetores
rígidos, polarizados em um sistema de relações – o sistema binário do gênero.
Desse modo, para Jurandir Freire (1994), o modelo de homem e de mulher
que se encaixa na “norma familiar” são construções discursivas, mais específicas do
âmbito da medicina higiênica, que ainda circulam em alguns contextos e em
algumas camadas das classes médias urbanas. Entretanto, estes modelos se
disseminaram como a “norma”, o modelo ideal de família, em contraposição a muitas
outras formas práticas de convivência familiar nas mais diversas camadas sócioeconômicas.
Na narrativa de Joana, sua mãe aparece como figura controladora da família.
Os filhos temiam fazer algo errado pensando nos castigos, em especial, nas “surras”
que levariam, o que em nenhum dos relatos aparece como violência dos pais contra
os filhos. Francisca relembra também o controle exercido pela avó, que só a deixava
brincar com as coleguinhas, nas proximidades de casa. Ainda destaca que algumas
brincadeiras se constituíam como alvos das preocupações dos adultos, como
aquelas nas quais meninos e meninas ficavam por muito tempo juntos e fora da
vigilância dos adultos. Ela não fala abertamente, mas deixa pistas de que tais
circunstâncias poderiam colocar as meninas em “precipício”, ou seja, em situações
ameaçadoras, pois envolviam jogos de manipulação e de descoberta de prazeres do
corpo.
Pode parecer que o cuidado da avó para falar sobre o assunto à sua neta
seja encarado como hesitação, mas a partir das considerações feitas por Michel
Foucault (1988) percebo que se trata de uma forma diferenciada, dentre muitas
outras, de falar sobre sexo e não de silenciá-lo. Isto se configura pelo processo de
colocação do sexo em discurso, negando a possibilidade de aprendizado das
crianças e construindo a concepção de que as mulheres deveriam ser inocentes a
respeito do próprio corpo e de suas possibilidades de prazer. Desse modo, a
sexualidade para a reprodução (geração de filhos) ia se fortalecendo na legitimação
do discurso sobre a diferença na identidade de gênero, pois se disseminavam os
discursos de especialistas, segundo os quais os homens teriam por “natureza”
instintos mais fortes em relação ao sexo e prazer, enquanto que as mulheres em sua
“natureza” não os tinham. Em alguns outros discursos como, por exemplo, a
81
literatura, só o amor romântico legitimaria o prazer de mulheres casadas nas
relações sexuais.
Em estudos sobre o que designa como “sexualidade moderna”, Foucault
destaca que até o século XVII não havia pudores, segredos e nem reticências para
se falar sobre sexo. No entanto, o século XVIII se caracteriza pela instauração da
hipótese repressiva da sexualidade. Neste contexto, falar abertamente sobre este
assunto era difícil e muitos textos científicos que analisavam a temática pediam
desculpas ao leitor para abordá-lo. O controle sobre o sexo também era exercido
com a redução ao nível da linguagem e da circulação do discurso, pois os prazeres
advindos de práticas sexuais e eróticas eram vistos como pecaminosos e ilícitos,
uma vez que os ideais Católicos da Idade Média privilegiavam o ocultamento e a
negação dos atos, desejos, prazeres e fantasias. Desse modo, a instituição religiosa
pretendia controlar a vida sexual dos seus fiéis através do mecanismo da confissão
e da penitência. O que fugia à norma era condenado porque abalava a moral social.
No entanto, com a passagem do século XVIII para o século XIX ocorre um
processo que se caracterizou pela proliferação dos discursos sobre o sexo.
Discursos estes que pretendem captar a “verdade do sexo” à medida que transitam
da confissão religiosa para instituições científicas modernas como a medicina
psiquiátrica, a psicologia e pedagogia, pois esta
Durante muito tempo permaneceu solidamente engastada na prática da
penitência. Mas, pouco a pouco, a partir do protestantismo, da ContraReforma, da pedagogia do século XVIII e da medicina do século XIX,
perdeu sua situação ritual e exclusiva: difundiu-se; foi utilizada em toda
uma série de relações: crianças e pais, alunos e pedagogos, doentes e
psiquiatras, delinqüentes e peritos. As motivações e os efeitos dela
esperados se diversificaram, assim como as formas que toma:
interrogatórios, consultas, narrativas autobiográficas ou cartas, que são
consignados, transcritos, reunidos em fichários, publicados e comentados
(FOUCAULT, 1988, p.72).
A intenção é fazer os sujeitos falarem. É assim que se propagam os discursos
a respeito da masturbação, das perversões, da sexualidade infantil e feminina.
Foucault destaca que com a ciência da sexualidade, os discursos não perpassam
pelo viés da moral, mas sim da racionalidade, da cientificidade. Nesse sentido, a
ciência exige exames, observações e relatórios que legitimem a busca da verdade
sobre o sexo.
82
Todos estes procedimentos acarretavam um sistema de vigilância contínuo
exercido pelos pais, mas este controle não incidiu, necessariamente, em um silêncio
sobre a sexualidade das crianças. Pelo contrário, incentivou-se a falar do sexo, mas
de diferentes maneiras e por outras pessoas como educadores e médicos.
Francisca também relata o controle que os colégios de freiras exerciam na
vida das alunas com a expressão “freira é gente ruim!”. As freiras eram
intermediárias do controle que a instituição escolar de cunho religioso tinha. Elas
controlavam, tal como em uma instituição total, os horários, as atividades, os
comportamentos e vestuário de todas as alunas, que eram divididas entre internas e
semi-internas. De acordo com Goffman (2005, p. 11)
Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e
trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante,
separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo,
levam uma vida fechada e formalmente administrada.
A principal característica das instituições totais é, segundo Goffman (2005),
o “fechamento”, ou seja, a tendência a estabelecer uma barreira com o mundo
externo. Outra característica apontada pelo autor é a separação entre equipe
dirigente/supervisores e equipe de internados, o que no caso dos colégios de freiras
pode ser demonstrado, respectivamente, entre as freiras (em algumas escolas
religiosas estas ocupam cargos de diretoras, coordenadoras e de professoras, mas
há também outras escolas nas quais se delegam estes cargos a outros profissionais
que não tenham seguido necessariamente a vida religiosa) e os estudantes37.
O elemento central destas instituições é controlar o comportamento dos
indivíduos de acordo com regras bem demarcadas, tais como: horários regrados para
acordar, dormir, realizar as refeições e atividades, etc. Estas atividades são
realizadas em conjunto com os demais internos, pois vontades, preferências e gostos
individuais são suprimidos uma vez que todas as pessoas que estiverem na
instituição são “tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em
conjunto” (ibidem, p.18).
37
Goffman ressalta densamente algumas das características referentes ao “mundo do internado”
(2005, p.23) e ao “mundo da equipe dirigente” (2005, p. 69).
83
Nesse sentido, a narrativa de Francisca expressa o controle exercido pelas
instituições religiosas nas quais estudou. O regime semi-interno cursado, de certa
forma, estabelece uma barreira criada com o mundo externo, pois ia e voltava para o
colégio todos os dias, mas havia ocasiões nas quais ficava em regime interno,
quando sua avó necessitava viajar e não tinha com quem deixá-la.
Francisca divulga o descontentamento que sentia com o regime de controle
das duas instituições religiosas que estudou, em União e Teresina, ao narrar que as
freiras “pegavam no seu pé”, pois sendo uma garota alegre, que gostava de
brincadeiras e sorrir, sentia que precisava modificar seu comportamento para
internalizar as regras que recomendavam serenidade, calma e o modo de ser contido
que, em geral, é imputado aos homens e às mulheres que seguem a vida religiosa
num convento ou mosteiro, seja como padres ou freiras (ou suas demais ordens
hierárquicas). O corpo e a vestimenta também eram focos do controle e da vigilância
tanto que Francisca narra sobre o uso dos calçados e das roupas íntimas que eram
permitidas às meninas por aquelas instituições. Os uniformes escolares também
podem ser considerados como uma das estratégias do processo denominado por
Goffman (2005) como “mortificação do eu”.
Rosário e Francisca narram sobre normas e ordem familiar e instituições
religiosas, mas mostram também que burlá-las não era algo impossível. Francisca
consegue burlar o controle da escola religiosa decidindo abandoná-la, pois nela se
sentia sufocada. Por sua vez, Rosário conta que seu pai atribuía algumas tarefas
fora de casa ao seu irmão, mas este demorava a retornar porque aproveitava para
brincar na rua. Também narra outras situações nas quais tanto ela quanto a irmã
mais nova conseguiam driblar controles e proibições dos pais sobre os namoros.
Rosário inventava alguma compra no centro da cidade para namorar escondido no
cinema às segundas-feiras. Sua irmã mais nova namorava escondido aos 13 anos
de idade e por isso foi enviada para a casa da avó materna em Teresina, PI. No
entanto, nesta cidade também conseguiu enganar seus parentes, bem como sua
mãe, em São Luís, pois continuava a se encontrar com o rapaz que namorava
escondido em São Luís.
84
Estas interpretações apontam, também, para algumas das análises de Judith
Butler na obra, “Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade”
(2003), na qual destaca:
O gênero é uma identidade tenuamente construída no tempo, constituído
no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição
estilizada de atos. O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e
deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual
gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão
de um eu permanente marcado pelo gênero. (...) então a aparência de
substância é precisamente isso, uma identidade construída, uma
realização performativa em que a platéia social mundana, incluindo os
próprios atores, passam a acreditar, exercendo-a sob a forma de uma
crença (BUTLER, 2003, p.200) (Grifos da autora).
Ainda segundo Butler:
Não haveria atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou distorcidos, e a
postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria uma
ficção reguladora. (...) o caráter performativo do gênero e as possibilidades
performativas de proliferação das configurações de gênero fora das
estruturas restritivas da dominação masculinista e da heterossexualidade
compulsória são observados à medida que se entende que as identidades
de gênero são criadas mediante performances sociais contínuas (ibidem, p.
201) (Grifos da autora).
Tinha muito controle naquela época. Às 21:00 horas já era pra tá
em casa dormindo! A gente namorava escondido (risos). Minha mãe não
queria. Não deixava a gente sair pra nada, nem pra cinema. Eu ia
escondido pro cinema dia de semana, que ela [mãe] tava trabalhando e
eu ia. Dia de segunda-feira que eu ia pro cinema com namorado. Eu
dizia que ia na rua fazer compra pra costurar, comprava uns enfeites,
uns botões e zíper pra vestido e aí ia pro cinema (risos). Acho que em
todo tempo é assim, a gente enganando pra namorar. Minha irmã casou
com 13 anos, a caçula. Minha irmã namorava e minha mãe ia atrás
dela, que ela era muito nova, 13 anos e ainda tava estudando. Quando
ela soube que ela tava namorando foi atrás e deu no rapaz, ele saiu
correndo e mandou ela pra Teresina, pra casa da minha avó, mãe de
mamãe. E a avó dele também morava lá, só que ela [mãe] não sabia. Aí
ele foi pra casa da avó dele também e ficou eles dois juntos lá em
Teresina. Minha avó não sabia, que minha mãe não contou nada e
ninguém lá sabia de nada. Eu sei que quando ela ficou devendo uma
prova aqui, na escola, e nesse tempo era telegrama que mandava e
mamãe escreveu pra ela vir fazer a prova, que a professora tava
chamando. E nada! Minha avó não deu nem sinal e um dia minha prima
foi comprar a passagem na Rodoviária pra minha irmã voltar e foi
quando encontrou ela e o namorado. Aí eles estavam lá perto da praça
namorando. Ela tava com minha prima e minha prima disse que ia
embora e chamou ela, mas ela não foi. Aí disse que ficaram
conversando e não repararam a hora. Quando viram já era umas 2:00
85
horas da manhã, e essa hora ela não podia chegar na casa da minha
avó, porque essa sim que era brava. Sei que de manhã minha avó foi na
polícia, foi no hospital e não achou. Mais tarde a mãe dele foi levar ela
lá na casa da minha avó. Ela disse: “Vim trazer sua neta que tava com
meu filho”. E minha avó disse bem assim: “Eu não recebo ela! Eu só
recebo casada!” Minha irmã disse: “Minha avó pode mandar fazer o
exame, eu sou moça”. E ela disse: “Não quero saber, eu só recebo
casada. Mulher que dorme fora de casa, principalmente moça, pra mim
não é mais”. Aí foram fazer o casamento, ela com 13 anos e ele com 15
anos. Fizeram o casamento lá em Teresina e depois de 3 meses é que ela
voltou e foi quando ela telegrafou pra minha mãe e contou: “Olha, sua
filha casou”. Minha mãe, quando viu aquilo, desmaiou. E ela cansava de
dizer: “Eu não me casei, me casaram” (Rosário).
Ao relatar que sua irmã mais nova teve que casar com 13 anos de idade por
passar a noite fora com o namorado, apreende-se que o modelo de socialização das
mulheres, nas décadas de 1950 e 1960, as orientava para não terem intimidades ou
ficarem sozinhas com os rapazes, a fim de casarem virgens.
Carla Bassanezi (2007) destaca que, neste contexto, algumas revistas como
Querida, Jornal das Moças e O Cruzeiro ressaltavam, em crônicas, reportagens e
colunas sociais, representações e formas ideais das mulheres se comportarem no
lar, na escola, nas tarefas domésticas, no cuidado com maridos e filhos, compondo
assim a configuração performática de uma possível identidade feminina. Embora tais
publicações não pudessem ser adquiridas por todas as moças daquela época,
devido ao seu valor de aquisição mais elevado, as informações que elas continham
se disseminavam por outros meios, especialmente nas instituições religiosas,
espaços nos quais era ressaltado o modelo de família, segundo o qual Maria e Eva
são dois contrapontos de configuração de mulher – a virgem e a pecadora –
representações complementares de uma mesma imagem. Desse modo, mulheres
jovens das mais diversas camadas sociais absorviam o que a sociedade delas
esperava – uma conduta regrada e voltada para o respeito à norma familiar, embora
transgressões muitas vezes acontecessem, evidenciando a proliferação das
condutas que apontavam para as construções das distinções de gênero.
Ainda segundo Bassanezi (1995), ter encontros íntimos com rapazes antes do
casamento era algo impensável às consideradas moças de família, pois o que a
maioria delas pretendia era o casamento e os homens buscavam como esposa as
moças recatadas, dóceis, que não lhes trouxessem problemas, com uma boa moral,
86
diferentemente do comportamento apontado socialmente como próprio de mulheres
levianas. Até a maneira correta para o namoro ou flerte, como era conhecido na
época, seguia este modelo. A condição de ser virgem era valorizada no contexto das
décadas de 1950 e 1960 para que as moças conseguissem um futuro marido, mas
Joana e Rosário relataram que suas primeiras experiências sexuais foram antes do
casamento, com a idade de 16 anos.
Rosário, que burlava a vigilância dos pais e da avó para namorar, tendo
cuidados para retornar para casa no horário estipulado e não levantar suspeitas e
ser descoberta, também enganava os pais para ir ao baile Vesperal do Moisés,
conhecido baile de máscara que ocorria nas décadas de 1950 e 1960, em São Luís.
Também conta que foi a outro baile, na cidade de Pindaré Mirim, MA, mas este não
era de máscaras.
Eu namorei, mas nunca namorei em casa. Mesmo antes de meu pai
morrer eu namorava escondido.
Quando ele faleceu, eu também
namorava escondido porque minha mãe não queria. Aí eu namorava
escondido (risos), mas quando dava 20:00 horas eu tava em casa (risos).
Às 18:00 horas ou às 19:00 horas eu já tava procurando o caminho de
casa. Então quando ele era vivo, ele não deixava, não queria, e ela
também, a mesma coisa. Hoje em dia é diferente. (...) Se a gente ia num
aniversário, por exemplo, às 20:00 horas tinha que tá em casa. Meu pai
não batia, mas era rígido. Muito, muito, muito mesmo. Era muito difícil
ir. Nem ele ia acompanhando. Tinha uma vizinha, lá junto de casa, que
era muito amiga né e quando ela fazia algum aniversário, convidava a
gente, mas uma vez eu fui escondida, que nesse tempo tinha Vesperal.
Era o baile do Moisés, era conhecido. Eu cheguei cedo, mas nunca mais
fui. Quase que eu não entrava em casa. Depois nunca mais fui, nunca
mais dancei. Começava, naquele tempo, às 17:30 horas, assim pra jovem
e adolescente, e terminava às 22:00 horas. Pros adultos começava essa
hora. Encerrava um pra começar o outro. Fui no de adolescente. Cheguei
lá tava todo mundo fantasiado [fala como fisionomia de desespero] e só
nós que tava sem máscara. Fui eu e mais duas colegas. Ficamos lá e todo
mundo dizendo: “Eu te conheço! Eu te conheço!”. Eu só disse na hora:
“Pronto, nós tamos perdidas! Todo mundo vai saber agora que nós tava
aqui.” E de fato a minha mãe soube. Ela também brigou muito comigo.
Ela e meu pai, mas também só fui nesse. Eu fui pra um também no
interior. Meu tio morava lá e eu fui passar um carnaval lá e lá tinha baile
de moça, de casadas e os de solteiras. Tudo separado. Hoje em dia não, é
tudo junto. Foi em Pindaré Mirim, que minha tia e meu tio moravam lá.
Tinha o Luis Rocha, que já faleceu, foi governador, esposo de Teresinha
Rocha. E ela era sobrinha da mulher do meu tio. Eles eram de lá. A gente
chegou lá e convidaram pra ir. E lá nos fomos. Como eu disse, lá era
separado. Tinha os de casadas, de solteiras, que era como chamavam as
87
raparigas, e os das moças. As solteiras eram as mulheres que tinham
amantes. Eram três, separados. Cada um tinha o seu salão. A Teresinha
convidou e nós fomos com ela. Eram bailes de carnaval também. Tinha
música, o povo ia pra dançar e namorar, mas sem máscara. Era muito
marcada a separação naquele tempo! Nos colégios também era tudo
rígido. Qualquer coisa eles descobriam logo. Agora não. Antes se
descobrissem que a pessoa tava grávida, falavam logo. Agora já está
mais liberado, né? (Rosário).
Quem também nos conta sobre os bailes de máscaras e outros que marcavam
distinções é Rosa. Esteve em um deles na cidade de Santa Inês, MA, mas sua
presença não ocorreu de modo furtivo como o fez Rosário. Os bailes, blocos e clubes
de “primeira”, “segunda” e “terceira” daquela cidade foram apresentados por ela
segundo o pertencimento à classe social das mulheres que os freqüentavam: para
moças da elite, para moças negras, independente de sua condição econômica, e
para meretrizes; adicionando assim, os critérios de cor da pele/raça e encaixe na
norma social do gênero.
Pra você ver que naquela época pras moças era uma dificuldade,
porque os rapazes sempre se entrosam em todas né. Até pras moças
sair, ir pras festas, tinha que ir de acordo com a qualificação, como a
maneira que se comportava na sociedade. Tinha os bailes de primeira,
tinha os bailes de segunda e tinha os bailes de terceira. Baile de primeira
era assim pra moças de elite, da classe alta. Os de segunda, geralmente,
eram pros escurinhos. Não misturavam. Isso lá no interior, em Santa
Inês. Alguns... Algumas meninas que já tinham uma condição melhor,
mas que não era branca, que participava. E os de terceira eram as
meretrizes. Esse era o...a separação que tinha. E tinha mesmo. Isso era
muito distinto. Eram nos bailes. Sempre aconteciam. Então tinham as
festas, por exemplo, Carnaval. Tinha os blocos de primeira, os blocos de
segunda, e os blocos das meretrizes. Todo mundo brincava na rua
mesmo. Eu nunca fui de brincar em bloco, mamãe não deixava, mas em
algumas vezes que a gente ia nas festas, a gente ia nos clubes. E era a
mesma coisa. Tinha os clubes de primeira, o clube dos morenos e, então
isso era definido, tinha lá o local, o clube das mulheres de vida fácil. Hoje
não! Hoje há uma igualdade. Há uma mistura e isso até que é melhor
porque não tem essa separação. Todo mundo se iguala na sua maneira
de viver, mas ninguém tem essa discriminação. Eu achava até que era
uma discriminação! Por mais que a pessoa tivesse condição financeira,
mas ela era negra, ela ia lá pro baile dos negros, baile de segunda. Era
separado. E os homens ia né...era tudo junto, homem e mulher, porque
senão não tinha como dançar direito (risos) (Rosa).
88
Sandra Sousa (1998) realiza um estudo sobre a participação das mulheres
nos bailes de máscaras carnavalescos que ocorriam no período de 1950 a 1960 na
cidade de São Luís, MA. Entre variadas festas que ocorriam nesta cidade no período
carnavalesco, os bailes de máscaras eram os mais animados segundo algumas
manchetes veiculadas nos periódicos que circulavam no Estado, desde os primeiros
dias de um ano que então se iniciava.
As folias nos clubes “Lunáticos Clube”,
“Pierrot Clube Carnavalesco”, “Paquetá Clube”, “Flamengo”, Cassino”, “Lítero”,
“Jaguarema” e “Araçagi”, entre outros, mobilizavam a participação de muitas
mulheres, casadas e solteiras, que sob as máscaras poderiam dançar, namorar sem
que pudessem ser reconhecidas pelos demais foliões.
Embora alguns dos bailes de máscaras que participaram Rosa e Francisca
tenham sido realizados no interior do Estado do Maranhão, em Pindaré Mirim e
Santa Inês, possuem alguns elementos semelhantes e outros diferentes dos que
ocorriam na capital do estado. Uma das semelhanças encontrada refere-se à
distinção dos espaços sociais nos quais se localizavam os foliões: bailes de
“primeira”, “segunda” e “terceira”. Esta separação dos bailes e blocos se apresenta
como um reflexo das distinções existentes na sociedade, que delimitava o acesso de
algumas pessoas a determinados espaços segundo critérios como condições sócioeconômicas, raciais e normas sociais do gênero. Não posso deixar de ressaltar que
estes critérios se entrecruzavam à medida que distinguiam e delimitavam os locais
nos quais negros, brancos, ricos, pobres, moças de família e meretrizes deveriam
socialmente freqüentar, revelando assim as relações de poder existentes.
Retomo a narrativa de Rosário para ressaltar que certas emoções são
revividas no momento da rememoração. O susto e o desespero foram emoções
ressaltadas
no
momento
que
lembrou
estar
sem
a
máscara,
podendo
consequentemente ser reconhecida pelos demais foliões que participavam do
vesperal do baile do Moisés, localizado no bairro Diamante, no centro da cidade.
Rosário ainda nos relata que ser reconhecida nos bailes de máscaras gerava uma
preocupação já que havia, em geral, uma concepção de que tais bailes eram
freqüentados, em sua maioria, pelas moças perdidas, embora as denominadas
moças de família também os freqüentassem. Segundo Sandra Sousa (1998), os
jornais das décadas de 1950 a 1960 anunciam a presença das moças nos bailes
89
segundo as designações “garotas de outro mundo”, “garotas infernais” que tinham
comportamentos considerados opostos aos das “moças de família”. Neste caso,
Rosário coloca em questão a norma social segundo a qual as mulheres, tendo
vocação natural para o lar, maternidade e família, não seriam afeitas a estes
prazeres considerados como próprios da natureza masculina.
90
CAPÍTULO
4
–
“SOCIEDADE
MODERNA”
E
(EN)GENDRAMENTO
DE
“INDIVÍDUOS”.
São vários os discursos que no contexto das sociedades ocidentais, séculos
XIX e XX, promovem a modernidade associada ao ativismo, participação e
desenvolvimento. Constroem, também, imagens sobre os indivíduos modernos,
sujeitos que deveriam ser autônomos e representantes de uma humanidade livre de
quaisquer grilhões sociais. Indivíduo e Sociedade nos discursos da modernidade são
categorias distintas, problematizadas por vários cientistas sociais que buscam
compreender até que ponto as determinações sociais constroem e subvertem os
indivíduos ou, ao contrário, como indivíduos podem agir livremente e influenciar a
moldagem de contextos sociais. Norbert Elias (1998) e Anthony Giddens (2003), por
exemplo, formulam interpretações segundo as quais indivíduos são agentes sociais
que se submetem às estruturas sociais, mas também as reconstroem e
reconfiguram.
Apesar destas problematizações constantes na esfera das construções
científicas, este indivíduo por muito tempo não foi explicitado via “diferenças de
gênero”. Só muito recentemente, após as décadas de 1970 e 1980, tem-se a
discussão da diferença sexual por meio de movimentos de massa de mulheres. No
contexto de Teorias da Memória, como as de Halbwachs, a memória coletiva e as
representações individuais são referidas a um sujeito universal, neste caso o homem
como representante da “espécie humana”.
A obra de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo (1980), teve uma
importância muito grande quando, no conjunto de produção de conhecimento, pôs
em questão o sujeito humano universal. Em certos trechos da obra, a autora criticou
fortemente a concepção de que existe uma natureza feminina e uma distinta
natureza masculina. Beauvoir (1980) analisou a situação da mulher e do homem ao
casarem, ressaltando que socialmente se estabelece que ela participe da vida que
ele estipula para viver, de modo a ser considerada imanente ao homem, ou seja,
que faz parte, que se insere e continua exercendo atividades para aquele que é
considerado o transcendente, como se fossem naturezas de cunho oposto:
91
Sendo êle o produtor, é quem supera o interesse da família em prol da
sociedade e lhe abre um futuro cooperando para a edificação do futuro
coletivo: êle é quem encarna a transcendência. A mulher está
votada à perpetuação da espécie e à manutenção do lar, isto é, à
imanência (ibidem, p. 169).
Michelle Perrot corrobora com esta assertiva na obra “Os Excluídos da
História” (1988) à medida que destaca a invisibilidade dos feitos das mulheres na
construção da História Oficial, que em seus registros privilegia os feitos e fatos
históricos da espécie humana que foram exercidos e vivenciados pelos homens.
Desde o início de suas narrativas, Francisca, Rosário, Rosa e Joana, ao
apresentarem
pais,
mães, irmãs, irmãos, destacam
experiências bastante
diferenciadas por condições econômicas e, sobretudo, por especificidades de
gênero. Rosário, já no primeiro momento registra suas dificuldades de estudar, por
impedimento do seu pai e, em seguida, do marido, com quem casou aos 17 anos cursou até a 6ª série do ensino fundamental. A avó de Francisca tornou-se
referência de criação de netos para a família. As “barrigadas” das noras, em geral,
acabavam em seu colo, confirmando a forte referência, do contexto dos anos 1940 a
1960, de que criar filhos e filhas, gerados por homens e mulheres, era tarefa
primordial das mulheres. Em muitos dos discursos deste contexto a maternidade
seria uma vocação natural das mulheres ou a própria essência da natureza feminina.
4.1 Espaço da Domesticidade: papéis de gênero e divisão de tarefas
Nesse sentido, grande parte dessas narrativas aponta para a construção
discursiva de um modelo de mulher ideal e de um sistema de relações heteronormativo – divisão de especificidades de gênero polarizada a partir do que se
designava como “a diferença sexual” – vetor através do qual se justificava as
atribuições dos papéis de gênero. Por outro lado, destacam também diferentes
modos de atuação das mulheres nas práticas cotidianas, tal como registra a
narrativa de Francisca.
Ah, minha vida foi dentro de casa cuidando de menino porque casei
e com um ano de casada já tinha filho. No outro ano, outro filho. Ainda
não tinha nem feito um ano!! A minha vida....eu perdi minha mocidade,
pra completar, cuidando de meus filhos. Nunca paguei ninguém. Nunca
levei filho pra casa de mamãe pra ela cuidar. Eu aqui nessa casinha criei
meus filhos tudinho. Todos eles. Fui mãe e pai dos meus filhos. O marido
92
saía de manhã pro serviço, almoçava pra lá mesmo. Eu é que ia pra
colégio, eu é que ia pra reunião, eu é que ia pra todo lado com meus
filhos. Então, eles são mais apegados a mim do que ao pai (risos). Então,
nunca deram pra ser sem vergonha, nunca fez coisa que não deve, que
eles todos me respeitam. Tão casados aí, mas se eu disser não, é não. O
meu filho tá chegando, que ele mora bem aqui no Angelim, e às vezes a
mulher tá trabalhando, ele pega o nenê e diz: “Mamãe, fique ai
rapidinho que eu venho depressa”. Aí ele toma umas 2 ou 3 cervejinhas
e volta.
Rosa também acrescenta:
Mamãe foi embora pra Brasília, uma época, com meus irmãos e lá
ela estudou [irmã que morou um tempo com Rosa]. Eu fiquei em Santa
Inês. (...) Então ... meu marido, quando nós fomos pra Turiaçu, ele já ia
um pouco adoentado. Aí viemos pra São Luís novamente...ele ficou
doente, não pode mais trabalhar e eu que arquei com toda a
responsabilidade da família, contanto que quando ele faleceu, eu já não
estranhei cuidar da família porque eu já era acostumada a lutar. (...) Na
família é uma coisa muito importante esse controle, essa firmeza, saber
os deveres que a mãe deve ter. Esses deveres são distintos, mas muitas
vezes a mãe absorve. No meu caso foi assim. O Fernando [marido
falecido] sempre deixava a meu critério. Ora, reunião de pais e mestres?
Nunca o Fernando assistiu uma. Eu sempre falava: “Os meninos só tem
mãe?”. Ele dizia que eu estava mais inteirada, mais próxima, que
cuidava mais deles. A educação maior dependeu de mim mesma. Ele
dava apoio e tudo. Também nunca entramos em conflito, choque...como
eu digo assim e ele diz de outro jeito! Não! Papai orientava a gente
assim: “Quando o pai diz uma coisa, a mãe tem que confirmar”. Se a
mãe diz uma coisa, o pai não pode dizer diferente! Mesmo que ache que
não está certo, conversem os dois separados, sem que os filhos notem
que um tá divergindo do outro pra evitar que as crianças depois não
respeitem ninguém. (...) Nunca virei a mente e não vou dizer que minha
vida era um mar de rosas. Não! Havia as dificuldades, havia as
divergências. Eu enfrentei muito....muito...assim...enfrentei muita
barreira no casamento. (...) Eu fui estudar, mas ele não queria! Ah, era
uma barreira grande! Eu trabalhava também no colégio e lá eu também
estudava. (...) Aí tinha dia que ele dizia: “Hoje tu não vai pro colégio!” E
ia comigo até na porta do colégio, mas aí eu entrava, pra ir pra
secretaria, pro meu trabalho, e da porta ele voltava.(...) Outra coisa...Ele
tinha comércio e o comércio caiu em decadência e tudo. Ele não soube
administrar bem. Não soube acompanhar a evolução, então caiu em
falência. Aí eu comecei a trabalhar também e cuidar das crianças e
comecei a vender Avon. Vendi Avon muito tempo e eu precisava sair, pra
fazer as vendas e tudo, e ele não gostava. Ele não gostava, dizia:
“Mulher que anda com sacola é mulher safada”. Eu dizia: “Olhe, nem
sempre. Eu vou fazer minha venda, eu vou cuidar da minha vida, vender
meus produtos e nada disso me atinge”. Depois eu comecei a juntar,
93
acumular produtos e quis abrir uma lojinha. Eu viajava pra Teresina e a
gente ia comprar miudezas de armarinho. (...) Ele nunca queria que eu
fizesse. Vivia implicando, mas sempre eu fazendo. Eu tava certa que não
tava fazendo nada errado. Certa de que eu tinha que ajudar na criação
das crianças. Meus seis filhos ali precisando das coisas e eu com saúde,
com entusiasmo, com disposição, porque que eu não ia fazer? Só porque
ele tava achando que tava errado? Eu tava fazendo certo! Eu nunca
deixei de fazer, até ele cair na real e perceber.
Rosário destaca:
Meu marido não queria pra mim trabalhar, nem terminar de
estudar. Se eu quisesse estudar que não tivesse procurado marido e
casado. Era pra cuidar dos filhos. E eu não estudei mais, nem trabalhei.
Não queria pra mim estudar, nem fazer nada...nem trabalhar. Aí,
mesmo assim, eu trabalhava em casa, eu fazia unha, eu costurava e
ajudava ele, mas tudo em casa. Aí eu comecei a fazer cursos e com isso
aí ele não se importava. Eu fiz curso de cabeleireiro, de manicure. Nesse
tempo no SENAC não se pagava nada, era grátis. Eu fiz lá. Ele não
queria que eu trabalhasse porque ele disse que ele conhecia e via como
era esse negócio de patrão com empregada, que tomava gosto e até
meu pai também falava isso. Ele não queria pra mim trabalhar porque
ele trabalhava numa repartição e sabia de patrão que ficava tomando
gosto. E ele dizia: “Não, mulher minha não vai trabalhar!”
Os pais de Joana tiveram seis filhos, dois homens e quatro mulheres. Ela
narra como era a criação naquela época:
A mais velha é falecida. O respeito tinha que ser de ambas as
partes, mas tinha diferença na criação. [Pensativa] ... algumas coisas
que o homem podia fazer e mulher não. Assim, como no caso...o homem
tinha mais liberdade pra sair. Nós mulheres fomos... por exemplo, se
tivesse uma festa, vamos supor, se fosse uma festa de época como no
Natal, que era quando tinha algo, se a minha mãe não pudesse ir nos
levar, tinha que ser ou com uma tia, uma irmã dela, ou a minha avó.
Tinha que ir alguém de responsabilidade levar. Já os meninos não. Eles
poderiam ir com os amigos, mas no nosso caso não ia. Se não tivesse
alguém de responsabilidade pra levar, não ia. Se ela não pudesse ir
acompanhar, não ia. Aí a minha irmã mais velha ela casou com 13
anos. Então ela sempre saiu. O marido dela sempre gostou muito de
sair, de festa e tudo, e nós podíamos ir com ela. Com ela, porque ela já
era casada, tinha mais responsabilidade. Então eu e uma outra, que é
quase da minha idade, que tá lá na UNITI também, iríamos porque a
mais nova, quando minha mãe teve essa outra, nós já estávamos bem
grande. Ela já tava assim entrando no período de menopausa quando
ela engravidou. Então a diferença é bem grande. E nós que cuidávamos
94
mais dela, ajudava mamãe. Aí lá em casa era tudo assim. Todo mundo
tinha que aprender a fazer as coisas em casa e lá era dividida as
tarefas. Era uma semana pra cada.
Voltando a Butler (2003), lembro que o gênero é construído por atos, gestos,
significações constantemente reiteradas e o espaço privado aparece nas narrativas
como privilegiado para a construção da feminilidade via divisão de tarefas, em
acordo com os discursos normativos daquele contexto. Giddens (1993) também
destaca, na obra “A Transformação da Intimidade” que o casamento da mulher, na
norma social do século XX, não era propriamente com o “marido”, mas com o “lar” e
a “família”. Era preciso que isto fosse internalizado pelas mulheres. Nesse sentido,
vou recortando trechos das narrativas de Rosa, Joana, Rosário e Francisca para
perceber em seus relatos, sobre suas vivências nesse espaço, os modos de
articulação na construção de identidades e papéis de gênero.
Eu gostava muito de brincar de pula corda, de roda, jogando
pedrinha....é...é...cancão. Era jogando a pedra nos riscos, nas janelas e
pulando. É, hoje conhece como amarelinha. Era cancão. Tinha o céu e
tudo. Eu brinquei muito disso aí, mas só no quintal de casa, na rua não.
Era só no quintal e na porta de casa. Tinha também pegador, mas eu
nunca gostei. Agora às 18:00 horas tava todo mundo dentro de casa
que mamãe não deixava. Eles gostavam de brincar de bola, futebol. E
nesse tempo eles usavam até aquele chambrão (risos), minha avó fazia
pra eles. Fazia com os retalhos, aí emendava tudinho na mão e fazia.
Uma vez meu irmão foi não sei pra onde e foi de chambre e começaram
a chatear ele (risos). Ele era garoto, pequeno, e se escondeu atrás do
poste com vergonha porque diziam que era roupa de menina. Ai depois
minha avó fez macacão pra ele e o outro, que era roupa de menino. (...)
E meus filhos também foram criados assim. Eles gostavam de futebol.
Até hoje eles jogam de vez em quando. Os netos também. Nunca
brincam com menina, nem bonequinha, nada disso. As meninas
brincavam de boneca, tinha elástico e corda também. Agora os meninos
é só futebol. Vem desde o avô, de meu pai, meu marido também, e
agora meus filhos, netos...tudo é futebol (Rosário).
Um destaque especial no trabalho de Halbwachs é o de que as lembranças
diferem no decorrer da vida à medida que o indivíduo vai se tornando adulto e,
geralmente, desenvolve sua consciência crítica da realidade que o cerca. Suas
lembranças já não são as mesmas que da infância, assim como as da idade adulta
não são as mesmas da velhice. O fato é que a lembrança é em larga medida, “uma
95
reconstrução do passado com dados emprestados do presente” (HALBWACHS,
2006, p.71).
Esta fala de Rosário articula a conjuntura atual às experiências vividas no
passado, realçando modos de construção de identidades de gênero, num sistema de
marcações que aparece como fixo, sem mobilidade, especialmente quando diz
“meus filhos também foram criados assim”, e como ela atuava em tarefas bem
específicas, assim como brincava de “modo diferente”. Além disso, as diferenças
são justificadas como algo que não tem explicação: “é assim” e “continua sendo até
hoje”. Ao mesmo tempo, Rosário, Joana, Francisca e Rosa registram diferenças
quanto à educação - modos de castigos e penalidades - que eram aplicados quando
eram crianças, na casa dos pais ou avós, e os que são aplicados hoje, na educação
dos filhos e netos.
4.2 Corpo e Cuidados com a Saúde
Ao falar dessa diferença, Rosário abre uma grande brecha para apontar
modos de configuração e expressão do corpo:
Até roupa naquele tempo era diferente. Eu tinha um vestido, que o
zíper, era de lado e às vezes ele abria um pouco e isso causava a maior
coisa se o corpo aparecesse. Precisava ver....minissaia, vestido cavado,
era tudo coisa das mulheres lá de baixo, que eles chamavam de mulher
da vida. Nesse tempo o Quartel era lá embaixo, lá na 28 38. Meu marido
trabalhava lá no Quartel, nesse tempo, na Polícia. ... A criação de meu
pai foi muito rígida. A gente não sabia de nada. Quando ele tava, às
vezes, no quarto com minha mãe e minha irmã passava, a caçula, que
era a mais curiosa, ele dizia: “Essa menina fica passando aqui toda
hora! Não sei o que ela quer aqui”! Eu era mais quieta, mas minha irmã
era mais curiosa. (...) Eu me lembro que quando eu era moça, meu pai
ainda era vivo, e ele me botou pra aprender datilografia lá perto do
Hospital Geral [Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho], no Centro, lá com
uma senhora, Dona Gilda, mas ela só ensinava moças. Um dia disseram
pra ela que na turma tinha uma moça que era lá da 28 e ela disse que ia
despachar ela, que lá ela não queria! Aí quando a mulher foi....foi até o
motorista que avisou a senhora, ele disse: “Olhe, aquela mulher ali, ela
não é da sociedade. Ela é lá debaixo, da Zona, e eu conheço ela”. A dona
do curso chamou ela pra conversar e chegou um dia que ela não foi
38
A Zona de Baixo Meretrício (ZBM) de São Luís era localizada no Centro da cidade. As chamadas
pensões eram gerenciadas pelas madames e reuniam muitas mulheres, que nos dias de hoje são
denominadas de profissionais do sexo, em casarões localizados, em sua maioria, na Rua Afonso
Pena, Rua da Palma, Rua 28 de Julho e Rua da Estrela. Algumas daquelas pensões mais conhecidas
foram a Pensão da Maroca e a Pensão da Lolita.
96
mais. Tinha muito preconceito, sabe? Você não lembra por que é nova,
mas até nas escolas tinha. Nas escolas tinha época de exames pra saber
quem não eram mais moças. E elas saiam dos colégios. Eu não sei como
era, mas sei que era pra saber quem era moça, pra ficar na escola, e
quem não era, pra sair de lá. Eles excluíam da escola. Eu ouvi essa
história, mas agora não lembro. Hoje em dia não, né?
Tornava-se necessário na educação das filhas, segundo as rememorações,
que estas tivessem consciência de que a conduta moral diferenciava as mulheres
em: mulheres virtuosas e mulheres devassas. Considerado como defeito de caráter
ou falhas na educação familiar, as representações de gênero as distinguiam entre as
mulheres com as quais os homens pensariam em constituir família e aquelas com as
quais poderiam se divertir. Rosário e Rosa destacaram estas diferenças ao
lembrarem que os bailes de carnaval separavam as mulheres casadas, as solteiras
e as prostitutas. Usar roupas provocativas também poderia associar às mulheres à
fama “de leviana, namoradeira, vassourinha ou maçaneta (que passa de mão em
mão), enfim, de garota fácil” (BASSANEZI, 2007, p. 612) (Grifos da Autora). Assim,
os cuidados com as vestimentas também ocupavam destaque nas colunas
femininas como, por exemplo, o Diário da Manhã, jornal de São Luís – MA, de
janeiro de 1959:
A ROUPA E A DISSIPAÇÃO DO ESPÍRITO - Para quem aspira trabalhar
há roupas adequadas para o trabalho, embora muitas moças pareçam não
perceber isso. Jamais se deve usar, por exemplo, no verão, uma blusa
transparente. Também são impróprios os decotes demasiadamente baixos
e as blusas sem mangas. Os vestidos de algodão e de cores escuras com
enfeites de fustão são sempre apropriados para o escritório. Os vestidos de
verão devem ter sempre, um pouco de manga, para que ganhem aspecto
mais sério (Suplemento Feminino - Diário da Manhã, São Luís – MA, 29 de
jan. de 1959 apud SOUSA, 1998, p. 119).
Percebo que tal anúncio transmitia mensagem que reforçava o controle sobre
as mulheres no que se refere aos comportamentos que poderiam distingui-las das
moças consideradas levianas ou mal faladas, pois as vestimentas usadas poderiam
associar os cuidados com o corpo à conduta moral das mulheres. Neste caso,
podemos sintonizar estes “atos reiterados” com argumentos de Judith Butler (2003),
quando esta autora destaca que o ato performativo não é simples singularidade. É,
na verdade, todo ato que é citado e reiterado constantemente. Para Teresa Lauretis
(1994), eles são produzidos por variadas tecnologias, tais como jornal, mídia
televisiva, literatura, produzindo assim especificidades de gênero.
97
Voltando aos destaques quanto às configurações e expressões corporais, as
instituições especializadas para focalizar estas questões registram que o corpo
também sofre algumas modificações na passagem do tempo. Segundo a Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), as maiores complicações de saúde
que atingem a população de mais idade estão relacionadas a problemas
cardiovasculares (Infarto, Insuficiência Cardíaca), neurológicos (Mal de Parkinson,
Mal de Alzheimer e Acidente Vascular Cerebral), respiratórios (Pneumonia, Enfisema
e Bronquite Crônica), Renais (Infecção e Retenção Urinária), bem como casos de
Diabetes, Osteoporose, variações na Pressão Arterial e níveis de Colesterol39. É
importante frisar, de acordo com estudos produzidos por aquela associação, que
estes e outros problemas de saúde exigem mais de um terço dos rendimentos das
pessoas consideradas velhas ou idosas, fato que tem sido freqüentemente alvo de
queixa destas pessoas em várias reportagens veiculadas nos meios de
comunicação.
Joana, que já retirou um nódulo do seio, narrou que já trabalhou como babá
de criança, em loja de departamentos, supermercado, creche, bar e que por um
tempo teve que parar suas atividades devido ao aparecimento da osteoporose. Nos
dias de hoje montou uma lanchonete com sua irmã e a doença lhe traz alguns
empecilhos que ela relaciona mais à realização de algumas atividades domésticas:
Eu trabalhei dois anos no Estado e depois fiquei parada, foi quando
eu botei um bar na Ponta d’Areia. Era um quiosque. Eu tive uns
problemas de saúde e parei. Até aí o Carlos me ajudava lá, o mais novo.
Aí fiquei muito tempo parada de novo, devido aos problemas de saúde.
Foi começando a aparecer osteoporose e eu fui começando a fazer
acompanhamento e tratamento. (...) A minha limitação, o que eu sinto é
devido a minha osteoporose. Eu descobri isso ai, já tá com um tempo e
eu comecei a sentir algumas dores muito anormais. Eu fui no médico, fui
na médica e contei o que eu sentia na minha ginecologista e ela pediu o
exame. Eu fiz o exame e pra minha surpresa deu. Então eu já venho
fazendo acompanhamento também dessa parte. As limitações, as únicas
que eu tenho é dessa parte aí. É, mas eu mesma gosto de fazer minhas
coisas. Sempre eu mesma gostei de lavar minha roupa. Eu nunca gostei
de máquina. Até de outras pessoas eu lavava, porque eu sempre gostei,
mas hoje eu já não posso mais. Eu lavo, não é que eu não lave, mas
coisas mais pesadas eu já sinto. Assim, varrer a casa e passar o pano eu
sinto um pouco, não é todo tempo. Eu acho que isso tem haver com o
tempo, quando a gente faz muito movimento aí eu sinto. Tem também a
39
Informação obtida no site www.sbgg.com.br. Acesso em 25 de março de 2011.
98
lavagem de roupa que eu sinto. Até aqui eu nunca quis máquina, mas aí
agora eu optei. Eu já comprei e só tá faltando instalar. O rapaz tá
fazendo até um serviço aqui pra colocar porque eu não to podendo
lavar. As roupas do dia-a-dia, mais leve, tudo bem, mas toalha de
banho, colcha, essas coisas mais pesadas, aí fica mais difícil. E eu optei
por isso. Agora o que eu mais sinto é passar o pano na casa e varrer, o
principal. É o principal! Cozinhar, como aqui é só eu, meu marido e meu
filho, não tem que passar a manhã todinha. Fazer um monte de comida,
pra um monte de gente, como eu lembro que era lá na casa da minha
mãe. Era muita gente! Aqui, como é só nos três, qualquer coisa dá,
qualquer coisa a gente come. Isso tudo não é coisa que não se possa
resolver. Sempre que eu posso chamo uma pessoa pra fazer uma faxina
e quando tem muita roupa, agora que tem muita, eu só lavo o
necessário, e se eu vejo que eu não posso, eu não forço. Eu levo pra casa
do meu filho e lavo na máquina lá. Agora que eu comprei, aqui vai ficar
mais fácil. Meu filho, qualquer coisa leva, que ele sempre passa por
aqui. Tá em rota por aqui, aí bota a sacola de roupa no carro e ele leva.
Quando chega lá a minha nora bota na máquina e depois ele traz ou
então eu vou pra lá, passo o dia e lavo por lá e volto.
