Rosimary Almada
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Rosimary Almada
CENTRO DE ESTUDOS ESPECIALIZADO EM MEDICINA FETAL Rosimary Almada Araujo ANOMALIAS CONGÊNITAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: TUMORES INTRACRANIANOS. São Paulo, 2011 CENTRO DE ESTUDOS ESPECIALIZADO EM MEDICINA FETAL Year Book – Fetus 2011 ANOMALIAS CONGÊNITAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: TUMORES INTRACRANIANOS. Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Centro de Estudos Especializado em Medicina Fetal, como requisito à obtenção do Título de PósGraduação em Medicina Fetal (“Lato Sensu”). Autor: Rosimary Almada Araujo Orientadora: Dra. Lívia Teresa Moreira Rios São Paulo, 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ARAUJO, Rosimary Almada. Anomalias congênitas do sistema nervoso central: tumores intracranianos/ por Rosimary Almada Araujo. – 2011. 50 f.: il. Revisão bibliográfica (Especialista em Ginecologia e Obstetrícia) – Centro de Estudos Especializado em Medicina Fetal. “Orientação de Lívia Teresa Moreira Rios, Medicina Fetal” I. Anomalias congênitas do sistema nervoso central: tumores intracranianos. II. Sistema nervoso central. III. Anomalias congênitas IV. Tumores intracranianos. CDU: ANOMALIAS CONGÊNITAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: TUMORES INTRACRANIANOS. Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Centro de Estudos Especializado em Medicina Fetal, como requisito à obtenção do Título de PósGraduação em Medicina Fetal (“Lato Sensu”). Orientadora: Dra. Lívia Teresa Moreira Rios Data de aprovação: _____/_______/_______ __________________________________ Nome e assinatura do preceptor/orientador ________________________________________________ Nome e assinatura do 2º membro da Banca Examinadora _______________________________________________ Nome e assinatura do 3º membro da Banca Examinadora EPÍGRAFE “É enfrentando as dificuldades que você fica forte. É superando seus limites que você cresce. É resolvendo seus problemas que você desenvolve a maturidade. É desafiando o perigo que você encontra a coragem. Arrisque-se e você descobrirá como as pessoas crescem quando exigem mais de si próprias e assim conseguem alcançar os seus objetivos !!!” DEDICATÓRIA À minha mãe e irmã, mulheres fortes e determinadas, às quais tenho eterno amor e carinho. À minha filha Helena Maria, a quem muito amo. Ao meu marido que sempre está do meu lado em todos os momentos da minha vida. Aos meus avós, in memoriam. À todos os meus irmãos. AGRADECIMENTO ESPECIAL À orientadora Dra Lívia Teresa Moreira Rios. Ao Dr Eduardo V. Isfer pela dedicação e conhecimentos oferecidos. À pessoa que sempre me incentiva nos trabalhos científicos, meu marido Valmir Pacheco Junior. AGRADECIMENTOS Aos colegas de pós-graduação, companheiros dessa longa jornadaa, que ao dividir nossas dificuldades conseguiram minimizá-las. A todos os funcionários do Centro de Estudos FETUS pela dedicação e carinho. RESUMO Objetivo: abordar as características, métodos diagnósticos e repercussões fetais dos principais tumores císticos intracranianos: cisto de plexo coróide, cisto de aracnóide, aneurisma da veia de Galeno e encefalomalácia multicística. Método: revisão bibliográfica dos tumores císticos intracranianos em seus diversos aspectos e suas implicações no desenvolvimento intra-uterino e pós-natal. Resultados: o estudo evidenciou que a maioria dos tumores císticos intracranianos tem repercussões fetais graves, com exceção do cisto isolado de plexo coróide. Os atuais métodos de diagnóstico por imagem têm permitido a detecção mais precoce de alguns tumores císticos intracranianos. Devido à baixa incidência desses tumores ainda faltam estudos que esclareçam o seu desenvolvimento e possibilitem melhores abordagens fetais e resultados neonatais. Palavras-chave: tumores císticos, intracranianos, intra-uterino, pós-natal. ABSTRACT Objective: address the characteristics, diagnostic methods and consequences of major fetal cystic intracranial tumors, choroid plexus cysts, arachnoid cyst, aneurysm of vein of Galen and multicystic encephalomalacia. Methods: literature review of intracranial cystic tumors in its various aspects and implications for the intrauterine development and postnatal. Results: the study showed that the majority of cystic intracranial tumors has severe fetal repercussions, with the exception of isolated choroid plexus cyst. Current methods of imaging have allowed earlier detection of some intracranial cystic tumors. Due to the low incidence of these tumors are still lacking studies to clarify their development and enable better approaches fetal and neonatal outcome. Keywords: cystic tumors, intracranial, intra-uterine, postnatal. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...………………………………………………………………... 13 2 CISTO DE PLEXO CORÓIDE 2.1 DEFINIÇÃO ……………………………………………………………………… 15 2.2 INCIDÊNCIA …………………………………………………………………….. 15 2.3 ETIOPATOGENIA ………………………………………………………………. 16 2.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS …………………………………………………... 16 2.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ………………………………………………….. 17 2.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ……………………………………………….. 17 2.7 CONDUTA PRÉ-NATAL ……………………………………………………….. 18 2.8 CONDUTA OBSTÉTRICA ……………..………………………………………. 19 2.9 ASSISTÊNCIA NEO-NATAL …………………………………………………... 19 3 CISTO DE ARACNÓIDE 3.1 DEFINIÇÃO ……………………………………………………………………… 20 3.2 INCIDÊNCIA …………………………………………………………………….. 21 3.3 ETIOPATOGENIA ………………………………………………………………. 21 3.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS …………………………………………………... 22 3.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ………………………………………………….. 22 3.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ……………………………………………….. 25 3.7 CONDUTA PRÉ-NATAL ……………………………………………………….. 26 3.8 CONDUTA OBSTÉTRICA …..…………………………………………………. 27 3.9 ASSISTÊNCIA NEO-NATAL …………………………………………………... 27 4 ANEURISMA DA VEIA DE GALENO 4.1 DEFINIÇÃO ……………………………………………………………………… 29 4.2 INCIDÊNCIA …………………………………………………………………….. 29 4.3 ETIOPATOGENIA ………………………………………………………………. 29 4.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS …………………………………………………... 32 4.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ………………………………………………….. 32 4.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ……………………………………………….. 37 4.7 CONDUTA PRÉ-NATAL ……………………………………………………….. 38 4.8 CONDUTA OBSTÉTRICA …………..…………………………………………. 38 4.9 ASSISTÊNCIA NEO-NATAL …………………………………………………... 39 5 ENCEFALOMALÁCIA MULTICÍSTICA 5.1 DEFINIÇÃO ……………………………………………………………………… 41 5.2 INCIDÊNCIA …………………………………………………………………….. 41 5.3 ETIOPATOGENIA ………………………………………………………………. 41 5.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS …………………………………………………... 44 5.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ………………………………………………….. 44 5.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ……………………………………………….. 46 5.7 CONDUTA PRÉ-NATAL ……………………………………………………….. 46 5.8 CONDUTA OBSTÉTRICA …………………..…………………………………. 47 5.9 ASSISTÊNCIA NEO-NATAL …………………………………………………... 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ………………………………………... 