Fernando Moreira de Souza

Transcrição

Fernando Moreira de Souza
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
FERNANDO MOREIRA DE SOUZA
O JORNALISMO PÚBLICO E O TELEJORNALISMO LOCAL:
UM ESTUDO SOBRE O CONEXÃO APERIPÊ
SÃO CRISTÓVÃO - SE
2015
FERNANDO MOREIRA DE SOUZA
O JORNALISMO PÚBLICO E O TELEJORNALISMO LOCAL:
UM ESTUDO SOBRE O CONEXÃO APERIPÊ
Monografia apresentada ao Departamento de
Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) como requisito parcial para a obtenção do título de
Graduação em Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo, sob orientação do Prof. Msc. Vitor Curvelo
Fontes Belém.
SÃO CRISTÓVÃO - SE
2015
FERNANDO MOREIRA DE SOUZA
O JORNALISMO PÚBLICO E O TELEJORNALISMO LOCAL:
UM ESTUDO SOBRE O CONEXÃO APERIPÊ
Aprovado em ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Prof. Msc. Vitor Curvelo Fontes Belém
___________________________________________________
Prof. Dr. Josenildo Luiz Guerra
____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Franciscato
RESUMO
Este trabalho analisa o emprego dos conceitos de jornalismo público (JP) no telejornal
local Conexão Aperipê, exibido pela TV Aperipê, emissora estatal do Governo do Estado de
Sergipe. Para isso, foi realizada uma análise de conteúdo do telejornal com a finalidade de
compreender a prática do jornalismo público no âmbito do telejornalismo local, tendo em conta
as potencialidades do JP como ferramenta de fortalecimento da cidadania. A pesquisa apresenta
e discute o movimento do jornalismo público surgido nos Estados Unidos, em 1988, em meio
à crise de credibilidade da imprensa norte americana, marcada pela queda na circulação dos
jornais. Dessa forma, os primeiro projetos de jornalismo público visavam reavivar o interesse
dos cidadãos, propondo um maior envolvimento do público na seleção dos assuntos noticiados.
Esta pesquisa ainda apresenta uma abordagem sobre os modelos de televisão pública, estatal e
comercial, existentes no Brasil. Assim como uma exposição dos modelos televisivos dos
Estados Unidos e Inglaterra, com foco nos sistemas públicos desses países. A pesquisa concluiu
que o jornalismo público é uma prática muito distante do telejornalismo da TV Aperipê, já que
o noticiário não consegue oferecer nem mesmo uma proposta de jornalismo diferenciada em
relação às emissoras comerciais.
Palavras chave: Jornalismo Público; TV Pública; Conexão Aperipê; Análise de Conteúdo
ABSTRACT
This paper analyzes the use of public journalism concepts (JP) on the TV Newcast
‘Conexão Aperipê’, exhibited by TV Aperipê Channel, TV Local Station of the State of
Sergipe. We performed an analysis of the content in order to understand the practice of public
journalism in the Local Television News, taking into account the potential of the Public
Journalism as a tool which strengthens the citizenship. The research presents and discusses how
the public journalism emerged in the United States in 1988, the year of the crisis of credibility
whose the year was marked by the decline in newspaper circulation of the American press.
Thus, the first public journalism projects were destined for reviving the interest of citizens
where were proposed a greater public involvement in the selection of reported issues. This
research also presents an approach about the public, state and commercial television models
that exist in Brazil and we will present the television models of the United States and England,
focusing on public systems of these countries. The research concluded that public journalism is
far to have the practice and the TV Aperipê can’t offer even of a differentiated journalism
proposal in relation to the commercial broadcasters.
Keywords: Public Journalism; Public TV; Conexão Aperipê; Content analysis
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Quadro teórico das características de jornalismo público........................................58
Tabela 2 – Características de jornalismo público agrupadas em categorias..............................59
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Gêneros Jornalísticos............................................................................................. 61
Gráfico 2 – Distribuição das editorias.......................................................................................62
Gráfico 3 – Tipificação das fontes.............................................................................................64
Gráfico 4 – Elementos de serviço e orientação do público........................................................64
Gráfico 5 – Aprofundamento dos temas abordados..................................................................65
Gráfico 6 – Divulgação de práticas de indivíduos ou grupos.....................................................66
Gráfico 7 – Assuntos Comunitários e interação com o público.................................................66
Gráfico 8 – Mobilização social / Temas sociais e de cidadania.................................................66
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Reportagem sobre Dia Mundial da Doação com projeto do GACC.......................68
Imagem 2 – Reportagem sobre desrespeito à faixa de pedestres em Aracaju............................70
Imagem 3 – Projeto Vida Alegre, realizado no Bairro Industrial, zona norte de Aracaju..........73
Imagem 4 – Reportagem sobre acúmulo de lixo na Avenida Santa Gleide................................75
Imagem 5 – Reportagem sobre problemas do transporte público de Aracaju............................77
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1 A TELEVISÃO COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO.....................................................13
1.1 Breve histórico...................................................................................................................13
1.2 Características e linguagem..............................................................................................19
1.3 Telejornalismo local..........................................................................................................22
1 MODELOS TELEVISIVOS E CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO..........26
2.1 Realidade internacional dos sistemas televisivos.............................................................27
2.1.1 Sistema britânico de televisão...........................................................................................27
2.1.2 Sistema norte-americano de televisão...............................................................................30
2.2 Sistema televisivo brasileiro..............................................................................................32
3 JORNALISMO PÚBLICO E A REALIDADE BRASILEIRA........................................38
3.1 Histórico, desenvolvimento e características do Jornalismo Público.............................38
3.2 - A experiência brasileira do Jornalismo Público..........................................................49
4 ANÁLISE DE CONTEÚDO:
O JORNALISMO PÚBLICO NO CONEXÃO APERIPÊ..................................................54
4.1 A análise de conteúdo como método de pesquisa.............................................................56
4.2 Análise quantitativa...........................................................................................................61
4.3 Análise qualitativa.............................................................................................................67
4.3.1 Edição um – 02/12/2014...................................................................................................67
4.3.2 Edição dois – 10/12/2014..................................................................................................69
4.3.3 Edição três – 18/12/2014...................................................................................................72
4.3.4 Edição quatro – 26/12/2014..............................................................................................74
4.3.5 Edição cinco – 29/12/2014................................................................................................77
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................79
REFERÊNCIAS......................................................................................................................82
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INTRODUÇÃO
O movimento do jornalismo público surgiu nos Estados Unidos, no contexto das
eleições presidenciais de 1988, que ficaram marcadas por uma cobertura jornalística superficial,
que não valorizava os aspectos mais importantes para os eleitores. É nesse cenário que o
movimento defende mudanças nas relações entre as organizações de imprensa e os cidadãos,
propondo que os jornalistas deixem a posição de neutralidade para protagonizar as discussões
dos assuntos de interesse público, com fins ao fortalecimento da democracia.
Para os fundadores do movimento, a prática jornalística restrita à divulgação de
informações descontextualizadas, desfavorece a formação de sujeitos capazes de exercer a
cidadania. Sendo assim, esta pesquisa discute o jornalismo público e seus ideais de participação
social como possibilidade de aproximação do jornalismo de sua função social, a promoção do
debate dos assuntos de interesse público.
A escolha do jornalismo público como tema de estudo advém da percepção das
fraquezas da imprensa convencional no cumprimento da função social de reforço da cidadania.
Busca-se, a partir da reflexão sobre jornalismo público, repensar o modelo informativo vigente,
a fim de identificar as potencialidades do movimento norte americano no contexto brasileiro.
Tendo em conta a capacidade de se estabelecer como modelo de jornalismo favorável à
formação do senso crítico dos cidadãos em relação às problemáticas de interesse social.
É importante destacar que a presente pesquisa discute a prática do jornalismo público
(JP) como um caminho possível para a busca da qualidade jornalística. Sendo assim, o trabalho
não pretende situar o JP como único parâmetro para a prática de um jornalismo de qualidade,
mas sim, investigar o que a experiência do movimento norte americano pode oferecer para o
jornalismo brasileiro. Além disso, apesar da presente pesquisa enfocar a prática do jornalismo
público em uma emissora estatal, os ideais do jornalismo público são conceitos de qualidade
jornalística aplicáveis em organizações públicas ou privadas.
Conforme Merrit, o jornalismo pode ser “uma força fundamental” na “revitalização da
vida pública”. Segundo o autor, o ideal de neutralidade jornalística, princípio fundamental do
jornalismo convencional, não favorece o debate público pois distancia os jornalistas das
problemáticas sociais. “O afastamento decidido conduz a um tipo de cegueira acerca de coisas
específicas, uma incapacidade instruída para compreender uma parte do nosso ambiente e as
pessoas envolvidas nele” (Merrit, 1995 apud TRAQUINA, 2001, p 178).
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Como argumenta Moraes (2011), a aparição do jornalismo público no cenário brasileiro
difere do modelo norte americano, na qual se consistiu como um movimento que buscou
repensar o papel da imprensa. No Brasil, o autor observa que elementos da corrente norte
americana, vêm sendo aplicados em experiências esporádicas da imprensa comercial e de
organizações não governamentais. Tomando como exemplo, a inclusão de elementos de serviço
nas matérias e a veiculação de conteúdo produzido pelos cidadãos.
O jornalismo público aplicado à realidade brasileira ganhou características
diferenciadas. Silva (2004) identifica quatro vertentes do jornalismo público existentes no
Brasil: de patrocínio, de campanha, promocional e institucional (SILVA, 2004).
Segundo Moraes (2011), os primeiros jornalistas públicos defendiam que os jornais
existem para mobilizar a participação dos cidadãos na vida pública. Os vanguardistas do
movimento percebem que o jornalismo deve facilitar a tomada de decisões dos cidadãos sobre
os assuntos públicos.
Precursor do jornalismo público, Jay Rosen defende o papel do jornalismo na inserção
dos cidadãos na vida pública. Para ele, a atividade jornalística precisa ser revigorada, no sentido
de promover a discussão pública. Conforme Rosen:
Podemos tentar encontrar maneiras de interessar um maior número de cidadãos na
vida pública enquanto tornamos a vida pública mais interessante. Podemos encorajar
o discurso sério a tornar-se mais público enquanto tornamos o discurso público mais
sério. (Rosen apud TRAQUINA 2001 p. 180)
Uma questão a ser considerada na análise de telejornalismo diz respeito aos modelo
televisivos das emissoras brasileiras. De acordo com Nazareno (2007), existem três modelos de
emissoras: comerciais, estatais e públicas. Além disso, dentro desses três modelos, as emissoras
podem ser classificadas quanto à finalidade em educativas e não-educativas. O modelo que
prevaleceu historicamente desde o surgimento da televisão no país foi o comercial. A grande
maioria das emissoras estatais, vinculadas a alguma esfera da administração pública, surgiram
com propósitos educativos e culturais, no entanto, a gestão dessas emissoras pelos governos
(estaduais, municipais ou pela união) significou, em muitos casos, na transformação desses
veículos em instrumentos de propaganda dos governantes. A maior parte das emissoras que se
definem como emissoras públicas são, na realidade, estatais.
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Garcia (2011) caracteriza o conteúdo das televisões públicas – incluindo-se as emissoras
estatais com finalidade educativa e cultural – pelo compromisso com a formação crítica da
população, através de programação que valoriza a cidadania por meio da experimentação, com
a difusão de produções culturais, artísticas e educativas. É por isso que, segundo a autora, as
emissoras públicas demonstram grande potencial de aplicação dos propósitos do jornalismo
público.
A pesquisa que se segue toma como ponto de partida as potencialidades do jornalismo
público como experiência local. O objeto de análise da pesquisa é o telejornal Conexão Aperipê,
exibido de segunda à sexta das 18:30 às 19:00hs na programação da TV Aperipê, emissora local
vinculada ao Governo de Sergipe e retransmissora da programação da TV Brasil. A TV Aperipê
tem como lema “Educação, Cultura e Jornalismo Cidadão”, com a produção de conteúdo que
se pretende diferenciado em relação às emissoras comerciais. A finalidade é verificar a
ocorrência de práticas de jornalismo público no telejornal, assim como analisar se o telejornal
realmente oferece um conteúdo diferenciado em relação aos veículos comerciais.
A presente pesquisa, de caráter exploratório, objetiva analisar a incidência de práticas
de jornalismo público no telejornal local Conexão Aperipê. O método proposto pelo presente
estudo é o da análise de conteúdo. Segundo Herscovitz (2007), a análise de conteúdo no
jornalismo se dá pelo fato de ser um método capaz de avaliar grande volume de informações a
partir de critérios previamente definidos. Segundo a autora, atualmente a análise de conteúdo
compreende os aspectos quantitativos e qualitativos das comunicações, com o objetivo de fazer
inferências lógicas relativas aos significados aparentes e implícitos das mensagens.
Para o desenvolvimento da análise, o capítulo um apresenta um breve histórico da
televisão no Brasil, assim com a caracterização do meio em seus aspectos linguísticos e
tecnológicos, além dos fatores relacionados ao desenvolvimento do telejornalismo local e
regional no país. O capítulo dois se propõe a explicar os modelos televisivos existentes no Brasil
e na realidade internacional. No capítulo três é realizada uma revisão teórica referente à origem,
desenvolvimento e implantação do jornalismo público na realidade nacional e internacional.
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1 A TELEVISÃO COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO
Para dar suporte à caracterização do objeto de estudo do presente trabalho, este capítulo
desenvolve uma visão contextual da televisão no Brasil. Para isso, buscamos apresentar uma
breve descrição do processo histórico que envolveu a implantação e desenvolvimento da TV
brasileira, não deixando de registrar os aspectos econômicos, políticos e tecnológicos que
influenciaram na sua consolidação. O passo seguinte é mostrar como a constituição da televisão
no Brasil também significou a construção de um repertório de características e linguagens
fundamentais para a compreensão da televisão como meio de comunicação. Por último,
trazemos um abordagem sobre o telejornalismo local. As colocações presentes nesse capítulo
serão fundamentais para a análise proposta pelo presente estudo.
1.1 Breve histórico
No início dos anos 1950, com a crescente industrialização, os centros urbanos brasileiros
começaram a constituir a infraestrutura básica para o desenvolvimento, conforme identifica
Paternostro (1999). Segundo a autora, no cenário político o período é marcado pela substituição
do general Eurico Gaspar Dutra por Getúlio Vargas. Na década de 50, o rádio já havia se
consagrado como veículo de comunicação, vivendo a “época de ouro do rádio brasileiro”.
De acordo com Paternostro (1999), Assis Chateaubriand foi o responsável pela
realização das primeiras transmissões da televisão no Brasil. Proprietário dos Diários e
Emissoras Associadas, Chateaubriand trouxe ao Brasil técnicos norte-americanos da RCA para
implantar a televisão no país. Para isso, foi necessária a importação de equipamentos. Em 18
de setembro de 1950, iniciaram-se as transmissões da PRF-3 TV Difusora, depois denominada
TV Tupi de São Paulo. O primeiro programa exibido pela emissora foi um show com artistas
de sucesso da época. Por causa do pequeno número de televisores existentes, Chateaubriand
mandou instalar duzentos televisores em pontos movimentados da cidade para que um maior
número de pessoas pudessem comprovar o início da TV no Brasil. Quatro meses após a
inauguração da primeira emissora do país, entrava no ar, em 1951, a TV Tupi do Rio.
Rezende (2000) aponta que o primeiro telejornal apresentado pela TV Tupi foi Imagens
do Dia. Em janeiro de 1952 a mesma emissora criou outro noticiário exibido na faixa das 21
horas, o Telenotícias Panair. Em 1953 a TV Tupi lançou aquele que foi um marco do
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telejornalismo no Brasil, o Repórter Esso, com conteúdo que abrangia os cenários nacional e
internacional. Esses primeiros telejornais eram marcadamente influenciados pela linguagem
radiofônica, em que a maior parte das informações eram lidas pelo apresentador. Isso é
explicável pelo fato de que os primeiros profissionais da televisão vieram do rádio, de onde os
locutores, que se transformaram em apresentadores dos telejornais, tinham uma locução
marcante.
Durante os seis primeiros meses, a Tupi só transmitia cinco horas de programação, das
seis às onze da noite, exibindo espetáculos de auditório e noticiários. Ao fim da década de 1950,
já estavam no ar as seguintes emissoras: TV Tupi (SP e RJ), TV Record (1953), TV Paulista
(1952), TV Rio (1955), TV Excelsior (1959), TV Itacolomi (1956). Todas elas transmitiam
programação para as localidades em que estavam situadas, com abrangência das cidades do Rio
de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte (PATERNOSTRO, 1999).
Aos poucos a TV foi se tornando um meio de comunicação mais acessível à população,
já que o valor pago pelo aparelho de TV diminuía. Com a ampliação do alcance, a televisão
passou a despertar o interesse das agências de propaganda e anunciantes que buscavam vender
seus produtos através da TV. Conforme Paternostro:
Os anos 60 consolidam a TV no Brasil. Na disputa pelas verbas publicitárias, ela
assume, definitivamente, o seu caráter comercial: começa a briga pela audiência! Uma
briga que dura até hoje, cada vez mais acirrada, com lances e estratégias dignos de
uma guerra. (PATERNOSTRO, 1999, p. 30)
Em 1960, o Grupo de Diários e Emissoras Associados inaugurou em Salvador, a TV
Itapoan, primeiro canal de televisão da Bahia, já que o segundo canal do estado só foi
inaugurado em 1969. Nesse mesmo ano, a TV Cultura de São Paulo transmitiu o primeiro
telecurso brasileiro, voltado à preparação de candidatos ao exame de admissão ao ginásio. Vinte
emissoras e cerca de 1,8 milhão de televisores compunham o sistema televisivo brasileiro no
ano de 1960. (MATTOS, 2010)
Na década de 60, o videoteipe chega ao Brasil, o recurso tecnológico que permite a
gravação deu força à produção televisiva brasileira, principalmente no setor de telenovelas. A
década também marca o surgimento dos programas de auditório de grande audiência, como O
Fino da Bossa e Jovem Guarda (TV Record). Como identifica Paternostro (1999), em 1962 a
TV Excelsior lançou o Jornal de Vanguarda que representou outro marco para a história do
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telejornalismo ao introduzir a participação de jornalistas como produtores e cronistas
especializados, como apresentadores das notícias.
Em 1965, surge no Rio de Janeiro a TV Globo, criada pelo jornalista Roberto Marinho.
Inicialmente a emissora transmitia uma programação popular, com programas de auditório aos
estilos de Chacrinha e Silvio Santos. Ao associar-se ao grupo norte-americano Time-Life, a TV
Globo deu início ao processo de constituição de redes de TV, operada por meio da compra ou
contratação de emissoras afiliadas pelo país, com vistas a expandir o seu sinal. É nessa época
que se constituiu a Embratel – Empresa Brasileira de Telecomunicações – interligando o país
através de linhas básicas de micro-ondas (rotas), aderindo ao consórcio internacional para a
utilização de satélites de telecomunicações (o Intelsat) (PATERNOSTRO, 1999).
Com os limites impostos pelo Ato Institucional nº 5, de 1968, pelo governo militar, toda
a imprensa sofreu um longo período de censura. Como coloca Paternostro (1999), é nesse
contexto que o telejornalismo brasileiro adotou o modelo norte-americano como fonte de
inspiração. Os jornalistas deixam o papel de apresentadores e voltam os locutores. No período,
o telejornalismo ainda carecia de um estilo que correspondesse às características do meio
televisivo.
Conforme Mattos (2010), no ano de 1969, a Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista
de Rádio e Televisão Educativa realizou a compra da TV Cultura de São Paulo, até então, uma
emissora comercial vinculada aos Diários e Emissoras Associados.
Lançando mão ao recurso de transmissão em rede, utilizado inicialmente pela Rede
Tupi, a TV Globo estreou, em 1969, o Jornal Nacional (JN), transmitido simultaneamente para
os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. O
Jornal Nacional tinha o objetivo de disputar a audiência com o Repórter Esso e esteve associado
diretamente ao projeto de integração nacional do governo militar, conforme identifica Rezende
(2000). O JN se tornou àquela época, e se consagrou até os dias atuais, como o principal
noticiário da televisão brasileira. Já o Repórter Esso, teve fim em 1970.
Também 1970, a TV Globo criou novos programa como o Globo Repórter, com uma
linguagem próxima do documentário na abordagem aprofundada de temas variados. O
jornalismo especializado também ganhou força na grade da emissora com o TV Mulher e o
Globo Rural.
Em 1970, a TV Bandeirantes de São Paulo lançou o telejornal Os Titulares da Notícia.
