Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN - LTDS
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 1 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Editorial É preciso popularizar a Ciência? Roberto Bartholo Elizabeth Tunes Qual é a imagem da ciência no mundo atual? Positiva ou negativa? De indiferença ou de fascínio? Se, de um lado, verifica-se uma indiferença a assuntos que dizem respeito às ciências, de outro, constatase um fascínio de tal magnitude que chega a atingir o deslumbramento. O homem comum parece ser alheio aos modos de produção da ciência, mas vê com bons olhos os seus produtos: o celular, as conquistas médicas que nos fazem parecer mais jovens e prolongam nossa vida, as viagens mais rápidas, o conforto propiciado pelos alimentos e vestuários mais adequados, para citar apenas alguns exemplos. Ver com bons olhos os produtos da ciência não é uma atitude condenável em si mesma. Ser alheio aos modos de produção da ciência significa ignorar como ela funciona e, portanto, suas limitações e suas outras possibilidades. Ignorar isso, por sua vez, implica o deixar-se conduzir por ela, ou por aqueles que a conduzem. Essa ignorância, aliada à atitude de fascínio diante de seus produtos, torna o homem um mero consumidor da ciência e, portanto, seu escravo. A essa dupla atitude do homem diante da ciência que ele próprio criou – ignorar como funciona e apenas consumir o que produz – poderíamos chamar de cienciolatria. A cienciolatria é muito praticada entre os homens comuns, mas também o é entre os próprios cientistas, quando estes ignoram os contextos determinadores de sua produção e, ao mesmo tempo, deslumbramse diante do que foi produzido. Assim, eles também são escravos da ciência. Divulgar a ciência implica escolher entre as condições que propiciam a cienciolatria ou as condições que possibilitam romper com esta, o que inclui, primordialmente, uma atitude de questionamento constante sobre os limites da ciência. Em última instância, isso significa instaurar a possibilidade da dúvida. E, para concluir com a mesma inspiração em Flusser, justificamos: “A ingenuidade e inocência do espírito se dissolvem no ácido corrosivo da dúvida.” 2ii Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Apresentação É preciso popularizar a Ciência? O presente número examina algumas questões a respeito da divulgação do conhecimento científico, às vezes também chamada de vulgarização ou popularização da Ciência. Ele foi organizado por Roberto Ribeiro da Silva e aborda alguns aspectos relacionados à divulgação da Ciência em espaços institucionalizados Atualmente, no mundo ocidental, entre grande parte dos jovens e da população, há um desinteresse notável em relação aos assuntos das Ciências. Para alguns estudiosos, esse fato pode ser atribuído, em parte, à má qualidade do ensino de Ciências nas escolas, uma vez que a educação científica tem deixado muito a desejar. Ao mesmo tempo, outros autores entendem que esse desinteresse liga-se a uma inadequada divulgação do conhecimento científico. O investimento em museus e espaços científicos interativos é uma das tentativas de aumentar o interesse da população, em geral, e dos jovens, em particular, pela Ciência. De fato, sempre que essas iniciativas acontecem, os resultados são animadores, uma vez que o número de visitantes é sempre crescente. O pressuposto básico dessas iniciativas é que há por parte dos visitantes uma apropriação da cultura e do discurso da ciência, o que leva as pessoas a compreenderem as realizações científicas e, por isso, interessar-se por elas. Por outro lado, a divulgação da Ciência, muitas vezes, conduz a imagens deformadas da mesma. Alguns estudiosos sugerem que, juntamente à formação científica, seja propiciada uma incursão refletida na História da Ciência e da Tecnologia como uma possível estratégia para minimizar essas deformações. Nessa incursão, seria possível esclarecer como, ao longo da história da humanidade, o conhecimento científico e tecnológico desenvolve-se e como acontecem as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Mas, cabe uma reflexão: até que ponto os resultados obtidos e os esforços desprendidos têm contribuído efetivamente para mudar a imagem da Ciência? Espera-se que os trabalhos que constam deste número contribuam para essa reflexão. Boa Leitura! 3 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 A Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais é uma publicação científica gratuita, de periodicidade quadrimestral, do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ). Dedica-se a divulgar trabalhos voltados para a apresentação e análise de propostas e experiências ligadas à gestão social. Pretende manter uma atitude prospectiva, apontando possíveis tendências nesse campo. Como seções fixas, reúne artigos, reportagens, entrevistas, apresentação de casos e resenhas críticas. Procura utilizar ao máximo os recursos oferecidos pelo formato de periódico on-line, explorando as possibilidades do meio eletrônico para oferecer e trocar informações, em particular o recurso do hipertexto e oferecendo sempre que possível indicação de fontes de informação complementar disponíveis na web. O título abreviado da revista é Revista Virtual GIS, forma a ser utilizada em bibliografias, notas e referências. Copyright Os conceitos emitidos em artigos são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da redação. Permite-se a reprodução total ou parcial dos trabalhos, desde que seja indicada explicitamente a sua fonte. iv 4 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 CORPO EDITORIAL Publicada em Março de 2009 Expediente Editor responsável Roberto dos Santos Bartholo Jr. - Professor do Programa Engenharia de Produção - COPPE/UFRJ e Coordenador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social Comitê editorial Carlos Renato Mota - professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ Arminda Eugenia Marques Campos - pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ Conselho Editorial Geraldo de Souza Ferreira - DEGEO/UFOP, Ouro Preto, MG Marcel Bursztyn - CDS/UnB, Brasília, DF Maurício Cesar Delamaro - FEG/UNESP, Guaratinguetá, SP Michel Thiollent - COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ Paulo Márcio Melo - UERJ, Rio de Janeiro, RJ Susana Finquelievich - Fac. Ciências Sociais, Universidade de Buenos Aires, Argentina Organização e redação Elizabeth Tunes (Coordenação Geral) Gabriela Tunes da Silva Tereza Hamendani Mudado Maria Carmen Villela Rosa Tacca Secretaria Maria Joselina de Barros Concepção do projeto gráfico Ivan Bursztyn Webdesign Marise Carpenter Elias e Beatriz Watanabe v5 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Sumário Resenha Crítica SHAMOS, MORRIS. The myth of scientific literacy - Por Gabriela Tunes da Silva ................................07 Artigos Educação científica e tecnológica: um compromisso de educadores e cientistas para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil Wildson Luiz Pereira dos Santos.........................................................................................................................12 Incursões no discurso da ciência: a popularização da ciência nos espaços dos museus Roque Moraes.....................................................................................................................................................18 Por que divulgar o conhecimento científico e tecnológico? Maria Helena da Silva Carneiro.........................................................................................................................29 A História da Ciência e o ensino de ciências Cláudio Luiz Nóbrega Pereira e Roberto Ribeiro da Silva...................................................................................34 A experiência do Espaço COPPE Miguel de Simoni Tecnologia e Desenvolvimento Humano Roberto Bartholo e Arminda Campos....................................................................................................................47 6vi Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Resenha Crítica Morris Shamos. The myth of scientific literacy. Rutgers University Press, New Jersey, 1995 Gabriela Tunes da Silva* Sobre o autor Morris Shamos é físico e educador, professor emérito de física na Universidade de Nova Iorque; já foi presidente da New York Academy of Sciences e da National Science Teachers Association. Sobre o livro O objetivo principal do livro é discutir a real necessidade de se levar o conhecimento científico ao público em geral. É difundida a idéia de que a educação científica é crucial para a formação dos cidadãos, por diversos motivos, dentre os quais são comumente citados o desenvolvimento tanto da capacidade de questionamento crítico, quanto da razão e do intelecto em geral. Além disso, a ciência e a tecnologia adquiriram, ao longo do século XX, grande importância na economia das nações, de forma que são elementos estratégicos para que os países consigam boas colocações na ordem mundial. Esses, entre outros fatores, contribuem para que a ciência e a tecnologia desempenhem papéis cada vez mais importantes na civilização contemporânea. Não é por acaso, portanto, que o século XX viu crescer o espaço dado à educação científica, cuja meta é, segundo Shamos, atingir o letramento científico universal, ou seja, chegar ao ponto em que todos os indivíduos sejam capazes de conhecer a natureza da ciência, e discutir, com clareza e profundidade, seus dilemas e controvérsias. Todavia, ele alerta para o fato de que, embora esforços tenham sido empreendidos para levar a ciência ao público por quase um século, a população norte-americana pode ser considerada cientificamente iletrada. Isso evidencia que todos os programas de educação científica falharam. Para ele, se se deseja comunicar a ciência para o público geral, é preciso procurar uma abordagem radicalmente nova. O livro de Shamos tem por objetivo contribuir para essa discussão. Para ele, a nova abordagem deve analisar três pontos: i) esclarecer o propósito da educação científica; ii) examinar a história e o significado do letramento científico; e iii) identificar os motivos das falhas em se atingir o letramento universal. Uma das questões importantes que Shamos levanta é radicalmente simples, e está na raiz dos problemas relacionados ao letramento científico. Resume-se à pergunta: por que ensinamos ciência? Essa questão desdobra-se em uma série de outras, igualmente importantes. Dentre elas, destacamos: é realmente necessário levar o conhecimento científico a todas as pessoas? Qual ciência devemos ensinar para qual tipo de público? O quê significa realmente ser letrado em ciência? O letramento científico é mesmo essencial? É possível de ser realizado? Segundo o autor, a resposta à primeira questão é NÃO. Ele defende a idéia de que o letramento científico universal não é necessário, é impossível de ser realizado e, por conseguinte, é um mito. Observamos que sua abordagem desse tema aparentemente questiona o lugar e a importância da ciência na civilização contemporânea. O argumento de Shamos, com base no que foi até agora exposto, parece refletir um modo de pensar que não coloca a ciência como único conhecimento válido, e que, por isso, não precisa ser do domínio * Gabriela Tunes é graduada em Biologia, mestre em Ecologia e doutora em Desenvolvimento Sustentável, títulos obtidos na Universidade de Brasília. 7 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 de todos. Poderíamos imaginar que Shamos acredita que conhecimentos de naturezas não-científicas talvez fossem necessários e/ou suficientes para que as pessoas comuns levassem uma vida com qualidade e dignidade. Todavia, conforme o livro se desenrola, observamos que Shamos constrói um argumento para justificar perigosas práticas antidemocráticas na gestão da ciência e tecnologia, que colocariam a comunidade científica numa posição de inquestionável poder. A seguir, faremos breve exposição do conteúdo do livro. No Capítulo 1, Shamos discorre sobre uma crise na educação científica norte-americana que, embora tenha sempre existido, veio à tona em meados da década de 1980, a partir de um relatório elaborado por um comitê especialmente designado para isso. A crise caracterizava-se pela carência de professores qualificados, pela queda nas avaliações e pela falta de interesse dos estudantes nas carreiras científicas. Ao tentar identificar as razões da crise, Shamos aponta, no Capítulo 2, para as dificuldades inerentes em entender a ciência. Segundo ele, a ciência difere das disciplinas "literárias" não somente pelo conteúdo, mas por exigir uma "forma de pensar" incomum. O livro enfatiza que as preocupações em tornar a população em geral letrada em ciência começam a existir a partir do século XX, quando o desenvolvimento científico e tecnológico passou a ser estratégico para a economia das nações. De fato, essa preocupação resultou em algumas mudanças: se no início do século XX apenas uma parcela ínfima da população estudava além do primário, a partir de 1950, praticamente todos os norte-americanos chegavam ao high school; se em 1956 havia cerca de um milhão de cientistas e engenheiros nos EUA, hoje eles somam 3 a 4 milhões. Apesar disso, 90% dos norte-americanos são cientificamente iletrados. No Capítulo 4, Shamos volta a argumentar que a ciência, por sua natureza, não é facilmente compreendida. Por isso, ele defende que conhecer a ciência do mesmo modo como os cientistas não é necessário para o letramento científico. Para ele, o letramento científico requer que se saiba o que é a ciência, sem necessidade de conhecê-la em detalhes; em outras palavras, o letramento científico requer apenas que se conheça como a ciência funciona e como é a prática dos cientistas. Publicada em Março de 2009 É preciso entender que a ciência não é somente uma questão de descrição detalhada das coisas e de ampliação dos sentidos por meio de instrumentos e ferramentas, pois o seu objetivo é construir esquemas conceituais, modelos e teorias. Nesse ponto reside outra dificuldade para o letramento científico: as teorias, os modelos e os esquemas conceituais, que são a fundação da ciência, são particularmente difíceis de serem compreendidos porque requerem um modo de pensamento que foge do senso comum. E à medida que o conhecimento científico avança, esse problema se agrava, pois é notável a complexidade das teorias da ciência contemporânea. Acresce-se a todas essas dificuldades a questão da matemática, linguagem formal da ciência, e verdadeiro algoz dos estudantes. Por todas essas dificuldades, Shamos defende que é impossível atingir altos níveis de letramento científico. Afirma também que é mentira que vivemos em uma era científica, pois a ciência e a matemática não fazem parte da vida cotidiana das pessoas. De fato, vivemos em uma sociedade humanística, porque nossos pensamentos são conformados mais por uma cultura humanista do que por uma científica. Shamos chega ao ápice do simplismo com a assertiva de que o público em geral responde mais à emoção do que à razão, à fantasia do que aos fatos, e às palavras mais do que às idéias. Enfim, nossa cultura se apóia mais nos sentidos do que na mente (p. 65). Shamos aponta, então, para as dificuldades inerentes ao entendimento da ciência como os principais empecilhos ao letramento científico da população. Por que, então, existe certa preocupação em tornar o público informado sobre a ciência, se ela é impalatável? O autor afirma que o movimento do letramento científico se fortaleceu muito no pós-guerra, no contexto em que algumas catástrofes (principalmente a bomba atômica) ligadas à ciência evidenciaram que a ciência e a tecnologia acumulavam poderes capazes de destruir a humanidade. Alguns cientistas acreditavam que uma forma de evitar essas catástrofes seria educar o público, de forma a criar um "controle civil" da ciência. Neste ponto do livro, Shamos começa a realmente desvelar sua real preocupação e seu ponto de vista acerca da ciência e da tecnologia. Para ele, é impossível que o 8 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 público possua o conhecimento necessário para realizar tal controle, já que o entendimento da ciência é algo difícil de ser atingido, pela complexidade inerente ao conhecimento científico. Portanto, ele considera importante encontrar outras formas de realizar esse controle. Ele afirma também que não se deve excluir por completo a educação científica das escolas, tampouco eliminar os programas de letramento científico para o público em geral. Isso porque, segundo ele, o analfabetismo científico dá espaço para que grupos anti-ciência, que se aproveitam da ignorância do público, realizem campanhas contra a ciência, podendo impedir o seu progresso. Essa é, de fato, a principal preocupação de Shamos: como garantir que o público leigo e ignorante não se intrometa nos assuntos dos cientistas. A partir desse ponto, o autor inicia a desqualificação de todas as correntes que apresentam alguma crítica à ciência contemporânea. Segundo ele, existem dois tipos de resistência à ciência. Uma é passiva e diz respeito à simples falta de interesse e à dificuldade em assimilar seus conteúdos; a outra, mais perigosa, é ativa e diz respeito a indivíduos e grupos abertamente contrários à ciência, que a acusam de ser responsável por uma série de problemas da civilização contemporânea (poluição, desastres ecológicos, armas militares). Shamos afirma que é preciso entender que a culpa desses problemas não é da ciência, mas dos usos que a sociedade faz do conhecimento científico e da tecnologia. A culpa seria, portanto, da própria sociedade. O autor, então, apresenta e caracteriza, no Capítulo 5, segundo sua própria opinião, os diversos tipos de grupos anti-ciência que costumam se manifestar nos EUA. O primeiro deles é o grupo dos neoluditas que, segundo ele, desejam o retrocesso às tecnologias primitivas e afirmam que todas as tecnologias são nocivas. Outro grupo é o dos antitecnologistas, que alertam para o potencial desumanizante da tecnologia e da técnica; Shamos afirma que são guiados mais pela emoção do que pela razão; então, acreditam em superstições e na pseudociência. Shamos cita, também, filósofos e outros pensadores críticos da ciência. Um de seus alvos preferidos é Paul Feyerabend, que ele acusa de acreditar na astrologia. Feyerabend afirma que a ciência é uma ameaça à democracia, e defende Publicada em Março de 2009 que seja supervisionada pela população. Outros grupos, filósofos, humanistas e críticos da ciência em geral são apresentados e desqualificados por Shamos, que se baseia no argumento de que são ignorantes e desconhecem a ciência. Ele afirma que esses críticos são, em geral, cientistas sociais e humanistas. Sobre eles, argumenta que, tendo em vista que sua ignorância em ciência os impede de contribuir efetivamente para seu progresso, eles tendem a produzir críticas infundadas, a propor a desconstrução da ciência ou a sua total reestruturação (p. 119). Ele alega ainda que os chamados humanistas (pesquisadores das áreas das ciências humanas e sociais) são iletrados em ciência; porém, os cientistas (físicos, matemáticos, biólogos, etc.) são profundamente letrados nas humanidades. Com isso, Shamos demonstra que seu pensamento está eivado de preconceito e de um estranho complexo de superioridade, já que ele próprio é físico. Outros grupos anti-ciência citados por Shamos são aqueles ligados aos direitos dos animais. Ele concorda com os movimentos que limitam o trabalho animal e os espetáculos circenses e afins, mas discorda da limitação do uso de animais nas pesquisas, porque, segundo seu fraco argumento, o número de animais utilizados em pesquisas é irrisório. Shamos conclui o Capítulo 5 afirmando que os grupos anti-ciência causam repercussão porque as pessoas gostam de confrontar o governo, as grandes empresas, os médicos, os cientistas e os advogados. Segundo ele, a mídia reforça e contribui para essa repercussão, uma vez que sua cobertura sobre a ciência é mais sensacionalista do que educativa. Diante desse cenário, em que a ciência é atacada por grupos anti-ciência, que tentam impedir seu progresso, é preciso levar algum conhecimento científico à população, para que ela não se deixe levar pelos argumentos desses grupos. Assim, a justificativa dada por Shamos para a necessidade do letramento científico é impedir que o império da ignorância ataque a ciência, que, segundo ele, é a mais racional e bem-sucedida das empreitadas humanas. Mas é preciso reconhecer que todos os esforços realizados ao longo de um século visando ao letramento científico da população fracassaram. Assim, novas abordagens para o letramento científico se fazem necessárias. Ele reconhece que 9 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 houve avanços na educação científica. Primeiramente, menciona as abordagens que tentam aproximar a ciência do cotidiano das crianças no ensino fundamental. Segundo ele, elas aumentam o interesse pela ciência; todavia, a falta de formação dos professores impede que dêem bons resultados. Para o ensino secundário, Shamos afirma que aproximar a ciência do cotidiano pode não ser suficiente para despertar o interesse dos adolescentes. Segundo ele, é preciso considerar que a educação científica é autoritária, no sentido em que dá pouco espaço para a expressão das opiniões pessoais, de forma que os estudantes são passivos no processo de ensino/aprendizagem. Então, a