A especial relação do design de moda com a propriedade intelectual
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A especial relação do design de moda com a propriedade intelectual
A especial relação do design de moda com a propriedade inteletual: uma perspectiva juridico-económica Cristina Maria de Gouveia Caldeira IADE-U Instituto de Arte, Design e Empresa - Universitário Lisboa, 24 de Agosto de 2014 Resumo Esta reflexão é o resultado de debates desenvolvidos em sala de aula, na unidade curricular de Inovação e Propriedade Intelectual do curso de Mestrado de Design Management do IADE-U, Instituto de Arte, Design e Empresa-Universitário. As mudanças promovidas pela sociedade de informação, na medida em que expandem a obra autoral, permitem-nos enquadrar juridicamente o direito de autor como um direito global. Nessa nova dimensão, são inevitáveis os problemas jurídicos relacionados com as tecnologias adaptadas à criação cultural, designadamente programas de computador, a multimédia e a arte digital. Daqui resulta numa dissociação dos criadores em benefício das empresas que se apresentam como principais beneficiárias da tutela do direito de autor, levando alguns doutrinadores como Oliveira Ascensão a falar em “direito de autor sem obra” 1 e Dias Pereira na “ubiquidade da obra”2. Em face desta complexidade, propomo-nos uma melhor compreensão dos direitos de autor no espaço luso-brasileiro à luz da interpretação dos regimes legais, tendo como alvo a defesa da independência e dignidade dos criadores e intérpretes na era digital. Palavras-chave: Design de Moda, Propriedade Intelectual, Obra, Autoria, Autor, Direitos Industriais 1 Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor sem Autor e sem Obra, 2008, 87-108. Cfr. DIAS PEREIRA, Direitos de Autor e Liberdade de Informação, 2008, 205. 2 1. Introdução Caminhamos para um consenso em torno de um novo estilo de desenvolvimento, amigo e conciliador da eficiência económica, mas também do ambiente e da justiça social. Da combinação destes elementos dependerá o bem-estar da humanidade. Os nossos modos de vida ditarão o nosso futuro. Isso mesmo significa a palavra “moda”, cujo étimo se encontra no latim modus, que significa "modo", "maneira". A crescente importância económica atribuida aos direitos de autor|direitos conexos (designação utilizada na legislação portuguesa) e direito autoral (designação utilizada na legislação breasileira) deverá permitir avançar não tanto para a proteção autoral como uma questão de regulação dos direitos privados, mas antes como uma questão pertinente aos interesses diversos da sociedade, tal como se retira da interpretação dos textos constitucionais de ambos os países. Nesse mesmo sentido, os autores da obra brasileira Por que mudar a Lei de Direito Autoral, observam que: “embora os Direitos Autorais tenham legislação específica e que esta exige uma interpretação restrita, ao mesmo tempo ela não está isolada do sistema jurídico. Ao contrário, a lei de Direitos Autorais deve se nortear pelos ditames constitucionais, a fim de promover na relação autoral (autor, titular e utentes) o equilíbrio necessário para coibir eventuais situações que possam violar o desenvolvimento sócio-económico-cultural do país.”3 Ainda a propósito dos direitos de autor, sublinhamos, a nova legislação sobre a cópia privada, que foi aprovada em Portugal no Conselho de Ministros do passado dia 21 de Agosto de 2014, diploma que veio alargar a cobrança dos direitos nesta área à esfera digital e a todos os domínios que esta abarca. Aguardamos ainda a concretização por parte dos grupos parlamentares na Assembleia da República, de forma a que o diploma legal produza os devidos efeitos. Já quanto à constitucionalização da propriedade industrial, esta “reflete a evolução do Estado moderno e a necessidade de se tutelar na Constituição os princípios e direitos fundamentais do ordenamento jurídico” 4. 