A reformulação feita no telejornal passou a dar destaque à participação popular, além disso deu
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visibilidade ao trabalho do repórter, atribuindo-lhe a tarefa de divulgar notícias diretamente da
cobertura dos acontecimentos. Também em 1970, a TV Cultura de São Paulo lançou o Hora da
Notícia. Sem pretensão de atingir um padrão formal, o telejornal tinha o compromisso de levar
ao ar assuntos de interesse público. O jornal se destacava por apresentar depoimentos de
populares sobre problemas das comunidades. Com essa fórmula o programa garantiu destaque
como o de maior audiência da emissora.
A telenovela Cavalo de Aço da Rede Globo, exibida em 1973, inaugurou o formato
merchandising, com a inserção de publicidade dentro da programação, fora dos intervalos
comerciais. O modelo do merchandising se tornou uma prática comum na televisão brasileira
até os dias atuais.
Em 1973 a Rede Globo lançou o Fantástico – o Show da Vida, exibido nas noites de
domingo, com uma combinação entre entretenimento e jornalismo, ao tom de espetáculo. Como
afirma Rezende (2000), a censura, em sua forma mais aguda, foi sentida no telejornalismo
praticado principalmente pela Globo. A emissora, que já era líder de audiência, se afastava da
realidade política do Brasil. Com isso, encontrava nos programas de entretenimento o ponto de
encontro com o público. Entre os fins da década de 1970 e início de 1980, a censura à imprensa
foi diminuída, a anistia política e a efervescência do sindicalismo dava os primeiros sinais da
política de “distensão” que o governo militar anunciava.
Em 1980, com o agravamento dos problemas financeiros, a Rede Tupi de Televisão teve
sua concessão cassada pelo governo. Suas emissoras foram divididas entre os grupos Silvio
Santos (TVS, depois SBT) e Adolfo Bloch (Manchete). No final dos anos 1980, o SBT se tornou
vice-líder de audiência com uma programação essencialmente popular. Segundo Mattos (2010),
com o fim da Rede Tupi, a Record juntamente com a TVS (TV Studios) passaram a liderar a
REI (Rede de Emissoras Independentes), composta pelas emissoras que integravam a Tupi e
buscavam sobrevivência no mercado de televisão.
De acordo com Rezende (2000), a produção jornalística não foi uma vocação do SBT,
situação que permaneceu até 1988 quando a emissora lançou o Telejornal Brasil (TJ Brasil)
com Boris Casoy. Foi a primeira produção de destaque no jornalismo da emissora. A atuação
de Casoy deu visibilidade ao noticiário pelas entrevistas e comentários pessoais emitidos pelo
âncora na apresentação do TJ Brasil. O jornalista permaneceu à frente do TJ até 1997, quando
deixou o SBT e foi para a TV Record apresentar o Jornal da Record e o Passando a Limpo,
programa de entrevistas exibido aos domingos.
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Rezende (2000) afirma que o Jornal Nacional da TV Globo foi identificado, por um
longo período, como porta-voz das versões oficiais do governo. O posicionamento do autor é
bastante crítico em relação à linha editorial da emissora, segundo ele, o ponto mais crítico da
atuação do governo de Fernando Collor sobre a Rede Globo se deu com a edição tendenciosa
do último debate entre Collor e Lula, em 1989, em desfavor do segundo. Conforme Rezende,
“[...] a Globo entrava na década de 1990 sem libertar-se da pecha de ser um permanente aliado
do poder dominante” (REZENDE, 2000, p. 130).
O programa do Gugu Liberato foi, segundo Mira (2010), o contra-ataque do SBT à
Globo, já que o Domingão do Faustão superava a audiência do Programa Silvio Santos. Dessa
forma, em 1993, o Gugu Liberato à frente do Domingo Legal levou a fórmula do Viva a Noite,
exibido nos sábados, para as tardes de domingo. De acordo com Mira (2010):
Alguns quadros fizeram com que o programa ficasse também mais picante, como
aquele em que os artistas convidados mergulhavam em trajes de banho numa piscina
de espuma, um tentando deter a saída do outro. Porém a grande novidade do
“Domingo Legal” foi que a partir de 1994 ele começou a entrar ao vivo e a controlar
sua audiência em tempo real. (MIRA, 2010, p. 171)
Durante a década de 1990, a televisão brasileira sobrevive a uma guerra de audiência
entre as maiores emissoras.
A guerra pela audiência entre as principais emissora, com a exibição de programa de
baixo nível, sensacionalistas, e a exploração de violência e sexo passam a ser
debatidos pela sociedade como um todo e pela imprensa, que critica principalmente
os programas de Faustão e Gugu, exibidos aos domingos. (MATTOS, 2010, p. 242)
O Aqui Agora foi outro programa de destaque do jornalismo do SBT. Estreado em maio
de 1991, o noticiário adquiriu prestígio popular. Se consagrou como um programa jornalístico
voltado às classe C, D e E, descrito por Paternostro como “sensacionalista, apelativo, recheado
de reportagens policiais com ação, aventura, flagrantes, denúncias, violência e tensão”
(PATERNOSTRO,1999, p. 37). Conforme Mira (2010), o modelo de jornalismo
sensacionalista que teve grande sucesso na década de 1990, influenciou na proliferação desse
modelo de telejornal nas emissoras brasileiras. Na mesma linha do Aqui Agora, surgiram e se
firmaram programas como Cidade Alerta (Record), Brasil Urgente (Bandeirantes), Repórter
Cidadão (Rede TV!), tendência de noticiário policialesco que se mantém até os dias atuais.
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Em 1997, o programa de auditório de Carlos Massa, o Ratinho Livre estreou na TV
Record. Segundo Mattos (2010), a receita do programa apelava pelo grotesco, com essa fórmula
a emissora atingiu altos índices de audiência no horário nobre, inclusive ultrapassando a Rede
Globo após o encerramento da novela das oito. Com o sucesso de audiência, em 1998, Ratinho
foi contratado pelo SBT, na nova emissora, o programa perdeu o caráter policialesco, adotando
um estilo mais jocoso.
Em agosto de 1999, com o fim da Rede Manchete de Televisão, a Rede TV! passou a
operar na televisão aberta brasileira, substituindo sua antecessora. Na avaliação de Rezende
(2000), na década de 1990 a televisão brasileira apresentou uma tendência à uniformização dos
conteúdos informativos, com noticiários muito parecidos, inclusive na seleção das notícias.
No início dos anos 2000, a Rede Globo lançou o novo formato de programa televisivo,
o No Limite. Conforme aponta Mattos (2010), “encenado por pessoas comuns da vida real, ele
ensaia o gênero reality show que se disseminou pelos anos seguintes” (MATTOS, 2010, p. 254).
Em 2006, através do Decreto 5.820, o presidente Lula definiu o padrão de televisão
digital adotado no Brasil, o sistema japonês. O Decreto ainda determinou as diretrizes da etapa
de transição, que buscou conciliar interatividade, alta definição, além da transmissão digital
para recepção fixa, móvel e portátil (MATTOS, 2010).
Em 27 de setembro de 2007, a TV Record lançou o primeiro canal de notícias da
televisão aberta brasileira, a Record News, que ocupou um canal destinado a retransmissora da
Rede Mulher, substituída pelo canal de notícias a partir da sua inauguração.
Brittos e Simões (2010), fazem um resumo do quadro histórico da televisão brasileira:
De modo retrospectivo, visualizam-se como fases da televisão brasileira: a elitista, de
1950 a 1964; a populista, de 1964 a 1975; a do desenvolvimento tecnológico, de 1975
a 1985; a da transição e da expansão internacional, de 1985 a 1990; e a da globalização
e da TV paga, de 1990 a 2000. A partir de 2000, adentra-se em outra, a fase da
qualidade digital, em transcurso. Dessa forma, nestes sessenta anos, a TV brasileira
passou por grandes transformações, incluindo a introdução do videoteipe e do
processo de produção e transmissão em cores, com o acúmulo de inovações e
direcionando-se a novos padrões de desenvolvimento tecnológico, abrindo
possibilidades de negócios. (BRITTOS; SIMÕES, 2010, p. 221)
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1.2 Características e linguagem
A televisão desfruta de um prestígio que ultrapassa o sentido de um veículo nacional de
comunicação, assumindo, em muitos casos, o papel de único meio de acesso às informações e
entretenimento para grande parte da população. O telejornalismo possui grande relevância
pública porque atinge uma vasta audiência, em grande parte iletrada ou pouco afeita à leitura,
que assiste o telejornal enquanto espera a exibição da novela. (REZENDE, 2000)
De acordo com Rezende (2000), a intimidade do público analfabeto ou semialfabetizado
com a televisão, pelo predomínio da linguagem falada em relação à língua escrita, indica a
intimidade entre linguagem popular e linguagem televisiva, principalmente em novelas e
programas humorísticos. A relação com a oralidade torna a TV um veículo acessível a um vasto
público, isso é possível através da uniformização da linguagem, vista por Rezende como
limitação linguística.
Para Sodré (1977), a homogeneização dos conteúdos culturais é característica da
televisão, com vistas a reduzi-los a modelos aceitáveis pelo público, isto significa a criação de
estereótipos culturais no espaço televisivo. Dessa forma o sistema cria ficções do tipo “homem
médio”, opinião pública”, “gosto popular”.
Sobre o fato de o jornalismo levar a cidadania à população, Rezende (2000) desacredita
que o telejornalismo brasileiro venha cumprindo essa missão social. Segundo ele, as empresas
de mídia se guiam muito mais por interesses mercadológicos, econômicos e políticos, do que
com as necessidades dos cidadãos.
A fórmula adotada pelo sistema comercial é simples: uma maior audiência aumenta o
faturamento publicitário e agrega rentabilidade às empresas de televisão. Tal lógica
de produção sacrifica o telespectador-cidadão e exalta o telespectador-consumidor,
referência básica de toda essa operação mercantil. (REZENDE, 2000, p. 25)
Segundo Sodré (1977), o processo de implantação da TV teve um efeito modernizador,
com impacto dos conteúdos ideológicos metropolitanos sobre comunidades fechadas, com
grande carga pedagógica, capaz de modificar comportamentos e atitudes. Isso significou a
dominação pelo consumo e a discriminação de classes por diferenças de poder aquisitivo.
O mesmo autor ainda explica que a linguagem televisiva simula a relação de
comunicação através de uma “ficção tecnológica”, realizada através do contato direto e pessoal
20
com o telespectador. Dessa forma, o sistema televisivo desenvolve um processo de
“desindividualização”, ou seja, a tentativa de apagar diferenças individuais por meio de uma
linguagem uniformizante do consumo.
Em outras palavras, ideologia não se define como o conjunto dos conteúdos
veiculados pelos meios de informação, mas como a própria informação enquanto
forma unilateral de relação social que separa radicalmente falante do ouvinte, censura
a resposta e torna abstrata a situação concreta dos indivíduos. (SODRÈ, 1977, p. 33)
Nas emissoras comerciais, que são a maioria no Brasil, a programação se baseia no
caráter diversional, o que produz reflexos também no telejornalismo. “Motivada por essa
ideologia do entreter para conquistar maiores níveis de audiência e faturamento, a televisão
privilegia a forma do espetáculo” (REZENDE, 2000, p. 35). Nesse contexto, o comercial de TV
é a referência do discurso televisivo e seu apelo para segurar a audiência.
Ao discutir a estrutura da programação televisiva, Machado (2000) expõe que a noção
de programa perde o sentido com o ritmo do veículo, com a inserção contínua de programas em
sobreposição que, segundo ele, torna indistinguível o que de fato é o programa.
Além disso, os programas de televisão carregam as contradições de terem uma
duração, de um lado, cada vez mais reduzida (spots publicitários, videoclipes, logo de
identidade da rede televisual) e, de outro, cada vez mais dilatada (seriados,
telenovelas). Nos dois casos, o que chamamos de programa resulta numa entidade tão
difícil de ser identificada quanto definida. Nos anos 70, Raymond Williams
questionou o conceito “estático” de programa, por considerar que, na televisão, não
existem unidades fechadas ou acabadas, que possam ser analisadas separadamente do
resto da programação. [...] Por outro lado defendi a ideia de que, em televisão, a
recepção tende a ser cada vez mais fragmentada e heterogênea, em decorrência do
efeito zapping, ou seja, do embaralhamento de todos os canais com o controle remoto.
(MACHADO, 2000, p. 28-29)
Além disso, segundo Rezende (2000), o telejornalismo sofre com a limitação linguística
ocasionada pela escassez de tempo dos telejornais, principalmente os do horário nobre, que são
obrigados a condensar ao máximo o noticiário. Sob o ritmo frenético de imagens encadeadas
em sequência, a televisão não tem espaço para interrupção, um conceito não aceito pelo discurso
televisivo. Mesmo assim, a redundância é um dos traços fundamentais da televisão, usada como
recurso para manter o telespectador ligado à programação.
21
A abordagem de Rezende (2000) aponta que a televisão atribui prioridade aos aspectos
visuais das informações divulgadas, sendo assim, a palavra é vista como elemento
complementar da imagem em um processo de submissão. Ele ainda salienta que apesar de ser
indiscutível o fato de que o telejornalismo prescinde das imagens, nada justifica uma notícia
importante não ser noticiada na televisão por não ter imagem de boa qualidade para acompanhála.
Machado (2000) mostra que a receita básica do telejornalismo é o relato de informações
sobre fatos, resultando, na maior parte das vezes, em depoimentos colhidos pelo repórter no
local do acontecimento, por isso a presença da televisão no local e tempo dos acontecimentos
é a base do jornalismo televisivo.
Mas ao colocar em circulação e em confronto as vozes que “relatam” ou “explicam”
um conflito, ao tentar encaixar as vozes umas “dentro” das outras, o que faz mais
exatamente o telejornal é produzir uma certa desmontagem dos discursos a respeitos
dos acontecimentos. (MACHADO, 2000, p 110)
Segundo Rezende (2000), no discurso televisivo, a palavra tem a função de orientar o
público na interpretação das imagens. Já a clareza e concisão são elementos fundamentais na
TV, pois é necessário levar a informação ao receptor para que ele entenda, sem dificuldades, o
mais rápido possível. O autor identifica que as especificidades da comunicação através da
televisão estão mais próximas da oralidade do que da escrita.
Conforme Dino Pretti (apud REZENDE, 2000, p. 58), “há no ouvinte (telespectador ou
não) uma expectativa para a linguagem oral, com suas repetições, autocorreções, hesitações,
segmentos sintáticos truncados ou abandonados e outras marcas típicas da língua falada”. Sendo
assim, a linguagem televisiva tende a manter a comunicação em tom de conversa. A função
fática da linguagem prevalece na TV. Nesse sentido, os telejornais buscam o uso de termos
coloquiais, próprios da realidade cultural brasileira. O entrosamento sincronizado entre imagem
e palavra são pontos fundamentais da linguagem televisiva.
Segundo Rezende (2000), após a Segunda Guerra Mundial, o jornalismo brasileiro
sofreu a influência do norte-americano no agenciamento de publicidade, modernização
tecnológica, implantação de técnicas jornalísticas, etc. Nesse sentido, os stylebooks ou manuais
de redação norte-americanos, foram responsáveis pela inserção de técnicas como o lead e a
pirâmide invertida como forma de simplificar a comunicação jornalística nas redações
22
brasileiras. Em 1985, a edição do Manual de Telejornalismo da Central Globo de Televisão,
baseado no livro Television News, publicado nos Estados Unidos, significou um marco desse
processo.
1.3 Telejornalismo local
Como demonstrado neste capítulo, a televisão brasileira surgiu e se consolidou como
um empreendimento privado. Durante os governos militares, a televisão serviu ao propósito de
integração nacional do país, o que motivou o investimento do estado nas transmissões por
satélite. De acordo com Jambeiro (2001), a televisão nasceu, na maioria dos países, como uma
instituição local, mas seu caráter foi rapidamente transformado com o surgimento das redes
nacionais, possibilitadas pelo desenvolvimento tecnológico proporcionado pelo videoteipe e
estações repetidoras. “Evoluindo para nacional, começou a ter audiências nacionais e em
consequência programas nacionais, que ocupam hoje quase toda a programação, deixando
somente poucas horas ou mesmo, em certos países, minutos por dia para programas locais”.
(JAMBEIRO, 2001, p. 25)
Rezende (2000) explica que a consolidação dos sistemas de rede, intensificado pela
Rede Globo e seguida pelas demais emissoras, se por um lado permitiu que as grandes empresas
alcançassem o mercado nacional, por outro, sufocou as emissoras regionais. Nesse contexto, a
programação local, especificamente o jornalismo regional, perdeu importância e influência. Já
a participação das notícias regionais nos telejornais de cobertura nacional, ficou restrita a
informações pitorescas ou catastróficas.
Por questões financeiras e mercadológicas, os concessionários de canais de TV se
viram forçados a abandonar suas produções locais e transformaram suas emissoras,
praticamente sem exceção, em meras retransmissoras da programação realizada
invariavelmente no Rio de Janeiro e São Paulo. (REZENDE, 2000, p. 118)
Conforme Paternostro, o modelo de redes de TV vai consolidar “[...] a penetração dos
padrões do eixo Rio-São Paulo em todo o país, uma vez que as sedes das redes se concentravam
nessas cidades” (PATERNOSTRO, 1999, p. 32).
É dessa forma que a televisão brasileira vai legitimar a estrutura de redes de emissoras
que transmitem conteúdo para todas as localidades do país.
23
As redes variam um pouco em termos de estrutura organizacional, mas suas emissoras
“cabeças” desempenham as funções básicas das afiliadas: administram o conjunto,
inclusive em termos de programação; dão suporte técnico, sobretudo o que se refere
à transmissão dos programas da central de produção para as demais emissoras; e
vendem as audiências de toda a rede para os anunciantes. (JAMBEIRO, 2001, p. 108)
Conforme o autor, as emissoras regionais, em sua maioria, estão ligadas a grupos
políticos regionais, além de retransmitirem o conteúdo nacional, ajudam a fortalecer o poder
político e econômico dos seus proprietários por meio de programas locais, principalmente os
jornalísticos.
As redes e suas afiliadas formalizam seus laços econômicos através de um contrato
de afiliação. Nele se estabelece que todas as afiliadas devem ter um comportamento
uniforme e uma programação artística e comercial padrão sob a coordenação única da
“cabeça” do sistema, sediada em São Paulo e Rio de Janeiro. (JAMBEIRO, 2001, p.
109-110)
Dessa forma, cabe à chamada “cabeça” de rede a missão de decidir a programação a ser
exibida por todas as emissoras locais. Ela assume a posição de distribuidora de conteúdo,
comprando audiências locais e regionais e revendendo-as para anunciantes nacionais, com a
divisão do lucro auferido nos intervalos comerciais. A fórmula de redes adotada inicialmente
pelas grandes empresas comerciais, logo foi incorporada pelas demais emissoras brasileiras.
Conforme Coutinho e Fernandes (2007), com programações locais, as emissoras de TV
buscam estabelecer uma ligação de pertencimento com o público. Esse espaço constitui um
repertório comum que envolve dada comunidade, aproximando emissores e receptores através
dos telejornais locais.
Mas essa busca por aproximação com o público não ocorre de um modo ingênuo.
Acarreta em credibilidade do telespectador e como consequência atrai anunciantes
para a emissora. Assim a proximidade pode ser classificada como um valor notícia.
Ao se ver e reconhecer diante do telejornal o público cria uma identidade com a
emissora; que resulta na credibilidade do telejornal; e tem como consequência final a
geração de lucro para a TV, uma vez que atrai os anunciantes locais. (Coutinho apud
COUTINHO; FERNANDES, 2007, p. 6).
Sendo assim, um dos aspectos básicos do telejornalismo local é exatamente o
estabelecimento dos contratos de pertencimento com o público. Torna-se, nas palavras de
Coutinho e Martins (2008, p. 3) “um mediador entre o receptor e a cidade, uma vez que o
24
telespectador se conecta a ela através do telejornal; partilha e assiste pela tela da televisão as
histórias de cidadãos como ele, e que vivem problemas semelhantes aos seus”. Os autores ainda
destacam a importância do telejornalismo na construção da identidade local:
[...] o telejornalismo regional se torna ainda mais importante na construção da
identidade local, na medida em que pode ressaltar – e em alguns casos mesmo resgatar
– a cultura das comunidades às quais se destina, fazendo com que as pessoas se sintam
retratadas, e lembradas, através da TV. (COUTINHO; MARTINS, 2008, p. 15)
Peruzzo (2003) afirma que o espaço local é caracterizado como um lugar específico de
uma região, um espaço familiar em que o indivíduo partilha sentidos, embora a questão
territorial não seja determinante dessa relação.
Ao nosso ver, ao mesmo tempo em que o local indica possuir as dimensões de
proximidade e de familiaridade, ele não permite ser tomado com contornos territoriais
precisos, pelo menos não como conceito universal, principalmente na perspectiva dos
meios de comunicação que, com os avanços tecnológicos, podem se deslocar do local
ao universal num mesmo processo comunicativo. Desse modo, os elos de proximidade
e familiaridade ocorrem muito mais pelos laços de identidades, de interesses e
simbólicas, do que por razões territoriais, ainda que, em algumas situações, a questão
geográfica seja peça importante na configuração da localidade. (PERUZZO, 2003, p.
