Português em contexo multilingue

Transcrição

Português em contexo multilingue
Português em contexo multilingue
Pascal Paulus
Análise das provas de Aferição da
Escola e a resposta encontrada
pelo Conselho Pedagógico.
Português em contexo
multilingue
© Pascal Paulus - Carnaxide, 2002
Índice
Introdução.......................................................................................7
Diagnóstico de uma situação........................................................9
Comparação com os resultados nacionais.......................................9
Na parte de compreensão............................................................11
Na parte do funcionamento da língua..........................................12
Na parte da escrita.......................................................................12
Organização da prova....................................................................15
Resultados parciais......................................................................16
Organização dos itens.................................................................20
Resultados na escola por resultados, em ordem decrescente......22
Compreensão da leitura...............................................................22
Funcionamento da língua.............................................................26
Português em contexto multilingue...........................................31
Ponto de encontro entre o Projecto Curricular da turma e a formação..................................................................................................31
As propostas da formação. .........................................................32
Construção de um tesouro...........................................................32
Incentivar o contar de histórias....................................................33
Trabalhar o léxico de referência..................................................34
Projecto curricular: trabalho de texto e de projecto........................35
Gestão do trabalho de texto.........................................................35
Gestão do trabalho de projecto....................................................36
Integração de algumas propostas..................................................39
Proposta do tesouro.....................................................................39
5
Proposta acerca da culturalidade................................................51
Histórias no teatro........................................................................56
O léxico referencial em projectos e em trabalho de texto..............59
Novas palavras e estruturas gramaticais nos projectos actuais e
momentos de trabalho colectivos ...............................................60
Alguns momentos de trabalho de texto.......................................62
Intervenções em Conselho..........................................................72
Para terminar este capítulo............................................................73
Trabalhos dos alunos..................................................................77
Racismo..........................................................................................77
O trabalho....................................................................................78
Cabo Verde.....................................................................................83
O que descobrimos:.....................................................................84
Dois poetas.....................................................................................92
6
Introdução
Este texto tem duas partes. Primeiro apresento a análise que me
foi encomendado como presidente do Conselho Pedagógico para
perceber as dificuldades dos alunos de 4º ano da nossa escola.
Esta análise levou a encomenda de uma formação específica acerca do trabalho em contexto multilíngua. Para tal, convidou-se a
Dulce Pereira, como formadora.
A segunda parte do texto é baseado no meu relatório individual
como formando nesta formação.
7
Diagnóstico de uma situação
Comparação com os resultados nacionais
A prova centrada sobre a compreensão da leitura e o funcionamento da escrita, estava concentrado sobre o texto inédito que
transcrevemos:
O Pedro e o João iam para a cama à mesma hora.
Mas enquanto o João adormecia logo, o Pedro ficava
acordado, encolhido entre os lençóis, cheio de medo.
Medo de quê?
Do escuro, dos estalidos da madeira e... sobretudo do
vento.
Sem conseguir fechar os olhos, ficava a ouvi-lo com
muita atenção.
Vuu... Vuu... Vuu...
E tinha sempre medo.
Quando soprava de mansinho, parecia-Ihe que um
desconhecido queria entrar no quarto sem ninguém
dar por isso, para lhe fazer mal; se rugia com força e
9
Diagnóstico de uma situação
dava safanões nos vidros, punha-se logo a gritar:
– Mãe! Mãe!
A mãe ia ao quarto, aconchegava-lhe a roupa e ria-se:
– É o vento, Pedro! Não vês que é só o vento?
Ora isso sabia ele. Mas tinha tanto medo...
Uma noite, estava encolhido entre os lençóis, como de
costume, quando ouviu chamar lá fora:
– Pst, Pst!
Espantado, sentou-se na cama. Não estava ali ninguém. Quem lhe
falava era o vento. Um vento grande, gordo, risonho.
– Quem és tu?
– Eu sou o vento do deserto. Chamo-me Siroco e sou
muito quentinho.
– Siroco? Mas os ventos têm nome?
– Temos, sim. Somos uma família ventosa. O meu irmão é o Suão... Suão... Suão...
O Pedro estava encantado.
– Não tenhas medo de nós – soprou-lhe muito baixinho – fazemos barulho, porque andamos a brincar!
Pelo ar... pelo ar... pelo ar...
– Que é isto? Quem está aí? – perguntou de repente o
João, que acordara sobressaltado.
– É um vento meu amigo.
O João até deu um pulo.
– O quê?
Surpreendido, encostou-se também ao parapeito.
Mas o vento Siroco já lá ia... numa correria... numa
correria...
10
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada
(versão não publicada)
A leitura atenta deste texto consistia a primeira parte da prova.
Na parte de compreensão
A segunda parte da prova, após
leitura atenta do
texto,
consistia
em responder a
perguntas de interpretação.
Compreensão da leitura
respostas certas
65%
60%
55%
50%
45%
40%
35%
Figura 1
escola
regional
nacional
Eis a média da
percentagem de
respostas certas a
este conjunto de
perguntas:
Mesmo ao nível mais básico da resposta “verbatim”, os alunos
da nossa escola tem muitos problemas em perceber a pergunta
e/ou responder a ela. Em média, só um aluno em 3 desenvolveu
capacidade de compreensão de textos novos, durante os quatro
anos de ensino já passado.
Poderemos analisar em que medida isto se deve ao facto de os
alunos, tanto os de origem africana como de origem português utilizarem um vocabulário muito reduzido, que não é forçosamente
ampliado pelos manuais escolares.
11
Diagnóstico de uma situação
Na parte do funcionamento da língua
A terceira parte
da prova consistia
70%
num conjunto de
65%
perguntas à partir
60%
do texto, mas com
55%
carácter morfológico e gramatical. As
50%
perguntas testa45%
vam conhecimen40%
escola
regional
nacional
tos linguísticas no
uso da língua,
Figura 2:
como vem explicitamente referido no programa do 1º ciclo. Aqui, a comparação entre a escola e o país revela um resultado ligeiramente melhor do
que na compreensão da leitura.
Funcionamento da Língua
respostas certas
Pode haver um elemento sorte, já que muitas perguntas pedem
uma escolha entre três opções.
Pode também haver um elemento treino. Muitos manuais ocupam-se sobretudo em estruturar aspectos gramaticais. Mesmo assim, os resultados da escola são más. Ao nível nacional reforça a
ideia que se investe mais no funcionamento da língua do que na
compreensão da leitura. Nada de surpresas portanto...
Na parte da escrita
A prova escrita começa com uma folha de explicações:
Durante este tempo, vais escrever uma pequena histó12
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
ria.
Toma atenção às instruções.
– Lê atentamente a página seguinte.
– Respeita o que te é pedido.
– Faz um rascunho a lápis, na folha própria.
– Escreve um mínimo de 15 e um máximo de 25 linhas.
– Dá um título à história, diferente dos que já te foram
apresentados.
– Revê com cuidado o rascunho e corrige o que achares que deve ser corrigido.
– Copia o texto para a folha da prova, em letra bem legível, a tinta azul ou preta.
– Se, por acaso, te enganares, risca e escreve de novo.
Não uses corrector.
A seguir a estes instruções, mal lidos por bastante alunos, que
não se lembraram da primeira instrução e escreveram um texto
qualquer, inventado, vinha a dica para o desenvolvimento da história:
O Pedro e o Siroco ficaram amigos. Um dia, o vento
convidou o menino a viajar com ele.
– Imagina e escreve uma história em que contes uma
aventura vivida por ambos. Podes falar dos lugares
por onde passaram, das coisas que viram, das conversas que tiveram.
Aqui, três parâmetros são avaliados: a construção da narrativa, a
construção linguística do texto e a ortografia. Os resultados são
apresentados em termos de médias alcançadas pelos alunos de
uma escola.
13
Diagnóstico de uma situação
Para a nossa
escola, a construção da narrativa (Figura 3 )
consegue uma
média de 50%,
quando a média
nacional ronda os
80%.
Escrita da narrativa
média obtida pelo conjunto de alunos
80%
75%
70%
65%
60%
55%
50%
O vocabulário
pobre, a falta de
Figura 3
título e um desenvolvimento que desvia do pedido inicial podem explicar esta baixa
nota. Não será estranho também não o facto de muitos alunos do
4º ano que fizeram a prova, continuarem a ser potencialmente
analfabetas.
45%
Escola
Regional
Nacional
O segundo item, a construção linguística do texto ( Figura 4), que
Construção linguística do texto
avalia a utilização
média obtida pelo conjunto de alunos
correcta de aspec- 65%
tos morfológicos e
gramaticais, não é 60%
muito mais anima55%
dor.
Registamos aqui
uma
realização
abaixo dos 50%.
50%
45%
Figura 4
14
Escola
Regional
Nacional
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Poderão ser origem desta baixa: problemas de conjugação do
verbo, concordância masculino/feminino dos nomes e dos adjectivos, para os alunos que falam português como segunda língua.
Aqui também são prejudicados os alunos que não dominam bem
advérbios e adjectivos como elementos enriquecedores do texto.
O terceiro aspecto, a ortografia (Figura 5 ), que parece ser mais
bem treinado, não dá asa para muita alegria. Até ao nível nacional,
poucos alunos escrevem sem erros, mas num texto de 25 linhas,
mais de 60 % tem 5 erros ou menos.
Na nossa escola, o desvio mantêm-se e há menos de um aluno
em dois que escreve menos de 5 erros.
Erros ortográficos
% de alunos com até ... erros
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Escola
0 erros
Regional
0-2 erros
Figura 5
Nacional
0-5 erros
Provavelmente,
não damos suficientemente importância
ao tratamento do
erro, às listas de palavras, à actividade
da escrita em si. São
provavelmente aspectos fundamentais
para ajudar os alunos a melhorar a sua
escrita.
Organização da prova
Como anteriormente referido, a prova estava organizada em
quatro partes:
15
Diagnóstico de uma situação
1. Leitura de um texto
2. Compreensão da leitura.
3. Funcionamento da língua
4. Produção escrita.
Sobre cada um destes aspectos, apresento os resultados da escola (certo, parcialmente certo, errado) agrupado pelos grandes
itens de cada uma destas partes. Os resultados referem-se aos
pontos 2, 3, e 4, já que a avaliação da leitura está implicitamente
presente na prova toda e não foi, por si próprio, alvo de avaliação.
