RELAÇÕES DE PODER: A CONTENDA ENTRE O JORNAL DIÁRIO

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RELAÇÕES DE PODER: A CONTENDA ENTRE O JORNAL DIÁRIO
ISSN: 2358-3312
Volume II – nº 04 (ago/dez 2015)
RELAÇÕES DE PODER: A CONTENDA ENTRE O JORNAL DIÁRIO
DOS CAMPOS E A CÂMARA MUNICIPAL NO ALVORECER DA
IMPRENSA PONTA-GROSSENSE
Isaias Holowate1
RESUMO
No início do século XX, a sociedade ponta-grossense passou por um período de
transformações com a imigração, a urbanização e o fortalecimento dos discursos
progressistas. Nesse ambiente, o surgimento do jornal O Progresso – que em 1913
se chamaria Diário dos Campos – representou uma vitória dos grupos ligados aos
discursos progressistas na sociedade local, notadamente a burguesia urbana em
ascensão. Nos anos subsequentes, o meio jornalístico conquistou poder e passou a
se imiscuir em questões sociais e políticas locais. Tal interferência gerou atritos com
uma elite agrária enraizada no poder que em diversos momentos entrou em choque
com o jornalismo local. Nesse artigo, analisa-se o caso em que a municipalidade
ponta-grossense apontou uma negativa para o estabelecimento de um contrato de
prestação de serviços com o Diário dos Campos, dando origem a uma disputa entre
o periódico e os vereadores locais. Partindo do pressuposto que as fontes
jornalísticas apresentam representações historicamente contruídas, o presente
artigo utliza-se da teoria das representações do historiador Roger Chartier para
analisar as construções representativas sobre a questão entre o jornal e a Câmara
Municipal publicadas no Diário dos Campos. Estudando os discursos presentes no
jornal, busca-se compreender como se estruturavam as relações entre o periódico e
essas elites locais e o amadurecimento da imprensa na sociedade ponta-grossense.
Palavras-chave: Diário dos Campos; Elites locais; Jornalismo.
ABSTRACT
At the start of the 20th century, the society of the city of Ponta Grossa was on a
period of transformations through immigration, urbanization e the strengthening of
progressive ideas. On this scenario, the appearance of the newspaper O Progresso
– changed to Diário dos Campos in 1913 – represented a victory of the groups linked
to the progressive views in the local society, in particular the ascending urban
bourgeoisie. In the following years, journalism gained power and started meddling
into local social and political questions. This interference brought some friction with
the agrarian elite that was stablished on the power. On this text we’ll present the
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Graduado em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
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case where the municipality of Ponta Grossa negated the establishment of a contract
of services with the Diário dos Campos, giving origin to a dispute between the
newspaper and the local politicians. Through the view that journalistic sources
present representations that are historically built, the present paper uses the theory
of representations of the historian Roger Chartier to analyze the way the situation
was represented on the newspaper. Through analysis of the discourse presented on
the newspaper we’ll try to understand the structures of the relationship between the
periodic and the local elites and the maturation of the journalism in Ponta Grossa.
Keywords: Diário dos Campos; Journalism; Local elites.
1 INTRODUÇÃO
A edição do jornal Diário dos Campos do dia 14 de janeiro de 1913
apresentava nas suas páginas o início de uma disputa entre a Câmara Municipal de
Ponta Grossa e o periódico local, que naquele momento era propriedade da
Companhia Typographica Pontagrossense e tinha como redator o jornalista Hugo
dos Reis. Na ocasião, a Câmara Municipal acenou com uma negativa para a
assinatura de um contrato entre a Prefeitura e o Diário dos Campos que, em virtude
de mudanças que vinham ocorrendo na estrutura do jornal, levariam a um aumento
nos valores a serem pagos pela prefeitura em decorrência da publicação dos atos
municipais no periódico.
A questão entre a Câmara e o jornal culminou com um rompimento entre os
dois segmentos e a fundação de um “jornalzinho” 2 (DIÁRIO DOS CAMPOS, 4 fev.
