1 GLOBALIZAÇÃO PRODUTIVA, INVESTIMENTO EXTERNO

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1 GLOBALIZAÇÃO PRODUTIVA, INVESTIMENTO EXTERNO
GLOBALIZAÇÃO PRODUTIVA, INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO E
EMPRESAS TRANSNACIONAIS NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA1
Reinaldo Gonçalves2
INTRODUÇÃO
A inserção internacional do Brasil tem sido, historicamente, ampla e profunda.
O padrão de inserção internacional da economia brasileira tem mudado ao longo do tempo
em função do quadro político-econômico interno e da evolução do sistema mundial. Não
obstante essas mudanças, o capital internacional tem tido sempre um papel de destaque na
história econômica do país desde o período colonial. Esse capital tem sido determinante na
evolução econômica do país, na forma seja de empréstimos ou financiamentos, seja de
investimento de portfólio ou investimento direto (IED). As relações do Brasil com o capital
internacional foram intensas tanto no ciclo de expansão holandês (final do século XVI até o
século XVIII), como no ciclo britânico (século XIX até o início do século XX), e
continuaram se ampliando e aprofundando no período de hegemonia norte-americana3.
Com relação ao capital na forma de IED -- principalmente, através das
empresas internacionais ou transnacionais (ETs) operando no país e controladas por
estrangeiros não residentes --, a história mostra o seu papel de destaque nos processos de
acumulação de capital e crescimento econômico do país. A profunda e ampla inserção
internacional do aparelho produtivo do Brasil é parte da história econômica do país. A
1
Esse trabalho foi apresentado na reunião da Associação Brasileira de Pesquisa em História Econômica, São Paulo,
dezembro de 1996. O autor beneficiou-se dos comentários de Theotonio dos Santos, Wilson Suzigan, Wilson Cano, Luis
Carlos Prado e Flavio Saes. Naturalmente, os erros e omissões são de inteira responsabilidade do autor.
2
Professor Titular de Economia Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
3
Para uma análise detalhada dos quatro ciclos longos de expansão do Capitalismo em escala global (os
ciclos genovês, holandês, britânico e norte-americano), ver Giovanni Arrighi, O Longo Século XX, Rio de
Janeiro, Ed. Contraponto, 1996.
1
globalização produtiva é um dos aspectos mais marcantes do processo histórico-econômico
no Brasil.
Esse trabalho objetiva fazer uma abordagem do tipo "circuito do horizonte", a
partir de uma perspectiva histórica, a respeito do IED e das ETs no Brasil. Naturalmente,
não se tem a pretensão de um tratamento exaustivo do tema. O objetivo principal é a
demarcação e a interpretação dos principais fatos históricos.
Na seção 1, que segue essa introdução, faz-se um breve esboço histórico
acerca da atuação do capital estrangeiro no país até a II Grande Guerra. Na seção 2
examina-se o papel da empresa estrangeira no processo de industrialização e de acumulação
de capital no período que vai da Guerra até o início dos anos 60. Na seção 3 analisa-se as
características básicas do processo de internacionalização da produção, com destaque para a
atuação de ETs na indústria brasileira, no período de prosperidade econômica de final dos
anos 60 até 1980. A seção 4 trata da atuação das ETs no país, principalmente, suas
estratégias, durante o período de estagnação econômica que começa logo no início dos anos
80 e se estende até o início dos anos 90. Na seção 5, que conclui o texto, analisa-se a
expansão recente dos fluxos de IED para o país no contexto da globalização financeira e
produtiva.
1. BREVE ESBOÇO HISTÓRICO: DA COLÔNIA ATÉ A II GRANDE GUERRA
A economia primário-exportadora, durante o período colonial e depois da
independência, teve no comércio internacional o seu elemento determinante. De fato, a
evolução da economia brasileira era determinada, em grande medida, pela sua inserção
internacional e, em particular, pelas flutuações do mercado mundial e pela concorrência de
outros produtores4. Nessa economia, o comércio externo brasileiro era controlado por
empresas estrangeiras. O ciclo do açúcar do século XVI ao século XVIII foi influenciado
4
J. F. Normano, Evolução Econômica do Brasil, São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1935 (2ª edição,
Brasiliana 152, 1975); e Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, São Paulo, Cia. Editora Nacional,
1959.
2
pela articulação comercial-financeira holandesa, onde a Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais desempenhou um papel-chave5.
Ao longo do século XIX houve o avanço do capital externo no Brasil,
principalmente, a partir da segunda metade do século, quando o
capital estrangeiro
(predominantemente, britânico) esteve presente através da concessão de empréstimos para
o financiamento da infra-estrutura, tal como, estradas de ferro, portos e serviços de
utilidade pública, assim como para o financiamento do déficit público6. Na segunda metade
do século XIX,
as empresas estrangeiras também tinham uma posição de mercado
hegemônica em segmentos importantes da economia brasileira e, inclusive, exerciam o
poder monopolista7.
Nos primeiros surtos de industrialização nas três últimas décadas do século
XIX a presença do capital internacional não parece ter sido significativa, embora esse
capital tenha investido no Brasil através de plantas de montagem, empresas de serviços,
escritórios de vendas e plantas industriais. Como resultado da aceleração da
industrialização, principalmente aquela baseada na substituição de importações, há a
intensificação da presença do capital estrangeiro no país através do IED, que em alguns
casos recebeu tratamento preferencial8.
A partir da década de 1920 as empresas
5
Furtado (1959), p. 33 e Roberto Simonsen, História Econômica do Brasil (1500/1820), São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1937 (8º edição, 1978), p. 118.
6
M. G. Mulhall, The English in South America, London, Standard Office, 1878, p. 345; R. Graham, Britain
and the Onset of Modernization in Brazil, 1850-1914, Cambridge University Press, 1968; e Ana Célia
Castro, As Empresas Estrangeiras no Brasil, 1860-1913, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979.
