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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São
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Belo Horizonte - MG - Brasil
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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio
Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo
Ferreira Vilela, José Luiz Resende Pereira, Marcelo
Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Paulo Sérgio
Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva,
Valentino Rizzioli
É comum pensar que arte e ciência são campos antagônicos, com muito
pouco (ou nada) em comum. No entanto, observando mais atentamente a história
da humanidade, percebemos que, não raro, esses campos se cruzam, conversam
e, mutuamente, se inspiram. Leonardo da Vinci é o ícone máximo deste entrelaçamento, tendo deixado contribuições importantes tanto em uma como em outra
área. Pensando em tudo que há de belo na ciência, e no que há de racional nas
artes, chegamos ao tema da reportagem de capa desta edição.
Para compor a matéria, o editor Maurício Guilherme Silva Jr e a jornalista
Virgínia Fonseca conversaram com profissionais que, normalmente, não são encontrados em uma revista de ciência. Músicos, atores e escritores falam sobre
como a razão, característica da ciência, e a emoção, tão forte nas artes, convivem
e contribuem para o desenvolvimento de seus trabalhos. A entrevista com o maestro Fabio Mechetti, diretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmônica
de Minas Gerais, complementa o tema e destaca como a sensibilidade, a dúvida e
a constante busca por conhecimentos unem de forma inequívoca os dois campos.
Seja na arte, seja na ciência, eles sempre inspiram boas ideias: os robôs
humanoides, ou seja, aqueles que imitam o comportamento humano, são tema
de reportagem desta edição. Na Universidade Federal de Uberlândia, a Equipe de
Desenvolvimento em Robótica Móvel (Edrom) desenvolve projetos e participa de
competições nacionais e internacionais. Os robôs criados realizam as mais diversas ações, desde ajudar pessoas com dificuldade de locomoção até competir
em uma disputa de pênaltis. Ao longo do processo de concepção e construção
do robô, os alunos se aperfeiçoam, fazem contatos profissionais e praticam o
empreendedorismo.
Qual o melhor adoçante? A mesma pergunta que aparece na capa da MINAS FAZ CIÊNCIA motivou pesquisadores do Centro Universitário de Lavras e da
Universidade Federal de Lavras a iniciar pesquisa que avaliou as propriedades de
cinco substâncias presentes nos adoçantes mais populares. O estudo comparou
ganho de peso, perfil lipídico, glicemia e função hepática de ratos submetidos
a dieta hipocalórica com cada um dos adoçantes. Um dos resultados é também
um estímulo à mudança no estilo de vida: isoladamente, os adoçantes não são
capazes de reduzir o peso – é preciso associar sua ingestão a exercícios físicos.
Na Universidade Federal de Itajubá, um grupo de pesquisadores estuda os
efeitos da incidência de radiação ultravioleta. O trabalho, que envolveu medições
em diferentes pontos do país, mostrou que os índices de radiação chegam a ser
50 vezes superior ao considerado recomendável pela Organização Mundial de
Saúde. A pesquisa resultou em uma rede de monitoramento e compartilhamento
de dados, acessível a especialistas de todo o país, que fornece subsídios para
novos estudos e para a elaboração de medidas preventivas.
Outro destaque é a reportagem da jornalista Juliana Saragá sobre um tema
delicado, mas que pede atitudes urgentes: o abuso sexual infanto-juventil. Ela
apresenta o projeto Cavas – Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual –,
trabalho de pesquisa e extensão que reúne pesquisadores e alunos da UFMG. O
grupo oferece aconselhamento e orientação às vítimas e, por outro lado, produz
artigos e encontros sobre o tema, com o intuito de compartilhar conhecimentos.
Algumas das matérias divulgadas aqui também são encontradas nos outros
veículos de divulgação científica da FAPEMIG: o programa de televisão Ciência
no Ar, o programa de rádio Ondas da Ciência e o blog do projeto (http://fapemig.
wordpress.com). Não deixe de conferir!
Boa leitura!
Vanessa Fagundes
Diretora de Redação
AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Diretora de redação: Vanessa Fagundes
Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.
Redação: Diogo Brito, Juliana Saragá, Marcus
Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr.,
Virgínia Fonseca, Rodrigo Valadares e William Ferraz
Diagramação: Fazenda Comunicação
Revisão: Sílvia Brina
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: CGB
Tiragem: 20.000 exemplares
Capa: Hely Costa Jr.
Í N D I CE
12
ENTREVISTA
16
Tecnologia
20
24
28
31
6
Diretor artístico e regente titular
da Orquestra Filarmônica de
Minas Gerais, Fabio Mechetti
fala dos “embates” entre música,
razão e emoção
Reportagem vasculha bastidores
da construção de robôs,
máquinas que servem de vitrine
ao conhecimento e revelam a
face do futuro
37
Educação física
40
Sustentabilidade
Psicologia
Referência no estudo do abuso
sexual infanto-juvenil, projeto
realiza atendimento psicoterápico
às vítimas do trauma
SAÚDE PÚBLICA
Fundações de Amparo à
Pesquisa do Amazonas, do Rio
de Janeiro e de Minas Gerais
financiam rede de pesquisa
contra a “doença do peito”
Nuances culturais e históricas
de romances extensos
latino-americanos são
problematizadas por estudo
da UFMG
Pesquisa multidisciplinar
investiga efeitos da incidência
de radiação UV no Brasil e na
América do Sul
Criada por pesquisador
aposentado da Universidade
Federal de Viçosa, técnica
permite produção simultânea de
cachaça e álcool combustível
Eng. Biomédica
45
LEMBRA DESSA?
46
5 PERGUNTAS PARA...
Raios solares
Artistas e pesquisadores
discutem limites
e possibilidades
do multifacetado
relacionamento entre arte
e ciência
Voltada à manutenção da
qualidade de vida do idoso,
iniciativa avalia benefícios da
prática regular de atividade física
42
Literatura
ESPECIAL
Experimentos sobre atenção
auditiva seletiva podem levar
a dispositivo que permitirá
comunicação com pacientes
imobilizados
Conheça o ofício dos “canteiros”,
mestres que há séculos
transformam pedras em
ornamentos e peças estruturais
O casal Stephen Macknik e
Susana Martinez-Conde discute a
neurociência da mágica
30
ENGENHARIA
DE ALIMENTOS
Duas instituições universitárias
de Lavras (MG) desenvolvem
análise comparativa dos
principais adoçantes
consumidos
pelos brasileiros
Como docente do Senai e estudante de Gestão
da Qualidade, me interessaram muito as reportagens da edição 51 de MINAS FAZ CIÊNCIA. Desde já agradeço e parabenizo à redação
pela excelente iniciativa, haja vista a grande
carência que temos de divulgações sérias, de
assuntos inerentes à ciência e, sobretudo, à
inovação em nosso estado, e – por que não
dizer? – em nosso país.
Ontem à noite terminei a leitura da Minas
Faz Ciência n° 51. Adorei! O número atual
me chamou especial atenção por trazer como
matéria de capa um tema tão recorrente nas
discussões atuais – a escrita e o uso das TICs
–, porém ainda permeado de preconceitos, inclusive em meio aos pesquisadores. Gostaria
de parabenizar a você e à sua equipe pela ousadia, assim como pela excelente revista que
tão bem divulga e populariza o conhecimento
científico.
Bárbara Olímpia Ramos de Melo
Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí
(FAPEPI)
Reinaldo Lourenço Crispim
Instrutor de Formação Profissional/Senai
Belo Horizonte/MG
Sou estudante e pesquisador. Vi a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, da FAPEMIG, e me encantei
com a clareza dos artigos e a organização da
publicação. Vocês estão de parabéns! Fiz meu
cadastro para receba-la e gostaria de também
ter acesso às edições anteriores, já que tenho
uma biblioteca comunitária e recebo diversos
estudantes que, por aqui, realizam pesquisas.
Pretendo lhes oferecer este material, que, com
certeza, fará a diferença na vida e no conhecimento dessas pessoas.
Vander Bruni da Silva
via email
Sobre a reportagem “#prontofalei”, publicada na edição nº 51
Excelente matéria da revista nº 51 (set./Nov.
2012) da @fapemig. Abordou o impacto dos
recursos de informática na escrita de jovens.
Clenio Araújo
(via Twitter)
Prezados senhores: daqui, desta terra entre-serras e guarnecida por anjos barrocos, faço
chegar, até vocês, os meus cumprimentos pela
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/
empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte
endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e
tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é
permitida, desde que citada a fonte.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
5
CARTAS
alta qualidade da publicação da Revista MINAS FAZ CIÊNCIA, cujo exemplar nº 51 tive a
satisfação de ler.
José Antônio de Ávila Sacramento
Membro do Instituto Histórico e Geográfico, da
Academia de Letras e do Conselho Municipal
de Preservação do Patrimônio Cultural de São
João del-Rei
especial
Movidas
pela dúvida
* Colaborou Virgínia Fonseca
6
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Arte e ciência se
entrecruzam, desde
tempos imemoriais,
como resultado da
ânsia humana por
novas descobertas,
tecnologias e
concepções de vida
Maurício Guilherme Silva Jr.*
Em um de seus estudos sobre a natureza da arte, Leonardo da Vinci (14521519) discute, com ênfase no ofício do
pintor, as “dez funções do olho”. Segundo
o mestre italiano – que, em 67 anos de
genialidade, também atuou como cientista,
matemático, engenheiro, inventor, anatomista, escultor, arquiteto, botânico, poeta
e músico –, não caberia às retinas o mero
exercício da observação estética. Para além
de paciência e sensibilidade, o artista deveria
compreender, disciplinada e detalhadamente,
o decálogo de princípios vital à captação, pela
“janela da alma”, dos mais diversos seres,
objetos e cenas. Trata-se de noções relativas
a elementos como “escuridão, luz, corpo, cor,
forma, localização, afastamento, proximidade, movimento e repouso”, sem as quais
seria impossível reproduzir ou “recompor” as
maravilhas do mundo.
“Acaso não vemos que o olho abarca
a beleza de todo o universo, assim como
aconselha e corrige todas as artes da humanidade?”, questionava o sábio do Alto
Renascimento, ao louvar o órgão humano
que chamou de “o príncipe das matemáticas”, por tornar “absolutamente certas” as
ciências que nele se fundavam: afinal, afora a visão, que outro sentido permitiria ao
homem medir as distâncias e a magnitude
das estrelas, desvendar os elementos e sua
localização ou dar à luz “a arquitetura, a
perspectiva e a divina arte da pintura”?
Curioso observar que, ao abordar
atributos essenciais ao bom pintor, Leonardo da Vinci seja capaz não apenas de
problematizar o olhar do artista, mas também – ou principalmente – de alimentar
um dos mais complexos (e fascinantes)
dilemas resultantes da capacidade criativa do homo sapiens: o que caracterizaria,
exatamente, a confluência entre as artes e
as ciências? De maneira mais específica: o
que haveria de artístico nas práticas e teorizações científicas e, por outro lado, qual
seria a “influência” do conhecimento acadêmico para as realizações estéticas?
À cata de respostas a tais questionamentos – etéreos e universais, conforme
se sabe –, MINAS FAZ CIÊNCIA conversou
com uma série de artistas e pesquisadores
de renome internacional (veja, também,
entrevista com o maestro Fabio Mechetti, à
página 12). Realizadas ao longo dos meses
de dezembro de 2012 e janeiro de 2013,
as entrevistas marcaram-se, de um lado,
pela heterogeneidade das experiências
profissionais e dos pontos de vista. Por
outro, acabaram por revelar aquilo que, de
modo unânime, parece mesmo se destacar
como ingrediente fundamental ao desenvolvimento tanto das iniciativas científicas
quanto das expressões artísticas: a boa e
velha “dúvida”.