1913) intitulado de Município, editado pela Câmara e pago pelas rendas municipais.
A partir da análise das representações construídas no Diário dos Campos
sobre essa disputa, apresenta-se a possibilidade de uma compreensão de aspectos
da relação entre o jornalismo local em ascensão e o poder público, os quais serão
explorados no presente artigo, o qual busca também compreender as relações entre
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Nas citações de fontes, optou-se por realizar a transcrição literal, de forma a manter a fidelidade da
grafia e a historicidade dos termos do período estudado.
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o jornalismo ponta-grossense e a sociedade local daquele período, com ênfase nas
relações do Diário dos Campos com as elites locais de Ponta Grossa.
Para tanto, utiliza-se das fontes jornalísticas compostas de publicações do
Diário dos Campos não apenas sobre o período da disputa, que ocorreu nos
primeiros meses do ano de 1913, mas também dos anos anteriores, desde o
surgimento do Diário dos Campos, em 1907, até os desenlaces do caso ocorrido,
em 1913.
Para a análise das significações construídas pelo periodismo local, parte-se
do pressuposto da História Cultural que aponta para a diversificação das fontes de
pesquisa (LE GOFF e NORA, 1978, pp. 11-12) considerando os discursos
jornalísticos como construções de uma realidade feitas por determinados indivíduos
pertencentes a um tempo e espaço histórico.
Parra Monsalve (2014, p. 1) defende a importância dos periódicos como
fonte para o estudo historiográfico, pois as páginas dos jornais apresentam
discursos em que determinados grupos sociais produzem significados sobre o meio
ao qual fazem parte, possibilitando a reconstrução de fatos históricos e culturais de
uma sociedade.
A imprensa é fonte significativa de matérias e dados para a historiografia.
Desde os diversos cantos ideológicos ela tem sido testemunha chave de
boatos e fatos, de conspirações e consensos, de fracassos e sucessos, de
tristezas e felicidades. Cada jornal, todo dia, recolhe amostras da dispersão
desse desenvolvimento histórico. Ela atua na recordação ou no
esquecimento de acontecimentos, sociedades e personagens no tempo.
(MONSALVE, 2014, p. 1).
Nas últimas décadas, as publicações jornalísticas se tornaram uma
importante fonte de pesquisa para diversas áreas. Os documentos jornalísticos
apresentam uma variedade de possibilidades de pesquisa, visto que além de serem
uma ferramenta comunicativa, trazem consigo os usos sociais da notícia e, longe de
serem imparciais, revelam interesses aos quais essas publicações defendem (LUCA,
2011, pp 111-153), pois o jornal é uma ferramenta que constrói uma realidade e
possui na sua própria existência uma importância política, sendo um campo de
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disputas entre interesses de diversos grupos pertencentes a campos políticos,
econômicos e sociais. (PONTES e SILVA, 2012, p. 52).
Sabe-se que os acontecimentos são momentâneos e pertencem ao
passado. Contudo, as representações produzidas dessem eventos se forem
preservadas da ação do tempo, nos chegam até a atualidade. Cabe ao pesquisador
selecionar as fontes, investigar e analisar as representações que as culturas
produzem sobre sua história e suas realidades.
Para a análise das fontes, parte-se do pressuposto de que os discursos
presentes no periódico constituem representações da realidade. As representações
não são uma realidade por si só, mas sim, práticas historicamente construídas.
Estudando as representações do real, não pressupõe-se a possibilidade de escrever
uma História dos fatos “tais como ocorreram”, mas sim, uma História das
representações do fato, de como e porque elas surgiram. Pretende-se, portanto,
levantar a forma com que o indivíduo pensa, pratica e representa a realidade. De
acordo com Chartier (2010, p. 69) temos que:
Tais representações não são simples imagens, verídicas ou enganosas, de
uma realidade que lhes fosse exterior. Elas possuem uma energia própria
que convence de que o mundo, ou o passado, é realmente aquilo que dizem
que é. Produzidas em suas diferenças pelos distanciamentos que fraturam
as sociedades, as representações, por sua vez, as produzem e reproduzem.