4)
Nesse sentido, a autora aponta que embora o local esteja sujeito às imposições do global,
ele se mantém a partir das singularidades locais. Segundo Peruzzo (2003), a valorização do
local pelos meios de comunicação comerciais atende a interesses mercadológicos das empresas,
já que com a conquista do público interessado nas informações acerca do cotidiano local, elas
aumentam a verba publicitária proveniente dos anunciantes locais.
Justamente pela percepção de que as pessoas também se interessam pelo que está mais
próximo ou pelo que mais diretamente afeta as suas vidas e não apenas pelos grandes
temas da política, da economia e assim por diante. Elas curtem as benesses trazidas
pela globalização, mas não vivem só do global, que em última instância é uma
abstração. Elas buscam suas raízes e demonstram interesse em valorizar as “coisas”
da comunidade, o patrimônio histórico cultural local e querem saber dos
acontecimentos que ocorrem ao seu redor. (PERUZZO, 2003, p. 5)
Dessa forma, segundo Peruzzo (2003), a grande mídia se regionaliza parcialmente ou
são criados veículos locais, no caso da televisão, emissoras afiliadas, para a conquista de um
25
importante segmento de mercado publicitário local ou regional. A perspectiva de Gomes
(2007), compreende o espaço local como o lugar de identificação do receptor da mensagem
com sua rotina diária. Sendo assim, a autora sugere a existência de uma relação diferenciada do
espectador em relação às notícias locais e globais.
No momento em que a globalização nos atinge com tanto impacto, a cidade, o bairro,
podem ser o lugar em que o sujeito se reconhece. Podemos considerar a cidade como
geradora de um sentimento de pertencimento local, diferente da necessidade
angustiante e nunca satisfeita de se conectar com o mundo. A cidade faz
concretamente parte da vida cotidiana do indivíduo. (GOMES, 2007, p. 22-23)
Esse capítulo buscou discutir a televisão e o telejornalismo brasileiro em seus aspectos
históricos e suas características, assim como o papel assumido pelo telejornalismo no contexto
local. Assim, foram apresentados três aspectos que estão associados ao objeto de análise deste
trabalho: histórico da televisão e do telejornalismo; características e linguagens do meio;
telejornalismo local. No próximo capítulo, serão discutidos os modelos de televisão praticados
dentro e fora da realidade brasileira.
26
2 MODELOS TELEVISIVOS E CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO
Para entender melhor a forma como a televisão surge e é posta em prática na realidade
nacional e internacional, é necessário retomar os princípios que nortearam a implantação da TV
em diversas partes do mundo. Para isso, o presente capítulo traz um panorama dos sistemas
televisivos britânico, norte-americano e brasileiro, com a finalidade de avaliar até que ponto a
adoção de sistemas públicos, comerciais ou mistos interferem nas características dos produtos
desses meios. O objetivo desse capítulo é descrever os três sistemas televisivos citados, com
foco nos sistemas públicos de comunicação de cada realidade, assim como nos marcos
regulatórios estabelecidos em cada país.
Segundo Rothberg (2011), a liberdade de atuação das mídias foi a crença das
democracias liberais como meio suficiente para preservação do direito à informação. Essa
crença logo entrou em choque com a realidade dos mercados de comunicação de massa. Foi
percebido que o mercado das comunicações está sujeito a sérias distorções, sendo necessária a
intervenção das políticas públicas. São citados como aspectos deformadores das mídias:
influência do poder econômico na forma da propriedade privada dos meios de comunicação;
influência política na forma de acesso privilegiado aos centros de decisão pelos proprietários
de mídia; influência cultural; influência dos jornalistas, com restrições ao exercício da profissão
(ROTHBERG, 2011, p. 1-2).
Como aponta Rothberg (2011), em alguns países o processo de regulamentação da mídia
foi expressa em leis e instituições regulatórias, em que o estado criou serviços públicos de
radiodifusão como medida em prol do fortalecimento do jornalismo na manutenção da
democracia. Como será apresentado neste capítulo, o caso do sistema britânico de televisão é
um marco internacional em termos de regulamentação da mídia, que ocorreu de forma bem
sucedida.
Outra afirmação de Rothberg (2011) é bastante explicativa sobre o modelo televisivo
brasileiro que é baseado na lógica comercial. Segundo o autor, com o modelo comercial, o
jornalismo vive em meio aos apelos do espetáculo, sensacionalismo, fragmentação,
superficialidade e tendência ao entretenimento, fatores que comprometem sua legitimidade e
que são apontados como responsáveis pelo desinteresse social em relação à política. O autor
identifica que no caso brasileiro, as emissoras estatais sobrevivem com orçamentos exíguos e
27
sujeitas às determinações dos governos, já a televisão comercial se constitui em um instrumento
privado, do qual não é cobrado nenhum compromisso com a democracia.
2.1 Realidade internacional dos sistemas televisivos
2.1.1 Sistema britânico de televisão
Diferentes concepções moldam os sistemas televisivos pelo mundo. Nesse sentido, o
sistema britânico constitui importante referência no cenário internacional. As obras de Laurindo
Leal Filho são de fundamental importância para os estudos dos sistemas públicos de
comunicação no Brasil e no mundo. Referência básica em língua portuguesa sobre a televisão
britânica, o autor acumula alguns trabalhos sobre o assunto dos quais se destaca "A melhor TV
do mundo, o modelo britânico de televisão", referido no presente trabalho. Laurindo Leal Filho
é professor doutor aposentado da Escola de Artes e Comunicação da USP. Em sua experiência
com televisão pública ele também foi Ouvidor Geral da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
entre 2009 e 2011.
Leal Filho (1999) afirma que o modelo de rádio e televisão da Europa ocidental se baseia
na ideia de que eles são veículos da produção cultural de um povo ou nação, que por esse motivo
não podem sofrer interferências políticas ou comerciais. Essa é a lógica que norteia o sistema
de radiodifusão britânico. Tanto o rádio quanto a televisão são entendidos como
empreendimentos culturais que integram o patrimônio cultural de suas nações. Nesse contexto,
a noção de “serviço público” está associada à existência de uma necessidade da população e os
veículos públicos são mantidos total ou parcialmente pelo próprio público.
Segundo afirma Leal Filho (1999), a BBC, então British Broadcasting Company, surgiu
em 1922 como companhia privada de propriedade de seis empresas ligadas à comercialização
de equipamentos radiofônicos. Até então, a emissora não podia sequer transmitir um boletim
informativo antes das sete da noite, para não competir com o mercado de jornais impressos,
compromisso firmado por meio de acordo com a Associação de Proprietários de Jornais. Em
1926, após fechamento, a BBC é reaberta como uma corporação pública, a British Broadcasting
Corporation.
28
O surgimento da BBC, como empresa, também foi uma maneira de controle da produção
e garantia aos produtores britânicos de equipamentos, inicialmente com o rádio. Segundo Leal
Filho (1999), embora as emissoras públicas buscassem se distinguir do modelo de televisão
estatal implantado no lestes europeu, a autonomia absoluta das emissoras em relação aos
governos nunca existiu de fato. Para ele, o que varia é o nível de interferência. Na maioria das
vezes, as emissoras são dirigidas por conselhos diretores, modelo implantado pela BBC que se
espalhou pelo mundo. O modo como os membros do conselho são escolhidos e o tipo de
financiamento são fatores determinantes do nível de influência do governo sobre as emissoras.
De acordo com Leal Filho (1999), o Conselho Diretor da BBC é indicado por uma ordem
real, com o objetivo de evitar ingerências do executivo na escolha dos nomes, já que a BBC é
um sistema pretensamente autônomo e despolitizado, muito embora sujeito a consultas e
acordos no interior do governo.
O autor lista seis características dos sistemas públicos europeus: “ética da
abrangências”, ou seja, atender a todos os públicos e seus gostos variados; generalidade dos
termos de seus documentos que servem para balizar os objetivos gerais da emissora; a
pluralidade, entendida em diversos aspectos (diversidade da audiência, composição dos
conselhos diretores, etc.); papel cultural das emissoras, tidas como instrumentos de sustentação
e renovação das características culturais básicas da sociedade; alta politização dos serviços
públicos de radiodifusão; serviço público de rádio e televisão consegue se distanciar das forças
de mercado (LEAL FILHO, 1999, p. 23-25).
Segundo Leal Filho (1999), a implantação do sistema público de rádio e televisão da
Europa Ocidental foi influenciada pelos seguintes fatores: inovação tecnológica do rádio; a
vinculação do novo veículo a projetos de caráter nacional; além do contexto político
revolucionário. Esses fatores foram determinantes para a adoção do sistema público.
O estudo de Leal Filho (1999) aponta que entre 1954 e 1984 o duopólio entre o serviço
público, prestado pela BBC, e o sistema independente, com a ITV dividiu a audiência nacional.
A entrada da iniciativa privada no mercado de mídia televisiva na Grã-Bretanha significou a
quebra do monopólio da BBC, mas é importante salientar que esse processo se deu de forma
regulamentada. A televisão independente também teve que incorporar os princípios do sistema
público de televisão. A ITV foi constituída por dezesseis companhias privadas que se mantêm
por meio de verbas publicitárias. As licenças são concedidas pelo governo por um prazo de dez
29
anos e consideram: capacidade técnica das empresas; programação proposta; lance dado no
leilão para concessão.
Segundo Rothberg (2011), em 1982 surgiu o Channel 4, com gestão pública e sustentado
por propaganda comercial, é uma emissora que não gera programas, mas os adquire de mais de
300 produtores de todo o Reino Unido. Em 1997, surgiu o Channel Five com uma programação
voltada ao entretenimento. De acordo com o mesmo autor, os três canais a operarem
comercialmente no período das concessões do sistema analógico de transmissão foram o ITV1,
Channel 4, Channel Five. E os dois canais públicos, mantidos pela licença anual paga pela
população, BBC1 e BBC2.
À diferença do Brasil, no Reino Unido, o uso do espectro eletromagnético é tido como
de grande importância. No Brasil, as emissoras comerciais se portam como produtoras de um
serviço gratuito à população, como proprietárias do espectro e não concessionárias,
permanecendo livres de qualquer tipo de avaliação em termos de sua responsabilização diante
do público. A alta estruturação do sistema público de televisão britânico fez com que a entrada
da televisão comercial aliada à qualidade da programação oferecida pelo sistema público,
servisse como incentivo para que as emissoras comerciais também desenvolvessem conteúdos
de qualidade para atrair os telespectadores. (ROTHBERG, 2011)
De acordo com Leal Filho (1999), a regulação do sistema britânico de televisão e rádio
é um importante aliado no enfrentamento à concentração das empresas de mídia nas mãos de
poucos, lá os donos de jornais impressos não podem deter mais que 20% das ações de TVs e
rádios.
Desde a forma de concessões de canais até o controle da qualidade dos programas, há
mecanismos do Estado atuando. No centro do processo está o Parlamento. É a partir
dele que se estrutura todo o sistema com três órgãos centrais de direção: a British
Broadcasting Corporation (BBC), responsável pelo serviço público; a Independent
Television Commission (ITC), que dirige o setor privado de televisão terrestre, por
cabo e satélite; e a Radio Authority, que controla o rádio comercial. São órgãos
administrados por conselhos diretores nomeados pela rainha, mas indicados pelo
governo. Eles prestam contas ao Parlamento por intermédio do Ministério do
Patrimônio Nacional, responsável pelo setor de rádio e televisão na Grã-Bretanha.
(LEAL FILHO, 1999, p. 35)
Conforme Leal Filho (1999), o sistema privado de televisão controlado por um órgão
governamental, a Independent Television Authority (ITA) – em 1972 denominado Independent
Broadcasting Authority (IBA), e em 1990, Independent Television Comission – é responsável
pela operacionalização e fiscalização do sistema constituído pelas emissoras independentes que
30
constituem a Independent Television Network (ITV). A ITA é uma corporação pública, tal
como uma emissora de televisão, mas que apenas transmite e supervisiona os serviços prestados
por produtores independentes que pagam um aluguel para usar os canais públicos, podendo
vender publicidade. A atuação da ITV se mantém nos limites dos mercados regionais, tendo em
conta também a complementaridade dos conteúdos oferecidos, criando opções de programação
para uma diversidade de públicos.
De acordo com Rothberg (2011), atualmente a BBC possui um total de oito canais de
TV, dez redes de rádio e mais de cinquenta estúdios de produção de rádio e TV, que geram
mais de 400 mil horas de programação por dia. Com o sistema digital, a disponibilização de
canais via Freeview, disponível através do uso de um set-top box, foram lançados em 2003: o
canal BBC3, com programação para o público jovem; o BBC4 com programação cultural mais
densa; o canal de notícias BBC News 24; o BBC Parliament (cobertura do parlamento); e os
infantis Cbeebies (até cinco anos) e CBBC (dos 6 aos 12 anos).
2.1.2 Sistema norte-americano de televisão
De acordo com Silva S. (2009), o sistema de televisão norte americano surge com o
setor privado. Durante a constituição do sistema de radiodifusão norte americano, a participação
do Estado se deu como regulador, mediador de interesses e de conflitos. Segundo Bucci (2010),
o estado atuou na implantação de regras e regulações públicas para evitar a captura do debate
público por interesses privados, já que houve a predominância do investimento privado no setor.
Importante referência do presente trabalho, Eugênio Bucci é professor da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Foi presidente da Radiobrás e vicepresidente de Relações Institucionais da ABEPEC (Associação Brasileira das Emissoras
Públicas Educativas e Culturais) de 2003 a 2007. Entre 2007 e 2010, integrou o Conselho
Curador da Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura de São Paulo. Ele é crítico
de televisão e cultura, sendo colunista de jornais e revistas de grande circulação no país, como
Folha de São Paulo, Veja, Jornal do Brasil, entre outros.
Bucci (2010) identifica que para impedir os monopólios e oligopólios dos meios de
comunicação e garantir a pluralidade das vozes e a concorrência justa entre empresas, foi criada
em 1934 a FCC (Federal Communications Commission). Para o autor, os riscos de contradições
entre mercado e democracia devem estar amparadas em marcos legais que possam regular o
31
mercado e impedir a interferência estatal ou governamental dos conteúdos apresentados ao
público.
Missika e Wolton (2005) afirmam que o desenvolvimento da televisão nos Estados
Unidos se deu após o ataque japonês a Pearl Harbour, em 1941. A situação motivou a entrada
dos americanos na guerra com a mobilização dos seus recursos econômicos e tecnológicos.
Segundo os autores o avanço da TV se deu com a adoção dos sistemas de transmissão VHF e
UHF, que significou o aumento no número de canais disponíveis e melhorias na definição das
imagens. Com a instituição do Federal Communications Commission (FCC), os Estados Unidos
também avançaram na regulação da radiodifusão.
De acordo com Missika e Wolton (2005), é nos Estados Unidos que o mercado
publicitário de televisão cresce mais rapidamente: de 9,8 milhões de dólares em 1948, para 1,5
bilhões em 1960. É também nos EUA que um sistema concorrencial se consolida com a
televisão comercial. Nesse mesmo período, as sondagens e os índices de audiência passam a
definir a programação das emissoras. Sendo assim, a televisão comercial norte-americana,
oferecia uma programação que versava entre concursos, séries, os shows de variedades, as soap
operas, a informação, as campanhas eleitorais e os esportes.
Já o sistema público norte-americano, segundo Silva S. (2009), é composto por uma
complexa teia de organizações atuantes. A mídia pública cobre todo o país com a presença de
estações locais autônomas ligadas a redes nacionais que fazem o intercâmbio da programação
em rede nacional. Existe a Public Broadcasting Service (PBS) e a National Public Radio (NPR).
Outro órgão importante do sistema público dos EUA é a Independent Television Service (ITVS)
que atua como financiadora de produção independente.
Até os anos 1960, as emissoras de rádio e TV operavam predominantemente com
alcance local. Em 1967, o Congresso Nacional norte-americano criou a Corporation for Public
Broadcasting (CPB). A CPB é um órgão com autonomia administrativa que tem como função
receber recursos financeiros, principalmente do fundo governamental e fazer o repasse para o
sistema público, com base em critérios pré-determinados. A finalidade desse órgão é fomentar
a radiodifusão pública, com repasse de recursos para estações, produtoras e distribuidoras que
desenvolvem projetos ligados principalmente à educação.
Segundo Silva S. (2009), além do fundo governamental, a CPB também recebe recursos:
advindos de doações de associações civis; doações de cidadãos; doações de empresas privadas;
e comercialização de conteúdo entre os membros da rede e de outros países. Em 1969, a PBS
32
já operava na distribuição de conteúdo em nível nacional. O autor aponta que as estações locais
não estão subordinadas à PBS e à NPR, na realidade são elas que constituem e comandam as
duas redes. Segundo Silva S. (2009), a estrutura do sistema público está baseada nas estações
locais e organismos supralocais que realizam o funcionamento integrado do sistema.
Cada região ou cidade possui uma emissora afiliada à PBS, na qual são exibidos
programas locais e a programação que é disponibilizada pela PBS, além de conteúdo de outras
redes e produtores independentes nacionais ou estrangeiros. A emissora pública ganha a
dimensão nacional enquanto “marca”, que é adotada pelas emissoras locais afiliadas. É
importante salientar que a PBS não produz conteúdo, apenas seleciona e distribui os conteúdos
ofertados pelas estações produtoras locais. No caso do rádio, a NPR também produz conteúdo.
Conforme Silva S. (2009), existem também as associações em defesa da radiodifusão
pública, que prestam serviços de consultoria e suporte às estações de rádio e TV. A exemplo da
National Association of Broadcasters (NAB), da National Federation of Community
Broadcasters, entre outras. Segundo ele, a característica fundamental do sistema público nos
Estados Unidos é a fragmentação da estrutura de controle, feita pelos gestores das estações
locais, com o gerenciamento da rede feito pela PBS (TV) e NPR (rádio).
2.2 Sistema televisivo brasileiro
Inicialmente há que se considerar as definições que caracterizam o sistema televisivo
brasileiro, composto por emissoras comerciais, educativas e as emissoras estatais, exploradas
diretamente pela União ou mediante autorização para estados e municípios. As emissoras
comerciais são autorizadas a operar os serviços de transmissão por meio de outorga (concessão,
autorização ou permissão), no caso da União isso ocorre através de ato de consignação do canal.
Como consultor legislativo da Câmara dos Deputados nas áreas de ciência, tecnologia,
comunicações e informática, Cláudio Nazareno elaborou, em 2007, um documento intitulado
“A implantação da TV Pública no Brasil”. O documento representa uma grande contribuição
para os estudos sobre a televisão não comercial no país.
De acordo com Nazareno (2007), apesar de não expressar a distinção entre televisão
estatal, comercial e pública, a Constituição Federal diferencia duas designações: “radiodifusão”
e “radiodifusão para fins exclusivamente educativos”. Dessa distinção prevista na lei, pode-se
inferir que todas as emissoras de televisão abertas podem ser enquadradas em uma das
33
categorias, educativas ou não-educativas. A segunda diferenciação é definida entre emissoras
estatais – vinculadas a alguma esfera da Administração Pública – e comerciais – exploradas
pela iniciativa privada, sem interferência estatal, exceto para a outorga do canal. Conforme o
autor:
Entre os radiodifusores, existe ainda a denominação de canais públicos atribuído de
forma equivocada aos canais estatais, aqueles explorados por entidades com origem
em alguma esfera da Administração Pública. A TV Cultura, de São Paulo, também é
constantemente incluída no rol das “TVs públicas”, sendo na verdade um canal estatal
de caráter educativo. Talvez a denominação mais apropriada para denominar essas
entidades seja “emissora do campo público”. (NAZARENO, 2007)
Conforme visto no capítulo 1, a radiodifusão brasileira, baseada no modelo norteamericano, nasce atrelada à iniciativa privada. Na visão de Rothberg (2011), a exploração
comercial da televisão brasileira está associada a um distanciamento em relação aos propósitos
do meio enquanto concessão pública. Já que segundo ele, o modo como o meio televisivo se
porta diante do público, tratado como consumidor e não como cidadão, é bastante elucidativo
sobre como o público entende o papel dos meios de comunicação, assimilado como o
jornalismo praticado pelo modelo comercial.
Segundo Rothberg (2011), a concentração de mídias é uma situação bastante conhecida
no Brasil. A situação gera prejuízos para o público, já que conduz à padronização de conteúdos
e nivelamento de perspectivas ideológicas e formulações estéticas. O autor atesta que quando
os sistemas de televisão e rádio são majoritariamente controlados pelo mercado, as guerras de
audiência estão associadas a programações de baixo nível intelectual. Sendo assim, o grande
número de emissoras acaba se constituindo em poucas opções de escolhas para os
consumidores, já que a programação oferecida é caracteristicamente padronizada.