Francisca também destaca algumas das operações realizadas, porém
demonstra maior preocupação com os atuais problemas cardíacos, seus exames e
consultas, como se percebe a seguir:
Fiz vesícula, fiz apendicite, fiz cesariana e não sinto nada. A única
coisa que tenho é minha glicemia, que teve alta, mas eu controlo e a
pressão, que tem quase trinta e cinco anos que eu tenho problema de
pressão. (...) Agora eu bati um Eletro [Exame eletrocardiograma] e o
médico pediu pra fazer outro, uma Cintilografia Miocárdia40. Eu tô com
medo desse exame que eu tenho que fazer. Já operei, mas com coração
a gente não brinca. A gente nunca fica tranqüilo quando o negócio é
doença. Eu fiz uma cesariana pra ter meu ultimo filho porque o médico
disse que era pra fazer Laqueadura. (...) Eu perguntei: “Doutor, essa
Laqueadura o senhor vai me corta?”. Ele disse que era um corte
pequeno, mas eu disse que se era pra cortar ele ia tirar logo meu filho.
Eu não queria sentir dor pra ter bebê e ainda fazer essa Laqueadura. Já
operei três vezes, de Apendicite, Cesariana e Vesícula. Não sinto
nadinha. Nunca senti nada de nada. (...) Aí que ele pediu pra fazer uma
Cintilografia Miocárdia. E esse exame é caro, tá R$ 2.900,00. Meu filho
ta vendo se eu ainda faço esse mês, ou no começo do outro. Nem sei
como foi dar isso porque eu sempre faço atividade. Aqui minhas
40
Exame intermediário entre o teste de esteira (ergométrico) e o cateterismo. Este exame usa uma
substância radioativa fraca chamada radioisótopo para marcar as áreas onde o sangue está
chegando com dificuldade. O marcador cintila ou emite radiação e daí vem o nome. Em umas 24
horas
o
radioisótopo
sai
do
corpo
pela
urina,
completamente.
Ver
http://www.seuamigodopeito.com/index.php?option=com_content&view=article&id=157:cintilografiamiocardica&catid=41:infarto&Itemid=63. Acesso em 21 de outubro de 2010.
99
atividades oh! Hoje nós pegamos peso. Eu tenho meu pesinho da perna e
faço tudo direitinho. Se tivesse alguma coisa eles não deixavam eu fazer
atividade, porque lá tem acompanhamento.
Rosário, por sua vez, minimiza seus problemas de saúde e nos relembra a
diferenciação dos cuidados segundo diferenças de gênero, conforme já destaquei,
exemplificando a maneira com que ela e o marido se cuidavam.
Eu não tenho essas doenças todas. Só tenho problema asmático,
senão fosse isso era uma maravilha. Eu faço tratamento, mas o meu
marido morreu porque ele fumava e bebia muito. Ele não fazia
tratamento de nada. Ele não queria, só ia na emergência e depois
acabou os cuidados pra ele. Depois ele não ia mais. Eu falava pra ele ir
se tratar, mas ele não ia. (...) Depois do último filho eu liguei 41 e fiz
períneo 42, com 36 anos. (...) Eu liguei e fiz períneo. Graças a Deus essa
operação foi muito bem feita. Hoje em dia eu vejo é muita senhora, de
70 e 80 anos, tendo problema e tendo que fazer períneo. Ou então que
já fez e que vai ter que fazer de novo porque a bexiga baixa. Eu fiz tá
com a idade do meu filho caçula, e não sinto nada. A cirurgia foi bem
feita. Esse médico foi muito bom. Eu só fiz essa cirurgia e uma no meu
pé, que eu tinha problema de joanete. Ah, uma vez também fiz uma
pequena operação de varizes, mas em nenhuma delas teve complicação.
Ela continua narrando a respeito das mudanças corporais que ocorrem com o
avançar da idade e rememora os problemas sofridos por sua mãe:
Quando ficamos velhas, o corpo da gente todo muda. Agora a
memória é que pega mais. Esquecimento todo mundo tem, mas a
memória que eu acho que me preocupa mais porque minha mãe se
esqueceu cedo. Com 73 anos ela não conhecia mais filho. Não sabia
mais de nada. Ela se esquecia. Não lembrava mais de nada, nada, nada.
A gente perguntava e ela dizia: “Não, tu que é minha mãe”. Ela morava
com meu irmão na Cohama e um dia ele percebeu. Até então ele não
tinha percebido.....Ela morava no Rio (RJ) com uma outra irmã que
morava lá e ela veio. Todo ano vinha passar férias. O último ano que ela
veio foi esse! Aí na casa dele, na Cohama, ele disse: “Mamãe, eu vou sair
e vai chegar uma pessoa com encomenda e a senhora recebe, viu”. Aí
quando a pessoa chegou e procurou, ela disse que lá não morava
41
A Laqueadura consiste, segundo Osis, Faundes e Sousa (1999), em uma técnica cirúrgica de
esterilização na qual se interrompe a comunicação na tuba uterina, com um corte ou ligamento,
impedindo a fecundação do óvulo pelo espermatozóide
42
A Perionioplastia consiste, de acordo com Amaro, Haddad e Trindade (2005), em uma técnica
cirúrgica que refaz a Musculatura do Assoalho Pélvico (MAP), local de sustentação dos órgãos
pélvicos (útero, ovários, bexiga, etc.). A função da MAP é auxiliar na continência de urina (apertando
a uretra), na função sexual (apertando a vagina) e na continência fecal (fechando o reto).
100
ninguém com aquele nome. Quando ele chegou e perguntou se tinham
ido alguém lá, ela disse que não tinha ido ninguém (Rosário).
O episódio citado nos faz refletir que os lapsos da memória podem estar
relacionados tanto a meros esquecimentos quanto a situações que são designadas
no âmbito de patologias tal como a doença conhecida por Alzheimer
43
e/ou outros
processos atribuídos à senilidade (envelhecimento das células neurológicas).
Em
seus
estudos
sobre
processos
de
lembrança,
associação
e
esquecimento, Freud (1964) entendia que este último tinha como objetivo ocultar
acontecimentos dolorosos ou indizíveis que tenham ocorrido na vida das pessoas e
que, por variadas circunstâncias, são armazenadas ao nível do inconsciente. Esta
assertiva de Freud tem certa proximidade com a noção de “memórias subterrâneas”
de Michel Pollak (1989), segundo a qual as lembranças traumatizantes são
silenciadas por longos anos, e assim permanecem até momento julgado oportuno de
serem reveladas, devido às censuras, represálias e/ou conseqüências que as
pessoas ou grupos poderiam sofrer com a sua divulgação.
Não tenho maiores fragmentos de relatos que possam revelar as causas do
esquecimento que a mãe de Rosário viveu e, assim, precisar se seria sinal do
processo de senilidade ou de Alzheimer - doença esta que nos dias de hoje se tem
maiores informações que outrora, devido às crescentes pesquisas realizadas por
profissionais da área médica. Noto que tais esquecimentos atingem diretamente a
perda de algumas referências de sua identidade ligada aos papéis de mãe, esposa,
provedora do lar e dos filhos. É importante enfatizar que os discursos médicos
procuram destacar que nem todas as pessoas consideradas velhas ou idosas
apresentarão lapsos de memória ou esquecimentos por estarem vivenciando o
processo de envelhecimento, uma vez que um fenômeno não decorre do outro.
4.3 Corpo e Padrões de Beleza
43
A Doença de Alzheimer é, segundo Aprahamian, Martinelli e Yassuda (2009), uma doença
degenerativa que atinge o sistema neurológico. Seu tratamento não leva à cura, mas visa minimizar
os sintomas. No início geralmente a perda da memória é associada à demência, mas exames mais
elaborados constatam que os sintomas são mais complexos e atingem toda a vida de seus
portadores. Maiores informações sobre a doença podem ser encontradas no site da Associação
Brasileira de Alzheimer (ABRAZ) http://www.abraz.com.br/ . Acesso em 25 de março de 2011.
101
Outros aspectos que se referem ao corpo são os cuidados com aparência
física e beleza. Tais cuidados podem ser considerados como um dos atos ou gestos
performáticos, ressaltados por Butler (2003), que elencam traços marcadores da
feminilidade em oposição à masculinidade. A seguir, Rosário e Francisca narram
alguns dos cuidados de beleza que realizam.
Agora sobre corpo... antes eu não me cuidava. Agora, depois de
idade é que eu tô me cuidando (risos). Tem uma colega da minha neta
que veio aqui e perguntou se eu tinha 70 anos, porque eu sou dura. Não
aparento!(risos). Minha neta diz que eu sou toda vaidosa! E eu passo
uma coisinha no rosto, uns cremes, um batom leve, porque eu nunca
gostei de batom forte, só mesmo pra mudar a cor. Passar um perfume
eu também gosto. Pintar meu cabelo! Desde moça que eu pinto meu
cabelo (risos). Meu cabelo era liso, liso, liso e eu dizia pra minha mãe
que queria meu cabelo crespo (risos). Ela me dizia que só se fosse com
permanente e aí fazia, só que quando saía ficava feio. Aí eu mandava
cortar e pintar (risos). Até hoje eu pinto meu cabelo. Nesse tempo, as
senhoras, como minha avó, não eram assim. Não pintava cabelo, não
vestia calça. Era difícil ver uma usando. Antes se achava ridículo, mas
hoje não. Eu acho positivo se chegar a essa idade, ou mais. (...) Antes,
quando eu era mais nova e via uma senhora de idade no ônibus, de boca
pintada eu dizia: “Meu Deus do céu! De boca pintada, nessa idade?!”. Eu
criticava muito, falava, mas agora não. Eu me pinto, pra você vê como é
as coisas! (risos). Eu ainda pinto meu cabelo, tem vezes que eu gosto de
fazer uma limpeza de rosto. Eu uso produto da Avon e da Jequiti, e
também vendo. Eu vendia tudo que era cosmético, mas agora só esses.
Então eu tô nesse meio e uso. Uso perfume, uso creme, hidratante. Isso
tudo eu uso. Eu sou vaidosa, mas tem muitas mulheres que perdem a
vaidade. Tem senhora que não gosta, fica mesmo natural. Agora eu,
desde nova, uso. Eu puxei pra minha avó. Ela morreu com 101 nos, mas
enquanto ela podia andar direito, com postura, ela andava. Ela ia pra
igreja toda arrumada. Era vestido, meia, sapato. Usava compacto, ela
gostava e usava, mas batom nem tanto. Eu não usava compacto não,
agora que eu tô usando. Agora sempre pinto meu cabelo. Eu gosto muito
de me cuidar e agora, depois de idosa, comecei a tirar minha
sobrancelha (risos). As minhas noras começam a falar: “Tira! Tira!”, mas
quando eu era nova eu nunca tirei. Eu achava feio e também meu
marido não gostava dessas coisas. Agora a minha nora chega aqui e faz
(risos). Eu tiro pra ficar mais bonita, mas é como eu disse, antes eu
achava uma senhora pintada uma coisa ridícula. Agora não! Eu gosto de
me arrumar. Gosto de usar secador. Gosto de rímel, mas só daquele
transparente. Ele é bom porque não mancha. Antes eu só gostava de
batom e rímel, mas agora eu tô usando compacto. Eu gosto muito de
tratar do meu cabelo. A mulher tem que se cuidar em qualquer idade
(Rosário).
102
Ontem a colega ligou dizendo que não ia ter aula, aí eu fui na casa
da minha irmã, aqui no Angelim, levar uma calça pra ela ajeitar. Eu tô
chegando e outra colega liga perguntando se eu não vou pra aula. Eu
estranhei porque me avisaram que não ia ter, mas na mesma hora
mandei minha irmã descer e nós pegamos o ônibus correndo. Ainda
chegamos lá pelas 15:00 horas e tava todo mundo já no auditório e as
colegas guardaram nossos lugares lá. Quando eu cheguei todo mundo
ficou me olhando porque eu fui mais arrumada né. Na verdade eu tava
indo pra casa da minha irmã, aí ligaram dizendo que ia ter aula, fui
assim mesmo. Eu sempre fui vaidosa, quer dizer, desde novinha não,
mas depois, quando eu tava já saindo com minha irmã, eu me arrumava
mesmo. Eu fazia até sinal de lápis no rosto (risos). Hum...tudo pra ficar
bonita. Eu sair de casa sem pintura e sem perfume, é a mesma coisa de
que eu tá nua, nua, nua. Tenho que sair arrumada, direitinho. Eu não
gosto de vestido, mas uso um ou outro quando me dão. Não gosto de
saia, é usando bermuda o tempo todo, ou então calça. Uso minhas
roupinhas e não to nem aí, mas menino....hum! Eu uso o que eu gosto.
Quando vou sair é usando cheia de balangandãs, mas eu gosto (risos). A
gente tem que aproveitar a vida, o resto que ainda tem porque ninguém
sabe o dia de amanhã (Francisca).
Estas mulheres citam quais são as coisas que mais lhes despertam interesse
no cuidado de seus corpos. Rosário fala sobre os produtos de beleza que utiliza e
enfatiza, principalmente, os cuidados com seus cabelos. Fala muito da vontade de
cacheá-los com permanente quando nova. Essa vontade talvez se justificasse
porque os padrões de beleza nas décadas de 1950 e 1960 eram os cabelos
cacheados, exibidos tanto pelas atrizes do cinema Hollywoodiano – como Ava
Gardner, Bete Davis, Elizabeth Taylor, Débora Kerr, Greta Garbo, Marlene Dietrich,
Grace Kelly, Rita Hayworth, quando pelas atrizes brasileiras – Laura Cardoso, Joana
Fomm, Nicete Bruno44.
Com o advento do cinema e da televisão, as normas de feminilidade
passaram cada vez mais a ser transmitidas culturalmente através do desfile
de imagens visuais padronizadas. (...), ficamos sabendo das regras
diretamente através do discurso do corpo, expressão facial, movimentos e
comportamentos que são exigidos (JAGGAR e BORDO, 1997, p.24).
Embora tais atrizes fossem mulheres brancas, o padrão de beleza que
ajudaram a construir foi transmitido às demais mulheres, independentemente da
classe social e etnia, pois mesmo que algumas mulheres não tivessem condições
financeiras que as possibilitassem irem ao cinema ou assistir televisão – cujo preço
44
Informação obtida nos sites www.c1nema.tripod.com/atrizes.htm e
www.mulheresdocinemabrasileiro.com/atrizesadecadas.htm. Acesso em 06 de abril de 2011.
103
do aparelho naquelas décadas era elevado e nem todas as pessoas tinham
condições de comprá-lo – modelos de cortes e permanentes de cabelo, vestidos e
demais acessórios da moda chegavam até elas por meio das vivências cotidianas
como, por exemplo, nas Igrejas, nas Praças e Comércios, nos contatos com outras
senhoras, possivelmente nas casas em que trabalharam.
Não posso deixar de frisar que os exemplos de atrizes cinema e televisão,
acima citados, são de mulheres brancas. Ao buscar informações sobre as atrizes
brasileiras e estrangeiras que atuavam naquele contexto, pude notar que apareciam
poucos nomes de mulheres negras. No Brasil, as atrizes negras eram Ruth de
Sousa, Léa Garcia, Chica Xavier, Neuza Borges e Zezé Motta. Internacionalmente
os destaques eram Cicely Tyson, Diahann Carroll e Dorothy Jean Dandridge. Nesse
sentido, a diminuta atuação no cinema ou na televisão não era exclusividade das
mulheres negras, pois os homens negros também participavam pouco deles.
Nacionalmente projetaram-se Grande Otelo, Milton Gonçalves, Tony Tornado e
Antônio Pitanga. A nível internacional sobressaíam-se Sidney Poitier, Morgan
Freeman, James Earl Jones e Paul Winfield45.
Nesse sentido, alguns estudiosos têm refletido sobre a pequena participação
de atores negros e atrizes negras em novelas, cinema, teatro e na mídia em geral,
como em telejornais e na publicidade. Segundo Igor Gomes (2008), os trabalhos de
maior destaque são “A Negação do Brasil: o negro na telenovela” (2000a) de Joel
Zito Araújo, a coletânea “Espelho Infiel: o negro no telejornalismo” (2004), de
Rosane Borges e Flávio Carrança, e a pesquisa “A Identidade da Personagem
Negra na Telenovela Brasileira” (1999), de Solange Martins Couceiro de Lima. Estas
análises questionam tanto a pequena participação de homens negros e de mulheres
negras na mídia, quanto os papéis estereotipados por eles vividos, o que tem levado
à invisibilidade e desvalorização dos negros na sociedade brasileira.
Jaques D’Adesky (2001) e Joel Zito de Araújo (2000b) apresentam algumas
pesquisas que levantaram o número de negros atuando nas telenovelas brasileiras
de 1960 a 1990. Estas pesquisas evidenciam quanto ínfima tem sido a participação
45
Informação obtida nos sites http://cinemetro.blogspot.com/2011/03/atores-afro-americanosganhadores-do.html, http://cinemetro.blogspot.com/2011/03/atrizes-negras-oscar-1927-2009.html e
http://veja.abril.com.br/cronologia/oscar/index.html.
Acesso em 07 de abril de 2011.
104
do negro na mídia. As exceções são novelas e filmes que abordam a temática
abolicionista, como “A Escrava Isaura” (TV Globo, 1976), “Sinhá Moça” (TV Globo,
1986 e 2006) que requisitam a atuação de atores e atrizes negros46. Quanto aos
papéis estereotipados, na maioria das vezes, os atores negros e atrizes negras
atuam em papéis subalternos fazendo personagens que são motoristas, caseiros,
babás, domésticas, bandidos, malandros e mulheres sensuais. D’Adesky (2001)
enfatiza que são raros os casos nos quais aqueles atuam como protagonistas empresários, advogados, políticos – e que a falta de talento ou de pessoal não
podem ser utilizados, generalizadamente, como argumentos de autores e/ou
produtores de filmes, novelas, telejornais e propagandas de TV, pois existem outros
fatores relacionados à atribuição de papéis secundários a atores negros e atrizes
negras.
Retomando a análise dos cuidados com sua aparência física, para aproximála dos padrões idéias de beleza, Rosário conta que hoje usa batom, rímel, pó
compacto e tira a sobrancelha, mas reflete que antes “achava ridículo e criticava” a
postura de mulheres consideradas velhas ou idosas que se pintassem com, por
exemplo, batom. Tal mudança de opinião pode decorrer da sua participação em
espaços institucionais, tais como os “grupos de idosos”, que promovem a
valorização e o estímulo das pessoas consideradas velhas ou idosas em seus
discursos, e/ou de discursos médicos que anunciam vários tratamentos cirúrgicos e
dermatológicos que minimizem ou acabem com os efeitos do processo de
envelhecimento como, por exemplo, os cremes anti-rugas ou anti-sinais,
preenchimento facial com fios de ouro ou materiais como botox ou colágeno.
Francisca conta que gosta de andar arrumada. Sua vaidade foi sendo
construída a partir do momento que foi morar com seus pais, depois que sua avó
faleceu, quando passou a andar mais com as irmãs e “despertar” para festas e
namoros. Seus cuidados com a aparência física se concentram hoje nas roupas
usadas, nos perfumes, na maquiagem e nos acessórios utilizados. Pude observar
46
De acordo com Araújo (2000b), embora algumas novelas tenham abordado conflitos raciais,
sobretudo, em relacionamentos amorosos e trabalhistas, determinados personagens sofreram
rejeição do público telespectador como, por exemplo, na primeira versão da novela “Pecado Capital”
(TV Globo, 1975), em que o ator Milton Gonçalves interpretou um psicólogo que foi censurado ao se
apaixonar por uma mulher branca, ou também na novela “A Próxima Vítima” (TV Globo, 1995), em
que uma família negra de classe média alta, formada pelos atores Antônio Pitanga, Zezé Motta,
Camila Pitanga, Lui Mendes e Norton Nascimento, residia num luxuoso condomínio na cidade de São
Paulo e era constantemente discriminada pelos vizinhos.
105
isso nos momentos que nos encontrávamos, em sua residência, pois ela sempre
teve o cuidado em usar colares e pulseiras que combinassem com o tom de sua
roupa.
Percebo, assim, que maquiagem, outros produtos de beleza, acessórios e
roupas da moda, modelos de cortes de cabelo são alguns dos recursos que foram
constituídos como sendo próprios para as mulheres, consolidando a perspectiva de
que eram assuntos dos quais somente estas deveriam se preocupar e reforçando a
concepção de uma “natureza feminina”, elemento social que envolvia características
de sedução para atrair e envolver os homens. Contemporaneamente, esta
perspectiva vem sendo modificada, sobretudo pelos homens das gerações mais
novas que já apresentam interesse frente a alguns daqueles elementos, a exemplo
de algumas reportagens transmitidas na mídia televisiva. Com isso se percebe um
pouco da flexibilização que os papéis de gênero tiveram nas últimas décadas,
embora estas duas perspectivas ainda (co)existam.
Desse modo, compreendo que a feminilidade e masculinidade são
opostamente construídas através de atributos que constituem corpos de mulheres e
de homens. Nesse sentido, problematizo a categoria corpo no intuito de
compreendê-la para além da perspectiva biológico-natural (músculos, órgãos,
tecidos e células), visualizando o contexto sócio-cultural que a engloba.
A categoria corpo vem sendo debatida por vários teóricos das Ciências
Sociais e os trabalhos de Robert Hertz, “A Preeminência da Mão Direita” (1980) e
Marcel Mauss, “A Expressão Obrigatória dos Sentimentos” (1979) e “As Técnicas
Corporais” (1974), se projetaram por perceberem que diferentes e variadas são as
técnicas de expressões utilizadas pelos corpos. Nesse sentido, David Le Breton
(2009) acrescenta que a grande contribuição dos autores contemporâneos, como
Norbert Elias (1997) e Michel Foucault (1977), foi considerar a corporeidade humana
como fenômeno social e cultural. Le Breton revisa alguns estudos históricos e
etnológicos e considera que:
O corpo parece explicar-se a si mesmo, mas nada é mais enganoso. O
corpo é socialmente construído, tanto nas suas ações sobre a cena coletiva
quanto nas teorias que explicam seu funcionamento ou nas relações que
mantém com o homem que encarna. A caracterização do corpo, longe de
ser unanimidade nas sociedades humanas, revela-se surpreendentemente
106
difícil e suscita várias questões epistemológicas. O corpo é uma falsa
evidência, não é um dado inequívoco, mas o efeito de uma elaboração
social e cultural (ibidem, p.26).
Le Breton (2009) enfatiza o aspecto da construção cultural a respeito da
noção de corpo, apresentando a multiplicidade de traços, crenças e representações
que podem ser expressos através dele e, conseqüentemente, da variabilidade de
significados que o mesmo pode ter de uma sociedade para outra ou na mesma
sociedade. Corroborando com esta, José Carlos Rodrigues (1975) acrescenta que
as técnicas e práticas corporais podem variar segundo grupos etários, étnicos, de
gênero e classe social.
Segundo Marcel Mauss (1974), as técnicas corporais estariam relacionadas
ao universo simbólico que circundam os corpos e também ao contínuo processo de
aprendizagem que é direcionado às pessoas das mais diferentes culturas, conforme
se percebe nos dois exemplos a seguir:
Reconhecemos à primeira vista um muçulmano piedoso: mesmo que ele
tenha garfo e faca nas mãos (o que é raro), fará o possível e o impossível
para servir-se apenas com a mão direita; ele não deve tocar jamais na
comida com a mão esquerda, nem em certas partes do corpo com a direita.
Para saber por que ele fez este gesto, e não aquele outro, não basta nem a
fisiologia nem a psicologia da dissimetria motriz no homem; é preciso
conhecer as tradições que lhe impuseram (ibidem, p.221).
A noção de que o dormir é algo natural é completamente inexata. Posso
dizer-lhe que a guerra ensinou-me a dormir em toda parte, sobre montes
de pedras, por exemplo, (...). O que é muito simples é que é possível
distinguir as sociedades que nada tem para dormir, salvo “a dura”, e outros
que recorrem a instrumentos. A “civilização por 15º de latitude”, de que fala
Graebner, caracteriza-se, entre outros costumes, por dormir com um banco
sob a nuca. O parapeito é muitas vezes um totem, às vezes esculpido com
figuras agachadas de homens, de animais totêmicos. Há povos de esteira e
povos sem esteira (Ásia, Oceania, uma parte da América). Há povos de
travesseiro e povos sem travesseiro. (...). Há, enfim, o sono de pé. (...). Eis
uma grande quantidade de práticas que são ao mesmo tempo técnicas
corporais e que são profundas em influências e efeitos biológicos (ibidem,
p.226).
Estes exemplos demonstram que o aspecto cultural está relacionado às
técnicas corporais. As Ciências Sociais devem compreender o corpo como estrutura
simbólica e não somente como um composto biológico, fisiológico, anatômico e
natural, conforme é anunciado pelo discurso médico ocidental. O importante é
analisar os significados culturais que o corpo pode adquirir/apresentar e não
107
cristalizar, logo de imediato, um deles como único e legítimo, pois os conhecimentos
orientais e da chamada medicina popular são outras maneiras de compreendê-lo.
O corpo não é somente uma coleção de órgãos arranjados segundo leis da
anatomia e da fisiologia. É, em primeiro lugar, uma estrutura simbólica,
superfície de projeção passível de unir as mais variadas formas culturais.
Em outras palavras, o conhecimento biomédico, conhecimento oficial das
sociedades ocidentais, é uma representação do corpo entre outras, eficaz
para as práticas que o sustenta. Tão vivas quanto aquelas, e por outros
motivos, são as medicinas ou as disciplinas que repousam em outras
visões do homem, do corpo e dos sofrimentos. (...) Conforme os espaços
culturais, o homem pode ser criatura de carne e osso comandado por leis
anatomofisiológicas; ou rede de energia como a medicina chinesa, que une
os homens ao universo que o cerca como se fosse um microcosmo; ou
animal que carrega em si todos os perigos da selva; ou parcela do cosmo
em estreita ligação com os eflúvios do meio ambiente; ou domínio predileto
para a estrada dos espíritos (LE BRETON, 2009, p.29).
Diante da variabilidade de significados associados aos corpos entre/nas
sociedades, volto à perspectiva de que os atributos imputados aos corpos de
mulheres e de homens geram traços de feminilidade e masculinidade – em esferas
opostas – que são produzidos culturalmente e não “essências” ou “naturezas”
biológicas.
4.4 Mudanças Corporais: entre experiências veladas e o conhecimento
A socialização de homens e mulheres naturaliza traços da masculinidade e
feminilidade em identidades opostas num sistema de relações heteronormativas. De
acordo com Branca Moreira Alves et al. (1980), a identidade feminina foi
caracterizada por alguns atributos, tais como timidez, docilidade, fragilidade, pureza
enquanto que a identidade masculina foi caracterizada pela coragem, tenacidade e
virilidade. Segundo as autoras, outros elementos que configuram a identidade
feminina estão atrelados ao desconhecimento a respeito da sexualidade e das
transformações corporais que acontecem com as mulheres. Nesse sentido,
sentimentos como medo, vergonha e insegurança expressariam um pouco do que
as mulheres pensariam a respeito, por exemplo, da primeira menstruação, das
experiências erótico-sexuais vividas com namorados, maridos e/ou parceiros e da
menopausa.
Tal como apontam aquelas autoras, os relatos de Joana, Rosário, Francisca e
Rosa sobre o momento de sua primeira menstruação também são marcados tanto
108
pelo desconhecimento quanto pelas recriminações e ocultações que, em geral, as
mães faziam sobre aquele momento.
Eu sempre tive assim...sempre fui muito retraída. É até um avanço
eu sair com o Sr. Luís. Outra coisa que não se falava era sobre
menstruação. Nessa época minha mãe foi muito calada. A não ser com
alguma colega que a gente falava e eu com muita vergonha de
perguntar. Eu não tinha coragem assim... e depois o pessoal podia
falar: “Essa menina tão saliente. Quer saber das coisas antes do
tempo”. Então, eu me reservava. Fiquei esperando. Menstruei com treze
anos, aí falei pra mamãe e ela disse: “Não, isso é assim mesmo. A
menina tem que ficar moça. Agora você é moça”. Aí tinha as
recomendações: “não comer isso, não comer aquilo”. Não podia comer
limão, não podia comer azedo. Era tanta coisa. Aí papai dizia: “As
mulheres lá no Ceará, quando estão nesses dias, não passam nem
debaixo de pé de Limoeiro” (risos). Depois que eu menstruei foi tudo
bem. E depois mamãe me acompanhava nos meus partos (Rosa).
Acho que foi com 15 anos que eu menstruei. Não se conversava
sobre isso não. Nada, nada. Nunca. Minha mãe não falava e meu pai,
piorou. Eu fui criada assim, sem saber nada. Meu pai até reclamava
quando minha irmã passava no corredor e dizia com raiva: “Essa é
curiosa. Quer passar só pra olhar, pra ver o que a gente tá fazendo”.
Assim que era....Lá em casa ninguém falava. Nunca vi minha mãe
beijar meu pai, nem abraçar...tudo era escondido. Sentar no colo...Ave
Maria! (risos). Nunca! No meu tempo, com meu pai, não! (...) Quando eu
menstruei eu pensava que tinha me cortado. Eu pensava que era corte e
perguntei pra uma prima minha, também naquele tempo, não sabia o
que era. Ninguém respondia quando a gente perguntava, tinham
vergonha de falar. (Rosário).
Eu acho....eu não tenho certeza, não tô lembrada, mas acho que foi
na idade de 13 anos que eu menstruei. Foi nessa faixa. (...) A minha
mãe sempre teve vergonha de contar as coisas. Conversar com a gente,
se abrir com a gente. Ninguém contava, era assim como algo
vergonhoso. Eu não sabia de nada. Eu lembro assim porque quando eu
menstruei eu não sabia nem o que é que era. Quer dizer, não sabia
entre aspas, porque eu já olhava minha mãe aqui e acolá, visto que elas
usavam panos, não era absorvente. Eu olhava e criança sempre é
curiosa e eu perguntava, mas elas não queriam nem responder o que é
que era aquilo. Quando elas respondiam, respondiam errado. Era
assim: “Ah, isso aí. Isso é meu. É que eu uso e tudo...”, mas não dizia o
que era, qual era a finalidade. Aí quando eu menstruei eu me assustei.
Eu não sabia o que é que era, mas tinha mais ou menos a idéia, já
imaginava né? A gente conversava, eu e minhas primas. Às vezes as
primas mais velhas, que menstruava primeiro, contava que nós iríamos
109
passar por isso. Porque do jeito que era minha mãe, eram minhas tias.
Sobre sexo, nem falavam. Nem podia falar sobre sexo. Se falasse já era
apanhando, era assim. Então aos poucos a gente ia descobrindo. Eu
sabia que existia a menstruação, mas eu não explorava, eu gostava era
de brincar, tomar banho em rio. E nos primeiros dias eu escondi. Eu
fiquei escondida, toda sem jeito. Depois que eu falei pra minha mãe e
ela ficava com vergonha. Ela não olhava nos meus olhos. Por isso que os
pais tinham todos os cuidados pros filhos não namorarem. Os meus
parentes anteriores eram todos analfabetos. Eles não iam pro colégio
pra não saber fazer carta pra namorar. Tinha esses cuidados todos na
época. (Joana).
Já operei três vezes, de Apendicite, Cesariana e Vesícula. Não sinto
nadinha. Nunca senti nada de nada. Da cintura pra baixo sou uma
pessoa que me cuido muito. Vou nesses médicos, faço meus preventivos,
mas não tenho nada, nada. Eu nunca senti cólica ou outra dor. Tive
quatro filhos e não senti nada. E dentro de 15 pra 16 anos que eu
menstruei. Foi perto, um pouco depois que minha avó morreu. Todo
mundo lá de casa falava pra minha avó pra ela me dar um remédio
caseiro que eu com 15 anos não tinha vindo nada. E ela não me dava,
dizia que na hora certa viria. E de lá pra cá nunca passou de três dias.
Nunca, nunca, nunca. Não sei nem o que foi cólica (risos). Quando eu
pensava que não, minha roupa já tava suja e eu me espantava: “Vixe,
já?” (risos). Agora ninguém falava nada. Minha mãe mesmo não falou.
Minha avó também, ela era uma cabocona do interior e não gostava de
falar dessas coisas. A gente acabava aprendendo era com as colegas
(Francisca).
As narrativas de Rosa, Joana, Francisca e Rosário demonstram que falar
sobre menstruação, bem como manifestar alguma curiosidade sobre a sexualidade
era um comportamento desaprovado às mulheres no contexto das décadas de 1940
e 1950. Estas mulheres contam que tinham medo de perguntar e contar que tinham
menstruado, porém o desconhecimento sobre o assunto não era total, visto que as
informações chegavam até elas observando, aqui e ali, que o mesmo acontecia
com suas mães e tias. Tinham uma breve idéia do que poderia ser, mas sempre
que perguntavam; as respostas geralmente eram evasivas. As reações das mães,
avós e tias se aproximam das assertivas de Foucault (1980) sobre maneiras
diferenciadas de falar sobre o sexo, ressaltadas anteriormente, segundo as quais “a
sexualidade é falada através de próprio ocultamento ou da utilização de metáforas
ou formas eufemísticas de abordagem” (Alves et al., 1980, p.259), por intermédio de
elementos envoltos de mistérios e segredos. Tais elementos acabaram por
110
consolidar, na construção dos papéis de gênero, ideais de pureza e inocência ao
comportamento socialmente esperado das mulheres, no que se refere às vivências
da sexualidade, como “essências” ou “naturezas” biologicamente determinadas.
Criticando esta perspectiva, Alves et al. (1980) argumentam que:
O desconhecimento, o silêncio sobre a sexualidade não é um vazio. É um
silêncio simbólico, na medida em que transmite um modelo do “ser
mulher”, um modelo de conformidade. O desconhecimento amplia o
significado dessa sexualidade feminina, enquanto uma espécie de tabu,
cercada de interdições, de regras de comportamento, de exigências, que
definem não apenas a atuação da mulher como sua própria essência, a
sua própria “natureza”. É visto como algo “natural”, próprio do
comportamento adequado à condição feminina, e, conseqüentemente,
atua como um dos elementos do poder exercido sobre a sexualidade
feminina (ibidem, p.259).
A argumentação continua a questionar a naturalização dos papéis de gênero
em:
Esse silêncio não é um silencio absoluto e nem apenas um silencio
acionado de fora para dentro. Ele é também assumido pela própria
mulher, como parte de um comportamento aprendido para a maximização
de recursos se sobrevivência numa sociedade desigual. Toda essa
aparente contradição se encaixa no jogo de sedução-recato- (...),
assegurando, nesse sentido, à mulher que o exerce, a possibilidade de
integração numa cultura que “naturaliza” a sua condição social (ibidem,
p.260).
Essas informações também poderiam ser internalizadas pelo conteúdo de
revistas destinadas às mulheres que circulavam nacionalmente na primeira metade
do século XX. Essas publicações apresentavam, entre outros assuntos, que a
sexualidade das moças solteiras e noivas era uma preocupação das famílias,
aconselhando-as a não manter contato íntimo com os rapazes a fim de conservar a
inocência sexual até o momento do matrimônio, pois estes geralmente buscavam
como esposa as moças que fossem recatadas e com uma boa moral (Bassanezi,
2007). A revista O Cruzeiro recomendava:
Evite a todo custo ficar com seu noivo (...) a sós [quando] deixam-se levar
pela onda dos instintos para lastimarem, mais tarde, pela vida toda [...]
vocês cometem o crime de roubar ao casamento sensações que lhe
pertencem correndo o risco de frustrar a vida matrimonial (O Cruzeiro, 07
de out de 1955 apud BASSANEZI, 2007, p.619)
A experiência aconselha, em benefício da moça que quer conviver com
rapazes, que conquanto tenha confiança em si mesma, nunca tenha
confiança em tal grau que a exponha a toda a prova. O amor é uma força
111
às vezes cega – é preciso andar sempre de olhos abertos para não cair (O
Cruzeiro, 24 de mai de 1958 apud BASSANEZI, 2007, p. 612).
Também se percebe que essas mensagens não abordavam o assunto
diretamente, o que encontra sintonia com as análises de Branca Moreira Alves et al.
(1980). Os eufemismos eram muito utilizados naquelas revistas, destinadas às
mulheres, para substituir palavras como sexo, relações sexuais, virgindade por
“familiaridades, intimidades, liberdades, aventuras” (BASSANEZI, 2007, p. 620).
José Carlos Rodrigues (1975) ressalta que as atitudes diante do sangue
variam culturalmente, podendo ser associado, pelos variados povos, à destruição
ou à regeneração. O autor destaca que, em algumas sociedades, as mulheres
menstruadas não poderiam tocar certos alimentos, que apodreceriam, nem praticar
atos sexuais, exercícios físicos, lavar a cabeça, andar descalças ou tomar banho
frio. Também poderiam ser segregadas, mantidas em um local separado,
acreditando-se que o encontro casual com uma delas poderia ocasionar doenças.
Entretanto, há outras sociedades em que o sangue menstrual não é evitado e nem
representa ameaça ou perigo, podendo até curar enfermidades.
As narrativas de Joana e Rosário enfatizam algumas das interdições que
foram atreladas ao sangue menstrual. Elas se referem, sobretudo, às frutas e
comportamentos que deveriam ser evitados durante o ciclo menstrual. Além disso, o
uso de ervas e chás no combate a cólicas menstruais e outras doenças ainda são
relembrados.
E tinha muita coisa que falavam, na época, que podia fazer, não
podia comer. Ah, mas era muita coisa! A gente não podia comer tanta
coisa. A minha avó, ela era muito....assim, ela dizia que entendia de
muita coisa. Ela era do tempo que tudo fazia mal. Até uma fruta, sem
ser em período de menstruação ou não, tinha problema se misturasse
com outra. Até hoje ainda tem....por exemplo, o Açaí. Quando eu tomo
Açaí eu já tenho aquela coisa de não poder comer outra coisa. Isso ainda
ficou, mas muita coisa já saiu. Já não faço mais. Algumas coisas saíram.
A gente foi aprendendo que não fazia mal, mas o açaí ficou. Eu ainda
lembro
de
Laranja,
que
era
uma
das
frutas.
Abacate,
Buriti...é...Melancia, Goiaba. Eram inúmeras frutas. Manga. Lá onde a
gente morava tinha muita Manga. Eu sempre fui louca por Manga, mas
não podia. Manga fazia mal. Todo mundo dizia que principalmente
Manga. Eu lembro que minha avó dizia assim: “Manga é pus. Não pode”
(risos). E ela fazia muito remédio caseiro. Chá de hortelã, que era pra
112
acalmar, pra má digestão....toda erva ela sabia alguma coisa. Tanto que
eu queria ficar na Fitoterapia [disciplina da UNITI], mas não deu por
causa do horário pela manhã. Ela tinha muitas ervas. Ela tinha
canteiros e mais canteiros de ervas. Todo mundo que precisava ela
sabia o que dar. A gente morava num lugarzinho e lá era pequeno e
tudo, não tinha médico, e tudo ela sabia. Ela sabia remédio pra dor de
dente, pra dor de ouvido, pra febre, remédio pra tudo, pra tudo mesmo.
O banho também. Era recomendado que a gente tomasse um banho
rápido. Não podia banhar na parte da tarde. Não queriam que molhasse
a cabeça. Tinha todos uns cuidados, assim. Eu tinha cólica e ela fazia
um chá de uma folha que eu esqueci agora (Joana).
Eu sentia dor e tomava remédio mesmo, aquele Atroveran. Às
vezes tomava Cibalena. Agora depois que eu casei acabou, não tive
mais cólicas. O povo tomava muito era chá de Aroeira. Eu ouvia falar
mais de Aroeira porque pra não engravidar. Eu nunca usei remédio
assim, como hoje, pílula, que às vezes incha, às vezes faz mal. Pílula eu
nunca usei, só a pílula contra [pílula do dia seguinte] e usei muito o
limão. Limão em jejum, purinho, sem água, sem açúcar, sem nada.
Assim que termina de ter relação, toma o limão. Isso eu tomei muito. Já
tomava casada, pra evitar filho, que eu já tinha quatro. E ele queria ter
quantos viesse. Eu que não queria porque não tinha condições
financeiras pra ter muita criança e tá sofrendo depois. Não dar médico,
um colégio adequado pra aprender. Eu dizia pra ele né: “Olha, eu não
quero”. Aí foi quando ele pensou que eu já tinha cinco, morreu uma com
20 anos e hoje tem quatro filhos. (...) Antigamente as mães da gente
não falavam dessas coisas não, parece que tinham vergonha. Eram
vergonhosas. E tinha mais, se tava menstruada, não pegava sereno,
não comia limão, nem comida gordurosa. Também não tomava banho
com água fria, e eu, pelo menos, já vim tomar banho frio depois de
muito tempo. Eu fiquei com aquilo dentro de mim e quando eu tinha
menino eu só banhava com água morna. Só depois que eu fui me
despertando, que a gente vai aprendendo e vê. Se eu não tivesse tirado
essas coisas até hoje eu era uma pessoa que não tomava banho frio!
Onde já se viu, menino? Hum, que coisa! (risos). Aí meus filhos iam
crescendo e dava logo banho neles com água fria e pronto. Não andava
descalço, naquela época. Faziam era amarrar tamanco no meu pé pra
eu não sair descalça quando tava menstruada. Diziam também que não
se passava em cima de fezes de cavalo, de boi... é, é isso tudo mesmo.
Olha, eu me lembro que quando eu tive minha filha eu passei foi
quarenta dias deitada na cama. E era só comendo pirão, pirão com
frango. Não comia feijão pra não dar coceira na cirurgia, nos pontos.
Menina, mas era tanta coisa que não podia! Meu marido ainda
conseguiu uma mulher aqui pra cuidar de mim e ela era pior do que
minha avó (risos). Não podia isso, não podia aquilo. E eu já tava era
abusada daquele pirãozinho de galinha. Era temperado só na água, no
sal e no tempero seco. (Rosário).
113
Neste trecho de narrativa, acima, Rosário nos conta que preferia tomar limão
em jejum para evitar futuras gravidezes, uma vez que já tinha quatro filhos, a usar
outro tipo de método contraceptivo, como a pílula anticoncepcional surgida na
década de 1960, evidenciando que a vivência de sua sexualidade estava
desatrelada da procriação, o que ampliava o controle sobre seu corpo e a
possibilidade de gerar filhos.
4.5 Memórias de Práticas Sexuais
No que se refere às primeiras experiências sexuais, Rosário e Joana narram
que as tiveram com namorados, situações que se distanciavam do que era
socialmente esperado das mulheres nas décadas de 1940 e 1950. No caso de
Joana, as experiências com outro namorado ocasionaram a gravidez do seu
primeiro filho. Sua narrativa ressalta que ser mãe solteira representaria uma ofensa
social e desonra para famílias daquela época. Nesse sentido, era comum as moças
esconderem a gravidez, como estratégia, para adiarem uma possível reprovação
social.
Muitas pessoas perdem a virgindade porque vê na televisão, mas
gente isso é do homem. Na lei de Deus só no casamento que é pra ter
relações. Eu tive antes, mas..... Foi com o primeiro, eu tinha 16 anos. Eu
não casei porque ele foi embora. Ah, mas meu pai quase me mata e me
batia. Foi horrível. Eu nunca fiquei grávida ou tive filho, mas quando eu
fui casar eu contei pra não dizer que eu tinha enganado. Se enganasse
era pior. Nesse tempo era ruim! Não tomei nada porque eu só fiz essa
vez mesmo. Só foi aquela relação e acabou, não vi mais ele. Também
fiquei escondida, sem falar nada (...) Depois que eu arrumei esse, que eu
contei pra ele, ele foi e contou pra minha mãe. Aí foi aberto e ele disse
que queria casar comigo, mesmo assim, que ela não se preocupasse que
eu não ia ficar prejudicada. E foram 46 anos de casado (Rosário).
Quando eu descobri que tava grávida, eu escondi. Eu passei cinco
meses grávida e escondendo. Ninguém sabia. Eu acredito que como era
a primeira gestação, eu não tinha quase barriga. E eu apertava, né.
Amarrava um pano pra ninguém saber. Aí depois ficou muito difícil pra
mim, porque o povo ia falar: “Ah, é mãe solteira. Não vai morar com o
pai do filho dela (em tom de reprovação)”. Não contei nada e quando ele
foi saber.....assim, eu morava aqui na época, que eu estudava aqui,
tava terminando o 2º grau quando eu engravidei. Terminei o colégio e o
que é que eu fiz? Eu fui embora pro interior e quando ele soube eu já
tinha tido a criança lá. Ele nunca procurou assim....e também eu não
quis mais, não quis mais....não procurei aproximação. Ele sabe,
conhece, mas eu também nunca procurei. Eu assumi. Eu trabalhava e eu
114
mesma assumi. Eu trabalhava lá mesmo no interior. Eu ganhava
pouquinho, mas dava e com a ajuda dos meus pais fui levando. (...) Eu
tive um namorado lá em Cururupu. Foi mais ou menos um ano, um ano
ou pouco mais de um ano que a gente namorou. E quando eu vim pra cá
que eu conheci o pai do meu primeiro filho. Eu tinha 16 anos quando
perdi a virgindade, mas não foi com o pai do meu filho mais velho. Foi
com o de lá [Cururupu]. Nos não chegamos a morar juntos. Naquela
época ninguém conversava, era cheio de dúvidas. É como eu falei, a
gente tinha até medo de tocar no assunto. A gente não tinha orientação
nenhuma. Falar nisso aí era...sobre relações....não se tinha nem
conhecimento. Naquela época era um problema ser mãe solteira. Tinha
muito problema, e como tinha! Por isso que os pais tinham tantos
cuidados. Depois que ele nasceu foi muito bem acolhido por eles. Eles
acolheram ele e eu sempre trabalhando e não deixava nada faltar.
Quando eu voltei pra cá eles não quiseram deixar ele vir comigo. Aí
minha irmã já morava aqui e eu vim morar com ela e trabalhar
(Joana).
Percebe-se que Joana e Rosário tiveram experiências que burlaram o que era
considerado como comportamento normativo naquele contexto, conforme apontado
por Carla Bassanezi (2007) - mulheres deveriam preservar a virgindade e evitar
encontros e/ou relações mais íntimas até o casamento, pois este que legitimava o
exercício da sexualidade às mulheres. Nas narrativas destas mulheres sobressaem
a desinformação e o desconhecimento sobre a sexualidade. No entanto,percebe-se
que o silêncio – estratégia usada para ocultar aqueles encontros mais íntimos com
namorados - também é bastante significativo na medida em que a “descoberta”
poderia gerar repressão social.
As reações do pai de Rosário e do seu futuro marido, que contou à família de
Rosário o ocorrido e, por isso, poderia desistir de casar com ela, refletem os
descontentamentos diante da perda da virgindade, pois as mulheres que
apresentassem um comportamento considerado ousado, como ter relações sexuais
antes do casamento ou conversar sobre assuntos considerados como da intimidade,
na maioria das vezes, seriam denominadas de “fáceis”, “galinhas” ou “biscates”.