48 13 1 INTRODUÇÃO O século XXI é a era da mulher moderna que ao engravidar é muito mais assistida no período pré-natal e tem uma relação mais estreita com o feto. O ultra-som foi criado em 1794, sendo utilizado com objetivos médicos somente após a segunda guerra mundial em 1948-1949. Em 1950, produziu a primeira imagem seccional, porém, fornecia apenas imagens em preto e branco, sem gradações. Neste sentido, o ultra-som tem desempenhado papel substancial, sendo uma ferramenta bem acessível que, utilizada no período pré-natal, permite que a mãe acompanhe o desenvolvimento fetal e que o médico realize uma maior variedade de diagnósticos. No século XXI, dispõem-se do ultra-som 2D, 3D e o Doppler, permitindo uma avaliação mais detalhada da anatomia fetal, bem como identificar anormalidades que envolvam alterações de fluxo sanguíneo, estudar velocidade de fluxo dos vasos e desta forma fornecer uma variedade de diagnósticos de anormalidades fetais (Física da ultra-sonografia). Portanto, muitas anormalidades que antes eram diagnosticadas apenas no período pós-natal, hoje, podem ser identificadas no período pré-natal, possibilitando a orientação da mãe e o tratamento intra-útero adequado ou a programação para uma abordagem pós-parto ou a interrupção da gestação em uma fase bem precoce. Tem-se outros métodos diagnósticos de imagem de alta resolução, como a ressonância e a tomografia que também estão disponíveis e são muito úteis para diagnosticar anormalidades, porém ainda são usadas por uma pequena parcela da população devido ao custo elevado. As malformações do sistema nervoso central, em termos de freqüência, perdem apenas para as patologias do trato urinário. O espectro de patologias neurológicas passíveis de identificação no período pré-natal é tão amplo quanto à variedade de seus quadros clínicos e prognósticos. Portanto, em muitas ocasiões, não é possível definir o grau de comprometimento intelectual, motor e mesmo, a chance de sobrevida para os indivíduos acometidos (BUNDUKI, ZUGAIB, 2009). Os tumores que acometem o sistema nervoso central são patologias raras com incidência estimada em 0,34 por 1 milhão de nascidos vivos (CALLEN, 2009). 14 Os tumores císticos intracranianos perfazem cerca de 1% dos tumores do sistema nervoso central (CALLEN, 2009). Dentre eles têm-se os cistos de plexo coróide, cistos de aracnóide, aneurisma da veia de Galeno e encefalomalácia multicística. Estes tumores merecem atenção especial necessitando serem investigados no intuito de fazer-se o diagnóstico e/ou tratamento específico. O trabalho atual visa realizar uma revisão bibliográfica dos principais tumores císticos intracranianos abordando suas mais diversas características, bem como diagnóstico, tratamento, repercussões fetais e abordagens pré-natais e neonatais. 15 2 CISTO DE PLEXO CORÓIDE 2.1 DEFINIÇÃO Plexos coróides são estruturas localizadas no interior dos ventrículos laterais constituídos por epitélio secretor, cuja principal função é a produção do líquor céfaloraquidiano (CLAUDIO, 2009). Os cistos do plexo coróide são espaços cheios de líquido no plexo coróide similares a bolhas. Estes cistos podem ser encontrados em um ou ambos os hemisférios cerebrais e podem ter diferentes tamanhos (RAFAEL, 2009). Fonte: www.fetalmed.net Figura 1: Cisto de Plexo Coróide 2.2 INCIDÊNCIA Ensaios realizados em gestantes de baixo risco indicam que a freqüência desse achado no segundo trimestre é de aproximadamente 1%. Os cistos de plexo coróide estão relacionados ao aumento da incidência da trissomia do 18 (CALLEN, 2009). A incidência do cisto de plexo coróide em fetos normais varia de 0,4% a 2,8 %, e em fetos com alterações cromossômicas de 0,5% a 7% (CLAUDIO, 2009). 16 2.3 ETIOPATOGENIA Os cistos de plexo coróide podem ser unilaterais ou bilaterais e ocasionalmente múltiplos (CALLEN, 2009). Cistos pequenos, unilaterais e transitórios tem sido documentados em associação com aneuploidias (CALLEN, 2009). 2.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS Os cistos de plexo coróide estão associados à trissomia do 18. Snijders et al. relataram que na presença de cisto de plexo coróide o risco de trissomia do 18 está aumentado em 1,5. Os dados disponíveis não indicam associação à outra anomalia cromossômica incluindo a trissomia do 21 (CALLEN, 2009). O cisto de plexo coróide é considerado um marcador menor para aneuploidias, principalmente para trissomia do cromossomo 18. É rara a presença isolada do cisto como a única característica desta aneuploidia (CLAUDIO, 2009). Um estudo realizado evidenciou que a maioria dos fetos com cisto de plexo coróide apresentava cariótipos normais, entretanto, a sua presença aumentaria o risco para trissomia do 18 em 13,8 vezes (CLAUDIO, 2009). Gupta e col. demonstraram que o risco para trissomia do 18 em fetos sem cistos de plexo coróide é de 1: 4600 em mulheres com 20 anos e 1: 90 em mulheres com 45 anos e na associação do cisto com a trissomia 18 aumenta o risco para 1: 2900 em mulheres com 20 anos e 1: 50 em mulheres com 45 anos. Não há relatos de aumento do risco da síndrome de Down na presença de cisto de plexo coróide isolado (CLAUDIO, 2009). Em relação à multiplicidade, tamanho, bilateralidade e a complexidade dos cistos não há aumento dos riscos de aneuploidias (CLAUDIO, 2009). A presença de cisto no plexo coróide como característica da síndrome de Edwards é controversa na literatura, sem nenhum consenso de quando se deve indicar ou não a amniocentese em caso de cisto isolado, ou seja, sem outras anormalidades presentes. O cisto é observado em 1% dos fetos normais e em 50 60% dos fetos com trissomia do 18, uma diferença significativa (DANIEL et al., 2001/ NICOLAIDES, 1995). 17 O cisto de plexo coróide por não ser característica exclusiva da síndrome de Edwards, pode ser encontrado, em menor freqüência, na síndrome de Down, de Turner, de Klinefelter e em triploidias (DANIEL et al., 2001). 2.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL As imagens ultra-sonográficas dos plexos coróides consistem em estruturas hiperecogênicas, intra-ventriculares ao nível do corpo, trígono e corno inferior, com a aparência normal do cérebro fetal ao seu redor (CALLEN, 2009). A presença de estrutura cística no interior dos plexos é facilmente visualizada, particularmente entre a 16ª e 20ª semanas de gestação (CLAUDIO, 2009). Tipicamente são encontrados ao nível do átrio dos ventrículos laterais e com freqüência menor dentro dos corpos. Quando avaliado com aparelho ultrassonográfico de alta resolução, o cisto do plexo coróide dos ventrículos laterais aparece discretamente heterogêneo. Para ser chamado de cisto de plexo coróide, a lesão deve medir pelo menos 2 mm de diâmetro. Cistos volumosos acima de 14 mm de diâmetro podem ser identificados e geralmente contêm septações internas (CALLEN, 2009). O achado de cisto no plexo coróide não deve ser interpretado como diagnóstico, mas sim como um gatilho para investigações de outras anormalidades. Gratton et al. (1996) demonstraram que 80% dos casos de trissomia do 18 que tinham cistos visíveis na ultrassonografia também apresentavam outras anormalidades ultrassonográficas associadas (DANIEL et al., 2001). 2.6 DIAGÓSTICO DIFERENCIAL Em algumas situações há dificuldade na diferenciação entre um cisto de plexo coróide volumoso distendendo discretamente a cavidade do ventrículo e uma ventriculomegalia primária. Nesta situação vale lembrar que o cisto de plexo coróide tem uma parede ecogênica fina e tende a apresentar septações internas. O sangramento intraventricular localizado pode resultar em um coágulo sanguíneo semelhante a uma anomalia do plexo coróide, entretanto o coágulo é menos regular 18 que o cisto de plexo coróide e, em geral, o ventrículo adjacente encontra-se dilatado (CALLEN, 2009). Fonte: J Ultrassound Med, 1989 (BÁRBARA, LELEN, JAMES, 1989). Figura 2: Cisto simples típico de plexo coróide (setas).Vista axial da cabeça fetal revela cisto simples com 19 semanas. 