Matos (2009) faz outras considerações sobre o conteúdo da televisão comercial
brasileira:
O carro–chefe da programação das tevês comerciais são as telenovelas, os telejornais
e os programas de auditório. [...] A TV comercial se encarregou de oferecer ao público
conteúdos arbitrariamente impostos, que manifestam conscientemente a adoção de
valores estéticos, éticos e morais distantes da realidade vivida pela sociedade que
recebe seu sinal. [...] Muitas emissoras comerciais de televisão recorrem à audiometria
para inferir com o que exatamente o público dispende seu tempo. A busca pela
quantificação de um número de aparelhos de tevê ligados em horários determinados
e que, assim, permitem-nas mensurar um número aproximado de pessoas que estejam
assistindo àqueles programas. Esta dimensão inflexível de quantificar para determinar
34
o que é assistido não permite refletir em que medida o telespectador assimila ou torna
explícita escolhas automáticas – produto da oferta invariavelmente das tevês.
(MATOS, 2009, p. 3)
A reflexão de Rothberg (2011) aponta que o princípio liberal da liberdade de
informação, pautado nas ações administradas por empresas privadas, sob o argumento de
protegê-la frente a coerção do estado, esconde a restrição dessa mesma liberdade exercida pelos
interesses das empresas de mídia. Nesse sentido, liberdade de imprensa se confunde com
liberdade de empresa, exercida através da censura privada. O autor complementa que “[...] o
livre mercado de comunicações fornece a informação na medida adequada à formação de
consumidores, e não de cidadãos integrais requeridos para o exercício democrático”
(ROTHBERG, 2011, p. 29).
Conforme Valente (2009), o motivo para o surgimento da televisão pública (estatal) no
Brasil foi a demanda por educação, já que na década de 1960, o país se encontrava em processo
de industrialização e precisava de mão de obra qualificada. Em 1967, o governo militar regulou
a modalidade de TV educativa, através do Decreto-Lei nº 236. No mesmo ano, também foi
criada a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE), órgão de fomento de
programação educativa. A dita radiodifusão pública (do “campo público”) brasileira surge com
a Rádio MEC (Ministério da Educação e Cultura) em 1936 com produção de conteúdo
educativo. Em 1969, o governo do Estado de São Paulo adquiriu a TV Cultura do grupo de
Diários e Emissoras Associados. Nesse mesmo período, teve início a implantação de emissoras
educativas pelos governos estaduais. Sobre a situação da TV Cultura de São Paulo, tida como
experiência mais aproximada do conceito de televisão pública no Brasil, Bucci (2010) aponta
a grande ligação da emissora com os interesses aos governantes estaduais:
Na TV Cultura, dos 44 membros do conselho curador, 22 são eletivos, três, vitalícios,
dezoito, membros natos, e um representa os funcionários da instituição. [...] Na
prática, porém, embora eles sejam minoritários, a liderança do governo é decisiva. O
histórico das principais decisões do conselho comprova que, de um modo ou de outro,
em momentos agudos, a posição prevalecente é aquela patrocinada pelo governo
paulista. (BUCCI, 2010, p. 12)
Valente (2009) afirma que inicialmente o governo federal atuava como produtor de
programas educativos, instituindo em 1972, o Programa Nacional de Teleducação. Em 1975, o
governo passou a operar diretamente as emissoras, com a TVE do Rio de Janeiro iniciando suas
atividades. A Lei nº 6.301 instituiu a Radiobrás, órgão responsável pelos serviços de TV e rádio
35
do governo. Com a finalidade de expandir o sistema de televisão educativa, o governo deu
permissão, através do Decreto nº 96.291, de 1988, e pela Portaria do Ministério das
Comunicações nº 93, de 1989, para que as retransmissoras de TV pudessem veicular 15% de
programação local. Isso facilitou o uso de concessões de televisão por políticos interessados em
veicular conteúdos pautados em seus interesses.
Na década de 1990, a influência da ideologia e da política neoliberal do governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com o enxugamento das estruturas do Estado, a TV
Cultura e a TVE do Rio de Janeiro foram sucateadas, necessitando das verbas publicitárias. A
resposta à crise do sistema público de TV veio com a constituição no ano de 1999 da Rede
Pública de Televisão (RPTV), com grade nacional formada basicamente por produções da TV
Cultura e TVE, com participação de algumas outras emissoras. A iniciativa, da forma que foi
concebida, teve sucesso por aproximadamente dois anos, logo após esse período, as emissoras
estaduais passaram a reproduzir voluntariamente alguns programas das duas emissoras.
(VALENTE, 2009)
Um novo passo para a radiodifusão pública do Brasil foi dado em 2008, quando o
governo federal criou, através da Lei nº 11.652, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC),
empresa pública responsável por gerir as emissoras do executivo, com uma postura
pretensamente pública. Segundo Valente (2009), o surgimento da TV Brasil representou a
tentativa de superar o passado das televisões estatais, associadas ao poder de governantes e
autoridades. A EBC gere três canais de televisão: TV Brasil, NBR – o canal do governo federal
– e a TV Brasil Canal Integración – que transmite conteúdo nacional para a América Latina. A
TV Brasil é considerada a primeira televisão efetivamente pública com abrangência nacional,
com programação voltada ao jornalismo e programas culturais.
A Lei que criou a EBC estabelece que as fontes financeiras da empresa devem vir de
prestações de serviço, doações, distribuição de publicidade legal do poder executivo, apoios
culturais, publicidade institucional, verbas obtidas através de leis de incentivo à cultura e ao
audiovisual. A Lei também criou a “contribuição para o fomento à radiodifusão pública”,
cobrada anualmente aos órgãos de polícia militares, civis e federais e dos corpos de bombeiros.
Do total arrecadado 75% são direcionados para a EBC.
O modelo de gestão da EBC está baseado em quatro instâncias: conselho curador
(responsável por deliberar sobre as diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas);
conselho administrativo; diretoria executiva; conselho fiscal. O conselho curador é formado por
36
vinte e dois membros, sendo dezenove indicados pelo presidente da República, um pela Câmara
dos Deputados, um pelo Congresso Nacional e um pelos trabalhadores da EBC. O Conselho de
administração é constituído por cinco membros, sendo um, o presidente, indicado pela
Secretaria de Comunicação Social do Governo (Secom). O conselho fiscal é formado por três
membros indicados pelo presidente da República, sendo que um deles deve ser membro do
Tesouro Nacional. A diretoria executiva é composta por um diretor presidente, mais os titulares
de cinco diretorias: jornalismo, programação e conteúdos, jurídica, administrativo-financeira e
de serviços. A estrutura institucional ainda conta com uma superintendência de rádio e outra de
rede, responsável pela sessão e repasse de conteúdos com outras emissoras.
Uma questão conflituosa em relação ao modelo de gestão da EBC está relacionado ao
fato de que em todas as quatro instâncias, o presidente da República é responsável pela escolha
dos conselheiros. Segundo Bucci (2010), se comparada com a Radiobrás e a TVE do Rio de
Janeiro, emissoras que deram origem à TV Brasil, ela é bem mais avançada como entidade de
comunicação pública, mesmo assim ainda está sujeita ao poder estatal. Sua estrutura permite
que a presidência da República possa constrangê-la, pressioná-la e enquadrá-la com
instrumento de propaganda. Sobre essa questão, Bucci (2010) comenta:
A gestão é o ponto crítico da fase atual da nossa televisão pública, a qual envolve,
mais precisamente, os três requisitos para a sua independência — natureza jurídica,
padrão de financiamento e modo de gestão. Os cargos não podem estar abertos às
indicações políticas, mas devem ser preenchidos exclusivamente com base em
qualificação, desempenho e perfil”. (BUCCI, 2010, p. 17)
Outro ponto apontado por Bucci (2010) como fragilidade da EBC é a sua vinculação à
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), órgão encarregado
pela assessoria de imprensa do governo, com propósitos distintos do exercício isento da
atividade jornalística.
Ainda sobre a televisão pública brasileira, Nazareno (2007) afirma que:
“[...]os exemplos de outros países do mundo mostram que os canais públicos são
veículos de comunicação com independência administrativa e financeira do Poder
Público. Diferencia-se ainda a televisão pública da estatal por aquela representar
interesses – plurais – da sociedade, não necessariamente alinhados aos do governo”.
(NAZARENO, 2007, p. 5)
37
No caso das TVs Câmara, Senado e Justiça, o modelo administrativo é mais
centralizado, sendo o diretor geral indicado pelo presidente de cada órgão. Já as emissoras
educativas estaduais, cada uma delas possui modelos de gestão distintos. Sobre as TVs Câmara,
Senado e Justiça, a posição de Bucci (2010) é de que elas não são emissoras públicas, já que
servem de meios para a divulgação desses órgãos e não existem como meio de fiscalização
deles pela sociedade.
Esse capítulo buscou apresentar as experiências do Reino Unido, Estados Unidos e
Brasil no tocante à estruturação dos sistemas televisivos. O objetivo principal foi trazer uma
reflexão básica sobre os três modelos televisivos, principalmente em relação ao processo de
constituição da televisão pública e os reflexos sobre o conteúdo produzido. Tendo em conta que
o modelo de televisão comercial carrega muitas similaridades de país para país, buscou-se tratar
basicamente da regulamentação do setor praticada em cada realidade.
38
3 JORNALISMO PÚBLICO E A REALIDADE BRASILEIRA
Entre as diversas denominações atribuídas ao que chamaremos de jornalismo público
(JP), há que se registrar algumas delas: jornalismo comunitário; jornalismo de serviço público;
jornalismo cívico; jornalismo de contato com o público; jornalismo de fonte aberta, entre
outros. Essas denominações são encontradas nas obras de teóricos do jornalismo público como
Nelson Traquina, Márcio Fernandes e Luiz Martins da Silva, com seus escritos em língua
portuguesa. O jornalismo público surgiu nos Estados Unidos e veio a se tornar um movimento
que abalou a imprensa norte americana. O “novo jornalismo”, como coloca Traquina (2001),
nasce do anseio pela reforma da prática jornalística em sua relação com o público.
Em terras brasileiras, o jornalismo público encontra uma realidade muito distinta da
norte-americana. Mas por aqui, pode-se dizer que a imprensa é ainda mais resistente às
transformações advogadas pelo jornalismo público. Mesmo assim, os exemplos de algumas
iniciativas desenvolvidas no país reavivam no meio acadêmico e nos profissionais
conhecedores do assunto, a convicção de que o movimento norte americano ofereceu a base do
que ainda poderá ser chamado de modelo brasileiro de JP. Para o jornalismo público, o papel
social da mídia vai além de apenas noticiar fatos, significa além de informar, também formar
cidadãos capazes de exercer seu papel na democracia.
3.1 Histórico, desenvolvimento e características do Jornalismo Público
As eleições presidenciais dos Estados Unidos em 1988 entraram para a história como
um marco fundamental para o desenvolvimento do jornalismo público. A insatisfação
generalizada da população em relação à cobertura da imprensa norte-americana das eleições,
culminou com o surgimento do movimento na década de 1990. À época, a disputa entre os
candidatos George Bush e Michael Dukakis foi pautada por uma cobertura obsessiva pela
divulgação das pesquisa de intenção de voto e a repercussão gerada em torno disso. Moraes
(2011) identifica que o jornalismo público não surge logo após as eleições, mas serviu como
marco, pois mostrou aos jornais o quanto a cobertura política estava comprometida com os
interesses dos políticos e não dos cidadãos.
39
Conforme Rothberg (2011), a cobertura teria se distanciado das propostas apresentadas
pelos candidatos e focado os motivos pelos quais eles tinham mais ou menos chances de vencer
as eleições. Dessa forma, os bastidores da campanha foram transformados em alvo preferencial
dos jornalistas, que deixavam de destacar enquadramentos temáticos que permitissem maior
entendimento sobre o contexto do quadro político de então. Esse tipo de abordagem, aos moldes
corrida de cavalos, como se refere Traquina (2001), situava os leitores como observadores
distanciados e passivos do debate eleitoral.
Ainda segundo Rothberg (2011), o modelo de cobertura teria alimentado o desinteresse
dos leitores de jornais pela política, afastando-os da participação cívica. O baixo
comparecimento dos eleitores às urnas é apontado como prova do desinteresse coletivo pela
política, tendo em conta que nos Estados Unidos o voto não é obrigatório como no Brasil. A
perspectiva de noticiar os fatos sob a forma de competição traduziu-se na apatia da sociedade
que consumia cada vez menos informações. Essa situação provocou uma queda nas tiragens
dos jornais impressos, motivo pelo qual as práticas de jornalismo público foram inicialmente
encabeçadas pelos veículos impressos, que também foram a base de sustentação do movimento
por muito tempo.
De acordo com dados do Yankelovich Monitor – boletim publicado pela empresa de
consultoria de Daniel Yankelovich e considerada uma das maiores em pesquisas de opinião
pública dos Estados Unidos da época – apresentados por Castilho (1997), a crise de
credibilidade da imprensa norte-americana, na década de 1990, era assustadora. O levantamento
apontou que o índice de confiabilidade dos jornais impressos entre 1988 e 1995, caiu de 51%
para 21%. No caso das revistas esse índice foi de 38% para 14%. O índice de confiança do
público em relação aos noticiários televisivos também sofreu grave redução, passou de 55%
para 23%, entre 1988 e 1995. Segundo aponta Castilho, a queda na credibilidade da imprensa
seguiu a mesma linha da desconfiança da população sobre seus governantes. A conclusão a que
chegaram diversos pesquisadores do assunto foi que os leitores de jornais estavam se sentindo
frustrados com a política nacional, mas permaneciam interessados com as questões locais. É
sob essa perspectiva que o jornalismo público emergiu com a proposta de se aproximar das
comunidades para discutir os assuntos de interesse da população.
Moraes (2011) identifica que a insatisfação do público em relação ao conteúdo
jornalístico produzido, também foi acompanhada pelo crescimento dos movimentos de crítica
da mídia e a atuação das forças progressistas, que aclamavam por mudanças na esfera da
produção jornalística.
40
De acordo com Rothberg (2011), a profissionalização das campanhas dos candidatos
com o uso cada vez maior dos serviços de assessorias de comunicação e marketing foi outro
fator que contribuiu para alimentar a desconfiança do público em relação aos temas políticos.
Os profissionais especializados estiveram empenhados na conquista de visibilidade aos
políticos através da conquista de espaços nos jornais. O autor aponta que o jornalismo público
surge nesse contexto para modificar a relação dos jornais com o público através da oferta de
cobertura diferenciada, “substancial e positiva”, com o sentido de levar a sociedade a conectarse com a política. Complementam Haas e Steiner:
O jornalismo público procura enfrentar sérias rupturas na esfera cívica e o decorrente
declínio no engajamento dos cidadãos nos processos democráticos. De acordo com
seus principais defensores, os jornalistas têm a responsabilidade de alimentar o
compromisso cívico e a participação dos cidadãos; o jornalismo deveria promover, e
até mesmo ajudar a ampliar, a qualidade da vida pública. (Haas; Steiner apud
ROTHBERG, 2011, p. 156)
Para enfrentar a crise de credibilidade vivenciada pela imprensa, o jornalismo público
surge para modificar o quadro de queda da circulação dos jornais, e principalmente, rever as
práticas jornalísticas e seu papel na manutenção da democracia. Segundo Davis Merritt, um dos
percussores do movimento, a relação entre jornalismo e democracia é indissociável:
Numa sociedade de indivíduos dispersos e abarrotados com informação
descontextualizada, uma vida pública efetiva precisa de ter uma informação relevante
que é partilhada por todos, e um lugar para discutir as suas implicações. Somente
jornalistas livres e independentes podem - mas habitualmente não conseguem providenciar estas coisas. Do mesmo modo, a vida pública efetiva requer a atenção e
o envolvimento de cidadãos conscienciosos, que só eles podem providenciar. Por
outro lado, se as pessoas não estão interessadas na vida pública, eles não têm qualquer
necessidade dos jornalistas nem do jornalismo. (Merritt apud TRAQUINA, 2001, p.
177)
Sob essa perspectiva, Merrit destaca a relevância do jornalismo como elemento
catalisador do debate público, responsável por incentivar a participação dos indivíduos na vida
pública. A participação da comunidade tem a finalidade de posicionar leitores e espectadores
como participantes na designação e criação da notícia.
Uma das primeiras propostas em direção ao processo de reformulação do jornalismo,
foi ouvir as pessoas para registrar suas sugestões de temas para serem cobertos nas matérias
jornalísticas, através de pesquisas de opinião e grupos focais. Foi o que fez Davis Merrit, então
41
editor do jornal Wichita Eagle do Kansas e percussor do movimento, ao entrevistar 500
habitantes locais para descobrir os assuntos que lhes preocupavam. As respostas obtidas junto
ao público foram comparadas com respostas e posições dos candidatos nas eleições locais,
estaduais e nacionais de 1990, 1991 e 1992, como expõe Rothberg (2011).
Verykoukis (apud PESSONI, 2005) ao estudar a experiência de Davis Merrit com o
Wichita Eagle afirma que a proximidade entre os jornalistas e as comunidades em que atuam
tem reflexos diretos sobre a qualidade da informação, o interesse do público e revitalização da
vida pública. Essas características seriam elementos distintivos do jornalismo público como
experiência comunitária em relação à forma tradicional de produção das notícias, marcada pelo
distanciamento dos fatos noticiados.
O jornalismo público desacredita no distanciamento dos jornalistas como garantia da
neutralidade jornalística. Segundo Glasser e Craft (apud ROTHBERG, 2011), a missão do
jornalismo está na discussão dos meios para a resolução de problemas, sem indicar soluções
específicas, já que a neutralidade permanece como valor primordial. Sendo assim, o papel do
jornalista deve ir além de noticiar fatos, realizando uma participação ativa na solução dos
problemas da comunidade.
Segundo Schaffer (apud PESSONI, 2005), os defensores do jornalismo público
acreditam ser de responsabilidade dos jornalistas, motivar os cidadãos a pensar e agir, sem
indicar o que pensar ou como agir. Com isso, os jornalistas estariam munindo os cidadãos com
informações que podem ser utilizadas no caminho para a resolução de problemas sociais.
Segundo relata Pessoni (2005), Schaffer entende que o movimento norte-americano passa a
envolver o público em um processo dialógico, buscando examinar onde os membros das
comunidades concordam ou discordam sobre determinado assunto, o que contraria a lógica
convencional em que a imprensa apenas lança os fatos ao público.
As questões sociais e comunitárias estavam entre as maiores preocupações dos
primeiros jornalistas públicos. No contexto norte-americano, a necessidade de motivar os
cidadãos a escolherem candidatos comprometidos com problemas sociais como drogas,
violência e pobreza, foi uma das mais importantes bandeiras do movimento, que agrega ao
público o papel de agente ativo e transformador no estado democrático. Conforme Moraes
(2011), o estreitamento de relações entre jornalistas e cidadãos seria possível através de
alterações nos modos de fazer do jornalismo, ou seja, na própria construção da notícia. Os
42
defensores do movimento acreditam que a ação do jornalista deve envolver a participação dos
cidadãos em novas formas de cobertura jornalística que favoreçam o engajamento cívico.
A consolidação do jornalismo público foi em grande parte motivada pela criação, em
1994, do Pew Center for Civic Journalism. De acordo com Rothberg (2011), relatório do estudo
realizado pelo Pew Center em 2002 aponta que 651 projetos de jornalismo público receberam
apoio da organização desde que foi criada. Fernandes (2008), com base no mesmo documento,
identifica que as campanhas eleitorais foram o ponto de partida do jornalismo público, tendo os
periódicos interioranos como percussores do movimento. A adesão dos jornais das regiões
metropolitanas ocorreu após as primeiras experiências desenvolvidas pelos jornais de menor
circulação. Após as experiências locais e regionalizadas, os veículos maiores se destacaram
com as iniciativas de jornalismo público. O uso de novas tecnologias de transmissão foi
importante para a ampliação do alcance das ações cívicas. Ainda de acordo com Fernandes
(2008) o estudo de Lewis Friedland e Sandy Nichols intitulado Measuring Civic Journalism’s
progress: a report across a decade of activity, identifica que 20% dos jornais norte-americanos
se envolveram de alguma forma em práticas de jornalismo público.
De acordo com Barros (2009), em 1990, Davis Merrit lançou dois projetos para colocar
em prática o novo processo de produção das notícias. Intitulado Where They Stand, o primeiro
projeto tinha a finalidade de aumentar a participação do público nas eleições. Para isso, foi
realizada uma pesquisa de opinião de onde foram extraídos os 10 temas de maior relevância
para a população. Durante 10 semanas, a cada sábado, repórteres do jornal produziram matérias
com abordagens que intentavam compreender todas as questões relativas ao assunto proposto
por meio de análises detalhadas sobre cada tópico. Também era aberto espaço para o debate
com os candidatos, que expressavam suas opiniões sobre assuntos como educação,
desenvolvimento econômico, meio ambiente, agricultura, serviços sociais, violência, etc.