“A meu ver, tanto a ciência como a
arte buscam novas percepções do mundo. Descobertas pressupõem rupturas de
percepções estabelecidas. Neste referencial, o frescor do novo é gerado a partir
da superação dos limites de uma teoria
científica ou de referenciais estéticos e,
também, da confluência de diferentes
áreas do conhecimento”, destaca Eduardo de Campos Valadares, professor do
Departamento de Física da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) e, ainda,
tradutor de poesia.
Segundo o pesquisador, são comuns
as alterações paradigmáticas proporcionadas, num mesmo período, por “movimentos” artísticos e científicos. Que o diga a
convivência entre Cubismo e Teoria da
Relatividade: “Não é mera coincidência
que a mudança de paradigmas coincida
com movimentos simultâneos de ruptura
nas artes, nas ciências e na sociedade em
geral”, explica, ao citar, ainda, que a Mecânica Quântica foi concebida em momento
de convulsão econômica e social na Alemanha, que vivia conjuntura de hiperinflação e desemprego, marcada por diversas
expressões estéticas de vanguarda. “Neste
Eduardo Valadares realizou importante trabalho de tradução das obras do
poeta alemão Stefan George (18681933). Sobre tal atividade, ressalta o
professor: “Além dos meus interesses
científicos, dediquei dez anos lendo,
quase exclusivamente, poesia – que
alguém definiu como ‘tecnologia de
ponta da linguagem’. Com isso, busquei adquirir a cultura poética que me
permitiu explorar diferentes abordagens de recriação literária.”
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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panorama, embora os atores envolvidos
tenham linguagens diferentes, existe algo
comum que os conecta e os inspira mutuamente”, completa.
Autor de mais de 40 obras infanto-juvenis, o escritor, jornalista, professor
e pesquisador Leo Cunha concorda com
a ideia de que, assim como as investigações científicas, as expressões artísticas
sejam movidas a dúvidas, inquietações e
curiosidades. Apesar disso, destaca o que
considera a diferença crucial entre as duas
atividades humanas: na arte, os diversos
gêneros e correntes estão muito mais habituados a conviver e a dialogar. “Na ciência,
ao contrário, é maior a tendência à substituição de um paradigma por outro”.
Barbas e cabideiros
Por falar em inspirações mútuas
e conflitos paradigmáticos, importante
ressaltar a visão do ator e diretor Chico
Pelúcio, do Grupo Galpão, para quem o
status de “crise” – situação intrínseca à
prática científica – também integra “o antes e o durante” da elaboração artística. “A
busca da arte é revelar o que está por trás
das paisagens, das palavras, das paredes,
dos olhares, dos silêncios e dos gritos.
Por isso, a dúvida e a crise são inerentes ao processo de criação, de tentativa
de tradução de uma realidade aparente”,
comenta. A seu ver, a concepção estética
da obra resulta de íntima relação entre a
racionalidade e a intuição, entre a técnica
e a improvisação: “Para que isso aconteça, é necessário que o criador tenha um
chão e a definição clara do universo a ser
visitado. A partir daí, é fundamental dar
espaço à emoção e à intuição. Há necessidade, ainda, de uma espécie de ‘cabideiro’, roteiro onde essa criação – ora
desordenada e caótica – possa ser organizada, dependurada e analisada”.
Ao comentar as confluências e
dissidências de seu ofício de escritor e
cientista, Angelo Machado – que, além de
professor e pesquisador do Departamento de Zoologia da UFMG, é autor de 35
obras literárias e integrante da Academia
Mineira de Letras – acredita que ambas
as atividades precisam ter, em alto nível, a
criatividade: “Entretanto, o trabalho criativo do cientista é limitado pela verdade.
Ou melhor, por aquilo que, naquele momento, ele acha ser a verdade. O escritor,
ao contrário, não possui limitações. Em
seus textos, pode criar o que quiser”. Essa
foi, aliás, uma das razões que levaram o
próprio Angelo, desejoso de conceber o
absurdo, a se tornar literato: “Em meu livro O velho da montanha, o personagem
principal mora no alto do Pico do Vento e
sua barba tem mais de dois quilômetros.
Como cientista, jamais poderia criar essa
barba. Na pele do escritor, o velho é meu e
eu a ponho do tamanho que quiser”.
Da tela ao chip
O que, na atualidade, as novas tecnologias representam para o “universo” das artes? A questão, objetiva e aparentemente simples, é, no
fundo, reveladora dos desafios a que, atualmente, estão sujeitos os homens da cultura e da produção estética. O diretor Chico Pelúcio,
por exemplo, lembra que a transversalidade das expressões artísticas incluiu os dispositivos tecnológicos como forma de comunicação
com o homem contemporâneo. “Podemos considerá-los apenas como suporte para transmissão das artes tradicionais. O mais instigante,
entretanto, é pensá-los enquanto forma de expressão que se multiplica e se torna complexa a cada piscar de olhos”, comenta.
Eduardo Valadares prefere recorrer aos exemplos para revelar a atual força das novas tecnologias, que permitem aos artistas explorar
temas antes inconcebíveis. O pesquisador cita o trabalho de Mabe Machado Bethônico, da Escola de Belas Artes da UFMG, que, há
alguns anos, usou imagens de aparas de unhas geradas com microscopia de força atômica – técnica de visualização de superfícies com
resolução subatômica – para compor uma obra de arte. O próprio Valadares, quando envolvido com a recriação poética dos versos de
Stefan George, recorreu, por vezes, dispositivos de buscas na internet, que lhe forneceram pistas para uma série de soluções. “Utilizei,
ainda, uma ferramenta de identificação de imagens, no caso de um cristal chamado carneol, que lembra carne, ao qual o poeta se refere
em um verso”, conclui.
Também ciente de que, no campo da criação, as inovações abrem amplo leque de possibilidades – ao permitir, e mesmo estimular, que o
artista explore a fundo, em seu processo criativo, questões como a aleatoriedade, o acaso, a não linearidade e a hipermídia –, Leo Cunha
comenta que, no que tange ao campo da divulgação, as alternativas são ainda mais evidentes: “Afinal, é imensa a capacidade de reprodução, multiplicação e compartilhamento das obras artísticas/culturais. Ao mesmo tempo, ganham dimensão os dilemas envolvidos com a
questão da autoria, dos direitos autorais, da reprodução e intervenção não autorizadas, entre outras questões”.
Já segundo a professora Yacy-Ara Froner, o uso de ferramentas tecnológicas não pode ser visto como um fim em si mesmo. Isso
porque computadores, samplers, programas de imersão, internet e intranet, vídeo, televisão, rádio, GPD etc. são apenas suportes com
os quais os artistas exercem sua imaginação. “Como parte de uma exposição, Eduardo Kac implantou um chip de identificação em seu
tornozelo, registrando o código junto a uma base de dados. Seu trabalho discutiu o controle e o uso de tecnologias no cerceamento da
liberdade e do direito à intimidade e à privacidade”, descreve.
Neste sentido, assim como os demais cidadãos, o artista contemporâneo percebeu-se impelido a desenvolver o pensamento crítico e
a intimidade com as diversas ferramentas disponíveis. “Tanto a arte quanto a ciência convivem ‘na esfera do social’ e dependem das
relações de poder, de identidade, de ideologia. Ambas são produtos de uma época, de um sistema de pensamento, de uma configuração
histórica e, portanto, partilham do mesmo leque de opções seu tempo”, completa.
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
A dicotomia a envolver “verdades e
belezas” também atrai a atenção de Artur
Andrés Ribeiro, integrante do grupo mineiro Uakti e professor da Escola de Música
da UFMG. Há muitos anos, ele ouviu a
frase que, em sua opinião, sintetiza com
propriedade o convívio entre conhecimento e estética: “A ciência busca a beleza na
verdade. A arte busca a verdade na beleza.”
Em função de os dois princípios constituírem “extremidades opostas de uma mesma vara, tendemos a querer encontrar um
ponto intermediário entre eles. Creio ser
este o lugar no qual, por vezes, o Uakti se
posiciona: fazer com que a verdade esteja a
serviço da beleza”.
Coordenadora do curso de Conservação-Restauração de Bens Culturais
Móveis e professora do Departamento de
Artes Plásticas da UFMG, Yacy-Ara Froner diz que são permanentes as relações
entre expressões artísticas e científicas.
Segundo a pesquisadora, por meio das
Ciências Exatas, a arquitetura e a arte
greco-romana determinaram o cânon e
o decoro: desde o Renascimento, o desenvolvimento da perspectiva ocorre por
meio do uso de aparelhos ópticos e da
pesquisa de novos materiais – como a
pintura a óleo –, em busca do realismo
tridimensional. Apesar disso, arte e ciência jamais estabeleceram diálogo tão
intenso quanto na contemporaneidade: “A
introdução das novas tecnologias, tanto
para o uso na expressão e na experimentação artísticas quanto na construção de
novos campos de conhecimento, potencializou a força sinérgica entre ambas”.
Razão e sensibilidade
Mas de que modo, afinal, as técnicas
científicas podem auxiliar as expressões artísticas? Por outro lado, qual a contribuição
das emoções ao cotidiano de um pesquisador? Há séculos, questões desse porte mobilizam a atenção da Epistemologia – ramo
da filosofia responsável pelo estudo da natureza do conhecimento –, assim como estimulam ricas reflexões por parte de especialistas em cultura e estética. Na atualidade,
segundo Yacy-Ara Froner, áreas do saber
como a neurociência, a psicologia e a
educação preocupam-se ininterruptamente
Formado por Marco Antônio Guimarães, Paulo Santos, Décio Ramos,
Artur Andrés Ribeiro, o Uakti é bastante conhecido por desenvolver instrumentos pouco convencionais, a
partir de objetos como tubos de PVC,
teclas de vidro e cabaças.
com o debate sobre o papel da arte para a
formação dos indivíduos e a construção de
pensamentos criativos e autônomos – base
primeira das motivações científicas.
No que tange à natureza do fazer
artístico, a pesquisadora lembra, ao citar
Jean Lancri, que as propostas estéticas
resultam de um entrecruzamento, marcado pela maneira como o artista costuma
elaborar conexões. Segundo Froner, as
questões de ordem técnica e metodológica,
ao longo da elaboração das obras, as referências conceituais e estilísticas de escolas
e poéticas, os diálogos da criação com o
público e os significados dos trabalhos
gerados – enquanto projeções individuais
e coletivas – conduzem à fusão entre técnica e emoção, o que torna complexo o mapeamento dessa linha tênue. “A pergunta
maior, na verdade, é outra: ‘Por que razão
esta distinção torna-se significativa?’ Nem
sempre as questões técnicas são os únicos
marcos operacionais, por exemplo, das
pesquisas científicas sobre autenticidade.
Do mesmo modo, nem sempre a percepção
é o único viés que nos permite acessar
uma obra”, completa.
Segundo o professor Eduardo Valadares, o fundamental a enfatizar é que a arte
tem como suporte, justamente, a técnica. O
que usa um pintor, por exemplo? Tintas. E
o que elas são? Pigmentos, aglomerados
de moléculas, que, por sua vez, absorvem
seletivamente a luz. Já o escultor busca
pedras, metal, tecidos, papelão, e, com o
intuito de implementar seu ofício, recorre a
ferramentas de corte, colas, abrasivos, solda. “Do mesmo modo, o escritor usa a palavra, o átomo da linguagem, além de uma
série de instrumentos: caneta, lápis, computador etc. Assim como átomos formam
moléculas, cristais e tecidos orgânicos –
segundo a Mecânica Quântica e as Leis da
Termodinâmica –, o literato está sujeito às
“Um pesquisador em artes plásticas,
com efeito, opera sempre, por assim
dizer, entre o conceitual e o sensível,
entre teoria e prática, entre razão e
sonho. Mas que a palavra ‘entre’,
aqui, não nos iluda, pois, para nosso pesquisador, se trata de operar no
constante vaivém entre esses diferentes registros.”