7
Esse é o caso, por exemplo, das ferrovias e companhias de gás e transporte urbano. Vale notar o caso da
Western Telegraph Company, criada em 1889, que tinha o monopólio das comunicações através de cabos
submarinos do Brasil com o mundo; ver Castro (1979), p. 36.
8
D. M. Phelps, Migration of Industry to South America, Westport, Greenwood Press, Publishers, 1939; G.
Wythe, Industry in Latin America, New York, Columbia University Press, 1945, p. 153. Ver, também, Nícia
Vilela Luz, A Luta pela Industrialização do Brasil, São Paulo, Ed. Alfa-Omega, 1975, p. 198, que menciona
exemplos de créditos especiais para empresas estrangeiras.
3
internacionais e o investimento externo direto desempenhou um papel importante tanto na
expansão da produção industrial quanto na diversificação da estrutura industrial do país8.
No que se refere à participação do capital externo nas fases de industrialização
entre o período da Primeira Guerra Mundial e o período da Grande Depressão, pode-se
afirmar que não havia mais uma nítida predominância britânica no Brasil na medida em que
houve a expansão do investimentos norte-americanos no país desde a virada do século9.
Assim, enquanto os investimentos britânicos no Brasil aumentaram 23% entre 1913 e 1927,
os investimentos norte-americanos cresceram 852%. Outrossim, cabe mencionar que nesse
mesmo período o comércio bilateral do Brasil com a Grã-Bretanha aumentou 20%,
enquanto o comércio Brasil-Estados Unidos cresceu 103%. Os dados disponíveis mostram
que o total de capital externo no Brasil em 1930 era de US$ 2.7 bilhões, sendo que cerca de
US$ 1.6 bilhões correspondia ao IED. As participações da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos no estoque total eram de 53% e 21%, respectivamente10. Foi somente no início dos
anos 40 que o capital dos Estados Unidos consolidou e expandiu sua presença no Brasil e
consolidou sua hegemonia.
No período entre-guerras alguns dos fatores que influenciaram o processo de
industrialização substitutiva de importações também estimularam o fluxo de IED para o
Brasil. Além das restrições ao comércio exterior do Brasil devido aos conflitos bélicos,
cabe mencionar os efeitos da Grande Depressão sobre o sistema mundial de comércio, os
preços decrescentes das exportações brasileiras e as barreiras comerciais impostas pelo
país. Ademais, vale notar que o ingresso de capital externo era estimulada e, mesmo, em
alguns momentos recebeu tratamento preferencial no Brasil. Embora em meados dos anos
30 tenha havido restrições no que diz respeito à presença de capital externo em alguns
8
Wilson Suzigan, Indústria Brasileira. Origem e Desenvolvimento, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986, p.
351.
9
Antônio Barros de Castro, Sete Ensaios sôbre a Economia Brasileira, Volume II, Rio de Janeiro, Ed.
Forense, 1971, p. 91.
10
Wythe (1945), p. 145.
4
setores tais como mineração, petróleo e energia hidrelétrica, essas foram impostas por
razões de segurança nacional11.
No período entre as duas grandes guerras mundiais já podia se notar uma
presença significativa do capital externo no país. As principais empresas de papel, fumo e
fósforo eram controladas por investidores britânicos, que também tinham investimentos
expressivos em moinhos e nas indústrias têxtil e de calçados. Empresas norte-americanos,
por seu turno, tinham investimentos na indústria de alimentos, equipamento ferroviário,
lâmpadas, transformadores, aparelhos domésticos, fonógrafos e sacos de papel. Ademais,
empresas como Ford, General Motors e Chrysler tinham aberto unidades de montagem no
país durante as décadas de 20 e 30. Essas empresas também tinham atividade manufatureira
de metalurgia, couro e vidro, de forma que no início da década de 40 todas as carrocerias de
caminhões e ônibus eram produzidas no Brasil12.
Havia também investimentos de empresas suíças no setor de curtumes e
processamento de alimentos; investimentos franceses no setor químico; investimentos
canadenses e norte-americanos na produção de cimento -- o projeto da fábrica norteamericana de cimento recebeu isenção fiscal e outros incentivos em 1933. Havia também
investimentos argentinos em moinhos de trigo, processamento de algodão, cimento e em
outros setores. As empresas líderes na fabricação de produtos químicos e farmacêuticos
eram subsidiárias de companhias britânicas, francesas, alemães e americanas13.
Assim, na segunda e terceira décadas do século XX, empresas como General
Electric, Nestlé, Pirelli, Ford, General Motors, Chrysler, Rhone-Poulenc, British-American
Tobacco, Singer, Standard Brands, Wilson and Company, Swift International, ColgatePalmolive-Peet Company, Armour, Armco e outras já tinham plantas no Brasil. Ademais,
várias empresas internacionais tinham estabelecido organizações de serviços e escritórios
comerciais no país desde a virada do século. De fato, os movimentos de industrialização
substitutiva de importações durante as três primeiras décadas do século XX foram
11
Ibid, p. 185 sqq.
12
Phelps (1939), p. 20 sqq; Wythe (1945), p. 1 e p. 172-173.
13
Wythe (1945), p. 178-179, e Suzigan (1986), capítulo 4.
5
acompanhadas pelo IED, que era não somente benvindo, como também recebeu apoio
governamental. De um modo geral, o capital estrangeiro encontrou um ambiente propício e
liberal no Brasil.
Antes de 1930 o capital estrangeiro recebeu o mesmo tratamento que o capital
nacional e, mesmo em alguns casos, o primeiro chegou a receber privilégios especiais em
termos de taxas de retorno mínimo garantidas, empréstimos internos com taxas
preferenciais e isenção fiscal14.