educação científica no ensino secundário deve estar centrada na interface ciência/tecnologia/ sociedade, possibilitando o envolvimento mais ativo dos estudantes. Ele aponta dois caminhos possíveis para o letramento científico: i) entender que é impossível atingir o letramento científico universal, e abandonar a idéia de ensino científico compulsório, deixando a escolha aos indivíduos; ou ii) acreditar que a educação científica ainda pode melhorar, pois não atingiu seu ápice. Obviamente, Shamos defende o segundo caminho. Propõe, contudo, mudanças radicais na abordagem da educação científica. Primeiramente, observa que se deve alterar o objetivo da educação científica de crianças e jovens, que não mais deve ser tentar se atingir o letramento científico universal, mas somente criar um grande público apreciador da ciência. Juntamente com isso, em vez de buscar o letramento científico universal, a educação científica deve visar ampliar a população letrada em ciência de 3 a 6% (taxa atual) para 20% (taxa ideal). Para isso, ele afirma que a educação científica deve estar centrada no professor, e não no currículo, e defende investimentos na formação de professores. Porque Shamos considera que 20% da população letrada em ciência é uma taxa ideal? Acompanhemos seu raciocínio: hoje em dia, com a taxa de indivíduos letrados em ciência variando entre 3 a 6%, a probabilidade de existir uma pessoa cientificamente letrada em grupos de debates políticos (que definem, inclusive, coisas Publicada em Março de 2009 relacionadas à ciência e tecnologia) é menor do que 10%; desse modo, segundo o autor, decisões são tomadas tendo por base a mais pura ignorância, e são facilmente manipuladas pelos grupos anticiência. Se a taxa de indivíduos letrados em ciência for ampliada para 20% da população, essa probabilidade se torna maior do que 90%, mesmo nos grupos pequenos. Se isso ocorrer, os debates políticos, conforme seu raciocínio, se tornarão esclarecidos. Então, não é necessário total letramento científico para alterar profundamente o modo como a sociedade lida com a ciência e a tecnologia. Desse modo, os objetivos da educação científica seriam: i) criar uma "audiência apreciativa" da ciência, que entenda que investir muito esforço e dinheiro em ciência e tecnologia é importante para o país; ii) deixar a sociedade mais confortável com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, para que possa reconhecer de fato seus benefícios e seus riscos; iii) ampliar a taxa de letramento científico da população. O quê significa exatamente o segundo objetivo apontado por Shamos? Nesse ponto, o autor realmente revela sua postura. Segundo ele, tornar a sociedade confortável em relação à ciência e tecnologia não significa que as pessoas necessitem realmente conhecer a ciência a ponto de serem capazes de emitir opiniões fundamentadas sobre ela. Significa criar uma sociedade que não tem medo dos riscos oferecidos pela ciência. Mas por quê? Porque, segundo ele, a sociedade pode aprender a confiar nos especialistas. Então, o cerne da proposta de Shamos para o letramento científico é torná-lo uma ferramenta capaz de ajudar as pessoas a ganharem confiança nos indivíduos, grupos de interesse e agências governamentais que controlam os fundos para a ciência e a tecnologia. Observamos, portanto, que a preocupação do autor não é com a sociedade, ou com os benefícios que a educação científica possa trazer para a vida das pessoas comuns, mas sim com o financiamento da ciência, que pode ficar ameaçado caso o movimento anti-ciência comece a ganhar maiores dimensões. Com efeito, a proposta de Shamos é veementemente criticada por uma série de setores da sociedade, inclusive dentro dos próprios meios 10 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 acadêmicos, porque ela pode tornar as pessoas e a sociedade profundamente dependentes dos especialistas. Shamos afirma que esse tipo de crítica parte de argumentos irracionais e fantasiosos, de pessoas que se negam a admitir que o crescimento da ciência e da tecnologia é inexorável. Essa sua proposta baseia-se no projeto do físico Arthur Kantrowitz, que pretendia criar uma corte científica, responsável por julgar assuntos controversos relacionados à ciência e tecnologia. O julgamento seria realizado após a separação dos aspectos puramente científicos daqueles morais e políticos. A proposta de Kantrowitz não prosperou, pois esbarrou em severas críticas, que se baseavam principalmente no argumento da inexistência da neutralidade moral e política da ciência. Apesar disso, Shamos retoma essa discussão, e afirma que as críticas a Kantrowitz foram feitas por pessoas que preferem que decisões importantes fossem tomadas tendo como base a ignorância do público em geral, em vez de aceitar a possibilidade da existência do conhecimento científico neutro e isento de valores. Para Shamos, mesmo que os cientistas não sejam moralmente neutros, a ciência certamente o é. Publicada em Março de 2009 relação à ciência e à tecnologia sem, contudo, a necessidade de que dominem seus conteúdos. Isso significa criar um modelo de educação científica que vise sobretudo a criar confiança na ciência, para que as pessoas não a rejeitem. E deixar que as decisões importantes, que envolvem assuntos polêmicos, inclusive aqueles que ofereçam riscos de qualquer natureza, a comitês científicos, imparciais, neutros e confiáveis, ou seja, absolutamente soberanos. A proposta de Shamos parte das premissas da supremacia do conhecimento científico e de seu valor absoluto, que justificariam enormes investimentos visando ao seu desenvolvimento. Reduzindo todo o seu livro à sua simples linha de raciocínio, que é, de fato, sua essência, fica evidente que Shamos, assim como os políticos, empresários e toda a sorte de profissionais considerados mesquinhos e individualistas, antes de defender uma "nobre" causa, a do progresso da ciência, advoga em favor próprio, visando a garantir para si e para seus pares, os cientistas, aquilo que é mais importante na civilização ocidental, sobretudo nos EUA: o dinheiro. Portanto, o autor defende que, como o letramento científico universal é impossível, conforme demonstrou ao longo de seu livro, a criação de comitês científicos é a melhor solução para informar os debates políticos e os processos decisórios. Tais comitês, formados por cientistas, seriam imparciais e confiáveis, de forma que suas opiniões e decisões seriam respeitadas pelos políticos e pelo público em geral. Observamos, portanto, que Shamos gasta seu livro praticamente inteiro demonstrando que é impossível levar o conhecimento científico a toda a população, por causa, principalmente, da complexidade da ciência, que a torna impalatável para a maioria das pessoas. Todavia, a ignorância completa em termos de ciência pode promover o crescimento de grupos anti-ciência, o que, por sua vez, pode provocar uma rejeição à ciência por parte da população e dos políticos, resultando na diminuição dos investimentos na ciência, e impedindo seu progresso. Por isso, é preciso alguma educação científica, que ao menos seja capaz de deixar as pessoas mais confortáveis em 11 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Artigo Educação científica e tecnológica: um compromisso de educadores e cientistas para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil Wildson Luiz Pereira dos Santos* Resumo Como desafio para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro que possa contribuir para nossa projeção enquanto nação propõe-se uma educação científica crítica de toda a população que reflita sobre as implicações sociais da ciência e tecnologia (C&T). A partir do quadro atual do ensino de ciências, caracterizado por uma descontextualização e ausência de educação tecnológica, discute-se uma proposta de educação crítica que questione modelos e valores de desenvolvimento em C&T. Nesse contexto, aponta-se como os educadores e a comunidade científica podem assumir o compromisso de discutir os rumos da C&T no Brasil, por meio de ações no sistema formal e nãoformal de educação dirigido a toda população. Palavras-chave: educação científica e tecnológica, letramento científico e tecnológico, educação para cidadania, CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade), aspectos sociocientíficos Abstract The brazilian scientific and technological development requires a critical science education based on the social implications of science and technology. Starting from the present type of science teaching, based on the lack of contextualization and technological education, it is proposed a critical education that argues against the models and values used in science and technology development. It is also pointed how educators and the scientific community can discuss the directions of science and technology in Brazil, by means of articulated actions in all forms of education for the general public. Key words: scientific and technological educational, scientific and technological literacy, education for citizenship, STS (Science-Technology-Society), socioscientific issues O Brasil tem conquistado, nos últimos 20 anos, avanços significativos em termos de aumento de matrículas na educação básica, aumento do nível de escolarização da população, bem como destaque no crescimento da produção científica e tecnológica, ainda que muito tenhamos que caminhar para alcançar os índices que almejamos. Com a estabilidade e o crescimento econômico nos últimos anos, temos tido a oportunidade de ocuparmos uma posição de destaque internacional no novo cenário que vai se delineando. Nesse sentido, podemos fazer diferença se buscarmos novos modelos de desenvolvimento científico e tecnológico que garantam qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Sem dúvida. O nosso grande desafio enquanto nação está em superar o dramático quadro de indicadores sociais e ainda muito temos que investir em ciência e tecnologia (C&T). Em uma visão estritamente econômica, tem se pensado em políticas sociais de distribuição de renda, de *Doutor em Ensino de Ciências pela Leeds Metropolitan University, Inglaterra (2001). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (Instituto de Química) e Programa de Pós-Graduação em Educação (Faculdade de Educação) da Universidade de Brasília. 12 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 distribuição de bolsas assistenciais, de investimentos em construção de escolas, de políticas de acesso e permanência escolar (merenda, transporte, livros escolares), de formação de professores, de investimentos em C&T etc. Tais políticas são essenciais, mas defendemos o ponto de vista de que faz diferença para o desenvolvimento da nação mudar a visão do modelo de desenvolvimento científico e tecnológico em relação aos outros países. Buscar um desenvolvimento socialmente sustentável fará sem dúvida uma grande diferença. Essa mudança de visão passa obrigatoriamente por uma mudança na concepção de educação científica e tecnológica. No presente artigo, levantam-se desafios para a construção de um novo modelo de educação científica e tecnológica que vise à preparação de cidadãos que assumam uma nova ética de consumo responsável, projetando um desenvolvimento econômico comprometido com a justiça e igualdade social. Para essa educação devem estar comprometidos educadores e cientistas. Quadro atual da educação científica e tecnológica Apesar dos índices de matrícula e permanência escolar estarem melhorando ano a ano, os dados de exames avaliativos têm demonstrado que a qualidade da educação encontra-se num nível muito baixo. Na média nacional, os alunos concluem o ensino médio com nível abaixo de proficiência. Isso significa que nossos alunos concluem o ensino médio com domínio de leitura e interpretação de textos simples. Assim, certamente, nossos alunos vão ter dificuldade em compreender informações mais complexas contidas em manuais de instruções de equipamentos eletrônicos, em rótulos de produtos químicos e em reportagens de análise das implicações de C&T na sociedade. Os alunos não só têm saído com nível crítico em língua portuguesa e em matemática, mas certamente em conhecimentos científicos. A grande falta de professores com formação nas Publicada em Março de 2009 disciplinas científicas de química, física e biologia certamente tem contribuído para essa situação. Sabe-se que os conteúdos de ciências geralmente veiculados nas escolas se restringem a sistemas classificatórios, definições de termos científicos e resoluções algorítmicas de questões clássicas de ciências. Esses conteúdos são tratados de maneira descontextualizada, sem discussão sobre sua relevância e seu significado, de forma ritualizada e sua aprendizagem se limita ao uso de recursos de memorização. Esse ensino clássico de ciências, descontextualizado, tem se caracterizado como um ensino com pouca utilidade para o cidadão como tem discutido Chassot (2000). Em relação aos conteúdos tecnológicos, pode-se afirmar que o currículo escolar brasileiro não tem contemplado adequadamente a educação tecnológica. O que se teve a partir da década de 1930 foi um sistema escolar que separou a educação técnica da educação acadêmica. Enquanto os currículos propedêuticos ficaram esvaziados de conteúdos tecnológicos, os currículos das escolas técnicas se restringiram ao ensino de técnicas básicas para o processamento tecnológico. Isso ocorreu em um modelo de ensino de transferência tecnológica por meio da instrução de pacotes tecnológicos de know how importados, em um processo de educação restrito de aplicação de determinadas técnicas, mas sem uma compreensão clara mais ampla do papel da tecnologia na sociedade. Na década de 1980, por ocasião da discussão da nova Constituição do Brasil e de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pedagogos brasileiros começaram a propor que o trabalho fosse inserido no currículo da Educação Básica como princípio educativo (KUENZER, 1988). Ao final dos anos 90, com a incorporação no discurso curricular das denominadas competências e publicação das Diretrizes e Parâmetros Curriculares da educação básica, começaram a surgir tentativas de inserção no currículo de conteúdos tecnológicos por meio da incorporação de princípios da contextualização e interdisciplinaridade. Todavia, mesmo tendo sido incluídas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino 13 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Médio as tecnologias nas diferentes áreas do conhecimento, pode-se considerar que os currículos escolares brasileiros continuam estruturados de forma clássica, muito longe do que se esperaria de uma educação tecnológica. Os professores parecem entender que educação tecnológica se restringe ao conhecimento de princípios sobre como funciona determinados aparatos tecnológicos. O pouco que a escola tem procurado fazer é mencionar aos alunos exemplos de aplicações do conhecimento científico em diferentes recursos tecnológicos de seu cotidiano. Isso está muito longe do que seria a proposta de Kuenzer (1998) de compreender as condições sociais do trabalho em nossa sociedade capitalista, bem como do que se tem discutido sobre uma educação tecnológica em uma proposta de ensino de ciências com ênfase nas inter-relações em Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS). Por uma educação científica e tecnológica crítica Currículos com ênfase em CTS têm sido propostos em todo o mundo, desde a década de 1970 (BAZZO, 1998). Esses currículos têm como objetivo central promover a educação científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de C&T na sociedade e atuar na solução de tais questões (SANTOS e MORTIMER, 2000). Dentre esses objetivos, temos destacado o desenvolvimento de valores (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Esses valores estão vinculados aos interesses coletivos, como os de solidariedade, de fraternidade, de consciência do compromisso social, de reciprocidade, de respeito ao próximo e de generosidade. Tais valores são, assim, relacionados às necessidades humanas, o que significa um questionamento à ordem capitalista, na qual valores econômicos se impõem aos demais. Será por meio da discussão desses valores que contribuiremos na formação de cidadãos críticos comprometidos com a sociedade. As pessoas, por exemplo, lidam diariamente com dezenas de Publicada em Março de 2009 produtos químicos e têm que decidir qual devem consumir e como fazê-lo. Essa decisão deveria ser tomada levando-se em conta não só a eficiência dos produtos para os fins que se desejam, mas também os seus efeitos sobre a saúde, os seus efeitos ambientais, o seu valor econômico, as questões éticas relacionadas à sua produção e comercialização. Hoje, vivemos em uma época de supervalorização da ciência, caracterizada pelo cientificismo. Como conseqüência dessa visão cientificista, criou-se o mito da salvação da humanidade, ao considerar que todos os problemas humanos podem ser resolvidos cientificamente, e o mito da neutralidade científica que isenta a ciência de refletir sobre suas consequências sociais (JAPIASSU, 1999). Tais crenças tiveram repercussões no ensino de ciências, como por exemplo, a orientação curricular de formar um minicientista por meio da vivência do "método científico", que teve grande influência sobre o ensino de ciências a partir do final dos anos de 1950. Nessa visão, acreditavase que a sociedade seria melhor se os seus cidadãos agissem e pensassem como cientistas. Contrapondo-nos a esses modelos cientificistas, temos defendido uma educação científica e tecnológica crítica, a qual é denominada por Auler e Delizoicov (2001) como perspectiva ampliada. Esses autores consideram que a alfabetização científica e tecnológica - ACT pode ser vista em duas perspectivas: a reducionista e a ampliada. Segundo afirmam: A reducionista, em nossa análise, desconsidera a existência de construções subjacentes à produção do conhecimento científico-tecnológico, tal como aquela que leva a uma concepção de neutralidade da CiênciaTecnologia. Relacionamos a esta compreensão de neutralidade os denominados mitos: superioridade do modelo de decisões tecnocráticas, perspectiva salvacionista da Ciência-Tecnologia e o determinismo tecnológico. A perspectiva ampliada, proposta neste trabalho, busca a compreensão das interações entre Ciência-Tecnologia- Sociedade (CTS), associando o ensino de conceitos à problematização desses mitos. (AULER e DELIZOICOV, 2001, p. 105). 14 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 O mito da superioridade das decisões tecnocráticas está assentado em uma visão cientificista da ciência que desconsidera a participação democrática na tomada de decisão, e é calcada exclusivamente em valores tecnocráticos. O mito da perspectiva salvacionista se traduz na concepção unidirecional de que o progresso científico gera progresso tecnológico, que, por sua vez, gera progresso econômico e este, progresso social, (GARCIA, CEREZO e LÓPEZ, 1996). O mito do determinismo tecnológico tem como base a mesma concepção do mito anterior, a de que o desenvolvimento tecnológico conduz ao desenvolvimento humano, mas acrescido da crença na autonomia da tecnologia sem a influência da sociedade. Nessa perspectiva, há uma superideologia inculcada pela mídia que induz a sociedade a consumir passivamente os aparatos tecnológicos, tornando irreversível o desenvolvimento tecnológico (AULER e DELIZOICOV, 2001). Consideramos que pensar em uma educação científica e tecnológica crítica significa fazer uma abordagem com a função social de questionar modelos e valores de desenvolvimento científico e tecnológico em nossa sociedade. Isso implica introduzir no currículo questões sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais relativas à ciência e tecnologia que temos denominado de aspectos sociocientíficos (SANTOS, 2007). Aqui, cabe ampliar o conceito de tecnologia, que, muitas vezes, tem sido considerado no seu sentido restrito. Pacey (1990) considera a prática tecnológica como sendo constituída pelos seguintes aspectos centrais: 1. aspecto técnico: conhecimentos, habilidades e técnicas; instrumentos, ferramentas e máquinas; recursos humanos e materiais; matérias-primas, produtos obtidos, dejetos e resíduos; 2. aspecto organizacional: atividade econômica e industrial; atividade profissional dos engenheiros, técnicos e operários da produção; usuários e consumidores; sindicatos; 3. aspecto cultural: objetivos; sistema de valores e códigos éticos; crenças sobre o progresso, consciência e criatividade. Publicada em Março de 2009 Em geral, o sentido a que se reporta a educação tecnológica é o restrito, que leva em conta apenas o seu aspecto técnico. Todavia, na educação tecnológica, é fundamental a identificação dos aspectos organizacionais e culturais da tecnologia, os quais permitirão ao cidadão compreender como a tecnologia é dependente dos sistemas sociopolíticos e dos valores e ideologias da cultura em que está inserida. Grinspun (1999), ao discutir o que se pode entender por educação tecnológica, destaca que ela não pode ser compreendida como apenas se referindo ao ensino técnico-profissional. Para ela, a educação tecnológica deve ser também vivenciada em todos os segmentos de ensino, visando à formação de cidadãos críticos que possam transformar o modelo de desenvolvimento tecnológico de nossa sociedade atual. Uma pessoa tecnologicamente educada teria o poder e a liberdade de usar os seus conhecimentos para examinar e questionar temas de importância na sociotecnologia. Isso implica ser crítico no uso da tecnologia, ou seja, ter habilidade intelectual de examinar prós e contras de aparatos tecnológicos, analisar o potencial de seus benefícios e de seus custos e perceber o que está por detrás das forças políticas e sociais que orientam seu desenvolvimento. Isso vai além do conhecimento científico e técnico específico sobre o uso da tecnologia. Isso significa a participação comprometida na vida de uma sociedade que carrega a marca da tecnociência, tendo autonomia nas decisões (FOUREZ, 1997). Educação científica e tecnológica para todos: compromisso de educadores e da comunidade científica Se desejamos fazer diferença nesse mundo globalizado, precisamos lembrar o que nos advertia Vargas (1994): "uma nação adquire autonomia tecnológica não necessariamente quando domina um ramo de alta tecnologia, mas quando consegue uma ampla e harmoniosa interação entre [os] subsistemas tecnológicos, sob o controle, orientação e decisão dos 'filtros sociais'" (p. 186). 