Reflexões éticas sobre a Inclusão Social

Transcrição

Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
SÉRIE DE DOCUMENTOS DE
TRABALHO
PERSPECTIVAS
SOBRE
INCLUSÃO
SOCIAL
Reflexões éticas sobre
a Inclusão Social
Dow Marmur
Parceiro / Tradução para português:
Copyright © 2002 The Laidlaw Foundation
As opiniões expressas neste trabalho são as do autor e não reflectem necessariamente as opiniões
da Fundação Laidlaw.
Biblioteca Nacional de Catalogação do Canadá no Prelo
Marmur, Dow, 1935Reflexões éticas sobre a Inclusão Social / DOW Marmur.
(Série de documentos de trabalho de perspectivas sobre inclusão social)
Inclui referências bibliográficas.
ISBN 0-9730740-3-5
1. Integração social – Aspectos morais e éticos. 2. Educação Inclusiva. I. Fundação Laidlaw II.
Título. III. Série.
BJ1451.M37 2002
170
C2002-902201-0
The Laidlaw Foundation
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Director Executivo
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Edição e Formato
São cinco Comunicações
Este trabalho faz parte de uma Série de Documentos de Trabalho da Fundação Laidlaw,
Perspectivas sobre Inclusão Social. Os trabalhos completos em Inglês e os resumos em Inglês
e Francês podem ser descarregados a partir da página de Internet da Fundação em
www.laidlawfdn.org (sob o programa Children’s Agenda). Cópias limitadas em papel encontramse disponíveis através do endereço [email protected].
PERSPECTIVAS
SOBRE INCLUSÃO
SOCIAL
Reflexões éticas sobre a
Inclusão Social
Dow Marmur
Laidlaw
Fundação
Dow Marmur é o Rabi Jubilado do Templo Holy Blossom, Toronto, e ex-Director Executivo da União Mundial para o Judaísmo
Progressivo.
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Índice
Sobre a Fundação Laidlaw .................................................................................. v
Prefácio............................................................................................................... vii
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social ....................................................... 1
Pessoal: Fragmentos Autobiográficos ................................................................ 1
Párias e Arrivistas: A Experiência Judaica.......................................................... 3
Filosofia: Responsabilidade para com o Outro ................................................... 5
Teologia: Justiça com Cuidado ........................................................................... 7
Diálogo: Eu-Tu e Eu-Ele ...................................................................................... 8
Educação: Seis Sinais ....................................................................................... 10
Política: Acção Afirmativa.................................................................................. 15
Notas finais ........................................................................................................ 17
Bibliografia ......................................................................................................... 20
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Sobre a Fundação Laidlaw
A Fundação Laidlaw é uma fundação privada de interesse público que utiliza os seus recursos
humanos e financeiros de formas inovadoras para fortalecer o envolvimento cívico e a coesão
social. A Fundação usa o seu capital para melhorar os ambientes e satisfazer as capacidades das
crianças e jovens, para melhorar as oportunidades para o desenvolvimento humano e criatividade e
para sustentar comunidades saudáveis e ecossistemas.
A Fundação suporta uma carteira diversificada de projectos inovadores e originais em três áreas de
programa: nas artes, no ambiente e na melhoria das perspectivas de vida para as crianças, jovens
e famílias.
O trabalho para a inclusão social é um tema que subjaz sob muitas das actividades da Fundação.
As palavras-chave na missão da Fundação – desenvolvimento humano, comunidades sustentáveis
e ecossistemas – implicam que esse feito dependa da melhoria de possibilidade e capacidade. Não
só a inclusão social está a ser desenvolvida como um fluxo de financiamento emergente, como
também está incorporada no valor da Fundação Laidlaw, tanto a nível estrutural como
programático.
Nathan Gilbert
Director Executivo
Para mais informações sobre a Fundação Laidlaw, agradecemos que nos contacte para:
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PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Prefácio:
The Laidlaw Foundation’s
Perspectiva sobre Inclusão Social
O contexto para a inclusão social
As crianças subiram até ao topo das agendas
do governo várias vezes ao longo da última
década, apenas para caírem outra vez sempre
que se verifica um revés económico, um
défice orçamental, uma crise nas relações
federais-provinciais ou, mais recentemente,
receios relativamente ao terrorismo e
segurança nacional. Embora se tenham
alcançado importantes feitos na política de
interesse público nos últimos 5 a 10 anos, não
houve um compromisso sustentado do
governo para com as crianças nem uma
melhoria significativa no bem-estar das
crianças e famílias. De facto, em muitas áreas,
as crianças e famílias perderam terreno e a
exclusão social está a emergir como um
grande problema no Canadá. Os exemplos
abundam e incluem estes factos.

a sobre-representação das famílias e
crianças de minoria racial entre aquelas
que vivem na pobreza nas grandes
cidades, e a negação do acesso a
muitos serviços a famílias de imigrantes
e refugiados;

o aumento de 43% no número de
crianças na pobreza no Canadá desde
1989, o aumento de 130% no número
de crianças em refúgios para os semabrigo em Toronto, assim como a
persistência de uma das taxas mais
elevadas de prisão juvenil entre os
países da Commonwealth;

a exclusão das crianças com
incapacidades das estruturas de política
de interesse público (por exemplo, a
Agenda Nacional para as Crianças), de
definições de desenvolvimento infantil
“saudável” e, muito frequentemente, da
vida da comunidade.
Estas situações fornecem o contexto para
o interesse da Fundação Laidlaw na inclusão
social. O programa da Agenda das Crianças
da Fundação começou primeiro a explorar a
inclusão social em 2000 como uma forma de
voltar a focar a política da criança e família
por:

reestruturando o debate sobre a
pobreza, a vulnerabilidade e o bemestar das crianças a fim de destacar as
dimensões sociais da pobreza (ou seja,
a incapacidade de participar totalmente
na comunidade)

ligar a pobreza e a vulnerabilidade
económica com outras fontes de
exclusão tais como o racismo, a
incapacidade, a rejeição da diferença e
a opressão histórica

encontrar terreno comum entre os
interessados no bem-estar das famílias
e crianças para ajudar a gerar maior
interesse público e vontade política
para actuar.
A Fundação deu início a uma série de
documentos de trabalho para analisar a
inclusão social a partir de um conjunto de
perspectivas. Embora os autores abordem o
tópico a partir de diferentes pontos de partida
e enfatizem aspectos diferentes de exclusão
e inclusão, há linhas comuns e conclusões
importantes. Os documentos de trabalho
chamam atenção para as novas realidades e
novas compreensões que devem ser
alcançadas para se suportar o
desenvolvimento da política social e da
criação de uma sociedade justa e saudável.
Prefácio: Perspectiva da Fundação Laidlaw
Estas são:
 Quer a fonte de exclusão seja a
pobreza, racismo, medo das diferenças
ou falta de influência política, as
consequências são as mesmas: uma
falta de reconhecimento e aceitação;
falta de poder e “voz”; vulnerabilidade
económica; e experiências de vida
reduzidas e perspectivas de vida
limitadas. Para a sociedade como um
todo, a exclusão social dos indivíduos e
grupos pode transformar-se numa
grande ameaça para a coesão social e
prosperidade económica.
 Uma abordagem baseada nos direitos é
inadequada para lidar com os
problemas de exclusões pessoais e
sistemáticas sofridas por crianças e
adultos. As pessoas com incapacidades
estão a liderar o caminho ao pedirem
abordagens baseadas na inclusão
social e no reconhecimento valorizado
para conseguirem aquilo que os direitos
humanos por si só não conseguem.
 A diversidade e diferença, seja com
base na raça, incapacidade, religião,
cultura ou género, devem ser
reconhecidas e valorizadas.
A “abordagem de tamanho único” já não é
aceitável e nunca foi eficaz em fazer
progredir o bem-estar das crianças e
famílias.
 A política de interesse público tem que
estar mais proximamente associada às
experiências vividas das crianças e
famílias, tanto em termos de programas
reais como em termos do processo para
se chegar a essas políticas e programas.
Esta é uma das razões para o crescente
foco em cidades e comunidades, como
lugares onde a inclusão e a exclusão
acontecem.
 Os programas e políticas universais que
servem todas as crianças e famílias
fornecem geralmente uma fundação mais
forte para melhorar o bem-estar do que
abordagens residuais, com metas ou
segregadas. A investigação e a prova
anedótica para esta reivindicação
baseiam-se na educação, no
desenvolvimento de criança e nos sectores
de saúde da população.
Inclusão social compreensiva
A exclusão social surgiu como um importante
conceito político na Europa nos anos 80 em
resposta às crescentes divisões sociais que
resultaram das novas condições do mercado
laboral e da insuficiência de provisões
existentes da assistência social em satisfazer
as necessidades em mudança de populações
mais diversificadas. A inclusão social não é,
contudo, apenas uma resposta à exclusão.
Embora muitos dos documentos de
trabalho usem a exclusão social como ponto de
partida para as suas discussões, estes
compartilham da opinião que a inclusão social
tem valor por si própria tanto como um
processo como um objectivo. A inclusão social
é sobre certificarmo-nos de que todas as
crianças e adultos podem participar como
membros valorizados, respeitados e membros
contribuintes da sociedade.
É, por conseguinte, um conceito normativo
(baseado no valor) - uma maneira de subir a
fasquia e de compreender onde nós queremos
estar e como chegar lá.
A inclusão social reflecte uma abordagem
dinâmica do desenvolvimento humano para o
bem-estar social que implica mais do que a
remoção das barreiras ou dos riscos. Requer
investimentos e acções para se obter as
condições para a inclusão, tal como os
movimentos para a saúde da população e para
o desenvolvimento humano internacionais nos
ensinaram.
PERSPECTIVES ON SOCIAL INCLUSION
Reconhecer a importância da diferença e da
diversidade tornou-se central para as novas
compreensões de identidade tanto a nível
nacional como da comunidade. A inclusão social
vai ainda mais à frente: implica uma validação e
um reconhecimento da diversidade assim como
um reconhecimento da comunalidade de
experiências vividas e das aspirações
compartilhadas entre pessoas, particularmente
evidente entre famílias com crianças.
Isto sugere fortemente que a inclusão
social se estende mais além, trazendo os
excluídos para dentro, ou noções da periferia
versus o centro. É sobre eliminar as distâncias
físicas, sociais e económicas que separam as
pessoas, em vez de se eliminar apenas as
fronteiras ou barreiras entre nós e eles.