2.7 CONDUTA PRÉ-NATAL Primeiramente, consiste em aconselhamento da paciente sobre o cisto de plexo coróide bem como suas repercussões fetais, tipo de abordagem diagnóstica e prognóstico fetal. Diante de um caso de cisto de plexo coróide deve-se realizar exame ultrassonográfico detalhado do feto (avaliando-se mãos e pés) e exame direcionado do coração fetal. Se forem identificadas anomalias adicionais deve ser oferecida análise cromossômica à paciente. Pode ser obtida segurança adicional por meio da correlação dos achados ultrassonográficos com os marcadores bioquímicos séricos (CALLEN, 2009). Alguns investigadores acreditam que quando o cisto for isolado e o ultra-som realizado não revelar outras anomalias, este deve ser considerado uma variante normal devendo o médico pré-natalista, portanto, orientar a paciente esclarecendo o prognóstico fetal (CALLEN, 2009). Vários autores ressaltam a necessidade de procedimentos invasivos como amniocentese ou codocentese para estudo cariotípico, somente se outros fatores de 19 risco estiverem presentes, tais como: dismorfoses ao exame ultra-sonográfico, idade materna avançada, antecedentes obstétricos de anomalias cromossômicas ou marcadores sorológicos positivos (CLAUDIO, 2009). 2.8 CONDUTA OBSTÉTRICA O cisto de plexo coróide isolado não modifica a conduta obstétrica de rotina sendo a via de parto uma escolha obstétrica. Pela ausência de defeitos danosos aos fetos relatados em diversos estudos, não há necessidade de acompanhamento ultrassonográfico nos casos de cisto de plexo coróide isolado. No caso de cistos de plexo coróide associado a outros achados ou trissomias, a conduta será diferenciada de acordo com o caso. Porém, não há relatos na literatura sobre um consenso de conduta que deva ser utilizado para tais situações (CALLEN, 2009). 2.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL Digiovanni e Cols realizaram estudo analisando o desenvolvimento fetal e crescimento após o nascimento, em crianças que apresentaram cisto de plexo coróide isolado, isto é, sem outras alterações morfológicas, e concluíram que o desenvolvimento nessas crianças foi normal (CLAUDIO, 2009). Fonte: palavrascruzadas112.com Figura 3: Cisto de Plexo Coróide 20 3 CISTO DE ARACNÓIDE 3.1 DEFINIÇÃO São acúmulos de líquido límpido como o cerebroespinhal entre a dura-máter e a massa cerebral. A definição é freqüentemente utilizada para indicar qualquer cisto intracraniano localizado dentro do espaço subaracnóideo (CALLEN, 2009). Expansão meníngea, em forma de bolsa, preenchida por líquido com características idênticas ao cefalorraqueano (LCR), podendo se desenvolver em qualquer lugar onde existe aracnóide (JOSÉ et al., 1998). Fonte: www.cistosaracnoide.org Figura 1: Espaço Subaracnóide Fonte: www.cistosaracnoide.org Figura 2: Cisto de Aracnóide 21 3.2 INCIDÊNCIA Os cistos de localização intracracraniana representam 1% das lesões com efeito de massa, segundo Russel e Rubstein, citados por Koga e col (JOSÉ et al., 1998). É referido, em vários estudos, uma maior incidência no sexo masculino, porém sem explicação para o fato. Segundo Wester, a razão masculino/feminino é 2,9: 1. Entretanto, o autor adverte que esta relação não é incontestável em razão da existência de cistos assintomáticos em proporção variável (JOSÉ et al., 1998). 3.3 ETIOPATOGENIA Os cistos de aracnóide podem ser primários (congênitos) ou secundários (adquiridos). Os primários são benignos e se caracterizam por acúmulos de líquido claro entre a dura-máter e a substância do cérebro ao longo do eixo cérebroespinhal em relação à membrana aracnóide e não se comunicam com o espaço subaracnóide. Os secundários são cistos adquiridos de hemorragia, trauma, infecção e geralmente se comunicam com o espaço subaracnóide (CHEN, 2007). Os cistos de aracnóide têm sido encontrados em qualquer local do sistema nervoso central, incluindo o canal espinhal. As localizações mais freqüentes são as superfícies dos hemisférios cerebrais na região das fissuras maiores (sylviana, rolândica e inter-hemisférica), região da sela túrcica, fossa posterior e fossa média (CALLEN, 2009). A maioria tem origem congênita e situação intra-aracnóide, apresentando ou não comunicação com o espaço subaracnóideo. Para Robinson, citado por Handa e col. e Star Kman e col., citados por Schroeder e Gaab, o desenvolvimento do cisto decorre de malformação primária da aracnóide, com resultante duplicação da membrana numa fase precoce da embriogênese. Alguns cistos podem se originar da ruptura ou da fragilidade na membrana aracnóide na vigência de trauma, tumor ou infecção (JOSÉ et al., 1998). Origem semelhante é referida por Traveras e Ransohff, segundo Santamarta e col., para os cistos leptomeníngeos. Para Markwalder e col., entretanto, essas formações císticas são constituídas de tecido neuroepitelial cujas células ciliadas se relacionam com o parênquima cerebral e às cavidades ventriculares, enquanto o 22 cisto aracnóide se origina de células neuroendoteliais e se relaciona diretamente com o espaço subaracnóide (JOSÉ et al.,1998). 3.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS Os cistos de aracnóide volumosos podem causar ventriculomegalia obstrutiva pela compressão do forame de Monro, da porção posterior do aqueduto ou pelo bloqueio das cisternas basais. Estão também, freqüentemente, associados a agenesia completa ou parcial do corpo caloso (BRETELLE et al., 2002/ CALLEN, 2009). Várias anormalidades cromossômicas associadas têm sido relatadas. Hogge et al. relataram trissomia parcial 9q (9q22 → qter) e monossomia parcial Xq (Xq22 → qter) em um feto com um cisto aracnóide infratentorial. O feto apresentava, após o nascimento, um nariz proeminente e micrognatia, sobreposição dos dedos das mãos e um cisto de paredes finas comprimindo o hemisfério cerebelar direito. Souter et al. relataram um apagamento subtelomérico distal no braço longo do cromossomo 14, ou seja, monossomia 14q (14q32.3 → qter) em um feto com tetralogia de Fallot, restrição de crescimento intra-uterino e um cisto aracnóide médio intracraniano. O bebê após o nascimento manifestou dismorfismo facial, hérnia inguinal, tetralogia de Fallot, um cisto na linha média do aracnóide e marcou atraso no desenvolvimento global. Pilu et al. relataram trissomia do cromossomo 18 em um feto com um pequeno cisto de aracnóide, uma saída dupla de ventrículo direito e mãos-em-garra. Elbers e Furness, além disso, relataram a experiência da associação de triploidia com um feto com cisto aracnóide (CHEN, 2007). A hidrocefalia e a macrocefalia são as formas mais comuns de apresentação no período neonatal (CALLEN, 2009). 3.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL O cisto aracnóide fetal pode ser avaliado pelo ultra-som pré-natal e ou ressonância magnética (CHEN, 2007). Exames ultra-sonográficos são capazes de avaliar o tamanho do cisto e dos ventrículos (CHEN, 2007). O ultra-som demonstra uma lesão anecóica bem definida, 23 com efeito de massa adjacente, ocasionalmente associada à hidrocefalia. A maioria dos casos de cistos de aracnóide diagnosticados intra-útero tem sido reconhecida somente no terceiro trimestre. Em poucos casos, foram obtidas imagens ultrasonográficas no segundo trimestre. Elbers e Furness relataram um caso incomum de cisto aracnóide diagnosticado em 18,5 semanas de gestação (CHEN, 2007). Existe na literatura um caso relatado de diagnóstico no primeiro trimestre evidenciado ao ultra-som como uma massa anecóica axial superior septada, empurrando os dois hemisférios de uma forma triangular (BRETELLE et al., 2002). Portanto, supõe-se que a maioria dessas lesões somente se desenvolva na fase final da gestação (CALLEN, 2009). Ressonância magnética pré-natal ajuda a demonstrar os detalhes anatômicos de outras anormalidades do sistema nervoso central, como a compressão do aqueduto de Sylvius, a comunicação entre o cisto e os ventrículos, e disgenesia do corpo caloso (CHEN, 2007). Há uma associação entre cisto de aracnóide congênito e anormalidades cromossômicas. Portanto, o diagnóstico pré-natal de um cisto aracnóide, especialmente em associação com anormalidades estruturais, deve desencadear uma investigação citogenética (CHEN, 2007). Fonte: Taiwan J Obst Gynecol, 2007 (CHEN, 2007) Figura 3: Ultra-som pré-natal de um cisto de aracnóide. Ultra-sonografia de gestação de 32 semanas revelando uma lesão anecóica, inter-hemisférica homogênea, medindo de 5,39 x 3,94 centímetros. 