Revista Paulo Freire_14

Transcrição

Revista Paulo Freire_14
Quilombolas de Brejão e da
Resina colhem os frutos da luta
Depois dos bancos e da
ditadura, a vez da mídia?
Revista de Formação
Político-Pedagógica
do SINTESE
nº 14 - Sergipe - julho - 2012 - R$ 5,00
O bispo dos
pobres
www.sintese.org.br
Indústria
da seca ou
das cercas?
Para entender: a família real e
a gênese da indústria da seca
OS MUITO RICOS E O MITO DE QUE
SERIAM “CRIADORES DE EMPREGOS”
HÁBITO DE LER ESTÁ
ALÉM DOS LIVROS
1
2
primeiras palavras
Ir até a raiz
J
á fazem parte do calendário brasileiro as campanhas
de solidariedade anuais que
objetivam recolher alimentos
e outras doações com o objetivo de reduzir o sofrimento do
povo nordestino com a seca.
São inúmeras as reportagem
mostrando a dramática situação.
Mas é apena a falta de chuva
que impõe sofrimento? O porquê desse quadro não ter sido
solucionado? Todos sabem que
a questão da seca no Nordeste
não é nova e esse é o tema principal da edição de julho da nossa revista. “Indústria da seca ou
das cercas?” Essa pergunta começa a ser respondida pelo sociólogo Antônio Gomes Barbosa
a partir da raiz do problema. Ele
propõe ir até a gênese da seca
e mostra sua existência desde a
presença da família real no Brasil. É um excelente material para
o debate inicial sobre o tema.
Nessa mesma linha o padre
Isaías Nascimento resgata uma
luta do povo pobre de Sergipe,
o bispo Dom José Brandão de
Castro, um homem que dedicou
sua vida à construção concreta
de um reino de justiça. Aliado a
esse material escrito pelo padre
Isaías, está também uma excelente reportagem do jornalista
George Washington sobre os
frutos da luta do povo quilombola de Brejão dos Negros e
Resina, no município de Brejo
Grande, em Sergipe. George
resgata um pouco da luta dessas
duas comunidades, mas principalmente revela os resultados
das conquistas já apurados.
Como se percebe, os textos da
seca, de Dom José Brandão de
Castro e da Resina e Brejão dos
Negros estão interligados e podem resultar numa série de trabalhos e discussões nas escolas.
Também com o objetivo
de ir até a raiz dos problemas,
Saul Leblon escreve a partir de
um trabalho extraordinário do
professor Venício Lima que trata de um tema que o Governo
do Brasil precisa enfrentar: a
mídia. É uma leitura obrigató-
ria o texto “Depois dos bancos
e da ditadura, a vez da mídia?”.
Será que a mídia será passada
a limpo? Nesta edição de julho
reproduzimos uma entrevista publicada na Agência Brasil
com o historiador Roger Chartier, que participou de um Colóquio Internacional de Estudos
Linguísticos e Literários. É uma
entrevista inquietante, onde ele
para além dos livros. “Pesquisas que perguntam às pessoas
se elas lêem livros estão sempre
ignorando que a leitura é muito
mais do que ler livros. Basta ver
em todos os comportamentos
da sociedade que a leitura é uma
prática fundamental e disseminada”.
Para fechar, outra leitura
obrigatória porque questiona
mito social: quem disse que os
muito ricos seriam os maiores
geradores de empregos? Paul
Buchheit vai mostrar que isso
não é bem assim. Nossa edição
de julho é encerrada como sempre com a arte dos educadores
através da poesia e da imagem.
Boa leitura.
Angela Melo
Presidenta do SINTESE
Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE
Rua Campos, 107 –
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Nascimento, Edileide Barrozo,
Franklin Magalhães, Elda Góis
Os artigos assinados nesta edição não
refletem necessariamente o entendimento da direção do Sintese.
onde achar
FALE CONOSCO
O bispo dos pobres
Quilombolas de Brejão
e da Resina colhem os
frutos da luta
Depois dos bancos e da
ditadura, a vez da mídia?
04
07
09
Os muito ricos e o mito
de que seriam “criadores
de empregos”
Hábito de ler está
além dos livros
A família real e a
gênese da indústria
da seca
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11
12
Tel: (79) 2104-9800 (Bárbara Eloah)
E-mail: [email protected]
Saber e Poesia
Imagem de Luta
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19
ASSINATURA SOCIAL - R$ 150 (12 exemplares)
ASSINATURA ANUAL NÃO FILIADOS - R$ 100 (12 exemplares)
ASSINATURA ANUAL NOVOS-FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares)
ASSINATURA ANUAL FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares)
3
Nossa História
O bispo dos pobres
Padre Isaías Nascimento*
A humanidade, diante
das precariedades da vida
(opressão, doença, fome,
desigualdades, morte...),
busca
insaciavelmente
soluções melhores para o
seu viver junto a Deus. É
um desejo que a faz movimentar-se, um correr
sempre atrás, um estar
sempre A CAMINHO
do melhor. Neste sentido
as religiões são o canal,
através dos mitos, ritos,
interditos e economia
para alcançá-lo. Isto é,
elas são o canal de comunicação entre o finito, o
ser humano, e o infinito,
4
o Sagrado. Entre o histórico, falível, finito e o
meta-histórico, infalível,
infinito, eterno.
As teologias são construções teóricas para iluminar a caminhada de
fé da religião a fim de
que “o homem suba às
sumas alturas”. No momento histórico que elas
podem ser subdivididas
em dois grupos: as que
devem estar sintonizadas
ao magistério oficial das
grandes religiões, com
suas respectivas escolas
(as teologias oficiais), e
as outras que estão bem
distantes do controle da
oficialidade (as teologias
pentecostais).
Imaginação utópica e
discernimento pastoral na
ação pastoral de Dom José
Brandão de Castro na Diocese de Propriá/SE
As religiões favorecem
o encontro entre as realidades aparentemente
opostas - humana e divina, céu e terra – favorecendo uma convivência
que influencia na construção das realidades
factíveis da humanidade,
justificando, na maioria
das vezes o “status quo”,
frustando, muitas vezes,
o desejo humano de querer, ainda no chão da história, o melhor para si e
para os seus iguais.
A história está repleta
de exemplos de sociedades que procuraram reagir à realidade, mobilizando o povo oprimido,
insatisfeito, que forma
a base social para construir outra sobre os alicerces da justiça social,
principalmente.
Na nossa tradição
judaico-cristã vemos no
Antigo Testamento, a
reação de Javé, o Deus
dos Hebreus, diante do
seu povo escravizado no
Egito: ele se solidariza
aos escravos no processo
de libertação e caminha
com eles em direção a
uma terra prometida (Ex
3). Os profetas são porta-vozes do Deus Javé
que está ali, no meio do
povo, reagindo contra a
opressão interna, geralmente entre os seus, aos
pobres e da viúvas, e prometendo justiça através
da vinda de um Messias
(ungido) que fará acontecer um mundo melhor.
No Novo Testamento
vemos a chegada de Jesus, reconhecido como
o Messias de Deus,
como resposta radical de
Deus/Javé às vitimas da
opressão e do desespero: os pobres (Lc 2 e 4,
16ss). A encarnação do
Verbo revela a presença do Deus-Amor que
se faz e se é presente no
meio do povo pobre. As
primeiras comunidades
revelam a adesão dos pobres ao novo projeto de
Deus: viver uma vida de
Comunidade de Irmãos
e irmãs, onde a vida de
oração, de escuta à palavra dos apóstolos, à Palavra de Deus e a partilha
do pão são basilares para
a nova sociedade.
No nosso continente
americano encontramos
na tradição dos povos
No nosso continente
americano encontramos na tradição
dos povos indígenas
o sonho com uma
sociedade ideal, a “Yvy
marã ei’” (Terra Sem
Males) bem anterior
que os povos europeus
indígenas o sonho com
uma sociedade ideal, a
“Yvy marã ei’” (Terra
sem Males) bem mais
anterior que os povos
europeus, que também
esboçaram no papel,
propostas de modelo
de sociedade ideal: “A
República” (de Platão),
“Utopia” (de Thomaz
Morus, 1516), “A Cidade do Sol” (de Tommaso Campanella, 1613)
“Shangri-la” (de James
Hilton, 1925) e outras.