As pedras angulares da inclusão social
O processo dos documentos de trabalho
revelou que a inclusão social é um conceito
complexo e desafiante que não pode ser
reduzido a apenas uma dimensão ou
significado. Os documentos de trabalho,
juntamente com outras diversas iniciativas que
a Fundação patrocinou como parte da sua
exploração da inclusão social, ajudaram-nos a
identificar cinco dimensões críticas, ou pedras
angulares, da inclusão social:
Reconhecimento valorizado - Conferindo
reconhecimento e respeito a indivíduos e
grupos. Isto inclui o reconhecimento das
diferenças no desenvolvimento das crianças e,
por conseguinte, não igualar a incapacidade
com patologia; apoiar escolas da comunidade
que sejam sensíveis às diferenças culturais e
de género; e alargar a noção para se
reconhecer o valor comum entre os programas
universais tais como os cuidados médicos.
Desenvolvimento humano - Consolidando os
talentos, competências, capacidades e
escolhas das crianças e dos adultos para
viverem uma vida que valorizem e para
fazerem uma contribuição que tanto eles como
os outros considerem valer a pena. Os
exemplos incluem: oportunidades de
aprendizagem e desenvolvimento para todas
as crianças e adultos; programas comunitários
de cuidados à criança e de recreação que
promovam o crescimento e os desafios em vez
de serem meramente carcerários.
Envolvimento e participação - Tendo o apoio
correcto e necessário para se tornar/estar
envolvido nas decisões que afectam o próprio,
a família e comunidade, e para estar envolvido
na vida da comunidade. Os exemplos incluem:
envolvimento dos jovens e controlo dos
serviços para a juventude; contributo parental
nas decisões do programa ou colocação
escolar que afectem as suas crianças;
participação dos cidadãos nas decisões da
polícia municipal; e participação política.
Proximidade - Partilhando espaços físicos e
sociais para proporcionar oportunidades para
interacções, se desejado, e para reduzir as
distâncias sociais entre pessoas. Isto inclui
espaços públicos partilhados tais como parques
e bibliotecas; bairros e habitações de
rendimentos mistos; e escolas e aulas
integradas.
Bem-estar material - Tendo os recursos
materiais para permitir que as crianças e os
seus pais participem totalmente na vida da
comunidade. Isto inclui possuir uma habitação
segura e ter um rendimento adequado.
Prefácio: Perspectiva da Fundação Laidlaw
Etapas seguintes: Construir cidades e comunidades inclusivas
Durante os próximos três anos, o programa
da Agenda das Crianças da Fundação
Laidlaw centrar-se-á na Construção de
cidades e comunidades inclusivas. A
importância das cidades e comunidades está
a tornar-se cada vez mais reconhecida
porque o bem-estar das crianças e famílias
está proximamente ligado ao sítio onde
vivem, à qualidade dos seus bairros e
cidades, e aos “pontos comuns sociais”onde
as pessoas interagem e partilham
experiências.
A visão da Fundação Laidlaw para uma
sociedade socialmente inclusiva baseia-se
num movimento internacional que procura
progredir o bem-estar das pessoas
melhorando a saúde das cidades e
comunidades. Realizar esta visão é um
projecto a longo prazo para garantir que todos
os membros da sociedade participam como
cidadãos igualmente valorizados e
respeitados. É uma agenda baseada na
premissa que, para a nossa sociedade ser
justa, saudável e segura, esta requer a
inclusão de todos.
Christa Freiler
Coordenador do Programa da Agenda de
Crianças
Fundação Laidlaw
Paul Zarnke
Presidente, Comité Consultor da Agenda para
as Crianças
Fundação Laidlaw
Reconhecimentos
Queremos agradecer aos seguintes pela sua contribuição em empenho para com a série de
documentos de trabalho sobre a inclusão social: os autores, sem os quais não haveria os
documentos de trabalho; Karen Swift, Frank Stark, Nancy Matthews, Jennifer Keck, Daniel Drache
e aos quarenta revisores externos dos trabalhos, em que todos forneceram um feedback crítico e
conselhos especialistas em várias fases durante o processo editorial; aos membros do Comité
Consultor, Programa da Agenda para as Crianças, Nathan Gilbert, Director Executivo, e ao
Conselho de Administração, à Fundação Laidlaw pelo seu apoio, interesse e comentários críticos;
e Larisa Farafontova, Eva-Marie Dolhai, e Richard Wazana, pela sua perseverança e assistência
competente nas fases críticas do processo.
Reflexões éticas sobre a
Inclusão Social
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Reflexões éticas sobre
a Inclusão Social
Pessoal: Fragmentos Autobiográficos
Eu tinha cerca de nove anos de idade. Como a
maioria das pessoas deslocadas no
Uzbequistão à procura de abrigo dos Nazis
durante a Segunda Guerra Mundial, eu estava
sempre com fome. A mãe do meu colega de
brincadeiras, Richard, era médica. Eles tinham
muitos alimentos. Comiam carne e tinham
uma empregada doméstica. Eu ainda consigo
ver e cheirar o pedaço de carne na frigideira
naquele dia. O meu desejo deve ter sido óbvio
para Richard, pois ele ofereceu-se para me
ajudar a roubar a carne. Mas fomos
apanhados pela empregada doméstica antes
de eu conseguir consumar o acto. O
sentimento de vergonha está comigo até ao
dia de hoje.
Não foi a minha primeira experiência de
exclusão, nem a última. Mas, por alguma
razão, nunca me esqueci do incidente,
enquanto a maioria dos outros se apagaram
da minha memória. Revivo-o cada vez que
vejo uma criança com fome. Eu não posso
pensar numa manifestação mais concreta de
se ser um excluído do que estar com fome
quando outros não estão. Talvez não haja
maior exclusão total que não permitir a partilha
do pão na comunidade. Portanto, há a
primazia da hospitalidade na tradição bíblica, o
Sabá e a refeição do Festival são para os
Judeus uma forma de celebração e a
Eucaristia é uma forma de comunhão para os
Cristãos. Estas são manifestações de
inclusão, de estar em harmonia com todos e
com Deus.
Uma memória quase igualmente
poderosa de exclusão é o meu primeiro dia
numa escola em Gotemburgo, na Suécia,
cerca de quatro anos depois da minha
tentativa frustrada de roubar um pedaço de
carne no Uzbequistão. Tínhamos acabado de
chegar a um país
que, mesmo na Europa de 1948, era uma terra
de abastança. Eu já não estava com fome, mas
era um estranho - para mim e para os outros.
Sem saber uma palavra de sueco fui
enviado para a escola. Tive que ir sozinho
porque os meus pais estavam no trabalho.
Ainda me consigo ver no recreio nesse
primeiro dia, de pé, rodeado de crianças muitos
anos mais novas do que eu. (Exagerando mais
que um pouco, os meus pais tinham dito às
autoridades que eu tinha dois anos de préescolaridade, por isso fui enviado para a
terceira classe com 13 anos de idade). Devo
ter fascinado os meus futuros colegas, pois
estava ali de pé quase sem me mexer, um
híbrido entre criança e adulto. Na característica
cantoria do sueco de Gotemburgo, eles
perguntavam de novo e de novo – e eu ainda
consigo ouvir - Vad heter du? Eu não percebia,
então não respondia. Eles afastaram-se,
desanimados, e deixaram-me ali em pé
sozinho. Demorou alguns dias até que eu
compreendesse a pergunta: Como te chamas?
Quando lhes disse, eles continuaram
perplexos: Era um nome muito peculiar para os
Suecos.
Enquanto a memória de estar com fome
me marcou bastante como excluído, a Suécia
ajudou-me a viver confortavelmente sem ter
que mudar o meu nome. Os Suecos estavam
determinados a criar uma sociedade igualitária.
Apesar da sua então relativa ignorância em
relação aos estrangeiros, e da sua
desconfiança inata de estranhos, e não
comportando uma tendência constante para o
anti-semitismo por muitos dos seus cidadãos, a
Suécia era um país conscientemente
igualitário.
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
Enquanto conseguisse responder às
perguntas, eram-me dadas oportunidades
de ser incluído, mesmo quando dizia coisas
que as pessoas achavam estranhas.
Embora não tenha vivido na Suécia
mais do que quatro décadas, continuo
profundamente em dívida com o país e o
seu povo, pois ele deu-me sugestões de
inclusão sem me forçar a mudar de
identidade. A escola cumpriu a promessa
de integração. As minhas raízes na Suécia
podem ser ténues, mas o sueco é o mais
próximo que eu já tive de uma língua
materna. Tal como comer juntos, falar uns
com os outros contribui para a inclusão.
Quando, pouco depois da minha
chegada à Suécia, fui exposto à história
secular e aos ensinamentos do judaísmo,
percebi que a exclusão parece ser tão
antiga quanto a civilização. Deve sempre
ter havido nós – a reclamar sermos forte e
integrados - e eles - identificados como os
fracos e oprimidos. Entre estes últimos
estavam sempre viúvas e órfãos, as vítimas
perenes da sociedade. A Bíblia Hebraica
adicionou estranhos à categoria dos
excluídos e menciona frequentemente os
três juntos. De acordo com a Escritura, a
exclusão afecta não só crianças e pais
solteiros, mas também todos os que não
pertencem ao clã.
Apesar de a Suécia ter facilitado a vida
aos imigrantes e eu ter aprendido a língua
rapidamente, nunca deixei de ser um
excluído social nos olhos de indivíduos e
grupos. Tentei reflectir o meu desejo de
pertencer como igual através dos versos
bíblicos que tínhamos de escolher para
escrever no livro que receberíamos pela
ocasião da nossa confirmação na Sinagoga
de Gotemburgo. Eu escolhi a versão sueca
de “O homem rico e o homem pobre
encontram-se; o Senhor fez os dois”
(Provérbios 22:2). O rabino, que me tinha
comprado do fundo que lhe era concedido o
meu primeiro fato para a ocasião, tentou
convencer-me a desistir da minha escolha
de referência bíblica, mas eu insisti na vã
esperança de que o versículo manifestasse
o meu desejo de ser incluído.
O rabino já sabia, pois quando os meus
companheiros de confirmação viram o que eu
tinha escolhido, distanciaram-se de mim, já
não subliminarmente mas abertamente. A
minha tentativa de inclusão plena – integração
– teve o efeito oposto. Citar textos, não
importa quão verdadeiros e poderosos, não
contribui em nada para a inclusão.
