FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino

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FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1, nº 1. 2014
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APRESENTAÇÃO
A Revista Focus Insight é o periódico cientifico criado pela Faculdade Latino
Americana de Educação - FLATED, dentro da sua política de fomento do saber
acadêmico e social, por entender que esta iniciativa é um espaço para discussão de
toda a comunidade acadêmica e demais interessados.
A FLATED, tem como uma de suas missões proporcionar a difusão e democratização
do conhecimento. A Revista Focus Insight torna-se um veículo propagador de
conhecimento e, ao mesmo tempo, o espelho do desempenho docente e discente, nas
atividades indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão, traduzindo o esforço
institucional de produção própria, em conexão com o conhecimento produzido em
outras instituições acadêmicas e sociais.
Com periodicidade semestral, e fluxo constante de submissão, a Revista Focus Insight
possui divulgação eletrônica, abordando temas variados no âmbito educacional e suas
interfaces com outras áreas do conhecimento.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
1. REPERCUSSÕES DA PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA NA ESCOLA BÁSICA
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Maria Marina Dias Cavalcante
2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE:
A EXPERIÊNCIA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ NO
PERÍODO DE 2011-2012
Roberta Lúcia Santos de Oliveira
Antônio Roberto Xavier
3. O PROCESSO EDUCATIVO NO CENTRO DE SEMILIBERDADE MÁRTIR
FRANCISCA
Helaine Cavalcante Portela
Lia Machado Fiúza Fialho
4. DOCENCIA, POLITICAS EDUCACIONAIS E O ENSINO DE GEOGRAFIA 30
Stanley Braz de Oliveira
5. FACULDADE DE FILOSOFIA DO CRATO – CE E
A FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES
Lourdes Rafaella Santos Florencio
Inambê Sales Fontenele
6.
REVELANDO VOZES, DESVELANDO OLHARES DE JOVENS SOBRE
SEXUALIDADE
Francisca Joelina Xavier
Nadja Rinelle Oliveira de Almeida
7. PSICÓLOGOS ESCOLARES E SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO EDUCACIONAL
TERESINENSE: SUA COMPREENSÃO A RESPEITO DA ÁREA ESCOLAR, DE
SUAS ATIVIDADES E DE SUAS DIFICULDADES
Carla Andréa Silva
8. DO LIVRO IMPRESSO AO DIGITAL: AS PRÁTICAS COTIDIANAS DE LEITURA
DE PROFESSORES NA CIDADE DE TERESINA-PI
Marta Rochelly Ribeiro Gondinho
9. O ENSINO DE HISTÓRIA E A PEDAGOGIA DO GRIÔ: O OLHAR DE CRIANÇAS DO
ENSINO FUNDAMENTAL I NO CARIRI CEARENSE
Inambê Sales Fontenele
Lourdes Rafaella Santos Florencio
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REPERCUSSÕES DA PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA NA ESCOLA BÁSICA
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Maria Marina Dias Cavalcante
Resumo
Este estudo traz uma reflexão sobre a Pedagogia Universitária e seus reflexos na escola pública de
ensino fundamental, buscando explicitar as relações e as contribuições entre o trabalho desenvolvido
nestes dois níveis de ensino no Brasil. Desse modo, analisamos as reflexões e proposições de
professores, lotados em escolas de ensino fundamental da rede municipal de Fortaleza sobre a
percepção de sua prática pedagógica, de sua formação contínua e de seu desenvolvimento
profissional, a partir da seguinte questão: Quais as contribuições que os profissionais da educação
básica podem trazer para a elaboração de uma pedagogia universitária? Trata-se de uma pesquisa
qualitativa hermenêutica que destaca a diferenciação entre os dois tipos de objetos de estudo, o físico
e o humano, ao admitir que, ao contrário do objeto físico, o homem é capaz de refletir sobre si
mesmo e, através das interações sociais, construir-se como pessoa. Esse foco visto numa perspectiva
de aproximação da escola básica com a universidade atinge o trabalho docente (no ensino superior)
de modo a reconstituí-lo e ressignificá-lo.
Palavras-Chave: Pedagogia Universitária – Ensino Fundamental – Prática Docente.
Introdução
A formação de professores e a defesa da escola pública têm acompanhado o debate no
campo da Pedagogia, tanto nas publicações bibliográficas produzidas, como nas temáticas dos
eventos, nas pesquisas em educação e da formação docente.
Considerando que o professor, o qual exerce hoje o magistério na educação básica é o
egresso da Universidade e que nos seus espaços adquiriu muitos dos seus valores e comportamentos
pedagógicos é que nos propomos a pesquisar e a problematizar uma Pedagogia Universitária com
base nas ideias e percepções desses sujeitos. Acreditamos que, estes atores sociais no exercício da sua
profissão e valendo-se de suas memórias de formação podem apontar elementos importantes para
uma Pedagogia Universitária.
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Para tanto, indagamos: com que saberes e conhecimentos os professores da educação
básica contribuem para o debate sobre Pedagogia Universitária? De que forma o cotidiano acadêmico
e os professores da Universidade fazem parte do imaginário dos professores da educação básica?
São questões relacionadas ao campo universitário e que de forma recorrente estão
presentes como objeto de crítica, praticamente, desde que a Universidade foi criada. A crítica mais
enfática e arrojada parece ter sido a de Max Weber (1989), referindo-se aos feudos que foram criados
em torno das áreas do conhecimento, bem como às relações de poder provenientes destes
aglomerados, que poderiam barrar pessoas e ideias que não fossem convenientes aos Reitores, por
exemplo. Esta crítica é considerada atual, na medida em que ainda se mantêm grupos em vez de
aglomerados em torno das áreas do conhecimento e a consequente competição entre elas, o que para
alguns parece ser salutar e para outros não.
No Brasil, a literatura é fértil na direção de recuperar o resgate a referida crítica e, dentre
outros, podemos destacar: Alves (2003); Cunha (2010); Leite (1999); Pimenta e Almeida (2010,
2011); Pimenta e Lima (2004), que apresentam reflexões ao mesmo tempo em que trazem uma
proposta metodológica de como fazer Universidade, partindo das realidades e das práticas realizadas
pelos professores no âmbito das instituições de ensino superior (IES). Tais críticas provocam intensos
e tensos debates na universidade, sobretudo, porque são feitas no seu interior.
Referendado por este quadro este estudo se insere no âmbito da configuração deste
campo de conhecimento, tomando por base nossa trajetória de professoras dos cursos de graduação e
pós-graduação. Dessas discussões, muitos questionamentos foram surgindo, dentre as quais
destacamos os seguintes: que rupturas e sintonias existem entre o cotidiano da universidade e a escola
básica? Qual a visão do professor da escola básica acerca dessa relação? Que elementos de reflexão
podem subsidiar novas práticas na Pedagogia Universitária? Quais são essas práticas? Que fazeres
são esses? Quais saberes fazem parte do cotidiano da escola básica? A partir destas questões surgiu a
indagação central deste ensaio: quais as contribuições que os profissionais da educação básica
podem trazer para a
elaboração de uma pedagogia universitária?
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Portanto, é com o objetivo de analisar as reflexões e proposições de profissionais da educação
básica sobre a Pedagogia Universitária com origem nas suas memórias de formação e na prática
pedagógica escolar, que trataremos desse tema.
Desenvolvimento do Estudo
Nesse estudo, buscamos o delineamento da constituição da Pedagogia Universitária mediante
uma pesquisa de base qualitativa, por ser esta a mais adequada aos propósitos já enunciados, ou seja,
a procura da compreensão do processo de configuração da Pedagogia Universitária.
No âmbito das pesquisas qualitativas, a opção foi pelo referencial teórico-metodológico,
difundido pelas ideias de Ghedin e Franco (2008), que iluminarão as questões enfocadas pelos
sujeitos, possibilitando a compreensão do fenômeno estudado e um melhor encaminhamento ao
percurso de sua formação.
Portanto, a metodologia de trabalho está apoiada em uma abordagem qualitativa hermenêutica,
que destaca a diferenciação entre os dois tipos de objetos de estudo - o físico e o humano - ao admitir
que, ao contrário do objeto físico, o homem é capaz de refletir sobre si mesmo e, mediado por
interações sociais, constituir-se como pessoa. Além desse aspecto permite uma visão do que acontece
por dentro do fenômeno estudado, isto é, considera todos os componentes de uma situação, em suas
interações e influências recíprocas. Nesse ínterim, a problematização, o diálogo e a reflexão da
prática na prática possibilitaram a reflexão destes sujeitos no próprio contexto de trabalho em que
atuam. Nesse contexto, trabalhamos com grupos focais autorrefenciais.
De acordo com Morgan (1997), os grupos focais autorreferenciais servem a uma variedade de
propósitos, não só para explorar novas áreas pouco conhecidas pelo pesquisador, mas também por
aprofundar e definir questões de outras bem conhecidas, responder a indagações de pesquisa,
investigar perguntas de natureza cultural e avaliar opiniões, atitudes, experiências anteriores e
perspectivas. Assim, a composição do grupo envolverá três coordenadores pedagógicos, dois técnicos
em educação e cinco professores em regência nas turmas de 5º Ano do ensino fundamental. Essa
composição e o número de participantes realizaram-se consoante acordo entre os membros que
integram o referido grupo.
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Com este entendimento, vivenciamos um percurso organizado em sessões de discussão em um
grupo autorreferente. Em tais sessões discutimos aspectos relacionados à pesquisa e sua relação com
a temática em estudo, evidenciando elementos de formação dos professores imbricados nesse
processo.
O vivenciado ao longo das seis sessões permitiu-nos assegurar que o desenvolvimento da
pesquisa primou pelo investimento em atividades que mobilizavam os participantes a desencadear
processos reflexivos. A cada sessão, ficavam patentes o envolvimento do grupo e o amadurecimento
dos conteúdos trabalhados, fato indicativo de que a dinâmica desenvolvida mobilizou conhecimentos
e possibilitou, dentro dos limites aqui apontados, o desencadear do diálogo com a própria formação.
Pedagogia Universitária e sua Repercussão na Escola de Educação Básica
Em face do objetivo e da questão norteadora deste estudo, temos constatações oriundas da voz
dos professores que apontaram para: a memória de formação; a formação continua; as práticas
pedagógicas e o desenvolvimento profissional. Considerando pois, os limites e as possibilidades da
elaboração de uma pedagogia universitária, esta ficaria incompleta, se houvéssemos nos detido
apenas no referencial dos projetos e leis relativos ao campo pedagógico.
Os pontos em destaque referem-se a uma Pedagogia Universitária, no âmbito pessoal,
institucional e político, bem assim, na relação intrínseca de momentos que apontam decorrências e
possibilidades de construção de novo habitus, que permitirá a realização da práxis no campo
pedagógico, em elaboração. Para dar conta das respostas, sem perder de vista esta perspectiva é
necessário considerar os comentários sob três aspectos, diretamente ligados a um projeto de
elaboração de uma Pedagogia Universitária: como projeto pessoal; como projeto institucional e
político, e como projeto coletivo permeados pela dimensão ética.
A elaboração de um projeto que contemple uma Pedagogia Universitária como projeto pessoal
é o primeiro ponto. Destaquemos o fato de que os depoimentos dos profissionais comprovam este
entendimento, ao apontar a centralidade do espaço universitário e escolar como espaço social, em que
os profissionais da educação formataram a matriz do jeito de ser e de estar na profissão. Desses
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depoimentos algumas manifestações assinalam: o interesse pela profissão/ campo profissional; a
necessidade de uma postura Política, Técnica, Ética e Estética do professor;o sonho e o desejo dos
professores precisa ser respeitado; a articulação entre Projeto de desenvolvimento profissional e
projeto institucional;a descoberta da motivação deve voltar-se para o resgate do desejo;é preciso
ouvir para poder dialogar; a escola básica é reflexo da formação na universidade.
Identificamos a ressonância de tais fatos na leitura dos depoimentos, em constatações que
indicam a presença do sujeito profissional em prática. A dificuldade é expressa de várias maneiras,
nas fala, pelo fato de os entrevistados se perceberem, às vezes sim, às vezes não, sujeitos coletivos do
processo de seu tempo histórico ao manifestarem suas impressões acerca das políticas de formação.
Tais depoimentos evidenciam como fator preponderante, os desdobramentos das políticas
educacionais, que deixam marcas, apontando a competitividade e o individualismo, no meio
educacional, como aspecto de consequências estruturais para o processo formativo.
Comprovamos também, que os investigados entendem a formação contínua relacionada à força
do habitus partilhado, visto como cuidado com a formação que articule os saberes pedagógicos e
científicos; proporcione a melhor formação científica e/ou curricular; respeite e valorize, socialmente,
o trabalho dos professores; e priorize a dimensão teoria/prática. Eles consideram o mesmo processo
como propulsor da elaboração de uma Pedagogia Universitária, razão por que há a necessidade de
investimento na formação contínua, enfatizada nas falas, como um elemento estruturante e, embora
tácito, unânime entre os entrevistados. Na visão dos profissionais, identificamos a tendência a um
novo habitus, que é possível pensar um novo profissional, portador do habitus alinhado às
necessidades humanas, voltado para a escola atual; o profissional da educação que, segundo Pimenta
(1999), entre ‗‗em contato com os saberes sobre educação e sobre pedagogia, e possam encontrar
instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas confrontando-os. É aí que se
produzem saberes pedagógicos na ação‗‗.
A Universidade e a Escola, entendidas pelos sujeitos, como locus de formação e de elaboração
de uma Pedagogia Universitária, devem ter como proposta a formação contínua de seus professores.
Em diferente medida, no entanto, se constata que a valorização dos projetos (relativos à formação)
desenvolvidos é de interesses distintos (de políticas vigentes, de formação, financeiros, interesses
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pessoais), nem sempre associados ao que é acordado coletivamente. A situação vincula-se,
normalmente, à cultura profissional.
Outra observação da fala dos entrevistados nos revela suas inquietações com o processo cognitivo
do ensino e com o conhecimento científico, algo, muitas vezes, ignorado institucionalmente, talvez pelo
próprio ―desconhecimento‖ da história e da produção científica, nas dimensões técnica, política e
pedagógica, resultando em trabalho pedagógico desatualizado e ativista. A desatualização pode ser
tributária da formação recebida e não maximizada da trajetória profissional, pela pouca ou nenhuma
oportunidade de prosseguimento dos estudos relativos à área de formação. Alguns estudos registram que
os profissionais têm consciência das deficiências de sua formação e reivindicam oportunidades para se
capacitar melhor (ALVES, 1998). O sistema oficial de ensino, geralmente, não oferece sistematicamente
situações de
aprendizagem que dem oportunidades de continuidade dos estudos para manter o professor
informado cientificamente, bem como atualizado sobre o campo pedagógico e acerca das dinâmicas
sócio/ históricas e políticas.
Tudo isso nos leva a refletir acerca das deficiências da formação pedagógica de professores
sobretudo os que estão em exercício nas salas de aula da Universidade.
Chamamos atenção para um aspecto. O fato de trabalho docente universitário dever transpor a
sala de aula não significa que não seja necessária a recuperação do trabalho pedagógico dentro da
Universidade, pois, de acordo com os profissionais entrevistados, parece existir um movimento de
desfiguração das atividades pedagógicas (conteúdos específicos x conteúdos pedagógicos), ante as
responsabilidades impostas, as políticas e as condições de trabalho. Isso interfere profundamente nas
possibilidades de realização do trabalho pedagógico de qualidade.
Considerações Finais
Considerando que não pode haver profissão ancorada na insuficiência de saberes formais
capazes de sustentar a prática, a Universidade, por ser lugar, por excelência de formalização dessses
saberes, não pode assumir uma postura que termina por ratificar uma posição na qual a condição
profissional da docência universitária exige para o seu exercicio apenas saberes formais das
profissões que se apresentam como objeto de formação.
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Esse entendimento nos leva a maior esforço de interpretação do significado das práticas
pedagógicas, bem como à reflexão do conhecimento pedagógico
que se constitui na
compreensão dos aspectos científicos da educação. Trata-se
de desvendar os fundamentos
filosóficos existentes na
pois a Pedagogia Universitária
relação entre teoria e prática,
entendida com suporte na ciência Pedagogia, tem o seu sentido na humanização da práxis.
Os esclarecimentos indicam que a formação dos professores universitários precisa instalar
outro cenário para o trabalho pedagógico, secundado pelo estatuto epistemológico da Pedagogia,
cujas concepções precisam estar alinhadas com uma dimensão científica, que assegure as condições
do pensamento autônomo para tornar possivel uma dinâmica de autoformação participada.
Tambem elucidam o fato de que, no contato com a prática educativa de aspecto pedagógico, o
conhecimento profissional se enriquece com outros campos (social, moral, ético), além de permitir
fomentar a análise e a reflexão sobre a prática educativa, na tentativa de recomposição dos esquemas,
percepções e crenças, ou seja, do habitus pedagógico.
Tal habitus poderá patrocinar um conhecimento profissional, imaginário, intuitivo, criativo e
científico que se faz legítimo, ou seja, a análise e reflexão das situações problemáticas vividas, não
apenas instrumentais, favorecem o profissional da educação a elaborar o sentido de cada situação,
muitas vezes, única. Por isso, a formação precisa não apenas se aproximar da prática educativa, mas,
sobretudo, aliar-se à escola e a outras práticas pedagógicas.
O conhecimento teórico da praxiologia bourdieusiana, de apoio à prática educativa, favorece a
compreensão da instauração do novo habitus, consequentemente, a efetiva elaboração de uma
Pedagogia Universitária alimentada pelas necessidades (questões políticas, vivências coletivas,
informações atualizadas, questões de empregabilidade, posição política e ética) da profissão dos
educadores e do salto qualitativo do ensino-aprendizagem.
Na elaboração de uma Pedagogia Universitária, os profissionais concebem novas significações,
como atividades pedagógicas voltadas para a formação integral do homem, em dimensão coletiva e
ética, afastando, assim, o imperialismo do individualismo com origem na práxis.
À vista dessas posições, uma Pedagogia Universitária em sua elaboração se faz sobre a base do
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habitus que compreende as dimensões ethos e héxis , inseridas no campo social. Dessa forma, se por
um lado o habitus reproduz os referenciais da cultura legitimada, de outra parte, desenvolve um
trabalho cognitivo de ressignificação dos objetos materiais e imateriais da cultura. Admitimos a ideia
de que, pelas práticas, a formação vem construir um universo simbólico próprio, do subcampo
cultural que se materializa nos agentes, por meio de esquemas de percepção, pensamento e ação. Sob
essa ótica, podemos afirmar a viabilidade de constituição de novo habitus no campo pedagógico, que,
para compreender a ressignificação voltada para a elaboração de uma Pedagogia Universitária, deve
ser essencialmente permeado pela dimensão ética voltada para a práxis.
1
Bourdieu, (2003) ao tomar o conceito de habitus, leva em conta a autarquia do homem, defendida por Aristóteles, no
sentido de construtor da própria morada que compreende o espaço do ethos.Dessa forma, segundo
Referências Bibliográficas
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LEITE, Denise. (Org.). Pedagogia universitária: conhecimento, ética e política no ensino
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WEBER, Max. Sobre a Universidade. São Paulo: Cortez, 1989.
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02.
POLÍTICAS
PÚBLICAS
DE
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
E
SUSTENTABILIDADE: A EXPERIÊNCIA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DO CEARÁ NO PERÍODO DE 2011-2012
Roberta Lúcia Santos de
Oliveira Antônio
Roberto Xavier
Resumo
O presente Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Ciências Políticas, Sociedade
e Governo, sob a temática educação ambiental e sustentabilidade tem como objetivo geral
analisar e discorrer sobre a agenda ambiental A3P – da Assembleia Legislativa, com a criação do
programa AL Sustentável, mais especificamente a Sala de Captação e de Acondicionamento de
Resíduos Sólidos, percebendo como a mesma contribui para o desenvolvimento de ações
educativas para a preservação do meio ambiente, averiguando os projetos implantados para a
redução no consumo de papel, no de copos descartáveis e a adesão da Assembleia a A3P. A
metodologia utilizada nesta pesquisa será o estudo de caso, sendo feito um levantamento
bibliográfico e documental sobre o tema, onde procuraremos utilizar fontes documentais
primárias. Como suporte teórico recorreremos a autores como: Reigota, Matos e Ferraro Júnior,
dentre outros. O interesse pelo tema deste trabalho surgiu durante a disciplina Desenvolvimento e
Sustentabilidade nas Políticas Públicas do Curso. Os questionamentos que nortearam minha
pesquisa foram: De que maneira a Assembleia Legislativa trata seus resíduos sólidos? A
Assembleia promove a educação ambiental para seus servidores e comunidade em geral? De que
maneira essa educação ocorre? Este trabalho pretende lançar a público as ações em educação e
ambiental e sustentabilidade que a Assembleia Legislativa do Ceará está promovendo, fazendo
com que a sociedade em geral tome conhecimento dessas ações. Políticas públicas relacionadas à
conservação ambiental e a sustentabilidade sempre foram necessárias e atualmente são de
fundamental importância, pois o consumo desenfreado, a produção e o descarte de resíduos
sólidos, o desmatamento, a utilização de recursos naturais não renováveis prejudica o meio
ambiente no planeta em que vivemos. Se faz necessário educar e conscientizar as pessoas para a
relevância do tema. A educação ambiental ainda ocorre de maneira tímida na Assembleia, talvez
por estar no início. Essa educação acontece por meio de distribuição de cartazes, panfletos, avisos
e também com a criação de projetos que visam o aumento do conhecimento das pessoas em
relação à sustentabilidade e a preservação do meio ambiente.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
Sustentabilidade. Políticas Públicas. Resíduos Sólidos.
1.
Introdução
O presente Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Ciências
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Políticas, Sociedade e Governo, sob a temática educação ambiental e sustentabilidade
tem como objetivo geral analisar e discorrer sobre a Agenda Ambiental da Administração
Pública (A3P) – da Assembleia Legislativa, com a criação do programa AL Sustentável,
mais especificamente a Sala de Captação e de Acondicionamento de Resíduos Sólidos,
percebendo como a mesma
contribui para o desenvolvimento de ações educativas para a preservação do meio ambiente,
averiguando os projetos implantados para a redução no consumo de papel, no de copos
descartáveis e a adesão da Assembleia a A3P.
O interesse pelo tema deste trabalho surgiu durante a disciplina Desenvolvimento e
Sustentabilidade nas Políticas Públicas do Curso. Em uma conversa com o professor da
disciplina externei minha preocupação em não possuir ainda assunto sobre o qual pesquisar
para o trabalho de conclusão do curso. E aí ele me lançou o seguinte desafio: ―Por que você
não pesquisa sobre sustentabilidade na Assembleia?‖ Foi partindo desse desafio que iniciei a
pesquisa e acrescentei, por ser educadora de formação, a educação ambiental. Os outros
questionamentos que nortearam minha pesquisa foram: De que maneira a Assembleia
Legislativa trata seus resíduos sólidos? A Assembleia promove a educação ambiental para seus
servidores e comunidade em geral? De que maneira essa educação ocorre?
Este trabalho pretende lançar a público as ações em educação e ambiental e
sustentabilidade que a Assembleia Legislativa do Ceará está promovendo, fazendo com que a
sociedade em geral tome conhecimento dessas ações.
Políticas públicas relacionadas à conservação ambiental e a sustentabilidade sempre
foram necessárias e atualmente são de fundamental importância, pois o consumo desenfreado, a
produção e o descarte de resíduos sólidos, o desmatamento, a utilização de recursos naturais
não renováveis prejudica o meio ambiente do planeta em que vivemos. Se faz necessário educar
e conscientizar as pessoas para a relevância do tema. Ao aderir a Agenda Ambiental na
Administração Pública – A3P, criando o Programa AL Sustentável, a Assembleia Legislativa
do Estado do Ceará chama para si a responsabilidade de conscientizar e educar seus servidores
e cidadãos que frequentam seu espaço todos os dias. Pesquisar sobre o Programa servirá para
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sabermos de que maneira a Assembleia vem cumprindo o compromisso assumido, mostrando
que educação ambiental e sustentabilidade podem ocorrer no espaço do Poder Legislativo,
esperando que outras assembleias sigam e repitam tal exemplo.
A metodologia utilizada nesta pesquisa será o estudo de caso, sendo feito um
levantamento bibliográfico e documental sobre o tema, onde procuraremos utilizar fontes
primárias que, segundo Lakatos e Marconi (2010, p. 143) ―Fontes Primárias – dados
históricos e estatísticos; informações, pesquisas e material cartográfico; arquivos oficiais e
particulares; registros em geral; documentação pessoal (diários, memórias, autobiografias;
correspondência pública ou privada etc‖.
Para Martinho Rodrigues ―[...] entre o pesquisador e os fatos deve haver uma ponte, já
que não se escreve História apenas com a imaginação. Tal conexão é feita pelas fontes‖ (2011,
p. 407). Como suporte teórico recorreremos a autores como: Reigota (2007), que estuda a
problemática ambiental e a educação ambiental em um contexto político, científico e cultural; e
Matos (2010) pesquisa a educação ambiental de forma crítica tendo como propósito a
edificação de uma maneira sustentável de vida; dentre outros autores.
2.
Políticas públicas de educação ambiental e sustentabilidade
Educação ambiental e sustentabilidade é uma política pública implementada na
Assembleia Legislativa para a conscientização da importância da preservação do meio
ambiente.
E o que significa o termo ―política pública‖? Segundo Xavier, ―Política pública, em
linhas gerais, se adequa ao uso do termo em inglês policy como sendo programas de ações
governamentais concretos, direcionados técnica e administrativamente com o objetivo de
atender a uma demanda social existente‖. (2009, p. 91)
De acordo com informações contidas no sítio do Ministério do Meio Ambiente, cada
cidadão brasileiro produz diariamente 1,1 quilograma de lixo. No Brasil, são recolhidos, todos
os dias, 188,8 toneladas de resíduos sólidos. Dessa quantidade, em 50,8% das cidades
brasileiras, tais resíduos não possuem um emprego correto, pois vão para os 2.906 lixões que
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existem no Brasil. Somente 27,7% das cidades brasileiras possuem aterros sanitários para onde
são enviados os resíduos, e em 22,5% delas, aterros controlados, segundo dados obtidos na
2
Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do Instituto Brasileiro de Estatística – IBGE.