Nas constituições de 1934 e 1937, devido a fatores
militares e estratégicos, houve restrições com relação a presença do capital estrangeiro na
mineração, petróleo, energia hidrelétrica, bancos, seguros, transporte marítimo e aéreo. No
final da Segunda Grande Guerra, algumas das restrições previamente impostas foram
eliminadas e, pode-se dizer que, no geral, o Brasil teve um ambiente liberal para o capital
estrangeiro no período 1946-1962. A política governamental a respeito do IED durante esse
período estava intimamente relacionada às flutuações de balanço de pagamentos, com
maiores restrições durante períodos de crise e um certo afrouxamento durante os períodos
de recuperação das contas externas15. Depois do golpe de Estado em 1964, o governo
comprometeu-se com uma economia capitalista aberta e teve uma política liberal com
relação ao capital estrangeiro em geral e ao IED em particular16.
2. INDUSTRIALIZAÇÃO E INVESTIMENTO EXTERNO: 1945-1964
A
economia
brasileira
experimentou
um
importante
processo
de
industrialização substitutiva de importações durante e após a Segunda Grande Guerra.
Durante a guerra o processo foi similar, na sua motivação, aquele encontrado em surtos
14
United Nations, Foreign Capital in Latin America, New York, Department of Economic and Social
Affairs, 1955, p. 56; e Wythe (1945), p. 185.
15
A. Pignaton, Capital Estrangeiro e Expansão Industrial no Brasil, Departamento de Economia,
Universidade de Brasília, Texto para Discussão nº 10, 1973, capítulo 1.
16
E. Lahera, "Politicas de Brasil respecto de las empresas transnacionales: Aspectos de interés para
otros países en desarrollo", Santiago, Unidad Conjunta CEPAL/CET, 1981.
6
anteriores de industrialização, a saber, havia restrições ao comércio exterior e uma redução
da concorrência internacional, que estimularam a produção doméstica de bens
anteriormente importados. Depois da guerra a economia brasileira teve taxas de
crescimento relativamente elevadas de modo que entre 1947 e 1961 -- quando ocorreu uma
profunda crise política e econômica --, o produto total, a produção agrícola e a industrial
cresceram a taxas médias anuais de 6%, 4.6% e 9.1, respectivamente.
Se, por um lado, pode-se observar nesse período a redução da importância do
setor externo como determinante do nível da renda nacional, por outro, o setor externo
tornou-se mais importante para a geração de divisas estrangeiras que eram necessárias para
a importação de bens de capital e tecnologia associadas com um estágio mais avançado de
industrialização. Portanto, a posição estratégica do balanço e pagamentos nesse período,
assim como a configuração de uma política mais explícita de industrialização, levaram o
governo brasileiro a aplicar controles cambiais depois da Guerra17.
A manutenção de um regime de câmbio fixo durante e no imediato pós-guerra
acarretou uma queda das reservas internacionais devido a importação de bens de consumo
duráveis. Como resultado, o governo estabeleceu controle cambial, com base num sistema
de licenciamento, que durou até 1953. Nesse sistema, as receitas de exportação da maioria
dos produtos eram trocadas a taxas oficiais de câmbio sobrevalorizadas, enquanto as
importações eram classificadas em cinco diferentes categorias segundo o grau de
"essencialidade" do produto18. A alocação das divisas estrangeiras dentro de cada categoria
estava baseada na "Lei do Similar Nacional", segundo a qual os produtos fabricados
localmente eram registrados no Conselho de Política Aduaneira e, portanto, estavam
habilitados à proteção contra importações através de tarifas mais elevadas.
17
Para uma análise mais detalhada dessas políticas, ver W. Baer, Industrialization and Economic
Development in Brazil, Illinois, Richard D. Irwin, Inc., 1965, p. 48-59; J. Bergsman, Brazil.
Industrialization and Trade Policies, Paris, OECD/Oxford University Press, 1970, p. 27-37; e, L. Gordon e
E. Grommers, United States Manufacturing Investment in Brazil. The Impact of Brazilian Government
Policies, 1946-1960, Boston, Graduate School of Business Administration, Harvard University, 1962,
capítulo 2.
18
Aproximadamente 85% das divisas estrangeiras disponíveis eram alocadas para a importação de
derivados de petróleo, insumos para a agricultura, matérias primas, bens de capital e produtos
farmacêuticos. Ver, Bergsman (1970).
7
A "Lei do Similar Nacional" foi um importante determinante do IED no Brasil
durante os anos 50 na medida em que a existência de produção local poderia acarretar
restrições significativas no licenciamento da importação do produto19.
Entretanto, no
período 1947-1955, o fluxo líquido de investimento externo direto no Brasil foi negativo
para todos os anos exceto 1947. Nesse sentido, deve-se notar que no período 1947-1952
houve restrições à remessa de lucros, que foram limitadas a 8% do capital registrado,
enquanto as repatriações e as remessas de lucros foram incluídas numa categoria não
preferencial do sistema de licenciamento de câmbio20.
No período do final da guerra até 1951 havia um ambiente liberal para o capital
estrangeiro no Brasil. Em seguida, contudo, o governo Vargas entre 1951 e 1954,
caracterizou-se por uma política ambivalente no que se refere ao capital estrangeiro21. De
fato, os fluxos de IED até 1954 foram insignificantes devido à interação de fatores internos
(clima pouco favorável de investimento, baixo grau de industrialização, baixo nível de
renda, tamanho pequeno do mercado interno) e fatores externos (e.g., o período de
reconstrução européia). Assim, entre 1947 e 1954, enquanto o fluxo total de entrada do
investimento externo direto foi de US$ 113 milhões, o fluxo total de saída foi de US$ 385
milhões22.
Em janeiro de 1953 ocorreu um forte desvalorização da moeda nacional e em
outubro desse mesmo ano houve uma mudança importante no sistema de controle de
divisas, que durou até 1957. Também foi em 1953 que as restrições sobre o capital
estrangeiro foram reduzidas com relação à repatriação e remessa de lucros, visto que essas
transferências poderiam, então, ser feitas através do mercado de câmbio livre. Dois anos
depois o governo brasileiro deu incentivos especiais aos investidores estrangeiros através
19
20
Gordon e Grommers (1962), p. 23-27.
Pignaton (1973), p. 10.
