solidão em diferentes níveis etários
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SOLIDÃO EM DIFERENTES NÍVEIS ETÁRIOS Félix Neto José Barros Centro de Cognição, Afectividade e Contexto Cultural* Resumo: Neste estudo foi examinado se haveria diferenças na solidão em pessoas de três grupos etários (adolescentes, adultos, e idosos). Tendo em conta a investigação existente esperava-se encontrar diferenças no nível de solidão nos três grupos etários. A amostra era constituída por 105 adolescentes, 116 adultos, e 104 idosos. Foram administrados os seguintes instrumentos a todos os sujeitos: a escala revista de solidão, a escala de neuroticismo, a escala de optimismo, e a escala de satisfação com a vida. Os adolescentes e os idosos sentiam mais a solidão que os adultos. Em cada grupo etário encontraram-se correlações significativas entre a solidão e o neuroticismo, o optimismo, e a satisfação com a vida. Não se encontraram diferenças na solidão segundo o sexo. Palavras-chave: Solidão, Adolescentes, Adultos, Idosos. Abstract: The present study examined differences in the loneliness experience with subjects from three age levels (adolescents, adults, and old people). In accordance with existing research, we predicted differences across the three age periods in level of loneliness. The sample consisted of 105 adolescents, 116 adults, and 104 old people. The following instruments were administered to all subjects: The Revised UCLA Loneliness Scale, the Neuroticism Scale, the Optimism Scale, and the Satisfaction with Life Scale. Adolescents and old people experienced more loneliness than adults. In each age level was found significant correlations between loneliness and neuroticism, optimism, and Morada: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, 1055, P-4150 Porto, Portugal e-mail <[email protected]> (Estudo realizado no âmbito do projecto da FCT, nº 113/94). * Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 71 satisfaction with life. No gender differences were found in loneliness. Key words: Loneliness, adolescents, adults, old people. 1 Introdução A investigação actual aponta para uma maior difusão da solidão e para o seus efeitos debilitantes (Jones; Rose; Russell, 1990; Rokach; Neto, 2000). Como observou Sadler (1987), “muitos de nós no mundo de hoje estamos a viver à beira de uma vida solitária. Um número significativo de pessoas experienciamos os efeitos perniciosos da solidão; alguns de nós, devido a ela, tornamo-nos debilitados, deprimidos e desmoralizados” (p. 184). A solidão tem aparecido ligada a doenças como a depressão, o suicídio, a hostilidade, o alcoolismo, a um fraco autoconceito e a doenças psicossomáticas (McWhirter, 1990). Embora a maior parte da investigação tenha sido levada a cabo na América do Norte, é claro que as implicações da solidão são sentidas em qualquer cultura em que ela ocorra (Neto; Barros, 2000). Têm sido sugeridas várias definições de solidão. Por exemplo, Sermat (1980) descreveu a solidão como sendo a experiência associada à discrepância entre as relações que percepcionamos que temos versus as relações ideais segundo o sujeito. Peplau; Perlman (1982) definiram solidão como sendo a experiência desagradável que deriva de importantes deficiências nas redes de relações sociais de uma pessoa. Sullivan (1953) concebeu a solidão simultaneamente como desagradável e motivante surgindo de uma necessidade não encontrada de intimidade interpessoal. Ao invés, Moustakas (1961) concebeu a solidão como uma experiência que surge inevitavelmente da “separação” da existência humana. Apesar de tal divergência, várias definições da solidão partilham três pontos (Peplau; Perlman, 1982). Em primeiro lugar, virtualmente todas as definições implicam que a solidão resulta de deficiências nas relações sociais da pessoa só. Em segundo lugar, a solidão é vista como um fenómeno psicológico subjectivo e por isso não é sinónimo de isolamento. Toda a pessoa tem virtualmente pelo menos um contacto social mínimo. Por isso, a