Para as Igrejas Cristãs
o exemplo de vida das
primeiras comunidades
cristãs, lá em Atos dos
Apóstolos, continua sendo a referência de discernimento profundo sobre
o jeito de anunciar e vivenciar o evangelho em
todas as partes do mundo.
Na sociedade ocidental elas foram, e continuam sendo o que chamo
de farol utópico[1] que
oferecem valores basilares de fraternidade, liberdade e igualdade, que
clarearam e continuam
várias experiências no
ocidente: desde as conhecidas comunidades
utópicas, a própria revolução francesa, várias comunidades messiânicas
no Brasil, como Canudos, Caldeirão e outras.
Como também as novas
comunidades cristãs que
estão surgindo no seio
das Igrejas Cristãs.
Ceb’s: um novo jeito de ser igreja - Com
o advento do Concílio
Vaticano II e sua aplicação na América Latina a
partir do Documento de
Medellin (1968), diante
das ditaduras militares
e a crescente situação de
empobrecimento no continente latino americano,
surgiram as Comunidades Eclesiais de Base,
como o lugar de encontro e convivência e organização dos pobres, “que
têm sido escolas que têm
ajudado a formar cristãos
comprometidos com sua
fé, discípulos e missionários do Senhor, como
testemunha a entrega
generosa, até derramar
o sangue, de muitos
de seus membros. Elas
abraçam a experiência
das primeiras comunidades, como estão descritas
nos Atos dos Apóstolos
(At 2, 42-47)”[2].
A partir delas surgiram ações sociais em defesa da vida: a luta pela
terra foi a mola propulsora para outras ações cidadãs: luta por moradia,
por energia, calçamento,
etc. Aqui em Sergipe,
no tempo do arcebispo
Dom José Vicente Távora temos os primeiros
registros das primeiras
comunidades
eclesiais
As comunidades
lutavam por dignidade e vida: desde
a defesa da terra
indígena do Povo
Xokó, defesa dos
posseiros e da reforma agrária
(ainda não se falava “de
base”) em 1966: “Em
Aracaju [capital do Estado] era marcante a presença dos padres franceses na região de Maruim
e Santo Amaro, como
também de uma equipe
de pastoral coordenada
pelo Pe. Pierre Averran
nas periferias pobres da
Capital do Estado. Era
presença da Igreja nos
bairros Manuel Preto,
Brasília, Porto Dantas,
Santos Dumont que, à
luz da Palavra de Deus,
se organizavam para lutar por melhorias de condições de vida”[3].
Foi em 1970 que chegaram os frades franciscanos para a paróquia de
Porto da Folha, Diocese
de Propriá, na região do
Baixo São Francisco. A
partir deles surge a primeira escola de formação catequética de leigos
animadores das comunidades. A Diocese de
Propriá assume, em Assembléia Diocesana de
Pastoral, como uma de
suas prioridades e estimula sua organização
com as CEB’s no Brasil.
As comunidades lutavam por dignidade e
vida: desde a defesa da
terra indígena do Povo
Xokó, defesa dos posseiros e da reforma agrária.
Seus animadores eram
tachados de subversivos.
Vários agentes foram
perseguidos. Mas o bispo
da Diocese de Propriá estava sempre junto em sua
defesa: “Por ocasião da
ultima campanha política, uma bem orquestrada
campanha tomou como
alvo de seus ataques as
Comunidades Eclesiais
de Base. Foram tachadas
de comunistas, de subversivas, de revoltosas
contra a autoridade do
papa, de anti-igreja. Pobres comunidades. Elas
querem ser, isto sim,
sementes de um mundo
novo, de um mundo mais
fiel a Jesus Cristo, de um
mundo mais irmão, de
um mundo mais humano. É claro que não temos ilusões. Por ora, elas
são fracas, representam
apenas um fogo debaixo do monturo. Ou, se
quisermos lembrar a belíssima imagem utilizada
pelo próprio Cristo, elas
são uma sementizinha
humilde e desprezada
que está sendo lançada
nas terras do Brasil”[4].
E assim, através das
CEB’s os pobres desta região do Baixo São Francisco – índios, posseiros
e sem-terra – animados
pelos agentes de pastoral
continua>>
5
A poesia do animador da CEB’s
em nossa Diocese, Jorge Pereira
Lima, continua
sendo catequético,
utópico, e atual
na caminhada dos
pobres
Optando preferencialmente pelos
pobres, deu-se uma
volta por cima de
uma cultura religiosa conformista
6
(padres, religiosas e bispo) amadureceram sua fé
em Jesus Cristo, levantaram a cabeça e vieram
para o meio social assumir seu lugar de sujeito
social.
Elas, mesmo carentes
de melhor articulação,
continuam germinando a
sociedade através de pequenos grupos que exercem influência nas lutas
pelos direitos sociais
através de associações de
jovens, de mulheres, de
bairros, de luta pela terra
e moradia. Os quilombolas que o digam.
A poesia do animador da CEB’s em nossa
Diocese, Jorge Pereira
Lima, continua sendo
catequético, utópico, e
atual na caminhada dos
pobres: “Nossa alegria é
saber que um dia, todo
este povo se libertará,
Pois Jesus Cristo é o Senhor do Mundo, nossa
Esperança realizará. Pois
Jesus manda libertar os
pobres, e ser cristão é ser
libertador. Nascemos livres pra crescer na vida e
não ser pobres pra viver
na dor”.
Foi sempre a partir da
análise concreta da realidade que a Diocese de
Propriá planejou seus
planos de pastoral. Mas,
somente a partir de Medellin é que a dimensão
profética, á luz da Teolo-
gia da Libertação, a pastoral foi incisiva na luta
pela inclusão social. Optando preferencialmente
pelos pobres, deu-se uma
volta por cima de uma
cultura religiosa conformista em que “Deus quer
assim” diante de tanta
miséria que campeava
esta região.
A formação pastoral
fortaleceu as comunidades e suas lideranças,
como também se respeitou e amadureceu a religiosidade popular e por
sua vez o exercício da
cidadania.
Os resultados são visíveis. Ao passar dos anos
se vê o quanto esta região
se fortaleceu no surgimento de organizações
populares e através delas
no exercício da cidadania.
As condições de vida econômica melhoram muito,
principalmente no sertão
sergipano onde estão localizados o maior número
de assentamentos agrários
do Sergipe. Continua, não
tão forte, a relação fé e
política, devido ao clericalismo pentecostal em
voga. Como também continua forte as expressões
de religiosidade popular.
Acredito que a fé no
Deus de Jesus, o Cristo, proporcionou àquelas
comunidades e pessoas
que acreditaram, perseveraram e foram à luta,
construir, ainda aqui na
terra, na região do baixo
São Francisco em Sergipe, comunidades, tanto
nas cidades como nas comunidades rurais, mais
humanizadas, apesar dos
chamam à missão.
* É coordenador da
Pastoral Social da Diocese
de Propriá/SE
R EFER ÊNCIAS:
Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
do Caribe, 178. São Paulo:
Edições CNBB, Paulus,
Paulinas, 2007. Pág 91.
HINK EL A M MERT,
F. J. e JIMÉNEZ, E. M..
Reproducción de la vida,
Utopia y Libertad: por uma
economia orietanda hacia
la vida. Otra Economía Volumen II - Nº 2 - 1º semestre/ 2008 – pág. 26
- ISSN 1851-4715 http://
www.r iless.or g/otraecono mia/hinke2.pdf (25.10.10 22h09)
Jornal da Diocese de Propriá “A DEFESA”, 1983,
pág 1.
NASCIMENTO, Pe.
Isaias. Dom Távora, O Bispo dos Operários. Um homem além do seu tempo. São
Paulo: Paulinas, 2ª edição,
2009. 252 p.
[1] Aqui entendido o significado de utopia conforme
o teólogo Franz Hinkelammert: “La utopía es una
fuente de ideas sobre el sentido de la vida, una referencia
para el juicio, una reflexión
sobre el destino, una imaginación de los horizontes”.
Hinkelammert, F. J. e Jiménez , E. M.. Reproducción de
la vida, Utopia y Libertad:
por uma economia orietanda
hacia la vida. Otra Economía - Volumen II - Nº 2 - 1º
semestre/ 2008 – pág. 26
- ISSN 1851-4715 - www.
riless.org/otraeconomia
(25.10.10 - 22h09)
[2] Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
do Caribe, 178. São Paulo:
Edições CNBB, Paulus,
Paulinas, 2007. Pág 91.