Na representação “o real assume [...] um novo sentido: aquilo que é real,
efetivamente, não é” (CHARTIER, 1990, p. 62). Por isso, no estudo das
representações deixa-se para trás a dualidade verdade/ficção para se pensar a
História a partir da relação signo - significado “entendida, deste modo, como
relacionamento de uma imagem presente e de um objecto ausente, valendo aquela
por este, por Ihe estar conforme” (CHARTIER, 1991, p. 184).
Portanto, no estudo sobre as relações entre a imprensa ponta-grossense e a
Câmara Municipal, considera-se o jornal como uma construção da realidade onde
determinados grupos sociais tem espaço para produção de discursos sobre a
sociedade e para a compreensão da disputa no meio social ponta-grossense busca4
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se também entender as relações estabelecidas na sociedade daquele período entre
a imprensa e as elites locais.
2 A SOCIEDADE PONTA-GROSSENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX
A sociedade de Ponta Grossa na segunda metade do século XIX passou por
um período de transição de uma economia tropeira para uma economia mais
diversificada, estruturada nas recém-criadas indústrias, como a madeireira
(KOHLRAUSCH, 2007, p. 20) e a ervateira (LEANDRO, 1995, p. 12).
Nessa época a região dos Campos Gerais passou por um período de
intensa imigração que trouxe pessoas de diversas nacionalidades, possibilitando a
existência de uma sociedade caracterizada por uma multiplicidade cultural. A
população ponta-grossense passou de 4.774 habitantes, de acordo com o Censo de
1890, para 20.771 no Censo de 1920. (PINTO, 1980, p. 61).
As transformações econômicas ocorreram contiguamente ao fenômeno de
urbanização, provocando uma modificação estrutural na sociedade. Nesse período
se estabelece uma distinção mais clara entre o rural e o urbano (HOLOWATE, 2016,
p. 27) criando-se com a urbanização e a industrialização um sentimento de
identidade urbana. A atuação na cidade, associado cada vez mais à riqueza e ao
progresso, acentua e diferencia o meio rural da urbanidade ponta-grossense. Tal
como afirma Zulian (1998, p. 40):
Transformações sensíveis na estrutura social e econômica vão se
evidenciando na Ponta Grossa do fim do século, que se manifestam na
concentração urbana e em contraste com a dispersão rural de proprietários
em busca de outro tipo de atividade. Em função destas transformações,
Ponta Grossa, que parecia confundir-se com o campo que a invadia,
assume “ares de cidade”.
Com a imigração e a urbanização, novas ideias também são apropriadas por
pensadores locais, dando origem ao aparecimento de um grupo de “intelectuais
locais” que debatiam teorias científicas e questões sociais ressignificadas à situação
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da sociedade local. Segundo os historiadores Chaves e Karvat (2013, p. 2), o grupo
dos “intelectuais locais”, era constituído por:
Notadamente escritores, que se pautando em diferentes leituras, autores e
referências, participaram ativamente das discussões locais. Cabe ressaltar
que essas discussões, quando problematizadas, deixam entrever questões
de ordem mais ampla, referentes à aspectos nacionais – de foro social,
econômico e/ou político – e/ou, mesmo, internacional, principalmente
naquilo que toca os grandes dilemas históricos do século passado, sejam os
grandes conflitos bélicos e/ou a implantaçãode diferentes regimes políticos.