15 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Ter o controle social sobre a tecnologia implica a educação de nossos cidadãos para uma reflexão crítica sobre suas consequências sociais. Isso exige conhecimento científico e tecnológico que vai além da memorização de sistemas classificatórios, definições e resolução de exercícios, mas a compreensão do papel da ciência e da tecnologia na sociedade, como por exemplo, a compreensão de sua filosofia, como muito bem discute Morais (1988) em seu livro "Filosofia da Ciência e da Tecnologia". Shamos (1995), em seu livro, levanta o debate se seria possível de fato alfabetizar/letrar os cidadãos em C&T, o que poderia ser considerado um mito. O seu debate conduz a reflexões sobre qual seria o papel da educação científica e tecnológica. Nessa perspectiva, temos proposto que o propósito da educação em ciências deveria ser o de letrar o cidadão no sentido de fornecer um ensino de ciências contextualizado, discutindo aspectos sociocientíficos, por meio da prática de leitura de textos científicos que possibilitem a compreensão das relações ciência-tecnologia-sociedade e que auxiliem os alunos a tomarem decisões pessoais e coletivas (SANTOS, 2007). Temos que investir sim no sistema educacional e na infra-estrutura em C&T, mas precisamos repensar com urgência o modelo de educação científica e tecnológica. Para isso não dependemos de novos investimentos, mas de uma mudança filosófica sobre os princípios da educação, o que precisa ser repensado pelos que trabalham com cursos de formação de professores e pelos responsáveis por discussões curriculares. Deve-se lembrar, contudo, que conteúdos de C&T necessários para o cidadão na perspectiva crítica que aqui apontamos não são cobrados em vestibular. Nesse sentido, enquanto a sociedade continuar reduzindo a função da educação básica à de preparatória para o ensino superior, continuaremos com um modelo de ensino distanciado daquilo que a nossa sociedade necessita para que possamos mudar os rumos do País. Nesse contexto, os cientistas e divulgadores da ciência, enfim, os que trabalham com a educação não-formal, possuem uma agenda importante em seu trabalho. Essa agenda consiste em difundir para toda a população, incluindo a escolar (por meio de Publicada em Março de 2009 programas especiais dirigidas as escolas), reflexões críticas sobre as implicações sociais e ambientais de C&T em direção à construção de uma sociedade sustentável, justa e igualitária. Repensar a educação científica e tecnológica é um desafio para a educação formal e não-formal, como já discutia Barros (1998). Em nossa avaliação, não se trata de um mito, mas de uma mudança de concepção sobre o papel da educação em ciências para a cidadania, o que vem desafiando educadores de todo o mundo (MARTINS, 2002). Está mais do que na hora de publicarmos artigos em jornais e revistas de alcance do grande público e produzirmos programas e entrevistas nas quais possamos discutir a necessidade de investimentos em C&T e analisar o rumo de nossos programas científicos e os impactos dos programas tecnológicos em nossa sociedade. Essa é uma tarefa que não cabe somente aos educadores, mas a todos aqueles que se preocupam com o destino da C&T no Brasil. Referências Bibliográficas AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Ensaio - pesquisa em educação em ciências, v. 3, n. 1, p. 105-115, 2001. BARROS, S. de S. Educação formal versus informal: desafios da educação científica. In: ALMEIDA, M. J. P. M. de; SILVA, H. C. da. (Orgs.). Linguagens, leituras e ensino da ciência. 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Defende-se ainda que as aprendizagens a ocorrerem nos museus exigem mediação, especialmente diálogos com outros mais capazes. São também facilitadas quando os visitantes são envolvidos em pesquisa e desafiados a procurarem respostas para seus questionamentos. Finalmente, discute-se como uma popularização da ciência a partir desta perspectiva possibilita o desenvolvimento de uma cidadania consciente e crítica. Palavras-chave: popularização da ciência, museus de ciências, apropriação discursiva, aprendizagem como reconstrução, mediação Abstract More than to store new knowledge, an effective popularization of science in museums needs do be understood as a process of culture and discourse appropriation. It is argued that this implies do go beyond the idea of discovering, assuming that to learn in these settings is to transform the visitors' knowledge into more complex understanding, be it common knowledge or scientific. It is also stated that the reconstructions to be produced in the museums call for mediation, specially dialogues with more capable others. The learning is also improved when the visitors are involved in investigations and challenged to search answers to their questions. Finally, it is discussed how the implementation of a popularization of science in this perspective leads to the development of a conscious and critical citizenship. Key words: popularization of science, science museums, discourse appropriation, learning as reconstruction, mediation A popularização da ciência dentro dos espaços de museus pode ser entendida como se dando a partir de uma apropriação mediada do discurso e da cultura científicos, processo em que se reconstroem conhecimentos e competências dos visitantes, possibilitando contribuir para a emergência de uma cidadania com qualidade formal e política. Na defesa dessa idéia, inicia-se argumentando sobre a necessidade de superar o entendimento de que se aprende armazenando conhecimentos, para defender uma abordagem sociocultural como modo de apropriação do discurso e da cultura da ciência. Exigindo operar a partir do que os *Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (1991). Pós-Doutorado pela Universidade de Sevilla, Espanha (2002). Professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil. 18 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 visitantes já trazem, ainda que conhecimento do senso comum, é assumido que o desafio nos museus de ciências é tornar mais complexo o que já é conhecido. Dando destaque à pesquisa e ao lúdico, defende-se que os museus de ciências se constituam em espaços de popularização efetiva da ciência, com contribuição importante para a formação de cidadãos críticos e participativos. 1- Do armazenar conhecimentos para a apropriação de discursos Superando entendimentos de transmissão de conhecimentos é importante que uma popularização efetiva da ciência nos espaços de exposição de museus se dê a partir de um processo mais amplo, de apropriação do discurso e da cultura científicos, processo que ocorre de forma auto-organizada e natural por meio de interações na linguagem. Ser cientificamente alfabetizado é conseguir movimentar-se com competência no discurso da ciência. Museus de ciência são espaços de vivência e apropriação desse discurso, espaços em que ocorrem aprendizagens não formais a partir de incursões nos experimentos e outros modos de exposição. É importante não entender os museus como reservatórios de conhecimento da ciência, mas como espaços em que os visitantes podem movimentar-se no discurso da ciência, podendo desafiar seus conhecimentos e modos de perceber o mundo no sentido de torná-los mais complexos. Ingressar num museu de ciências é mergulhar num discurso diferente daquele do senso comum e capaz de possibilitar uma leitura alternativa do mundo em que os visitantes vivem. É abrir outra janela para a compreensão da realidade. Nesse sentido, a popularização da ciência precisa ocorrer a partir dos interesses e questionamentos dos cidadãos, possibilitando a eles ampliarem os tipos de explicações que conseguem dar aos fenômenos e diversificarem as soluções que conseguem produzir para os problemas que enfrentam no dia-a-dia a partir da interação com o conhecimento da ciência. Pelo envolvimento em atividades e na interação com os que vivem próximos a nós nos Publicada em Março de 2009 apropriamos do discurso do senso comum e da cultura dos contextos em que nos desenvolvemos. Da mesma forma é pela impregnação no discurso da ciência e de suas práticas que nos apropriamos do pensar científico e dos modos de ação e conhecer da ciência. Incursões no discurso da ciência que serve de fundamento para a organização dos museus possibilitam uma apropriação desse discurso, ao mesmo tempo criando condições de participar na sua transformação. Nos museus de ciências podem ser criadas as condições para aprendizagens num sentido sócio-cultural. Tendo em vista as dificuldades encontradas nos contextos escolares na superação de modelos de ensino de ciências, centrados ainda excessivamente na transmissão de uma ciência asséptica e formalizada, os museus de ciências têm se destacado na implementação de uma popularização da ciência dentro de perspectivas como as que estamos propondo. Ainda que os museus possam organizar diferentes tipos de incursões em seus espaços de exposição, o simples perambular no museu é modo de impregnação na cultura da ciência. Mesmo que alguns entendam que o aspecto lúdico e de aparente desorganização dos movimentos de crianças nos museus não possam propiciar realmente aprendizagens, entrar num museu e interagir com os elementos expostos, em qualquer forma que seja, constitui apropriação do discurso da ciência. Essas aprendizagens se aproximam dos modos naturais de aprender de crianças e de adultos. Na vida não há ninguém que direcione e organize nossas aprendizagens. São auto-organizadas. Alfabetizar-se em ciências nesta perspectiva é apropriar-se da cultura científica, aprendendo a valorizar e compreender o discurso da ciência. Nisso se evidencia uma forma importante de popularização da ciência e de ampliação dos espaços de atuação dos cidadãos. "Conhecer, pensar e aprender emergem da interação com um mundo estruturado social e culturalmente" (Lave; Wenger, 1999, p.51). É no intercâmbio com nossa cultura e ambiente social que aprendemos e damos significado ao nosso mundo. É desta forma que seria importante pensar as aprendizagens nos 19 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 museus, recuperando o tipo de aprendizagem que se realiza antes de ingressar na escola, apropriações que se dão principalmente por interações na linguagem. A apropriação do discurso e da cultura da ciência nos museus dá-se pelo envolvimento em espaços estruturados a partir de pressupostos da ciência. Neles são produzidos e reconstruídos significados nos visitantes, consistindo o processo em modo natural de aprender, sempre a partir de interações sociais aí possibilitadas. As aprendizagens nos museus dão-se por meio da linguagem. Pelo envolvimento intenso no discurso da ciência, por meio da fala e leitura, ocorre uma ampliação da compreensão de mundo dos visitantes, tendo como referência o discurso e a cultura científicos. Publicada em Março de 2009 Ainda que não seja objetivo da educação nos museus competir com espaços formais de educação, as aprendizagens escolares podem qualificar-se por uma integração com os museus. É interessante, entretanto, que a complementação da educação científica formal nos espaços não formais dos museus consiga trabalhar aspectos que normalmente não são focalizados nas escolas. Também é importante que nesses espaços se superem epistemologias de aprender ainda soberanamente presentes nas escolas, especialmente a idéia de que é possível transmitir o conhecimento de um sujeito a outro, do livro didático para a mente dos alunos. A linguagem tem uma função central na popularização da ciência nos espaços dos museus Esse papel, entretanto, não se relaciona tanto com o domínio vocabular e de interpretação de modos de comunicação da ciência, mas está ligado à aquisição de competências em saber movimentarse no discurso da ciência, sabendo utilizar tanto o conhecimento como os processos da ciência em situações concretas do dia-a-dia. Em síntese, os museus podem constituir-se em espaços inovadores para uma educação científica e para uma popularização da ciência em novas perspectivas. Superando idéias de aprender como transmissão e absorção de conhecimentos, é importante conceber os museus de ciências como ambientes em que os visitantes podem mergulhar no discurso da ciência, aprendendo a movimentarse com base na cultura científica. Nisso lhes é possibilitada a abertura de uma nova janela para o mundo, novo modo de compreender a realidade em que vivem e de participar na sua transformação. A leitura de mundo pelo olhar da ciência corresponde a uma ampliação de possibilidades de compreensão da realidade e de saber movimentar-se dentro dela. 2-Para além da descoberta, a apropriação do discurso Nessa perspectiva, as aprendizagens nos museus não se dão de forma linear, por transferências organizadas de conhecimentos para os visitantes. Dão-se de forma não consciente pelo envolvimento no discurso da ciência, processos auto-organizados que possibilitam compreensões mais complexas do mundo na medida em que ocorrem. Ainda que nossas aprendizagens sejam mediadas, não são dirigidas. Não é possível linearizar o aprender, mas ele ocorre por auto-organização. O outro aprende não o que queremos lhe ensinar, mas o que tem condições de aprender. Por esta razão, também nos museus de ciências, é importante oferecer oportunidades diversificadas de contato com o discurso da ciência e deixar que as aprendizagens dos visitantes ocorram dentro das possibilidades de cada um. Tendo em vista a ênfase dada à apropriação do discurso e da cultura que defendemos, a popularização da ciência nos museus precisa ser organizada a partir de uma visão crítica sobre a natureza da ciência. Nesses ambientes não se pode assumir que a realidade é descoberta e que os experimentos ensinam por si mesmos. A apropriação do discurso e da cultura da ciência precisa ainda superar aspectos meramente cognitivos para envolver também habilidades, atitudes e valores da ciência. Apropriar-se do discurso da ciência implica apreender sua natureza e seus modos de funcionamento. Significa compreender e conseguir pôr em ação seus diversificados modos de produção de conhecimento e de solucionar problemas, utilizando as ferramentas da ciência 20 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 para reconstruir conhecimentos já anteriormente construídos e para resolver problemas emergentes nas realidades dos cidadãos. Compreender a ciência em sua natureza e modos de atuação é entendê-la como atividade humana, interpretando seus sucessos e tomando consciência de seus benefícios e prejuízos. É compreender que é permeada de interesses, não podendo ser neutra, mas sempre implicando direta ou indiretamente quem atua com base em suas normas e princípios. Para uma cidadania participativa e crítica, objetivo de uma popularização efetiva da ciência, mais do que o acúmulo de informação e conhecimento científico, o que se requer é compreender a natureza da atividade científica e saber operar com suas ferramentas no contexto cotidiano. Quando o cidadão aprende ciências nesta perspectiva, ele experimenta novos modos de proceder, de solucionar problemas. Explora novos caminhos, aprende investigando (Dutra, 2000). A popularização da ciência nos espaços de museus precisa mostrar entendimentos atualizados de ciência, com superação, principalmente, do empirismo. Não há uma realidade pronta esperando ser descoberta. O mundo que podemos conhecer é uma realidade criada na linguagem, sem que tenhamos acesso direto para saber como as coisas efetivamente são. De modo especial, nos museus interativos de ciências, é preciso compreender que nenhum experimento em exposição ensina por si mesmo, por mais interativo que seja. A realidade não transmite verdades, mas estas são produzidas pela atividade racional e lingüística do homem, envolvendo um esforço intenso de construção e reconstrução que gradativamente produzem entendimentos de mundo aceitos pela comunidade científica. Da mesma forma, os visitantes de um museu precisam envolver-se intensamente com os experimentos, tanto pelos sentidos como pelo intelecto, para que possam ampliar conhecimentos que já construíram anteriormente. Ser alfabetizado em ciências não é ser capaz de descobrir um mundo já pronto, mas é criar competências de participar de sua construção e reconstrução, processo que se dá essencialmente Publicada em Março de 2009 na linguagem. Isso constitui a apropriação do discurso da ciência que defendemos. Ao ingressar num museu de ciências, os visitantes estão incursionando num discurso em que podem perceber não só o conhecimento da ciência, mas também as habilidades que se requerem ao trabalhar com ela, as atitudes e valores implicados na atividade científica. "... um dos desafios dos museus interativos é superar o simples foco do conhecimento, para atingir o aprender a aprender, o aprender a pensar de modo crítico e o saber procurar novos conhecimentos, quando deles se tem necessidade" (Moraes, 2003, p.49). Apropriar-se do discurso e da cultura científicos é mais do que apenas adquirir alguns conhecimentos novos. A popularização da ciência inclui também compreender e saber movimentar-se nos processos da ciência, internalizando seus modos de funcionamento. Como o modo básico de funcionamento da ciência é a pesquisa, uma efetiva alfabetização científica exige o pesquisar, tanto nos museus como em outros contextos. Apropriar-se dos processos da ciência exige mergulhar em seu conhecimento, desenvolver habilidades e atitudes científicas e orientar-se pelos seus valores. Ser alfabetizado cientificamente é conhecer e saber utilizar as ferramentas da ciência no dia a dia. Não é necessariamente ser ou transformar-se em cientista, mas é conhecer suficientemente os modos de agir da ciência para participar no cotidiano de decisões e práticas que envolvam a ciência, seus conhecimentos e seus valores. O que defendemos em relação à popularização da ciência por meio dos museus é que, ao ingressar em um museu, os visitantes se impregnem do discurso da ciência, apropriando-se gradativamente dos conceitos, das habilidades, competências e atitudes características da ciência. Nisso assumimos que um cidadão alfabetizado cientificamente consegue viver mais plenamente no mundo atual, estruturado em grande parte com base na ciência e em seus produtos. Seria um grande desperdício organizar os espaços dos museus de ciências na mesma epistemologia em que está sistematizada a maior parte da 21 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 educação científica formal. É importante superar a estrutura disciplinar e a epistemologia empirista que impera nesses espaços, organizando-os a partir de entendimentos atualizados sobre os modos como produzimos nossos conhecimentos. Esses novos modos de organização valorizam de modo especial a linguagem e a mediação como modos de apropriação do discurso e da cultura científicos. partir da realidade para, por meio de conceitos científicos, compreender a realidade de forma mais plena. 