Resultados parciais
Compreensão da leitura
c ompreender a ideia princ ipal
resultados da escola
60%
60%
40%
40%
20%
20%
0%
errado
parcial
certo
0%
c ompreender e realiz ar v erbatim
errado
60%
60%
40%
40%
20%
20%
0%
Figura 6
16
errado
parcial
parcial
certo
c ompreender e realiz ar inferênc ias
c ompreender e realiz ar paráfras e
certo
0%
errado
parcial
certo
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
identificação de
frases com o
mesmo sentido
Funcionamento da língua
60%
60%
40%
40%
20%
20%
0%
errado
conhecer categorias
gramaticais
resultados da escola
parcial
certo
0%
errado
conhecer a estrutura da
palavra
60%
40%
40%
20%
20%
errado
certo
conhecer a estrutura
60%
0%
parcial
parcial
certo
0%
errado
parcial
frásica
certo
Figura 7
As respostas certas, neste primeiro aspecto, de compreensão da
leitura (Figura 6), concentram-se nas respostas “ad verbatim” (gráfico direito superior), isto é, do treino resulta sobretudo a capacidade de encontrar elementos no texto, e não de conseguir captar a
ideia principal ou de poder contextualizar. Para isso, falta provavelmente a capacidade de avaliar situações em funções de outras vividas ou lidas. E uma das dificuldades é exactamente a ausência
de situações vividas.
O segundo aspecto, de funcionamento da língua (Figura 7), que,
lembramos, fica na nossa escola em mais ou menos a metade das
respostas certas ao nível nacional, quando estudado mais em pormenor, revela que a estrutura da palavra foi pelos vistos mais bem
17
Diagnóstico de uma situação
trabalhado, em detrimento da percepção e da estrutura frásica.
Mas esta dificuldade da percepção da estrutura frásica pode ter influência nos resultados em geral e nos resultados de matemática,
quando se tem a ver com a interpretação dos elementos de um
enunciado para um problema.
Construção linguística do texto
valor média dos alunos da escola
total
concordância com convenções relativas ao parágrafo e formas de discurso
concordância com convenções relativas à construção do período
concordância com convenções de pontuação
articulação frásica
concordância entre os vários elementos da frase
diversidade do vocabulário adequado aos lugares
diversidade do vocabulário adequado às personagens
diversidade do vocabulário adequado à realidade a narrar
0%
20%
40%
60%
Figura 8
Os gráficos da produção escrita (Figura 8 e Figura 9, página 18)
apresentam-se no sentido de podermos avaliar os conhecimentos
testados e as médias obtida.
18
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Construção da narrativa
valor média dos alunos da escola
total
escolha pertinente do título
identificação de personagens e lugares
articulação acontecimentos de acordo c/ ordem lógica e/ou cronológica
desenvolvimento da história numa sequência organizada
correspondência da narrativa aos requisitos da prova
0%
20%
40%
60%
80%
Figura 9
Por fim, repetimos o gráfico dos erros ortográficos para a escola
(Figura 10, página 20), a partir dos dados fornecidos: em 61 alunos, 23, portanto um pouco mais de um terço, têm mais de 10 erros num texto que tinha no máximo 25 linhas, mas que no caso
destes alunos, provavelmente tinha menos de 25 linhas.
Lembramos também que mais de metade dos alunos ao nível
nacional fazem menos de 5 erros, o que não é o caso na escola.
19
Diagnóstico de uma situação
Erros de ortografia
resultados da escola
24
22
nº de alunos num total de 61
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
10 erros ou mais
9 erros
8 erros
7 erros
6 erros
5 erros
nº de erros
4 erros
3 erros
2 erros
1 erro
nenhum erro
Figura 10
Organização dos itens
Antes de apresentar os resultados item por item, lembro a estrutura da prova:
áreas de conteúdo
Compreensão
da leitura
tipos de competências
Compreender a ideia principal de um
1, 8,
texto, identificar personagens, caracte- 10, 11
rísticas e sentimentos das personae 12
gens, e sequência cronológica da acção.
Compreender e realizar verbatim;
20
itens
1, 2, 5
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
(identificar a informação necessária à e 6
resposta que se encontra no texto,
exactamente com as mesmas palavras)
Compreender e realizar a paráfrase;
3, 4 e
(identificar a informação explicita no
5
texto e responder por palavras diferentes, também expressas no texto)
Compreender e realizar inferências;
(compreender a mensagem cuja informação não está explícita no texto)
5, 7, 9
e 11
21
Diagnóstico de uma situação
áreas de conteúdo
tipos de competências
itens
Identificação de frases com o mesmo senti- 1
do (sinonímia)
Conhecimento de estruturas gramaticais
3, 4,
5, 6,
8e9
Conhecimento da estrutura de palavra
7
Conhecimento da estrutura frásica
2e
10
Funcionamento da língua
Construção da narrativa (capacidade de or- A
ganizar adequadamente um texto narrativo)
Produção escrita
Construção linguística do texto (capacidade B
de utilizar vocabulário diversificado e em
recorrer a frases simples e complexas)
Ortografia
Resultados na escola por resultados, em ordem decrescente
Nas páginas a seguir, incluímos uma cópia das perguntas das
provas, junto com os resultados obtidos pela escola. Lembro que
se trata de 61 alunos, matriculados no 4º ano, no ano lectivo transacto.
Compreensão da leitura
Item 6
22
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Cotação
Alunos
0
11
2
50
Item 2
Cotação
Alunos
0
12
3
49
Item 7
Cotação
Alunos
0
19
3
47
Item 12
23
Diagnóstico de uma situação
Cotação
0
1
Alunos
30
31
Item 5
Cotação Alunos
0
2
1
4
2
5
3
20
4
30
Item 4
Cotação Alunos
0
32
3
29
Item 3
24
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Cotação Alunos
0
26
2
21
3
14
Item 11
Cotação Alunos
0
49
4
12
Item 10
Cotação Alunos
0
48
2
1
4
12
Item 1
25
Diagnóstico de uma situação
Cotação Alunos
0
3
1
52
2
6
Item 8
Cotação Alunos
0
31
1
10
2
8
3
9
4
3
Item 9
Cotação Alunos
0
51
3
10
4
0
Funcionamento da língua
Item 7
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Cotação Alunos
0
25
2
36
Item 3
Cotação Alunos
0
25
2
36
Item 6
Cotação Alunos
0
29
1
32
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Diagnóstico de uma situação
Item 4
Cotação Alunos
0
31
2
30
Item 2
Cotação Alunos
0,0
15
1,0
5
1,5
12
2,0
29
Item 1
Cotação Alunos
28
0
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Item 8
Cotação Alunos
0
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Item 9
Cotação Alunos
0
46
2
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Item 5
Cotação Alunos
0,0
21
0,5
0
1,0
2
1,5
3
2,0
13
2,5
18
3,0
4
29
Diagnóstico de uma situação
Item 10
Cotação Alunos
0,0
45
0,5
8
1,0
1
1,5
1
2,0
3
2,5
1
3,0
2
A análise feita, optou-se investir com os professores na abordagem do Português como segunda língua. Muitos dos alunos da escola não falam, de facto, Português como língua materna, e outros,
embora falando Português em casa, são muito influenciados pelos
colegas.
A Dulce Pereira trabalhou com a equipa durante 6 meses, dois
anos depois deste diagnóstico, visto a lentidão com que são creditadas as acções de formação.
30
Português em contexto multilingue
Ponto de encontro entre o Projecto Curricular da turma
e a formação
Estas folhas retratam algumas actividades e algumas reflexões
decorrentes do projecto de formação orientada pela Dulce Pereira,
por pedido expresso, formulado pelo Conselho Pedagógico no ano
lectivo 1999-2000.
O pedido foi feito depois de constatar como os professores da
escola estavam mal preparados para diagnosticar e depois apoiar
a resolver dificuldades de uma parte significativa dos alunos, devido ao facto de eles terem outra língua materna, que não a língua
portuguesa.
Penso que a interacção com a Dulce me foi extremamente útil.
Se, por um lado, consolidou algumas actividades minhas que fazia
de forma mais intuitiva, como a construção de listas de palavras
em função de dificuldades com a concordância verbo - pessoa, por
outro lado, ajudou-me em muito perceber determinadas reacções
dos meus alunos perante palavras e frases que não me pareciam
31
Português em contexto multilingue
muito violentas, mas que, no contexto crioulo, o são. Ajudou-me
também a perceber e enquadrar melhor a influência da história da
escravatura, presente em muitas formas de expressão, em festas,
em algumas actividades religiosas e até em determinadas regras,
como esta que diz que não se conta histórias antes do cair da noite.
Dividi este documento em 3 partes: No primeiro ponto, foco aspectos da formação que influenciaram marcadamente o projecto
de turma e a intervenção na sala de aula. No segundo ponto lembro alguns aspectos do Projecto Curricular da turma. Nos pontos à
seguir, ponto três e ponto quatro, descrevo momentos da prática
que ilustram a relação com a formação.
As propostas da formação.
Entre as sugestões que a formadora, Dulce Pereira, nos deixou,
aproveitei algumas, integrando-as na prática da sala, que mais a
frente descrevo através de alguns exemplos escolhidos.
Para mais fácil leitura, explicito neste primeiro ponto as propostas utilizadas e que influenciaram significativamente o decorrer das
actividades na sala de aula, reconduzindo para a respectiva parte
do texto.
Construção de um tesouro.
Proposta: Aumentar a capacidade expressiva em português pegando em palavras e brincarmos com elas, coleccionando-as
numa caixa (tesouro) para depois as aproveitar para trabalhar à
volta delas (palavras portuguesas ou crioulas)
32
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
O que fizemos: Como não tinha tempo para trabalhar especificamente a ideia do tesouro, devido à preparação da nossa viagem à
Bélgica, motivado pela correspondência interescolar, resolvi aumentar o trabalho de tradução na preparação desta viagem. A
ideia do tesouro integrou-se portanto na preparação de um pequeno dicionário de apoio para os alunos, durante a estadia com as famílias de acolhimento, na Bélgica. O resultado está na página 40.
Na descrição, que segue mais a frente, realço que as listas de
frases e palavras tiveram assim um objectivo basicamente prático.
O tesouro para nós, foi o conjunto de frases e palavras, que nós
escolhemos, para podermos conversar uns com os outros, quando
estivermos juntos, na Bélgica, com os nossos correspondentes.
Incentivar o contar de histórias.
Proposta: Contar histórias em português, para tentar obter uma
recolha (?) de histórias, ou momentos vividos, em Crioulo. Facilitar
a escrita destes contos.
O que fizemos:
Além de contar histórias, tentei juntar histórias dos próprios alunos, ou então ouvir a história deles. Refiro, na página 18, um trabalho desenvolvido a partir da feitura de fotografias, pelos alunos,
tanto na escola como no bairro, em que cada um dos alunos tirou
perto de 30 fotografias que depois descreveu.