Nesse período, novos grupos sociais como a emergente burguesia urbana,
buscavam criar uma identidade cultural de classe média em torno dos discursos
progressistas doutrinadores daquele momento, como a ideologia de civilização que
se tornava cada vez mais poderosa, tal como defende Zulian (1998, p. 53):
A noção de civilização se afirmaria, principalmente, no caráter desse
progresso. É um progresso, em seus diversos aspectos, à moda européia. A
cidade vai surgindo como uma urbe cosmopolita, onde o comércio, a
estrada de ferro, o novo arruamento, as construções, os habitantes (sérios,
ordeiros, empreendedores) e seus novos hábitos civilizados são elementos
denotativos de uma “nova Ponta Grossa”.
A população burguesa recém ascendida ao poder ponta-grossense contava
com muitos personagens que defendiam os ideais positivistas. Na sociedade local, o
progresso é associado à ocupação do interior e ao desenvolvimento tecnológico da
região, e assim como a chegada da ferrovia, também a fundação do periódico O
Progresso - que viria a ser o Diário dos Campos - representam, nesse momento,
como aponta Chaves (2011, p. 30-31) algo que tendia a ser percebido por alguns
grupos da sociedade local, como um importante avanço da cidade rumo à sua
modernização.
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3 UM JORNAL VOLTADO PARA O PROGRESSO: O SURGIMENTO DO DIÁRIO
DOS CAMPOS
Desde a década de 1890 haviam-se realizado diversas tentativas de se
estabelecer um periodismo na cidade de Ponta Grossa. (HOLZMANN 2004, p. 262).
Contudo esses jornais tinham curta existência, em virtude da falta de apoio
financeiro e político e geralmente duravam apenas algumas poucas edições. Pontes
e Gadini (2008, p. 7) ao estudar os primeiros passos do jornalismo ponta-grossense,
apontam que:
Pode-se dizer que, de forma geral, os jornais que se diziam informativos
eram uma mistura do velho jornalismo partidário com marcas de interesse
comercial. Isto se dá porque somente as assinaturas e anúncios não
supriam as despesas dos jornais, necessitando de apoio da prefeitura
municipal ou de grupos políticos para sobreviverem. Por isso, muitas folhas
tinham uma vida curta, em que, ao findar o apoio político ou no momento do
desinteresse, o jornal desaparecia. Outros que não recebiam apoio estavam
fadados à efemeridade.
Porém, apesar dos constantes fracassos, o estabelecimento de um jornal
estável na sociedade local apresentava-se cada vez mais como algo necessário,
para o “engrandecimento da cidade”, pois de acordo com o posicionamento da
intelectualidade local, “numa terra sem imprensa não há, efetivamente progresso”
(HOLZMANN, 2004, p. 264).
A fundação do jornal O Progresso ocorreu em 27 de abril de 1907 (DIÁRIO
DOS CAMPOS, 27 abr. 1922, p. 1) em Ponta Grossa, sendo publicado pela primeira
vez com uma tiragem de 300 exemplares. O jornal foi fundado pelo maestro da
banda Lyra dos Campos, Jacob Holzmann, um imigrante russo-alemão que chegou
à cidade no final do século XIX, e que teve uma grande importância na política
ponta-grossense. Holzmann foi membro de uma burguesia atuante na cidade, um
dos fundadores da Companhia Typographica Pontagrossense e personagem
influente das discussões políticas locais, tendo sido considerado por José Cadilhe
como o “Fundador da Imprensa de Ponta Grossa”. (CHAVES, 2011, p. 29). O jornal,
que se intitulava um hebdomanário, foi inicialmente publicado quinzenalmente e,
após poucas edições, passou a ser publicado a cada três dias.
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O objetivo do periódico era promover a sociedade local, divulgando as
peculiaridades da cidade, tal como aponta Chaves (2011, p. 30):
[o objetivo do periódico era divulgar] os acontecimentos políticos; as
atrações culturais; a vida social; os avanços urbanos e tecnológicos e os
problemas decorrentes de tais avanços; os acontecimentos fortuitos e
pitorescos; quem chegava e quem partia; tudo era objeto das colunas
publicadas em O Progresso.