Leila Diniz foi um exemplo de mulher que na década de 1960 teve uma conduta de
vida destoante do que delas era esperado: ingenuidade, castidade, passividade.
Segundo Miriam Goldemberg (2008), esta atriz, nascida em 1945, foi
repreendida socialmente por ter uma conduta considerada ousada para a época, por
exemplo, unindo-se maritalmente com um diretor de Teatro (relação que não era
115
legitimada pelo casamento) e relacionando-se, em outra ocasião, com dois homens
ao mesmo tempo (um deles já casado). No entanto, a autora ressalta que se por um
lado Leila Diniz “escandalizou” a sociedade brasileira por ser “revolucionária,
corajosa, transgressora, imprevisível, escandalosa” (ibidem, p.54), por outro
representou um modelo de mulher que rompeu com padrões sociais que
estipulavam às mulheres a submissão e dedicação ao marido, lar e filhos como
destino. Nesse sentido, as narrativas de Rosa e Rosário também ressaltam que os
padrões idealizados para os papéis de gênero eram bem demarcados e que “a vida
das mulheres”, nas décadas de 1950 e 1960, exigia sacrifícios e dedicações ao
casamento, bem como condutas que não fossem reprovadas socialmente.
Uma mulher....na minha época uma mulher separada ela ficava
recriminada. Inclusive meu avô ensinava pra mim assim: “Minha filha,
uma moça é uma louça fina. Toda mancha pega! Uma mulher casada é
uma louça mais fina ainda! Nela é que pega mancha; porque ela já tem
a família dela e qualquer coisa que ela fizer de errado, ela é caluniada,
ela é comprometida. E uma mulher viúva, ou mulher separada, essa sim
que tem que ser cuidadosa pra evitar as más línguas, os falatórios!”.
Quer dizer, em todas as circunstâncias a mulher é maculada. Naquele
tempo era muito mais! Hoje não, as pessoas já tem sua independência
de cuidar da sua vida, mas naquele tempo ela tinha que se anular. Se
era esposa tinha que ser submissa mesmo. Se era solteira tinha que
andar na linha. Se era viúva ela tinha que se comportar. Ou
então....porque a moça então, essa tinha que andar direitinho. Pra
evitar os falatórios, sabe....as más línguas. Os homens sempre foram
livres! Homem podia cair e levantar que era a mesma coisa. Isso que se
dizia: “Homem pode cair e levantar que é a mesma coisa”. Mulher é
diferente, se cair mostra o que tem. (risos). Pra você ver que naquela
época pras moças era uma dificuldade, porque os rapazes sempre se
entrosam em todas (Rosa).
A vida de mulher casada naquela época era mais difícil porque
minha mãe queria pra ela ficar com ele até o fim. “Você arrumou, você
procurou, agora você vai ficar!”. Eles separavam e voltavam,
separavam e voltavam. E minha mãe que fazia ela voltar e ela dizia:
“Olha minha mãe, eu tive esse outro filho por causa da senhora”. Nesse
tempo era mais difícil. Porque a pessoa quando casava não era pra
separar. Era pra ficar até o fim, como minha mãe. Minha mãe, quando
ela casou, aliás, não foi nem minha mãe, foi minha avó. Ela era morena
e ela arrumou um claro e nenhum dos dois sabiam ler. Ela (avó) fugiu,
que ele (avô) levou ela pra casa dos pais dele e os pais dele disseram: “É
com essa preta que tu vai casar?” Ela ouviu. Eles não disseram na frente
dela, mas ela ouviu. Ela sentiu vontade de sair de lá. Nesse tempo, que
116
ela não era mais nova também, teve que aturar. Ela ficou, casou, teve
12 filhos, e ele também era de muita mulher na rua. Largou ela com os
12 filhos e aí que ela foi trabalhar. Criou os filhos fazendo bolo e
botava eles pra vender, e ele na rua com as mulheres. E ele dizia que
não botava nenhum pra estudar porque ele não ia botar pra as filhas
escrever carta pra namorado. Aí minha avó, depois que meu avô largou
ela, ela botou todos os filhos pra estudar. Ela criou sozinha e se
arrependeu de ter fugido com ele. Depois de muito tempo, ele ainda ia
lá visitar e ela já tinha arrumado um namorado. Naquele tempo as
famílias eram grandes. A avó do meu marido teve 21 filhos. Vinte
homens e uma mulher. 21 filhos....E ela era parteira (Rosário).
Por outro lado, seguindo os conselhos e normas sociais daquela época, Rosa
e Francisca contam que tiveram suas primeiras experiências sexuais após o
casamento, com rapazes que se tornaram seus maridos. A desinformação e o
desconhecimento sobre a vida de casada foram registrados, sobretudo, na narrativa
de Rosa. As diferenças sociais e de idade, entre ela e o futuro marido, ainda são
relembrados como possíveis empecilhos à união do casal.
(...) Casei logo. Foi rápido, dois meses. Namorei, noivei e casei. Eu
tinha umas paquerinhas de longe, de longe na época, mas minha filha
esse aí foi meu primeiro homem fixo, com que eu perdi a virgindade,
com ele que eu casei, com ele tive meus filhos. E tô aqui, ano que vem, o
outro, tô fazendo quarenta anos de casada (Rosário).
Eu trabalhava na loja que era dele. Eu era balconista, comerciária.
Na época, eu trabalhava lá e ele era solteiro. A gente teve um namoro e
eu tinha muito medo, justamente, da língua do povo. Isso me
comprometia muito, porque eu tinha medo. (...) Agora desde que ele
chegou em Santa Inês, tinha aquele flertezinho, aquele namorico.
Depois que eu fui pra loja dele ficou mais sério e eu fiquei com medo. Eu
tinha medo de me casar e não dar certo. Aí eu tinha medo. Porque
ele...a nossa diferença de nível, e ele um homem já maduro e eu uma
menina muito jovem e não tinha conhecimento de nada. Assim, era
muito....precisava de mais conhecimento mesmo. Eu não conhecia nada
da vida. Não tive orientação, não sabia fazer. Não tive....[pausa].
Relações sexuais era um outro assunto que a mãe da gente não falava.
Moçinha não tinha que saber. Por isso eu era muito ingênua quando me
casei. Não tinha conhecimento de nada. Depois, lendo, que eu vi
algumas coisas (Rosa).
4.5.1 Desejo e Prazer em Práticas Sexuais
117
Ao falar que tinha medo que a união não desse certo, Rosa ressalta sua
preocupação com a falta de conhecimento e orientação sobre o exercício das
práticas sexuais. A ingenuidade que é registrada em seu relato constitui como um
dos atributos que são estipulados à conduta das mulheres frente ao exercício da
sexualidade. Na divisão dos papéis de gênero exigia-se, segundo Branca Moreira
Alves et al. (1980), que elas fossem castas, passivas e inibidas sexualmente para
que os homens as envolvessem e conduzissem nos jogos de prazer e sedução.
Desse modo, Rosa e Joana continuam registrando a “falta de conhecimento” e
“’vergonha” ao narrarem como eram os encontros íntimos com seus maridos:
Eu fiquei viúva de marido vivo, durante muito tempo. O Fernando
fumava muito, bebia muito e por ser mais velho do que eu, ele perdeu a
atividade sexual, ele brochava. Aí ele ficava chateado, mas eu sempre
dizia que não tinha nada não, que não era a principal coisa, quando na
verdade é! É uma das principais, mas pra mim ajudá-lo pra ele não cair
em depressão eu ajudava. Na cabeça dele ele queria, mas o membro
não ajudava. Aí não realizava. E nisso passou foi muito tempo. Quando
ele morreu, já fazia muito tempo que a gente era irmão. Que não tinha
mais...da parte dele não tinha. E eu me conformava e acho que também
não tinha vontade. Eu não sentia prazer. Não sabia o que era orgasmo.
Só fui saber dessas coisas bem depois, lendo, conversando com as
amigas. No começo ele que ajudava, mas eu ficava muito acanhada.
Muito, muito, muito. Pra te ser sincera, nunca tomei banho junto com
ele. Nunca fiquei despida na frente dele, pelada. Sempre foi assim
reservado. Naquele momento e pronto. Ali, era sem luz. Era tudo sem
intimidade. Ele não era assim carinhoso, como eu vejo o povo falando.
Às vezes era brusco, muito avançado, mas aí terminava e não era
assim de ter aquele carinho, como eu vejo sobre o preparo, as
preliminares. Eu leio muito sobre isso. Eu olho hoje que passou tanto
tempo e ficou por isso (risos). Agora que eu já tenho o conhecimento e
tudo, só falta experimentar mesmo e saber (risos) (Rosa).
Antes eu também não procurava meu marido. Antes eu não
procurava. Eu achava que aquilo era vergonhoso, porque eu fui
ensinada assim: “Que o homem que tinha que procurar a mulher”.
Então era vergonhoso se uma mulher procurasse o marido! Era
assanhamento! Era isso, era aquilo. Então eu não procurava porque eu
tinha vergonha. Depois, um dia, ele perguntou pra mim porque eu não
procurava ele. Ele chegou e perguntou pra mim se eu não sentia
vontade? Foi aí que eu me abri. Eu disse que sentia, mas tinha
vergonha. Ele disse que eu não devia sentir vergonha. Ai que mudou,
melhorou. Antes eu não tinha coragem de chegar e tomar a iniciativa.
Eu tinha que esperar. Eu achava que era assim, que tinha que ser
assim. Porque eu fui ensinada assim. Eu não falava nada. Hoje já
mudou. Hoje eu aprendi que a gente tem que falar o que gosta, o que
118
agrada, que dá prazer. Tem que dizer o que a gente acha, o que a
gente gosta. Hoje em dia tudo é diferente. A gente vê na televisão, a
gente lê. Eu gosto muito de ler. Às vezes vejo alguma entrevista. É bom
se informar e saber mais (Joana).
Estes trechos de relatos registram que estas mulheres foram socializadas de
modo que não revelassem preferências e/ou desgostos nos encontros íntimos e nem
demonstrassem interesse pelas práticas sexuais comportando-se de maneira
considerada ousada, naquele contexto, ao “procurarem os maridos”. No entanto,
ainda é possível perceber uma flexibilização nos papéis de gênero na medida em
que Joana conta que seu comportamento modificou-se e hoje já toma iniciativa e
conversa sobre as suas preferências nas práticas sexuais com seu marido. Rosa,
assim como Joana, ainda narram que adquirram mais informações sobre assuntos
considerados como da “intimidade” lendo revistas e assistindo matérias exibidas na
mídia televisiva.
Outro aspecto que cada vez mais se faz presentes cotidianamente são os
discursos que incentivam o exercício da sexualidade às pessoas consideradas
velhas ou idosas através de jornais impressos, revistas especializadas e reportagens
de TV. A Gerontologia tem empreendido esforços no sentido de incentivar a
sexualidade daqueles que são considerados velhos ou idosos e, sobretudo, refletir
sobre a concepção de que a vida sexual acaba com o avançar da idade.
As análises de Robert Butler e Myrna Lewis (1985) e Ricardo Iacub (2007)
indicam que o desejo e prazer não acabam com o passar da idade e que o assunto
é muitas vezes abordado com piadas ou brincadeiras. Isto foi percebido quando
Francisca narrou que o fato de pedir um preservativo, para realizar um exame
preventivo marcado pela sua ginecologista, provocou riso e, sobretudo, reação de
surpresa e susto em seu filho e esposo. Iacub (2007) ressalta que reações
semelhantes ou de desaprovação podem ocorrer às pessoas consideradas velhas
ou idosas que manifestarem desejo sexual, que muitas vezes são rotuladas como
“velha tarada/velho tarado”, “velha safada/velho safado” ou “velha depravada/velho
depravado”, tal como também ressalta Simone de Beauvoir:
Se os velhos manifestam os mesmos desejos, os mesmos sentimentos, as
mesmas reivindicações que os jovens, eles escandalizam; neles o amor, o
ciúme, parecem odiosos ou ridículos, a sexualidade repugnante, a
violência irrisória. Devem dar o exemplo de todas as virtudes. (...) A
119
imagem sublimada deles mesmos que lhes é proposta é a do sábio
aureolado de cabelos brancos, rico de experiência e venerável. Se dela se
afastam, caem no outro extremo: a imagem que se opõe à primeira é a do
velho louco que caduca e delira e de quem as crianças zombam
(BEAUVOIR, 1990, p.10).
Como se percebe, as práticas sociais desaprovam, muitas vezes, que as
pessoas consideradas velhas ou idosas exerçam sua sexualidade, como se
somente os jovens e adultos pudessem exercê-la. Butler e Lewis (1985) ressaltam
que as mulheres consideradas velhas ou idosas podem ser mais repreendidas
socialmente ao manifestarem desejos ou interesses por práticas sexuais do que os
homens considerados velhos ou idosos, porque estes são estimulados, desde a
infância, a terem muitas parceiras e grandes desempenhos sexuais. Estes modos
de comportamento confirmam, mais uma vez, os padrões idealizados para os
distintos papéis de gênero em “atos performativos”, constantemente reiterados
socialmente, como fora apontado por Judith Butler (2003) e Branca Moreira Alves et
al. (1980).
A partir de estudos gerontológicos, Ricardo Iacub (2007, p.153) destaca que
apesar de alguns estereótipos como, por exemplo, “a sexualidade não é importante
na velhice”, “a prática sexual não é considerada normal nessa etapa da vida”,
“pessoas mais velhas que enviuvarem não deveriam ser incentivadas a casar
novamente” e etc., sexualidade e envelhecimento não se excluem.
Os trechos de relatos de Rosário e Rosa, a seguir, registram que a falta do
prazer e o anseio pela satisfação sexual perpassam suas vivências. Elas ressaltam
a existência do desejo na velhice, rompendo com uma daquelas noções que
atrelam o seu fim às situações como, por exemplo, a viuvez ou separação conjugal
em idade avançada.
Meu marido morreu há quatro anos e até minha nora perguntou se
eu não sentia falta daquilo. Eu disse eu às vezes me lembro, dá saudade
dele também, mas dá pra passar, dá pra passar. Vai fazer 4 anos dia
25 de setembro. Por exemplo, lá no GEN tem muitas que ainda tem
marido, mas tem outras que querem encontrar um. Tem umas bem
assanhadinhas (risos). Viúva lá parece que só tem eu e mais duas. O
resto é casada, mas ninguém fala. Só assim quando surge uma
brincadeira (...) Às vezes eu penso em arrumar outra pessoa. Tem até
uma prima do meu marido que mora no Angelim e ela me disse pra
botar na internet, que já apareceu um pra ela, mas eu disse que não. A
120
gente vê tanta coisa estranha acontecendo por aí né? E eu até falei pro
meu filho, mas ele disse que na internet não, que tinha perigo, mas ele
não vê problema se eu encontrar outra pessoa. Se eu quiser, eu sou
livre! Às vezes sinto falta de ter relação. Não é todo dia, igual quando
era jovem, mas sinto. Até minha nora perguntou (risos). Eu não vou
mentir. A gente se lembra como era, mas aí a gente supera. Meu
marido era muito carinhoso, aí isso facilitava, mas às vezes ele até se
zangava porque eu não queria. Eu dizia que tava com dor de cabeça e
ele ameaçava procurar outra mulher, mas ele nunca foi (risos). Passou
esses anos tudinho comigo. Ele dizia isso só na hora que tava zangado.
Sabe como é homem, né? É mesmo como um animal quando quer e a
gente não quer. Meu filho e a mulher dele também são assim. Ela chega
aqui de manhã e diz: “Dona Rosário, ele tá com raiva de mim porque eu
não quis fazer aquilo ontem”. Eu me acabo de sorrir! (risos). Eles ficam
zangado (risos). E assim que era meu marido também, ficava zangado e
até mal, às vezes, comigo. Tem que ser na hora que eles querem, mas
nem sempre a gente tá disposta né? Só que eles não querem saber. Eu
falava muito que não tava com vontade porque tava com dor de
cabeça. (Rosário).
Uma colega minha, ela disse: “Dona Rosa, porque a senhora não
arranja namorado?” Eu digo: “Luiza, eu não sei”. Ela diz: “A senhora é
nova, é bonita”. Eu disse: “Luíza, não sei por quê!”. Ela diz que eu não sei
olhar pros lados (risos). Eu até brinco: “Olha Luíza, eu não aprendi a
olhar pros lados” (risos). Porque eu sempre vivi em função da minha
família. Eu viajava, eu trabalhava, mas sempre meu plano, meu foco,
era meu marido e meus filhos. (...) Depois que eu fiquei viúva eu não
tive mais companheiro, mas eu acho que é muito válido encontrar uma
pessoa ainda. A gente sente falta de ter relações. A mulher que disser
que ela não sente, ela não está falando a verdade! Porque faz falta. É
necessário. Agora, se a gente não tem, como eu não tenho, disposição
de sair, de procurar fica mais difícil. Minha amiga diz: “Rosa, tu não
acha porque tu só fica em casa. Tu não vai pra lugar nenhum. Só vai
pra Igreja, onde não tem. Só tem os que já são tudo casado. O que é
que tu quer? Vai pra outra Igreja!” (risos). A gente sente falta mesmo,
porque a mulher sempre se sente...sente necessidade e também de
proteção. Eu gosto muito de ler sobre esse assunto. Eu acho que é muito
positiva, que é necessária. É uma necessidade. Sinto falta, sinto. Agora
mesmo, semana passada, uma amiga me disse: “Tem um senhor que a
senhora tem que conhecer lá à Igreja”. Aí eu fico me perguntando: “Eu
não tenho coragem de sair e ir lá só com esse propósito”. Eu vou falar
com ela pra ver se ele tem um e-mail, aí mando uma mensagem. Aí eu
tenho coragem de me comunicar, de conversar, marcar alguma coisa,
um encontro. (...) Se ela pegar o telefone dele eu tenho coragem de
telefonar, me apresentar e marcar, se ele tiver interessado em
conversar. (...) Meus filhos acham que eu tenho razão de encontrar
alguém. Só que tem que ser um alguém especial (risos). Só que não pode
121
ser qualquer um (risos). E isso eu tenho certeza que Deus está
reservando pra mim (Rosa).
Nestes trechos, acima, Rosa e Rosário também registram que os assuntos
considerados da “intimidade” são abordados, mesmo que tímida e superficialmente,
pelos grupos sociais com os quais mantém algum tipo de relação, tal como
familiares, amigos e os espaços dos “grupos de idosos”. Estas mulheres também
ressaltam o anseio por novas parcerias amorosas e/ou conjugais. Elas exemplificam
que outras mulheres consideradas velhas ou idosas, com as quais tem parentesco,
já tiveram outros relacionamentos e, do mesmo modo, as incentivam a “encontrar
uma pessoa”. As conversas destacam, sobretudo, que os jogos de sedução podem
envolver técnicas consideradas mais conservadores, como a paquera, quanto pelo
uso da tecnologia, como a internet e o telefone.
Rosa e Rosário ainda contam como tem sido a paquera e os jogos de
sedução depois que enviuvaram. Ao avaliarem se estas relações tornar-se-ão
“compromissos”, projetam expectativas sem deixar de levar em conta o que foi
vivenciado em seus casamentos anteriores. Angústias, alegrias, tristezas, percalços
e aborrecimentos sempre são rememorados ao longo das narrativas e, de certa
forma, acabam auxiliando nas escolhas por alguém “do seu nível”. Suas escolhas
ainda se ancoram em valores religiosos, pois enfatizam que as futuras uniões “terão
que ser abençoadas por Deus”, conforme se nota a seguir:
Agora tem que aparecer alguém do meu nível. A minha irmã tem
um namorado. Ela tem 75 anos e também é viúva. Ela já teve um, dois,
e esse agora é até Peruano, é idoso também. Ela disse que é boa pessoa,
que ela quer ter alguém pra passear, dançar e ela perguntou: “Minha
irmã, tu não sente falta?” Eu digo que às vezes, mas até agora não
apareceu (risos). Aqui na rua tem dois aí, mas não sei....Já mostraram
interesse, mas a família de um é muito problemática. (...) O outro veio
até aqui falar com meu filho (risos), mas na hora não teve coragem. Aí
ele disse pra minha neta: “Ah, eu fiquei com vergonha”, mas ele não
veio. Se aparecer e for uma boa companhia, que goste de Igreja, vá pra
Igreja também, ter a união abençoada por Deus, porque eu vou muito à
Igreja (Rosário).
Eu tenho um amigo, inclusive ele é da UNITI. Ele é viúvo. A gente
sempre se encontra. Ele me convida pra almoçar, a gente conversa. (...)
É uma pessoa muito bacana, mas a gente tem que respeitar. E a gente
122
se conheceu, foi uma amiga minha. Uma amiga nossa, minha e dele, ela
era muito amiga da esposa dele e me apresentou por telefone. Não sei
como eu perguntei e ela disse: “Ah, vou te apresentar Sr. Luís”. E eu
disse: “Tudo bem”. Ela me deu o telefone dele e eu liguei várias vezes até
que um dia ele ligou e tudo. Ficamos de nos encontrar, conversar. E
nisso, realmente nos encontramos. Foi uma alegria muito grande. Eu
achei ele muito bacana. (...) Ele me convida pra jantar, me convida pra
almoçar, mas a gente fica nessa de amizade mesmo. Por enquanto, né?
Tô reaprendendo a namorar (risos). Ultimamente ele tá assim até mais
aberto, né. Diz: “Olha, você tem que ter paciência comigo”. E quem sabe
um dia vai dar certo! Pode ser. Eu espero! Ele é uma pessoa muito
especial, realmente. Ele é bonitão. É um charmoso. É um “gatoso”
mesmo. É muito bonito (risos). Agora ele me tem uma consideração
muito especial. Quando ele passa por lá, pelo corredor da UNITI, ele diz:
“Tô com saudade do abraço”. Ele é meio encabulado nessas horas
(risos). Ele ficou numa turma e eu na outra, mas a gente se comunica
muito. Eu ligo pra ele, ele me telefona, passa mensagem, mas tá nesse
nível. Eu tenho uma esperança. Vamos ver o que é que Deus tem
preparado (Rosa).
Outro elemento que se percebe nestes relatos é a preocupação que o futuro
parceiro amoroso/conjugal agrade e seja aceito pelos familiares. Seja por situação
de viuvez ou de separação, Ricardo Iacub (2007), Robert Butler e Myrna Lewis
(1985) destacam que as algumas das novas parcerias conjugais, almejadas pelas
pessoas consideradas velhas ou idosas, encontram entraves que se referem tanto à
aceitação social, sobretudo, à aceitação familiar. Para estes autores, as
preocupações
familiares
se
direcionam
para
os
novos
envolvimentos
amorosos/conjugais, sobretudo quando estes envolvem questões de bens e
patrimônios materiais possuídos por pessoas consideradas velhas ou idosas. Esta
preocupação pode ou não estar atrelada ao fator idade/geração; o que pode
suscitar o questionamento a respeito dos interesses que estariam ocultos e/ou
dissimulados na nova parceria amorosa/conjugal.
A mídia é um dos instrumentos que, direta ou indiretamente, tem colocado
em evidência algumas das questões relativas à “intimidade” das pessoas
consideradas velhas ou idosas, através de novelas, programas de TV e
propagandas publicitárias.
123
A novela “Sete Pecados” (TV Globo, 2007), abordou o reencontro amoroso
de Julieta e Romeu, casal que havia namorado no passado e que após muitas
décadas separados retomam o relacionamento. A união do casal, que foi
interpretado por Nicete Bruno e Ary Fontoura, foi rejeitada pelo filho dela. Este
argumentava que sua mãe deveria manter a viuvez a fim de honrar a memória do
pai. Para impedir que o casal se unisse, utilizou de várias estratégias, inclusive
internando sua mãe em uma casa de repouso para pessoas consideradas velhas
ou idosas. O filho só permite a união daquele casal depois de descobrir que o
pretendente de sua mãe era um homem rico.
Figura 1 – Julieta e Romeu, Novela Sete Pecados (TV Globo, 2007)
Fonte: www.globo.com/setepecados Acesso em: 06 de maio de 2011.
O programa semanal “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010) foi uma
comédia em que a atriz Arlete Sales interpretou Copélia, uma mulher considerada
velha ou idosa que destoava do modelo de avó que se preocupava com a família e
com o lar. Copélia era uma mulher que gostava de andar com roupas da moda e
bem maquiada. Interessava-se por festas, boates, namoros ou “ficas” com rapazes
mais novos, às vezes até “deixava no ar” alguns envolvimentos amorosos/sexuais
com outras mulheres. O comportamento de Copélia “escandalizava” os moradores
do condomínio e seus familiares. Sempre que Copélia retornava para casa depois
de passar noites, e até mesmo dias, fora de casa se divertindo, seus familiares se
mostravam preocupados e questionavam seu paradeiro. As respostas, que ficaram
conhecidas na forma do “bordão”: “Prefiro Não Comentar!”, incitavam muitas
gargalhadas.
124
Figura 2 – Copélia, Seriado “Toma Lá, Dá Cá” (TV Globo, 2007-2010).
Fonte: www.globo.com/tomaladaca Acesso em: 06 de maio de 2011.
Arlete Sales concedeu uma entrevista à Revista da TV, Editora Globo, de 1º
de abril de 2010, na qual comentou, dentre outras questões, sobre a personagem
Copélia. A atriz ressaltou, naquela ocasião, que ficou preocupada de “chocar” o
público por interpretar uma mulher considerada velha ou idosa “fogosa”, tal como se
nota:
Arlete Sales – “Tive medo de aceitar o papel porque achei que poderia
causar estranheza no público, por ser uma mulher muito livre
sexualmente. E a sexualidade é um lado que causa muito medo nas
pessoas. Pensei: ‘Será que ela vai chocar, principalmente as pessoas de
mais idade?’ Aí veio a surpresa: ‘Quem mais aceitou a Copélia foram
essas pessoas!’ Confesso que fiquei receosa de ela ser rejeitada por falar
tanto em sexo, que é um assunto escondido em véus” (ANTUNES,
REVISTA DA TV, p. 27, 2007).
A aceitação da personagem Copélia talvez decorra do viés cômico que o
autor pede à intérprete Arlete Sales, ou também do horário de exibição da série,
depois das 22:00 horas. É importante lembrar que o fator “horário de exibição”
estipula, de certa forma, a faixa etária dos telespectadores da série associando a
indicação de idade, 14 anos, às temáticas abordadas em cada episódio.
125
Outro exemplo é o da propaganda publicitária da “Havaianas”, marca de
chinelos. O comercial de TV (Figura 2) aborda formas contemporâneas de relações
amorosas/conjugais em um almoço, entre avó e neta, em um restaurante refinado.
Figura 3 – Avó e neta, Comercial “Havaianas Fit” (04.09.2009)
Fonte: www.havaianas.com Acesso em: 22.09.2009.
A entrada do ator Cauã Reymond, no mesmo restaurante, suscita o diálogo
que transcrevo a seguir:
- Avó: Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você!
- Neta: Ah, mas deve ser muito chato casar com um famoso, né?
- Avó: Quem falou em casamento? Eu tô falando de sexo!
- Neta: Vó!?
- Avó: E depois eu é que sou a atrasada? (risos).
126
O espanto causado na neta certamente decorre da exposição de ideias
consideradas “modernas”. Alguns telespectadores também devem ter sentido a
mesma reação, pois este comercial de TV permaneceu no “ar” por dezessete dias.
A veiculação, principalmente em horário comercial, e a mensagem
transmitida pela atriz que interpretou a avó - que registrou e apoiou encontros
erótico/sexuais ocasionais entre as pessoas sem que estas tenham algum tipo de
“compromisso”, como namoro, noivado ou casamento, que os legitimem – podem
ter sidos alguns dos fatores que tenham ocasionado a suspensão do comercial. A
gravação de outro comercial (Figura 3), como nota de esclarecimento, com a
mesma atriz que interpretou a avó, explicou que o mesmo foi retirado de
apresentação porque algumas pessoas se sentiram incomodadas com as
mensagens transmitidas e reclamaram da propaganda. No entanto, ainda destacou
que o mesmo poderia ser visto no endereço eletrônico das “Havaianas”, marca de
chinelos, por aquelas outras pessoas que gostaram da propaganda.
Figura 4 – Avó, Remake Comercial “Havaianas Fit” (21.09.2009).
Fonte: www.havaianas.com Acesso em: 22.09.2009.
Estes exemplos de novelas, programas de TV e propagandas publicitárias
destacam que a abordagem de assuntos considerados da “intimidade”, dos
relacionamentos amorosos/conjugais, bem como do exercício da sexualidade
envolvendo pessoas consideradas velhas ou idosas são recebidas pelo público
tanto com incentivos quanto com recriminações, mas o importante é frisar que os
127
meios de comunicação os colocam em evidência e discussão. Além dos programas
de
televisão,
algumas
publicações
impressas
como
jornais
e
revistas,
especializadas ou não nas áreas da Gerontologia e Geriatria, também abordam
aquelas questões, como foi registrado por Joana e Rosa, anteriormente, e por
Francisca, a seguir:
(...) Hoje a gente vê tudo na televisão. Outro dia mesmo, aí no
Globo Repórter, falaram sobre isso. Tem velho de setenta anos aí em
forma, namorando, saindo. E as velhas também, mas tá certo que não é
mais como antigamente, fazendo todo dia, ou um dia sim e um dia não,
mas isso aí ainda rola, como dizem por aí (risos). É assim, nós tamos
vivos e temo vontade. Mudou e muda tudo, é a idade. Eu já tenho
sessenta e três anos e meu marido tem sessenta e oito anos, mas a
gente ainda tem vontade, ainda tá vivo. Hum..aqui ainda não morreu
nada, sempre sentindo prazer, e ele procurando me agradar, mas
menino...graças a Deus tá tudo vivo ainda (risos). Essa colega minha
aqui diz que o marido dela não quer mais saber dessas coisas, que ele
chama ela até de irmã. O bichinho não faz mais nada. Ele é da idade do
meu marido, mas tá quebrado porque ele já foi mais mulherengo de que
o meu. Agora ela, ela tem sessenta e sete anos, e diz que tá bem com
uns três anos que ele não quer saber de nada. Eu digo pra ela que desse
jeito ela vai ficar morta (risos). Isso Deus botou na gente pra gente se
espertar, aproveitar enquanto ainda pode que depois, mais velho, que
não vai fazer. Que negócio é esse de ficar um olhando pra cara do outro
e não fazer nada? Onde já se viu. Não, mas menino...! Sabe o que é isso
também? Eu acho assim, que a pessoa, veja no meu caso, claro que meu
marido me procurando, eu tenho que servir ele, porque isso aí faz
parte. Eu digo que eu sou mais assim ativa porque eu não me entrego
(Francisca).
Hoje eu vejo que os idosos tem que namorar, aproveitar também.
O povo pensa que porque está velho não pode namorar. Não. Isso aí
tudo mudou hoje em dia. Quantos deixaram de namorar, na terceira
idade, só de ouvir outras pessoas dizer que não podia mais. “Ah, não
faz mais nada”. Aí aquilo vai morrendo, vai parando e hoje em dia a
gente vê que não é assim. A gente já sabe que é até bom pra própria
saúde da gente. É bom pro bem estar. É falado muito lá na UNITI, mas
nós não tivemos aula diretamente sobre esse assunto. É falado sempre.
Pra algumas pessoas tem problema de falar disso. Tem algumas
pessoas, eu até acredito, que devido à criação. A maioria teve uma
criação mais rígida e tem dificuldade pra conversar, mas eu acredito
que mudou e tem muita gente que já tem outros pensamentos. Eu ainda
tenho relações com meu marido. Sinto prazer e tudo, mas quando eu
comecei a entrar na menopausa, com 42 anos, eu tive dificuldade. Eu
tinha a dificuldade porque o prazer era mais difícil. Porque eu sentia
que, no caso, a vagina da gente fica muito ressecada. [Pensativa]...No
128
meu caso, na menopausa, logo no início eu senti uma mudança muito
brusca. A gente não quer conversar com as pessoas, a gente quer se
isolar. Se bem que em mim foi uma coisa muito passageira. Eu não tive
muito assim. Eu tinha preocupação porque minha mãe teve. A minha
mãe, na menopausa, ela teve muito doente. Logo no início eu achava
que eu também ia passar pelo que ela passou, mas aí eu acredito que eu
não tive porque quando eu terminei, parei com 45 anos, mas não foi
assim direto. Eu acho que isso ajudou (Joana).
Francisca e Joana narram que ainda mantém relações de foro mais íntimo
com seus respectivos maridos. Os seus relatos valorizam o exercício destas
práticas talvez em decorrência da influência dos variados discursos com os quais
mantém contato, como de publicações, especializadas ou não, da mídia, dos
espaços dos “grupos de idosos” que participam e das conversas com amigos e
familiares.
Estas mulheres também ressaltam alguns dos problemas fisiológicos que
podem interferir nas práticas da intimidade de pessoas consideradas velhas ou
idosas. Segundo Robert Butler e Myrna Lewis (1985), as maiores complicações são
a impotência sexual e a menopausa47.
As complicações de impotência sexual masculina são lembradas tanto por
Francisca, que contou a situação vivida por um casal de pessoas consideradas
velhas ou idosas que reside ao lado de sua residência, quanto por Rosa, que
contou os problemas de ereção que seu marido teve, em outra ocasião.
As causas da falta de ereção estão ligadas, segundo algumas publicações
especializadas, a fatores emocionais e orgânicos como cansaço, tensões,
aborrecimentos, doenças e bebida alcoólica em excesso. O acompanhamento
médico, através de terapias psiquiátricas, ainda pode ser necessário uma vez que
aqueles fatores tenham sido solucionados e a falta de ereção persista. Alguns
medicamentos também auxiliam os homens considerados velhos ou idosos que não
conseguem ter ou manter a ereção. Nesse sentido projetaram-se as chamadas
47
Os especialistas da área da saúde destacam que estes processos podem acontecer em qualquer
momento da idade adulta, pois são processos fisiológicos e, como tais, são difíceis de serem
precisados cronologicamente. Assim, algumas pessoas podem senti-los mais cedo e outras, mais
tarde (Butler e Lewis, 1985).
129
“garrafadas” (bebida que reúne algumas ervas) e os medicamentos farmacêuticos
(como a pílula Viagra)
48
, cujo objetivo é estimular a ereção nos homens que os
utilizarem.
Entre as mulheres, os discursos mais constantes destacam que as maiores
complicações
referem-se
ao
período
da
menopausa.
Os
sintomas
mais
característicos são a diminuição das taxas hormonais de estrógeno e progesterona,
interrupção da ovulação, suspensão do ciclo menstrual, calor excessivo e
mudanças abruptas de humor.
Apesar destes sintomas característicos, Ricardo Iacub (2007) ressalta que
eles não serão sentidos por todas as mulheres, uma vez que a menopausa é um
processo fisiológico que comporta variações orgânicas; tais como aquelas
registradas por Rosário e Francisca, a seguir:
E quando eu entrei na menopausa, eu nem sabia. Eu nem fiz
tratamento. A minha mãe também nunca fez tratamento. Nunca ouvi
ela falar. Eu me consultei porque eu pensei que tava grávida. Com 45
anos começou a menstruação a parar, aí eu pensei que tava grávida. Eu
ia até tomar remédio, que minha prima disse que tinha um muito bom
pra descer, mas aí na outra semana veio a menstruação. No dia que eu
fui comprar o remédio, desceu. Ai começou a vir de novo normal, mas
tratamento eu não fiz. A única coisa que eu sinto hoje é uma quentura
na cabeça. (...) Agora mesmo, mês retrasado eu fiz preventivo e a
doutora disse que tinha um problema de ressecamento, que não tava
úmida, tava seca né, e passou um remédio. Tinha também uma
inflamaçãozinha, mas aí eu cuidei e tá tudo certo agora. Não tenho
coceira, não tenho corrimento. Quando eu era mais jovem, eu tinha,
mas agora parou, não tem nada. Sempre eu faço também exame de
sangue, pra cuidar a saúde. Tem até que marcar. Agora meu marido
não era assim. Ele reclamava que eu só vivia no medico (risos)
(Rosário).
Eu sempre tive uns problemas de saúde, mas nessas coisas de
mulher não. Por incrível que pareça, eu não sentia cólica, só tive dor de
parto, nem na menopausa eu num senti nada como eu vejo o povo
falando aí de uns calores (risos). Cheguei até a tomar Cálcio, mas não
48
A pílula para o tratamento de disfunção erétil nos homens, popularmente conhecida como Viagra ou
“azulzinho” (denominação em referência a sua coloração), fez com que a impotência sexual dos
homens considerados velhos ou idosos já não fosse um problema nas relações sexuais. Segundo
Mauro Brigeiro e Ivia Maksud (2009), a pílula foi lançada pelo laboratório Pfizer em abril de 1998, nos
Estados Unidos, e em junho, daquele mesmo ano, no Brasil.
130
tomei hormônio. Cálcio eu cheguei a tomar uns três vidros, e pronto. Eu
faço meus exames de rotina e nunca dá nada. Agora eu vou fazer de
novo, ne?. Nem ressecamento na vagina eu sinto, mas sabe por quê? Eu
não sinto nada de inflamação ou de outra coisa porque minha avó, tu
sabe o que ela fazia? Ela fazia, fazia não, ela mandava buscar lá nos
matos pra mim comer Jatobá. Eu comia e eu gostava tanto daquela
massinha. Ela é dessa grossura [gesticula mostrando] e quando tá no
ponto de comer você quebra, que a casca é dura, e come normal mesmo
(Francisca).
Percebe-se
que
o
processo
da
menopausa
foi
marcado
pelo
desconhecimento para Rosário e Francisca. Esta situação se aproxima das
idealizações dos papéis de gênero, destacadas por Branca Moreira Alves et al.
(1980), segundo as quais as mulheres deveriam ser castas, ingênuas e,
principalmente, desconheceriam os próprios processos de mudanças corporais.
Rosa e Joana compartilham dos mesmos desconhecimentos, porém
vivenciaram o período menopáusico com alguns problemas. O tratamento de
reposição hormonal, feito até hoje, ajudaram Rosa a driblar as complicações que
sentia, sobretudo, as hemorragias. Para Joana, o ressecamento vaginal foi
registrado como a maior implicação da menopausa, interferindo principalmente nas
relações sexuais com seu marido, tal como se percebe:
Tô me sentindo ótima (risos). Com regime e sem passar fome, sem
deixar de me alimentar bem e estou controlando todas as taxas. Agora
mamografia também. Eu faço acompanhamento ginecológico. Já estou
com data marcada pra levar resultado de mamografia e
ultrasonografia. A mamografia eu faço de ano em ano e a
ultrasonografia faz de seis em seis meses. Acredita que eu entrei na
menopausa com trinta e cinco anos? Isso mesmo. Foi muito cedo, muito
precoce. Com trinta e cinco anos eu já estava na menopausa. Eu sofri
muito porque tive hemorragia, mas eu comecei a fazer o
acompanhamento. Daí eu comecei a fazer reposição hormonal. E isso eu
faço ate hoje. Sempre fazendo, então os médicos recomendam que a
gente tem que se cuidar (Rosa).
Eu vim parando aos poucos. Tinha mês que eu menstruava, tinha
mês que não. Aí eu passava três meses sem menstruar e quando eu
menos imaginava vinha. Eu não cheguei a ter....assim.....calor, aquele
calor insuportável! E às vezes baixava uma depressão....um início de
depressão. Em outro tempo eu jamais falaria ou chegaria pra falar isso
pra médica! Hoje em dia eu já chego e falo pra ela a situação. Quando a
131
pessoa entra na menopausa o prazer diminui, mesmo pelo fato dos
hormônios que mudam tudo. E a gente sente a dificuldade na
penetração. Quando a vagina da pessoa tá ressecada, ela não vai sentir
prazer. Ela vai sentir é dor ou arder. Então, hoje em dia já tem os
cremes que a gente pode usar. E isso já melhora muito. No meu caso eu
já uso creme direto e eu deveria tomar hormônio, mas aí como eu já
sou operada do seio a médica achou melhor eu não usar hormônio. Eu
já tirei um nódulo. No começo eu não falei nadinha. A mudança é muito
brusca. Eu não cheguei logo e me abri com meu marido não. Logo de
imediato, não. Eu passei em alguns médicos, que eu também não tinha
coragem de falar dessa dificuldade. Aí foi quando eu conheci a Dra.
Socorro e ela começou a fazer perguntas e aí eu comecei a me soltar
mais. Eu já tive coragem de perguntar as coisas. Eu já tinha passado
em outras médicas, mas mesmo assim não falava. (...) Com ela não
precisou nem eu chegar e falar logo. Depois que eu conversei com ela aí
que eu já fui conversar com meu marido. Aí ele entendeu minha
dificuldade. Antes eu vinha seguindo o mesmo exemplo da minha mãe.
Assim, não era o mesmo, o mesmo [bem enfática], mas muita coisa veio
mudando aos poucos. Às vezes é um a opinião aqui de uma colega.....Eu
tenho algumas colegas que conversam comigo e já dou até certos
conselhos com as colegas que vem e se abrem comigo. Quer dizer, já
converso porque antigamente eu tinha vergonha, eu não falava. Eu
tinha vergonha porque eu aprendi assim. Eu não procurava porque
achava que era vergonhoso, que o certo era o homem procurar, mas
hoje mudou (Joana).
Expor as dificuldades e angústias nas práticas sexuais causadas pelo
ressecamento vaginal a alguns ginecologistas se constituiu uma tarefa impossível
para Joana, uma vez que a vergonha a rondava. Conversar com seu marido sobre
suas preferências mais íntimas também era algo “impensável” para ela. Estas
atitudes indicam os vínculos com elementos dos processos de sua socialização e
das demais moças que nasceram nas décadas de 1930 a 1950, contexto no qual
perpassavam alguns discursos como: “mulheres são educadas para fazer isto e não
fazer aquilo”.
Nesse
sentido,
ao
compararem,
igualarem
e
projetarem
seus
comportamentos aos de seus familiares, amigos e outras pessoas que foram
conhecidas ao longo de suas vidas, Rosa, Joana, Francisca e Rosário registram
variados processos de mudanças e permanências nos padrões idealizados para os
papéis de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
132
Trabalhar com o recurso da Memória possibilitou registrar as histórias de vida
de mulheres, consideradas velhas ou idosas pelos critérios etários, e nelas perceber
processos constitutivos da formação dos sujeitos, principalmente atos performáticos
que demarcam e diferenciam os gêneros em pólos opostos e excludentes.
Em se tratando do registro de histórias de vida, o ato de rememorar pode
parecer individual, uma vez que reúne relatos de si, mas Rosário, Joana, Francisca
e Rosa destacam que as recordações estão apoiadas no processo de interação com
os indivíduos e grupos sociais (família, escola, igreja e trabalho), o que se aproxima
das assertivas de Maurice Halbwachs (2006).
Como um livro, estas mulheres apresentam, à medida que cada página é lida,
personagens principais e secundários com os quais compartilharam experiências,
lugares onde viveram e acontecimentos que consideraram significativos. Suas
trajetórias de existência projetam os quadros sociais da memória, pois as narrativas
condensam uma riqueza de informações. No entanto, estas não foram exploradas
em sua totalidade, visto que recortes e escolhas precisam ser feitos em um trabalho
dissertativo, entretanto indicam outros pontos que podem ser desdobrados em
trabalhos futuros.
Ao percorrerem os caminhos trilhados, ao longo da passagem do tempo,
Rosário, Joana, Francisca e Rosa ressaltam os movimentos de avanços e recuos da
memória, pois o ato de rememorar não é linear ou cronológico. Em várias
oportunidades elas invocam lembranças presentes e recorrem às vivências do
passado quando exemplificam, avaliam, criticam ou reforçam modos de pensar e
agir.
A Memória também revela que vivências destas mulheres são atravessadas
por concepções, ideais e valores que permeiam no imaginário social. Em vários
momentos, as narrativas de Rosário, Joana, Francisca e Rosa ressaltam e avaliam
processos de mudanças, permanências e entrelaçamento entre concepções
consideradas conservadoras e contemporâneas sobre, por exemplo, família,
casamento e trabalho.
133
Através da rememoração as narrativas articulam experiências vividas no
passado às da atual conjuntura e apontam para a construção da divisão de
especificidades de gênero polarizada, segundo a qual o vetor das diferenças sexuais
justificariam as atribuições dos papéis de gênero e consolidariam a distinção entre
“natureza feminina” e “natureza masculina” em pólos excludentes e opostos.
Rosário, Joana, Francisca e Rosa nos fazem perceber que as especificidades
de gênero são construídas ao longo das diferentes etapas da vida. Os atributos que
configuram a masculinidade e a feminilidade vão sendo apresentados, distintamente,
a meninos e meninas, desde a infância, a fim de que estes comecem a assimilar e
se comportar de acordo com o que é/será esperado socialmente de homens e
mulheres ao longo de suas vidas.
Assim, o sistema binário do gênero vai sendo constituído a partir das
vivências cotidianas com o grupo familiar através de atos performáticos
constantemente reiterados, tais como a hierarquia do núcleo familiar (papéis
materno e paterno), as brincadeiras demarcadas, especificamente, “para meninos” e
“para meninas”, a vigilância dos pais sobre os horários das brincadeiras, o controle
das escolas a respeito das vestimentas e dos modos de se comportar, sobretudo,
das meninas e os cuidados e controles frente aos namoros juvenis.
Revistas e jornais, de circulação nacional e local, também destacavam a
configuração performática de uma identidade feminina que orientava as mulheres a
cuidar de maridos e filhos e das tarefas domésticas. No entanto, embora tais traços
constituíssem representações socialmente esperadas das mulheres, nas décadas de
1950 e 1960, as práticas cotidianas apresentavam situações contrárias àqueles
ideais como, por exemplo, separações conjugais, prática de relações sexuais em
uniões não oficializadas, gravidez sem vínculo conjugal e etc.
A “identidade feminina” também é construída por outros elementos que estão
atrelados aos cuidados que as mulheres deveriam ter com a beleza (uso de
produtos de maquiagem, acessórios de moda e tratamentos de cabelos) e pelos
atributos de fragilidade, pureza, passividade, castidade, sobretudo em questões de
foro mais íntimo como práticas sexuais. Nesse sentido, a divisão dos papéis de
gênero
estipulava
que
as
mulheres
não
demonstrassem
interesse,
134
descontentamentos e/ou preferências nas práticas sexuais, não tivessem encontros
íntimos antes do casamento e não conhecessem as mudanças corporais que
viveriam no que se refere, principalmente, à menstruação, perda da virgindade,
maternidade e menopausa. Estes comportamentos vão, ao longo da passagem do
tempo, configurando padrões idealizados para os distintos papéis de gênero em
“atos performativos”, tal como aponta Judith Butler (2003).