solidão é vista mais como representando insatisfação com o número ou a qualidade dos 72 Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 1999. contactos que uma pessoa tem do que com a ausência total de contacto social. Mesmo os teóricos que advogam um “potencial criativo” para a solidão (e.g., Moustakas, 1961) fazem a distinção entre tais estados e outras formas de solidão que são vistas como sendo debilitantes. Uma ampla gama de factores pode contribuir para o aumento da vulnerabilidade das pessoas à solidão. Esses factores são susceptíveis de aumentar a probabilidade de uma pessoa se sentir só e de ser mais difícil para a pessoa só restabelecer um relacionamento social satisfatório. O exame de estudos empíricos efectuados nos anos 80, e publicados em revistas, revelou que cerca de 80% utilizaram como sujeitos estudantes universitários (Paloutzian; Janigian, 1989). Jovens pré-universitários e adultos idosos constituíam cada grupo cerca de 10%. É importante assim ter em mente que as conclusões desses estudos não se podem generalizar facilmente a outras populações. Muito embora alguns estudos tenham examinado a solidão em estudantes do ensino secundário e em pessoas idosas, poucos investigadores compararam directamente a solidão em níveis etários diferentes no contexto de um só estudo. Para além disso, mesmo quando se efectuaram comparações entre diferentes grupos etários, basearam-se em grande medida em respostas a um só item ou em poucos itens relativamente indiscretos. Neste estudo procuramos não nos acantonar numa psicologia do estudante universitário, ampliando o campo de análise a adolescentes, pessoas activas profissionalmente, e a idosos. Deste modo com este trabalho procurou-se dar mais um contributo para a validade externa do construto da solidão. Mais particularmente no seio desta população procuraremos examinar alguns determinantes sócio-demográficos da solidão (idade e sexo) e as relações da solidão com três construtos psicológicos, satisfação com a vida, optimismo e neuroticismo. Dentre os determinantes socio-demográficos da solidão em três grupos etários, analisaremos o efeito da idade e do sexo. Existe na nossa cultura o estereótipo de que as pessoas idosas são pessoas solitárias. As pessoas jovens e idosas concordam em que são as pessoas idosas as que mais se sentem sós (Rubenstein; Shaver, 1982). Este estereótipo não se tem todavia confirmado quando as pessoas revelam a sua própria experiência de solidão. A tendência Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 73 geral que se encontra é para a solidão diminuir com a idade, obtendo as pessoas idosas os scores mais baixos de solidão (Gutek; Nakamura; Gahert; Handshumacher; Russel, 1980). Se a partir de dados de inquérito há uma forte convergência em assinalar-se que a solidão é menos frequente nas pessoas mais idosas, não é todavia de se excluir a ideia de que em idades muito avançadas a solidão já possa ser mais comum. Dean (1962) encontrou níveis de solidão muito semelhantes entre pessoas de 50 a 79 anos, mas maiores com pessoas com 80 anos ou mais. Espera-se assim encontrar maior solidão nos adolescentes, seguida pelos adultos e menor solidão nos idosos. À semelhança do que geralmente se tem encontrado em estudantes universitários, não se esperam encontrar diferenças segundo o sexo. Globalmente os estudos que utilizaram a escala de solidão da UCLA não encontraram diferenças segundo o sexo (Neto, 1989). Refira-se que esta escala não questiona directamente os sujeitos sobre se sentem sós, mas procura avaliar a solidão indirectamente. Procuraremos igualmente examinar a relação entre solidão e satisfação com a vida, optimismo e neuroticismo. Apesar da maior parte do trabalho sobre emoções em psicologia ter sido efectuado a propósito da ansiedade, depressão e outros estados negativos, o bem-estar subjectivo tem sido alvo de considerável atenção por parte dos investigadores nas duas últimas décadas. Foram propostas várias teorias sobre o que determina a satisfação com a