OS ÓRGÃOS DE JULGAMENTO ADMINISTRATIVOS DO

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OS ÓRGÃOS DE JULGAMENTO ADMINISTRATIVOS DO
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OS ÓRGÃOS DE JULGAMENTO ADMINISTRATIVOS DO CONTENCIOSO
TRIBUTÁRIO NO BRASIL
Jorge Inácio de Aquino1
RESUMEN
Este artículo muestra los órganos de juicio del contencioso administrativo tributario
como garantía adicional que el Estado moderno ofrece al contribuyente en la solución
de las lides tributarias utilizándose del poder de autocontrol de sus actos con ventajas
tanto para el contribuyente como para la Administración Pública, en el sentido de, por
consecuencia, disminuir la litigiosidad tributaria en el ámbito del Poder Judiciario.
Aunque en Brasil la función jurisdiccional sea atributo del Poder Judiciario, la
Constitución Federal ordena que el proceso administrativo tributario como reacción del
contribuyente a acto de la Administración Pública activa si desarrolle a la semejanza del
proceso judicial, o sea, adentro del debido proceso legal y con las seguridades que le
son propias (art. 5º, XXXIV, “a” y LV, CF), posibilitando que, en el ámbito del Poder
Ejecutivo ocurra una función de casi-jurisdicción capaz de hacer cosa juzgada formal en
las decisiones contrarias a la propia Administración. En este aspecto, exceptua que, del
punto de vista material, tanto los órganos de inspección, como los órganos de juicio
administrativos, son órganos de justicia imparciales, en razón del objetivo común de
actuación ser una aplicación objetiva y vinculada de la ley, con alejamiento del “interés
formal” del Estado, pero que la característica de imparcialidad se acentúa en el órgano
judicante administrativo en virtud del establecimiento de la llamada imparcialidad
orgánica y actuación en el interés del orden jurídico, que lo distancia, no vincula ni
permite relación de jerarquía con el órgano de inspección y gestión tributaria.
De paso, el artículo cita algunas expresivas causas de litigiosidad tributaria, destacando
que, en Brasil, la economía sumergida y la ocultación fiscal sano las más importantes
causas de los litigios tributarios.
El trabajo destaca las ventajas de la discusión de las lides tributarias en el ámbito de la
Administración Pública y se concluye con la aprehensión de que la credibilidad de los
órganos judicantes incrustados en la Administración Pública deriva de su práctica
imparcial y exenta para resolver las cuestiones tributarias. Para tanto, al menos dos
condiciones se impone: Primero: es condición sine cua non que para desarrollar sus
atribuciones, los miembros dieses órganos necesitan tener amplia y plena ciencia y
conciencia de los principios que pautan la actividad judicante y estén listos
técnicamente para el desempeño de esa función, pautados en la imparcialidad vista en la
libre formación de su convencimiento para decidir mediante estricta obediencia a el
orden legal. Según: que la práctica imparcial y exenta de los órganos judicantes
1
Doutorando em Direito Tributário pela Universidad de Salamanca; Auditor Fiscal lotado no Conselho
de Contribuintes do Estado da Bahia; Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do Instituto dos Auditores
Fiscais da Bahia – IAF.
2
administrativos debe ser garantizada y especialmente promocionada por la propia
Administración Pública bajo la égida de sus principios constitucionales, sin que esta
Administración actúe con inapropiadas interferencias en el funcionamiento objetivo
dieses órganos.
I. A natureza dos órgãos de julgamento administrativo do contencioso tributário.
Em matéria tributária, a existência dos órgãos administrativos em que o
contribuinte discute exigência que lhe é imposta pela Administração, é um dos mais
importantes avanços do Estado Democrático de Direito para defesa e garantia de seus
direitos fundamentais. Isto porque vinculada como está ao princípio do Estado de
Direito, e à regra da legalidade, a Administração Pública pode e deve rever seus
próprios atos, sempre que estes estiverem maculados por erro ou ilegalidade, no
exercício do que a doutrina chama de autocontrole da Administração Pública.
Este autocontrole é exercido através do processo administrativo que exprime a
idéia de que os mecanismos de controle da legalidade dos atos administrativos devem
obedecer a um princípio de jurisdicionalização tendo em vista que esse processo se
desenvolve na mesma forma que nos tribunais, ressalvadas as especificidades
decorrentes da natureza indispensável dos direitos em presença, seja da natureza não
independente do órgão de julgamento por ser integrado na Administração, mas
pressupondo a imparcialidade do órgão judicante.
No caso brasileiro, esta jurisdicionalização está albergada no inciso LV do art. 5º
da Constituição Federal, ao dizer que “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O direito de defesa e contraditório processual são manifestações do princípio do
“devido processo legal” cunhado na Constituição dos Estados Unidos, consagrado nos
Estados Democráticos de Direito, inspirando que, no Brasil atual, ninguém poderá ser
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (CF, inciso LIV do
art. 5º).