[3] NASCIMENTO,
Pe. Isaias. Dom Távora, O
Bispo dos Operários. Um homem além do seu tempo. São
Paulo: Paulinas, 2ª edição,
2009. Pág. 123
[4] MAIS UMA ASSEMBLÉIA DAS COMUNIDADES
DE
BASE. Jornal A DEFESA, julho de 1983, pág.1.
Nossa História
que compre toda a produção,
antes que as chuvas venham
forte e prejudique a produção”, aponta o técnico, que
também é quilombola.
Preço melhor
Para Gilvan Pereira, 41
anos, quilombola, professor
de Matemática e produtor na
Batateiras, uma coisa puxa a
outra. Tendo a casa de fari
atrai compradores e melhora
o preço do produto.
“Hoje nós temos apenas a
matéria prima. Com a casa de
nal com um preço muito melhor e mercado certo”, avalia.
Gilvan, nascido e criado
em Brejão, é um claro exemplo de que a luta organizada
e a persistência levam à conquista de direitos e de cidadania. Hoje ele planta, além da
mandioca, melancia e leguminosas como o feijão. Mas ele
lembra que cresceu sofrendo
na pele as agruras de ser quilombola dentro da terra de
verdadeiros senhores feudais.
“Era tudo na mão dos
fazendeiros da região. Eles
tinham as terras, que viviam
abandonadas, sem produzir nada, a não ser coco, e as
pessoas não podiam plantar o
que queriam. Melhorou cem
por cento. Agora podemos
plantar e criar animais dentro
do que é nosso, sem medo de
ninguém. É uma alegria só
Mas, com a colheita, surver as pessoas trabalhando
gem dois obstáculos para os
pra si, não para os outros”,
quilombolas: a falta de uma
comemora.
casa de farinha – há o espaço
“Pena que ainda tem quijá construído, mas falta o malombola que não tem a consquinário, avaliado em quase
ciência da luta e o valor da
R$ 80 mil – e a falta de um
conquista. Essas pessoas não
comprador direto de toda a
se reconhecem e acabam danprodução, o que traria mais
do apoio aos fazendeiros. Isso
é que precisa mudar. Nós estores.
tamos progredindo, andando
“Essas terras são muito
com as nossas próprias penas,
boas, tanto que estamos vene eles continuam parados”,
do aqui uma excelente producritica o professor e agricultor
ção de macaxeira. Mas como
quilombola.
a comunidade ainda não tem
Ele destaca o papel do
mandato da deputada Ana
raiz e fazer a farinha, o preLúcia, que sempre esteve com
ço não é bom. E falta ainda
os quilombolas de Brejão e da
comprador para a produção,
o que vamos estar tentando
continua>>
buscar nos próximos dias um
Quilombolas de Brejão e da
Resina colhem os frutos da luta
George Washington
Comunidades de remanescentes de quilombos de Brejo Grande
comemoram as boas
safras de mandioca e
arroz
George Washington*
Comunidades de remanescentes de quilombos de Brejo
Grande comemoram as boas
safras de mandioca e arroz
Depois do reconhecimento e imissão de posse de
suas terras, há pouco mais de
um ano, a vida é outra para
os quilombolas de Brejão
dos Negros, encravada numa
bela, porém ainda carente
região próxima à foz do rio
São Francisco, no município
de Brejo Grande, norte de
Sergipe. Mesmo com todas as
desde que passaram a ser os
donos das suas terras, quando receberam o documento
Batateiras pelo Incra (Instituto de Colonização e Reforma
Agrária), em 1º de março de
2011, os quilombolas organizados plantam de tudo e já
colhem os frutos do seu trabalho e da luta de muitos anos
pelo reconhecimento e reintegração do seu território.
Na Batateiras, são 469 hectares agricultáveis, onde cerca
de 50 famílias trabalham em
regime de partilha comunitária, cada um com o seu espaço de plantio, onde escolhem o que vão plantar. No
momento, a boa produção
de mandioca, ou macaxeira,
como preferem chamar, está
pronta para ser colhida e comercializada, o que traz grande alegria para os produtores,
“Agora é buscar
melhorar o nosso plantio para
colher mais”
Iraneide Machado
mas também preocupação.
Segundo o técnico agrícola Juvenal Patrício, assessor da
deputada estadual Ana Lúcia,
que presta assessoria aos quilombolas, as terras são boas
para o plantio de tubérculos,
leguminosas e hortaliças. A
boa produção da mandioca,
alerta, deve ser colhida logo,
antes que fortes chuvas caiam
e possam comprometer a colheita.
7
Resina, outra conquista próxima à fazenda. “Não tenho
dúvidas de que se não fosse a
presença dela, talvez não estivéssemos nas condições que
estamos hoje, com a posse
das terras. Ela sempre acreditou nessa luta junto com a
gente”, lembra.
Vida bem melhor - A
quilombola Risalva dos Santos, há 27 anos na região, não
gosta muito de relembrar o
passado. “Foi muito sofrimento. É melhor nem lembrar”, diz. Ela prefere falar
da vida a partir de março de
2011, quando a comunidade
conquistou a titulação sobre a
Fazenda Batateiras.
“Aí a vida começou a melhorar de verdade. Só não estamos melhor porque faltam
a nossa casa de farinha e encontrar um bom comprador.
Resina: produção
de arroz se destaca
Nem o mais otimista dos
quilombolas da Resina, às
margens do rio São Francisco, em Brejo Grande, imaginaria uma safra tão boa de
arroz cultivado nas lagoas
em que, até dezembro de
2010, pertenciam a um grupo de fazendeiros que irregularmente ocupava a área
e não permitia qualquer tipo
de exploração em nenhuma
das oito lagoas que margeiam o quilombo sem consentimento.
Com o reconhecimento
da área como pertencente à
União, em 30 de dezembro
de 2010, e o consequente
trabalho do Incra de titular
tamento das comunidades
tradicionais que ali vivem, o
cenário mudou.
Até então, as famílias
quilombolas da Resina sofriam com as inúmeras ameaças, inclusive de morte, e
com a queima de suas casas,
destruição de roças, impedimento da pesca nas lagoas
marginais e manguezais, entre outros tipos de violência.
A Construtora Norcon – hoje
Norcon-Rossi – chegou a adquirir terras na Resina para
a construção de um grande
resort, mas depois de muita
8
Mas a vida é outra”, faz questão de pontuar com um sorriso, mesmo que tímido.
“Antes, não tinha situação ruim como a nossa não.
A gente vivia que nem bicho bruto no pau. Agora a
gente pode plantar de tudo
e colher pra gente mesmo.
Temos muito ainda por
conquistar, mas a vida é
outra quando se tem terra
pra plantar”, exalta a agri-
mais retorno”, explica Iraneide.
Ela ressaltou não só o apoio
da deputada Ana Lúcia, como
também do ex-deputado federal pelo PT Iran Barbosa, que
sempre acompanharam a luta
resistência dos quilombolas e dos quilombolas da Resina e
resistiram, junto com eles, nos
pressão social recuou da ideia.
Hoje os quilombolas come- momentos mais tensos e difíceis.
“Eles sempre estiverem juntos
moram a colheita dos frutos
da sua luta e do trabalho ár- com a gente, sempre nos apoiaduo nas lagoas que cercam ram. Graças a eles, até a Justia região, antes propriedades ça chegou aqui”, exaltou.
Iraneide denuncia uma nova
privadas e inacessíveis à comunidade. O arroz vingou. Já estratégia dos fazendeiros, que
foram colhidas e comercializa- tiveram que deixar a área por
das 2.340 sacas de grãos de determinação da Justiça, para
primeira qualidade. Outras três minar a resistência dos quilomlagoas estão plantadas e, no bolas e prejudicar suas planta ções. “Estão cortando as nossas
colher mais 3.000 sacas. Toda a cercas e jogando o gado para
produção está sendo comercia- dentro da nossa área, e o gado
está comendo a produção. A
lizada em Alagoas.
“Pra nós é uma alegria só. gente já denunciou e o caso está
Antes, vivíamos como excluídos. na Justiça. Mas até que a JusHoje a gente planta o que qui- ser e colhe o resultado da nossa produção?”, indaga, com preoluta. A vida é outra”, comemo- cupação, a líder quilombola.