Também menciono como, quando se colocou a questão de fazer
um trabalho de apresentação sobre Portugal, para os correspondentes, a Marlene ficou logo com a ideia de fazer uma apresenta-
33
Português em contexto multilingue
ção do Cabo Verde1. Mostro, na página 54, como o trabalho explicitou também alguns aspectos acerca da proximidade da língua
Portuguesa e Crioula.
Como o ano passado, montámos uma peça de teatro. Relato, na
página 56, como a nossa conversa acerca do Crioulo, despoletada
depois do início da formação com a formadora, veio mesmo a calhar, para um trecho do texto, que foca um episódio de trabalho.
Este ano, a peça contemplou também o reconto de uma história,
que incluí a título de exemplo na página 58.2
Refiro ainda que não consegui mobilizar os alunos de origem
Africana para me trazerem outras histórias, eventualmente contadas em casa, provavelmente porque em casa não é dado grande
valor às histórias tradicionais. Por isso, fui eu as buscar nalgumas
recolhas feitas por autores portugueses.
Quero ainda focar uma conversa com a Ana Paula, que inclui na
página 34 e que tem a ver com a distinção entre o Crioulo (como
língua) e o Alentejano (como dialecto regional), por causa de uma
história que ela tentava de escrever.
Trabalhar o léxico de referência.
Proposta: Analisar e anotar o ganho léxico e de objectos gramaticais dos alunos a partir dos temas temas actualmente trabalhados
na sala de aula. Controlar o número de novas ocorrências no léxi1 Ver páginas 54 e 83.
2 O teatro inclui mais trechos em Crioulo, em Inglês e em Neerlandês, fruto
do trabalho desenvolvido este ano. O texto completo saiu num Jornal Especial da turma.
34
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
co referencial dos alunos. Explicitar como são treinadas as novas
aquisições.
O que fizemos: A provocação da formadora para tentarmos anotar as mudanças no léxico referencial ao longo de uma semana de
trabalho, fez-me anotar com alguma assiduidade as observações
dos alunos acerca de novas palavras ou novas “formas de dizer”,
durante duas semanas. A pequena lista que inclui nas páginas 60
e seguintes refere só as palavras e expressões que discuti individualmente ou em grupo, a partir do grupo de crianças que têm fortes influências crioulas.
Incluí, na página 70, o texto da Ana Paula, porque ilustra como
apareceram alguns trechos em Crioulo, depois de termos combinado traduzir as nossas frases para a viagem à Bélgica em 4 línguas.
Exemplifiquei o trabalho de texto, porque, desde esta formação,
quando se trata de um texto de um aluno Caboverdiano, tento fixar para mim os erros que penso serem influenciados pela língua
materna. Fiz esta exemplificação com um texto da Marlene nas páginas 67 e seguinte.
Por fim, ainda realço que só escolhi descrever aspectos do trabalho da turma que considerava ilucidativos para a importância
que esta formação teve para a minha prática.
Projecto curricular: trabalho de texto e de projecto.
Gestão do trabalho de texto
Geral:
35
Português em contexto multilingue
Suporte a toda a escrita desenvolvida na sala, tanto para projectos, como para correspondência.
Especificidade:
– Escrita de histórias: uma rotina que envolve escrita no caderno pessoal, correcção, cópia para folhas formato A5 e respectiva ilustração, apresentação ao grupo, integração na biblioteca.
Para diversificar o vocabulário, projectamos uma visita ao Teatro Infantil de Lisboa durante o primeiro período e a elaboração
de um ficheiro de escrita.
– Escrita de texto livre: uma rotina que envolve escrita no caderno pessoal, eleição de texto, correcção colectiva, encaminhamento para jornal, correspondentes e/ou livro de textos da sala.
Pode implicar fichas de trabalho de gramática/ortografia.
Ficheiro de língua: rotina de trabalho autónomo orientado pelo
plano individual de trabalho discutido em conselho.
– Ficheiro de leitura e biblioteca: rotina de leitura, implicando preenchimento de uma ficha de leitura e apresentações de várias
formas: teatralizar, declamar, ler em voz alto, fantoche,....
Gestão do trabalho de projecto
Racismo, escravatura, guerra e paz
Com quem? Turma
O que? Desenvolver o trabalho começado com a acção de solidariedade com as mulheres do Afeganistão.
A partir da valorização que foi feita das nossas acções do ano
passado (Tocha, Estrada, Afeganistão, Natureza, Presidenciais),
continuaremos a contactar a comunidade e a devolver a ela o que
36
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
descobrimos. O racismo e a história de Cabo Verde ocupam aqui
um lugar importante. Investigaremos mais aprofundado o trabalho
e a escravatura infantil. Ficaremos atentos ao desenvolvimento do
contraste Pobre-Rico entre as nações, analisando o clima conturbado deste início de ano lectivo
Quando? Ao longo do ano lectivo, cada vez que a actualidade e
os nossos interlocutores (correspondentes) nos dêem pistas de trabalho.
Apoios: Beat Loeliger, Internet, Correspondência por correio
electrónico.
Correspondência internacional
Com quem? Lovaina, Turma de Eddy Macquoy
O que? Troca regular acerca do tema “nós e a natureza”, em
moldes a definir.
Previsão de troca de álbuns de pequenos projectos de investigação dos alunos
Encontro com os correspondentes
Quando? Frequência a definir. Envolve correspondência electrónico e correspondência em suporte papel.
Apoios: A realização do encontro depende do financiamento encontrado.
Natureza
Com quem? Turma da Fátima Monteiro
37
Português em contexto multilingue
O que? Visita ao Jardim Botânico
Pequenas experiências com plantas
Quando? Permanente.
Apoios:
Intervenção na comunidade.
Com quem? Proposta lançada para as outras turmas do 4º ano.
O que? Recolhas de dados, interpretação e devolução de resultados. O conteúdo pode ser diferente do sugerido a seguir, tomando em conta leituras de jornal ou acontecimentos nacionais ou internacionais importantes.
Pretendemos montar uma exposição acerca de cada um destes
temas.
Quando?
Setembro-Novembro: acerca do Euro e da história de Lisboa
Novembro-Janeiro: acerca das autárquicas. Análise de resultados
Apoios: Escola - material de desgaste.
Experiências e projectos de Investigação
Rotina de trabalho partindo de uma questão (jornal), um problema surgido ou uma ficha de proposta de trabalho em que sozinho
ou em pares, o aluno:
1. Analisa o problema e escreve proposta ou hipóteses
2. Executa a(s) experiência(s) ou monta a investigação considerado necessária.
38
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
3. Apresenta por escrito as conclusões.
O trabalho de projecto, complementado com as investigações realizadas pelos alunos a partir de perguntas e interesses formulados por cada um (ver infra), permite assim abranger a área curricular disciplinar do Estudo do Meio.
O trabalho permite que também parte dos conteúdos e das competências previstas nas outras áreas disciplinares sejam abordadas de forma integrada.
Integração de algumas propostas
Proposta do tesouro
Não tendo tempo para trabalhar especificamente a ideia do tesouro, resolvi aumentar o trabalho de tradução na preparação da
viagem para a Bélgica.
Porém, devo aqui referir que esta ideia de criar um tesouro, associado a algumas propostas da “Gramática da fantasia”, não me é
estranha. Durante a segunda metade do 2º ano, e durante o primeiro trimestre do 3º ano, recorri bastantes vezes ao que costumávamos chamar, na sala, o atelier de escrita, em que pegando numa
palavra, desenvolvíamos um pequeno texto. Os jornais de turma
daquela época trazem disso alguns exemplos.3
Entretanto, e voltando à preparação da viagem para a Bélgica
utilizei a ideia da tradução em alguns cartazes, como na figura que
segue, e como mostro mais a frente, no ponto a seguir.
3 Ver extracto do Projecto Curricular da Turma, página 9 e “Propostas da
formadora”, página 6
39
Português em contexto multilingue
A ideia do tesouro integrou-se também na nossa preparação de
um pequeno dicionário de apoio para os alunos, durante a estadia
com as famílias de acolhimento, na Bélgica, e do qual reproduzimos aqui uma adaptação.
Palavras:
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
Afeganistão
Afghanistan
Afganiston
Afghanistan
Almôndegas
Vleesballetjes
Almonga
Meatloaf
Amigo
Vriend
Amigu
Friend
Batatas fritas
Frieten
Batata Frita
Chips
Boneco
Pop
Boneku
Dolly
Carta
Brief
Carta
Letter
Comboio
Trein
Comboi
Train
Corresponden- Corresponden- Correspondenti Correspondent
tes
ten
40
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
Desenho
Tekening
Desenho
Drawing
Escorrega
Glijbaan
Escorrega
Slides
Eu
Ik
Mi / N
I
Fotografia
Fotografie
Fotografia
Photo
Frango
Kip
Frango
Chicken
Jogador
Speler
Jogador
Player
Jornal
Krant
Djornal
Papers/Periodical
Molas
Knijpers / Veren
Mola
Clips
Mundo
Wereld
Mundo
World
Obrigado
Dank je
Obrigado
Thank you
Parque
Speelplein /
speeltuin
Parki
Play ground
Pedra
Steen
Pedra
Rock
Pintura
Schilderhoek / Pintura
schilderij
Picture
Políticos
Politici
Political
Politiku
Listas de frases:
41
Português em contexto multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
A que horas vamos dormir e a
que horas acordamos?
Wanneer gaan Ki ora ki nu ata
we slapen en deta i ki ora nu
hoe laat staan ta labanta?
we op?
What time we
go to bed and
what time do
we wake up?
Até logo
Tot straks
Te logo
See you later
Boa noite
Goede
nacht /goede
avond
Bo noti
Good night
Boa tarde
Goede namid- Bo tardi
dag
Good afternoon
Como muitos
doces, por
isso...
Ik heb veel zo- N komi tcheu
ets gegeten,
dose
daarom…
I’ve ate to
much sweets.
Como te chamas?
Hoe heet je?
Mo ki bu tcho- What’s your
ma
name?
De onde és?
Waar kom je
vandaan?
Di ondi ki bu e Where are you
from?
Dói - me a bar- Ik heb buikpijn A ta due-m ba- I have a stomariga
riga
ch-ache
Dói – me a ca- Ik heb hoofdpijn A ta due-m ka- I have a headabeça
besa
che
És fixe!
Je bent “cool”
Bu é fixe
You are cool.