Por sua vez, o direito de ampla defesa hoje se reveste pela natureza de um direito
de audiência, no sentido de que qualquer ato administrativo suscetível de produzir
3
conseqüências desfavoráveis para o administrado não poderá ser praticado de modo
definitivo sem que a este tenha sido dada a oportunidade de apresentar fatos e provas
que achar convenientes à defesa de seus interesses.
Diferentemente dos sistemas existentes em alguns países europeus em que a
jurisdição plena não é exclusividade do Poder Judiciário, sendo esta compartilhada,
caracterizando-se pelo fato de as questões relativas à Administração Pública, em
especial, as tributárias, serem reservadas à apreciação do Poder Executivo2, em nosso
país vigora uma reserva absoluta de jurisdição dos órgãos do Poder Judiciário, uma vez
que o Direito brasileiro é regido pelo “princípio da universalidade da jurisdição”,
“princípio da garantia jurisdicional” ou “sistema de jurisdição única”, de cuja
apreciação não pode ser excluída qualquer lesão ou ameaça de lesão de direito
individual, ainda que tal lesão ou ameaça seja decorrente de ato da Administração
(Inciso XXXVI do art. 5º, CF). Entretanto, isto não significa dizer que a justiça, em
especial a tributária, seja apenas concretada pelo Poder Judiciário, pois, ao abrigo da
atual Constituição, vigora um sistema de autocontrole optativo e não cumulativo,
segundo o qual o contribuinte pode livremente escolher entre a impugnação
administrativa e a impugnação judicial do lançamento tributário visando a certeza do
2
Segundo Alberto Xavier, este modelo de “contencioso administrativo”, de inspiração francesa, resulta
de uma “interpretação heterodoxa” do princípio da separação de poderes, devido mais ao
circuntancialismo histórico específico de alguns países europeus do que a razões de coerência lógica, pois
enquanto a lógica pura do princípio da separação de poderes conduz ao impedimento de a Administração
exercer funções jurisdicionais e de que os tribunais exerçam tarefas administrativas, já não conduz ao
impedimento de os tribunais conhecerem dos litígios entre a Administração e os particulares. Este último
impedimento representa uma “distorção artificiosa” do princípio da separação de poderes explicável
apenas por uma razão histórica e pragmática (a reação contra a forma de atuar dos “Parlamentos”,
tribunais do Ancien Régime), distorção que constitui o “pecado original” do contencioso administrativo.
A falácia revolucionária segundo a qual “julgar a Administração é ainda administrar” conduziu à
“imunidade judicial da Administração”, ou seja, à subtração dos atos do Poder Executivo da apreciação
do Poder Judiciário e à concomitante criação de mecanismos de autocontrole no âmbito do Poder
Executivo, que evoluíram por três fases distintas: numa primeira fase, o julgamento dos recursos contra os
atos da Administração competia a órgãos da Administração ativa – era o sistema do administrador-juiz;
numa segunda fase, esse julgamento cabia à Administração consultiva, mas a sua eficácia dependia ainda
de homologação da Administração ativa – era o sistema de justiça reservada; enfim, numa terceira fase, o
julgamento definitivo passa a caber a órgãos reputados imparciais, de natureza jurisdicional, mas
integrados no Poder Executivo e não no Poder Judiciário – é o sistema de justiça delegada. A esta fase
corresponde o contencioso administrativo em sentido próprio. In “Princípios do Processo Administrativo
e Judicial Tributário” 1ª Edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, pgs. 23⁄24.
4
lançamento e garantia dos seus direitos, não o impedindo de a qualquer tempo, esgotada
ou não a instância administrativa, levar a demanda ao Judiciário.
Isto se aponta porque nos Estados modernos as fronteiras entre as funções típicas
do Estado, da estrutura trifuncional de separação dos poderes, vem se estreitando em
benefício do Poder Executivo, a quem têm sido confiadas funções materialmente
legislativas e jurisdicionais, e isso, necessariamente, não deve ser visto negativamente
desde que essa atuação se faça em obediência aos princípios e preceitos constitucionais
do Estado Democrático de Direito. Neste caso, as funções jurisdicionais que o Poder
Executivo assume não podem ser vistas como uma distorção, uma invasão de
competência própria do Poder Judiciário, mas antes como uma garantia adicional que o
Estado moderno oferece ao cidadão nas suas relações com o Poder Executivo a quem
tenham sido confiadas.
Modernamente, as funções do Estado não são divididas entre os “Três Poderes”
de forma absoluta e estanque, mas de modo precípuo e não exclusivo. O Poder
Judiciário tem por função preponderante julgar, mas também administra e edita normas.
O Poder Legislativo preponderantemente edita normas, mas também administra, e
também julga e o Poder Executivo que tem como função precípua a administração da
coisa pública, também edita normas e também julga.