Mesmo assim, como Judeus, os membros
da minha classe de confirmação devem-se ter
sentido um pouco fora do foco da vida sueca,
como tantos outros excluídos, e criaram
hierarquias de exclusão, o que
presumivelmente os fez sentir como mais
incluídos. Por várias razões eu estava no nível
mais baixo. Em todos os países, incluindo
Israel, os imigrantes judeus queixaram-se que
enquanto recém-chegados – "verdes" – eram
postos de parte por muitos dos Judeus que
tinham chegado mais cedo e estavam agora
mais estabelecidos.
Deve ter sido a prevalência da exclusão
que levou às reiteradas referências na
Escritura em como a lei de Deus a proíbe.
Assim, o Livro do Deuteronómio aconselha
não apenas a alimentar "o estrangeiro, o
órfão, e a viúva " (14:29), mas também a
incluí-los em todas as celebrações israelitas
(16:11 e 14). Os direitos dos fracos não são
para ser subvertidos (24:17) e a sua dignidade
deve ser acolhida (24:19 e 26:12). Quando o
profeta Jeremias defende a igualdade perante
a lei para todos, afirma especificamente: "Não
julgues mal o estrangeiro, o órfão, e a viúva
"(22:3). [O profeta Zacarias enumera-os como
as vítimas mais prováveis quando avisa as
pessoas contra a fraude (7:10). Quando o
salmista fala dos inimigos de Deus, é-nos dito
que "eles matam a viúva e o estrangeiro; eles
assassinam o órfão, pensando: ‘O Senhor não
vê, o Deus de Jacó não presta atenção’ "(94:6
e 7).]
No seu comentário a Torá, W. Gunther
Plaut (b. 1912) confirma que as frequentes
admoestações bíblicas sugerem que "os
estrangeiros passaram por tempos difíceis e
que, em vez de encontrarem aceitação e
amizade (para não falar de amor) vivenciaram
a rejeição."1
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Reflectindo ensinamentos bíblicos e rabis,
Moisés Maimónides (d. 1104), o maior
pensador judeu de todos os tempos, anuncia
o que isto significa para a sua comunidade,
que na Idade Média já não estava numa
condição para receber estranhos, mas teve
de lidar com as viúvas e órfãos:
Um homem deveria ser especialmente
atento no seu comportamento em relação às
viúvas e órfãos, pois as suas almas são
extremamente deprimidas e os seus
espíritos baixos. Mesmo que sejam ricos,
mesmo que sejam a viúva e órfão de um rei,
nós estamos especificamente juntos no que
lhes diz respeito, como se diz, "não se deve
afligir a viúva nem o órfão " (Êxodo (22:21).
Como nos devemos comportar perante
eles? Não se lhes pode falar de outra forma
se não com ternura. É preciso mostrar-lhes
uma cortesia invariável, não os prejudicar
fisicamente com trabalho duro, nem ferir os
seus sentimentos com discursos ríspidos.
Tem de se cuidar mais da propriedade deles
do que da do próprio. Quem os irritar
provoca-os para a raiva, magoa-os, tiranizaos, ou
fá-los perder dinheiro, é culpado de uma
transgressão, e ainda mais se lhe batem ou
amaldiçoam.2
A lição a ser aprendida com a escravidão
no Egipto é fundamental para a Bíblia
hebraica: "Não devem enganar ou oprimir um
estranho, pois vocês eram estranhos na terra
do Egipto" (Êxodo 22:20; itálico adicionado). O
não cumprimento tem consequências severas
que Maimónides refere acima: "Não deves
afligir qualquer viúva ou órfão. Se os
maltratares, atenderei o seu clamor assim que
Me aclamem, e a Minha raiva disparará e pôrte-ei à espada, e as tuas próprias mulheres
passarão a ser as viúvas e os seus filhos
órfãos "(ibid., 21-23). A inclusão não deveria
ser uma questão de discrição ou caridade,
mas um dever sagrado, um acto religioso. A
exclusão seria punida. As palavras que a
condenam sugerem, claro, que a propensão
para excluir os fracos era muito forte. Mesmo
aqueles que defendiam a inclusão plena não
podiam evitar ser um pouco condescendentes,
o que também se reflecte na declaração de
Maimónides.
Párias e Arrivistas: A Experiência Judaica
Mesmo se as ameaças bíblicas tivessem
algum impacto sobre os antigos Israelitas,
não pareciam assustar os Cristãos e
Muçulmanos em cujo meio os Judeus foram
viver. Embora as religiões filhas de Israel,
especialmente o Cristianismo, professe
lealdade aos ensinamentos éticos da Bíblia
Hebraica, essas religiões não pareciam
aplicar o seu compromisso ao lidar com
adeptos da fé mãe. Consequentemente, a
história do povo judeu é em grande parte a
história de párias. Quer tenham ou não
tentado viver de acordo com os
mandamentos bíblicos e integrado a
desvantagem na sua própria sociedade, os
próprios Judeus eram mantidos fora do foco
dos mundos cristão e muçulmano,
nos quais muitos Judeus habitavam. Eles
ter-se-iam conformado por serem alvos de
condescendência, mas tinham de suportar
ser vítimas de desrespeito e pior.
Usando o conceito da pária, Hannah
Arendt (d. 1975) tentou compreender não só
Judeus e o Judaísmo, mas a sociedade em
geral. Seguindo o escritor franco-judeu
Barnard Lazare (d. 1903), Arendt defendeu a
ideia de um pária "consciente", ou seja, a
necessidade dos Judeus se organizarem a
partir de dentro e "de baixo" para lutar pelos
seus direitos. Suspeitava da população
dominante e desprezava os arrivistas, os
judeus que se tentavam infiltrar em
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
estabelecimentos poderosos, através da
assimilação e imitação, na vã esperança de
serem aceites como iguais. No seu livro,
Hannah Arendt e a Questão Judaica, Richard
Bernstein escreve: "O pária consciente deve
ser claramente distinguido do judeu arrivista,
que procura desesperadamente escapar ao
seu estatuto de pária e ser aceite e
assimilado numa sociedade que trata os
Judeus como excluídos." Enquanto criança,
de bom grado resolvi ser um arrivista na
Suécia, assim como muitos outros Judeus. A
possibilidade de ser um pária consciente não
me ocorreu antes de me tornar adulto e
sionista.
Os párias conscientes mantêm a sua
dignidade e podem ser capazes de melhorar as
suas condições, mesmo se ficarem fora do foco
principal. Em contrapartida, os arrivistas são
patéticos e fadados ao fracasso mesmo quando
dão uma aparência de estarem integrados, pois
a imitação não impede a exclusão. [Sander
Gilman escreveu sobre eles:
Quanto mais alguém se tente identificar
com aqueles que rotulam outro como
diferente, mais se aceite os valores, as
estruturas sociais, e as atitudes deste
grupo de determinação, mais distante
parece estar da aceitação verdadeira. Pois
ao se aproximar das normas estabelecidas
pelo grupo de referência, a aprovação do
grupo desaparece. À vista de cada um,
identificam-se com a definição de
aceitação, mas ainda não são aceites. O
estado ideal é nunca ter sido o outro, um
estado que não pode ser alcançado. 4 ]
Como Arendt e Lazare, [Sander] Gilman
fala sobre o seu próprio povo: "Como os Judeus
reagem ao mundo alterando o seu sentido de
identidade, o que desejam ser, tornam-se assim
naquilo que o grupo que os rotulou como Outro
determinou que seriam.”5 No entanto, as
reflexões sobre a condição judaica são
aplicáveis a todas as formas de exclusão. A
resposta à exclusão não pode nunca ser uma
imitação dos incluídos, mas uma luta dos
excluídos pela
dignidade e igualdade. Idealmente, como nos
ensinamentos bíblicos, a defesa deve estar
naqueles que detêm o poder, os incluídos. Na
realidade, contudo, não é provável que isso
aconteça. Como indicado acima, os
automaticamente incluídos podem tolerar
alguns arrivistas no seu meio mas não são
susceptíveis de os considerar como iguais
sociais, mesmo quando lhes concedem
direitos civis.
Embora a aceitação política nunca
possa conduzir à integração social, desde que
haja integração política com oportunidades
iguais para todos no emprego, educação e
dignidade pessoal, os objectivos da empresa
terão sido alcançados. A minha experiência
na Suécia confirma isso. A integração política
tornava a vida suportável, mesmo que a
integração social tenha iludido os meus pais
e, em menor medida, a mim mesmo.
A sobrevivência e o sucesso dependem
inevitavelmente da unidade entre os párias,
que não é de forma alguma uma dádiva. Pelo
contrário. Parece que, no seu empenho em
imitar os incluídos, os excluídos criam a sua
própria hierarquia de exclusão. A minha
experiência na classe de confirmação é uma
manifestação disso. Na tradição judaica, parte
da tendência de manter os outros fora vem de
uma perversão da ideia de santidade. A
palavra hebraica "kadosh, santo," significa
literalmente "posto de parte". Todas as
manifestações de sagrado parecem envolver
a fixação de limites que mantêm uns dentro e
outros fora. Uma ferramenta ao serviço da
santidade equivocada, de distinguir entre
quem é de fora ou de dentro - entre "sagrado"
e "profano", entre "limpo" e "sujo" - é muitas
vezes a lei judaica. Como é sobreponderada
em favor do sexo masculino, as mulheres são
excluídas de muitas funções religiosas, assim
como os deficientes e, mais
compreensivelmente, os menores que ainda
não têm uma mente definida. Neste esquema,
os párias criam os seus próprios párias no
desejo de serem, literalmente, “mais santo do
que tu."
Um dos desafios do judaísmo moderno
tem sido afirmar a sua singularidade através
da
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
prática da santidade sem proibir ninguém de
participação plena. A santidade era entendida
como dedicação a Deus e aberta a todos, não
um clube para os pouco privilegiados. O
objectivo tem sido manter-se comprometida à
lei judaica enquanto se removem as suas
barreiras. Em consequência das tensões
criadas em parte pela aplicação da lei judaica,
a questão da inclusão tem-se tornado central
no debate judaico interno contemporâneo. Em
vez de se focarem na exclusão da lei, muitos
preferem sublinhar a inclusão na santidade.