Felicidade só
ra a líder quilombola Iraneide
José
Francisco Possidônio
Machado dos Santos, 36 anos,
dos
Santos,
o Chicão, 42 anos,
agricultora e pescadora tradié uma felicidade só. Natural
cional.
Ela lembra que antes só se da Resina, ele comemora a boa
plantava quando os fazendei- produção de arroz e a nova reros deixavam, e sequer tinham alidade vivida pela comunidao direito de explorar as lagoas,
muitas cercadas e vigiadas por
jagunços para impedir o acesso
dos quilombolas.
“Agora é buscar melhorar,
com o apoio da Emdagro, o
nosso plantio para colher mais,
e também se capacitar para
conseguir vender melhor e ter
cultora quilombola, que faz
questão de falar da sua roça.
“A gente planta macaxeira,
inhame, melancia, feijão, milho, coco, tomate, pimentão,
cebola roxa. Planta de tudo
e colhe bem. A terra é tudo
pra gente”, conta.
* Jornalista e assessor do
Gabinete da Dep. Estadual
Ana Lúcia
de. “Essa é a maior riqueza
que nós tem, a nossa terra.
Antes a gente era muito
massacrado,
humilhado.
Agora é uma felicidade só.
Nós planta o que quer, tem
a nossa rocinha, planta o arroz, pesca. Agora nós pode
viver em paz”, fala, com um
jeito peculiar e sorriso maroto.
Ele rememora o passado
e conta que viu o pai, já falecido, sofrer muito com os
fazendeiros. “Davam uma
rocinha pra ele fazer, mas
tinha de cuidar do coco.
Quando o coco crescia, eles
jogavam o gado e a gente
tinha que sair. Ninguém podia fazer nada, porque as
terras eram deles”, lembra.
“Foi muita luta. Eu mesmo
fui ameaçado de morte e
processado. Mas quem tem
Deus e luta, não cansa por
esperar. Um dia consegue”,
da mulher, na sua casinha,
de frente para o arrozal.
Conjuntura
A desregulação persistente na área das comunicações
no país não é uma excrescência alimentada pelo ‘petismo
degenerado’, como querem
alguns. Ela é parte - talvez a
mais sensível - de uma supre
ram da ausência do Estado
em distintas dimensões da
vida social, o credo legitimaminucioso levantamento de
dor de uma dominação reiparadoxos entre o que a lei
terada a ferro, fogo, Cachodetermina, aquilo que a eseiras, Policarpos e Dadás. O
querda sempre se propôs a
colapso da ordem neoliberal
fazer e o saldo de suas hesitadesde 2008 trincou essa blinções e recuos quando teve a
dagem que se esfarela agora
chance de implementá-lo.
nas ruas do mundo em múlVenício é um intelectual
tiplas frentes. A atualíssima
contribuição do novo livro
para não dar a essa tomograde Venício inclui o mapea % mento de todas as trancas
hegeliano. Não há vínculos
e interditos, com as corresentre a sua peneira histórica
pondentes chaves e alavane os arroubos dos que trocas legais e democráticas que
peçam no próprio radicalisagora, mais que nunca, estão
mo ao vociferar contra uma
maduras para serem acionarealidade que desobedece
das no crepúsculo do poder
idéias cerzidas à margem dos
neoliberal.
"
& sociedade.
continua>>
Depois dos bancos e da
ditadura, a vez da mídia?
de responder à questão desdobrada nessa coletânea de
Expoente de uma corajo- artigos, leitura obrigatória
sa linhagem de intelectuais e para quem, a exemplo do que
jornalistas responsável por dizia Brizola, acredita que ‘
!
enquanto houver poder equiciedade brasileira em relação valente ao da Rede Globo no
à mídia, que graças a eles pas- país , não haverá democracia
sou de referência a referido efetiva em nossa sociedano debate político, Venício de’. O aggiornamento dessa
de Lima causa um estorvo constatação na obra de Veníadicional aos olhos e ouvidos cio leva a seguinte indagação:
adestrados na facilidade do ‘Os dois mandatos do Preardil maniqueísta. Professor sidente Lula representaram
aposentado de Ciência Políti- um avanço para a democratica e Comunicação da UNB, zação das comunicações?’
Mais incomodo que a
com mais de oito livros sodúvida
é o fato de que o aubre o tema, Venício açoita a
tor
não
hesita em incluir na
direita e não poupa a esquerárdua
tarefa
da resposta um
"#
uma verdadeira democracia
que não pode existir sem
diversidade e pluralidade de
informação. As análises que
brotam dessa equidistancia
engajada dispensam a frase
exclamativa para privilegiar
o dado, o fato, a legislação, o
abuso e a sua consequência.
Doem mais que pancada.
Há 24 anos, a Constituição brasileira determinou
a criação de um Conselho
de Comunicação Social no
Congresso para auxiliar na
implementação e regulação
da mídia, dotando-a do escopo plural que a redemocratização preconizou. Não
foi feito até hoje. O fato sig
!
to ‘até hoje’, constitui justamente o objeto das arguições
e análises do mais recente
livro de Venício de Lima
(“Política de Comunicações:
um balanço dos governos
Lula --2003/2010 -editora
Publisher Brasil). Nele, o intelectual que não desdenha
do legado histórico do ciclo
Lula, nem por isso alivia o
rigor crítico quando se trata
Saul Leblon *
9
Uma cobertura
Mais de uma vez, porém,
o autor recordará que não se
trata apenas de um jogo mecânico de ajustes e encaixes
lisos e frios como azulejar
um banheiro. Há interesses
que não se rendem. E outros
cooptáveis. Numa síntese de
como as coisas são e acontecem, e para que possam não
se repetir nessa hora propícia, Venício de Lima desce
às entranhas e vai buscar no
livro escrito pelo ex-ministro
Antônio Palocci (Sobre formigas e cigarras - Editora
Objetiva, 2007), o relato de
um diálogo pedagógico entre
a mídia hegemônica e o poder ascendente. Nesse diálogo ocorrido em 2002, Palocci
relata como consultou a Globo durante a elaboração da
“Carta ao Povo Brasileiro”,
documento que o PT divulgaria em junho daquele ano,
para tranqüilizar o mercado
!
eventual governo liderado
por Lula.
No livro (páginas 31 e
32), o ex-ministro explica
que, depois de preparar diferentes versões do documento, procurou empresários e
formadores de opinião para
dialogar sobre o assunto. Eis
o trecho:
“Um deles foi o João Roberto Marinho, das Organizações Globo, a quem eu
fora apresentado semanas
antes.
Peguei o telefone e liguei
para ele.
– Estamos com um problema sério nesta eleição –
iniciei. Há uma percepção de
crise econômica e estamos
preocupados com isso. Estamos pensando em editar
um manifesto com os nossos
compromissos.
Com seu radar bastante
atento às mudanças de humor do mercado, João Roberto abordou o assunto de
forma franca:
– A crise é muito maior
do que vocês estão pensando
– ele disse, sem esconder sua
10
>
seu projeto de Regulação da
dificulta o sucesMídia:
so político ou, ao
“Quatro observações”,
dispara Venício Lima na secontrário, uma
quência da citação. “Primeicobertura política
ro, se políticos querem “se
favorável, ajuda,
acertar” com concessionácontribui
rios e/ou donos de grupos
de mídia, está implícito, por
óbvio, que acreditam que eles
(os donos) determinam ou
" no sentido das coberturas
jornalísticas.
Segundo, tanto uns quanto outros – políticos e concessionários/donos – acreditam que a cobertura política
da mídia determina ou in"
cesso político.
Terceiro, se isso é verdade, uma cobertura política
so político ou, ao contrário,
uma cobertura política favorável, ajuda, contribui.
Quarto, ambos – políticos
e concessionários/donos de
preocupação. Há muita inse- necessário para impedir que grupos de mídia – não paregurança sobre o futuro e, por a dívida interna aumente e cem acreditar na existência
isso, acho muito bom vocês de uma cobertura jornalística
fazerem, sim, um manifesto. cidade do governo de honrar imparcial (ou nada disso seria
necessário).
Comentei as linhas gerais seus compromissos”.
Finalmente, uma velha
do documento e paramos
– O que você acha? – perquestão que se recoloca dianjustamente no ponto sobre o guntei.
superávit das contas públicas.