3-Entre o senso comum e o conhecimento científico Mais do que saber distinguir o conhecimento científico de outros tipos de conhecimento, os espaços de educação não formal deveriam desafiar seus visitantes a pôr em movimento e a reconstruírem seus conhecimentos, tornando seus saberes mais complexos pela confrontação com o conhecimento científico. O cidadão integra-se no discurso e na cultura da ciência a partir dos conhecimentos que já construiu anteriormente, a partir da cultura em que já está envolvido. Tornar-se cientificamente alfabetizado corresponde a uma qualificação dos conhecimentos e das práticas cotidianos a partir da interação com a ciência, pelo diálogo com especialistas e por conversas com quem conhece ciências. Apropriar-se do discurso da ciência não exige abandonar o discurso de senso comum e suas práticas. É, entretanto, pôr em dúvida o que já é conhecido e modos de ação do cotidiano no sentido de ir além deles. Uma popularização da ciência efetiva precisa partir do senso comum e por meio de um diálogo com a ciência tornar mais complexos conhecimentos e práticas anteriormente apropriados, qualificando-as com base na ciência. "A ciência moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo. É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador, mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico" (Santos, 2002, p.56). O pensamento científico é mais abstrato e rigoroso do que o pensamento cotidiano. Entretanto, como colocam Freire e Faundez (1985), precisa ser elaborado a partir do pensamento ingênuo. É preciso assumir a ingenuidade para ultrapassá-la, Não deve ser, pois, pretensão dos museus de ciências substituir o conhecimento cotidiano pelo científico. O que devem propor-se é possibilitar a expressão do conhecimento dos visitantes e criar espaços para sua transformação, a partir da perspectiva da ciência. Isso implica, também, trazer o conhecimento científico para o cotidiano. Nos museus de ciências é preciso respeitar e fazer emergir o conhecimento do senso comum, produzindo ao mesmo tempo uma interação com o conhecimento científico. A qualificação do conhecimento dos visitantes constitui reconstrução do que já conhecem, sejam conhecimentos do cotidiano, sejam conhecimentos científicos anteriormente apropriados. Nesta perspectiva, nos museus de ciências, o aprendizado está associado ao acesso ampliado dos visitantes ao conhecimento e aos modos de atuação da ciência, capazes de pôr em xeque seus conhecimentos. Sejam pesquisadores ou monitores, seja por meio de outros mecanismos de mediação e comunicação, o que se solicita nesses espaços são diálogos com especialistas de diferentes áreas da ciência, interações que possam pôr em movimento conhecimentos anteriormente apropriados pelos visitantes visando reconstruí-los. Ser alfabetizado em ciências é conseguir conversar com quem entende de ciências, produzindo argumentos que sejam aceitos pela comunidade científica. Conseguir estabelecer este tipo de conversa implica dominar gradativamente o discurso da ciência, tanto em termos dos conhecimentos que envolvem, quanto dos processos de funcionamento da ciência e de seus valores. Esse é um processo gradativo de reconstrução, tanto de conhecimentos como de modos de agir. Nunca se conhece apenas da 22 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 perspectiva da ciência, nunca se age somente com base na ciência. O que se espera da popularização da ciência é que possibilite aos cidadãos ampliarem cada vez mais seus modos de interação com a ciência e a utilização de suas ferramentas, visando à qualificação de suas ações cotidianas. A popularização da ciência nos museus por meio da apropriação do discurso da ciência não deve pretender desvalorizar e desconsiderar o conhecimento cotidiano dos visitantes visando substituí-lo pelo conhecimento científico. Valorizando ambos os conhecimentos, o que se pretende é a qualificação e complexificação do conhecimento dos visitantes. Pela interação com experimentos e mediadores, os visitantes vão adicionando mais sentidos àquilo que já conseguem compreender e fazer, reconstruindo desta forma, seus conhecimentos e práticas. 4-Tornando mais complexo o que já se conhece Aprender em museus implica, dentro da perspectiva assumida, colocar em movimento o conhecimento dos visitantes, possibilitando que seus conhecimentos possam evoluir. As aprendizagens são mediadas pelas diferenças de significados entre parceiros em interação, a partir de incursões no discurso da ciência. Superando a idéia de armazenar novos conhecimentos, o que se solicita é saber movimentar-se no discurso da ciência, compreendendo seus métodos, praticando suas habilidades e assumindo seus valores. Não será a mera exposição a conhecimentos abstratos e desvinculados do interesse dos visitantes que vai conseguir acionar o que já é conhecido. Um modo importante de fazê-lo é o questionamento e proposição de desafios a serem trabalhados e respondidos enquanto os visitantes percorrem o museu. Responder a uma pergunta, solucionar um problema, implica operar com o conhecimento de quem se envolve na procura da resposta ou na solução do problema. Isso propicia reconstruções. Aprende-se a partir do já conhecido, adquirindo competências de movimentar-se em novos discursos. Pela interação com outros, tanto num Publicada em Março de 2009 sentido concreto como virtual, os visitantes de museus de ciências põem em movimento seus conhecimentos e habilidades no sentido de os reconstruírem, de tornarem mais complexo o que já construíram anteriormente. Novas aprendizagens são reconstruções de conhecimentos anteriores, que se reformulam com ampliação de significados: "... a aquisição cognitiva de um novo conceito, espontâneo ou científico, é sempre um processo de construção gradativo que se assenta em alicerces previamente construídos que, por sua vez, são também conceitos espontâneos ou científicos". (Gaspar, 2008, p. 179) A construção de conceitos, tanto os científicos como os do cotidiano, constitui processo contínuo de ampliação de significados. Nisso são de grande importância vivências socioculturais em que o questionamento, o diálogo e a pesquisa constituem estratégias a serem valorizadas. Nos museus, é preciso que os visitantes possam enfrentar desafios, que possam experimentar suas idéias, superando erros e adicionando novos significados aos conceitos que já elaboraram anteriormente. Conceitos evoluem lentamente, com novos significados sendo acrescentados aos já existentes, sempre em redes de significados com outros conceitos. "... quanto mais rica a vivência sociocultural proporcionada a uma criança, maior a capacidade lingüística, verbal e simbólica que ela será capaz de adquirir e maior o acervo cognitivo de percepções sensoriais que ela poderá acumular". (Gaspar,2008, p. 181) Aprendizagens concebidas nesta perspectiva de ampliação de significados exigem mediação, solicitam a presença de interlocutores capazes de ajudarem nas reconstruções: "Aprender é um processo que ocorre num contexto de participação, não numa mente individual. Isso significa entre outras coisas, que é mediado pelas diferenças de perspectivas entre os co-participantes" (Lave; Wenger, 1999, p. 15). Não constitui ato individual isolado, mas é processo coletivo, originado na interação entre participantes. Na interação entre sujeitos com diferenças entre seus modos de explicar e compreender o mundo, 23 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 quem conhece mais ajuda na evolução dos conceitos de quem conhece menos. As aprendizagens ocorrem mediadas pelas diferenças entre co-participantes em interação. Os museus interativos de ciências são espaços por excelência para se estruturarem os tipos de interação capazes de irem integrando novos significados aos conceitos e práticas que os visitantes já trazem. Entretanto, não podem ser vistos como espaços em que os experimentos ensinam por si próprios. Exige-se mediação. Na educação não formal, as aprendizagens dãose espontaneamente a partir do intercâmbio dialógico entre um aprendiz e outros sujeitos com maior conhecimento e competência, capazes de desafiar quem aprende a avançar em seus conhecimentos. Quando se pensa em aprendizagem como apropriação de um discurso social, como o discurso científico, por exemplo, o que é preciso são interações, oportunidades de diálogo com outros. Isso não precisa ter organização lógica linear para que aprendizagens possam concretizarse. Ao contrário, conversas desordenadas podem ser muito produtivas. "A expressão conversas desordenadas parece ser uma maneira muito adequada de descrever os casos de fala dentro de um discurso, que ao estarem diretamente relacionadas aos problemas que enfrentam os estudantes, são as mais produtivas para o emprego da fala e do discurso para construir significado e desenvolver a compreensão. E, quando estas conversas se dão em contextos de atividades que os estudantes fizeram suas, estamos próximos de otimizar, na escola, as condições nas quais estes instrumentos podem ser dominados." (Wells, 2001, p. 171) O que vale para a escola em termos desse tipo de diálogo vale também para os museus de ciências. Nesses espaços, aprende-se por interação com parceiros mais capazes. As reconstruções de conhecimentos ocorrem a partir de intercâmbios dialógicos. Museus criados numa perspectiva epistemológica atual valorizam a linguagem e a interação social, concebendo-se que a apropriação de algo novo, com mediação de alguém que conhece mais, dá-se por meio da linguagem. Publicada em Março de 2009 Por isso, seria importante que tanto nas escolas, como especialmente em museus, se superasse a pretensão de ensinar por meio de definições, mas que os alunos e visitantes de museus fossem expostos ao discurso da ciência. Pela interação com especialistas das várias áreas, pela leitura e experimentação, os alunos das escolas e os visitantes dos museus, se apropriam de forma mais efetiva do discurso da ciência, ao mesmo tempo em que vão construindo conceitos importantes de forma natural, de modo semelhante ao que ocorre no cotidiano das pessoas. O desafio de uma popularização da ciência e de tornar a ciência um bem comum é de superar os modelos de educação científica ainda dominantes, preocupados meramente com "o domínio estrito vocabular dos termos científicos" (Santos, 2007, p 486). Nos espaços dos museus não tem sentido querer ensinar conceitos e definições por mais importantes que sejam para a ciência. O que se precisa é expor os visitantes a esses conceitos e deixar que reconstruam a partir de diferentes tipos de interação na linguagem seus próprios conceitos. Não se aprende por definições e estas não deveriam ser valorizadas como ponto de partida nos experimentos dos museus. O visitante somente entende uma definição no momento em que ele próprio seja capaz de produzi-la (Northedge, 2002). Uma alfabetização efetiva em ciências, mais do que dominar conceitos e teorias, implica atitudes e competências de abertura para conhecer cada vez mais sobre a realidade e saber solucionar problemas emergentes nos contextos em que se vive. "O aprendiz individual não recebe um corpo discreto de conhecimento abstrato que irá então transportar e reaplicar em outros contextos". Em vez disso ele adquire habilidades de desempenho se engajando em processos concretos, sob condições atenuadas de participação periférica legítima. (Lave; Wenger, 1999, p.14) Alfabetizar-se na ciência não é armazenar conhecimento, mas é saber operar com ele segundo regras determinadas pela comunidade científica. 24 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Os espaços de museus são ambientes em que os visitantes podem interagir com a cultura e o discurso científicos. Aprendemos a operar com as ferramentas da ciência a partir de um envolvimento intenso com esses ambientes. Aprendemos o significado das palavras e adquirimos habilidades e atitudes da ciência a partir de incursões no discurso da ciência. É modo preferencial de popularização da ciência nos espaços não formais dos museus. Aprendizagens em museus de ciências implicam reconstruções do anteriormente aprendido a partir da interação lingüística com parceiros de maior conhecimento. Ao entrar num museu o visitante é desafiado a pôr em dúvida o que já conhece e, a partir disso, ampliar os significados que consegue associar aos conhecimentos que já tem, sempre na interação com outras vozes. Nisso a pesquisa pode constituir-se em estratégia preferencial de ação. 5-Reconstruções pela pesquisa, com mediação A popularização da ciência a concretizar-se nos museus precisa promover interações por meio da linguagem. Tem seus fundamentos mais no perguntar do que no informar, solicitando diferentes tipos de mediação. Cada vez mais a palavra interação está presente na organização de museus de ciências, implicando sempre outros agentes, outras vozes que, a partir da diferença, podem provocar o visitante para reconstruir o que já conhece e o que já sabe fazer. Interatividade é palavra-chave na tendência contemporânea que dá origem aos museus interativos de ciências. Os diversificados modos de interação propostos nesses espaços envolvem tanto o "pôr as mãos" quanto "envolver o intelecto". Além de muitas outras iniciativas válidas, defendemos aqui que essas interações se qualifiquem pela pesquisa, com proposição de perguntas a serem respondidas pelos visitantes em seus movimentos nos espaços do museu. Organizar experimentos em museus interativos a partir de perguntas, sempre pertinentes aos visitantes e suas realidades, é modo de qualificar os espaços de exposição. Publicada em Março de 2009 É importante que os visitantes nos museus de ciências percebam a valorização da pergunta, seja produzida por eles próprios, sejam perguntas propostas pelos experimentos expostos ou por mediadores. A pergunta é desencadeadora de reconstruções, modo de desafiar conhecimentos e práticas dos visitantes para sua superação. Envolver os visitantes em pesquisa implica seremlhes propostas perguntas a responder, ou que eles próprios possam elaborar perguntas a serem respondidas a partir das visitas. A partir disso é importante que os visitantes se envolvam eles próprios na produção de respostas aos questionamentos e não recebam simplesmente respostas prontas. Perguntas conduzem à procura de respostas, seja de forma individual a partir da interação com diferentes experimentos, seja de forma coletiva na interação com outros. Ao proporem-se questionamentos e ao possibilitar-se a construção de respostas, está-se envolvendo os visitantes em pesquisa. Pela solução de problemas se propicia espaço para a reconstrução de conhecimentos, além do desenvolvimento de habilidades e atitudes da ciência. O tipo de pesquisa que vai do desafio à resposta, do problema à sua solução, constitui jogo intelectual capaz de dar novo sentido aos espaços de exposição dos museus. Jogos de diversos tipos constituem modos de promover a pesquisa nos museus, podendo ser organizados em forma de gincanas ou outras formas lúdicas de envolvimento dos visitantes. Os jogos constituem modo válido e importante de ampliar interações nos museus de ciências. Constituem modo de apropriação do discurso da ciência. Ainda que essa apropriação implique também compreender o rigor com que a ciência atua, nos museus preocupados com a popularização da ciência, as aprendizagens dão-se preferencialmente de forma lúdica, pelo envolvimento ativo e despreocupado com ações e modos de compreensão da ciência. É isso que denominamos mergulhar no discurso da ciência, possibilitando reconstruir conceitos e apropriar-se das ferramentas da ciência. 25 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 O envolvimento em jogos e em pesquisas num sentido mais amplo é modo interessante de mediação, modo de utilizar o conhecimento já existente e desafiar sua reconstrução. É uma ilusão muito presente na organização de museus interativos a idéia de que os alunos aprendem por si, pela simples interação com experimentos. Cada visitante somente consegue tirar de um experimento aquilo que suas próprias teorias e conhecimentos lhe possibilitam. Quando não há mediação e questionamento associado aos experimentos em exposição nos museus, quando muito, os visitantes apenas recordam o que já sabem. Nos processos de interação nos museus, seja em forma de pesquisas em geral, seja em forma de jogos, a mediação é processo importante. Aprendizagens e reconstruções se dão por mediação. É difícil conceber um jogo envolvendo diferentes participantes sem interações. A mediação se dá preferencialmente pela linguagem em suas várias formas de atuação. Falas e diálogos com especialistas são modos de mediação das aprendizagens nos museus, ainda que a interação dialógica com parceiros de visitas também possa ser importante forma de mediação nos museus. Nesse sentido, especialmente pais e professores são importantes mediadores nos processos de popularização da ciência nos museus. Ainda que outras formas de mediação possam ser incentivadas nos museus, destacamos aqui a mediação humana. Quando preparados como parte da organização dos museus, monitores podem ser importantes mediadores, especialmente se incentivados para utilizar a pergunta e o desafio como modos preferenciais de ação, dando a estes valor maior do que ao informar e ao querer ensinar. Ainda que a mediação nos museus não necessite ser feita por agentes humanos de forma direta, exige-se sempre um encadeamento com os conhecimentos e teorias que os visitantes já trazem de suas vivências e aprendizagens anteriores. A mediação nos museus é modo de provocar reconstruções de conhecimentos e práticas dos visitantes. Defendemos que isto possa dar-se por meio da pesquisa, entendida como emergência de Publicada em Março de 2009 perguntas que os visitantes são desafiados a responderem, utilizando nesse processo conhecimentos e habilidades que já trazem, implicando ao mesmo tempo sua reconstrução e complexificação. Aprendizagens, entretanto, solicitam mediações que, mesmo podendo ser feitas de forma virtual, requerem, preferencialmente, agentes humanos. 6-Desenvolvendo uma cidadania consciente e crítica Os museus de ciências pensados desta forma podem ajudar a atingir uma alfabetização científica qualificada tanto no sentido formal como político. Nesses espaços de formação, pode atingir-se uma cidadania mais plena, fundamentada num conhecimento significativo e de qualidade e numa participação social e política de maior número de pessoas dentro dos contextos em que vivem. "O ensino de ciências é, em geral, pobre de recursos, desestimulante e desatualizado. Curiosidade, experimentação e criatividade geralmente não são valorizadas" (Moreira, 2006, p. 5). Por esta razão, a popularização da ciência necessita utilizar outros espaços para sua implementação. No mundo moderno está cada vez mais clara a importância do conhecimento científico e tecnológico dos cidadãos para uma vida mais plena e daí a necessidade de envolverem-se todos eles num processo de apropriação do discurso e dos recursos da ciência. Os museus de ciências se inserem no esforço nacional de qualificação da educação científica e de popularização da ciência. Entretanto, para efetivamente poderem contribuir neste sentido, é preciso que ocorra uma adequação na forma de conceber as aprendizagens nesses espaços educativos, superando-se epistemologias com bases empiristas, para estruturá-los com valorização de entendimentos socioculturais de aprender. Uma alfabetização científica fundamentada nesse tipo de pressupostos conduz à formação de um cidadão "que não apenas sabe ler o vocabulário científico, mas é capaz de conversar, discutir, ler e escrever coerentemente 26 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 em um contexto não-técnico, mas de forma significativa." (Santos, 2007, p. 479). Museus interativos de ciências são espaços importantes de alfabetização científica. Concebendo este tipo de alfabetização em seu sentido amplo de inserção na cultura e no discurso da ciência, os museus podem possibilitar aos cidadãos mergulhar no discurso científico, reconstruindo por meio dessa imersão seus conhecimentos, suas competências e valores. Ações de popularização da ciência não apenas complementam iniciativas da educação formal da escola, mas possibilitam fazer uma "conexão ativa entre a ciência e a sociedade, para ampliar a possibilidade de entendimento que as pessoas têm dos resultados e dos processos de trabalho da ciência" (HARTMANN; ZIMMERMANN; DINIZ, 2008, p. 2). A formação do cidadão alfabetizado na ciência implica um encadeamento das exposições e interações propiciadas pelos museus com o dia a dia dos visitantes, estreitando relações entre o aprendiz e seu mundo. Fazendo emergir perguntas a serem respondidas com intenso envolvimento dos visitantes, a popularização da ciência concretizada nos museus visa à melhoria de vida e à inclusão social dos que dela participam. A popularização da ciência nos museus pode ajudar a formar o cidadão para o mundo atual. Publicada em Março de 2009 social e politicamente nos espaços em que vivem, a qualificação política, dando emergência a cidadãos mais críticos e participativos. "Para a educação de qualquer cidadão no mundo contemporâneo, é fundamental que ele tanto possua noção, no que concerne à ciência e tecnologia (CT), de seus principais resultados, de seus métodos e usos, quanto de seus riscos e limitações e também dos interesses e determinações (econômicas, políticas, militares, culturais etc.) que presidem seus processos e aplicações" (Moreira, 2006, p. 2). A participação dos museus na popularização da ciência nesta perspectiva é ajudar na construção de uma cidadania mais plena, com superação de desigualdades e inclusão social com autoria e autonomia. Por meio de uma popularização da ciência, entendida como apropriação do discurso da ciência, o cidadão do mundo contemporâneo adquire um domínio da ciência e tecnologia capaz de torná-lo participante cada vez mais integrado e ativo nos contextos em que vive. Considerações finais Um cidadão educado cientificamente demonstra que adquiriu conhecimentos, habilidades e se apropriou de valores da ciência capazes de auxiliálo a tomar decisões em questões envolvendo a ciência e a tecnologia em seu contexto social. Começamos no presente texto a examinar idéias que mostram que mais do que armazenar conhecimentos, uma popularização efetiva da ciência em museus de ciências precisa ser entendida como apropriação do discurso e da cultura científicos. Isso implica em ir além da idéia de descobrir e redescobrir, assumindo que aprender nesses espaços é tornar mais complexo o que já é conhecido, seja do senso comum, seja científico. Argumentamos ainda que as reconstruções a ocorrerem nos museus necessitam de mediação. Finalmente, procuramos evidenciar que uma popularização da ciência a partir desta perspectiva possibilita o desenvolvimento de uma cidadania consciente e crítica. Quando bem conduzida, a alfabetização científica a ser atingida nos museus caracteriza-se por sua qualidade formal e política. Ao possibilitar a aproximação do conhecimento e de habilidades e atitudes dos visitantes com a cultura científica, qualificam-se formalmente os saberes dos visitantes. Nisso os visitantes estarão se capacitando a participar de forma mais efetiva Esperamos ter trazido argumentos válidos para mostrar que a popularização da ciência nos espaços não formais dos museus precisa ser pensada a partir de uma epistemologia que concebe as aprendizagens como apropriação da cultura e do discurso da ciência. Mais do que armazenar conhecimento, ser cientificamente alfabetizado é saber movimentar-se no discurso da ciência, ser A popularização da ciência implica desenvolver nos cidadãos competências de uso do conhecimento científico na solução de problemas cotidianos, associado com o desenvolvimento de uma cultura científica. 