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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10
Machado, muitas são as contribuições da
pesquisa acadêmica a seu ofício de escritor – e, particularmente, ao conteúdo das
obras literárias. “Por trabalhar em um Departamento de Zoologia e, ao mesmo tempo, presidir a ONG Fundação Biodiversitas,
que usa métodos científicos para a conservação de espécies ameaçadas de extinção,
tenho a oportunidade de conhecer muitos
fatos curiosos sobre os animais. Essas
informações acabam transportadas para
meus livros”, conta o professor, ao garantir
que a estratégia dá muito certo porque as
crianças adoram os bichos.
Certa vez, um zoólogo amigo do
autor descobriu que, ao contrário do que
pregava a literatura especializada, o lobo-guará come mais frutas do que carne.
O fato levou Angelo Machado a escrever
um livro e a peça de teatro Chapeuzinho
Vermelho e o lobo-guará. No principal
momento da trama, quando está prestes a
engolir a garotinha, o peludo malvado vê
uma melancia em cima da mesa e pergunta à criança: “Para quê esta melancia tão
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
grande?”. “É para você comer”, responde
Chapeuzinho. Resultado? Como se pode
perceber, ao contrário da historinha já
conhecida por todos, o animal acaba por
se satisfazer apenas com a fruta. “Cerca
de cem espécies de animais figuram em
meus livros. Só em A festa de aniversário
da Aline, comparecem 85 bichos, alguns
novos para a ciência. Garanto que um
escritor não zoólogo dificilmente conseguiria dispor de número tão vasto de informações sobre a fauna”.
Também conhecedor das expectativas de seus jovens leitores, Leo Cunha
chama a atenção para o fato de que, apesar
de certas limitações de prazo, tamanho,
tema e linguagem, o escritor sente-se muito mais livre do que um jornalista ou um
cientista: “A liberdade tende a ser maior.
Meu processo criativo, geralmente, passa
por um primeiro momento de risco, desorganização. Para usar um termo da ciência,
começo soltando muitos balões de ensaio,
para, num momento posterior, buscar alguma ordem, alguma racionalização”.
Little Red Riding Hood by G. P. Jacomb Hood
regras gramaticais. Alguns poetas buscam
subverter estas regras e acabam ampliando
o acervo da linguagem”, explica.
De maneira distinta, no que diz respeito à criação artística, Valadares atenta
para o fato de que, além de talento e imaginação, existe certa cultura a unir o artista
a seus predecessores – seja ao ater-se a
temas universais, expressos de formas diferentes, seja ao buscar, incessantemente,
um modo de renovar a percepção do mundo e de si próprio com os instrumentos
e meios à sua disposição. “A meu ver, a
emoção é a sensibilidade do artista em
ação, que se traduz através dos meios técnicos ao seu alcance e nos permite avançar
para dentro e para fora”.
Já Chico Pelúcio, do Grupo Galpão,
acredita que as técnicas, ao contrário do
que muitos pensam, garantem liberdade
aos artistas, para que possam fruir e traduzir melhor as emoções. “No caso do teatro
e da dança, o corpo do ator é sua escrita,
é por onde ele se comunica. Para que um
resultado contundente seja alcançado, revela-se primordial, portanto, que ele tenha
o corpo, a voz e o conhecimento ‘afiados’”,
diz, ao esclarecer que, para tal, deve-se ter
ampla noção de anatomia e consciência
dos próprios limites. “Também é preciso
adquirir bagagem cultural, treinar a sensibilidade, entender de física quântica, de
biodinâmica, e – por que não? – compreender o ser humano”.
Desenvolvimento de técnicas e predisposição à sensibilidade artística são
atividades que convivem de modo natural
no Uakti. Se, nas oficinas realizadas pelo
grupo musical, as pessoas são despertadas ao “interesse pelo ouvir, de maneira
despojada de virtuosismo excessivo e
próximas do sentimento humano”, durante
os exercícios para construção de instrumentos, é exigido dos participantes bom
conhecimento de acústica, marcenaria,
mecânica e performance: “Há, porém, um
interesse vivo por algo, bastante complicado de definir em palavras – talvez por não
se encontrar no plano visível da matéria –,
que segue além desses conhecimentos”. Da música à literatura, modificam-se,
apenas, as especificidades da relação entre
razão e sensibilidade. No ver de Angelo
Saber científico fez Angelo Machado criar lobo também herbívoro
Para ler, ver, ouvir, tocar...
Ao longo das entrevistas realizadas para esta reportagem, pediu-se aos pesquisadores que citassem experiências de artistas que, de maneira própria, abordaram a ciência em suas obras. Confira as boas dicas na literatura, no cinema e nas
artes plásticas:
Os livros, segundo Angelo Machado
“No Brasil, a divulgação de ciências por meio da literatura começou na década de 1940, com Monteiro Lobato e Lúcia
Machado de Almeida. Lobato dedica-se ao tema, por exemplo, em Serões de Dona Benta, Aritmética da Emília e História
das Invenções. Ou quando, em Caçadas de Pedrinho, Emília descreve minuciosamente uma colmeia de abelhas. Já Lúcia
publica No fundo do mar, Na região dos peixes fosforescentes, O caso da borboleta Atiria e Atiria na Amazônia. Dentre os
escritores infantis que ocasionalmente tratam de questões científicas em seus livros, cito Mary França, Ana Maria Machado, Malba Tahan, Sylvia Orthof e Ruth Rocha.” Os filmes, segundo Leo Cunha
“Um dos grandes cineastas contemporâneos, o canadense David Cronenberg lida com as ciências, direta ou indiretamente, em
grande parte de sua obra. Discussões biomédicas estão em Gêmeos – mórbida semelhança e A mosca. Já questões ligadas
ao domínio (ou não) das tecnologias pelo ser humano – assim como da relação homem/máquina, em geral – aparecem em
Scanners, Videodrome, eXistenZ, Cosmópolis e Crash – estranhos prazeres. O diretor também examinou o universo das
ciências humanas em Um método perigoso, filme que trata da amizade, do embate e do rompimento entre Freud e Jung.
Stanley Kubrick é outro grande cineasta a abordar temas científicos. Em 2001 – uma odisseia no espaço, tratou do progresso
e das diversas tecnologias humanas ao longo da história, o que é simbolizado pela famosa elipse entre o osso (atirado ao ar
pelo primata pré-histórico) e a nave espacial (que voa livre, milhões de anos depois). Também discutiu temas da psicologia e
da medicina no filme Laranja mecânica. Ao morrer, deixou pronto o roteiro de Inteligência artificial, que seria filmado, anos
depois, por Steven Spielberg. O norte-americano Terry Gilliam reuniu-se com um grupo de comediantes britânicos e fundou,
na década de 1960, a célebre trupe humorística Monty Python. Nos filmes, questões ligadas ao progresso e às máquinas, assim como aos conflitos entre razão e fé, surgiam esporadicamente. Quando o grupo se desfez, nos anos 1980, Gilliam iniciou
sólida carreira como cineasta, na qual as temáticas ligadas à ciência e à (ir)racionalidade ganharam proeminência. Entre as
obras, podemos citar 12 macacos, O imaginário do Dr. Parnassus e Brazil – o filme.”
As obras de arte, segundo Yacy-Ara Froner
“Eduardo Kak faz parte de um grupo que discute explicitamente os limites éticos da genética e da ciência da informação.
Há artistas, porém, que usam o conhecimento científico como suporte à experiência estética: a Arte Cinética de Jesús-Raphael Soto e Abraham Palatnik demanda profundo conhecimento da física e discute a percepção por meio da digressão óptica. Instalações, de maneira geral, são obras complexas de engenharia, arquitetura e matemática. Em particular,
cito as obras de Richard Serra e de Guto Lacaz, que discutem o tempo e o espaço. Walmor Correia extrapola barreiras,
ao usar o desenho científico para construir esqueletos de seres imaginários. Além disso, a temática não diz respeito
apenas às ciências naturais. Questões políticas e sociais também fazem parte desse repertório: o sociólogo Pierre
Bourdieu e o artista Hans Haacke produziram um estudo – Livre-Troca: diálogos entre ciência e arte –, decorrente de
seus encontros na década de 1980, em que discutem as profundas transformações no meio artístico. A obra de Haacke
condensa uma análise do mundo da arte e das próprias condições da produção artística, questionando as relações de
poder a partir de sua percepção crítica – nas palavras de Bourdieu, quase sociológica – do contexto. Há vários artistas,
como Chen Shaofeng, Rassim e Tereza Margolles que discutem política, intolerância e criminalidade. Há pouco, estive
no instituto Serralves, no Porto, e o trabalho de Nedko Solakov impressionou-me pela potência de questionamentos
sobre o contexto da arte e da sociedade contemporânea. Por ‘temática da ciência’, pode-se entender a apropriação da
ciência, sua refutação ou o questionamento sobre condicionantes éticos da ciência e da arte.”
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
11
ENTREVISTA
A (poética)
matemática
dos sons
Diretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmônica
de Minas Gerais, Fabio Mechetti revela os desafios de um
maestro e a intensa relação entre música e ciência
Maurício Guilherme Silva Jr.
À frente de duas orquestras de padrão internacional, o paulistano Fabio Mechetti não titubeia em destacar o que lhe
mobiliza em direção à arte – atividade, a
seu ver, de foro “subjetivo e não tangencial”: a dúvida. Diretor artístico e regente
titular da Filarmônica de Minas Gerais e
da Sinfônica de Jacksonville, nos Estados Unidos, o maestro afirma não haver
melhor antídoto aos desafios estéticos e
sociais senão a própria busca por solução
a questionamentos e obstáculos de natureza técnica, íntima ou política. Daí, aliás,
a singular proximidade, discutida ao longo
desta entrevista, entre música e ciência –
ofícios humanos mobilizados, justa e permanentemente, pela procura de “respostas
capazes de solucionar problemas atuais,
melhorando as perspectivas futuras em
suas várias aplicações”.
Mestre em regência e composição
pela Juilliard School, de Nova Iorque,
Mechetti também revela, aos leitores de
MINAS FAZ CIÊNCIA, as racionalizações
e responsabilidades inerentes ao ofício do
maestro, os significados da formação acadêmico-científica para a trajetória de músicos e musicistas e a paradoxal convivência
entre orquestras e novas tecnologias.
12
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Discutir ciência é tratar das “crises permanentes” – paradigmáticas ou metodológicas –, capazes de alimentar, na
pesquisa, a “eterna dúvida” sobre tudo.
Tais estados críticos também seriam inevitáveis à elaboração das mais relevantes expressões e/ou criações artísticas?