No caso dos julgamentos na esfera administrativa no Brasil, estes ocorrem no
âmbito dos processos administrativos, por meio dos quais exerce de modo atípico a
função julgadora. Como não se trata de um julgamento com todas as características do
proferido no âmbito do Poder Judiciário detentor único da função jurisdicional
propriamente dita, o Executivo assim exerce atividade que tem apenas uma “feição”
jurisdicional, mas de grande mérito social para o equilíbrio das relações entre os
cidadãos e o Estado, já que o processo administrativo embora obedeça a princípios
específicos, se desenvolve à semelhança do processo judicial, ou seja, dentro de um
núcleo comum de princípios constitucionais processuais. Convém destacar dentre os
princípios específicos afetos ao processo administrativo, os da utilidade do processo
administrativo, o da não-submissão do órgão julgador ao poder hierárquico, o da
verdade material e o da oficialidade.
5
Analogamente ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional presente no
âmbito do processo judicial, o princípio da utilidade do processo administrativo
funciona dizendo que não se pode admitir que, antes de concluído o processo, uma das
partes envolvida sofra dano de tal ordem que a decisão a ser proferida perca a sua
finalidade.
O princípio da não-submissão do órgão julgador ao poder hierárquico garante
que a autoridade julgadora administrativa esteja adstrita aos princípios constitucionais
processuais e não aos ditames específicos que disciplinam as funções típicas da
administração, como, por exemplo, os que obrigam a autoridade lançadora da exigência
fiscal, que segue fielmente as instruções editadas por seus superiores hierárquicos, mas
não obriga o órgão incumbido de apreciar a validade legal de um auto de infração, caso
as considere contrárias à lei.
Mesmo estruturado no âmbito do Poder Executivo, os órgãos julgadores estão
adstritos ao poder hierárquico somente no que diz respeito às suas funções
administrativas típicas, tais como horário de funcionamento da repartição, critérios de
nomeação, etc, mas não no que pertine ao mérito de suas decisões.3
Aliás, embora os membros do Poder Judiciário possuam as garantias
constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos para
exercerem a função jurisdicional plenamente, por obvio, o princípio da não-submissão
ao poder hierárquico também está presente no âmbito do Poder Judiciário. Um juiz não
está vinculado ao entendimento do tribunal, nem pode ter suas decisões reformadas de
ofício e a qualquer tempo em virtude do “poder hierárquico”.
O princípio da verdade material decorre do princípio da legalidade, porquanto
para aplicar a lei – sem se importar a quem essa aplicação eventualmente favoreça – a
Administração deve conhecer os fatos que reclamam a sua aplicação, fazendo-a
evidenciar do processo com as provas necessárias de modo a não deixar dúvida da
decisão nele proferida.
3
Nesse sentido, Adriano Pinto, “Processo Administrativo – Recurso Hierárquico”, artigo publicado na
Revista Dialética de Direito Tributário nº 92, São Paulo, maio 2003, p.7 ss (cit. Hugo de Brito Machado
Segundo, “Processo Tributário”, 2ª edição, Ed. Atlas, SP, 2006
6
Alberto Xavier sustenta a tese de que, no exercício da sua atividade de
lançamento, o Fisco é um órgão de justiça, inobstante ser parte na relação jurídica
tributária, cuja função consiste na aplicação objetiva da lei. E ainda que o Fisco é uma
parte imparcial, pois – apesar de ser parte em sentido substancial de relação tributária –
no procedimento administrativo de lançamento, o “interesse formal” do Estado é
irrelevante, devendo sempre prevalecer o "interesse substancial” de justiça, ou seja, a
aplicação objetiva da lei.4
Neste aspecto, há que se ver que, do ponto de vista material, tanto o órgão de
lançamento, como os órgãos de julgamento, são órgãos de justiça imparciais, em razão
de o objetivo comum de atuação ser uma aplicação objetiva e vinculada da lei, com total
alheamento do “interesse formal” do Fisco, sendo que, evidentemente, a característica
da imparcialidade se acentua no órgão judicante administrativo em virtude do
estabelecimento da chamada imparcialidade orgânica5 que o distancia, não vincula nem
permite relação de hierarquia com o órgão de lançamento, e tem como atribuição um ato
de apreciação da legalidade de ato de lançamento praticado por outrem cuja decisão
deve ser fundamentada pela interpretação da lei e verdade dos fatos.
Portanto, se a atividade da Administração ativa funciona de ofício objetivando
efetivar o interesse público coativamente mediante a realização de uma função regrada
nos termos e nos limites da lei, a Administração judicante funciona por iniciativa do
administrado tendo por objeto solucionar conforme o direito as controvérsias
decorrentes do funcionamento da Administração ativa sendo que nesta atividade o
interesse objetivado é o interesse da ordem jurídica, consubstanciado na recomposição
das situações em que essa ordem tenha sido lesada.
4
Alberto Xavier, “Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário”, 2005, Ed. Forense, pg.