vida ou a felicidade das pessoas. Neste amplo domínio de investigação, três componentes do bem-estar subjectivo, relativamente independentes, foram identificadas: afecto positivo, afecto negativo e satisfação com a vida (Andrews; Withey, 1976). Os dois primeiros componentes referem-se a aspectos emocionais dos construtos; o terceiro refere-se a aspectos cognitivos, de julgamento. A satisfação com a vida foi definida como “. . . uma avaliação global da qualidade de vida de uma pessoa segundo os seus critérios escolhidos.” (Shin; Jonhson, 1978, p. 478). Se bem que a saúde, o bem-estar material, etc., sejam desejáveis, as pessoas podem dar-lhe valores diferentes. Daí que a área do bem-estar subjectivo se focalize nos próprios julgamentos da pessoa e não em critérios que o investigador considera importantes (Diener, 1984). 74 Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 1999. Se existem diferentes escalas para a avaliação dos componentes afectivos (cf. Argyle, 1987), poucas tentativas foram efectuadas para construir medidas psicometricamente fiéis e válidas de satisfação geral com a vida (cf., Diener, 1984). Diener; Emmons; Larsen; Griffin (1985) desenvolveram a Escala de Satisfação com a Vida (SWLS) para responder à necessidade de uma escala multi-item para medir a satisfação com a vida enquanto processo cognitivo. As características psicométricas da escala com populações americanas mostramse favoráveis. Daí que Diener et al. (1985) tivessem concluído que a escala poderia ser utilizada com diferentes grupos etários. Em Portugal já se utilizou a escala com adultos inseridos profissionalmente, na ocorrência com professores (Neto; Barros; Barros, 1990), com adolescentes (Neto, 1993; 1995; 1997) e com jovens adultos (Neto, 1997). A versão portuguesa da escala revelou características psicométricas adequadas. A satisfação com a vida parece estar em grande medida relacionada com a qualidade do nosso relacionamento social. Diversa investigação sugere que a solidão está associada a diversos estados afectivos como sentir-se menos feliz (Fisher; Phillips, 1982; Russell; Peplau; Ferguson, 1978) e insatisfeito (Neto, 1989). Paloutzian; Ellison (1982) encontraram uma relação substancial entre solidão e bem-estar existencial (r=.64). O optimismo é uma variável muito versada na literatura psicológica, particularmente a partir da última década deste século. Basta pensar no livro de Seligman (1992) ou percorrer o PsycLit onde se podem encontrar centenas de referências. O optimismo é uma característica ou dimensão importante da personalidade ou um estilo cognitivo sobre como o sujeito processa informação quanto ao futuro. Trata-se dum traço estável da personalidade ou de um estado mais ou menos passageiro, uma espécie de humor variável? Normalmente deve entenderse como uma característica ou tendência mais ou menos estável da pessoa, em circunstâncias normais da vida, e que tende a prevalecer mesmo em circunstâncias adversas. Normalmente os autores distinguem entre optimismo pessoal (disposicional) e optimismo social (situacional). Segundo Scheier; Carver (1985), entende-se por optimismo (pessoal) uma expectativa generalizada de Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 75 um resultado positivo mais directamente referente à pessoa, ao seu comportamento ou saúde. Se essa expectativa positiva diz respeito mais directamente a questões específicas ou ao ambiente social ou ecológico (problemas de droga, de violência, de migração, de poluição, etc.), está em causa o optimismo social. Estas duas classes ou expressões de optimismo podem não andar juntas. Apesar de muitas vezes os acontecimentos político-sociais tenderem a gerar pessimismo (pensemos, por exemplo, nas guerras e terrorismo), e serem frequentemente dramatizados nos meios de comunicação social, o optimista tende a manter-se confiante. Autores há que falam de “optimismo irrealista” (e.g. Peters et al., 1997; Weinstein; Klein, 1996), supondo que o verdadeiro optimismo deve ter fundamento ou ser