Em algo tão subjetivo e não tangencial quanto a arte, tudo é dúvida. Ao mesmo tempo, toda obra de arte é a resposta
a um questionamento interno do próprio
artista – fruto da vontade de se expressar
em sua linguagem ou em retorno a um
estimulante externo, proveniente de questões sociais, políticas etc. Logicamente, a
arte, ao contrário da ciência, não é, em si,
pragmática, no sentido de exercer influências determinadas e mensuradas nas pessoas ou na sociedade como um todo. Entretanto, “só” por meio dela (ou, de modo
menos arrogante, “principalmente” por
meio dela) é que certas transformações são
possíveis. Parafraseando Picasso, eu diria
que a arte (ou “a melhor arte”) é aquela que
não necessariamente reflete a realidade,
mas tenta mudá-la, por compreender que
ela sempre poderá melhorar. Nesse sentido, as expressões artísticas aproximam-se
da ciência, que busca, constantemente,
Foto: Eugênio Sávio
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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“Logicamente, a arte,
ao contrário da ciência,
não é, em si, pragmática,
no sentido de exercer
influências determinadas e
mensuradas nas pessoas ou
na sociedade como um todo.
Entretanto, “só” por meio
dela (ou, de modo menos
arrogante, “principalmente”
por meio dela) é que certas
transformações são possíveis”
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respostas capazes de solucionar problemas atuais, melhorando as perspectivas
futuras em suas várias aplicações. É interessante mencionar aqui, para efeito de
ilustração dessa ideia, algo dito, mais ou
menos assim, por Einstein: “Se eu não tivesse descoberto a teoria da relatividade,
alguém o teria feito, pois ela estava aí para
ser revelada. Porém, se Mozart não tivesse
escrito seu ‘Requiem’ – ou se Beethoven não
fizesse a ‘Nona Sinfonia’ –, ninguém mais o
teria feito, pois só a arte é capaz de realmente criar algo do nada”.
Em seu ofício diário, como maestro,
que atividades ou ações precisam
ser necessariamente racionalizadas?
No outro extremo, em que momentos
revela-se fundamental o afloramento
da sensibilidade estética?
Um regente é, de certa forma, um
empreiteiro com um projeto em mãos – a
partitura –, não concebido por ele, mas
pelo compositor. O maestro, porém, é responsável pela transformação de uma ideia
em algo desfrutável. Assim como um empreiteiro, ele deve analisar o projeto, entender sua dinâmica, suas necessidades,
seus desafios, e planejar, com entendimento, eficiência e competência, como irá
realizar esse projeto. Esse é um trabalho
essencialmente racional, baseado em técnicas que não apenas ele, mas também
o criador (arquiteto/compositor) têm em
comum. Além de alcançar o entendimento
teórico da questão, por meio dessa preparação, o maestro busca a aplicação adequada no sentido prático. Os ensaios são,
na verdade, o processo de “construção”,
em algo vivo, daquele modelo desenhado
na partitura. Assim como qualquer belo
projeto arquitetônico iria às ruínas caso
não houvesse perfeita solidez nas questões
técnicas, uma apresentação de concerto
ruiria sem clareza estrutural da obra, sem
limpeza em sua realização, sem o equilíbrio sonoro capaz de realçar as perspectivas inerentes a essa obra, sem o ritmo
consistente e fluido que lhe confere forma.
Só assim é que a obra, quando finalizada,
deslumbra toda a sua beleza e seu impacto
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
emocional. Na metáfora que usei, entre o
empreiteiro e o regente, a única diferença
básica é que o maestro, além do necessário enfoque racional, precisará embasar
sua análise numa concepção estética que
contemple a “emocionalidade” inerente à
obra em questão. Sem ela, não se justifica
o momento de sua realização.
Em A República, Platão discute as
consequências éticas e políticas da
“produção do falso” pelo discurso do
poeta. Em outros termos, o pensador
grego questiona a necessidade de autonomia da arte em relação à ética e
à política. Neste sentido, afasto-me da
ciência para lhe perguntar sobre a relação entre música e sociedade: o que,
a seu ver, há de “político” nas principais obras dos grandes compositores?
Depende. O engajamento social ou
político das obras de arte, ao menos no
campo da música, é algo que só vai ocorrer, de maneira consciente, no século XIX.
A maioria das obras barrocas, pré-clássicas
ou clássicas caracterizava-se, exatamente,
pela “distância” que mantinha com relação
a associações da música com influências
externas. Era a arte pela arte. O artista como
agente político talvez se inicie com Beethoven, que, fruto do Iluminismo e dos ideais
da Revolução Francesa, passou a usar de
sua arte para exprimir conceitos de independência, de igualdade etc., e a lutar pela
valorização do artista como criador – e não
submisso à aristocracia. Mesmo assim, essa
postura se manifesta de forma muito sutil em
suas obras. Sabemos que a “Sinfonia Eroica”
foi originalmente composta para Napoleão,
mas, depois que este se declarou imperador, Beethoven rabiscou a dedicatória e a
chamou, simplesmente, de “Eroica”. Isso,
porém, não se vê diretamente na música. A
peça é, em si, revolucionária, não porque manifestava a reação política de Beethoven com
relação ao status quo político, mas porque,
estruturalmente, baseada em questões puramente estéticas e formais, representa um
passo gigantesco na evolução da história da
música. O compositor, entretanto, revelou o
caminho do subjetivismo na música, usado
por toda a geração romântica. Wagner, por
exemplo, e Verdi – até certo ponto – foram artistas ativamente envolvidos com política. Em
algumas de suas obras, isso se manifesta de
forma direta. A meu ver, porém, quando a arte
se propõe a ser primordialmente política, ou
social, ela se diminui enquanto arte. A melhor
expressão artística é aquela que não necessariamente deixa de ser engajada, mas não trata
esse engajamento como objetivo primeiro,
e sim como o resultado de um pensamento
estético – proveniente, talvez, de um impulso
político, mas que, só após seu valor artístico,
atinge conotação extramusical.
Atualmente, para a trajetória de um
músico profissional, como o senhor
avalia a importância da dedicação a
estudos de mestrado e doutorado?
Para o maestro, é vital que músicos e
musicistas invistam em caminhos, digamos, “mais científicos”?
Há duas respostas distintas a essas
questões. Para a trajetória bem-sucedida
de um músico profissional, ter ou não ter
mestrado e doutorado é irrelevante. Nas audições para ingresso na Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, por exemplo, os músicos se apresentam atrás de um biombo. O
importante, afinal, é como esse candidato
toca, independentemente de sua formação
acadêmica. Isso não quer dizer, entretanto,
que o resultado da audição não traduzirá,
exatamente, o melhor preparo, advindo de
bom treinamento, de experiências adquiridas empiricamente ou em meios acadêmico-científicos. Acho primordial que qualquer
músico – seja ele orquestral ou solista famoso
– avance em suas concepções estéticas, o
que não pode se basear, simplesmente, no
talento natural e intuitivo que tem. Para tal,
são necessários anos de pesquisa, de erros
e acertos que, pouco a pouco, vão construindo esse músico.
De modo objetivo – e em recorrência
ao que prega o senso comum –, pergunto-lhe: o que há de “matemático”
no ofício do maestro? De modo antípoda, quando o senhor está com a batuta
nas mãos, qual o papel da “emoção”?
Algo que distingue a especificidade
de um regente, em relação a outro músico, é que o maestro não faz absolutamente nenhum som. A principal função de um
maestro é convencer seus músicos de que
o que tem a oferecer merece a atenção da
orquestra, e que segui-lo levará os músicos a uma execução íntegra e coesa. A
emoção, logicamente, é um ingrediente
importante, mas que só se realizará caso
os músicos sob sua batuta estiverem
emocionados. Isso só ocorrerá quando
existir respeito mútuo entre músicos e
maestros, assim como entre todos eles e
o compositor interpretado.
O que as novas tecnologias representam
para o “universo” da producao erudita –
da acústica dos palcos às possibilidades
de gravação; da preparação dos músicos
ao estudo e/ou resgate de obras?
Vivemos, na verdade, um grande paradoxo, não apenas em música, mas em
qualquer outra atividade: quanto maior o
volume de informação a que temos acesso,
menos preparados estamos para saber como
usá-la. Vejo, com certa preocupação, nossa
inabilidade para lidar, no dia a dia, com tanta
informação (ou, por vezes, “desinformação”).
Mesmo no campo da música erudita – certamente, um dos nichos mais herméticos
ainda existentes na sociedade –, a facilidade
em obter informações (livros, partituras, gravações, vídeos no YouTube) transforma-se
numa incrível e enorme dificuldade de usar
esse conteúdo de maneira coerente, íntegra,
aplicável à melhoria daquilo que fazemos.
Do ponto de vista técnico, creio que, hoje,
os músicos – entre os quais, obviamente, me
incluo – são bem melhor preparados dos que
os de antigamente. No entanto, é preocupante
ver como tão poucos são capazes de transformar essa abundância de informação em algo
inteligente. Não quero dizer, com isso, que
somos mais burros dos que os de décadas
atrás, mas que a velocidade com que hoje a
informação se dissemina nos pegou, de certa forma, de surpresa. Neste cenário, muitas
vezes, não temos os instrumentos necessários para usá-la de forma coerente. Existe,
na atualidade, um relativismo exagerado na
interpretação de valores, que, espero, será
certamente questionado em breve. Existem
valores absolutos, ou, ao menos, sensivelmente não contestáveis. É por meio dessa
constatação que voltaremos a “aprender” a
separar o joio do trigo e a utilizar informação
não apenas cumulativamente, mas também
qualitativamente. Desse modo é que, espero,
a boa arte vá nos ajudar a reencontrar o papel
civilizatório sempre exercido por ela.
O senhor poderia comentar, com base
em sua vivência pessoal, o significado
da ciência para o homem?
É engraçado perceber-me respondendo a algo com o que, certamente,
não esperava estar envolvido, mas que
sempre me preocupou – a ponto de escrever ensaios a respeito. Como artista,
em busca de minha funcionalidade social,
e, também, de meu papel como provedor
de “entretenimento”, sempre defendi a relevância da arte enquanto instrumento de
emancipação da humanidade: falo de sua
função civilizatória e de sua importância
como catalizadora das experiências humanas – capaz de nos ensinar algo, para
que possamos realmente progredir. A ciência, assim como a arte, busca respostas
que enriqueçam o conhecimento humano,
desmistifiquem o incompreensível e valorizem o homem enquanto agente de sua
própria existência. Hoje, falta-nos compreensão - ou vivemos uma espécie de
real confusão – quanto a um preceito importante: o avanço tecnológico não pode
ser visto como sinônimo de progresso
em si, mas, tão somente, como um instrumento a mais para que alcancemos a
experiência utópica de uma sociedade
melhor, mais igual, mais justa – e, sim,
também mais culta, mais educada, mais
civilizada. Neste sentido, arte e ciência
são antídotos à ignorância e à mediocridade institucionalizadas. Em outros termos: de mãos dadas, a arte e a ciência
– por se embasarem na busca – serão
efetivamente as manifestações humanas
que determinarão o sucesso, ou insucesso, de nossa civilização.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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ROBÓTICA
Competições são vitrine do
conhecimento para estudiosos
que se dedicam à construção de
máquinas capazes de reproduzir
comportamento humano
Virgínia Fonseca
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Santos Dumont:
para ir além
Por meio dos editais do programa
Santos Dumont, a FAPEMIG financia projetos de iniciação tecnológica
que permitam ao aluno testar seus
conhecimentos acadêmicos, além de
possibilitar a participação de equipes
discentes em competições de caráter
educacional. Na edição 2012, diversas pesquisas na área de robótica,
similares às desenvolvidas em Uberlândia, foram aprovadas. “Todas as
participações estão vinculadas a um
projeto, de modo que os resultados
possam ser aplicados nas disputas.
Ou seja, não treinamos simplesmente para competir, mas aplicamos na
competição o conhecimento adquirido em estudos”, afirma o professor
Guilherme Sousa Bastos, coordenador da equipe da Universidade Federal de Itajubá.