44
5
Alberto Xavier distingue uma imparcialidade orgânica de primeiro e segundo graus: na de primeiro
grau a distanciação ou desinteresse em relação ao processo decorre de uma diferenciação ou
especialização entre “órgãos de lançamento” e “órgãos de julgamento”, integrados na mesma estrutura
hierárquica; na de segundo grau, a distanciação ou desinteresse decorre do fato de “órgãos de
lançamento” e “órgãos de julgamento” não manterem entre si vínculos diretos de subordinação
hierárquica. “Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário”, 2005, Ed. Forense, pg. 45
7
No âmbito administrativo tributário, o processo de impugnação tem por fim a
verificação da verdade material relativa aos fatos tributários, onde os particulares nele
intervêm na produção de provas, desenvolve-se como processo triangular de partes
segundo um princípio contraditório conduzido por órgão de julgamento da
Administração independente da atividade de lançamento, possuidor de característica
imparcial, e culmina com a prática de um ato estritamente vinculado, que produz um
juízo subsuntivo de aplicação da lei, em muitos pontos semelhante à sentença judicial,
atividade que a doutrina anglo-saxônica qualifica de quase-judicial.
Essa função de quase-jurisdição, como já visto, representa no Estado moderno
uma garantia adicional para o exercício dos direitos individuais do cidadão e embora
haja posicionamento doutrinário distinto neste aspecto6, dado às suas peculiaridades e
segundo a doutrina representada por Oscar Saraiva, Alfredo Buzaid, Lucio Bittencourt e
Ruy Carlos de Barros Monteiro (a qual acompanho até porque comumente os
Regulamentos de Processos Administrativos dos Entes tributante aos quais se vinculam
as autoridades julgadoras administrativas expressam limitações7), ao praticar atos
vinculados, o órgão julgador administrativo, por não ter plena jurisdição, subordina-se
aos atos normativos que lhe estejam imediatamente mais próximos – em especial, os
regulamentos e as leis - não podendo, portanto, por exemplo, apreciar matéria de
inconstitucionalidade argüida pelo Impugnante. Ou seja, a imparcialidade do órgão
judicante é limitada pela interpretação legislativa que faz os órgãos e autoridades
próprios do Poder Executivo.
Neste particular, quando em julgamento o órgão judicante verificar matéria
contida em lei ou em ato normativo considerado ilegal, geralmente os Regulamentos
Administrativos Fiscais prevêem disciplinamento apropriado para superação do evento.
No caso da Bahia, tal disciplina está contida no art. 168 do Regulamento do Processo
6
Diferentemente doutrinam Rui Babosa, Francisco Campos, Miguel Reale, Pedro Chaves, Miranda Lima,
Hely Lopes Meireles, entendendo que os órgãos administrativos de julgamento podem e devem apreciar
todas as matérias suscitadas, inclusive de inconstitucionalidade.
7
Art. 22 do Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais e dos Conselhos de Contribuintes
do Ministério da Fazenda; disposição também contida no Art. 70 da Port. 88⁄2004 para vedar apreciação
de inconstitucionalidade ao Conselho de Recursos da Previdência Social; Art. 167 do Regulamento do
Processo Fiscal da Bahia-RPAF
8
Administrativo Fiscal-RPAF 8, implicando em sobrestamento do processo até que a
matéria seja superada na forma que indica.
De todo modo, um dos principais aspectos que faz ressaltar a credibilidade dos
órgãos judicantes da esfera administrativa é que na atividade atípica de julgamento,
estes órgãos e, conseqüentemente, seus membros, não devem obediência a nenhum
outro órgão ou entidade, não incorrendo em desobediência se tomarem decisões
diversas das desejadas ou pretensamente impostas de fora, de tal modo que os titulares
desses órgãos não podem ser responsabilizados pelo fato de tomarem deliberações
contrárias a quaisquer ordens ou diretrizes exteriores não normativas, desde que devida
e legalmente fundamentadas.
II. As causas da litigiosidade tributária.
José Maria Lago Monteiro, Professor Diretor do Departamento de Direito
Administrativo, Financeiro e Processual da Faculdade de Direito da Universidade de
Salamanca, em substancioso trabalho com base no litígio tributário na Espanha e
intitulado “De la Litigiosidad y la Justicia Tributária”, afirma que a litigiosidade
tributária possui “causas remotas”, “causas mediatas” e “causas imediatas”. Nesse
trabalho, o insigne Professor estima que as “causas últimas ou remotas” se encontram
na tensão intrínseca entre o dever de contribuir e o direito a fazê-lo da maneira mais
vantajosa, sendo este o primeiro e principal fundamento do conflito tributário; causa
remota, mas certa, à qual se une a desconfiança do cidadão em um sistema tributário
muito oneroso somente para alguns, e pouco neutral no tratamento de operações
análogas, tanto no plano normativo como no aplicativo, o que conduz a uma frágil
8
Art. 168. Sempre que se encontrar em votação matéria contida em lei ou em ato normativo considerado
ilegal, ou se já decidida em última instância pelo Poder Judiciário, observar-se-á o seguinte: I - a
autoridade julgadora deverá submeter à Junta ou à Câmara proposta à Câmara Superior do CONSEF no
sentido de que represente ao Secretário da Fazenda, visando à decisão; II - caberá à Câmara Superior do
CONSEF decidir quanto a representar ou não ao Secretário da Fazenda; III - o Secretário da Fazenda,
ouvida a Procuradoria Geral do Estado, decidirá quanto à conveniência ou não de propositura de
modificação ou revogação da lei ou ato considerado ilegal. IV - para atendimento ao disposto no inciso
anterior, observar-se-ão os seguintes prazos: a) 30 (trinta) dias, para que a Procuradoria Geral do Estado
emita o devido parecer. b) 10 (dez) dias, para que o Secretário da Fazenda adote as providências cabíveis;
V - o processo administrativo ficará sobrestado até que ocorra a modificação ou revogação da lei ou do
ato normativo em exame ou o despacho denegatório da representação ou proposição.