3 4 Cfr. PESSERL et al, Por que mudar a Lei de Direito Autoral? Estudos e Pareceres,2011, p. 24. Cfr. PEREIRA dos SANTOS, Princípios Constituticionais e Propriedade Intelectual, 2006, p. 114. Ao longo deste artigo, apresentaremos a proteção jurídica do design de moda, onde será demonstrado que paralelamente aos direitos de autor, de onde se extrai a emanação da personalidade humana do artista criador, a propriedade intelectual engloba também os direitos industriais 5. Estes direitos exprimem “um quadro de valores e interesses intimamente ligados à realidade empresarial 6”, bem como vetores essenciais de política macroeconómica. Os direitos de propriedade industrial têm por objeto a proteção das invenções, das criações estéticas (design) e dos sinais usados para distinguir produtos e empresas no mercado. Por fim, o instituto da concorrência desleal vem conferir certa proteção às criações intelectuais que não beneficiam de direitos exclusivos, apresentando-se assim como mais um instrumento de defesa das criações que envolvem a indústria da moda. 2. Da Protecção Jurídica do Design de Moda Depois de termos introdutoriamente apresentado uma visão aparentemente dicotómica da Propriedade Intelectual (direitos de autor versus direitos industriais), separação que se convencionou formalmente quer no Brasil quer em Portugal7, não se trata porém, e vale aqui reforçar, de um entendimento consensualizado, pois existem sobreposições e zonas cinzentas onde o design de moda se inscreve. Veremos como por vezes, quando imaginamos a produção de um modelo como o representado na figura seguinte, existe sobreposição de instrumentos de tutela, na medida em que os desenhos ou modelos industriais, obras de design, hoje enquadradas na designada economia criativa, constituem criações artísticas que podem ser 5 O Código da Propriedade Industrial (Portugal) ou Lei da Propriedade Industrial (no Brasil) é a base jurídica que rege todos os trâmites legais da Propriedade Industrial. Os direitos industriais previstos nos instrumentos legais de ambos os países, agrupam-se do seguinte modo: criações novas, relacionando-se com a concepção e processo de fabrico (invenções e desenhos e modelos de utilidade), bem como os sinais distintivos que distinguem produtos e estabelecimentos ou empresas: marcas, nomes, insígnias, de um estabelecimento, logótipo, direito à colocação baseada na qualidade dos produtos (recompensas) e bem como as indicações de proveniência e denominação de origem (geográfica), relativamente às informações específicas quanto às características de certos produtos. 6 Cfr. ASCENSÃO, J. Oliveira, Direito de Autor Sem Autor e Sem Obra, 2008, p. 87. A propriedade Intelectual tem dado passos significativos quer no Brasil, quer em Portugal, quer por via da sua constitucionalização e dos contributos doutrinários, mas também por via de convenções e tratados internacionais designadamente: a Convenção de Berna (1886-1971); Convenção Universal sobre Direito de Autor (1952-1971); Convenção de Roma (1961); Acordos Trips (1994) e doTratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre Direito de Autor em 1996. 7 simultaneamente defendidas pelos direitos do autor da criação e pela propriedade industrial. O mesmo acontece com as obras de artes plásticas. Fonte: MIB – Modelagem Industrial Brasileira Relativamente às peças de roupas, jóias e acessórios em geral, são por vezes protegidas em simultâneo pelos direitos de autor e pela denominação de origem (direito industrial). Fonte: Leitão & Irmãos Joalheiros Em suma, “O interessado tem pois a opção do ramo do Direito a que recorre para a sua tutela”8”. Em realção às joias, para além da defesa do direito do criador, a sua proteção pode exigir o registo da denominação de origem, mas também da marca (como veremos), dois dos instrumentos de direito industrial que se afiguram essenciais. A denominação de origem, pode justificar-se atendendo à ligação histórica de Portugal ao ouro e aos diamentes. O século XVIII foi uma época de glória para a Joalharia 8 Cfr. ASCENSÃO, J. Oliveira, Direito Civil Direito de Autor e Direitos Conexos, 2012, p. 497. O autor refere que tutela dos desenhos e modelos através da obtenção de um direito industrial exige o depósito dos mesmos. No entanto, se o interessado não proceder ao referido depósito, pode sempre tentar obter proteção por intermédio do “Direito de Autor, se os referidos desenhos ou modelos tiverem caráter artístico. A dispensa de depósito e a maior extensão da protecção torna apetecível a tutela do Direito de Autor. Mas quem não fizer o depósito corre o risco de a obra não vir afinal a ser julgada digna de tutela autoral”, p. 497. Portuguesa devido à descoberta de ouro e posteriormente, de diamantes no Brasil que veio marcar as artes portuguesas, com relevo para a Joalharia, até à atualidade. Hoje, a marca como Leitão & Irmãos Joalheiros, é uma referência no plano nacional e internacional. Por outras palavras, enquanto os modelos e desenhos industriais 9, porque normalmente se associam à defesa da lealdade