Para melhor compreendermos a informação descrita anteriormente, é pertinente
conceituarmos o termo ―resíduos sólidos‖. A norma brasileira NBR 10004,
3.1 resíduos sólidos: Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de
atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de
varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento
de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem
como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na
rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e
3
economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível.
Esses resíduos são divididos, segundo a NBR 10004, em duas classes:
a) Resíduos classe I – perigosos. A periculosidade apresentada por um resíduo se
caracteriza por suas propriedades físicas, químicas ou infecto-contagiosas, e podem
manifestar ―a) risco à saúde pública, provocando mortalidade, incidência de
doenças ou acentuando seus índices; b) riscos ao meio ambiente, quando o resíduo
for gerenciado de forma inadequada.‖
b) Resíduos classe II – não perigosos, que podem ser classificados como resíduos
classe II A – não inertes são ―Aqueles que não se enquadram nas classificações de
resíduos classe I - Perigosos ou de resíduos classe II B - Inertes, nos termos desta
Norma. Os resíduos classe II A – Não inertes podem ter propriedades, tais como:
biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água.; e também resíduos
classe II B – inertes que são ―Quaisquer resíduos que, quando amostrados de uma
forma representativa, segundo a ABNT NBR 10007, e submetidos a um contato
dinâmico e estático com água destilada ou desionizada, à temperatura ambiente,
conforme ABNT NBR 10006, não tiverem nenhum de seus constituintes
solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade de água,
4
excetuando-se aspecto, cor, turbidez, dureza e sabor, conforme anexo G. ‖
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Depois de lermos as informações anteriormente descritas podemos entender porque a
educação ambiental e sustentabilidade são assuntos que estão sendo muito estudados nos
últimos anos. Como exemplo, pode ser citado o Programa de Desenvolvimento do Meio
Ambiente – PRODEMA, da Universidade Federal do Ceará - UFC. Programa este que tem
vasta produção intelectual sobre o tema e dentre os autores podemos citar: Kelma Socorro
Alves Lopes de Matos, José Levi Furtado, Ana Ângela Farias Gomes, Débora Cristina
Capistrano da Costa.
O consumo desenfreado incita os consumidores a comprar produtos desnecessários que
serão velozmente descartados, contribuindo com aumento considerável dos resíduos sólidos.
De acordo com Matos (2010, p. 15) ―A educação ambiental crítica está voltada para a construção
de uma forma de vida sustentável, combatendo, inclusive o consumismo perverso que nos incita a
comprar tudo, rapidamente descartados, e muitas vezes não-recicláveis.‖ Na sociedade atual os
indivíduos são bombardeados a todo instante com propagandas de produtos que se tornam desejo de
todos, principalmente os eletrônicos tornando as relações baseadas no ter. Magalhães Júnior bem
definiu o momento atual quando afirma que ―[...] As relações sociais
transmutam a cada momento em convivências regidas pelo culto ao prazer imediato e por uma
busca frenética pelo cumprimento dos desejos no tempo presente. [...] (2011, p. 684)‖. Esse
mesmo autor criou um termo para designar um indivíduo que consome compulsivamente, sem,
na maioria das vezes, necessitar do artigo adquirido.
[...] Modernoso é todo aquele que desvaloriza o que existe, mesmo que satisfaça suas
necessidades e desejos, em nome da novidade, para demonstrar que possui, mesmo
sem compreender, necessitar ou usufruir das potencialidades do que passa a usar.
Modernoso é a representação do que sempre quer ser a vanguarda, sem mesmo
compreender o que isto representa. (MAGALHÃES JÚNIOR, 2011, p. 685).
Segundo a Conferência Sub-regional de Educação Ambiental para a Educação
Secundária Chosica Peru (1976)
A educação ambiental é a ação educativa permanente pela qual a comunidade
educativa tem tomada de consciência de sua realidade global, do tipo de relações que
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os homens estabelecem entre si e com a natureza, dos problemas derivados de ditas
relações e suas causas profundas. Ela desenvolve, mediante uma prática que vincula o
educando com a comunidade, valores e atitudes que promovem um comportamento
dirigido a transformação superadora dessa realidade, tanto em seus aspectos naturais
como sociais, desenvolvendo no educando as habilidades e atitudes necessárias para
5
dita transformação.
Para que possa existir educação para a sustentabilidade do nosso planeta é necessário,
em primeiro lugar, que o indivíduo possa usufruir de sua cidadania plenamente. O substantivo
cidadania vem do latim civitas, que significa "cidade". Estabelecendo um estado de
pertencimento de uma pessoa a um país, com direitos e deveres simultâneos. No entanto, a
cidadania está sempre em construção em função das inquietações próprias da humanidade
acerca de mais direitos, mais e maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas,
sobretudo o que está disponível na sociedade.
Tais inquietações caracterizam-se como mecanismos de mudança constante na
construção sociocultural dos indivíduos, com elas e por meios delas a sociedade ganha
proporções diferentes à medida que são atendidas e impostas como verdades sendo
posteriormente compreendidas como direitos adquiridos que são propagados de geração para
geração fomentando a construção da cultura de cada sociedade.
A concepção de sustentabilidade está associada ao desejo do homem de viver
em sociedade e de dominar a natureza. De acordo com Ferraro Júnior
[...] Sustentabilidade é o resultado natural das sociedades autônomas, que ao
escolherem e construírem seu destino como comunidade, o fazem na produção
indissociável de sua cultura, suas tecnologias e seu ambiente, entendidos como
aspectos dinâmicos de uma realidade, frutos de um processo histórico e dialético. [...]
(2002, p. 281).
Ao tentar controlar a natureza o homem recebe como resposta aos seus atos
impensados, as seguintes consequências: chuva ácida, destruição da camada de ozônio, morte
de animais marinhos por causa da poluição, dentre outros, tudo isso lesando muito o ar, os
mares, a terra e a camada de ozônio que impede que os raios ultravioletas nos atinjam causando
câncer. Santos afirma que ―[...] Também, se pareceu 'dominar‗ a natureza, o homem civilizado
recebeu, como ‗resposta‗ ou ‗revanche‗, a ameaça do esgotamento dos recursos ambientais
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indispensáveis à vida: a crise ecológica ou ‗questão ambiental‗ [...]‖ (2002, p. 259).
3.
A agenda ambiental na administração pública – A3P
A Agenda Ambiental na Administração Pública – A3P, que de agora em diante será
denominada somente de A3P
[...] é um programa que visa implementar a gestão socioambiental sustentável das
atividades administrativas e operacionais do Governo. A3P tem como princípios a
inserção dos critérios ambientais; que vão desde uma mudança nos investimentos,
compras e contratação de serviços pelo governo; até uma gestão adequada dos
resíduos gerados e dos recursos naturais utilizados tendo como principal objetivo a
6
melhoria na qualidade de vida no ambiente de trabalho.
A criação da A3P, no ano de 1999, partiu de uma decisão voluntária do Governo
Federal em resposta a um questionamento da sociedade civil que compreende que o mesmo tem
papel relevante ―na revisão dos padrões de produção e consumo e na adoção de novos
7
referenciais em busca da sustentabilidade socioambiental‖ .
Este programa tem como meta sensibilizar os gestores públicos para as questões
socioambientais, instigando-os a internalizar conceitos e normas de gestão do meio ambiente
nas tarefas administrativas, por meio da aceitação de acontecimentos que favoreçam a
utilização consciente dos recursos naturais e dos bens públicos, administrando adequadamente
a quantidade de resíduos gerados, criando maneiras de tornar sustentável as compras e a
prestação de serviços às entidades públicas, e promovendo educação socioambiental continuada
de funcionários públicos.
A formação continuada em sustentabilidade para servidores públicos é uma das
maneiras de difusão do conhecimento. Já que a ideia de sustentabilidade possui dimensão
política, social e cultural. Segundo Reigota
[...] a noção de sustentabilidade implica uma dimensão política, social, cultural e
biológica e que exige uma extensiva produção e difusão de conhecimentos e de
princípios ético-políticos nos espaços das práticas sociais cotidianas. Dessa forma, é
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na produção de conhecimentos transdisciplinares sobre a sustentabilidade que se dá o
primeiro embate político para sua concretização. (2007, p. 222).
Qualquer instituição da administração pública, de todas as esferas governamentais, seja
ela em nível municipal ou estadual, pode implantar a A3P, bastando, para isso, que promova
ações em prol da sustentabilidade socioambiental.
Para a implantação da A3P é necessário que o órgão interessado envie sua
documentação para a formalização do Termo de Adesão entre o órgão e o Ministério do Meio
Ambiente. A documentação necessária é a seguinte: a) ofício para encaminhamento dos
documentos; b) cópia do comprovante de endereço do órgão; c) cópia do comprovante de
regularidade fiscal do órgão; d) minuta do Termo de Adesão em meio digital; e) Plano de
Gestão Socioambiental com as ações que serão implantadas no órgão em meio digital. É
necessário que se envie também os documentos do representante da instituição no Termo de
Adesão. Documentação essa que consiste em: a) cópia autenticada do ato de nomeação; b)
Cópias autenticadas da Carteira de Identidade e CPF; c) Cópia de delegação de competência
para a assinatura de atos. Todas as informações estão disponíveis no site do Ministério do Meio
Ambiente.
A Associação dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará –
ASSALCE juntamente com alguns servidores iniciou, no ano de 2007, um trabalho boca a boca
com servidores e gestores da Casa na tentativa de implantar a A3P. Foi na gestão do Presidente
Roberto Cláudio que ocorreu a instituição da A3P.
Após enviar a documentação exigida para a implantação da A3P, a Assembleia
Legislativa do Estado do Ceará, em 10 de junho de 2011, aderiu formalmente a esta Agência,
sendo o primeiro parlamento a aderir a A3P. A Assembleia do Ceará foi pioneira na adesão a
agenda ambiental.
Dentre as ações que deverão ser efetivadas, podemos citar: aproveitamento de águas
pluviais, instalação de sensores de presença, coleta seletiva, papa pilhas, o plantio de 14.540
mudas no Parque Nacional de Ubajara, e também, a criação da sala de captação e
acondicionamento de resíduos sólidos, que será que será detalhado posteriormente.
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23
4.
A sala de captação e acondicionamento de resíduos sólidos da assembleia
legislativa do estado do ceará
A Assembleia Legislativa, por meio do Programa AL Sustentável criou a Sala de
Captação e Acondicionamento de Resíduos Sólidos que serve para a captação, segregação e
o acondicionamento, de maneira correta, dos resíduos sólidos por ela produzidos, e juntamente
com a instalação do ECOPONTO ECOELCE, que ocorreu durante o mês de dezembro de
2012, facilitou o recebimento da demanda de resíduos sólidos pelo setor responsável por tais
materiais.
A criação da sala faz parte de uma política pública elaborada pela Assembleia para a
conscientização da população em relação à preservação do meio ambiente. Essa política é
aplicada no espaço ou território da Assembleia. Para Bueno e Bueno (2011, p. 61-62) ―Logo,
o território constitui-se como o lugar em que se tessituram e materializam-se todas as ações, poderes, fraquezas, forças, paixões, enfim o contexto espacial em que a história do homem se
realiza a partir das manifestações de sua existência. [...]‖
A definição de território é um mecanismo imprescindível quando se estuda uma política
pública, pois
[...] o conceito de território pode vir a ser uma ferramenta útil para as políticas
públicas, pois uma vez levado em consideração pode-se ter a análise da fração
espacial em que a política será implementada, desde o seu substrato físico até os
atores sociais que nele (re)constroem diariamente seus territórios, exercendo relações
de poder, gestão e identidade. (BUENO & BUENO, 2011, p. 70)
A Sala localiza-se na Av. Desembargador Moreira, 2807, no subsolo, onde,
anteriormente havia o setor de almoxarifado da Assembleia e nela trabalham duas pessoas. É
composta por duas salas em um espaço de 7m x 7m, sendo uma de apresentação e a outra de
pré-acondicionamento dos resíduos para tratamento. A capacidade de captação e
acondicionamento desta Sala é de cerca de 3 toneladas de resíduos sólidos secos.
Quinzenalmente o resíduo captado é enviado ao ECOPONTO ECOELCE existente nas
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dependências da Assembleia. No mês de março de 2013 a Sala terá uma ligação com o
Memorial Pontes Neto e possuirá como extensão a ―Sala Verde‖ do Ministério do Meio
Ambiente na Assembleia.
O resíduo recolhido é corretamente separado, de acordo o tipo e depois é destinado a
reciclagem de maneira ecologicamente correta. A Sala gera benefícios tanto a Assembleia
como a comunidade em geral, sendo um dos benefícios o desconto na conta de energia do
usuário.
Para ter acesso a esse benefício o usuário deve efetuar cadastro em uma loja da
COELCE. Após realizar tal cadastro, o cidadão poderá levar os resíduos previamente separados
por tipo até o ponto de coleta mais próximo de sua residência. No Ecoponto existe uma
máquina como as de cartão de crédito e um sistema on line; os resíduos são pesados e o valor
do bônus é creditado automaticamente em sua conta de energia.
A Sala ainda possui amostras de materiais transformados por agentes ambientais e por
servidores da própria Casa e também recipiente cata pilha. Ela também poderá receber a visita
de alunos, instituições e também de entidades interessadas em conhecer o trabalho de
responsabilidade socioambiental desenvolvido pela Assembleia com a aplicação dos 3R‗s –
reduzir, reutilizar e reciclar.
No chão da Sala estão pintadas, na ordem posteriormente descrita, em forma de esteiras,
as seguintes cores:





 Verde: para a coleta de vidro (caco, lentes de quadros, garrafas); 
 Vermelho: para a coleta de plástico (garrafas pet, bobonas plásticas); 
 Azul: para a coleta de papel (caixas, jornais, revista, papelão, rascunhos); 
 Amarelo: para a coleta de metal (arames, alumínio, ferragens, latas); 
 Marrom: para a coleta de material orgânico (aparas de vegetais, restos de
comida), sendo que a Sala não recebe material orgânico; e, 
 Laranja: para coleta de material tóxico (lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias e
cartucho de impressora). 
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Para que ocorresse a conscientização dos funcionários e da comunidade em geral, foi
colocado em cada sala e em locais estratégicos caixas de papelão para a coleta do papel
utilizado, recipiente recolhedor próprio para copos descartáveis, cartazes explicando o tipo de
cada material, adesivos com mensagens conscientizadoras no que se refere ao consumo de
energia elétrica. Antes de iniciar esse processo um funcionário da Assembleia foi a todos os
setores explicando para que servia cada objeto, detalhando como deveria ser descartado cada
tipo de resíduo e que o papel deveria ser utilizado dos dois lados antes do descarte.
5.
Considerações finais
Ao analisar os dados podemos observar que a Assembleia Legislativa está começando a
tratar corretamente, efetuando a captação, a separação e o descarte de modo ecologicamente
certo, os resíduos sólidos produzidos por seus servidores e pela comunidade que frequenta seu
espaço. A educação ambiental, na Assembleia, ainda ocorre de maneira tímida, talvez por estar
no início, mas a tendência, segundo o gestor da A3P da Casa, é crescer. E neste ponto ela é
pioneira dentre as assembléias do Brasil.
A educação ambiental acontece efetivamente na Assembleia por meio da sensibilização
das pessoas que frequentam seu espaço, seja ela funcionária ou não. Estão colocados em todos
os Departamentos da Casa e em locais estratégicos onde o cidadão tem acesso: adesivos e
cartazes com mensagens lembrando a todos de reutilizar o copo, desligar a luz quando sair da
sala, dentre outros; caixas para coleta de papel, recipiente para o descarte certo do copo
descartável, e recipiente cata pilhas. Esse material faz parte da estratégia utilizada pela
Assembleia para a conscientização das pessoas em relação a conservação do nosso meio
ambiente.
O plantio de 14.540 mudas no Parque Nacional de Ubajara, foi a contrapartida da
Assembleia para ―zerar‖ o consumo de carbono gerado pela construção do Anexo II Deputado
José Euclides Ferreira Gomes.
Se as outras ações que estão projetadas acontecerem, são elas: aproveitamento de águas
pluviais e instalação de sensores de presença serão mais um passo dado pela Assembleia para a
economia de água e de luz e também para a preservação do meio ambiente, já que ao
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economizarmos água, estamos poupando um elemento natural, que segundo alguns
pesquisadores, é não-renovável.
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28
3.
O PROCESSO EDUCATIVO NO CENTRO DE SEMILIBERDADE MÁRTIR
FRANCISCA
Helaine Cavalcante Portela
Lia Machado Fiúza Fialho
Resumo
O presente trabalho analisa a percepção dos jovens que cumprem medida socioeducativa de
Semiliberdade em Fortaleza-CE acerca do processo educativo. A pesquisa, de abordagem
qualitativa, realizou um estudo de caso em uma instituição de medida de semiliberdade
denominada Centro de Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF). Como técnica de coleta de
dados foram utilizados: o diário de campo, para registrar informações colhidas através de
visitas sistemáticas objetivando a observação do ambiente em que ocorre o processo ensinoaprendizado e demais considerações pertinentes acerca dos gestos e expressões dos sujeitos da
pesquisa; questionário aberto, aplicado à oito jovens, visando compreender percepções sobre o
processo de escolarização. As informações foram coletadas em abril e maio de 2012 e
analisadas segundo Bardin (2002). A partir da observação in loco constatou-se que o
estabelecimento não possuía estrutura e corpo profissional adequado para realização da
escolarização como determinado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Por
meio dos questionários aplicados aos adolescentes pode-se perceber que a maioria já havia
interrompido periodicamente os estudos possuindo distorção idade-série, pouco estimulo para o
prosseguimento nos estudos, que não gostavam de estudar e realizar atividades escolares,
mesmo considerando a escolarização importante.
Palavras chave: jovem, semiliberdade, educação.
Centro de semiliberdade mártir francisca
O CSMF compõe a Célula de Medidas Socioeducativas que está diretamente vinculada à
Coordenadoria de Proteção Social Especial da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento
Social (STDS). Esta Secretaria coordena todas as ações da área social no Estado do Ceará,
objetivando desenvolver e coordenar a política de assistência social, através de duas linhas de
atuação: proteção social básica e proteção social especial.
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São integrados à STDS, dentro da proteção social especial, abrigos e centros educacionais
(unidades educacionais que se destinam a manter jovens cuja liberdade esteja sob restrição
parcial ou total, em razão do cometimento de atos infracionais). Existem oito centros
educacionais em Fortaleza. Entre eles está o Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, único
na cidade, destinado a atender em regime de semiliberdade, que pode ser determinado desde o
início como medida socioeducativa aplicada em decorrência do cometimento de ato infracional,
u como forma de transição do regime de internação para o meio aberto, sendo possibilitada a
realização de atividades externas, independente de autorização do juiz (ECA, cap. IV, Seção
VI, art. 120). Além desses oito centros, existe a Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro,
uma espécie de centro de triagem, onde o adolescente permanece inserido, encaminhado pela
Delegacia da Criança e do Adolescente, até que sua medida socioeducativa seja estabelecida,
dentro do prazo de um dia.
O CSMF foi inaugurado no dia 31 de julho de 2001, tendo como sede uma estrutura alugada,
uma antiga clínica para idosos, localizada na Avenida Washington Soares, em Messejana.
Anteriormente, no período de julho de 1990 a julho de 2001, o cumprimento de medida de
semiliberdade, juntamente com a medida provisória e de internação, eram cumpridas no Centro
Educacional Dom Bosco. Atualmente, o CSMF está instalado, desde fevereiro de 2009, em um
prédio alugado, onde funcionava o antigo Colégio La Salet, localizado na Rua Papi Junior, nº
1717, Bairro Bela Vista, em Fortaleza-CE.
Esse Centro foi inaugurado com a pretensão de modificar a metodologia até então utilizada
pelo regime de semiliberdade executado em Fortaleza. A priori seu funcionamento contrariava
demasiadamente os preceitos do ECA, uma vez que não era permitido aos jovens passar os fins
de semana em casa, pouco ou quase nunca frequentavam os equipamentos sociais comunitários
e não eram envolvidos em uma proposta pedagógica consistente. Uma vez que o objetivo
primordial deveria ser oportunizar ao jovem a retomada do convívio sócio-familiar e
comunitário, com responsabilidades e consciência de suas ações e a elaboração de um novo
projeto de vida, através do acompanhamento interdisciplinar do jovem e sua família, pautandose pelo referencial teórico do protagonismo juvenil e da pedagogia da presença; seguindo, os
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dispositivos constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os pressupostos
pedagógicos do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
Dessa maneira, o CSMF passou a possibilitar aos socioeducandos educação formal, sala de
reforço escolar, oficinas de iniciação profissional (textura e serigrafia) e atendimento e
acompanhamento multidisciplinar visando oportunizar aos adolescentes a construção de novas
atitudes e conhecimentos a partir de uma vivência cidadã.
Os socioeducandos vinculados a referida instituição, também, possuem a possibilidade de
realizar atividades externas, independentemente de autorização judicial (Art. 120, ECA),
podendo, assim, estudar em escolas da comunidade, participar de cursos profissionalizantes,
trabalhar mediante registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social, usufruir de
atendimentos ofertados por equipamentos sociais comunitários, bem como gozam do direito de
passar os finais de semana junto à família.
Quanto à estrutura física, o Centro é composto pelo térreo (onde funciona a secretaria), a sala
dos policiais, o refeitório, a cozinha, a monitoria, o banheiro dos jovens, a gerência, uma
pequena lavanderia, uma quadra poliesportiva coberta, uma área de convivência, uma sala com
banheiro para os funcionários de serviços gerais e as cozinheiras, uma sala onde ficam
guardados os quadros produzidos pelos socioeducandos e uma sala de TV. No primeiro andar é
instalada a direção, a equipe técnica (Serviço Social, Psicologia, Setor Jurídico e Pedagogia),
três salas de aulas, duas salas para a realização de oficinas (textura e serigrafia) e um auditório.
O processo educativo de adolescentes na concepção dos pesquisados
Participaram da pesquisa oito jovens, do sexo masculino, que cumpriam medida de
semiliberdade no CSMF. A escolha dos participantes foi aleatória, ficando excluídos da
pesquisa aqueles que não concordassem em participar voluntariamente ou não possuísse
escolaridade mínima para responder o questionário, mas não houve entre os escolhidos nenhum
desses casos. Os adolescentes apresentavam idades variando entre quinze e dezoito anos, com
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média de idade de dezesseis anos e nove meses. Vale salientar que dentre os adolescentes não
havia nenhum com necessidade educacional especial diagnosticada.
Os dados da pesquisa foram coletados no intervalo de agosto de 2011 a março de 2012, por
intermédio da observação sistemática registrada em diário de campo e de questionário aberto
aplicado aos jovens sujeitos da pesquisa. As respostas das cinco perguntas abertas do
questionário foram processadas mediante ―Análise de Conteúdo‖, segundo Bardin (2002), para
a identificação dos temas principais.
Bardin (2002) explica que análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de
comunicação que visa obter, mediante procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam inferências de conhecimentos
relativos às condições de produção e recepção destas mensagens. Logo:
Classificar os elementos em categorias impõe investigação do que cada um deles tem
em comum com os outros. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum
existente entre eles. A categorização é comum em nossa vida (p. 118).
De acordo com esse referencial, os dados foram estruturados de maneira organizada para
viabilizar uma análise mais consistente, sem perder a visão do todo, possibilitando
conclusões baseadas na subjetividade de cada adolescente. Nesse sentido, as respostas foram
assim agrupadas: 1º Juntar todas as respostas iguais; 2º Agrupar as respostas que, mesmo
não sendo iguais, continham evidente semelhança; 3º Dividir as respostas em dois grandes
grupos: 1- relacionadas à satisfação com a educação formal, 2- relacionadas à insatisfação
com a educação formal; 4º Agrupar, finalmente, as respostas em categorias definidas pela
frequência com que apareciam os tipos de resposta.
Vale salientar que antes do início da coleta de dados, os objetivos da pesquisa foram
explicitados para a direção, coordenação e alunos, esclarecendo que a participação seria
voluntária e que o sigilo seria assegurado quanto às identidades dos adolescentes.
Posteriormente, foram apresentados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, que
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foram assinados pelos adolescentes. Os adolescentes foram orientados que sua participação ou
recusa não produziria perda ou ganho diante da instituição.
Após a explicação acerca dos objetivos da pesquisa e assinatura do termo de
consentimento livre esclarecido, foi realizada a distribuição do instrumento de coleta de dados
da pesquisa, o questionário, aos adolescentes, com o objetivo de analisar suas percepções
acerca do processo educativo de que fazem parte.
As respostas dos adolescentes foram agrupadas e emergiram as seguintes categorias:
interrupção na escolarização, importância dos estudos, falta de estímulo para com a
escolarização, ensino regular e Educação de Jovens e adultos (EJA).
Pode-se constatar a partir das respostas que:


 A totalidade dos adolescentes (100%) afirmou que já haviam interrompido os estudos.
Em média um ano e nove meses de tempo fora da escola regular; 
 Todos os adolescentes (100%) relataram que a escolarização é importante para suas
vidas, demonstrando reconhecimento da relevância de obter o conhecimento formal; 
 Grande parte dos adolescentes (85%) expressou algum tipo de aversão às atividades
escolares, caracterizada pela falta de estímulo: ―não gosto de fazer muito dever‖, ―não
gosto de acordar muito cedo‖, ―não gosto de ficar na sala de aula o tempo todo‖, ―não
gosto de muita regra‖, ―não gosto de ler em voz alta‖; 

 A escolaridade dos adolescentes situa-se entre o 7º e o 9º ano, com apenas um
adolescente ainda no 5º ano; 
 Metade dos adolescentes pesquisados (50%) é favorável ao ensino na modalidade
EJA, mas parte considerável (37,5%) acredita que a escola regular é a melhor opção
para o bom aprendizado. O restante (12,5) afirmou que a modalidade EJA é a melhor
opção para eles, com a ressalva de que ―o aluno não aprende nada‖. 