24 Fonte: Taiwan J Obst Gynecol, 2007 (CHEN, 2007) Figura 4: A e B mostram RM de um Cisto de Aracnóide. Gestação de 33 semanas. Ressonância magnética mostrando um cisto inter-hemisférico aracnóide esquerdo associado a disgenesia do corpo caloso. O cariótipo era 46, XY. Ressonância magnética pós-natal confirmou o diagnóstico pré-natal. Fonte: Taiwan J Obst Gynecol, 2007 (CHEN, 2007) Figura 5: Ressonância magnética. Gestação de 33 semanas. Fonte: Taiwan J Obst Gynecol, 2007 (CHEN, 2007) Figura 6: Ressonância magnética pós-natal, com 3 dias de vida (feto da figura 5). 25 3.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Algumas vezes, pode ser difícil diferenciar o cisto de aracnóide fetal de outras coleções líquidas intracranianas. Entretanto, em séries disponíveis mais abrangentes, a imagem cerebral multiplanar e a ultrassonografia transvaginal do vértice do feto podem ser extremamente efetivas (CHEN, 2007). Há uma extensa lista de diagnósticos diferenciais dos cistos de aracnóide: cistos do glioepêndima, cistos porencefálicos, complexo de Dandy-Walker, cistos do plexo coróide, aneurisma da veia de Galeno, esquizencefalia, hemorragia intracraniana (CHEN, 2007). Os cistos do glioepêndima são multiloculares e geralmente localizados no interior do parênquima encefálico, podem ter um efeito de massa e são, freqüentemente, associados à agenesia do corpo caloso. Os cistos do glioepêndima têm um forro ependimal enquanto o cisto de aracnóide tem paredes fibrosas (CHEN, 2007). Os cistos porencefálicos são geralmente unilaterais, estão localizados dentro da substância cerebral e a maioria dos cistos porencefálicos congênitos apresenta comunicação com os ventrículos laterais. Os cistos de aracnóide são geralmente assimétricos, de paredes lisas, não se comunicam com o sistema ventricular cerebral e apresentam efeito de massa (CHEN, 2007). O cisto de aracnóide da fossa posterior é diferenciado do complexo de DandyWalker pela demonstração da integridade do vermix cerebelar. Outro sinal útil consiste na demonstração de que o cisto de aracnóide tende a estar posicionado lateralmente, o que em geral resulta em assimetria da forma da fossa posterior (CALLEN, 2009). Os cistos do plexo coróide são unilaterais ou bilaterais e freqüentemente detectados no segundo trimestre. Os cistos do plexo coróide são cistos sonolucentes (ao ultra-som) dentro do plexo coróide do ventrículo lateral. Grande cisto de plexo coróide pode ser associado à trissomia do 18. Os cistos de aracnóide são geralmente assimétricos de paredes fibrosas (CHEN, 2007). Os aneurismas da veia de Galeno são anomalias vasculares da veia de Galeno localizadas profundamente no cérebro, posteriormente para o tálamo e no espaço subaracnóide. Doppler colorido é útil para o diagnóstico de aneurisma da veia de Galeno. Detecção pré-natal ultra-sonográfica das lesões císticas no terço 26 posterior do cérebro que são encontrados em associação com hidropisia fetal, ventriculomegalia, porencefalia, artéria umbilical única, corioangioma ou defeitos de redução de membros, deve levantar a suspeita de aneurisma da veia de Galeno (CHEN, 2007). Esquizencefalia ou porencefalia verdadeira é caracterizada por ser unilateral ou bilateral, assimétrica com fissuras congênitas e espessamento do manto cerebral. A esquizencefalia pode ou não se comunicar com o sistema ventricular e é revestida por substância cinzenta. Pode, também, pode estar associada a ventriculomegalia, polimicrogiria, heterotopias, agenesia do corpo caloso, ausência de septo pelúcido, hipoplasia do nervo óptico, neoplasias císticas (como teratoma cístico e astrocitoma cístico), composto de resíduos sólidos e componentes irregulares císticos e tem um efeito de massa (CHEN, 2007). A hemorragia intracraniana ocorre geralmente na região da matriz germinativa subependimal e está associada à hipóxia, distúrbios plaquetários, coagulopatia, alterações na pressão sanguínea cerebral, transfusão feto-fetal ou morte de um gêmeo monozigótico, hemorragia feto-materna e medicamentos. A hemorragia intracraniana pode apresentar-se inicialmente com coágulos (ecogênicos) nos ventrículos e posteriormente levar a dilatação ventricular (CHEN, 2007). 3.7 CONDUTA PRÉ-NATAL Os cistos de aracnóide podem estar associados a anormalidades cromossômicas. Portanto, deve-se realizar investigação citogenética da gestante diante de diagnóstico pré-natal de cisto de aracnóide, mas antes se deve fazer orientação e aconselhamento do casal (BRETELLE et al., 2002). Deve-se realizar avaliação morfológica fetal, principalmente do sistema nervoso, por meio de ultra-som visando identificar hidrocefalia, macrocefalia ou quaisquer outras anomalias. Pode-se realizar amniocentese ou cordocentese dependendo da época da suspeita diagnóstica ultra-sonográfica. Diante da presença de anomalias associadas deve-se fazer cariotipagem. Exame fetal não invasivo com ecocardiografia para excluir possibilidade de tetralogia de Fallot associada também pode ser feito (CHEN, 2007). 27 3.8 CONDUTA OBSTÉTRICA Diante do diagnóstico de cisto de aracnóide a conduta obstétrica dependerá do volume do cisto ou da presença de macrocrania. Como o cisto de aracnóide constitui doença benigna, não há relato na literatura de interrupção da gravidez antes do termo (JOSÉ et al., 1998). 3.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL O prognóstico dos fetos com cisto aracnóide é dependente da presença ou ausência do corpo caloso, de malformações congênitas, hemorragias parenquimatosas, taxa de crescimento do cisto, progressão para ventriculomegalia e da integridade do cérebro. Cistos aracnóides fetais sem anomalias estruturais associadas ou anomalias cromossômicas podem ter um desfecho favorável. Em muitos casos, os cistos de aracnóide são assintomáticos e não necessitam de tratamento (somente acompanhamento pós-natal com exames de imagem e avaliação com neuropediatra). Em outros casos, onde ocorre rápida progressão da lesão para ventriculomegalia, pode ser necessária terapia cirúrgica pediátrica na primeira infância (CHEN, 2007). Tratando-se de doença benigna, o tratamento dos cistos aracnóides deve ter como objetivo primordial a cura com o mínimo de morbidade e virtualmente sem mortalidade. O tratamento dos cistos aracnóides sintomáticos é cirúrgico. Todavia, permanece controversa a técnica cirúrgica mais adequada para sua abordagem. Até o momento o tratamento é instituído pós-nascimento tendo-se como técnicas as derivações cisto-peritoneais (medida paliativa) e a abordagem neuroendoscópica que é técnica minimamente invasiva, cuja eficácia requer experiência mais ampla para ser comprovada. Outras formas de abordagem cirúrgica são aspiração estereotática, craniotomia por excisão, fenestração, cistocisternostomia, cistoventriculostomia e a derivação cistoperitoneal (SAMUEL, 1999). Os cistos de aracnóide podem causar epilepsia, anormalidades motoras, ou sensoriais leves ou hidrocefalia. No período neonatal, as manifestações clínicas mais comuns são a hidrocefalia e a macrocefalia. Em geral, as séries de estudos neurocirúrgicos sugerem um prognóstico bom, com ausência de sintomas em mais 28 de 70% dos casos. A localização do cisto tem influência no resultado final. Nas séries estudadas, foi observado que os cistos temporais apresentam melhor prognóstico, com mais de 90% dos pacientes apresentando recuperação completa ou somente com deficiências leves, sem casos de óbito. As outras localizações estiveram associadas a prognóstico significativamente pior. Em particular, os cistos de aracnóide na fossa posterior apresentam pior prognóstico (CALLEN, 2009). Portanto, a fim de estabelecer o prognóstico e resultados intelectuais de fetos com cisto aracnóide, a ressonância magnética é um complemento importante ao ultra-som e ajuda a otimizar o manejo neonatal por determinação exata da anatomia fetal e perinatal (CHEN, 2007). 