Daí, por exemplo, a ênfase na injunção
acima citada, "Não devem enganar ou oprimir
um estranho, pois vocês eram estranhos na
terra do Egipto." O estatuto judaico nos
últimos 50 anos e as suas consequências
políticas internacionais
têm significado que Israel tem sido entendido
como tendo excluído Judeus que a lei judaica
não aceita e oprimido os estranhos, mesmo
aqueles que antes tinham sido vizinhos. Daí
este mandamento de Irving Greenberg (n.
1933), um exponente contemporâneo do
Judaísmo tradicional: “O exercício do poder
tem de ser acompanhado por modelos fortes e
a evocação constante da memória do
sofrimento e impotência históricos judaicos. É
tão fácil esquecer as lições de escravatura
assim que se obtém o poder, mas tal
esquecimento leva a não sentir a dor infligida
nos outros.” E conclui: “A memória é a chave
da moralidade.”6 Somos levados a lembrarnos do nosso passado de modo a agir
eticamente no presente, independentemente
do que a lei possa dizer.
Filosofia: Responsabilidade para com o Outro
Quem tentou formular a moralidade através da
memória foi Emmanuel Levinas. Ele era
produto do mundo judeu contemporâneo, o
mundo de párias e arrivistas, mesmo quando
frequentou o mundo da proeminência e do
poder. Ele permaneceu um dos excluídos.
Nasceu em 1905 na Lituânia e foi para França
aos 18 anos, indo mais tarde para a
Alemanha, para estudar filosofia com alguns
dos melhores professores da época. Enquanto
recruta do exército francês no despoletar da
Segunda Guerra Mundial, foi capturado pelos
Alemães; o heróico iludiu-o. Apesar da sua
enorme erudição judaica e influência fulcral
em muitos intelectuais franceses da “nova
escola de filosofia”, Levinas teve de esperar
muitos anos até lhe ser dado um posto
académico razoável no seu país de adopção.
Morreu em 1995. Nos últimos anos da sua
vida, e particularmente desde a sua morte, a
sua reputação tem aumentado.
Frequentemente, o mundo acha muito mais
fácil celebrar um
pária morto que vivo.
Apesar de aqui não ser lugar para uma
descrição sistemática da filosofia de Levinas,
a sua tese central parece ser essencial para o
nosso entendimento de exclusão e inclusão
nas suas várias ramificações e na tradução da
experiência judaica em particular num
programa humano universal.
Apoiando-se sobretudo em fontes
judaicas, Levinas tentou criar uma distinção
fundamental entre a filosofia ocidental
tradicional (“grega”) e o pensamento judeu
(“hebraico”). De acordo com Levinas, a
primeira preocupa-se principalmente com
ontologia; na segunda lidera a preocupação
com a ética ou a ética metafísica. Enquanto a
ontologia abstracta se centra no ser e
especificamente no Eu, a ética concreta
centra-se no Outro. Juntamente com o seu
professor Edmund Husserl (m. 1938), o
exponente do fantástico, Levinas descreve o
pensamento ocidental como “egologia”. O seu
objectivo era quebrar este
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
padrão egoísta de modo a criar espaço para o
que, na Bíblia, se chama “teu vizinho.” Ele
queria sair da dialéctica para o diálogo, do
sujeito para o objecto, do abstracto para o
concreto. Ele escreveu: “Moisés e os profetas
preocuparam-se não com a imortalidade da
alma mas com os pobres, os viúvos, os órfãos
e os estranhos.”7
miseráveis, e aos povos perseguidos do
mundo. A minha singularidade baseia-se na
responsabilidade que demonstro pelo outro.
Não posso falhar no meu dever para com
qualquer homem, mais do que posso ter
alguém a substituir-me na morte. Isto leva à
concepção de uma criatura que pode ser salva
sem cair no egoísmo da graça.”13
Edith Wyschogrod explica: “Para
compreender o pensamento de Levinas é
fundamental que se perceba que o Outro é
sempre posicionado como pobre e estranho. É
através e no entendimento da nossa relação
com o Outro que a nossa relação com o divino
começa.”8
A pessoa que põe o outro primeiro é uma
criatura sem poder; a prática da inclusão é
ética sem poder. Na sua introdução a uma
série de conversas entre Levinas e Philippe
Nemo – um dos “novos filósofos” de França
influenciado por Levinas – Richard Cohen
escreve: “A ética não é forçosa por opor poder
com mais poder no mesmo plano, com um
maior exército, mais armas, um microscópio
melhor, ou um maior programa espacial, mas
sim porque opõe poder com o que aparenta
ser fraqueza e vulnerabilidade, mas que é
responsabilidade e sinceridade. Para os
cálculos de poder, a ética opõe menos do que
o poder pode conquistar.”14 Tal como no
Êxodo, quando foi Deus quem compensou
pela fraqueza de Israel, por isso também no
futuro, nas palavras do Profeta, “o Senhor irá
resgatar Jacob, redimi-lo de um demasiado
forte para ele” (Jeremias 31:11).
Foi por isso que os escolhidos por Moisés
foram carregados com leis – não leis que
excluem mas que incluem os excluídos e
santificam os homens e mulheres que são
normalmente proibidos de se aproximarem do
sagrado. “Esta eleição não é feita de privilégios
mas de responsabilidades.”9 E a
responsabilidade é sempre, em primeiro lugar
e principalmente, para com o outro. Não se
trata de uma questão de benevolência ou
discrição da minha parte, mas de um dever
com nuances transcendentais. “O homem que
tem de ser defendido,” escreveu Levinas, “é
em primeiro lugar o outro homem; não
inicialmente eu. A base deste humanismo não
é o conceito de ‘homem’; é o de o outro
homem.”10 Citou, com aprovação um professor
Judeu, que “as necessidades materiais do meu
vizinho são as minhas necessidades
espirituais,”11 porque “tudo começa com o
direito do outro homem e com a minha
obrigação infinita para com ele.”12 Numa veia
semelhante, um conto de Hasidic cita um
mestre a dizer a um discípulo: “Preocupa-te
sempre com a tua própria alma e pelo corpo do
outro, nunca pelo teu próprio corpo e alma do
outro.”
De acordo com Levinas, a base desta
filosofia de inclusão foi a experiência do Êxodo
bíblico, o estereótipo da exclusão: “A
experiência traumática da minha escravatura
no Egipto constitui a minha humanidade, um
facto que me alia imediatamente aos
trabalhadores, aos
Levinas manteve que o Judaísmo sempre
acreditou que “sobreviveu de modo a
preservar os ensinamentos dos profetas na
sua máxima pureza.” Ele continuou: “Num
mundo onde, como bens materiais, os valores
espirituais são oferecidos a quem deseja
enriquecer, moralidade significava que tinha
mais valor continuar a ser um judeu pobre,
mesmo quando se deixava de ser um judeu
que era pobre.”15
Numa altura em que a sociedade
enriqueceu em bens materiais e quando os
valores espirituais são oferecidos – no
verdadeiro “Grego” moda - para o
melhoramento do próprio, parece importante
voltar à afirmação da fraqueza e pobreza
“Hebraica” como meio de criar espaço para
todos, não apenas para os fortes e bem
sucedidos.
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Não sabendo as respostas e não tendo o poder
pode ser o início de dirigir o problema, mesmo
que não possa ser solucionado. Aqui a filosofia,
move-se em teologia. Como Wyschogrod
parafraseia Levinas, o judeu observante: "Não
pode
haver relação com Deus para além da
relação com os homens. Levinas não pode
enfatizar suficientemente a origem social do
encontro humano com Deus.”16
Teologia: Justiça com Cuidado
Miroslav Volf, professor de Teologia na Escola
de Divindade de Yale, é um nativo da Croácia.
Ele parece ter sido traumatizado pelos eventos
recentes naquela que foi uma vez a Jugoslávia.
O seu livro, Exclusão e Abraço, é um
documento da teologia enraizada na
autobiografia. "O livro é pessoal,” escreve, "no
sentido em que eu me esforço intelectualmente
com as questões que estão próximas do
coração da minha identidade.”17 Para
ele,"’segregação,’ ‘holocausto,’ e 'apartheid' são
equivalentes ocidentais de ‘limpeza étnica’ dos
Balcãs.”18 Tendo sido excluído e testemunhado
a exclusão, ele procura uma fórmula teológica
de inclusão. O que Levinas ensinou da sua
experiência judaica, Volf visa inserir no contexto
da sua fé cristã.
Apesar de na sua própria natureza o livro
de Volf falar sobre política, as questões que
levanta têm implicações muito mais amplas.
Isso é particularmente visível quando ele
discute justiça e repudia, na mesma linha em
que Levinas rejeitava a filosofia tradicional
ocidental, a ideia de uma noção universal e
abstracta chamada justiça que levará a uma
solução final e “messiânica” de todos os
problemas humanos. Tal solução, afirma Volf,
está além do reino humano porque, no contexto
da tradição judaico-cristã que é enraizada no
compromisso, a justiça completa pertence a
Deus e nós vamos sempre experimentá-la
como parcial - em ambos os sentidos da
palavra:
Quando Deus olha para um viajante, Deus
simplesmente não vê um ser humano, mas
um estranho, cortado da rede de relações,
objecto de preconceito e culpabilização.
Como é que o Deus, que "faz justiça
pelos oprimidos” age perante viúvas e
estranhos? Tal como Deus age em
relação a qualquer outro ser humano?
Não. Deus é parcial. Deus "vigia os
estranhos” e sustenta o órfão e a viúva"
(Salmo 146:7-9) de uma maneira que
Deus não vigia nem mantém os
poderosos.19
Para Volf “a justiça que iguala e resume é
uma justiça injusta!”20 Assim sendo, “se
quiseres justiça sem injustiça, deves querer o
amor.”21 O que nos leva à noção de abraço
do Outro, ao contrário de uma fórmula
resumida para Todos como a única resposta
saudável à exclusão. O abraço é a justiça
adulterada com amor. [Volf aqui está
ecoando a rabínica ideia dos dois principais
nomes de Deus na Bíblia hebraica (Yahweh e
Elohim) denotando os dois atributos de Deus:
o atributo da justiça (din) e o atributo do amor
(Rachamim, às vezes traduzido como
"piedade" embora o seu significado literal
esteja ligado à rechem, a palavra hebraica
para "útero"). Deus "o pai" responde às
questões humanas com a justiça que é
violada por Deus "a mãe", que actua com
amor. A verdadeira justiça só é possível
quando os dois agirem em conjunto e ao
mesmo tempo.