Inicialmente, o jornal não possuía investimentos adequados para expansão
ou ao menos a manutenção em superávit financeiro, o que tornou os primeiros anos
da imprensa ponta-grossense bastante difíceis, onde “a receita mal cobria a
despesa”. (HOLZMANN, 2004, p. 287).
Tendo sido fundado com equipamentos bastante ultrapassados, a atividade
de impressão do periódico era demorada, pois, dos equipamentos da tipografia, a
prensa utilizada era "uma das primeiras que deve ter existido no país e aposentada
dos tempos de Gutenberg" e a impressão era realizada página por página exigindo
dois operadores: um, munido de um pequeno rolo, passava a tinta na página
apertada contra a superfície e o outro passava o papel e descia a alavanca.
(HOLZMANN, 2004).
A publicação passou por diversos proprietários, indo das mãos de Jacob
Holzmann para a Companhia Typographica Pontagrossense – uma associação entre
empresários, comerciantes e políticos locais que tinha Jacob Holzmann como
presidente e Hugo dos Reis como secretário -, tornando propriedade de Hugo dos
Reis & Cia – uma associação entre Hugo dos Reis e sua esposa – e sendo vendida
para os irmãos Cadilhe na década de 1920, sempre por déficit orçamentário e falta
de apoio financeiro para cobrir as despesas de manutenção do periódico em terras
princesinas.
Assim, o surgimento do jornalismo ponta-grossense que ocorreu em meio a
uma sociedade em transição, enfrentou diversos desafios tanto para seu
estabelecimento quanto para a sua consolidação no início do século XX. Porém o
jornal conseguiu estabilizar-se em meio a disputas e combates, dando origem a uma
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classe jornalística atuante, com personagens eminentes como Jacob Holzmann e
Hugo dos Reis, que defenderiam uma constante atuação do Diário dos Campos em
questões políticas e sociais no meio local ponta-grossense e que seriam
personagens eminentes na disputa entre o jornal e a Câmara Municipal.
4 A QUESTÃO MUNICIPAL
A atuação dos colaboradores do O Progresso – e depois Diário dos Campos
– caracterizava-se pelo constante debate sobre as questões políticas e sociais da
sociedade local, principalmente com os editoriais escritos pelo redator do jornal,
Hugo dos Reis, que participou através das páginas do jornal, de diversas
campanhas, como pela fundação de uma agremiação de luta pelos direitos dos
trabalhadores, pela promulgação do espiritismo, pelo povoamento do interior e pelo
reflorestamento da região, que era alvo das indústrias madeireiras.
Contudo, as intromissões de Hugo dos Reis em questões políticas não
agradavam a uma elite local agrária enraizada no poder, tal como afirma Bucholdz
(2007, p. 33):
[...] as relações políticas locais ainda estavam fortemente atreladas aos
tradicionais grupos agrários que dominavam hegemonicamente a política
local. [...] Assim, a postura assumida por ele nos editoriais confrontava com
interesses políticos de grupos que detinham o poder, gerando um inevitável
clima de tensão entre O Progresso e lideranças locais.
A relação entre o O Progresso – e depois o Diário dos Campos – e as elites
locais ponta-grossenses já apresentava problemas em um período anterior à
questão do contrato de 1913. Em 1909, por exemplo, o jornal foi empastelado e
Hugo dos Reis agredido em virtude da atuação política dos colaboradores do jornal,
provocando comoção entre os outros jornalistas. (O PROGRESSO, 8 jun. 1909, p.
1).
Em uma sociedade de conflitos e tensões entre grupos de uma elite
oligárquica e novas classes em ascensão, o jornalismo surgiu disputando e
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negociando espaços com outros grupos da sociedade. Porém, é importante levar em
conta que a separação entre esses grupos sociais não era estanque, havendo
personagens que transitavam entre as diversas camadas da sociedade, atuando
tanto como oligarquia agrária, quanto como empresariado urbano e mantendo uma
postura ativa na intelectualidade local. Um deles era o prefeito de Ponta Grossa em
1913, o coronel Theodoro Baptista Rosas, que também era acionista da Companhia
Typographica Pontagrossense (REIS, 16 jan.1913, p. 1), pertencendo ao mesmo
tempo à classe militar, à política, ao empresariado e mantendo ligações com a
imprensa local.