minimamente realista para surtir efeito. Regan; Snyder; Kassin (1995) pensam que podemos ser irrealistas a nosso respeito e não a respeito dos outros ou vice-versa e que o optimismo irrealista é uma forma de auto-engrandecimento mais do que um viés da positividade pessoal. Em geral tendemos a ser mais realistas a respeito dos outros e das diversas circunstâncias do que de nós mesmos, podendo o optimismo pessoal ser menos realista do que o social. De qualquer forma, trata-se dum (pre)sentimento, duma percepção ou duma expectativa mais ou menos fundada ou objectiva, muito relacionada com o locus de controlo ou com a percepção de controlo dos reforços ou dos acontecimentos (cf. Barros; Barros; Neto, 1993), baseada na experiência do sujeito ou noutros factores, como a idiossincrasia ou a idade. Como avaliar ou medir o optimismo? Certamente não é fácil, como a respeito doutras variáveis de personalidade. Pode usar-se a observação, o testemunho directo da pessoa, eventualmente algum teste projectivo, mas o método mais comum é através de questionários. A escala Life Orientation Test (LOT) de Scheier; Carver (1985) é a mais usada. Não obstante, Smith et al. (1989) afirmam que o Teste de Orientação da Vida possui uma limitada validade discriminante em relação ao neuroticismo, sendo ainda discutível a sua dimensionalidade. Entre outras escalas possíveis para a avaliação do optimismo, usou-se um questionário original que, apesar da sua brevidade, manifestou possuir qualidades psicométricas suficientes (cf. Barros, 1998). O neuroticismo é um traço de personalidade mais do que um estado 76 Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 1999. afectivo passageiro, embora a pessoa neurótica possa viver momentos de maior aflição ou de maior calmaria. As perturbações psiconeuróticas abrangem um vasto leque de sofrimento psíquico, com conotações cognitivo-afectivas, desde inadaptações de diversa ordem, ansiedade, timidez, angústia, manifestações fóbicas e obsessivo-compulsivas, sensibilidade exagerada e irritabilidade, tensão e fraqueza, insegurança, tendência à depressão, amnésias, além de muitas sequelas psicossomáticas, como insónias, vertigens, transpiração, perturbações na vista e na fala, na respiração e na pele, distúrbios cardíacos e gastro-intestinais, transtornos alimentares, e mesmo convulsões, como nas reacções histéricas. Trata-se de um leque muito vasto, podendo um mesmo sujeito apresentar uma série de perturbações. Tais sintomas ou síndromas são mais ou menos vistosos, embora os neuróticos possam apresentar-se socialmente como pessoas normais. Segundo Costa; McCrae (1987, p. 301), o neuroticismo é “. . . uma dimensão de diferenças individuais tendendo a experienciar emoções desagradáveis e aflitivas, possuindo ao mesmo tempo traços cognitivos e comportamentais.” Trata-se de uma definição parcial, como outras, mas tem o mérito de insistir na vasta gama sintomatológica, no sofrimento psíquico que provoca e na dimensão cognitivo-comportamental que abrange. Se é difícil definir este construto, também não se afigura fácil a sua avaliação ou medição. Pode usar-se a introspecção, a observação, métodos projectivos, mas mais frequentemente é avaliado através de escalas ou questionários. Um dos mais usados é o Eysenck Personality Questionnaire (EPQ) (Eysenck; Eysenck, 1969) com três dimensões: extroversão, neuroticismo e psicotismo, havendo uma versão primitiva e outra revista. Neste estudo foi usado um questionário original de Barros (1999) que manifesta características psicométricas suficientes. Para se poder afirmar que alguém sofre de solidão, não é suficiente que a pessoa esteja consciente da discrepância entre as relações actuais e as desejadas. A solidão é uma experiência desagradável. Fromm-Reichman (1959) descreveu-a como dolorosa e horrível. Por isso a discrepância deve ser acompanhada por um ou mais sintomas coloridos por uma tonalidade afectiva negativa. Nesta constelação de afectos pode estar inserido o neuroticismo. A partir de investigações anteriores, formulámos algumas hipóteses de Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 77 trabalho: 1) a solidão diminui ao longo do ciclo vital sendo de esperar que os adolescentes sofram mais da solidão, seguindo-se os adultos e os idosos; 2) não se espera encontrar diferenças significativas na solidão conforme o sexo; 3) são de esperar correlações significativas positivas entre a solidão e o neuroticismo e negativas entre a solidão, a satisfação com a vida e o optimismo. 