da concorrência e dos valores e interesses relativos à realidade empresarial, pertencem ao domínio da Propriedade Industrial, as criações que resultam da arte da aplicação do design e da estética ou a própria beleza natural de roupas e acessórios, bem como a participação em parte dos caracteres das obras de artes plásticas, são convencionalmente assumidos como Direitos de Autor. Também se inclui, neste domínio, por exemplo estampas e desenhos específicos, bem como o trabalho que o designer pode executar com a fotografia, produção de desfile mas também como consultor de moda. Em todos os exemplos mencionados, a criatividade resulta de uma emanação da personalidade humana e por essa razão justifica a sua proteção em sede de direitos de autor, hoje expressamente plasmados na Constituição Federativa do Brasil e na Constituição da República Portuguesa. Porém, para que o design de moda seja protegido pelo direito de autor, é necessário que o produto alcançado seja considerado uma criação artística, uma manifestação da personalidade do autor, avaliado quer pela escolha do seu objeto ou pelas condições da sua execução. Esta exigência, postula a originalidade da sua criação, que hoje enfrenta desafios em parte originados pela globalização da cópia|plágio, bem como pela evolução das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Assim, torna-se evidente, que a expansão quase incontrolável da criação, produção, reprodução e utilização das criações artísticas, permitindo uma alteração espacial da obra autoral de cada designer, é acompanhada de novos problemas jurídicos 9 Na legislação portuguesa, o Códio de Propriedade Industrial (CPI) vigente unificou as duas espécies (modelos industriais e os desenhos industriais) numa só, sob a deignação de modelos ou desenhos. Esta simplificação está previsto no artigo 173.º do CPI (perderam o qualificativo de industriais com que os distinguiam os CPI/1940 e CPI/1945. Na legislação brasileira mantém.se o desenho industrial. A propriedade Intelectual tem dado passos significativos quer no Brasil, quer em Portugal, quer por via da sua constitucionalização e dos contributos doutrinários, mas também por via de convenções e tratados internacionais designadamente: a Convenção de Berna (1886-1971); Convenção Universal sobre Direito de Autor (1952-1971); Convenção de Roma (1961); Acordos Trips (1994) e doTratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre Direito de Autor em 1996. relacionados com o plágio, mas também com as novas tecnologias10 adaptadas à criação cultural nomeadamente a multimédia, a arte digital, os programas de computador, sem esquecer as questões relacionadas com a gestão colectiva dos direitos de autor. É por isso, reconhecida a necessidade de instituir novas regras internacionais que respondam apropriadamente aos problemas suscitados pela evolução económica, social, cultural e técnica. A Organização Mundial para a Propriedade Intelectual, OMPI | WIPO, que se integra países de todos os continentes, desenvolve tenazmente esforços no sentido da protecção da Propriedade Intelectual. Contudo, a colaboração multinacional vive hoje um impasse, justificando-se o grande relevo que é dado aos acordos bilaterais para defesa dos direitos de propriedade intelectual. Fonte: WIPO, World Intellectual Property Organization Outro desafio prende-se com o perigo de uma dissociação dos criadores em benefício das grandes empresas, que se apresentam como principais beneficiários da tutela do direito de autor na economia global, levando alguns doutrinadores como Oliveira Ascensão a falar em «direito de autor sem obra» 11 ou Alexandre Pereira a alertar para a «natureza ubiquitária das obras ao nível da dificuldade de o titular dos 10 A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), em Portugal, congratula-se com o facto de a nova legislação sobre a cópia privada ter sido aprovada no Conselho de Ministros de 21 de Agosto de 2014, alargando a cobrança dos direitos nesta área à esfera digital e a todos os domínios que esta abarca. Aguardamos a concretização por parte dos grupos parlamentares na Assembleia da República, de forma a que o diploma legal produza os devidos efeitos. 