A maioria dos jovens entrevistados relatou estar insatisfeito com seu processo
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educativo. Com efeito, é mister perceber que os jovens apresentam distorção entre idade e
série ideal decorrente da interrupção nos estudos e repetência, logo, sua escolarização no
sistema regular de ensino encontra-se comprometida, restando como única opção o sistema
EJA. Essa distorção idade versus série em curso dos adolescentes pesquisados pode ser
melhor analisada através da comparação entre o perfil de um aluno na faixa etária regular
(sem interrupção de estudos e sem repetição) e os jovens entrevistados (gráfico 1).
Gráfico 1 – Comparativo para distorção idade versus série escolar.
34
Série
5º. ano
6º. ano 7º. ano 8º. ano
9º. ano
Aluno na faixa etária média
Adolescente do CSMF
Fonte: questionário
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A partir do gráfico acima se pode perceber que os jovens participantes do estudo
estão atrasados nos estudos quando comparados aos alunos que não reprovaram alguma
série escolar ou pararam os estudos. O que pode ter acarretado maior insatisfação com o
processo educativo.
Salienta-se, também, que mesmo não havendo no questionário itens específicos
para mensurar o nível real de escolarização, por não constituir o foco principal da
pesquisa, foi possível perceber, através das respostas abertas, que capacidade de escrita
dos adolescentes é muito comprometida. Observa-se expressão de pensamentos pobre,
quase sem estrutura lógica, com poucas palavras e com muitos erros de grafia.
Na concepção dos adolescentes atendidos pelo CSMF, o processo educativo a
que estão submetidos, carece de muitas melhorias. Estudar é importante, admitem, mas
não entendem bem os processos a que têm de atender em ambiente escolar. Horários de
aula,
disciplina,
concentração,
exigências,
autoridade
institucional,
regras
de
convivência, são elementos com que têm de conviver e aceitar, e que deixa transparecer
em relatos não fazer parte do mundo ao qual estão habituados. Estão mais dispostos à
atividade física praticada nos esportes (futebol de salão) e à atividade profissional
desenvolvida nas oficinas de serigrafia e pintura do que as aulas formais. A atividade
intelectual parece ser enfadonha e desestimulante, de forma que pensam sempre em
abandonar a escola. Admitem a importância da escolarização e do conhecimento formal
como um alvo que todos devem buscar, mas consideram um caminho muito difícil de ser
percorrido porque uma carreira de estudos consome muito tempo, que poderia ser
utilizado de forma mais gratificante.
Simão de Miranda, educador e psicólogo, acredita que um dos principais
geradores de desestímulo nos alunos é a falta de motivação no próprio professor:
É uma cadeia. O professor desmotivado não se mobiliza para encontrar
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iniciativas criativas e inovadoras dentro do contexto da Educação. Ele
espera que as soluções para suas aulas apareçam prontas, como num
toque de mágica, ou venham de autoridades públicas, sendo que
também cabe ao professor buscar novos recursos pedagógicos e
metodologias que estimulem seus alunos em seus aprendizados
(MIRANDA, 2005, p.1).
Há necessidade de trabalhar também a motivação e o envolvimento do grupo do
magistério. Percebe-se a necessidade de treinamento para os profissionais e de
valorização do trabalhador da educação, incluindo ganho salarial, reconhecimento por
parte do governo e melhores condições de trabalho.
O processo educativo carece de propriedade organizacional. Cada professor age como
peça independente dos demais órgãos que compõem o processo. Não se percebe a
interdependência entre as ações dos vários setores educativos: magistério, pedagogia, família.
Falta um elemento aglutinador dessa granularidade para formar um corpo. Na falta de força
concentradora cada um procede dentro de sua concepção. Alguns percebem que esta escola é
diferente, mas não têm ideia do que fazer na sua rotina escolar para se adequar a essa situação
peculiar.
Somando-se a todas essas questões, foi constatado que não há projeto pedagógico, pois
não foi observada a existência de um documento com o projeto, cada professor baseia-se no
que considerava pertinente, segundo experiência particular e pessoal, para desenvolver seu
trabalho, e afirmaram nunca ter tido acesso a qualquer documento para nortear suas ações
educativas, ou terem participado de qualquer capacitação para ministrar aulas nas condições
peculiares em que trabalham.
Reflexões finais
A percepção dos jovens acerca do processo educativo do adolescente que cumpre
medida de semiliberdade em Fortaleza-CE, no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca
(CSMF) demonstrou que a escolarização precisa ser melhorada, a estrutura se apresenta
inadequada devido ao fato de que o projeto pedagógico não atende aos objetivos registrados no
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Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A insatisfação dos adolescentes com a escola é clara. Não faz parte de seus planos
escolarizarem-se, seguir o caminho incerto, longo e árduo do progresso mediante a educação
formal. O imediatismo é evidente e gera a impaciência, não se percebe interesse no curso dos
nove anos do ensino fundamental, mais três do ensino médio, afora a educação tão longínqua
educação superior.
A escola deveria ser específica para esse aluno em situação peculiar: com objetivos,
metodologias, ambientes e didáticas apropriadas. Bem como com professores treinados para o
trabalho com esse público peculiar. Diante desses desafios, a comunidade pedagógica, muitas
vezes se encontra estática, à espera que algo transformador aconteça na esfera governamental.
A implantação de um projeto pedagógico aplicável e eficiente parte de dentro de cada escola,
de suas necessidades eminentes.
A comunidade de professores age de forma individualizada. A falta de uniformidade
pedagógica resulta na não disseminação dos bons resultados. Cada profissional aplica o que sua
experiência e bom senso indicam. Não há treinamento para os profissionais, nem fóruns de
discussão, nem avaliação da qualidade das aulas, nem acompanhamento dos egressos da
Unidade e isso resulta no retorno dos jovens que incidem na violação da semiliberdade ou
cometem outros atos infracionais.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
Lisboa: Edições 70, 2002.
BRASIL. LEI Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L8069.htm.> Acesso em: 10
out. 2011.
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37
BRASIL. Lei 12594/12 | Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o SINASE.
Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1030787/lei-12594-12. Acesso em: 12
jan. 2012.
MIRANDA, Simão de. Professor não deixe a peteca cair. Campinas-SP: editora papirus,
2005. Disponível em: <http://didaticadamatematicasma.blogspot.com.br/>.
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4.
DOCENCIA, POLITICAS EDUCACIONAIS E O ENSINO DE GEOGRAFIA
Stanley Braz de Oliveira
RESUMO
Este artigo sobre as Práxis Docentes e o ensino de Geografia traz a discussão de como se dá a produção
do conhecimento e dos processos de desenvolvimento da educação no Brasil. A Priori se pretende
discutir quais foram as mudanças que ocorreram na docência, em destaque, na de Geografia, por esta
ciência ter passado por vários conflitos internos até encontrar seu objetivo, dificultando assim a sua
construção, problemática que refletiu no pensar de seus teóricos como também dos discentes, que a
absorvem como ciência de conhecimento do espaço, sem, contudo, fazer uma análise se sua
complexidade, produzindo um conhecimento falho e professores reprodutores dos conhecimentos
específicos da Geografia, mas sem um olhar para o contexto interdisciplinar e o mais importante o
pedagógico, transformando-os meramente em reprodutores de teorias. Olharemos para da falta de
políticas públicas educacionais, que contribuem para a deficiência do ensino e da aprendizagem através
de politicas uniformes para estados e situações socioeconômicas distintas.
Palavras-Chaves: Docência. Ensino de Geografia. Políticas Educacionais.
1 Introdução
A arte de ensinar necessidade de professores reflexivos que compreendam o processo de
ensinar e aprender, a partir de situações vividas, para que eles possam, através de autoanálise,
encontrar soluções para as dificuldades que surgem referentes aos seus conteúdos didáticos. A
partir daí, ser capaz de visualizar suas falhas e como elas podem refletir na produção do
conhecimento, muitas vezes elas distanciam os alunos da objetividade que a educação traz nas
suas vertentes, que é a produção de uma aprendizagem através de trocas de saberes. Convém
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lembrar que o professor não é o vilão da problemática que envolve o processo de ensino e
aprendizagem, pois, em vários momentos históricos, as mudanças curriculares contribuíram
significativamente para um desencadeamento de falhas no processo educacional. E produziram
conteúdos distantes da realidade de alunos e professores resultando em conteúdos produzidos
apenas na visão de uma determinada região do país, portanto,
insuficientes, uma vez que as regiões brasileiras possuem suas identidades distintas e não
poderiam serem unificadas sem esse olhar cientifico da diversidade cultural econômica e
educacional.
Diante do contexto o professor se torna o reprodutor das decisões feitas pelos gestores e
não por quem de fato atua em sala de aula, mas do auto ―clero‖ educacional brasileiro. E nos
indagamos será que a inclusão do professor que vive a realidade na produção de conteúdos
curriculares não iria produzir mudanças significativas, porquanto proporcionaria uma reflexão
sobre o que realmente está sendo produzido no interior da sala de aula e, através dessa reflexão,
produzir um significado para o ensino e aprendizagem das escolas públicas? Perguntas
complexas para respostas implícitas que nos leva a um silencio a posteriore do genocídio da
produção do conhecimento educacional brasileiro.
Essa discussão em torno do processo de ensino e aprendizagem, de como ele se manifesta
na prática pedagógica dos professores, em destaque os de geografia do ensino fundamental, visto
que que os alunos saem dessa fase do ensino com algumas dificuldades de aprendizagem nos
levando a procurar fontes ou respostas que nos deem suporte para amenizar a problematica da
relação ensino-aprendizagem e entender as práticas pedagógicas dos professores para que possamos
entender se essas práticas estão sendo produzidas ou reproduzidas e ir mais longe verificar se estão
contribuindo para que para um desenvolvimetno de aprendizagens ou de deficiências.
2 A Docência e suas Praxis
A arte de ser docente no Brasil passou por vários momentos históricos, e alguns deles
distorceram a ideologia do ato de ensinar. Não obstante, em cada um desses momentos o
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sistema educacional galgava novos rumos e diretrizes as vezes coesos outras não mas que
somaram para o desenvolver desta pratica que evolui do docente leito e voluntário no Brasil
colonial para profissional formado pela Escola Normal, um detalhe que, por outro lado também
revelava suas falhas e seus reflexos para o sistema educacional.
A Escola Normal fruta de um contexto histórico e sedenta para saciar as necessidades da
nova sociedade se volta para habilitar o profissional para atuar na educação emergente não
conseguiu produzir professores reflexivos e críticos, deixando um vácuo que proporcionou um
distanciamento entre os cursos de formação e a realidade das escolas, resultando na construção
de práticas educacionais deficitárias que ainda hoje presentes no cotidiano escola e cristalizadas
na educação brasileira politizada e treinada para seguir os que mandam.
No Brasil várias politicas educacionais e produziram um novo modo de pensar para a
educação, principalmente na formação docente, que emerge da escola normal, evoluindo para o
ensino superior como formação inicial tendo na a pesquisa algo fundamental para produzir
novas práticas, Segundo Pimenta (2005), as políticas de democratização social e política dos
países sul-americanos deixaram os professores como protagonistas do sistema social,
reformulando o pensar sobre a profissão docente e seus reflexos no sistema educacional.
O sistema educacional, que deveria ser visto como base de uma sociedade é arregrada
de sentidos ilícitos que desvirtua seu foco ―a produção de conhecimento‖, e nos traz um
questionamento qual olhar docente sobre essas práticas, julgamos apenas a problemática
envolvida nas práticas, esquecendo-se de questionar qual a visão dos docentes sobre isso, visto
que sua formação inicial é deficitária e a produção de suas práticas enquadra-se nesta
problemática. Segundo Perrenoud (2005, p. 44)
Se o professor tem pouco tempo para refletir no próprio momento da ação, pode, em
contrapartida, com cabeça fria, mas desanuviada, relembrar e debruçar-se sobre os
acontecimentos do dia. Se o faz, não é essencialmente por questão de virtude ou para
escrever suas memórias. É por fluxo dos acontecimentos vividos muitas vezes com
uma forte implicação afetiva, não pode ser simplesmente esquecido sem antes se
proceda um trabalho de compreensão e de interpretação.
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Faz- se necessária essa reflaxão sobre o eu, partindo desse pressuposto pudesse existir
uma produção de práticas que iriam trazer bons resultados para o sistema educacional. Mas,
haveria tempo para esta reflexão? O professor hoje como toda a sociedade moderna vive
moldado pelo sistema capitalista, não lhe restando tempo para uma maior qualificação e muito
menos para uma reflexão, produzindo assim as práticas pedagógicas deficitárias vigentes no
atual sistema educacional público, pois é preciso o ir e vir dificultado pela imobilidade urbana
contidiana. Discutir práticas, saberes, experiências, formação continuada é elucidar mistérios,
visto que essas práticas acontecem através de uma produção diária. e, para isso, é necessário
que haja uma visão vista de dentro da sala de aula, e buscar entender o professor e o aluno
dentro de uma relação recíproca, para que a partir daí possa-se visualizar a essência da
construção dessas práticas, e não julgar as falhas sem entender que fatores as produzem.
A análise dessa relação, ao longo da história da formação do professor, nos leva a
buscar a epistemologia sobre a visão dos professores em relação às práticas, pois é visível que
muitos docentes cristalizaram a ideia de que os saberes da pedagógicos restringem-se apenas ao
pedagogo, e com isso reproduzem práticas distintas e moldadas por vários fatores, sejam eles
pessoais, ou até mesmo políticos e sociais, que são fundamentais e têm grande participação na
formação docente. A análise das práticas docentes nos revelam que nem todos os professores
dominam o que produzem nas salas de aula, fato este que desestrutura consideravelmente o
objetivo da produção do processo ensino-aprendizagem para a educação. Produz-se uma
encenação do ―faz-de-conta-que-ensina e o faz-de-conta-que-os-alunos-aprendem‖, pois, por
devido a obrigatoriedade do ritmo acelerado com o tempo que lhe é proporcionado para atuar
em sala de aula, faz com que os docentes não possam avaliar o que repassaram, produzindo o
que chamamos de ―conhecimento superficial e demagogo‖, realizando improvisações
Essas ações continuas que podemos denominar de habitus docente, que não pode ser
dissociado das práticas, pois é ele que irá direcioná-las. Segundo Perrenoud apud Bourdieu
(2005, p...),
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uma ―gramática geradora de práticas‖ . Com estes conceitos afastamo-nos da imagem
da ação como construção racional e refletida; mas distanciamo-nos igualmente de uma
concepção da ação como implementação de uma resposta pré-programada retirada de
um repertório acabado. O habitus é formado por várias rotinas, por hábitos no sentido
comum da palavra, mas também por esquemas operatórios de alto nível. Improvisar
não equivale a repetir mecanicamente, existe sempre uma parte de acomodação, de
diferenciação, de inovação na resposta a uma nova situação, mesmo que
transponhamos condutas eficazes num outro contexto.
Essa discussão sobre a importância de uma prática docente reflexiva, são reforçadas por
Pimenta apud Novoa (2005, p. 55),que enfatiza reflexividade é uma característica dos seres
racionais consistentes; todos os seres humanos são reflexivos, todos pensamos sobre o que
vamos fazer. A reflexividade é uma autoanálise sobre as próprias ações, que pode ser feita
comigo mesmo ou com os outros.Fazendo-se é necessário formar profissionais que possam
atuar de maneira positiva no sistema educacional, produzindo uma verdadeira interligação entre
o ensinar e o aprender, reformulando suas práticas, inovando e refletindo a cada dia sobre a
missão do que seja atuar na profissão docente, de forma a produzir cidadãos aptos a inserir-se
no contexto mundial atual, segregador, e que exige a internalização de conhecimentos e não a
sua superficialização.
3 A construção do Ensino de Geografia
A produção do ensino de Geografia como disciplina escolar, ocorreu no século passado,
introduzido na escola com o objetivo de contribuir para a formação de cidadãos, a partir da
difusão do patriotismo, haja vista que, para ser patriota, o sujeito teria de conhecer seu espaço.
De acordo com Vlache (1990, p. 45),
foi , indiscutivelmente, sua presença significativa nas escolas primárias e
secundárias da Europa do século XIX que a institucionalizou como ciência,
dado o caráter nacionalista de sua proposta pedagógica, em fraca sintonia com
os interesses políticos e econômicos dos vários Estado-nações. Em seu interior
havia premência de se situar cada cidadão como patriota, e o ensino de
geografia contribuiu decisivamente neste sentido, privilegiando a descrição do
seu quadro natural.
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O ensino de Geografia a priori se insere no contexto educacional. sem muitas visões
educacionais, pois objetivava inicialmente analisar a produção do espaço como mero objeto de
análise e não de produção de uma aprendizagem. A posteriori objetivo dessa ciência é
caracterizado como transmissor de informações gerais sobre o território do mundo em geral, as
reformulações que ocorreram no ensino de Geografia foram resultados de inúmeras pesquisas
que denunciaram as fragilidades de um ensino com base na Geografia Tradicional, então se
propôs uma Geografia Nova com base em fundamentos críticos.
A Geografia brasileira se renova baseada nas reflexões sobre a epistemologia da ciência
geográfica, tendo início no final dos anos de 1970, momento que marca as revoluções do
sistema educacional no Brasil e que tem como ponto central o 3º Encontro Nacional de
Geógrafos. que ainda permite uma geografia permeada pelas ideologias de suas vertentes como
a Geografia Tradicional, a Geografia Quantitativa, a Geografia Crítica e a Geografia Nova, fato
este que possibilitou não somente conflito, como também reformulações no ato de pensar a
Geografia como parte integrante do currículo escolar. Segundo os PCNs 1111:
O ensino de Geografia pode levar os alunos a compreender de forma mais
ampla a realidade, possibilitando que nela interfiram de maneira mais
consistente e propositiva. Para tanto, porém, é preciso que neles adquiram
conhecimentos, dominem categorias, conceitos e procedimentos básicos com
os quais este campo de conhecimentos opera e constitui suas teorias e
explicações, de modo a poder não apenas compreender as relações
socioculturais e o funcionamento da natureza as quais historicamente pertence,
mas também conhecer e saber utilizar uma forma singular de pensar sobre o
conhecimento geográfico.
A problemática das práticas pedagógicas que que construiram o sistema
educacional pode ser visualizada com maior clareza nas áreas específicas, como no
ensino de Geografia, norteado por toda sua problemática de construção de seus objetivos,
da própria deficiência que acompanha as ciências específicas que, ao se voltarem para a
educação, deixam uma enorme lacuna no momento de produzirem um real processo de
ensino-aprendizagem, pois seu processo de formação inicial volta-se consideravelmente
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1,
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para a aquisição dos seus conhecimentos específicos, esquecendo-se de que a ideologia
dos cursos de licenciatura é para docência. Convém destacar que a Geografia tem
passado por várias mudanças dentro da sua formação interna, como também em sua
interdisciplinaridade, haja vista que o processo de globalização, as inovações
tecnológicas obrigaram as visões tradicionais a abrirem espaço para novas formas de
produzir o conhecimento geográfico de forma diferenciada, além de formar profissionais
docentes de Geografia preparados. De acordo com Vesentini (2005, p. 22):
É mais do que óbvio, portanto, que os avanços na revolução técnico-científica
e na globalização, somado com as radicais mudanças no mercado de trabalho,
exigem uma escola voltada não somente para desenvolver a inteligência dos
educandos, o senso crítico (pelos menos até um certo ponto), a criatividade
individual, mas também voltada para discutir os grandes problemas do mundo.
Precisamos de professores de Geografia críticos complexos e não de reprodutores
de seus conhecimentos específicos. É preciso que visualizem que os saberes específicos
só irão produzir uma aprendizagem se forem associados com os saberes pedagógicos.
Então lançamos o novo desafio da Geografia, pedagogizar seus professores, trazer para
essa nova realidade educacional uma nova linguagem, inserir o professor de Geografia na
dimensão pedagógica do ensino. Corroborando com a discussão, Oliva (2005, p. 25)
comenta que, ―Um avanço tecnológico que se deliberou do saber específico. Um saber
autônomo assim precisa mostrar a que veio e interpretar seu objeto: as metodologias de
ensino. Quanto mais metodologias se auto justificarem, ignorando os conteúdos que elas
vão portar, mais legitimam sua existência‖. Claro que que ainda persistem algumas
crenças, explícitas ou não, sobre o ensino de Geografia, principalmente que, para ensinar
esta ciência basta ter o seu conhecimento específico. Contudo, começa-se a notar que
alguns autores introduzem em suas falas preocupações com a questão pedagógica. Como
também afirma Moraes (1989, p. 122):
É mister gerar um esforço de traduzir pedagogicamente as novas propostas e
os novos discursos desenvolvidos pela Geografia[...] aproximar teoria e prática
no plano do
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ensino de Geografia, estimulando uma reflexão pedagógica que assimile os avanços
teóricos da Geografia nas últimas décadas.
O professor de Geografia deve analisar a sua prática pedagógica e proporcionar
reflexões sobre suas práxis docentes, e ver a aprendizagem, como algo complexo que necessita
de uma gama de fatores e, dentre elas, podemos citar as práticas do professores produzidas ao
longo de sua formação docente, moldadas por diversos segmentos, e que estão subordinadas ao
funcionamento do sistema, de esquemas, dos geradores e das decisões que impossibilitam a
explicitação da falta de autenticidade do professor em colocar suas habilidades e mudanças
necessárias no contexto escolar. Para que algo seja transformado, há necessidade de uma
readaptação de valores e persistência. Conforme Perrenoud (2005), mudar as práticas docentes
passa necessariamente pela transformação do habitus como também pela necessidade da
disposição de novas teorias de aprendizagem ou novas receitas didáticas.
Surgem então uma gama de indagações é sobre onde, em que momento se iniciam as
falhas docentes. Será que são reproduzidas pelas práticas didáticas dos professores? Nesse caso,
requer que façamos uma análise da história da sua formação desde a escola normal ou da
própria universidade, pois assim iríamos nos deparar com toda a epistemologia dos erros da
formação deste profissional. De acordo com Ludke (1996), no desenvolvimento de uma
pesquisa, em que ele se deparou com algo nada positivo, como os depoimentos de seus
entrevistados que diziam claramente que durante a sua formação acadêmica na disciplina de
sociologia nem Marx eles haviam lido completamente.
Essa ausência da essência de formação de valores e conhecimentos no ensino superior,
ensino este que sem dúvida alguma é a porta de entrada para a formação docente, é que
podemos visualizar que tipo de profissionais estão sendo inseridos na educação, e ao mesmo
tempo observar o descaso dado à formação inicial do professor, que certamente irá refletir
diretamente nas suas práticas pedagógicas e na absorção de ideias erradas sobre o significado
do que é saber e ensinar no contexto educacional, gerando um desencadeamento dos objetivos
da educação de uma nação, que é a produção de cidadãos críticos e prontos para serem
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inseridos no mercado de trabalho.
A profissão de docente, é um desafio, tanto para o professor encontra vários obstáculos
para exercer sua profissão as dificuldades internas das propias ciências as politicas
educacionais, a realidade da sala de aula mas as ciências tem um papel significativo na
construção da aprendizagem discente e a na particularidade da Geografia é de incentivar alunos
e professores a pensar melhor, sobretudo, no que ocorre em seu cotidiano, em seu país ou no
mundo.Nesse sentido, faz-se necessário que o professor capte e forneça ao aluno as
informações básicas e elementares para um acesso amplo ao conhecimento geográfico, para que
ele possa, da forma mais fiel possível e precisa, interpretar a realidade que o cerca.
E a formação incial do docente de geografia ocorreu dentro de uma visão voltada para
um foco de produção da aprendizagem? Uma pergunta que se revela difícil, pois a
complexidade de objetividade dos docentes unida à da Geografia em encontrar-se como
ciência, agregou-se ao demagogo sistema de educação que produz políticas fora da realidade de
onde elas serão aplicadas.
Considerações Finais
Educação um complexo de várias problemáticas que revelam o encadeamento de
dificuldades para obter-se a formação docente, enraizada na construção social deste País. Que
desencadeou a desvalorização por esta prática que emerge de voluntário ligado a alguém
influente, para um profissional qualificado e formado, fato este que poderia solucionar ou até
mesmo amenizar a problemática da educação no Brasil, porém nos deparamos com a
deficiência da formação de profissionais voltada para a produção de um ensino-aprendizagem,
merecendo destaque os docentes de Geografia que, seus conflitos internos agregou sequelas
consideráveis para a ciência.
Geografia ciência tão complexa como os problemas que a envolve, mas é na docência,
foco deste texto, observamos a maior deficiência iniciada na formação academica, pois os
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geógrafos (licenciados) saem para a vida docente com um diploma de conhecimentos
específicos e um vazio pedagógico, resultando em mera reprodução de conteúdos sem a
valorização da grande essência do ensino-aprendizagem. Aliado a isso, temos as políticas
públicas educacionais que produzem conteúdos didáticos dentro de uma realidade
centralizadora do centro-sul do País, que os parametriza e agrava a dificuldade de absorção
pelos alunos, tornando-se um ciclo de erros, no qual professor, aluno e sistema encenam uma
peça teatral em que se tornou o ensino no Brasil, e onde não é mais possível identificar quem
mais contribui para isso acontecer, se o sistema com suas políticas emergenciais, ou o docente
que traz as deficiências de sua formação inicial, incorporando-as às falhas do sistema, ou o
aluno que vem de um processo socioeconômico desestruturado e alheio à formação do
conhecimento.
Mas, independente de quem seja o protagonista dessa sistematização de falhas na
educação brasileira, é visível que todos deixam suas contribuições, pois dão continuidade aos
erros da formação docente inicial e continuada, inexistindo na maioria das vezes uma reflexão
sobre sua práxis, sobre o sistema que, mesmo diante dos seus erros, continua a reproduzi-los, e
os alunos, que a cada dia estão mais alheios ao processo de aprender. Resultando em um
continum de deficiências que aflora a necessidade de uma reformulação das bases educacionais
brasileiras que possam envolver todos os atores dessa complexa relação, além de uma
reavaliação das práticas docentes e dos conteúdos de Geografia para que realmente ocorra uma
produção de conhecimento geográfico.
Referências
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Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília, DF: MEC/SEF,1997.
LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar para fazer guerra. 3.
ed. Tradução Maria C. Franca. Campinas: Papirus, 1985.
LUDKE, Menga. Os professores e sua socialização profissional. In: REALI, Aline Maria de.
M, MIZUKAMI, Maria da Graça (org.), Formação de professores: tendências atuais. São
Carlos: UFSCAR, 1996.