Enquanto Hope, a goleira, faz o reconhecimento do espaço entre as duas traves,
as atacantes Lena e Kate dedicam-se aos
cálculos necessários para chutes certeiros. Afinal, uma disputa de pênaltis
contra o México requer preparo por parte
da equipe. Já a corredora Rose, embora
tenha feito o melhor tempo nas prévias,
mostra-se um pouco indisposta, o que
pode colocar em risco o seu desempenho
na etapa final da categoria. A dupla de vôlei de praia Maria Elisa e Talita, por sua
vez, não se deixa abater, mesmo diante de
uma disputa acirrada, que deve se estender por dias, até a partida derradeira. Nem
todos os nomes não são conhecidos do
grande público, mas o cenário bem retrata
os momentos vividos por atletas durante
uma competição esportiva – quiçá, olímpica! A diferença, aqui, fica por conta das
características peculiares das jogadoras:
elas têm, no máximo, 60 cm de altura e
dois anos de “idade”.
A despeito de suas particularidades, as competidoras, neste caso, são
bastante reais e, de fato, defenderam seu
time nas respectivas categorias durante
a última edição da Latin American Robotics Competition (Larc 2012), em outubro
passado, no Ceará. As robôs pertencem à
Equipe de Desenvolvimento em Robótica
Móvel (Edrom), associação de discentes
dos cursos de graduação da Faculdade de
Engenharia Mecânica (Femec) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Sob
Foto: Arquivo Edrom
orientação de um professor tutor, a Edrom
participa, desde 2010, de competições
nacionais e internacionais de robótica nas
modalidades educacionais e de futebol de
robôs humanoides.
A Edrom conquistou o 1º lugar, com Talita
e Maria Elisa, na simulação de partida de
vôlei de praia entre equipes formadas por
robôs constituídos a partir de kits educacionais Lego. Em outra categoria, numa
corrida de quatro metros em linha reta, a
robô Rose obteve o 2º lugar e o melhor
tempo geral. Já no futebol, Hope, Lena e
Kate venceram o México na demonstração
técnica de pênaltis.
Para além da participação em disputas que abarquem o desenvolvimento de
sistemas mecatrônicos, o grupo tem como
objetivos promover o aperfeiçoamento
técnico-acadêmico de seus membros e
fomentar seu espírito empreendedor. “Buscamos, ainda, proporcionar o contato dos
discentes com o mercado de trabalho e
realizar atividades de extensão inerentes
aos cursos de graduação”, complementa
o professor Rogério Sales Gonçalves, que,
em 2009, assumiu a tutoria da Edrom.
Competições de robôs, em atividades
como futebol, judô, resgate ou combate,
tornam-se vitrine para a divulgação do desenvolvimento tecnológico.
A “missão” das “criaturas” móveis
projetadas não se restringe à atuação nos
campeonatos. Os estudos que resultam em
sua construção permitem, ainda, a criação
de dispositivos robóticos que podem auxiliar o ser humano em atividades relacionadas à exploração de lugares de difícil acesso, à localização e salvamento de vítimas
em regiões atingidas por catástrofes como
terremotos e maremotos, entre outras tarefas. Na UFU, as pesquisas têm culminado
em tecnologias capazes de ajudar idosos,
paraplégicos, tetraplégicos e outras tantas
pessoas com dificuldades de locomoção.
Arte da guerra
A robô Hope defendeu a equipe Edrom à frente do gol na Larc 2012
Os robôs são construídos a partir da
experiência adquirida ao longo das competições. Eles derivam de projetos mecatrônicos que abrangem várias etapas, nas
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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quais é necessário o estudo e a aplicação
das teorias aprendidas durante o curso de
engenharia. Além do desenvolvimento e da
construção da parte mecânica, há a eletrônica, que envolve o controlador – cérebro
do robô – e sensores para interação com o
ambiente – similares aos sentidos dos seres humanos. Por fim, vem a programação,
processo em que se dota o dispositivo de
inteligência artificial, algo comparado ao
aprendizado humano para realizar tarefas
cotidianas e específicas.
Nas chamadas competições inteligentes em robótica, o intuito é, justamente,
desenvolver robôs autônomos, capazes de
realizar tarefas fundamentadas em atividades
do cotidiano, para que daí resultem tecnologias possíveis de serem aplicadas ao dia a
dia. “As disputas acabam por estimular ambiente similar ao de uma guerra, e é dentro
deste contexto que as inovações tecnológicas
aparecem”, compara Rogério Sales. Primeiramente, as equipes têm que buscar os melhores equipamentos e recursos humanos.
Depois, é necessário o planejamento das tarefas a serem realizadas, em um curto espaço
de tempo, até a grande “batalha” (competição). “É da necessidade de cumprir o desafio
que surgem desenvolvimentos dentro da
robótica”, conclui o professor.
Os alunos têm a possibilidade de
aplicar os conhecimentos teóricos com a
utilização de equipamentos de ponta, além
de se manter em contato com o mercado
de trabalho. “Participar de competições
tem sido fundamental para mim, pois é
uma forma de aprimorar a capacidade de
resolução de problemas práticos, habilidade fundamental na rotina do engenheiro”, afirma o atual presidente da Edrom,
Anazíbio Batista de Faria Neto, graduando
do 8º período de Engenharia Mecatrônica.
O tutor revela que o envolvimento no projeto, quando os estudantes estão nos períodos iniciais, diminui também o índice
de evasão. “Mas a grande diferença entre
as guerras e as competições robóticas é
que não existem perdas de vidas, mas a
possibilidade de aprender e melhorar com
os erros”, afirma.
Uma das estratégias bélicas de que
os competidores não abrem mão é o segredo em torno dos equipamentos desen-
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volvidos e da estratégia prevista. Como
hoje e facil a obtenção de informações
e a ampla revisão bibliográfica do atual estágio do desenvolvimento de robôs
aplicados a competições, o elemento
surpresa é fundamental para a vitória. Na
modalidade Standard Educational Kits
(SEK), por exemplo, são utilizados kits
comerciais educacionais, no formato dos
jogos de montar Lego, o que permite às
equipes, se tiverem acesso ao projeto das
concorrentes, copiar ideias e táticas para
cumprir o desafio, modificado a cada ano.
A tecnologia muda rapidamente e,
mesmo durante os eventos, alunos e robôs estão em constante evolução. “Isto é
importante para o aprendizado dos profissionais. Afinal, estarão diante de um
mercado de trabalho dinâmico, no qual
os problemas aparecem e devem ser solucionados em curto espaço de tempo”,
argumenta o pesquisador. Ao término das
disputas, tem-se a exposição de relatórios
técnicos, que dão, aos membros de todas
as equipes, acesso a ideias, estratégias e
equipamentos usados pelos concorrentes
para resolver os desafios. Dessa forma, o
conhecimento é difundido e os grupos se
veem obrigados a pensar em inovações
para as próximas disputas. “As competições são uma prova da superação em
criatividade, organização e planejamento
da equipe, além do esforço de suportar
os dias de disputa diante da pressão
intensa dos adversários”, complementa
o coordenador do curso de Engenharia
Mecatrônica da UFU, professor João
Carlos Mendes Carvalho.
A Edrom conta com 10 estudantes e com o
professor Rogério Sales. Os componentes
são escolhidos por meio de processo seletivo, do qual participam graduandos do
segundo ao quinto períodos. Dessa forma,
espera-se o crescimento dos alunos, conjuntamente à equipe, que apresenta taxa de
renovação anual em torno de 30%.
Nos campeonatos de futebol de robôs humanoides, o desenvolvimento dos
dispositivos está diretamente relacionado
a investigações que tentam imitar o ser
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
humano. Busca-se construir máquinas que
possuam constituição e comportamentos
de movimentação similares aos do homem,
inclusive quanto à forma de caminhar. Para
isto, diversos pesquisadores têm estudado
o equilíbrio dinâmico de robôs bípedes, e
não apenas a implementação do equilíbrio
estático. Nesse sentido, um dos objetivos
da RoboCup é promover a troca de experiência e fomentar pesquisas em conjunto.
Evolução
Assim como os demais docentes que
trabalham o tema na UFU, Rogério Sales
está vinculado ao Laboratório de Automação e Robótica (LAR) da instituição, coordenado pelo professor João Carlos Carvalho, um dos pioneiros nos estudos da
área em Minas Gerais. As investigações do
grupo direcionam-se ao estudo das estruturas seriais e paralelas (análise de trajetórias, espaço de trabalho, análise dinâmica,
flexibilidade, controle) e suas aplicações,
principalmente aquelas voltadas aos robôs
industriais, à reabilitação dos membros
humanos, à robótica móvel, além das já
citadas competições acadêmicas.
Uma das áreas em que os cientistas
têm concentrado esforços diz respeito
a projetos de biomecânica e biorobótica aplicados à recuperação de pessoas
com problemas de movimentação nos
membros superiores e inferiores. “Trabalhamos, também, com uma linha de
pesquisa para implementação de um
centro virtual de reabilitação, que usa
jogos acoplados a estruturas robóticas.
Esse mecanismo poderia ser utilizado,
inclusive, por atletas paraolímpicos”,
sinaliza Rogério Sales. O próprio professor conduz, ainda, um trabalho que trata
do desenvolvimento de robôs para inspeção e manutenção de cabos de alta tensão.
A aproximação entre a ciência e o
cotidiano não está apenas nas habilidades
rotineiras de que se pretende dotar os robôs. Outra faceta em evidência na UFU são
os projetos de extensão em robótica educacional, focados na interação com alunos
do ensino médio, bolsistas de programas
de iniciação científica júnior. “Usamos a
robótica como motivação, a partir da cons-
trução de robôs baseados em kits educacionais da Lego, para atividades como
encontrar a saída de labirintos e simular
o desarmamento de bombas com equipamentos telecomandados”, exemplifica. As
aplicações, sugere o professor, permitem
aos estudantes o desenvolvimento de habilidades necessárias a seu bom desempenho escolar e pessoal, como organização,
pesquisa bibliográfica, cumprimento de
prazos e metas, apresentação de trabalhos
e exposição de ideias.
Os trabalhos do LAR já renderam
uma carta patente. Além disso, há dois
outros pedidos em andamento. A formação
de mão de obra altamente especializada,
com a qualificação de doutores, mestres,
centenas de alunos de iniciação científica e
de projetos de conclusão de curso, é outro
resultado apontado.
No que diz respeito aos avanços da
área, João Carlos Carvalho explica que a
robótica é multi e interdisciplinar. Assim,
sua evolução depende, em muito, do progresso de outros setores, como eletrônica,
microeletrônica, computação, sensoria-
mento, processamento matemático, mecânica etc. “Isso me permite afirmar que
o avanço, visto desde meu início nesta
atividade, em 1984, faz com que a robótica daquela época possa ser considerada
um objeto digno de museu”, brinca. Um
exemplo são os atuais computadores, detentores de velocidades de processamento
inimagináveis 30 anos atrás.
O pesquisador destaca que as possibilidades de aplicação da robótica são inúmeras, desde tarefas do dia a dia – como
a limpeza da casa – a missões delicadas,
a exemplo da manipulação de cargas explosivas ou radioativas. “Nesse sentido,
a imaginação humana é o limite”, afirma. Fica uma ressalva, porém, quanto ao
universo ficcional. A presença de robôs
e sistemas automatizados no cotidiano é
crescente – em procedimentos médicos,
na indústria, nos transportes e em outras
áreas –, mas as máquinas humanoides,
com aparência e comportamento idênticos
aos do homem, conforme apresentado em
obras de ficção, avisam os pesquisadores,
ainda serão para um futuro distante.