2 Método 2.1 Amostra A amostra total consta de 325 sujeitos, distribuídos por três subamostras: 105 alunos do 9º ano de escolaridade de um Colégio de Vila Nova de Gaia (média de idade: 14,8 anos; DP= .92; sexo masculino=66 e feminino=39); 116 professores do ensino secundário (média de idade: 36,8 anos; DP= 9,0; sexo masculino=33 e feminino=83); 104 idosos (média de idade: 74,2 anos; DP= 6,6; sexo masculino=49 e feminino=55), dos quais 56 residentes em lares e 48 vivendo em suas casas. 2.2 Instrumentos Aos participantes foram administradas quatro escalas: Escala revista de Solidão da UCLA - Revised UCLA Loneliness Scale (Russel; Peplau; Cutrona, 1980), descrita e adaptada para a população portuguesa por Neto (1989). Trata-se de um questionário com 18 itens, metade dos quais formulados ao inverso. As respostas de cada item fazem-se numa escala modelo de Likert com 5 modalidades, desde nunca (1), até sempre (5). A escala manifesta boas qualidades psicométricas (Neto, 1989; 1992). Escala de Satisfação com a Vida – Life Satisfaction Scale (Diener; Emmons; Larsen; Giffin, 1985), adaptada para a população portuguesa por Neto (1993; 1997). A escala consta apenas de 5 itens, a responder em cinco modalidades, dando uma pontuação total entre 5 (baixa satisfação) e 25 (grande satisfação). A escala demonstrou uma boa fidelidade e validade. Escala de Optimismo, desenvolvida por Barros (1998), constando apenas de 4 itens a responder em formato Likert de 1 (totalmente em desacordo) a 5 (totalmente de acordo). A escala apresenta um bom comportamento psicométrico. 78 Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 1999. Escala de Neuroticismo, também original de Barros (1999), com 21 itens, a responder igualmente de 1 a 5. As qualidades psicométricas desta escala mostraram-se satisfatórias. Inicialmente eram solicitadas aos sujeitos diversas informações sobre as suas características sócio-demográficas. 2.3 Procedimento O trabalho de campo foi realizado no final do 1º semestre de 1999. Na apresentação dos questionários era solicitada a colaboração dos sujeitos, feito um apelo à sinceridade nas respostas e garantido o anonimato. Os questionários aos alunos foram passados em todas as turmas do 9º ano, durante uma aula, pelos professores previamente treinados. Os questionários aos professores foram entregues a voluntários do concelho de Vila Nova de Gaia e da Figueira da Foz; depois de preenchidos, eram devolvidos ao investigador. Os questionários a idosos foram administrados por pessoas previamente preparadas, a saber: assistentes sociais, no caso de idosos internados em lares, e estudantes de 12º para os residentes em suas casas. 3 Resultados As médias, desvios-padrões e valores da fidelidade (coeficiente alfa de Cronbach) de cada uma das escalas para os três grupos etários constam do quadro 1. Foi efectuada uma análise de variância 3 x 2 para se avaliarem os efeitos da idade e do sexo sobre a solidão (Quadro 2). A análise revelou um efeito principal significativo em relação ao grupo etário (F=8.2; g.l.=2; p<.001). Uma análise posterior com os testes de Scheffe mostrou que os adolescentes (M=42.0) e os idosos (M=42.9) sentiam significativamente mais a solidão do que os adultos (M=37.8). O efeito principal do sexo não se revelou significativo (F=.21, g.l. = 1, p>.05). A interacção nível etário e sexo também não atingiu a significância (F=1.7, g.l.=2; p>.05). Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 79 - - O Quadro 3 mostra as correlações entre a escala de solidão e as outras escalas, por cada uma das amostras. Quanto aos adolescentes, a solidão correlaciona significativamente com o neuroticismo; é também significativa, mas em sentido negativo, a correlação entre solidão, a satisfação com a vida e o optimismo. O mesmo se verifica nas outras duas subamostras de adultos e idosos, com valores muito idênticos. 80 Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 1999. - Para avaliar o contributo de cada uma das outras variáveis de personalidade para explicar a solidão, procedeu-se a uma análise de regressão múltipla por cada amostra (embora os resultados já tenham sido acenados nas correlações, dado que a análise de regressão funciona à base de correlações). Na amostra de adolescentes, a matriz de correlação mostrou que a primeira variável a entrar na equação foi o neuroticismo, seguido da satisfação com a vida, não tendo entrado de modo significativo o optimismo. Na amostra com adultos, continuou a entrar em primeiro lugar o neuroticismo, seguindo-se o optimismo, não tendo entrado significativamente a satisfação com a vida. Este último padrão verificou-se também com a amostra de idosos. - Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 81 4 Discussão Ao contrário do que se esperava (hipótese 1), este estudo não mostrou que a solidão diminui ao longo do ciclo vital, pois os adolescentes e os idosos sentem mais a solidão que os adultos. Estes resultados sugerem que a solidão é sobretudo um problema dos adolescentes e dos idosos. Estes resultados sobre os idosos não concordam com os de outras investigações levadas a cabo noutros contextos culturais. Por exemplo, Lowenthal; Thyrner; Chiriboga (1975) investigaram quatro estádios da vida e encontraram que os estudantes do ensino secundário, o grupo mais jovem era o que sentia mais a solidão. A solidão diminuía desde a escola secundária, até ao primeiro casamento, a meia idade e finalmente a pre-reforma, período em que era menos comum. Outros estudos levados a cabo na América do Norte apontam no mesmo sentido (Neto, 1992). O facto dos adolescentes serem um grupo etário propenso à solidão é compatível com a teoria do desenvolvimento psico-social de Erikson (1950). A característica de crise da adolescência, intimidade versus isolamento, trata do estabelecimento de relações íntimas, por isso pessoas neste grupo etário são especialmente tocadas pelo sentimento de desvinculação. A noção de intimidade ideal é muitas vezes discrepante com as suas relações actuais, e a dor e a desilusão desta descoberta resulta em sentimentos de solidão e de alienação. O resultado inesperado do valor de solidão nas pessoas idosas encontrado em Portugal, relativamente a dados da América do Norte, leva-nos a interrogar se um factor explicativo não poderá residir nas melhores condições de vida proporcionadas aos idosos na América do Norte do que em Portugal. No entanto este resultado carece de investigação futura para ver se é relativamente robusto. Por outro lado, o facto de os adultos mostrarem menor solidão, pode dever-se ao facto de se tratar de uma amostra específica de professores. Quanto ao sexo, conforme se previu, não apareceram diferenças. Este resultado pode parecer paradoxal, pois é frequentemente assumido que as mulheres, em comparação com os homens, são mais emotivas e apresentam maiores taxas de certas doenças mentais (Clancy; Gove, 1974). Seria pois de esperar, tendo em conta a tendência geral para reacções emocionais negativas serem mais frequentes nas mulheres, que estas sentissem mais frequentemente 82 Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 1999. a solidão que os homens. Contudo os estudos efectuados sobre a solidão não são concludentes sobre as diferenças segundo esta variável. Por um lado, os estudos que utilizam a escala da UCLA, e foi o nosso caso, não encontram geralmente diferenças segundo o sexo. Já se referiu que este instrumento não questiona directamente os sujeitos sobre se sentem a solidão, mas procura avaliar a solidão indirectamente. Por outro