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1,
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48
MORAES. Renovação da geografia e filosofia da educação In: OLIVEIRA, Ariovaldo U. de
(org.) . Para onde vai o ensino de Geografia? São Paulo Contexto, 1989.
OLIVA, Jaime Tadeu. Educação e ensino de geografia: instrumentos de dominação e /ou
de deliberação. In CARLOS. Ana Fani A.A geografia na sala de aula (org). 7. ed. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 25.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação:
perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.
PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA,
Selma G.; GHEDIN, E. (Orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um
conceito. São Paulo; Cortez, 2002. p.17-53.
VESENTINI. José William. Educação e ensino de geografia: instrumentos de
dominação e /ou de deliberação. In CARLOS. Ana Fani A.A geografia na sala de aula
(org.). 7. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 22.
VLACH, Vânia. Geografia em debate. Belo Horizonte: Lê, 1990.
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1,
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5. FACULDADE DE FILOSOFIA DO CRATO – CE E A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Lourdes Rafaella Santos Florencio
Inambê Sales Fontenele
Resumo
O estudo ora apresentado tem por objetivo refletir sobre a relação entre a Fundação da
Faculdade de Filosofia do Crato - CE e a formação de professores para o ensino
secundário entre os anos de 1959-1965. Como pontos de conexão nesse estudo os debates
entorno da expansão da educação e, a posterior promulgação da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB, 4.024/1961). Buscou-se pensar a Faculdade de Filosofia do Crato como uma
trama, munida por práticas fincadas dentro de um espaço de disputas e de conflitos, lugar
constituído mediante práticas de seus usuários, dos sujeitos que nele compartilham como
aponta Certeau (1994). Como fontes utiliza-se jornais, atas e documentos da instituição
que, em consonância com Le Goff (1996), são documentos históricos que podem
proporcionar a materialização de produções simbólicas, sendo produtos sociais. Estudos
como este se justifica pela importância de debater sobre a memória da Educação
brasileira. Há que se destacar o fato de que a memória é uma elaboração social e, de tal
maneira, comporta um sentido político, que leva à valorização e ao reconhecimento dela.
Como lembra Pollak (1992), a memória é entendida não como uma simples reprodução
das ideias passadas, onde o individuo, e não só o social, é visto como sujeito constitutivo
da memória. Com efeito, apresentar-se-á o entrelaçamentos de aspectos nacionais e locais
a partir da Faculdade de Filosofia do Crato.
Palavras-chave: Formação de Professores. História da Educação. Memória.
A Faculdade de Filosofia do Crato e a expansão do ensino secundário.
Formar professores tornou-se uma tônica no Brasil desde a expansão do ensino
secundário. Por outro lado, desde a separação oficial entre a Igreja e o Estado, com a
Proclamação da República, se viu uma expansão da atuação da Igreja no campo educacional e,
em instituições intelectuais. As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela
efervescência dos debates sobre os sistemas educacionais, ao qual era remetidas idéias
educacionais laicas e confessionais.
A reforma Francisco Campos, de 1931, pode ser apontada com um impulsor dessas
disputas, pois representa a tentativa governamental de consolidar um sistema de ensino
nacional. Entre as mudanças, destaca-se a organicidade que é dada ao ensino secundário.
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Acompanhado pelo aumento da procura e de estabelecimentos desta modalidade de ensino. A
junção desses fatores ocasionou o aumento na demanda de professores secundários. Algumas
medidas foram tomadas para tornar esses docentes estáveis e em um contingente que pudesse
atender a demanda, entre as medidas estavam a regulamentação trabalhista e a criação das
Faculdades de Filosofia.
Ainda na referida reforma, foi promulgado decretos sobre o ensino superior,
constituindo-se o sistema universitário. Em Romanelli (1979, p.p.132-133) destaca-se, a
Universidade de São Paulo em 1934. Organizada por um grupo de intelectuais, a USP trazia em
sua constituição a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, ―segundo Fernando de
Azevedo, passou a ser a medula do sistema, tendo por objetivos a formação de professores para
o magistério secundário e a realização de altos estudos desinteressados e a pesquisa‖.
Em meio à estruturação das universidades no Brasil, a Igreja católica também começa
a atuar no ensino superior, com a formação da elite intelectual brasileira. Em 1946, o governo
8
reconhece o grupo de faculdades católicas . Segundo Casali (1995, p.94) as investidas na
formação de intelectuais católicos ganham força quando ―as universidades existentes não
somente suprimiram a Igreja e sua doutrina, eliminando as cadeiras de ciências religiosas, mas
passaram a oferecer um ensino mais hostil a essa doutrina, descartando o espiritualismo
cristão‖.
Feitas tais considerações, partir-se-á para o entendimento das práticas construídas no
entorno da FFC., tendo em vista que estas, emergem em um contexto educacional de posições
ideológicas explicitamente adversas atrelada a uma demanda mercadológica de professores
secundaristas.
No Regimento da Faculdade de Filosofia do Crato, transparece uma preocupação com
o fomento cultural da região, como se pode observar:
I) – Formar trabalhadores intelectuais para o magistério, orientação e administração
de escolas e sistemas escolares;
II) – Preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades
culturais de ordem desinteressada ou técnica;
III) – Realizar pesquisas e trabalhos que concorram para o desenvolvimento da
cultura filosófica, científica, literária e artística;
IV) – Promover o estudo da cultura regional;
V) – Desempenhar, enfim, o papel de centro de investigação e de ensino que procure
conciliar o espírito de especialização e regionalização com a visão universal e
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humana dos problemas sociais.
Parágrafo único – A Faculdade se articulará com as unidades escolares do Estado, do
País e do Exterior e com as instituições de pesquisa e de aprofundamento científico,
no sentido de colaboração cultural necessária à plena realização dos seus
objetivos (Faculdade de Filosofia do Crato – FFC. ANAIS, TOMO I, 1962,
p.63).
Esperava-se que a faculdade possibilitasse o surgimento de um novo perfil
profissional na região do Cariri, preocupando-se com a profissionalização dos professores
aliando o ensino, a pesquisa, atividades técnicas-administrativas congregando ainda a
produção intelectual local. Ressalta-se ainda a demarcação e legitimação do Saber, visto que
com exceção do item I, todos ou outros fazem alusão a produções de conhecimentos,
principalmente os de cunho regional.
Na formulação da Faculdade de Filosofia do Crato estavam vários membros do
9
Instituto Cultural do Cariri – ICC . Edificou-se nesta referida cidade uma vasta produção
intelectual que tinham como intenção construir uma produção sobre a cidade do Crato dentro
de uma tradição heróica e letrada. Ao analisar a produção historiografia do ICC, Viana (2011,
p.27) aponta que os sujeitos desta instituição ―[...] comungavam de um mesmo horizonte de
ideias e pensamentos, [...] acreditavam que a história do Crato era exemplo de virtudes morais,
cívicas e culturais‖. Ainda sobre a produção de saber local, o supracitado autor conclui que
―[...] se tentou criar uma identidade local com base num passado glorioso. Identidade essa
que foi alimentada pela produção de conhecimento sobre esse passado; logo, pela produção de
histórias‖ (2011, p.171).
Comungando com a interpretação de Viana, o destaque para a construção de saber
ganha sentido. Destaca-se que a FFC. também tivera o seu espaço dentro dessa construção de
sentidos. Contudo se guardará esse debate para o próximo tópico, preocupando-se nesse
momento com a forma como a IES foi operacionada.
No Decreto Presidencial nº 48.131, de 20 de abril de 1960, o presidente Juscelino
Kubitschek autoriza o funcionamento dos cursos de Letras Anglo-Gêrmanica, Letras NeoLatinas, História e Pedagogia. Como demonstra o Regimento, os cursos eram organizados por
blocos de disciplinas onde no final o aluno adquiria um diploma de licenciatura ou
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bacharelado.
No Regimento, encontra-se o currículo dos cursos, os quais demonstram a amplitude
de conhecimentos, com duração mínima de dois anos para habilitar-se para o magistério. A
oferta de disciplinas estavam organizadas por departamentos, a saber:
DEPARTAMENTO
Fisiologia
DISCIPLINAS
Fisiologia
História da Filosofia
9
O Instituto Cultural do Cariri foi fundado em 1953 por um grupo de intelectuais locais, alguns se tornariam
professores da Faculdade de Filosofia do Crato, tendo com objetivo promover produções intelectuais locais.
Psicologia
Matemática
Complementos de Matemática
Análise Matemática e Analise Superior
Geometria
Mecânica Racional e Celeste
Física Matemática e Superior
Física Geral e Experimental
Física Teórica
Química
Química Geral e Inorgânica e Química Analítica
Química Orgânica e Química Biológica
Físico-Química
História Natural
Biologia Geral e Educacional
Zoologia
Botânica
Geologia e Paleontologia
Mineralogia e Petrografia
Geografia e História
Geografia Física e Geográfica Regional
Geografia Humana
Geografia do Brasil
Geografia Matemática
História Antiga e Medieval
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História Moderna e Contemporânea
História da América
História do Brasil
História do Ceará e do Cariri
Ciências Sociais
Sociologia Geral e Educação
Antropologia e Etnologia
Política
Economia Política e História das Doutrinas
Econômicas
Etnologia do Brasil e Língua Tupi
Língua e Literatura
Língua e Literatura Latina
Língua e Literatura Grega
Língua Portuguêsa
Literatura Portuguêsa
Literatura Brasileira
A primeira turma que colou grau pela FFC., em dezembro de 1962, obtiveram o título
de Bacharel. É datado no dia 31 de dezembro do mesmo ano um requerimento do diretor da
Faculdade, prof. José Newton Alves, endereçada ao presidente do Conselho Federal de
Educação, Deolino Couto. O referido documento solicitava a autorização do curso de Didática
no ano seguinte. A justificativa ganha destaque quando ele diz que a população caririense:
[...] reclama, de modo imediato, a formação de professôres para o ensino de
grau médio. No Cariri, o número de ginásios, escolas técnicas de comércios,
escolas normais, tendo aumentado desproporcionalmente ao de professôres
credenciados, impõe a necessidade de licenciados por Faculdades de Filosofia,
problema cuja solução está na competência especifica desta Escola, como
10
estabelecimento a isto destinado.
O curso de Didática seria incorporado com as seguintes disciplinas: Didática Geral;
Didática especial de complementos de matemática; Didática especial de história; Didática
especial de línguas; administração escolar; sociologia; psicologia educacional e fundamentos
biológicos da educação.
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É firmado ainda um contrato com o Ginásio e Escola Normal Rural Madre Ana Couto.
Instituição igualmente pertencente à Diocese do Crato. O seu conteúdo pode ser visto a seguir:
Dessa forma a FFC. toma para sim a direção ―didática‖ da Escola Madre Ana Couto,
a qual passaria a ser uma Escola de Aplicação, portanto um espaço de intervenção e ação da
Faculdade no que concerne ao magistério. O convênio foi assinado no dia 30 de dezembro de
1962, pela Madre Maria Carmelita Feitosa, diretora da Escola Normal Rural Madre Ana Couto;
pelo professor José Newton Alves de Sousa, diretor da Faculdade de Filosofia do Crato. Tendo
o aval do Bispo Diocesano do Crato, Dom Vicente de Paulo de Araújo Matos e como
testemunhas, as professoras Maria Irene Esmeraldo Cabral e Ana Arraes de Alencar.
Este estudo limita-se a entender a organicidade da Faculdade de Filosofia do Crato nos
seus primeiros anos de funcionamento. Em estudos posteriores pretende-se afunilar para a
influência e interferência da FFC nas instituições de educação da região do Cariri. Assim
voltar-se-á para a constituição interna da faculdade.
Logo após a aprovação de funcionamento, pelo Conselho Federal de Educação, deu-se
início ao processo seletivo. As inscrições foram abertas no período de 20 a 29 de abril, a
realização da prova aconteceu entre os dias 02 e 05 de maio; o período de matricula nos dias 06
e 07 e início das aulas dia 09 de maio de 1960, com extensas atividades, a fim de regularizar o
calendário acadêmico. O processo contou com a inscrição de trinta e dois candidatos, todavia,
foram aprovados apenas dezenove. Esse fato é lembrado no discurso do diretor da Faculdade de
Filosofia do Crato, como uma demonstração de que ―[...] pretende fazer da qualidade e do
merecimento o seu critério e a sua bandeira‖ (Faculdade de Filosofia do Crato – FFC. ANAIS,
TOMO I, 1962, p.34). Esse aspecto demonstra que, pelo menos de início, a FFC não tem o
intuito de inclusão, numa perspectiva numérica de alunos. Abaixo se ver a caracterização
desses aprovados.
Curso
Pedagogia
Nº de candidatos
aprovados
07
Sexo
Feminino
Masculino
05
02
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História
Letras AngloGermânica
Letras Neolatinas
04
03
03
01
01
02
05
03
02
Tabela 02 – sobre a primeira seleção da Faculdade de Filosofia do Crato.
Observa-se que dos dezenove aprovados, doze eram mulheres. Essa constatação ganha
importância se considerarmos que os espaços emergentes era eminentemente masculino. Como
visto no ponto anterior, as articulações sócio-políticas pró-FFC, contou com a participação de
políticos e intelectuais do sexo masculino. Portanto, o número de mulheres aprovadas naquela
seleção pode ser tomado como uma inclusão das ações femininas na conjuntura histórica em
que se estabelecia o ensino superior no cariri cearense.
As mulheres se fizeram presentes também na constituição do quadro docente da FFC.,
contudo a proporcionalidade se inverte. No ―Esboço Histórico da Faculdade de Filosofia do
Crato‖, localizado no já citado ANAIS, TOMO I, da Faculdade de Filosofia do Crato (1962,
p.13), é apresentado o quadro docente para a primeira série dos cursos autorizados. Os
dezesseis listados, apenas duas eram mulheres, a professoras Maria Ruth Alves de Sousa,
licenciada e ministrante da disciplina Psicologia Educacional. A outra professora, também
licenciada, era a senhora Maria dos Remédios de Moura Leal, professora de Língua e Literatura
Espanhola. Nos anos posteriores houve um aumento no número de professores, sobretudo no
curso de Pedagogia.
Administrativamente, a Faculdade de Filosofia do Crato organizou-se em três órgãos:
Diretoria; Conselho Departamental; Congregação.
Ao diretor cabia a gerencia técnica e administrativa da Faculdade, sua escolha deveria
acontecer pelo conselho do Instituto de Ensino Superior do Cariri, a partir de uma lista tríplice
composta por professores catedráticos indicados pela Congregação. O mandato seria de três
anos, podendo ser renovado. O Conselho Departamental, órgão consultivo e deliberativo dos
assuntos de sua competência, constituía-se pelos chefes de Departamento, e presidido pelo
Diretor da faculdade. O presidente do diretório acadêmico poderia participar das reuniões
apenas quando o assunto fosse de interesse dos discentes. Por fim vinha a Congregação, órgão
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superior de direção da Faculdade, constituída pelos professores catedráticos no exercício de
suas funções, um representante dos docentes-livres, eleito em reunião, ficando na função por
um triênio.
O corpo docente da FFC era constituído por professores Catedráticos, auxiliares de
ensino, docentes-livres e professores contratados. Os professores catedráticos, segundo o
regimento, deveriam ser nomeados pelo Presidente do Conselho Executivo do Instituto de
Ensino Superior do Cariri e escolhidos por provas e concursos de títulos. Poderiam concorrer os
professores fundadores, os docentes-livres e os professores catedráticos de outras IES. Dessa
forma tentava-se garantir a perpetuação do grupo fundador, já que o regimento chega a
estabelecer que o edital de seleção devesse ser publicado as vésperas da abertura de inscrição,
onde o candidato apresentaria:
I – diploma profissional ou científico do instituto onde se ministra ensino da disciplina a
cujo concurso se propõe, devidamente registrado na D.E. Su. Ou nos órgão que
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antecederam do Ministério da Educação e Cultura, além de outros
títulos complementares que possua.
II – Prova de ter sido diplomado pelo menos cinco (5) anos antes;
III – Oferecer 100 (cem) exemplares impressos de tese sobre assunto de livre escolha,
da matéria em concurso;
IV- Provar que é brasileiro nato ou naturalizado;
V – apresentar prova de sanidade e idoneidade moral;
VI – apresentar documentação da atividade profissional ou científica que
11
tenha exercido e que se relacione com a disciplina do concurso.
Requerida a inscrição, passava-se para o Departamento da disciplina a fim de avaliar
se o candidato satisfazia as exigências. Após homologação dos inscritos, o Departamento
escolhia os três professores catedráticos que iriam compor a ―Comissão Julgadora do
Concurso‖. O processo seletivo dividia-se em três fases: prova escrita, defesa de tese e prova
didática, todas de caráter eliminatório e classificatório.
Ao professor catedrático, além de desempenhar suas funções de ensino, deveria
destinar, semanalmente, uma hora de suas atividades para atender na FFC a consulta de
estudantes, desenvolvendo a atividade de orientação e pesquisa. Destaca-se que para o cargo de
Diretor da faculdade, só essa categoria poderia ser nomeada.
O ingresso dos professores auxiliares dava-se pela indicação de um professor
catedrático, quando autorizada pelo diretor da FFC. Após dois anos da sua nomeação, o auxiliar
deveria submeter-se a concurso para docência-livre, sob pena de perder automaticamente o
cargo. O título de docente-livre era concedido mediante concurso similar ao de professor
catedrático. Essa categoria de professor deveria ampliar a capacidade didática da Faculdade,
tendo a liberdade de ministrar disciplinas e cursos além das regulares, desde que autorizadas
pelo departamento.
Ver-se uma divisão categórica dos docentes da FFC, mais também uma preocupação
com a produção. O regimento expõe em seu art. 130 a punição aos que não cumprissem suas
atividades. Ele prever que de cinco em cinco anos, seria montada uma comissão de professores
catedráticos que excluiriam do quadro-docente aqueles que não houvessem exercido com
eficiência as atividades de ensino e pesquisa. No que tange a pesquisa, essa preocupação com a
produção docente é vista no volume de publicações, as quais se verão no tópico seguinte.
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O ano letivo dividia-se em dois períodos, onde a carga-horária máxima era de vinte e
quatro horas semanais, com presença mínima de dois terços das aulas ministradas. A
metodologia das aulas ficava a cargo dos professores, contudo havia uma orientação regimentar
para que os professores planejassem aulas teóricas e praticas, desenvolvendo trabalhos de
11
Regimento da Faculdade de Filosofia do Crato, 1960.pesquisa
e seminários. O sistema avaliativo da
FFC era orientado pelos trabalhos de estágio,
provas parciais e uma final. Nota-se uma rigorosidade quanto a avaliação, pois, sua
aplicabilidade, segundo o regimento, deveriam ser os alunos, divididos em turmas, as quais se
fixariam os horários de realização dos exames.
As provas tinham duração máxima de duas horas e os alunos que não estavam quites
com o pagamento das taxas escolares e mensalidades cobradas pela Faculdade, não poderiam
ser submetidos às avaliações. Eram considerados aprovados na disciplina e, portanto
dispensado da respectiva prova final, os alunos que alcançassem média igual ou superior a sete.
O TOMO III dos Anais da Faculdade de Filosofia do Crato de 1962, descreve o acervo
da biblioteca e sua utilização:
- Número de volumes atualmente existente: .. 3.197
Número de volumes incorporados em 1962:
Obras Gerais: ................................................................................................................................ 22
Filosofia: ...................................................................................................................................... 34
Religião: ....................................................................................................................................... 39
Ciências Sociais: ......................................................................................................................... 140
Filologia: ...................................................................................................................................... 62
Ciências Puras: .............................................................................................................................. 40
Ciências Aplicadas: ....................................................................................................................... 15
Literatura: ................................................................................................................................... 275
História e Geografia: ................................................................................................................... 169
Total:........................................................................................................................................ 1.850
- Número total de leitores ........................................................................................................... 1.850
- Média mensal de leitores ........................................................................................................... 168
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No primeiro triênio, a FFC já havia adquirido um acervo considerável, com destaque
maior para obras da área de Ciências Humanas. Tendo em vista que a instituição pertencia a
Diocese do Crato, deduz-se que uma das preocupações e por que não desafio da faculdade fosse
empreender um projeto pedagógico pautado no ensino e pesquisa, como se observou no
regimento, sem com isso afastar-se da doutrina cristã.
A mistura da razão e fé pode ser identificada na consolidação da FFC, pois possuía no
seu quadro docente, técnico administrativo, assim como de discentes, um número expressivo de
clérigos. A Igreja se fazia presente não apenas pelos seus representantes, mais também nas suas
ações. O art. 29 do Regimento previa que todos os alunos, independente da área, deveriam
cursar as disciplinas de Introdução à Filosofia e outra de Cultura Religiosa.
Essa tênue relação de ensino e construção de saber é descrita com maestria pelo padre
e professor Rubens Gondim, na cerimônia de formatura da primeira turma de Bacharelandos,
em dezembro de 1961. Para ele:
E neste vôo sublime aos alcantis da sabedoria equilibrada [...] emerge, soberana entre
as demais, a Faculdade de Filosofia. Porque a fim de ter conhecimento das coisas
ordinárias e praticar a dúvida e a pesquisa nas demais, importa assenhorear-se de
verdade ciência comparada, o que não pode dar-se senão no conjunto das ciências
especializadas, à luz da Filosofia Geral e da Teologia. [...] o conjunto das ciências não
se basta sem a rainha das ciências: a Filosofia; nem o conjunto dos conhecimentos
12
humanos, sem a sabedoria da ciência divina: a Teologia.
A concepção de saber é posta como uma busca de harmonia e hierarquia da ciência.
Esta deveria ser então a encíclica das universidades católicas, e assim ―soberana entre as
demais‖. Devendo combater, ou pelo menos ignorar, as tendências científicas que fugissem da
verdade católica. Desta forma a missão da FFC, para além da formação de professores, era a de
formar sujeitos dentro da doutrina cristã. A formação intelectual correta e, portanto, a elevação
cultural, seria na verdade uma aproximação com a doutrina cristã.
Considerações Finais
Nessa busca de entendimentos, tentando versar sobre a operacionalidade da FFC,
atentou-se especialmente para os aspectos da cultura educacional imposta nos primeiros anos
de funcionamento. Encontra-se uma busca de alicerçar a faculdade dentro dos preceitos de
Universidade e Cientificidade, contudo, revestida por intenso ideário cristão.
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A Faculdade de Filosofia do Crato se consolida dentro dos marcos de modernização.
Em âmbito nacional se via, no pós-1930, uma efervescência de ideias política e sócio-cultural.
No que compete a educação, vivia-se a consolidação de um sistema nacional de educação,
marcado pelas disputas das concepções laica e confessional. Concomitante são as mudanças no
Crato, pois, como observou anteriormente, a cidade tomava ares progressistas.
A criação de uma instituição de ensino superior no interior do Ceará, não passaria
despercebida pelos agentes do progresso e da Igreja. Talvez a maior representatividade do lugar
simbólico que a FFC ganhou nos discursos sobre a cidade e, sobre o espírito modernizante do
período de sua fundação.
FONTES





Anais da Faculdade de Filosofia do Crato – F.F.C., Tomo I, 1959-1960. 
Anais da Faculdade de Filosofia do Crato – F.F.C., Tomo II, 1960. 
Anais da Faculdade de Filosofia do Crato – F.F.C., Tomo III, 1962. 
Anais da Faculdade de Filosofia, Tomo III, 1962, p. 34.

Anais da Faculdade de Filosofia do Crato – F.F.C., Tomo IV e V, 1963-1964. 
REFERÊNCIAS
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Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
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6. REVELANDO
SEXUALIDADE
VOZES,
DESVELANDO
OLHARES
DE
JOVENS
SOBRE
Francisca Joelina Xavier
Nadja Rinelle Oliveira de Almeida
O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós (Lenine)
O trabalho é resultado de uma pesquisa realizada entre janeiro a julho de 2011 que teve como
locus o grupo de quadrilha junina Anjinhos do Amanhecer do bairro Paraíso das Flores na
cidade de Sobral-Ceará. Tivemos como sujeitos da pesquisa doze adolescentes. Utilizamos a
observação participante para coleta dos dados, registrados no diário de campo. Na busca de
entender parte do universo e comportamento dos jovens escolhemos abordar o tema
sexualidade capturando vozes e olhares dos sujeitos investigados a partir da compreensão
destes sobre o tema e qual o significado que eles atribuem a isso. Para o desenvolvimento desta
pesquisa utilizamos a pesquisa-ação, numa perspectiva qualitativa, apoiado no modelo
pedagógico de Paulo Freire- Ciclo de Cultura. A partir dos dados coletados percebemos que os
jovens associam sexualidade ao sexo, outras falas evidenciam inconsistência quanto aos saberes
sobre a temática sexualidade, bem como as questões relacionadas ao desenvolvimento do corpo
dos seus corpos.
Palavras-Chave: Adolescente. Identidade. Gênero. Sexualidade.
1. Introdução
A adolescência é considerada uma etapa fundamental no processo de crescimento e
desenvolvimento humano, consequentemente marcada por modificações, sejam elas físicas e
comportamentais, podendo ser influenciadas por um conjunto de fatores de cunho familiar e
social. Segundo Tiba (1986) é nessa fase que o adolescente tem mais necessidade de pôr em
prática a sua criatividade, as suas emoções, os seus desejos, promovendo neste movimento
vários encontros com o outro e consigo mesmo.
Já Coimbra (2005) nos apresenta a adolescência como uma fase caracterizada pela
demarcação de uma faixa etária marcada por mudanças advindas da puberdade e suas
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consequências. Todavia, compreendemos que essas classificações inspiradas em critérios biopsicológicos não aprofundam uma análise problematizadora das características específicas
desses sujeitos, considerando situações de classe, de etnia e de gênero (JEOLÁS, 2003).
Bourdieu (1979), nos seus estudos, apresenta uma crítica quando se pensa a juventude
apenas como um recorte etário, pois existem vários segmentos juvenis onde contracenam
inúmeros atores de diversas classes sociais e, o fato de falar dos jovens como se estes
onstituíssem uma unidade social, um grupo coeso, dotado de interesses comuns, relacionando
estes anseios a uma idade definida biologicamente, pressupõe uma manipulação arbitrária.