De olho na “Copa 2014”
Os editais do Programa Santos Dumont [veja Box] representam importante
suporte para as atividades da Edrom. Com
recursos dessa iniciativa, sob orientação do
professor João Carlos Mendes Carvalho,
o grupo montou o time de robôs humanoides que participa de jogos de futebol
pioneiro nas Minas Gerais. A equipe,
agora, se empenha no desenvolvimento
do primeiro robô humanoide em tamanho
real (1,30m) do Brasil, que deve estrear
em competições internacionais ainda em
2013. Já em 2014, o protótipo construído
precisa estar pronto para representar o país
na RoboCup – Adult Size, campeonato
mundial de robótica que, pela primeira vez,
ocorrerá em território brasileiro. “O desafio da construção deste robô é imenso. Na
RoboCup 2012, apenas seis equipes de
todo o mundo concorreram nessa modalidade”, comenta o professor. Rogério
Sales acrescenta que a Edrom conta,
também, com o apoio da UFU, da Femec,
da Fundação de Apoio Universitário (FAU)
e de empresas que colaboram para a participação em competições internacionais.
Conheça projetos aprovados no edital 2012 do
programa Santos Dumont:
Projeto: Desenvolvimento e construção de um robô huma-
dade Federal de São João del-Rei / Campus São João del-Rei
noide para jogar futebol
Coordenador: Rogério Sales Gonçalves - UFU
Projeto: Projeto e Montagem dos Robôs Omnidirecionais
Projeto: Desenvolvimento de Robôs e Participação em
Coordenador: Alexandre Brandão - Universidade Federal
Competição de Futebol de Robôs Categoria Very Small
Coordenadora: Karla Boaventura Pimenta Palmieri - Universidade Federal de Ouro Preto
Projeto: Equipe de Robótica Mecatron para competição
IEEE Standard Educational Kit
Coordenador: Pedro Shiroma - Universidade Federal de
São João del-Rei / Campus Alto Paraopeba
Projeto: Uaisoccer- Futebol de Robôs da UFSJ
Coordenador: Erivelton Geraldo Nepomuceno - Universi-
de Quatro Rodas da Equipe BDP / UFV
de Viçosa
Projeto: Projeto, Construção e Programação de Robôs
Móveis para Competições Universidade Federal de Viçosa
Coordenador: José Augusto Miranda Nacif - Universidade
Federal de Viçosa / Campus Florestal
Projeto: Participação na Competição Brasileira de Robóti-
ca: Futebol Simulado 2D, Resgate Simulado e Festo Robotino Logistics Competition
Coordenador: Guilherme Sousa Bastos - Universidade Federal de Itajubá
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PSICOLOGIA
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Todos eles têm direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária. Esse pequeno texto
elenca apenas alguns dos direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Constituição Federal de
1988 também diz, em seu artigo 227, que é
obrigação do Estado, da família e da sociedade manter a infância e a adolescência a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. Parece muito natural que isto
aconteça, mas, na prática, tudo ainda é
utopia no país. São inúmeras as dificuldades sociais enfrentadas pela sociedade
brasileira, mas uma das principais é a falta
de proteção das crianças e adolescentes,
principalmente no que diz respeito aos
maus tratos e à violência sexual infantil
– um dos problemas mais graves a serem
combatidos, com atenção crescente, em
ações conjuntas de governo e população.
Em 1990, com a instituição do ECA
– que determinou a adoção legal de mecanismos específicos de proteção –, a
luta contra a violência sexual teve reforço
em seu aparato legal. Dentre tais mecanismos, destaca-se a função dos Conselhos Tutelares, que se tornaram responsáveis por receber, averiguar e encaminhar
às autoridades judiciárias denúncias
de violação aos direitos da criança e do
adolescente. Nos Juizados da Infância e
Juventude, após o estudo de cada caso,
trabalho realizado por psicólogos e assistentes sociais, e a averiguação da situação de risco a que as crianças estejam expostas, os juízes determinam medidas de
proteção aos pequenos – do afastamento
do agressor da moradia comum à perda
da guarda do(s) filho(s) e seu consequente encaminhamento a abrigos sociais.
O ano de 2000 marcou-se pela implantação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil,
seguido, em 2001, pelo “Programa Sentinela”, que passou a oferecer assistência
social às vítimas de abuso sexual. Para
acolher as denúncias, o Governo Federal criou um serviço de Disque-Denúncia
(Disque 100), gratuito, para todo o país,
que apresentou significativos resultados.
Segundo relatório elaborado pelo Comitê
Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, entre 2003
e 2010, o número de denúncias recebidas
pelo Disque 100 cresceu 625%. A média de
ligações registradas a cada dia passou de
12, em 2003, para 129 em 2011. O projeto
já foi responsável por cerca de 2,7 milhões
de atendimentos e encaminhou mais de 164
mil denúncias em todo o país.
O aumento das denúncias refletiu diretamente no trabalho da psicanalista Cassandra Pereira França, do departamento
de psicologia da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). “Comecei a perceber que, de uns anos para cá, apareceram
muitos casos de abuso sexual infantil.
Eram casos tão graves que muitos alunos
não tinham condições de atender. Por isso,
eu tinha que acompanhar de perto, orientar, supervisionar e percebi que não ia dar
conta. Precisava formar uma equipe especializada”, lembra. A partir da expressiva
demanda, surgiu o projeto de pesquisa e
extensão Cavas – Crianças e Adolescentes
Vítimas de Abuso Sexual (www.projetocavas.ufmg.br). “Buscamos ser referência na
pesquisa sobre o enfrentamento ao abuso
sexual infanto-juvenil em Minas Gerais e
propiciar a articulação entre o conhecimento acadêmico e a rede de proteção a
crianças e adolescentes”, explica Cassandra, coordenadora do projeto.
Além de constituir um polo de atendimentos psicoterápicos a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, o grupo
elabora pesquisas, organiza equipes de
estudos e de produção de textos científicos relacionados ao tema e oferece cursos
tanto para a comunidade acadêmica como
para profissionais que atuam fora da universidade. “Privilegiamos um trabalho com
perfil acadêmico de clínica e pesquisa. Ao
invés de investir em quantidade, preferimos fortalecer a qualidade dos atendimentos. Os casos viram objeto de pesquisa na
graduação, por meio de bolsas de iniciação científica. O projeto cresceu, e, hoje,
temos 16 pessoas na equipe”, conta.
Reféns da dor
O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que os cidadãos são obrigados a
denunciar atos presenciados de violência.
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Quem não denuncia pode ser indiciado
por negligência. “Tudo o que antes estava
abafado, guardado em segredo, começou a
vir à tona”, relata a psicanalista. Segundo
a pesquisadora, é difícil definir o perfil
de um abusado, mas há características
típicas e que podem ser definidas, apenas, como indicadores de suspeita. “A
criança para de brincar, apresenta queda
significativa no rendimento escolar, perda
do entusiasmo e da alegria e se mantém
‘mais afastada’. Ela se torna refém de um
segredo e fica presa ao silêncio, já que
o abuso, geralmente, vem acompanhado
de ameaça impossível de ser enfrentada.
Os sintomas assemelham-se aos de um
sequestrado”, descreve.
Em 2005, pesquisas da Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos revelaram dados alarmantes: do número total
de denúncias, 56,5 % das vítimas eram
crianças de até 6 anos de idade – estatística agravada pelas conclusões extraídas
de estudos realizados por ONGs, o abusador sexual raramente é um estranho.
Na maioria das vezes, trata-se de alguém
muito próximo da criança ou do adolescente – pessoa de seu convívio e com
quem mantém relação de confiança, afeto e respeito. Importante ressaltar, ainda,
que, geralmente, são pessoas do sexo
masculino. Pode ser o pai, o padrasto,
o tio, o primo, o avô, além de parentes,
vizinhos, professores ou desconhecidos.
Quanto mais próximo o vínculo, mais
difícil é, para a criança, revelar o abuso
sexual. E mais devastadoras revelam-se
as consequências do ponto de vista psicoemocional.
“Trabalhamos com o final da rede.
Quando as crianças chegam à clínica, já
enfrentaram todas as etapas da denúncia”,
explica Cassandra. Segundo a pesquisadora, todas estas fases são muito dolorosas para as vítimas, que criam mecanismos psicológicos de defesa. Elas têm que
repetir os relatos para todas as instâncias
e profissionais (Conselho Tutelar; assistentes sociais, psicólogos, juízes) e, ao
final do processo, os relatos, por vezes,
tornam-se incoerentes, o que facilita a defesa do abusador. “A criança tem uma série
de mecanismos psíquicos de defesa, que
a faz confundir o que aconteceu. Muitas
vezes, ela fica confusa e não sabe se tudo
foi pesadelo ou se seria verdade. Tais mecanismos dificultam a apuração dos fatos”,
explica. Ainda há outro agravante a impedir
a condenação do agressor: a maioria dos
abusos sexuais não deixa marcas, o que dificulta a coleta de provas mais consistentes.
A pesquisadora explica que, nos últimos anos, a tendência de ação do judiciário tem sido retirar o abusador de casa
– e não mais a criança, antes levada para
abrigos. O problema é que, no geral, são
os abusadores que provêm o sustento da
família. Desse modo, retirá-los de casa
acaba por gerar uma série de consequências para as vítimas. Além de receber ameaças do agressor, são acusadas, pela mãe e
pelos irmãos, de prejudicá-los. “A composição familiar é geralmente tão patológica
que, muitas vezes, a própria mãe retira a
queixa. Nestes casos, a criança sempre sai
Entenda como funciona a rede de proteção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil
Portas de Entrada
Atende demanda imediata e
encaminha/comunica ao CT
Responsabilização
Disque
Denúncia
Abordagem
de rua
Ministério Público
Proteção
1
Delegacia
CREAS
Receber Denúncia
(Estadual ou Federal)
(Art. 24 do Código Penal
Art. 201, VII do ECA)
Abrigo
(48 h para
comunicar CT
e a autoridade
judiciária
Art. 93 do ECA)
(Arts. 13
e 245 ECA)
Escola
(Arts. 56
e 245 ECA)
Comunidade /ONG
(Art. 18 - ECA)
CRAS
Conselho Tutelar
(Art. 136, I a IX - ECA)
Medidas Protetivas
Acolhimento
(Art. 101, VII e VIII)
Medidas destinadas
a famílias
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(Art. 101, I a VII)
Polícia Civil
Autoridade Judiciária
(Juiz(a) Criminal)
Vara Especializada
Fonte: Unicef
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Unidade
de Saúde
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(Art. 129, I a VII - ECA)
Autoridade Judiciária
(Juiz(a) da Infância e Juventude
Art. 148, VI e VII)
(abuso ou
exploração sexual
inquérito policial)
1
Centro de Referência Especializado de Assistência Social
2
Centro de Referência de Assistência Social
2
prejudicada, pois passa por mentirosa, é
acusada de destruir o lar e perde a família. Assim, ela vai mudando suas versões
do caso, até desmenti-lo por completo”,
esclarece Cassandra, para quem o sofrimento maior, aliás, não está na violência
física, mas na perda de todas as relações
familiares: “É muito triste. São casos realmente emocionantes”.
Círculo vicioso
Uma das graves sequelas na vida
das crianças e adolescentes abusados é o
início de um círculo vicioso no qual as vítimas perpetuam o próprio abuso, causado,
principalmente, pelo fenômeno da identificação com o agressor. Além do mais,
outros problemas sociais são disparados,
pois as vítimas apresentam tendência a sexualizar todos os seus relacionamentos, o
que pode acarretar, especialmente no caso
de meninas adolescentes, um quadro autodestrutivo de promiscuidade e gravidez
precoce – por vezes, uma porta de entrada
para a prostituição.