21
T. Skidmore, Politics in Brazil, 1930-1964. An Experiment in Democracy, Oxford University Press,
1967, p. 93-100.
22
Os dados de entrada não incluem os reinvestimentos. Ver, Boletim do Banco Central do Brasil, Junho
1976, p. 188 sqq.
8
da Instrução nº 113 da SUMOC (janeiro de 1955), que permitia as empresas estrangeiras
importarem bens de capital sem cobertura cambial se o investidor estrangeiro aceitasse o
valor (em moeda nacional) do equipamento como a participação de capital na empresa que
fosse usar o equipamento. Isso beneficiou os investidores estrangeiros na medida em que
eles evitavam os custos de transação e os custos diretos do mercado de câmbio23.
A importância da Instrução nº 113 é mostrada pelo fato de que entre 1955 e
1960 o valor total do IED aprovado segundo esse mecanismo foi de US$ 507 milhões,
enquanto o total do ingresso de IED foi de US$ 609 milhões, isto é, mais de 80% do
ingresso total de IED na segunda metade dos anos 50 beneficiou-se desse esquema especial.
Os benefícios derivados da Instrução nº 113 duraram até 1961, quando ocorreu nova
alteração na política cambial. Não obstante os benefícios diretos da Instrução nº 113, podese argumentar que o principal determinante do IED no Brasil nesse período foi o clima
favorável de investimento associado, em grande medida, ao crescimento econômico gerado
pelo Plano de Metas24.
Vale também mencionar que através da formação dos chamados "Grupos
Executivos" o governo brasileiro planejou, coordenou e financiou o desenvolvimento de
algumas indústrias importantes, tais como, automobilística, construção naval, química, bens
de capital, que se beneficiaram de incentivos e subsídios adicionais. Devido a esses
benefícios, ao clima de investimento (decorrente da expansão da renda), e a operação da
"Lei do Similar Nacional", que praticamente eliminou a concorrência das importações
sempre que houvesses produção doméstica, o IED aumentou de forma significativa entre
1955 e 1960, sendo que os fluxos líquidos foram positivos em todos os anos desse
período25.
23
A Instrução nº 113 evitava que o investidor estrangeiro trouxesse investimento na forma de moeda
estrangeira, convertesse em moeda nacional, e usasse essa última para comprar divisas para a importação
de bens de capital. O benefício era extraordinário visto que as importações de bens de capital eram
feitas à taxa de câmbio de Cr$ 142/US$ em setembro de 1956, enquanto a taxa do mercado de câmbio
livre era de Cr$ 68/US$ no mesmo período; ver, Gordon e Grommers (1962), p. 18.
24
25
Gordon e Grommers (1968), p. 33.
Ibid, p. 29.
9
Durante o período de crise econômica e política no início dos anos 60, o
governo introduziu a Lei nº 4131 (setembro de 1962), que tratava da presença do capital
estrangeiro no país e das remessas de recursos para o exterior. Uma das principais
características dessa Lei foi que ela não considerava como capital estrangeiro os lucros
reinvestidos no país e, ao mesmo tempo, ela restringia as remessas de lucros a 10% do
fluxo de capital para o país nos últimos três anos. Essa lei foi regulamentada somente em
janeiro de 1964, isto é, menos de três anos antes do golpe de estado e, portanto, pode-se
afirmar que ela nunca foi aplicada nos termos em que foi originalmente concebida.
Em agosto de 1964 o novo governo aprovou a Lei nº 4390, que alterava artigos
da Lei nº 4131. Ambos instrumentos legais foram regulamentados pelo Ato Executivo nº
55762 (fevereiro de 1965) e vigoram até o momento, somente tendo sofrido alterações mais
significativas nos anos 90 (Lei nº 8383 de dezembro de 1991 e reforma constitucional de
1995)26. O principio básico dessa legislação é que o investidor externo recebe tratamento
nacional, isto é, o capital externo tem tratamento idêntico aquele que é dado ao capital
nacional27.
3. CRESCIMENTO ECONÔMICO E ABERTURA PRODUTIVA-REAL:
1968-1980
A economia brasileira tinha nos anos 70 um dos mais elevados graus de
internacionalização da produção no mundo. Somente em um número muito pequeno de
países as ETs controlavam a indústria doméstica com a mesma importância que tinham no
26
Para um resumo das características dessa legislação e das mudanças recentes, ver Reinaldo Gonçalves,
"Small and medium-size transnational corporations in Brazil", Revista Brasileira de Economia, Vol. 50, nº
1, janeiro-março 1996, p. 36-37.
27
Para caracterizar a política de abertura com relação ao capital estrangeiro, o governo brasileiro
assinou em fevereiro de 1965 um acordo de garantia de investimentos com o governo norte-americano. Ao
longo dos anos também foram assinados acordos de bi-tributação com vários países.
10
Brasil28. Para ilustrar, vale comparar os dados da participação de ETs no Brasil e nos
Estados Unidos. No primeiro, as ETs responderam por 32% da produção industrial no final
dos anos 70, enquanto no segundo, a participação era de 11%. Aqui, outro aspecto a
destacar é que o grau de abertura e internacionalização no Brasil era maior em todas as
indústrias, exceto em editorial e gráfica29.
No último ciclo longo de expansão da economia brasileira, entre o final dos
anos 60 e o final da década seguinte, o fluxo acumulado de IED representou cerca de 3% da
formação bruta de capital fixo. Se considerarmos os lucros reinvestidos, essa participação
aumenta para 5%30. Entretanto, essas cifras são um tanto enganadoras se não levarmos em
conta as principais características das ETs -- principais agentes do IED -- atuando no Brasil.
O setor industrial foi a "locomotiva" da economia brasileira no período em
questão, tanto na primeira fase entre 1968 e 1973 quando do crescimento extraordinário do
segmento de bens de consumo duráveis, como na segunda fase a partir de 1974, quando da
substituição de importações de insumos intermediários e bens de capital. Em ambas as fases
do ciclo longo, as empresas transnacionais desempenharam um papel de fundamental
importância.