29 4 ANEURISMA DA VEIA DE GALENO 4.1 DEFINIÇÃO A veia de Galeno forma-se a partir das veias cerebrais internas, caminha adjacente ao limite posterior do corpo caloso e se une ao seio venoso reto (BUNDUKI, ZUGAIB, 2001). O aneurisma da veia de Galeno (AVG) é uma anomalia congênita que se origina de um defeito na fusão das veias cerebrais internas e que devido à baixa resistência produz um quadro de insuficiência cardíaca de alto débito (FÉLIX et al., 2010). Outros autores o conceituam como uma complexa malformação arteriovenosa entre o sistema da veia de Galeno e as artérias cerebrais, envolvendo o sistema carotídeo e o vertebrobasilar (BOOPATHY et al., 2006). O aneurisma da veia de Galeno também é descrito como uma malformação congênita que se caracteriza anatomicamente pela presença de múltiplos shunts arteriovenosos drenando para uma veia mediana prosencefálica - um vaso embrionário normalmente ausente na vida adulta (FÉLIX et al., 2010). 4.2 INCIDÊNCIA O aneurisma de veia de Galeno é uma malformação congênita rara, constitui menos de 1% das malformações vasculares intracranianas e representa 30% das anomalias vasculares intracranianas na faixa pediátrica (BUNDUKI, ZUGAIB, 2001). No feto quase todas as malformações arteriais cerebrais envolvem a veia de Galeno (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). 4.3 ETIOPATOGENIA Os aneurismas da veia de Galeno são também enquadrados no grupo das malformações arteriovenosas, tendo em vista sua freqüente comunicação com vasos arteriais como as artérias cerebral anterior, cerebral média e cerebelar superior (BUNDUKI, ZUGAIB, 2001). 30 Aneurisma da veia de Galeno varia desde uma dilatação de um aneurisma único da veia de Galeno a múltiplas comunicações entre a veia e os sistemas da carótida e da vertebrobasilar. São descritos três tipos: (1) fístula arteriovenosa; (2) malformação arteriovenosa com ectasia da veia de Galeno e (3) variz da veia de Galeno (CALLEN, 2009). O desenvolvimento embriológico das malformações vasculares que ocorre no aneurisma da veia de Galeno é desconhecido (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). No período fetal ou neonatal, a fístula arteriovenosa está freqüentemente associada à falência cardíaca de alto débito devido à sobrecarga circulatória. Tanto a ectasia quanto a variz tendem a se manifestar em fase avançada da gestação com episódios de sangramento e não estão associadas à falência cardíaca (CALLEN, 2009). Os estudos sobre aneurisma da veia de Galeno sugerem a presença de múltiplos shunts arteriovenosos. Tais shunts chegam a drenar até 50 a 60% do débito cardíaco para uma veia mediana podendo ocasionar uma insuficiência cardíaca com conseqüente hidropisia intra-útero, culminando com a morte fetal. Insuficiência cardíaca de alto débito é causada por aumento da pré-carga de retorno venoso do cérebro, devido ao fenômeno de "roubo" (LEE et al., 2000). Segundo artigo de revisão de uma série pediátrica, o aneurisma é fornecido invariavelmente por ramos da artéria cerebral posterior e às vezes também das artérias mesencefálicas. A drenagem venosa é mais complicada. Normalmente a veia de Galeno drena primeiro para um seio sagital, que drena então para a confluência dos seios. Como sempre, o seio reto é geralmente ausente ou trombosado em casos de AVG. O aneurisma da veia de Galeno normalmente drena para uma cavidade chamada falcine que se estende diretamente para cavidade sagital superior ao invés da confluência dos seios. É difícil reconhecer um seio em linha reta ou um seio falcine anormais conectando o aneurisma da veia de Galeno. A identificação de drenagem do seio reto pode permitir uma simples e eficaz embolização do AVG através da confluência dos seios após o parto (LEE et al., 2000). A alta incidência de miocardiopatia hipertrófica em fetos com malformação arteriovenosa sugere que o alto débito cardíaco já está presente em um número significativo de casos durante o terceiro trimestre (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). 31 A hidrocefalia pode se desenvolver, segundo Ary, devido à obstrução do aqueduto de Sylvius pelo aneurisma dilatado. A compressão do córtex cerebral, o ventrículo direito dilatado e o fenômeno de “roubo” de sangue do parênquima para o aneurisma podem ainda resultar em infartos cerebrais e leucomalácia (LEE et al.,2000). Raybaud et al., concluíram que a análise anatômica dos casos com essa condição e correlação com dados embriológicos conhecidos indicam que o saco venoso provavelmente representa a persistência da veia mediana embrionária prosencefálica de Marknowski e não a veia de Galeno (BOOPATHY et al., 2006). A informação sobre os resultados obtidos da literatura sugere que quando uma malformação arteriovenosa é grande o suficiente para ser detectada no prénatal, é susceptível de conduzir a insuficiência cardíaca, quer durante o período prénatal ou pós-natal imediato. Ao nascimento ocorre a interrupção do fluxo sanguíneo de um território de baixa resistência, como a placenta que irá aumentar o shunt vascular na cabeça, produzindo descompensação hemodinâmica, insuficiência cardíaca e até mesmo a morte (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). Fonte: Ultrassound Obst Gynecol, 2000 (HELING, CHAOUI, BOLLMANN, 2000) Figura 2- A estrutura espacial da malformação vascular (setas brancas) é demonstrada pelo uso do 3D-CPA. O aneurisma drena para uma veia vertical (V. vert.) ligando o seio sagital. 32 4.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS O aneurisma da veia de Galeno pode estar comumente associado à cardiomegalia. Esta malformação vascular pode estar associada a defeitos cardíacos congênitos, higromas císticos e hidropisia (FÉLIX et al., 2010). Dentre outras alterações pode-se encontrar com freqüência oligoidramnia e dilatação do sistema ventricular cerebral (hidrocefalia), podendo ser explicada pela compressão da formação cística sobre o sistema ventricular cerebral (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). Anomalias vasculares também foram observadas, tais como a artéria umbilical única e corioangioma placentário (LEE et al., 2000). Outras anomalias que podem ser encontradas são porencefalia, edema cerebral e aumento dos seios da dura-máter (CALLEN, 2009). Em recém-nascidos, malformações arteriovenosas envolvendo a veia de Galeno são bem documentadas como causa de insuficiência cardíaca congestiva apresentando sintomas que incluem cianose, sopro sistólico, cardiomegalia e aumento da pressão intracraniana com hidrocefalia, microcefalia ou sopro craniano e poliidramnia (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). Dilatação dos vasos do pescoço e distorção da arquitetura cerebral podem ser comumente encontrados como um sinal de mal prognóstico (HELING, CHAOUI, BOLLMANN, 2000/ LEE et al., 2000). 