Tais crianças e adolescentes ainda
podem, no futuro, desenvolver bloqueio
psíquico que as leve a estabelecer relações
conjugais com parceiros potencialmente
violentos ou abusadores – tornando-se,
assim, mães “coniventes” ou que não
conseguem perceber, apesar de todas as
evidências, que o filho está sendo abusado dentro de casa. No caso dos meninos,
os efeitos mais diretos e visíveis do abuso
sexual são a delinquência, o uso de drogas e o abuso de outras crianças menores.
“Muitos meninos que hoje estão nas ruas
sofreram abusos quando pequenos. Sem
proteção, permanecem como vítimas. É
uma porta aberta para o crack”, completa.
Recuperando a autoestima
As atividades do projeto Cavas buscam tratar as sequelas emocionais das vítimas de abuso sexual. “A psicoterapia ajuda
a criança a recuperar o amor próprio e conviver com as consequências deste abandono. Trata-se de espaço onde é construída
uma relação de confiança, a duras penas,
pois, quando ela chega a realizar a terapia,
já está desacreditada dos adultos e tem a
percepção de que eles não são confiáveis”.
A professora Cassandra França explica que
um dos principais desafios do trabalho
é fazer com que elas voltem a acreditar e
confiar nas pessoas.
A relevância social das pesquisas do
projeto fundamenta-se na possibilidade
de interrupção de um círculo vicioso que
pode atravessar diferentes gerações. O grupo colabora com as redes de proteção às
crianças e adolescentes na minimização de
sequelas psicopatológicas, que costumam
desorganizar a constituição da estrutura psíquica das vítimas. Neste cenário, a equipe
desenvolve, basicamente, duas vertentes
de atuação social. A primeira envolve compromissos dentro da própria UFMG, tais
como assistência psicológica a crianças e
adolescentes vítimas de abuso sexual e treinamento de estudantes de psicologia para
as especificidades dessa clínica – o que é
realizado por meio de grupos de estudo, estágios e seminários clínicos.
A segunda vertente de atuação, externa, refere-se ao compartilhamento dessas experiências com outros profissionais
das redes sociais, tanto com a publicação
de artigos e livros e/ou a capacitação de
psicólogos e outros profissionais quanto
por meio de cursos teóricos que sistematizam os conhecimentos adquiridos. Um
dos frutos do trabalho interdisciplinar é
o livro As engrenagens da violência sexual (2012), que já se tornou referência
na área. Em 2013, o grupo terá o apoio
do MEC para lançar publicação sobre a
produção teórica do Cavas. “Ainda temos
um campo de pesquisa enorme a ser explorado”, planeja a coordenadora.
Saiba a quem recorrer em caso de suspeita de violência sexual infanto-juvenil:
Conselhos Tutelares – Foram criados para zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. A eles cabe
receber a notificação e analisar a procedência de cada caso, visitando as famílias. Se for confirmado o fato, o Conselho levará
a situação ao conhecimento do Ministério Público.
Varas da Infância e da Juventude – Em municípios onde não há Conselhos Tutelares, as Varas da Infância e da Juventude
podem receber as denúncias. Outros órgãos que também estão preparados para ajudar são as Delegacias de Proteção à
Criança e ao Adolescente e as Delegacias da Mulher.
Disque 100
O serviço do Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes é coordenado e
executado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Por meio do número 100, o usuário
pode denunciar violências contra crianças e adolescentes, assim como colher informações acerca do paradeiro de desaparecidos ou de vítimas do tráfico de pessoas – independentemente da idade – e obter dados sobre os Conselhos Tutelares. O
serviço funciona diariamente, de 8h às 22h, inclusive nos fins de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas
e encaminhadas aos órgãos de defesa e responsabilização, conforme a competência, num prazo de 24h. A identidade do
denunciante é mantida em absoluto sigilo.
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SAÚDE PÚBLICA
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu, Castro Alves, José de Alencar:
não obstante as diferenças entre o mundo
contemporâneo e o período em que viveram esses clássicos autores da literatura
nacional – especialmente no tocante aos
avanços tecnológicos e da medicina –, a
enfermidade que os vitimou continua no
rol dos problemas mundiais de saúde pública. Como dezenas de outros artistas, e
milhões de anônimos, os escritores acima
citados contraíram tuberculose, doença
que infecta, por ano, quase 9 milhões de
pessoas no planeta. O Brasil figura entre
os 22 países que concentram 82% dos
casos e, desde 2003, o combate a esse
mal está entre as prioridades nacionais.
Para unir forças nesse sentido, as Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados
do Amazonas (Fapeam), do Rio de Janeiro (Faperj) e de Minas Gerais (FAPEMIG)
constituíram o Programa Temático Conjunto em Diagnóstico da Tuberculose.
O percentual de cura de novas incidências é o principal indicador para avaliar
o controle da doença. Uma das metas propostas pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), com o intuito de reverter a situação
da tuberculose, é identificar 70% dos casos e curar, ao menos, 85% deles. Criado
em 2011, a partir de acordo de cooperação
assinado pelas três FAPs, o programa –
que passou a se chamar Rede de Pesquisa
em Tuberculose – disponibilizou verba de
R$ 6 milhões para os estudos de identificação da enfermidade. O foco dos trabalhos
é o desenvolvimento de tecnologias para
diagnóstico, avaliação das técnicas em
diferentes cenários clínicos, realização de
ensaios que afiram a efetividade dos novos
mecanismos e análise do impacto desses
projetos sobre o sistema de saúde.
A despeito de, na última década, o
Brasil ter registrado redução de 15,9%
no número de casos, a tuberculose ainda
representa a terceira causa de óbitos por
doenças infecciosas e a primeira entre pacientes com AIDS. Os estados formadores
da rede estão entre aqueles com maior taxa
de incidência no país, mas os cientistas
esperam, com esforços compartilhados,
aperfeiçoar resultados que possam ser
aplicados em todo o território nacional. O
presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, destaca a preocupação em contemplar
pesquisas do tipo translacional – ou seja,
cujos resultados são transferidos para a
prática médica. “O intuito é somar forças
dos três estados para que haja maior articulação entre os grupos, além de valorizar
e potencializar todos os trabalhos produzidos”, afirma.
Em Minas, o grupo de pesquisa
é coordenado pela professora Silvana
Spíndola de Miranda, da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os estudos contemplam a análise de modelos de kits diagnósticos, para averiguar se eles teriam
aplicabilidade no sistema de saúde. “Estamos testando a validade desses métodos.
Desejamos saber se são sensíveis, específicos e se seria possível sua utilização
em hospitais, em centros de referência e
ambulatórios”, detalha. A ideia é capacitar as unidades de saúde para a realização
de diagnóstico de elevado padrão técnico
e em acordo com as normas nacionais e
internacionais. A professora acrescenta
que o programa também tem procurado
envolver outras entidades associadas, em
âmbito municipal e estadual.
Pílulas
Em 2011, o Brasil registrou
69.245 novos casos de tuberculose.
Minas Gerais responde por cerca de 5
mil casos, e, a capital do estado, por
uma média de mil ocorrências.
Existe, no país, uma iniciativa
de nome Rede Brasileira de Pesquisa
em Tuberculose (http://redetb.org/),
que congrega cientistas e entidades de
todo o território nacional em torno de
objetivos comuns e projetos para combate à doença.
O Brasil conseguiu detectar, em
2010, 88% dos casos de tuberculose.
Mas o percentual de cura, 70%, está
ainda longe de alcançar a meta recomendada pela OMS (85%).
Os primeiros resultados das pesquisas da Rede formada pelas FAPs foram apresentados em encontro realizado
em Minas Gerais, em outubro de 2012.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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Foco no diagnóstico
No projeto conjunto, cada fundação
estadual centrou esforços numa parte do
trabalho. Enquanto a FAPEMIG avalia a
efetividade dos kits de diagnóstico, a
Faperj estuda questões relacionadas a
novas tecnologias e a Fapeam investe
em infraestrutura para pesquisa e hospitalização de doentes. A vinculação dos
resultados obtidos mostrará os avanços
obtidos pela rede.
O diagnóstico, explica Silvana Spíndola, influencia diretamente no tratamento
a ser ministrado e no processo de recuperação do doente. “Isso irá nos sinalizar se
as cepas que o paciente tem são resistentes ou sensíveis, se vamos tratá-lo com um
medicamento ou outro. Poder oferecer um
tipo diferente de diagnóstico já é de grande
utilidade”, comenta. A rapidez na obtenção
dos resultados, por sua vez, reduz a cadeia
de transmissão, já que a tuberculose, na
maioria dos casos, é pulmonar e pode passar de um indivíduo a outro pelo ar.
Hoje, em Minas Gerais, o diagnóstico depende de exame clínico, radiografia
do tórax e baciloscopia, seguida de cultura
bacteriológica. A baciloscopia é realizada
pelos próprios hospitais e proporciona
uma identificação inicial, capaz de informar, em até quatro horas, se a infecção
é causada por micobatéria. Se o teste for
positivo, o doente já recebe o diagnóstico.
Se apresentar resultado negativo, parte-se para a segunda análise, feita apenas
pela Fundação Ezequiel Dias (Funed). O
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
procedimento de cultura envolve exames
de sensibilidade – quando se verifica se o
microrganismo é resistente ou sensível – e
possibilita dizer com precisão se se trata
da Mycobacterium tuberculosis ou de
outra micobactéria. “Isso é o básico, mas
precisamos agilizar, pois até encaminharmos para a Funed, e aguardarmos o resultado, já se passou muito tempo. Se, nos
hospitais, conseguirmos aplicabilidade
que funcione de imediato, tanto melhor”,
argumenta Silvana Spíndola.
O resultado final leva até três meses,
considerando-se o período necessário
para crescimento em meio de cultura, envio para a Fundação, realização dos testes
de identificação e sensibilidade. “Mesmo
com baciloscopia negativa, conforme o
quadro, o médico opta por já aplicar o
tratamento para tuberculose, se perceber
grande probabilidade de ser essa doença.
Afinal, o teste não é tão preciso”, adverte.
A pesquisadora explica que a baciloscopia
negativa pode resultar em cultura positiva,
ou seja, em paciente com tuberculose.
“Precisamos de outro método, mais sensível – a ponto de detectar os positivos – e
específico, que, quando apontar negativo,
seja, de fato, negativo”, conclui.
Realizado no hospital, esse primeiro
passo toma entre uma e oito semanas, dependendo das características
da própria bactéria.
Avaliar quais e em que circunstâncias as metodologias disponíveis podem
ser aplicáveis é o trabalho desenvolvido
pelo grupo mineiro. Os cientistas analisam
não apenas a eficácia dos testes existentes, mas também a incidência de casos e
o perfil das instituições de tratamento. No
Hospital das Clínicas da UFMG, por exemplo, onde usualmente os pacientes não
são portadores de cepas resistentes, eles
estudam se existe necessidade de investir
em método de diagnóstico de resistência,
ou se um exame mais simples resolveria.
Já no Hospital Júlia Kubitscheck, que tem
histórico de doentes com bacilos resistentes, metodologias mais completas, ainda
que mais caras, podem ser importantes.
Pesquisadores analisam possibilidades tanto nos métodos de cultura quanto em
exames que usam tecnologias relacionadas
à biologia molecular. Nesse último caso, os
diagnósticos se dão por meio da amplificação do DNA do bacilo. O paciente expele a
micobactéria, que, em laboratório, tem seu
DNA extraído e amplificado. A partir daí, os
cientistas aplicam metodologias de diagnóstico e de resistência. Novos métodos estão
sendo comparados com os já existentes,
inclusive para avaliar a viabilidade de aplicação conjunta. “Se conseguirmos diminuir
o tempo de cultura, por exemplo, para uma
semana, ou três dias, teremos um diagnóstico rápido”, almeja a professora.