As ETs responderam por cerca de um-terço da produção industrial brasileira no
final dos anos 70, sendo que essa participação variou de pouco mais de 1% no caso da
indústria editorial e gráfica para mais de 95% no caso da indústria de fumo. Embora a
participação de ETs na indústria brasileira pareça um fenômeno generalizado, o fato é que
há uma significativa concentração de investimentos em determinadas indústrias. Na
realidade, as ETs concentram seus investimentos em indústrias mais intensivas em
tecnologia. Nesse sentido, vale notar que mais da metade da produção das ETs na indústria
28
Reinaldo Gonçalves, "Investimento externo direto e empresas transnacionais no Brasil: Uma visão
estratégica e prospectiva", em Ciências Sociais Hoje, 1991, São Paulo, Ed. Vértice/ANPOCS, 1991, p. 231244.
29
Essa exceção confirma a regra visto que editoras do Canadá, Grã-Bretanha e Austrália têm
investimentos significativos nos EUA para se beneficiar do mercado norte-americano de língua inglesa.
30
Reinaldo Gonçalves, "The performance of multinational enterprises in a newly industrializing country:
The case of Brazilian manufacturing", Ph. D. Thesis, University of Reading, 1986, p. 40-41.
11
brasileira está em material elétrico, material de transporte, produtos farmacêuticos e
química. Ademais, nessas indústrias, caracterizadas por oligopólios ou concorrência
monopolista, as ETs tendem a ter um papel de liderança. Nota-se, também, uma
concentração a nível de empresas na medida em que as 100 maiores ETs atuando no Brasil
responderam por cerca de dois-terços da produção do conjunto de ETs no país31.
Outro aspecto de destaque é a participação de ETs nas diferentes categorias de
uso dos produtos. Dados para o final dos anos 70 mostram que as empresas transnacionais
tinham uma participação bastante significativa na produção de bens de consumo duráveis e
de bens de capital, mas uma presença menos expressiva nos segmentos produtores de bens
intermediários e, menor ainda, nos produtores de bens de consumo duráveis32.
A partir da crise do petróleo em 1973, a economia brasileira entra numa
trajetória de desequilíbrio externo, que passou a ser determinante das políticas
governamentais e da atuação das empresas. Nesse sentido, a orientação central da estratégia
de ajuste passou a ser a redução do déficit na balança comercial. As ETs tiveram um papel
importante nesse processo de ajuste estrutural.
Devido às suas vantagens específicas, as ETs têm uma presença bastante
significativa nas indústrias mais intensivas em tecnologia e, conseqüentemente, também
respondem por uma participação substantiva das exportações de produtos mais sofisticados
em termos tecnológicos, que foram responsáveis por mais da metade do valor total de
manufaturados exportados por ETs em 198033. As atividades de exportação das ETs na
indústria de transformação no Brasil estão em grande parte (cerca de 4/5) concentradas em
industrias tecnologicamente mais sofisticadas (nas quais elas têm vantagens específicas) e
no setor de processamento de alimentos (no qual o país possui uma enorme vantagem
comparativa devido à sua dotação de fatores). Ademais, tendo em conta a natureza
31
32
Ibid.
Ibid.
33
Reinaldo Gonçalves, "Competitividade internacional, vantagem comparativa e empresas multinacionais:
O caso das exportações brasileiras de manufaturados", Pesquisa e Planejamento Econômico, Vol. 17, nº 2,
agosto 1987, p. 411-436.
12
oligopolista das vantagens específicas das ETs e a estrutura industrial brasileira, não
constitui uma surpresa o fato de que um número relativamente pequeno de grandes
empresas (entre elas algumas dezenas de ETs) responda por uma proporção muito elevada
do total das exportações de manufaturados.
Vale destacar ainda que desde meados dos anos 70 o desempenho exportador
das ETs (e também das empresas nacionais) foi influenciado por incentivos e subsídios
bastante significativos. Mecanismos de promoção de exportação foram usados
extensivamente do início dos anos 70 até o final dos anos 80. Ademais, ETs receberam
incentivos especiais através de mecanismos criados para estimular suas exportações de tal
forma que a relação média subsídio/valor exportado para as ETs foi da ordem de 50%. Nos
anos 70, a evidência disponível também mostra que as ETs receberam uma fração mais do
que proporcional dos incentivos e subsídios à exportação em comparação com sua
participação nas exportações de manufaturados34.
A estratégia de ajuste adotada pelo governo após os choques externos em 1974
implicou numa maior interação com a economia internacional, cada vez mais adversa e
volátil, em vez da menor dependência pretendida pelos tomadores de decisão. A estratégia
envolvia uma maior dependência
externa devido à influência
determinante das
exportações de manufaturados, petróleo importado, tecnologia estrangeira, endividamento
externo e IED.
A balança comercial tornou-se crescentemente dependente do expansão das
exportações de manufaturados num quadro de ascensão do protecionismo. A política
energética no período 1974-1979 não mudou a estrutura de oferta de energia de forma
significativa, e, ademais, manteve-se um sistema de transportes, com um forte viés
rodoviário, com a oferta de material de transporte centrada nas ETs, e
altamente
dependente do petróleo importado. O processo de substituição de importações nos insumos
básicos e nos bens de capital também foi altamente dependente, seja da tecnologia
estrangeira, seja do capital externo (via, inclusive, joint ventures no chamado "modelo
tripartite").
34
Ibid.
13
Dessa forma, o processo de ajuste após o choque do petróleo seguiu a "linha de
menor resistência" ao procurar reduzir a vulnerabilidade externa (devido à dependência
com relação ao petróleo importado) através da "trajetória natural" de fases mais avançadas
da substituição de importações. Entretanto, esse processo de ajuste estrutural acabou
reforçando ainda mais a vulnerabilidade externa do país. Isso ocorreu porque o processo de
ajuste envolveu um enorme endividamento externo -- gerando uma vulnerabilidade
financeira sem precedentes na área externa -- e ampliou ainda mais o papel das ETs na
economia brasileira e, portanto, aumentou a vulnerabilidade externa do país na esfera
produtiva-real.