4.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL Antes do advento da ultra-sonografia, o diagnóstico do aneurisma da veia de Galeno era feito no exame pós-morte (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). Atualmente, quase invariavelmente, o diagnóstico de malformação arteriovenosa é feito durante o terceiro trimestre de gestação (LEE et al., 2000). Na maioria dos casos o diagnóstico da malformação arteriovenosa é feito durante o terceiro trimestre, com freqüência após a 34 ª semana de gestação. O diagnóstico mais precoce relatado foi feito em uma gestação de 25 semanas (HELING, CHAOUI, BOLLMANN, 2000). 33 O diagnóstico pré-natal de malformação arteriovenosa da fístula pode ser obtido com imagem de ultra-som Doppler colorido, através da identificação de veias dilatadas e shunts arteriovenosos com fluxo turbulento. O elevado débito cardíaco se correlacionada com a magnitude do shunt artério-venoso cerebral (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). O dado mais surpreendente é a presença de uma linha média posterior, ou estrutura supratentorial lateral cística no cérebro fetal. O seio sagital é relatado como dilatado na maioria dos casos. A demonstração do fluxo sanguíneo na estrutura cística permite o diagnóstico de um aneurisma da veia de Galeno em oposição ao diagnóstico de anomalias de outras estruturas da linha média intracraniana, por exemplo, cisto de aracnóide ou porencefalia, malformação de Dandy-Walker ou hematoma intracerebral (BOOPATHY et al., 2006). Durante o pré-natal o achado típico é uma área anecóica alongada ao nível da cisterna da veia Galeno com Doppler pulsátil e colorido demonstrando evidência de turbulência venosa e fluxo sanguíneo arterial (CALLEN, 2009). A arquitetura cerebral pode estar intacta ou pode estar alterada devido à concomitância com ventriculomegalia, porencefalia e edema cerebral, sendo referida como aumento da ecogenicidade do córtex (CALLEN, 2009). O diagnóstico pré-natal através de ultra-sonografia é fundamental para determinação do tamanho do aneurisma, definindo o melhor tipo de tratamento, quando possível e uma assistência obstétrica e neonatal adequada (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). O aneurisma trombosado da veia de Galeno no feto é visto na ecografia prénatal como uma massa ecogênica na linha média, posterior e superior para o tálamo. Apesar das mesmas características poderem ser vistas em massas da glândula pineal ou terceiro ventrículo, o diagnóstico de um aneurisma trombosado da veia de Galeno é feito em virtude dos resultados associados dos seios venosos cerebrais, vasos do pescoço dilatados e cardiomegalia na ausência de qualquer vascularização da massa em si (BOOPATHY et al., 2006). Portanto, uma massa ecogênica na localização clássica com dilatação dos seios venosos da dura-máter e vasos do pescoço dilatados são diagnósticos de aneurisma trombosado da veia de Galeno (BOOPATHY et al., 2006). Até agora, o diagnóstico pré-natal de aneurisma da veia de Galeno (AVG) foi feito em vários casos, essencialmente, pelo Doppler pulsado e mapeamento de fluxo em cores. Ultra-som da escala de cinza pode 34 detectar alterações anatômicas (como cardiomegalia ou hidrocefalia) e o Doppler colorido é útil para avaliar a hemodinâmica do cisto do cérebro. No entanto, ainda é difícil delinear com precisão as artérias de alimentação e drenagem venosa e diferenciar anomalias puras galênicas de AVG parenquimatosas que drenam para a veia de Galeno meramente pelo Doppler colorido (LEE et al., 2000). Há relato na literatura do primeiro caso em que a aplicação de Doppler Tridimensional poder da cor (3D-CPA) foi realizado para o diagnóstico. Esta é uma modalidade recente de ultra-som que permite a visualização tridimensional dos vasos, está mais prontamente disponível do que a ressonância magnética e permite uma melhor compreensão da orientação espacial e curso dos vasos dilatados (HELING, CHAOUI, BOLLMANN, 2000). O reconhecimento pré-natal precoce dessa condição é importante, pois permite um tratamento clínico da insuficiência cardíaca e reduz a necessidade de técnicas complexas de neuroradiologia para estabelecer o diagnóstico em neonatos criticamente acometidos (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). A detecção pré-natal de malformação arteriovenosa do cérebro fetal tem sido muito facilitada pelas técnicas modernas do Doppler colorido, embora essa condição ainda tenha um prognóstico muito pobre. A ultra-sonografia pré-natal tem um papel na redução da demora desnecessária no tratamento, diminuindo assim a possibilidade de insuficiência cardíaca neonatal e aumentando a chance de uma intervenção neurocirúrgica de sucesso (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). O 3D-CPA pode ajudar ainda mais no diagnóstico de aneurisma da veia de Galeno pela identificação da arquitetura vascular, tais como vias de alimentação e de drenagem. Esse pode então orientar o tratamento pós-natal com mais precisão e pode eventualmente ajudar na identificação de um feto em risco de insuficiência cardíaca congestiva neonatal com prognóstico reservado (LEE et al., 2000). Múltiplas (cinco ou mais) vias de alimentação e drenagens venosas anormais dilatadas foram marcadas como de risco fetal moderado podendo levar à insuficiência cardíaca neonatal. Portanto, a arquitetura vascular representado por 3D-CPA pode nos ajudar na identificação dos recém-nascidos propensos a mau prognóstico. A drenagem venosa anormal dilatada (sinus falcine) indica a ocorrência 35 de insuficiência cardíaca antes do nascimento (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). Fonte: CEUSPE, 2011 Figura 2: Aneurisma da veia de Galeno. Diagnóstico pré-natal por US. Fonte: Ultrassound Obst Gynecol, 2000 (HELING, CHAOUI, BOLLMANN, 2000) Figura 3: RM pré-natal do feto, mostrando a mesma estrutura cística demonstrada ao ultra-som. (ver a Figura 1) 36 Fonte: Ultrassound Obst Gynecol, 2000 (HELING, CHAOUI, BOLLMANN, 2000) Figura 4: Demonstração angiográfica da estrutura vascular, mostrando uma imagem semelhante à observada em 3D usando 3D-CPA (Pré-natal) (ver Figura 2). Fonte: Ultrassound Obst Gynecol, 2000 (LEE et al., 2000) Figura 5 - (a): O aneurisma da veia de Galeno avaliada por 3D transvaginal CPA. A drenagem venosa do aneurisma (A), incluindo a cavidade aneurismática falcine (F), cavidade sagital superior (1), seio occipital (2) e cavidade transversal (3) e a confluência dos seios (seta) são claramente descritos. (b) A angiografia pós-natal injetada através da artéria jugular interna (em fase venosa) mostra seios de drenagem série de malformação do Galeno. 1 = cavidade sagital superior, 2 = cavidade occipital, 3 = seios transversos, 4 = seio sigmóide, 5 = veias jugulares internas. = Um aneurisma da veia de Galeno. A seta indica a confluência dos seios. O seio falcine é protegido por aneurisma de Galeno nesta imagem e, portanto, não pode ser visto. Os resultados são consistentes com a imagem 3D CPA mostrado em (a). 37 Fonte: Ultrassound Obst Gynecol, 2006 (BOOPATHY et al., 2006). Figura 4: imagem postmortem incisão do aneurisma da veia de Galeno mostrando o trombo no interior (seta). Fonte: Ultrassound Obst Gynecol, 2006 (BOOPATHY et al., 2006). FIGURA-6 O diagnóstico pré- natal de aneurisma trombosado da veia de Galeno. 4.