– Um número forte pode- te da realidade que, sabemos,
– Se vocês não forem fa- ria ser melhor – respondeu. existe tanto nos Estados
lar sobre isso – advertiu ele – = Unidos como no Brasil: no
é melhor nem soltar o docu- isso, o texto está bom. Acho caso dos concessionários dos
serviços públicos de rádio e
'*%
que dá conta.”
televisão, que existem para
sobre o qual o mercado está
mais preocupado.
Depois de conversar com atender ao interesse coleti– E qual você acha que João Roberto Marinho, An- vo e não ao interesse privadeve ser o compromisso do tonio Palocci explica como do de indivíduos ou grupos
– empresariais, religiosos
novo governo? – perguntei.
alterou o documento:
ou quaisquer outros – não
– Em minha opinião, deve
ser algo um pouco acima de
“Achei melhor trocar constituiria uma ameaça im4%, que é o que parece estar a palavra `enquanto´, que portante à democracia perse tornando um consenso no dava noção de tempo, por `o mitir que ocupem posição de
mercado. O fato é que a dívi- quanto´, que dava noção de tamanho poder como atores
tamanho e da disposição de políticos nas democracias
e se há algo que vocês devem aumentá-lo, que era como o contemporâneas?
criticar no atual governo é problema se colocava naque
';
%'< le momento.”
Em seguida, Antonio
Palocci lê trechos do docuVenício de Lima arrema(do artigo “Candidatos se
mento para João Roberto ta o artigo com a seguinte
acertam
primeiro com a mídia”,
Marinho.
observação de atualidade irde
09-09-2008;
in Observatório
“Vamos preservar o supe- retocável quando o governo
da
Mídia).
rávit primário o quanto for Dilma parece próximo de,
política negativa
Debate
Hábito de ler está
além dos livros
O
historiador esteve no Brasil para
participar do 2º
Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, realizado
pela Universidade Estadual
de Maringá (UEM). Em entrevista à Agência Brasil, o
professor e historiador avaliou que os meios digitais ampliam as possibilidades de leitura, mas ressaltou que parte
da sociedade ainda está excluída dessa realidade. “O analfabetismo pode ser o radical, o
funcional ou o digital”, disse.
Agência Brasil: Uma
pesquisa divulgada recentemente indicou que o brasileiro lê em média quatro
livros por ano (a pesquisa
Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto
Pró-Livro em abril). Podemos considerar essa quantidade grande ou pequena
em relação a outros países?
Roger Chartier: Em primeiro lugar, me parece que o
ato de ler não se trata necessariamente de ler livros. Essas
pesquisas que perguntam às
pessoas se elas leem livros
estão sempre ignorando que
a leitura é muito mais do que
ler livros. Basta ver em todos
os comportamentos da sociedade que a leitura é uma
prática fundamental e disseminada. Isso inclui a leitura
dos livros, mas muita gente
diz que não lê livros e de fato
está lendo objetos impressos
que poderiam ser considerados [jornais, revistas, revistas
em quadrinhos, entre outras
publicações]. Não devemos
ser pessimistas, o que se deve
pensar é que a prática da leitura é mais frequente, importante e necessária do que
poderia indicar uma pesquisa
sobre o número de livros lidos.
AB: Hoje a leitura está
em diferentes plataformas?
Chartier: Absolutamente, quando há a entrada no
mundo digital abre-se uma
possibilidade de leitura mais
importante que antes. Não
posso comparar imediatamente, mas nos últimos anos
houve um recuo do número
de livros lidos, mas não necessariamente porque as pessoas estão lendo pouco. É
mais uma transformação das
práticas culturais. É gente que
tinha o costume de comprar e
ler muitos livros e agora talvez
gaste o mesmo dinheiro com
outras formas de diversão.
AB: A mesma pesquisa
que trouxe a média de livro lidos pelos brasileiros
aponta que a população
prefere outras atividade à
leitura, como ver televisão
ou acessar a internet.
Chartier: Isso não seria
próprio do brasileiro. Penso
que em qualquer sociedade
do mundo [a pesquisa] teria o
mesmo resultado. Talvez com
porcentagens diferentes. Uma
pesquisa francesa do Ministério da Cultura mostrou que
houve uma redistribuição dos
gastos culturais para o teatro,
o turismo, a viagem e o próprio meio digital.
AB: Na sua avaliação,
essa evolução tecnológica
da leitura do impresso para
os meios digitais tem o papel de ampliar ou reduzir o
número de leitores?
Chartier: Representa uma
possibilidade de leitura mais
forte do que antes. Quantas
vezes nós somos obrigados
a preencher formulários para
comprar algo, ler e-mails.
Tudo isso está num mundo digital que é construído
pela leitura e a escrita. Mas
também há fronteiras, não
se pode pensar que cada um
tem um acesso imediato [ao
meio digital]. É totalmente
um mundo que impõe mais
leitura e escrita. Por outro
lado, é um mundo onde a
Um dos maiores especialistas em leitura do
mundo diz que o hábito
de ler está muito além
dos livros e defende
que os governos têm
papel importante na
promoção de uma sociedade mais leitora.
leitura tradicional dos textos
que são considerados livros,
de ver uma obra que tem
uma coerência, uma singularidade, aqui [nos meios digitais] se confronta com uma
prática de leitura que é mais
descontínua. A percepção da
obra intelectual ou estética no
mundo digital é um processo
muito mais complicado porque há fragmentos e trechos
de textos aparecendo na tela.
AB: Na sua opinião, a
responsabilidade de promover o hábito da leitura
em uma sociedade é da
escola?
Chartier: Os sociólogos
mostram que, evidentemente,
a escola pode corrigir desigualdades que nascem na sociedade mesmo [para o acesso
à leitura]. Mas ao mesmo tem
"
dades de uma sociedade. Então me parece que, também, é
as crianças possam ter incorporados instrumentos de relação com a cultura escrita e
que essa desigualdade social
deveria ser considerada e corrigida pela escola que normalmente pode dar aos que estão
desprovidos os instrumento
de conhecimento ou de compreensão da cultura escrita. É
uma relação complexa entre
a escola e o mundo social. E
é claro que a escola não pode
fazer tudo.
AB: Esse é um papel
também dos governos?
Chartier: Os governos
têm um papel múltiplo. Ele
pode ajudar por meio de campanhas de incentivo à leitura,
de recursos às famílias mais
desprovidas de capital cultural e pode ajudar pela atenção
ao sistema escolar. São três
maneira de interação que me
parecem fundamentais.
AB: No Brasil ainda temos quase 14 milhões de
analfabetos e boa parte da
população tem pouco domínio da leitura e escrita
– são as pessoas consideradas analfabetas funcionais.
Isso não é um entrave ao
estímulo da leitura?
Chartier: É preciso diferenciar o analfabetismo radical, que é quando a pessoa
está realmente fora da possibilidade de ler e escrever da
outra forma que seria uma
'
Há ainda uma outra forma
de analfabetismo que seria da
historialidade no mundo digital, uma nova fronteira entre
os que estão dentro desse
mundo e outros que, por razões econômicas e culturais,
';
analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital.
Cada um precisa de uma forma de aculturação, de pedagogia e didática diferente, mas
os três também são tarefas
importantes não só para os
governos, mas para a sociedade inteira.
AB: Na sua avaliação, a
exclusão dos meios digitais
poderia ser considerada
uma nova forma de analfabetismo?
Chartier: Me parece que
isso é importante e há uma
ilusão que vem de quem escreve sobre o mundo digital,
porque já está nele e pensa
que a sociedade inteira está
digitalizada, mas não é o caso.
Evidente há muitos obstáculos e fronteiras para entrar
nesse mundo. Começando
pela própria compra dos instrumentos e terminando com
a capacidade de fazer um
bom uso dessas novas técnicas. Essa é uma outra tarefa
dada à escola de permitir a
aprendizagem dessa nova
técnica, mas não somente
de aprender a ler e escrever,
mas como fazer isso na tela
do computador. (Redação da
Agência Brasil)
11
Capa
A família real e a gênese
da indústria da seca
Estado, secas e histórias de vidas, mortes e
ausências
12
Antonio Gomes Barbosa*
No Semiárido, neste ano de 2012, vive-se
uma das maiores secas dos últimos 30 anos.
Como facilmente será observada, conjunturalmente, esta é a primeira grande seca no país
@
K
tado Democrático de Direitos. Nenhum dos
presidentes anteriores: José Sarney, Fernando
Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique ou
Lula, se viram frente a uma seca de tamanha
dimensão. Neste contexto
se faz necessário aprofundar o tema, entender seus
efeitos e intervir em seus
desdobramentos.