És meu amigo Je bent mijn vri- Bu é nha ami- You are my friend
gu
end
42
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
És meu melhor Je bent mijn
amigo.
beste vriend
Bu e nha med- You’re my best
jor amigu
friend
Estas a fazer
muito barulho
A nhos sa ta
fazi monti barulhu
Je maakt veel
lawaai.
Estou cansado Ik ben moe
You are making to much
noise.
N sta kansadu I’m tired
Estou triste
Ik ben verdrie- N sta triste
tig
Estou
zangado(a)
Ik ben boos
I’m sad
N sta ku raiba I’m angry
Eu gosto de co- Ik bijna alles
mer quase tudo graag
A mi gosta
kume kazi
tudu.
I like to eat almost
everything.
Estas a fazer
muito barulho
Je maakt veel
lawaai.
A nhos sa ta
fazi monti barulhu
You are making to much
noise.
Eu gosto de ir
ao cinema, ver
filmes de acção
e bonecos.
Ik zie graag actiefilms en tekenfilms, in de
cinema.
A mi gosta di
bai sinema i
odja filmi di akson i odja filmi
di buneku.
I like to go to
the cinema,
and see action
movies and
animated films
Eu gosto de
matemática, e
tu?
Ik hou van wis- A mi gosta di
kunde, en jij? matematika i
bo?
I like mathematics, and you?
Eu gosto de ou- Ik hou van pop- A mi gosta di
I like to listen to
43
Português em contexto multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
vir música pop / muziek / klassi- ovi muzika pop pop / classic
clássica
eke muziek
/ klasika
music.
Eu gosto de
Ik drink graag
sumo com gás sap met prik.
N gosta sumu I like juice with
con gas
“bubbles”
Eu gosto mais
de cães
Ik zie liever
honden.
A mi gosta
I am more fund
mas di katcho- of dogs
ru.
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
Eu leio muitos
livros, mas gosto mais dos livros de acção e
aventura
Ik lees veel boeken, maar ik
lees het liefst
actie en avontuur.
A mi ta le
tcheu livru di
akson i di
aventura.
I read many
books, but I like
most action
and adventure.
Eu pratica nata- Ik zwem en jij? A mi ta pratika I practice swimção, e tu?
natason i bo? ming, and you?
Eu sou de Portugal e tu?
Faço anos
em .... e tu?
Ik ben van Portugal en jij? Ik
verjaar op ….
En jij?
A mi e di Portugal i bo? N
ta fazi anus
en ... i bo?
I come from
Portugal and
you? My birthday is on …
and yours?
Eu tenho 2/3/... Ik heb 2/3/…
N ten 2/3 irmon I have 2/3
irmãos e tu?
broers en zus- i bo?
brothers (sissen en jij?
ters) and you?
Eu tenho 9
44
Ik ben 9 / 10
N ten 9 anu /10 I’m 9 years old,
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
anos /10, e tu? jaar oud, en jij? e bo
Inglês
10, and you?
Gostas da co- Eet je graag bij Bu gosta di ku- Do you like Mc
mida do Mc Do- Mc Donald’s? mida di Mc Do- Donald’s food?
nald’s?
nald’s?
Gostas de ir ao Ga je graag
cinema?
naar de cinema?
Bu gosta di ba Do you like cisinema?
nema?
Hoje, corri, sal- Ik heb vandaag Odji N cori, N
tei e agora...
gelopen, gesalta i gosi...
sprongen, en
nu...
Today I run, I
jump and
now...
Ir à casa de ba- Naar het toilet
nho
gaan
N (kre) bai
Go to the bathkasa di banhu room
Já lavei-me, es- Ik heb me al
tou pronta
gewassen, ik
ben klaar.
Dja-N laba, N
sta pronta
I’ve washed
me, I’m ready.
Já não quero
ver televisão,
por isso.
N ka kre odja
TV
I don’t want to
see TV anymore, so.
Ik wil geen Tv
meer kijken,
daarom.
Não gosto de Ik lust geen si- N ka gosta
I don’t like
sumo de laran- naasappelsap. sumu di laran- orange juice.
ja.
ja.
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
Não tens má-
Heb je geen fo- Bu ka ten má- Don’t you have
45
Português em contexto multilingue
quina fotográfi- totoestel?
ca?
Nunca mais
falo contigo
kina fotográfika?
a camera?
Ik spreek je no- N ka ta fala ku I never more
oit meer
bo nunka mas talk to you.
O que é o jan- Wat eten bij het Kuzé ki djanta? What is the dintar?
avondmaal?
ner?
O que fazem
na escola?
Wat doen jullie Kuzé ki nhos
op school?
sata fazi na
skola?
What do you do
at school?
O que gostam? Waar houden
jullie van?
Kuzé ki nhos
gosta?
What do you
like?
Onde é a casa Waar is de
de banho?
badkamer?
Undi ki e casa Where is the
di banhu?
bathroom?
Onde é o meu Waar is mijn
quarto?
slaapkamer?
Undi ki nha ku- Where is my
artu?
bedroom?
Onde há lojas? Waar zijn er
winkels?
Undi ki e lodja? Where are the
shops?
Porque gosto
muito dela
Omdat ik haar Pamodi N gos- Because I like
erg graag zie. ta tcheu dela her very much.
Porque não
quero comer
fruta
Omdat ik geen N ka kre komi
fruit wil eten.
fruta
Because I don’t
want to eat fruit.
Posso ir?
Mag ik gaan?
Can I go?
N podi bai?
Posso jogar ga- Mag ik game- N podi bai dju- Can I play gameboy ou
boy of playstati- ga gameboy o mes?
playstation?
on spelen?
playstation?
46
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Praticas algu- Heb je een
ma actividade? hobby?
Bu ta pratika Do you practice
algun aktivida- some activity?
de?
Preciso ir às
compras.
Ik moet boods- N mesti bai
chappen doen konpra
I need to go to
the shop
Português
Neerlandês
Inglês
Qual é a comi- Wat eet je het
da que gostas liefst?
mais?
Crioulo
Kal kumida ki What is your fabu gosta mas? vourite food?
Qual é a tua
Wat is je lieve- Ki “materia” di What’s your famatéria preferi- lingsvak op
skola bu gosta vourite subject
da na escola? school?
mas?
at school?
Qual é o teu
Wat is je lieve- Kal animal ki What is your faanimal preferi- lingsdier?
bu gosta mas? vourite animal?
do?
Qual é o teu li- Wat is je lieve- Kal e bo livru
vro preferido? lingsboek?
prifiridu?
What is your favourite book?
Qual foi o dia
mais feliz da
tua vida?
Wat was de
beste dag van
je leven?
Kal foi dia mas What was the
felis di bu vida? happiest day of
your life?
Quando fazes
anos?
Wanneer ben je Ki dia ku ta fazi When is your
jarig?
anu?
birthday?
Quantos anos
tens?
Hou oud ben
je?
Kantu anu bu
teni?
How old are
you?
47
Português em contexto multilingue
Quantos irmãos Hoeveel broers Kantu irmon ki How many
tens?
en zussen heb bu teni?
brothers and
je?
sisters do you
have?
Que horas são? Hoe laat is het? Ki ora sta?
What time is it?
Que tipo de
Naar welke mu- Ki muzika bu
música gostas ziek luister je gosta di obi?
de ouvir?
graag?
What’s the music you like
Queres ir brin- Wil je gaan
car?
spelen?
N kre bai brin- Will you play
ka
with me?
Queres namo- Wil je mijn liefje Bu kre “namo- Do you want to
rar comigo?
zijn?
ra” ku mi?
be my boyfriend (girlfriend)?
Quero comer
Ik wil eten
N kre kumi
I want to eat
Quero dormir
Ik wil slapen.
N kre durmi
I want to sleep
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
Quero ir à casa Ik wil naar het
de banho
toilet
N kre bai kasa I want to go to
di banhu
the bathroom
Quero ir à rua. Ik wil naar de
straat.
N kre bai pa
rua
I want to go to
the street
Quero jantar.
Ik wil avondma- N kre djanta
len
Quero mudar
de roupa
Ik wil van kle- N kre muda di I want to chanren veranderen ropa
ge clothes
Quero telefonar Ik wil naar
48
I want to dinner
N kre telefona I want to phone
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
para a minha mama bellen,
mãe porque te- want ik heb
nho saudades heimwee.
pa nha mai pa- to my mum, bemodi N teni so- cause I miss
dadi.
her.
Quero tomar
banho.
Ik wil een bad
nemen.
N kre ba toma I want to have a
banhu
bath.
Quero tomar o Ik wil ontbijten
pequeno - almoço
N kre toma pe- I want take brekenu almosu akfast
Quero um bolo, Ik wil een koek, N kre bolu, pon I want a cake,
pão
brood
bread
Quero ver tele- Ik wil televisie- N kre odja tele- I want to see
visão
kijken
vison
TV
Sim, obrigado
Ja, dank je
Sin, obrigadu.
Yes, thank you.
Têm campo de Hebben jullie
futebol?
een voetbalveld?
Nhos teni kam- Is there a footpu di futibol? ball pitch
around?
Tenho de ir ao Ik moet naar
hospital
het hospitaal
N ten ki bai os- I have to go to
pital
the hospital
Tenho dores
nos dentes
Ik heb tandpijn N teni dor na
dente
I have a toothache
Tenho fome.
Ik heb honger
I’m hungry
N teni fomi
Tenho sauda- Ik heb heimwee N teni sodade
des da minha naar mijn fami- di nha família
família em Por- lie in Portugal di Portugal
tugal.
I miss my family in Portugal.
49
Português em contexto multilingue
Português
Neerlandês
Crioulo
Inglês
Tenho sede.
Ik heb dorst
N teni sedi
I’m thirsty
Tenho sono.
Ik heb vaak
N teni sonu
I’m tired
Tenho um den- Ik heb een ga- N teni denti fu- I have a hole in
te furado
atje in mijn tand radu
my teeth
Tens desperta- Heb je een
dor?
wekker?
Tens namorado(a)?
Bu ten desper- Do you have a
tador?
Heb je een lief- Bu teni namo- Do you have
je?
radu
boyfriend (girlfriend
Tens playstati- Heb je een
ons)
play-station?
Bu ten playsta- Do you have
tion?
play-station?
Tens vídeo?
Heb je video?
Bu tene video? Do you have VH?
Torci o pé.
Ik heb mijn voet N torsi pe
verstuikt.
I beat my foot.
Tu és bonito(a) Je bent mooi
Bu e bonitu
You are pretty.
Tu também és Jij (bent) ook.
A bo tanben
You as well.
Vamos fazer
um projecto
We gaan een
project maken
No bai fazi un
projektu
Let’s do a project.