Por volta do final de 1912 a relação entre a Câmara de vereadores e o jornal
havia passado por novas turbulências em decorrência da questão das águas e
esgotos, que foi cobrado pela redação do jornal como uma necessidade para
promover o saneamento e a higienização da cidade.
Ao mesmo tempo, o periódico se defendia da existência de um discurso
entre os vereadores que acusavam o Diário dos Campos de monopolizar a produção
midiática na cidade, pois de acordo com o discurso desses vereadores, a redação
do Diário dos Campos não cedia espaço para outros grupos publicarem suas ideias
no jornal. Tais discursos eram veementemente contraditos pelos colaboradores do
jornal.
Porém, se a relação entre as partes já não era boa, em fins de 1912, no
início de 1913 com as mudanças na estrutura do jornal, ela se complica ainda mais,
pois o jornal O Progresso, agora de propriedade da Companhia Typographica
Pontagrossense, se torna uma publicação diária, passando a se chamar Diário dos
Campos. (DIÁRIO DOS CAMPOS, 4 jan. 1913, p. 1). Com isso, havia-se a
possibilidade de os atos da Câmara serem publicados diariamente no jornal, o que
daria maior visibilidade para a atuação dos vereadores e serviria como um incentivo
para a manutenção do jornal na sociedade ponta-grossense, que constantemente
passava por apertos financeiros. Entretanto, se isso fosse feito, aumentariam os
gastos da prefeitura com a imprensa local.
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Tendo em vista que o prefeito da cidade era acionista da Companhia
Typographica Pontagrossense, a redação do Diário dos Campos expôs em reunião
com o secretário da Câmara a possibilidade de um contrato entre o jornal e o poder
público municipal para a publicação dos atos públicos no periódico (REIS, 16
jan.1913, p. 1), o que não foi imediatamente aceito.
Nós declaramos ao sr. Secretário da Camara que só faziamos o contracto à
linha, dentro do orçamento, isto é, um ou dois contos de réis, a duzentos e
cem reis á linha. Foi desse mal entendido que resultou a hostilidade que a
Camara praticou contra a imprensa com a indicação da seção extraordinário
de 14 do corrente (REIS, 16 jan.1913, p. 1).
Em decorrência da má relação entre as partes, nenhuma resposta imediata
foi devolvida à redação do jornal e, em seguida, a Câmara realizou uma sessão
extraordinária onde os vereadores presentes apontaram com uma negativa para a
realização de um contrato com o Diário dos Campos.
No mesmo dia, a publicação do Diário dos Campos noticiou a negativa,
afirmando uma falta de “patriotismo” e desconhecimento do “serviço de imprensa
dos vereadores, em não ter se disposto a apoiar a imprensa local. (REIS, 14 jan.
1913, p. 1).
Reis apontou que a negativa ocorreu “porque não acceitou a Comp.
Typographica Pontagrossense a irrisória (orçada por quem não entende nada do
serviço de imprensa) quantia de 1:000$000 para a publicação de todos os actos
officiaes” (REIS, 14 jan. 1913, p. 1), pois o jornal pedia o pagamento de 2:000$000 e
a assinatura de um contrato entre as partes atingidas.
Esse valor foi considerado muito alto pela Câmara, que julgava ele abusivo.
Já segundo os colaboradores do jornal, ele era um valor baixo, pois segundo eles, a
importância da publicação dos atos municipais no periódico tornava os gastos
mesmo numa quantia de 5:000$000 um valor justo (REIS, 14 jan. 1913, p. 1).