O que comumente se
conhece como seca ou
estiagem, é um fenômeno natural que ocorre em
várias outras regiões do
planeta. São fenômenos
cíclicos que obedecem
@ cáveis, portanto, passíveis
de previsão. A seca em si,
enquanto fenômeno natural, não se caracteriza
como problema, é parte
do funcionamento regular
da natureza. Porém, seus
efeitos têm se mostrado
implacáveis em países que
pouco enfrenta a questão
a partir da construção de
infraestruturas
hídricas
para o estoque. No tocante ao Semiárido brasileiro,
pelo que se constata ao
observar os últimos 200
anos, as secas de maior intensidade aconteceram em
intervalos aproximados de
30 anos.
Uma história que vem
de longe - Para o jornalista e escritor Laurentino
Gomes, autor de “1808”,
obra ganhadora do prêmio Jabuti de Literatura e
que descreve a história da
família real no Brasil sob
o comando do Imperador
Dom João VI, ao destacar
os elementos conjunturais
que contribuíram para o
movimento da proclamação da República Pernambucana, no Nordeste, em
1817, cita a seca de 1816
dentre os principais fatores.
Os efeitos da seca foram tamanhos que, somado a fragilidade do
Estado, se tornara terreno propício às ideias
libertárias e sociais que
passavam a alterar a geopolítica mundial. Em um
país continental e ainda
colônia, o que se espera-
va do Estado, comandado pela família real, longe
dos ventos das revoluções
liberais, era uma presença
maior na vida das regiões.
Essa qualidade na presença estabelece uma divisão
mais justa dos “recursos
públicos”, formados para além do tesouro da
coroa, da mineração e da
exportação do açúcar e de
grãos - de altos impostos,
cobrados indistintamente.
Porém, o que se observou
foi a destinação destes
quase que exclusivamente para garantir o luxo e a
boa vida da família real e
de uma pequena aristocracia em seu entorno, sediada no Rio de Janeiro.
Neste caso, a seca do
Sertão jamais se constituiria prioridade de Estado,
muito menos resultaria
em uma ação no sentido
resolutivo do problema.
Porém, os efeitos da seca
!
!
cantes assim para o centro
do poder. Para alguns, o
que era problema poderia
vir a ser oportunidade.
Alguns anos depois, na
primeira Carta Magna, artigo 179 da Constituição
Política do Império do
Brasil, assinada em 1824,
K
lizado para com os casos
Registros na imprensa - O jornal Cearense,
importante fonte de regismo norte delatam,
tros e informações sobre
impressionadoraa grande seca dos anos
mente, a nossa im1877/1878, na edição de
26 de abril de 1877, com
previdência, embora
o título “Secca” publica o
seja o único fato em
depoimento de um ilustre
nossa vida nacional,
morador da cidade de Araao qual se pode aplicati, Dr. Miguel de Castro,
que ao descrever a situcar o princípio da
ação vivida naquele ano
previsão” (Euclides
faz menção a outra grande
da Cunha, Cruzadas
seca vivida anterior aquela:
nos Sertões).
Estamos a braços com
uma secca, que será muito mais danosa e fatal que
a de 1845, em que, aliás,
muita gente sucumbiu a
fome.
de calamidades nacionais.
Dom Pedro II, em
Surge então a “Garantia condições políticas difedo Socorro Público”. A renciadas à de Dom João
partir desse momento, VI, considerado por muinascem as condições ju- tos um imperador sensato,
rídicas para o surgimento genuinamente brasileiro e
da “Indústria da Seca”.
bom gestor, vivenciou as
Se a primeira grande duas outras secas do períseca vivenciada pela fa- odo Imperial. Na primeira
mília real aconteceria oito de seu reinado, muitos poanos após a sua chegada ao Brasil, 1816, a última governo estava no início,
acontecera 11 anos antes era frágil e com muitas
Z%
cisões, que para manter
nascimento da República. o poder, tivera que enMas, como se observará, veredar pela prática da
no intervalo entre estas distribuição de favores e
duas, existiu outra grande
continua>>
seca.
“As secas do extre-
13
Capa
benesses para conquistar
aliados.
Mas, em precisos 29
anos após a seca de 1816,
uma nova tragédia assolava o Sertão, pelo relato
A grande corrupção
não seria possível se
não fosse expressão
de uma cultura da
corrupção miúda e
cotidiana
do Dr. Miguel de Aracati
no Ceará: “muita gente
sucumbiu à fome”. Os
efeitos novamente foram
devastadores: perda total
de lavouras e de rebanhos,
existência de um exército
de retirantes e morte de
milhares no campo.
Em tais situações, a
alternativa para quem é
camponês, e por algum
motivo continuara vivo,
era fugir para as médias e
grandes cidades no entorno em busca de melhores
condições de vida. Para
garantir a alimentação dos
familiares, muitos eram levados à mendicância e/ou
a cometer pequenos delitos, sobretudo furtos. Para
os que permaneciam no
campo, o cardápio alimentar era escasso e pouco
convencional: cactos, raízes, répteis, pássaros, animais silvestres, entre ou-
14
tros. Da parte do Estado
quase nada foi feito, a seca
passou incólume. Porém,
diferente da de 1816, esta
não provocou grandes revoltas políticas dos poderosos na região. Alguns
coronéis/fazendeiros/políticos, agora amparados
pela Constituição, foram
até agraciados com a nova
política do “socorro”.
Na prática, se no reinado de Dom Pedro I foram
criadas as bases jurídicas para o surgimento da
“Indústria da Seca”, é no
reinado de Dom Pedro II
que esta se inaugura e se
fortalece. A aproximação
com os coronéis da seca
permitiu uma relação passiva entre a Coroa e os
coronéis do Nordeste. Se
por um lado não se enfrentava de forma concreta os problemas apresentados pela seca, por outro,
a política de benesses do
império permitia o repasse de recursos públicos
que alimentavam a politica
local. Esta por sua vez, alinhava-se cada vez mais ao
governo central. (publicada
na Adital)
* É Sociólogo, coordenador
do Programa Uma Terra
e Duas Águas (P1+2) da
Articulação no Semiárido
Brasileiro (ASA).
A seca de 1877
quadro 1
A
nos depois, agora em 1877, uma
nova
grande
seca apresenta-se ao governo de Dom
Pedro II, que, já mais experiente e fortalecido, embora enfrentasse a oposição
dos abolicionistas, pouco
fez de diferente em relação à seca anterior. Limita
do os coronéis do Nordeste
com sua política de socorro, agora materializada
na construção de açudes
em áreas particulares,
contratação de trabalhadores a preços irrisórios
para frentes de serviços
nas fazendas dos coronéis
e repasse de montantes
de recursos para ser dividido entre as lideranças
políticas, que por sua vez,
voltava em apoio político
à Família Real no parlamento. A política de uma
mão lava a outra. Quanto
à seca em si, o discurso era
de ser preciso combatê-la.
No campo concreto,
não existiam ações que
amenizassem os efeitos e
as consequências sociais
da seca, sobretudo para
a grande população desprovida de quaisquer
bens materiais. As poucas
vozes que se levantavam
contra Dom Pedro II e o
parlamento (deputados e
senadores), formadas em
grande parte pelos abolicionistas, pouco repercutiam na mídia nacional.
Destaque importante deve
ser dado ao artigo de Major Capote, publicação da
Gazeta de Notícias, em 13
de julho de 1877, com o título “A secca do Ceará e
governo imperial”, artigo
que o Jornal do Commércio negou-se a publicar,
que relata a importância
dada ao fato pelo Imperador e a passividade do
13/7/1877 Jornal do Commércio
Morre o povo a
fome no Norte,
o Imperador
diverte-se em
Pariz!
Não há um
deputado, um
senador que
tenha a coragem
de interpellar
esse desgraçado
governo, a bem de saber que seus
suditos morrem a
fome, quando elle banqueteia-se e
diverte-se longe d’esse mesmo
povo que com o suor lhe paga para
bem manter suas prerrogativas e
efensa!
parlamento brasileiro. (veja
quadro1)
Enquanto o Imperador e o
parlamento pouco se linchavam para a seca no Nordeste, o jornal Cearense registrava o alastramento de seus
efeitos pelo Piauí, Ceará,
Rio Grande Norte, Paraíba
e outros. No centro das notícias: a escassez de alimentos,
quadro 2
10/6/1877 Horrores da fome – Cearense
No Ceará já morre gente de
fome; “A desesperadora crise
da secca
vae cada vez mais em augmento, por todo este município, cuja
população vive em sobressaltos, e já muitos se acham em
preparativos de emigrar para
essa capital...”