9
consciência fiscal. Junto a estas causas, Lago Montero distingue as causas mediatas e
imediatas da litigiosidade, normativas e aplicativas, respectivamente.
Lago Montero sinaliza como causas mediatas de caráter normativo: a) A
complexidade do ordenamento tributário pelo galopante ritmo de modificações de leis e
regulamentos que, por conseqüência, produz novas “gretas” para pratica de fraude
tributária; b) A proliferação de regimes especiais e benefícios fiscais, que compromete a
generalidade e igualdade do sistema tributário; c) A proliferação de conceitos jurídicos
indeterminados, tais como o valor de mercado ou o valor real, de presunções e de
cláusulas anti-abusivas de conteúdo normativo incerto, que produzem, em algumas
ocasiões, mais insegurança jurídica que as que tratam de esclarecer e, por último; d)
Também é causa de litígio tributário o peso desmedido dos deveres formais impostos
aos contribuintes e de difícil cumprimento.
Por fim, no trabalho citado, Lago Montero aponta como sendo as causas
imediatas, de caráter aplicativo, causadoras de litigiosidade tributária, as seguintes: a)
Incapacidade das Administrações Tributárias para medir a capacidade econômica real
de todos os contribuintes. Entende ele, que os meios de pessoal e material dos quais
dispõe a Administração não guardam proporção com a complexidade do sistema que se
preordena aplicar, o que produz uma deficiente motivação dos atos administrativos de
toda classe e condição; b) Em conexão com a anterior causa, expressa a freqüente
queixa de autores sobre a prepotência histórica da Administração, tributária ou não,
desde a revolução francesa até nossos dias, na que detectam complacência no “ordeno e
mando” em setores fundamentais da Administração Pública.
Não há lugar para duvidar que as causas arroladas pelo distinto Mestre da
Universidade de Salamanca, são importantes causadores de litigiosidade tributária.
Entretanto, entendo que sua lista não é taxativa, mas exemplificativa, pois que ainda
existem outras grandes causas de litigiosidade tributária.
Tomando a realidade da tributação brasileira, facilmente constatamos que a
principal causa dos litígios tributários são as ilicitudes tributárias praticadas
volitivamente pelos contribuintes e que implicam no descumprimento das suas
obrigações tributárias.
10
Dados recentes divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostram que
em 2009 as transações econômicas da economia informal ou submergida no país foram
da ordem de 578 bilhões de reais, ou 340 bilhões de dólares, valor equivalente ao PIB
da Argentina e que representa 18,4% do PIB do Brasil. Isto implica em uma perda de
receita tributária da ordem de 200 bilhões de reais, em face da sonegação dos diversos
tributos, ilicitude que, ao menos em nosso país, é a maior causa de litigiosidade entre o
Estado e os seus contribuintes, já que quando flagrados na ilicitude iniciam as lides
tributárias sejam no âmbito administrativo ou judicial.
Ainda em relação às causas mencionadas por Lago Montero, também entendo
que, na atualidade, as causas imediatas de litigiosidade de caráter aplicativo estão
bastante mitigadas, pois se no passado não muito longe eram incontestáveis, nos
Estados modernos já não aparecem com tanta intensidade, isto porque vinculada como
está ao princípio do Estado de Direito, e à regra da legalidade, a Administração
Tributária atua mediante estrita vinculação à lei, especialmente na atividade inspetora,
possuindo, como no caso do Brasil, órgãos judicantes destinados ao autocontrole dos
atos praticados pela Administração ativa, que funcionam no sentido de adicionalmente
garantir os direitos do contribuinte e o comprimento de suas obrigações tributárias
dentro das margens de legalidade, ou seja, corrigindo ainda no âmbito administrativo os
eventuais excessos praticados por seus prepostos fiscais na atividade inspetora.
Quanto à mensuração da capacidade econômica ou contributiva real do
contribuinte, entendo que, de fato, ela é distorcida no âmbito aplicativo da legislação
tributária, mas se culpa há da Administração Tributária, será a menor dentre as
instituições do Estado com direta influência na distorção do princípio na concreção do
sistema tributário.