Nesta perspectiva gostaríamos de ressaltar que, no decorrer deste artigo, utilizaremos os termos
―adolescência‖ e ―juventude‖ por entendermos que ―são sinônimos‖ (GUIMARÃES E
MACEDO, 2005, p.03) e uma categoria construída socialmente.
Portanto, podemos considerar que o adolescente é mais do que um corpo em
desenvolvimento e por isso outros critérios merecem ser mencionados, como o aspecto
emocional e intelectual deste adolescente bem como as relações interpessoais, a vivência da
afetividade e da sexualidade, dentre outros. Este período corresponde também a inúmeras
descobertas levando este jovem a vivenciar novas experiências, espelhadas na busca de
integração social, de independência individual, do desenvolvimento da personalidade e da
identidade de gênero.
Nesta perspectiva, a sexualidade é um aspecto importante a ser analisado, pois a
percepção desse tema é formulada a partir das experiências cotidianas dos jovens (TORRES,
2007). Apesar de aparentemente se configurar como uma temática ―nova‖, principalmente no
setor educação, a sexualidade sempre esteve presente em nossa sociedade e [...] é uma
construção histórica (LOURO, 2000), o que vai mudar é a relação do ser humano frente à
questão.
Este artigo versa sobre uma experiência de pesquisa-ação desenvolvida junto aos
adolescentes com faixa etária de 11 a 13 anos moradores do bairro Paraíso das Flores, situado
na periferia da cidade de Sobral-CE, revelando suas vozes e desvelando seus olhares sobre a
temática ―sexualidade‖ e levanta reflexões construídas durante nossas trajetórias de formação
e atuação enquanto pesquisadoras, pedagogas e membros do Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre Culturas Juvenis-GEPECJU.
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2. Metodologia
Para buscar entender o universo e o comportamento dos jovens sobre o tema
sexualidade utilizamos a pesquisa-ação apoiada na abordagem qualitativa, capturando nesta
aproximação as vozes e olhares dos sujeitos investigados, priorizando neste processo a
compreensão dos adolescentes sobre tal temática. Optamos por desenvolver este tipo pesquisa
para contribuir com o processo formativo desses adolescentes, uma vez que ao mesmo tempo
em que investigamos, atuamos pedagogicamente junto a esses sujeitos.
A pesquisa-ação se aplica quando os pesquisadores não querem limitar suas
investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos das pesquisas convencionais. Querem
pesquisas nas quais as pessoas implicadas tenham algo a ―dizer‖ e a ―fazer‖. Com a pesquisaação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos
observados (THIOLEENT, 2008).
O Círculo de Cultura foi utilizado com intuito de contribuir para a promoção de
conhecimento, de reflexão e de decisão dos jovens no ato de cuidar-se e de serem protagonistas.
Nesta perspectiva, o método de Paulo Freire permite aos participantes e aos pesquisadores,
elaborar processos de conhecimento e de ação a partir de suas reais necessidades, e em
conjunto, articular alternativas para resolvê-los, facilitando o processo de cuidado
(BRANDÃO, 2004).
A pesquisa foi realizada junto a doze jovens participantes do grupo de quadrilha junina
Anjinhos do Amanhecer do bairro Paraíso das Flores na cidade de Sobral-Ceará no período de
janeiro a julho de 2011.
Para coleta das informações utilizamos algumas técnicas: observação participante e
entrevista aberta. A observação participante por possibilitar a coleta de dados através do
contato direto do pesquisador com o fenômeno observado a partir de informações sobre a
realidade dos atores sociais em seus próprios contextos (VIANNA, 2007). A entrevista aberta
por ser um procedimento usado na investigação social para coletar dados, ou ajudar no
diagnóstico ou tentar solucionar problemas sociais. (LAKATOS e MARCONI, 2005).
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A utilização dos instrumentos foi realizada a partir de algumas etapas descritas a
seguir: A primeira etapa teve como objetivo verificar quem são os sujeitos da pesquisa
trabalhando as categorias adolescência e identidade. A segunda etapa constituiu-se da descrição
da experiência vivenciada junto aos jovens a partir das temáticas gênero e sexualidade, através
de oficinas facilitadas pelas pesquisadoras.
É importante ressaltar que a pesquisa seguiu os preceitos da Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, referente à pesquisa envolvendo seres humanos, sendo também
respeitados os referenciais básicos da bioética, que inclui a beneficência, não maleficência,
autonomia, justiça e equidade (BRASIL, 2000).
3. Quem são os anjinhos do amanhecer?
66
O grupo de quadrilha junina ―Anjinhos do Amanhecer‖ tem como objetivo promover
atividades educativas e culturais junto aos jovens do bairro Paraíso das Flores da cidade de
Sobral,Ceará. Atualmente, acolhe doze jovens de ambos os sexos, sendo seis meninos e seis
meninas para ensaiar quadrilha e apresentar o espetáculo em tempos de festas juninas. Durante
o ano, a equipe responsável também reúne o grupo para promover atividades educativas no
intuito de favorecer a formação cidadã desses sujeitos.
Todos os jovens são estudantes da rede pública de ensino e cursam o ensino
fundamental. Suas famílias são beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. Para além das
atividades culturais que envolvem a quadrilha eles participam de atividades esportivas na
escola e na comunidade.
4. Revelando vozes, desvelando olhares de jovens sobre sexualidade
Em janeiro de 2011 realizamos a escuta dos jovens para identificar as temáticas de
interesse de discussão dos mesmos. Por unanimidade foi mencionado o tema ―sexualidade‖. A
partir de então, as pesquisadoras promoveram leituras e reflexões elegendo alguns autores para
estudo para que a metodologia fosse desenhada para desenvolvermos tal pesquisa.
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Nesta vivência, iniciamos o processo metodológico trabalhando o circulo de cultura.
Neste momento procuramos instigar os jovens a expressarem suas inquietações quanto à
temática ―sexualidade‖. Com esse método os jovens foram dando pistas do que queriam
discutir e aprender, surgindo questões que envolviam desde o conhecimento e mudança do
corpo ao ato sexual.
Ao desenvolvermos a pesquisa procuramos primeiramente identificar qual a
concepção destes adolescentes sobre o termo adolescência para conseguirmos nos aproximar do
universo da sexualidade, eis a resposta de um dos anjinhos.
―O crescimento e a mudança do corpo e aparecimento de pelos na axila e no pênis‖
(Anjinho, 13 anos).
Percebemos que esta fala revela uma concepção de adolescência que está ligada tanto ao
aspecto biológico quanto cultural. Após esta constatação buscamos entender esse discurso. Foi
então que descobrimos que este adolescente participa de oficinas ligadas ao Centro de Saúde da
Família (CSF) que abordam discussões direcionadas a saúde do adolescente, o que nos leva a
creditar que a participação deste adolescente nestas atividades é uma dos critérios que poderá
contribuir para o processo formativo que inclui a construção da identidade deste jovem.
Para entender o processo de construção da identidade do adolescente é importante
considerar os processos sociais e culturais que delineiam a construção da mesma, concebida,
como afirmam LEAL & BOFF (1996), como fator central do gênero e da sexualidade, tendo
em vista a perspectiva de identificá-la em processo constante de mudança, como também nas
suas implicações para a experiência da vida sexual.
A utilização da terminologia ―gênero‖ surge, neste sentido, como alternativa de lançar
um olhar mais amplo ao se estudar temas que perpassem este campo, tomando como base a
conceituação do mesmo que se refira à forma como as características sexuais e/ou biológicas
são representadas e compreendidas a partir de uma construção social caracterizada por aspectos
advindos do processo de evolução histórica. (ALBANO, 2010).
Ao tocar na categoria gênero, percebemos que os adolescentes cultuam uma visão
―machista‖ do ser homem e as adolescentes trazem a feminilidade como algo ―frágil‖.
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Achamos isso curioso, então tentamos conduzir mais essa discussão para tentar desconstruir
essa norma construída culturalmente pelo contexto social e compactuamos com Louro (2000, p.
06) para nos ajudar neste processo, pois a autora nos revelou que:
A inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no
contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As
possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres —
também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero
e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas
pelas redes de poder de uma sociedade.
Neste percurso entendemos que seria necessário também elaborarmos algumas
perguntas que pudessem levá-los a refletir sobre suas respostas quando se referem ao ―ser
homem‖ e ―ser mulher‖. Selecionamos as seguintes perguntas do tipo: O homem nunca se
sente frágil? A mulher sempre se sempre frágil? Ouvimos as seguintes respostas.
― Quando agente chora‖ (Anjinho, 11 anos).
― Quando sente dor‖ (Anjinho, 12 anos).
― Quando quebra alguma parte do corpo choramos‖ (Anjinho, 12 anos).
― Ser mulher é ruim por conta da menstruação porque sente dor‖ (Anjinha, 12 anos).
― Os peitos doem quando menstruo‖ (Anjinha, 12 anos).
Nestas falas novamente detectamos que eles direcionaram suas respostas ao caráter
biológico, uma vez que a fragilidade estaria associada às dores físicas. Após estas respostas
procuramos pedagogicamente trabalhar algumas discussões que estimulassem esses
adolescentes a perceberem que para além do biológico, existe o social, mostrando, sobretudo
que ser homem ou ser mulher é algo construído culturalmente.
Comungamos com César (2009) quando ela nos aponta que trabalhar as relações de
gênero significa apenas e tão somente demonstrar que meninos podem ser também meigos e
sensíveis sem que isso possa ―ferir‖ sua masculinidade, e que meninas podem ser agressivas e
objetivas, além de gostarem de futebol, sem que essas características firam sua feminilidade.
Após este momento, fechamos o nosso circulo de cultura acordando que no próximo encontro
discutiríamos sobre sexualidade.
Compreendendo que a temática sexualidade estar entrelaçada com as categorias
adolescência, identidade e gênero, elaboramos mais um encontro dialógico. Nesse circulo,
apresentamos a palavra geradora ―sexualidade‖. Logo, os adolescentes manifestaram suas
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inquietações. Ansiosos, desordenadamente começaram a desvelar seus olhares e expressar seus
conhecimentos sobre a referida temática através das seguintes palavras: sexo, pênis, vagina,
namoro, crescimento dos seios, menstruação, beijo, entre outros.
Munidas dessas ideias apresentadas pelos jovens resolvemos construir um dialogo com
eles. Questionamos ao grupo de onde partiam essas palavras e de que forma eles apreendiam
essa concepção de sexualidade, que consideramos estar embutida a partir de seus relatos. Aos
poucos,
timidamente,
os
adolescentes
foram
nos
apresentando
os
conhecimentos
proporcionados e vivenciados por eles sobre a referida categoria. Acreditamos que as falas
abaixo revelam uma proximidade com a discussão.
―Meu irmão assiste sozinho vídeo de sexo em casa‖ (Anjinho, 13 anos).
‗Ele (um anjinho apontado para outro) vai pro cyber pra ver mulher pelada‗. (Anjinho,
12 anos).
―Na escola a professora fala sobre mudança do corpo‖. (Anjinha 12
anos). ―O pai diz pra gente namorar mulher‖ (Anjinho, 11 anos).
As falas dos adolescentes nos conduziram a entender que fatores biológicos, sociais,
políticos e psicológicos influem diretamente na formação e no direcionamento da sexualidade
dos adolescentes. Sobre isso Louro (2000, p.06), nos esclarece que ―sexualidade envolve
rituais,
linguagens,
fantasias,
representações,
símbolos,
convenções
[...]
processos
profundamente culturais e plurais‖. Foucault (1985) vai mais além afirmando que para
compreender a sexualidade em toda sua complexidade, é necessário enxergá-la como um
produto das densas relações de poder. Segundo Focault, nessas relações de poder a sexualidade
é um elemento dotado de instrumentalidade, podendo ser usado em inúmeras manobras, nas
relações sociais e tornar-se útil na articulação das mais variadas estratégias. De acordo com
Focault (1985 p. 100) a
sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não á realidade
subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que
a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a
formação dos conhecimentos, o esforço dos controles e das resistências, encadeiam-se
uns aos outros, segundo grandes estratégias de saber e de poder.
O que podemos observar, portanto, é a necessidade de se estender o debate sobre
sexualidade não somente na área da saúde, mas, sobretudo na educação. Contudo, ainda existe
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por parte dos pais, da escola e dos próprios professores a ausência de uma caminhada de mãos
dadas com o adolescente para que este possa ter a capacidade de apreender conhecimentos
sobre o tema para além do que ele já vivencia em seu cotidiano. A fragilidade desta discussão
pela família e pela instituição escolar foi confirmada no discurso dos adolescentes
entrevistados.
Claro e não podemos negar que muitos pais nunca estiveram na escola e não tiveram
um processo formativo que os ajudassem a levar essa discussão para os seus filhos. Há também
uma questão geracional que não é compatível com a que o adolescente estar vivendo
atualmente, pois são outros tempos. Tempos de globalização, em que as informações estão
circulando em todos os meios de comunicação, inclusive na internet. Outro fator relevante é a
própria cultura que nos apresenta a sexualidade sempre associada ao sexo, compreendendo
como algo importuno para ser dialogado em alguns espaços, inclusive na escola.
4. Considerações finais
A pesquisa demonstrou, dentre muitas coisas, a necessidade de se investir maior
atenção em cuidados sobre saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, tendo em vista que eles
foram sensíveis à abordagem, às temáticas e todo o processo de aprendizagem no decorrer das
oficinas.
Entretanto, no processo reflexivo e dialógico gerado pelas oficinas, os adolescentes
tiveram a oportunidade de ampliar seus conhecimentos sobre sexualidade, seja na abertura do
diálogo entre pesquisadoras e pesquisados, seja na oportunidade que tivemos, todos juntos, de
pensar e repensar alguns caminhos que possam nos direcionar a um olhar que possa enxergar a
sexualidade para além do aspecto biológico.
O que este contexto nos revelou também é que a atenção integral direcionada aos
adolescentes constitui-se um desafio a ser enfrentado pelos profissionais inseridos na rede
socioassistencial. Com isso se faz necessário a realização de mais estudos e pesquisas que
venham a contribuir para a construção de conhecimentos dos jovens sobre a referida temática.
5. Referências
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PSICÓLOGOS ESCOLARES E SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO
EDUCACIONAL TERESINENSE: SUA COMPREENSÃO A RESPEITO DA
ÁREA ESCOLAR, DE SUAS ATIVIDADES E DE SUAS DIFICULDADES
CARLA ANDRÉA SILVA, doutoranda em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Endereço para Correspondência:
Carla Andréa Silva ([email protected])
Resumo
Este artigo resulta de pesquisa realizada no mestrado em Educação pela primeira
autora sob orientação Profª Drª Maria Vilani Cosme de Carvalho, onde se discute a
atuação de Psicólogos Escolares Teresinenses. Os estudos de Martínez (2006), Maluf
(2004), Del Prette e Del Prette (2001) fundamentam a pesquisa, que possui delineamento
qualitativo; questionário como instrumento de coleta de dados e adota a técnica de
análise de conteúdo na interpretação destes. Na realidade investigada a Psicologia
Escolar é compreendida pela maioria dos pesquisados como área de aplicação. E os
principais direcionamentos da atuação apontados foram a díade professor-aluno, o aluno
e a comunidade escolar. As funções de Orientação, Intervenção, Formação/Treinamento,
Diagnóstico/Avaliação e Pesquisa foram reconhecidas como inerentes ao contexto de
atuação. E no tocante as dificuldades relativas a atuação em Psicologia Escolar, foram
mencionadas aquelas oriundas da interação com a comunidade escolar; das condições
objetivas de trabalho; e das particularidades da área compreendida pela Psicologia
Escolar.
Palavras-chave:
Psicologia
Escolar/Educacional.
Escolar/Educacional. Psicólogos Escolares Teresinenses
Atuação
em
Psicologia
Introdução
O trabalho como atividade humana assume formas e sentidos variados, tal
pluralidade também se revela em contextos que contam com estruturações próprias como
as relativas a cada profissão, no qual se percebe diferenciações conferidas por cada
sujeito em suas formas de organizar e exercer a atividade profissional.
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O trabalho desenvolvido pelo Psicologo Escolar não é diferente, sendo explícito
nosso reconhecimento quanto às particularidades na atuação desses psicólogos, tendo em
vista a interferência do contexto sócio-histórico em seu entorno, da realidade
institucional em que estes profissionais estão atuando, além dos contextos formativos que
estes profissionais tiveram acesso. (Rosas, Rosas e Xavier, 1988; Maluf, 1994; Bock,
2003; Marinho-Araújo, 2007)
Tendo em vista momentos anteriores em que a Psicologia não conseguiu atender
às necessidades educacionais ligadas a sua atuação no cenário educacional, autores como
Patto (1996), Guzzo (2005) e Cruces (2006) destacam para a emergência atual em
relação à busca nesta área de elementos teórico-metodológicos apropriados a realidade
escolar.
A importância do encontro destes elementos reside, especialmente, no fato destes
estarem relacionados diretamente a consolidação de práticas profissionais competentes na
área, seja por sua intencionalidade quanto ao desvelar os determinantes sociais e
históricos presentes na interface Psicologia e Educação, seja por vislumbrar a construção
de perspectivas teóricas-práticas de natureza crítica e orientadas para a transformação da
realidade educacional.
Cientes dessa realidade, buscamos discutir nesse artigo sobre o cenário da atuação
do Psicólogo Escolar em Teresina, a partir dos seus modos de compreenderem a
profissão, esperando nesse sentido contribuir com outras discussões empreendidas em
torno do fazer em Psicologia Escolar, que possam de certa forma auxiliar na aquisição de
novas práticas, apropriadas ao cenário educacional em que este profissional esteja
atuando.
Método
Nesta pesquisa adotamos delineamento qualitativo nos apoiando nas perspectivas
de Lüdke e André (1986) e de Moreira e Caleffe (2006) que enfatizam as potencialidades
desse tipo de pesquisa na área da educação pela possibilidade de captura da dinâmica do
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fenômeno educacional, conseguindo desse modo atender às questões propostas pelos
atuais desafios da pesquisa educacional.
No tocante ao cenário da pesquisa, esta teve como recorte espacial delimitado a cidade
de Teresina, mais especificamente as escolas da rede pública e privada desta cidade. Foram
sujeitos da pesquisa 29 psicólogos escolares, em pleno exercício junto ao cotidiano escolar de
escolas, que participaram de forma voluntária desta. Sua identificação na pesquisa priorizou a
ordem em que foram contactos pela pesquisadora, representada através de numeração arábica.
O processo de construção dos dados da pesquisa envolveu a aplicação de questionário
como instrumento de coleta de dados junto aos pesquisados. Na análise dos dados utilizamos a
técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2004).
Resultados da pesquisa
Os resultados da pesquisa revelam os modos pelos quais o Psicólogo Escolar de
Teresina compreende a profissão de Psicólogo Escolar. Esses modos de compreender essa
profissão estão retratadas em torno de quatro categorias de análise, a saber: as concepções sobre
Psicologia Escolar, os direcionamentos da atuação em Psicologia Escolar, as funções
desempenhadas pelo psicólogo escolar e as dificuldades relativas à atuação profissional.
Concepções sobre Psicologia Escolar
A primeira categoria analisada retrata a compreensão que os pesquisados têm a respeito
da Psicologia Escolar, que na realidade investigada esteve circunscrita a duas perspectivas:
A perspectiva relativa à Psicologia Escolar como área de aplicação, foi mais expressiva
a compreensão dos pesquisados sobre a área escolar (62%), retratando a Psicologia Escolar
como um campo de adaptação dos conhecimentos e técnicas psicológicas ao contexto escolar,
explicitadas pelos seguintes trechos discursivos:
A Psicologia escolar é uma área eminentemente aplicada que tem como finalidade promover o
desenvolvimento e o bem-estar dos sujeitos que atuam no cotidiano escolar. Psicóloga 1
A Psicologia Escolar é uma área aplicada que avalia teorias e técnicas da psicologia que possam
ser transferidas para situação escolar, com o objetivo de vitalizar o processo de ensino e
aprendizagem. Psicóloga 5
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Área em que se aplica os conhecimentos, os recursos e as técnicas psicológicas aos problemas da
educação. Psicóloga 6
Com base nestes trechos discursivos, podemos captar no âmbito desta compreensão a
perspectiva de mera modelagem dos constructos e técnicas da Psicologia ao contexto
educacional, ignorando em alguma medida, as especificidades relativas a esta área de atuação
em Psicologia. Essa concepção demonstra consonância com a perspectiva de Novaes (1970) em
suas considerações sobre as possibilidades de aplicação da Psicologia aos diversos campos da
atividade humana, dentre elas a Educação.
A outra perspectiva apresentada por 38% dos pesquisados foi a da psicologia escolar
como área de atuação profissional. Este entendimento foi revelado por aqueles psicólogos que
consideraram a Psicologia Escolar como campo do exercício profissional em Psicologia,
conforme relatos como estes:
A Psicologia Escolar é uma área de atuação na interface Psicologia e Educação, que compreende
ações preventivas e de promoção de habilidades e competências na comunidade escolar. Psicóloga
24
É um campo de atuação da Psicologia que visa compreender as dimensões subjetivas do sujeito
contribuindo para o processo educativo de forma que os problemas que comprometam o bom
desempenho e o convívio social dos integrantes desse grupo sejam sanados. Psicóloga 11
A partir destas referências, é possível perceber que eles enfatizam a dimensão
profissional da Psicologia em seus direcionamentos específicos, a depender do lócus onde esta
acontece, respeitando suas peculiaridades.
Esta perspectiva corresponde em grande medida ao que Del Prette e Del Prette (2001)
postulam sobre as áreas de atuação em Psicologia, como representações da natureza dinâmica
da Psicologia em sua interação com a sociedade, assumindo distintas configurações como as
áreas Clínica, Escolar, Organizacional, Hospitalar e Comunitária, etc. Isso porque os espaços
relativos ao campo profissional apresentam limites que vão além das técnicas de intervenção
psicológica, englobando as relações sociais, os valores e os papéis assumidos pelos psicólogos
dentro do ambiente de trabalho.
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Os direcionamentos da atuação em Psicologia Escolar
A categoria de análise em questão, congrega a identificação dos pesquisados em relação
aos direcionamentos conferidos a sua atuação no contexto escolar. Assim, ao desvelar o
movimento presente no fazer destes psicólogos, encontramos entre os principais
direcionamentos conferidos à atuação no espaço escolar a referência a três eixos de atenção: a
díade professor-aluno, ao aluno e à comunidade escolar.
O direcionamento da atuação do Psicólogo Escolar para a díade professor-aluno foi
referenciado por um grupo significativo (41,4%) e está ilustrado conforme fragmentos dos
discursos apresentados a seguir:
Os psicólogos atuam ao abordar assuntos com alunos e professores (sexualidade, luto,
separações, etc) para que as angústias sejam diminuídas, dando espaço para novas discussões com
maior sensibilidade. Psicóloga 10
Numa instituição escolar o trabalho do psicólogo se faz indispensável para a interação entre o
aluno-professor. Psicóloga 8
Consubstanciados nas referências acima sobre o direcionamento da atuação em
Psicologia Escolar a alunos e professores, percebemos que esta realidade converge com a
perspectiva de Marinho-Araújo e Almeida (2005) quando a atuação do psicólogo escolar está
voltada para o processo de ensino aprendizagem, pois a atenção deste profissional deve
necessariamente se dirigir à relação professor-aluno, visto como núcleo deste processo, por
suas possibilidades equivalentes em gerar obstáculos ou avanços na construção do
conhecimento pelos alunos.
Outro direcionamento da atuação do Psicólogo Escolar foi ao aluno (31%) e foi
revelado pelos trechos de discursos, como os que se seguem:
Acredito que a atuação do psicólogo escolar auxilia na relação/interação do aluno com a escola,
buscando sanar os problemas que comprometam o bom desempenho e o convívio social desses.
Psicóloga 18
A atuação do Psicólogo cuida principalmente, do aluno para melhor desempenhar suas ações como
educando, de modo que tenha mais qualidade de vida ao aprender. Psicóloga 7
Estas referências confirmam o posicionamento de Campos e Jucá (2006), de que a
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atuação profissional do psicólogo escolar continua atendendo à tradicional solicitação para o
acompanhamento do aluno nos seus problemas afetivos e comportamentais em sua
individualidade. Resultando na permanência de modos de atuação em psicologia escolar,
continuamente criticado pelo frágil compromisso e ressonância social.
Além destes aspectos destacou-se o direcionamento da atuação do Psicólogo Escolar a
13
comunidade escolar , apontado pelos pesquisados, conforme fragmentos discursivos como
estes:
A atuação da Psicologia reside na ação na comunidade escolar (alunos, pais e/ou responsáveis,
funcionários e professores). Psicóloga 22
O psicólogo escolar atua como um agente de mudança, mobilizando toda a comunidade escolar
para uma reflexão crítica sobre a instituição educacional. Psicóloga 11
As menções acima em relação à comunidade escolar, representam importante tendência
da atuação deste profissional que segundo Maluf (1994), em que o fazer prioriza atenção
equitativa e qualitativa a todos os sujeitos envolvidos no processo educativo, tendo em vista
constituírem a comunidade escolar
As funções desempenhadas pelo Psicólogo Escolar
Esta categoria reúne as funções discriminadas na atuação do Psicólogo Escolar de
Teresina tomando como parâmetro a Lei 4.119, de 27 de agosto de 1962, que regulamenta a
profissão de Psicólogo e delimita até hoje as funções privativas dos Psicólogos no exercício
profissional nas distintas áreas de atuação.
A função de Orientação foi mencionada com maior freqüência pelos pesquisados e se
refere à responsabilidade do Psicólogo pelo aconselhamento, apoio e auxilio na tomada de
decisão por aqueles que optarem por sua colaboração na resolução de problemas. Esta função
foi revelada por fragmentos de discursos como estes:
Orientação a pais e alunos, bem como aos colaboradores da Instituição. Psicóloga 18
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78
É freqüente a orientação à família e professores de alunos com alguma dificuldade pedagógica.
Psicóloga 21
Na escola faço orientação aos alunos, professores, coordenadores e direção da escola e à família.
Psicóloga 11
A partir destas menções confirmamos de certa forma, a perspectiva de Martínez (2006),
de que a função de orientação pelo Psicólogo Escolar assume diferentes formas de expressão,
incluindo qualquer tipo de orientação psicológica capaz de otimizar o processo educativo,
comportando assim abordagens individuais e/ou grupais, escolhidas e empregadas, tendo em
vista as necessidades e as especificidades dos sujeitos deste processo.