11 Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor sem Autor e sem Obra, 2008, p. 87. direitos autorizar e controlar as utilizações das obras não sendo de excluir «uma verdadeira revolução dos autores, dispensando os intermédios de um modo geral» 12. Questiona-se como se justifica a consagração do direitos de autor no Brasil e em Portugal… Por vezes, a exclusividade é um obstáculo ao desenvolvimento, mas tal proteção justifica-se principalmente como incentivo ao processo criativo. Fonte: WIPO, World Intellectual Property Organization Impõe-se “um equilibrio entre os titulares de direitos de autor e direitos conexos e o interesse público geral, nomeadamente em matéria de ensino, de investigação e de acesso à informação, tal como previsto na Convenção de Berna, para as obras literárias e artísticas” 13. Porque se deve proteger os direitos industrais na economia global? O seu registo assegura um monopólio legal, que reduz a possibilidade de usurpação e atribui um direito de propriedade intelectual. Assim, podemos registar artigos industriais ou de artesanato como embalagens, grafismos e layouts de apresentações, símbolos gráficos como ícones e elementos de sinalética, carateres tipográficos como fontes de letra e lettering, etc. Fonte: WIPO, World Intellectual Property Organization 12 13 Cfr. DIAS PEREIRA, Direitos de Autor e Liberdade de Informação, 2008, p. 205. Cfr. DIAS PEREIRA, Informatica, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital, 2001, p. 53. Qual a importância do registo de uma marca e do desenho ou modelo (desenho industrial)? A propriedade da marca advém do seu registo. Fonte: Leitão & Irmãos Joalheiros Em Portugal, a marca Leitão & Irmãos Joalheiros é um exemplo de Propriedade Intelectual. Muito conceituada entre nós, a marca identifica e distingue a empresa no mercado, mas também identifica os seus produtos e serviços para defesa dos consumidores. Essa função distintiva favorece e protege a empresa no jogo da concorrência, sendo igualmente uma forma de fazer publicidade. Já os desenhos ou modelos (desenhos industriais) protegem a aparência total ou parcial de um produto (linhas, contornos, cores, textura, etc). Ou seja, não se trata de uma invenção, apenas limitam-se a dar nova imagem a um produto conhecido, com o objetivo de o tornar esteticamente mais comerciável. Assim, após a empresa ter desenvolvido um design inovador para os seus produtos, se pretender obter a exclusividade sobre eles, a modalidade de Propriedade Industrial adequada, tanto no Brasil como em Portugal, é o desenho ou modelo. A protecção legal dos desenhos ou modelos14 é obtida mediante o registo (desde que este seja simultaneamente novo e singular), o qual confere: (1) o direito exclusivo do seu uso pelo titular; (2) o direito de autorizar ou proibir os actos de utilização do desenho ou modelos por terceiros; (3) o direito de identificar o desenho ou modelo protegido mediante a aposição da expressão «Desenho ou modelo n.º». Os registos (por um período de 5 anos, podem ser renovados por períodos sucessivos até ao máximo de 14 Nos códigos anteriores aos actual Código da Propriedade Industrial (CPI), os desenhos e os modelos apresentavam-se como espécies distintas “modelos industriais e os desenhos industriais” previstos nos artigos 139.º e 140.º do CPI/1995. O actual CPI unificou as duas espécies sob a designação “modelos ou desenhos”. Porém para maior simplificação utilizamos por vezes desenhos industriais, expressão utilizada na legislação brasileira. 25 anos à luz da legislação portuguesa). O desenho ou modelo deve manter inalterado durante todo o período do registo. Sempre que for necessário alterar o desenho ou modelo deve proceder-se ao registo das alterações. Muitas empresas solicitam uma dupla proteção para os seus produtos, recorrendo ao desenho industrial para proteger o design das suas criações, enquanto simultâneamente requerem o registo da patente para proteger a invenção. Qual o impacto do registo do modelo de utilidade ou patente? Fonte: WIPO, World Intellectual Property Organization Trata-se de obter a exclusividade, durante vinte anos, de uma invenção por parte do seu titular 15. As invenções traduzem descobertas de utilidade industrial e tanto o modelo de utilidade16 como a patente visam soluções novas para problemas técnicos específicos. Podem ser protegidas as invenções que consistam na criação de: (1) um novo produto, substância ou composição, de qualquer domínio da tecnologia (cabe nesta categoria um produto composto de matéria biológica, ou que a contenha, ou um processo de a produzir, tratar ou utilizar); (2) um novo processo ou meio técnico para obtenção de produtos, substâncias ou composições já conhecidos. A originaridade pode ser encontrada quer nos meios utilizados quer, na forma como são aplicados meios já conhecidos. Neste último caso, impõe-se uma relação 15 A pretensão de obter uma patente, exige a demonstração, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) quer brasileiro, quer português, que a tecnologia para a qual se está a pedir exclusividade é uma solução técnica para um problema técnico determinado, ou seja, é uma invenção, algo novo. E uma invemção, para poder ser patenteada necessita de reunir três requisitos: novidade; actvidade inventiva e aplicação industrial. 