Diante da negativa, as seguintes edições da publicação possuem ataques à
postura da municipalidade local. Segundo a redação do Diário dos Campos, a
própria negativa da Câmara apresentava falhas, pois o projeto foi votado em sessão
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extraordinária sem a presença do prefeito municipal, que estava em viagem. Além
disso, a votação ocorreu com a ausência de alguns vereadores. De acordo com o
discurso do jornal, tratava-se de um golpe orquestrado pelo presidente da Câmara
ponta-grossense, o coronel Teophilo Alves da Cunha, que, segundo o periódico,
mantinha rancores com a redação do jornal desde a questão das águas e esgotos.
Reis chega a afirmar que “É manifesto que há dentro da Camara pessoas que
trabalham contra o Diário dos Campos”. (REIS, 14 jan. 1913, p. 1).
Reis, já no dia em que ocorreu a sessão na Câmara, publicou a matéria
“Ponta Grossa contra a imprensa local” em que acusa de inaptidão os vereadores
que votaram o projeto que, segundo ele, buscava “destruir” o jornalismo local.
[...] para provar a má vontade, o desejo de fazer desapparecer a imprensa
local, é sufficiente testemunho a intromissão da Camara em materia
administrativa, com a inepta indicação (é até falta de respeito ao poder
executivo fazer-lhe insinuações), feita na sessão de hoje. A Camara é pois,
contra o Diário dos Campos (REIS, 14 jan. 1913, p. 1).
Segundo a redação do Diário dos Campos o ato da Câmara valia “por um
acto abertamente hostil á imprensa local”. (DIÁRIO DOS CAMPOS, 15 jan.1913, p.
1).
Nota-se a importância que o Diário dos Campos dava ao estabelecimento de
um contrato com a prefeitura, se posicionamento contrariamente ao estabelecimento
de um regime de subvenções pago por linha publicada. Hugo dos Reis defende que
qualquer pagamento ao Diário dos Campos deveria ser definido por um contrato e
se posiciona sobre as subvenções afirmando que:
[...] o Diário dos Campos, enquanto for como é um jornal independente e de
livre crítica jamais à acceitará, pelo menos enquanto tiver por chefe o atual
redactor. Não aceita subvenção alguma, de qualquer poder público, seja
qual for a importância, e foi isto mesmo que respondemos ao sr. Secretário
da Camara, acrescentando que podiamos fazer um contracto por linha.
Constracto é uma cousa e subvenção é outra muito diferente. (DIÁRIO DOS
CAMPOS, 15 jan.1913, p. 1).
Existe uma importante questão política na diferença entre o estabelecimento
de um contrato e o pagamento de subvenções. Um contrato estabeleceria uma
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relação de igualdade entre o jornal e a prefeitura, com valores a serem pagos,
publicações a serem realizadas e regras a serem seguidas por ambos os lados. Já
um regime de subvenções colocava o jornal em uma posição inferior em relação à
prefeitura, “apadrinhando” o periódico à Câmara Municipal, além de não estabelecer
quais seriam as publicações a serem feitas e não garantir os pagamentos a serem
realizados.
Torna-se, portanto, uma questão política envolvendo a imprensa em
ascensão na sociedade ponta-grossense, como já apontavam as questões
anteriores entre o jornalismo e as elites locais, e o poder público da cidade, ainda
controlado por essas elites.
Se não bastasse a disputa pelo poder, também a questão discursiva se
estabeleceu entre o jornalismo e a Câmara, pois segundo o periódico “alguns
camaristas se offenderam com a pecha de inépcia que o Diário dos Campos jogou à
Camara. (DIÁRIO DOS CAMPOS, 22 jan.1913, p. 1).
Diante das circunstâncias, o prefeito da cidade acabou por criar uma outra
publicação diária na cidade, com a exclusiva função de publicar os atos da Câmara.
O coronel Theodoro Baptista Rosas, prefeito municipal da cidade de Ponta
Grossa [....] resolve convidar as duas Typographias “Modelo” e “Brasil”
desta cidade para a publicação semanal de tais serviços, sob o contracto
por um anno em uma folha de 4 páginas, com o nome de Municipio que
servirá de orgão de publicidade da Camara Municipal e Prefeitura desta
cidade (DIÁRIO DOS CAMPOS, 22 jan.1913, p. 1).