Vamos para a
rua
We gaan naar
de straat
No ta ba pa rua Let’s go to the
street
Vou fazer os
Ik ga mijn
meus trabalhos huiswerk made casa
ken
N sa ta ba fazi I’m gonna do
trabadju di
my homework
kasa
50
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Estas listas tiveram assim um objectivo basicamente prático. O
tesouro para nós, foi o conjunto de frases e palavras, que nós escolhemos, para podermos conversar uns com os outros, quando
estivermos juntos, na Bélgica, com os nossos correspondentes.
Um pequeno tesouro que permite a comunicação entre quem fala
línguas diferentes.
Proposta acerca da culturalidade
A formadora propôs contar histórias para juntar histórias dos próprios alunos, ou então ouvir a história deles. Não falo aqui de um
trabalho desenvolvido a partir da feitura de fotografias, pelos alunos, tanto na escola como no bairro, em que cada um dos alunos
tirou perto de 30 fotografias que depois descreveu.
O trabalho resultante foi apresentado posteriormente, em parte
em slide-show Powerpoint, construído em conjunto e enviado para
os correspondentes. O resto foi apresentado em álbum durante a
exposição de fim de ano.
Ainda a preparação da viagem
Uma outra forma para conseguir falar com os encarregados de
educação e os alunos acerca de desejos, histórias, vivências e
gostos, foi também desencadeada pela proposta do encontro com
os alunos Belgas. Desde meados do ano passado, foram construídos laços e discussões, que me ajudaram a perceber melhor contextos e enquadramentos de alguns alunos, mesmo em termos de
língua, referencial e espaço para viver a própria vida.
A parte mais interessante deste trabalho todo foi com certeza
conseguir que os alunos pudessem eles próprios mostrar e contar
51
Português em contexto multilingue
como se organizam e movimentam, utilizando os instrumentos linguísticos para alcançar os seus fins. Fica claro, ao ler um pouco do
Diário da Viagem:
21 de Fevereiro de 2002
Ao fim da tarde, recebemos os pais e as mães na
sala. Cada um dos grupos escolheu um porta-voz
para apresentar o trabalho que vai fazer. Demoramos mais com o grupo das autorizações e o grupo
dos dinheiros, porque é aqui que precisamos já da
ajuda das famílias.
A Marlene explica que dos 1770 Euros que faltam,
os colegas Belgas ainda prometem 650.
Também contamos o que eles fazem para ganhar
dinheiro: bolos, lavar carros “portar-se bem”....
Algumas mães sugerem:
– fazer uma feira com comida;
– vender brinquedos;
– fazer um mealheiro com colegas de trabalho;
– vender salgados;
– vender postais feitos pelos alunos;
– vender ovos de páscoa.
52
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Vamos fazer uma feira no primeiro ou no último sábado das férias da Páscoa, e convidar o bairro.
22 de Fevereiro de 2002
Esta manhã havia mais um apoio, através do correio electrónico. Um amigo da turma ofereceu 50 €
e sugeriu mais um contacto.
A Marlene e a Tatiana actualizam:
Da Câmara
1247
Do projecto
550
Da RTP (vendas)
37
Do Sr Boaventura 250
Do Eddy (projecto) 500
Da turma do Eddy 100
Do H.
50
Total
2734
Entretanto, fazemos um cartaz para o nosso placar
à entrada da sala com as fotografias da reunião de
ontem.
53
Português em contexto multilingue
O placar tem o seguinte título:
Vamos à Bélgica – Reunião de pais: preparação
da viagem.
A nos nu sata bai Belgica – Reunion di pai i di
mai – a nos sata prepara viaje.
We gaan naar België – Oudervergadering om de
reis voor te bereiden
We are going to Belgium – Parents meeting to
prepare our trip.
Hoje tivemos também mais vendas, mas não deu
para fazer as contas, porque o Conselho demorou
muito tempo. À tarde, mesmo na hora da saída, havia uma carta da TAP para a Leila, pedindo mais informações. Já não tivemos tempo para responder.
Projecto sobre Cabo Verde
Um trabalho do ano passado, feito com a turma vizinha, e que
recebeu o título de “À nossa volta...” abriu o apetite: fizemos uma
recolha de histórias provenientes de vários países de onde os próprios alunos, ou os seus pais, provêm. Isto, porque um dos temas
em estudo foi à volta da pergunta “De onde é que nós viemos?” Na
altura já falámos das várias ilhas de Cabo Verde, procurámos saber de onde vieram os pais e onde ainda têm casas.
Este ano, quando se colocou a questão de fazer um trabalho de
apresentação sobre Portugal, para os correspondentes, a Marlene
ficou logo com a ideia de fazer uma apresentação do Cabo Verde.
54
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Gisela, Ana Paula e Tatiana Helena juntaram-se, e acabaram por
apresentar o trabalho “Cabo Verde”.4
Este trabalho, que por acaso ocorreu nos fins de Abril, e para
qual encontrámos alguma informação na Internet, fez com que o
grupo de alunos associasse com grande facilidade a Revolução
dos Cravos com a Independência de Cabo Verde e de outros países Africanos. Lembraram-se muito bem da nossa visita ao Largo
do Carmo, quando fomos a Lisboa. O trabalho explicitou também
alguns aspectos acerca da língua: descobriram que Cabo Verde,
tal como outros países Africanos mantém laços com os antigos colonizadores, e que isto influenciou a escolha da língua oficial na
maior parte das antigas colónias.
Houve uma certa curiosidade em ver, no mapa, de onde vêem
algumas famílias, como também de encontrar lugares onde alguns
alunos já estiveram.
A Marlene achou, num texto acerca de Cabo Verde, muitas informações sobre músicas, danças e festas, que, para ela, têm grande
significado, e das quais ainda não tinha visto nada escrito, até agora.
4 Ver infra página 83
55
Português em contexto multilingue
Histórias no teatro
A discussão acerca do teatro5, que tem como propósito reviver
os 4 anos que os alunos estiveram no 1º ciclo, levantou novamente
a discussão acerca do trabalho com a Embaixada da Suíça, contactada quando aprendemos que os alunos Portugueses eram
afastados das turmas regulares em Roschbach, vila da parte Alemã do país, alegadamente por não falarem Alemão. A nossa conversa acerca do Crioulo, despoletada depois do início da formação
com a formadora, veio mesmo a calhar, para este trecho do texto:
Apresentador a: Foi então que leram no jornal...
Apresentador b: ... que na Suíça havia crianças portugueses
que não podiam ficar na sala.
Aluno 1: Porquê?
Aluno 2: Es ka flaba Alemon!
Aluno 3: What? They didn’t speak German?
Aluno 4: Neen, geen Duits.
Aluno 2: Nho profesor flaba pa ês: Ka sata fla Alemon, ka sata
entra scola.
Apresentador c: Mas a turma não ficou quieta.
Aluno 2: Temos que escrever.
Aluno 3: A quem?
5 No fim do ano passado, apresentámos a peça “O Olho do Lobo”, uma
adaptação do livro de Daniel Pennac, que tem como propósito a história
de vida de um Lobo do Alasca e de uma criança Africana. O sucesso fez
com que aumentou o entusiasmo para escrever uma peça acerca da própria vivência do grupo na escola e na sala, retomando alguns momentos
marcantes.
56
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Coro: Aos políticos.
Apresentador a: E escreveram uma carta ao presidente e à embaixada.
Apresentador b: E depois?
Apresentador c: Olha!
Conselheiro: Recebi a vossa carta. O que aconteceu está mal!
Vamos tratar disso.
Aluno 4: As crianças portuguesas vão voltar para a sala?
Conselheiro:
cional.
Vão. Já discutimos isso no nosso Conselho Na-
Coro: Conselho? Nos também temos conselho.
Conselheiro:
Não é bem a mesma coisa.
Aluno 3: O que é diferente?
Aluno 5: No nosso conselho estamos todos
Conselheiro:
eleitos.
E no Conselho Nacional, só estão alguns Suíços
O teatro contemplou, este ano, também o reconto de uma história que tínhamos na nossa sala e que foi escrita e ilustrada por um
grupo de crianças em Boston. Na versão desenhada, Nhu Lobu
aparece como um lobo. Fiel à informação da Dulce, representámos, na nossa peça, o Nhu Lobu como um Ser qualquer “burro”,
comilão, enganado pelo sobrinho dele, o Tchibinhu. A história não
foi, por tanto, original, a transposição em teatro é que foi da nossa
autoria.6
6 Embora não devemos ter sido os únicos a pensar em representar a história....
57
Português em contexto multilingue
Aluno 3: Conta a história do Tubinhu!
Nho Lobu: Tubinho, kuzé sa ta pranta?
Tubinho: Mandioka. Nho pranta di juntu.
Nho Lobu: Si. Ami N gosta kume mandioka (virando para o público)
Ma ka gosta di trabadja.
(Tubinho afasta-se, Nho Lobu fica, finge comer a mandioca
toda)
Tubinhu: Undi sta mandioka ki dja N planta
Nho Lobu: N ngana Tubinhu. Djá N kume tudu kel mandioka!
Tubinho: N sa ta fika ku raiba! ku raiba!
(afasta-se e volta com uma corda)
Contador 4:
Dos dia dispos.
Tubinhu: Nho Lobu, un tenporal grandi sata benki sta ba mata
tudu kuza ki ka sta maradu."
Nho Lobo: Mara-m primeru!
Contador 4:
Tubinhu mara-l n'un arvi grandi.
Tubinhu: Nho fica li pa un tenpu.
Makaku: Ami gosta kume figu. Sa ta txeu bon.
Nho Lobu: Bota-m un figu, makaku, N tené fómi.
(o macaco manda um figo para o Nho Lobu)
Nho Lobu: Dismara-m, makaku, dismara-m.
(o macaco solta o Nho Lobu, que o pega pelo rabo e diz:)
58
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Nho Lobu: Ami (também) ta gosta kumé makaku.Makaku: Djudam, Djuda-m!
Tubinhu: (chega a correr) Oh Nho Lobu, nho sabe midjor manera pa nhokume kel makaku?
Nho Lobu: No. Mi conta.
Tubinho: Nho mara-l se pé di juntu i nho bota-l pa riba.
El ta kai dentu bóka di nho.
Contador 4:
Nton, Nho Lobu mara-l el bota-l pa riba.
(o macaco rola para o lado, no momento em que o Nho Lobu o atira para o ar. Este fica de boca aberta)
Tubinho: (apanha a mão do macaco) Kore, makaku, kore
Contador 4: Nho Lobu fika la tudu dia ku se bóka abértu... ta
spéra pa makaku kai dentu bóka.