16 O modelo de utilidade é um título de propriedade industrial, pedido pelo seu titular em alternativa, em simultânea ou sucessivamente à patente, apresentando no entanto o modelo de utilidade, maior simplicidade e celeridade do processo quando comparado com a patente. A titularidade do direito à patente pressupõe um direito do inventor (aquele que cria) , dos sucessores mas também da empresa para o qual trabalha o inventor. À luz do nº 2 so artigo 60.º do Código da Propriedade Industrial, se a patente não for pedida em nome do inventor, este tem o direito de ser mencionado, como tal, no requerimento e no título da patente, só não o sendo, se assim o solicitar por escrito. causal entre os meios empregues e o resultado obtido (composição final, substância ou produto alcançado). Desta forma, as patentes, as marcas, os desenhos ou modelos e outras modalidades, uma vez registadas, impedem que um terceiro, sem consentimento do titular, explore um produto ou um processo objeto de patente, use marca igual ou semelhante pra os mesmos produtos ou afins ou utilize o desenho ou modelo protegido. A exigência de originalidade tem levado as empresas a investir em I&D em especial no design e em novos materiais para que sejam reconhecidos como inovadores e sofisticados, tanto no Brasil como no exterior. Como podemos observar no quadro abaixo “The Global Innovation Index 2014”, o Brasil e Portugal ocupam posições próximas no ranking global da inovação: Country/Economy Score (0–100) Rank Income Rank Region Rank Efficiency Ratio Rank 32 Fonte: WIPO: The Global Innovation Index 2014 Actualmente, os recursos naturais renováveis do Brasil constituem um forte diferencial para a indústria da moda brasileira. Curiosamente quer no Brasil, quer em Portugal ainda não se assume convictamente as vantagens económicas da propriedade intelectual. Em especial no Brasil, os pedidos de registo de desenhos industriais não conhecem grandes alterações. Dos 4128 concedidos em 2002, aumentou timidamente para 4334 em 2012, segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial brasileiro. Provavelmente a razão desta apatia, resulta da sazonalidade e rapidez com que produtos circulam no mercado 17. Em especial a indústria textil assume o prazo de seis meses suficiente para que um produto saia de moda e não haja mais interesse em cópias ou adaptações. Ainda assim, foi criado no Brasil, um movimento de especialistas dedicado ao setor da indústria da moda que procura criar disposições legais específicas. Constata-se no entanto a necessidade de conferir formação aos magistrados e peritos que se confrontam com esta realidade tanto no Brasil como em Portugal. 17 Produto designa qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo, entre outros, os componentes para montagem de uim produto complexo, as embalagens, os elementos de apresentação, os símbolos gráficos e os caracteres tipográficos, segundo o nº 1 ao artigo 174.º do Código da Propriedade Industrial português. 3. Da Propriedade Intelectual: uma nota histórica A expressão “Propriedade Intelectual” nasceu no final do século XVIII, quando se anunciava, com a Revolução Francesa, o termo de todos os privilégios, colocando em perigo os privilégios concedidos aos autores. Como forma de ultrapassar esta ameaça, assumiu-se que “o Direito de Autor não seria um privilégio, mas uma propriedade”18. Oliveira Ascenção considera que a propriedade da obra é a a mais sagrada das propriedades19, justificada por traduzir a “dignidade maxima do acto criador” 20, entendimento que foi reforçado pela doutrina liberal. Segundo o mesmo autot, “A Revolução Francesa foi em grande parte gerada pelos homens da pena; e sendo a revolução proprietarista, por excelência, não admira que neste domínio favorável, o interesse dos autores ficam acautelados sob um novo rótulo”21. O pensamento clássico influenciou a natureza do direito de autor “como criador independente” 22 que para além dos direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais23, teria também direitos de carácter patrimonial. Ou seja, o direito de autor nascia assim ancorado na imagem do criador cuja criatividade se recompensa. Hoje porém, a situação económica-social do autor alterou-se, apresentando o direito de autor uma forte associação a sectores muito poderosos da actividade económica, em detrimento da elaboração da obra de forma autónoma e artesanal. “Isto implica que os objetivos empresariais do Direito de Autor sejam cada vez mais nítidos e o significado efetivo do criador inteletual cada vez mais modestos”24. Consensual, é também a perspectiva que quanto mais criador for o autor, menor é a sua aptência para a defesa dos seus próprios interesses materiais, permitindo a multiplicação de intermediários e entidades responsáveis pela gestão do autor, aos quais se atribuiem direitos conexos. 18 Cfr. ASCENSÃO, J. Oliveira, Direito de Autor Sem Autor e Sem Obra, 2008, p. 87. .Idem Ibidem. 20 Idem Ibidem. 21 Idem Ibidem. 22 Cfr. ASCENSÃO, J. Oliveira, Direito Civil Direito de Autor e Direitos Conexos, 2012, p. 16. 23 Assumimos como direitos morais, direitos garantidos por lei que visam defender a personalidade do autor e que se mantêm mesmo após a tranferência dos direitos patrimoniais: direito de reclamar a autoria da obra; direito de se opor a qualquer modificação, deformação da obra, sobretudo em caso de vir a prejudicar a reputação do autor e direito de decidir se pretende ou não publicar a obra. 24 Cfr. ASCENSÃO, J. Oliveira, Direito Civil Direito de Autor e Direitos Conexos, 2012, p. 16. 19 Estão desse modo criadas as condições para que os direitos de autor se apresentem em ambos os países como um polo de confluência de interesses, muitas vezes divergentes, que culmina invariavelmente numa tensão social. Defende-se por um lado a salvaguarda da personalidade e protecção do património do autor, enquanto se protege por outro lado os interesses da vida cultural em Sociedade, tarefa que cumpre ao Estado defender, e à qual o criador intelectual pertence e onde se inspira. É no entanto cada vez mais dificil defender que a propriedade intelectual tem como objetivo a defesa do criador inteletual. A posição empresarial estará sempre presente quando o tema em análise é o “Direito de Autor”. Na medida que está diretamente ligado à tecnologia, o direito de autor contará sempre com a influência do empresário no controlo da técnica. A inovação da imprensa no século XV já o demonstrara com os primeiros privilégios a serem atribuidos aos impressores. Hoje, podemos observar que as inovações industriais apresentam uma evolução semelhante ao direito autoral, na medida em que, por exemplo, a patente, que traduz a exclusividade dada ao proprietário de uma invenção para a explorar comercialmente, protege em primeiro lugar as empresas e marginalmente os inventores. O percuso histórico permite-nos afirmar que esta temática não foi uniforme até ao século XIX, pois enquanto a Commom Law oferecia uma posição destacada ao empresário, o sistema continental europeu, com grande influência no sistema português e brasileiro, acentuava a criatividade. Ainda assim, mesmo entre o sisitema continental europeu, não obstante o produtor dar a primazia ao autor em matéria de direitos, na prática os autores continuavam subordinados aos produtores, aos quais recorriam para a exploração económica da obra. No século XXI, as indústrias culturais exigem mais investimento, e não obstante ser comumente aceite que o direito de autor consiste numa recompensa e num estímulo ao criador, são os industriais que reclamam a defesa do direito de autor tendo em vista o benefício indireto que retiram do exclusivo autoral. Desta forma, ampliam-se os tipos de proteção direta dos produtores e surgem os direitos conexos aos direito de autor. Em suma, a defesa do direito autoral é justificada pela tutela do seu criador, mas coloca-se a proteção das empresas culturais em maior evidência. As mais recentes inovações legislativas, quer em Portugal quer no Brasil, vão nessa direção e convergem com os Tratados da Organização Mundial da Propriedade Inteletual (OMPI) sobre direitos de autor celebrados na Conferência Diplomática de Genebra em 1996 25. No Brasil e em Portugal, o direito de autor conheceu uma evolução paralela, ainda que lenta. Começou por ser a concessão de um privilégio dado a um impressor e só depois surge a primeira lei que atribui aos autores o direito de propriedade sobre as suas obras. Atualmente, em Portugal, a matéria é regulada pelo CDADC – Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL nº 63/85, de 14.3. No Brasil, a Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998 «regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos» (Título I, artigo 1.