Nesse contexto, os pesquisados também fizeram menção à função de Intervenção que se
refere basicamente à possibilidade do psicólogo implementar ações direcionadas à promoção de
mudanças de circunstâncias e fenômenos insatisfatórios ao contexto escolar. A discriminação
desta função pelos pesquisados foi especificada de acordo com fragmentos discursivos como os
que se seguem:
Dentre as atividades que realizo cotidianamente estão: a elaboração e execução de projetos
interventivos. Psicóloga 17
Na escola são muitas atividade, dentre elas realizo: análise e intervenção relacionadas às
interações em sala de aula. Psicóloga 1
Eu realizo muitas intervenções, em processos que estão em desenvolvimento, procurando abranger
todas as áreas da escola desde a família do aluno até os funcionários da instituição. Psicóloga 28
Os relatos dos pesquisados retratam basicamente o reconhecimento deles em relação à
interferência de sua atuação sobre o contexto escolar no qual estão inseridos. Este
reconhecimento reflete a perspectiva de Martínez (2006), de que a função de intervenção pode
ter um direcionamento individual, grupal e institucional, podendo ser desenvolvida, inclusive
de modo sistemático e simultâneo no espaço escolar, em relação a algum elemento do processo
educativo que mostra a necessidade de ser modificado, com vistas a alcançar seu próprio
aprimoramento.
Outra função mencionada foi a de Formação/Treinamento e compreende a socialização
do conhecimento construído pela psicologia junto a grupos de alunos, suas famílias, grupos de
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professores ou de funcionários, com vistas ao aprimoramento do processo formativo vivenciado
por eles. Tal função foi expressa pelos seguintes fragmentos discursivos:
Através do serviço de psicologia da escola realizo reuniões de pais; reuniões de professores;
participação em encontros pedagógicos. Psicóloga 29
Realizo encontros de formação humana, para otimizar o relacionamento interpessoal e convivência
organizacional da comunidade escolar; a escola de líderes, com encontros mensais para a
discussão de várias temáticas como os líderes de turma;e palestras, realizadas semestralmente com
a família, alunos, professores e funcionários. Psicóloga 22
A equipe de psicólogos realiza muitas atividades, participando de reuniões com pais, mestres e
funcionários. Psicóloga 20
A menção dos pesquisados à função de Formação/Treinamento denota consonância com
o que Martínez (2006) e Campos e Jucá (2006) postulam sobre a importância assumida por esta
função no âmbito escolar, em seu intento de contribuir com a formação humana.
Outra função apontada pelos pesquisados foi a de Diagnóstico/Avaliação, que consiste
na investigação e apreciação do psicólogo no tocante a aspectos do desenvolvimento dos
sujeitos em processo educativo. Esta foi referenciada pelos pesquisados em trechos como:
Realizo avaliação e acompanhamento psicoeducacional de alunos com dificuldades de
aprendizagem. Psicóloga 24
Trabalho com o diagnóstico e avaliação de alunos com dificuldades. Psicóloga 16
Na escola faço orientação aos alunos, professores, coordenadores e direção da escola e à família.
Psicóloga 11
Como meu trabalho é com educação especial o nosso trabalho difere em alguns aspectos do
ensino regular. Faço anamnese, avaliação psicológica. Acompanho diagnósticos, etc. Psicóloga 4
A função de Diagnóstico/Avaliação mencionada pelos pesquisados confirma o
entendimento de Martínez (2006), de que esta é uma das funções mais típicas entre as exercidas
tradicionalmente pelos psicólogos escolares. No entanto, esta autora faz a ressalva de que
atualmente esta função acontece de maneira mais abrangente e, ao contrário de outrora, não
deve se limitar ao diagnóstico de dificuldades de aprendizagem, de distúrbios de
comportamento, mas, igualmente, dirige-se à avaliação em relação à motivação dos alunos para
o estudo, a satisfação com a escola, o interesse dos professores pelo trabalho docente, entre
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outros aspectos.
Houve também a menção pelos pesquisados à função de Pesquisa. Esta função consiste
na ação investigativa que constitui o momento empírico do processo de produção de
conhecimento em psicologia pelo profissional em seu lócus de trabalho. Tal função foi expressa
por um numero pequeno de psicólogos e em fragmentos discursivos como:
Dentre as atividades realizamos: pesquisas com alunos, professores, família. Psicóloga 13
A escola é um verdadeiro laboratório, onde podemos realizar a atividade de pesquisa com alunos,
pais. Psicóloga 6
A baixa frequência com que esta função foi mencionada vai ao encontro da perspectiva
de Witter (2001), de esta função ainda é bem restrita, na medida em que a formação inicial nem
sempre oferece as bases para que o psicólogo realize pesquisa a contento, comprometendo,
posteriormente, a atuação do psicólogo-pesquisador-profissional. Além disso, consideramos
importante mencionar o fato de que os gestores das escolas não possuem, dentre as expectativas
em relação ao trabalho do Psicólogo Escolar, o desenvolvimento de pesquisas no espaço
escolar por este profissional.
As dificuldades relativas à atuação
No exercício de uma profissão, alguns contextos podem se revelar como obstáculos ao
desempenho satisfatório pelos profissionais. Esta realidade também assume materialidade no
trabalho desenvolvido pelo Psicólogo Escolar, conforme demonstra esta categoria de análise,
que contempla as situações discriminadas pelos pesquisados de circunstâncias vistas como
entraves à atuação no cotidiano de trabalho.
a- Dificuldades relacionadas à interação do Psicólogo com a comunidade escolar
Esta subcategoria de análise reúne as percepções sobre as situações que dificultam a
atuação do Psicólogo Escolar decorrentes de sua interação com a comunidade escolar como um
todo e a família dos alunos. Esta dificuldade na atuação dos pesquisados foi a mais
referenciada.
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No tocante às dificuldades relacionadas à interação com a comunidade escolar como
um todo, estas foram as mais referenciadas (43,5%), sendo mencionadas pelos pesquisados nos
fragmentos discursivos como estes:
A maior dificuldade está relacionada ao entendimento que a comunidade escolar deve ter nas
diferenças existentes entre a atuação do psicólogo clínico e do psicólogo escolar, que deve possuir
sim um olhar clínico enquanto ação reflexiva para promover construção do conhecimento.
Psicóloga 11 ão equivocada escola que o psicólogo irá solucionar todos os problemas, com
receitas prontas para resolverem qualquer adversidade em sala de aula; e a visão equivocada dos
professores que consideram o psicólogo como alguém que sempre está do lado do aluno, em uma
linguagem deles passando a mão na cabeça dos alunos, isso dificulta muito o trabalho de mediação
que se pretende realizar. Psicóloga 29
Fui contratada recentemente e percebo que mesmo nosso papel não está bem definido para os
empregadores no campo da psicologia escolar. Psicóloga 8
A perspectiva dos pesquisados, aponta a interferência à atuação em Psicologia Escolar
decorrente da interação com a comunidade escolar, tendo em vista o desconhecimento dos
membros desta comunidade quanto à atuação em Psicologia Escolar, expresso por expectativas
equivocadas a respeito do trabalho realizado, críticas às formas de intervenção priorizadas pelo
profissional de psicologia, imediatismo nos resultados ou ainda desconfiança acerca dos
propósitos da atuação, vistos como protecionismo aos alunos. Além da presença de dificuldades
no enquadramento funcional deste profissional na escola.
No âmbito das dificuldades relativas ao enquadramento funcional do Psicólogo Escolar,
a pesquisa de Barbosa (2004) também realizada em Teresina, confirmou a falta de definição do
papel do Psicólogo Escolar, o desconhecimento de professores, pedagogos, diretores sobre a
atuação real deste psicólogo na escola e a existência de expectativas equivocadas da
comunidade escolar sobre o seu trabalho.
No âmbito das dificuldades relativas à interação com a comunidade escolar, houve
destaque as dificuldades relacionadas à interação com a família, apontada especialmente no
tocante a sua participação deficitária no processo educativo. Esta foi representada e ilustrada
pelos seguintes fragmentos discursivos:
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Uma das dificuldades para o nosso trabalho é trazer a família para a escola e formar com ela
uma parceria. Psicóloga 16
A maior dificuldade que eu encontro é a da falta de uma parceria com a família. Psicóloga 14
A perspectiva dos pesquisados, destaca as interferências que emergem no cenário da
atuação em Psicologia Escolar decorrente da participação deficitária da família no processo
ducacional de seus filhos, ao não demonstrar compreender sua importância para a vida escolar
deles e ter dificuldade em adotar posturas de colaboração com a escola.
Percebemos que esta dificuldade é ratificada em outras pesquisas realizadas com
psicólogos escolares em Teresina, seja por Mendonça (2007), seja por Barbosa (2004), que
constataram a abstenção da família em sua participação na escola, como uma das dificuldades
dimensionadas na atuação do Psicólogo Escolar de Teresina.
No entanto, outras dificuldades são discriminadas pelos pesquisados no exercício da
profissão, conforme analisaremos a seguir. b- Dificuldades relacionadas às condições objetivas
de trabalho do Psicólogo Escolar
As dificuldades provenientes das condições objetivas de trabalho do profissional de
psicologia escolar em suas instituições de trabalho estão materializadas pela presença de três
aspectos: a carga horária insuficiente, a estrutura física deficitária e falta de condições materiais
das instituições e, ainda, a remuneração.
A carga horária insuficiente, que foi a dificuldade mais enfatizada pelos pesquisados,
dimensionada especialmente pela avaliação em relação à abrangência do trabalho que realizam
nas instituições escolares. Esta foi representada e revelada por verbalizações como as que se
seguem abaixo:
A exigüidade do tempo diante do excesso de trabalho. Psicóloga 7
É muita coisa para realizar em pouco tempo. Psicóloga 22
[...] a sobrecarga de atribuições que não permite que sempre possamos realizar atividades com
qualidade que almejamos, mas considero essas dificuldades normais para este tipo de
instituição (privada). Psicóloga 26
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Como podemos observar, os posicionamentos destacam as dificuldades presentes no
cotidiano de atuação em Psicologia Escolar, tendo em vista a carga horária de trabalho ser
avaliada como insuficiente em virtude da diversidade e do número de atividades que devem ser
realizadas pelo profissional nas instituições em que estão inseridos.
A carga horária de trabalho do Psicólogo Escolar foi um aspecto também avaliado em
um estudo empreendido por Balbino (1991), na cidade de Fortaleza, que constatou que a
maioria dos profissionais atuantes na área escolar, trabalhava em média apenas vinte horas
semanais. Esta carga horária de trabalho, na opinião desta pesquisadora, é incipiente e interfere
na prática do psicólogo escolar, tendo em vista que ela inviabiliza a concretização de atuações
mais abrangentes esperadas para a atuação deste profissional, que reconhecem a contradição
presente, em que sua atuação é limitada embora seja por natureza ampla e diversificada.
No rol das dificuldades da atuação provenientes das condições de trabalho, encontramos
psicólogos que apontaram dificuldades decorrentes da estrutura física deficitária e da falta de
condições materiais das instituições que fazem parte, a partir de fragmentos discursivos como
estes:
Falta de estrutura física que atenda as nossas necessidades. Psicóloga 23
Falta de material adequado para cada situação pertinente ao trabalho. Psicóloga 2
A perspectiva dos pesquisados destaca as dificuldades que emergem no cenário de
atuação em Psicologia Escolar oriundas da estrutura física que ainda não é adequada para
realização de atividades planejadas pelo profissional de psicologia, bem como da falta de
condições materiais deficitárias que dificultam a realização das atividades que os psicólogos
escolares poderiam realizar nas instituições escolares em que atuam.
A referência a dificuldade emergente da estrutura física inadequada e das condições
materiais deficitárias das instituições pelos psicólogos escolares, foi uma dificuldade enfatizada
em outras pesquisas realizadas junto a esta categoria profissional, especialmente os achados da
pesquisa realizada por Neves (2007), em que os pesquisados destacaram dentre as dificuldades
fundamentais para a realização das suas atividades na escola, a falta de materiais básicos para o
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desenvolvimento de sua atuação. E de Pereira (2005), sob a denominação de condições físicas
insuficientes das escolas para o desenvolvimento do trabalho do psicólogo.
A remuneração foi outro fator elencado pelos pesquisados no âmbito das dificuldades
relativas à atuação em Psicologia Escolar provenientes das condições de trabalho. Neste
aspecto houve menção à remuneração insatisfatória recebida pelos profissionais da área,
ilustrada por fragmentos discursivos como estes:
Considero o aspecto remuneração, pois a Psicologia ainda não é tão valorizada pelo tudo
que tem oferecido à educação. Psicóloga 29
A remuneração não é adequada e deixa muito a desejar na maioria das instituições em
que este profissional está inserido. Psicóloga8
Outra dificuldade é a remuneração que poderia ser melhor. Psicóloga 19
O posicionamento emergente dos pesquisados, como podemos observar apontam
para as dificuldades oriundas da remuneração insatisfatória que o Psicólogo Escolar
teresinense tem recebido nas instituições escolares em que está inserido. Tal condição é
entendida como uma desvalorização da sua atuação neste cenário, apesar de seus
contributos à educação.
A baixa remuneração também foi apontada como uma das causas limitadoras da
atuação do psicólogo escolar na pesquisa realizada por Banhato e Passos (2002). Essa
constatação foi entendida como uma condição determinante para a busca deste
profissional por outra atividade fora do contexto escolar. Esta situação tem marcado a
realidade da categoria de profissionais da Psicologia Escolar, sendo mencionada de modo
até mais freqüente pelos resultados da pesquisa recente, realizada por Cruces (2006)
junto a psicólogos escolares brasileiros.
Porém, como veremos a seguir, os pesquisados mencionaram a existência de
dificuldades no âmbito da atuação situados na própria área escolar, representando a
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última subcategoria de análise desta categoria.
c- Dificuldades relacionadas à própria área compreendida pela Psicologia Escolar
Dentre as dificuldades provenientes da própria área compreendida pela Psicologia
Escolar, os pesquisados fizeram alusão àquelas materializadas no cotidiano da atuação
profissional, dimensionadas pela interação com os outros psicólogos escolares da cidade,
dinâmica da área escolar em Teresina, adoção de posturas equivocadas pelos próprios
psicólogos escolares da cidade. Estas dificuldades foram explicitadas a partir de
verbalizações como estas:
Falta de interação entre profissionais da própria Psicologia Escolar.
Psicóloga 6
ó sinto falta de mais cursos e eventos voltados para a área que possam oferecer conhecimentos
mais amplos. Psicóloga 18
Na realidade muitos colegas, a partir de sua prática, desenvolvem Psicologia Clínica e não
Escolar, em algumas escolas, dificultando assim uma representação mais fidedigna desse
profissional no meio educacional. Psicóloga 13
Os posicionamentos que emergiram das falas dos pesquisados sinalizam basicamente
para as dificuldades relacionadas à área compreendida pela Psicologia Escolar em Teresina,
expressa pela adoção de posturas equivocadas pelos próprios psicólogos escolares, a pouca
interação com os outros psicólogos escolares e a dinâmica da área escolar, onde poucos eventos
na área escolar têm ocorrido.
Em nossa perspectiva, as dificuldades apontadas pelos pesquisados em relação à adoção
de posturas equivocadas de outros psicólogos escolares da cidade, ratificam os dados
encontrados pelas pesquisas de Rossi (1996) e Pereira (2005). Sobre isto, destacamos
particularmente as colocações de Rossi (1996) de que:
É muito provável que, o desconhecimento do psicólogo escolar de suas tarefas e limites
de atuação, o tenham levado a um desempenho inadequado na área escolar quanto às
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1,
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necessidades advindas do meio. A indefinição entre os papéis profissionais leva o
psicólogo escolar a transitar de forma confusa entre objetivos, funções e expectativas
externas. (p. 12)
A pouca interação entre os psicólogos escolares encontrada no cenário de Teresina,
pode ser compreendida pela ausência de uma organização destes profissionais em sindicatos ou
associações que pudessem estimular o intercâmbio entre eles. Neste aspecto, podemos enfatizar
a inexistência de representação da Associação Brasileira de Psicologia Escolar/EducacionalABRAPEE, no estado do Piauí, a representação mais próxima do estado se situa no estado de
Minas Gerais.
A alusão dos pesquisados à percepção da existência de poucos eventos na área escolar,
reflete de algum modo, conforme Rossi (1996), a preocupação destes psicólogos em atualizar e
complementar possíveis lacunas na sua formação, além de funcionarem como meio concreto
para evitar a desinformação e isolamento profissional, que em sua análise comprometem a
atuação deste profissional.
Considerações finais
No cenário investigado ficou explícito que o Psicólogo Escolar de Teresina
compreende sua profissão como área de aplicação dos conhecimentos e técnicas da
ciência psicológica e também como área de atuação profissional, esta percepção se
assemelha a de psicólogos de outras regiões brasileiras conforme pesquisa realizadas
sobre essa atuação de amplitude nacional.
Houve também o reconhecimento que a atuação pode estar direcionada as
distintas instâncias (aluno, professores, família e comunidade escolar), bem como das
funções esperadas para esse profissional (orientação, formação/treinamento, intervenção
e avaliação), além da menção às dificuldades presentes no fazer destes profissionais
oriundas não apenas da interação com a comunidade escolar, mas também das condições
objetivas de trabalho e da própria Psicologia Escolar. Aspecto que marca uma atuação
mais próxima do perfil tradicional de Psicólogo Escolar tão criticado nos anos 80 em
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nosso país.
Nesse sentido, identificamos estreita relação entre essas concepções com o nível
de desenvolvimento dessa área em Teresina, cuja existência é recente, em virtude do
recente estabelecimento dos cursos de graduação em Psicologia (pouco mais de 10 anos)
e da condição periférica do estado do Piauí no cenário nacional de formação nessa área.
Esse nível de desenvolvimento da psicologia escolar teresinense foi confirmado
pelos seguintes aspectos: o reconhecimento de quase todas as funções previstas para a
atuação em Psicologia Escolar, exceto as funções de assessoria/consultoria vistas como
mais inovadoras e até mesmo mais complexas dentro da atuação; a predominância dos
direcionamentos da atuação junto aos alunos e professores, que além do limitado alcance
social dessa atuação, se constitui uma atuação prevista com certa ênfase no primeiro
momento desenvolvimental da Psicologia Escolar em nosso país.
Também desvela esse nível desenvolvimental da Psicologia Escolar Teresinense,
o fato de que os pesquisados ao dimensionarem as dificuldades na atuação, fazerem
referência em maior proporção aquelas diretamente relacionadas com a ausência de
práticas diferenciadas que poderiam contribuir para melhor interação com a comunidade
escolar, bem como as conjunturas de suporte da própria área escolar estruturada em
Teresina. Acreditamos que especialmente a segunda constatação dos pesquisados, se
refira basicamente breve existência desta área na cidade com pouco mais de 10 anos de
existência.
Não poderíamos deixar de ressaltar que este estudo não responde a todas as nossas
inquietações a respeito da atuação do Psicólogo Escolar em Teresina, o que nos fez ressaltar a
necessidade de novas investigações sobre essa categoria profissional que atua no cenário
educacional teresinense, que busquem favorecer em alguma medida a real transformação dessa
realidade educacional, favorecidas em grande medida a partir de alguns desvelamentos, que
acreditamos serem possíveis com a realização de pesquisas como esta.
Bibliografia
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1,
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91
FOCUS INSIGHT – Revista Acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Educação – FLATED. V. 1,
nº 1. 2014
LEITURA DE PROFESSORES NA CIDADE DE TERESINA-PI.
Marta Rochelly Ribeiro Gondinho
Resumo
O presente artigo inscrito no vasto campo da História da Educação tem como objetivo analisar
os itinerários da formação leitora de professores da rede pública municipal de Teresina-PI,
especificamente da Escola Municipal Professor Valdemar Sandes. Para tanto, utilizaremos a
metodologia da história oral. Na medida em que formos situando teoricamente às elucidações
conceituais apresentaremos os fragmentos destas narrativas e a posteriore uma análise dos ditos
dos informantes. No primeiro momento focalizaremos a história da leitura e a construção da
legitimidade desta como uma prática cultural simbólica e no segundo momento dialogaremos
com fragmentos de narrativas dos professores supracitados a fim de bisbilhotar as artimanhas
inventadas no cotidiano no tocante a prática da leitura desde a leitura de livros impressos à
leitura de livros digitais .
Palavras-chave: Formação – Leituras – Leitores.
Introdução
Um livro? Para mim, é tão estranho tenho até medo de
dizer que não os estimo,poderia ser muito mal visto, mas
eu não fui criado para apreciá-lo, ou pode ser até algo que
vai além da minha criação, uma coisa pessoal mesmo...
quem inventou essa historia de que todo mundo tem que
endeusar a leitura e os livros... aqueles mais grossos até
me assustam,agora ler no computador,isso me parece ser
14
outra história.
Pensar sobre a problemática da leitura na atualidade é um exercício, um desafio que
ínsita um farejar pela história, o estudo que aqui propomos fazer está organizado sob a égide de
dois grandes marcos teóricos. Inicialmente dialogaremos com os pressupostos advindos do
campo da História Cultural e os elementos conceituais da abordagem sociológica,
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92
especificamente as colaborações de Roger Chartier e Pierre Bourdieu. Uma vez referendado
teoricamente dialogaremos com Ecléa Bossi e Janaina Amado no tratamento das fontes em
história oral e com estudiosos do campo da leitura para analisar o processo formativo e as
práticas cotidianas de leitura de professores.
A leitura é atualmente muito discutida nos bastidores escolares, há quem a aponte como
o indicativo do fracasso escolar, ou como uma prática cultural necessária pra o
desenvolvimento da autonomia, ou como elemento imprescindível de uma aprendizagem
voltada para o exercício da cidadania e até quem diga que não vê saída, pois a culpa pela
ausência da leitura é anterior à escola. Tais inquietações nos instigaram a pesquisar e a buscar
uma leitura que fosse na contra-mão dessas angústias, que procurasse compreender os
itinerários da leitura sob a ótica da experiência com a leitura desde a tradição da leitura do livro
impresso à leitura do livro digital. Ao convidar os professores a pensarem juntos sobre suas
histórias de leitura pretendeu-se especular através dos ditos os sentidos atribuídos, as
dificuldades, as lembranças e as artimanhas da leitura no cotidiano.
No Brasil a questão da formação de leitores se constitui como uma dívida histórica
presente nos discursos oficiais republicanos e nas propostas de políticas públicas como uma
prática necessária ao exercício da democracia, esta questão parece denunciar, ao mesmo tempo,
tanto uma realidade não-leitora, como evidencia uma suposta preocupação política com a
formação leitora.
Considerando os mecanismos de reprodução da desigualdade social denunciado por
Bourdieu e Passeron na década de 1970, entenderemos contextualmente o advento de uma
sociedade grafocêntrica, pautada na experiência com as letras, típica da civilização ocidental,
como um advento excludente desde sua gênese e ainda neste contexto ampliaremos a análise
para o também contexto excludente do acesso à tecnologia entendendo o computador como um
atual suporte da escrita e assim o sendo um canal potencializador de múltiplas leituras.
1.0 A história da leitura e sua legitimação como prática cultural simbólica
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A História da leitura permite pensar a sua ação nas continuidades e mudanças do tempo.
Os modos de conhecer a leitura promovem uma consciência crítica para que a partir dos
problemas do presente possamos conhecer, com pontos de vista ancorados num estudo
rigoroso, o passado.
Em uma sociedade marcada pela cultura letrada, estamos sem dúvidas a mercê de um
grande legado, a leitura no presente precisa ser vista pelo passado, passado este tecido todos os
dias como um elemento da memória onde, por conta dele, compreendemos o que fomos e como
somos. Os indivíduos são produtores de História assim a história da leitura é produzida pelos
leitores é também produzida pelos que tem acesso a ela, pelos que a reconhecem e não tem
acesso a ela e pelos que mesmo tendo acesso a recusam.
Ao retratar a história da leitura no mundo ocidental, Roger Chartier e G.Cavallo
descrevem um itinerário histórico que nos permitem transitar no tempo. De acordo com os
pesquisadores:
a Antigüidade grega a escrita é colocada a serviço da cultura oral e da
conservação do texto, onde a leitura era feita por poucos alfabetizados. A
partir da época helenística, a literatura passa a depender da escrita e do livro,
cujo formato padrão era o volumen ou rolo, dando início a uma nova
organização na produção literária. Surgem as grandes bibliotecas helenísticas
que representavam muito mais sinais de grandeza e de poder, do que
propriamente a difusão da leitura. Roma herda do mundo grego a estrutura do
volumen e as práticas de leitura (CAVALLO& CHARTIER,1997,P.73).
Como vemos a leitura, por esta época, era um hábito exclusivo das classes privilegiadas,
dando origem às bibliotecas particulares, símbolos de uma sociedade culta. O códex, um livro
com páginas, substitui o rolo a partir do século II d.C, e essa transformação do livro traz em si,
novas práticas leitoras. Sob esta ótica percebemos elementos da difusão da leitura e de já
evidenciamos as formas desiguais de acesso como já preconizamos de inicio neste artigo.
Segundo os pesquisadores citados, durante a Idade Média
a prática da leitura concentrou-se no interior das igrejas, das celas, dos
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refeitórios, dos claustros e das escolas religiosas, geralmente restritas às
Sagradas Escrituras. Com o códex, na Alta Idade Média surge a maneira
silenciosa de ler, sobretudo textos religiosos que exigiam uma leitura
meditativa. Entre os séculos XI e XIV, quando renascem as cidades e com elas
as escolas, desenvolvendo a alfabetização, surge uma nova era da história da
literatura, pois o livro passa a representar um instrumento de trabalho
intelectual, de onde chega o saber. Ao mesmo tempo inovam-se os modelos de
biblioteca, cujo espaço organizado e silencioso é destinado à leitura. É nessa
época que aparece o livro em língua vulgar, escrito às vezes pelo próprio
leitor, e que circula entre a burguesia, paralelo a um modelo de leitura da
corte, da aristocracia culta européia. (CAVALLO& CHARTIER,1997,P.91).