Ainda que tenho introduzido um momento de leitura em que conto histórias tradicionais Portugueses e do mundo, não consegui
mobilizar os alunos de origem Africana para me trazerem outras
histórias, eventualmente contadas em casa.
O léxico referencial em projectos e em trabalho de texto
A provocação da formadora para tentarmos anotar as mudanças
no léxico referencial ao longo de uma semana de trabalho, fez-me
anotar com alguma assiduidade as observações dos alunos acerca
de novas palavras ou novas “formas de dizer”, durante duas semanas. A pequena lista que vem a seguir refere só as palavras e ex-
59
Português em contexto multilingue
pressões que discuti individualmente ou em grupo, a partir do grupo de crianças que têm fortes influências crioulas.
Novas palavras e estruturas gramaticais nos projectos actuais e momentos de trabalho colectivos
Aumentar e enriquecer vocabulário e ajudar os alunos para desenvolver capacidades para uma escrita mais complexa, foi uma
das minhas preocupações desde que comecei a trabalhar com
esta turma, logo no 2º ano de escolaridade. Por isso insisti em idas
ao teatro, em ateliers de escrita, baseados na “Gramática da Fantasia” e nas propostas que desenvolvemos no quadro das nossas
reflexões no seio do Movimento da Escola Moderna, associação
de professores da qual faço parte.
Este trabalho é constante. Uma bela amostra deste ano lectivo é
o resultado do estudo realizado por causa da nossa visita a Lisboa,
em que a Ana Paula, a Leila e a Tatiana Helena fizeram um pequeno trabalho sobre Camões e Pessoa.7 Além de mostrar como foram tentar perceber alguns versos dos dois poetas, também demonstrem claramente que perceberam o sentido figurado do Ciclope ou do Adamastor.
Regra geral, a explicitação das novas aquisições é feita, na altura, com os alunos que as fizeram, no sentido de preparar a passagem para o colectivo. Esta passagem, no caso dos trabalhos de
projectos de investigação, ocorre depois, durante a apresentação
do projecto, quando o grupo investigador devolve ao grupo todo as
suas descobertas em função das perguntas que lhe foram feitos.
7
60
Ver infra, página
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
O Ruben, no seu trabalho sobre o racismo, encontrou outra faceta do estudo das palavras e das frases: ao querer fazer um inquérito sobre atitudes racistas, entre os colegas da escola, teve que definir primeiro – mesmo que provisório e/ou incompleto – o conceito
de racismo. Tinha que dar sentido à pergunta que colocava a todos
os colegas, que não tinham participado na discussão prévia que
deu origem ao trabalho8. Por isso, depois de ler algumas definições, avançou com a sua própria definição: “Racismo é dizer mal
ou agredir outra pessoa, porque tem pele diferente, cor diferente, a
maneira como estuda diferente, cara diferente, etc.”
De seguida, recordo, a título de exemplo, algumas aquisições lexicais nas semanas posteriores à sessão em que a formadora nos
pediu explicitamente a anotação das mesmas.
Semana de 15 até 19 de Abril
Trabalho Cabo Verde
Flexibilidade, iniciativa privada, rota de escravos, densidade populacional, um quilómetro quadrado (km2)
Trabalho China
Hong Kong, Cantão é província da China, número de habitantes
Trabalho Microscópio
O microscópio é feito com lentes e espelhos.
As partes do microscópio não são a mesma coisa que o material
de que é feito.
Trabalho América
América Central, América do Sul, América Latina
8
Ver notas em Intervenções em Conselho página 72
61
Português em contexto multilingue
América latina significa América onde se fala Espanhol ou Português.
Trabalho no Atelier de língua
Leitura de livros: hei-de-saber (Tiago), charco - lago - lagoa (Tiago, Tatiana Helena)
Escrita de texto livre: por cima, através de
Semana de 22 a 26 de Abril
Leitura de textos
Tropeçou (Tatiana Helena), invadir (Ivan: em vez de envadir).
Leitura de histórias
Guadiana (é um rio???), sardão, ficar logrado, ardil, cegueira (no
sentido figurado).
Preparação viagem Bélgica
Formulário E111, autorização notarial.
Trabalho Cabo Verde
Pelourinho, estandarte, deportação de escravos.
Trabalho América
Cidade, província, “County”, estado
Trabalho China
Rei, dinastia, presidente, invasor, Mongólia, muralha (Rui compara a informação do trabalho com o filme “Mulan”)
Alguns momentos de trabalho de texto
A escrita da Marlene, do Tiago e da Tatiana Helena está muito
marcada pela língua materna, que é o Crioulo.
62
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Outros, como a Ana Paula, a Gisela, o Rui, o Ivan ou o Sérgio,
que têm menos interferência em casa, porque não se fala Crioulo
com os adultos (Gisela e Rui) ou se tem uma certa cultura que permite a fácil passagem de Crioulo para Português e vice versa (Ana
Paula e Ivan).
O Ruben e a Naomi têm, na escrita, mais influências do Inglês
do que do Crioulo, embora o Ruben domine bastante bem o Crioulo, mas não como língua materna. A Naomi, bilíngue desde que começou a falar (Francês – Português) e trilíngue a escrever (teve a
sua formação de iniciação a escrita na Inglaterra).
Como referi mais acima9, o trabalho de texto obedece a rotinas,
em que “caçamos” erros, depois do que tentamos melhorar o conteúdo do texto. Ilustro este trabalho semanal através de dois
exemplos a partir de um texto do Tiago e de outro da Marlene.
Incluí o texto da Ana Paula, porque ilustra como apareceram alguns trechos em Crioulo, depois de termos combinado traduzir as
nossas frases para a viagem à Bélgica em 4 línguas.
Tiago e o Siricacá
Como muitos alunos têm muito poucas ideias para textos e histórias, criei, sob proposta de uma colega, um ficheiro de imagens
provocatórias, às vezes acompanhadas por algumas frases, para
lançar um texto. O Tiago, que sempre escreve histórias em que um
rapaz encontra uma rapariga e a pede em namoro, depois do que
9 Ver página 36
63
Português em contexto multilingue
se casam e têm muitos filhos, apresentou este texto, a partir de um
cartoon, representando um dirigente futebolístico com cara de bola
de futebol. Não tem nenhum contacto com a escrita em casa. Está
a fazer grandes progressos ultimamente, mas continua com uma
escrita muito fonética.
Uma das dificuldades do Tiago, é saber quando e onde se coloca o pronome num verbo reflexivo. Assim escreve “que se chamase” deixando-me a escolha mais apropriada: “o Pascal é que diz”.
Tal como a Marlene, escreve “mais” ou “maise” para exprimir
“mas”. Outra expressão frequente é “vou conhecer ela” “vou falar a
ele” “vou dar a ela”
Coloca vogais de ligação em muitas palavras, porque ao falar, tal
como no Crioulo, também as pronuncia: “rapetado”, “passeare”, “giritou”.
Este texto do Tiago fez-nos falar acerca dos verbos (que costumamos identificar quando fazemos um trabalho de texto. Construí
um pequeno exercício em que os alunos têm que preencher lacunas em frases que contêm pronomes e verbos reflexivos, ora são
simples, ora compostas.
Fizemos igualmente uma recolha de verbos que apresentámos
no infinitivo, no presente, no futuro e no passado.
Por fim, fizemos uma lista de palavras em que a letra -o- se pronuncia [o] e outra onde se pronuncia [u].
No fim, o texto aparece no Jornal da Turma, nº 21, de Fevereiro
de 2002:
64
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Siricacá
Era uma vez uma Bola macho que se chamava Siricacá. Ele vivia no ginásio do Benfica.
Mas um dia o Siricacá foi passear e raptado
por dois bandidos.
O Siricacá mordeu os dois bandidos, gritou e
fugiu para casa. E o Siricacá viu uma menina
e disse:
– Vou conhecê-la,
e o Siricacá e ela viveram felizes.
A polegarzinha da Marlene
A Marlene continua à procura de algum mágico para resolver os
problemas, embora com um certo realismo. É o que ela faz também na vida dela. Já desistiu da ideia de se tornar médica, mas
continua a querer ir mais tempo para a escola. Neste momento não
define muito bem o que ela quer fazer.
Mas as irmãs mais velhas em casa, apontam para outro caminho, de dependência do namorado, aparentemente ficando com
uma sustentação sem grandes esforços e preocupações. A Marlene ainda não sabe o que fazer, mas o trabalho custa, cada vez
mais...
Assim, depois de um empurrãozinho à menina que queria ser
médica, texto que ela escreveu, e em que a fada ajudou a menina
para se inscrever na faculdade, é agora a história tradicional “A Polegarzinha” que inspira para mais uma mistura de magia e realismo:
65
Português em contexto multilingue
A própria Marlene passou o texto ao computador. Procurei os erros que penso serem influenciados pela língua materna (indico os
em negrito) no texto que ficou assim:
A polegarzinha.
Era uma vez uma selhora que não tilha filhas. O
que ela mais quiria era ter uma menina, mais ela
não tilha marido para ter uma filha mais um dia vaiu
uma menina que disse Se queres ter uma filha taes
66
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
de arranjar um marido e ela foi tratar de arranjar um
marido mas todos já era comprometido o se não
não podia ter filhos. E no dia segite a menina foi pegutar se achou um marido e ela disse não. Então
toma essa lamparina de persente e ela tomou-a e
como estava suja ela foi lipar e depois saiu de dentro da laparina um majico e o mazeco disse pede
três desjos e ela disse quero três filhas depois de
três dias ela ficou gravida de três menina e ela deu
o nome de Marlene, Paula e Tatiana.
Depois desta primeira “limpeza”, feita pela Marlene, corrigimos o
texto em conjunto. Este trabalho foi feito a pares, havendo alunos
que não falam crioulo misturados com alunos que falam crioulo.
Numa cópia do texto, cada grupinho foi sublinhando as palavras
mal escritas, propondo no caderno de escrita uma lista com as palavras corrigidas. Para o controlo final, ordenámos as palavras alfabeticamente, no quadro.
Apareceu: desejos, lamparina, limpar, ou, mágico, mas, perguntar, presente, queria, seguinte, senhora, tens, tinha, veio.
De seguida, tivemos a discussão na sala, para melhorar o texto:
Paula:
Pascal:
Marlene:
Mais está mal Pascal, é mas.
Pois, mais, é quase como dizem os Brasileiros.
Nós dizemos mas (pronuncia com um a muito aberto
e um pouco mais prolongado)
Margarida: Depois de “disse” é dois pontos.
Gisela:
E depois um tracinho!
67
Português em contexto multilingue
Pascal:
Onde pomos o travessão? Depois de disse, ou no
início da frase que é dita pela pessoa?