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial inclui cisto de aracnóide, porencefálico ou cisto de tumor pineal, hematoma intracerebral, cisto do plexo coróide e papiloma coróide (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995/ SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). 38 4.7 CONDUTA PRÉ-NATAL A primeira conduta diante de um caso de aneurisma da veia de Galeno é esclarecer o casal sobre as alterações fetais que podem advir deste diagnóstico e informar o prognóstico. Deve-se realizar um acompanhamento através de ultra-som morfológico fetal e Doppler visando identificar outras possíveis anomalias intracranianas associadas (hidrocefalia, edema cerebral, porencefalia) e hidropisia, uma vez que o prognóstico fetal torna-se ruim diante da presença dessas anomalias. Pode-se também utilizar método não invasivo como a ecocardiografia fetal para evidenciar dilatação das câmaras cardíacas e insuficiência cardíaca (FÉLIX et al., 2010). Pode-se indicar procedimento invasivo para realização de cariotipagem para investigar a possibilidade de cromossomopatias (trissomia, triploidias, monossomias) que possam estar relacionadas com os diagnósticos diferenciais (cisto de aracnóide, cisto de plexo coróide) (CHEN, 2007). 4.8 CONDUTA OBSTÉTRICA A via de parto é obstétrica, exceto se houver alterações cardíacas importantes associadas ou fetos com hidrocefalia acompanhada de macrossomia (FÉLIX et al., 2010). Nos casos de alterações hemodinamicamente significativas não há necessidade de parto pré-termo para evitar a insuficiência cardíaca, parto vaginal espontâneo, com monitoramento contínuo com cardiotocografia em centros obstétricos e neonatais de cuidados intensivos é o suficiente (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). O parto espontâneo vaginal eletivo é sugerido em casos de malformação arteriovenosa da fístula, sem sinais de insuficiência cardíaca fetal. Cesariana não parece ter um benefício adicional, nestes casos, em termos de redução da mortalidade. Ela continua a ser estabelecida em um estudo randomizado em que a embolização pode reduzir a mortalidade nos casos com e sem comprometimento da função cardíaca, em comparação com diferentes abordagens cirúrgicas (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). 39 4.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL Estudos referem que fetos com aneurisma da veia de Galeno com lesões vasculares isoladas na ausência de outra intercorrência cerebral ou cardiovascular intra-uterina apresentam desenvolvimento pós-natal normal depois do nascimento através de embolização angiográfica do aneurisma da veia de Galeno (CALLEN, 2009). A taxa de mortalidade relatada em recém-nascidos é superior a 90%. A maioria morre dentro de uma semana de diagnóstico ou tratamento (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). Independentemente do tipo de tratamento médico, clínico ou cirúrgico, a morbidade e a mortalidade perinatal são elevadas. Cirurgia, embolização ou uma combinação de ambos é o único tratamento da malformação da fístula arteriovenosa. Nos casos em que o recém-nascido foi submetido à cirurgia, a mortalidade relatada foi de 78%. Em uma série publicada em 1987, 95% dos recémnascidos com insuficiência cardíaca devido à malformação da veia de Galeno morreu e nenhum dos 12 recém-nascidos que não receberam tratamento sobreviveu. Em outra série de 25 casos, a embolização foi sugerida como melhor tratamento em relação à abordagem cirúrgica através da via inter-hemisférica ou via suboccipital supratentorial (DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). É geralmente aceito que a presença de descompensação cardíaca e patologia cerebral bruta indicam resultados perinatais adversos. Os prognósticos pré e pós-natal são pobres e a morte intra-uterina pode ser a seqüela do grave comprometimento da função cardíaca, necessitando de uma intervenção ativa (LEE et al., 2000/ DÖREN, TERCANLI, HOLZGREVE, 1995). Uma vez que o prognóstico fetal depende também da época do aparecimento e do tamanho do aneurisma, faz-se necessário o diagnóstico ultra-sonográfico precoce dessa malformação visando, portanto, definir-se uma melhor conduta no período pós-natal (FÉLIX et al., 2010). No entanto, existem vários relatos de trombose espontânea de aneurisma da veia de Galeno e também um caso de desaparecimento espontâneo (sem evidência de tromboembolismo) do aneurisma. Os relatórios de trombose de aneurisma da veia de Galeno registraram excelentes resultados clínicos (BOOPATHY et al., 2006). Houve relato de caso de aneurisma que diminuiu espontaneamente de tamanho 40 antes do parto e regrediu continuamente após o nascimento. Portanto novas investigações são necessárias para reanalisar os fatores prognósticos dos fetos afetados (LEE et al., 2000). Ainda não estão estabelecidas estratégias de melhoria dos índices prognósticos para recém-nascidos com aneurisma da veia de Galeno. Geralmente o tratamento de fetos no período pós-parto exige delineação anatômica detalhada com exames de imagem, seguida por tratamento neurocirúrgico, com a excisão total, ligadura ou embolização do aneurisma. Segundo alguns trabalhos, a embolização é o tratamento de escolha, com bom resultado neurológico (LEE et al., 2000). Os fetos diagnosticados como tendo uma malformação arteriovenosa devem ser entregues nos centros capazes de lidar com casos complexos de insuficiência cardíaca e com instalações neuroradiológicas e neurocirúrgicas. O aperfeiçoamento das técnicas de neurocirurgia deve melhorar o prognóstico no futuro de fetos com condições precárias (SEPULVEDA, PLATT, FISK, 1995). 41 5 ENCEFALOMALÁCIA MULTICÍSTICA 5.1 DEFINIÇÃO Consiste no amolecimento ou perda de tecido cerebral devido a isquemia cerebral, infecções, trauma, infarto cerebral, craniocerebral ou outras lesões. O termo geralmente é utilizado durante a inspeção patológica grosseira para descrever as margens corticais desfocadas e a consistência diminuída do tecido cerebral, seguidas a infarto. A encefalomalácia multicística refere-se à formação de múltiplas cavidades císticas de tamanhos variados no córtex cerebral de neonatos e crianças após uma lesão, principalmente eventos hipóxico-isquêmicos perinatais (DAVIS et al., 1995). 5.2 INCIDÊNCIA A encefalomalácia multicística ocorre em aproximadamente 20% dos sobreviventes de uma gestação gemelar monocoriônica com morte intra-uterina de um dos fetos, no segundo e no terceiro trimestre de gestação. Lesão neurológica grave ocorre em aproximadamente 20% dos gêmeos sobreviventes (JOSHUA et al., 2004/ GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). Comparado com as gestações únicas, as gestações múltiplas têm um risco maior de mortalidade, morbidade grave e malformações congênitas. Em gestações monozigóticas, especialmente, monocoriônicas, os gêmeos estão em maior risco de apresentar encefalomalácia multicística do que os gêmeos dicoriônicos (HSU, HSU, OU, 2008). Ainda não há estudos que indiquem a incidência da encefalomalácia multicística de outras etiologias devido à raridade da doença e muitos casos que não chegam a ser diagnosticados (HSU, HSU, OU, 2008). 5.3 ETIOPATOGENIA O mecanismo fisiopatológico da encefalomalácia multicística (EM) é lesão hipóxico-isquêmica perinatal grave (EHEHALT et al., 2007/ HSU, HSU, OU, 2008). 