º). Ao contrário do Código Civil de 1916 brasileiro onde se previa a proteção da propriedade literária ou artística, no Código Civil de 2002 não existe nenhuma referência ao direito autoral. No Código Civil Português, a propriedade intelectual, prevista no nº 1 e 2 do artigo 1303.º, remete-nos para legislação especial, sendo no entanto de aplicar subsidiariamente as disposições deste código quando se harmonizem com a natureza dos direitos de autor e da propriedade industrial, e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido. Importa ainda salientar que enquanto os direitos exclusivos concedidos aos autores (nomeadamente de obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitectura) e inventores, são essenciais à promoção do progresso das artes, a propriedade industrial desempenha, nos dois paises, a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza. Por último, assumidamente a concorrência constitui um “elemento basilar do sistema jurídico-económico (…), e os Poderes Públicos procuram criar consições para o seu pleno desenvolvimento, através das chamadas normas de defesa da concorência” 26. 25 A Conferência Diplomática sobre o direito de autor e direitos conexos que ocorreu em Genebra, em dezembro de 1996, sob os auspícios da OMPI, adoptou dois novos Tratados: o Tratado OMPI sobre o direito de autor e o Tratado OMPI sobre prestações e fonogramas. Relativamente ao tratado sobre sui generis a Conferência apenas se limitou a adotar uma Recomendação sobre um futuro Tratado sobre a propriedade intelectual respeitante às bases de dados 26 Cfr. PUPO CORREIA, M. J., Direito Comercial, 2005, p. 297. 4. Considerações finais O estudo da especial relação do design de moda com a propriedade intelectual, oferece a vantagem de mostrar que o design de moda apresenta um terreno fértil para disputas, em virtude de se tratar de um sector global, moderno, competitivo, sempre condicionado pela sociedade de informação que progredi numa economia globalizada. Neste contexto, não defendemos um crescimento desmesurado dos direitos exclusivos, mas somos no entanto da opinião que o design de moda deve despertar para a defesa da Propriedade Intelectual, sempre que as restrições a impôr se afigurem indispensáveis para remunerar contributos à sociedade. Defendemos a salvaguarda dos interesses da vida cultural e artística em sociedade. Convirgimos com os que defendem a tutela dos direitos morais e patrimoniais do autor da criação e nessa medida estarão incluídos designadamente os desenhos específicos protegidos pelos direitos de autor. Saleintamos que a defesa de um sistema de direito de autor eficiente, é um pré-requisito para a criação e a manutenção de certos sectores da indústria, entre as quais a indústria da moda. Por outro lado, preconizamos a defesa dos direitos industriais, na medida em que se apresentam como essenciais à manutenção da competitividade, do crescimento e do desenvolvimento sustentável. O instituto da concorrência desleal vem por sua vez, conferir proteção às criações intelectuais que não beneficiam de direitos exclusivos, apresentando-se assim como mais um instrumento de defesa das criações que envolvem a indústria da moda. Referências [1] ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra: Coimbra Editora, 2012. [2] ASCENSÃO José de Oliveira, Direito de Autor Sem Autor e Sem Obra, In, Estudos em Homenagem ao Prof. Douitor António Castanheira Neves/Coord. 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[9] PESSERL et al, Por que mudar a Lei de Direito Autoral? Estudos e Pareceres, Coord. Marcos Wachowicz, Florianópolis, Editora Funjab, 2011. [ 10 ] PUPO CORREIA, M. J., Direito Comercial, Direito da Empresa, 9ª edição, refundida e actualizada, Lisboa, EDIFORUM-Edições Jurídicas, Lda. 2005. [11] SPA – Sociedade Portuguesa de Autores. Disponível em: http://www.spautores.pt/ [Consultado em 22.08.2014]. [12] INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial http://www.inpi.gov.br/portal/, [Consultado em 18.08.2014]. Disponível em: [13] INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Portugal). Disponível http://www.marcasepatentes.pt/index.php?section=1, [Consultado em 18.08.2014]. em: [14] Leitão & Irmãos Joalheiros. Disponível em: https://www.google.pt/search?q=joalharia+leit%C3%A3o+e+irm%C3%A3os&hl=pt-[ Consultado em 18.08.2014]. [15] MIB – Modelagem Industrial Brasileira. Disponível em: http://www.modelagemmib.com/2012/03/modelagem-atraves-dos-livros-mib-e.htm. [Consultado em 18.08.2014]. [16] WIPO - World Intellectual Property Organization. Industrial Design, Disponível em: http://www.wipo.int/designs/en/, [Consultado em 14.08.2014]. (Brasil). WIPO - World Intellectual Property Organization. Global Innovation Index 2014 – The Human Factor in Innovation. Disponível em: [17] http://www.globalinnovationindex.org/userfiles/file/reportpdf/GII-2014-v5.pdf. [Consultado em 14.08.2014]. Legislação Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo DL nº 63/85, de 14.3. Constituição Federativa do Brasil, promulgada a 5 de Outubro de 1988. Constituição da República Portuguesa actualizada. De acordo com a Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de Agosto. Coimbra, Editora Almedina, 2008. Código Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Português, Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966. Código da Propriedade Industrial Decreto-Lei nº 36/2003, de 05 de Março. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998, Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Biografia da Autora Cristina Maria de Gouveia Caldeira Jurista, investigadora da Fundação para a Ciência e Tecnologia e docente universitária (IADE-U Lisboa e IPAM Porto). Coordenadora do Gabinete das Relações Internacionais do IADE-U. Presidente do Conselho Disciplinar e Consultora Jurídica do IADE-U. Coordenadora de projectos europeus: Eramus Intensive Programme: Training for Young European Entrepreneurs, e de instrumentos europeus para o ensino superior: ECHE Erasmus Charter for Higher Education (2014-2010) e Suplemento ao Diploma (2013- 2016) do IADE-U. Pós-Doutoramento sob o tema: Os Direitos de Autor como garantia da independência e dignidade dos criadores e inteérpretes na era digital: Uma perspectiva luso-brasileira (a concluir em 2016), Instituto de História Contemporânea e Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Doutora em Direito, especialidade em Ciências Jurídicas e Políticas na Universidade Autónoma de Lisboa e Programa doutoral em Ciência Política, especialidade em Políticas Públicas, Universidade Católica Portuguesa – Instituto de Estudos Políticos (Lisboa). Tese publicada (verrsão digital) sob o título: Liberdade de Educação e Direito à Educação: perspectivas constitucionais e políticas. Bolseira da Fundação Gulbenkian para a elaboração do projeto de investigação na área da educação no St. Antony’s College, Oxford, intitulado: Young People’s Decision-making in Education, Training and Careers Markets in Portugal. Mestrado em Economia Internacional na Universidade Técnica de Lisboa – Instituto Superior de Economia e Gestão. Licenciada em Relações Internacionais e em Direito (UAL); Pós-graduação em Contratos e Direito do Consumo, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como ourtras pós-graduações e especializações em Negócios Internacionais e Páticas Forenses. Arguente de várias teses na área jurídica e conferencista internacional na área da Propriedade Intelectual: The Globalization of Intellectual Property Rights. Articulista e autora de monografias e co-autoria em livros nas áreas jurídicas e politicas: CALDEIRA, Cristina, A Especial Relação do Direito da Publicidade com os Direitos dos consumidores, Ed. Edições IADE, Lisboa, 2013. ISBN: 978-989-8473-09-7; A Cidade e o Compromisso Educativo, Ed. Edições IADE, Lisboa, 2013. ISBN: 978-989-b473-10- 3;SALAZAR, Abel, La Crise de L´Europe, Note D´Ouverture de José Manuel Durão Barroso, Ed. Orfeu, Bruxelas, 2013 (Introdução à obra realizada por Cristina Caldeira).ISBN: 978-287530-033-1.; SALAZAR, Abel, The European Crisis, Opening Message by José Manuel Durão Barroso, Ed. Orfeu, Bruxelas, 2013 (Introdução à obra realizada por Cristina Caldeira).ISBN: 978-2-87530-034-8; Educação, Formação e Sociedade: os três motores do desenvolvimento. In Público, 31 de Agosto de 2005; Análise do contexto sócio-cultural e económico que determina a orientação do ensino técnico e profissional: O Concelho de Cascais, Acta do II Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Um caso de ensino no conselho de Cascais. In Idade da Imagem, nº 10, CEIADE – Centro Editorial do IADE, Janeiro - Abril, Ano IV, p. 28-34, 2004.