Gisela:
O que é que pomos Pascal?
Ruben:
O travessão!
Tiago:
O que é isso?
Gisela:
Aquele tracinho.
Adramane: Mais a frente há mais.
Pascal:
Depois de “Se queres ter uma filha”, falta algo.
Sérgio:
Uma vírgula.
Pascal:
Porquê?
Sérgio:
É outra parte da frase.
Leila:
Depois de “marido” tiramos o “e” e pomos um ponto.
Margarida: E depois é letra grande!
Paula:
Maiúsculo!
Rui:
Ó Pascal, aqui está mal, há duas vezes não!
Marlene:
Então. Está certo. Ou se não..... não podia ter filhos.
Gisela:
Mas isto não dá, quando é outro que lê, não sabe
que tem que parar!
Pascal:
A não ser?
Ruben:
Como assim Pascal?
Pascal:
O que podemos fazer para mostrar que se tem que
parar?
Vários:
Um ponto!
Marlene:
Um ponto, no meio da frase?
Pascal:
Espera, pode ser também uma vírgula!
Marlene:
Ah! Assim está bem.
Paula:
Todos já era comprometido... falta o “s”.
Sérgio:
Aqui é estava, ou não, estavam!
Pascal:
E ela disse não. Aqui, podemos pôr uma palavrinha
68
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
para não termos que pôr dois pontos e o travessão.
Margarida: Ela disse .... que não!
Gisela:
Pascal, não é toma como presente?
Paula:
É melhor!
Leila:
Não é limpar, é limpá-la!
Pascal:
Em vez de saiu um mágico e o mágico disse, podemos abreviar.
Paula:
E ele disse.
Sérgio:
Que disse.
Rui:
Faltam os dois pontos e o tracinho.
Ruben:
Na frase seguinte também.
Pascal:
Podemos dizer “três meninas, a quem deu ...”
No fim da discussão, o texto tinha este aspecto:
A polegarzinha.
Era uma vez uma senhora que não tinha filhas.
O que ela mais queria, era ter uma menina, mas
ela não tinha marido, para ter uma filha.
Um dia veio uma menina que disse:
– Se queres ter uma filha, tens de arranjar um
marido.
Ela foi tratar de arranjar um marido, mas todos já
estavam comprometidos ou se não, não podiam
ter filhos.
No dia seguinte a menina foi-lhe perguntar se
achou um marido e ela disse que não.
– Então, toma essa lamparina como presente.
69
Português em contexto multilingue
Ela tomou-a e, como estava suja, ela foi limpá-la
e depois saiu de dentro da lamparina um mágico
que disse: – Pede três desejos.
Ela disse: Quero três filhas.
Depois de três dias, ela ficou grávida de três meninas a quem deu o nome de Marlene, Paula e
Tatiana.
O bêbado reinventado pela Paula
A Ana Paula, que segue “Os Malucos do Riso” na televisão, mistura as anedotas que ela ouve, com o Crioulo que domina: a bebida torna-se “Grogue”, e ela pergunta-me como se chama o Crioulo
que os Alentejanos falam. Falámos sobre a diferença que existe
em dizer as palavras de outra maneira e falar outra língua. Ela tira
daí a conclusão que para escrever “Alentejano” ela pode utilizar as
regras de escrita do Português. Para o Crioulo não é bem a mesma coisa.
Depois escreve esta história:
70
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Este texto foi copiado pela Paula, com a ajuda da Gisela, para o
computador da sala, depois do qual vimos os dois algumas alterações a introduzir. Com a ajuda da formadora, transcrevo:
O bêbado
Era uma vez um senhor que falava Alentejano.
Um dia ele bebeu 3 litros e meio de Grogue. Ainda era de manhã, quando, de repente, apareceu
71
Português em contexto multilingue
um Cabo-Verdiano que lhe disse:
– Nho sta moku. Nho sata paga 40 kontu.
E o Alentejano respondeu:
– Ó compadre! Vossemecê não sabe! Eu não vou
pagar a multa, não senhor!
– Uf! Kuze a bo so kre dja moku. Anton sata ba
presa.
– Não não! Porquê?
– Pamodi Nho staba moku e staba anda zige
zage.
– Então, compadre, eu não vou preso! Porque se
me prender, também tem que prender o mar!
– Pamodi?
– Porque está cheia de água e anda aos zigue
zagues.
E o bêbado nunca ia preso porque tinha sempre
razão...
O texto final apareceu no Jornal da Turma nº 23, mas ainda com
algumas alterações. Tenho uma discussão com a Ana Paula, por
causa do “Pamodi”, que ela quer com toda a força substituído por
“Porquê”. Também não concorda com o “Zigue Zague”, mas faço
ver que se trata de um compromisso entre o que se diz e o que se
escreve.
Intervenções em Conselho
O Conselho é uma estrutura muito importante na sala, ao qual
atribui grande valor. Refiro-me ao Conselho como ao organismo
72
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
que faz a lei, e regula o trabalho, sob proposta de cada um de nós,
mas onde me reservo o direito de travar acontecimentos menos interessantes, como castigos desmesurados, por exemplo.
O facto de termos prática de reuniões, em que discutimos em
conjunto os assuntos, fez perceber como trabalham os orgãos representativos do Estado. Fez também perceber a diferença entre
“democracia directa”, como na nossa turma, e a “democracia representativa”, como na maior parte dos estados que se denominam
democráticos.
Uma carta que recebemos da Embaixada da Suíça, que referiu
ao Conselho Nacional, provocou o clique. Depois, com as várias
perguntas já feitas a pessoas com carga política, a percepção tornou-se ainda mais fácil.
O estudo do racismo e da escravatura aparece de vez em quando na sala de aula. Mas foi por causa de uma observação que estava na coluna “Acho Mal”, do nosso Diário de Turma, que o Ruben estudou o assunto de mais perto. Um dia, houve um aluno negro que chamou “macaco” a um aluno branco, este último nascido
em África. Sentiu-se muito ofendido, porque achava que o outro o
tinha chamado “macaco” por causa da origem dele. Deu origem
àquele trabalho acerca do racismo, em que primeiro o próprio participou mas que depois foi desenvolvido pelo Ruben.
Para terminar este capítulo
Como referi na introdução, quis enquadrar algumas actividades
exemplares que ilustram o desenvolvimento do trabalho na minha
sala de aula e a influência que a presente formação teve nela.
73
Português em contexto multilingue
Quis mostrar como integrei propostas de trabalho, feitas pela formadora da acção de formação, na minha prática, e como, de certo
modo, o consegui porque parte das minhas propostas no Projecto
Curricular de Turma eram uma boa base para o enquadramento
que a Dulce Pereira nos deu nesta acção, focada sobre a Língua
Portuguesa em Contexto Multilingue.
Penso que todos, os alunos e eu, conseguimos caminhar, no
sentido de viver o Crioulo, não como uma língua secreta, de defesa, mas como uma língua materna.
Começamos, há dois anos, por constatar que a maior parte da
turma, professor incluído, tinha uma língua materna diferente da
língua oficial.
No início, os meus alunos resistiam muito em me “ensinar” Crioulo, embora estavam sempre a querer saber como “isto” ou “aquilo”
era dito em Neerlandês. Quando fazia contrapreguntas, recebia risos e recusas, às vezes algumas palvaras ditas em tom muito baixo.
Houve uma caminhada para que os meus alunos percebessem
que a língua deles valia a minha língua. Mesmo assim, numa certa
altura, senti-me parado. Por mais que pedisse que alguém me ensinasse mais sobre o Crioulo, nunca recebia efectivamente apoio.
O contributo da Dulce Pereira foi importante, no sentido que me
ajudou a fazer ver aos meus alunos, com variadíssimos exemplos,
mas sobretudo através de histórias, que o Crioulo é mais do que
um conjunto de palavras insultuosas, que o insultado não entende,
e por isso dá razão para gozo, ou então uma língua que os velhos
falam, mas que não tem grande valor, por ser “antiga”.
74
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Fiquei muito contente por ver histórias Caboverdianos incluído
no teatro, em Português ou em Crioulo, ao lado de histórias tradicionais e de histórias Portugueses. Espero que o trabalho deste ano
lectivo, apoiado como foi por esta formação, ajudou e ajudará os
meus alunos de origem Caboverdiana em valorizar culturalmente a
sua língua materna. Espero que, com o trabalho desenvolvido, todos os meus alunos poderão entender que, para se valorizar plenamente, a cultura de um povo, qualquer que seja, necessite da
língua materna que a sustente, logicamente enriquecida com palavras de outras línguas.
75
Trabalhos dos alunos
Racismo
Autor: Ruben
Copia do projecto publicado no Sítio da turma.
Contrato: (feito em 19 11 2001)
O que já sabemos:
Já sabemos que há homens fardados com
máscaras que são racistas.
Sabemos que eles só brincam com os brancos.
O que o grupo quer saber:
Como é que apareceu o racismo.
Desde quando há racismo.
Porque é que os racistas se disfarçam com fardas.
O que a turma quer saber:
Há lutas por causa do racismo?
Donde vem a palavra racista?
77
Trabalhos dos alunos
O trabalho
1. Desde quando há racismo?
No tempo dos Gregos, os Númidas e os Lusitanos eram escravos. Agora, em França, os Portugueses e os Argelinos “trabalham
barato”.
No tempo dos Gregos, 500 anos antes de Cristo, já havia racismo, continua a haver agora.
78
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
2. Há luta por causa do racismo?
Os racistas dos Estados Unidos da América, são os Ku Klux
Clan. Matavam e matam e não utilizavam a justiça.
E houve um Francês que disse isto:
“Aqueles a que me refiro são pretos dos pés à cabeça; e têm um
nariz tão achatado que é quase impossível sentir pena deles”
Foi em 1865 e ele chamava-se Montesquieu.
79
Trabalhos dos alunos
3. Porque é que os racistas se disfarçam?
Porque os racistas são cobardes e não mostram a cara uns aos
outros.
Estas informações, encontrei-as no livro O racismo contado às
crianças, de Georges Jean.
80
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
4. De onde vem a palavra racismo?
No dicionário da Porto Editora, encontrei:
Substantivo masculino
Pensamento que afirma a superioridade de certas raças e nela
assenta o direito de dominar ou mesmo fazer desaparecer as outras.
A palavra vem de raça + ismo, ou do francês racismo
Descobrimos, numa página na internet, dum senhor que se chama Pedro Sette Câmara:
“Pela palavra racismo entendemos, ou entendíamos, a discriminação segundo a raça.