Já na modernidade com as inúmeras transformações que afetaram os cenários políticos, sociais,
culturais e econômicos a prática da leitura se aproximou do ato de ler e escrever, tendo em vista que a
pratica da leitura vinculou-se
às evoluções históricas, à alfabetização, à religião e ao processo de industrialização. A
técnica da reprodução de textos, e produção de livros, são inovados por Gutemberg; o
que permite que cada leitor tenha acesso a um número maior de livros. Além disso, a
grande revolução da leitura acontece pelo modelo escolástico da escrita, onde o livro se
transforma num instrumento de trabalho intelectual. A leitura silenciosa se estabelece
através da relação íntima, secreta e mais livre do leitor com o livro, tornando mais ágil a
leitura. Surge, o "leitor extensivo"; que consome numerosos impressos, diferentes e
efêmeros, lendo com rapidez e sob um olhar crítico. A difusão do livro se dá mais
rapidamente, nascendo o romance com a capacidade de envolver o leitor, geralmente a
leitora; que nele se identifica e decifra sua própria vida. A leitura começa a se
popularizar com leituras de cordel, textos clandestinos, os textos de venda ambulante
fomentam o crescimento da produção de livros e a proliferação de livrarias, que são
responsáveis por uma mudança de mentalidade na Europa. (CAVALLO&
CHARTIER,1997, p.102)
Com a popularização da leitura ou a massificação do ato de ler observamos que teremos ai uma
multiplicidade de olhares sobre esta realidade que construiu uma distinção, por exemplo, entre a
realidade em alguns países da Europa (França, Portugal, Espanha) e a realidade da America Latina no
tocante as políticas de acesso e promoção da leitura.
Na civilização ocidental a construção da legitimidade da leitura foi processualmente se definindo
e virando critério de distinção social, de seleção, de conservação social e de autoridade da linguagem
como abordou Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron em A Reprodução (1970). A leitura tem nesta
perspectiva sociológica uma função social que engendrada neste universo não escapará das relações que
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sustentam a desigualdade social.
Tomando como referência o fragmento de narrativa com o qual iniciamos o texto, observamos
que essa legitimidade da leitura forjada ao longo da história não é aceita sem contestações, por isso,
optamos pelo diálogo entre a história cultural e a sociologia como motivação para a investigação, na
busca de encontrar um elo histórico-cultural para esta prática que assume também uma função social.
Teceremos agora algumas elucidações sobre a leitura no Brasil, país de uma grande dimensão
geográfica com raízes em uma sociedade escravocrata e excludente onde a questão da leitura é,
sobretudo, política. As políticas públicas de educação no Brasil acerca da leitura estão alicerçadas num
território de desigualdade que vai desde o mercado de material impresso até as políticas de incentivo a
leitura.
1.1 Leitura no Brasil: entre histórias e concepções de leitura
No Brasil a sistematização do espaço escolar com bases axiológicas de conhecimento,
caráter ideológico, ordenamento de valores, esteve intrinsecamente relacionada às atribuições de
ensinar, e especificamente ensinar a ler.
A partir do século XVII, a escola recebe oficialmente a atribuição da tarefa de ensinar a ler
(ZILBERMAN & LAJOLO, 1995), responsabilidade que hoje ultrapassa os quatrocentos anos.
Nesse período, muitas mudanças ocorreram na educação de um modo geral, com vistas à melhoria
do ensino. No tocante à leitura as mudanças aconteceram em vários níveis: conceitual, social,
político e cultural.
A diversidade conceitual, sendo elemento processual permite a compreensão que enquanto
prática, a leitura vincula-se desde sua gênese à difusão da escrita, confundida inicialmente, com a
alfabetização. Segundo Mantêncio (1994), a associação da leitura ao processo de alfabetização, de
decodificação do código escrito perpassa algumas décadas, no Brasil. Isso implica perceber a
leitura como uma atividade pragmática, mecânica, de repetição (através da interpretação, da
redação, da memorização), e julgá-las, ingenuamente, suficientes para aprendizagem e
desenvolvimento do hábito de leitura. Esse fato é muito presente na realidade educacional
brasileira, pois, em muitos momentos do processo de aquisição da leitura, o professor
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alfabetizador prende-se à mera reprodução de vocábulos e frases soltas, desconexas do contexto
lingüístico-contextual. Não intencionamos aqui analisar o processo de aquisição da leitura, ou a
alfabetização propriamente dita, apenas direcionamos nossas reflexões, considerando esses
aspectos pertinentes para a compreensão da futura formação do leitor no Brasil.
Sobre a questão, Barbosa confirma que a leitura sempre foi confundida com a
alfabetização:
O processo de alfabetização é considerado o período de instrumentalização,
período em que se deve buscar evidenciar o princípio fundamental que rege o
sistema alfabético. Após o domínio da técnica, o indivíduo aplica esse saber
teórico sobre a língua escrita, na prática de leitura. (1994, p. 28).
Com base nesse pressuposto, a competência do leitor é colocada como possibilidade, relegada a
segundo, terceiro plano, postergada para o futuro constituindo uma tarefa para ser desenvolvida nos anos
seguintes da escolaridade, que tem acarretado outro problema, que, segundo Ângela Kleiman (1995),
vencido o primeiro e desapontado o contato com a linguagem escrita, se instaura o fracasso nessa
relação com o livro, fruto das práticas do professor que, após a alfabetização, reforça aspectos negativos
sobre o livro e a leitura, de modo que logo o aluno passa a ser mais um não-leitor em formação. (1996,
p. 16).
Assim, a leitura tem significado o exercício da decodificação e codificação mecânica, visto que
nem toda pessoa alfabetizada é leitora, tampouco o "ser alfabetizado" garante a formação do hábito de
leitura. Confirma Magda Soares: ao povo permite-se que aprenda a ler, não se lhe permite que se torne
leitor (1995, p.25).
Corroborando esta idéia Foucambert, (1994) destaca que entre a "leitura" do alfabetizado e a
leitura do leitor, existe uma diferença na natureza do comportamento desenvolvido, ou seja, ao primeiro
faculta-se a mera decifração do código, como se o ato de ler estivesse restrito ao significado linear/
literal da palavra escrita; ao segundo, entretanto, faculta-se a compreensão do lido, no sentido amplo da
palavra, o que se lê tem a ver com o como se vê: ouve-se o que se diz, vê-se o que se lê: sinal de
distinção entre letrados e alfabetizados (op. cit. p. 12).
Em contraposição a este tipo de pensamento, Paulo Freire afirma que o ato de ler não se esgota
na decodificação pura da palavra escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo (1995, p.
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11). Neste sentido, o autor fornece um panorama mais amplo, na medida em que abre espaço para novas
possibilidades de leitura de um mesmo texto, onde estariam tecidos diversos significados: incorporados
ao longo da trajetória do leitor. Nessa perspectiva, adquirem realce a experiência prévia, a visão de
mundo, elementos imprescindíveis à construção dos significados acerca do lido. Para o autor, a leitura
consiste num ato consciente que não se esgota em si mesmo para resultar numa atividade que busca a
compreensão do ser e estar no mundo.
Assim sendo, a leitura adquire uma nova relevância e deixa de ser reduzida apenas à mera
decodificação do signo. Essa idéia se verifica também na seguinte citação:
Ler [...] significa colher conhecimentos e o conhecimento é sempre um ato criador, pois
me obriga a redimensionar o que já está estabelecido, introduzindo meu mundo em
novas séries de relações e em um novo modo de perceber o que me cerca (Vargas, 1993,
p. 6).
Dessa forma, percebe-se um verdadeiro processo de revolução diante das informações
novas a que o leitor se submete, e após esse confronto inicial, são acomodadas, reorganizadas,
fundindo-se com a bagagem anterior própria do leitor, constituindo um processo constante de
acumulação das informações e um crescente aumento do repertório de leitura. Nesse jogo
subjazem à leitura aspectos não apenas psicológicos, mas também filosóficos e históricos.
Ao descrever a influência dos aspectos históricos, Maria Helena Martins (1994, p. 30)
comenta: O ato de ler, se refere tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressão do fazer humano,
caracterizando-se também como acontecimento histórico e estabelecendo uma relação igualmente histórica
entre leitor e o que é lido.
Na concepção de Emília Ferreiro, para o ato da leitura são importantes "a cultura social, o
conhecimento prévio, o controle lingüístico, as atitudes e os esquemas conceptuais". (1987, p. 15).
Daí, concluímos que várias pessoas, lendo o mesmo texto, apresentarão diferentes níveis de
compreensão, respaldadas em suas múltiplas experiências de leituras anteriores.
O autor argentino Alberto Manguel em sua obra "Uma História da Leitura", afirma que a
relação do texto, ou a associação de livros com seus leitores é diferente de qualquer outra entre
objetos e seus usuários. Ferramentas, móveis, roupas, tudo tem uma função simbólica, mas os
livros infligem a seus leitores um simbolismo muito mais complexo (1997; p. 30), isso devido ao
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caráter individual/coletivo que o livro possa representar, ou seja, o simbolismo advém da troca de
experiências, dos acontecimentos partilhados, da riqueza da linguagem, enfim, dos laços de
afetividade.
Assim percebida, a leitura se reveste de um poder considerável e assume uma importância
premente no processo educativo devendo ser meta prioritária e fecunda na formação de
leitores.Tal idéia nos remete a ampliar o sentido da leitura às múltiplas possibilidades midiáticas e
tecnológicas uma vez que a expansão dos recursos tecnológicos redimensionou as práticas de
leitura.
Ler supõe um olhar de reconhecimento, mas não só sobre letras e sons. É prestar atenção
para entender, captar, desvelar; é ouvir e silenciar-se, quando no interior ficam guardados os
sentidos recolhidos (RESENDE, 1997, p. 15). Nesse aspecto, são ultrapassados todos os limites
da possível compreensão, indo além das palavras e mergulhando-se no mais profundo poço da
imaginação, recolhendo os sentidos e os significados.
Na concepção de Ezequiel Silva (1995, p. 12), o ato de ler é, fundamentalmente, um ato de
conhecimento. E conhecer significa perceber mais contundentemente as forças e as relações
existentes no mundo da natureza e no mundo dos homens. Assim compreendida, percebemos que
a leitura assume um papel importante enquanto atividade indispensável à análise, à compreensão,
à elaboração e à reconstrução do conhecimento. Sendo este conhecimento o somatório das
experiências culturais e sociais.
Uma vez contextualizada historicamente a leitura, evidenciaremos que as práticas culturais da
leitura estão inscritas e datadas no tempo, revelando que a leitura é uma construção social imersa numa
relação de sentido de ação cotidiana e das ―artes do fazer‖ de cada agente social, circunscrita tanto num
cenário coletivo como individual.
2.o narrativas de professores: artimanhas de leitura inventadas no cotidiano
Fazendo uma alusão a clássica indagação de Certeau – O que é que fabrica o historiador da
educação? - Nos apropriamos da idéia e indagamos: o que é que fabrica um leitor? Como se forma um
leitor? Qual o itinerário, ou itinerários, que deve trilhar um individuo para constituir-se em leitor? Se a
leitura é uma prática cultural, como então compreender a formação leitora de um educador?Qual o lugar
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das novas tecnologias na formação do leitor?
A questão da formação leitora de professores tem despertado muitos debates no campo escolar
brasileiro, esta formação intrinsecamente atrelada à historicidade da leitura, conforme expomos na
primeira parte deste artigo, ressalta que por se tratar a leitura de uma prática cultural ela é capaz de se
transformar através da experiência das idéias que circulam e adquirem legitimidade, principalmente
pelos meios impressos, recriando a própria realidade que a produziu ou a que é produtora.
Para percebermos as práticas de leitura de professores, escolhemos um lócus e uma estratégia
metodológica que acreditamos dar conta dos nossos objetivos que se centram na análise das práticas de
leitura de professores. A escola escolhida, deu-se por um critério alusivo ao habitus leitor, o nome da
escola foi dado em homenagem a um jornalista piauiense apaixonado pela leitura cuja sua biblioteca
pessoal foi doada para acervos públicos. Como sujeitos desta pesquisa temos 04 professores de língua
portuguesa da referida escola que aceitaram o convite para um diálogo sobre sua formação leitora e seus
contatos atuais com a leitura.
Utilizamos como metodologia os aportes da história oral. Aquilo que se é, leva-se uma vida
inteira para construir. O registro do testemunho oral, permite-nos um olhar sobre a história recriada por
intermédio da reminiscência dos informantes, é uma sistematização que permite lançar luz sobre o
tempo e sobre essa pluralidade de elementos que se entrelaçam durante uma vida inteira, vida esta que
apreende a realidade e se dá pela representação que fazemos dela, onde a reflexão sobre a realidade é
medida por valores, conceitos e aspirações que integram o acervo de nossa memória singularmente
constituída no processo coletivo de nossa história.
Para Amado (1996), a história oral suscita e enuncia quando o assunto é o tempo presente com
relato vivo:
A história do tempo presente contribui particularmente para o entendimento das
relações entre a ação voluntária, a consciência dos homens e os constrangimentos
desconhecidos que a encerram e a limitam. Melhor dizendo, ela permite perceber
com maior clareza a articulação entre, de um lado, as percepções e as representações
dos atores, e de outro lado, as determinações e interdependências que tecem os laços
sociais. Trata-se, portanto, de um lugar privilegiado para uma reflexão sobre as
modalidades e os mecanismos de incorporação do social pelos indivíduos... Nos
parece óbvia a contribuição da história oral para atingir esses objetivos. (AMADO,
1996, p.06)
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Neste sentido a fala do indivíduo é um lugar privilegiado que permite o debruçar sobre
percepções, experiências, considerando o caráter representativo de uma época, zelando pela experiência
individual e lançando brechas para um viés objetivo na magnitude subjetiva. A pretensão é a sutileza do
olhar, é a historicidade mesmo que na ingenuidade, é o escancarar da fala, é o olhar perdido do silêncio,
é a busca na memória, é a lembrança do tempo ausente peça íngreme do presente, é arranjar as palavras
que venham propiciar a outros um olhar plurisingular do passado ou lentes de aceitação e
questionamentos de uma época permeada por ações, construções, representações e sentimentos.
Os professores na intenção de ficarem mais a vontade para tecer seus comentários, quando
indagados sobre a utilização de seus nomes ou de nomes fantasias, optaram por nomes fantasias e,
juntamente com eles, escolhemos nomes de literatos piauienses, ficando assim definido: professora (A)
TORQUATO NETO; professora (B) ASSIS BRASIL; professora (C) H DOBAL e professor (D)
O.G.RÊGO.
Para inicio de conversa agrupamos os trechos das falas relativos à idéia de leitura que estes
sujeitos têm hoje a fim de que possamos partir do momento presente em direção ao passado.
Eu vejo a leitura como algo essencial na sociedade hoje, acredito que a leitura
transforma a vida das pessoas possibilita tomadas de decisão muito mais coerentes, é até
difícil pensar no quanto deve ser difícil enfrentar uma cultura letrada sem a leitura
(Torquato Neto).
Minha idéia de leitura hoje é como algo que é imprescindível. Tudo depende da leitura
até exercer cidadania, se você for enganado num momento de compra até pra manusear
o código do consumidor, você tem que saber ler, e sem falar que é a leitura que te
permite ter um olhar critico sobre a realidade (Assis Brasil).
Eu vejo a leitura num sentido mais poético, que não deixa de ser político também, é
através da leitura que conhecemos o mundo, não só a sociedade, mas um universo de
palavras, de sentidos, é o conhecimento mesmo, penso que conhecer passa pela lente da
leitura (H. Dobal).
Eu fico até com medo do que a professora Rochelly pode pensar... [pausa, risos] mas
tudo bem que a leitura pode trazer muito conhecimento na vida de um homem, mas eu
penso também que ninguém pensa hoje nos que não lêem e que antigamente muitos não
liam e nem por isso foram pessoas mais ou menos felizes ou deixou de existir mais ou
menos catástrofes, eu sei que a leitura é importante mas não é tudo, como essa nossa
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sociedade de hoje prega (O. G. Rêgo) .
Expor todos os posicionamentos foi uma estratégia metodológica para que possamos ter uma
visão sobre a pluralidade das concepções em torno da leitura, estes sujeitos são oriundos de uma
realidade periférica, tiveram condições de escolarização semelhantes, trabalham no mesmo espaço
escolar, mas tem experiências únicas, suas, que subjetivamente foram construídas sob uma objetividade,
entretanto é essa experiência particular com a cultura letrada que norteia suas construções de sentido.
Na fala do professor D desloca a leitura para um local secundário, ele não a desmerece como
processo de construção do conhecimento, mas questiona, através de uma comparação com o passado, a
validade do discurso criado em torno da leitura como única forma de se atingir o conhecimento.
Já nas falas dos professores A, B e C observa-se a associação da leitura com a política, quando se
faz alusão ao discurso de formação do cidadão, a relação com o conhecimento a fim
de uma análise crítica da realidade as próprias estratégias da cultura letrada no tocante a participação dos
indivíduos.
No tocante ao ato de ler recorremos a Ezequiel Teodoro da Silva, no seu livro Elementos de uma
Pedagogia da Leitura (1998) que aponta que:
a leitura caracteriza-se como um dos processos que possibilita a participação do homem
na vida em sociedade em termos de possibilitar a transformação sociocultural futura. E,
por ser um instrumento de aquisição, transformação e produção de conhecimento, a
leitura, se acionada de forma critica e reflexiva dentro ou fora da escola, levanta-se
como um trabalho de combate a alienação, capaz de facilitar as pessoas e aos grupos
sociais a realização da liberdade nas diferentes dimensões da vida. (SILVA,1998,P.24)
Sobre a formação leitora e a memória das experiências de leitura os professores entrevistados
afirmaram:
eu tive contato com a escola com 7 anos de idade devido a falta de instrução dos meus
pais eu não tive contato com a leitura e com livros antes disso, meu primeiro acesso a
livros foram mesmo os didáticos, na escola que eu estudei não tinha biblioteca, livros de
literatura eu só vim conhecer por volta da sétima série, depois meu contato ampliou um
pouco. Só quando eu fiz universidade foi que eu comprei meu primeiro livro sei até qual
foi História da Educação da Maria Lúcia Arruda que a professora disse que era
inadmissível você fazer pedagogia sem pensar em livros e leitura... confesso que nesta
hora a ficha caiu. (Torquato Neto)
Minhas lembranças de leitura são inúmeras minha mãe era professora e minhas tias
todas também e todas nós morávamos na mesma casa. Eu adorava ler aprendi bem antes
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da escola minhas tias levavam as tarefinhas mimeografadas que sobravam da escola e
me ensinavam em casa. Com seis anos eu já sabia ler, tanto foi que elas me
matricularam antes de 7 anos na primeira serie. Tinha um camelô que vendia aquelas
coleções infantis e lá em casa não faltava. Minha relação com a leitura é algo que foi
construído com entusiasmo... eu gosto de ler. (Assis Brasil)
Eu sou de uma geração que começou a ir pra escola com aproximadamente 2 aninhos de
idade, sabe geração de pais no mercado de trabalho. Mas meus pais são professores de
português, eles se formaram em letras, ai já sabe desde muito cedo tive contato com a
leitura, com a poesia... minha mãe lia pra mim, meu pai comprava livrinhos até de pano.
Eles eram leitores assinavam revistas. É engraçado hoje na universidade eles dizem com
se fosse algo novo não recortar o jornal ou revista pois eles são suporte de escrita, meu
pai sempre disse isso pra olhar e saber manusear as de cortar eram outras. Em nossa
casa até cantinho do livro tem. (H. Dobal)
Eu tive uma infância marcada pelo trabalho, eu morava com meus avós pois eu era filho
do primeiro casamento da minha mãe que ficou viúva bem cedo. Meu contato com a
leitura foi aos 10 anos quando eu fui fazer a primeira série,
eu tava atrasado, mas meus avós não tiveram culpa eles não tiveram acesso a
escolarização, mas eram pessoas nobres e trabalhadores e de uma sabedoria incrível, eu
repeti algumas series e dei um trabalho pra aprender a ler, e sem falar da vergonha pois
eu era o maior da sala e o mais velho, mas eu superei isso e depois comecei a me
esforçar, a ler até passar no concurso da prefeitura ainda só com o pedagógico depois
foi que fiz universidade. Eu reconheço a importância da leitura, mas sei que ler é apenas
16
um dos atributos da formação de pessoas, não é tudo. (O. G. Rêgo)
Quando recolhemos estes fragmentos de narrativas tivemos como objetivo observar a formação
leitora com base nas categorias que Pierre Bourdieu congregou empiricamente em seus estudos. A
categoria habitus e capital cultural.
É sobre o capital cultural que teceremos, a partir de agora, elucidações conceituais. Na reflexão
sobre este conceito faz-se necessário a priore compreender que cada campo social, enquanto lócus onde
se manifestam relações de poder, se estrutura a partir da distribuição de um quantum social denominado
por Bourdieu de capital social. A distribuição desigual das espécies de capital requerido pelo campo vai
determinar tanto a posição que o agente social vai ocupar no campo, quanto às relações materiais e
simbólicas travadas em seu interior. Os campos sociais possuindo formas distintas de capital, mantém
entre si uma relação constante já que a posse de um tipo de capital constitui a condição para a obtenção
de outro. Tal discurso foi observado nas falas de todos os sujeitos entrevistados.
No campo da produção cultural o capital cultural é um valor produto da ação pedagógica familiar
e se refere à competência cultural e lingüística socialmente herdada, e que, obviamente, não é
distribuído equitativamente. Como observamos na fala do professor D. Uma das definições possíveis se
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refere ao capital cultural como a proficiência no uso, e familiaridade com a prática de códigos culturais
dominantes, tais como estilos lingüísticos, preferências estéticas e códigos de interação social, o que
pode ser observados nos relatos das professoras B e C.
No que diz respeito à noção de capital cultural, nunca é demais lembrar que sua formulação na
obra de Bourdieu está estritamente ligada a uma problematização da dominação. Segundo este autor:
O capital cultural pode existir sobre três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a
forma de disposições duráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma a de
bens culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos, dessas teorias, de
problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é
preciso colocar a parte porque, como se observa com relação ao certificado escolar, ela
confere ao capital cultural – de que é, supostamente, a garantia – propriedades
inteiramente originais (BOURDIEU, 1998, p. 74).
No estado de capital cultural incorporado, Bourdieu afirma que a assimilação, enraizamento,
incorporação e durabilidade do capital cultural em um determinado sistema demandam tempo e somente
podem ocorrer de forma pessoal, não podendo ser externado, pois perderia a característica própria de
capital cultural da instituição. No tocante aos sujeitos analisados é possível afirmar que todos eles
assimilaram este tipo de capital.
Já no estado objetivado o capital cultural aparece na aquisição de bens culturais através do
capital econômico sendo indispensável a posse do capital cultural incorporado, por possuir os
mecanismos de apropriação e os símbolos necessários a identificação do mesmo. Como observamos no
depoimento da professora A, quando ela adquire o livro na universidade; da professora B, quando esta
adquire via camelô a coleção de livros; e na professora C, cuja casa possuía espaço privilegiado e
específico para o material impresso adquirido.
Por fim, o capital institucionalizado onde Bourdieu discorre que a concretização do mesmo
ocorre na propriedade cultural dos diplomas e sua aquisição. Todos os sujeitos desta pesquisa possuem
trajetórias de escolarização que culminaram com a conclusão do ensino superior.
Fazendo um paralelo com a fala dos sujeitos e a elucidação conceitual de Bourdieu, temos a
leitura como uma prática social e cultural, onde a origem social, a herança cultural (papel do ambiente
familiar), as trajetórias de escolarização, o acesso aos bens culturais, acesso dos suportes da escrita e o
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acesso a bibliotecas deixam suas marcas objetivas na subjetividade do leitor. A formação leitora é,
portanto, fruto de uma trajetória singular de vida com as marcas de uma pluralidade social.
No trabalho com as narrativas como um instrumento para se estudar a história, Ecléa Bosi
(2004, p. 16), afirma que feliz é o pesquisador que pode se amparar em testemunhos vivos e reconstituir
comportamentos e sensibilidades de uma época. Ouvir os professores sobre suas experiências com a
leitura é convidá-los para que a partir das histórias de si, estes possam compreender os itinerários da
leitura como um processo cultural. Neste sentido, passemos as definições que estes sujeitos deram ao ato
de ler:
Ler significa ter oportunidade de ver as coisas por novos olhos (Torquato Neto)
Ler significa ampliar nossa visão de mundo e nossa comunicação desde contatos
do cotidiano até a tecnologia (Assis Brasil)
Ler significa pra mim um universo de possibilidades, um conforto pra o espírito,
uma nova informação, algo que expressa emoção, sentimento. Ler é um processo
mágico. (H. Dobal)
Ler é um exercício intelectual e plural, ler o mundo, não só palavras, ler sem
obrigação mas por prazer da descoberta. Ler e adquirir mais uma forma de
17
dialogar com o mundo. (O.G.Rêgo)
Mais uma vez, a partir da análise destes relatos, percebemos que as falas das profesoras A,
B e C tendem a convergir, formando uma idéia de que a leitura é imprescindível para a construção
do conhecimento e do convívio social. Além disso, estas falas se aproximam de uma sinestesia, do
tocar, do sentir, do ver da leitura. É como se esta última, nestes relatos, assumisse uma espécie de
patamar de aprimoramento, é como se a leitura fosse uma sensibilidade que assumisse em si a
capacidade de potencializar os outros sentidos, tornando-os mais susceptíveis à realidade em
todos em seus espectros, na sua completude a ponto de ser adjetivada de mágica.
Entretanto, destoando deste consenso a definição apresentada pelo professor D ressalta, e
questiona esta primazia enfocando ser a leitura mais uma das formas de diálogo com o mundo e
não a única.
Em relação às experiências com a leitura digital e lugar que esta ocupa nas trajetórias
formativas de professores registrou-se que:
Apesar do meu contato com a leitura digital ser recente tudo começou a partir da
compra do meu computador próprio e da sugestão que a supervisora pedagógica
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da minha escola deu sobre os livros que você pode baixar do site do ministério da
educação gratuitamente. (Torquato Neto)
Hoje você pode pesquisar até seus planos de aula em sites,buscar artigos em sites
das universidades,salvar livros e ler no notebook.É uma nova experiência e posso
dizer bem diferente também.Existe a possibilidade de ampliar as letras,marcar
trechos e depois desmarcar.É uma rica possibilidade.(Assis Brasil)
Eu tenho algumas limitações quanto à leitura digital mas sempre que oportuno eu
faço leituras e uso sem resistência,minha maior dificuldades é o acesso a internet
que ainda não é acessível para minha família,mas no trabalho já tenho , embora o
tempo não seja o mais adequado.(H. Dobal)
Sou bastante prático só leio rápidas noticias para me manter informado.