42 Há estudos que mostram prejuízos graves para os gânglios basais, o tálamo, o hipotálamo e o tronco encefálico. Todas essas áreas são sensíveis à lesão isquêmica em recém-nascidos a termo e prematuros (WEIDENHEIM et al., 1995). Outra patogênese do dano neurológico fetal seria a asfixia que pode resultar em morte cerebral. Embora seja raro, asfixia profunda que dura mais de 20 minutos pode causar destruição e alteração cística, tanto no tronco cerebral como no córtex cerebral (HSU, HSU, OU, 2008). Alguns estudos de encefalomalácia multicística em gestação gemelar revelam que as estruturas centrais como os gânglios basais, o tálamo e as estruturas da fossa posterior mantêm-se relativamente inalteradas (HSU, HSU, OU, 2008). A encefalomalácia multicística que ocorre nas gestações gemelares monocoriônicas com óbito de um dos fetos, pode estar associada a seqüelas neurológicas adversas no gêmeo sobrevivente, bem como um risco aumentado de morbidade e mortalidade (JOSSHUA et al., 2004/ GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). O efeito da morte de um gêmeo no sobrevivente varia de acordo com a idade gestacional no momento da morte. A morte fetal antes de 14 semanas não coloca em risco a sobrevivência. Porém, após 14 semanas, pode ocorrer a morte ou morbidade grave no gêmeo sobrevivente (GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). Estudos sugerem que a EM na gestação gemelar ocorra como resultado da embolização de anastomoses placentárias no gêmeo sobrevivente. Mais recentemente, hipotensão e hipoxemia fetal grave no gêmeo sobrevivente, imediatamente após a morte do outro gêmeo, tem sido proposto como o mecanismo que leva à encefalomalácia multicística (GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). Desconhece-se quais gestações monocoriônicas são suscetíveis a esse dano (JOSHUA et al., 2004). A patogênese da lesão cerebral no gêmeo sobrevivente inclui: trombose, causada principalmente pela transferência de tromboplastina do gêmeo morto com coagulação intravascular disseminada resultante; êmbolo da placenta ou do feto morto com anastomoses vasculares fetais; hemorragia do gêmeo sobrevivente (mais comum) com anastomoses placentárias, “gêmeo morto", resultando em hipotensão severa e isquemia cerebral (GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). 43 Benirschke foi o primeiro a envolver a morte de um gêmeo monozigótico como uma causa potencial de problemas no gêmeo sobrevivente que são considerados secundários à tromboplastina transferida para a sua circulação sangüínea, causando coagulação intravascular disseminada. Também, é possível que a formação de coágulos e detritos do gêmeo morto possa causar embolia na circulação do gêmeo sobrevivente. Qualquer mecanismo pode dar lugar a áreas de isquemia e de rompimento com perda de tecido. Esse modo de patologia do desenvolvimento tem sido sugerido como a causa de uma série de tipos de defeitos vasculares perturbadores vistos no gêmeo sobrevivente em gestação gemelar (GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). Fonte: www.jornadacontraocancer.blogspot.com/2009 Figura1: Anatomia do Sistema Nervoso Central Fonte: www.dodot.pt Figura 2: Gestação Gemelar Monocoriônica 44 5.4 ANOMALIAS ASSOCIADAS Dentre as anomalias associadas têm-se aquelas advindas dos impactos isquêmicos sobre o cérebro. As conseqüências podem incluir necrose cerebral, hidranencefalia, porencefalia, microcefalia e hidrocefalia. Há relato de caso que indica a encefalomalácia multicística como causa de microcefalia severa, retardo mental e paralisia cerebral espástica. Yoshioka et al. foram os primeiros a relatar encefalomalácia multicística no gêmeo sobrevivente de uma gestação monozigótica. Eles relataram três casos que tinham paralisia cerebral espástica (GEETA, MAGU, KHOSLA, 2003). Fonte: osnossosancestrais.blogspot.com Figura 3: Paralisia Cerebral 5.5 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL A ultra-sonografia é a ferramenta diagnóstica para a detecção precoce da encefalomalácia multicística. Um aumento generalizado da ecogenicidade e compressão dos ventrículos podem ser encontrados. Porém, segundo algumas publicações nesse método são comuns os exames falso-negativos (HSU, HSU, OU, 2008/ JOSHUA et al., 2004). Tomografia computadorizada é uma ferramenta diagnóstica melhor quando o edema está em seu grau máximo, em torno de 72 horas após o insulto (JOSHUA et al., 2004). 45 A ressonância magnética (RM) pode ser mais sensível para pequenas lesões agudas ou isquêmicas e pode identificar a anatomia intracraniana anormal, mais precisamente. A RM é a melhor escolha para as mulheres grávidas e deve ser oferecida a pacientes com evidência ecográfica de anatomia intracraniana anormal (JOSHUA et al., 2004). Fonte: www.scielo.br Figura 4: Encefalomalácia pós-trauma (ressonância magnética) 46 5.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Todas as doenças que cursam com hipóxia-isquêmica fetal grave no período neonatal podem levar à encefalomalácia multicística. Na revisão da literatura, os motivos de suspeição relatados para a encefalomalácia multicística são: (1) morte de um gêmeo em gestação monocoriônica, (2) síndrome de transfusão feto-fetal, (3) trombocitopenia aloimune, (4) choque anafilático materno, (5) infecções perinatais, como estreptococo do grupo B e os tipos de HSV 1 e 2, (6) parada cardíaca materna, (7) mutação genética materna, (8) vasoconstrição cerebral neonatal, (9) choque anafilático materno, (10) mutação genética materna, (11) anemia materna, (12) intoxicação materna com butano ou monóxido de carbono, (13) patologia placentária, (14) complicado trabalho de parto e parto e (15) trauma (WEIDENHEIM et al., 1995/ HSU, HSU, OU, 2008/ FUNAYAMA, FERLIN, BELLUCCI, 1997). 5.7 CONDUTA PRÉ-NATAL Diante de um diagnóstico de encefalomalácia multicística, deve-se conduzir o pré-natal com investigação de infecções perinatais, trombocitopenia aloimune, infecção pelo HSV 1 e 2, investigação de mutação genética materna, pesquisa de história de choque anafilático materno (WEIDENHEIM et al., 1995). Em gestação gemelar monocoriônica com óbito de um gêmeo no primeiro trimestre, as pacientes devem ser orientadas quanto ao risco de encefalomalácia multicística (JOSHUA et al., 2004). Deve-se proceder a avaliação periódica dos fetos com exames de ultra-som e seguir a rotina investigatória de encefalomalácia multicística, bem como de todos os casos citados no parágrafo anterior. A pesquisa no MEDLINE de 1966 até o presente indica que essa é a primeira documentação de lesão neurológica grave resultante da morte de um gêmeo em uma gravidez monocoriônica durante o primeiro trimestre. Esse caso deve alertar os obstetras que a lesão neurológica pode ocorrer mais cedo do que se pensava anteriormente (JOSHUA et al., 2004). 47 5.8 CONDUTA OBSTÉTRICA Segundo estudos, não existe conduta obstétrica diferenciada. A via do parto não tem interferência nos resultados perinatais (HSU, HSU, OU, 2008). 5.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL O resultado perinatal da encefalomalácia multicística é pobre, pois as conseqüências clínicas comuns são retardo mental severo, microcefalia, tetraplegia espástica, epilepsia e hemiplegia espástica (HSU, HSU, OU, 2008). Encefalomalácia multicística, segundo alguns trabalhos, foi encontrada mais comumente em crianças nascidas a termo onde a gestação foi tranqüila até o momento do parto, quando ocorreram complicações. Dificuldade respiratória e comprometimento do estado neurológico foram anotados imediatamente após o nascimento. Portanto, muitos casos de encefalomalácia multicística não chegam a ser diagnosticados, impossibilitando uma assistência neonatal adequada. Logo, sugere-se uma assistência mais cuidadosa a todos os partos no sentido de diminuir os riscos de hipóxia neonatal (WEIDENHEIM et al., 1995). 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BARBARA S. HERTZBERG, MD, LELEN H. 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