Segundo o mesmo autor, o segundo projeto posto em prática pelo Wichita Eagle,
denominado The People Project: Solving it Ourselves (resolvendo nós mesmos), tinha o
objetivo de buscar soluções para problemas sociais como deficiência das escolas, aumento da
criminalidade, relações políticas, etc. O projeto contou com a participação de uma emissora
local de rádio e televisão, incluindo os cidadãos como atores centrais no debate de ideias para
a realização de ações concretas em torno do bem comum.
Barros (2009) ainda descreve outros projetos desenvolvidos por jornais como o The
Charlotte Observer (Carolina do Norte) também pertencente ao grupo Knight Ridder
43
Newspaper, proprietário do Wichita Eagle. Através de uma parceria entre o Poynter Institute
for Media Studies e a emissora de televisão WSOC-TV (afiliada da ABC), o projeto realizou
sondagem com o público sobre as questões de interesse dos cidadãos com a finalidade de formar
uma agenda cidadã. Outro veículo do grupo Knight Ridder, o Columbus Ledge Enquirer
desenvolveu projeto similar com o nome “Columbus para além dos 2000”, com resultados que
repercutiram na mudança de postura do jornal que passou a atuar como ativista em defesa da
população.
Fernandes (2008) lembra que apesar do jornalismo público ter surgido com uma estreita
ligação com a política, sua área de abrangência alcançou outros segmentos associados ao
interesse coletivo. O levantamento de Friedland e Nichols traz diversos exemplos de projetos
de jornalismo público que envolveram outras temáticas:
1. Os jornais The Binghamton Press e Sun Bulletin organizaram em 1996 o projeto
Facing our future, para estimular suas comunidades a pensar como poderiam, por si
próprios, evitar um provável colapso da economia regional nas próximas décadas e
depender menos das oscilações da economia nacional; 2. No programa The new city:
la nueva ciudad, instituído em 1998, o diário The San Francisco Examiner, um dos
mais importantes da Costa Oeste americana, trata de explorar questões raciais e
étnicas e como elas podem ser minimizadas; 3. Em 2001, o diário da cidade de Everett
(Estado de Washington) Herald criou o programa Waterfront renaissance, tendo o
game The Sim City como base. Por meio dele, moradores locais puderam ter vez sobre
como querem que seja sua cidade no futuro. Um mapa futurístico e interativo foi
criado pelo jornal a partir das sugestões dos habitantes; 4. Em New Hampshire, o
Nashua Telegraph juntou-se com a emissora New Hampshire Public Radio e com
ONGs para criar o projeto New Hampshire tax challenge. A proposta, nascida em
1998, consistia em implantar um simulador on line (na Internet) para que qualquer
pessoa pudesse verificar como eventuais novos impostos poderiam afetar suas
finanças pessoais (ou de uma comunidade) mesmo antes de serem aprovados
oficialmente. (Friedland e Nichols apud FERNANDES, 2008, p. 634-635)
O Pew Center permaneceu em operação até o ano de 2003, ano em que a organização
teve suas atividades encerradas. Em aproximadamente dez anos, a jornalista Jan Schaffer esteve
à frente do Pew Center. Foi investido um total de 12 milhões de dólares em estudos, pesquisas,
fóruns, treinamentos e capacitação de jornalistas com mais de 120 projetos de jornalismo
público, conforme expõem Silva e Schaffer (apud BARROS, 2009, p. 12).
Rothberg (2011) enumera algumas transformações perseguidas pelo jornalismo público
na construção das notícias: mais interação com o público; menor uso de fontes oficiais, tendo
em conta a agenda dos cidadãos; referência à política como jogo substituída por abordagens das
consequências da política para as comunidades; quadro de causas e consequências preenchido
44
com a oferta de soluções alternativas; informações mais contextualizadas, evitando a
divulgação de fatos fora de contexto; o público percebido como um grupo de cidadãos ativos.
Os projetos de jornalismo público foram desenvolvidos desde o fim da década de 1980.
Com grande variedade temática, os projetos trataram de problemáticas que afligiam o meio
social, como racismo, violência, desigualdade, pobreza, etc. A duração desses projetos variava
de curto, médio ou longo prazo. A expansão da corrente do jornalismo público foi acompanhada
por mudanças na postura dos jornalistas que se destacavam da posição de observadores
distanciados para buscar as questões de interesse dos cidadãos.
De acordo com Moraes (2011), isso significa também dar legitimidade à voz dos
indivíduos por meio da construção do relato noticioso capaz de traduzir opiniões expressas
pelos diversos atores sociais, diminuindo o peso exercido pelas fontes oficiais no relato,
característica do jornalismo convencional. Isso representa não só a máxima de apresentar os
dois lados da questão, mas sim, situar as múltiplas possibilidades que o fato pode apresentar. O
autor ainda aponta que os projetos visavam auxiliar os moradores a encontrar meios para
resolução de problemas de ordem social, além de promover a organização de espaços para a
discussão pública, como fóruns e mesas redondas.
Pena (2005), aponta que o ideal da objetividade jornalística tem base na teoria do
espelho. Defendida pelos jornalistas até os dias atuais, essa teoria defende que as notícias são a
representação fidedigna da realidade, tal como o reflexo da imagem no espelho, por sua vez, os
jornalistas são vistos como observadores neutros que utilizam da técnica para produzir relatos
sobre os fatos sem qualquer tipo de interferência. Com base nessa teoria, o lead jornalístico e
seu ideal de objetividade se tornou o principal modelo para a construção da notícia. Segundo o
autor, a teoria do espelho é defendida pela comunidade jornalística porque concede legitimidade
e credibilidade aos jornalistas.
Ainda sobre a objetividade jornalística, Pena (2005) aponta que a noção de objetividade
tomada por algumas interpretações, como a da teoria do espelho, entendem como em oposição
à subjetividade. “A objetividade é definida em oposição à subjetividade, o que é um grande
erro, pois ela surge não para negá-la, mas sim por reconhecer a sua inevitabilidade” (PENA,
2005, p. 50). Dessa forma o autor aponta que a objetividade tem relação com o método que
busca assegurar rigor científico às informações reportadas.
É sobre a postura de distanciamento proposta pelo jornalismo desde sua consolidação
no seio das grandes empresas de comunicação, durante o século XX, que o jornalismo público
45
sugere mudanças. Para Jay Rosen (apud BORGES, 2009), o conceito de objetividade tem
relação direta com o distanciamento entre os jornalistas e a vida pública, já que é elemento
central de autonomização do campo profissional. O autor propõe que esse afastamento deve ser
substituído em nome de uma nova teoria de credibilidade, em que os jornalistas assumam o
compromisso com a melhoria da qualidade da vida pública, em prol de sua revitalização. “Ao
decretarem ‘um fim à sua neutralidade’ (Rosen, 2003: 84), os jornalistas públicos redefinem a
sua função social como a arte de fazer a democracia funcionar” (BORGES, 2009, p. 97).
Merrit (apud MORAES, 2011) acredita que a prática do jornalismo público não se
resume ao uso de algumas técnicas de forma desordenada, mas a aplicação sistemática de
muitas dessas técnicas por um período de tempo em que possa promover mudanças na forma
de fazer jornalismo pela mídia. Com base em estudos desenvolvidos em projetos de jornalismo
público, Haas lista as mais importantes diferenças do jornalismo público em relação ao
jornalismo convencional:
1- matérias são mais longas, escritas por membros da redação e localmente orientadas;
2- focam mais atenção em questões substantivas de orientação política do que em
eventos políticos isolados; 3- relatam mais sobre soluções para os problemas
investigados; 4- enfatizam as posições dos candidatos referentes a questões públicas,
qualificação para o cargo público e registro de sua orientação política; 5- diminuem a
ênfase nos eventos e estratégias de campanha dos candidatos e nas suas técnicas de
gerenciamento de imagem; 6- retratam menos cobertura com enquadramento do tipo
corrida de cavalo e análises de pesquisas de intenção de voto, com foco em “quem
está à frente e quem está atrás”. (Haas apud MORAES, 2011, p. 62)
Apesar da grande força alcançada pelo jornalismo público em todo o percurso histórico,
suas propostas bateram de frente com os interesses das grandes empresas de mídia. No período
de maior ascendência do movimento, na década de 1990, jornais praticantes do jornalismo
público tiveram uma ampliação considerável do alcance público. Isso gerou insatisfação da tida
imprensa tradicional, acompanhada de críticas que questionaram legitimidade do movimento.
Conforme Luís Martins Silva, as críticas se baseiam:
[...] no pressuposto de que a função essencial do jornalismo é a cobertura dos fatos, o
que, em si, já constituiria a sua função pública, não devendo a mesma extrapolar para
atividades relacionadas com políticas públicas, sendo estas atribuições do Estado ou
da sociedade civil, por meio de suas instituições. Ao repórter, o mesmo modo, caberia
tão somente reportar os problemas e não se imiscuir na busca de suas soluções (apud
BARROS, 2009, p. 29).
46
Com base na interpretação de diversas definições dadas ao jornalismo público, Cervi,
Massuchin e Engelbrecht (2010) identificam que as premissas básicas do movimento se
resumem na reformulação do processo produtivo das notícias, com a finalidade de promover a
participação do público. Segundo os autores, essa reformulação atingiria os conteúdos
jornalísticos de modo a transformá-los em instrumento dos cidadãos para a deliberação pública.
Essa relação substituiria a ação autoritária e vertical dos meios de comunicação, realizada pelo
jornalismo convencional, na definição dos conteúdos apresentados ao público. Com isso, o
autor critica a postura dos veículos de mídia convencionais que, segundo ele, apresentam
critérios próprios de noticiabiliadade, a partir dos quais jornalistas e editores escolhem os
assuntos de relevância pública. Para Cervi, Massuchin e Engelbrecht (2010, p. 128) “o processo
de seleção das notícias incorpora um conjunto de critérios dos produtores que levam em
consideração as supostas necessidades dos consumidores”.
Rothberg (2011) reúne em sua obra intitulada Jornalismo Público, as críticas elevadas
por diversos autores sobre o movimento nos Estados Unidos. O autor retoma as bases do
jornalismo norte-americano com a visão de Joseph Pulitzer ao afirmar que a imprensa teria a
missão de apresentar fatos que não estariam disponíveis às pessoas comuns, sendo descabido
uso de pesquisas para averiguação das preferências do público sobre o que seria apresentado.
Outro ponto mostrado por Rothberg diz respeito à possibilidade de existirem interesses
escondidos sob o manto de “interesses da comunidade”, que segundo ele, criaria um novo tipo
de submissão ao poder econômico e político.
Glasser (apud ROTHBERG, 2011) aponta que delegar ao público a definição da agenda
jornalística seria outro erro do jornalismo público. O movimento defende a participação do
público na escolha das pautas, no entanto, isso pressupõe que esse público tenha uma visão
clara e ampla sobre os assuntos, situação bem distante da realidade. O autor questiona os
critérios de seleção da notícia operadas pelas técnicas de jornalismo convencional, mas acredita
que transferir a tarefa ao público não seria uma saída.
Rothberg (2011) coloca que o jornalismo público apela para uma noção de comunidade
muito aquém da realidade. Com base no pensamento de Schudson (1999), ele argumenta que o
sentido de comunidade, percebido em sua abrangência local choca com a dinâmica da vida
pública que cada vez mais se distancia das bases geográficas. Sendo assim, defende que a
melhor alternativa seria que cada veículo de comunicação deveria apresentar suas crenças
políticas e escolhas editorias, de modo que o público pudesse entender o motivo pelo qual uma
informação recebeu mais destaque do que outra, por exemplo.
47
Em uma leitura do pensamento de Fraser, Borges (2009, p. 100) afirma que conceber
comunidade como sinônimo de vizinhança é ignorar as tensões existentes dentro da própria
diversidade comunitária (de classe social ou gênero, por exemplo), tendo em conta as relações
sociais de dominação e subordinação.
Seguindo a lógica de pensamento dos principais críticos do jornalismo público,
Rothberg questiona as reais possibilidade do movimento em oferecer um espaço de discussão
igualitário voltado à busca do interesse comum:
Neste contexto, o “senso comum”, em tese valorizado também pelo jornalismo
público, alimenta-se das crenças das camadas médias, em geral rasamente informadas
e marcadas por todo tipo de preconceito. Assim, é um obstáculo a ser efetivamente
removido e não defendido pelo jornalismo que se pretende democrático.
(ROTHBERG, 2011, p. 180)
Dessa forma, o mesmo autor ainda aponta que o jornalismo público coloca os
tradicionais critérios de noticiabilidade como desfavoráveis à luta dos movimentos sociais, já
que, segundo essa ótica, serviriam aos interesses dos grupos hegemônicos. Por outro lado, os
grupos de discussão seriam suscetíveis aos interesses das elites, tendo em conta que se baseia
na ideia de senso comum para o apaziguamento de conflitos.
Woodstock (apud PESSONI, 2005) expõe alguns questionamentos sobre a proposta de
jornalismo público que, segundo ele, apresentaria algumas contradições. Mesmo que o
jornalismo tradicional e público venham a se constituir como dois opostos, a corrente pública
deve, segundo o autor:
[...] coincidir com, não suplantar, o trabalho tradicional das redações... O jornalismo
público clama por um jornalismo ativo e é rapidamente interpretado por jornalistas
como um chamado para o ativismo em si. Como pode um jornalista como
solucionador de problemas continuar como observador crítico e, inversamente, como
pode o observador detalhista redefinir as notícias de acordo com a demanda do
público? (Woodstock apud PESSONI, 2005, p. 67)
A tentativa de resposta aos questionamentos de Woodstock é apresentada por Pessoni por meio
dos escritos de Rosen, um dos expoentes do jornalismo público:
[...] o movimento do jornalismo público foi uma tentativa de reparar as conexões vitais
entre cidadãos, a imprensa e a vida pública. Eu disse foi, mas ainda é, por isso é
impossível saber para onde essa jornada vai. Sem algo como isso vivo na profissão,
48
jornalistas irão deixar o barco correr em direção a um novo século, incertos sobre o
que eles desejam fazer com ele. (Rosen apud PESSONI, 2005, p. 67)
Com base em artigo publicado pelo teórico do jornalismo público Leonard Witt em
2004, Barros (2009) mostra como o movimento público nos Estados Unidos se entrecruza com
o “Jornalismo Colaborativo” – que defende a participação do cidadão comum no fornecimento
de material informativo às redações – e o “Jornalismo Participativo” (ou Cidadão) – defensor
da ideia de que qualquer cidadão pode produzir material informativo sem a interferência de um
profissional da área. O artigo de Witt ainda aponta que o fechamento do Pew Center for Civic
Journalism representou uma baixa para o movimento, já que sem o financiamento da
organização diversos projetos foram encerrados.
De acordo com Barros (2009), o artigo de Witt ainda conta que o interesse dos adeptos
do jornalismo público fez com que o movimento encontrasse novos horizontes. O autor afirma
que em 2003, um grupo formado por 24 jornalistas, entre eles, Rosen, Merritt e Schaffer,
constituiu a sociedade profissional de educadores e jornalistas, a PJNet – Public Journalism
Network (Rede de Jornalismo Público). Conforme relato de Witt, extraído do trabalho de
Barros:
Na verdade, o jornalismo público está diariamente nas manchetes de jornais como o
Savannah Morning News, em histórias cheias com as vozes de gente real e boxes
dizendo aos leitores como se envolver ou aprender mais sobre os assuntos discutidos.
O Jornalismo Público também sobrevive em projetos especiais, tais como
“Construindo a nova economia de Wisconsin”, no qual o Wisconsin State Journal e
vinte outros jornais menores espalhados por todo o estado se comprometeram por dois
anos a se engajarem nas discussões públicas sobre o desenvolvimento econômico
estadual. Vive, ainda, todas as vezes que um editor empurra um repórter a buscar
maior diversidade de fontes, ou a pesquisar verdades tanto no meio quanto nos
extremos. Vive todas as vezes que pequenos jornais abrem canais para leitores e
espectadores para responder aos jornalistas, como o The New York Times fez quando
anunciou sua intenção de contratar um ombudsman (Witt apud BARROS, 2009, p.
33).
Dessa forma, o legado do jornalismo público deixou importantes contribuições para os
mais diversos veículos de comunicação. Se nos Estados Unidos esse movimento mobilizou
grande parte da imprensa, no Brasil o jornalismo público é pouco conhecido, inclusive pelo
meio acadêmico, tendo em conta o pequeno número de obras que tratam sobre o assunto que
será discutido no próximo tópico.
49
3.2 - A experiência brasileira do Jornalismo Público
O sucesso da experiência americana de jornalismo público fez com que esse movimento
também ganhasse notoriedade internacional. Barros (2009) expõe que no primeiro momento, a
entrada do jornalismo público em outros países se deu com a compilação integral do modelo
americano. No entanto, diante das peculiaridades culturais de cada país, as ideias e conceitos
do movimento foram se adequando a realidades específicas.
No caso brasileiro, Ferreira (2008) identifica a existência desse comportamento no
campo da produção científica sobre jornalismo público:
Os autores brasileiros traduziram as principais características americanas da prática
do jornalismo público e as divulgaram, como premissas para a prática no Brasil, em
suas obras bibliográficas. Esqueceram, no entanto, que as realidades sociais dos dois
países são completamente diferentes. Se, nos Estados Unidos, civic journalism surgiu
para conscientizar o cidadão da importância do voto, pelo fato de ser facultativo, no
Brasil, o voto é obrigatório, porém a conscientização é para a escolha de um candidato
honesto e comprometido com os interesses públicos, o que é raridade. (FERREIRA,
2008, p. 17)
O modelo do jornalismo público norte-americano influenciou fortemente a imprensa
brasileira. Silva (2004), atenta para o fato de que no Brasil o movimento surge com
características próprias. Segundo ele, na realidade brasileira, não houve intenções e ações que
objetivassem fundar uma categoria jornalística.
Barros (2009) assinala que algumas práticas já consagradas do jornalismo brasileiro –
como a prestação de serviços – foram absorvidas como o modo de fazer jornalismo público no
Brasil. O mesmo autor elenca um conjunto de elementos que acredita ser a base das diretrizes
do jornalismo público brasileiro:
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania; b)
Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo; c) Estimular a
participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos de interatividade; d)
Atentar para a responsabilidade social; e) Evidenciar a capacidade resolutiva da
sociedade com exemplos de boas práticas de determinados grupos ou indivíduos.
(BARROS, 2009, p. 41)
Segundo Silva (2004), o que tem caracterizado o jornalismo público é a agregação aos
valores-notícia tradicionais de elementos de análise e orientação do público (endereços,
50
telefones úteis, sites, etc.). Isso significa fornecer instruções, roteiros e procedimentos para a
resolução dos problemas apresentados pelos fatos e suas consequências.
Um fator fundamental para explicar a prática do jornalismo público no Brasil é entender
que o provável modelo nacional também tem forte ligação com a inclusão de questões sociais
ou de cidadania na pauta jornalística. Conforme comenta Silva:
Investir no social vem sendo encarado pelo capitalismo moderno como um bom
negócio. [...] Tal como o empresariado de modo geral, as empresas de mídia no Brasil
têm-se mostrado significativamente abertas aos projetos de “cidadania empresarial” e
que, no seu caso, pode não significar, necessariamente, o dispêndio de recursos
financeiros, mas a concessão de espaços às “boas notícias”, ou seja, a cobertura de
ações sociais relacionadas com o voluntariado, o combate à fome, ao analfabetismo e
à proteção da criança. (SILVA, 2004, p. 13)
De acordo com Garcia (2011), o jornalismo público começa a despontar no cenário
midiático brasileiro por volta dos anos 2000, com iniciativas de algumas emissoras públicas de
TV nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Palmas, Ceará e Minas Gerais. Os telejornais
dessas emissoras passaram a levantar discussões mais aprofundadas nas matérias, buscando
esclarecer os temas abordados e complementá-los com outras informações.
Segundo o jornalista Luciano Costa, em texto publicado no site Observatório da
Imprensa, a realidade brasileira impõe sérias restrições à adoção do jornalismo público.
A imprensa brasileira nada tem em comum com os princípios do jornalismo cívico. É
uma instituição conservadora, avessa a qualquer insinuação de abertura para
ingerências externas. Confunde crítica com limitação de liberdade e reage, com todo
peso da influência que ainda lhe resta, contra qualquer reclamo de mais transparência
em seus procedimentos. A simples leitura de cartas de leitores descontentes provoca
dores de barriga em muitos editores. (COSTA, 2004)
Mesmo assim, Garcia (2011) percebe que a grande imprensa brasileira, aos poucos vem
trazendo novas formas de se relacionar com o público. Ela cita o exemplo da Rede Globo com
a reformulação dos seus telejornais regionais em um formato de jornalismo comunitário (como
é denominado). Essa mudança representa na prática o uso da prestação de serviço de forma
mais enfática, assim como a criação e apoio a campanhas sociais e comunitárias, além da
promoção de debates sobre problemas enfrentados pelas cidades.