27 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 capaz de participar de tomadas de decisão envolvendo a ciência e ter condições de manifestar-se com competência sobre temas envolvendo a ciência e a tecnologia. É ser cidadão do mundo. Os museus de ciências podem dar uma contribuição significativa para isto. 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Cambridge, UK, Cambridge University Press, 1999. 28 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Artigo Por que divulgar o conhecimento científico e tecnológico? Maria Helena da Silva Carneiro* Resumo Trata-se de um texto que discute os argumentos que perpassam o discurso acadêmico em favor da divulgação científica. Inicialmente, apresentam-se os aspectos históricos buscando evidenciar que esse tipo de atividade não é um fato novo no cenário mundial. Em seguida, analisam-se as razões que justificam a divulgação dos conhecimentos científicos e tecnológicos no Brasil. Palavras chave: divulgação científica, educação não formal, popularização da Ciência Abstract The text brings to discussion the arguments that go beyond the academic justification in favor of the popularization of science. First, it is shown the historical aspects that demonstrate that popularization of science is not a new fact in the world. Second, the reasons that justify the popularization of scientific and technological knowledgement in Brazil are analysed. Key words: science popularization, science education, science literacy Introdução A divulgação científica, popularização da Ciência, vulgarização do conhecimento científico, não importa a expressão empregada - não vamos entrar nesse debate - tem sido, nas últimas décadas, no Brasil, objeto de estudos e discussões no meio acadêmico. Essa preocupação em aproximar o conhecimento científico do grande público não é um fato novo no cenário brasileiro e, concomitantemente, no mundial. A divulgação científica surgiu com a Ciência. Alguns autores que a marcaram em diferentes épocas escreveram as suas obras usando um estilo de linguagem acessível ao grande público. Galileu, por exemplo, em 1624, quando publicou o Diálogo sobre dois máximos sistemas do mundo Ptolomaico e Copérnico, escreveu em italiano em vez do latim, língua oficial da Ciência naquela época. Ao construir o seu texto na forma de diálogo entre mestre e aluno, Galileu utilizou reiteradamente a doutrina platônica da anamnesis (reminiscência) e a maiêutica socrática, o que ampliou as possibilidades de leitura e, naturalmente, a divulgação das idéias científicas de Copérnico. Charles Darwin, em meados do século XIX, publicou a sua obra revolucionária As origens das espécies usando linguagem acessível ao público nãoespecializado. Einstein, em 1916, quando publicou A teoria da relatividade especial e geral, também usou linguagem mais simples e vários exemplos, o que facilitou a leitura do público leigo. Embora essas obras não sejam consideradas de divulgação científica, são exemplos que *Doutora em Didática das disciplinas pelo Paris VII - Reconhecido, França (1992). Atuação em Ensino-Aprendizagem, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino. PROFESSOR ADJUNTO IV da Universidade de Brasília, Brasil. 29 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 evidenciam a preocupação dos pesquisadores no sentido de amenizar o esoterismo do conhecimento científico. Além dos cientistas que escreviam em uma linguagem mais transparente, outros autores também evidenciavam essa preocupação. Marie Meurdrac, em 1666, publicou um livro que tinha como público-alvo as mulheres da sua época: Chymie Charitable et facile en faveur des dames. Nele, ela explica em uma linguagem simples os mais variados processos químicos para a produção de medicamentos e produtos de beleza. No início do século XIX, Faraday publicou História química de uma vela, cujo público-alvo era as crianças. Além de livros de divulgação científica, já circulavam na Europa do século XIX e início do século XX alguns periódicos que tinham como foco a divulgação do conhecimento científico: Ami des sciences, 1855; La science pour fous, 1856; Science et vie, 1913 et L'écho du monde savant, 1934. No âmbito brasileiro, a divulgação científica também não é um fato recente. Para Stepan (1976, p.35), uma das primeiras iniciativas brasileiras com o objetivo de disseminar os conhecimentos científicos foi a criação da Sociedade Científica do Rio de Janeiro em 1772. Segundo a autora, "às suas primeiras reuniões compareceram quatro cirurgiões, três médicos, dois farmacêuticos e um fazendeiro. Os campos da botânica, zoologia, química, física e mineralogia estavam todos representados. Em 1799, o grupo mudou seu nome para Sociedade Literária do Rio de Janeiro, mas continuou as suas atividades científicas". Vale ressaltar que a imprensa brasileira foi criada somente em 1810, com a chegada da família real portuguesa. Até então, livros, folhetos e jornais eram impressos na Europa. Com o estabelecimento da imprensa no Brasil, a divulgação científica ganhou nova força. Em meados do século XIX, já se publicavam cerca de sete mil periódicos dos quais trezentos eram direta ou indiretamente relacionados à Ciência. Entre esses periódicos destacamos: Jornal de Sciencias, Letras e Artes, 1857; Revista do Rio de Janeiro, 1876, e Ciência para o povo, 1881 (Moreira e Massarani, 2002, p.46). Além dos periódicos especializados, o conhecimento científico era veiculado nos semanários. Para confirmar esse fato, basta ler alguns jornais brasileiros publicados no século Publicada em Março de 2009 XIX. Merece ser mencionada as Conferencias Populares da Glória que teve início em 1873. Não podemos esquecer que nesse período foi criado no Brasil o Museu Nacional, considerado um dos meios de divulgação do conhecimento científico e tecnológico. A divulgação científica tem uma história, o que varia é a forma de divulgação, o seu conteúdo e o perfil do público ao qual se destina. Enquanto no século XIX a forma predominante de divulgação era a oral e a escrita, no século XX, o meio impresso ganhou novos aliados: os meios audiovisuais de comunicação - rádio, TV, cinema. Hoje, o conhecimento científico faz-se presente em todos os meios de comunicação e incorpora o ciberespaço como novo veículo de comunicação e de divulgação do conhecimento científico. O conteúdo da divulgação científica está diretamente relacionado ao avanço da Ciência e da Tecnologia. O público também mudou. Enquanto no século XIX o público-alvo era restrito, pois a forma de divulgação predominante era a impressa - livros, jornais e revistas -, o que exigia o domínio da leitura, hoje, no século XXI, o público apresenta um perfil bastante variado, o que constitui um grande desafio para aquele que pretende divulgar a Ciência. Mas por que divulgar conhecimento científico tecnológico? o e Não é fácil responder a essa pergunta. Cada "divulgador", seja ele jornalista, pesquisador ou qualquer pessoa que se aventure a "traduzir" a Ciência para uma linguagem mais simples, e assim torná-la mais acessível para o grande público, tem as suas próprias razões. Além disso, essas razões não são imutáveis, podem sofrer transformações ao longo do tempo. Portanto, as razões podem ser as mais variadas. Tendo em vista a diversidade de argumento em favor da divulgação científica do conhecimento científico e tecnológico, discutiremos a seguir apenas os que nos parecem mais presentes na literatura, ou perpassam o discurso acadêmico. A divulgação científica como meio de socialização do conhecimento parece ser consensual. Parte-se 30 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 do princípio de que existe defasagem entre a sociedade e a comunidade científica. Hernando (1997, p.01), um dos defensores desse pressuposto da divulgação, ressalta que "diante dessa situação, é importante levar a Ciência ao público, para atender assim a demanda social de informação científica e para que os cientistas, jornalistas e escritores ajudem o homem comum a superar seus temores em relação à Ciência". Nesse caso, cabe à divulgação científica, mais especificamente à figura do divulgador, o papel de decodificar o conhecimento científico para uma linguagem acessível ao público e, assim, diminuir a tão discutida defasagem. O avanço acelerado da produção do conhecimento científico e tecnológico tem como implicação a especialização da Ciência e, ao mesmo tempo, o aumento da ignorância. Estudo realizado nos anos noventa destaca a existência de 37 mil áreas ativas de investigação científica, todas em constante ebulição (citado em Brunner, 2001) o que significa que a produção do conhecimento científico deixou de ser lenta e estável. Essa especialização da Ciência dificulta a comunicação entre os próprios cientistas de área vizinhas e, naturalmente, aumenta a distância entre a sociedade e a Ciência. Nesse sentido, é difícil afirmar que a defasagem entre a Ciência e o público será amenizada com a prática da divulgação científica. Ela continuará existindo! Estudos realizados pela UNESCO mostram que, mesmo em países onde a Ciência e a Tecnologia são amplamente divulgadas e têm baixo índice de analfabetismo, a distância continua existindo. Aliado à socialização do saber, surge outro argumento: o direito à informação, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos divulgados pela ONU em 1948. É nessa perspectiva que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) cria em 2003 a Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social com o objetivo de definir e implementar programas de popularização da Ciência e da Tecnologia. Acredita-se que, ao ampliar as possibilidades de acesso ao conhecimento, as desigualdades sociais sejam diminuídas. Defende-se ainda que a divulgação científica deva iniciar nos centros de produção do conhecimento, ou seja, cabe ao pesquisador também divulgar o Publicada em Março de 2009 conhecimento para o público não especializado. Além disso, seria uma maneira de mostrar para a sociedade como foi feito o investimento do dinheiro público. Trata-se, portanto, de direito do cidadão o de tomar conhecimento dos resultados dos investimentos feitos em Ciência e Tecnologia. Seguindo essa linha de pensamento, Hernando (1997, p.3) é bastante contundente na sua colocação. Para ele, "os cientistas têm a obrigação moral de dedicar uma parte do seu trabalho e do seu tempo a relacionar-se com o público a partir de meios de informação e pelas demais vias de comunicação". Quanto à questão do direito à informação é importante lembrar que o cientista, ao escrever o relatório de pesquisa e apresentá-lo à agência financiadora, ao publicar artigos e mesmo ao ministrar aulas, também está prestando contas à sociedade. Compete ao pesquisador decidir se deve ou não decodificar o seu artigo para o público nãoespecializado. Devemos nos lembrar de que essa é uma das exigências das agências de fomento e de órgãos governamentais que regulamentam a pós-graduação no Brasil. Se um cientista não publica artigos em revistas científicas, preferencialmente internacionais, não consegue verbas para pesquisar. Sem verbas, a produção do conhecimento científico torna-se mais lenta. Além disso, se a informação científica é um direito do cidadão por que algumas revistas científicas não são disponibilizadas para o público? A Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social definiu linhas prioritárias de ações que visam a apoiar centros e museus de ciências; ampliar a visibilidade da ciência na mídia e melhorar a qualidade das informações por ela veiculadas; colaborar na melhoria do ensino de ciências nas escolas; apoiar eventos nacionais de divulgação científica; apoiar a formação e qualificação de comunicadores em ciências; incentivar ações junto às universidades e agências de fomentos para valorização do trabalho em extensão e Popularização da Ciência e da Tecnologia, entre outras coisas. Não resta dúvida de que essa iniciativa do MCT tem contribuído para o desenvolvimento de ações que promovem a divulgação do conhecimento científico e tecnológico no País. Todavia, ainda estamos muito distantes de ter um programa de 31 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 divulgação científica que atenda à população brasileira. Considerando apenas uma das formas de divulgação, contamos hoje, no Brasil, com aproximadamente oitenta centros de ciências e museus de ciências. A literatura de divulgação científica ainda é muito restrita. O número de livros infantis, por exemplo, que têm a Ciência como tema central, ainda é parco. O incentivo à criação de museus e centros de ciências é muito louvável. Contudo, temos de nos lembrar que essas instituições estão concentradas nos grandes centros urbanos. Uma das suas características é o grande número de visitantes provenientes de escolas: crianças e adolescentes, em visitas organizadas pelos professores ou pelos próprios museus e centros de ciências. Como ressalta Moreira (2006, p.13), "apesar de o crescimento expressivo dos últimos anos, um número muito pequeno de brasileiros, cerca de 1% da população, visita algum centro ou museu de ciências a cada ano". Em alguns países da Europa, o número de visitantes chega a atingir 25% da população. Esses espaços ainda não foram incorporados na cultura brasileira enquanto opção de lazer. Embora se reconheçam os museus e os centros de ciências como espaços importantes de divulgação, perguntamo-nos: As atividades desenvolvidas nessas instituições são demasiadamente escolarizadas? A predominância de atividades dirigidas está cerceando a curiosidade dos alunos, direcionando-a e limitando a sua liberdade de explorar o espaço mais livremente? Que espaço é atribuído ao encantamento, ao deslumbramento e à contemplação? A educação não formal e informal estaria, aos poucos, sendo formalizadas? Será que essas atividades tal com vêm sendo desenvolvidas contribuem realmente para formar um novo público? Ao priorizar as atividades dirigidas, os museus e os centros de ciências estariam repetindo os mesmos "erros" da escola, tentando homogeneizar grupos de alunos? Temos a certeza do potencial pedagógico dessas instituições, de que toda ação pedagógica fora dos muros da escola que rompe com a rotina tem um efeito positivo. Não obstante isso, não há garantia de que sempre haverá aprendizagem. No que tange à terceira prioridade, colaborar na melhoria do ensino de ciências nas escolas, a Publicada em Março de 2009 divulgação científica assume novo papel social: apoiar a educação científica ministrada na escola. Não se limita mais a desenvolver ações destinadas ao grande público. Admite-se oficialmente a incompetência da escola de cumprir o seu papel. A questão que se coloca é se atividades tais como exposições, olimpíadas de física, de genética, de química, de matemática, feiras de ciências, visitas guiadas a museus contribuem para a melhoria da qualidade da educação científica. Outro aspecto que pode ser inferido a partir da análise do programa de popularização do MCT é a visão pragmática do conhecimento científico. O domínio de conceitos científicos que a escola não tem sido capaz de ensinar é considerado uma das condições necessárias à formação do cidadão para que possa lidar criticamente com as novas questões que são colocadas com o avanço da Ciência e da Tecnologia. Nesse sentido, o MCT destaca um dos seus objetivos: "É importante que os brasileiros tenham a oportunidade de um conhecimento básico sobre a Ciência e o seu funcionamento e que lhes dê condições de entender o seu entorno (grifo nosso), de ampliar as suas oportunidades no mercado de trabalho e de atuar politicamente com conhecimento de causa". Essa visão do papel social do conhecimento científico leva-nos a pensar se para entender o seu entorno uma comunidade precisa dominar o conhecimento científico. Citamos como exemplo uma comunidade brasileira, de descendentes de escravos, que viveu isoladamente durante quase um século da chamada civilização e não precisou do conhecimento científico e tecnológico para compreender o seu entorno e solucionar os seus problemas. A acessibilidade aos conhecimentos científicos e tecnológicos deve ser permitida a todos, mas a decisão de fazer uso ou não do conhecimento é individual. Outro argumento comum reflete a idéia de que a divulgação ajuda a eliminar o misticismo. Consoante Vieira (1999, p.12)," uma onda de misticismo sem precedentes assola o Planeta. Livros esotéricos encabeçam as listas dos mais vendidos - quando não ocupam a maioria de suas posições. (...). Cabe à Ciência, ressaltando as suas conquistas e os seus 32 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 limites, desmistificar esses equívocos. A divulgação científica é uma - talvez a melhor - forma para se fazer isso junto à opinião pública." Nesse caso, cabe à divulgação científica faire-face às chamadas pseudo-ciências, o que não seria tarefa fácil. Esse tipo de conhecimento é constitutivo de qualquer sociedade e, particularmente, da brasileira. Reconhecemos que o conhecimento científico e tecnológico é um empreendimento social, portanto, faz parte do patrimônio cultural da humanidade e, como tal, deveria ser incorporado à cultura de uma sociedade. Para que isso ocorra faz-se necessário romper com a tradicional concepção de divulgação científica, a transmissão unilateral de informação saindo do céu e difundindo-se sobre a terra! Acreditamos que a nova concepção deve privilegiar a confrontação, a interação e abrir espaços para o questionamento. Referências Bibliográficas Publicada em Março de 2009 MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu; BRITO, Fátima (0rgs) (2002) Ciência e público. Caminhos da Divulgação científica. Rio de Janeiro: Casa da Ciência/UFRJ. MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil in MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu; BRITO, Fátima (orgs) (2002) Ciência e público. Caminhos da Divulgação Científica. Rio de Janeiro: Casa da Ciência/UFRJ. MOREIRA, Ildeu Castro. A inclusão social e a popularização da ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, vol. 01, nº. 2, p 11-16, Brasília, 2006. STEPAN, Nancy (1976); Gênese e evolução da ciência brasileira. Rio de janeiro: Artenova. VIEIRA, L. Cassio (1999). Manual de divulgação científica. Dicas para cientista e divulgadores de ciência. Rio de Janeiro: Ciência Hoje/Faperj. BRUNNER, José Joaquín. Preguntas desde el sieclo XXI. Revista Perspectivas, vol. 4, nº2, p. 203211, Chile 2001. HERMANDO, Manuel Calvo. Objetivos de La divulgacíon de La ciencia. HTTP:// chasqui.comunica.org/hernando.htm 1997, Acessado em 25/9/2008 JACOBI, Daniel; SCHIELE, Bernard (orgs). (1998) Vulgariser la science. Le procès de l'ignorance. Seyssel: Champp Vallon/PUF. JACOB, François (1981); Le jeu des possibles. Essai sur la diversité du vivant. Paris : Fayard. 33 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Artigo A História da Ciência e o ensino de ciências Cláudio Luiz Nóbrega Pereira* Roberto Ribeiro da Silva** Resumo A História da Ciência tem sido apontada como uma ferramenta que pode possibilitar a superação de problemas relativos ao ensino de Ciências. Esses problemas originam-se nas abordagens focalizadas apenas na transmissão conceitual. O uso da História da Ciência possibilita a introdução de aspectos humanistas da cultura científica, contribuindo para romper com imagens deformadas da Ciência e para uma melhor alfabetização científica. Palavras-chave: história da ciência, ensino de ciências, alfabetização científica Abstract History of Science has been considered a possible tool to overcome some of the problems detected in science education. These problems have their origin in the strategies of science teaching that focus only in the transmition of concepts to students. The use of History of Science turns possible the introduction of the humanistic aspects of scientific culture, reducing the mistaken images of science and contributing to a better scientific literacy. Key words: history of science, science teaching, scientific literacy A História da Ciência tem sido apontada como uma ferramenta que pode possibilitar a superação dos problemas relativos ao ensino de ciência. Sua importância, para a educação contemporânea, pode ser constatada pelo fato de que, no 5° Encontro Nacional de Pesquisa e Ensino de Ciência (ENPEC), realizado em 2005, na cidade de Bauru - Brasil foi criado o Grupo de Estudo História da Ciência e Ensino de Ciências. A motivação para criação de tal grupo deu-se por conta do grande quantitativo de trabalhos apresentados sobre o tema. O objetivo deste grupo consistia em buscar orientações metodológicas e discutir os resultados das pesquisas referentes ao uso da história da ciência no ensino de ciência. Posicionamentos favoráveis ao uso da história da ciência no ensino são antigos, remontam ao fim do século XIX e início do século passado. Esta defesa era feita por eminentes figuras da ciência e da filosofia. Assim, iremos discutir os argumentos que alguns destes pensadores utilizaram para justificar o uso de uma abordagem histórica no ensino. Apesar dos argumentos positivos a esta abordagem, constata-se que por um curto lapso de tempo, durante o século passado, elementos de caráter humanista foram postos em segundo plano. Assim, outras abordagens da educação, de caráter mais técnico ganharam relevância. Tentaremos, portanto, caracterizar estas últimas, indicando suas justificações de ordem epistemológicas, e que objetivos buscavam atender, além de apontar seus limites e incongruências. *Licenciado em Química e Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade de Brasília. **Doutor em Química e professor da Universidade de Brasília. 