Entretanto, mudanças e permanências nos papéis de gênero são perceptíveis
no modo de criação dos filhos, netos e bisnetos, nos valores e concepções que
contemporaneamente circulam entre as variadas gerações. Em alguns casos a
flexibilização dos papéis de gênero é ressaltada como positiva, e em outros, como
negativa. Essa avaliação depende, em suma, dos referenciais (religiosos, familiares
e morais) que direcionam as vivências de Rosário, Joana, Francisca e Rosa.
A participação nos espaços institucionais dos grupos de idosos, GEN e UNITI,
também se destaca no processo de flexibilização dos papéis de gênero. Talvez em
função do discurso oficial daqueles grupos, que valorizam e incentivam o processo
de envelhecimento com atividades prazerosas e combatem ideais de inatividade e
decadência atrelados ao envelhecer, estas mulheres reavaliam suas vivências e
apresentam um estilo de vida no qual as mulheres cuidam mais de si do que das
tarefas domésticas e cuidados de filhos e marido.
Assim, se algumas vezes o sistema de demarcações dos papéis de gênero
aparece polarizado e fixo, em outras projeta mudanças e mobilidades forjadas ao
longo da passagem do tempo nas práticas cotidianas. Nesse sentido, a memória e
outros instrumentos como, por exemplo, revistas, novelas, propagandas de TV se
constituem como aportes que demonstram processos de (des)construção dos papéis
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142
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JORNAIS
A Flecha, São Luís-MA.
Pacotilha, São Luís-MA.
Jornal da Manhã, São Luís-MA.
Tribuna, São Luís-MA.
Jornal do Povo, São Luís-MA.
O Combate, São Luís-MA.
Colunas e Secções Jornalísticas e Revistas Femininas
Coluna Feminina (1950, 1953), do jornal O Imparcial, São Luís-MA.
O Diário nos Assuntos Femininos (1952), do Diário Popular, São Luís-MA.
Suplemento Feminino (1959), do Diário da Manhã, São Luís-MA.
A Coluna Feminina (1960), do Jornal do Dia, São Luís-MA.
Jornal do Povo (1963), São Luís-MA.
O Cruzeiro (1958), Rio de Janeiro-RJ.
Jornal das Moças (1958), Rio de Janeiro-RJ.
144
ANEXOS
145
ROTEIRO DE APRESENTAÇÃO
- Qual sua idade? Em que cidade nasceu?
- Quando veio para São Luís, MA?
- Em que seus pais trabalhavam?
- Quantos filhos eles tiveram?
- Quais as lembranças de sua infância?
- Como foi a sua criação?
- Como era a criação de homens e mulheres? Quais eram as brincadeiras daquela
época?
- Estudou até que série?
- Trabalhou? Como era seu trabalho?
- Qual seu estado civil?
- Tem filhos, netos? Fale sobre a criação deles.
- Percebe diferenças no modo das criações de filhos e netos?
- Quais as lembranças de sua juventude? O que costumavam fazer, que lugares
freqüentavam?
- Como conheceu seu marido? Como foi/é seu casamento?
- Como se interessou por grupos de idosos, como GEN e UNITI? De que atividade
participa?
- Como tem sido as experiências neles?
- Com que idade menstruou? Com quem conversava sobre o assunto?
- Com que idade foi sua primeira experiência sexual? Como foi essa experiência?
- Percebeu mudanças corporais com o avançar da idade?
- Como foi o período da menopausa? O que sentiu de diferente em relação a seu
corpo?
- Tem vida sexual ativa? Como tem sido a busca de prazer e satisfação sexual com
o avançar da idade?
146
ROSÁRIO
Eu tenho 70 anos. É difícil hoje em dia alguém chegar nessa idade.
Eu nasci no Piauí, na capital Teresina. Eu vim pra cá, minha mãe disse,
que com 4 anos. Eu vim com meus pais e meus irmãos. Nós éramos
quatro irmãs e a mais nova veio com 11 meses. Eu era a segunda das
filhas. Meu pai veio pra cá transferido. Ele era jogador. Ele chegou aqui
e mandou buscar a gente...a família era nós e minha avó. E estamos
aqui até hoje. Aí minha mãe já morreu, meu pai já morreu, meu marido
já morreu e estamos aqui. Minha mãe trabalhava na Fabril. Há 4 anos
sou viúva. Eu tive cinco filhos, mas morreu um e ficaram quatro. São
dois casais. Todos são casados. Mora uma, no Anjo da Guarda, outra,
no Pará, um, na Liberdade, e o outro veio morar comigo. Já tenho até
bisnetos (risos). São 16 netos e 4 bisnetos. A minha criação foi muito
rígida. Meu pai não queria que a gente fosse nem na janela!! Quando a
gente avistava e dizia: “Lá vem papai!”, ele já dizia “O que tu já tá
fazendo na janela? Entra logo!”. Ele não deixava a gente sair. A noite,
passou das 18:00 horas, a gente tinha que tá dentro de casa. Era desse
jeito! Ele não batia não, mas só ele olhar e falar todo mundo obedecia.
A minha mãe trabalhava e chegava em casa só a noite. Então quem me
criou mais foi minha avó. Ela criava assim....Não queria pra gente fazer
nada, né? Ela queria fazer tudo e minha mãe chegava às vezes na hora
do almoço só pra comer e saía de novo pra fábrica. Quando ela vinha
na hora do jantar, era jantar e dormir. No outro dia ela ia pro serviço...
Minha avó criou assim, sem deixar fazer nada. Estudando só... Eu fiz
até a 6ª porque meu marido era igual meu pai. Não deixava sair, não
deixava estudar. Ele dizia que quem quisesse estudar não tinha casado.
Ele não deixou eu terminar os estudos. Eu casei....deixa eu ver.....eu
casei com 17 anos.
Meu pai não queria a gente na porta. Às 19:00 horas já queria
todo mundo dentro de casa. Não queria ninguém em rua e quando ele
não gostava só fazia olhar pra gente e não dizia nada. Aí quando ele
tomava umas duas cervejas é que ele ia conversar. Falava que não
queria assim, que tinha dito pra gente.....um monte de coisa! De vez em
quando dava uns bolos nas mãos (risos). Só que ele não era de bater
não, nem de espancar, mas só com o olhar dele a gente já sabia que
tinha feito algo errado. Aliás, eu nunca apanhei de meu pai, mas no
meu irmão ele dava mais porque ele mandava fazer uma coisa e ele ia
jogar bola. Ele demorava e quando chegava é que ele ia conversar e às
vezes dava surra nele. Meu marido não queria pra mim trabalhar, nem
terminar de estudar. Se eu quisesse estudar que não tivesse procurado
marido e casado. Era pra cuidar dos filhos. E eu não estudei mais, nem
trabalhei. Não queria pra mim estudar, nem fazer nada...nem
trabalhar. Aí, mesmo assim, eu trabalhava em casa, eu fazia unha, eu
costurava e ajudava ele, mas tudo em casa. Aí eu comecei a fazer
cursos e com isso aí ele não se importava. Eu fiz curso de cabeleireiro,
de manicure. Nesse tempo no SENAC não se pagava nada, era grátis. Eu
147
fiz lá. Ele não queria que eu trabalhasse porque ele disse que ele
conhecia e via como era esse negócio de patrão com empregada, que
tomava gosto e até meu pai também falava isso. Ele não queria pra
mim trabalhar porque ele trabalhava numa repartição e sabia de
patrão que ficava tomando gosto. E ele dizia: “Não, mulher minha não
vai trabalhar!”. E minha mãe, quando meu pai morreu....Meu pai
morreu com 36 anos. E nesse tempo era preto fechado, de mangas
compridas. Ela passou 2 anos de preto fechado, depois 6 meses de
branco e preto, depois ela começou a usar assim estampadinho. E
depois de viúva ela não casou mais, não quis saber. A criação dela
também foi muito rígida. Ela não casou mais, foi trabalhar pra cuidar
da gente. A gente morava em casa alugada aí que depois disso que nós
fomos estudar. Nessa época ela [mãe] trabalhava na Fabril, de Cezar
Abud. Aí ela terminou de nos criar e foi o tempo que depois eu casei e
tinha também a mais nova casada [irmã mais nova]. Eu casei e meu
marido não queria pra eu fazer nada. Meu pai não queria, e com ele foi
a mesma coisa. Não queria pra mim ir na quitanda, em feira. Ele que
ia. Ele dizia que era porque tomavam gosto lá também. Não
respeitavam ninguém. Ele conhecia porque antes dele ser da Polícia ele
trabalhou muitos anos na feira como barbeiro. Ele tinha uma barbearia
na feira. Ele ficava lá e sabia de tudo. Aí eu fui criada nisso e até hoje é
muito difícil eu ir em quitanda, em feira. Às vezes vou lá no João Paulo,
mas pra feira assim, fazer compra, não. Meu filho que vai, minha
nora.....às vezes eu vou com ela. Aí depois, quando meu marido já tava
aposentado, foi que ele não queria mais sair foi que ele começou a me
mandar fazer compra em supermercado. Aí eu ia com minha nora. Aí a
gente ia porque ele não tinha mais o ritmo pra fazer. Aí ele faleceu e eu
fiquei com meu filho e minha nora. E com os meus filhos foi quase igual
a minha criação. E hoje eles me respeitam, graças a Deus. (pausa). Eu
criei meus filhos botando pra fazer as coisas. Tive duas meninas e dois
homens, mas depois a minha sogra, mãe de meu marido, que ele era
filho único, quando o esposo dela faleceu, ela veio morar com a gente. E
ela fazia tudo! Acredita que eu não fazia nada? Eu não encontro hoje
em dia uma sogra dessas! Ela era melhor que minha mãe. Ela lavava,
ela gomava, ela cozinhava. Meus filhos não faziam nada, ela não
deixava. Era só pra estudar. Nenhum tá formado porque não quiseram
estudar. Eles fizeram só curso né...de informática, o outro fez de
segurança. Eles só terminaram o segundo grau. Não quiseram saber de
faculdade. Esse, que mora aqui comigo, só fez curso também. Ele
trabalha na portaria, de vigilante. O outro é chefe administrativo de
uma empresa e as meninas não trabalham, nenhuma delas. Ela foi
criada com uma família. Ela não conheceu nem pai, nem mãe. Era
cearense e veio pra cá cuidada por uma família. Essa família não botou
ela pra estudar nesse tempo. Ela dizia que subia num banquinho pra
gomar roupa. Ela foi acostumada nisso e casou. O marido dela era
mulherengo, tinha muita mulher na rua e ela começou a trabalhar de
novo em casa de família. Quando meu marido começou a trabalhar e
ganhar melhorzinho, ele disse que a mãe dele não ia trabalhar mais.
Ele dava o dinheiro pra ela. Foi o tempo que o marido dela faleceu e ela
148
veio morar com a gente. A gente brigava pra eu fazer as coisas, mas
não tinha jeito. Ela queria fazer tudo (risos). Era o costume. Ela ainda
morou 14 anos com a gente e faleceu. Eu gostava muito de brincar de
pula corda, de roda, jogando pedrinha....é...é...cancão. Era jogando a
pedra nos riscos, nas janelas e pulando. É, hoje conhece como
amarelinha. Era cancão. Tinha o céu e tudo. Eu brinquei muito disso aí,
mas só no quintal de casa, na rua não. Era só no quintal e na porta de
casa. Tinha também pegador, mas eu nunca gostei. Agora às 18:00
horas tava todo mundo dentro de casa que mamãe não deixava. Eles
gostavam de brincar de bola, futebol. E nesse tempo eles usavam até
aquele chambrão (risos), minha avó fazia pra eles. Fazia com os
retalhos, aí emendava tudinho na mão e fazia. Uma vez meu irmão foi
não sei pra onde e foi de chambre e começaram a chatear ele (risos).
Ele era garoto, pequeno, e se escondeu atrás do poste com vergonha
porque diziam que era roupa de menina. Ai depois minha avó fez
macacão pra ele e o outro, que era roupa de menino. Quem custava
mais pra dormir era minha irmã, mas às 18:00 horas tava todo mundo
em casa, mas a gente dormia às 20:00 horas. Era desse jeito, sem tá
em porta, porque meu pai não queria. Não era de tá conversando com
colega, nem em casa alheia. Meu pai era muito rígido. Minha mãe
trabalhava, não era tanto assim, mas minha avó que cuidava da gente.
Ela faleceu com 101 anos e ela tava lúcida. Às vezes mandava a gente
comprar uma coisa, que ela gostava de comer um pirão, arroz de
toucinho, essas coisas....Ela nunca teve problema, gostava de comer
essas coisas e comia.
E meus filhos também foram criados assim. Eles gostavam de
futebol. Até hoje eles jogam de vez em quando. Os netos também.
Nunca brincam com menina, nem bonequinha, nada disso. As meninas
brincavam de boneca, tinha elástico e corda também. Agora os meninos
é só futebol. Vem desde o avô, de meu pai, meu marido também, e
agora meus filhos, netos...tudo é futebol. Tinha muita diferença na
criação de hoje, se tinha [enfática]! Meu pai, se a gente mandasse um
nome era uma coisa terrível.. Hoje as coisas estão muito diferentes. Eu
digo muito pra minhas netas que naquele tempo as coisas eram mais
pesadas. Era mais rígido. Hoje em dia mesmo os namoros tão em
primeiro lugar, são diferentes. Antigamente era assim: a gente sentava
de um lado, o rapaz do outro e a mãe e o pai no sofá da sala. Eu
namorei, mas nunca namorei em casa. Mesmo antes de meu pai morrer
eu namorava escondido. Quando ele faleceu, eu também namorava
escondido porque minha mãe não queria. Aí eu namorava escondido
(risos), mas quando dava 20:00 horas eu tava em casa (risos). Às 18:00
horas ou às 19:00 horas eu já tava procurando o caminho de casa.
Então quando ele era vivo, ele não deixava, não queria, e ela também, a
mesma coisa. Hoje em dia é diferente. Por exemplo, eu vejo minhas
netas aí e meu filho fala pra mim: “Minha mãe, naquele tempo era
assim, mas agora é diferente. A gente não vai prender, não pode
proibir, em bater”. Olha hoje não se bate, mas meu marido quando
batia no meu filho era pra valer. Era pra espancar. Esse mais velho
apanhou foi muito porque era o mais teimoso. Ele apanhava mais e as
149
meninas, não. E ele quis criar o filho dele, o meu neto, quase igual, mas
agora o menino já ta tomando jeito, tá bem melhor. Ele se converteu,
foi pra Igreja. A filha dele, a mais velha, só saiu de casa casada, como a
criação do pai, o meu marido. Ele disse pra ela: “Se não quiser casar,
você some, mas aqui não quero nem saber”. Ela casou porque tava
grávida e tão juntos até hoje. Pra mais nova ele disse logo: “Olha, se tu
aparecer grávida, não quero saber. O pai tem que assumir”. Ele tá
mandando estudar, dando oportunidade, mas se ela não aproveitar, o
que se pode fazer? Hoje em dia o pessoal não quer mais casar, só quer
ficar, morar logo junto. Esse namorado da mais velha queria morar
junto, mas o pai dela não deixou. Hoje em dia ele libera, não prende,
mas conversa tudo. Até roupa naquele tempo era diferente. Eu tinha um
vestido, que o zíper, era de lado e às vezes ele abria um pouco e isso
causava a maior coisa se o corpo aparecesse. Precisava ver....minissaia,
vestido cavado, era tudo coisa das mulheres lá de baixo, que eles
chamavam de mulher da vida. Nesse tempo o Quartel era lá embaixo,
lá na 28. Meu marido trabalhava lá no Quartel, nesse tempo, na Polícia.
....A criação de meu pai foi muito rígida. A gente não sabia de nada.
Quando ele tava, às vezes, no quarto com minha mãe e minha irmã
passava, a caçula, que era a mais curiosa, ele dizia: “Essa menina fica
passando aqui toda hora! Não sei o que ela quer aqui”! Eu era mais
quieta, mas minha irmã era mais curiosa. Ele era muito rígido mesmo.
Não deixava ir pra parte nenhuma.
Se a gente ia num aniversário, por exemplo, às 20:00 horas tinha
que tá em casa. Meu pai não batia, mas era rígido. Muito, muito, muito
mesmo. Era muito difícil ir. Nem ele ia acompanhando. Tinha uma
vizinha, lá junto de casa, que era muito amiga né e quando ela fazia
algum aniversário, convidava a gente, mas uma vez eu fui escondida,
que nesse tempo tinha Vesperal. Era o baile do Moisés, era conhecido.
Eu cheguei cedo, mas nunca mais fui. Quase que eu não entrava em
casa. Depois nunca mais fui, nunca mais dancei. Começava, naquele
tempo, às 17:30 horas, assim pra jovem e adolescente, e terminava às
22:00 horas. Pros adultos começava essa hora. Encerrava um pra
começar o outro. Fui no de adolescente. Cheguei lá tava todo mundo
fantasiado [fala como fisionomia de desespero] e só nós que tava sem
máscara. Fui eu e mais duas colegas. Ficamos lá e todo mundo dizendo:
“Eu te conheço! Eu te conheço!”. Eu só disse na hora: “Pronto, nós tamos
perdidas! Todo mundo vai saber agora que nós tava aqui.” E de fato a
minha mãe soube. Ela também brigou muito comigo. Ela e meu pai, mas
também só fui nesse. Nunca mais fui. Eu fui pra um também no
interior. Meu tio morava lá e eu fui passar um carnaval lá e lá tinha
baile de moça, de casadas e os de solteiras. Tudo separado. Hoje em dia
não, é tudo junto. Foi em Pindaré Mirim, que minha tia e meu tio
moravam lá. Tinha o Luis Rocha, que já faleceu, foi governador, esposo
de Teresinha Rocha. E ela era sobrinha da mulher do meu tio. Eles eram
de lá. A gente chegou lá e convidaram pra ir. E lá nos fomos. Como eu
disse, lá era separado. Tinha os de casadas, de solteiras, que era como
chamavam as raparigas, e os das moças. As solteiras eram as mulheres
que tinham amantes. Eram três, separados. Cada um tinha o seu salão.
150
A Teresinha convidou e nós fomos com ela. Eram bailes de carnaval
também. Tinha música, o povo ia pra dançar e namorar, mas sem
máscara. Era muito marcada a separação naquele tempo! Nos colégios
também era tudo rígido. Qualquer coisa eles descobriam logo. Agora
não. Antes se descobrissem que a pessoa tava grávida, falavam logo.
Agora já está mais liberado, né? Agora eu, eu já fui namorar quando
meu pai já tinha falecido e minha mãe já era mais aberta. Ela deixava a
gente sair um pouco. Às vezes ela não queria, porque minha irmã
caçula tava namorando e era muito nova e eu nesse tempo era solteira,
então ela não brigava comigo. Eu, como era mais velha, ela queria pra
eu sair. Arrumei um rapaz e ele casou comigo. Ela gostava muito dele e
ele era desse tipo aí. Era machista, de que mulher não podia estudar,
não podia trabalhar. Foram mais de 40 anos minha filha....46 anos. Vai
fazer 4 anos da morte dele no dia 25 de setembro. Ia fazer 50 anos de
casada. Ele morreu com 72 anos. E hoje em dia o povo não quer nem
casar. Por exemplo, uma neta minha, que minha filha criou, ela
arrumou um namorado e o pai não quer. Tá dizendo que o rapaz não
presta, mas ela quer e o pai que não quer. Ele tá preocupado porque ela
tem 16 anos e ele tem 25 ou 26. O pai acha que o rapaz tá seduzindo
ela. Ele tá com medo dela engravidar. Agora ela tá louca por ele.
Naquela época era difícil pra mãe criar um filho. Sozinha, era muito
difícil. Não tinha essa história de pensão, de ajuda. Eu me lembro que
quando eu era moça, meu pai ainda era vivo, e ele me botou pra
aprender datilografia lá perto do Hospital Geral [Hospital Geral
Tarquínio Lopes Filho], no Centro, lá com uma senhora, Dona Gilda,
mas ela só ensinava moças. Um dia disseram pra ela que na turma
tinha uma moça que era lá da 28. E ela disse que ia despachar ela, que
lá ela não queria! Aí quando a mulher foi.... foi até o motorista que
avisou a senhora, ele disse: “Olhe, aquela mulher ali, ela não é da
sociedade. Ela é lá debaixo, da Zona, e eu conheço ela”. A dona do curso
chamou ela pra conversar e chegou um dia que ela não foi mais. Tinha
muito preconceito sabe. Você não lembra por que é nova, mas até nas
escolas tinha. Nas escolas tinha época de exames pra saber quem não
eram mais moças. E elas saiam dos colégios. Eu não sei como era, mas
sei que era pra saber quem era moça, pra ficar na escola, e quem não
era, pra sair de lá. Eles excluíam da escola. Eu ouvi essa história, mas
agora não lembro. Hoje em dia não, né? Hoje é muito fácil, qualquer
pessoa pode estudar.
Hoje em dia tá muito diferente....Idoso, por exemplo, não podia
sair. Era só em casa fazendo crochê. Hoje não, graças a Deus! Eu moro
com meu filho, mas ele sempre diz que eu tô consciente e posso fazer o
que eu quiser. E eu faço o que eu quero! Eu compro o que eu gosto. Se eu
olho uma coisa que eu quero e eu puder comprar, eu compro. Se não
puder eu compro no cartão. Ninguém me diz que eu tô estragando as
coisas, ou estragando dinheiro. Não, não! E ainda tem hoje mãe que faz
o que o filho manda, filho que não deixa mãe fazer isso, comprar
aquilo... Outro dia tinha uma senhora no Hospital falando isso. Meus
filhos são bons comigo. Eu tenho livre arbítrio pra fazer o que quiser.
Comprar o que eu quero, comer o que eu quero, ir pra onde eu quero.
151
Viajar também, não tem problema. Eles ficam é preocupado, ligam toda
hora, mas eles sabem que eu sou assim...tímida e não chego numa
parte já perguntando, falando com todo mundo. Se tá faltando alguma
coisa eu não peço, eu não falo. Então eles me ligam pra saber se tá tudo
bem, se eu tô precisando de alguma coisa. Eu fico calada e ai eles ligam
(risos). Eu vi uma senhora falar: “Ah, meu filho não deixa eu fazer isso”.
E comigo não é assim. Aqui em casa não tem nada disso. Se eu gostar
de uma coisa, eu compro. Se eu não tiver dinheiro, pago no cartão
(risos). Ainda hoje eu gosto de boneca grande (risos). Eu tenho dois aí
que fala (risos). Eu gosto de cachorrinho, de bichinho, coelhinho...Eu
gosto. Eu tive infância, mas minha mãe não podia comprar. Então hoje
eu compro. As netas ficam me pedindo as bonecas e eu digo que só dou
quando eu morrer.
Quando ficamos velhas, o corpo da gente todo muda. Agora a
memória é que pega mais. Esquecimento todo mundo tem, mas a
memória que eu acho que me preocupa mais porque minha mãe se
esqueceu cedo. Com 73 anos ela não conhecia mais filho. Não sabia
mais de nada. Ela se esquecia. Não lembrava mais de nada, nada,
nada. A gente perguntava e ela dizia: “Não, tu que é minha mãe”. Ela
morava com meu irmão na Cohama e um dia ele percebeu. Até então
ele não tinha percebido..... Ela morava no Rio (RJ) com uma outra irmã
que morava lá e ela veio. Todo ano vinha passar férias. O último ano
que ela veio foi esse! Aí na casa dele, na Cohama, ele disse: “Mamãe, eu
vou sair e vai chegar uma pessoa com encomenda e a senhora recebe,
viu”. Aí quando a pessoa chegou e procurou, ela disse que lá não
morava ninguém com aquele nome. Quando ele chegou e perguntou se
tinham ido alguém lá, ela disse que não tinha ido ninguém. Aí ela já
tava esquecendo. Aí que foram perceber. Depois desse dia não
deixaram ela viajar mais só. Ela ficava ou lá, direto, ou aqui. E foi
quando ela veio pra cá e eu fiquei com ela uns 5 anos. Lá era corrido,
meu irmão trabalhava e não tinha quem ficasse com ela. Ela nunca foi
internada. Eu cuidei dela até o fim. Eu e o irmão que mora aqui, porque
o mais velho faleceu antes e a outra irmã mora no Rio (RJ). Agora sobre
corpo... antes eu não me cuidava. Agora, depois de idade é que eu tô me
cuidando (risos). Tem uma colega da minha neta que veio aqui e
perguntou se eu tinha 70 anos, porque eu sou dura. Não aparento!
(risos). Minha neta diz que eu sou toda vaidosa! E eu passo uma
coisinha no rosto, uns cremes, um batom leve, porque eu nunca gostei
de batom forte, só mesmo pra mudar a cor. Passar um perfume eu
também gosto. Pintar meu cabelo! Desde moça que eu pinto meu cabelo
(risos). Meu cabelo era liso, liso, liso e eu dizia pra minha mãe que
queria meu cabelo crespo (risos). Ela me dizia que só se fosse com
permanente e aí fazia, só que quando saía ficava feio. Aí eu mandava
cortar e pintar (risos). Até hoje eu pinto meu cabelo. Nesse tempo, as
senhoras, como minha avó, não eram assim. Não pintava cabelo, não
vestia calça. Era difícil ver uma usando. Antes se achava ridículo, mas
hoje não. Eu acho positivo se chegar a essa idade, ou mais. Eu vejo os
rapazes morrendo cedo, com 18 ou 24 anos. Eu acho que cheguei a essa
idade porque tive uma boa criação. Eu não tenho essas doenças todas.
152
Só tenho problema asmático, senão fosse isso era uma maravilha. Eu
faço tratamento, mas o meu marido morreu porque ele fumava e bebia
muito. Ele não fazia tratamento de nada. Ele não queria, só ia na
emergência e depois acabou os cuidados pra ele. Depois ele não ia mais.
Eu falava pra ele ir se tratar, mas ele não ia. Eu não, né. Eu sou lá do
GEN e faço exames. Agora mesmo vou ao cardiologista. Acompanho
tudo na saúde. Ele falava pra mim: “Que tu tanto quer em médico?”.
Depois que meus filhos cresceram, aí pronto, ele liberou, deixou eu
ir pra onde quiser. Aí eu passava o dia todo na rua, que nesse tempo
minha mãe morava aqui e eu ia lá visitar. Passava o dia e só vinha de
tarde (risos)! Antes, eu passava era anos e anos sem ir na casa da
minha mãe porque os meninos eram pequenos. Ele não queria não.
[Pausa] Pois hoje em dia a vida dos idosos é mais liberal. Tem mais
oportunidade. Antes, quando eu era mais nova e via uma senhora de
idade no ônibus, de boca pintada eu dizia: “Meu Deus do céu! De boca
pintada, nessa idade?!”. Eu criticava muito, falava, mas agora não. Eu
me pinto, pra você vê como é as coisas! (risos). Eu ainda pinto meu
cabelo, tem vezes que eu gosto de fazer uma limpeza de rosto. Eu uso
produto da Avon e da Jequiti, e também vendo. Eu vendia tudo que era
cosmético, mas agora só esses. Então eu tô nesse meio e uso. Uso
perfume, uso creme, hidratante. Isso tudo eu uso. Eu sou vaidosa, mas
tem muitas mulheres que perdem a vaidade. Tem senhora que não
gosta, fica mesmo natural. Agora eu, desde nova, uso. Eu puxei pra
minha avó. Ela morreu com 101 nos, mas enquanto ela podia andar
direito, com postura, ela andava. Ela ia pra igreja toda arrumada. Era
vestido, meia, sapato. Usava compacto, ela gostava e usava, mas
batom nem tanto. Eu não usava compacto não, agora que eu tô usando.
Agora sempre pinto meu cabelo. Eu gosto muito de me cuidar e agora,
depois de idosa, comecei a tirar minha sobrancelha (risos). As minhas
noras começam a falar: “Tira! Tira!”, mas quando eu era nova eu nunca
tirei. Eu achava feio e também meu marido não gostava dessas coisas.
Agora a minha nora chega aqui e faz (risos). Eu tiro pra ficar mais
bonita, mas é como eu disse, antes eu achava uma senhora pintada
uma coisa ridícula. Agora não! Eu gosto de me arrumar. Gosto de usar
secador. Gosto de rímel, mas só daquele transparente. Ele é bom
porque não mancha. Antes eu só gostava de batom e rímel, mas agora
eu tô usando compacto. Eu gosto muito de tratar do meu cabelo. A
mulher tem que se cuidar em qualquer idade. Às vezes eu demoro pra
me arrumar e meus filhos reclamam. Meu filho diz: “Mamãe, primeiro a
senhora vai se arrumar, depois eu vou”. O problema é que eu demoro é
pra arrumar a bolsa (risos). Tem que botar remédio, o óculos, boto
compacto, batom e outras coisas e nisso que demora. Tirar de uma
bolsa e botar na outra. Eu tenho diversas bolsas aí. Cada uma de uma
cor. Eles brigam porque eu tenho tanta bolsa, dizem que dá pra botar
uma loja (risos). Se eu vou na rua e vejo uma bolsa que eu gosto, vou lá
e compro. É bolsa, brinco e sandália que eu gosto mais. Até já comprei
uma calça pra vestir por Natal! Eu sempre fui desde nova, mas não era
assim como hoje. Meu marido gostava que eu me pintasse. Dizia: “Te
pinta, bota um batom”. Aí eu comecei a pintar, mas antes mamãe não
153
gostava que a gente se pintasse. Minha mãe não usava nada. Ela não
gostava mesmo. Só que depois, quando ela foi pro Rio (RJ), minha irmã
mandava fazer a unha dela, mas antes ela nunca tinha pintado a unha.
Depois de idosa é que ela veio pintar, mas batom ela nunca usou. Hoje
em dia as idosas se cuidam mais. Naquele tempo ficava só em casa, era
só com roupa de velho mesmo. Minha filha me dá no dia das mães e no
natal um presente. Ela vai comprar com o marido dela e ele compra
dois, um pra mim e um pra mãe dele. A mãe dele é daquelas que não se
cuida e ele compra pra mim igual ao da mãe dele. Quando chega aqui
eu digo: “Vocês pensam que eu tô velha? Eu vou trocar! (risos). Tua mãe
gosta, mas eu não. Eu vou trocar!”. Às vezes até intero o dinheiro,
quando é mais caro, mas eu troco. Sempre é assim. Ele compra igual ao
da mãe dele. Ele compra vestido, blusa. A gente tem que usar o que
gosta, o que deixa bonita. Eu uso mais é calça. Nem saia eu uso muito.
Vestido é difícil eu usar. Antes as mulheres usavam mais vestido, agora
é calça. Tem muitas senhoras lá da igreja que nunca usaram calça.
Uma irmã minha não usa de jeito nenhum, é só costume. Eu uso desde
nova, desde que eu casei. Eu tenho muita calça, só muda os modelos.
Agora vou comprar de tecido, que eu tenho mais é jeans, tudo azul.
Agora que nós vamos começar a fazer fisioterapia. Eu tinha
vontade de fazer é musculação, mas não tive oportunidade ainda.
Também tenho vontade de fazer informática, mas teve e eu não soube.
Agora, quando tiver de novo, eu vou fazer. Eu entrei no GEN em outubro
do ano passado [2009]. No tempo que meu marido tava na UTI já tinha
o grupo e eu não sabia, se não tinha ficado logo lá também. Ele passou
25 dias na UTI direto. Foi um sofrimento. Eu direto ali. Eu gosto muito
de lá do GEN. Gosto das palestras, tem oficina de...de...leitura. Agora eu
tô fazendo fisioterapia e é muito bom mesmo o exercício. Tem reunião
toda sexta lá no PAI, que tá agora em reforma. Tem festa das mães,
tem passeio pros idosos. Teve um passeio pra uma fazenda que eu
nunca tinha ido, muito linda. Passamos o dia lá. Foi muito bom. Todo o
grupo reunido, cantando, dançando, teve sorteio, foi perto do Natal. Foi
muito bom mesmo (fala entusiasmada). Teve outros, mas eu não fui. Eu
não pude ir. Toda sexta também tem reunião e eu ainda não fui esse
mês. Segunda tem reunião e consulta com as doutoras, quarta é
leitura...oficina de leitura e sexta, reunião do grupo. Eu não fui ainda
nas sextas esse mês. Sexta que vem eu acho que eu vou. Então eu tenho
gostado muito do GEN. Muito mesmo, se soubesse mais cedo já tava lá
(risos). Foi uma conhecida minha que falou. E tem médico também. E se
por acaso a gente adoecer, eles arranjam um leito. Se preocupam em
arranjar pra gente que já é de lá. Dizer que é pra arrumar um leito pra
uma pessoa do GEN é mais conhecido. Agora os homens lá são poucos,
eles não querem. É mais mulher. É difícil ter dois homens. Até quando
teve a festa dos pais, eu não fui, não deu pra ir, mas disseram que era
pra gente levar dois ou três idosos, mas é difícil. Meu marido, se ele
fosse vivo, ele não ia. Ele não gostava de jeito nenhum.
Eu e meu marido, nós morávamos no mesmo bairro, ali na
Macaúba [Bairro Areinha, perto do centro de São Luís]. Ali que a gente
morou e ali que a gente casou. Tinha uma barbearia perto de casa e
154
defronte era a casa dele. E ele já tinha três filhos quando eu conheci
ele, aliás, quando ele me conheceu porque ele dizia que passou cinco
anos me observando, paquerando (risos). Eu não queria e nem percebia.
Depois de cinco anos ele mandou uma carta pra mim. Nesse tempo era
carta que se mandava (risos). Até outro dia eu tinha uma carta ai e
parece que ele que pegou e rasgou. Ele mandou a carta dizendo, mas eu
não queria ele porque eu tinha outros namorados. Ele já tinha mulher e
filho.... três filhos e eu não queria um homem desses pra minha vida! Aí
eles se largaram e depois de muito tempo, eu já tinha namorado outro,
aí foi que um dia nós se encontramos. Ele fez uma serenata na minha
porta. Ele gostava de cantar, fazer poesia. Ele era poeta. Tinha até aí,
quando ele morreu eu achei algumas coisas. Ele recitava as poesias,
mas quando ele bebia implicava com a minha igreja, porque ele não era
crente. Eu não dizia nadinha, me arrumava rápido e ia. Nós
namoramos, parece que, um ano. Quando nos casamos ele disse que ia
levar os três filhos dele e como eu não tinha nenhum disse que podia
trazer. A mãe dos meninos não deixou. Disse que não dava nenhum. Aí
ele disse: “Fica com teus filhos que eu vou fazer mais dez!” (risos). Aí o
pai dele que criou. Hoje em dia os filhos dele vêm aqui, são tudo amigo.
Quando o pai faleceu eles estavam lá. A mãe deles, hoje nós já nos
damos. Ela mora no Rio, mas quando ela e a filha vêm pra cá sempre
passam aqui em casa.
Tinha muito controle naquela época. Às 21:00 horas já era pra tá
em casa dormindo! A gente namorava escondido (risos). Minha mãe não
queria. Meu pai morreu, mas minha mãe ficou cuidando e minha avó
também ali de olho. Não deixava a gente sair pra nada, nem pra
cinema. Eu ia escondido pro cinema dia de semana, que ela tava
trabalhando e eu ia. Dia de segunda-feira que eu ia pro cinema com
namorado. Eu dizia que ia na rua fazer compra pra costurar, comprava
uns enfeites, uns botões e zíper pra vestido e aí ia pro cinema (risos).
Acho que em todo tempo é assim, a gente enganando pra namorar.
Minha irmã casou com 13 anos, a caçula. Não tinha nem seio ainda. A
minha mãe era a única que tinha seio grande e nós tudo sem, assim
lisinha. Eu tinha vontade de botar silicone, se eu fosse mais nova. Agora
não quero mais e ainda é muito caro (risos). Só se tivesse alguém que
pagasse (risos). Sim, aí minha irmã namorava e minha mãe ia atrás
dela, que ela era muito nova, 13 anos e ainda tava estudando. Quando
ela [mãe] soube que ela tava namorando foi atrás e deu no rapaz, ele
saiu correndo e mandou ela pra Teresina, pra casa da minha avó, mãe
de mamãe. E a avó dele também morava lá, só que ela [mãe] não sabia.
Aí ele foi pra casa da avó dele também e ficou eles dois juntos lá em
Teresina. Minha avó não sabia, que minha mãe não contou nada e
ninguém lá sabia de nada. Eu sei que quando ela ficou devendo uma
prova aqui, na escola, e nesse tempo era telegrama que mandava e
mamãe escreveu pra ela vir fazer a prova, que a professora tava
chamando. E nada! Minha avó não deu nem sinal e um dia minha prima
foi comprar a passagem na Rodoviária pra minha irmã voltar e foi
quando encontrou ela e o namorado. Aí eles estavam lá perto da praça
namorando. Ela tava com minha prima e minha prima disse que ia
155
embora e chamou ela, mas ela não foi. Aí disse que ficaram
conversando e não repararam a hora. Quando viram já era umas 2:00
horas da manhã, e essa hora ela não podia chegar na casa da minha
avó, porque essa sim que era brava. Sei que de manhã minha avó foi na
polícia, foi no hospital e não achou. Mais tarde a mãe dele foi levar ela
lá na casa da minha avó. Ela disse: “Vim trazer sua neta que tava com
meu filho”. E minha avó disse bem assim: “Eu não recebo ela! Eu só
recebo casada!” Minha irmã disse: “Minha avó pode mandar fazer o
exame, eu sou moça”. E ela disse: “Não quero saber, eu só recebo
casada. Mulher que dorme fora de casa, principalmente moça, pra mim
não é mais”. Aí foram fazer o casamento, ela com 13 anos e ele com 15
anos. Fizeram o casamento lá em Teresina e depois de 3 meses é que
ela voltou e foi quando ela telegrafou pra minha mãe e contou: “Olha,
sua filha casou”. Minha mãe, quando viu aquilo, desmaiou. Meu irmão
começou a dizer que era mentira, que não era pra acreditar, que era
mentira. Deixaram a poeira abaixar e ela veio mais ele. Novinha,
novinha. E ela cansava de dizer: “Eu não me casei, me casaram”. Depois
ela lutou muito pra arrumar emprego e era difícil. Aí ela foi para o Rio e
lá ficou até hoje. Graças a Deus hoje ela tá bem, mora em Copacabana.
Largou o marido porque ele não prestou, era muito mulherengo. Ia
atrás das mulheres, só vendo! Eles tinham cinco filhos.
A vida de mulher casada naquela época era mais difícil porque
minha mãe queria pra ela ficar com ele até o fim. “Você arrumou, você
procurou, agora você vai ficar!”. Eles separavam e voltavam,
separavam e voltavam. E minha mãe que fazia ela voltar e ela [irmã]
dizia: “Olha minha mãe, eu tive esse outro filho por causa da senhora”.
Nesse tempo era mais difícil. Porque a pessoa quando casava não era
pra separar. Era pra ficar até o fim, como minha mãe. Minha mãe,
quando ela casou, aliás, não foi nem minha mãe, foi minha avó. Ela era
morena e ela arrumou um claro e nenhum dos dois sabiam ler. Ela (avó)
fugiu, que ele (avô) levou ela pra casa dos pais dele e os pais dele
disseram: “É com essa preta que tu vai casar?” Ela ouviu. Eles não
disseram na frente dela, mas ela ouviu. Ela sentiu vontade de sair de lá.
Nesse tempo, que ela não era mais nova também, teve que aturar. Ela
ficou, casou, teve 12 filhos, e ele também era de muita mulher na rua.
Largou ela com os 12 filhos e aí que ela foi trabalhar. Criou os filhos
fazendo bolo e botava eles pra vender, e ele na rua com as mulheres. E
ele dizia que não botava nenhum pra estudar porque ele não ia botar
pra as filhas escrever carta pra namorado. Aí minha avó, depois que
meu avô largou ela, ela botou todos os filhos pra estudar. Ela criou
sozinha e se arrependeu de ter fugido com ele. Depois de muito tempo,
ele ainda ia lá visitar e ela já tinha arrumado um namorado. Naquele
tempo as famílias eram grandes. A avó do meu marido teve 21 filhos.
Vinte homens e uma mulher. 21 filhos....E ela era parteira.
Depois do último filho eu liguei [cirurgia de laqueadura] e fiz
períneo, com 36 anos. Foi parto tudo normal. Acho que foi com 15 anos
que eu menstruei. Não se conversava sobre isso não. Nada, nada.
Nunca. Minha mãe não falava e meu pai, piorou. Eu fui criada assim,
sem saber nada. Meu pai até reclamava quando minha irmã passava no
156
corredor e dizia com raiva: “Essa é curiosa. Quer passar só pra olhar,
pra ver o que a gente tá fazendo”. Assim que era....Lá em casa ninguém
falava. Nunca vi minha mãe beijar meu pai, nem abraçar...tudo era
escondido. Sentar no colo...Ave Maria! (risos). Nunca! No meu tempo,
com meu pai, não! Até o meu marido disse que ele foi criado assim. A
avó dele era parteira e ele perguntava as coisas pra ela, mas ela não
dizia. Dizia só que a cegonha vinha trazer a criança (risos). Já
grandinho, um dia chegou uma senhora lá pra ter filho e ele foi olhar
pelo buraco da fechadura como era que nascia criança. Aí que ele foi
saber quando ele viu. Ele todo curioso pra saber como era (risos). Agora
meu marido já criou meus filhos mais aberto. Ele conversava. Ele falava
tudo aberto porque ninguém é inocente. Se alguém fizesse algo é
porque quer, que ele dava conselho. Quando eu menstruei eu pensava
que tinha me cortado. Eu pensava que era corte e perguntei pra uma
prima minha, também naquele tempo, não sabia o que era. Ninguém
respondia quando a gente perguntava, tinham vergonha de falar. Eu
sentia dor e tomava remédio mesmo, aquele Atroveran. Às vezes
tomava Cibalena. Agora depois que eu casei acabou, não tive mais
cólicas. O povo tomava muito era chá de Aroeira. Eu ouvia falar mais
de Aroeira porque pra não engravidar. Eu nunca usei remédio assim,
como hoje, pílula, que às vezes incha, às vezes faz mal. Pílula eu nunca
usei, só a pílula contra [pílula do dia seguinte] e usei muito o limão.
Limão em jejum, purinho, sem água, sem açúcar, sem nada. Assim que
termina de ter relação, toma o limão. Isso eu tomei muito. Já tomava
casada, pra evitar filho, que eu já tinha quatro. E ele queria ter quantos
viesse. Eu que não queria porque não tinha condições financeiras pra
ter muita criança e tá sofrendo depois. Não dar médico, um colégio
adequado pra aprender. Eu dizia pra ele né: “Olha, eu não quero”. Aí foi
quando ele pensou que eu já tinha cinco, morreu uma com 20 anos e
hoje tem quatro filhos.
Eu liguei com 36 anos e foi com uns 45, 46 anos que parou de vir a
menstruação. Foi cedo. Eu pensei que tinha sido cedo porque eu liguei,
mas com 45 começou a falhar. Minha filha tava com 5 anos, a caçula.
Aí eu fui na doutora porque minha irmã, 5 anos depois da menopausa
ela engravidou. Aí eu fiquei pensando: “Será que eu vou engravidar
também? Eu fiquei com medo”. Fui na farmácia pra comprar o teste e já
tava com um mês que não vinha, mas eu tava sem dinheiro, que nesse
tempo eu não trabalhava, e pensei que na segunda-feira eu voltava lá
pra comprar. Na outra semana veio. Aí começou assim, de 2 em 2
meses não vinha, 3 meses e assim foi. Até os 50 anos deixou de vir. Foi
cedo. Eu nem fiz tratamento. Nem sabia que fazia tratamento. Não
tomei nada, agora calor eu senti muito. Até hoje eu sinto muito calor e
não sei se é disso, que eu não fiz tratamento né. Às vezes eu tô com
muito calor, por isso que meu cabelo é curtinho. Não agüento cabelo
comprido. Eu pinto, mas não deixo ele comprido. Ele cresce rápido, mas
eu corto e pinto, que eu não quero deixar os brancos aparecer. Daqui a
pouco ele fica branquinho, que vai crescendo, aí eu pinto. E outra coisa,
muitas pessoas perdem a virgindade porque vê na televisão, mas gente
isso é do homem. Na lei de Deus só no casamento que é pra ter
157
relações. Eu tive antes, mas..... Foi com o primeiro, eu tinha 16 anos. Eu
não casei porque ele foi embora. Ah, mas meu pai quase me mata e me
batia. Foi horrível. Eu nunca fiquei grávida ou tive filho, mas quando eu
fui casar eu contei pra não dizer que eu tinha enganado né. Se
enganasse era pior. Nesse tempo era ruim! Não tomei nada porque eu
só fiz essa vez mesmo. Só foi aquela relação e acabou, não vi mais ele.
Também fiquei escondida, sem falar nada. Depois que eu arrumei esse,
que eu contei pra ele, ele foi e contou pra minha mãe. Aí foi aberto e ele
disse que queria casar comigo, mesmo assim, que ela não se
preocupasse que eu não ia ficar prejudicada. E foram 46 anos de
casado. Ele era muito bom, nunca soube que ele tinha mulher na rua.
Nunca. Morreu e mesmo depois, às vezes a gente vê falar que aparece
outra mulher e filho, mas com ele não. A nossa dificuldade era só
financeira, mas sobre traição não. Ele era romântico, cantava, fazia
poesia, cozinhava. Depois que ele se aposentou, e a mãe dele faleceu,
ele fazia muito a comida. Eu saía e quando eu chegava tava tudo
pronto. E é difícil hoje em dia encontrar um assim. Eu podia tá até em
casa, mas ele dizia que ia fazer a comida e fazia. Tinha dia que ele se
zangava e dizia que eu não ia sair, que era pra fazer comida porque ele
queria comer às 11:00 horas e quando eu via ele já tava era fazendo
(risos). Era só da boca pra fora que ele falava. Ele foi muito bom. Depois
que se aposentou não saía pra nada. Era só fazendo comida, fazendo
alguma coisa de casa, varrendo quintal, arrumava porta. Onde tinha
alguma coisa pra arrumar ele ia. Ele não ficava parado, mas não queria
sair. Até pra receber dinheiro ele mandava meu filho pra receber
porque ele não gostava de sair. Então eu digo que eu nunca soube,
nesses 46 anos, que ele teve outra mulher. Agora dizem que antes de
mim ele era muito namorador (risos). Muito, muito mesmo. Ele dizia que
eu que endireitei ele (risos). Que antes ele era muito namorador, tinha
muita mulher, era livre e ele largou tudo.