Em se tratando de jornalismo público, Garcia (2011) acredita que a televisão pública
(estatal) possivelmente tem maior possibilidade de atender ao que é proposto. Segundo ela, isso
51
seria justificado pelo fato de que as emissoras públicas – nesse grupo se incluiriam as emissoras
não-comerciais como um todo – se preocupam mais com a qualidade da programação do que
com a audiência, já que não se submetem aos imperativos mercadológicos da TV comercial.
Segundo Silva (2004), existe uma confusão gerada em torno das terminologias
jornalismo público e “setor público”, que no Brasil é fortemente associado com as esferas
estatal e governamental. Daí que surge a maior imprecisão em relação ao jornalismo público,
sua ligação com um tipo de produção jornalística de emissoras estatais, que estariam vinculadas
aos interesses dos governantes. De fato, é uma associação errônea, já que uma das premissas
básicas do jornalismo público é estar ao lado do público, em busca de caminhos para a resolução
de problemas sociais, inclusive na cobrança dos direitos dos cidadãos frente aos governantes.
Além disso, a prática do jornalismo público não está restrita às emissoras não-comerciais, como
demonstrado anteriormente, algumas experiências da mídia comercial indicam as
potencialidades dos meios de comunicação como um todo em oferecer conteúdos compatíveis
com os interesses do público.
Um dos exemplos mais usados para ilustrar o jornalismo público no Brasil é o projeto
desenvolvido pelo Correio Braziliense, no Distrito Federal. A Campanha Paz no Trânsito foi
lançada em 1997 e tem o objetivo de mobilizar a população a mudar o quadro de mortes no
trânsito do Distrito Federal e incentivar o uso da faixa de pedestres. “A campanha conseguiu
reduzir o número de mortes em acidentes de trânsito de Brasília, de 11 mortos por 10 mil
veículos, para 6,5 mortos por 10 mil veículos, até o final de 1998” (Muarrek apud Ferreira,
2008). Através de uma cobertura temática sobre o assunto, o Correio Braziliense se colocou
junto à população em busca de melhorias no espaço urbano, promovendo práticas educativas
através de suas publicações.
Ferreira (2008) cita um conjunto de procedimentos sistemáticos adotados pelo jornal em
prol da campanha:
[...] levantamento de estatístico nos órgãos de trânsito e nos hospitais da cidade, sobre
as mortes no trânsito no Distrito Federal; acompanhamento sistemático do trânsito na
capital, até mesmo os acidentes sem vítimas de morte eram manchetes; insistência
para obter resultados concretos na redução do número de vítimas em acidentes de
trânsito; cobrança sistemática em cima do Governo do Distrito Federal para que
tomasse medidas, seja de engenharia de trânsito seja de educação no trânsito; adoção
do tema Paz no Trânsito como algo cotidiano e consciente na vida de cada cidadão; e
recrutamento para mobilização. (FERREIRA, 2008, p. 21-22)
52
De acordo com a mesma autora, a campanha Paz no Trânsito aumentou o número de
leitores do Correio Braziliense, além de ter promovido a credibilidade do jornal como um
veículo comprometido com a comunidade.
Outro exemplo de muita relevância para compreensão do jornalismo público no Brasil
é o caso da TV Cultura de São Paulo. Conforme mostra Garcia (2011), desde o ano 2000 a
Cultura, emissora estatal, adotou um modelo de telejornalismo voltado à reflexão e debate sobre
temas de interesse social. Ela enumera algumas transformações promovidas pela emissora
durante o processo de reformulação do seu telejornalismo:
Sua ideia é adotar a redução da carga de informação; a ampliação do tempo de
discussão e aprofundamento nos temas debatidos; o envolvimento da sociedade civil
como fonte; além da coibição do grotesco e do supérfluo em suas pautas, propondo
um equilíbrio no uso das imagens como tônica da proposta de newsmaking do
jornalismo público. (GARCIA, 2011, p. 139)
Segundo a mesma autora, a proposta da TV Cultura tinha a finalidade de exercer o papel
de formador do espírito crítico da população. Para isso, deixava-se de priorizar o papel de
informante dos acontecimentos para atuar em parceria com a sociedade em ações de cidadania.
Sendo assim, a emissora realizou a reformulação de sua grade de programação, seguindo a
proposta de desenvolver um jornalismo mais analítico. Nesse caminho, em 2004 foi lançado o
Guia de Princípios do Jornalismo Público da TV Cultura.
A análise de Garcia (2011) dá conta de que o jornalismo da emissora “não vem
conseguindo ser público, nem, em grande parte do tempo, reflexivo, nem sequer atraente” (p.
200). Segundo a autora, as limitações de ordem financeira da emissora que recebe verbas do
Governo de São Paulo, é um dos principais empecilhos para a realização de uma proposta de
jornalismo público. O resultado da dependência de recursos financeiros é que a Cultura
permanece sujeita a interesses políticos do seu principal financiador. Mesmo com todas as
restrições em relação à TV Cultura, pode-se dizer que sua proposta serve como parâmetro para
entender o jornalismo público no Brasil no contexto das emissoras não-comerciais.
A atividade jornalística é um espaço em que a informação divide lugar com os interesses
particulares advindos de todas as partes. É certo que o exercício do jornalismo público não
pretende livrar o profissional dos jogos de poder, pelo contrário, reivindica uma postura crítica,
ainda mais conjugada com os interesses sociais. Isso significa que o jornalista deve se portar
53
como a voz da sociedade, por meio da qual o cidadão comum poderia envolver-se no debate
público.
Nesse contexto, conforme Barcellos e Alvetti (2007), os jornalistas precisariam
desenvolver uma nova mentalidade na construção da notícia. Isso incluiria a resistência a
procedimentos largamente utilizados na prática diária das redações brasileiras, prática essa,
baseada em um jornalismo reprodutor dos discursos de fontes oficiais, das assessorias de
comunicação, de personagens de destaque do mundo político e econômico, por vezes,
referendados pelos interesses das grandes corporações de mídia. Embora o jornalismo público
seja um caminho ainda pouco explorado pelo jornalismo brasileiro, pode-se dizer que as ideias
e concepções formuladas em torno das especificidades nacionais, se acolhidas pelas empresas
de comunicação, conduzirão ao aperfeiçoamento da prática profissional no país, principalmente
na relação com o público.
54
4 ANÁLISE DE CONTEÚDO: O JORNALISMO PÚBLICO NO CONEXÃO APERIPÊ
O objeto de estudo da presente pesquisa, o Conexão Aperipê, é um telejornal produzido
por uma emissora estatal pertencente ao Governo do Estado de Sergipe, a Aperipê TV. Para
compreender melhor o contexto e o papel da emissora no estado, será necessário fazer uma
breve apresentação do mercado de televisão aberta em Sergipe. O estudo realizado pelo
jornalista Luciano Correia dos Santos intitulado “TV Caju e TV Cidade: o conteúdo local no
mercado de TV por assinatura em Aracaju”, será a principal referência utilizada nessa parte do
trabalho. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Luciano Correia atualmente é diretor presidente da Fundação Aperipê.
O mercado de TV aberta em Sergipe é formado por um reduzido número de canais. A
TV Sergipe, surgida em 1971, afiliada da Rede Globo; TV Atalaia (1975), ex Tupi, SBT e
atualmente Record; TV Canção Nova, emissora religiosa católica, ex TV Jornal; Aperipê TV,
emissora estatal e educativa inaugurada na década de 1980.
O surgimento da TV em Sergipe esteve ligado ao progresso vivenciado pelo estado nos
anos 1960, motivado pela industrialização. “Começava também a surgir uma classe média
economicamente forte, que fez crescer o comércio e a demanda pelo novo objeto de consumo
em meados dos anos 60, a televisão” (SANTOS, 2011, p. 149). Ainda na mesma década,
Sergipe recebia as imagens da TV Jornal do Comércio de Pernambuco através de uma
repetidora instalada em Aracaju.
Como explica Santos (2011), em 15 de novembro de 1971, foi inaugurada a primeira
emissora sergipana, a TV Sergipe canal 4. Inicialmente a emissora ainda não era associada às
redes nacionais, sendo assim, transmitia programação própria, com um misto de noticiários,
programas de auditório, músicas e filmes, comprados ou cedidos por produtores ou
organizações culturais. Também em 1971 a TV Sergipe se afiliou à Rede Tupi de Televisão e
em 1973 integrou-se à Rede Globo.
A TV Atalaia surgiu em 17 de maio de 1975, sendo retransmissora da Rede Tupi até
pouco tempo antes de sua dissolução. Em seguida foi afiliada à Rede Bandeirantes, SBT e,
atualmente, Record. A TV Atalaia sempre contou com a programação local mais ampla em
virtude da sua ligação com redes mais flexíveis. Seu fundador foi o também dono da TV
Sergipe, o ex-governador Augusto Franco. Atualmente ela é administrada por seu filho Walter
Franco. Já a TV Sergipe é gerida por Albano Franco, que também foi governador do estado.
55
Santos (2011) resume o contexto de surgimento da TV Aperipê no estado de Sergipe,
marcado por um jogo de interesses entre grupos políticos locais.
A TV Aperipê foi criada por um governo que temia o poder e a influência da afiliada
da Rede Globo no estado, sempre rigorosa e crítica em relação a governos adversários
dos interesses políticos dos proprietários (a tradicional família Franco), ao mesmo
tempo condescendente diante de governos aliados. [...] Assim, a Aperipê esteve útil e
viva enquanto o governo necessitava de um instrumento de voz. Logo que as
divergências entre as elites locais foram sanadas resultando em sucessivos acordos
político-partidários, acabou esquecida e entregue ao abandono, não chegando a fechar
as portas graças aos poucos funcionários que se mantiveram fiéis ao ideal de uma TV
pública num estado de meios de comunicação concentrados, até então, nas mãos de
um pequeno núcleo de famílias tradicionais. Hoje o mercado está revigorado pela
presença de novos meios, mas a tendência concentradora se mantém. (SANTOS,
2011, p. 163)
De acordo com as informações disponibilizadas em seu site, a Fundação Aperipê surgiu
através da Lei nº 1.759, de 11 de dezembro de 1972, vinculada à Administração Pública do
Estado de Sergipe, com a finalidade de prestar os serviços de radiodifusão. Inicialmente a
Fundação Aperipê era responsável apenas pela rádio Aperipê AM 630. Em janeiro de 1985,
com a criação da TV Aperipê, a Fundação passou a gerir o segundo veículo de comunicação
pertencente ao Governo do Estado. Já em 1995, foi criada a rádio Aperipê FM 109.9, de
responsabilidade da mesma Fundação. Atualmente, os três veículos administrados pela
Fundação Aperipê são regidos pela Lei 5.696, de 16 de julho de 2005.
A estrutura administrativa da Fundação Aperipê é formada por um Conselho
Deliberativo, com participação popular, e por uma Diretoria Executiva dividida em outras
diretorias específicas. Um estudo desenvolvido por Sivaldo Pereira da Silva – PhD em
Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) – avaliou
34 organizações de mídia do “campo” público, dentre elas a Fundação Aperipê. A análise
considerou critérios relacionados às estruturas organizativas, tais como: transparência;
participação; autonomia administrativa; independência financeira. Um importante dado
apontado pelo estudo sobre a Fundação Aperipê, diz respeito à composição do Conselho
Deliberativo, constituído por sete membros, dos quais 86% estão subordinados ao titular do
Poder Executivo, o governador do estado. Sendo assim, a participação popular nas decisões da
fundação é quase inexistente. (SILVA S., 2013)
Atualmente a Fundação Aperipê integra a ARPUB – Associação das Rádios Públicas
do Brasil e a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais – ABEPEC.
56
Desde 02 de dezembro de 2008, a TV Aperipê é associada à Empresa Brasil de Comunicação
(EBC), retransmitindo os conteúdos da TV Brasil. Além de contribuir com alguns programas
locais exibidos em rede nacional, a exemplo do Estação Periferia.
A TV Aperipê apresenta-se como uma emissora pública e adota o mote “Educação,
Cultura e Jornalismo Cidadão”, conforme informações disponibilizadas em seu site:
Como emissora pública, a Aperipê tem compromisso, apoia e incentiva manifestações
que evidenciem a pluralidade cultural presente no Brasil e, especialmente, com os
aspectos mais importantes de Sergipe, buscando incentivar e fortalecer a cultura local
em suas diversas expressões, através de uma programação voltada para tudo o que
representa o modo de vida sergipano, a exemplo do estímulo à produção musical e
cinematográfica e a difusão dos trabalhos de nossos artistas. (FUNDAÇÃO
APERIPÊ)
Nessa perspectiva, a TV Aperipê mantém uma linha de programas voltados às
produções culturais locais: Temporada (teatro); Olha aí (audiovisual); Plural (literatura); Nossa
Terra Nossa Gente. Também são exibidos programas de entrevista como Expressão,
Contraponto e Espaço Público. Com uma ligação mais próxima com o gênero documentário, a
TV Aperipê apresenta o Estação Periferia e o Especial Aperipê. São exibidos diariamente os
jornalísticos Sergipe em Debate e o Conexão Aperipê, e na área esportiva o semanário Bola em
Jogo.
Além disso, a grade local da TV Aperipê inclui programas institucionais como SESC
TV e TCE na TV (do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe), com conteúdo sob
responsabilidade das respectivas entidades. Também são apresentados programas religiosos
como a Santa Missa, Conceitos de Vida e Salto Quântico, os dois últimos seguem a mesma
lógica dos programas institucionais.
4.1 A análise de conteúdo como método de pesquisa
Em linhas gerais, a análise de conteúdo é um método das ciências humanas e sociais
que busca investigar fenômenos simbólicos através de algumas técnicas de pesquisa. De acordo
com Bardin (2011), é no século XX, por cerca de quarenta anos que a análise de conteúdo se
desenvolveu nos Estados Unidos, em especial na Universidade de Columbia com os estudos
quantitativos de produtos jornalísticos. Segundo a autora, inicialmente o método tinha como
57
principal característica a primazia pela contagem e medida. As análises de imprensa e
propaganda de Harold Lasswell, em meados de 1915, dão conta da importância científica
adquirida pela método. Segundo Bardin (2011), nas décadas de 1940 e 1950:
Nos Estados Unidos, os departamentos de ciências políticas ocuparam lugar de
destaque no desenvolvimento da análise de conteúdo. Os problemas levantados pela
Segunda Guerra Mundial acentuaram o fenômeno. Durante este período, 25% dos
estudos empíricos que revelam a técnica da análise de conteúdo pertencem à
investigação política. (BARDIN, 2011, p. 22)
Nesse mesmo período, E. Berelson e P. Lazarsfeld estabelecem as regras para o método:
“A análise de conteúdo é um técnica de investigação que tem por finalidade a descrição
objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (Berelson apud
BARDIN, 2011, p. 24). Segundo Fonseca Júnior, a explicação para a ênfase no aspecto
quantitativo, diz respeito ao fato da análise de conteúdo ter ligação com a corrente positivista
de Augusto Comte (1798-1857), que valoriza as ciências exatas como paradigma de
cientificidade e referência do espírito humano.
Na década de 1950, a análise de conteúdo passa a valorizar a inferência como principal
característica do método, deixando de lado a obsessão pelos indicadores quantitativos. Isso
significa uma maior valorização dos aspectos qualitativos nas pesquisas (FERREIRA JÚNIOR,
2006).
Herscovitz (2008) identifica a análise de conteúdo como um método capaz de avaliar
grande volume de informações, reduzidas a categorias e baseadas em regras explícitas e
previamente definidas, com o objetivo de fazer inferências lógicas. Já Fonseca Júnior (2006),
expõe que o cenário atual da análise de conteúdo alterna entre pesquisas que valorizam os
aspectos quantitativos ou qualitativos, conforme os objetivos do pesquisador.
Bardin (2011) divide a análise de conteúdo nas seguintes fases: a pré-análise; exploração
do material; tratamento dos resultados, que envolvem inferência e interpretação. Na pré-análise
ocorre a escolha dos documentos a serem analisados, seguida da formulação de hipóteses e
objetivos, finalizando com a elaboração dos indicadores utilizados na interpretação final. A
etapa de exploração do material analisado é realizada através das operações de codificação,
decomposição e enumeração do conteúdo analisado, em suma, a aplicação do que foi definido
durante a pré-análise.
58
É durante a etapa de exploração que ocorre a organização do material analisado a partir
de categorias. Conforme Bardin:
A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um
conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero
(analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou
classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da
análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das
características comuns destes elementos. O critério de categorização pode ser
semântico (categorias temáticas: por exemplo, todos os temas que significam
ansiedade ficam agrupados na categoria “ansiedade”, enquanto que os que significam
a descontração ficam agrupados sob o título conceitual “descontração”), sintático (os
verbos, os adjetivos), léxico (classificação das palavras segundo o seu sentido, com
emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos e expressivos (por exemplo,
categorias que classificam as diversas perturbações da linguagem). (BARDIN, 2011,
p. 147)
A análise de conteúdo a que se propõe o presente trabalho, tem o objetivo de verificar a
ocorrência de práticas de jornalismo público (JP) no telejornal local Conexão Aperipê. O quadro
teórico apresentado na tabela 1 foi construído com base nos referenciais teóricos revisados no
percurso deste trabalho. A partir dele foi montado um mecanismo de análise para avaliar a
aplicação de elementos do jornalismo público no telejornal. Esses elementos foram agrupados,
dando origem às categorias de análise.
Tabela 1 – Quadro teórico das características de jornalismo público
Características
Aproximação com as comunidades
Alimentar o compromisso cívico e participação dos
cidadãos
Mobilizar participação social
Busca de soluções para problemas sociais
Mais interação com o público
Menor uso de fontes oficiais
Oferta de soluções alternativas
Informações mais contextualizadas
Enquadramentos temáticos
Prestação de serviços
Estímulo à interatividade
Divulgação de exemplos de boas práticas de
determinados grupos ou indivíduos
Orientação do público (endereços, telefones úteis, sites,
etc.)
Questões sociais ou de cidadania na pauta jornalística
Autores
Carlos Castilho
Haas e Steiner (apud
Rothberg)
Bruno Moraes
Schaffer (apud Pessoni)
Danilo Rothberg
Danilo Rothberg
Danilo Rothberg
Danilo Rothberg
Danilo Rothberg
Luís G. M. Barros
Luís G. M. Barros
Luís G. M. Barros
Luiz M. da Silva
Luiz M. da Silva
59
Criação e apoio a campanhas sociais e comunitárias
Maria T. Garcia
Promoção de debates sobre problemas enfrentados pelas Maria T. Garcia
cidades
Tempo de discussão e aprofundamento dos temas Maria T. Garcia
debatidos
Os elementos de jornalismo público elencados acima (tabela 1), foram agrupados em
sete categorias gerais, sendo utilizada como base da análise, conforme tabela 2.
Tabela 2 – Características de jornalismo público agrupadas em categorias
Características agrupadas
- Enquadramentos temáticos;
- Informações mais contextualizadas;
- Discussão e aprofundamento nos temas
debatidos;
- Promoção de debates sobre problemas
enfrentados pelas cidades;
- Aproximação com as comunidades;
- Mais interação com o público;
- Alimentar o compromisso cívico e
participação dos cidadãos;
- Mobilizar participação social;
- Criação e apoio a campanhas sociais e
comunitárias;
- Menor uso de fontes oficiais (múltiplas
fontes)
- Prestação de serviços;
- Orientação do público (endereços,
telefones úteis, sites, etc.);
- Oferta de soluções alternativas;
- Divulgação de exemplos de boas práticas
de determinados grupos ou indivíduos
- Questões sociais ou de cidadania na
pauta jornalística;
- Busca de soluções para problemas
sociais;
Categorias
Aprofundamento dos temas abordados
Assuntos comunitários e interação com
público
Compromisso em mobilizar a participação
social dos cidadãos
Tipificação das fontes
Elementos de serviço e orientação do
público
Divulgação de exemplos de boas práticas
de grupos ou indivíduos
Abordagem de questões sociais e de
cidadania
As categorias expostas na tabela 2, a partir dos critérios desta análise, são definidas da
seguinte forma:
a) Aprofundamento dos temas abordadas: avalia se a matéria oferece elementos
complementares que possam auxiliar na compreensão dos fatos ou assuntos
apresentados.