4. ESTAGNAÇÃO E RECUO ESTRATÉGICO: 1981-1993
Desde o início dos anos 80, quando se iniciou um longo período marcado pela
estagnação econômica ("década perdida"), as ETs no Brasil tiveram reações estratégicas em
áreas distintas que lhes permitiram conciliar o paradoxo aparente entre geração de lucros e
o recuo dos investimentos no país35. As mudanças nas estratégias comercial, industrial,
financeira e de investimento das ETs foram centradas, de um modo geral, na expansão das
exportações, racionalização de custos, demissões de trabalhadores, exercício do poder de
mercado, incremento dos lucros financeiros e dos fluxos de saída de IED.
No que se refere aos fluxos líquidos de IED, os dados mostram claramente que
as subsidiárias de ETs no Brasil conseguiram, no contexto de crise econômica, gerar lucros
para pagar a "taxa" crescente de inserção internacional da economia brasileira cobrada
pelas matrizes.
Outrossim, as ETs parecem ter adotado uma estratégia de recuo gradual
com relação ao mercado brasileiro.
As ETs reduziram significativamente seus investimentos no Brasil no período
de "década perdida", com a crise da dívida externa nos anos 80. Considerando-se todos os
fluxos de entrada e saída de recursos de investimento (inclusive, conversão e
35
Reinaldo Gonçalves, "Transformações globais, empresas transnacionais e competitividade internacional
do Brasil", Instituto d Economia Industrial/UFRJ, Texto para Discussão Nº 320, 1994.
14
reinvestimentos) verifica-se que houve uma queda abrupta na década de 80
comparativamente à de 7036. O fluxo médio de IED na "década perdida" representou 1/6
do fluxo médio na década anterior -- caiu de US$ 2.3 bilhões anuais para cerca de US$ 350
milhões. Os dados indicam tendência de recuo das ETs, principalmente, via redução dos
fluxos de entrada e aumento do repatriação de capital e das remessas de lucros. Na
realidade, as ETs optaram por uma estratégia de recuo gradual -- retrenchment. Num
contexto de profunda e longa crise econômica, houve uma desaceleração do crescimento do
estoque de capital estrangeiro ao longo da "década perdida".
A estratégia financeira e patrimonial das ETs também se modificou ao longo
das últimas duas décadas. As ETs reduziram drasticamente seus níveis de endividamento
no Brasil, tanto o externo como o interno. Ademais, ocorreu uma restruturação de ativos no
sentido de maior diversificação de investimentos em empresas associadas, principalmente,
a partir de 1984. As ETs se beneficiaram das elevadas taxas de juros vigentes no mercado
financeiro doméstico para obter lucros financeiros que compensaram a queda do lucro
operacional. Assim, a despeito da crise econômica generalizada e, em função de processos
de ajuste ineficazes e recessivos, as ETs -- da mesma forma que os grandes grupos privados
nacionais -- mantiveram sua capacidade de acumulação de capital, principalmente, com
origem nos lucros financeiros.
Apesar das significativas transformações globais, as ETs atuando no país
parecem ter realizado, de um modo geral, um esforço incipiente de restruturação, na medida
em que adotaram estratégias defensivas ou, simplesmente, reativas ao longo da "década
perdida"37.
Somente a recessão profunda de início dos anos 90 e o avanço da liberalização
comercial parecem ter tido efeitos mais determinantes sobre o processo de restruturação das
ETs, agregando-lhe, inclusive, um componente "ofensivo" ou "pró-ativo".
No que diz respeito à estratégia industrial das ETs não há como negar a
ampliação do atraso tecnológico e organizacional das subsidiárias operando no Brasil. De
fato, a incipiente restruturação produtiva só parece ter sido mais perceptível no período
36
Os dados referem-se aos períodos 1971-81 e 1982-1991. Ver, Gonçalves (1994).
37
Essa afirmação deve, entretanto, ser vistas com cautela, pois há diferenças significativas entre
setores, empresas e, mesmo, em termos de linhas de produção dentro de cada empresa.
15
mais recente, principalmente, como uma estratégia reativa ao aprofundamento da crise que
vem desde 1990. A evidência disponível mostra o baixo nível de difusão de procedimentos
técnicos modernos (e.g., automação industrial) e de inovações organizacionais (como as
relações mais avançadas com os fornecedores, tipo "just-in-time"). Entretanto, a abertura
comercial e, principalmente, a aceleração da crise nos últimos três anos forçaram as ETs a
realizar um processo de restruturação industrial. Este processo passou, inicialmente, pela
racionalização de custos, redução da verticalização, fechamento ou redução do tamanho de
plantas, e demissões. Por outro lado, algumas ETs abandonaram determinadas linhas de
produção, substituindo por produtos importados, enquanto outras empresas aproveitaram
para realizar fusões e aquisições, que lhes permitam maior predominância no mercado
interno.
A estratégia de comércio exterior das ETs no Brasil mudou significativamente
ao longo das últimas duas décadas. Durante o regime militar, as ETs foram induzidas a ter
um desempenho comercial mais favorável para o país, exportando mais e importando
menos. Esta política iniciou-se após o primeiro choque do petróleo. Os governos militares
foram pródigos na concessão de estímulos à exportação, principalmente subsídios e
incentivos fiscais, ao mesmo tempo em que aumentaram as barreiras de acesso ao mercado
brasileiro, em particular, com utilização de medidas não-tarifárias. Entretanto, durante a
década de 80 a crise econômica interna forçou as ETs a procurarem o mercado
internacional como canal alternativo para colocação dos seus produtos. Neste sentido, a
recessão tornou-se um importante fator indutor das estratégias comerciais, envolvendo
maiores volumes de exportação e, mais recentemente, maiores importações como resultado
da liberalização comercial iniciada com a reforma tarifária de 1988.