E quando eu entrei na menopausa, eu nem sabia. Eu nem fiz
tratamento. A minha mãe também nunca fez tratamento. Nunca ouvi
ela falar. Eu me consultei porque eu pensei que tava grávida. Com 45
anos começou a menstruação a parar, aí eu pensei que tava grávida. Eu
ia até tomar remédio, que minha prima disse que tinha um muito bom
pra descer, mas aí na outra semana veio a menstruação. No dia que eu
fui comprar o remédio, desceu. Ai começou a vir de novo normal, mas
tratamento eu não fiz. A única coisa que eu sinto hoje é uma quentura
na cabeça. Eu liguei, mas quando começou a falhar eu tive medo de tá
grávida. Eu liguei e fiz períneo. Graças a Deus essa operação foi muito
bem feita. Hoje em dia eu vejo é muita senhora, de 70 e 80 anos, tendo
problema e tendo que fazer períneo. Ou então que já fez e que vai ter
que fazer de novo porque a bexiga baixa. Eu fiz tá com a idade do meu
filho caçula, e não sinto nada. A cirurgia foi bem feita. Esse médico foi
muito bom. Antigamente eu acho que era melhor que hoje. Os médicos
eram mais atenciosos. Fez uma cirurgia bem feita, que eu nunca tinha
levado ponto e não senti e nem sinto nada. Eu só fiz essa cirurgia e uma
no meu pé, que eu tinha problema de joanete. Ah, uma vez também fiz
uma pequena operação de varizes, mas em nenhuma delas teve
158
complicação. Agora mesmo, mês retrasado eu fiz preventivo e a
doutora disse que tinha um problema de ressecamento, que não tava
úmida, tava seca né, e passou um remédio. Tinha também uma
inflamaçãozinha, mas aí eu cuidei e tá tudo certo agora. Não tenho
coceira, não tenho corrimento. Quando eu era mais jovem, eu tinha,
mas agora parou, não tem nada. Sempre eu faço também exame de
sangue, pra cuidar a saúde. Tem até que marcar. Agora meu marido
não era assim. Ele reclamava que eu só vivia no medico (risos). Meu
irmão, que também morreu, era outro que não gostava de médico, mas
quando ele adoeceu é que ele sentiu que devia ter ido antes. Só que pra
ele não teve mais jeito! Ele fumava muito e bebia. Ele morreu com 59
anos. Meu marido morreu há quatro anos e até minha nora perguntou
se eu não sentia falta daquilo. Eu disse eu às vezes me lembro, dá
saudade dele também, mas dá pra passar, dá pra passar. Vai fazer 4
anos dia 25 de setembro.
Por exemplo, lá no GEN tem muitas que ainda tem marido, mas
tem outras que querem encontrar um. Tem umas bem assanhadinhas
(risos). Viúva lá parece que só tem eu e mais duas. O resto é casada,
mas ninguém fala. Só assim quando surge uma brincadeira. Os maridos
nem vão nas reuniões, porque homem não gosta. Lá só tem o marido de
uma que vai. E ele acompanha ela porque de resto, é muito difícil eles
irem. Meu marido mesmo, quando vivo, nunca gostou. Ele dizia que isso
era coisa pra quem não tem o que fazer. Eu ia nas reuniões do quartel,
quando tinha, e tinha brincadeira, música. Eu ia, mas meu marido não
gostava. O marido da minha filha é outro que não vai, mas se chamar
pra ele tomar uma cerveja, ele vai (risos). Meu filho também é outro que
não gosta. Ele não gosta nem de ir em festa de aniversário. Até na festa
dos pais, no GEN, eles não foram. Elas pediram pra convidar idoso, mas
quem disse! Os próprios maridos não queriam ir. Agora no dia das
mães não, é diferente. Vai todo mundo e pode levar uma filha, uma
nora.
Às vezes eu penso em arrumar outra pessoa. Tem até uma prima
do meu marido que mora no Angelim e ela me disse pra botar na
internet, que já apareceu um pra ela, mas eu disse que não. A gente vê
tanta coisa estranha acontecendo por aí né? E eu até falei pro meu
filho, mas ele disse que na internet não, que tinha perigo, mas ele não
vê problema se eu encontrar outra pessoa. Se eu quiser, eu sou livre!
Agora tem que aparecer alguém do meu nível. A minha irmã tem um
namorado. Ela tem 75 anos e também é viúva. Ela já teve um, dois, e
esse agora é até Peruano, é idoso também. Ela disse que é boa pessoa,
que ela quer ter alguém pra passear, dançar e ela perguntou: “Minha
irmã, tu não sente falta?” Eu digo que às vezes, mas até agora não
apareceu (risos). Aqui na rua tem dois aí, mas não sei....Já mostraram
interesse, mas a família de um é muito problemática. Ele tá com quase
4 anos também de viúvo. Depois que meu marido morreu a mulher dele
morreu. Ele já tem neto também. O outro veio até aqui falar com meu
filho (risos), mas na hora não teve coragem. Aí ele disse pra minha
neta: “Ah, eu fiquei com vergonha”, mas ele não veio. Se aparecer e for
uma boa companhia, que goste de Igreja, vá pra Igreja também, ter a
159
união abençoada por Deus, porque eu vou muito à igreja. Vou quarta
feira a noite, tem oração. Vou à vigília também. Meus filhos também
vão. Eu disse pra minha prima que se aparecer uma pessoa boa pra me
ajudar, porque nessa idade a gente precisa de ajuda, companheirismo,
diálogo e eu penso em casar de novo. Às vezes eu fico aqui sozinha, dia
de domingo então, nem se fala. Meu filho que liga e pergunta se não
quero ir pra casa dele, se precisa fazer uma feira, essas coisas. Ele traz
abacate, macaxeira, que eu gosto, e assim que é. Eu até pensei em
morar só, num apartamento, mas ele não deixou. Disse que ia ser pior
pra mim ficar sozinha, e que aqui tem sempre gente me
acompanhando. Eu tirei uns empréstimo e agora não posso, mas é só
terminar que vou pensar nisso. Se eu não tivesse esses empréstimos eu
já tava lá. Peguei o dinheiro pra arrumar a casa, que não era assim, e
ele veio morar comigo. Agora a minha neta caçula, a Patrícia, ela que
disse que o senhor aqui da rua falou primeiro pra ela. Ela tava na Lan
House e ele, que quer casar comigo, mandou recado (risos). Este outro
que falou com ela é só, separado, não é viúvo não. Ele mora aí com a
filha e a neta, mas ele nunca falou nada pra mim não.
Às vezes sinto falta de ter relação. Não é todo dia, igual quando
era jovem, mas sinto. Até minha nora perguntou (risos). Eu não vou
mentir. A gente se lembra como era, mas aí a gente supera. Meu
marido era muito carinhoso, aí isso facilitava, mas às vezes ele até se
zangava porque eu não queria. Eu dizia que tava com dor de cabeça e
ele ameaçava procurar outra mulher, mas ele nunca foi (risos). Passou
esses anos tudinho comigo. Ele dizia isso só na hora que tava zangado.
Sabe como é homem né? É mesmo como um animal quando quer e a
gente não quer. Meu filho e a mulher dele também são assim. Ela chega
aqui de manhã e diz: “Dona Rosário, ele tá com raiva de mim porque eu
não quis fazer aquilo ontem”. Eu me acabo de sorrir! (risos). Eles ficam
zangado (risos). E assim que era meu marido também, ficava zangado e
até mal, às vezes, comigo. Tem que ser na hora que eles querem, mas
nem sempre a gente tá disposta né? Só que eles não querem saber. Eu
falava muito que não tava com vontade porque tava com dor de
cabeça. Eles sempre foram mais livres, desde de menino. Agora tinha
também os casados que eram casados só da porta de casa pra dentro,
pra fora é de outra. As moças de hoje dão tudo em cima mesmo,
querem nem saber de nada. Tem umas que o homem pode ser casado,
mas elas vão lá falar com ele.
160
JOANA
Eu tenho 60 anos. Eu nasci em Cururupu, cidadezinha daqui do
Maranhão. Eu vivi lá a minha infância.....praticamente a infância toda
lá. Quando eu vim pra cá eu já tinha 18 anos. Eu vim pra casa de
parente. Eu vim estudar aqui e fiquei na casa de parente. Até
porque.....lá o estudo era fraco, e meu pai era de pouca condições,
então eu morava na casa de parente aqui. Vim pra estudar, pra
continuar estudando. Só fiz até o segundo grau. O meu pai era
pescador. A minha mãe, dona de casa e ajudava também. Ela ajudava
assim na roça, mas ela não era de trabalhar direto na roça. Ela dava
sempre uma ajuda porque meu pai além de trabalhar na pescaria ele
também trabalhava na roça. Era mais a farinha, pro nosso consumo.
Não era pra ele vender ou....viver só daquilo. Ele tinha...da pesca era
pra ele vender. Ele vendia. Passava 15 dias fora de casa pescando aí
voltava por 15 dias, aí tornava a voltar. Aí nesse intervalo ele ia na
roça, ele fazia um pouco de farinha pra gente não ter que comprar. Eu
vim pra São Luís. Eu morava no Bairro de Fátima junto com uma prima
do meu pai. Aí depois essa minha prima ela foi pra Belém [Pará]. O
marido dela trabalhava na Petrobrás e ele foi transferido pra Belém e
aí eu fiquei...me mudei pra cá pro São Francisco, pra casa de outra
prima de papai. Eu morei aqui até um determinado tempo. Depois foi o
tempo que eu tive um filho, meu primeiro filho, mas não cheguei a
morar com o pai...não cheguei a morar com o pai... e eu voltei pra lá,
pra Cururupu. E lá eu ensinava no interior. Eu comecei a ensinar e como
professora leiga: só ensinando o básico mesmo. Aí depois, quando meu
filho já tava com uns três anos, eu voltei pra cá pra São Luís. Aí eu fui
trabalhar na época. Tá com uns 30....Não, 32 anos, que é a idade do
meu filho mais velho, porque eu tenho dois. O mais novo, que eu tive
agora do meu segundo relacionamento, da pessoa com quem eu convivo
até hoje, já tem 23 anos. Já tá formado, graças a Deus. Formou lá na
UFMA em Química Industrial e aí já ta trabalhando. Só um mora
comigo. O outro já é casado, já tem família. Eu já tenho uma neta. Ele
morava aqui perto também, aqui no São Francisco, mas agora ele ta
morando no Turu. Comprou um apartamento pra lá e tá morando. Ele
trabalha na Skincariol.
A minha infância foi muito rígida. A minha mãe, a criação era
muito rígida, a gente foi criado obedecendo, respeitando, apanhando e
tinha que obedecer... Nós tínhamos que obedecer nossa mãe até pelo
olhar. Só de olhar já sabia qual coisa ela não gostasse. Bastava um
olhar. Pelo olhar a gente já sabia o que ela... que ela não tava gostando
daquilo. Tinha que procurar o jeito de concertar aquilo. Então a gente
tinha muito respeito, principalmente as pessoas mais velhas. E
apanhando mesmo. Meu pai era diferente. Ele sempre queira que a
gente respeitasse e tudo. Também era a favor do respeito...a gente
tinha que andar na linha direitinho, mas ele não era muito de bater.
Era mais de conversar. Minha mãe era mais rígida, ela batia e
161
bastante. Tão vivos até hoje, graças a Deus. Já moram aqui. Vieram
embora com minha mãe muito doente. Ela é diabética, hipertensa. Meu
pai também. Então, foi uma luta a gente, nós lutamos muito pra eles
virem pra cá, porque eles não queriam. Eles gostavam de lá, da vida de
lá. Já eram acostumados, mas como ela vivia muito doente nós, depois
de muito tentar, conseguimos vender a casa de lá e comprar uma outra
aqui. Hoje ela mora aqui no mesmo bairro, perto. Eles tiveram seis
filhos, dois homens e quatro mulheres. Já tem uma falecida. A mais
velha é falecida. O respeito tinha que ser de ambas as partes, mas
tinha diferença na criação. [Pensativa]...É, algumas coisas que o homem
podia fazer. Assim, como no caso: o homem tinha mais liberdade pra
sair. Nós mulheres fomos...por exemplo, se tivesse uma festa, vamos
supor, se fosse uma festa de época como no Natal, que era quando
tinha algo, se a minha mãe não pudesse ir nos levar, tinha que ser ou
com uma tia, uma irmã dela, ou a minha avó. Tinha que ir alguém de
responsabilidade levar. Já os meninos não. Eles poderiam ir com os
amigos, mas no nosso caso não ia. Se não tivesse alguém de
responsabilidade pra levar, não ia. Se ela não pudesse ir acompanhar,
não ia. Aí a minha irmã mais velha ela casou com 13 anos. Então ela
sempre saiu. O marido dela sempre gostou muito de sair, de festa e
tudo, e nós podíamos ir com ela. Com ela, porque ela já era casada,
tinha mais responsabilidade. Então eu e uma outra, que é quase da
minha idade, que ta lá na UNITI também, iríamos porque a mais nova,
quando minha mãe teve essa outra, nós já estávamos bem grande. Ela
já tava assim entrando no período de menopausa quando ela
engravidou. Então a diferença é bem grande. E nós que cuidávamos
mais dela, ajudava mamãe. Aí lá em casa era tudo assim. Todo mundo
tinha que aprender a fazer as coisas em casa e lá era dividida as
tarefas. Era uma semana pra cada. Nós tínhamos tarefas a cumprir,
tarefas da casa. Varrer, limpar, pegar água. Os homens não. Os
homens ajudavam o meu pai na roça ou na pescaria que fosse, mas
todos nós ajudávamos e estudávamos. Meu pai pagava uma professora
particular pra ensinar a gente, apesar de que são analfabetos.
Os dois são analfabetos. A minha mãe ela não era...porque minha
avó não freqüentou colégio pra não saber fazer carta pra não namorar
(risos). ... A minha avó também, porque os pais não botavam na época.
Então ela morreu analfabeta. Com certeza ela tinha algum namorado
né (risos)!!!. Eles achavam que.... assim, na época dos meus bisavós, no
caso, era um meio do namoro, de facilitar o namoro pra saber fazer
uma carta, um bilhete, alguma coisa. Então por isso eles não botaram
ela pra estudar. Eles preferiam levar pra roça, que era um serviço que
eles estavam ali de olho. Tava junto com eles. O que isso aí não ia
impedir depois né? Porque minha avó depois casou e teve os filhos e eles
não tiveram chance de prender. E com a minha mãe também foi a
mesma coisa. Agora o meu pai aprendeu um pouco. Ele sabe assinar o
nome dele, mas ele não aprendeu muita coisa e também não tinha
muita chance porque meu avô adoeceu muito cedo e ele era o filho mais
velho e teve que cuidar dos irmãos e da família. Meu avô faleceu logo e
ele que assumiu a responsabilidade. Desde pequeno, criança ele
162
trabalhava. Ele não teve chance. Depois ele conseguiu aprender muito
pouco... ele mal assina o nome dele. Agora minha mãe, essa não. Até
porque nós tentamos, mas ela é muito rígida. Ela achava que quando a
gente queria ensinar pra ela era uma ofensa, uma falta de respeito, pra
dizer que não sabia. Eu acredito que seja assim: nada o filho tinha que
saber. Quem tinha que ensinar tudo eram os pais. Eu acho que era
assim....ela tá viva hoje. Nós vivemos cuidando dela. Ontem, no caso, eu
iria marcar com você, mas tive que levar pra vacinar os dois [vacinas
contra Influenza tipo A, também conhecida como H1N1]. Eles estão
bem. Meu pai tem 91 anos, mas ele não aparenta a idade. Aparenta ser
bem novo. E ela tem 85 anos, mas ela aparenta ser mais velha que ele.
Ela é mais nova e aparenta mais porque ela vive muito doente...é
diabetes, hipertensão. Ela quase não sai. É muito difícil sair porque tem
sempre que ter alguém com ela. Ou eu, ou minhas irmãs - as outras
duas – mas moramos todos aqui no São Francisco.... um da assistência
pro outro quando precisa.
Quando eu cheguei aqui em São Luís eu vim morar na casa de uma
prima de meu pai. Estudava e fui bem acolhida por essa prima, apesar
de não conhecer nada, não saber nada, nada, nada e foi muito difícil.
Eu estudava no colégio Nina Rodrigues e meu pai fazia um sacrifício
enorme, nesse tempo, pra pagar o colégio, porque a gente não tinha
muito conhecimento aí com o colégio... Tinham muitos colégios, vários
grátis, do Estado, mas a gente não tinha muito conhecimento se era
bom. Então eu fui pra esse colégio e a minha prima, ela ajudava muito.
Ela me ajudou muito. Então eu estudei até.... eu terminei até a 8ª série
lá nesse colégio. Aí depois, no tempo que eles viajaram, eu ainda não
tinha terminado a 8ª série quando eles viajaram. E eu fiquei aqui no São
Francisco na casa de outra prima. Terminei o colégio e foi o tempo que
eu conheci o pai do meu primeiro filho. Aí engravidei e não fiquei mais
aqui. Voltei pro interior e tive menino lá. Aí depois de três anos que eu
voltei novamente pra cá. Quando eu descobri que tava grávida, eu
escondi. Eu passei cinco meses grávida e escondendo. Ninguém sabia.
Eu acredito que como era a primeira gestação, eu não tinha quase
barriga. E eu apertava né. Amarrava um pano pra ninguém saber. Aí
depois ficou muito difícil pra mim, porque o povo ia falar: “Ah, é mãe
solteira. Não vai morar com o pai do filho dela (em tom de
reprovação)”. Não contei nada e quando ele foi saber..... assim, eu
morava aqui na época, que eu estudava aqui, tava terminando o 2º
grau quando eu engravidei. Terminei o colégio e o que é que eu fiz? Eu
fui embora pro interior e quando ele soube eu já tinha tido a criança lá.
Ele nunca procurou assim.... e também eu não quis mais, não quis
mais.... não procurei aproximação. Ele sabe, conhece, mas eu também
nunca procurei. Eu assumi. Eu trabalhava e eu mesma assumi. Eu
trabalhava lá mesmo no interior. Eu ganhava pouquinho, mas dava e
com a ajuda dos meus pais fui levando. E com os meus filhos, eu
também tinha o mesmo tipo de educação da minha mãe, de não falar
nada. Eu tive problema, principalmente, com o meu mais velho. Quando
eu vi, ele já tava namorando, mas eu não tinha a liberdade pra falar,
como a gente vê hoje. Eu tinha a mesma dificuldade visto o meu tipo de
163
criação. Eu não tinha aquela facilidade pra conversar. Eu não cheguei a
ter, porque hoje eu já falo, mas antes não. Já hoje, o meu mais novo,
que já namora, já hoje melhorou. Agora quando eles precisaram,
quando estavam rapazinhos, pra gente conversar, eu não tive essa
iniciativa porque eu não tinha abertura pra falar. Eu tinha dificuldade
pra falar com eles.
Hoje eu vejo que os idosos tem que namorar, aproveitar também.
O povo pensa que porque está velho não pode namorar. Não. Isso aí
tudo mudou hoje em dia. Quantos deixaram de namorar, na terceira
idade, só de ouvir outras pessoas dizer que não podia mais. “Ah, não
faz mais nada”. Aí aquilo vai morrendo, vai parando e hoje em dia a
gente vê que não é assim. A gente já sabe que é até bom pra própria
saúde da gente. É bom pro bem estar. É falado muito lá na UNITI, mas
nós não tivemos aula diretamente sobre esse assunto. É falado sempre.
Pra algumas pessoas tem problema de falar disso. Tem algumas
pessoas, eu até acredito, que devido à criação. A maioria teve uma
criação mais rígida e tem dificuldade pra conversar, mas eu acredito
que mudou e tem muita gente que já tem outros pensamentos. Eu ainda
tenho relações com meu marido. Sinto prazer e tudo, mas quando eu
comecei a entrar na menopausa, com 42 anos, eu tive dificuldade. Eu
tinha a dificuldade porque o prazer era mais difícil. Porque eu sentia
que, no caso, a vagina da gente fica muito ressecada. [Pensativa]... No
meu caso, na menopausa, logo no início eu senti uma mudança muito
brusca. A gente não quer conversar com as pessoas, a gente quer se
isolar. Se bem que em mim foi uma coisa muito passageira. Eu não tive
muito assim. Eu tinha preocupação porque minha mãe teve. A minha
mãe, na menopausa, ela teve muito doente. Logo no início eu achava
que eu também ia passar pelo que ela passou, mas aí eu acredito que eu
não tive porque quando eu terminei, parei com 45 anos, mas não foi
assim direto. Eu acho que isso ajudou.
Eu vim parando aos poucos. Tinha mês que eu menstruava, tinha
mês que não. Aí eu passava três meses sem menstruar e quando eu
menos imaginava vinha. Eu não cheguei a ter....assim.....calor, aquele
calor insuportável! E às vezes baixava uma depressão....um início de
depressão. Em outro tempo eu jamais falaria ou chegaria pra falar isso
pra médica! Hoje em dia eu já chego e falo pra ela a situação. Quando a
pessoa entra na menopausa o prazer diminui, mesmo pelo fato dos
hormônios que mudam tudo. E a gente sente a dificuldade na
penetração. Quando a vagina da pessoa tá ressecada, ela não vai sentir
prazer. Ela vai sentir é dor ou arder. Então, hoje em dia já tem os
cremes que a gente pode usar. E isso já melhora muito. No meu caso eu
já uso creme direto e eu deveria tomar hormônio, mas aí como eu já
sou operada do seio a médica achou melhor eu não usar hormônio. Eu
já tirei um nódulo. No começo eu não falei nadinha. A mudança é muito
brusca. Eu não cheguei logo e me abri com meu marido não. Logo de
imediato, não. Eu passei em alguns médicos, que eu também não tinha
coragem de falar dessa dificuldade. Aí foi quando eu conheci a Dra.
Socorro e ela começou a fazer perguntas e aí eu comecei a me soltar
mais. Eu já tive coragem de perguntar as coisas. Eu já tinha passado
164
em outras médicas, mas mesmo assim não falava. Quando eu comecei a
entrar na menopausa, eu me consultava com médico e eu não tinha
coragem de chegar e falar pra ele. Eu tive muito tempo uma
ginecologista, mas como aconteceu uma mudança e ela teve que sair.
Eu não soube mais dela, e mudei pra um médico, o doutor Ademar. Ele
já era um senhor, mas eu não tinha coragem de falar, de relatar essa
parte. Com a doutora Socorro foi diferente! Com ela não precisou nem
eu chegar e falar logo. Depois que eu conversei com ela aí que eu já fui
conversar com meu marido. Aí ele entendeu minha dificuldade. Antes eu
também não procurava meu marido. Antes eu não procurava. Eu
achava que aquilo era vergonhoso, porque eu fui ensinada assim: “Que
o homem que tinha que procurar a mulher”. Então era vergonhoso se
uma mulher procurasse o marido! Era assanhamento! Era isso, era
aquilo. Então eu não procurava porque eu tinha vergonha. Depois, um
dia, ele perguntou pra mim porque eu não procurava ele. Ele chegou e
perguntou pra mim se eu não sentia vontade? Foi aí que eu me abri. Eu
disse que sentia, mas tinha vergonha. Ele disse que eu não devia sentir
vergonha. Ai que mudou, melhorou. Antes eu não tinha coragem de
chegar e tomar a iniciativa. Eu tinha que esperar. Eu achava que era
assim, que tinha que ser assim. Porque eu fui ensinada assim. Eu não
falava nada. Hoje já mudou. Hoje eu aprendi que a gente tem que falar
o que gosta, o que agrada, que dá prazer. Tem que dizer o que a gente
acha, o que a gente gosta. Hoje em dia tudo é diferente. A gente vê na
televisão, a gente lê. Eu gosto muito de ler. Às vezes vejo alguma
entrevista. É bom se informar e saber mais. Antes eu vinha seguindo o
mesmo exemplo da minha mãe. Assim, não era o mesmo, o mesmo
[bem enfática], mas muita coisa veio mudando aos poucos. Às vezes é
um a opinião aqui de uma colega..... Eu tenho algumas colegas que
conversam comigo e já dou até certos conselhos com as colegas que
vem e se abrem comigo. Quer dizer, já converso porque antigamente eu
tinha vergonha, eu não falava. Eu tinha vergonha porque eu aprendi
assim. Eu não procurava porque achava que era vergonhoso, que o
certo era o homem procurar, mas hoje mudou.
Eu acho....eu não tenho certeza, não tô lembrada, mas acho que foi
na idade de 13 anos que eu menstruei. Foi nessa faixa. E tinha muita
coisa que falavam, na época, que podia fazer, não podia comer. Ah,
mas era muita coisa! A gente não podia comer tanta coisa. A minha
avó, ela era muito....assim, ela dizia que entendia de muita coisa. Ela
era do tempo que tudo fazia mal. Até uma fruta, sem ser em período de
menstruação ou não, tinha problema se misturasse com outra. Até hoje
ainda tem....por exemplo, o Açaí. Quando eu tomo Açaí eu já tenho
aquela coisa de não poder comer outra coisa. Isso ainda ficou, mas
muita coisa já saiu. Já não faço mais. Algumas coisas saíram. A gente
foi aprendendo que não fazia mal, mas o Açaí ficou. Eu ainda lembro de
Laranja, que era uma das frutas. Abacate, Buriti...é...Melancia, Goiaba.
Eram inúmeras frutas. Manga. Lá onde a gente morava tinha muita
Manga. Eu sempre fui louca por Manga, mas não podia. Manga fazia
mal. Todo mundo dizia que principalmente Manga. Eu lembro que
minha avó dizia assim: “Manga é pus. Não pode” (risos). E ela fazia
165
muito remédio caseiro. Chá de hortelã, que era pra acalmar, pra má
digestão....toda erva ela sabia alguma coisa. Tanto que eu queria ficar
na Fitoterapia [disciplina da UNITI], mas não deu por causa do horário
pela manhã. Ela tinha muitas ervas. Ela tinha canteiros e mais
canteiros de ervas. Todo mundo que precisava ela sabia o que dar. A
gente morava num lugarzinho e lá era pequeno e tudo, não tinha
médico, e tudo ela sabia. Ela sabia remédio pra dor de dente, pra dor
de ouvido, pra febre, remédio pra tudo, pra tudo mesmo. O banho
também. Era recomendado que a gente tomasse um banho rápido. Não
podia banhar na parte da tarde. Não queriam que molhasse a cabeça.
Tinha todos uns cuidados, assim. Eu tinha cólica e ela fazia um chá de
uma folha que eu esqueci agora.
Eu fui cheia de problema nos partos. O meu primeiro parto foi
normal. E eu tive uma hemorragia, passei mal e fui pro hospital. Eu tive
o primeiro menino em casa. Não foi com médico, foi com parteira. Foi
normal, eu tive a criança normal. Após o parto eu tive a hemorragia e
então eu fiz uma transfusão de sangue, lá mesmo em Cururupu, mas
como eu tive em casa e passei mal eu fui pro hospital. E ficava longe lá
de casa, lá do povoado pra cidade. A gente tinha que ir ou de rede ou
de canoa. Eu fui na rede porque na canoa o horário dependia de maré e
de ter uma canoa pra levar e nem sempre tinha canoa pra levar. Então
a maioria ia de rede. Muitos homens seguravam a rede e amarrava
num pau, como no tempo dos escravos. Amarrava a rede e levava no
ombro. Eu fui assim, perdendo muito sangue. Sensação mal mesmo. Fui
pra Santa Casa de Cururupu e lá eu tive que fazer uma transfusão de
sangue e me deram o sangue errado. Aplicaram o sangue errado. Eu
sou A- e tomei A+ [Eritroblastose Fetal]49. Eu tive problema. Eu perdi
duas gravidezes antes do meu segundo filho. Eu não sabia o motivo e
nessa época eu morava no Rio de Janeiro. Lá eu perdi essas gravidezes
e quando eu engravidei do Carlos, o segundo filho, que foi descoberto
que meu problema era o sangue. Aí eu fiz um tratamento, tive que ficar
internada. Tive que receber transfusão intra-uterina, sangue no útero.
Foi um tratamento muito rigoroso que eu fiz. Eu ficava mais tempo no
hospital do que em casa. Às vezes eu passava o dia todo no hospital e
voltava só de noite pra casa. Às vezes eu tinha que passar a noite,
fazendo a preparação, pra no dia seguinte receber a transfusão intrauterina, mas eu nunca cheguei a evitar. Nunca evitei porque depois eu
já fui ligada. Ele, o médico, disse que eu tinha que ligar por causa do
problema. Eu não ia poder mais engravidar porque, daí pra frente, toda
gravidez ia ter problema. No caso, tudo isso aconteceu porque eu devia
ter tomado uma vacina e como lá no interior não sabia, eu não tomei.
A minha mãe sempre teve vergonha de contar as coisas. Conversar
com a gente, se abrir com a gente. Ninguém contava, era assim como
algo vergonhoso. Eu não sabia de nada. Eu lembro assim porque
49
Conhecida como doença de incompatibilidade de Rh sanguíneo, ocorre quando a mãe é Rh
negativo e entra em contato com sangue de Rh positivo do filho ou por transfusão de sangue
acidental. A partir do contato entre os sangues de Rhs distintos, é preciso realizar tratamento para
que este Rh positivo, numa possível segunda gravidez, não entre em contato com o sangue da
criança gerada. http://www.medicina.ufba.br/imuno/roteiros_imuno/imunologia_da_reproducao.pdf .
Acesso em 27 de junho de 2010.
166
quando eu menstruei eu não sabia nem o que é que era. Quer dizer, não
sabia entre aspas, porque eu já olhava minha mãe aqui e acolá, visto
que elas usavam panos, não era absorvente. Eu olhava e criança
sempre é curiosa e eu perguntava, mas elas não queriam nem
responder o que é que era aquilo. Quando elas respondiam, respondiam
errado. Era assim: “Ah, isso aí, isso é meu. É que eu uso e tudo...”, mas
não dizia o que era, qual era a finalidade. Aí quando eu menstruei, eu
me assustei. Eu não sabia o que é que era, mas tinha mais ou menos a
idéia, já imaginava né? A gente conversava, eu e minhas primas. Às
vezes as primas mais velhas, que menstruava primeiro, contava que
nós iríamos passar por isso. Porque do jeito que era minha mãe, eram
minhas tias. Sobre sexo, nem falavam. Nem podia falar sobre sexo. Se
falasse já era apanhando, era assim. Então aos poucos a gente ia
descobrindo. Eu sabia que existia a menstruação, mas eu não
explorava, eu gostava era de brincar, tomar banho em rio. E nos
primeiros dias eu escondi. Eu fiquei escondida, toda sem jeito. Depois
que eu falei pra minha mãe e ela ficava com vergonha. Ela não olhava
nos meus olhos. Por isso que os pais tinham todos os cuidados pros
filhos não namorarem. Os meus parentes anteriores eram todos
analfabetos. Eles não iam pro colégio pra não saber fazer carta pra
namorar. Tinha esses cuidados todos na época.
Eu tive um namorado lá em Cururupu. Foi mais ou menos um ano,
um ano ou pouco mais de um ano que a gente namorou. E quando eu
vim pra cá que eu conheci o pai do meu primeiro filho. Eu tinha 16 anos
quando perdi a virgindade, mas não foi com o pai do meu filho mais
velho. Foi com o de lá [Cururupu]. Nos não chegamos a morar juntos.
Naquela época ninguém conversava, era cheio de dúvidas. É como eu
falei, a gente tinha até medo de tocar no assunto. A gente não tinha
orientação nenhuma. Falar nisso aí era...sobre relações....não se tinha
nem conhecimento. Naquela época era um problema ser mãe solteira.
Tinha muito problema, e como tinha! Por isso que os pais tinham tantos
cuidados. Depois que ele nasceu foi muito bem acolhido por eles. Eles
acolheram ele e eu sempre trabalhando e não deixava nada faltar.
Quando eu voltei pra cá eles não quiseram deixar ele vir comigo. Aí
minha irmã já morava aqui e eu vim morar com ela e trabalhar. Depois
que eu tive meu filho, o primeiro, eu comecei a trabalhar nesse tempo
nas Lojas Brasileiras. Eu dei uma sorte e comecei a trabalhar direto.
Primeiro eu fui pra uma casa de família, mas um dia, eu pela rua, olhei
a loja e pensei: “Um dia eu ainda trabalho aqui!”. Porque eu achei muito
bonito as meninas lá trabalhando. Ai eu achei...me deu uma vontade
muito grande, mas eu já trabalhava em casa de família. Eu tomava
conta de uma criança, mas foi pouco tempo. Eu passei acho que...que
dois meses tomando conta dessa criança. Aí eu passei lá, entrei na loja,
me informei, sem saber de nada. Eles mandaram eu subir uma escada e
lá era um escritório. Eu fui, quando eu cheguei lá estavam fazendo
inscrição. Eu fiz minha inscrição, fui chamada pra fazer a prova. Fiz a
prova, passei e fiquei trabalhando na lanchonete.
Com um mês que eu tava trabalhando lá...eu não sabia de nada...e
depois eu descobri que eu tinha entrado em período de Natal. Só mesmo
167
aquele período e depois saía. Aí eu...eu...mas nesse período eu aprendi
“o caixa”. Aprendi como funcionava o caixa, como trabalhar no caixa.
Nós tínhamos o horário de almoço e nesse horário eu não descansava.
Eu ia lá pra baixo olhar como as meninas trabalhavam. Fui aprendendo
e com 2 meses, que eu tinha entrado lá, eu fui dispensada por causa do
período, mas logo depois passei só 15 dias e fui chamada novamente.
Quando eu voltei, a lanchonete entrou em reforma, e nós tínhamos que
ficar nas outras sessões. E eu ficava direto próximo a um caixa, porque
eu queria aprender e aprendi. A lanchonete voltou a funcionar eu já
voltei como caixa. Fiz todo um treinamento, fiz uma prova e passei e
entrei como caixa. Eu trabalhei lá dois anos. Teve uma falta lá...e eu
pedi pro caixa ser conferido e eles falaram que na hora não dava. E ele,
o subgerente, queria que eu assinasse assumindo essa dívida do que
tava em falta no caixa. Eu falei que eu não iria assinar. Sem o caixa ser
conferido eu não assinava. Aí ele achou que era uma falta de respeito
com ele e eu não assinei e eles me mandaram embora. E não tinha falta
no caixa. Eu soube depois, no outro dia, quando eu voltei lá no
escritório ela me disse que o caixa tava certo, que teve um engano
porque eles não queriam parar uns momentos. Eles queriam ali, em
funcionamento, fazer a conta. Não tinha como, mas era assim que eles
faziam. Aí sempre dava engano. Sempre dava erro. Depois teve alguns
acontecidos lá e eles botaram dois caixas. Um fechava no horário.....
Porque era assim: saía uma turma mais cedo, que era essa turma que
eu tava. Eu saía de 17:00 horas por que eu pegava às 8:00 horas da
manhã. Eu tive um ano na turma que pegava às 10:00 horas e saía às
19:00 horas. Na época era sete da noite. Depois eu mudei pra primeira
turma porque eu perdia muita aula, estudava a noite e perdia aula. Aí
eu lutei muito tempo pra passar pra primeira turma até que eu
consegui passar. Trabalhei também num supermercado, aqui no São
Francisco. Sempre eu trabalhei, mas na época que eu trabalhei nas
Lojas Brasileiras eu só tinha o meu filho mais velho, o Pedro. E a minha
mãe ficava com ele. Ela que cuidava, porque ele nem morava comigo. Aí
eu trabalhei no supermercado Oliveira, aqui no São Francisco. Quando
o meu filho mais novo nasceu, que ele nasceu com problema, aí eu já
me dediquei mais a ele. Eu não trabalhei mais. Depois que ele já tava
com uns três anos é que eu trabalhei um período no Estado com
criança, inclusive, numa Creche. Eu trabalhei com criança nessa época.
O lugar dessa creche é hoje o Socorrinho. Na época era uma creche. Eu
trabalhei dois anos no Estado e depois fiquei parada, foi quando eu
botei um bar na Ponta d’Areia. Era um quiosque. Eu tive uns problemas
de saúde e parei. Até aí o Carlos me ajudava lá, o mais novo. Aí fiquei
muito tempo parada de novo, devido aos problemas de saúde. Foi
começando a aparecer osteoporose e eu fui começando a fazer
acompanhamento e tratamento. Agora que eu comecei aqui
[lanchonete] com minha irmã. Na verdade num tá com duas semanas! E
tá dando certo. Vai dar tudo certo ainda!
E a UNITI.... a gente só tem a agradecer a UNITI e as pessoas que
nos apóiam. É uma família. Lá a gente recebe apoio. Se a gente acha
que tá com um problema, a gente chega e já conversa e cada um conta
168
o seu e daqui a pouco se supera.... É aquela amizade! Tá sendo muito
bom, pra mim, a UNITI. Muito bom, muito bom. Me fez mudar em
muitos aspectos, principalmente em casa. Antes eu era muito exigente
com negócio de limpeza. Dia de sábado, tinha dias que eu ia fazer
aquela faxina geral na casa. Às vezes eu ia almoçar 3 horas, 4 horas da
tarde. Quer dizer, hoje eu já penso diferente. “Ah, a panela tá aí. Deu
pra limpar o necessário?” “Vou limpar o necessário, mas quando chega
hora de almoçar eu paro e vou almoçar”. Se der pra continuar depois,
eu continuo. Se não der, eu deixo. Antes eu não pensava assim! A casa
tinha que ser impecável, muito bem limpa. Não é que hoje eu não limpe,
mas só que não é mais assim como antes. Quer dizer, eu botava em
primeiro lugar filho, marido e a casa. Às vezes eu deixava de cuidar de
mim. Deixava até de pensar em mim pra pensar neles. Hoje eu já penso
completamente diferente, mas eu aprendi assim na UNITI. Nós somos
incentivados lá. As professoras nos dão muita informação nessa parte.
E não só os professores, né? Os colegas vem e, com a experiência de
cada um, nos ajuda. Então tá sendo muito bom, muito bom. Depois da
UNITI, muita coisa mudou. Bastante mesmo. Em termos de associação
com os colegas....Porque a gente fica em casa, e é até como uma
professora nova agora, que nós temos, nesse segundo semestre, ela
relatou que a gente vai perdendo... Perde contato com as pessoas,
perde a vontade de sair, e agora estamos tendo mais uma vez a
oportunidade de viajar. Antes também teve passeios, só que eram
menores. Então esse agora é um passeio mais longo [viagem de seis
dias para o Município de Santo Amaro/MA]. E eles, meu marido e meu
filho, não criaram nenhum tipo de problema, mas é o tipo da coisa, eu
mesma sinto que mudei. Essa parte aí eu mudei. Antigamente era casa,
marido e filhos. Quer dizer, eu não vivia, praticamente, a minha vida.
Eu vivia mais a vida deles. “Ah, eu não posso sair”. “Ah, eu não posso
fazer essa viagem porque eu tenho que cuidar dos meus filhos, do meu
marido. Tem a casa pra cuidar”. E hoje não é que eu deixei tudo,
abandonei casa, marido e filho. Não, mas eu já tô assim mais
entrosada. Não penso mais duas vezes antes de sair! Faço o que tenho
que fazer. Se precisar faço só a metade e vou! É o caso dessa viagem,
por exemplo. Como teve essa oportunidade agora, que eu tô
trabalhando com minha irmã na lanchonete, aí lá em casa tá mais
assim só. Só com eles. Eu venho pra cá, passo a manhã toda e daqui já
vou direto pra UNITI. Eu dou uma ajuda, adianto. Já deixo adiantado
alguma coisa aí eles se viram como der. Conseguem se virar, vão
botando almoço, lava uma roupa que pode. Jamais eu faria uma viagem
dessas, pra passar seis dias fora. Eu não iria antes. E muita gente me
pergunta, e porque agora vocês estão fazendo isso? Eu respondo que
hoje eles se viram. Meu filho já tem 23 anos, já sabe fritar um ovo pra
comer, já sabe esquentar alguma coisa, um bife. Eu deixo adiantado na
geladeira e eles fazem. Eu deixei muita coisa pelos meus filhos. Os meus
filhos eram menores, precisavam de mim e eu perdi oportunidade de
trabalhar e até de estudar, continuar a estudar. Eu achava que eu
deveria cuidar mais dos filhos e sempre ficava preocupada. Eu sair e o
pai também sair, como é que ia ficar uma criança dessas? Ou na mão
169
de uma pessoa, pra deixar em casa pra tomar conta? Essa pessoa não
ia ter os mesmos cuidados que eu. Agora não. Agora tá diferente.
Agora já tá criado. Eu já tenho neta de 05 anos, mas nunca, desde
pequena, eu nunca cuidei dela sozinha. Nunca pensei: “Eu não vou em
tal lugar porque eu tenho que cuidar de neto!”. Eu já cuidei, assim, em
período que a mãe trabalhava. Eu cuidei. Ficava com ela na parte da
tarde. A mãe ia trabalhar e eu ficava até a hora que a mãe chegava,
mas pra trabalhar. Assumir neto, não. A não ser que seja um caso
diferente, um caso de doença. Se for pra estudar a noite, sim, mas do
contrário, se for pra sair, não. Eu acho errado. Às vezes acontece do
filho não querer nada com a vida e ter uma criança, aí depois ele quer
que os pais cuidem! Eu acho errado isso aí. Não é que eu sou contra a
pessoa estudar, mas na hora que teve sua chance não valorizou no
tempo certo.
O meu marido é garçom. Trabalha à noite. Ele tá levantando agora
porque ele trabalhou à noite (risos). Ele chega lá pra
madrugada....03:00horas. Ele sempre trabalhou de garçom. Desde que
nós nos conhecemos. Ele nunca precisou mudar de profissão. Nós
criamos os meninos. Eu conheci ele ...eu morei aqui com a minha irmã.
Depois a outra irmã, a mais velha, separou do marido dela. O marido
dela bebia muito e ela separou e veio pra cá. Aí a casa da minha irmã
já vivia muito cheia, porque já tinha meu irmão, eu, aí chegou
ela...tinha uma sobrinha. Então nós duas decidimos alugar um quarto
pra nós duas, eu e minha irmã mais velha. Lá nesse local que tinha os
quartos, foi lá que eu conheci meu marido. Aí nós nos conhecemos lá
porque ele também já morava lá, num quarto. Daí nós fomos morar
junto. Nós passamos aqui um ano, foi um ano ou pouco mais que isso...
não lembro ao certo. Daqui nós viajamos pro Rio (RJ). Lá no Rio foi que
eu tive o meu segundo filho, o Carlos. Só que nesse intervalo, o meu
filho mais velho ficou com a minha mãe. Ficou lá no interior porque
minha mãe não deixava de jeito nenhum eu levar. Os meus pais se
apegaram muito, muito a ele e até hoje ele chama mãe... ele me chama
de mãe e chama minha mãe de mãe e papai, de pai também. Eles são
muito apegados a ele. Lá no Rio eu tive o Carlos, que é o meu caçula.
Nós passamos uns 6 anos e pouco no Rio. Aí de lá nos viemos pra cá.
Foi a época que o Carlos nasceu. Ele nasceu com problema de saúde por
causa do meu sangue. Eu me sentia muito cansada, muito só porque
que ele [marido] sempre trabalhava. Ele sempre trabalhou a noite,
passava a noite fora, trabalhando. Ele chegava as vezes de madrugada
e eu ficava só com Carlos... ele muito pequeno, era muito dependente de
mim, era muito trabalhoso cuidar dele. Eu me sentia muito cansada
porque durante a minha gravidez eu ficava mais tempo no hospital do
que em casa com ele,... grávida. Então eu ia pro hospital fazer o
tratamento, acompanhamento médico até quando ele nasceu. Ele
nasceu prematuro, ficou mais tempo ainda no hospital. E eu todo tempo
junto. Aí eu sentia muita vontade de vir embora pra cá. Quando ele
tava com... com um ano, já, eu vim embora. Eu vim e depois fiquei
voltando no Rio pra levar ele pra fazer acompanhamento com a
pediatra lá, porque o caso dele era sério. Eu fiquei até com.....com uns 4
170
anos eu deixei de ir porque ficava muito caro. Aí eu deixei de ir. Hoje
que tá mais barato ir. Na época era muito dispendioso, muito caro. Eu
tinha uma prima que morava lá e ela ajudava. Teve uma época que eu
vinha e ela me ajudava. Ela me ajudava nas passagens. Mesmo assim
era muito ruim pra mim. Porque não podia ir eu e meu marido. Tinha
que ir só um. E no caso era eu que tinha que ir com ele. E mesmo
porque não tinha despesa lá, porque eu ia ficar na casa de minha
prima, mas de qualquer maneira só as passagens!!! De lá a gente ficou
por aqui mesmo. A médica de lá mandou um... recomendou um médico
do Materno Infantil [Hospital Universitário Unidade Materno Infantil]
aqui, e ele ficou fazendo acompanhamento. Ele foi crescendo e foi
diminuindo os problemas de saúde.
O Pedro estudou também, se não fez uma faculdade foi por que...
não chegou a fazer vestibular... devido a problema dele mesmo. Os
meus pais apoiavam muito ele e eles tiravam minha autoridade. Então é
aquela tal coisa: com a gente - eu sempre falo isso - os filhos, eram
rígidos demais e já com os netos não! Liberava até demais. Assim, tudo
que eu falava: “Pedro, vai estudar!”. Sempre eles tomavam a frente.
Sempre eles tiravam minha autoridade, mas mesmo assim ele foi
trabalhar na Arapuã. Trabalhou na Arapuã até quando fechou, quando
faliu. Quando ele saiu da Arapuá.... é o segundo emprego dele hoje. Ele
tá na Skincariol. Entrou como vendedor e hoje ele é supervisor. Já o
Carlos se formou e o primeiro emprego ele começou agora, em janeiro.
Se formou e já começou. Já conseguiu isso, né! Ele trabalha na Ênfase
[Consultoria em Meio Ambiente]. Continua fazendo uma outra
faculdade, que ele gosta de estudar. É o que ele gosta. Não quer parar
por aqui. A experiência de ser mãe... ser mãe é uma experiência
maravilhosa. Eu tenho muito a agradecer a Deus pelos dois filhos que
eu tenho. Eu nunca tive problema. Eu vejo muitos casos de mães que
tem problema com filhos. Filho com drogas, com más companhias. São
muitas coisas que a gente vê hoje. Eu não criei eles solto não. Eu sempre
fui rígida, não como os meus pais, mas também sempre criei meus
filhos sempre obedecendo, respeitando bem as pessoas. Lá em
Cururupu a gente só saía mesmo quando tinha festa e a gente
participava. Nós morávamos num povoado de Cururupu e lá era mais
difícil sair. Depois, quando viemos estudar na cidade de Cururupu
mesmo, tinha cinema e era mais movimentado né! Aí, sempre morando
em casa de parente,daqui e acolá a gente saía, mas era o mesmo ritmo,
porque tinha parente que já liberava as filhas pra sair só, iam pra
festa, cinema, e tinha uns que não liberava. Então tinha que ser na
casa de um parente lá do ritmo lá de casa, mas aí depois de um certo
tempo a gente já saía assim...eu e minha irmã nós já saíamos. Alguma
festa que tinha.....festa de colégio, essas coisas. Porque eram poucas
também. E os meus filhos saiam, mas também não era solto assim.