60
b) Assuntos comunitários e interação com o público: analisa se o assunto tratado na matéria
se relaciona com as problemáticas das comunidades, tendo o meio de comunicação
como aliado na solução das questões.
c) Compromisso em mobilizar participação social dos cidadãos: verifica se o conteúdo
noticioso teve preocupação em incluir os cidadãos como agentes responsáveis e
comprometidos como meio social.
d) Tipificação de fontes: analisa a distribuição das fontes com vistas a avaliar influência
exercida pelas fontes oficiais no noticiário.
e) Elementos de serviço e orientação do público: verifica se a matéria auxilia o público por
meio da oferta de elementos de serviços (telefones úteis, endereços, etc.) e orientação.
f) Divulgação de exemplos de boas práticas de grupos ou indivíduos: na perspectiva do
jornalismo público, a difusão dos bons exemplos, estimula a capacidade resolutiva da
sociedade.
g) Abordagem de questões sociais e de cidadania: analisa a participação dos meios de
comunicação no tocante à discussão de assuntos sociais e no fortalecimento da
cidadania.
Nelson Traquina, em uma leitura do pensamento de Davis Merrit, um dos precursores
do jornalismo público, enumera as principais preocupações do JP da seguinte forma:
O jornalismo cívico que Merritt defende envolve as seguintes mudanças: 1) ir para
além da missão de dar as notícias para uma missão mais ampla de ajudar a melhorar
a vida pública; 2) deixar para trás a noção do “observador desprendido” e assumir o
papel de ”participante justo”; 3) preocupar-se menos com as separações adequadas e
mais com as ligações adequadas; 4) conceber o público não como consumidores, mas
como atores na vida democrática, tornado assim prioritário para o jornalismo
estabelecer ligações com os cidadãos. (TRAQUINA, 2001, p. 178-179)
Para a seleção do período de análise do telejornal, optou-se pelo esquema da
“amostragem probabilística de semanas compostas”, referido por Lozano (apud FONSECA
JÚNIOR, 2006). Com base nesse critério, foram analisadas cinco edições, o que corresponde a
uma semana de exibição. O primeiro dia escolhido foi uma terça-feira (02/12/2014), o segundo
foi a quarta-feira da semana seguinte (10/12/2014), o terceiro uma quinta-feira (18/12/2014), o
quarto uma sexta-feira (26/12/2014), e o quinto, uma segunda feira (29/12/2014). Com isso, foi
possível analisar um dia de cada semana do mês de dezembro de 2014.
61
4.2 Análise quantitativa
O telejornal Conexão Aperipê, exibido de segunda à sexta-feira, é invariavelmente
dividido em três blocos. A duração média de cada edição, no período analisado, foi de 23
minutos, considerando-se apenas o tempo do programa, sem os intervalos. Ao todo foram
analisadas 37 matérias, entre reportagens, entrevistas e notas. Mesmo com um tempo
relativamente curto, o telejornal abordou temáticas diversas, compreendendo o total de 12
editorias: Cidades, Cultura, Economia, Política, Saúde, Esportes, Segurança, Cidadania,
Utilidade Pública, Ciência, Meio Ambiente e Moda.
O gênero jornalístico mais utilizado foi a reportagem, um total de 27, correspondendo a
72,97% de todo o conteúdo veiculado (gráfico 1). As entrevistas em estúdio são um importante
diferencial do telejornal, que exibiu pelo menos uma a cada edição, o que significou 16,21%.
Já as notas representaram 10,81% do telejornal. Durante a análise, foi identificada a exibição
de cinco a seis reportagens por edição, com tempo médio de 2 minutos e 24 segundos. Já as
entrevistas realizadas em estúdio ocuparam uma média de 5 minutos e 49 segundos, quase um
quarto de cada edição.
Gráfico 1 – Gêneros Jornalísticos
Gêneros
10,81%
16,21%
72,97%
Reportagem
Entrevista
Nota
O período de análise demonstrou que o telejornal não mantém um equilíbrio na divisão
de editorias entre as edições. No dia 2 de dezembro, por exemplo, o telejornal foi estruturado
da seguinte forma: três matérias da editoria de Cultura; três de Política; uma de Cidades e uma
de Cidadania. Já na edição do dia 10 de dezembro, foram feitas três referências à editoria de
Economia, duas à Cultura, já as editorias de Cidades, Saúde e Ciência apareceram uma vez
62
cada. A exemplo de Política que apareceu três vezes no dia 02/12, nenhuma referência foi feita
no dia 10/12.
Um ponto importante a ser registrado é que normalmente as entrevistas em estúdio estão
relacionadas a alguma das reportagens da edição, ocasionando a repetição da editoria ou até
mesmo do tema. Outro dado importante verificado nas edições analisadas, foi que as seis
entrevistas em estúdio trataram de seis editorias distintas – Política, Ciência, Economia,
Cidades, Meio Ambiente e Cultura – demonstrando certa preocupação do telejornal em reservar
espaço de discussão e análise para assuntos diversos.
Na distribuição das editorias (gráfico 2), as temáticas relativas a Cidades foram as mais
frequentes, aparecendo nove vezes, o que significa 24,32% de todos os assuntos abordados. A
segunda editoria mais apresentada foi a de Cultura, com seis matérias, ou seja, 16,21% do
telejornal. Economia ocupou o terceiro lugar, com cinco matérias, 13,51% do total. A editoria
de Política apareceu na quarta posição com 10,81%. As editorias de Esportes e Saúde foram
tratadas em três matérias, respondendo por 8,1% cada. Segurança apareceu duas vezes,
representando 5,4%. As editorias de Cidadania, Utilidade Pública, Ciência, Meio Ambiente e
Moda, foram tratadas apenas uma vez em todas as cinco edições analisadas, com 2,7% cada.
Gráfico 2 – Distribuição das editorias
2,70% 2,70%
2,70%
2,70%
2,70%
24,32%
5,40%
8,10%
16,21%
8,10%
10,81%
13,51%
Cidades
Cultura
Economia
Política
Esporte
Saúde
Segurança
Cidadania
Utilidade Pública
Ciência
Meio Ambiente
Moda
Pode-se dizer que o Conexão Aperipê apresentou um perfil de editorias que se
modificou a cada uma das edições. A predominância da editoria de Cidades é explicada pela
forma com a qual o telejornal local se relaciona com as problemáticas vivenciadas
cotidianamente nos espaços locais. Já a editoria de Cultura teve destaque com assuntos relativos
63
a artistas locais, divulgação de eventos, etc. O conteúdo da editoria Economia, trouxe alguns
assuntos como nota fiscal e direitos do consumidor, alta de preços, troca de produtos, assim
como uma entrevista em estúdio. A editoria de Política compreendeu uma reportagem sobre o
ex-governador Marcelo Déda, seguida de entrevista sobre o mesmo assunto, uma matéria sobre
a Câmara dos Vereadores de Aracaju e uma nota sobre a diplomação de candidatos eleitos nas
eleições de outubro de 2014.
Além dessas quatro temáticas de maior destaque, a editoria de Saúde trouxe duas
reportagens sobre enxaqueca e conjuntivite, além de outra sobre a baixa do estoque de sangue
no Centro de Hemoterapia de Sergipe (HEMOSE). Foi possível verificar a referência a Esportes
em três reportagens: uma sobre a seleção feminina de futebol americano; sobre um projeto de
incentivo à prática de esportes por crianças; uma terceira sobre a contratação de novos jogadores
pelo clube de futebol Confiança. A editoria Segurança foi vista em duas reportagens, sendo
uma sobre os resultados apresentados pela Campanha do Desarmamento, e outra sobre prisão
de homem acusado de tráfico de drogas sintéticas.
Com apenas uma referência cada, o panorama das outras editorias foi o seguinte:
Cidadania, com uma reportagem sobre o “Dia de doar”; Utilidade Pública, com uma nota seca
sobre concurso do Tribunal de Justiça (SE); Ciência, uma entrevista com pesquisadora de
comunidade quilombola; Meio ambiente, uma entrevista com veterinário da Fundação
Mamíferos Aquáticos. A editoria de Moda também foi verificada em apenas uma matéria no
único quadro fixo do telejornal “Olhar”, veiculado na edição da sexta-feira (26/12/2014).
Considerando-se apenas o tempo das reportagens, entrevistas e uma nota coberta
encontrada, as cinco edições analisadas somaram o tempo total de 1 hora 42 minutos e 32
segundos. Na distribuição das editorias em relação ao tempo dedicado para cada uma delas,
temos o seguinte quadro: 22’15” foram dedicados à Cidades; Cultura teve 16’25” do tempo
total; Economia ocupou 14’22” do telejornal; ainda foram dedicados 11’25” à editoria de
Política; os assuntos referentes a Esportes ocuparam 8’08”; Saúde participou em 7’56”; 5’21”
foram dedicados a Meio Ambiente; 5’05” para Ciência; Segurança esteve presente com 04’01”;
a única inserção de Moda ocupou 02’59”; Cidadania foi abordada em 02’35. A editoria de
Utilidade Pública não apresentou nenhuma reportagem ou entrevista, com referência feita
apenas numa nota seca, sendo desconsiderada nessa classificação.
Feitas as considerações gerais acerca do perfil do Conexão Aperipê, o passo seguinte é
análise das práticas de jornalismo público propriamente ditas. A primeira categoria elencada
64
foi a tipificação de fontes, no caso deste trabalho, elas foram divididas entre fontes oficias e
não-oficiais. Uma das mais importantes críticas do jornalismo público em relação ao jornalismo
convencional, diz respeito ao uso excessivo das fontes oficiais incorporado ao cotidiano das
redações. Para os defensores do movimento, os jornais devem oferecer espaço para a expressão
dos interesses dos cidadãos (ROTHBERG, 2011). A análise considerou como fontes oficiais,
os representantes de organismos governamentais ou vinculados a qualquer entidade pública.
Nas 27 reportagens e 6 entrevistas veiculadas no telejornal, foram registradas as participações
de 21 fontes oficiais e 73 não-oficiais, com ampla vantagem numérica das fontes não-oficiais,
que estiveram em 77,65% de todas as matérias contra 22,35% das oficiais, conforme gráfico 3.
Gráfico 3 – Tipificação das fontes
Fontes
22,35%
77,65%
Não-oficiais
O segundo critério de análise, avaliou a inclusão de elementos de serviço e orientação
do público nas matérias veiculadas no Conexão Aperipê. Apesar de temas como Cidadania e
Utilidade Pública, muito afins às propostas do jornalismo público, não terem destaque no
telejornal, os elementos de serviço puderam ser identificados em outras editorias.
Gráfico 4 – Elementos de serviço e orientação do público
Serviço e Orientação
16,21%
83,79%
Presente
Ausente
65
Ao todo, foram registradas seis matérias que trouxeram algum conteúdo voltado à
orientação ou esclarecimento do público sobre determinado tema. Como mostra o gráfico 4,
esse número representa 16,21% de tudo o que foi apresentado, estando presentes em matérias
das editorias de Cidades, Economia, Segurança, Utilidade Pública e Saúde. O percentual é
pouco expressivo, já que a prestação de serviços é a categoria de jornalismo público mais
comum na maioria dos telejornais brasileiros (BARROS, 2009).
Outra categoria verificada pela análise diz respeito ao aprofundamento dos assuntos
abordados nas matérias. Nesse sentido, buscou-se perceber o quanto cada uma delas apresentou
aspectos contextuais relacionados aos temas, facilitando e ampliando a compreensão por parte
do público (GARCIA, 2011). Em onze situações, 30,55% (gráfico 5) de todo o conteúdo
analisado, foi notada a apresentação de informações contextualizadas. O espaço dedicado a
entrevistas contribuiu significativamente com esse número, tendo em conta a possibilidade de
discussão e aprofundamento dos assuntos de interesse público.
Gráfico 5 – Aprofundamento dos temas abordados
Aprofundamento
30,55%
69,45%
Presente
Ausente
Para o jornalismo público, a divulgação de boas práticas de indivíduos e grupos, tem a
função de mostrar a capacidade da sociedade em resolver as problemáticas que lhes são postas,
como identifica Barros (2009). Em apenas quatro situações, 10,81% do conteúdo exibido, foi
notada a presença desse elemento (gráfico 6). Apesar da editoria de Cidades ter o maior
destaque em todas as edições, o espaço destinado aos assuntos comunitários estiveram em seis
das 37 matérias analisadas, correspondendo a 16,21% (gráfico 7). Esse ponto é relevante para
avaliar a prático do jornalismo público, tendo em vista sua defesa da aproximação com as
comunidades, sendo assim, uma das metas do JP é fortalecer a participação dos cidadãos, tendo
66
o jornalismo como instrumento social para a busca de soluções para os problemas das
comunidades.
Gráfico 6 – Divulgação de práticas de indivíduos ou grupos
Boas práticas
10,81%
89,19%
Presente
Ausente
Gráfico 7 – Assuntos Comunitários e interação com o público
Assuntos Comunitários
16,21%
83,79%
Presente
Ausente
As outras duas categorias associadas a esta última, são: o compromisso em mobilizar a
participação social dos cidadãos e a abordagem de temas sociais e de cidadania. Ambas
apareceram em três momentos, ou seja, 8,1% de todas as matérias.
Gráfico 8 – Mobilização social / Temas sociais e de cidadania
Social e Cidadania
8,10%
91,90%
Presente
Ausente
67
4.3 Análise qualitativa
4.3.1 Edição um – 02/12/2014
Na primeira edição analisada, o conteúdo do telejornal foi dividido da seguinte forma:
duas reportagens e uma entrevista na editoria de Política; uma nota seca e uma reportagem sobre
Cultura; Cidades e Cidadania tiveram uma reportagem cada.
A primeira reportagem apresentada foi da editoria de Política e tratou da reativação da
Comissão de Ética da Câmara de Vereadores de Aracaju. A matéria situou os reflexos da
reativação sobre o processo de quebra de decoro parlamentar envolvendo uma desavença entre
os vereadores Lucimara Passos e Agamenon Sobral. A reportagem apresentou uma abordagem
superficial do tema, focando nos pormenores da discussão polarizada entre os dois
parlamentares. A partir da informação da reativação da Comissão, a matéria poderia, por
exemplo, explicar ao público qual o papel dessa comissão, o motivo pelo qual estava desativada,
entre outras questões. No entanto, se ateve à notícia como um desdobramento do caso que foi
mostrado em rede nacional em grande parte dos noticiários brasileiros. Neste caso, prevaleceu
como mais importante o caráter insólito da discussão.
A matéria seguinte, também da editoria de Política, consistiu em uma homenagem ao
ex-governador Marcelo Déda que completou um ano de falecimento. A reportagem traçou um
perfil de Déda e o seu papel para Sergipe. A partir de entrevistas com amigos, a matéria teve o
tom personalista e de intimidade. A entrevista em estúdio com o presidente do Instituto Banese
e primo do ex-governador, Ézio Melo, deu continuidade ao assunto. Do ponto de vista do
jornalismo público, tanto a reportagem quanto a entrevista não apresentaram nenhuma relação
com os preceitos do movimento, já que aparentemente buscou mostrar apenas um relato
elogioso ao político falecido.
Na editoria de Cidades foi exibida uma matéria sobre a alteração de tráfego em ruas de
Aracaju. A cabeça – texto introduzido pelo apresentador antes da reportagem – foi a seguinte:
“Nos próximos dias a SMTT [Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito] vai realizar
algumas mudanças no trânsito aqui da capital. As alterações vão facilitar o tráfego entre os
bairros Suíssa e Pereira Lobo” (CONEXÃO APERIPÊ, 02/12/2014). A reportagem é um bom
exemplo de jornalismo público como prestação de serviços. A estrutura da matéria seguiu um
modelo simplificado de narrativa, com uma fonte oficial tratando das mudanças no trânsito,
68
com uma sonora mais longa, mais duas fontes, neste caso, motoristas, um contra e outro a favor
das novidades.
Imagem 1 – Reportagem sobre Dia Mundial da Doação com projeto do GACC
Fonte: captura de imagem feita pelo autor deste trabalho
Outra matéria também envolvida com os conceitos de jornalismo público também foi
exibida no dia 02/10, dessa vez na editoria de Cidadania. Como a temática sugere, a reportagem
teve como gancho do Dia Mundial da Doação para falar de uma campanha desenvolvida pelo
Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC), voltado ao estímulo à doação de sangue
(imagem 1). A matéria trouxe alguns relatos de doadores de sangue sobre a importância social
do ato de doar. Com isso a matéria conseguiu abranger três importantes características de JP:
divulgação de boas ações sociais; mobilização da participação do público; abordagem da
doação numa perspectiva social e de cidadania.
A penúltima reportagem da edição foi da editoria de Cultura, noticiando a participação
de um filme de curta metragem sergipano na Mostra de Cinema e Direitos Humanos. O “Filmes
Carta” foi produzido durante quatro meses por alunos de uma escola pública do município de
Laranjeiras, com produção da Universidade Federal Fluminense, que é uma das realizadoras da
mostra. Como informa o texto do repórter: “Além de servir para estimular a produção local, o
documentário veio para fortalecer e valorizar a identidade cultural” (CONEXÃO APERIPÊ,
02/12/2014). Sendo assim, a matéria conseguiu oferecer o aprofundamento necessário ao
69
entendimento e contextualização do assunto, além de divulgar o trabalho dos estudantes e sua
relevância para a mostra.
Já a última matéria da edição do Conexão Aperipê, não se enquadrou em nenhuma das
categorias de jornalismo público, apesar de ter sido agregada na editoria de Cultura, ela se
prestou mais ao entretenimento, ao mostrar o início das comemorações do natal em uma escola
de idiomas da capital sergipana.
Na avaliação final da edição, o telejornal apresentou alguns importantes elementos de
jornalismo público. Na categoria prestação de serviços e orientação do público, teve destaque
a reportagem sobre alteração de tráfego em ruas de Aracaju. O incentivo à participação social
e difusão de boas práticas, foi vista na matéria sobre o Dia Mundial da Doação. Como exemplo
de aprofundamento sobre o assunto abordado, a reportagem sobre a participação de filme
sergipano na Mostra de Cinema e Direitos Humanos.
4.3.2 Edição dois – 10/12/2014
Na segunda edição analisada, a distribuição de editorias se deu da seguinte maneira: três
matérias de Economia; duas de Cultura; Cidades, Ciência e Saúde estiveram representadas uma
vez cada.
A reportagem que abre a edição é da editoria de Cultura e tratou do enterro do poeta e
jornalista sergipano Araripe Coutinho. Seguindo o mesmo estilo de perfil, encontrado na edição
do dia 02/12 sobre o ex-governador Marcelo Déda, a matéria traz depoimentos dos amigos do
poeta como forma de homenageá-lo. Evidentemente, nenhum elemento de JP foi encontrado.
A matéria seguinte, da editoria de Cidades, trouxe uma abordagem sobre o desrespeito
de motoristas à faixa de pedestres em Aracaju (imagem 2). Apesar de se propor a apresentar
um problema urbano de interesse dos cidadãos, a matéria só entrevistou uma estudante e uma
fonte oficial ligada à SMTT. Na cabeça da matéria, o apresentador diz: “[...] seja a pé ou de
carro, respeitar a faixa é fundamental para evitar o aumento do número de acidentes. Por isso,
a SMTT vem realizando ações educativas para conscientizar a população”. Com isso, a
reportagem acaba se resumindo à constatação do desrespeito seguido de um tempo maior
dedicado às ações desenvolvidas pela secretaria. O texto acaba incorporando um discurso
institucional do órgão público, inclusive não mostra na prática as ações administradas, apenas
70
o relato da fonte oficial. Sob a ótica do jornalismo público, a matéria também poderia incluir
um maior número de fontes populares para oferecer maior diversidade de pontos de vista.
Imagem 2 – Reportagem sobre desrespeito à faixa de pedestres em Aracaju
Fonte: captura de imagem feita pelo autor deste trabalho
A reportagem seguinte foi sobre a realização do “Feirão Limpa Nome”. O evento é
promovido pelo Tribunal de Justiça de Sergipe e a Câmara dos Dirigentes Lojistas, com a
finalidade de promover o pagamento de dívidas por consumidores inadimplentes junto a
empresas parceiras, com a oferta de descontos. A matéria relatou apenas o fato, entrevistando
dois participantes do feirão, além do relato de um dos organizadores do evento. A reportagem
não ofereceu contextualização do tema, como a questão do endividamento e o papel da
educação financeira. A entrevista em estúdio, exibida em seguida, foi com o juiz da 7ª Vara
Cível de Aracaju, Dr. Aldo Albuquerque, que também tratou do tema, mas não apresentou
elementos complementares ou de orientação do público.