Em síntese, ao longo da "década perdida" as ETs no Brasil tiveram reações
estratégicas em áreas distintas que lhes permitiram conciliar o paradoxo aparente entre a
geração de lucros e o recuo dos investimentos no país. Houve mudanças nas estratégias
comercial, industrial e financeira das ETs.
Correndo o risco da simplificação e
reconhecendo eventuais diferenças setoriais e em termos de empresas individuais, pode-se
argumentar que estas estratégias estiveram centradas na expansão das exportações,
racionalização de custos e demissão de trabalhadores, exercício do poder de mercado e
lucros financeiros elevados.
16
5. GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E GLOBALIZAÇÃO PRODUTIVA:
1994-1996
Nos últimos dois anos o IED no Brasil, após anos de desempenho medíocre,
tem apresentado taxas extraordinárias de crescimento38. O saldo (ingresso menos retorno)
médio anual do IED no Brasil foi de US$ 600 milhões no período 1990-93, aumentou para
US$ 1.9 bilhões em 1994, US$ 3 bilhões em 1995 e deve superar US$ 7 bilhões em 199639.
De fato, as mudanças observadas quanto ao investimento e financiamento
externo do Brasil seguem o padrão internacional e refletem, na realidade, uma inserção
passiva no sistema financeiro internacional. Mais recentemente, a contração do
investimento de portfólio, assim como a expansão do IED e a emissão de bônus,
reproduzem o quadro internacional.
Não resta dúvida que o aumento do IED, comparativamente ao investimento de
portfólio, representa uma evolução positiva para o país. Nesse sentido, os dados são
irrefutáveis40. A relação entre investimento de portfólio e saldo da conta de capital mostra
uma nítida tendência de queda (de 65.2% em 1993 para 12.0% em 1996), enquanto a
relação entre IED e saldo da conta de capital aumentou de 3.9% em 1993 para 16.0% em
1996. Ademais, a relação entre investimento de portfólio e investimento externo total caiu
de 93.3% em 1993 para 42% em 1996, enquanto a relação IED e investimento externo total
38
Para maiores detalhes, ver Reinaldo Gonçalves, "Globalisation financière, investissement international
et vulnerabilité externe du Brésil", Cahiers du Brésil Contemporain, EHESS, Maison des Sciences de
l'Homme, 1997 (a sair).
39
O fluxo total de investimento externo direto em 1996 representou mais do que o dobro do fluxo em
1995 e quase sete vezes o fluxo em 1994. Entretanto, em 1996 houve ingresso de recursos que podem ser
vistos como atípicos, dentre os quais se destaca a entrada de US$ 1.2 bilhões correspondente à
privatização da Light (empresa de eletricidade do Rio de Janeiro). Consta também que algumas centenas
de milhões de dólares corresponderiam ao ingresso de recursos vinculados à restruturação de bancos
nacionais, que passaram a ter sócios estrangeiros no contexto do Proer. Ocorre, que mesmo descontados
esses ingressos extraordinários (da ordem de US$ 1.6 bilhões) nos meses de maio e junho, o incremento
relativo em 1996 ainda foi bastante significativo.
40
Gonçalves (1997).
17
aumentou de 5.6% em 1993 para 55% em 1996. Houve também uma
redução da
participação dos empréstimos externos no saldo da conta de capital, que caiu de 109% em
1993 para 50% em 1996.
Esses fatos recentes significam um avanço se considerarmos que o IED tem um
horizonte de longo prazo, quantitativamente superior aos empréstimos de médio prazo
através de bônus e outros instrumentos financeiros, e qualitativamente superior ao
investimento de portfólio (independentemente do prazo de aplicação, de curto prazo ou
não). Assim, a fragilidade das contas externas do país -- marcadas pelo déficit estrutural e
pelo déficit crônico -- estaria sendo acompanhada por uma "muleta mais robusta" com
mudanças nas formas de financiamento e endividamento externo. Isto é, déficits em
transações correntes da ordem de 3% do PIB estariam sendo financiados com recursos de
mais longo prazo.
Encontrar novas formas de financiamento do déficit estrutural ou crônico do
balanço de pagamentos torna-se uma questão de importância central no manejo
macroeconômico de curto prazo, tendo em vista as expectativas dos agentes econômicos
quanto à sustentabilidade de políticas econômicas no longo prazo. Mudanças de
expectativas podem afetar o comportamento dos agentes e, conseqüentemente, a evolução
das políticas cambial, comercial, monetária, fiscal e de regulação dos fluxos internacionais
de capitais.
Não obstante, a análise dos fatores locacionais específicos do Brasil, que são
determinantes fundamentais das decisões de IED, não parece indicar mudanças evidentes
que expliquem a reversão de expectativas dos investidores externos41.
O "efeito Tequila" originado na crise mexicana de 1994-95 foi um marco
determinante, inclusive, na mudança da política econômica do governo. Como resultado
dessa mudança, o país presenciou uma crise financeira de enorme gravidade em meados de
1995 e entrou num processo claramente recessivo. Esse processo agravou o desconforto da
sociedade, gerando desemprego e tensão social (onde o movimento dos sem terra é um dos
aspectos mais evidentes). Não foi por outra razão, que o governo foi obrigado a mudar a
41
Pelo contrário, parece haver um processo gradativo de reorientação de expectativas, isto é, passou-se
de um apoio entusiasmado ao governo FHC para um ceticismo cada vez mais qualificado pelas incertezas
críticas que se acumulam nas esferas econômica, social e política.
18
política econômica, inclusive, pela pressão do empresariado. O país passou, então, de uma
política fortemente contracionista, baseada no aperto monetário e creditício (que começou a
ser revertido no último trimestre de 1995), para uma política mais frouxa no que se refere
ao controle da demanda agregada.