O abraço é uma poderosa imagem
bíblica. Quando José, finalmente revela-se
aos seus irmãos e eles diante dele em
palavras de medo de que a justiça pode os
ter apanhado, ele garante-lhes que não são
as suas maquinações, mas a vontade de
Deus que determinou o curso dos
acontecimentos.
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
"Com isso, ele abraçou seu irmão Benjamim ao
redor do pescoço e chorou, e Benjamim chorou
em seu pescoço. Ele beijou todos os seus
irmãos e chorou sobre eles; só então seus
irmãos foram capazes de falar com ele "
(Génesis 45:14-15).
Um abraço ainda mais dramático vem no
início da história do Génesis. Depois de muitos
anos de ausência e exclusão mútua dos irmãos
Jacó e Esaú reuniram-se novamente. Foi um
momento muito tenso. Jacob "passou à frente e
inclinou-se para a terra sete vezes, até estar
perto do seu irmão. Esaú correu para
cumprimentá-lo. Ele abraçou e ele, caindo em
no seu pescoço, beijou-o; e chorou " (33:3-4).
[O texto Masorético considera que isto é
demasiado e sugere que o dizer hebreu
“vayishakehu, ele beijou-o” deveria ser
entendido como, “vayishakhehu, ele bateu-lhe.”
[Mas o próprio texto é inequívoco:] Esaú
beijou o irmão. Reconciliação concreta
substituída por justiça em abstracto. E Esaú
abraçou Jacob, de novo não com abstracção
mas como um acto físico. [O termo hebraico
"Vayikhabkehu, ele abraçou" remonta a três
letras de raiz kh-b-k. Sempre que dois dos
três radicais em diferentes palavras
hebraicas são os mesmos, há uma forte
ligação entre as palavras. Kh-b k (abraço),
está relacionado para kh-b-b (amor) e kh-b-r,
que dá origem a palavra para "amigo",
khaver. Carinho, amor e amizade são todas
manifestações de] Reconciliação, que vai
além da justiça e contribui para a inclusão.
Referindo-se à afirmação de Carol Gilligan de
que a "ética da justiça" deve ser
complementada com a "ética do cuidado, Volf
escreve:
Se as nossas identidades são formadas na
interacção com os outros, e se somos
chamados, em última instância juntos,
então precisamos de uma mudança do
conceito de justiça de distância para uma
forma exclusiva em fazer julgamentos
separados e para manter relacionamentos,
longe da imparcialidade cega.
Diálogo: Eu-Tu e Eu-Ele
Está em evidência em grande parte dos seus
escritos a dependência de Levinas em
relação a Martin Buber (d. 1965), mesmo
que ele difira de Buber de muitas maneiras.
Embora o livro de Volf não se refere a Buber,
a evidência da influência de Buber sobre ele
é igualmente evidente. Tanto o filósofo e
teólogo são os discípulos de um homem que
insistia que ele não era nem um filósofo,
nem teólogo, mas um professor.
e objecto. Quando eu conhecê-lo como uma
pessoa, nós os dois nos afirmamos como
indivíduos através do encontro, é que eu, tu,
um verdadeiro diálogo. Quando eu me
relaciono contigo da maneira como nos
relacionamos com as coisas, eu uso e
manipulá-lo, isto é Eu-Ele. Eu-tu trabalha para
inclusão, Eu-Ele para a exclusão. Eu-tu
trabalha para a ética, Eu-Ele para a
tecnologia, talvez mesmo a filosofia.
Para Buber, ensino é encontro; a
realidade está no meio-termo, que se
manifesta em duas formas: subjectiva e
pessoal - Eu-Tu - ou objectivo e impessoal –
Eu-Ele. O encontro do Eu-Tu é entre dois
sujeitos que se dirigem um ao outro na
reciprocidade total que afirma cada um
deles. O encontro do Eu-Tu é entre o sujeito
[Em face do exposto, Hannah Arendt
poderia ter dito que o pária e arrivista são
tratados no molde Eu-Ele pela cultura da
maioria, eles são manipulados, não
encontrados. Sander Gilman poderia ter
sugerido que as pessoas tratadas como
objectos e não sujeitos, por outros virão a ser
consideradas como objectos e, assim, perder
toda a identidade.
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
A menos que eu encontre o Outro num
verdadeiro diálogo, não sei quem eu sou.
Emmanuel Levinas afirma a primazia do
Outro como uma variante do modelo Eu-Tu.
Ele evita o "caminho" grego de fazer filosofia,
porque tal, ostensivamente objectivo, a
filosofia reduz a uma realidade que nunca
pode ser mais do que ideologia. Em
contrapartida, os profetas hebreus na sua
paixão e pathos foram expoentes de eu-tu.
Assim, o interesse de Buber na Bíblia e no
hassidismo - o movimento popular místico no
judaísmo - como reflexos de um diálogo
autêntico, sem ideologia. Da mesma forma, a
rejeição de Miroslav Volf de abstracções que
resultam em "justiça injusta" - e levar à
exclusão - em favor do tipo de justiça, que
vem com misericórdia - e contribui para a
aceitação - é na mesma linha.]
A exclusão pode ser letal, ou não é
deliberada. Buber conta uma anedota
comovente sobre a exclusão intencional que
ele sofreu quando se colocou a si próprio e à
sua "espiritualidade" (que ele chama de
"religião"), antes da necessidades dos
Outros:
O que aconteceu foi nada mais do que
uma manhã, após uma manhã de
entusiasmo "religioso", tive a visita de
um desconhecido jovem, sem estar lá
em espírito. Eu certamente não falhei em
deixar que a reunião fosse amigável, eu
não o tratei de forma mais descuidada
do que todos os seus contemporâneos,
que tinham o hábito de procurar-me por
volta desta hora do dia como um oráculo
que está pronto a ouvir a razão. Eu
conversava com atenção e abertamente
com ele – só que eu omiti adivinhar a
questão que ele não colocou. Mais tarde,
não muito tempo depois, eu soube por
um dos seus amigos - ele próprio já não
estava vivo - o conteúdo essencial
destas questões, eu descobri que ele
tinha chegado a mim, não casualmente,
mas pelo destino, não para uma
conversa mas para uma decisão. Ele
tinha vindo até mim, ele tinha vindo
naquele momento. O que esperamos
quando estamos em desespero e ainda
ir ter com um homem?
Certamente uma presença através da qual
nos dizem que, no entanto, há um
significado.23
Buber era um professor que acreditava
que a educação (eu-tu), em oposição à
formação (eu-ele), poderia ser o grande meio
de inclusão e de encontro com o Outro. Este
seria conseguido não apenas por estar atento
e civil, mas por ser capaz de ouvir até mesmo
o que não era dito, ao encontro do Outro,
respondendo às necessidades reais do
Outro. Para fazê-lo, tanto o professor como o
aluno não devem estar preocupados com
eles próprios, mas entrar numa relação eu-tu.
"Desde então", Buber continuou, "eu tenho
desistido do "religioso" que não é nada mais
do que a excepção, a extracção, a exaltação,
êxtase, ou ele desistiu de mim. Nada possua
senão o dia-a-dia do qual nunca me tiram.”24
A vida é reunião no quotidiano; o
extraordinário é raramente nada mais do que
uma miragem.
Maurice Friedman, sem dúvida, o
principal expoente do pensamento de Martin
Buber escreveu:
O que é mais essencial na reunião do
professor com o aluno é que ele faz sentir o
outro lado ao aluno. Se esta experiência é
bastante real e concreta, elimina o perigo de
a determinação do professor degenerar em
arbitrariedade. Esta "inclusão" é da essência
da relação dialógica, pois o professor vê a
posição do outro na sua realidade concreta
sem perder de vista a sua própria.
Friedman conclui: “A inclusão deve voltar
novamente e novamente na situação de
ensino, pois ela não só regula como se
constitui.”25 A criança com fome não pode
aprender a integridade a menos que ela seja
alimentada tanto quanto a próxima pessoa. O
imigrante infeliz não fará parte da
comunidade até que ele seja ensinado da
mesma forma que os outros são ensinados.
Os párias estarão condenados se não forem
tratados como pessoas, mas vistos como
representantes da classe de excluídos, quer
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
quer por condescendência como ostracismo. A
maneira de agir com ética não é a formulação de
sistemas, mas voltar-se para o Outro. A justiça
nunca pode ser verdadeira a menos que seja
acompanhada do abraço. A coexistência não é
possível se o Eu não se dirigir ao tu e não
manipulando um Ele.
Educação: Seis Sinais
As reflexões biográficas e éticas que formam
a primeira parte deste artigo constituem a
base para algumas considerações práticas
em resposta ao desafio de incluir todos os
membros da nossa sociedade, especialmente
as crianças que não podem falar por si. Eu
gostaria de seguir o conselho de Volf quando
ele sugere que “baixamos as nossas vistas
em conflitos sobre as questões da justiça” e
“em vez de procurar a vitória global, devemos
olhar para convergências e acordos
parcelares.”26 De acordo com o argumento de
Volf sobre uma fórmula total e abrangente
para a justiça, que, por definição, é provável
ser falsa, o que se segue é uma tentativa de
apontar alguns indicadores no nosso esforço
por transformar as preocupações de ordem
ética em possibilidades concretas. Em vez de
tentar uma fórmula única e abrangente, as
reflexões gerais acima referidas têm que ser
suficientes. Em vez de apresentar uma
solução global para o problema da exclusão,
tudo o que é oferecido aqui são uma série de
medidas que podem contribuir para a
inclusão de pessoas e grupos: a partir da
autobiografia, através da história, filosofia e
teologia para uma vida de diálogo. O stress é
a acção positiva que contribuiria para uma
maior justiça, não numa reacção negativa que
iria expor o oposto. Muito de que tenho a
dizer aqui é enraizado na minha tradição, da
mesma forma como muito do que o Volf traz
para o debate está enraizado no pensamento
de Christian.
Dado que a ênfase é sobre a inclusão
de crianças e porque muitos das reflexões
gerais acima referidas são baseadas no
pensamento de Martin Buber, o professor, o
meu foco é a educação. Os entendimentos
que decorrem da história judaica,
bem como os fragmentos da minha própria
biografia - talvez também a biografia de outros
Judeus citados neste trabalho - sugerem que
a educação em todas as suas manifestações
é o veículo mais eficaz para a inclusão.