34 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Em resposta às dificuldades apresentadas pelas abordagens focadas na transmissão conceitual, como também às mudanças ocorridas no mundo atual, tanto no que tange aos aspectos políticos e econômicos quanto na organização interna do setor produtivo, pretende-se hoje que a escola trabalhe com maior atenção aspectos humanistas da cultura. Como conseqüência, o apoio ao uso da História da Ciência no ensino das disciplinas desta área voltou à pauta de discussão. Por conta disto, iremos apresentar também, neste capítulo, uma avaliação de como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) abordam o tema, e quais as finalidades estipuladas para a educação em ciência. Por último apresentaremos algumas justificativas para o uso da História da Ciência na educação, tomando por base o resultado de pesquisas e reflexões mais recentes. Em geral estas pesquisas buscam relacionar o uso da História da Ciência com fins a uma alfabetização científica, que busque romper com as imagens deformadas de ciência. A idéia central destas propostas é de que o ensino de ciências leve o aluno a compreender como se dá a construção dos conceitos científicos, percebendo as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Esta posição de Ostwald parece refletir claramente um sentimento latente no fim do século XIX, e início do século XX, o qual via com certo descrédito o ensino focado meramente no conteúdo das ciências, mesmo quando objetivando a formação de cientistas. Já naquele tempo, compreendia-se que o mero estudo dos conceitos científicos não seria capaz de desenvolver nos alunos uma percepção da importância da ciência, nem tampouco do método de trabalho usado pelo cientista. Colocações semelhantes à Ostwald também foram defendidas por outras figuras eminentes, tais como: Ernst Mach (ainda no século XIX), John Dewey, e James B. Conant, conforme afirma Freire Junior (2002 p 14). Portela (2006) aponta que a posição de Enerst Mach1 (1910), a favor da inserção da História da Ciência no ensino de ciências era coerente com sua "defesa contundente da perspectiva cultural da ciência". O que pode ser percebido no trecho seguinte: Um grande benefício que os estudantes podem tirar de um curso devidamente conduzido em obras clássicas será abrindo ricos tratados literários da antiguidade, e ganhando intimidade com concepções e visões de mundo que tinham duas nações avançadas. Uma pessoa que tenha lido e entendido autores Gregos e Romanos sentiu e experimentou mais do que aqueles que se restringiram às impressões do presente. Ele vê como os homens fizeram em diferentes circunstâncias juízos totalmente diferentes para as mesmas coisas que nós fazemos hoje (Mach, apud Portela, 2006, p.13) 1 Importância da História da Ciência, um olhar no passado Os problemas relativos ao ensino de ciência encontram eco em publicações do início deste século. Gordon (1926), um dos primeiros editores do Jornal Chemical Education, já observava que a sensação de que a educação em ciências vivia uma crise era comum entre diversos educadores. Em resposta a esta percepção, discursos favoráveis ao uso da história da ciência no ensino ciência já eram feitos. Uma importante referência a este respeito é apontada por Jaffe (1938), ao citar o eminente químico Wilhelm Ostwald, segundo o qual havia um defeito na educação científica atual de nossos jovens. Isto é uma ausência de senso histórico e uma completa falta de conhecimento a respeito das grandes pesquisas sobre as quais o edifício da ciência se apóia (Ostwald, apud: Jaffe, 1938, p. 383). Publicada em Março de 2009 Visto desta forma, o conhecimento científico diferencia-se da perspectiva positivista. A interpretação dos fatos não é imparcial, depende de fatores externos que circundam o indivíduo que observa. A ciência não é vista como uma construção linear, nem ocorre por mero acumulo de fatos. Determinadas formas de compreender a realidade podem ser substituídas por outras julgadas mais convenientes em dado momento. Como observa Portela (2006, p. 14) o pensamento de Mach é importante por que evita "a adoção de MACH, E. Popular Scientific Lectures. 4ª edição. New York: Open Court Publishing, 1910. 1 35 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 uma perspectiva distorcida da prática científica pela noção de conhecimento verdadeiro e imune a transformações". Também nos parece muito significativa a posição favorável de Dewey à inserção de História da Ciência no ensino. Dewey foi um dos mais proeminentes pedagogos estadunidenses, tendo tecido críticas contundentes a educação de cunho meramente conteudista, focada na memorização e no intelectualismo. Conforme Teitelbaum e Apple (2001), mesmo considerando as críticas as sua perspectiva pedagógica, por não ser questionadora das relações sociais vigentes, devemos ter em mente que ele foi um forte defensor dos valores democráticos. Dewey via a escola como instrumento fundamental de democratização. Para ele, por meio da educação poder-se-ia estender a todos os benefícios do progresso alcançado pela modernização da sociedade. A educação científica teria um papel importante no desenvolvimento desta democracia. Como indicam Teitelbaum e Apple, para Dewey um público articulado que tenha desenvolvido métodos de inteligência, não definidos de uma forma redutora, mas sim de uma forma mais ampla, relacionada com a capacidade de uma rigorosa investigação reflexiva (científica), era a base de uma comunidade democrática. (grifo nosso, Teitelbaum e Apple, 2001, p. 197-198) Esta postura de Dewey frente a educação em ciência, como promotora da cidadania parece coadunar com as proposições relativas a alfabetização científica. Conforme Kansar: os estudantes precisam desenvolver uma filosofia particular baseada na lógica, verdade, e no entendimento quiçá em superstições ou desejos cegos. Para isso os estudantes precisam perceber a relação entre ciência, sociedade assim como da tecnologia, e de cada individuo dentro da sociedade (Kansar 1987, p. 932). E ainda de acordo Matthews a inclusão de história da ciência depende de certas posturas pedagógicas. Para ele: a educação deve estar preocupada primordialmente em desenvolver a compreensão, mediante uma iniciação nas tradições importantes do pensamento, e em desenvolver aptidão para o pensamento claro analítico e crítico (Matthews, 2002, p. 34). Publicada em Março de 2009 Com o objetivo de entendermos melhor a que tipo de educação Dewey fazia oposição, e sobre o destino que as reformas educacionais seguiram, nos parece importante citar o relato Dyson: ao longo do século 19 e no primeiro quartel do século 20, ensinava-se pouca ciência nas escolas inglesas. Isso começou a mudar nas décadas de 20 e 30. Vários comitês de homens cultos declaram que a Inglaterra era um país de analfabetos científicos e que algo precisava ser feito a respeito disso. O que tínhamos de fazer era banir das escolas o latim e o grego e introduzir ciência. Quando cheguei ao colegial tínhamos excelentes professores de ciências e a qualidade do ensino científico era de primeira. Tive sorte, na metade do curso começou a guerra e o sistema começou a se desintegrar. No último ano do colegial eu passava um total de sete horas semanais na escola. Foi o melhor momento que eu poderia ter escolhido para estudar. Terminada a guerra, os professores retornaram e sistema se tornou mais rigoroso, e hoje ninguém pensa em passar sete horas semanais na escola. Agora os garotos ficam acorrentados e se despeja neles com ciência pré-digerida, exatamente como se faz aqui nos Estados Unidos (Dyson, 1992, p. 222). Em conseqüência desta mudança, Dyson observa que na Inglaterra dos tempos atuais poucos são os cientistas que podem ser considerados de primeira linha. Segundo seu ponto de vista, o excesso de ciências nas escolas afastou as mentes mais brilhantes do caminho da ciência. O intelectualismo antes voltado para o ensino de humanidades, e que fora criticado por Dewey, tornou-se o intelectualismo voltado para as ciências. Segundo Santos (2000), o mesmo ocorreu em nosso país durante a década de 30. O currículo das escolas, que era predominantemente humanístico devido a herança recebida da educação jesuítica, passou a dar maior ênfase as disciplinas de ciência em conseqüência do processo de industrialização. Como visto as críticas a uma educação focada meramente na transmissão de conceitos não são recentes, além do que entram em acordo com as proposições de uma alfabetização científica. De modo geral o intuito é o de superar uma perspectiva reduzida do ensino, objetivando levar o aluno a compreender a ciência de uma forma 36 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 mais abrangente, e não como mera técnica pela qual se constrange a natureza em busca de respostas, tal como proposto pelo método indutivo de Bacon. O que se propõe é descrevê-la como parte do empreendimento humano. Como destaca Portela (2006). A ciência é tomada como um dos elementos essenciais da cultura. E pode desenvolver habilidades cognitivas que permitam a inserção do aluno como cidadão ativo na sociedade. 2 A história da ciência nos currículos do pós-guerra A despeito desta defesa do uso da história da ciência no inicio do século passado, Freire Jr (2002, p. 15), apoiado em Mathews, aponta que ao longo da história da educação o uso da História e Filosofia da Ciência não apresentou um desenvolvimento linear. Após a 2ª guerra, por conseqüência de um direcionamento da educação para formação de cientistas passou-se a dar pouca ênfase ao uso de História e Filosofia da Ciência no ensino. A este afastamento devemos relacionar também a influência advinda do comportamentalismo sobre a educação neste período. A educação, fundamentada sobre a idéia de condicionamento, pouco espaço ofereceu a elementos de caráter mais humanistas. Observemos que este afastamento é coerente com o relato de Dyson (1992), descrito anteriormente. Como já apontamos a percepção de que o ensino de ciências passava por dificuldades já era latente desde o início do século. Todavia, no período da guerra fria, logo após o lançamento do satélite artificial Sputnik pelos soviéticos, essa sensação se exacerbou entre os estadunidenses e seus aliados. Como resposta a esta sensação de inferioridade científica os currículos escolares na década de 1950 foram alterados, resultando em uma ênfase maior ao ensino de ciências e de matemática, de forma que este período pode configurar-se como a "Era Dourada do Ensino de Ciências" (Wang e Marsh, 2002, p. 170). São desta época os programas School Mathematics Study Group (SMSG), de 1958, o Chemical Estudy Material (CHEMstudy), de 1959, o Biological Science Curriculum Studies (BSCS) e Physical Science Study Committee (PSSC). Publicada em Março de 2009 Estes programas tinham como objetivo gerar recursos humanos que pudessem, rapidamente, alavancar o desenvolvimento científico dos países do bloco capitalista, equiparando-os ao nível que a ex-União Soviética havia atingido (Nardi, 2005). Estas propostas em geral fundamentavam-se no método da descoberta. Tal método respaldava-se no trabalho do psicólogo de linha construtivista Gerome Bruner, para o qual: o ambiente para a aprendizagem por descoberta deve proporcionar alternativas - resultando no aparecimento e percepção, pelo aprendiz, de relações de similaridades entre as idéias apresentadas, que não foram inicialmente reconhecidas... a descoberta de uma relação, ou principio, por uma criança, é essencialmente idêntica - enquanto processo - à descoberta que um cientista faz em seu laboratório (Bruner, apud Moreira, 1999, p. 82). Segundo Mathews (1995, p. 169-172), com exceção do Projeto de Física de Harvad, desenvolvido sob orientação de James Conant (exreitor de Harvad), e do BSCS, que sofreu forte influencia das idéias do filósofo e biólogo Schwab, todos os grandes projetos do ensino de ciências da década de 60 deram-se sem a participação de historiadores ou filósofos da ciência. Conforme Gil-Perez (1993, p. 198), essas propostas buscavam aproximar o ensino de ciências ao trabalho do cientista, e neste sentido, davam grande ênfase à atividade autônoma dos estudantes e ao uso da experimentação, sendo esta caracterizada por uma visão extremada do indutivismo, além da falta de atenção a especificidades de cada conteúdo. Consideramos relevante lembrar que no trabalho de Jaffe (1938) já era possível identificar uma crítica a perspectiva do uso das atividades práticas com intuito de formar cientistas. Para ele os experimentos dos livros didáticos (tal qual os de nossa época) eram equivalentes a receitas de bolo, além do que, apontava este autor, os experimentos de laboratórios não conseguiriam trazer a tona o contexto das grandes descobertas científicas. Os alunos não seriam levados, portanto, a perceber a ciência como uma construção humana, desafiadora e instigante. A esta forma de conceber o ensino de ciências Jaffe relacionava a mentalidade pragmática dos americanos daquela época, em suas palavras: 37 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 com um país virgem a ser explorado, a mente, as mãos e a energia do nosso povo estão ocupadas com problemas práticos de subjugar a terra e ganhar domínio sobre ela. Fatos e métodos são o que nós necessitamos... Assim não há espaço para elementos puramente intelectuais da química quando todo valor da ciência é mensurado em termos de serviços e funções (tradução nossa, Jaffe, 1938, p. 383). A primeira vista o método da descoberta pode parecer engajar-se com as proposta de Dewey, pois valorizava o fazer por parte do aluno. Todavia devemos lembrar que este pedagogo não entendia a educação como uma preparação para um objetivo futuro. Aprender, para ele, era a vida em si, desta forma o ensino deveria estar associado a realidade próxima do aluno. Além do que, segundo Souza (2004, p. 82), Dewey foi um crítico do empirismo, e do próprio pragmatismo. Sua filosofia foi uma tentativa de conectar o pensamento reflexivo com as experiências da vida cotidiana. O método da descoberta, portanto, foi uma abordagem que se equivocou inclusive quanto as suas bases pedagógicas. Com relação a influência da perspectiva comportamentalista na educação, que no Brasil se convencionou chamar tecnicismo, Mortimer (1988, p. 36) aponta que foi especialmente danosa. Muitos educadores, durante a década de 1970, apoiados na idéia de que ensinar consistia em fornecer o estímulo adequado para que se obtivesse dada resposta, passaram a elaborar materiais didáticos selecionando aqueles conteúdos que poderiam ser transformados em questões de múltipla escolha. Isto acarretou em uma simplificação excessiva do conteúdo de Química, já que em nome de uma pretensa objetividade buscou-se afastar elementos subjetivos. Verificando a descrição de Mortimer (1988) para os livros do início do século, fica claro que houve ao longo dos anos um abandono de aspectos que não eram de caráter estritamente conceitual. Nos primeiros livros didáticos de Química, editados em nosso país, haviam textos bem elaborados, que introduziam os conceitos inicialmente por meio de exemplos, deixando as generalizações para uma etapa seguinte, além do que faziam referências a tópicos ligados à Filosofia da Ciência, tais como: a natureza hipotética da teoria de Dalton; e Publicada em Março de 2009 ressalvas em relação à teoria dualística de Berzélius. Em oposição, os livros da década de 1970 passaram a apresentar o conteúdo por meio de textos resumidos e esquemas gráficos, que levavam o aluno a uma leitura já direcionada, induzindoos a somente memorizar os conceitos. Esta ênfase, em elementos ligados unicamente a conceitos químicos, reflete o aspecto a-histórico dos nossos livros didáticos, e pode ser confirmado quando olhamos o artigo de Schnetzler (1978). Esta pesquisadora, mesmo não fazendo referência direta a História da Química como parâmetro para análise dos livros didáticos afirma que: pode-se depreender que um dos principais objetivos da grande maioria dos livros didáticos analisados é o de veicular o conhecimento químico "pronto e acabado", enfatizando mais as conclusões do que se preocupando em evidenciar a própria elaboração e utilização daquele conhecimento (grifo nosso, Schnetzler, 1978, p.12) Isto reafirma uma completa falta de senso histórico na elaboração dos livros didáticos da época. O conhecimento científico, longe de ser um mero acúmulo de verdades, avança à medida que determinadas formas de compreender são questionadas. A ciência tem assim um caráter eminentemente hipotético, de tentativa. A busca de objetividade nos materiais didáticos, como referida por Mortimer acima, corresponde aos pressupostos da pedagogia tecnicista que se calcavam, segundo Veiga (1992, p. 34), na perspectiva de "neutralidade científica, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade". Ainda, segundo esta autora, trabalho do professor, seguindo estes princípios, seria assemelhado ao do operário na fábrica. Ao professor caberia executar os planos elaborados por instâncias superiores, buscando da forma mais eficiente atingir as metas estabelecidas. Nesta lógica o material didático produzido não deveria carecer de elementos que fossem além do essencial ao treinamento dos alunos para que atingissem os objetivos estipulados pelo sistema. Herron (1977) aponta que, de fato, uma dificuldade para a inserção da História da Ciência no ensino de Química é a necessidade de formas 38 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 de avaliação que se distanciem daquilo que é uma rotina nas salas de aula de Química, a resolução de problemas de lápis e papel. Para ele a avaliação de aspectos ligados à história da ciência seria eficiente quando feita através de redações, nas quais os fatos históricos podem ser sintetizados pelos alunos. Isto por certo requer do professor de ciências habilidades que ele não estaria acostumado a utilizar. Se levarmos isto em conta, dentro do ambiente que marcou o contexto tecnicista, podemos compreender porque pouco espaço havia para tópicos relacionados à História da Ciência. 