Quando já estavam rapazinhos, mas não era devido o...não era o
problema de querer manter dentro de casa, ou outra coisa. Era o medo.
A gente mora numa área que a gente vê muitos casos, problemas, a
maioria com meninos de 10 anos solto, vê eles fumando, vê bebendo, no
vício, cheirando cola. Aqui é uma área que tem muito, São Francisco
171
[em referência à proximidade com a Ilhinha]. Tem muito isso
ultimamente. Ultimamente e sempre teve..... Eu criei um pouco
preocupada, mas eu deixava, eu soltava. Eles foram sair já grande ....O
Pedro sempre gostou de sair. Ia em festa, saía com os colegas, com os
primos, mas o Carlos nunca gostou. É porque ele não gosta mesmo. Ele
não gosta de sair, ele não gosta de festa. Namoro era aquela rigidez,
mas quando foi mesmo na época de namorar mesmo eu já não tava por
lá. Eu já vivia mais aqui estudando. Já foi mais leve. Eles não tinham
como controlar muito. E com meus filhos eu tive muito cuidado nessa
parte aí..muito cuidado. Eu sempre aconselhei nos namoros. Pode
namorar, mas quando vê que tá muito...tá... já tá muito
assim...profundo, tem que ter cuidado. Carlos, no caso, que Pedro
começou logo a namorar e aí ...O Pedro quis logo ser independente. Ele
começou... ele foi logo, comprou terreno, começou a trabalhar logo, fez
uma casa. Quando ele arrumou...quando a menina foi morar com ele,
ele já tinha as coisas dele tudinho. Só que ele vivia lá e aqui. Fazia
comida, levava pra lá. Antes ele morava só. Ele tinha as coisas dele. A
minha irmã mais nova veio morar pra cá, então, ele morava aqui e eles
se juntaram pra alugar casa os dois. A minha irmã arrumou família e
ele ficou só. Daí foi quando ele ficou na casa, pagando aluguel, mas aí
um dia ele chegou pra mim falando que tinha um dinheirinho e ia
comprar uma moto pra ele. Aí eu falei pra ele: “Não, você não vai
comprar não. Você vai comprar ou um terreno ou uma casinha que você
já ta namorando e não vai pensar que vai namorar e trazer mulher pra
cá, pra dentro de casa. Tem que primeiro arrumar o local pra depois
pensar em casamento”. Eu já sabia que o namoro deles estava um
pouco avançado. Ela já dormia por lá na casa, na casa alugada. No
começo ele se chateou, mas ele caiu na real. Comprou o terreno, fez a
casa. Fez uma parte em cima pra ele morar e embaixo fez quarto de
aluguel. Continuou trabalhando na Arapuã e quando eu pensei ela já
tava lá dentro da casa morando com ele. Casaram e tem uma filha.
Hoje eles estão morando no Turu, mas a casa deles continua aqui. Eles
alugaram. [Pensativa] Já o Carlos, ele sempre foi mais quieto. Ele tem
namorada, ela vem, visita e tudo, mas ele é calmo. O Pedro que sempre
foi mais sapeca. Eles são bem diferentes. Pedro não pensava duas
vezes. Quando tinha festa pra ir, eu dizia: “Vai!”. E ele sempre
respeitava, mas quando eu dizia não, era não e pronto! Quando eu
liberava, ele saía mesmo. Carlos não gosta muito. Hoje ele tá formado.
É muito estudioso. Trabalha. Ele nunca me deu trabalho em termo de
estudo. Eu e meu marido não chegamos a casar na Igreja. Nos só
convivemos. Ele aceitou meu filho, até porque eu nunca escondi, nunca.
Meu filho tava com meus pais, mas eu trabalhava aqui. Quando eu
trabalhava, aqui, nas Lojas Brasileiras, quando eu recebia...Às vezes
mal dava pra mim, visto que eu morava com a minha irmã e eu não
tinha despesa. Eu almoçava até na loja, tinha a comida de lá. Então,
quando eu recebia já era direto pra mandar. Às vezes não dava nem
pra comprar uma sandália. Quando eu conheci ele foi a primeira coisa
que eu falei. Ele não se opôs. Inclusive ele queria que o meu primeiro
filho morasse com a gente. Ele queria que ele morasse com a gente,
172
mas ele já veio depois de um certo tempo. Depois que nós voltamos do
Rio, devido problemas de colégio. E ele, o Pedro, que é o mais velho, ele
sempre foi assim mais peralta em termos de estudar. Mais preguiçoso.
Ele é inteligente, mas como ele se achava inteligente, sabido, ele achava
que resolvia tudo com a inteligência dele. Não queria estudar, tinha
preguiça. E meus pais davam o maior apoio pra ele. Então eu não podia
falar nada. Eu não podia dizer nada, porque ele é que tava certo. Então,
depois teve que vir pra cá. Veio pro colégio e daqui que ele foi estudar e
tudo.
[A vizinha chega à casa de Joana e pede um pouco de açúcar
emprestado. Depois que aquela sai, Joana comenta que ela é
homossexual e vive com outra mulher] .....Tá tudo confuso hoje em dia.
É uma confusão porque a gente tem que parar bem pra entender. Eu
vejo muito, aqui mesmo, homem casando com homem; mulher casando
com mulher. Já passa na televisão. Então eu vejo assim muito....[pausa
e hesita responder]...eu não sei se é um preconceito isso aí, mas eu
também leio muito a Bíblia e eu vou muito pela parte de que o homem
foi criado pra mulher e a mulher pro homem. Não é... quer dizer, não
sei se é preconceito, mas eu sou contra esse relacionamento de um
homem com outro homem e mulher com mulher. É estranho. Eu acho
muito esquisito. Agora, por exemplo, relacionamento de pessoas com
idade diferente, já esse dependendo do que a gente vê, dependendo do
caso. Tem caso que algumas meninas bem novinhas, que se relaciona
com uma pessoa de certa idade, mas através de dinheiro, às vezes até
pensando em fazer algum mal e depois que a pessoa morrer vai ficar....
pensa mais nesse lado. A gente vê né! São casos que acontecem e a
gente vê que são coisas verdadeiras, mas tem vezes que a pessoa se
apega, até pela experiência, se é mais velho. Talvez seja uma mulher
que vem de uma experiência de sofrimento muito grande e se apega
àquela pessoa. Então, eu já não vejo assim com muito preconceito.
Agora de gostar de pessoa do mesmo sexo sempre teve, inclusive na
minha família. Na minha família assim... a gente, nós, no caso... Ele era
da minha idade, nós éramos amigos. Era meu primo. Ele era mal visto
pela família. Os irmãos queriam bater nele. A gente que evitava... que
procurava evitar. Ele... ele que não se entrosava muito com os meninos.
Ele brincava ...ele só mais coisa de mulher. E a minha tia, que era a
mãe dele, ela só teve filho homem e aí eu não sei se teve alguma
contribuição pra isso, dando tarefas.... porque ela tinha muita vontade
de ter uma filha e a filha que ela teve morreu. Aí ele foi crescendo e eu
não sei...eu tenho assim... eu era pequena na época né, quando ele
começou...aí quando cresce que a gente vai vendo que é. Eu acho que
teve alguma participação da minha tia. Era ele que fazia as tarefas de
casa. Mais ele. Ele lavava roupa, ele passava, ele queria tudo....Ele
cuidava de jardim, que tinha um jardim na frente da casa. Cozinhava.
Aí depois a minha tia faleceu e eles ficaram... Eram muitos filhos. Eram
treze, se não me engano. Então o marido dela arrumou uma outra
pessoa, que não aceitava esse filho, e a minha avó, que ainda era viva,
ficou com uma parte deles; morou um com meu pai.
173
Eram muitos irmãos e foram espalhando. A prima que eu morei
aqui, exatamente ela, foi pra Belém e de Belém eles foram pra Natal.
Ela morava na época em Natal e mandou buscar. Ela queria ajudar
ficando com um dos meninos, um deles. E foi ele. Foi lá que ele se
revelou (risos). Quando ele veio de lá ele já veio assumido, mas só que
nós já percebíamos. Desde pequeno. Alguns da família aceitaram,
outros não. Inclusive alguns irmãos. O pai dele também não aceitava.
Não gostava dele. A minha avó, que ele morou um tempo com ela, não
percebia...Ela já tava de idade e ela já foi perceber quando ele voltou de
lá. Quando minha prima descobriu lá ela trouxe ele por isso, porque ele
já não obedecia muito eles já, já tava acontecendo isso. Ai ela trouxe
ele. Nesse tempo minha irmã morava aqui e ele foi pra lá com a minha
avó. Como a minha avó vivia muito doente, um dia meu pai ligou lá e
pediu pra minha irmã pra ver se ele podia ficar com ela porque ele vivia
lá dando trabalho pra minha avó e minha irmã trouxe. Ele ficou
morando com a minha irmã e trabalhava em restaurante. Meu cunhado
que arrumou serviço pra ele no restaurante, porque ele cozinhava como
ninguém! Cozinhava muito bem! Depois de um tempo ele foi embora
daqui. Ele fugiu, ninguém sabia onde ele tava. Ele sumia e ninguém
sabia notícia dele. E numa dessas sumidas dele, passou muito tempo,
ninguém sabia. Nós achávamos que ele estava morto. Depois de muitos
anos tivemos notícia que ele tava em... depois de algum tempo tivemos
notícia que ele tava no Pará.....Eu não lembro a cidade do Pará. Só
tivemos essa notícia e passou muitos anos de novo pra saber... ninguém
tinha notícia dele. Acharam, de novo, que ele tinha morrido e foi
quando ele nos deu notícia que tava em São Paulo. E tá com pouco
tempo que ele faleceu. Ele foi morto. Ele saía pelas madrugadas, mas
ele assumido, vestia roupa de mulher, se pintava, se depilava,
assim....era todo mulher. Um dia ele vindo de madrugada, da farra
dele, um carro bateu. Eles dizem que os carros botam de mal, fazem de
propósito porque conhecem os gays e fazem isso, mas ninguém sabe
né? Pode ter sido que não, que a gente não sabe. Podia ser que ele
tivesse bêbado... A gente não sabe. O certo é que ele faleceu lá. Ele já
veio mudado, mas devido à família, aqui ele era mais contido. Ele tinha
mais abertura comigo e com a minha irmã e ele contava as coisas dele.
Ele não tinha cerimônia conosco. Ele veio mudado, mas quando ele teve
aqui fazia tudo escondido. Quando a gente menos pensava ele já tava
pronto pra sair em escola de samba. Ele se pintava, se vestia de baiana.
Assim que ele era...as roupas dele eram todas roupas de mulher.. A
gente olhava se ele tinha feito operação, se tinha botado silicone, mas
só se foi lá em São Paulo e isso eu não sei nem te falar. Eu não sei lá em
São Paulo, que ele morreu e o corpo dele ficou lá mesmo. Ele foi
enterrado lá. Enquanto ele tava por aqui nada.... Ele se depilava, tirava
sobrancelha, alisava o cabelo. Todo mundo achava ele parecido com a
minha irmã mais velha, que já faleceu. Ele era muito parecido com ela.
Todo mundo achava pelo jeito que ele se pintava, que se maquiava.
Tinha gente que até confundia e pensava que era ela.
Eu cheguei a ter um início de depressão, mas não foi nada muito
sério... Sempre gostei de fazer minhas caminhadinhas e faço pela
174
manhã... e não foi assim muito. Aí depois eu cheguei na UNITI, quando
eu descobri a UNITI só fez é melhorar, só melhorar. Aí teve passeios,
inclusive ontem teve um passeio no SESC. Eu não fui, eu perdi, mas eu
fui em outro anterior no SESC. Teve passeio o dia todo na praia.
Almoçamos na Raposa. Passamos o dia todo. Não foi só na Raposa.
Começou aqui, no Reviver, passou pela Ponta d’Areia, Calhau, Olho
d’Água, Araçagy, Raposa e São José de Ribamar. O grupo estava
animado! Foi dividido em dois grupos porque era muita gente. Na
primeira etapa foi na semana passada e essa semana foi meu grupo. O
primeiro do SESC tava indeciso e a coordenadora do passeio daria a
resposta na segunda, mas eu fui pra oficina na terça e quando cheguei
à noite meu esposo falou que tinham ligado de lá avisando que seria na
quarta pela manhã. Eu não tinha me preparado. O meu filho tinha o
almoço dele, tinha que levar meus pais pra vacinar, aí não deu pra ir.
Vai ter mais [responde animada]. Ela sempre faz. A professora de
“sentindo o corpo na terceira idade”. Pra mim tá sendo muito bom as
aulas da UNITI porque eu vejo a minha mãe. Ela começou a envelhecer
com o problema da saúde....da Diabetes, e ela morava na época no
interior. É de muitos anos a diabetes dela. Ela levou aquilo que tinha
como o fim pra ela. Ela se via como aquela pessoa que não podia mais
fazer nada, que já ia morrer ali. Então...é muito difícil convencer...ela,
mamãe. É muito difícil convencer que ela tem que fazer caminhada, que
ela tem que se exercitar. Que ela pode fazer algum movimento. E até
hoje nós nunca conseguimos. Tanto que pra sair com ela sempre tem
que ter alguém, ou eu ou minha irmã. Ou vai meu marido, ou vai meu
cunhado, mas sempre tem que ir alguém pra levar, que ela já não anda
bem de ônibus. Sempre tem que ir alguém, ou então meu filho vai. Pra
botar ela no carro é difícil, pra tirar também. Ontem eu tava olhando
assim o jeito dela...ela tá com 85 anos e parece ter mais. E tudo
assim...ela .....ela tem um medo horrível. Eu vinha com ela ontem e meu
pai tem 91 anos, mas ele é incrível porque ele não aparenta a idade. É
muito engraçado o jeito deles (risos)! Ele que cuida dela. Ele que faz a
comida dela. Ele faz tudo! Ele faz questão de fazer as coisas pra ela. É
muito interessante a vida deles. Às vezes tem oportunidade dele viajar
pra Cururupu e eu digo: “Pai, vai! Passa uma semana lá. Eu venho pra
cá. Tomo conta dela”. Ela toma insulina todo dia. Todo dia eu vou lá e
minha irmã, que mora lá pertinho, todo dia ela vai lá antes do trabalho
aplicar a insulina. Tem uma menina, amiga da gente, que é Agente de
Saúde e mora lá perto também e vai e aplica, mas ele não vai. Ele não
sai! Ele não quer sair, ele não quer deixar de jeito nenhum. Ontem eu
tava vendo lá dentro do Paulo Ramos [Centro de Saúde Paulo Ramos] e
na saída tava apertado e ela queria vir agarrada nele. Eu disse: “Mãe,
solta o papai. Deixa ele passar na frente”. Ela não quis soltar. Ela só
tem confiança nele. Ela acha que ela só comigo ela vai cair, e com ele
não. Agora ela se acomodou logo. Ela ficou doente, hipertensa,
diabética, e ela não faz praticamente nada. E eu já faço minha
caminhada todo tempo. Faço... Já fiz ginástica muito tempo. Fiz
fisioterapia, mas eu parei porque eu fazia pelo plano de saúde, mas
como dependente do meu filho, porque eu não tenho condição de pagar,
175
você sabe que plano é caro, né? Eu não posso ter, no caso. Então, como
o Carlos tem problema de saúde eu fiz um plano pra ele que é mais
barato. Com muito sacrifício que eu fiz! E o Pedro, quando ele entrou na
empresa, entrou com plano de saúde e me botou como dependente, mas
agora eles tiraram, cortaram os dependentes....mãe e pai....eles
cortaram. Eu saí e fez uma falta muito grande. Era muito bom. Já o de
Daniel é individual e eu não posso entrar como dependente dele.
Eu fazia ginástica duas vezes na semana. E ainda tinha a
fisioterapia. Agora tem também particular, mas particular é caro, né.
Com muita pena eu tive que deixar. Sempre faço caminhada, continuo
andando. Vou até lá em frente à Lagoa, volto e vou à casa dos meus
pais e depois venho embora. Todo dia, todo dia não digo porque tem dia
que chove, tem dia que eu tenho que marcar consulta pra eles, tem dia
que eu tenho que levá-los pra fazer exames. Eu fazia porque antes da
UNITI, quando não dava pra eu ir de manhã eu ia a tarde, até uma
pracinha, lá depois dos prédios. Lá em frente tem uma praça. Eu não ia
mais adiante porque antes era perigoso, hoje tem uma cabine da
polícia. Eles ficam lá e é mais seguro. É bom pra fazer caminhada. A
gente fica às vezes receoso de ir, devido os assaltos que tem, mas tem
por todo lugar, a gente não pode deixar de sair de casa, ficar trancada
em casa. Tem gente que pensa: “Ah, deveria ter aproveitado mais. Eu
deveria ter ....”. Se fosse ao contrário, se eu pudesse recomeçar agora
eu não teria feito de um jeito que fiz. A gente avalia mais. Para mais
pra pensar. A minha limitação, o que eu sinto é devido a minha
osteoporose. Eu descobri isso ai, já tá com um tempo e eu comecei a
sentir algumas dores muito anormais. Eu fui no médico, fui na médica e
contei o que eu sentia na minha ginecologista e ela pediu o exame. Eu
fiz o exame e pra minha surpresa deu. Então eu já venho fazendo
acompanhamento também dessa parte. As limitações, as únicas que eu
tenho é dessa parte aí. É, mas eu mesma gosto de fazer minhas coisas.
Sempre eu mesma gostei de lavar minha roupa. Eu nunca gostei de
máquina. Até de outras pessoas eu lavava, porque eu sempre gostei,
mas hoje eu já não posso mais. Eu lavo, não é que eu não lave, mas
coisas mais pesadas eu já sinto. Assim, varrer a casa e passar o pano
eu sinto um pouco, não é todo tempo. Eu acho que isso tem haver com o
tempo, quando a gente faz muito movimento aí eu sinto. Tem também a
lavagem de roupa que eu sinto. Até aqui eu nunca quis máquina, mas aí
agora eu optei. Eu já comprei e só tá faltando instalar. O rapaz tá
fazendo até um serviço aqui pra colocar porque eu não to podendo
lavar. As roupas do dia-a-dia, mais leve, tudo bem, mas toalha de
banho, colcha, essas coisas mais pesadas, aí fica mais difícil. E eu optei
por isso. Agora o que eu mais sinto é passar o pano na casa e varrer, o
principal. É o principal! Cozinhar, como aqui é só eu, meu marido e meu
filho, não tem que passar a manhã todinha. Fazer um monte de
comida, pra um monte de gente, como eu lembro que era lá na casa da
minha mãe. Era muita gente! Aqui, como é só nos três, qualquer coisa
dá, qualquer coisa a gente come. Isso tudo não é coisa que não se possa
resolver. Sempre que eu posso chamo uma pessoa pra fazer uma faxina
e quando tem muita roupa, agora que tem muita, eu só lavo o
176
necessário, e se eu vejo que eu não posso, eu não forço. Eu levo pra
casa do meu filho e lavo na máquina lá. Agora que eu comprei, aqui vai
ficar mais fácil. Meu filho, qualquer coisa leva, que ele sempre passa
por aqui. Tá em rota por aqui, aí bota a sacola de roupa no carro e ele
leva. Quando chega lá a minha nora bota na máquina e depois ele traz
ou então eu vou pra lá, passo o dia e lavo por lá e volto.
177
FRANCISCA
Eu sou do Piauí, Teresina, né , aí eu nasci no dia 30 de Agosto de
47. Em Teresina. Eu vim pra cá conhecer o Maranhão. E com dois meses
que eu tava aqui no Maranhão, eu namorei, noivei e casei. Uma irmã
minha veio pra cá porque o marido era do Exército, aí se aposentou lá,
reformou, e aí veio pra cá. Aqui ela teve nenê e quando...ela pediu pra
mamãe: “Mande uma das meninas aqui pra me ajudar”. Aí mamãe
mandou a outra irmã, mas ela disse: “Mamãe, eu mesma que não vou”.
Eu disse: “Eu vou mamãe!”. E eu vim. Quando eu cheguei aqui era uma
saudade de casa. Uma semana e ela, minha irmã, dizia assim...Ela dizia
pro esposo dela: “José, eu vou mandar Francisca voltar por que ela vai
se acabar de tá chorando”. A vizinha dela, o marido dela trabalhava na
Petrobrás, e então teve um acidente com ele. Ele caiu de uma escada e
quebrou a clavícula e teve crise de apendicite. Então isso foi numa
quarta-feira e quando foi no domingo ela convidou, perguntou pra
minha irmã se ela deixava eu ir com ela lá no Dutra [Hospital
Universitário Unidade Presidente Dutra]. Aí ela: “Vai, pelo menos se
distrair, que vive triste pelos cantos”. Ela veio e perguntou: “Tu não quer
ir não gordinha?” Eu disse: “Ah, eu vou pra hospital pra fazer o quê?”
Por que eu sempre gostei de brincar né, e ia fazer o quê lá? Ia ver
doente? Ela disse: “Não, tem uns amigos do meu marido”. E eu disse:
“Ah, então eu vou!” Cheguei lá não encontrei ninguém, só o doente, todo
enfaixado. Eu disse: “A senhora me enganou, cadê os homens que tava
aqui (risos)?” Ela disse assim: “Não, mas eles vêm, eles vêm. Antes da
gente sair eles tão chegando”. Quando nós estávamos pra sair, lá
estava ele na porta. E ela disse: “Vai abrir lá gordinha”, que ela me
chamava de gordinha. Aí eu fui abrir e era meu esposo. Ele ficou
parado, parado ali olhando pra mim. E eu: “Vixe Maria, o que foi isso?”
Ela disse assim: “Tu não disse que não vinha ninguém aqui?” Ai eu
respondi: “Ah, mas agora melhorou já a situação”. Nesse encontro da
gente, nós nos conhecemos, no outro... com uma semana ele foi onde
meu cunhado, que meu cunhado era do Exército, era cheio de coisa,
ficava no “pé” da gente todo tempo, já falou e começou a namorar
comigo. E com dois meses nós casamos, e já tô com 38 anos de casada.
Ele era da Petrobrás. Depois a Petrobrás transferiu quem tinha mais de
10 anos e como ele não tinha nós ficamos aqui no Maranhão. Eu Tenho
quatro filhos, meus filhos são maravilhosos. São três homens e uma
mulher. A mulher é casada, mora em Belém e é evangélica. O marido
dela é pastor e hoje mora em Belém. Os outros: um é para-médico, do
Corpo de Bombeiros, o outro é da Polícia e o outro é segurança
particular, mas no momento ele trabalha na SEMARC, ali onde marca
consulta na Alemanha. Tenho sete netos. Quatro mulheres e três
homens. A caçula vai fazer um ano, tem outro de um ano, quatro anos,
cinco anos.... tem dois de cinco anos, mas com a diferença de mês né. E
tem uma de dez anos e uma de treze anos. A mais velha mora em
178
Caxias e os outros moram aqui e o da menina de Belém.... os outros
moram aqui.
Eu fui criada por minha avó. Minha mãe me deu pra minha avó me
criar com dois meses de nascida. Não fui criada em Teresina, fui criada
em União (PI). É bem pertinho, dá assim uma hora e meia de ônibus,
mas de carro é rápido. E lá que eu terminei meu primário. Ela veio pra
Teresina e eu comecei....naquela época a gente fazia quinto ano, exame
de admissão, e eu fiz até o segundo ano ginasial. Foi o tempo que eu
parei, casei e agora eu queria continuar, mas não podia com os filhos
tudo pequeno. Minha....Minha irmã mais velha que também foi criada
com minha avó até quando ela ficou moça. Estudou o primário todo lá
em União. Foi a época em que eu nasci, e minha avó já tinha perdido o
marido, meu avô, e tava sozinha. Aí papai prometeu pra ela: “Mamãe,
nessa próxima barrigada eu vou lhe dar”. Bem assim, desse jeito. Eu
nasci e com 2 meses ela me levou. Quando eu era pequena, pra mim,
minha mãe, meu pai e minha avó tudo era ela. Por que era com ela que
eu morava. Quando ela morreu que eu voltei pra mamãe. Aí foi quando
eu voltei. Minhas irmãs tudo com ciúme porque mamãe queria me fazer
todo carinho que ela não fazia pra mim. Ai foi indo, foi indo, foi indo, e
tudo bem. Aí vim pra São Luís e casei. Minha mãe teve vinte e dois
filhos, viveram dezoito. Já depois de casado, de idade, que morreram
quatro e ficou quatorze. Essa minha irmã, que eu vim pra cá, São Luís,
passar uns dias com ela, ela já faleceu. Agora nós só temos onze
irmãos vivos. Pois é minha filha, minha vida é nesse Maranhão,
mas....Eu gosto, não vou dizer que não gosto, mas meu maior desejo
era morar em Teresina. [Pausa longa]... Eu tenho vontade de voltar,
mas ele não se dá bem em Teresina. Ele também não é daqui do
Maranhão. Ele é de Manaus. Quando eu conheci ele tava com três,
quase três meses que tinha se mudado, transferido de lá de Manaus pra
cá. Eu moro aqui, mas nunca fui em Manaus. Ele tava pra lá em
dezembro [2009], passou dois meses lá, mas eu não ando de avião, não
ando de navio. Todo mundo diz que eu tenho que perder o medo, mas
eu me apavorei porque uma prima minha morreu num desastre de
avião. Ele passou foi dois meses, novembro e dezembro. Ele foi no dia
11 de novembro, passou dezembro e voltou no dia 11 de janeiro. Todo
mundo perguntou por mim. A família dele já veio quase toda aqui. Eu
trato bem, tudo, mas eu não. Eu não vou lá. Os meninos dizem:
“Mamãe, a senhora vai com papai. Eu lhe dou a passagem” - que foi o
presente dele de aniversário em setembro. “Mamãe, eu dou pra
senhora”. E eu: “Não meu filho”. Pra ir bem aí em Belém, a minha
menina quer que eu vá de avião, mas eu não vou não. Vou de Expresso
[empresa de transporte rodoviário]. Eu vou olhando as paisagens. Eu
gosto de olhar as paisagens, as cidades onde para. Ver tudo. Então
assim vou só daqui pra Teresina de ônibus (risos). É uma cidade quente,
mas é uma cidade boa. Tem muita coisa boa que não tem aqui. Eu
tenho muita vontade um dia, se Deus quiser. O meu marido se
aposentou. Eu tinha na mente assim: “No dia meu marido se aposentar,
a gente passava seis meses lá e seis meses aqui”, mas ele não quer não.
Ele quando chega lá adoece por causa do calor. Se bem que aqui
179
também tava calor. Ele tava em Manaus e pegou calor de 42 graus. Ele
adoeceu lá, mas tava com a família dele lá, e tudo. Quem sabe, né?
Deus é quem sabe se um dia eu perco esse medo e vou lá! Vou fazer 40
anos de casada e ainda não fui lá! Não sei não. Vim embora pra cá e
aqui vou pra Teresina de ano em ano. Perdi já meus pais, já morreram.
Meu pai morreu primeiro e com um ano e oito meses minha mãe
morreu. Aí eu fiquei, mas eu vou todo ano em Teresina. Ainda tenho
irmão por lá. Tenho irmão em Imperatriz, no Rio de Janeiro. Aqui tem
eu...tem três irmãs aqui, eram quatro com a que morreu.
Ainda agora uma colega tava aqui e depois que meu filho saiu ela
disse: “Francisca, teu filho é tão educado”. Assim que eu fui criada e
assim que eu criei. E eu pretendia tanto que minhas noras criassem
tanto os filhos do jeito que eles foram criados, mas não, fazem gosto.
Meus filhos eles chegam... dá boa tarde e olhe, essa é uma amiga minha
e ele vem e já fala, eu quero que você veja. Eles tudinho, Jorge, Sílvia,
João e José, meus filhos foram criados do jeito que eu fui criada. Minha
criação foi assim, tratar bem todo mundo e não desejar mal ao
próximo. Minha criação foi mesmo caseira, muito caseira. Naquela
época a gente saía pro colégio, chegava em casa e brincava,
andava...eu tamanha quinze, dezesseis anos brincava de se esconder.
Eu só casei com vinte e dois anos..... Todo mundo dizia lá, pra nós lá,
que quem casa com vinte e dois anos já tinha dado “três tiros na
macaca” (risos). O povo dizia que tinha passado a hora de casar, e eu
acho que eu tinha dado era mais (risos). Minha vida foi dentro de casa
cuidando de menino porque casei e com um ano de casada já tinha
filho. No outro ano, outro filho. Ainda não tinha nem feito um ano!! A
minha vida....eu perdi minha mocidade, pra completar, cuidando de
meus filhos. Nunca paguei ninguém. Nunca levei filho pra casa de
mamãe pra ela cuidar. Eu aqui nessa casinha criei meus filhos tudinho.
Todos eles. Fui mãe e pai dos meus filhos. O marido saía de manhã pro
serviço, almoçava pra lá mesmo. Eu é que ia pra colégio, eu é que ia pra
reunião, eu é que ia pra todo lado com meus filhos. Então, eles são mais
apegado a mim do que ao pai (risos). Então, nunca deram pra ser sem
vergonha, nunca fez coisa que não deve, que eles todos me respeitam.
Tão casados aí, mas se eu disser não, é não. O meu filho tá chegando,
que ele mora bem aqui no Angelim, e às vezes a mulher tá trabalhando,
ele pega o nenê e diz: “Mamãe, fique ai rapidinho que eu venho
depressa”. Aí ele toma umas 2 ou 3 cervejinhas e volta. E meus
netos...quer dizer, não é.... O convívio é quando eles tão aqui em
casa....são tudo pequenininho. Tem um....é assim, vai tudo da criação.
[Fala com discordância] Já a mãe que quer uma coisa, já o pai quer
tratar do jeito que eles foram criados, né. Já a mãe de hoje já acha
tudo moderno. Esse aí saía de manhã e só chegava de noite e eu não ia
esperar... “Vou esperar teu pai chegar pra tomar providência?” Eu
tomava era logo, pois é...pra educar...hum! Enquanto ele estava no
trabalho, eu tava em casa. Num terminei meus estudos. Eu arrumei um
emprego naquela época que João Castelo... e eu não assumi porque eu
tinha quem ficasse com meus filhos. Não tinha mesmo e eu não tinha
confiança, não vou mentir. Minha mãe criou dezoito filhos, nunca botou
180
ninguém pra morar junto que ela não tinha confiança, já vieram
morrer depois de adulto. E assim, hoje em dia a gente vê televisão aí,
essas babás. Agorinha mesmo apareceu uma babá aí dando em uma
criança de três meses. Que coisa horrível! Eu mesma tomava de conta
de meus filhos. E agora querem que eu tom conta de neto! De jeito
nenhum! Não, mas menino! Só se for de passagem (risos). Eu criei meus
filhos sozinha. Tudinho foram criados sem estar no meio da rua. Tem
uma pracinha, que eu sempre morei aqui desde que eu casei. Essa
pracinha que tem de lado era só um terrenozinho, com umas
besteirinha que eles iam brincar de bolinha. Deixava, mas na hora de
“vamos ir pra casa”, vinha um atrás do outro. Nunca brigaram com
colega....tem o que é hoje evangélico, o que é soldado, o José, o
Bombeiro, ele toma uma cervejinha, mas nunca foi de tá com história
de confusão, briga. Já tiveram dois grupos de pagode, mas depois do
tempo que casaram, aí...sossegaram (risos). São tudo doido por mim.
Ontem de noite que queria que você olhasse aqui, era um atrás do outro
chegando e minha menina, a de Belém ainda nem sabe [no dia anterior,
dona Francisca caiu ao saltar do coletivo] e eu disse: “Olha, não é pra
dizer nada pra tua irmã pra não causar preocupação. Eu tô bem.
Amanhã ou depois eu ligo pra ela e digo alguma besteirinha pra ela e
pronto”.
Essa minha filha tem três faculdades. Foi uma menina que o
primeiro namorado dela foi esse pastor. Esse que ela casou. Não
gostava de aniversário, de casa de ninguém. A vida de Sílvia era tudo
estudo. Nunca foi menina de tá com amizade com coleguinha. Era do
colégio pra casa. Ela fez Edificações na escola. Daqui do Colégio Freitas
ela passou pra estudar no Meng, fez o 1º ano. Ela disse: “Mamãe, eu
queria fazer Edificações”. Na época, Edificações só tinha na escola, e eu
disse que já tava terminando o ano. E ela: “Não mamãe, mas eu vou
fazer a prova”. Ela fez e passou em 1º lugar. Quando terminou
Edificações, não tinha naquela época Arquitetura, só no CEUMA e o pai
não podia pagar. Ela fez o vestibular e botou pra Serviço Social e
passou em 3º lugar, tirou o diploma. Quando ela casou, tava
terminando o curso, foi morar em...nessas outras cidade...Imperatriz,
Bacabal, Maracaçumé. Vida de Pastor é como Padre, só vive....só vive
sendo transferido. Quando chegou em Belém ela disse, ela arrumou
serviço como assistente social e queria por que queria ter o filho dela.
Já tava com, deixa eu ver, com oito anos de casada e queria um
filhinho. Ela engravidou. Quando ela engravidou, mesmo grávida ela fez
a prova do vestibular e as colegas incentivaram pra fazer Pedagogia.
Só por fazer mesmo, e passou em 1º lugar. Ela já tirou Pedagogia
inteiro. É professora e ela fez agora pra Letras, passou e tá fazendo
também o....o Mestrado. Depois ela vai fazer o doutorado. Ela não
para.... aquela menina, na cama de um hospital....que ela tinha tido o
nenê dela, mas com o livro o tempo todo na mão oh! Já Meus filhos tudo
tem segundo grau. Como aqui uma vez a namorada de um....a mulher
disse: “ah ele deveria ter feito vestibular”. E eu disse: “Teve
oportunidade. Todos tiveram oportunidade de ter um anel no dedo, mas
se optaram pra ser um bombeiro, outro fez a prova da polícia e passou
181
direto, na frente, o outro fez segurança particular, tem curso até em
São Paulo, esse mais novo”. Então vive só nós dois aqui. Dia de domingo
vem um, vem outro pra cá. É assim.
Tô gostando demais da UNITI! Pergunte pra esse aí, pergunte pra
esse aí, que esse....Eu largo tudo aqui dentro de casa pra ir pra UNITI
(risos). O Jorge disse: “Mamãe, a senhora agora, é todo dia suas aulas?”
Eu digo: “É todo dia meu filho! E ainda vai ter sábado e domingo (risos)”.
Que sexta-feira nós tivemos um passeio. Começamos aqui no Reviver e
foi terminar em Ribamar. Que coisa maravilhosa! Todo mundo adorou
esse passeio! Agora em agosto vai ter outra viagem pra... lá pro lado do
Ceará e termina no Piauí, em Parnaíba.Ela disse agora, segunda-feira.
Essa viagem não é de professores, é da UNITI.... Porque tem muita
gente que pensa que a professora que paga. Ela não patrocina pra ela
mesma, imagina pra aluno! Eu não sei se eu vou. Deus é quem sabe! Se
eu não for, em dezembro, no fim do ano, eu vou na outra. Aconteceu
esse negócio ontem uma fatalidade mesmo, mas eu tô aqui falando e
explicando. Era pior se eu tivesse com o braço quebrado, com a perna
quebrada, com dedo quebrado. Se eu tivesse ido de sandália alta talvez
tivesse quebrado até um dedo, torcido. Eu freqüento aqui na COHAB o
grupo Clube das Mães, das idosas e da Legião de Maria, da Igreja Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro. Da UNITI eu tô com uns 3 ou 4 anos que
eu vejo falar e tinha muita vontade de participar, mas quando chegava,
quando me espertava pra me matricular já tinha acabado a matrícula,
não tinha mais vaga. Quando foi esse não eu tava na sala e deu na
televisão. Eu liguei pra minha nora depressa e disse: “Eu queria ir
amanhã”, mas eu tava sem dinheiro, sem nenhum tostão que meu
marido ainda não tinha mandado dinheiro pra mim e vou levar a Vera
também, que é minha irmã. A Vera, ela também se aposentou, mas
tava se acabando. No dia ela foi pra levar os retratos dela e no
primeiro dia ela ficou assim pelos cantos e hoje em dia quero que você
veja! A Vera já aumentou até 2 kg. Ela trabalhava na Polícia Federal aí
ficou socada dentro de casa depois que se aposentou. Ela chega lá toda
“cocotinha” e eu incentivo! Eu sou danada. Eu sou danada pra
incentivar, eu não paro não! Eu faço muita atividade, a minha vida tem
que tá sempre agitada. Num sou de ficar parada em casa não, deitada,
de papo pro ar. Com as colegas, aqui, eu faço ginástica ali na quadra.
Terça e quinta. Tem ginástica pra tudo, pra terceira idade também. É a
mesma ginástica que tem no Parque Bom Menino. Vem uma professora
pra cá e quando me disseram eu já tava lá. E eu ando de manhã. Eu
quase não paro não. Tem jeito não. Tem gente que não acha que eu
tenho sessenta e dois anos. Tem gente que não acha que em agosto eu
vou fazer sessenta e três anos. Eu já queria era ter sessenta e cinco pra
me aposentar (risos). Pra pegar esse benefício e aumentar com o que
meus filhos me dão. A colega amanhece assim mole e eu digo: “Vamos!
Te esperta! Vamos!” Eu levanto às 5 horas da manhã, deixo o café na
mesa pra ele, que é só uma hora de ginástica. E eu vou fazer minha
ginástica e volto, faço a comida e quando é 12:00 horas o cume ta
pronto e eu já vou pra UNITI, de tarde. O pessoal pensa que eu sou
parada, mas eu não sou não. Olha, se eu não fosse tão ativa eu tinha
182
tido assim uma coisa mais, mais grave como uma conseqüência dessa
queda de ontem. Já pensou? Porque eu era morta. Caía até de venta no
chão. Eu empinei logo e rodei. Caí, mas caí sentada (risos). Quando ele
não tá aqui e o bebedouro seca eu ligo ali e o menino traz e eu boto
sozinha. Ele pergunta quem me ajudou e eu respondo que Deus (risos).
Tenho meus problemas de saúde, mas faço tudo. Sou operada. Fiz
vesícula, fiz apendicite, fiz cesariana e não sinto nada. A única coisa
que tenho é minha glicemia, que teve alta, mas eu controlo e a pressão,
que tem quase trinta e cinco anos que eu tenho problema de pressão.
Ontem que ela, que o nervoso foi tão grande, que ela subiu. Tomei
remédio, mas tá tudo normal, graças a Deus. Não é à toa que esse
“caboquinho” veio aí me agüenta. Eu também sou dose! (risos). Eu não
tenho nada de que falar de meu casamento. Vivo bem. Nunca levantou
a voz pra mim. Ele era namorador demais e na rua também. Hum...não
era flor que cheirava. E eu só trancando (risos). Não é a toa que eu tô
há trinta e oito anos com ele. Eu sou uma heroína (risos). O meu filho
com 2 anos de casado já largou a mulher, já tá com outra e ela tá com
outro também. Não é mais como antigamente. Eles dizem: “naquele
tempo da senhora”....mas eu digo: “naquele tempo não que eu ainda
não morri. Em todo tempo é tempo”. Dessa idade que eu tenho, mas se
eu fosse criar uma criança, ou neto, ia criar do jeito que eu criei meus
filhos. Eu tenho dois netos que valem por dez. Um tá chegando aí, o
Lucas, e o outro mora aqui perto. Quando tá comigo aqui boto logo é
um cinto na cintura, é.... boto logo é um cinto na cintura, porque senão!
Eu tenho um cachorrinho aqui, porque agora ele tá preso, tá lá dentro,
mas eles mexem no bichinho. Eles agarram o cachorro. É por isso que
eu digo, eu não quero mais não. Cada um no seu canto. Pra passear
tudo bem, mas pra tomar conta eu não fico não. De jeito nenhum. Eu
sempre digo a meus filhos, se for pra trabalhar, se for caso de doença,
eu fico com o neto, mas pra sair pra vadiação, bebedeira, não! E
quando eu não tô aqui eles não trazem porque meu marido não
agüenta, ele não gosta da agonia que eles fazem. Pra se viver bem tem
que fechar os olhos e deixar passar muita coisa. Era minha amiga no
telefone combinando o passeio para a ALUMAR. Amanhã eu vou sair de
casa às 05:40 da manhã pra chegar lá cedo porque a Hortência disse
que o ônibus da ALUMAR tem horário de entrada e de saída, não vai
esperar ninguém. Agora ainda vai ter gente que vai se atrasar e a
Dulce, professora, disse logo que só espera 10 minutos, de tolerância.
Quem não chegar, não vai porque o ônibus é contratado. E também não
devolvem o dinheiro porque já pagaram o ônibus. A vez passada teve
uma viagem pra Santo Amaro [MA] e eu não fui. Não fui porque eu não
ando de barco, não ando de Toyota e ainda mais agora que eu tô com
um problema na veia. Agora eu bati um Eletro [Exame
eletrocardiograma] e o médico pediu pra fazer outro, uma Cintilografia
Miocárdia. Esse é o Jorge. Ele parece com o pai. É o mais velho dos
homens. São três homens e uma mulher, só que ele é do mesmo ano da
mulher. No mesmo ano eu tive os dois. Hoje vive só nós dois aqui,
porque os filhos tão tudo casado! O caçula que ainda vem, de vez em
quando, aqui. Agora ele tá separado da mulher. Ele vem e almoça aqui
183
em casa todo dia. E esse aí também. O mais assim que não vem é o que
é soldado. Ele custa a vir aqui em casa porque ele vive tirando plantão
de 24 horas. Esse aí, o Jorge, agora tá numa boa. Quando não é de
manhã, é de tarde que trabalha. Esse é meu filho mais brincalhão.
Eu fui criada pela minha avó. Meu avô eu não conheci, que ele já
tinha falecido, agora a minha avó era dona de fazenda. Ela era muito
católica, praticante. Eu vivia com ela morando mais na Igreja do que
dentro de casa (risos). Aí eu estudei no colégio das freiras, lá mesmo em
União. O colégio era semi-interno. Fiz o primário e depois ela se mudou
pra Teresina por causa de mim, pra eu estudar. Nós morava juntas, né.
Sempre as duas juntas e ela nunca quis que eu me ajuntasse com as
outras irmãs. Ela dizia que era pra eu não aprender coisa que não
presta. Quando cheguei em Teresina fui fazer exame de admissão e fiz
a 1ª série, a 2ª e foi o tempo que ela morreu. Com 17 anos ela faleceu.
Deu uma infecção intestinal e ela morreu. Fiquei um tempo sem estudar
e quando eu voltei só fiz terminar o ginásio. Foi o tempo que eu vim pra
cá, conhecer o Maranhão, e casei logo. Foi rápido, dois meses. Namorei,
noivei e casei. Eu tinha umas paquerinhas de longe, de longe na época,
mas minha filha esse aí [se refere ao marido] foi meu primeiro homem
fixo, com que eu perdi a virgindade, com ele que eu casei, com ele tive
meus filhos. E tô aqui, ano que vem, o outro, tô fazendo quarenta anos
de casada. Aí quando eu morava com minha avó ela não me deixava tá
na rua. Tudo que eu queria ela me dava pra não me ajuntar com
vizinho. Minha avó era muito assim, assim, rígida. Era horrível! Tava
conversando com alguém, ela só fazia olhar e eu já sabia que era pra
correr pra casa. Hoje em dia a gente pode arregalar os olhos pros
filhos, pros netos, que é a mesma coisa que nada. Eles dizem: “O que é
mamãe? Pra que a senhora tá abrindo o olho?”. Eu brincava e quando
tinha alguma colega ela ficava perto. Nós brincava, brincava, aí dava a
hora de terminar, nós ia tomar banho, jantar e dormir. Aí pronto. Era
assim. No colégio que eu ainda brincava com as meninas e tudo. Eu
gostava muito no colégio de sorrir. Eu sorria demais e o professor dizia
que ia colocar um esparadrapo na minha boca (risos). Ele dizia que não
sabia o que eu tinha pra tanto rir. Eu sempre gostei de ser alegre! No
colégio das freiras, em União, era só mulher, mas quando eu saí de lá e
fui pra Teresina era misturado. Eu estudei ainda dois anos à noite. E
nessa época era muito bom. Era boa por uma parte e ruim por outra
porque sabe que freira é gente ruim! Elas “pegavam no pé” e pior era
pras que eram de regime internato, porque eu era semi-interna. Eu ia
de manhã e voltava a noite. Quando minha avó precisava ir em
Teresina pra fazer uma consulta, ou alguma coisa, ela me deixava lá
interna. Aí eu ficava. Eu dormia lá e só saía de lá quando ela chegava
pra me buscar. As outras que eram internas eram mais de outros
interiores, que a família deixava e vinha visitar no fim de semana. Lá
era uma cidade pequena. Hoje em dia que está mais desenvolvida. Eu
lembro que uma das freiras era a Madre Teresinha. Elas eram da
congregação de Santa Rita. Quando eu fui pra Teresina eu ainda
estudei um ano no colégio das freiras, de Santa Teresinha, mas foi só
um ano porque elas ficavam muito no meu pé e eu também não fui mais
184
(risos). Antigamente era muito rígido. No colégio das irmãs você não
podia fazer nada. Não podia andar descalça, tinha que usar anágua,
tinha que usar combinação. Não nada de sutiã, era combinação, uma
espécie de camiseta por dentro, só que mais compridinha, de alçinha.
Elas pegavam no pé e tudo. Quando minha avó adoeceu o maior medo
dela era de morrer e não ter com quem me deixar, pra eu não ficar com
minhas irmãs e elas me botarem a perder! Era muito filho que eles
tinham. Pra você ver, nós éramos dezoito filhos e já tinha morrido duas
irmãs minhas. Duas não, só uma. É. Ficou dezessete. Nós éramos dez
mulheres e sete homens. Papai quando saía pra comprar roupa pra
gente ele comprava era a peça. E assim era uma peça só de uma cor. Se
a peça era estampada, as roupas eram tudo estampada. Se era lisa, era
só vermelha, cor-de-rosa. Era assim, tudo de uma cor só. E tinha uma
pessoa pra fazer nossas roupas. A gente dizia se queria saia, se queria
babado, se queria de tubinho. A gente escolhia o feitio, mas era da
mesma estamparia. Aí todo mundo já sabia: “Ih, ali é filho de seu Zé
Mundico!” (risos). Que era os meninos andando tudinho um do lado do
outro com a mesma roupa. E minha mãe teve esse horror de filho,
apesar de que duas das filhas de mamãe foram criadas por vó. Minha
irmã mais velha foi criada com minha avó e foi quando ela ficou moça e
veio embora pra fazer o Normal em Teresina e aí mamãe me deu pra
ela. Ela criou também outro primo nosso. Ela só teve dois filhos, papai e
meu tio. E meu avô morreu e ela ficava sozinha naquela casona grande.