O Princípio de Capacidade Contributiva se interrelaciona com outros princípios
democráticos fundamentais para conjuntamente atuarem na concreção de uma justiça
fiscal como pressuposto de uma justiça social subordinada aos objetivos fundamentais
do Estado Democrático de Direito. Neste sentido algumas Constituições registram estes
objetivos em cláusulas inalienáveis a exemplo do que o legislador formulou no 3º artigo
11
da Constituição Federal do Brasil,9 no art. 3º da Constituição italiana,10 e na forma que
expressa o preâmbulo da Lei Fundamental do Estado Espanhol11. Para tais objetivos se
realizarem é imprescindível a efetiva atuação do Princípio de Capacidade Contributiva
como principal centro de atenção do Direito Tributário.
Por outro lado, uma norma legal para ser um dever ser “que é”, segundo Hans
Nawiasky, há que ser formulada captando com perfeição a vontade da sociedade. Diz
esse autor que:
“Todas las normas que quieran obligar efectivamente a sus destinatarios deben apoyarse
sobre una voluntad real que se manifieste en exigencias de conducta...” 12.
Em seguida, o aclamado autor explicita que:
“A través de la autoridad, anclada en el mundo de los hechos, que está detrás de las
normas jurídicas, entran éstas en contactos con la realidad de la vida social. Los
portadores reales de la voluntad no se manifiestan, desde luego, indiferentes ante el
Derecho, sino que ponen su empeño en determinar, con fundamento en sus concepciones,
el contenido del Derecho, tanto en el plan de los intereses que promocionan como en el
plan de los ideales que defienden. No solo porque el Derecho abstraído de un fin carecería
de sentido, pero también porque su vigencia presupone unos portadores reales, que tratan
de realizar determinados fines con el Derecho...” 13
9
Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 3º (CF) Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade justa, livre e soberana, II – garantir o
desenvolvimento nacional; III – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras maneiras de discriminação.
10
Art. 3º... Es misión de la República suprimir los obstáculos de orden económico y social que, limitando
de hecho la libertad y la igualdad de los ciudadanos, impiden el pleno desarrollo de la personalidad
humana y la efectiva participación de todos los trabajadores en la organización política, económica y
social del país (Constituciones Extranjeras Conteporaneas, Tecnos, 3ª edición, 1994, pg. 139.
11
Constitución española, Tecnos, Novena edición, 1997: PREÁMBULO (CE) – La nación española,
deseando establecer la justicia, la libertad y la seguridad y promover el bien de cuantos la integran, en
uso de su soberanía, proclama su voluntad de: a) garantizar la convivencia democrática dentro de la
Constitución y de las leyes conforme a un orden social económico y social justo; b) Consolidar un Estado
de Derecho que asegure el imperio de la ley como expresión de la voluntad popular; c) proteger a todos
los españoles y pueblos de España en el ejercicio de los derechos humanos, sus culturas y tradiciones,
lenguas e instituciones; d) promover el progreso de la cultura y de la economía para asegurar a todos una
digna calidad de vida; e) establecer una sociedad democrática avanzada, y; e) colaborar en el
fortalecimiento de unas relaciones pacíficas y de eficaz cooperación.
12
In: Teoría General del Derecho, ed. Rialp, Madrid, 1962, p. 25
13
In: Teoría General del Derecho, ed. Rialp, Madrid, 1962, p. 25
12
As leis que informam um sistema tributário não fogem a esta consideração.
Expressam a vontade do grupo social que prepondera no “momento legislativo”. Tal
aspecto está presente nas instituições do Estado, na Administração Pública, na doutrina
dos tribunais, em especial, dos tribunais constitucionais onde a interpretação de
conceitos jurídicos - principalmente dos conceitos indeterminados - depende dos valores
que em cada momento histórico aceitem os órgãos de controle da constitucionalidade
das leis – e, pelo caso, da composição destes, como se verifica na doutrina
constitucional norte-americana ou como se mostra na evolução da doutrina do Tribunal
Constitucional alemão, o que se reflete até na atual composição do nosso Supremo
Tribunal Federal, onde nada menos que oito de seus onze Ministros foram nomeados
pelo atual Presidente da República - algo que, pelo resto, certamente ocorre em todos os
Estados e acontece em todos os campos do Direito. Assim, as abstrações jurídicas são
indispensáveis para a realização prática do Direito. Já afirmou Aliomar Baleeiro, que
muitas vezes o teórico concebe sistematizações que utilizando variados recursos, como
o leito de Procusto, onde a instituição jurídica tem que ser estreitada ou alargada para
caber sem folga nem excessos, com o que nem sempre os doutores convêm em que
determinada técnica jurídica se tem que constituir adequada ao fim prático do Direito.14
A concreção dos fins que de tem cumprir uma estrutura fiscal não é tarefa fácil.