lado, quando se recorre à avaliação directa, como é o caso das asserções em inquéritos, tendem a emergir diferenças segundo o sexo, as mulheres assinalando mais frequentemente a solidão que os homens. Entre as explicações possíveis para os homens autocensurarem a expressão da solidão pode-se invocar a influência social. “A reticência dos homens em assinalarem a solidão está em consonância com os estereótipos sexuais. Segundo estes estereótipos não se espera que os homens exprimam as suas fraquezas emocionais. Da conjugação de respostas negativas, susceptíveis de emergirem a partir de comportamentos que não se moldem às percepções estereotipadas, e dos processos de aprendizagem, os homens conformam-se com os estereótipos vigentes.” (Neto, 1989, p. 77). Quanto às correlações entre as diversas variáveis, os resultados evidenciaram a esperada associação entre solidão e desajustamento psicológico. A relação entre solidão e neuroticismo foi confirmada, mormente nos adultos. O neuroticismo está correlacionado de modo positivo com a solidão e emergiu como o preditor mais importante da solidão nos três grupos etários. Saklofske et al. (1986) sugeriram que as pessoas que são abertamente emotivas, mal humoradas, ansiosas e inquietas e com pontuações elevadas em neuroticismo podem ser mais sensíveis e susceptíveis aos défices relacionais, ou podem ter uma capacidade limitada para usufruírem relações satisfatórias. Embora seja possível que pessoas altamente neuróticas possam rejeitar ou até repelir as outras pessoas que podiam propiciar relações interpessoais satisfatórias também pode acontecer que a quantidade de interacção que experienciam seja adequada, mas com menos sentido. Para além disso encontrámos uma relação inversa entre a solidão e a Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v.3, p.71-88, 2001. 83 tendência a sentir-se satisfeito e optimista na vida. Podemos considerar a solidão como um indicador importante da qualidade de vida. Paloutzian; Ellison (1982) também encontraram uma associação substancial entre solidão e bem-estar existencial em estudantes universitários. Por esta amostra muito diversificada pode concluir-se que, em todas as idades e talvez condições sociais, a solidão anda associada a uma certa carga neurótica ou, expressando-se de outro modo, uma das características da pessoa neurótica é a sensação de solidão. Pelo contrário, não é possível encontrar uma pessoa que sinta pesadamente a solidão e que se sinta satisfeita com a vida ou seja optimista. Para concluir note-se que esta investigação contém várias limitações. Em primeiro lugar convém ter presente que as diferenças, ou a falta de diferenças, nos níveis de solidão nos três grupos etários pode ser o resultado de efeito de coorte e não tanto de efeitos da idade, ou da natureza da amostragem nos diferentes grupos etários. As amostras têm efectivos restritos e de nenhum modo se podem considerar representativas da população em geral. Não se pretende também efectuar inferências causais dos dados. É-se de opinião que se os construtos como neuroticismo, satisfação com a vida e optimismo influenciam a solidão, também se influenciam uns aos outros. Entre os construtos psicológicos examinados pode haver um vasto grau de retroacções. Qualquer estudo só pode explorar aspectos limitados de todo este processo. Investigação futura poderá clarificar melhor as ambiguidades remanescentes mediante o melhoramento das estratégias de investigação. Investigação de cariz longitudinal poderá dar conta de mudanças na solidão. Uma abordagem longitudinal poderá ajudar a determinar se as diferenças etárias reflectem verdadeiras tendências desenvolvimentais ou efeitos de coorte. Esta abordagem seria igualmente preciosa para se examinar as mudanças experienciadas por uma pessoa quando passa do estatuto de trabalhador para o de reformada. Referências 1 ANDREWS, F.; WITHEY, S. Social Indicators of Well-being: America’s perception of life quality. 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