.......................
“Já morreram quatro crianças
victimas da fome; e o povo
não tem
mais de que se sustentar,
porque se esgotaram as raízes
de mucuná e
pau mocó...”
Capa
perda dos rebanhos, mortalidade de crianças e adultos
e a existência de um grande
contingente de retirantes vagando pelos campos e cidades em busca de alimentos.
No Ceará, a fome, a morte,
o desespero e a migração
reinavam.(veja quadro 2)
Para as demais regiões
do país, em especial Sul e
Sudeste, pela fragilidade
e domínio da imprensa, a
seca era totalmente desconhecida, era como se nem
existisse. Até que em abril
de 1878, a Revista O Besouro, do editor e caricaturista
Raphael Bordallo Pinheiro,
publica o artigo de capa “A
seca do Ceará”, onde descreve de forma sarcástica o
“socorro” dado pela Companhia de Feno Nacional
aos animais que morriam de
fome, enquanto os retirantes
permaneciam sem socorro
(ALMEIDA, 2011).
Em maio, o jornal enviara o jovem José do Patrocínio para uma cobertura da
seca, que já no caminho,
registrava suas impressões,
que seriam enviadas e publicadas pela A Gazeta de
Notícias:
Criancinhas nuas e seminuas, com os rostos escaveirados, cabelos emaranhados
sobre crânios enegrecidos
pelo pó das longas jornadas,
com as omoplatas e vértebras cobertas apenas por
pele ressequida, ventres
desmesurados, pés inchados,
cujos dedos e calcanhares
foram disformados por parasitas animais, vagam sozinhas ou em grupo, tossindo a
sua anemia e invocando, com
a voz fraquíssima, o nome
de Deus em socorro da orfandade.
Para além de romper o
silêncio e dar visibilidade
à seca de 1877/1878, de
mostrar a inexistência da
ação do Estado brasileiro,
esta matéria do O Bezouro
ainda viria estabelecer dois
outros grandes marcos na
história do Brasil. Uma, o início do fotojornalismo nacional, a outra, menos gloriosa,
e com repercussões até os
dias de hoje, a criação de
um imaginário de Nordeste
de fome, miséria, terra rachada e de pessoas precisando de socorro. Um lugar
inviável. De morte e de dor.
Para muitos estudiosos da
história do Nordeste, com
a seca de 1877/1878, a
partir das imagens apresentadas e da grande repercussão que estas criaram,
não apenas outros jornais
enveredariam por este prisma, como até mesmos os
passariam a se reportar à
região a partir destas ima
!"
Nordeste surgiu a partir daí
é correta, mas este não é o
verdadeiro Nordeste.
A indústria da seca - Se
os problemas da região estavam associados à falta
de água e à existência de
um povo (sub-raça) incapaz
de resolver seus próprios
problemas, a saída não
poderia ser outra, se não,
a de mudar a sequidão da
região através da construção de grandes açudes,
da prática da irrigação e
até da transposição do rio
São Francisco, e socorrer o
povo. Esta formulação caiu
como luva nos interesses da
já iniciada e agora, organizada, “INDÚSTRIA DA
SECA”.
O editorial do jornal Cearense, de 7 de junho de
1877 trata sobre o tema.
(quadro 3)
quadro 3
07/6/1877
Jornal Cearense
TRABALHO E NÃO ESMOLA
O que convém as províncias flagelladas pela
secca é o socorro distribuido pelos seus habitantes, de modo que o solo seja o primeiro
tirar proveito e adquirir armas para appolas
às inclemências
climatéricas. Neste caso, o trabalho será
um meio e o melhoramento da província o
fim dos socorros prestados pelo governo a
particulares.
........................
E preciso que o sr. Dezembargador presidente se capacite de que o único meio de reter
a população em seus respectivos sítios, é
dotar a província de seus melhoramentos, é
favorecer a abertura de açudes e depósitos
d’água, principal agente fertilisador e conservador da lavoura.
Parte da imprensa local
destacava a “ajuda” da
Família Real como esmola e
cobrava iniciativas ancoradas localmente como saída
para a relação de dependência. Muitos que aqui
viviam eram “novos livres”
ou ex-escravos fugidos das
fazendas e/ou das secas;
eram trabalhadores do
corte da cana e do plantio
do café; eram vaqueiros;
eram mestiços e indígenas,
que, em busca de melhores
dias, vieram habitar a região. Os limites não se restringiam à seca, estavam,
sobretudo, na concentração
das terras e na precariedade no mundo do trabalho.
Mesmo com todo o descuido da Família Real com
o povo do Nordeste, o im-
pério viu a região crescer
ada. Com abolição da
escravatura, que não se
deu o trabalho de alterar
a estrutura fundiária no
país, a quase totalidade
das famílias do campo
permaneceu como “moradores” dos seus antigos
senhores como nas condições de meeiros, arrendatários, capatazes, vaqueiros, etc. Outra parte,
simplesmente vagava.
Foi este povo que construiu as bases para uma
ciência da Convivência
com o Semiárido, o que
abordaremos de forma
mais detalhada nos próximos artigos, em especial no terceiro e quarto
desta série.
15
Outra leitura
Os muito ricos e o mito de que seriam
“criadores de empregos”
Paul Buchheit*
Em 1889, no seu artigo
O Evangelho da Riqueza
[Gospel of Wealth], Andrew Carnegie ensinava que
os norte-americanos deveriam considerar bem vinda
a concentração da riqueza
nas mãos de poucos, porque “a superior sabedoria,
experiência e habilidade”
16
Os mais ricos – indivíduos e empresas –
são muito bons em
acumular fortunas.
E são melhores
ainda na arte de
cultivar o mito de
que seriam “criadores de empregos”.
dos ricos garantiria benefícios para todos.
Mais
recentemente,
Edward Conard, autor de
Unintended Consequences:
Why Everything You’ve
Been Told About the Economy Is Wrong [Consequências indesejadas: por que
tudo o que lhe contaram
sobre a economia está errado], disse: “Como socieda-
de, não estamos a oferecer
aos nossos raros talentos
' K
tamos pagando pouco aos
que correm riscos”. (1)
Será verdade? Será que,
se dermos todo o dinheiro
aos norte-americanos mais
ricos, estará garantido que
o empregarão sabiamente
e que criarão empregos e
estimularão os investimen-
tos em pequenos negócios
!
a sociedade? Isso parece
ser o que pensam os 18 altos executivos de grandes
empresas que escreveram,
em carta ao Secretário do
Tesouro Timothy Geithner, que qualquer aumento
nos impostos sobre ganhos
de capital reduzirá o investimento, “quando precisamos formar capitais nos
EUA para criar empregos e
expandir nossa economia.”
Os 18 empresários e executivos que assinam a carta
não listam qualquer prova
a favor de suas ideias, porque não há o que prove esse
tipo de delírio. Os factos
são outros:
Arriscar em empregos? Os muitos ricos
não gostam de arriscar
em empregos - ;
sionais da alta gestão e da
!
presentavam, em 2005, cerca de 60% do 1% de norte-americanos mais ricos. Os
empresários empreendedores não chegavam a 3%.
Estudo recente constatou
que menos de 1% de todos
os empresários empreendedores vinham de ambientes
muito ricos ou muito pobres.
A grande massa dos
investimentos dos norte-americanos mais ricos
toma o rumo do exterior –
para fora dos EUA, onde os
mais ricos aplicam 57% do
Investimento de risco? próprio dinheiro e enchem
- Os muito ricos não gostam suas fábricas com trabade investimentos de risco
lhadores mal remunerados
Analistas de mercado de e superexplorados. NúmeMarketwatch estimam que ros do Departamento de
mais de 90% do património Comércio mostram que as
acumulado pelos milionários empresas norte-americanas
está aplicado numa combina- cortaram cerca de 2,9 mição de investimentos de bai- lhões de empregos nos
xo risco (bondse dinheiro), EUA entre 2000 e 2009. Ao
no mercado de ações e em mesmo tempo, criaram 2,4
propriedade imobiliária. Se- milhões de subempregos
gundo o economista Richard fora dos EUA.