Não há unanimidade na melhor configuração de um sistema tributário, pois varia ao
longo da história da atividade financeira do setor público e sua delimitação depende da
ideologia do grupo de poder que constitui o sistema tributário. Para Palao Taboada, a
busca da ordenação mais justa, em nosso caso, do sistema tributário mais justo – ou,
mais modesta e realisticamente, de um melhor sistema tributário – é missão da política,
com ajuda da Ciência da Fazenda e, em seu âmbito, do Direito Tributário como
disciplina científica.15
14
15
in: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Ed.Forense, R. Janeiro, 1998, p. 737
in ponencia El principio de capacidad contributiva como criterio de justicia tributaria: aplicación a los
impuestos directos e indirectos, en el II Congresso Internacional de Direito Tributario, Recife, agosto de
2003, p.19
13
No Brasil, o constituinte de 88 não incluiu a capacidade contributiva na
categoria das limitações, mas sim nos princípios gerais, ao lado das espécies tributárias
e das normas gerais. Com isto, concebe ser a capacidade contributiva um dos elementos
estruturais que compõem o sistema tributário, apresentando até maior importância
(nessa estruturação) do que as decantadas “limitações do poder de tributar”, pois estas
representam o que não pode ser feito, mas nada dizem do que deve ser feito para ter um
sistema tributário sintonizado com os valores básicos consagrados pelo Constituinte.
A relevância primaria do princípio de capacidade contributiva se impõe pela
sensação que se percebe com a força da evidência intuitiva. Ou seja, se o Estado é
necessário - bem como as suas prestações sociais, é sensato defender que os tributos que
fomentam tais prestações e possibilitam a própria existência do Estado, devem ser
implementados e graduados em correlação com a riqueza ou força econômica dos
contribuintes e com o valor dos fatos, por mais indeterminados que estes sejam. A isto
eu chamo de “relevância intrínseca do princípio de capacidade contributiva”.
A questão é como determinar os fatos de maneira a construir, em concreto, um
sistema tributário adequado aos critérios de equidade e justiça.
O principio de
capacidade contributiva à luz do Direito Tributário leva importância de base na
construção de um sistema tributário democrático com a efetiva participação do
contribuinte. É um instrumento que o legislador e os aplicadores do Direito usam para
otimizar a carga fiscal de um sistema.
Portanto, na concepção da norma tributária o legislador deve observar, sem
dúvida, o princípio da capacidade contributiva de seus destinatários, de modo que,
também, por obvio, tal princípio deve apresentar-se em todo o sistema tributário.
O que ocorre é que, concebido (como se pudéssemos ter um instante de
nascimento de um sistema tributário), o sistema tributário passa a sofrer alterações que
formatam um processo de erosão que, em muitas circunstâncias origina litigiosidade e
implica na variação da incidência concreta do princípio de capacidade contributiva no
sistema de modo geral.
Essa erosão pode ocorrer em duas ordens: de modo legal, por pressão de
interesses lobistas dos grupos sociais detentores do poder de fato na sociedade, em
especial do poder econômico, ou por uma real necessidade de ajuste estrutural, natural a
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qualquer sistema tributário, que pode causar uma diminuição ou aumento do volume
potencial de recursos que o sistema pode produzir segundo a variação da capacidade
contributiva dos sujeitos obrigados inicialmente mensurada pelo legislador. Essa última
variação citada decorre de ajustes estruturais legais nas espécies tributárias em razão da
superveniência de conjunturas não previstas pelo legislador original. A redução pode ser
causada, por exemplo, por desoneração tributária decorrente de normas de isenção, de
redução de base ou de alíquota em legítimos interesses incentivadores de
desenvolvimento econômico ou correção de efeitos econômicos de eventos da natureza;
divergência quanto à interpretação e alcance das normas tributárias ou controvérsias
quanto aos fatos geradores dos tributos etc., e o aumento, por exemplo, pode ter como
causa normas que ajustem as alíquotas dos tributos que servem para regular o mercado
financeiro ou o comércio exterior.
Em outra ponta, o processo de erosão do sistema tributária ocorre de forma
danosa – cuja incidência é distinta nos países e, infelizmente, muito relevante no Brasil e é exclusivamente negativa. Ela somente provoca diminuição no volume potencial de
recursos tributários do sistema e é provocada por procedimentos ilícitos, também
causando distorção na incidência concreta do princípio de capacidade contributiva no
sistema tributário. Tem como causas principais a sonegação fiscal que é conseqüência
da volitiva ilicitude do contribuinte que deixa de recolher ao Erário a parte que é direito
do Estado, indispensável para que este cumpra suas funções no interesse da sua
sociedade.
A sonegação fiscal faz com que o volume do recurso tributário arrecadado seja
menor que o recurso tributário potencial do sistema e compromete a sua capacidade
contributiva possível.
Portanto, ela ocorre antes da entrada do tributo nos cofres
públicos e significa a retenção indevida pelo contribuinte de direitos do Estado.16
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Há situações em que o Contribuinte de Direito (o responsável pelo recolhimento do tributo), é o mesmo
Contribuinte de Fato (aquele que sofre o ônus tributário), como, por exemplo, no Imposto de Renda, e há
situações em que o Contribuinte de Direito é diferente do Contribuinte de Fato, como nos casos dos
impostos indiretos a exemplo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), onde o
Contribuinte de Direito é o comerciante e o Contribuinte de Fato é o consumidor final do bem
comercializado.