(O.G.Rêgo)
Nos trechos acima evidenciamos o lugar das novas tecnologias nas apropriações das práticas de
leitura dos sujeitos A,B,C e D.
Numa apropriação das falas dos sujeitos situamos a leitura num emaranhado de relações
contraditórias, sem a pretensão de criar verdades no invólucro da leitura fizemos a opção de percebê-las
através de um olhar polissêmico circunscrito na história. Para tanto, é fundamental, como ensina Jorge
Larrosa (1996), bisbilhotar das experiências quando ele define:
El sentido de lo que somos o, mejor aún, el sentido de quén somos, depende de los
historias de quién somos y que contamos y, en particular, de aquellas construcciones
narrativas de las que cada uno de nosotros, es, a la vez, el autor, el narrador y el carater
principal, es decir de las auto narraciones o vistaria personales (1996, p. 462).
Assim, as histórias que contamos compõem nossa história de vida, possibilitam adentrar a um
mundo particular e essa singularidade é valiosa. É uma ponte particular capaz de transmitir uma
experiência coletiva. Em outras palavras: Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapidado
pelo espírito (BOSI, 1996).
A metodologia da história oral faz-se um procedimento rico na medida em que possibilita o
reconstituir de fatos, ela permite estudar as formas como pessoas ou grupos elaboram experiências e
vivem determinados contextos, é através do estudo dos sujeitos de determinados contextos que temos
uma leitura do passado no presente. É o ouvir de um relato real marcado pela vivência que nos permite
analisar testemunhos vividos e assim detectar a conjuntura histórica nos ajudando então a ampliar o
conhecimento de um determinado fenômeno.
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Este artigo não tem a pretensão de esgotar esta discussão, mas de suscitar novas inquietações
ressaltando a importância de situar historicamente a leitura, a potencialidade de tecer elucidações
sociológicas pela voz dos sujeitos, informantes orais de suas experiências. Nosso objetivo se multiplica
sempre que percebemos a riqueza dos ditos.
Em notas de reflexões finais chamamos atenção ao pensamento de Walter Benjamim:
―O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta
a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história‖ (1993,
p.198).
Ouvir os professores em suas experiências cotidianas abre um leque de possibilidades. Ouvir os
ditos é um ensaio que nos permite transitar cautelosamente num terreno movediço,
por isso a subjetividade não pode ser isolada da objetividade, bem como a objetividade não é
preponderante sobre a subjetividade.
Num sentido reflexivo as falas e as elucidações conceituais aqui apresentadas corroboram para a
percepção da fertilidade do estudo da formação leitora e para a percepção da beleza do conhecer das
artimanhas do ler.
Por fim, como nos ensina Bourdieu (1996, apud. Chartier), a leitura não consiste apenas na
aquisição técnico-instrumental da decodificação de léxicos, mas, sobretudo, na incorporação do habitus
da leitura, o que só se adquire no jogo das relações sociais.
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O ENSINO DE HISTÓRIA E A PEDAGOGIA DO GRIÔ: O OLHAR DE
CRIANÇAS DO ENSINO FUNDAMENTAL I NO CARIRI CEARENSE
Inambê Sales Fontenele
Lourdes Rafaella Santos Florencio
RESUMO
Este trabalho objetiva conhecer a pedagogia do Griô nas interpretações e significações das crianças que
participaram, no ano letivo de 2009, na Escola de Ensino Fundamental Dom Vicente de Paula Araújo
Matos, na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, do projeto de educação popular, ―Historias em Retalhos‖
desenvolvido pela Griô Dona Fanca e viabilizado pela parceria entre a escola, a ONG Instituto de
Ecocidadania Juriti e a política pública Ação Griô Nacional, do Programa Nacional de Cultura,
Educação e Cidadania – Cultura Viva do Ministério da Cultura – MinC. Metodologicamente, apoia-se
na proposta de pesquisa qualitativa com instrumentais da história oral que visa a partir das memorias,
interpretações e significações das crianças, apresentar à pedagogia do Griô, experiência de educação
popular desenvolvida na escola. A pesquisa aponta para a importância dos encontros institucionais e
intergeracionais desenvolvendo e consolidando as artes de saber e artes de dizer das expressões culturais
locais que fortalecem as relações e o pertencimento cultural e ancestral da e na sociedade, revelando
ainda a necessidade de potencializarmos metodologias criativas que desenvolva o sentimento de
presença, pertença e o prazer no ato de conhecer e ensinar, valorizando todos os lugares de fala dos
processos e propostas educacionais.
Palavras - chaves: Educação Popular; Pedagogia do Griô e; Encontro Intergeracional.
1.
PEDAGOGIA DO GRIÔ POTENCIALIZANDO NOVOS FIOS PARA EDUCAÇÃO
POPULAR
Há um fio que percorre continuamente todas as culturas humanas que conhecemos
e que é feito de dois cordões. Esse fio é o da ciência e da arte. [...] Este
emparelhamento indissolúvel exprime, por certo, uma unidade essencial da mente
humana evoluída. Não pode ser um acidente o fato de não haver culturas que se
dediquem à ciência e não tenham arte e culturas que se dediquem à arte e não
tenham ciências. E não há, certamente, nenhuma cultura desprovida de ambas.
(Bronowki1)
1
In. ZAMBONI, 1998, p.20.
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Considerar a presença deste fio, naturalmente em qualquer cultura social, é de fato um avanço
cível para a nossa condição e percepção humana. Uma abertura aos diversos olhares e lugares sociais
que também permeiam a educação popular, considerando e incluindo a diversidade presente nas artes de
fazer e artes de dizer das expressões culturais humanas (Certeau, 2008).
Neste sentido, também identificamos este fio, envolvendo a base; alinhavando os percursos e;
customizando as experiências da pesquisa que vamos apresentar. Porém, a mesma, corresponde a uma
das etapas da pesquisa realizada na dissertação intitulada: Pedagogia do Griô: customizando
experiências de vidas e culturas educacionais, concluída em 2011, no Programa de Pós-graduação em
Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará - UFC.
Neste contexto, propomos como objetivo desse trabalho, apresentar a pedagogia do Griô com
as significações de algumas crianças que participaram do projeto 2 ―Histórias em Retalhos‖, viabilizado
na política pública Ação Griô Nacional, do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania –
Cultura Viva do Ministério da Cultura – MinC, correspondendo aos seguintes princípios e objetivos
nacionais a,
busca integrar a tradição oral a processos educativos como estratégia de transmissão e
preservação da cultura. A pedagogia busca ser desenvolvida de forma lúdica, afetiva e vivencial
por meio de linguagens diversas, com teatro, educação ambiental, biodança e brincadeiras,
fotografia e filmagens, comunicação e artes gráficas, artesanato e retalhos. [...] Ao trazer para a
discussão a integração dos saberes de tradição oral na educação formal, a pedagogia do Griô
propõe não somente uma mudança de formato do modelo tradicional de aula para a pedagogia da
roda, mas também uma interface das disciplinas curriculares – português, história, ciências e
matemática – com os saberes tradicionais. (LOPES, 2011, p.142, 151).
Propostas educacionais que foram realizadas em um lugar destinado a educação formal, por
consequência da parceria entre uma politica pública nacional, uma ONG local e uma escola pública
municipal. Configurando a experiência que legitimou a contadora de histórias, Dona Fanca, como uma
Mestra Griô da pedagogia do Griô nacional, responsável por criar e realizar as metodologias
2
Viabilizado por consequência da aprovação no edital público de 2009 da política pública Ação Griô Nacional, do Programa
Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva do Ministério da Cultura – MinC, foi escrito pela ONG Instituto de
Ecocidadania Juriti – IEJ que acompanhou e apoiou a realização que aconteceu na Escola de Ensino Fundamental Dom
Vicente de Paula Araújo Matos, configurando uma parceria institucional que teve como objetivo, valorizar e potencializar as
artes de fazer e artes de dizer da contadora de histórias, Griô Dona Fanca.
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educacionais para ensinar as crianças as suas artes de fazer e artes de dizer,de contar historias
customizando panôs.
Neste trabalho, escolhemos realizar uma pesquisa qualitativa utilizando métodos da história
oral, onde desejávamos conhecer esta experiência de educação desenvolvida na pedagogia do Griô, nas
memórias e nas significações presentes nas práxis infantis. Acreditando que estes lugares de saber,
podem apontar um novo caminho para os fazeres e as reflexões da educação popular brasileira.
Caminhos de escutas e significações infantis
Acompanhadas por estas expectativas, chegamos ao campo da pesquisa,na região do Cariri
cearense, especificamente na cidade do Juazeiro do Norte, na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Dom Vicente de Paula Araújo Matos. Lugar onde conseguimos reunir algumas crianças que cursavam
no ano de 2009, o 5º ano do turno da tarde e participaram do projeto ―Historia em Retalho‖. Em outros
momentos, encontramos também a professora que foi a responsável por apoiar o projeto na escola e a
contadora de histórias Griô Dona Fanca que realizou o mesmo.
Neste percurso metodológico escolhemos uma pesquisa qualitativa fundamentada em Bogdan e
Biklen (1994, p. 47-50), por descreverem que,
Na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural, constituindo o
investigador o instrumento principal. [...] 2.A investigação qualitativa é descritiva. [...] 3.Os
investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos
resultados ou produtos. [...] 4. Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de
forma indutiva. [...] 5.O significado é de importância vital na abordagem qualitativa.
Reconhecemos ainda, que os métodos e etapas da pesquisa: encontros individuais; grupos
focais e; entrevistas semiestruturadas utilizando os panôs customizados pelas crianças no projeto, para
relembrar a experiência, correspondem aos caminhos presentes nas metodologias da história oral, por
ser,
um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar,
através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a
História em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais.
Não é, portanto, um compartimento da história vivida, mas, sim, o registro de depoimentos sobre
essa história vivida. (DELGADO, 2010, p.15, 16).
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Como já foi elucidado, desejávamos conhecer a pedagogia do Griô a partir das memórias e
significações das crianças. Esses lugares subjetivos que podem ser entendidos como um ―terreno
interdisciplinar, já que utiliza muitas vezes (...), lembranças, fontes iconográficas, documentação escrita,
entre outras, para estimular a memória.‖(DELGADO, 2010, p. 16). Memorias e significações de uma
educação popular que vamos seguir, no texto, apresentando e analisando.
Encontros com as práxis infantis
Considerando a importância de ampliarmos a nossa compreensão, vamos com a pesquisa de
3
Pereira (2011, p. 254), apresentar a metodologia desse projeto,
1º passo – Roda de conversa sobre o tema e sobre o que é Griô; 2º passo – Pesquisa da história
do tema abordado e visitas programadas; 3º passo – Construção dos textos; 4º passo – Produção
dos desenhos baseados nos textos selecionados; 5º passo – Aprender a bordar (exercícios de
bordados com tecidos, agulhas e linhas); 6º passo – Corte dos retalhos e aplicação dos desenhos
construídos pelos educandos nos pedaços de tecidos; 7º passo – Oficina de Patchwork (aplicação
de retalhos no tecido); 8º passo – Oficina de brincadeiras e cantigas de rodas antigas; 9º passo –
Construção dos Panôs; a) Apreciação de todos os trabalhos desenvolvidos pelos/as e seleção dos
que mais se assemelham ao tema; b) Aplicação dos quadros de tecido no pano utilizando
máquinas de costura (essa montagem é feita pela Mestra Fanca); 10ºpasso – Apresentação dos
panos na roda de conversa; 11º passo – Monitoramento, avaliação, sistematização e
disseminação da experiência; 12º passo – Construção de alternativas de sustentabilidade da
experiência.
Seguindo com este proposito, vamos expor a compreensão da Dona Fanca,
A meta é resgatar a história de Juazeiro, Padre Cícero, Beato José Lourenço, o Horto, as
Romarias e com esse trabalho, trazer de volta as histórias dos avôs, pais, mães que vieram como
romeiros de meu padrinho Cícero e praticamente com ele fundaram e transformaram o Juazeiro
de uma vila com três pés de juazeiro, uma capela e algumas casas de palha na grande cidade que
é hoje. [...] Ao término desse projeto, as crianças vão estar aptas a: Interpretar um texto; fazer
descrição textual de qualquer desenho; socialização com os costumes antigos; [...] Fora o amor e
o respeito aos mais velhos, que de agora em diante vão ter através dos diálogos que sempre vão
surgir, com pais, avós e bisavós. (62 anos).
Metas que consideramos atingidas quando escutamos das crianças, diante dos panôs no período
da pesquisa, os seus relatos dessa experiência. A Criança4 - A, (12 anos) disse que o projeto foi muito
legal e justificou.
3
Pesquisadora da área de arte-educação que também pesquisou este projeto “História em Retalhos”da pedagogia do Griô
desenvolvido pela Griô Dona Fanca.
4Na identificação das crianças, as meninas vão ser as vogais e os meninos as consoantes.
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Porque a gente não aprendeu só panô. Aprendeu a fazer também aqueles fuxicos, aprendeu a
fazer um pouco de xilogravura e a mestra também ensinara algumas canções de roda, a história
do Padre Cícero, do Popo e do Patativa do Assaré. [...] Ela contava as histórias, aí a gente
passava tipo o que a gente entendesse passava pro papel, do papel a gente desenhava no tecido e
a gente cortava o tecido e colava em outro. Aí isso se chama panô.
Importante sublinhar, que este projeto aconteceu no ano letivo de 2009 e os encontros para esta
pesquisa ocorreu em 2011. Percebemos com isso, que as crianças permaneciam com uma memória viva
dessa experiência. Destacamos ainda, que a Griô Dona Fanca, estabeleceu que só poderiam participar do
projeto crianças com no mínimo 9 anos de idade, para evitar possíveis acidentes, já que as mesmas
teriam que manusear tesouras de ponta, agulhas e os alfinetes utilizados para customizar os panôs.
Restrição recordada no relato da Criança – B (10 anos).
A mestra também não ia deixar eu ficar por causa que eu tinha só 8 anos, aí ela falou: não, você
não pode ficar porque você é muito novo. É só pra criança de 9 anos pra cima. Aí ela disse desse
jeito: não mas fique. Eu vou ver o seu desenvolvimento. Aí eu fui e ela gostou. Aí ela pegou e
deixou eu ficar. Aí, ganhei dos outros o apelido de griôzinho!
Com o surgimento desse apelido, griôzinho, aproveitamos para conhecer como estas crianças
significaram esta palavra Griô, e percebemos que cada criança, com o seu jeito particular, demonstrava
compreender a palavra Griô. Selecionamos aqui as seguintes respostas. A criança - C, (12 anos), disse
que o Griô ―é uma contadora de história aqui da nossa região‖. A Criança – B disse (10 anos), ―pra mim
também eu acho que é uma contadora de histórias que faz assim, conta sobre sua vida, como os pais, os
avôs foram, assim, né? Pra mim isso também é uma contadora de história.‖ Mas a definição que mais
nos surpreendeu, foi partilhada pela Criança – E (11 anos), ―O Griô pra mim é uma obra de arte. [...] o
que ela fazia.‖
Encantadas com estes primeiros diálogos, contamos para as crianças que apesar de já sermos
adultas, ainda não tínhamos aprendido cortar um pano, retinhos, e nunca tínhamos bordado um panô,
assim como elas fizeram com a Griô Dona Fanca. Neste momento, a Criança – I, (12 anos), foi logo nós
incentivando, ―eu aprendi muitas coisas com a mestra Fanca, eu não sabia bordar. Eu achava que era
muito difícil, mas não, é muito fácil!‖ e a Criança – C (12 anos) continuou, ―foi muito legal, assim, a
gente não entendia nada, no começo a gente pegava aí não, não é assim. Aí ela ensinava direitim. [...]
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Aprendi muito a bordar com este trabalho.‖ Já com o a fala da Criança – E (11 anos), identificamos
outra metodologia,
E muito fácil de aprender, é só ter força de vontade que num instante aprende. [...] Porque num
tem a agulha? Aí você bota a linha, é tudo bem complicado, mas é fácil de aprender! Um tempo
ela botou assim umas mulheres que não sabiam bordar, e a gente ensinava a cada uma. [...] É um
pouco difícil, tem que ter paciência com o povo que não sabe, né?
Concordamos com essa necessidade de ter paciência e seguimos buscando as significações
propondo uma atividade lúdica, onde explicamos as regras da brincadeira ―Faz de Conta‖ e convidamos
para brincar, a resposta foi – Sim! Então iniciamos com a seguinte situação – Faz de conta que temos
grandes poderes! Poderes capazes de mudar qualquer coisa, mudar até o jeito da escola. Mais esses
poderes só funcionam com as ideias de outras pessoas, certo? Atentos e com os sorrisos largos elas
rapidamente entraram na brincadeira e responderam – Certo!
Continuamos... – Estamos pensando em sair daqui direto para secretaria de educação e entregar
um baú cheio de ideias para mudar o jeito como as professoras dão aula, o que vocês acham? Vão
gostar? Elas balançaram a cabeça acenando que sim. – Mas precisamos encher esse baú com as ideias de
vocês para que os poderes possam acontecer! Um silêncio se estalou. Seguimos – E se essas aulas que
vocês tiveram com a Griô Dona Fanca acontecessem também na sala de aula, vocês iam gostar? Seria
legal? A Criança – C (12 anos) disse, ―Seria! A gente ia se desenvolver mais no colégio, se interessar.
Tem uns que nem liga, aí o colégio diz, esse não quer nada. Aí se eles começassem a fazer isso, aí eles
iam se interessar mais.‖
Entusiasmada a Criança – B (10 anos) entrou no diálogo para compartilhar, ―aqui nessa escola
nunca teve nada disso na sala. [...] Todo mundo vai se for ter, né? Por causa que é uma aula criativa, né?
Diferente, que ninguém nunca viu!‖ Com a mesma animação a Criança – I (12 anos), comentou, ―Seria
muito legal! Porque é mais divertida as aulas, os alunos iam se interessar mais pelas aulas, porque
muitos alunos acham muito chato essas aulas só teórica, só falando e tal.‖
Explicando a Criança – A(12 anos) disse, ―É quase uma aula de arte. Porque você pode ter
aulas teóricas e aulas que você pode praticar, né?‖ E na sequência nos surpreendemos a significação da
Criança – O (11 anos):
Aprende criação também, né? Começa a criar. Assim, você pode até criar, entendeu? Os lugares,
as florestas, do mesmo jeito que tem na história, você pode criar a sua imagem. A gente aprende
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mais verdadeira. A verdadeira história, que a gente sabia da história, mas de outro modo, de
outro sentido. Assim, foi legal, né! Foi muito bom pra mim porque eu criei.
Interpretações e significações que nos fazem lembrar o Larrosa (2002), quando escreve sobre as
experiências humanas, ―experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se
passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,
quase nada nos acontece.‖ (LARROSA, 2002, p.21). Reconhecemos que esta criança vivenciou uma
experiência em que foi tocada quando diz que aprendeu de outro sentido e criou, fazendo parte das
histórias contada pela Griô Dona Fanca.
Experiências proporcionadas num encontro intergeracional, que em relação a esse aspecto,
aprendemos muito com estas crianças. Segundo a Criança – B (10 anos), a Dona Fanca, ―é muito legal, é
mais paciente.‖, e a Criança – E (12 anos) complementou, ―pra mim eu acho que é melhor uma pessoa
nessa idade do que uma pessoa mais jovem.‖. E indagando, mesmo ela não tendo a condição de correr e
pular com vocês? A Criança – O (11 anos) se pronunciou tentando explicar, ―É diferente, gente mais
velha já aprendeu um bocado de coisa e com uma pessoa mais nova ia ser difícil aprender‖, e foi
complementada com a opinião da Criança – A (12 anos) ―Além de tudo a mestra tem muita experiência
por tudo que ela viveu, ela sabe muita coisa, muitas histórias‖.
Histórias e encontros por uma parceria já mencionada, que também foi significada em sua
execução por essas crianças. A Criança – E (12 anos), contou que ―Às vezes a gente ficava até aqui fora
no pé de mangueira.‖, situações explicadas com o depoimento da Criança – B (10 anos),
tem horas que a escola ajuda e tem horas que a escola não ajuda, né! Tinha vez que na quadra os
meninos iam jogar bola, mas todo mundo sabia que nós já ia pra quadra né, mas não eles
pegavam e botavam outras pessoas na quadra. Aí a gente vinha praqui, aí aqui também não tinha
espaço, a gente ia pra outra sala e também não tinha espaço e não tinha o projeto nesse dia.
Relatos também identificados na fala da professora, ―no começo a escola não dava tanta
importância porque eu acho até pela falta de conhecimento do que era um Griô e a execução do
projeto.‖ Compreensão que gerou posturas percebidas e compartilhadas pela Criança – B (10 anos,
2011), ―ela foi a única pessoa que disse assim: Eu vou ajudar [...] E também ela, nos dias que não tinha
espaço lá na quadra, ela ia falava com a diretora, pra arrumar uma sala, qualquer canto pra nós ter esse
trabalho.‖
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Essas falas em relação à professora, que também já foi à coordenadora pedagógica dessa
escola, nos fizerampensar como, apesar do convívio cotidiano, as relações podem não acontecer ―de
verdade‖, como sinaliza a fala da Criança – B (10 anos)―A gente teve a oportunidade de conhecer ela,
né! Conhecer de verdade‖.
Escutas e significações que nos convidaram a refletir e pensar a educação por desejando
construir realmente outros caminhos... Caminhos estes que nós fazem nomear as significações das
crianças como práxis infantis, quando reconhecemos que as mesmas, nas suas sugestões, se sentem
habilitadas a ensinar, pensar e planejar como poderia ser o retorno desse projeto. ―Nós que já
aprendemos vamos também ensinar‖, (Criança – B, 10 anos), fala complementada com a práxis da
Criança – O (11 anos).
o que poderia melhorar é ir pra outras escolas, porque esse projeto pelo que eu sabia só teve aqui
no colégio! Como a mestra falou, só a nossa escola teve essa oportunidade. O certo era dá
oportunidade pra todos os outros colégios, porque tem muita pessoa talentosa que ainda não teve
a oportunidade de mostra.
Práxis também realizada pela professora, quando significa,
Essa iniciativa foi uma inovação, apesar da escola ter contação de histórias, mas sempre naquela
rotina de fazer a rodinha de alunos, aquela tradicional, a professora pega uma história já pronta,
lê pras crianças e as crianças só escutam. Essa não! A gente ouvia histórias que aconteceram com
a própria pessoa. A própria pessoa que tava contando a história tinha passado pela história. Então
a importância pros próprios alunos resgatar a própria histórias deles, por que tem alunos que é
criado por avó, tem aluno que é criado por tio, (...) então a importância foi essa resgatar a
cidadania dos alunos também. Que eles começaram a se questionar enquanto pessoa. (Professora,
2011).
Proporcionando uma experiência de sentidos (LAROSSA, 2002), que nós faz dialogar com
Bosi quando diz que em um encontro intergeracional ―a criança recebe do passado não só os dados da
história escrita; mergulha suas raízes na memória vivida, ou melhor, sobrevivida, das pessoas de idade
que tomaram parte na sua socialização.‖ (1994, p. 73). E nos fazem relembrar o Brandão (2002, p. 97),
ao afirmar que ―dentro da cultura do povo há um saber; no fio de história que torna este saber vivo e
continuamente transmitido entre pessoas e grupos há uma educação.‖. Escrevendo ainda que, ―Educar é
criar cenários, cenas e situações em que, entre elas e eles, pessoas, comunidades aprendentes de pessoas,
símbolos sociais e significados da vida e do destino possam ser criados, recriados, negociados e
transformados.‖ (2002, p.26).
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Pensamentos e reflexões que possibilitam criar rupturas nesta cultura educacional tradicional e
positivista, que segundo (LINHARES, 1995) atropela a lógica da vida, com estes rituais que reproduzem
as relações de produção vazia de sentido, coisificantes. Onde acontece, segundo a autora,
Toda uma mimetização do mundo e das relações humanas reificadas é reproduzida quando se
nega a professores e alunos a capacidade de dialogarem com textos diversos, de produzirem seu
próprio texto e se sentirem e exercerem a potência de narradores de suas experiências, criadores
de sentidos finais para seus fazeres (LINHARES, 1995, p.229).
Sentidos e fazeres, reconhecidos por nos, nesta experiência de educação popular, na qual
compreendemos que precisam ser replicadas e potencializadas como propostas possíveis aos nossos
pensamentos, práticas e sentidos educacionais. Principalmente porque os seus caminhos já estão
legitimados no Art. 26 da LDB 9394/96; reconhecidos enquanto direitos constitucionais nos artigos 215º
e 216º da CF – 1988; compreendidos e estimulados nos estudos e pensamentos educacionais da
educação popular no Brasil.
Reconhecendo possibilidade para novos caminhos educacionais
Ao realizamos o objetivo desse trabalho conhecendo a pedagogia do Griô, a partir das
interpretações e significações das Crianças sobre o projeto ―Histórias em Retalhos‖ no Cariri cearense,
concluímos que o mesmo, também nos possibilitou continuar acreditando nas experiências que podem
proporcionar sentidos nos processos educacionais, aqui reconhecido, por uma educação popular.
Seguimos portando recomendando a importância de considerar sempre, em todos os processos
educacionais, os lugares de fala, a partir de todas as idades, expressões culturais, percepções,
interpretações e significações. Nesta pesquisa, acreditamos que ao apresentarmos as significações e
práxis infantis, estamos também contribuindo para reconhecermos enquanto educadores, nas nossas
práxis, que é fundamental a escuta de todos os lugares subjetivos. Assim como, considerarmos nos
nossos planejamentos a possibilidade de realizarmos parcerias institucionais e culturais.
Por fim, propor acrescentar um cordão simbolizando a nossa capacidade humana de encontro e
diálogo para também compor este fio indissolúvel, de arte e ciência, para continuar percorrendo e
alinhavando o mundo.
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