No entanto, hoje, os brancos tem a primeira escolha do racismo.”10
Combinámos perguntar em todas as turmas se os alunos já sentiram uma vez um acto de racismo, que definimos assim:
“Racismo é dizer mal ou agredir outra pessoa, porque tem pele diferente, cor diferente,
a maneira como estuda diferente, cara diferente, etc.”
O gráfico mostra o resultado da nossa pergunta. As turmas A e B
são primeiros anos, C, D e E são 2ºs anos, F, G e H são 3ºs anos
e as outras são 4ºs anos.
10 Significa que, embora a discriminação é de uma raça para outra, na prática,
actualmente normalmente são os brancos que discriminam em primeiro lugar os
outros. (nota do professor)
81
Trabalhos dos alunos
Na discussão que tivemos na sala, quando o Ruben apresentou
o projecto, falámos
– dos Gregos que tinham uma lenda em que explicam que as pessoas de África são brancos queimados pelo sol;
– que os narizes têm formas diferentes por causa do clima onde as
pessoas vivem;
– que a cor da pele tem a ver com a produção de melanina (ver o
nosso );
– que nem todos os racistas Americanos são do Ku Klux Clan, que
há muitos Americanos que não são racistas e que o Ku Klux Clan
ainda existe;
– que há muitos meninos na escola (109 em 240!) que já sentiram
o racismo.
82
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Nós gostávamos de saber o que pensam sobre o racismo. Alguém quer fazer um comentário?
Cabo Verde
Autoras Ana Paula, Gisela,
Marlene, Tatiana Helena
Contrato (em 09 de Abril de
2002)
O que já sabemos:
Já sabemos que Cabo Verde
tem 9 ilhas e que se criou por
um vulcão.
O que o grupo quer saber:
Quem descobriu as ilhas.
Quem deu o nome Cabo Verde e porquê.
A história de Cabo Verde.
Escrever uma história escrevendo em palavras de Cabo Verde.
O que a turma quer saber:
Quantas pessoas existem em Cabo Verde.
Quais são as festas tradicionais em Cabo Verde.
Quantas origens há no povo de Cabo Verde.
Quantas pessoas vieram para Portugal.
Quantas crianças trabalham para sustentar os pais?
Há escravos em Cabo Verde?
83
Trabalhos dos alunos
Porque é que falam Português em Cabo Verde?
O que descobrimos:
Onde fica Cabo Verde?
Fica em frente à Costa Africana
Quantas ilhas tem Cabo Verde?
As ilhas da maior para a mais pequena
Santiago
992 km2
Santo Antão
754 km2
Boavista
622 km2
Fogo
477 km2
São Nicolau
342 km2
Maio
267 km2
São Vicente
228 km2
Sal
215 km2
Brava
65 km2
Santa Luzia
34 km2
A maior ilha de Cabo Verde é Santiago, a mais pequena é Santa Luzia.
84
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Tem ao todo 10 ilhas.
As 10 ilhas.
85
Trabalhos dos alunos
A bandeira tem 10 estrelas, pensamos que é uma para cada ilha.
86
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Santiago
Brava
Fogo
Boavista
Maio
Sal
sim
não
não
não
não
não
não
não
sim
sim
não
sim
não
não
não
não
não
não
não
não
sim
não
sim
sim
sim
sim
sim
não
não
não
não
não
não
não
sim
S Vicente
sim
S Nicolau
não
sim
Santiago
não
sim
não
Brava
não
não
não
não
Fogo
não
sim
não
sim
sim
Boavista
não
não
não
sim
não
não
Maio
não
não
não
sim
não
não
não
Sal
não
não
sim
sim
não
não
sim
S Luzia
S Nicolau
S Antão
S Vicente
Marítimo
S Antão
Ligações marítimas
não
não
S Luzia
87
Trabalhos dos alunos
88
sim
não
não
não
não
sim
não
sim
sim
sim
sim
não
não
não
não
não
não
não
não
não
não
sim
não
não
sim
sim
não
não
não
sim
não
não
sim
não
não
sim
sim
não
não
sim
não
não
S Luzia
não
não
não
sim
não
Sal
sim
sim
não
sim
não
não
não
não
não
sim
não
Maio
sim
sim
sim
Boavista
não
sim
Fogo
sim
Brava
Santiago
sim
não
sim
não
sim
não
não
não
S Nicolau
S Antão
S Vicente
S Nicolau
Santiago
Brava
Fogo
Boavista
Maio
Sal
S Luzia
S Vicente
Aéreo
S Antão
Ligações aéreas
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
A população:
341.607 habitantes
Mulatos, Negros, e uma minoria branca.
Português é a língua oficial, o Crioulo é a língua nacional, baseado no Português antigo e o Africano.
A história de Cabo Verde
As ilhas não eram habitadas,
quando foram descobertas.
Por causa do sítio onde estavam
no oceano, os Portugueses utilizaram-nas como entreposto de escravos.
No dia 1 de Maio
de 1460, o António
de Noli e Diogo de
Gomes encontraram
a primeira ilha. Inventaram o nome de
Santiago, porque no
dia 1 de Maio era festejado esse santo.
Esses descobridores encontraram a ilha do Fogo, de Maio, do Sal,
da Boavista.
Diogo Afonso e Dom Fernando encontraram as outras ilhas em
1461 e 1462.
89
Trabalhos dos alunos
Os Portugueses mandavam escravos de
Serra Leoa, da Guiné,
da Gâmbia, do Senegal, para Santiago.
De Santiago mandavam os escravos para
a América do Sul.
Agora já não há escravos em Cabo Verde.
No dia 25 de Abril de 1974, o governo Português foi afastado e
os militares de Abril começaram a libertação das colónias.
Em Cabo Verde,
houve eleições para
a Assembleia Nacional popular. Em 5 de
Julho de 1975, Cabo
Verde é um país independente.
Em Dezembro de
1985, em Cabo Verde, torna-se mais fácil fazer algumas coisas por conta própria.
90
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Em Fevereiro de 1990, Cabo Verde tornou-se um estado com
muitos partidos.
Em 17 de Fevereiro de 1991, António Marcarenhos Monteiro
vence as eleições presidenciais.
Porque é que falam Português em Cabo Verde?
Durante o século XIX os estados Europeus ainda mandavam em África.
Quando os países Africanos
ficaram independentes, faziam ligações com os países
Europeus.
Cabo Verde tinha ligação
com os Portugueses e continuou a falar Português.
Festas tradicionais
San Jon, Tabanca, Pilão, Bandeira
91
Trabalhos dos alunos
Dois poetas
No quadro de um trabalho colectivo, Ana Paula, Leila, e Tatiana
Helena juntaram:
Na praça Luís de Camões, está o Luís de Camões
Quando vamos ao Café “a Brasileira”, no Largo do Chiado, vemos o Fernando Pessoa.
Em frente do Fernando Pessoa, está a estátua do Chiado.
A vida de Luís Vaz de Camões
Luís de Camões nasceu por volta de 1524 ou 1525, provavelmente em Lisboa.
Em 1553 a casa real dá-o como “cavaleiro fidalgo”.
Em 1548 perde o olho direito numa luta de espada contra os
Mouros.
Regressa a Lisboa em 1551.
92
Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
Numa briga, em 1552, fere um funcionário da Cavalaria Real e é preso.
É libertado em 1553 e embarca para o
Oriente.
Em 1554 parte para Goa.
É preso por dívidas não pagas em
1562.
Em 1570, volta para Lisboa e em
1572 sai a primeira publicação d’Os
Lusíadas.
Morre em 1579 ou 1580 de peste.
Durante toda a sua vida, o Luís de
Camões teve sempre muitas paixões.
A vida de Fernando Pessoa.
Nasceu em 13 de Junho de 1888 em
Lisboa.
Em 1896, circunstâncias de família (a
mãe casa de novo com o homem português que representa Portugal na África
do Sul), levam o menino Fernando, com
apenas 8 anos a viver e estudar em
Durban, na colónia de Natal. Fica lá até
ter 17 anos.
É portanto nesse período vivido fora
de Portugal que Fernando Pessoa tem
a sua formação na língua e no pensa93
Trabalhos dos alunos
mento inglês. Mesmo assim, nunca deixa de se sentir muito Português.
Os primeiros poemas que publica em livro são em Inglês, no livro
Antinous 1918 (escrito em 1915).
É também neste período que escreve textos de filosofia
(1906-1916).
O primeiro texto publicado é “Águia”, em 1912
Gigantes que metem medo.
Descobrimos11 (*)
11 com o livro “Ulisses” de Maria Alberta Menézes e “Primeiro livro de Poesia” com uma selecção de Sophia de Mello Breyner Andresen
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Pascal Paulus - Português em contexo multilingue
O Homero fala do Ciclope Polifemo.
O Luís de Camões fala do Adamastor.
O Fernando Pessoa fala do Mostrengo.
Os três são gigantes inventados que metem medo aos marinheiros.
Dois poemas
A Ana Paula copiou um poema de Camões, e outro de Pessoa,
que metemos aqui com a explicação das palavras que não percebíamos e que Ana Paula procurou no dicionário com a ajuda do
Pascal.
De Luís de Camões:
Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa e não segura.
Leva na cabeça o pote
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado,
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura
O que não
percebi
Lianor
Vai pela
Fermosa
O que encontrei
Nome de pessoa
Vai para
Bela
Escarlata
Sainho
Tecido de cor
vermelho
Chamalote
Saia antiga
de lã de camelo ou lã e
seda
vasquinha de
cote
casaco de
mulher de uso
do dia a dia.
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Trabalhos dos alunos
De Fernando Pessoa:
O mostrengo que está no fim do
mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo,
“El-Rei D. João Segundo!”
“De quem são as velas onde me
roço?
De quem as quilhas que vejo e
ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes.
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me
visse
E escorro os medos do mar sem
fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse,
“El-Rei D. João Segundo!”
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ergueu-se
de breu
levantou-se
muito escuro
chiar
gritar com
som agudo
desvendo
mostro
roço (roçar)
quilha
imundo
escorro
cortar ou esfregar
uma peça forte e comprida
no casco do
barco
obsceno,
grosseiro
corre, escoa.
O autor
Pascal Paulus nasceu em Oostende (Bélgica) e
formou-se como professor de ensino primário em
1977. Trabalhou, na sua terra natal, com crianças e
adultos até 1986, quando se estabeleceu em Portugal. Desde então tem alternado a sua intervenção na escola do 1º ciclo com a formação de professores e a participação em projectos de desenvolvimento local.
Pertence, desde 2005, ao quadro de escola da Escola Básica Amélia Vieira Luís, na Outurela.