É improvável que essa mudança de orientação da política econômica, que
interrompeu o processo recessivo, tenha produzido uma alteração radical nas expectativas
dos investidores estrangeiros em período tão curto. Ademais, a sustentabilidade do
desempenho macroeconômico futuro do país é duvidosa tendo em vista as incertezas
críticas de curto prazo como, por exemplo, o déficit público e o déficit no balanço de
pagamentos42.
E mais, sob a ótica produtiva-real, dificilmente pode-se escapar da conclusão de
que "a economia que emerge do Real -- mantidas as características básicas do projeto -tende a um comportamento altamente diferenciado entre os setores, com resultados globais
medíocres e instáveis."43 Nesse sentido, deve-se notar que no contexto desses resultados
medíocres e instáveis, e com as dificuldades generalizadas enfrentadas pelo setor privado
do país, é provável que os preços dos ativos produtivos no Brasil estejam relativamente
baixos. Isso pode, sem dúvida alguma, estimular aquisições de empresas nacionais em
dificuldade por parte de empresas estrangeiras44. Até que ponto o sucateamento de
empresas nacionais e sua venda para investidores estrangeiros -- aumento da
vulnerabilidade externa na esfera produtiva-real -- indica uma nova tendência é uma
questão tão em aberto quanto a da expansão dos fluxos de IED.
Há, também, o problema de sustentabilidade do padrão de financiamento
externo visto que os fluxos de IED também têm um comportamento marcadamente cíclico,
em resposta, inclusive, à conjuntura macroeconômica internacional, incluindo não somente
42
Não se deve também descartar as incertezas críticas de médio e longo prazo; ver, Reinaldo Gonçalves,
"Brasil, Dois Anos de Economia", em O Brasil do Real, Rio de Janeiro, EdUerj, 1996, p. 55-71.
43
Antonio Barros de Castro, "A capacidade de crescer como problema", em João Paulo dos Reis Velloso
(org.), O Real, o Crescimento e as Reformas, Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1996, p. 92.
44
O caso recente da Metal Leve, exemplo de empresa tecnologicamente dinâmica, é um bom exemplo.
19
as flutuações de renda, mas também as mudanças de estratégias das empresas
transnacionais como, por exemplo, ondas de aquisição e fusão a nível mundial. Vale
mencionar ainda o problema não trivial de custo na medida em que a remessa de lucros e
dividendos pode passar a onerar de forma significativa o balanço de pagamentos. No debate
atual sobre o IED tende-se a negligenciar o "serviço do capital" na forma de remessas,
assim como a sua repatriação.
Outrossim, o fluxo de investimento externo direto tem se caracterizado,
principalmente na América Latina nos últimos anos, por movimentos "espasmódicos". A
volatilidade dos fluxos de IED ocorrem como decorrência da participação de investidores
estrangeiros em projetos com elevada exigência de capital (por exemplo, investimentos em
projetos de infra-estrutura e privatização de empresas estatais), assim como o resultado de
"ondas" esporádicas de fusão e aquisição45. O resultado é que fluxos extraordinariamente
elevados num ano podem ser seguidos de fluxos significativamente baixos no ano seguinte.
Não menos importante, deve-se notar que o Brasil não tem uma política seletiva
de atração de IED, com base numa avaliação de custo-benefício. Esse aspecto torna-se
ainda mais importante quando consideramos a reforma constitucional iniciada em 1995 e a
abertura de setores de interesse para o capital estrangeiro (cabotagem, telecomunicações,
mineração, petróleo, etc)46.
De fato, as mudanças recentes no caso do Brasil não indicam nenhuma
melhoria significativa no padrão de articulação do país com o sistema financeiro
internacional, quando se toma uma perspectiva mais ampla que vai além da comparação
simplificadora entre fluxos de curto e longo prazo. As mudanças observadas mantém a
elevada vulnerabilidade externa do país determinada, principalmente, pelo passivo externo
de curto prazo e pelos déficits estruturais e crônicos do balanço de pagamentos. Ademais,
uma eventual tendência de aumento significativo do IED no país -- isto é, uma globalização
45
UNCTAD, "World Investment Report, 1996", Geneva, United Nations Conference on Trade and
Development, 1996, p. 57-58.
46
Com relação à questão da seleção dos recursos externos, ver CEPAL, Inversión Extranjera en
América Latina y el Caribe. Informe 1995, Santiago, Naciones Unidas, Comisión Económica para
América Latina y el Caribe, 1995, p. 24.
20
produtiva ainda maior -- pode significar custos não desprezíveis para o país em termos da
evolução do sistema nacional de inovações, capacidade de crescimento de renda e de
emprego, balanço de pagamentos e vulnerabilidade externa.
Essa última "onda" de IED na América Latina e no Brasil parece estar sendo
impulsionada, principalmente, pelas oportunidades decorrentes dos processos de
privatização e dos investimentos em infra-estrutura. Nesse sentido, no caso do Brasil da
segunda metade dos anos 90, vale destacar alguns aspectos importantes que poderão
estimular o IED nos serviços de utilidade pública, que se tornarão relativamente mais
importantes quando passar a "onda" atual de fusões e aquisições de empresas nacionais
privadas. Esses aspectos são os seguintes: o elevado endividamento do setor público e,
portanto, da sua restrita capacidade de investimento; a fragilidade do sistema financeiro
nacional e sua incapacidade de financiar projetos de longo prazo; e o viés privatista e
internacionalizante que determina as estratégias e políticas governamentais.
Numa perspectiva histórica pode-se argumentar, então, que no Brasil a
globalização produtiva do final do século XX gera, por um lado, um processo
desnacionalizador e subordina a indústria brasileira (principalmente, seus segmentos mais
avançados) às estratégias e ao comportamento do capital internacional; por outro, a
globalização produtiva representa uma volta à segunda metade do século XIX, quando a
infra-estrutura econômica do Brasil dependia, sobremaneira, do capital internacional. Em
1896 a Western Telegraph Company tinha o monopólio das comunicações através de cabos
submarinos do país com o resto do mundo, em 1996 diversas empresas transnacionais se
preparam para investir nas telecomunicações no Brasil. Plus ça change ...
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