Parece até sobrepor muita da dicotomia páriaarrivista e oferece verdadeiras oportunidades
reais para se voltar para o Outro com a justiça
como um ponto de partida para o amor.
Quando as instituições de ensino reconhecem
o esforço, não a linhagem, tornam-se agentes
de inclusão.
1. Comer juntos.
É muito sugerido que o fraco desempenho e a
indisciplina em sala de aula e no recreio tem
muito a ver com a dieta das crianças. Como
indicado no início deste trabalho, as memórias
mais persistentes da minha vida entre as
idades de seis e onze anos, passadas na
República Soviética do Uzbequistão, são de
passar fome. Não me lembro se qualquer
outra coisa importava muito, mas não era
certamente a escola. Não apenas o episódio
que me levou ao roubo, já contado acima,
mas muitas outras memórias da infância
sugerem que a fome chegou a pintar as
minhas perspectivas morais, bem como as
perspectivas dos adultos entre os quais eu
vivi. Os Suecos podem ter conhecido isso
melhor do que outros. Talvez seja por isso
que eles fornecem gratuitamente almoços
nutritivos para todos os alunos em suas
escolas, independentemente do rendimento
dos pais. Nenhuma criança passaria fome e
todas as crianças comeriam juntas, porque
comer em conjunto faz a comunidade; trazer
os nossos próprios alimentos conduziria à
separação, desigualdade, exclusão.
Assim que Jethro, o excluído, veio a
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
reunir o Moisés bíblico com a sua esposa - filha
de Jetro - e seus filhos, “Aaron veio com todos
os anciãos de Israel para participar da refeição
diante de Deus com o sogro de Moisés" (Êxodo
18:12). A maior parte das celebrações judaicas
incluem sentarem-se para uma refeição onde
se espera que os estranhos sejam os
convidados de honra; a hospitalidade de
Abraão transformou-se numa norma ética.
Conforme sugerido acima, a comunhão cristã é
equivalente. Estar à mesma mesa remove
barreiras entre as pessoas e abre-as para
Deus.
2. Aprender juntos.
A universalidade implícita no comer juntos está
bem patente na universalidade de se aprender
juntos. Uma das grandes batalhas do judaísmo
rabínico foi entre os elitistas Saduceus e os
democráticos Fariseus. Embora a
aprendizagem implique inevitavelmente
desigualdades entre alunos, porque nem todos
têm a mesma facilidade em aprender, a
oportunidade para estudar e o incentivo para
os alunos trabalharem no máximo das suas
capacidades criam comunalidade. Foi isto que
impulsionou a afirmação nos primeiros
ensinamentos rabínicos: “Se o filho de uma
união legítima [o excluído quintessencial] fosse
um discípulo de um sábio e um alto sacerdote
fosse um homem ignorante, o primeiro tem
precedência.”27
A igualização que advém da educação
tem sido um princípio muito forte na vida
judaica em que quando os judeus, após a sua
emancipação, ganharam acesso à educação
secular, eles verificaram que se adaptavam
facilmente, e superavam mesmo as
expectativas, no seu esforço para serem
incluídos. A notável integração dos judeus em
todos os países ocidentais é, sem dúvidas, o
resultado. A ênfase na aprendizagem noutras
comunidades imigrantes no Canadá e outros
locais está a ter consequências similares.
A minha própria inclusão na vida sueca
deveu-se inteiramente à educação. Enquanto
os meus pais e eu vivemos nos bairros de lata
de Gotemburgo, eu consegui
ser bem sucedido na escola e participar em
toda a variedade de actividades escolares.
Mesmo quando eu me tornei no presidente do
conselho escolar, ninguém me perguntou onde
é que eu vivia e o que é que os meus pais
faziam. O ensino trabalhou para a inclusão que,
numa extensão considerável, até compensou
pela inescapável exclusão social.
3. Aprender com os outros.
Muita da filosofia de Levinas foi expressa nas
suas interpretações de textos rabínicos. Na
verdadeira forma pós-moderna, ele apoiou-se
nas fontes escritas para orientação e começou
um diálogo com elas. É um “raciocínio textual”
na sua forma mais impressionante. As ideias de
Buber sobre educação baseiam-se na
suposição de uma relação mestre-discípulo,
baseada geralmente na sua leitura conjunta de
textos sagrados. Tanto Levinas como Buber,
imersos em fontes judaicas, parecem acreditar
que o passado só pode ser compreendido com
a ajuda da Escritura, sujeita a uma interpretação
contínua. O corpo docente é tão rico e
complexo que requer uma orientação
apropriada. Os professores devem estar lá para
o fornecer. Sob sua tutela, os alunos podem
dedicar-se àquilo que os textos ensinam.
A palavra hebraica para “educação” khinukh - é a mesma palavra que “dedicação”
(como na Festa da Dedicação, Khanukka). O
termo está no acentuado contraste entre
“educação” do inglês, baseado na ideia
socrática que um professor “extrai” o
conhecimento que os alunos já possuem. A
educação socrática é exploração interna, não a
revelação que é o conhecimento que vem do
exterior. A dedicação, por outro lado, é baseada
na revelação e o professor é visto como um
canal de revelação. O hebraico para “professor”
- moreh (masc.), morah (fem.) - é o mesmo que
para o supremo documento da revelação de
Israel, Torah. É a validade universal de Torah
que inspira o Livro de Deuteronómio para
proclamar em nome de Moisés: “Eu faço este
acordo contratual, com as suas sanções, não
apenas consigo, mas também com aqueles
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
que estão aqui connosco neste dia perante o
Senhor, nosso Deus, e com aqueles que não
estão aqui connosco neste dia” (29: 14).
Colocando todos os alunos da Escritura no
sopé do Monte Sinai, como era, podemos
facilitar a sua dedicação a Deus.
Em virtude do nosso medo legítimo da
coerção religiosa, o supra referido está aberto a
uma profunda suspeição. Isto deve-se
amplamente ao facto de muitos daqueles que
hoje falam a língua da religião esperarem
uniformidade em pensamentos e acções,
juntamente com uma estrutura política
hierárquica, e estão preparados para usar
medidas coercivas para alcançar ambos. Não é
desta forma que a educação deve ser vista.
Martin Buber, o mais persistente dos
pensadores religiosos anticlericais judaicos do
século passado, escreveu sobre as duas
dimensões da educação: Primeiro, “o
entendimento que a espontaneidade jovem não
deve ser suprimida mas permitida a dar o que
pode.” Segundo, “esta é a abordagem quase
imperceptível, a mais delicada, o levantar de um
dedo, talvez, ou de um olhar inquisitivo, é a
outra metade do que acontece na educação.”
A educação da Torah, no seu melhor, é
sobre isso. Buber continua: “A teoria
educacional moderna, que se caracteriza por
tendências para a liberdade, interpreta
erradamente o significado desta outra metade,
tal como a antiga teoria, que foi caracterizada
pelo hábito da autoridade, não compreendeu
bem o significado da primeira metade.” 28 Se a
educação pré-moderna errou no lado da
autoridade e a moderna no lado da liberdade, a
educação pós-moderna tenta fundir os dois sem
comprometer qualquer um. Isto favorecerá a
aprendizagem através do diálogo, entre aluno e
professor bem como entre alunos, professores e
o texto. “A relação na educação é um dos
diálogos puros,” escreve Buber. “Confie, confie
no mundo, porque este ser humano existe - que
é a realização mais interna da relação na
educação.” 29
O primeiro na lista de Buber das “três
formas
principais da relação dialógica” é “uma
experiência abstracta mas mútua da inclusão.”
30
A finalidade não é colocar o aluno numa
camisa-de-forças de dogma ou ideologia. O
objectivo é: “Nada mais do que a imagem de
Deus. Essa é a direcção indefinível, apenas
factual, do educador moderno responsável.”31
A educação que é dedicação procura abrir os
nossos olhos para a nossa interdependência
em cada um no diálogo e na nossa
dependência colectiva naquele que está para
além de nós. O verdadeiro diálogo é tanto
imanente e transcendente. A tarefa do
professor é facilitá-lo sem referência a uma
religião específica e sem desafiar as tradições
nas quais os alunos estão se criam. A suposta
livre de valor é, na verdade, educação sem
valor.
Uma forma de transmitir valores sem
doutrinação consiste em apresentar aos alunos
e professores aquilo que o sociólogo da religião
Peter Berger (n.1929) chamou de “sinais de
transcendência.” Define estes como os
“fenómenos que devem ser encontrados dentro
do domínio da nossa realidade “natural” mas
que parecem apontar para além dessa
realidade.” 32 Berger lista um número de áreas,
muitas das quais relacionadas com a
educação, que nos trazem estes sinais: o
pedido de realidade que ensina a existência
humana através da confiança; funciona como
uma forma de se provar a realidade, o que
mais tarde na vida “traz uma reiteração
beatífica da infância; 33 a orientação para o
futuro manifesta-se na esperança; o humor
como uma forma de ajudar os indivíduos a
preencher a lacuna entre o que é e o que
deveria ser; mesmo a condenação como uma
forma de experienciar e lidar com o desespero.
Todas estas são formas de revelação que não
requerem um compromisso teológico prévio,
apenas uma prontidão para se ser
surpreendido pela vida e para transmitir essa
surpresa aos discípulos.
4. Línguas.
O veículo da aprendizagem e da revelação é a
língua. A palavra como davar é central para a
Bíblia hebraica e, como logos, para o Novo
Testamento. George Steiner (n.1929), o crítico
literário, não é
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
religioso no sentido habitual da palavra, e não
é decididamente fundamentalista. Na página
de abertura de um livro caracteristicamente
denominado de Presenças Reais, ele define a
sua finalidade: “Propõe que qualquer
compreensão coerente do que a língua
executa, que qualquer responsabilidade
coerente do discurso humano para comunicar
o significado e sentimento é, na análise final,
estejam subscritos pelo pressuposto da
presença de Deus.” 34
A língua não só nos permite “estar em
Sinai,” mas, sobretudo, torna possível que os
seres humanos comuniquem uns com os
outros. A forma da nossa língua determina a
natureza e a qualidade do nosso pensamento.