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Para monitorar o ingresso tributário, geri-lo enquanto no poder do Estado e
recuperar a necessária contribuição do cidadão sonegada aos cofres públicos, portanto,
recurso indispensável para que o Estado cumpra suas funções, este possui pessoal
especializado cuja função institucional é vinculada à lei e se direciona no sentido de
fazer com que a incidência concreta do princípio de capacidade contributiva no sistema
tributário se aproxime o máximo possível da capacidade contributiva estimada pelo
legislador na concepção das normas tributárias.
Ora, considerando que a maior força motriz das alterações legislativas que
distorcem a incidência do princípio da capacidade contributiva no sistema tributário
concreto é a prevalência dos interesses dos grupos que detêm o poder de fato no Estado
em função da pressão ou influência que exercem junto ao legislador e que cabe apenas
ao Fisco praticar seus atos observando estritamente a legislação vigente, por obvio, há
de se convir que esta instituição seja a menos culpada pela distorção do princípio de
capacidade contributiva na concreção de um sistema tributário. Pode-se até considerar a
insuficiência de pessoal e material para mensurar tal princípio no sistema, mas também
há que observar que a crescente incorporação das novas tecnologias no âmbito fiscal
mitiga essa dificuldade de mensuração real, e, por conseqüência, reduzem a participação
dessas causas imediatas de caráter aplicativo na litigiosidade tributária.
Ademais, em matéria tributária, o autocontrole administrativo dos atos de
exigência fiscal é exercido através do processo administrativo que exprime a idéia de
que os mecanismos de controle da legalidade de tais atos devem obedecer a um
princípio de jurisdicionalização tendo em vista que o processo se desenvolve na mesma
forma que nos tribunais, ressalvadas as especificidades decorrentes da natureza
indispensável dos direitos em presença, seja da natureza não independente do órgão de
julgamento por ser integrado na Administração, mas pressupondo a imparcialidade do
órgão judicante.
III. Vantagens que se apresentam e razão da existência dos órgãos judicantes
administrativos.
Deste modo, constatada a credibilidade do órgão judicante administrativo, são
várias as vantagens que se apresentam para que o contribuinte utilize o sistema de
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jurisdição administrativa tributária, até em relação à jurisdição propriamente dita e
circunscrita ao Poder Judiciário, pois que caso vencido em sua pretensão na esfera
administrativa, poderá ainda recorrer à instância judicial.
Dentre as vantagens, se destacam as seguintes:
a) O processo administrativo é, em regra, mais célere, menos formal, menos
dispendioso, não exige a contratação de advogado nem impede que este nele funcione,
e, em seu transcurso, os gravames causados pelo ato impugnado mantêm-se suspensos;
b) Também como regra geral, as autoridades julgadoras possuem maior
conhecimento da legislação específica, e das peculiaridades dos fatos em questão;
c) O eventual êxito do contribuinte nesta esfera faz coisa julgada formal a seu
favor, não podendo a Administração recorrer ao Poder Judiciário contra a decisão
administrativa;
Em conclusão, do exposto se pode extrair que a valoração, confiança,
reconhecimento, enfim, a credibilidade dos órgãos judicantes incrustados na
Administração Pública, decorre de sua prática imparcial e isenta para resolver as
questões tributárias que lhes são afetas e, para tanto, ao menos duas condições se impõe:
Primeiro, é condição sine qua non que para desenvolver suas atribuições, os membros
desses órgãos precisam ter ampla e plena ciência e consciência dos princípios que
pautam a atividade judicante e estejam preparados tecnicamente para o desempenho
dessa função, pautado na imparcialidade vista na livre formação do seu convencimento
para decidir mediante estrita obediência à ordem legal, inclusive atentando para um dos
mais basilares e fundamentais princípios na interpretação do direito que é o sentido da
vigência da lei, pois que esta há que regular os fatos futuros. Excepcionalmente alguma
lei pode até retroagir seus efeitos, mas apenas em casos especiais a exemplo de lei penal
benéfica e tributária que fixa sanções menos gravosas, na forma prevista no art. 106 do
Código Tributário Nacional-CTN.17
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Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente
interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando
deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido
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A segunda, e quiçá mais importante condição, diz respeito a que a prática
imparcial e isenta dos órgãos judicantes administrativos deve ser garantida e
especialmente promovida pela própria Administração Pública sob a égide dos seus
princípios constitucionais, sem que esta Administração atue com inapropriadas
interferências no funcionamento objetivo desses órgãos para que do contrário neles não
ressurjam vestígios próprios dos “tribunais de exceção”, não por acaso, expressamente
vedados de existência pela nossa Carta Magna. Portanto, sem atuação imparcial, por
obvio, evapora-se a credibilidade do órgão judicante e se dissolve a garantia adicional
que um Estado Democrático quer dar ao contribuinte na preservação de seus direitos,
inclusive do direito de cumprir suas obrigações no limite legal, bem como compromete
o estabelecimento do interesse da ordem jurídica que é a razão de existência de órgãos
judicantes tributários na esfera administrativa de poder.
Salvador, agosto de 2010
fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade
menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.