O pessoal tinha pena, as noras né, e davam os filhos pra ela criar. Ela
criou um do outro, do meu tio, e do meu pai ela criou duas. Eu com doze
anos, com quinze anos na casa de minha avó, eu ainda brincava de
boneca (risos). Só fui despertar mais quando voltei pra casa de mamãe.
Até namorado eu era uma besta. Não queria saber. E até hoje sou doida
por boneca que tenho aí sempre uma ou duas guardadas. Eu tenho
urso. Meu marido avisa que vai pra Manaus e eu peço logo: “Traz um
urso pra mim!” (risos). Hoje menino não brinca, fica só no computador.
E naquela época as mães nunca queriam que ficasse brincando menino
com menina junto, ta entendendo? Quando eu tava com minhas amigas
brincando, minhas coleguinhas, a primeira coisa que minha avó fazia
era ir olhar se tinha homem pelo meio. Se tivesse menino pelo meio,
porque tá brincando de corre-corre e se esconder não era pra ter
homem no meio. Era um controle muito rígido, demais, demais, pra não
colocar as filhas num precipício. E mesmo assim, nessa pouca criação
que eu tive, eu criei meus filhos. Criei separando pra não ter negócio de
ver como hoje tem. Até uns tempos atrás eu via que amiga minha que
tinha filho dava boneca pra ele, pra menino brincar, porque ele queria.
Que ele não queria só carrinho, mas também bonequinha. E dava, mas
eu nuca fiz isso com os meus filhos. Meus filhos tinham o lugar deles
brincar, num canto, e minha filha, que é só ela de mulher mesmo, no
outro, mas ela nunca gostou de brincar. Sempre ela foi de estudar. Eu
dizia pra ela ir brincar, mas ela dizia que não, que ela queria era
estudar. E pra você ver que no primeiro vestibular ela passou. Passou
no segundo também. Ela fez Pedagogia por fazer e passou lá em Belém.
E ela ainda disse que ainda vai fazer outras coisas, mas o sonho dela é
185
fazer Arquitetura. E ela sonha com isso e vai fazer. Ela desenha muito
bem!! Quando eu quero uma planta, eu mando logo pra ela fazer,
mando por um conhecido meu. Em julho ela teve aqui, passou as férias,
quinze dias aqui comigo. E eu ainda fui com ela e passei uma semana
lá, mas menina! Hum, não fico em casa assim não. Agora meu marido
não gosta muito de sair. Quer dizer, não gosta agora, porque antes só
vivia na rua! Depois que ele se aposentou parece que ficou
assim...parece que esqueceu daquele lazer, dos passeios, mas comigo
não. Eu passeio. Antes, eu nem podia passear que ele não deixava.
Agora eu aproveito é pra tá na rua. Invento qualquer coisa. Logo que eu
perdi minha avó eu passei pra dentro da casa de meu pai. Eu tinha uns
16 anos. Mamãe já não deixava eu sair com minhas irmãs pra elas não
me botarem a perder, em precipício. Eu era tímida, eu tinha medo de ir
até na porta. Já minhas irmãs eram mais saídas, tinham as amigas
delas e eu, minha criação foi em União, uma cidade pequena que fica
duas horas de viagem de Teresina. Eu já fui ficar mais esperta assim
menina, foi com meus dezoito anos, que minha irmã, a que mora aqui
no Bequimão ela me levava pras festas, pros passeios e dizia: “Deixa de
ser besta!”. E mamãe só deixava ela sair se eu fosse. Ta entendendo? A
gente ia lá em Teresina. Isso antes deu casar. Lá em Teresina teve uma
época que eles gostavam muito de fazer piquenique. Eles arrumavam
um quintal grande, limpava tudo, enfeitava e mandava os convites pras
famílias. A comida a gente sempre comprava lá, era feijoada, mocotó.
Esse era o piquenique. Botava um sanfoneiro ali e passava o dia todinho
tocando. O pessoal comendo, bebendo e dançando. Eu gostava de lá
porque eu sempre gostei de dançar. Ave Maria, eu gostava muito!
Minha avó não deixava eu ir em festa e quando eu cheguei lá em casa
eu aprendi a dançar e ia pros aniversários e pras festas. Aí foi o tempo
que minha irmã casou com um sargento do exército e ele era presidente
do clube lá de Teresina, aí nós tinha carta livre (risos). Toda festa que
tinha no Marquês a gente tava lá. Carnaval, São João, Natal...a gente
não morava assim muito longe não, então a gente ia. Era como daqui
pro Angelim. E nessa época a gente ia andando. Ainda hoje eu gosto de
festa. Eu saio pra ginástica e lá às vezes o professor bota o forró e a
gente dança. Hoje mesmo eu tive ginástica ali, que eu faço aqui, e a
professora botou pé de serra. Nós não sabia se dançava ou fazia
ginástica (risos). Essa minha colega que tava aqui, ela perguntou:
“Francisca, tu tá dançando ou o quê?”. Eu só respondi: “Eu não sei, mas
a dança vem em primeiro lugar pra mim” (risos). É movimento! Eu não
paro não. Eu até chamo meu marido pra ir fazer ginástica, que aqui
perto, mas ele não quer. Só quer andar. Então, que eu posso fazer, né?
Amanhã é dia de ginástica lá na UNITI, mas ninguém vai por causa do
passeio. Os professores lá são tudo divertidos, são bacanas. Tem até
uma que tá grávida agora.
Agora depois que eu vim pra cá eu casei, tive menino e já tô aqui
quase quarenta anos. Ainda vai fazer né, se eu não morrer daqui pra lá
(risos). Naquela época minha família queria que eu casasse com uma
pessoa que mamãe gostava muito. Eu tava até me interessando de
casar com ele, mas por causa de minha família. Quando eu cheguei no
186
Maranhão eu conheci esse aí e o de lá não enxerguei mais (risos). E
mamãe não queria esse meu casamento. Ela não queria porque era uma
pessoa desconhecida, que tava terminando de chegar aqui no
Maranhão vindo de Manaus, veio pela Petrobrás, e mamãe ficava
dizendo: “Minha filha vai sofrer! Minha filha vai sofrer!”. E realmente
teve uma época, logo depois do casamento que foi difícil, mas hoje eu
nem ligo. Porque ele era muito namorador. O pessoal da Petrobrás, com
um dinheirão no bolso que eles gastavam. Hoje era pra eu ter uma
mansão, mas ele gastou muito dinheiro com mulher, com bebida e a
besta aqui ficava dentro de casa cuidando dos meninos. Eu nunca fui
mulher de tomar dinheiro dele. Nunca fui mulher de meter mão no
bolso dele. Isso não. Até hoje eu nunca mete a mão no bolso dele. Só
mesmo quando eu vou lavar pra ver se tem uns trocados (risos). Agora
nessa época era muito comum mesmo. Ele saía daqui e ia pra um
negócio aí da Petrobrás e ia também pra Alcântara [MA]. Ele ia pra
Alcântara e passava dois, às vezes, três dias lá. Sabe Deus fazendo o
que?! Agora tem uma coisa, ele é uma pessoa muito farta dentro de
casa. Às vezes eu pegava a comida que ele trazia e dava pros vizinhos
pra não estragar. Ele trazia era cofos e mais cofos de carne, de frango
que ele ganhava lá das mulheres. Eu dava muita coisa que ele trazia
pra essa vizinha aqui, ela até já morreu. Dava pra essa que tava aqui
em casa, que ela tinha um bando de menino nessa época também,
porque agora ela só vive com o marido também, que os filhos já
casaram, mas eu venci. Eu venci, venci. Eu dizia pra ele: “Tu não vai
ficar fogoso desse jeito o tempo todo”. Ele rebatia: “Tá jogando praga
pra mim?”. E eu dizia que de jeito nenhum, mas eu orei muito, muito
mesmo. E eu sempre oro muito pelos meus filhos, por todo mundo pra
que nada de ruim aconteça. Sem a oração a gente não é nada! Eu até o
ano passado, eu fiz dez anos daqui pra Canindé na Romaria. Este ano
[2010] eu não fui porque a UNITI não deixou. No ano que vem, se Deus
quiser, eu vou, mesmo que eu teja na UNITI, mas eu vou. É quinze dias e
eu tiro essa folguinha. Eu vou pra Teresina e de lá vou com as minhas
irmãs. Ele também vai, ele gosta muito. No começo ele não ia, mas de
uns tempos pra cá eu levo ele. Aí ano que vem eu já posso perder mais
uns dias porque já tô avançada nas aulas. Este ano eu fui para o
Cohatrac, pra romaria de Nossa Senhora de Nazaré. É isso mesmo,
porque eu tava confundindo com a romaria da Conceição, mas foi de
Nazaré mesmo. Agora nós tamo tendo aqui a festa de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro e domingo é o encerramento. Eu vou ano que vem,
mesmo que eu tô gostando muito da UNITI. Eu sei que isso aqui não é
leitura, nem negócio de....é uma faculdade da terceira idade. É pra
gente abrir a memória, tem memorização, psicologia da terceira idade,
tem atividade física, que eu escolhi a hidroginástica. A outra parte foi
que eu escolhi a fitoterapia. Eu queria saber, aprender alguma coisa
sobre plantas, pra fazer um lambedor em casa, pra meus netos, pra
meus filhos.
Depois da UNITI eu renasci. Antes de eu entrar na UNITI eu era
uma pessoa que eu gosto de brincar, mas eu era mais reservada, de
ficar dentro de casa, não tinha aquele ânimo. Eu só vivia sentindo uma
187
coisa, sentindo outra. Eu já tive começo de AVC [Acidente Vascular
Cerebral], já tive uma época tão ruim que meu menino chegou aqui
dizendo que eu tava tão vermelha e me levou pro médico. No médico me
disseram pra ir pra um Cardiologista, que eu tava era enfartando.
Sempre eu sentia algo, nem que fosse uma dor de cabeça e hoje não,
graças a Deus! Eu entrei na UNITI e se Deus quiser eu vou continuar na
UNITI porque eu melhorei muito. E é aquela disposição, porque no dia
que eu tenho que ir de manhã eu levanto às 05:00 horas, deixo o
cafezinho dele aí pronto e me mando. Às 06:30 horas eu já tô na
parada esperando o ônibus. Não é porque começa às 08:00 horas, mas
é porque os ônibus que vem cheio demais. Quando não é de manhã, eu
limpo essa casa, lavo roupa, faço o almoço e boto a comida dele aí.
Tomo banho, se dá pra comer, eu como, senão dá, eu levo um
dinheirinho pra merendar lá na senhora que vende lanche, mas quando
dá às 12:40 horas eu tô na parada pronta pra ir. Pego o ônibus pra não
perder e no dia que eu faltei pra ir bater um Eletro, todo mundo ficou
preocupado. Perguntaram pra minha irmã e ela disse que era um
exame de rotina. Aí no outro dia não era dia de aula, era uma sextafeira, veio bem umas quatro aqui me visitar. Perguntando assustadas:
“Menina o que foi que houve?” O médico achou que o coração tava um
pouco acelerado, mas eu contei os problemas de saúde que já tive pra
ele, e ele decidiu observar. Aí que ele pediu pra fazer uma Cintilografia
Miocárdia. E esse exame é caro, tá R$ 2.900,00. Meu filho ta vendo se
eu ainda faço esse mês, ou no começo do outro. Nem sei como foi dar
isso porque eu sempre faço atividade. Aqui minhas atividades oh! Hoje
nós pegamos peso. Eu tenho meu pesinho da perna e faço tudo
direitinho. Se tivesse alguma coisa eles não deixavam eu fazer
atividade, porque lá tem acompanhamento. [Pausa] Eu tô com vontade
de ir visitar minha filha perto da minha formatura, antes de me
formar. Ela me disse assim: “Quando chegar perto da sua formatura
venha aqui”. Eu acho que ela quer comprar minha roupa, né? Então, eu
já tô pensando aqui em passar uma semana viajando. Eu já disse pra
Lúcia. Eu vou num domingo e volto no outro porque na segunda eu
falto, na terça eu falo pro meu professor que eu não vou, na quinta eu
falto também, eu só não queria faltar era na da Terezinha Rêgo, mas
eu digo pra minha irmã falar lá. Nós fizemos até um trabalho agora,
sexta-feira. Assim, quando for segunda-feira já tô na minha aula de
novo. Passo uma semana lá passeando com minha filha [Fala animada].
Vou domingo e volto domingo, mas menina, tu acha que eu vou perder
essa oportunidade? Hum, vou nada (risos)! Eu volto é disposta. Eles aí
querem que eu vá de avião, mas eu não vou. Eu digo: “Não inventem que
eu não vou!”. Eu não ando de avião. Eu quero ir e ver estrada, ver
paisagem, ver gente andando pelo chão. Negócio de avião não é
comigo, me dá o dinheiro do avião que eu aproveito por lá (risos). Eu
não ando não de avião porque eu já tive um problema de Labirintite.
Olha, teve uma época que eu ficava com Labirintite e ficava era
semanas e mais semanas deitada. Eu queria me sentar e parece que eu
caía num buraco. Menina, era uma coisa horrível! Hoje me dia, graças a
Deus passou, mas também não deixo faltar o remédio em casa. Na hora
188
que eu sinto que tô assim meio tontinha eu tomo logo. Aí pronto, evita
logo! Eu não ando em escada rolante porque na hora que eu vou querer
botar o pé, parece que assim...que roda tudo. O pessoal diz que é
impressão minha, mas não é não. Eu digo que vou pela escada. Eu ando
nas escadas e não sinto nada. E ainda é bom porque exercita. Eu tô com
medo desse exame que eu tenho que fazer. Já operei, mas com coração
a gente não brinca. A gente nunca fica tranqüilo quando o negócio é
doença. Eu fiz uma cesariana pra ter meu ultimo filho porque o médico
disse que era pra fazer Laqueadura. Eu perguntei: “Doutor, essa
Laqueadura o senhor vai me corta?”. Ele disse que era um corte
pequeno, mas eu disse que se era pra cortar ele ia tirar logo meu filho.
Eu não queria sentir dor pra ter bebê e ainda fazer essa Laqueadura. Já
operei três vezes, de Apendicite, Cesariana e Vesícula. Não sinto
nadinha. Nunca senti nada de nada. Da cintura pra baixo sou uma
pessoa que me cuido muito. Vou nesses médicos, faço meus preventivos,
mas não tenho nada, nada. Eu nunca senti cólica ou outra dor. Tive
quatro filhos e não senti nada. E dentro de quinze pra dezesseis anos
que eu menstruei. Foi perto, um pouco depois que minha avó morreu.
Todo mundo lá de casa falava pra minha avó pra ela me dar um
remédio caseiro que eu com quinze anos não tinha vindo nada. E ela
não me dava, dizia que na hora certa viria. E de lá pra cá nunca passou
de três dias. Nunca, nunca, nunca. Não sei nem o que foi cólica (risos).
Quando eu pensava que não, minha roupa já tava suja e eu me
espantava: “Vixe, já?” (risos). Agora ninguém falava nada. Minha mãe
mesmo não falou. Minha avó também, ela era uma cabocona do interior
e não gostava de falar dessas coisas. A gente acabava aprendendo era
com as colegas. Num vê hoje como é que tá! A gente vê na televisão que
crianças de 13 ou 14 anos já com AIDS. Eu vi que foi bem aí, em
Imperatriz. Deus me livre! Eu sempre fui uma mãe que conversava com
os meus filhos. Se tivesse alguma coisa era pra me dizer, pra não
esconder as coisas. Sempre orientei meus filhos sobre isso.
Criei meus filhos. Eduquei meus filhos. Fui pai e fui mãe. E você vê
como é a alegria deles agora. São respeitadores. Brincam, mas sabem
ser sérios. Isso foi a criação do meu tempo, né a de hoje não. E assim eu
digo pra eles: “Vocês devem criar seus filhos como vocês foram
criados”. Meu marido saí ás 06:30 horas pro serviço e chegava lá pelas
22:00 horas. Já tava tudo dormindo, as crianças. Já tavam com a
barriguinha cheia, dava o jantar e eles dormiam. Quando era umas
05:30 da manhã eu já chamava eles pra acordar pra ir pro colégio. E
eu que levava eles tudinho pro colégio. E não me arrependi do que eu fiz
pelos meus filhos. Antigamente as mães da gente não falavam dessas
coisas não, parece que tinham vergonha. Eram vergonhosas. E tinha
mais, se tava menstruada, não pegava sereno, não comia limão, nem
comida gordurosa. Também não tomava banho com água fria, e eu,
pelo menos, já vim tomar banho frio depois de muito tempo. Eu fiquei
com aquilo dentro de mim e quando eu tinha menino eu só banhava
com água morna. Só depois que eu fui me despertando, que a gente vai
aprendendo e vê. Se eu não tivesse tirado essas coisas ate hoje eu era
uma pessoa que não tomava banho frio! Onde já se viu, menino? Hum,
189
que coisa! (risos). Aí meus filhos iam crescendo e dava logo banho neles
com água fria e pronto. Não andava descalço, naquela época. Faziam
era amarrar tamanco no meu pé pra eu não sair descalça quando tava
menstruada. Diziam também que não se passava em cima de fezes de
cavalo, de boi... é isso tudo mesmo. Olha, eu me lembro que quando eu
tive minha filha eu passei foi quarenta dias deitada na cama. E era só
comendo pirão, pirão com frango. Não comia feijão pra não dar coceira
na cirurgia, nos pontos. Menina, mas era tanta coisa que não podia!
Meu marido ainda conseguiu uma mulher aqui pra cuidar de mim e ela
era pior do que minha avó (risos). Não podia isso, não podia aquilo. E eu
já tava era abusada daquele pirãozinho de galinha. Era temperado só
na água, no sal e no tempero seco. Eu sempre tive uns problemas de
saúde, mas nessas coisas de mulher não. Por incrível que pareça, eu
não sentia cólica, só tive dor de parto, nem na menopausa eu num senti
nada como eu vejo o povo falando aí de uns calores (risos). Cheguei até
a tomar Cálcio, mas não tomei hormônio. Cálcio eu cheguei a tomar
uns três vidros, e pronto. Eu faço meus exames de rotina e nunca dá
nada. Agora eu vou fazer de novo, né? Nem ressecamento na vagina eu
sinto, mas sabe por quê? Eu não sinto nada de inflamação ou de outra
coisa porque minha avó, tu sabe o que ela fazia? Ela fazia, fazia não,
ela mandava buscar lá nos matos pra mim comer Jatobá. Eu comia e eu
gostava tanto daquela massinha. Ela é dessa grossura [gesticula
mostrando] e quando tá no ponto de comer você quebra, que a casca é
dura, e come normal mesmo. Tá com uns dois anos. Dois anos? É, acho
que isso, que da última vez que eu fui pra Canindé, que o carro parou
no caminho, que ele vai levando muita pessoa de idade e sempre quer
parar, aí o motorista parou, que ele já é conhecido meu, há muito
tempo, e eu perguntei pra ele: “Seu Raimundinho, o que é aquilo ali no
alto da árvore? Aquilo pretinho lá naqueles galhos secos?” Aí ele disse:
“Dona Chica, aquilo é Jatobá, só as frutinhas”. Ah, mas eu fiquei
animada (risos)! Ainda derrubou umas quatro pra mim e quando eu
cheguei....ainda tem uma aí guardada não sei por onde (risos). Não sei
onde tá, mas aqui eu dei pra a colega, essa que tava aqui, que a
sobrinha dela tava com uns corrimentos danado. E a casca dele você
ainda quebra e fica tomando. É bom pra corrimento, é bom pra
inflamação, é bom pra tudo. Eu não tenho nada. Eu vou fazer meu
preventivo e da última vez a doutora perguntou se eu ainda tinha
relação com meu marido. Eu disse que tinha e perguntei porque, né? Ela
me disse porque eu era uma pessoa muito sadia, que tava tudo
certinho, sem ressecamento e eu até brinquei com ela. “Doutora, a
senhora acha que eu vou ficar futricando dia e noite é?” Tem a hora
doutora (risos). E ela começou a sorrir (risos). Ela me disse que hoje em
dia raramente se vê alguém assim. Sempre fui uma pessoa que me
preservava. Ele tava na rua e quando chegava eu mandava ele pra lá.
Era um olho no padre e outro na missa (risos). No dia do exame ela
mandou eu levar uma camisinha e eu até brinquei com ela: “Pra que eu
quero uma camisinha?”. Ela disse: “Não, é que a gente vai fazer o exame
da senhora”. E olha só, depois de casada eu fiz só uma vez esse exame,
tá vendo? Depois de 30 anos, acredita? Ela ficou admirada que eu
190
nunca tinha feito o exame. Antes do dia do exame eu pedi pra meu
filho: “Jorge, me arranja uma camisinha”. Ele se assustou! Disse: “O que
mamãe?”. Eu disse: “Me dá uma camisinha aí”. Ele respondeu: “Pra que a
senhora quer?” Eu disse: “Ah, foi minha ginecologista que disse que era
pra levar uma camisinha amanhã”. Ele ficou até estranhando eu pedir,
mas disse que ia providenciar. Meu marido também perguntou pra que
eu queria. E eu respondi que era pra levar pro consultório. Lá eu ia ver
pra que era (risos). A gente tem que tá de vez em quando fazendo, né?
(risos). Não vou dizer que é pra tá toda hora lá, mas eu faço sim. A
gente tem que fazer. Não é porque tá nessa idade que não vai fazer
mais nada. Hoje a gente vê tudo na televisão. Outro dia mesmo, aí no
Globo Repórter, falaram sobre isso. Tem velho de setenta anos aí em
forma, namorando, saindo. E as velhas também, mas tá certo que não é
mais como antigamente, fazendo todo dia, ou um dia sim e um dia não,
mas isso aí ainda rola, como dizem por aí (risos). É assim, nós tamos
vivos e temos vontade. Mudou e muda tudo, é a idade. Eu já tenho
sessenta e três anos e meu marido tem sessenta e oito anos, mas a
gente ainda tem vontade, ainda tá vivo. Hum..aqui ainda não morreu
nada, sempre sentindo prazer, e ele procurando me agradar, mas
menino...graças a Deus tá tudo vivo ainda (risos). Essa colega minha
aqui diz que o marido dela não quer mais saber dessas coisas, que ele
chama ela até de irmã. O bichinho não faz mais nada. Ele é da idade do
meu marido, mas tá quebrado porque ele já foi mais mulherengo de que
o meu. Agora ela, ela tem sessenta e sete anos, e diz que tá bem com
uns três anos que ele não quer saber de nada. Eu digo pra ela que desse
jeito ela vai ficar morta (risos). Isso Deus botou na gente pra gente se
espertar, aproveitar enquanto ainda pode que depois, mais velho, que
não vai fazer. Que negócio é esse de ficar um olhando pra cara do outro
e não fazer nada? Onde já se viu. Não, mas menino...! Sabe o que é isso
também? Eu acho assim, que a pessoa, veja no meu caso, claro que meu
marido me procurando, eu tenho que servir ele, porque isso aí faz
parte. Eu digo que eu sou mais assim ativa porque eu não me entrego.
Desde que tem luz no dia eu tô em pé, eu faço uma coisa, faço outra. Ele
briga e fala comigo que não me vê armando uma rede, deitada
descansando, mas pra que vou deitar depois do almoço? Depois que eu
largo a louça da cozinha, ligo minha TV e fico fazendo meu crochê aqui.
De vez em quando vou na porta, olho prum lado, olho pro outro pra ver
se olho uma colega pra bater papo. O que eu vou fazer deitada? Olha,
pra deitar eu preciso tá muito doente, muito mal, ou me recuperando de
alguma coisa. Ou então chega alguém me chamando e eu guardo o
crochê e vou lá bater perna um pouco.
Ontem a colega ligou dizendo que não ia ter aula, aí eu fui na casa
da minha irmã, aqui no Angelim, levar uma calça pra ela ajeitar. Eu tô
chegando e outra colega liga perguntando se eu não vou pra aula. Eu
estranhei porque me avisaram que não ia ter, mas na mesma hora
mandei minha irmã descer e nós pegamos o ônibus correndo. Ainda
chegamo lá pelas 15:00 horas e tava todo mundo já no auditório e as
colegas guardaram nossos lugares lá. Quando eu cheguei todo mundo
ficou me olhando porque eu fui mais arrumada né. Na verdade eu tava
191
indo pra casa da minha irmã, aí ligaram dizendo que ia ter aula, fui
assim mesmo. Eu sempre fui vaidosa, quer dizer, desde novinha não,
mas depois, quando eu tava já saindo com minha irmã, eu me
arrumava mesmo. Eu fazia até sinal de lápis no rosto (risos).
Hum...tudo pra ficar bonita. Eu sair de casa sem pintura e sem
perfume, é a mesma coisa de que eu tá nua, nua, nua. Tenho que sair
arrumada, direitinho. Eu não gosto de vestido, mas uso um ou outro
quando me dão. Não gosto de saia, é usando bermuda o tempo todo, ou
então calça. Uso minhas roupinhas e não to nem aí, mas menino....hum!
Eu uso o que eu gosto. Quando vou sair é usando cheia de balangandãs,
mas eu gosto (risos). A gente tem que aproveitar a vida, o resto que
ainda tem porque ninguém sabe o dia de amanhã. Deixa eu ver quem
era, era uma professora lá da UNITI dizia que: “Não é porque a gente tá
nessa idade que vocês vão se entregar”. Eu digo isso porque minha irmã
já tava se entregando, no fundo de um apartamento, que não descia
nem pra ver quem passava por lá. Eu disse pra minha sobrinha, que é
de criação, casada com meu filho, que era pra gente ir na faculdade, na
UNITI, logo amanhã pra fazer a matricula das duas. Ela ainda achou
que minha irmã não ia, mas eu incentivei mesmo assim. Ela foi pra se
precisar pagar alguma coisa, ela pagava e eu dava depois, que meu
marido tava viajando na época. A gente fez a inscrição e quando as
aulas começaram, ela foi ainda umas três vezes arrastada, mas hoje
não deixa de ir. Às vezes nós nem vamos pra aula, vamo é bater perna
pela Rua Grande, mas só pra ela sair de casa. E ainda ensinei pra ela
dizer que nós ia fazer uns cursinhos lá nas férias, que é pra gente sair,
ir pra cinema, oras (risos). Tem uma professora que sempre leva a
gente pro cinema, nas terças-feiras e quando ela avisa, eu já digo logo:
“Já tô lá (risos)”. E eu vou mesmo. Não gosto de ficar só em casa não.
Tem que aproveitar e nesse shopping aqui, que inauguraram [Rio Anil
Shopping], de vez em quando eu me mando pra lá (risos). Não compro
mais nada nessas pobrezas dali, só no shopping agora. Eu fico triste
quando vejo uma pessoa mais nova do que eu e não quer fazer nada. A
minha filha diz pras colegas dela, lá em Belém, que e sou assim e toda
vez que eu vou lá o povo quer me conhecer ou rever. Eles acham que eu
sou nova. Parece que foi mês passado, numa sexta-feira? Foi numa
sexta mesmo. E meu menino foi resolver umas coisas em Chapadinha
[MA] e ele não queria ir só. Eu tava aqui sentada e ele veio aqui em casa
e me chamou pra ir no outro dia com ele. Ele só me disse que passava
aqui cedinho e mandou eu arrumar uma muda de roupa pra levar. Ai
que ele me disse que a gente ia pra Chapadinha e só voltava n outro
dia! Eu me espantei, mas fui mesmo assim (risos). Fomos só nos dois no
carro. Foi tão bom, mas menino! Agora ele [marido] não gosta de sair.
Parece que teve um trauma depois que se aposentou. Vai fazer dez anos
que ele se aposentou e só vive em casa. Meu outro filho tem um terreno
em Ribamar e às vezes consegue levar ele pra dar um passeio por lá,
mas é difícil. O negócio dele é sentar ali, naquela mesa, e ficar
escrevendo, ficar desenhando, fazendo planta que tamos pretendendo
levantar a casa. Ele já fica fazendo logo os desenhos ali pra quando
minha filha chegar ela olhar. Ele fica só dentro de casa porque quer. Eu,
192
pelo menos, quando comecei a ter meus filhos, eu não ia pra lugar
nenhum. Eu recebia convite pra ir pra aniversário, pra ir pra passeio do
serviço dele e eu não ia porque não tinha com quem deixar os meninos.
Eu deixei muitas vezes de sair de casa pra cuidar dos meninos. Eu não
tinha com quem deixar os meninos e não podia levar eles. Então eu não
ia. Se quando minha mãe ficou doente, bem aí em Teresina, eu tive que
levar os meninos tudinho porque não tinha com quem deixar e ele
[marido] saía pra trabalhar cedo e só chegava de noite. Não ia deixar
com empregada doida que a gente não sabe como ia cuidar. Eu já tive
muita pessoa aqui pra me ajudar, mas pra ficar sozinha com meus
filhos, não. Então, como eu disse, eu torno a repetir, eu fui pai e mãe de
meus filhos. Hoje eles reconhecem, reconhecem mesmo, mas foi um
sacrifício. Nunca chegaram pro pai desrespeitando, mesmo que eles
sabiam que o pai era namorador. Eu não escondia nada deles. Uma vez
o meu mais velho chegou e me perguntou porque eu ainda vivia com o
pai deles. Ele tinha uns quinze anos. Eles viam que ele me deixava
sozinha e ia pras farras. Eu dizia pra eles: “Meus filhos, eu vim de uma
família que se casou tem que agüentar”. Ele tinha as aventuras dele,
mas nunca deixava faltar as coisas pra casa, comida, roupa e nem
nada pra vocês, nem pra mim. Se tinha um chinelo quebrado, a noite
ele trazia pra vocês. Ele tinha aqueles casos na rua, mas sempre não
deixava as coisas faltar. Então eu superava mais as coisas por meus
filhos, ai o tempo foi passando, passando e hoje ele sossegou. Olhe, esse
problema de pressão que eu tinha, eu vim tendo desde o meu terceiro
filho, mas eu vinha controlando. Teve uma época aí que ele andou pro
lado de uma mulher e a bicha não prestava e foi quando descontrolou
tudo. Foi quando eu tive esse negocio de AVC e descontornou tudo, tudo,
tudo. Depois eu pedi pra Deus pra botar tudo no lugar que era. Eu ando
nessas brincadeiras tudinho, mas eu me cuido. Antigamente eu bebia
até cerveja, mas hoje em dia eu não bebo. Já não bebo mais de jeito
nenhum. Até o refrigerante eu já tirei, às vezes tomo uns dois ou três
copinhos quando é diet, mas eu acho que é tudo igual aos outros. Eu
prefiro tomar água porque coca-cola diet e a outra é quase tudo a
mesma coisa.
193
ROSA
Bom, eu nasci em Penalva, na cidade de Penalva, Maranhão, só que
nem eu mesma conheço a cidade porque eu nasci e meus pais se
mudaram logo de lá, eu era muito pequena, e eu nunca mais voltei lá.
Porque eu estudei na cidade de Monção [MA], também uma cidade da
Baixada, porque tinha uma professora de preferência de todos os pais,
que queriam que as crianças estudassem com ela. Por conta disso meu
pai se mudou pra onde ela veio morar, que foi em Monção....Aí, lá que
eu fiz o meu primário até o quinto ano na época. Aí terminou o primário
e tudo e meu avô se mudou pra Santa Inês, aí eu fui pra Santa Inês...eu
já tinha quatorze anos. Aí de lá, em Santa Inês, eu fiquei até...eu
comecei a trabalhar, me casei, tenho seis filhos. Me casei muito nova,
com dezoito anos, mas graças a Deus fui muito feliz, tenho os meus seis
filhos. Hoje eu tenho...os filhos já estão todos casados, eu considero
minhas noras como minhas filhas e o genro, que é só um, é como um
filho também; que são cinco homens e uma mulher. É a minha filha
nasceu no dia do meu aniversário, foi um presente maravilhoso. No dia
que eu fiz vinte e seis anos ela nasceu. Então é assim, meus filhos são
todos em idade pertinho um do outro e eu criei todos com muito vigor e
estudando junto, porque quando eu parei de ter criança eu comecei a
estudar de novo. E nisso eu ajudei muito meus filhos, e me ajudei
também.
Eu fiz meu 2º grau, quando eu terminei de fazer o 2º grau eu
alcancei um trabalho que foi...é...Já não fiquei em Santa Inês, aí eu me
mudei pra Turiaçu, onde eu fiquei trabalhando 10 anos como
representante do INPS na época. Eu fui como representante do
FUNRURAL, mas aí o INPS incluiu o FUNRURAL ao INPS e ficou o INPS
urbano e o rural. O representante da área urbana faleceu, aí a própria
entidade, o INPS, me chamou e eu fiquei representando as duas áreas,
tanto urbana quanto rural. Depois quando já tava com uns dez anos eu
fiz um concurso aqui no... no Maranhão, em São Luís, aqui na capital,
na Auditoria Geral do Estado (AGE) e fui classificada, tirei o 4º lugar no
concurso e fiquei trabalhando. Trabalhei treze anos na AGE, alcancei
um...uma posição melhor porque o meu chefe ele criou a Divisão de
Material e Patrimônio e me colocou como...como diretora desta Divisão.
Ele me chamou e disse: “Olha Dona Rosa, essa Divisão é pra melhorar
sua aposentadoria” [fala contente seguida de risos]. E graças a Deus eu,
só com o Ensino Médio, alcancei uma posição de nível superior, porque
ele disse que gostava muito do meu trabalho, do meu desempenho....
Foi reconhecimento mesmo onde ele dizia que em todo lugar podia não
dar certo a...o trabalho de Material de Patrimônio, mas lá na AGE tinha
que ser exemplo e graças a Deus foi. Sempre deu muito certo e ele
mandava que os auditores levassem ao reconhecimento de todas as
entidades, quando iam fazer auditoria, que levassem o exemplo da
AGE...como Material e Patrimônio não tinha com o que reclamar e
graças a Deus eu fui bem sucedida. E quando ele saiu, foi a época que
eu ia me aposentar também e nós saímos juntos. Hoje ele é o Prefeito
194
de São José de Ribamar, Dr. Luís Fernando. Muito meu amigo!Ai depois
que eu me aposentei da Auditoria eu fui convidada pelo meu cunhado
que é o diretor da Pereira Feitosa. Ele me convidou pra trabalhar na
Pereira Feitosa. Eu fiquei lá quatro anos trabalhando na Pereira Feitosa.
Também fiz um “rodízio” de posições da empresa. Eu ocupei desde
cuidar, de gerenciar o material, gerenciar o arquivo....Quando eu saí
mesmo eu trabalhava no arquivo. Me identifiquei muito com o trabalho
do arquivo. Deixei tudo organizado. Quando eu pedi pra sair, deixei
uma pessoa com recomendação daquele conhecimento que tinha a
responsabilidade do trabalho. E graças a Deus eu sei que a Pereira
Feitosa tem desenvolvido e eu sei que tenho uma parcela de ajuda [fala
alegremente]. A minha filha teve gravidez de gêmeos, então nessa
época eu me dediquei mais a cuidar dela e das crianças, os meninos já
vão fazer quatro anos. Contanto que eles são muito apegados a mim, e
tem assim...os outros, todos eles, têm aquele carinho, aquele cuidado.
Tanto tem atenção e me ajudam em tudo. Em agosto faz dez anos que
me aposentei, mas sempre tenho atividade! Atividade física... eu faço
ginástica há dez anos também, desde esse tempo eu comecei a fazer e
cuido muito da minha família. Meus filhos, tudo que eles querem eles
me procuram. A minha neta, filha do Adriano, é minha vizinha, é
formada em Nutrição, e eu estou ajudando na caminhada (risos). Ela
teve uma filhinha e engordou muito na gestação e como nutricionista
ela tava fora de forma, porque ela tem que estar bem, com o corpo
menor (risos). Agora ela tá fazendo caminhada e nós estamos indo
juntas. Faço ginástica há dez anos e caminhada há mais de trinta. É
muito bom. A ginástica é às segundas, quartas e sextas das 7:30 às
8:20 horas. Eu saiu cedinho daqui pra não enfrentar trânsito. Faço a
ginástica e de lá venho pra casa. Às terças, quintas e domingos a gente
faz caminhada. A ginástica e a caminhada é que realmente me dão
saúde. Eu tenho ânimo, não sinto nada de doença. Não tenho diabetes,
não tenho pressão alta, não sinto dor em nada. Não sinto dor. No dia
que a gente foi fazer avaliação física na universidade eles ficaram
admirados porque eu não sentia nada. Na hora de fazer o teste a
colega Anunciação, que é assistente social aposentada também, ela é
mais nova que eu! E disse assim: “Menina, Rosa na hora de fazer o teste
eu tava só vendo. Todo mundo ficava ali, não conseguia tudo e ela
conseguia até o chão”! Que eu posso fazer, né? Eu tenho essa saúde,
essa flexibilidade. O corpo acompanha. Não tenho dificuldade de fazer
nenhum exercício. Faço e quanto mais faço, mais tenho vontade de
fazer.
Aqui a UNITI tá sendo muito bom! Desde que eu me aposentei, eu
fiz uma ficha aqui, só que como eu fui convidada pra Pereira Feitosa eu
não vim pra cá. Aí pronto, passou esse tempo, mas agora...ano passado
[2009] meu filho veio e me inscreveu, até nem tinha vaga, mas ele
deixou meu nome lá na...na lista de espera. Em fevereiro [2010] eu vim,
quando começaram as..as, as..atividades não...as inscrições, aí eu vim.
Até por uma fase só de experiência. No dia que eu vim consegui a vaga,
me inscrevi e fiz logo tudo (risos). Tô gostando muito, tá sendo muito
positivo. Além de fazer novas amizades, é uma outra...é uma outra
195
família que a gente consegue. Já fizemos dois passeios maravilhosos, as
oficinas eu estou gostando muito. E é certo que eu estou muito feliz com
essa atividade aqui. Olha, eu acho muito positivo as experiências que a
gente adquire e o aprendizado, que é de uma vida toda. Cada dia eu
aprendo mais, eu busco aprender mais. Eu acho que a UNITI é um
veículo de ensinamento que todo mundo tá lá pra aprender. Inclusive as
professoras falam que não são só professoras, que são alunas também,
porque aprendem muito conosco. Elas são realmente bem mais jovens,
mas a experiência que nós temos diante delas é muito maior, embora
elas tenham mais conhecimento acadêmico, mas nós temos outra
experiência de vida. Nós passamos pra elas e elas recebem também.
Então é muito bom essa troca e quando a gente vai com esse propósito,
de dar e receber, é muito mais eficiente, proveitoso. Cada um tira sua
parcela. Temos colegas que no começo queriam desistir, mas dado o
apoio da gente, ajudando e tudo, ninguém mais quis deixar de ir. Agora
muitas tá lá só o nome, nunca foram, nem no primeiro dia. Na hora da
chamada, tem nomes que até hoje tá registrado na caderneta e nunca
foram.
Nunca
apareceram.
Quer
dizer,
houve
desistência
assim....espontânea. Nem foi lá pra conhecer, porque quem foi também
não quer deixar de ir. Inclusive nós não vamos ficar só com um ano,
algumas estão lá há seis anos. A turma de egressos tem gente com seis
anos. Porque encontrou lá o apoio que em outro lugar não tem. A
família já tá crescida, ou às vezes tem família pequena ...não tem mais
aquele apoio. E estando lá, tá tudo seguro. A minha turma é quente,
animada (risos). A gente tem merenda, já estamos fazendo lanche pra
preparar nossa festa de fim de ano. Vai ter a festa de quadrilha. Cada
turma escolheu a sua, mas vai ser eleita uma só pra representar. A
gente não sabe ainda qual vai ser a eleita, se da turma A, B ou C. Nós
que vamos votar. E isso tá sendo muito bom! Dá um entusiasmo! Nossa
turma é chique (risos). Tem contador, tem assistente social, tem
professora de francês. Nós estamos nos organizando pra no outro
semestre ela dar umas aulas pra gente. E tem gente formada em várias
áreas. Tem bibliotecária e várias pessoas com curso superior em, por
exemplo, Teologia, Serviço Social, Direito. Estamos lá, todo mundo
fazendo parte da mesma turma. A gente se ajuda, todo mundo se
entende. É uma turma assim coesa.
Sempre trabalhei muito, graças a Deus, e sempre fui muito feliz
cuidando de meus filhos. Hoje meus filhos são formados...o mais velho
vai fazer uma faculdade, começar agora, na próxima semana, porque
era sempre o que ele queria. É aqui pela UFMA, tem um programa que
tem...é...Ciências Agrárias. Ele fez o vestibular, passou, foi bem
classificado e ele vai começar essa faculdade. O meu segundo filho já é
advogado, Felipe. Ele trabalhou na..na...desde que ele se formou ele
alcançou cargo na OAB. Foi conselheiro, foi presidente da Caixa de
Assistência da OAB, por dois mandatos seguidos, e se candidatou a
presidente da OAB, mas quem ganhou foi o Macieira. Mesmo assim ele
não ficou triste, tá fazendo os cursos que ele quer, de especialização. O
escritório dele é um escritório de muito destaque, até é credenciado
para os alunos de Direito aqui da UFMA, para todos os estagiários. Já
196
tem... que já trabalhou com ele, tem Juiz, tem Desembargador. ...Eu sei
que todos já até saíram daqui do Maranhão, alcançaram boa posição
em outros Estados, em Brasília mesmo; contanto que ele é muito feliz
por isso. Porque ele tem ajudado muita gente, muitos colegas com esse
plano de trabalho no escritório dele. E isso tem trazido muitas alegrias
pra nós. Ele mudou o escritório dele, que era no Edifício
Multiempresarial. Há um ano ele mudou para o Edifício Vinicíus de
Moraes. No dia que ele mudou ele mandou celebrar um culto de Ação de
Graças pela mudança e fez um ano semana passada. Ele pediu outro
culto pelo ano que passou. E isso me dá alegria por reconhecer que
Deus tem sido misericordioso, que tem abençoado, que tem ajudado não
só ele como a todos que trabalharam com ele. O meu terceiro filho ele
não fez faculdade, mas ele é Técnico Agrícola e tem se dedicado muito
em criação de abelhas, sendo instrutor aqui no Maranhão. Em todo o
Maranhão ele já foi instrutor de criação de abelha. Ele tem um currículo
muito bom. Ele trabalha com o pessoal da UEMA, como os professores
da UEMA em pesquisas de abacaxi, que ele mora em Turiaçu. Então,
como é uma terra muito boa pra abacaxi, tem se sobressaído muito o
plantio do abacaxi. Ele tem desenvolvido, através do próprio currículo
dele. Os professores o procuram para cuidar dessas pesquisas. Ele tem
curso e no Brasil todo ele vai em congresso, participa. Todo congresso
que tem, Olavo vai. É muito interessado. E agora vai ser pai de novo...já
é avô e vai ser pai outra vez (risos). O outro filho, que é o Adriano, ele é
formado em Administração. Desde que ele fez estágio na ALUMAR, foi
muito bem classificado. Quando ele se formou, fez estágio, e já está
com vinte e três ou vinte quatro anos que ele é funcionário da ALUMAR.
E nesse ínterim, com o trabalho dele, ele foi convidado pra ir pra
ALCOA em São Paulo. Passou 5 anos na ALCOA pelos trabalhos
prestados aqui na ALUMAR. A ALUMAR investiu muito nele em cursos,
em viagens. Quando ele tava em São Paulo, ele viajava muito para o
exterior e em todos os países ele ia com representante da ALCOA no
Brasil. Já foi até na África do Sul fazendo trabalho para a ALCOA.
Agora a ALUMAR o trouxe novamente....como a família, nós, moramos
aqui, ele veio sem problema; porque a família tanto nossa quanto da
esposa dele moram aqui. Ele tá em São Paulo esses dois dias porque ele
foi pra um casamento de uns amigos. O filho mais novo é o Guilherme
Ele também tinha começado a faculdade, deixou passar e tal,
trancou....Agora ele recomeçou e tá fazendo Direito também. E minha
filha, que é a única, é a caçula, ela é formada em Ciências Contábeis.
Ela trabalha agora pelo Estado, na Secretaria de Meio Ambiente
aplicando os conhecimentos de Contabilidade. Inclusive já fez curso em
Brasília, para o trabalho, para melhor aplicar os conhecimentos no
trabalho.
Eu tenho 14 netos. Eu tenho...o mais velho que também trabalha
na ALUMAR, é formado em Administração e já tem um filhinho que é
meu bisneto, o Gustavo. A outra neta, que é filha do Adriano, é formada
em Nutrição e tá fazendo agora Pós-Graduação. Também já tem uma
filhinha, que é a Clarissa...é outra bisneta. Então...eu tenho um casal de
bisnetos lindos....e os outros são casados todos. Os meus outros netos
197
fazem faculdade. O Gabriel faz..é..é...Engenharia Química aqui na
UFMA e também, ele começou Engenharia Civil no CEFET, mas como
também o CEFET agora não está em atividade ele tá fazendo só a
Engenharia Química aqui. Tem outro, filho do Felipe, que o Daniel...ele
faz Engenharia de Produção lá no Pitágoras. Tem a Fernanda que
faz..ela estuda no CEST. Ela faz dois cursos. Ela pretende ser
Odontóloga...então tá estudando. E tem os outros...tem a Larissa, filha
do Felipe que está fazendo o primeiro ano do Ensino Médio do segundo
grau. Tem o Daniel, que é irmão do Gabriel, já ta fazendo o 3º ano do
segundo grau. Tem o Adrianinho, que é filho do Adriano, também faz o
3ºano do segundo grau. A Juliana que faz 9º ano agora, porque agora
mudou de classificação né? É.. tem mais: o João, esse é filho do Felipe
também, e ele tem uma Síndrome....ele tem Síndrome de Dawn, tem 17
anos, é acompanhado pelo Fonoaudiólogo. Ele estuda também, mas no
colégio não tem muita evolução por causa da Síndrome, que é muito
avançada. O filho do Guilherme também tem Síndrome de Dawn, mas é
totalmente diferente. Ele faz Judô, é muito ativo, é um menino muito
inteligente. E os meus dois netinhos que são os caçulas, até agora, eles
vão fazer 4 anos, mas já escrevem os nomes deles....aí são os xodós da
vovó (risos). E o mais novo, que vai chegar, que é filho do Olavo, que
depois de avô, vai ser pai também. O meu filho mais velho, que vão
fazer Ciências Agrárias, não tem filho. Eu sempre queria que meu filho
mais velho fosse homem. Ah, porque homem passa idéia de segurança,
de modelo pros outros. ...Aí tudo bem, mas tinha a esperança da
menina. Aí foi esperando a menina e foi indo até o quinto filho. Quando
chegou no quinto menino, aí foi mais uma vez e veio a menina. E chegou
num dia muito bom que foi o dia do meu aniversário. Foi um presente.