Não saber o que dizer significa geralmente não
saber o que pensar. Nessas situações, tem-se
tendência a recorrer a clichés e slogans que
empobrecem a alma. Referindo a Alemanha
Nazi, Steiner mostrou “que bestialidade e
falsidade políticas podem fazer uso da língua
quando o último foi separado das raízes da
vida moral e emocional, quando se tornou
ossificada com clichés, definições não
examinadas, e palavras de restos.” Ele lembranos que “o que aconteceu ao alemão está, no
entanto, a acontecer de forma menos
dramática em qualquer outro lado.”35
Não deve haver uma sociedade que não
tenha procurado disfarçar a verdade através do
abuso da língua. Steiner afirma de novo:
Além disso, a falsificação e
desumanização planeadas da língua
levadas a cabo por regimes totalitários
teve os seus efeitos e contrapartes para lá
das suas fronteiras. Estas reflectem-se,
embora de uma forma menos assassina,
no idioma da publicidade, propaganda de
consumação de desejos e consenso das
tecnocracias do consumidor. 36
A nossa dose diária de visualização de
televisão fornece a prova. Apenas uma
educação completa e cuidadosa na língua
pode proteger a liberdade do espectador e
permitir que um indivíduo
se vire para o Outro como um tu, não como
um ele, um ser distorcido por informação
errónea.
Virtualmente todos os pensadores
mencionados acima estavam familiarizados
com diversas línguas. Hannah Arendt
escreveu em inglês bem como na sua língua
nativa, o alemão. Levinas escreveu em
francês mas ensinou na língua de Talmud
(hebreu e aramaico) e falava a sua língua
materna, iídiche. Miroslav Volf sabia servocroata mesmo antes de aprender inglês. O
primeiro ensaio publicado por Martin Buber, o
mestre da prosa alemã que durante muitos
anos ensinou em hebraico, era polaco.
George Steiner também é fluente em inglês,
alemão e francês. Se a liberdade pessoal e o
arreigamento no mundo requerem um
conhecimento profundo da sua própria língua,
a capacidade de chegar aos outros e incluilos requer a aprendizagem de outras línguas.
“Para aprender uma língua para além do seu
idioma nativo, para penetrar na sua sintaxe,”
Steiner escreve, “é abrir por si próprio uma
segunda janela sobre a paisagem da
existência.” 37 Para ser incluído, o comando
da língua da terra é essencial; para incluir
outro, o conhecimento de línguas
estrangeiras é igualmente importante.
Porque a língua é tão importante no
esforço para incluir, pode, naturalmente, ter
igualmente o efeito oposto. Volf observa: “A
maioria das práticas exclusivas não
funcionaria de todo ou funcionariam muito
menos suavemente senão fosse pelo facto
de estas serem suportadas por língua e
cognição de exclusão. Antes de excluirmos
outros do nosso mundo social, nós afastamolos, como era, do nosso mundo simbólico. ” 38
A terminologia nazi no processo de
exterminação dos judeus é o exemplo mais
expressivo. Os actos actuais de perseguição
oferecem igualmente ilustrações expressivas.
Contudo, o abuso da língua não deve, de
forma alguma, dissuadir-nos de aprender
línguas. Um elemento de aprendizagem de
línguas tem que ser o desenvolvimento de
um ouvido crítico em cada aluno para a
língua manipulada ao serviço do
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
poder e ideologia. As oportunidades para
incluirmos aqueles que nós compreendemos,
mesmo que sejam desconhecidos, compensam
bastante o perigo da ofuscação.
5. Comunidade.
Para ter uma língua comum com o Outro é
incluir o Outro. Se o relacionamento mútuo dá
forma ao carácter do Eu e Tu, a sua educação
trabalhará para a comunidade. “A educação
genuína do carácter,” escreveu Buber, “é
educação genuína para a comunidade.” 39 A
tradição judaica é suspeita de auto-estudo.
Promove a aprendizagem em conjunto como
um corolário para comer em conjunto, porque
ambos trabalham para a comunidade, e esperase que os alunos sejam professores, porque a
aprendizagem, tal como comer, é, no seu
melhor, uma partilha. Daí a importância das
escolas como locais onde não só o
conhecimento é adquirido, mas onde o carácter
é formado.
Abraham Joshua Heschel (f. 1972), um
pensador judaico que escreveu em quatro
línguas e cujo carácter fosse formado pelo
estudo das fontes judaicas, escreveu que as
instituições educativas ideais não devem ser
julgadas pelos resultados de exames mas pela
atitude daqueles que lhes atendem: “Não se
pergunta ao homem o quanto ele sabe, mas o
quanto ele aprende. A atitude original do judeu
não é o amor pelo conhecimento mas o amor
pelo estudo.” O conhecimento pode ser
adquirido na solidão lendo livros, mas o estudo
precisa de pessoas, colegas estudantes e, até
mais importante, de professores: “O que nós
precisamos mais do que qualquer outra coisa é
não de livros escolares mas sim de pessoas
escolares. É a personalidade do professor que
é o texto que os alunos lêem; o texto que nunca
esquecerão.” 40 A maioria de nós não se lembra
de muito do que aprendemos na escola, mas
todos nós nos recordamos dos professores que
nos influenciaram e que talvez até mudaram as
nossas vidas.
6. Identidade.
A comunidade de aprendizagem ideal
promove o estudo e julga os seus
participantes pelo esforço mais do que pelo
resultado. É formado pelos professores que,
sejam religiosos ou não, conscientemente ou
de outra forma, se tornam servos de Deus,
instrumentos de dedicação. A comunidade
distorcida, por outro lado, insiste no resultado
em vez de no esforço e promove a
competição em vez da cooperação. A ênfase
está no Eu, não no Outro. A tarefa daquele
descrito como professor consiste em treinar
os alunos para conformarem e promoverem
os indivíduos que querem aprender.
Uma forma de prevenir as instituições
educativas de se tornarem em campos
militares consiste em promover a
individualidade de cada aluno. A inclusão não
é a promoção do estatuto do pária nem o feito
duvidoso de se tornar um arrivista, mas sim
valorizar uma pessoa por ser o Outro, ainda
um membro integral do Todo. Isto significa
estabelecer limites que permitam aos
indivíduos participar na comunidade sem
serem engolidos por ela. “A ausência de
limites,” escreve Volf, “cria a inexistência de
ordem, e a inexistência de ordem não é o fim
da exclusão mas o fim da vida.” 41 Ele indica
que “a diferenciação consiste em `separar e
unir'.” 42 Ele afirma que “a identidade é um
resultado da distinção entre o outro e a
internalização da relação com o outro.” 43
Isto é importante para todos,
especialmente para membros de grupos
minoritários de todas as idades. Pertencer
não pode significar apagar o passado de
alguém mas sim trazê-lo para o presente.
Fazer parte de um grupo não pode, de forma
alguma, significar deixar de ser a própria
pessoa. A alternativa ao pária não é o
arrivista.
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Política: Acção Afirmativa
Embora tendo em conta o acima referido,
mesmo na sua aplicação prática, é
deliberadamente não específico, eu não posso
concluir estas reflexões sem salientar o ponto
óbvio que a posição apresentada aqui tem
implicações políticas. Dado que a política está
inextrincavelmente ligada ao financiamento, as
observações que se seguem podem ser
relevantes para disponibilizar recursos
financeiros para os projectos que procuram
tornar a inclusão possível.
“Pensar na fome do homem,” escreve
Levinas, “é a primeira função da política. ” 44
Numa análise crítica da filosofia de Martin
Buber do diálogo, Levinas articula a sua
política como uma aplicação concreta dos
princípios elevados de Buber. Ele quer passar
das palavras de Buber para as nossas acções,
do discurso ao professor para as acções dos
alunos:
Poderemos pensar se vestir o nu e alimentar
o que passa fome não nos aproxima mais do
vizinho do que a atmosfera rarificada na qual
a Reunião de Buber por vezes ocorre. Dizer
“Tu” passa assim pelo meu corpo para as
mãos que dão, para além dos órgãos de
discurso. Perante o rosto de Deus, não
devemos ir de mãos vazias. 45 Também é
consistente com os textos talmúdicos que
proclamam que “dar o alimento” é uma coisa
muito importante, e amar Deus com todo o
seu coração e com toda a sua vida é
ultrapassado ainda quando se ama a Ele
com todo o seu dinheiro. Ah! Materialismo
judeu.” 46
A força das últimas três palavras não nos
deve escapar. A acusação que o judaísmo é
materialista, o “este-mundano,” e como tal
desprovido de “espiritualidade” são
considerados aqui como uma manifestação do
compromisso religioso manifesto em termos
económicos/políticos.
Ou para dizê-lo de outra forma: “para
merecer a ajuda de Deus, é necessário querer
fazer o que tem que ser feito sem a sua ajuda.
” 47 Para Levinas,
“o trabalho de justiça económica não serve
como um prelúdio à existência espiritual, mas
já a alcança.” 48 A sua espiritualidade
económica/economia espiritual leva-o à
conclusão que “o único valor absoluto é a
possibilidade humana de dar ao outro
prioridade sobre si próprio.” 49
É provável que aqueles que possam
desejar suportar as medidas propostas neste
trabalho assumam posições políticas que
frequentemente entrarão em conflito com a
vontade política prevalecente na maioria dos
estados modernos, incluindo o Canadá. Para a
política moderna, quase independentemente de
qual o partido que está no poder, parece
basear-se na máxima, “o que é meu é meu e o
que é seu é seu.” O resultado é de grande
disparidade no rendimento e a subsequente
lacuna crescente entre teres e não teres em
tudo o que importa, educação não menos do
que dinheiro.
O Mishnah Tractate Avot (5:13), conhecido
como “As Éticas dos Pais,” oferece duas
avaliações da pessoa que diz, “o que é meu é
meu e o que é seu é seu.” Tal pessoa, lemos
nós, “é de carácter médio.” Contudo, “outros
dizem que esta é a característica de Sodoma.”
A referência aqui não é às tendências sexuais
dos Sodomitas bíblicos mas ao verso no livro
de Ezequiel, “Este era o único pecado da sua
irmã Sodoma: arrogância! A ela e às filhas não
lhe faltava o pão nem a tranquilidade sem
sobressaltos; ainda assim, ela não suportava os
pobres e os necessitados” (16:49). O clima
ético da sociedade capitalista oscila entre duas
visões manifestadas no atestado talmudista: A
opinião maioritária é a que a fórmula “o que é
meu é meu, o que é teu é teu” é normativa.