3 As reformas educacionais e a História da Ciência no ensino atual Diante do exposto somos levados a concordar com Martins (1990), a questão da inserção da história da ciência no ensino é, sobretudo uma questão de valores. A opção pelo seu uso esta condicionada as metas que são estabelecidas para educação. Segundo este autor "estas metas são aceitas ou não como válidas (ou inválidas) dependendo de uma visão de mundo ampla e em grande parte irracional". A escolha dos fins (metas) sempre dependerá da forma como compreendemos o mundo e, sobretudo, como afirma Castanho (1992, p. 54), do "contexto macro-estrutural envolvendo os aspectos sócio-políticos e econômicos". Com isso a opção pela inserção de elementos culturais, tais como a História da Ciência, no ensino sempre ficará a reboque de fatores externos a escola. Assim, porque o mundo mudou em termos geopolíticos em relação ao que era durante a guerra fria. Porque a democracia tornou-se mais forte em muitos paises, incluindo o nosso. A escola tem passado por mudanças. E essas mudanças se devem também porque, conforme afirma Vieira (2006), o modelo fabril, no qual a escola se fundamentava, tem sido substituído, devido a competitividade e as mudanças tecnológicas, pelo modelo de produção da empresa moderna, no qual a formação de grupos, a colaboração e o trabalho criativo, são mais importantes que o desenvolvimento mecânico de tarefas por indivíduos sob rígido controle hierárquico. Publicada em Março de 2009 Uma referência direta a esta questão foi feita nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) quando se apontavam os motivos para as mudanças no ensino médio: Nas décadas de 60 e 70, considerando o nível de desenvolvimento da industrialização na América Latina, a política educacional priorizou, como finalidade para o Ensino Médio, a formação de especialistas capazes de dominar a utilização de maquinarias ou de dirigir processos de produção (...). Na década de 90, enfrentamos um desafio de outra ordem. O volume de informações, produzido em decorrência das novas tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para a formação dos cidadãos (Brasil, 1999, p. 15). Neste sentido as diretrizes curriculares passam hoje a dar um status diferenciado ao ensino de ciências que vai além da mera formação propedêutica ou profissional. No texto do próprio PCNEM encontramos a seguinte afirmação: O sentido do aprendizado na área, uma proposta para o Ensino Médio que, sem ser profissionalizante, efetivamente propicie um aprendizado útil à vida e ao trabalho, no qual as informações, o conhecimento, as competências, as habilidades e os valores desenvolvidos sejam instrumentos reais de percepção, satisfação, interpretação, julgamento, atuação, desenvolvimento pessoal ou de aprendizado permanente, evitando tópicos cujos sentidos só possam ser compreendidos em outra etapa de escolaridade (grifo nosso, Brasil, 1999, p. 203). Diante desta nova perspectiva para o ensino médio, e a reboque do que ocorreu em outras reformas educacionais mundo afora, o currículo brasileiro também passou a integrar recomendações diretas ao uso da História da Ciência no seu ensino. Esta tendência é reafirmada nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM +), quando, por exemplo, aponta que a Química enquanto ciência pode ser entendida como: instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagem próprios, e como 39 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade (Brasil, 2002, p. 87). Apesar das críticas que possam ser feitas aos PCNEM e aos PCNEM+, devemos reconhecer que a visão da História da Ciência que se encontra em seu corpo é coerente com a moderna Epistemologia da Ciência. Isto fica nítido quando analisamos as competências relacionadas à contextualização sócio-cultural, onde se propõe: Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolveram por acumulação, continuidade ou rupturas de paradigmas, relacionando desenvolvimento científico com a transformação da sociedade (Brasil, 1999, p. 217). Claramente esta é a imagem defendida por Kuhn (2005) para evolução da ciência. Entende-se que há períodos no desenvolvimento científico nos quais o progresso ocorre por meio da ciência normal. O trabalho do cientista implicaria, nestes momentos, em acumulo de conhecimento, à medida que guiados por um paradigma os cientistas buscam compreender a natureza. E que, além disto, a há momentos em que estes paradigmas são postos em causa, por não oferecerem problemas a serem resolvidos, ou por não serem suficiente para explicar determinados fenômenos. Embora Flôr e Souza (2006, p. 5) considerem que nos PCNEM não há uma referência direta as diversas abordagens da história das ciências, entendemos que nas entrelinhas abre-se espaço para o uso de uma visão externalista do desenvolvimento da ciência, pela qual se valorizam os fatores do contexto histórico-social que influenciam o trabalho de cientista em sua época. Conforme já indicamos os PCNEM propõem o uso da história da ciência no ensino, mas em outros trechos, também orientam para que se explicitem as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, como na competência expressa abaixo: Entender a relação entre desenvolvimento de ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuser e se propõe solucionar (Brasil, 1999, p. 217). Daí então se pode depreender que, mesmo não sendo mencionada diretamente, o uso da Publicada em Março de 2009 abordagem externalista da história da ciência para o ensino encontra respaldo nos PCNEM. Como Pessoa Jr (1996) indica, no uso de uma história externalista o professor buscaria explicar como era a sociedade na época do desenvolvimento de uma teoria, ou de um descoberta científica, quais eram as necessidades tecnológicas, que tipos de problemas enfrentavam, por que tal país era o centro científico etc. Enfim, todo contexto cultural e social poderia ser apresentado ao aluno, com o intuito de leva-lo a compreender por que tal cientista tomou determinada atitude frente aos fatos que lhe foram apresentados. Na esteira da moderna Historiografia da Ciência, os PCNEM, segundo Flôr e Souza (2006, p. 6) mostram oposição à visão de "história dos vencedores". Esta que é uma característica muito comum em nossos livros didáticos, nos quais encontramos somente os nomes dos "grandes expoentes" da ciência e de suas proezas. É uma visão da história que busca reconstruir os fatos de maneira a justificar o presente, é o que se chama de História Whigs2. De forma contraria a esta visão distorcia, os PCNEM propõe que se apresente a ciência como uma construção coletiva. Estes avanços encontrados no corpo dos PCNEM encontram-se em consonância com outras reformas, o que indica sua coerência com as mudanças ocorridas no mundo em um perspectiva mais ampla. Mathews (1995) indica que o Conselho do Currículo Nacional (NCC)3, da Grãbretanha, e o Projeto 2061, da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS)4, em conseqüência da reaproximação dos estudos relativos a História e a Filosofia da Ciência com o ensino de ciências, apontam para uma articulação entre a História da Ciência e os conteúdos a serem ministrados, de forma a se despertar nos alunos um percepção crítica de como se dá a construção do conhecimento científico. Uma menção a esse respeito encontra-se explicita no texto do NCC: 2 O termo designa um tipo reconstrução histórica, que busca no passado somente fatos que ajudem a corroborar uma visão de mundo aceita no presente, deixando de lado outros que possam contrariar esta mesma visão. Originalmente a palavra se referia aos liberais ingleses, os quais faziam oposição aos conservadores (tories) considerados escravocratas. No século XIX muitos historiadores produziram relatos considerando a conquista da liberdade como uma construção cumulativa que se iniciava na Carta Magna de 1215 e se estendia até o século XVII, no qual os whig são considerados amantes da liberdade. (Lombardi, 1997, p. 345). Sigla para a expressão inglesa "National Council Curriculum". 3 Sigla para a expressão inglesa "American Association for the Advancement of Science". 4 40 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 os estudantes devem desenvolver seu conhecimento e entendimento sobre como o pensamento científico mudou através do tempo e como a natureza desse pensamento e sua utilização são afetados pelos contextos sociais, morais, espirituais e culturais em cujo seio se desenvolveram (NCC, 1988, p. 113, apud. Matthews, 1995)" Esta visão parece ser a mesma encontrada nos PCNEM. Na discussão relativa a nova forma com deve ser encarado o novo ensino de Química afirma-se o seguinte: a história da química, como parte do conhecimento socialmente produzido, deve permear todo o ensino de química, possibilitando ao aluno a compreensão do processo de elaboração desse conhecimento, com seus avanços, erros e retrocessos (Brasil, 1999, p. 240). Para finalizar esta análise dos PCNEM destacamos que orientações nele contidas, no que diz respeito ao uso da História da Ciência no ensino, estão de acordo com o apontado por Wang e Marsh (2002), para os quais existem dois vieses ideológicos nos documentos relativos às reformas curriculares estadunidenses. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento do educando enquanto pessoa, na medida em que lhes fornece habilidades para desenvolverem seus próprios interesses. E ainda por que a história da ciência fornece ao estudante uma oportunidade de aprimoramento cultural. O segundo viés se refere à ênfase dada ao fato de que o ensino de ciência além de ser importante para o educando também o é para a sociedade. Estes vieses estão claramente definidos nos PCNEM (Brasil, 1999, p.208 ) quando eles estipulam que "o aprendizado deve contribuir não só para o conhecimento técnico, mas também para uma cultura mais ampla". Como se pode perceber a inserção da história da ciência nos currículos de ciência busca responder a uma demanda da sociedade. As recomendações para que as aulas de ciências sejam mais históricas são antigas, mas sua inclusão nos currículos só ocorreu recentemente. Motivaram-se pelas transformações ocorridas no mundo nas duas últimas décadas. Porém devemos acrescentar que as pesquisas sobre o ensino de ciência também têm um papel importante nesta nova valorização do uso da história da ciência no ensino. Publicada em Março de 2009 4 Recomendações para o uso da História da Ciência Uma revisão abrangente a respeito da relação entre a História e a Filosofia da Ciência (HFC) e educação foi feita por Matthews (1995). Neste artigo o referido autor busca analisar quais seriam as contribuições de uma abordagem que leve em consideração a história e a filosofia da ciência, além de citar os argumentos contrários ao seu uso. Hoje se encontra na literatura uma série de propostas envolvendo abordagens que utilizam a História da Ciência. Abaixo apresentamos estas justificativas e as comentaremos a luz de outras pesquisas a) A história promove uma melhor compreensão dos conceitos e métodos científicos; De um lado, a História da Ciência pode enriquecer a apresentação do conhecimento científico. Os elementos ligados a História da Ciência podem fornecer dados que ajudem a justificar determinados conceitos, leis ou teorias. Por outro, estes mesmo elementos, podem ajudar a compreender os conceitos com sendo produto de um processo, e não apenas um produto que surge na forma acabada (Wang e Marsh, 2002, p. 174). Ensinar um conceito sem lhe dar a devida fundamentação pode ser entendida como adestramento, ou como doutrinação. Certamente nenhum destes casos é o que se espera de uma educação voltada para formação de cidadãos críticos, tal como proposto nos PCNEM. b) A abordagem histórica conecta o desenvolvimento do pensamento individual com o desenvolvimento das idéias científicas; Worfmann (1996, p. 68) aponta que os estudos desenvolvidos por Garcia e Piaget são os mais importantes nesta linha que busca associar a história dos conceitos científicos com o desenvolvimento intelectual da criança. Aqueles dois autores encontram semelhanças entre o desenvolvimento da Física e da Psicogenética, de forma que postularam a existência de paralelos entre os conteúdos das noções e as etapas da psicogênese. Além do que, indicaram haver paralelismo entre os mecanismos de construção do conhecimento científico em si, e os mecanismos de construção do conhecimento pela criança. 41 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Apesar das críticas e oposição que se fez a estas proposições, alguns trabalhos apontam que o uso da História da Ciência pode ajudar os alunos a superarem dificuldades no aprendizado de conceitos científicos. Como exemplo Mortimer (1995), aponta que as concepções alternativas dos alunos em relação a teoria atômica se assemelham as visões substancialistas de muitos filósofos antigos. Levando em conta que a teoria é de natureza abstrata, indo muito além das percepções sensoriais, Mortimer propõe que a História da Ciência teria um papel fundamental para: a eliminação, em sala de aula, de algumas dificuldades para a aceitação do atomismo, que envolve a superação de obstáculos como a descrença no vazio entre as partículas, não é questão a ser decidida pelas evidências empíricas, mas pela negociação, baseadas em argumentos racionais e no uso de exemplos da história das ciências (Mortimer, 1995, p. 25). A História da Ciência entra assim como um mediador, tornando possível articular a dimensão simbólica do conhecimento com suas manifestações fenomenológicas. Como aponta Driver: uma perspectiva social da aprendizagem em salas de aula reconhece que uma maneira importante de introduzir os iniciantes em uma comunidade de conhecimento é através do discurso no contexto de tarefas relevantes (Driver e colaboradores , 1999, p. 36). Entendemos que a História da Ciência pode favorecer a produção deste discurso, e possibilitar o aluno apropriar-se do conhecimento científico. c) História da Ciência é intrinsecamente motivadora. Importantes episódios da história da ciência e da cultura são conhecidos dos estudantes; Como exemplo, podemos citar o uso da armas nucleares durante a Segunda Grande Guerra. O descobrimento da pólvora pelos chineses. A invenção do papiro pelos egípcios. As grandes navegações do período quinhentista. Todos são fatos históricos conhecidos dos estudantes e que envolveram de algum modo conhecimentos com os quais lida a ciência d) A história é necessária para entender a natureza da ciência; Publicada em Março de 2009 Um dos problemas relativos ao ensino de ciências consiste na dificuldade dos alunos compreenderem a forma pela qual a ciência apreende o mundo. Muitos alunos (e professores) imaginam que as leis e teorias derivam da interpretação objetiva dos fatos. Baseados em uma concepção empirista ingênua, esquecem que a interpretação destes é feita mediante conhecimentos pré-existentes. Assim, tomam o conhecimento científico como representação inequívoca do mundo cotidiano. Não atentam que os objetos aos quais a ciência se refere são construtos mentais que buscam explicar certas particularidades da realidade. Conforme Pietrocola (2001, p. 29) "o conhecimento científico produzido nos estudos sobre o mundo traduz uma forma de conhecer o mundo muito particular, revelando, assim, uma realidade diferente daquela acessível ao leigo". Para Matthews (1995), a abordagem histórica da ciência, ao apresentar períodos de controvérsias, pode ajudar os alunos a compreenderem que a ciência trabalha com idealizações do mundo real. Em suas palavras a história e a filosofia da ciência pode dar as idealizações em ciência uma dimensão mais humana e compreensível e podem explica-las como artefatos dignos de serem apreciados por si mesmos (Matthews ,1995, p. 184). Como exemplo Matthews cita a lei do isocronismo do pêndulo. Del Monte, que era patrono de Galileu, e descrito como exímio construtor de máquinas, baseado em observações empíricas, recusava-se em aceitar que pêndulos feitos com materiais diferentes podiam ter um mesmo período de oscilação. Galileu, que havia deduzido tal lei por meio de relações matemáticas, apontava que ela seria seguida apenas em condições ideais (desconsiderando a resistência do ar, perdas de energia na forma de calor etc). Para Del Monte isto não fazia sentido, a matemática para ele deveria descrever o mundo tal qual ele percebia. Erduran e Duschl (2004) apontam que a História da Ciência também pode ajudar a superar o reducionismo relativo à filosofia da Química. Em geral os estudos relativos a natureza da ciência tem como modelo a Física. Postula-se que as outras ciências poderiam ter suas leis e teorias justificadas 42 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 em termos dos princípios daquela ciência. Porém, estes autores (p. 111) apontam que apesar de haver certas semelhanças entre a Física e a Química, pois apresentam conceitos de caráter quantitativo e dinâmico, esta última dá grande ênfase, também, a classificações e a aspectos qualitativos da natureza, semelhantemente à Biologia. Neste sentido a História da Química, ao apresentar a evolução histórica de alguns modelos usados por esta ciência pode permitir ao aluno compreender que a mesma valoriza aspectos que vão além da matematização. e) A história contradiz o cientificismo e o dogmatismo presentes nos textos escolares; A sociedade moderna passou a confiar na ciência com meio de solução de todos os problemas, incluindo miséria e a fome. A ciência é vista como panacéia para todos os males. Muitos, em nossa sociedade, imaginam que a cura de doenças como o câncer, a AIDS e outras tantas, é uma mera questão de tempo, bastando, para tanto, aguardar os avanços científicos que seguramente virão. Publicada em Março de 2009 subtropicais, quando sabemos que a produção de alimentos atualmente já é suficiente para saciar a fome da população mundial. Podemos dizer, então, que conhecimentos sobre a natureza da ciência são importantes para uma alfabetização científica, com vistas a levar os alunos a tomadas de decisões de forma consciente e responsável. Para tanto se faz necessário uma imersão numa cultura científica que vá além da aquisição de pontos de vista sobre a natureza da ciência. Torna-se necessário superar visões estereotipadas da ciência que são assumidas de forma acrítica pelos professores, devido falta de reflexão. A História da Ciência pode auxiliar nesta superação fornecendo exemplos que se contrapõem a estas visões arraigadas nos professores e alunos, levando-os a refletirem sobre elas (Gil-Perez e Vilches, 2005). f) A história, pelo exame da vida de cada cientista, em seu período, humaniza os objetos de estudos da ciência, tornando-os menos abstratos e mais envolventes; O ensino tradicional de ciências reforça esta ideologia. O conhecimento científico é apresentado como produto pronto e acabado. Seu processo de produção é omitido, e, por conseguinte, as dificuldades enfrentadas pelos cientistas para solução de determinados questões não são levadas a conhecimento. Conforme observa Morais (2002, p. 21) "parece-nos que seria de extrema valia demonstrar sempre ao estudante que, sendo a ciência um produto humano, vem marcada das riquezas e das precariedades do homem". Schwartz (1977) aponta que a abordagem histórica reconhece a imaginação como recurso da ciência. A imaginação, que é uma característica inegável de artistas brilhantes, também é indispensável ao trabalho do cientista. Os estudos de Thomas Edson sobre a eletricidade, e os experimentos de Lavoisier que levaram a derrocada da teoria da água como elemento químico, são exemplos claros da criatividade dos cientistas, e opõe-se francamente a idéia distorcida de que o trabalho científico seja mero fruto de deduções lógicas e matemáticas. Ainda como observa: g) A história favorece a interdisciplinaridade. não podemos ver na a ciência apenas a fada benfazeja que nos proporciona o conforto no vestir e na habitação ... Ela pode ser- ou é- também uma bruxa malvada que programa grãos e animais que são fontes de alimentares da humanidade para se tornarem estéreis numa segunda reprodução. Essas duas figuras devemse fazer presentes quando ensinamos ciências (Chassot, 1998-b, p. 85) Um ensino mais crítico deveria levar as pessoas a se questionarem por que o investimento na produção de soja transgênica é muito superior aquele voltado a pesquisa da cura para doenças A fragmentação do conhecimento que é uma marca da pesquisa moderna, e se expressa no nosso currículo através da divisão das ciências em disciplinas, pode ser superada pela abordagem histórica. Como ilustração fecunda da interação entre dois campos do saber, podemos citar o trabalho do casal Curie, que os levou a descoberta do Polônio. Marie Curie testou a radioatividade de uma série de minerais de tório e de urânio com bases em métodos vindos da Física, usando uma aparelhagem especialmente construída por seu marido Pierre Curie. Ao perceber que alguns minerais exibiam uma radioatividade bem maior 43 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 que a dos compostos puros daqueles elementos, ela dispo-se a isolar a impureza, que para ela seria um novo elemento químico. Para tanto usou os métodos analíticos da Química clássica, fazendo dissoluções, extrações, e sintetizando compostos. Além desta possibilidade de se apresentar a interação entre conhecimentos para desenvolvimento de pesquisas Brito e colaboradores (2004, p. 289) argumentam que a História da Ciência e da Matemática apresenta situações pelas quais é possível verificar que a origem de muitos problemas, que foram motivação para o desenvolvimento de certas áreas de pesquisa, teve sua origem em campos distintos do saber, ou em situações práticas do dia-a-dia. Neste sentido estes autores apontam como exemplo que "o estudo sobre o cálculo de probabilidade nasceu, na Idade Média, juntamente com as empresas de seguro". Na Química esta situação pode ser exemplificada pelo estudo das pilhas, que teve origem nos trabalhos de Galvani a respeito da eletricidade sobre os corpos de animais. Podemos acrescentar a estas justificativas outra, indicada por Chassot (1998-a). Para ele, a História da Ciência seria um instrumento eficiente na oposição ao presenteísmo. Os jovens além de não conhecerem sua genealogia, desconhecem como era a realidade dos seus avôs. Acreditam que o passado é uma mera continuação do presente, para muitos a realidade vivida hoje não é muito diferente daquela da época de seus avôs. Em geral não consideram a que os novos materiais e as novas tecnologias são criações recentes, e que modificam nosso modo de vida em relação ao de nossos antepassados. Por conseguinte, a História da Ciência pode ser considerada uma forte contribuição para superar esta percepção distorcida da realidade, ao mostrar não só o contexto social em que viviam os cientistas, mas também as dificuldades técnicas que enfrentavam. Por fim indicamos que a história da ciência pode contribuir para a análise da diversidade cultural. O ensino de ciências atual, além de ser marcado pelo cientificismo, também carrega a marca do eurocentrismo. Como conseqüência outras formas de conhecimento, como a religião e os saberes populares são tomados como errados. E, ainda, Publicada em Março de 2009 conhecimentos como os dos indígenas, que têm fundamentação sobre outra lógica diferente daquela dos europeus, não são considerados como válidos. Todavia a História da Ciência pode ajudar a superar esta distorção, ao identificar que por diversas vezes a origem do conhecimento científico esteve ligada a religião ou a mitologia (Brito e colaboradores, 2004, p. 289). Do exposto, percebemos que o apoio ao uso da História da Ciência no ensino encontra-se explicito nos documentos oficiais, e surgem em respostas as mudanças ocorridas na sociedade com um todo. Esse novo contexto torna necessário um novo tipo de educação, na qual se passa a valorizar a ciência como elemento da cultura e como um saber necessário à formação de cidadãos atuantes. Neste sentido, como aponta Matthews (1995), tão importante quanto aprender ciências é aprender sobre ciências. Esta compreensão sobre o que é a ciência envolve tanto reconhecer sua inserção em um contexto social, como também ter uma idéia de como é construído o conhecimento cientifico e em que ele se diferencia dos saberes cotidiano. O professor de ciência, que de fato esteja preocupado com a formação de seu aluno como cidadão, deve se propor a apresentar uma visão não reducionista deste campo do conhecimento humano. Porém, levando em consideração que a dimensão fenomenológica dos processos químicos não pode ser deixada de lado, acreditamos que uma abordagem que envolva história da Química necessite estar associada ao uso da experimentação. Desta maneira no próximo capítulo trataremos do uso de experimentos no ensino de Química. Referências Bibliográficas BRASIL, MEC/SEB. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, Brasília: Ministério da Educação, 1999. _________. PCN+ do Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos PCN. Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias.. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. p. 87-111. Disponível em: < http://www.mec.gov.br > Acesso em: 10 abr. 2007. 44 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 BRITO, A. de J.; NEVES, L. S. de; MARTINS, A. F. P. A História da Ciência e da Matemática na formação de professores. In: NUÑEZ, I. B. e RAMALHO, B. L. (orgs.). 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Acesso em: 10 jan. 2007. 46 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 Artigo A experiência do Espaço COPPE Miguel de Simoni Tecnologia e Desenvolvimento Humano Roberto Bartholo* Arminda Campos** Resumo Este texto apresenta o trabalho de difusão de conhecimentos científico-tecnológicos desenvolvido pelo Espaço COPPE Miguel de Simoni, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma iniciativa de extensão voltada para estudantes entre 13 e 18 anos. Apresenta o histórico de sua implantação, alguns dos princípios pedagógicos que orientaram sua criação e as atividades educacionais que desenvolve, assim como alguns dos resultados de seu funcionamento. Palavras-chave: difusão de ciência e tecnologia, engenharia e educação, centros de ciências Abstract This article is about Espaço COPPE Miguel de Simoni - a science and technology diffusion center at Rio de Janeiro Federal University. It is a extension initiative targeted at students aged 13-18. It describes the history of the Center´s creation and presents the pedagogical principles that guided it. The text also presents the educational activities the Center carries out and some of the results obtained. Key words: science and technology diffusion, engineering and education, science centers Introdução Histórico O Espaço COPPE Miguel de Simoni Tecnologia e Desenvolvimento Humano é um centro de difusão científica vinculado ao Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), situado no Centro de Tecnologia dessa universidade, no campus da Ilha do Fundão. Trata-se de uma atividade de extensão, dirigida a professores e alunos do último segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, da região metropolitana do Rio de Janeiro. Seu principal objetivo é utilizar experimentos e outras mídias educativas para auxiliar de maneira nãoformal o ensino de ciências ministrado em instituições de Ensino Básico. As atividades que deram origem ao Espaço COPPE Miguel de Simoni começaram em 1996, quando foi estabelecido o Museu de Tecnologia da COPPE, com caráter de projeto experimental. Junto com a criação do Museu de Tecnologia foram iniciadas pesquisas em nível de mestrado e doutorado, no Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ, cujos temas convergiam para o desenvolvimento de centros de ciências no Brasil, de forma a gerar produção científica que alimentasse o projeto, numa busca por articular ações de pesquisa e ensino com as de extensão. Foram promovidos eventos, como * Professor do Programa Engenharia de Produção - COPPE/UFRJ e Coordenador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social. ** Pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/ UFRJ. 47 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 seminários e debates sobre difusão científica e ensino de ciências. Em 1999, iniciou-se a concepção de uma área de exposição, assim como a realização de cursos de aperfeiçoamento para professores de Ensino Médio e Técnico de ciências naturais, em temas como História e Filosofia da Ciência, Oficinas Didáticas de Ciências e Educação Ambiental. A "Mostra Inaugural" seria aberta à visitação durante os anos de 2002 e 2003, já tendo a iniciativa recebido sua atual denominação. A montagem dessa Mostra já foi feita a partir de acervo obtido por doações e empréstimo, com apoio de laboratórios e oficinas da COPPE, que cederam peças, instrumentos e experimentos. A visitação à Mostra Inaugural propiciou testar a metodologia de recepção de visitantes e a capacidade organizacional para o projeto maior e mais ambicioso de abrigar uma Exposição Permanente. O projeto da Exposição Permanente - em termos de conteúdo, de abordagem pedagógica e de instalações físicas - foi detalhado e implantado no biênio 2004-2005, tomando como base o aprendizado ganho com essa experiência. Em outubro de 2005 a Exposição Permanente foi aberta à visitação. Contextualização A concepção do Espaço COPPE Miguel de Simoni deu-se no contexto de ampliação do número e do escopo de atuação de museus e centros culturais e de difusão científica que temos testemunhado nas últimas duas décadas. Essa ampliação tomava como um de seus motes a preocupação com a formação e a educação dos cidadãos em espaços de educação não-formal. Ou seja, a idéia de que a ação educativa em museus e centros de ciências tem condições de, sem se prender ao cumprimento de conteúdos programáticos rígidos, valer-se de uma liberdade de abordagem para ampliar os objetivos pedagógicos e diversificar a metodologia de ensino-aprendizagem. Essa forma de entender a função educacional de museus e centros de ciências ou culturais preserva objetivos básicos da educação realizada no Publicada em Março de 2009 ambiente escolar: informação, aprendizado, construção da cidadania e da identidade. A diferença é que a educação promovida nesses locais ocorre com maior liberdade de abordagem e quanto aos temas a serem tratados, tomando como base a promoção de atividades com metodologias próprias e usando como referenciais objetos e situações diversos daqueles que a educação formal costuma oferecer. Idealmente, os objetos e situações encontrados nesses centros devem permitir estabelecer uma articulação do afetivo, do emotivo, do sensorial e do cognitivo, do abstrato e do conhecimento inteligível, na produção do conhecimento, e, ao mesmo tempo, ser reconhecidos como pertinentes à realidade do visitante. Essa perspectiva quanto à potencial função educacional de um centro de difusão dos conhecimentos científico-tecnológicos norteou a concepção do Espaço COPPE Miguel de Simoni, pensado como um centro que pudesse propiciar aos visitantes uma apreensão da realidade sob uma perspectiva nova, suscitando inclusive a discussão sobre o impacto da ciência e da tecnologia para diversos aspectos do cotidiano e sobre suas contribuições para o bem-estar do homem e para a sustentabilidade das condições de vida. O compromisso do Espaço é o de oferecer ações educativas de difusão da cultura científica que conduzam a uma reflexão crítica sobre o desenvolvimento científico-tecnológico e seus impactos, enfatizando a produção desse tipo de conhecimento no Brasil, o que pode favorecer a construção da cidadania e da identidade entre os visitantes. Além disso, pretende contribuir para articular conhecimentos básicos das ciências naturais e humanas a informações sobre tecnologia de ponta, adaptados a uma linguagem compatível com seu público. Tal posicionamento vem ainda ao encontro da tendência atual em educação, que se caracteriza por uma preocupação com a transdisciplinaridade e a participação social, com uma visão mais ampla, de uma educação que atinja cada vez mais todos os campos e momentos da ação humana. Uma educação que proporcione um aperfeiçoamento progressivo, duradouro, e a formação de um ser responsável, crítico e livre, capaz de apreender o 48 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 seu presente - o seu momento histórico - e contribuir para a transformação da realidade, tornando-se um agente consciente e coresponsável pelas gerações futuras. Propostas do Espaço COPPE Miguel de Simoni A existência do Espaço COPPE procura atender as seguintes metas: . promover a difusão do conhecimento técnicocientífico com o uso de avançados meios e modos tecnológicos, para estímulo de novas vocações e fortalecimento da consciência crítica dos cidadãos, considerando a necessidade de controle social quanto a rumos de investigação científicotecnológica e prioridades de investimentos; . colaborar com o ensino formal, por meio da interação com cursos de licenciatura e professores atuantes; . democratizar o saber científico, traduzindo-o em linguagens acessíveis a diferentes públicos e meios de comunicação; . fortalecer perspectivas críticas quanto a valores estabelecidos pelos conhecimentos científicostecnológicos e a seus impactos e consequencias para a qualidade de vida das pessoas; . buscar expandir oportunidades de interação com sociedade, diretamente e por meio de multimeios em suporte eletrônico; . manter intercâmbio com outros centros e instituições congêneres. O trabalho desenvolvido no Espaço COPPE Miguel de Simoni ocorre em duas linhas de atuação principais: atualização e aperfeiçoamento de licenciandos e professores das áreas de ciências exatas e naturais (por meio de cursos de curta duração e de oficinas); e difusão científica, por meio da promoção de visitas de turmas de estudantes acompanhados de seus professores à Exposição Permanente, instalada no bloco I do Centro de Tecnologia da UFRJ. Ambas as linhas de atuação buscam promover o diálogo entre os produtores de conhecimento e tecnologia e a sociedade em geral, com ênfase para os jovens, Publicada em Março de 2009 visto como um meio para reduzir a grande distância entre a realidade do ensino público de nível médio e as universidades públicas. A principal meta tem sido contribuir para criar uma interação mais efetiva entre os produtores de conhecimento e tecnologia de um dos maiores centros de pesquisa em engenharia da América Latina e um público-alvo composto de jovens entre 13 e 18 anos e seus professores, dando acesso a exemplos de pesquisas de ponta em curso em diversos laboratórios do Centro de Tecnologia da UFRJ, visando ainda a ampliar horizontes e a despertar ou fortalecer vocações para a área tecnológica. A Exposição Permanente está organizada em seis eixos temáticos - i) Organismos e Mecanismos; ii) Sociedade e Meio Ambiente; iii) Informação e Conhecimento; iv) Trabalho, Serviços e Entretenimento; v) Matéria e Energia; e vi) Mundo Virtual -, cada qual envolvendo um ou mais nichos de exposição. Os nichos dispõem de recursos didático-pedagógicos variados, como experimentos, equipamentos, maquetes e informações em várias mídias, para estabelecer uma inter-relação entre o conhecimento científico e a produção tecnológica e suas aplicações diretas na vida cotidiana. Os experimentos e outros recursos presentes nos nichos foram desenvolvidos ou adaptados em conjunto, pela equipe do Espaço COPPE e por pesquisadores dos laboratórios de diferentes Programas da COPPE/UFRJ que se comprometeram a integrar a Exposição Permanente. Além dos recursos presentes no interior dos nichos, encontram-se, no corredor que os interliga, painéis expográficos que exploram os temas dos seis eixos sob uma perspectiva sóciohistórica dos avanços da tecnologia, convidando os visitantes a uma reflexão crítica sobre as transformações que acarretam. A visita à Exposição Permanente começa com a recepção à turma de alunos e professores e uma apresentação sucinta sobre a COPPE e o próprio Espaço. Os visitantes são então divididos em grupos e conduzidos a alguns dos nichos pelos monitores. A permanência em cada nicho toma cerca de 20 minutos, durante os quais os 49 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 estudantes tomam contato com experimentos, ouvem apresentações e tiram dúvidas sobre os temas ali tratados. O percurso se fecha com a reunião dos grupos no mesmo ponto em que foi feita a recepção, um lanche e a aplicação de questionários de avaliação. No caso de escolas de redes públicas, os visitantes são transportados da escola ao Centro de Tecnologia da UFRJ e de volta à escola por ônibus fornecidos pela UFRJ. A recepção aos grupos de visitantes, sua condução pelos nichos e a mediação entre os estudantes e professores visitantes e os experimentos e outros elementos da exposição são realizados por monitores, alunos de graduação e pós-graduação da UFRJ, bolsistas de extensão, capacitados para o trabalho de monitoria pela equipe de coordenação pedagógica do Espaço e por pesquisadores da COPPE, pertencentes aos laboratórios parceiros. Entende-se que a mediação realizada por esses monitores, entre visitantes e recursos integrantes da exposição, é um elemento fundamental para o aprendizado não-formal propiciado pela visita à Exposição Permanente. Os cursos de atualização e aperfeiçoamento para professores de Ensino Fundamental e Médio promovidos pelo Espaço COPPE buscam sensibilizar para uma abordagem transdisciplinar das ciências e fortalecer a capacidade de buscar informações complementares que possam enriquecer a prática pedagógica. Alguns resultados As atividades promovidas no Espaço COPPE Miguel de Simoni vem recebendo respostas muito favoráveis, em termos de interesse e de avaliação. Isso pode ser verificado, num certo nível, pelos números de participantes nas atividades desenvolvidas. A Mostra Inaugural recebeu, de agosto de 2002 a setembro de 2003, 3200 alunos e 197 professores, de 75 escolas públicas e privadas, de Ensino Médio e Fundamental, da região metropolitana do Rio de Janeiro. De outubro de 2005 a dezembro de 2008, a Exposição Permanente recebeu visitas de cerca de 4.000 estudantes, de escolas em sua grande Publicada em Março de 2009 maioria da rede pública da região metropolitana do Rio de Janeiro, acompanhados por cerca de 200 professores. É importante destacar que, em sua grande maioria, os visitantes estão vinculados a escolas das redes públicas das regiões norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro e de cidades da Baixada Fluminense, áreas com muito menos instituições como museus e centros culturais e científicos do que o centro ou a zona sul do município carioca. Foram ainda capacitados 870 professores de Ensino Médio da rede pública de Ensino Médio nos seguintes cursos: História da Ciência e Ensino; Oficinas de Ciência; Educação Ambiental; Cidadania, Saúde e Sexualidade; A Ciência no Universo da Cultura; Metodologia da pesquisa. Devemos ainda considerar que já passaram por treinamento e por experiência como educadores mais de dez graduandos que atuaram como monitores nesse período. Os números apresentados representam as pessoas diretamente influenciadas pelas ações educacionais do Espaço COPPE. É difícil estimar os resultados quantitativos em termos de pessoas alcançadas indiretamente, mas é fácil entender que se trata de um grupo considerável, por incluir as famílias dos estudantes que visitaram a COPPE e os alunos dos professores que visitaram o Espaço ou realizaram cursos. Além dos resultados quantitativos, é possível verificar o papel do Espaço COPPE por meio das avaliações feitas pelos visitantes, sempre muito positivas. Têm sido utilizadas duas formas de avaliar a visão que alunos e professores têm de sua Exposição Permanente: a) a utilização de uma ficha de avaliação, diferenciada para professores e alunos; b) a observação do comportamento dos visitantes, durante a visitação, por parte da Coordenação de Exposição (neste caso, uma observação não participante) e dos próprios monitores. Os questionários abordam pontos específicos da dinâmica da exposição (apresentação dos monitores, experimentos, painéis etc), sendo que, para os professores, são acrescentadas ainda questões que investigam o potencial de intersecção da prática docente em sala de aula e 50 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Publicada em Março de 2009 os conhecimentos, experimentos e tecnologias apresentados durante a visita à Exposição. eventos e cursos. A ELETROBRÁS também financiou a implantação de algumas instalações. A aplicação desses questionários tem sido eficaz no sentido de mostrar as lacunas que devem ser superadas e tem como objetivo principal aprimorar o projeto original que concebeu tanto o espaço físico como todos os recursos didáticos da Exposição Permanente, assim como sua própria metodologia. A manutenção das atividades promovidas é garantida pela articulação entre diferentes órgãos da UFRJ. A Diretoria da COPPE mantém as instalações, os gastos correntes, a equipe de coordenação e apoio, bem como alguns dos monitores. Os laboratórios da COPPE/UFRJ, da Escola Politécnica e da Escola de Comunicação da UFRJ, integrantes da Exposição Permanente, colaboram com as atividades de manutenção de experimentos e outros recursos didáticos, bem como com a capacitação dos monitores que recebem os visitantes. A avaliação por observação também tem grande valia para o trabalho. Como a visitação é feita em grupos (alunos e professores são divididos em grupos de aproximadamente 8 pessoas) e estes grupos são formados de acordo com a empatia dos visitantes - eles próprios escolhem qual grupo desejam integrar - a interação entre os seus membros é quase imediata. Ou seja, há um ambiente propício à espontaneidade, ao comportamento característico dos pares. A observação deste comportamento auxilia bastante na identificação de pontos que merecem uma reavaliação. Reavaliação esta que só ganha sentido se existe para incrementar e aperfeiçoar a relação com o visitante. Os resultados dessas avaliações permitem dizer que a experiência da visitação à Exposição Permanente é considerada muito positiva pela grande maioria dos estudantes e professores que a realizaram. Recursos utilizados As instalações disponíveis para o Espaço COPPE são os nichos construídos especificamente para esse fim, espalhados pelo bloco I do Centro de Tecnologia, onde também ficam os painéis que complementam a Exposição. Além disso, conta com gabinetes para a equipe de apoio e de coordenação administrativa e pedagógica, um pequeno auditório e uma tenda, ambos com equipamentos de informática e para apresentações, usada em geral para recepcionar os visitantes. A implementação de tais ações, desde as obras físicas até a instalação da Exposição Permanente, contou com o apoio da agência financiadora VITAE, que também financiou parcialmente O Espaço COPPE Miguel de Simoni tem contado ainda com apoio da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na forma de bolsas de extensão. A Prefeitura Universitária fornece os ônibus que transportam as turmas de visitantes entre a escola de origem e a Ilha do Fundão. O Espaço COPPE Miguel de Simoni é um dos beneficiários de apoio financeiro da FINEP para projeto da Decania do Centro de Tecnologia da UFRJ, em início de implantação, voltado para custear a realização de exposição itinerante, cursos para professores da rede pública de Ensino Médio e criação de Portal. Perspectivas Um projeto financiado pela FINEP está no momento em realização, incluindo atividades a realização de cursos e palestras para professores de ciências da rede pública; o aperfeiçoamento da Exposição Permanente e da dinâmica de visitação, com base na sistematização das avaliações realizadas; a introdução de novos experimentos e de jogos educacionais; a estruturação de uma exposição itinerante; a produção de material paradidático a ser fornecido a professores interessados; a implantação de um portal do Espaço, que servirá para informar sobre as atividades, apoiar o agendamento de visitas e a inscrição em cursos, deixar disponíveis para download cópias de material de cursos e outras atividades, além de oferecer com uma visita virtual à Exposição Permanente. 51 Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais ISSN: 1808-6535 Essas mudanças permitirão uma ampliação bastante significativa do público que vem sendo atingido pelas atividades promovidas pelo Espaço COPPE, assim como um fortalecimento dos resultados das visitas, porque os professores terão mais meios para preparar previamente os alunos para a atividades e para retomar assuntos e discussões surgidos durante a visitação. Publicada em Março de 2009 Referências bibliográficas Espaço COPPE Miguel de Simoni. Anteprojeto para implantação plena de atividades. Mimeo. 2003. Espaço COPPE Miguel de Simoni. Treinamento de Monitores. Exposição Permanente. Módulo de Introdução à Exposição Permanente. Mimeo. 2005. 52