Porém, a publicação teve pouca duração. Segundo a redação do Diário dos
Campos, o Municipio não possuía nem jornalistas experientes para a manutenção
da publicação, nem uma editoração adequada e, por isso, já nas primeiras edições
“[...] o jornal é distribuído entre poucos, quasi todos pessoas officiaes, ignorando o
Povo o que se faz na Camara motivo porque se torna o “Municipio” perfeitamente
inútil”. (DIÁRIO DOS CAMPOS, 04 fev. 1913, p. 1).
Em contraposição ao estabelecimento desse novo periódico o Diário dos
Campos passou a publicar a partir do dia 4 de fevereiro de 1913, um discurso em
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que defende a sua liberdade como imprensa constituída, a pluralidade de discursos
e a presença de debates no jornal.
O Diário dos Campos. Para acabar de vez com os vestígios tacanhos da
imprensa amordaçada e de pequena circulação, communica a seus leitores
que aqui a liberdade é completa, podendo haver polêmicas, entre
collaboradores, dentro de suas próprias colunas. (DIÁRIO DOS CAMPOS,
04 fev. 1913, p. 1).
Em meados de abril a situação é resolvida, ficando O Municipio como mais
um jornal de curta duração na sociedade local e tendo resolvido a Câmara passar a
publicar atos no Diário dos Campos. O jornal sai da questão vitorioso, demonstrando
um fortalecimento da imprensa e apontando para a mídia como uma ferramenta de
divulgação de discursos que conquistava influência na sociedade ponta-grossense.
A vitória do jornalismo na questão também apontava para uma vitória dos discursos
progressistas aos quais o jornal defendia, como o de liberdade de imprensa e
modernização da cidade defendido pelos colaboradores do jornal.
Ponta Grossa progride. Quer se uma vida nova para uma nova cidade, e os
habitos dos grandes centros ja se vão estabelecendo entre nós. Em Ponta
Grossa já ha a liberdade de imprensa, prova-o o recente atricto que houve
entre a municipalidade e a folha local. (H., 17 jan.1913, p. 1).
Assim, o jornal mantém sua atuação ininterrupta no periodismo pontagrossense, se fortalecendo e defendendo seus ideias na sociedade. Ao mesmo
tempo, passa definitivamente ser considerado como um órgão com importância
política, que é negociado e disputado pelos grupos poderosos da sociedade local e,
em meio aos debates, o jornalismo vai conquistando espaços na cidade de Ponta
Grossa do início do século XX.
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5 CONCLUSÃO
A imprensa surge em Ponta Grossa em meio a uma sociedade que passava
por um período de transformações, representando grupos sociais em ascensão e
defendendo discursos progressistas que eram inovadores para a sociedade local,
sendo desde o surgimento uma representante de novas classes e novas ideias.
No jornal, os interesses desses novos grupos são defendidos e as
representações publicadas possuem uma íntima relação com os interesses daqueles
que as produziam, tal como defende Chartier, ao afirmar que “As representações do
mundo social assim construídas, [...] são sempre determinadas pelos interesses de
grupo que as forjam”. (CHARTIER, 1990, p. 17).
Por conseguinte, a disputa estabelecida entre o jornal e a Câmara ocorre por
espaços de influência política na sociedade. A Câmara não pretendia fortalecer um
grupo que conquistava espaço e controlava o discurso jornalístico local, enquanto
que o Diário dos Campos defendia-se como uma ferramenta que representava o
progresso da cidade. A questão é resolvida após diversas vicissitudes com um recuo
da Câmara e a vitória do jornalismo, o que aponta para o amadurecimento e
fortalecimento do poder da mídia impressa na sociedade ponta-grossense já nas
primeiras décadas do século XX.
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