Outros, por outro lado, vêem isso como uma
manifestação de arrogância que deixa para trás
a desvantagem e abre caminho à exclusão. As
crianças são, frequentemente, as principais
vítimas porque têm pouco que seja delas,
embora precisem de muito dos outros para
crescerem e se desenvolverem.
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
Ao reconhecer que cada sistema político
tem as suas falhas, este documento não tenta
defender qualquer linha de opinião. Todavia, as
reflexões aqui articuladas sugerem um curso
de acção que procura melhorar a parte
daqueles que não têm muito a que possam
chamar “meu”, ao promover projectos
delineados na secção anterior:
1. Sustentar refeições escolares para todos
como um modo de alimentar os que têm
mais necessidades e promover a
comunidade.
2. Encorajar o desenvolvimento de
currículos que privilegiem a
aprendizagem face à realização e
incentivem a qualidade do esforço face à
quantidade de conhecimento.
3. Proporcionar oportunidades para a
formação imaginativa do professor e
promover o estatuto dos professores na
comunidade de modo a incutir neles um
sentimento de responsabilidade por
serem modelos para os jovens e, desse
modo, ajudá-los a verem mais longe do
que as suas percepções permitem;
sintonizando-os para os “sinais de
transcendência” de Berger.
4. Afirmar que, mesmo nos nossos dias, a
linguagem vem antes da tecnologia e que
a promoção do ensino de línguas além da
língua materna abre caminho à inclusão.
5. De um modo semelhante, promover
actividades que melhorem a comunidade
e abram caminho à inclusão.
6. Celebrar a individualidade, permitindo
que as crianças tenham orgulho na sua
própria herança e tenham conhecimento
adequado sobre a mesma.
O curso de acção proposto neste
documento é partidário na medida em que
favorece os excluídos e os pobres. A
neutralidade encoraja a inactividade e pode ser
“positivamente prejudicial”, escreve
Miroslav Volf: “Por um lado, apoia tacitamente
a parte mais forte, independentemente de
essa parte estar certa ou errada. Em segundo
lugar, a neutralidade escuda os perpetradores
e liberta as suas mãos precisamente através
da falha em os nomear como perpetradores.
Terceiro, a neutralidade encoraja o pior
comportamento de perpetrador e vítima, do
mesmo modo.” Ele prossegue: “Os profetas
judeus – e, de facto, a totalidade das
Escrituras – têm uma inclinação para os mais
fracos.” Referindo-se ao filósofo canadiano
Charles Taylor, Volf conclui que “tal opção
preferencial pelos mais fracos implica uma
audiência privilegiada para aqueles cujas
vozes são excluídas.”50
A acção afirmativa é inerente nos
ensinamentos convencionais do judaísmo e
do cristianismo. Esta é manifestada no modo
como os profetas hebraicos reagem aos reis
de Israel. Emmanuel Levinas resumiu a sua
posição ao ser interrogado durante um
entrevista sobre se “a forma do discurso,
como o discurso profético, era contrária ao
estado? Ele afirmou:
Num discurso extremamente ousado e
audaz, uma vez que o profeta fala
sempre perante o rei, o profeta não se
esconde, não está a preparar uma
revelação subterrânea. Na Bíblia – é
extraordinário – o rei aceita esta
oposição directa. Ele é um estranho rei
dos reis! Isaías e Jeremias submetem-se
à violência. E não esqueçamos os falsos
profetas que adulavam constantemente
os reis. Apenas o verdadeiro profeta se
dirige ao rei e ao povo sem servilismo e
os recorda da ética. No Antigo
Testamento, não há certamente
qualquer denúncia do estado como tal.
Há um protesto contra a assimilação
pura e simples do estado para a política
do mundo.51
A ética da inclusão encontra aqui o seu
modelo. O estado não deve ser denunciado,
mas dado que a humanidade está sob uma
obrigação maior que o poder do estado –
nomeadamente, no convénio com Deus – os
humanos que assumem a responsabilidade
pelo Outro devem enfrentar o poder,
quaisquer que sejam as consequências, e
tomar partido dos mais fracos,
independentemente das repercussões.
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
Volf sustenta que, com todos os seus
contornos religiosos, a noção de convénio é
relevante no nosso contexto: “Um convénio
pode tornar-se uma útil categoria política,
porque foi primeiro uma categoria moral, e
tornou-se uma categoria moral, porque era
uma categoria teológica central.” 52
Este documento é uma tentativa de fazer
algumas ligações entre teologia, ética e
política, num esforço para apontar para
algumas possibilidades para diminuir a
exclusão na nossa sociedade, mesmo que
nunca consigamos erradicá-la.
Notas finais
1
The Torah: A Modern Commentary (Nova Iorque: The Union of American Hebrew
Congregations, 1981), 1409.
2
Moses Maimonides, Mishneh Torah: Hilkhot De’ot 6:10. A tradução inglesa baseia-se na
Enciclopédia Judaica, 12:1478.
3
Richard J. Bernstein, Hannah Arendt and the Jewish Question (Cambridge, Mass.: The MIT
Press, 1996), 16f.
4
Sander L. Gilman, Jewish Self-Hatred (Baltimore e Londres: The Johns Hopkins University
Press, 1986), 2f.
5
Ibid., 12.
6
Irving Greenberg, The Third Great Cycle in Jewish History (Nova Iorque: National Jewish
Resource Center, 1981), 25.
7
Emmanuel Levinas, Difficult Freedom (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1990),
19f.
8
Edith Wyschogrod, Emanuel Levinas: The Problem of Ethical Metaphysics (Nova Iorque:
Fordham University Press, 2000), 104f.
9
Op. cit., 21.
10
Emmanuel Levinas, Nine Talmudic Readings (Bloomington & Indianapolis: Indiana University
Press, 1990), 98.
11
Ibid., 99.
12
Ibid., 100.
13
Difficult Freedom, 26.
14
Emmanuel Levinas, Ethics and Infinity, traduzido e apresentado por Richard A. Cohen
(Pittsburgh: Duquesne University Press, 1985), 13.
15
Difficult Freedom, 4.
16
Op. cit., 105.
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
17
Miroslav Volf, Exclusion and Embrace: A Theological Exploration of Identity, Otherness, and
Reconciliation (Nashville: Abingdon Press, 1996), 10.
18
Ibid., 60.
19
Ibid., 221.
20
Ibid., 222. Itálicos do autor.
21
Ibid., 223.
22
Ibid., 225.
23
Martin Buber, Between Man and Man (Londres: Collins Fontana Library, 1961), 31.
24
Ibid., 31f.
25
Maurice S. Friedman, Martin Buber - The Life of Dialogue (Londres: Routledge and Kegan
Paul, 1955), 177.
26
Op. cit., 207.
27
Mishnah Horayot 3:8.
28
Buber, op. cit., 114f.
29
Ibid., 125.
30
Ibid., 126.
31
Ibid., 130.
32
Peter L. Berger, A Rumour of Angels (Harmondsworth, Middlesex, Inglaterra: Penguin Books,
1971), 70.
33
Ibid., 77.
34
George Steiner, Real Presences (Londres e Boston: Faber and Faber, 1989), 3.
35
George Steiner, Language and Silence (Harmondsworth, Middlesex, Inglaterra: Penguin
Books, 1969), 47.
36
Ibid., 103.
37
George Steiner, Extraterritorial: Papers on the Literature and the Language Revolution
(Harmondsworth, Middlesex, Inglaterra: Peregrine Books, 1975), 89.
38
Volf, op. cit., 75.
39
Buber, op. cit., 146.
40
Abraham Joshua Heschel, The Insecurity of Freedom (Philadelphia: The Jewish Publication
Society of America, 1966), 237.
41
Volf, op. cit., 63.
42
Ibid., 65.
43
Ibid., 66.
PERSPECTIVAS SOBRE INCLUSÃO SOCIAL
44
Emmanuel Levinas, Beyond the Verse: Talmudic Readings and Lectures (Bloomington and
Indianapolis: Indiana University Press, 1994), 18.
45
Reference to Deuteronomy 16:16f: “Três vezes por ano – na Festa dos Pães Ázimos, no
Pentecostes e na Festa dos Tabernáculos – todos os vossos homens devem comparecer
perante o Senhor vosso Deus no local que Ele escolher. Eles não devem comparecer perante o
Senhor de mãos vazias, mas cada um deve trazer a sua própria oferenda, de acordo com a
bênção que o Senhor vosso Deus lhe concedeu.” Aquilo que, para vários intérpretes das
Escrituras, é uma regra sobre a oferta de sacrifícios ao santuário, torna-se para Levinas uma
ordem para provir às criaturas de Deus onde quer que estas se encontrem. A prática ritual é,
assim, transformada em acção política.
46
Emmanuel Levinas, Outside the Subject (Stanford, CA: Stanford University Press, 1994), 18f.
47
Emmanuel Levinas, Entre Nous: Thinking of the Other (Nova Iorque: Columbia University Press,
1994), 109.
48
Ibid., 17
49
Ibid., 109
50
Ibid., 219.
51
Emmanuel Levinas, Entre Nous: Thinking of the Other (Nova Iorque: Columbia University Press,
1998), 106.
52
Op. cit., 151.
Reflexões éticas sobre a Inclusão Social
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Sem esquecer nenhuma criança! Exclusão Social e
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O Trabalho Inclui as Crianças? Os Efeitos do Mercado
de Trabalho no Rendimento, Tempo e Pressão Familiar
Michael Bach—
Inclusão Social como Solidariedade: Repensar a Agenda
Dos Direitos da Criança
Martha Friendly e
Donna Lero —
Inclusão social para as crianças canadianas através
da educação e cuidado infantil
Terry Wotherspoon —
A dinâmica da inclusão social: Educação pública
e aborígenes no Canadá
Peter Donnelly e
Jay Coakley —
Meg Luxton —
Andrew Mitchell e
Richard Shillington —
Promover a inclusão social através da recreação
Perspectivas femininas sobre a inclusão social e o
bem-estar infantil
Pobreza, desigualdade e inclusão social
Catherine Frazee—
Fixe! Inclusão, direitos e igualdades
vividos por jovens com deficiências
Anver Saloojee —
Inclusão social, cidadania e diversidade
Ratna Omidvar e
Ted Richmond —
Em direcção à inclusão social dos novos canadianos
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em francês e inglês podem ser transferidos no
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