Na editoria de Economia, a reportagem seguinte tratou da importância da nota fiscal
como mecanismo de garantia dos direitos do consumidor. A matéria fez breves entrevistas com
três pessoas, no estilo fala povo, perguntando se elas costumam exigir a nota fiscal. A
explicação do assunto é feita a partir das entrevistas com o representante do Procon/SE, Luiz
71
Azevedo e da Secretaria de Estado da Fazenda (SEFAZ), Helber Andrade. Por último, a
reportagem situa o projeto “Nota da Gente”, promovido pela SEFAZ, que incentiva os
consumidores a exigir a nota fiscal e concorrer a prêmios, além de explicar sua importância
para a garantia dos direitos do consumidor e a arrecadação do ICMS pelo Estado. No geral, a
abordagem conseguiu satisfazer o aprofundamento necessário à compreensão do assunto,
servindo ao propósito de orientação do público em relação aos direitos garantidos em lei.
Apesar disso, a questão de fundo da matéria se baseia no discurso institucional do Governo do
Estado, que tem o objetivo de incentivar os consumidores a exigirem a nota fiscal.
A matéria sobre Saúde tratou do problema da enxaqueca, explicando suas causas e
diagnósticos por meio da introdução de um especialista no assunto. A categoria de jornalismo
público presente nessa reportagem foi a do aprofundamento do tema.
A segunda entrevista em estúdio, ocorrida na mesma edição do Conexão Aperipê, foi
com a pesquisadora Dinamara Garcia Felders que desenvolveu pesquisa sobre uma comunidade
quilombola do município de Santa Luzia do Itanhy. A entrevista, enquadrada na editoria de
Ciência, teve como principais características de jornalismo público, a abordagem de questões
sociais e comunitárias, em que a pesquisadora descreveu a relação das mulheres da comunidade
com suas práticas laborais na pesca do aratu, assim como o ecletismo religioso que marca aquela
comunidade. A discussão abordou a fundo as relações sociais da comunidade sob a ótica
antropológica da pesquisadora.
A última matéria da edição foi da editoria de Cultura, com a divulgação do lançamento
do projeto Aperipê Marcas, com um conjunto de dez DVDs com programas e especiais exibidos
na grade da emissora. A matéria apresenta entrevistas com o diretor da Fundação Aperipê,
Luciano Correia, e com o secretário de comunicação do Estado, Sales Neto. Nenhum elemento
de jornalismo público foi identificado, na realidade a matéria teve o propósito de autoafirmação
institucional da emissora.
A segunda edição do telejornal apresentou a abordagem de um problema urbano, o
desrespeito à faixa de pedestres como uma questão comunitária. O aprofundamento dos temas
foi visto nas reportagens sobre enxaqueca e na que tratou da importância da nota fiscal, nesta
última também foram encontrados elementos de orientação do público. Na entrevista com a
pesquisadora Dinamara Garcia Felders foram encontradas as características de aprofundamento
do assunto e abordagem de questões sociais e comunitárias.
72
4.3.3 Edição três – 18/12/2014
A terceira edição analisada nesta pesquisa, contemplou a seguinte divisão entre as
editorias: Cidades com uma entrevista, uma nota coberta e duas reportagens; Política com uma
nota seca; Segurança teve uma reportagem; Utilidade Pública com uma nota seca; Esportes com
uma reportagem.
A nota seca que abre a edição anunciou a cerimônia de diplomação dos candidatos
eleitos nas eleições de 2014. Já a primeira reportagem foi da editoria de Segurança e tratou
sobre a divulgação dos dados referentes à Campanha do Desarmamento em 2014. Foram
entrevistadas fontes da Secretaria de Segurança Pública (João Eloy), do presidente do Comitê
de Desarmamento de Sergipe (Fábio Costa) além da delegada de polícia Meire Mansuet. Em
relação ao jornalismo público, a matéria agregou um elemento de serviço e orientação do
público ao explicar o procedimento necessário a entrega de armas, com o esclarecimento sobre
os postos de coleta e o ressarcimento financeiro.
A entrevista dessa edição foi dedicada à editoria de Cidades e debateu o problema da
falta d’água em municípios do sertão sergipano. O entrevistado foi o coordenador estadual da
Defesa Civil, tenente coronel Erivaldo Mendes. A matéria aprofundou a discussão do assunto,
explicando as medidas adotadas pelo Estado no provimento de água e alimentos aos municípios
sertanejos, principalmente nas localidades em que existem pessoas em situação de insegurança
alimentar e nutricional, abrangendo também a questão social.
A editoria de Utilidade Pública participou dessa edição com uma nota seca a respeito da
realização de concurso público pelo Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) para o cargo de juiz,
agregando um elemento de serviço próprio do jornalismo público. A única nota coberta foi da
editoria de Cidades, falou sobre o lançamento do Plano Estadual de Resíduos Sólidos com a
participação de representantes dos municípios sergipanos, com uma breve apresentação do
ocorrido na reunião. Por consequência do pouco tempo dedicado ao assunto (42”), a nota foi
superficial, tratando apenas do fato em si, sem outras informações complementares. Tendo em
conta a relevância do assunto, os gêneros reportagem e entrevista, seriam muito mais favoráveis
à discussão e explicação do assunto ao público. A nota não conseguiu satisfazer nenhum critério
de jornalismo público.
Também da editoria de Cidades, a reportagem seguinte foi sobre os novos
procedimentos adotados pelo setor de achados e perdidos do Aeroporto Santa Maria após
73
solicitação do Ministério Público Federal (MPF) em Sergipe. Apesar de anunciar os novos
processos para a retirada de objetos deixados no aeroporto, a reportagem entrevista apenas o
superintendente da Infraero. No geral, a matéria foca mais na medida do MPF e no volume de
objetos que chegam ao setor de achados e perdidos do que mesmo uma orientação de como o
usuário dos serviços deve proceder. Sendo assim, essa matéria não conseguiu satisfazer a
nenhum critério de jornalismo público.
A editoria de Cidades também contemplou a reportagem sobre o aumento na emissão
de carteiras de identidade no Instituto de Identificação de Aracaju, por consequência do
fechamento de postos no interior do estado. Foram entrevistados o diretor da Coordenadoria
Geral de Perícias (COGERP), Adelino Lisboa, além de dois usuários dos serviços do Instituto
de Identificação. Além de relatar a superlotação e a causa, a matéria não oferece elementos de
orientação do público em torno de soluções alternativas ou outro elemento de jornalismo
público.
Imagem 3 – Projeto Vida Alegre, realizado no Bairro Industrial, zona norte de Aracaju
Fonte: captura de imagem feita pelo autor deste trabalho
A matéria que finalizou a edição do telejornal foi da editoria de Esportes, uma
reportagem sobre o “Projeto Vida Alegre” (imagem 3). Conforme informa a cabeça da matéria:
“Projeto leva lazer a crianças e adolescentes da região zona norte da capital. São mais de 200
74
assistidos que encontram no esporte a oportunidade de um futuro melhor” (CONEXÃO
APERIPÊ, 18/12/2014). São entrevistados jovens que participam do projeto realizado no
Complexo Dona Finha, Bairro Industrial, além dos professores das modalidades esportivas
ofertadas, futsal e boxe.
A reportagem mostra que o esporte significa uma alternativa para jovens da comunidade
carente, servindo como incentivo para que os adolescentes permaneçam na escola, já que ter
boas notas é um pré-requisito do projeto. Em relação ao jornalismo público, a reportagem
apresenta quatro importantes elementos: aprofundamento do tema; divulgação de boas práticas;
aborda um assunto comunitário; e discute uma questão social, a inclusão de jovens. Apesar de
não ser o ponto central da reportagem, o Projeto Vida Alegre” tem apoio da Secretaria de
Esporte e Lazer e da Secretaria de Inclusão, Assistência e Desenvolvimento Social.
Na terceira edição analisada foi notada a ocorrência de elementos de serviço e orientação
do público na reportagem sobre a campanha do desarmamento e na nota seca sobre o concurso
público do TJSE. A entrevista com o coordenador da Defesa Civil, Erivaldo Mendes, teve como
elemento de jornalismo público o aprofundamento do assunto. A reportagem sobre o Projeto
Vida Alegre os seguintes elementos de JP: aprofundamento do tema; divulgação de boas
práticas; abordagem de um assunto social e comunitário.
4.3.4 Edição quatro – 26/12/2014
Na quarta edição analisada, temos a seguinte divisão das editorias: duas reportagens de
Cidades; Segurança, Moda e Esporte com uma reportagem cada; uma entrevista sobre Meio
Ambiente.
Sem elementos de jornalismo público agregados, a reportagem da editoria Segurança
tratou da prisão de um homem acusado de tráfico de drogas e trouxe apenas uma sonora com o
delegado de polícia responsável pela prisão.
O lixo acumulado na Avenida Santa Gleide, em Aracaju, foi o assunto da primeira
matéria da editoria de Cidades (imagem 4). “A avenida Santa Gleide, entre os bairros Bugio e
Olaria, mais parece uma lixeira à céu aberto em alguns pontos. Segundo os moradores, o
problema já ocorre há algum tempo e piorou com a paralisação dos agentes de limpeza na
semana passada” (CONEXÃO APERIPÊ, 26/12/2014). A reportagem percorre trechos da
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avenida com imagens do lixo espalhado, ainda são entrevistados três moradores do local que
falam do agravamento do problema após a paralisação dos agentes de limpeza. Mesmo
abordando uma problemática comunitária, característica do jornalismo público, a matéria fez
uma abordagem superficial ao transferir toda a responsabilidade do lixo acumulado à greve
ocorrida na semana anterior, sem discutir as responsabilidades compartilhadas entre os agentes
públicos, privados e a população que descarta lixo no espaço público.
Imagem 4 – Reportagem sobre acúmulo de lixo na Avenida Santa Gleide
Fonte: captura de imagem feita pelo autor deste trabalho
A outra matéria de Cidades foi sobre o problema de um canal exposto no Conjunto
Maria do Carmo, zona norte de Aracaju. Mais uma vez, a reportagem traz um conjunto de
depoimentos de moradores da comunidade, mas não consegue ultrapassar a mera constatação
do fato.
Uma consideração importante acerca das matérias veiculadas pelo Conexão Aperipê nas
edições analisadas, é que quando se trata de problemas relacionados à ineficiência dos serviços
públicos, os órgãos responsáveis não são mencionados, nem mesmo divulgados os respectivos
posicionamentos sobre o assunto. No entanto, quando o tema apresentado se relaciona a
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projetos ou ações desenvolvidas pelos setores públicos, ou seja, geram uma percepção positiva
do órgão, eles não só são mostrados, como também recebem destaque nas reportagens e
entrevistas.
A entrevista em estúdio da editoria de Meio Ambiente exibida nesta edição foi com o
veterinário João Carlos Borges, representando a Fundação Mamíferos Aquáticos que completou
25 anos de existência. O entrevistado falou sobre o trabalho desenvolvido pela fundação, com
o aprofundamento da assunto. Trouxe elementos de jornalismo público como: orientação do
público ao encontrar animais marinhos nas praias; explicou a importância do descarte adequado
do lixo para não afetar os animais marinhos; além de mobilizar a população na proteção da
biodiversidade. Conforme trecho da entrevista com João Carlos Borges:
Para a conservação dessas espécies, sobretudo aquelas ameaçadas, não basta a atuação
das instituições de pesquisa, dos atores de governo. É, sobretudo, importante que a
sociedade esteja engajada nesse processo. E aí, ações simples, desde não jogar lixo
nas praias, comunicar as instituições responsáveis para que eles possam promover os
resgates e atuar de forma colaborativa e estar sempre sensibilizado com as causas
ambientais. (CONEXÃO APERIPÊ, 26/12/2014)
A editoria de Economia trouxe uma reportagem sobre a troca de produtos nas lojas
depois do natal. O aspecto positivo em relação ao jornalismo público, foi o nível de
aprofundamento da matéria, com a explicação de um especialista no assunto que falou sobre o
Código de Defesa do Consumidor, orientando os compradores sobre os prazos de troca,
estabelecidos no ato da compra e que variam de acordo com a loja. Já a reportagem sobre Moda
não apresentou nenhuma das características propostas pelo jornalismo público.
Da editoria de Esportes, a última matéria da edição mostrou a seleção feminina de
futebol americano Confiança Alfa e os desafios enfrentados pelas atletas para obterem
patrocínio. Teve como ponto forte o aprofundamento da assunto, situando a equipe como a
primeira e única da Região Nordeste na modalidade.
A quarta edição analisada apresentou uma matéria sobre lixo acumulado avenida de
Aracaju e outra sobre canal exposto em outro bairro da capital, ambas abordaram problemas
comunitários, característica própria do jornalismo público. A entrevista da edição, com o
veterinário da Fundação Mamíferos Aquáticos que trouxe os seguintes elementos de JP:
orientação do público; aprofundamento do assunto tratado; mobilização da participação dos
cidadãos. Já a reportagem sobre troca de produtos em lojas de varejo trouxe o aprofundamento
do assunto, com a abordagem dos direitos do consumidor.
77
4.3.5 Edição cinco – 29/12/2014
Na quinta edição analisada, a distribuição das editorias se deu da seguinte forma: uma
reportagem de Cidades; Saúde ficou com duas reportagens; Economia e Esportes com uma
reportagem cada; a entrevista em estúdio foi da editoria de Cultura.
A reportagem sobre os problemas enfrentados pelos usuários do transporte público de
Aracaju, da editoria de Cidades, entrevistou dois comerciantes e três usuários do transporte
público em terminais de integração de Aracaju. Foram destacados os constantes assaltos e a má
estrutura dos terminais. A matéria apresentou a problemática, no entanto, mais uma vez, não
foi apresentado o posicionamento dos órgãos competentes sobre os problemas apresentados, ou
seja, não buscou soluções para o problema, como defende o jornalismo público (imagem 5).
Imagem 5 – Reportagem sobre problemas do transporte público de Aracaju
Fonte: captura de imagem feita pelo autor deste trabalho
Na editoria de Saúde, a primeira reportagem falou da baixa no estoque de sangue no
Centro de Hemoterapia de Sergipe (HEMOSE) e a necessidade de novos doadores. A
reportagem agregou um elemento de serviço, disponibilizando o telefone para contato do
HEMOSE. A segunda reportagem de Saúde foi sobre a conjuntivite e os cuidados necessários
para evitá-la. Para isso, foi utilizado o depoimento de uma personagem que já teve a doença,
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além de um médico oftalmologista que explicou as causas e tratamentos. As características de
jornalismo público identificadas foram a orientação do público e o aprofundamento do assunto.
Economia apresentou uma reportagem sobre o aumento dos preços de frutas no final do
ano. A matéria expõe preços e variações, mas é muito superficial, já que entrevista uma única
vendedora do Mercado Albano Franco. Também não foi consultado nenhum dado que possa
justificar a alta dos preços, apenas o aumento da procura, segundo a vendedora. Além disso,
apenas um consumidor foi entrevistado. Esses fatores demonstram que a matéria não conseguiu
contextualizar o assunto com o mínimo aprofundamento jornalístico necessário.
A entrevista da edição foi com um representante da Secretaria de Estado da Cultura que
falou sobre o Encontro Cultural de Laranjeiras. Não foi detectado nenhum critério de jornalismo
público, já que a entrevista falou sobre o evento mas não se ateve a uma discussão mais ampla
sobre o papel cultural do encontro. Como mencionado anteriormente, o Conexão Aperipê
dedica espaço aos órgãos e setores dos governos sempre que a ação ou fato mencionado é capaz
de produzir uma repercussão positiva à imagem da administração pública, como neste caso.
A última matéria da edição trouxe o Esporte como tema, falando sobre os novos
jogadores contratados pelo time de futebol Confiança. A reportagem seguiu a mesma linha
narrativa da maioria dos noticiários esportivos, com pouco aprofundamento no assunto, apenas
relatando novas contratações do time.
Na quinta edição analisada, a matéria sobre o transporte público de Aracaju mostrou
uma questão urbana, comportamento típico do jornalismo público. A baixa do estoque de
sangue no HEMOSE apresentou telefones da instituição para a obtenção de informações. A
reportagem sobre conjuntivite teve como elementos de jornalismo público a orientação do
público e o aprofundamento da abordagem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve a finalidade de averiguar a prática do jornalismo público no
telejornal local Conexão Aperipê. É importante frisar que a presente pesquisa não pretendeu
enquadrar o JP como único critério de qualidade jornalística, mas sim como um possibilidade
para o jornalismo brasileiro dentro de um conjunto mais amplo. Apesar desta pesquisa analisar
um telejornal de emissora estatal, o JP é um caminho possível para a prática jornalística de
empresas públicas ou privadas.
Os dados referentes às cinco edições analisadas, demonstraram que o telejornal Conexão
Aperipê não incorpora, de forma substantiva, a prática do jornalismo público. A análise ainda
mostrou que o telejornal não consegue nem mesmo oferecer uma proposta jornalística
diferenciada das emissoras comerciais, ao menos, não de modo a oferecer conteúdo jornalístico
de mais qualidade.
Alguns vícios profissionais comuns aos jornais das emissoras comerciais são visíveis
no conteúdo do Conexão Aperipê, como a construção de narrativas simplificadas, a partir de
dois posicionamentos opostos. Nestes casos, a máxima de apresentar os dois lados da questão,
seguida à risca, desconsidera o debate plural de ideias e posicionamentos dos cidadãos. Na
maior parte das vezes, o espaço reservado às fontes populares se incumbe do papel de apenas
ilustrar as informações e pouco contribui para a representação do pluralismo de visões
necessário ao debate social.
Desse quadro, é possível extrair que o estímulo à mobilização e participação social dos
cidadãos são assuntos quase inexistentes no telejornal. A presença de elementos de serviço e
orientação do público, comum na maioria dos telejornais, também tem baixa representatividade
no telejornal analisado.
A existência de um número reduzido de matérias e o maior tempo dedicado aos temas,
não significou a oferta de conteúdo de mais qualidade ao público, já que a maioria das matérias
apresentaram abordagens superficiais. Nesse sentido, as entrevistas em estúdio foram um
diferencial, talvez o único, do Conexão Aperipê, já que, na maioria das vezes, conseguiram
oferecer uma visão analítica de temas de interesse social.
A escolha de um telejornal da TV Aperipê coloca em questão outros fatores ligados à
independência editorial da emissora. Isso porque, embora se defina como TV pública, a Aperipê
é uma emissora estatal vinculada ao Governo de Sergipe, ou seja, financeiramente dependente
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das verbas do Estado. Esse fator faz com que a emissora esteja sujeita às ingerências dos
governantes. Nem mesmo a estrutura baseada em conselho administrativo concede autonomia
para a emissora, já que a maior parte dos conselheiros são pessoas subordinadas ao
representante maior do poder executivo estadual. Se por um lado, os interesses mercadológicos
das emissoras comerciais podem ser vistos como limitação para a prática isenta do jornalismo,
a mesma lógica pode ser empregada para as emissoras estatais em relação aos governantes.
O caso da TV Aperipê se repete em diversas emissoras vinculadas a alguma das esferas
da administração pública. A conquista da independência financeira é fator determinante, e a
principal limitação atual, para a constituição de um sistema público de televisão no país. A
criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que administra a TV Brasil, foi um marco
importante para a televisão brasileira no que se refere à ampliação dos horizontes para a
constituição de um sistema público de televisão brasileiro. Mesmo no caso da EBC, a
independência financeira e administrativa é uma questão a ser superada.
Como apontado no decorrer da análise, a linha editorial do jornalismo praticado pela
TV Aperipê permanece atrelada a um viés institucional que caracteriza as emissoras estatais no
Brasil. Nesse sentido, ao adotar a denominação de uma emissora pública voltada à “Educação,
Cultura e Jornalismo Cidadão”, a Aperipê busca se desprender do estereótipo de uma emissora
porta-voz dos posicionamentos e interesses governamentais.
A partir da análise do Conexão Aperipê, ficou claro que o conteúdo jornalístico da
emissora permanece como aliado do governo do estado, já que se mostrou preocupado em gerar
uma imagem positiva de órgãos e setores da administração pública. Nas situações em que os
assuntos abordados trataram de problemas relativos à ineficiência dos serviços públicos, os
posicionamentos dos setores públicos não foram sequer mencionados. Enquanto isso, as ações
e projetos desenvolvidos no âmbito do Estado receberam destaque no telejornal.
Afora os constrangimentos internos e externos aos meios de comunicação, o
telejornalismo local demonstra grande potencial para a implementação dos conceitos do
jornalismo público. Como uma prática voltada à informação e, acima disso, a formação de
cidadãos comprometidos com as questões de interesse comum, o jornalismo público precisa ser
encarado pelos jornalistas como missão social, uma forma de contribuir com o fortalecimento
da democracia. Para isso, se faz necessário uma mudança da cultura profissional dos jornalistas
brasileiros, deixando de privilegiar o relato superficial dos acontecimentos cotidianos para
integrar os cidadãos na discussão dos assuntos de importância para a sociedade. Nesse sentido,
81
o jornalismo público pode ser visto como uma estratégia de aproximação dos jornalistas com o
público em prol do fortalecimento da democracia.
82
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