Meu pai sempre aconselhou muito e dizia...inclusive ele dizia, como eu
sou a mais velha: “Olha, o filho mais velho é o espelho da família”. Ele
conversava muito comigo e eu sempre gostei de perguntar muito. Eu
ficava colhendo todas as informações que ele tinha. Então eu criei os
meus filhos com muita autoridade, tendo controle sobre a família. Teve
diferença da que eu recebi, mas tudo baseado na criação que eu tive.
Meu marido ele tinha...ele nunca assistiu uma reunião de pais, parece
que os meninos só tinham mãe. E com isso, eu cuidei deles. Todos foram
criados com deveres, estudaram... Houve uma época que lá em casa
eram 10 estudantes: eu, os seis filhos e as pessoas que moravam
comigo. Todos estudaram. Todos que trabalharam na minha casa não
ficaram sem estudar. Pude dar, às pessoas que me ajudaram,
oportunidade
de
crescimento.
Os
meus
filhos
todos
são
responsáveis....O Felipe, quando eles vieram pra São Luís, ele era como
se fosse o pai da família. Eu fiquei no interior com meu marido, eu
trabalhando, e ele aqui era o responsável....apesar de ser de menor
ainda, ele era o responsável. Tem 18 anos que eu fiquei viúva, mas não
tenho queixas por que meus filhos só me deram alegrias. Todos eles
querem o melhor pra mim...filhos, netos me ajudam....quando eu
preciso de qualquer coisa eles estão prontos a me...me oferecer sem eu
até esperar, de surpresa. Meus filhos se preocupam muito comigo. Eu
tenho meu transporte, que é uma maneira fácil de me locomover. Eles
198
até se preocupam....E, quando eu comecei na UNITI, porque eu não
dirigia pra qualquer lugar, aí o Felipe disse: “Mamãe e agora, como é?”
Eu disse: “Não meu filho, eu vou e volto no horário que é bom”. Eu venho
às 13:00 horas pra cá e volto às 17:00horas. É um horário bom, que
não tem engarrafamento.... Às vezes tem um pouquinho, mas não dá
pra atrapalhar. Não, é....tem sido um desafio, mas tenho sido vitoriosa.
Sempre posso levar alguém e trago, porque vem uma colega comigo. E
quando a gente vai, o carro vai cheio. Vou levando as amigas, as
colegas até no ponto onde elas podem pegar o transporte delas e vão
pra casa, mas pelo menos até onde elas...onde eu posso levar elas ficam
satisfeitas. E a nossa turma é muito alegre, a turma C. No dia que eu
vim não tinha meu nome em lugar nenhum. Aí eu disse: “Professora, era
a professora Feitosa, eu não posso ficar de fora!” Ela disse: “Você vai
ficar aqui na C”! E ela mesma escreveu meu nome. E fiquei muito feliz,
até falei com Lúcia, professora: “Oh Lúcia, meu nome ficou jogado lá no
fim” (tom de desânimo). Acho que Deus que escolheu essa turma pra
mim. Então eu fiquei satisfeita, feliz! Já fizemos um passeio maravilhoso
com a professora Dulce e a outra turma também fez, mas com a nossa
turma foi muito bom. Voltando a falar da minha família.... Meu pai já
morreu faz muito tempo e minha mãe ainda é viva, tem 93 anos, ela
que me ligou agora. Todo dia me telefona pra saber como estou, às
vezes pra conversar. Ela mora aqui perto, mas gosta de tá na casa dela
e eu vivo na rua, nem paro tanto em casa. Ela tem muito vigor ainda,
tem muita saúde, e eles viveram uma vida de paz. Não tinham condição
financeira, assim elevada, mas tinha carinho um pelo outro, carinho
pela família. Meu pai foi assim um conselheiro no lugar onde ele
morava. Ele era muito solicitado pra dar conselho, pra conversar. Ele
era uma pessoa muito amiga, muito amável, não tinha....era uma
família muito feliz, graças a Deus. E minha mãe também. Lá em casa
nós somos cinco filhos. Eu sou a primeira, depois teve outra irmã, aí
nasceu meu irmão, depois nasceu outra irmã, aí com 10 anos depois
dessa minha irmã, que era a caçula, Maria José, aí minha mãe ficou
grávida da minha irmã que é “De Jesus” e ela era da idade de meu filho.
Meu terceiro filho era mais velho que minha irmã mais nova. Então ela
tem idade de ser minha filha!
Mamãe foi embora pra Brasília, uma época, com meus irmãos e lá
ela estudou. Eu fiquei em Santa Inês. Continuei em Santa Inês só com
minha família, meu marido e meus filhos. Então... meu marido, quando
nós fomos pra Turiaçu, ele já ia um pouco adoentado. Aí viemos pra São
Luís novamente...ele ficou doente, não pode mais trabalhar e eu que
arquei com toda a responsabilidade da família, contanto que quando
ele faleceu, eu já não estranhei cuidar da família porque eu já era
acostumada a lutar. A minha neta vai receber uma premiação no
futebol e ligou convidando. No meu tempo menina não jogava bola, mas
hoje tá tudo moderno. Eu lembro que papai e mamãe diziam era muito
pra gente: “Menino joga bola, gosta de ir pra rua, gosta de aventura. E
menina é mais caseira, gosta mais de brincar de boneca, de ser
mamãe”. Então, tem essa afinidade mais com a família, mais com a
mãe. O menino não! Ele é aventureiro! O meu irmão então, ele gostava
199
de passarinhar. Ia jogar bola, sempre foi muito ativo. Então essas
diferenças, na família, a mãe é que tem que, realmente, acomodar de
maneira diferenciada. Já na minha família eu, como mãe, eu tenho seis
filhos, mas cinco são homens e só uma é mulher. Os cinco primeiros,
que ela é a caçula, eu cuidava tudinho. Sempre tive gente pra ajudar,
mas eu que cuidava. Eu tive uma luta com eles, assim de correria.
Arrumar, dar comida, tudo era comigo mesmo. As pessoas que me
ajudavam cuidava da roupa, da mesa deles, organizar a mesa na hora
do almoço. Eu mandei fazer uma mesa só pra eles, no tamanho deles,
quatro cadeirinhas. Os maiorzinhos já iam saindo pra mesa dos adultos
e os outros ficavam lá. A mesa sempre tava cheia, porque a minha
irmã, essa que mora em Portugal também morou comigo durante muito
tempo. Quando ela nasceu eu já tinha meu terceiro filho. Ela era minha
irmã, mas tinha idade de ser minha filha. Pois é, ela já nasceu tia
(risos). O meu terceiro filho nasceu em março e ela nasceu em junho, do
mesmo ano. Então foi perto, mas ela era mais nova. Isso, poucos meses.
E depois que papai morreu mamãe foi morar comigo e ela foi junto. Aí
ela ficou como se fosse minha filha. Foi criada como filha até quando
mamãe se mudou pra Brasília. Quando a minha filha chegou, já tinha a
“De Jesus” que era menina, e os dois meninos menores. A criação de
menino e menina é realmente diferenciada. Os meninos gostam de
jogar bola, sempre. Era mais brincadeira de bola mesmo, de carrinho e
de construção. Um era engenheiro, outro era agricultor. A minha
criação eles brincavam no quintal. Vinham outros meninos da
vizinhança lá pra minha casa. Era um quintal grande com coqueiros,
tinha sombra, e eles iam brincar no quintal. Enchia o quintal de
menino! (risos). Eu não deixava que os meus fossem pra casa alheia. Eu
preferia que os de lá viesse. Daí eu me preocupava e fazer lanche e
tudo, mas contanto que ficassem sob a minha vigilância. Quando eles
tinham que sair, saiam também, mas era com hora certa de voltar. Até
o mais velho dizia que era na “Lei da Chibata” (risos), porque tinha hora
certa de chegar, pra tomar o banho, pra jantar na hora. E só saiam
depois que faziam os deveres da escola. Eu era a professora. Enchia a
mesa de menino, depois do almoço, até terminarem. Os que acabavam
mais cedo iam saindo e o outro, esse que é técnico agrícola, me deu
muito trabalho porque era muito brincalhão. Se eu não tivesse pressão
sobre ele teria sido pior, mas graças a Deus, ele tomou consciência que
tinha que estudar e começou a ver as coisas diferentes (risos). E a
menina não, ela sempre tava em casa, nunca teve que sair pra brincar.
Tinha outras meninas que viam pra minha casa! Elas sempre
brincavam de boneca. Jogava bola, também, mas brincava mais de
casinha. Agora uma minha irmã era danada pra tá subindo em árvore.
Aí meus pais diziam: “Não, isso aí não é pra menina. Deixa que menino
sobe”. Eu nunca fui muito de subir em árvore, mas minha irmã era igual
uma macaquinha pra gostar de subir em árvore (risos). Ia lá pra cima.
Tinha goiabeira, tinha ingazeira no nosso quintal e ela gostava de
subir. Eu não, eu tinha era mais medo. Não era de tá indo pras árvores,
mas a Lourdes gostava de subir e mamãe reclamava demais. Dizia
assim: “Isso não é serviço pra menina! Não é brinquedo pra menina!”
200
Então tem sempre essa recomendação. Brinca junto, aí o menino
geralmente o menino era o pai. Era o dono da casa. E a menina era a
mãe, era a filha, mas as brincadeiras realmente são diferenciadas. E na
criação de meus filhos também foi a mesma coisa! Hoje já é diferente.
Já tem mais igualdade, porque já tem.....Por exemplo, lá na casa da
minha filha, ela não tem filha. É só menino, mas na casa dos meus
filhos, tem menina. Eu tenho uma neta, essa que ligou agora, que ela
gosta muito de futebol, já o menino não é tão assim pra
futebol...Adrianinho e a Juliana. A Juliana joga futebol. Naquela época
não se via menina jogando bola. Na minha época era mais difícil de
aceitar. As brincadeiras com bola era em dias festivos, comemorações
de colégio, mas não era nem voleyball. Era uma brincadeira de jogar a
bola uma pra outra na fila...não me lembro bem agora o nome que
dava, mas tudo de calçãozinho, mas era um jogo que ali era só menina!
Os meninos iam pro futebol. E hoje eu vejo que realmente é diferente.
Tem os times de mulheres, de meninas. Elas jogam competição.
Realmente tem menina que gosta mais, porque tem menina que gosta
mais de brinquedo de menino, mas as diferenças, elas existem. E devem
existir. As mães, os pais, têm que ter cuidado. Hoje tá muito mais fácil
essa coisa do homem querer ser mulher e da mulher querer ser homem.
Tem que ter uma orientação. Tem que ter uma divisão nessa parte. A
mulher ela pode ser igual em todos os aspectos de profissão, mas como
mulher, ela é mulher. E o homem, as profissões podem ser iguais, mas
ele é o homem. A gente tem que educar os filhos da gente pra um não
querer ser o outro, eu acho que é perigoso porque....diante da nossa
cultura, diante da nossa criação, nós temos que saber que Deus criou
apenas homem e mulher e um para unir-se com o outro, mas não os
dois sexos juntos. Isso não é do agrado de Deus. A aceitação hoje é
maior, mas antes não passava. Hoje a gente já assiste na televisão.
Nesse tempo não era tamanha...assim, não era tão grande o número de
gays. Alguns....em todo lugar tinha, mas ...lá em Santa Inês tinha um, o
Brigite. Ele era um homossexual que cozinhava muito bem. Ele
trabalhava o ano inteiro. Tinha restaurante e todo mundo freqüentava.
Na época do Carnaval ele se vestia muito bem! Tinha até uma
amiga minha que fazia as fantasias dele. Ele não pagava pra fazer,
mas ele dava depois a seda que ele usava, que era muito boa, da
melhor qualidade pra ela. E isso, ela distribuía essa seda em flores que
ela fazia. Então o lucro dela era melhor do que receber o pagamento
pela costura. Ela preferia assim e ele já tinha isso. Todo ano ela sabia
que ia ganhar essa seda dele. Todo mundo conhecia como Brigite. Ele
era respeitado e valente. Ele tinha as parcerias dele. Companheiros,
[pausa] pra praticar o que ele achava bom, mas ele era respeitado.
Todo mundo respeitava e ele respeitava as pessoas. Ele não era desses
promíscuos, nem ficava debochando. Depois teve outro que chamava
Maria Bajá, mas era uma minoria deles. Não eram tantos quanto hoje e
com a liberdade que eles tem hoje. Eles eram mais reservados. Hoje eles
tem liberdade. Em parte ela é boa, mas também hoje, essa....aceitação
de homem com homem e mulher com mulher eu acho errada. Pelos
princípios de, de....religiosos. O amor pra servir a Deus tem que ser de
201
homem com mulher e não homem com homem e mulher com mulher.
Não é uma doença, é uma escolha. E os homens acham que com a
liberdade que tem eles fazem o que quiserem. E diante da sociedade,
hoje essa aceitação eu acho perigosa porque influencia muito. Tem
criança que desde pequenininha ela demonstra, já tem uns traços.
Então eu volto à mesma tecla, a educação da família, se ela toma
conhecimento e procura ajudar, pra que a criança, o homem saiba que
ele é homem e a menina saiba que ela é mulher. Ajudar nessa parte,
orientando e mostrando, cabe muito à família. Até minha filha diverge
de mim nesse assunto. “Ah mamãe, mas se um filho meu escolher ser
gay. Eu não vou jogar ele fora!”. Eu digo que tudo bem, mas se eles são
pequenos tu procura orientar. Então pronto, tá bem aqui o ponto.
Depende de nós ajudarmos a criança pra que ele depois, se ele disser
que faz da vontade dele o que quiser, da vida o que ele quer. Essa
semana mesmo eu tava lendo uma revista e tinha lá a mudança de
sexo. É uma médica que nasceu homem, mas sempre quis ser mulher. É
preciso ensinar o homem a ser homem e a mulher a ser mulher.
Homem e mulher se completam, agora homem com homem e mulher
com mulher? A adoção... como é que dois homens, que se dizem casal,
vão adotar uma criança? Vão adotar uma menina? Como esta menina
vai ser criada conhecendo dois homens como pai e mãe? Na cabecinha
dela quem é o pai e quem é a mãe? Na hora que ela estiver no colégio
vai ter muita pergunta. Esta criança não pediu pra nascer, ela não
pediu pra ser adotada. Ela vai ser criada numa situação que vai dar nó
na cabeça dela. Até ela chegar ao ponto de discernir o certo do errado,
ela já foi confundida demais. Tem que respeitar essa criança. Se duas
mulheres se unem, como homem e mulher, e vão adotar uma criança,
menino ou menina, essa criança não vai saber quem é pai e mãe vendo
duas mulheres na frente dela. Uma servindo de pai e uma de mãe. Isso
faz uma confusão na cabeça dela! Por melhor que seja o propósito
destas duas pessoas, mas a criança que está sendo criada no meio
delas vai ficar.....[pausa]...até que ela chegue na vida adulta e tenha
entendimento, ela já sofreu muito. Sofreu recriminação, sofreu
perguntas que os amiguinhos fazem. Isso é uma coisa difícil de digerir.
Tudo está na base da família e se essa família está degenerada, tá
dissolvida, o resultado ruim fica na criança. Olha, as crianças já
convivem com isso e elas podem achar bonito, elas podem querer fazer
isso, mas a família tem que implantar no coração da criança, na
educação da criança, no caráter dela, que ela é, o que ela é, se nasceu
homem ou mulher. Eu acho que isso influencia muito e se houvesse mais
rigor na criação, teríamos menos gays e lésbicas. Eu acho que isso
depende muito da criação. Ninguém me convence de que a criação não
influi. Influi sim, é a convivência. Ela não tem uma orientação de
família. Ela não conhece família. Na família é uma coisa muito
importante esse controle, essa firmeza, saber os deveres que a mãe
deve ter. Esses deveres são distintos, mas muitas vezes a mãe absorve.
No meu caso foi assim. O Fernando [marido falecido] sempre deixava a
meu critério. Ora, reunião de pais e mestres? Nunca o Fernando assistiu
uma. Eu sempre falava: “Os meninos só tem mãe?”. Ele dizia que eu
202
estava mais inteirada, mais próxima, que cuidava mais deles. A
educação maior dependeu de mim mesma. Ele dava apoio e tudo.
Também nunca entramos em conflito, choque...como eu digo assim e
ele diz de outro jeito! Não! Papai orientava a gente assim: “Quando o
pai diz uma coisa, a mãe tem que confirmar”. Se a mãe diz uma coisa, o
pai não pode dizer diferente! Mesmo que ache que não está certo,
conversem os dois separados, sem que os filhos notem que um tá
divergindo do outro pra evitar que as crianças depois não respeitem
ninguém. Se o pai diz uma coisa e a mãe diz outra, a criança fica sem
saber quem seguir. Se a orientação do pai ou da mãe. Isso traz uma
dificuldade muito grande. Os filhos de pais separados podem ter mais
dificuldades porque o pai quer uma coisa, a mãe quer outra. Ele vive
com a mãe, no fim de semana vai pra casa do pai. O pai já tem um
costume diferente e a criança gosta mais do que é mais leve, do que lhe
agrada mais, do que é mais solto. Então, se a mãe corrige e o pai vai lá
e diz o contrário, isso fere a educação da criança. Só traz prejuízo pra
criança. Hoje as crianças não estão mais acostumadas a ouvir a pessoa
dizer “isso é falta de educação”. Essa frase é muito importante a
criança saber. “Não faz isso!” Porque é falta de educação. Ninguém
repreende. Tem que dizer o porquê que está errado. A criança fica com
essa indagação, se ela não perguntar logo, depois ela vai querer
descobrir. Se quiser ir pra um lugar e a mãe não deixa, tem que dizer
por quê. “Ah, mas minhas colegas vão”. Bom, tem que ver quem são as
colegas, tem que ver a mesma faixa etária. Ver se o que as amigas de
sua filha fazem, se cabe à sua filha fazer. É preciso saber como
conduzir pra que ela entenda o porquê não é pra fazer. Isso tudo traz
uma segurança ou uma conseqüência. Filhos de pais separados, por
exemplo, eu acho isso muito complicado, essa criação deles. Um tempo
com um, um tempo com outro. A dificuldade é muito grande pra criar.
Tem muitos que aceitam, mas outros não tem como conciliar. Os filhos
são prejudicados. O casamento é um passo muito sério. Eu mesma, na
minha família, a minha filha é separada. Ela passou 15 anos casada e
teve os dois filhos mais velhos. Quando ela decidiu se separar, o mais
velho já tinha dezesseis ou dezessete anos e o outro, que é mais novo
cinco anos, tinham entre onze e doze anos. E ela conseguiu colocar na
cabeça deles a aceitação. Eles aceitaram numa boa. Hoje é mais fácil.
Hoje ela já tem a outra família, tem os filhos gêmeos. Ela o ajudou a
casar com outra pessoa! (risos). Ele já tinha essa pessoa, ela ficou
grávida e tava com dificuldade de acompanhar a gravidez e ele se
queixou pra minha filha. Eles ficaram amigos, mesmos separados. Ele
falou que a moça estava com dificuldade pra fazer o pré-natal, que ela
não tinha plano de saúde e eles não aceitavam o que ele tinha porque
eles não eram casados, não tinham a união oficializada. Ela, minha
filha, perguntou o que faltava pra eles se casarem se já estavam
esperando um filho e tinha como dar o atendimento pra ela. Aí ele
aceitou a dica (risos). Hoje a aceitação é maior. Uma mulher....na
minha época uma mulher separada ela ficava recriminada. Inclusive
meu avô ensinava pra mim assim: “Minha filha, uma moça é uma louça
fina. Toda mancha pega! Uma mulher casada é uma louça mais fina
203
ainda! Nela é que pega mancha; porque ela já tem a família dela e
qualquer coisa que ela fizer de errado, ela é caluniada, ela é
comprometida. E uma mulher viúva, ou mulher separada, essa sim que
tem que ser cuidadosa pra evitar as más línguas, os falatórios!”. Quer
dizer, em todas as circunstâncias a mulher é maculada. Naquele tempo
era muito mais! Hoje não, as pessoas já tem sua independência de
cuidar da sua vida, mas naquele tempo ela tinha que se anular. Se era
esposa tinha que ser submissa mesmo. Se era solteira tinha que andar
na linha. Se era viúva ela tinha que se comportar. Ou então....porque a
moça então, essa tinha que andar direitinho. Pra evitar os falatórios,
sabe....as más línguas. Os homens sempre foram livres! Homem podia
cair e levantar que era a mesma coisa. Isso que se dizia: Homem pode
cair e levantar que é a mesma coisa. Mulher é diferente, se cair mostra
o que tem. (risos). Pra você ver que naquela época pras moças era uma
dificuldade, porque os rapazes sempre se entrosam em todas né. Até
pras moças sair, ir pras festas, tinha que ir de acordo com a
qualificação, como a maneira que se comportava na sociedade. Tinha
os bailes de primeira, tinha os bailes de segunda e tinha os bailes de
terceira. Baile de primeira era assim pra moças de elite, da classe alta.
Os de segunda, geralmente, eram pros escurinhos. Não misturavam.
Isso lá no interior. Alguns... Algumas meninas que já tinham uma
condição melhor, mas que não era branca, que participava. E os de
terceira eram as meretrizes. Esse era o...a separação que tinha. E tinha
mesmo. Isso era muito distinto. Eram nos bailes. Sempre aconteciam.
Então tinham as festas, por exemplo, Carnaval. Tinha os blocos de
primeira, os blocos de segunda, e os blocos das meretrizes. Todo mundo
brincava na rua mesmo.
Eu nunca fui de brincar em bloco, mamãe não deixava, mas em
algumas vezes que a gente ia nas festas, a gente ia nos clubes. E era a
mesma coisa. Tinha os clubes de primeira, o clube dos morenos e, então
isso era definido, tinha lá o local, o clube das mulheres de vida fácil.
Hoje não! Hoje há uma igualdade. Há uma mistura e isso até que é
melhor porque não tem essa separação. Todo mundo se iguala na sua
maneira de viver, mas ninguém tem essa discriminação. Eu achava até
que era uma discriminação! Por mais que a pessoa tivesse condição
financeira, mas ela era negra, ela ia lá pro baile dos negros, baile de
segunda. Era separado. E os homens ia né...era tudo junto, homem e
mulher, porque senão não tinha como dançar direito (risos). Tudo isso
fazia muita diferença e que hoje a aceitação é muito melhor, embora as
mulheres tenham que se preservar mais. Eu acho que às vezes a
mulher tá muito liberta! Ela usa a liberdade de maneira errada. Até se
expõe muito....se deixando.....se expõe demais. Sempre a mulher mais
recatada é mais....ela é mais aceita do que as que se expõe tanto. A
maneira de se comportar que compromete. Se expondo assim....se ela
não se respeita; se ela é separada, mas aí ela se joga! Vai pra todo
lugar, vai pra todo ambiente. Ela quer saber que arranja alguém! Não
quer saber como arranjar...Eu acho que isso é....[pausa]. Eu que já sou
viúva há 18 anos, e nunca fiz essas coisas. Não é nem que não queira
arranjar algúem, mas não apareceu! Uma colega minha, ela disse:
204
“Dona Rosa, porque a senhora não arranja namorado?”. Eu digo: “Luiza,
eu não sei”. Ela diz: “A senhora é nova, é bonita”. Eu disse: “Luíza, não
sei por quê!”. Ela diz que eu não sei olhar pros lados (risos). Eu até
brinco: “Olha Luíza, eu não aprendi a olhar pros lados” (risos). Porque
eu sempre vivi em função da minha família. Eu viajava, eu trabalhava,
mas sempre meu plano, meu foco, era meu marido e meus filhos. Nunca
virei a mente e não vou dizer que minha vida era um mar de rosas.
Não! Havia as dificuldades, havia as divergências. Eu enfrentei
muito....muito...assim...enfrentei muita barreira! Que tipo de barreiras?
No casamento, porque meu marido era bem mais velho do que eu. E ele
também era um homem muito assim...ele gostava de ir pra festa, bebia
e fumava. E não gostava muito de me levar e também eu não podia ir,
ou acompanhar, por causa das crianças. Eu não tinha coragem de
deixar elas sozinhas. Ele fazia de conta que....o pretexto era esse e ele
ia mesmo. E eu num digo que ele foi mulherengo....isso não. Ele sempre
me respeitou. Podia até ter alguma coisa por lá, mas era longe de mim.
Não chegou a meu conhecimento, mas ele bebia muito, eu me irritava,
me chateava, mas sempre pedi a Deus que me desse paciência e juízo
pra saber levar, conduzir as coisas com seriedade. De certo que quando
eu comecei a estudar depois, depois que eu tive a Mariana, que eu só
tinha o primário, eu senti a necessidade de fazer o ginásio. Eu fui
estudar, mas ele não queria! Ah, era uma barreira grande! Eu
trabalhava também no colégio e lá eu também estudava. Com o plano
de ir trabalhar eu tinha que ir todo dia e ir pra aula também né? Aí
tinha dia que ele dizia: “Hoje tu não vai pro colégio!” E ia comigo até na
porta do colégio, mas aí eu entrava, pra ir pra secretaria, pro meu
trabalho, e da porta ele voltava. Ele ficava na casa de esquina que
vendia cerveja. Ele ficava lá tomando a cervejinha dele. Quando eu saía
da escola ele ainda estava lá e eu passava diretinho e ia embora, não
dava confiança! Ia embora. Chegava em casa, tomava meu banho,
jantava e ia cuidar dos meus deveres escolares até a hora que ele
chegava e o jantar dele já tava pronto, a roupa já tava no banheiro...a
toalha, tudinho. Então, eu tava chateada, mas antes dele chegar eu
ficava remoendo comigo mesma: “Quando Fernando chegar hoje eu
brigo com ele, faço e aconteço! Quando ele chegava na porta e que
entrava eu pensava: “Ah, não compensa. Vou só é me chatear. Amanhã
eu falo. Ele já vem “queimado”. Amanhã eu falo com ele”. No outro dia,
deixava pra lá, que já passou. E isso eu fui levando. Nisso eu fui
vencendo e sempre estando de acordo, embora eu tivesse com minhas
mágoas acumuladas, mas eu não deixava expor. Não ia fazer confusão.
Sempre detestei confusão, briga, escândalo. Outra coisa...Ele tinha
comércio e o comércio caiu em decadência e tudo. Ele não soube
administrar bem. Não soube acompanhar a evolução, então caiu em
falência. Aí eu comecei a trabalhar também e cuidar das crianças e
comecei a vender Avon. Vendi Avon muito tempo e eu precisava sair,
pra fazer as vendas e tudo, e ele não gostava. Ele não gostava, dizia:
“Mulher que anda com sacola é mulher safada”. Eu dizia: “Olhe, nem
sempre. Eu vou fazer minha venda, eu vou cuidar da minha vida,
vender meus produtos e nada disso me atinge”. Depois eu comecei a
205
juntar, acumular produtos e quis abrir uma lojinha. Eu viajava pra
Teresina e a gente ia comprar miudezas de armarinho. Era agulha,
renda, essas coisas e de lá a gente ia até Fortaleza pra comprar
confecção, calçados, e fiz a minha lojinha. Ele nunca queria que eu
fizesse. Vivia implicando, mas sempre eu fazendo. Eu tava certa que
não tava fazendo nada errado. Certa de que eu tinha que ajudar na
criação das crianças. Meus seis filhos ali precisando das coisas e eu com
saúde, com entusiasmo, com disposição, porque que eu não ia fazer? Só
porque ele tava achando que tava errado? Eu tava fazendo certo! Eu
nunca deixei de fazer, até ele cair na real e perceber. Depois eu viajei,
viajei, e ele disse que eu não ia mais sozinha, que ia com ele agora. A
gente ia. Ele enchia a cara (risos) antes da viagem e quando a gente
entrava no ônibus, pois o ônibus ia de Belém a Fortaleza, e passava
15:00 horas em Santa Inês, mas ele já tinha tomado umas e outras, e
quando ele entrava no ônibus arriava até Peritoró. Eu ficava chateada
porque ele não via nada. Ele tava embriagado, né! Chegava lá de dia,
tomava um café, comia alguma coisa e ele tomava outra cerveja e o
carro seguia pra Fortaleza. Às 7:00 horas da manhã amanhecia em
Fortaleza. A gente descia no Hotel, deixava as coisas, tomava um
banho, tomava um lanche e ia pro comércio. Fazia as compras...ele me
acompanhou muito tempo. Ele ficava muito satisfeito quando chegava
nas lojas e as pessoas me admiravam, viam a minha disposição, que eu
era muito jovem, e viam a minha disposição pro comércio, pra vender.
Aí ele ficava bem convencido (risos). Nessa luta nos fomos muito tempo,
até que eu fiz um concurso do INSS e fui pra Turiaçu. Aí lá já mudou. Foi
um quadro totalmente diferente. Eu tava estudando a noite e pra fazer
as provas levava os exercícios e vinha só pra prestar o exame de final
de mês. Até que terminei meu curso. Meu plano era montar meu
escritório, só que aí, como eu já estava trabalhando no INSS, que na
época era INPS, aí eu não fiz o que eu tinha vontade, mas de qualquer
forma eu conclui os estudos e me ajudou muito. Com isso eu aprendi
muito, mesmo lá não tendo curso e eu fazendo por correspondência.
Ainda fiz Correspondência Comercial, porque tinha dificuldade nas
comunicações por carta pra o INPS. Eu vinha pra cá [São Luís] no mês
de dezembro de 1987, fiz um treinamento e aí que eu fui pra Auditoria.
Eu aturei muita coisa casada, muita coisa mesmo. Eu me casei com
dezoito anos e ele tinha trinta e um anos. Ele era mais velho que eu
treze anos. Nós nos casamos em fevereiro e ele fez 31 anos em julho. Eu
trabalhava na loja que era dele. Eu era balconista, comerciária. Na
época, eu trabalhava lá e ele era solteiro. A gente teve um namoro e eu
tinha muito medo, justamente, da língua do povo. Isso me comprometia
muito, porque eu tinha medo. A gente ia para os bailes e eu tinha que
dançar com ele, né? Só que eu ficava me reservando. Ficou naquela luta
até que depois papai precisou fazer uma viagem pra Fortaleza, pra
receber uma herançazinha, negócio de família. Eu fui com papai. Nessa
viagem minha, ele acelerou o casamento. Na minha ausência, mas eu
tinha medo...assim...medo de me expor. Não tinha liberdade assim de
sair come ele. Era um namoro muito reservado, justamente pela minha
classe, de balconista da loja. Ele era o patrão, e eu me reservava mais
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pra evitar falatório. Interior todo mundo sabe das coisas (risos).
Quando nós voltamos, nós passamos lá mais de mês, eu ainda tinha
dezessete anos. No dia que eu fiz dezoito anos a gente tava voltando
dessa viagem, de Bacabal [MA] pra Santa Inês, foi dia 9 de fevereiro.
Nós chegamos no dia 10, 10 de fevereiro de 1960. Foi o ano que eu me
casei. Então, quando eu cheguei mamãe me contou: “Menina, toda noite
o Fernando vinha pra cá. E eu já tinha era medo do povo falar de mim
com teu patrão” (risos). Ela tava sozinha, e ele ia no intuito de saber
minha notícia, mas vizinho não ia saber o que ele ia fazer lá em casa
né? Ela também se sentia comprometida (risos). Ela disse: “Olha, Sr.
Fernando quer casar”. Eu disse que não sabia.
Quando eu voltei pra loja, a casa, que era onde tinha a loja, no
mesmo lugar, tinha sido toda reformada. Tinha mandado mudar tudo.
Ele comprou o terreno antes e construiu a casa porque ele já tinha a
intenção de casar e ficar por lá. Só que tava procurando a pessoa
(risos). E tinha muitas pretendentes. Também, ele era um homem
bonito, rico, dono de uma loja e no interior toda moça queria ser
mulher dele! Moças da alta sociedade e eu...eu uma menina humilde, de
família pobre, era balconista, apenas uma funcionária. Eu me colocava
no meu lugar e tinha medo de conseqüências desastrosas quanto a
minha reputação, mas ele não mediu essas diferenças. Arrumou a casa.
Quando papai chegou, ele foi lá em casa e fez o pedido. Aí foi aquela
emoção (risos). E nos casamos no mesmo mês de fevereiro, no dia 24.
No mesmo mês! O medo dele era que eu tivesse arranjado um
namorado nessa viagem e ele viesse me buscar. Ele sempre perguntava
pra mamãe: “Dona Maria, será que seu Pedro vai deixar Rosa por lá? Ele
foi levar Maria Rosa pra ficar com os parentes dele?” Mamãe respondia
que não sabia, que nem notícia se tinha. Não tinha comunicação, era só
um telegrama, ou carta. Não tinha telefone, essas coisas... Aí ficava
aquela interrogação muito grande na cabeça dele, como na de mamãe.
E eu lá tava nem....tava aproveitando. Conhecendo parentes,
passeando, não tava nem pensando em nada. Agora desde que ele
chegou em Santa Inês, tinha aquele flertezinho, aquele namorico.
Depois que eu fui pra loja dele ficou mais sério e eu fiquei com medo. Eu
tinha medo de me casar e não dar certo. Aí eu tinha medo. Porque
ele...a nossa diferença de nível, e ele um homem já maduro e eu uma
menina muito jovem e não tinha conhecimento de nada. Assim, era
muito....precisava de mais conhecimento mesmo. Eu não conhecia nada
da vida. Não tive orientação, não sabia fazer. Não tive....[pausa].
Relações sexuais era um outro assunto que a mãe da gente não falava.
Moçinha não tinha que saber. Por isso eu era muito ingênua quando me
casei. Não tinha conhecimento de nada. Depois, lendo, que eu vi
algumas coisas. Passei pela fase sem realmente aproveitar. E outra
coisa, eu fiquei viúva de marido vivo, durante muito tempo. O Fernando
fumava muito, bebia muito e por ser mais velho do que eu, ele perdeu a
atividade sexual, ele brochava. Aí ele ficava chateado, mas eu sempre
dizia que não tinha nada não, que não era a principal coisa, quando na
verdade é! É uma das principais, mas pra mim ajudá-lo pra ele não cair
em depressão eu ajudava. Na cabeça dele ele queria, mas o membro
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não ajudava. Aí não realizava. E nisso passou foi muito tempo. Quando
ele morreu, já fazia muito tempo que a gente era irmão. Que não tinha
mais...da parte dele não tinha. E eu me conformava e acho que também
não tinha vontade. Eu não sentia prazer. Não sabia o que era orgasmo.
Só fui saber dessas coisas bem depois, lendo, conversando com as
amigas. No começo ele que ajudava, mas eu ficava muito acanhada.
Muito, muito, muito. Pra te ser sincera, nunca tomei banho junto com
ele. Nunca fiquei despida na frente dele, pelada. Sempre foi assim
reservado. Naquele momento e pronto. Ali, era sem luz. Era tudo sem
intimidade. Ele não era assim carinhoso, como eu vejo o povo falando.
Às vezes era brusco, muito avançado, mas aí terminava e não era
assim de ter aquele carinho, como eu vejo sobre o preparo, as
preliminares. Eu leio muito sobre isso. Eu olho hoje que passou tanto
tempo e ficou por isso (risos). Agora que eu já tenho o conhecimento e
tudo, só falta experimentar mesmo e saber (risos). Depois que eu fiquei
viúva eu não tive mais companheiro, mas eu acho que é muito válido
encontrar uma pessoa ainda. A gente sente falta de ter relações. A
mulher que disser que ela não sente, ela não está falando a verdade!
Porque faz falta. É necessário. Agora, se a gente não tem, como eu não
tenho, disposição de sair, de procurar fica mais difícil. Minha amiga diz:
“Rosa, tu não acha porque tu só fica em casa. Tu não vai pra lugar
nenhum. Só vai pra igreja, onde não tem. Só tem os que já são tudo
casado. O que é que tu quer? Vai pra outra Igreja!” (risos). A gente
sente falta mesmo, porque a mulher sempre se sente...sente
necessidade e também de proteção. Eu gosto muito de ler sobre esse
assunto. Eu acho que é muito positiva, que é necessária. É uma
necessidade. Sinto falta, sinto. Agora mesmo, semana passada, uma
amiga me disse: “Tem um senhor que a senhora tem que conhecer lá à
Igreja”. Aí eu fico me perguntando: “Eu não tenho coragem de sair e ir
lá só com esse propósito”. Eu vou falar com ela pra ver se ele tem um email, aí mando uma mensagem. Aí eu tenho coragem de me comunicar,
de conversar, marcar alguma coisa, um encontro. Eu tenho disposição
pra isso, mas pra eu ir só com esse propósito? Eu acho que não. Eu não
vou lá pra orar, eu vou lá pra achar namorado! (risos) Que eu quero, eu
quero, mas eu não quero me expor dessa forma. Então eu vou solicitar
se ele tem uma maneira de como a gente se comunicar. De uma
maneira suave, por telefone. Se ela pegar o telefone dele eu tenho
coragem de telefonar, me apresentar e marcar, se ele tiver interessado
em conversar. Se ele é sozinho, e eu também. Então pra mim é normal,
assim. Agora pra eu me expor assim, só pra ir atrás de namorado, não.
Eu tenho esperança de encontrar um companheiro ainda.
Meus filhos acham que eu tenho razão de encontrar alguém. Só que
tem que ser um alguém especial (risos). Só que não pode ser qualquer
um (risos). E isso eu tenho certeza que Deus está reservando pra mim.
Eu tenho essa esperança! Eu tenho um amigo, inclusive ele é da UNITI.
Ele é viúvo. A gente sempre se encontra. Ele me convida pra almoçar, a
gente conversa. Eu sinto....ele é viúvo tá fazendo cinco anos agora, ou
seis anos. Isso, vai fazer seis anos. Ele ficou ainda muito apegado a
lembrança da esposa. É o Luís, é dono de uma livraria. Ele é da turma
208
A. Lá ele é o líder da turma (risos). É uma pessoa muito bacana, mas a
gente tem que respeitar. E a gente se conheceu, foi uma amiga minha.
Uma amiga nossa, minha e dele, ela era muito amiga da esposa dele e
me apresentou por telefone. Não sei como eu perguntei e ela disse: “Ah,
vou te apresentar Sr. Luís”. E eu disse: “Tudo bem”. Ela [amiga] me deu o
telefone dele e eu liguei várias vezes até que um dia ele ligou e tudo.
Ficamos de nos encontrar, conversar. E nisso, realmente nos
encontramos. Foi uma alegria muito grande. Eu achei ele muito bacana.
Eu gosto muito dele, mas.... E ele demonstra gostar de mim, mas ele
tem as suas reservas, suas limitações. Ele disse que é pra eu ter
paciência. Alimenta uma esperança não é? E tem sido assim. A gente
conversa. Eu vou sempre lá comprar alguma coisa, levo freguês pra lá.
Tenho dado assim uma atenção. Ele diz que eu tenho sido a......como é
que ele diz? Ah, ele diz que eu tenho sido o oásis pro deserto dele. Ele
diz: “Você chegou na hora certa!”. Só que a gente conversa muito, mas
nunca houve assim um compromisso. Não, isso não. Ele me convida pra
jantar, me convida pra almoçar, mas a gente fica nessa de amizade
mesmo. Por enquanto né. Tô reaprendendo a namorar (risos).
Ultimamente ele tá assim até mais aberto, né. Diz: “Olha, você tem que
ter paciência comigo”. E quem sabe um dia vai dar certo! Pode ser. Eu
espero! Ele é uma pessoa muito especial, realmente. Ele é bonitão. É um
charmoso. É um gatoso mesmo. É muito bonito (risos). Agora ele me
tem uma consideração muito especial. Quando ele passa por lá, pelo
corredor da UNITI, ele diz: “Tô com saudade do abraço”. Ele é meio
encabulado nessas horas (risos). Ele ficou numa turma e eu na outra,
mas a gente se comunica muito. Eu ligo pra ele, ele me telefona, passa
mensagem, mas tá nesse nível. Eu tenho uma esperança. Vamos ver o
que é que Deus tem preparado. Voltando àquele assunto, eu sempre tive
assim...sempre fui muito retraída. É até uma avanço eu sair com o Sr.
Luís. Outra coisa que não se falava era sobre menstruação. Nessa
época minha mãe foi muito calada. A não ser com alguma colega que a
gente falava e eu com muita vergonha de perguntar. Eu não tinha
coragem assim...e depois o pessoal podia falar: “Essa menina tão
saliente. Quer saber das coisas antes do tempo”. Então, eu me
reservava. Fiquei esperando. Menstruei com treze anos, aí falei pra
mamãe e ela disse: “Não, isso é assim mesmo. A menina tem que ficar
moça. Agora você é moça”. Aí tinha as recomendações: não comer isso,
não comer aquilo. Não podia comer limão, não podia comer azedo. Era
tanta coisa. Aí papai dizia: “As mulheres lá no Ceará, quando estão
nesses dias, não passam nem debaixo de pé de Limoeiro” (risos). Depois
que eu menstruei foi tudo bem. E depois mamãe me acompanhava nos
meus partos. Depois de ter a Mariana eu tive um problema de cistos no
ovário. Foi muita gravidez seguida e o organismo muito frágil. Com
dezenove anos eu comecei a ter filho, logo depois que eu casei. Eu me
casei no dia 24 de fevereiro e o Luís nasceu no dia 11 de fevereiro do
outro ano. Eu fiz 19 anos, no dia 09 de fevereiro, e ele nasceu no dia
11, dois dias depois. No outro ano, foi em 1961, que o primeiro
nasceu....No dia 04 de março de 1962 que o Felipe nasceu. 1 ano e um
mês de diferença. Felipe fez 1 ano, no dia 04 de março, e nos dia 09 de
209
março nasceu Olavo Luis. Todo ano. Era sempre um ano de diferença de
um pra outro. Como eu tinha saúde, e era muito fértil e o Fernando bem
mais maduro. Depois do Olavo Luis eu tive um aborto. Adriano nasceu
em 01 de maio. No outro ano nasceu Marco. Quando Marco tinha 1 ano
e 3 meses nasceu a Mariana. A sexta gestação o organismo já tava
muito debilitado. Eu precisei fazer um tratamento e quando ela fez 3
anos eu fiz uma cirurgia de barriga aberta. O doutor, que foi um
médico muito bom, ele tirou o apêndice e os cistos, mas os ovários
ficaram. O útero até hoje eu tenho. Eu tive o acompanhamento. Na
gravidez não tinha enjôo. Eu não sentia coisa nenhuma. Fica era
disposta, fazia tudo. Não tive desejo, essas coisas. Nunca tive nem dor
de cabeça. Minha gravidez era tudo sadia. Eu sabia que tava grávida, a
barriga ia crescendo e eu não tinha restrição pra fazer as coisas. Fazia
tudo, cuidava dos que já tinha. Quando eu tava grávida da Mariana e já
tinha os cinco, todos tiveram sarampo, e eu grávida. Ah, mas eu tratei
desses meninos. Cinco meninos com sarampo! E sarampo é uma doença
forte pra criança. Imagina cinco de uma vez? O Marco era
pequenininho, tinha um ano e pouquinho. O Luís tinha sete anos, que é
o mais velho. Ela nasceu no dia do meu aniversário e ele ia fazer sete
anos, dois dias depois. O medico dizia pra eles não pegarem vento e a
casa era grande, o quarto era grande. Quando eu entrei em trabalho de
parto da Mariana, eu comecei a perder água. Eu fiquei em repouso e
dizendo pra eu ter repouso. No dia 09, que eu preparei a lista pra
mandar fazer o bolo, as coisas - que eu era tesoureira do Clube das
Mães e eu sabia que no dia de aniversário as sócias vinham pra cantar
parabéns. Era uma sexta-feira, um dia bom de fazer festa! Fiz a relação
pra minha irmã, essa que morava comigo, ir comprar. Ela saiu pra
fazer as compras e eu fui ao banheiro e lá veio o sinal de sangue. Fiquei
logo no banheiro, tomei banho, pedi a roupa com a malinha de roupa
do nenê, que eu não sabia o que era, se menino ou menina. Eu pedi pra
menina avisar pro Fernando que ia pra clínica. Ele chamou um táxi e
me levou. Lá não demorou muito, ela nasceu. A enfermeira que me
atendeu, era por sinal, a mesma que fazia todos os meus partos, desde
o primeiro até a última. Quando eu fiz movimento pra levantar, soltou
uma coisa lá dentro e quando me deitei ela disse: “Dr. a criança tá
nascendo!” Foi assim, muito rápido que ela nasceu. Daí esperei a festa
no domingo. Naquela época a gente ainda passava cinco dias no
hospital, agora que é 24 horas. Todo mundo foi pra lá e todo mundo
esperava que viesse uma menina. A minha cunhada, irmã do Fernando,
só tinha menina e eu só tinha menino. Então o primeiro menino dela foi
uma festa e a minha primeira menina foi uma festa.
Eu estou fazendo o “check up” de todos os exames. O cardiologista
me recomendou diminuir o açúcar. Ao diminuir o açúcar, a minha
reumatologista recomendou que eu tomasse “AS”, que afina o sangue e
é bom pra circulação. Aí levando à ginecologista ela já disse pra
diminuir massas, arroz, porque tem açúcar e isso já ta com quinze dias
e eu já diminui de peso. As roupas que eu tava vestindo apertada não
estão mais. Tô me sentindo ótima (risos). Com regime e sem passar
fome, sem deixar de me alimentar bem e estou controlando todas as
210
taxas. Agora mamografia também. Eu faço acompanhamento
ginecológico. Já estou com data marcada pra levar resultado de
mamogafia e ultrasonografia. A mamografia eu faço de ano em ano e a
ultrasonografia faz de seis em seis meses. Acredita que eu entrei na
menopausa com trinta e cinco anos? Isso mesmo. Foi muito cedo, muito
precoce. Com trinta e cinco anos eu já estava na menopausa. Eu sofri
muito porque tive hemorragia, mas eu comecei a fazer o
acompanhamento. Daí eu comecei a fazer reposição hormonal. E isso eu
faço até hoje. Sempre fazendo, então os médicos recomendam que a
gente tem que se cuidar. Eu tenho muita disposição. Agora tem muita
gente que tem dificuldade com isso, de aceitar a mudança. Eu quero é ir
até os 100 anos, disposta, com saúde. A idade pra mim não é
problema. Tem gente que não aceita, que nega a idade, mas depende
muito de cada pessoa. Velho não é peixe podre não (risos). Tem muitos
que se preparam, pensando quando ficar mais velho e outros nem
pensam, não querem nem pensar. Eu penso que quem não quer ser
velho tem que morrer novo. Tu quer morrer novo? Não! Então pronto, te
prepara que os dias passam. A velhice não esta no físico, está na
cabeça de cada um.

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