Wolff, cerca de metade do
O mais provável é que os
patrimônio do 1% mais rico muito ricos absolutamente
está aplicado em fundos não nunca pensem em criar emincorporados (contas comer- pregos, sejam quais forem,
ciais pessoais). O Wall Street nos EUA. Pesquisas mosJournal anota que cerca de tram que 60% dos investimais de ¾ do patrimônio dos dores com patrimônio de
que valem individualmente $25 milhões ou mais estão
mais de $20 milhões está in- investindo no exterior até
vestido em fundos hedge.
1/3 de tudo que têm. Nos
A parte do investimento EUA, a riqueza extra que
aplicada em negócios ini- teria sido criada pelos corciantes em 2011 não chegou tes de impostos da era Bush
a 1% dos investimentos dos evaram aos “piores númericos nos EUA.
ros do trabalho, de toda a
A investigação de Men- história”. O grande criador
*" \^ de empregos nos EUA,
como diria Nick Hanauer,
ricos gastam menos de 2% (2) é o consumidor de clasdo próprio dinheiro para se média.
estimular negócios iniciantes. A última coisa que queNão gostam de invesrem, pelo que se pode ver, tir - As empresas norteé investir no arriscadíssimo -americanas muito ricas
negócio de contratar gente não gostam de investir nos
para inovar.
EUA. Como as empresas
As empresas
norte-americanas
muito ricas não
gostam de investir nos Estados
Unidos
gastam o próprio dinheiro? Em larga medida, não
gastam. Segundo a agência
Moody’s, o caixa de empre !
-americanas subiu 3% entre
1980 e 2011 e chega hoje a
$1,24 trilhões. A razão património/dinheiro das empresas quase triplicou entre
1980 e 2010. Estima-se que
o dinheiro paralisado como
reserva de caixa nas empresas norte-americanas bastaria para manter empregados 3,5 milhões de pessoas
a mais, durante cinco anos,
com salário anual de $40
mil dólares.
As empresas que mais
preservam suas reservas de
caixa, entre as quais Apple,
Google, Intel, Coca Cola
e Chevron, gastam o seu
dinheiro na recompra de
ações (o que faz subir o preço das ações preferenciais),
em dividendos para investidores e na compra de empresas subsidiárias. Segundo Bloomberg, a recompra
de ações alcança hoje um
dos mais altos picos dos últimos 25 anos.
A empresa Apple alega
ter criado 500 mil empregos
para a economia dos EUA,
mas aí estão contados entusiastas da construção de
aplicativos e os motoristas
da Fedex que entregam
iPhones a domicílio. A Apple emprega hoje nos EUA
47 mil pessoas: é 1/10 da
força de trabalho da General Motors nos anos 1990s.
Os riquíssimos investem, isso sim, no exterior.
Também investem mais
em “drenar cérebros” para
o exterior – empresários,
cientistas, médicos – do que
em apoiar a melhoria da
educação nos EUA.
Há um campo no qual
as grandes empresas gostam de gastar dinheiro: em
bônus aos altos executivos.
Bancos, sobretudo, cujos
gastos extras são muitas vezes cobertos por empréstimos de juro zero que lhes
garante o FED – Federal
Reserve.
Os mais ricos – indivíduos e empresas – são muito
bons em acumular fortunas. E são melhores ainda
na arte de cultivar o mito
de que seriam “criadores de
empregos”.
* da Common Dreams via
Esquerda.net
REFERÊNCIAS
[1] New York Times,
1/5/2012, “The Purpose of
Spectacular Wealth, According
to a Spectacularly Wealthy
Guy” [O objetivo da riqueza
espetacular, segundo alguém espetacularmente rico], assinado por
Adam Davidson, onde se lê:
“(…) recentemente, encontrei
Edward Conard na 5ª. Avenida, entre a Av. Madison e a
Rua 57, bem em frente de seu
escritório [na empresa] Bain Capital, o Fundo de Investimento
em Participações que ele ajudou
a converter em negócio multibilionário, à custa de comprar empresas em frangalhos, consertá-las
e revendê-las com gordos lucros.
Conard, que se aposentou há
três anos, quando completou 51
anos, não é membro só do 1%: é
membro também do 0,1%. Sua
fortuna está na casa das centenas
de milhões: vive em uma casa no
Upper East Side, perto da 5ª.
Avenida; e é um dos principais
doadores de campanha de seu antigo patrão, depois sócio, e amigo,
Mitt Romney”.
17
Este é o espaço dedicado à produção do COLETIVO SABER E
POESIA DO SINTESE, um grupo de professores da rede pública que
une a força da militância à sabedoria poética.
Legisladores
Submissos
Antônio Dantas Santos
Professor da Rede Municipal de
Itabaiana-SE
O Legislativo nasceu
Para ser o principal poder,
Isso lá no iluminismo
Hoje o que é que a gente vê?
Uma porção de lagartixas,
Submissos de dar nojo,
Que em sua imensa maioria,
Votam pra prejudicar o povo.
Seria a participação,
Popular e coletiva,
Para combater os abusos
Da prática absolutista.
Não se impõe enquanto poder,
São simples reprodutores!
Dos descasos do executivo,
São eternos apoiadores!
Neste jogo de cartas marcadas,
De acordos e conchavos,
Ter a maioria na Câmara implica
dizer
Que tudo está dominado.
Estou mentindo vereadores?
Diga lá, ô deputados?
Queiram parar de ser omissos,
Respeite o povo, e seus mandatos.
Na Câmara de Vereadores
Do meu amável município,
Assim como na Assembleia Legislativa,
Tudo segue o mesmo escrito.
Tem que rezar na Cartilha,
Não mijar fora do caco.
Se dizem bancada situacionista,
Submissos, desgraçados!
Parasitas do palácio,
Vermes e dissimulados,
Rifam a mãe se for o caso,
Para garantir um novo mandato.
Caras cínicas, fascistas,
Que dizem uma coisa e fazem o
contrário.
18
Gostaria de lembrá-los,
Nem todo mundo é otário.
Tanta luta para construir
Nosso Plano de Carreira,
Anos de esforço e estudo
Foram jogados na lixeira.
Valorizar Educação
Nunca foi prioridade...
Isso só lá no Palanque,
Conservadorismo covarde.
“É melhor pagar bem a um professor
Do que a um general...”
Disse um libertador mexicano,
Mas no Brasil, isso faz mal!
A ideia é manter o povo na ignorância
Para nem saber cobrar direitos.
Sinistra prática nefasta,
Golpe baixo, mas perfeito.
“Professor representa perigo,
É formador de opinião!
Se dermos um bom salário,
Fará a transformação”
Assim falava um velho político,
Num desses papos de quiosque.
Quando soube que eu era professor
Olhou pra mim e disse: “Coitado,
pobre!”
São acordos feitos em gabinetes,
Alegando a tal governabilidade.
O que se vê na essência
É uma tremenda falta de caráter.
Na galeria da Assembleia,
E das Câmaras Municipais:
Silêncio, Tensão, Revolta e Choro,
Em cenas e cores tristes e banais.
Mas, igualmente a semente
{
"
A Luta não para aqui.
Haveremos de vencer!
Voto
Mariana Celestina Félix Bezerra
Professora da Rede Municipal de
Aquidabã-SE
Meu povo, vamos votar,
Não por uma obrigação
Lembrando que através dele
Mudamos uma nação!
Pense bem para escolher
Nosso voto não é mercadoria
Não se troca, nem se vende
É uma forma de exercer
A nossa democracia!
O candidato se achando esperto
Faz de tudo pra se eleger
Beija o pobre, abraça o rico
Para o pleito poder vencer.
Passa dias sem dormir
Em plena dedicação,
Atende a todos com gentileza
Não faz acepção,
Em seu discurso garante:
Saúde, lazer e educação
Após eleito é outra história,
Diz: “Eu não conheço você!”
Esquecem suas promessas,
Desrespeitam a legislação,
Compram bois, compram fazendas,
Com o dinheiro da nação!
E o povo nesse dilema,
Sem escolas, sem estradas,
Sem lazer, sem nada!
Começa a esmorecer
Por uma escolha errada,
Quatro anos vão padecer.
XIV Forró do SINTESÃO:
a festa de quem faz a luta
Ascom/SINTESE
Imagens da Luta
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