Cura e prevenção
Em todo o mundo, a tuberculose
ainda mata cerca de 16 pessoas por dia.
A OMS estima que quase um terço da população mundial possa estar infectada pelo
M. tuberculosis, embora nem todos esses
indivíduos desenvolvam a enfermidade.
Silvana Spíndola explica que, neste caso,
trata-se de diagnóstico de infecção, não
de doença. “É importante trabalhar preventivamente, saber quais pessoas são
portadoras do bacilo e medicá-las, para
Peste branca
Muitos foram os poetas a expressar em versos o abatimento causado pela tuberculose. Os sintomas da doença levaram o grego Hipócrates (mais de 300 anos a.C.),
por exemplo, a denominar de tísica a enfermidade, em alusão à palavra phthisikos,
cuja tradução seria “que traz consumpção”. Causada por uma bactéria de forma bacilar, o Mycobacterium tuberculosis – ou bacilo de Koch, em homenagem ao seu descobridor, o alemão Robert Koch –, a enfermidade manifesta-se mais frequentemente nos
pulmões, mas também pode afetar rins, ossos, pleura, meninges, gânglios e outros
órgãos, casos em que recebe o nome de tuberculose extrapulmonar.
não deixar a doença se manifestar”, opina, acrescentando que existem pesquisas neste sentido.
Silvana Spíndola destaca que a doença tem cura, mas é necessário seguir
todo o tratamento, com duração de seis
meses. Não se pode desistir, sob pena de
a bactéria adquirir resistência ao remédio.
Fazer uso da medicação de forma irregular,
ou abandoná-la, é prejudicial ao doente e
ocasiona reincidência da enfermidade, de
maneira, até mesmo, a reduzir as chances
de recuperação. “No caso desses pacientes,
temos que detectar e trabalhar o diagnóstico, verificar, o mais rápido possível, se já
existe resistência e se haverá mudança ou
não na terapia”, descreve.
A pesquisadora chama atenção para
a necessidade de buscar diagnóstico, se
aparecerem sinais de contágio. Qualquer
pessoa que apresentar tosse persistente
por mais de três semanas, escarro com
sangue, febre, emagrecimento ou perda de
apetite deve procurar rapidamente a unidade básica de saúde, para fazer baciloscopia
e raio-X. “A conscientização é importante,
principalmente nos locais onde há maior
número de casos”, ratifica. A tuberculose
é uma das muitas doenças consideradas
negligenciadas, cuja incidência se agrava
entre comunidades pouco assistidas, que
vivem em condições desfavoráveis de moradia, de alimentação e de acesso a serviços
de saúde. Assim, o Programa Nacional de
Controle da Tuberculose do Ministério da
Saúde, definiu como público prioritário as
populações em situação de rua, a carcerária,
os indígenas e os portadores de HIV/AIDS.
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ESTUDOS LITERÁRIOS
Qualquer
semelhança
não é mera
coincidência
Romances extensos latino-americanos
refletem nuances culturais
e históricas do continente
Virgínia Fonseca*
*Colaborou Maurício Guilherme Silva Jr.
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Um mundo em que as máquinas
controlam tudo e, por sua vez, funcionam
graças à magia. A descrição superficial do
cenário controverso criado pelo escritor
argentino Alberto Laiseca dá a pista sobre
um dos motivos pelos quais esse livro é
tido, ainda hoje, como enigma para a crítica. Los sorias, impresso pela primeira vez
em 1998, tem mais de 1.300 páginas de
trama complexa, cuja elaboração exigiu 16
anos de trabalho do autor. Por se revelar
bastante representativa da linhagem dos
romances extensos, a obra foi escolhida
como ponto-chave para pesquisa desenvolvida, na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), sobre as referências culturais envolvidas nesse tipo de produção.
“Pensar o ato e o produto de ‘escrever por extenso’ me desafiou a analisar a
tessitura de relações que esse procedimento implica, ao articular intrincados temas
condutores ao longo de romances assim
construídos”, relata a professora Graciela
Inés Ravetti de Gómez, da Faculdade de
Letras (Fale) da UFMG, coordenadora
da investigação. Doutora em Literaturas
Hispânicas, a pesquisadora, que está à
frente, também, do Núcleo de Estudos
Latino-Americanos (Nelam), observou
que obras como a de Laiseca marcam uma
mudança de direcionamento no “sistema”
literário latino-americano contemporâneo,
como contraponto a certos parâmetros textuais consolidados – fugindo aos ideais de
coesão narrativa estrita e convencional.
Realismo e ficção, verdade e falsidade, singularidade e multiplicidade, tradição
e novidade, mercado e experimentalismo,
modelo e cópia, ciência e arte, religião e
secularismo, mito e história, magia e materialismo e outros tantos dualismos encontram-se presentes no romance. “Frente
a isso, cheguei à conclusão de que havia
necessidade de pensar uma crítica tão
abrangente e multifacetada quanto a obra,
com método de trabalho específico para o
objeto que se dispõe a analisar”, conta.
A obra investigada, assim como
grande parte dos romances latino-americanos de fôlego (veja Box), configura-se
tanto na construção do espaço e do tempo
de duração imensos, quanto no tamanho
concreto dos livros. Nesse contexto, uma
multidão de personagens, orientados por
um ou mais narradores, atuam em cenários variados. A partir dessa constatação,
Graciela Ravetti trabalhou com a certeza de
que a força da formulação ética está sempre latente, de maneira explícita ou dissimulada, em meio a detalhes constitutivos.
“A confiança na presença dessa dimensão
ética deriva da crença que me leva a pensar
o texto surgindo da cultura e da sociedade
onde se insere seu autor”, comenta.
História revivida
Para a pesquisadora, não é possível,
a qualquer escritor na América Latina, criar
uma obra extensa sem se deparar, em pelo
menos algum momento, com as mazelas
inerentes à história desse território. O terror,
o poder autoritário, as vítimas das investidas
desses poderes, a tortura, a miséria, a injustiça e a exploração, de maneira geral, estão
sempre à espreita do escritor que se estende nessas performances. Em função disso,
Graciela Ravetti reafirma que haverá sempre,
nos romances extensos por ela analisados,
uma dimensão ético-política.
A memória e a experiência, individuais e coletivas, funcionam como vetores de
forças que oscilam entre a lembrança do
legado colonial e as atrocidades dos períodos de ditaduras. Tais assuntos são naturalmente associados à questão do trauma e
aos resíduos silenciados nas construções
da comunidade do presente. “O fazer poético e a rede de sentidos que se estabelece
entre esses dois campos acaba integrando
uma vertente literária que não esvazia a
obra de história, mas que também não renuncia à sua vocação de projetar o futuro”,
conclui a pesquisadora.
Na perspectiva de contribuir para uma
teoria do romance latino-americano, a partir
do estudo da dimensão cultural pela via do
ficcional, a pesquisadora comenta ser possível associar Los sorias a outras grandes
obras, que aprofundam, problematizam e
complexificam o terreno literário. Grande
Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa;
Rayuela, de Julio Cortázar; Yo, el supremo, de Augusto Roa Bastos; Viagem ao
México, de Silviano Santiago; O Catatau,
de Paulo Leminski; Amadís de Gaula, de
autoria incerta; Ulisses, de Joyce, e Don
Quijote, de Cervantes, estariam entre os
exemplos de romances que primam pela
originalidade, pela abrangência, e cuja poética das intensidades foge aos ideais de
imitação e de reprodução.
Essas narrativas são capazes de
problematizar e dimensionar, simultaneamente, o ficcional e o real, o histórico e
o artístico. Além disso, funcionam como
arquivos performáticos. “Afinal, suas
personagens podem pôr-se na pele de
outros seres, transpondo tempos e espaços, e também conseguem ativar contex-
Los sorias em breve raio-X
Impressa pela primeira vez em 1998, com tiragem restrita – 350 exemplares – e
ilustrações originais, a obra de Laiseca seria reeditada seis anos mais tarde, com impressão de 1.500 unidades. O principal argumento do livro é a humanização do poder.
Como pano de fundo, o autor criou os países Tecnocracia, Soria e União Soviética,
para desfiar uma narrativa que, na verdade, discute temas como poder, amizade, morte, técnica, ciência, trabalho, religião, sexo, o mal, a sabedoria, a guerra, o sentido que
foge à razão, a dor, o humor, a sátira, as relações de aliança e filiação e, de maneira
especial, a arte e a literatura, com suas possibilidades de realização e de intervenção
nos caminhos das comunidades.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
29
tos verbais, expressionais ou estilísticos
de diversos tempos ou lugares”, explica
a professora. As obras caracterizam-se,
ainda, pela prática da chamada prosa catacrésica: recolhem uma oralidade e espontaneidades perdidas – ou em vias de sê-lo
– e dispõem, nos textos, imagens de uma
complexidade impactante, que não cessam
de demandar visibilidade/legibilidade.
Teoria do romance
Dentre as contribuições que serviram como pressupostos para a pesquisa,
e enriquecem a discussão sobre as peculiaridades do romance na América Latina,
Graciela Ravetti constata que a cultura
latino-americana é dotada de complexidade específica constitutiva – resultado,
em especial, das marcas ainda vivas dos
processos coloniais. As obras-sumas
traduzem-se em enciclopédias ficcionais
que refletem tal complexidade e convidam
a pensar a dimensão da realidade.
A pesquisadora atenta para a identificação da escrita marcada por um realismo
delirante, destacado, insistentemente, pela
escassa crítica sobre Los sorias e acerca
de seu autor. “Tal carência relaciona-se
com as dificuldades que comporta o estudo teórico e crítico de uma obra de tamanha dimensão e originalidade”, avalia. A
temática da loucura também está presente,
tanto no romance em foco quanto nas reflexões a seu respeito. Laiseca explica que
seu método de trabalho busca distorcer a
realidade com o delírio. O escritor afirma
que majora algumas coisas e diminui outras, para que tudo possa se ver melhor.
“Com o absurdo como um dos elementos
mais verossímeis da realidade – mediante
evidente rigor documental e livresco –, o
autor atualiza um mundo diverso e extraordinário, adoçado com detalhes cotidianos
e visões profundas dos próprios personagens”, elucida a coordenadora.
Percebe-se, na obra de Laiseca, a
crítica ao romance naturalista e institu-
cional burguês, a partir da linguagem
verborrágica que, como um poderoso
curso de água, envolve o leitor e o conduz
aos confins da representatividade. O romance se diferencia, então, dos modelos
cristalizados. Ganha força como gênero
dinâmico, maleável e multiforme, em que
cabem programas políticos, ideológicos
e é possível a encenação das propostas,
dos sonhos, das profecias.
Graciela Ravetti comenta, por fim,
que esses são apenas alguns dos aspectos
abordados. A professora formulou o primeiro estudo sobre o assunto em 2008 e
prepara-se para publicar, também em livro,
os resultados dos trabalhos desenvolvidos
desde então – que contaram com fomento
da FAPEMIG e do CNPq. “É uma obra que
não cessa de crescer e se complicar, como
típico romance extenso”, diverte-se. “Afinal, todo discurso é uma ficção que tenta
dar conta de nossa visão do mundo, não é
mesmo?”, provoca.
Vastos e imprevisíveis
O que caracteriza livros extensos como Los sorias, de Alberto Laiseca, é o fato
de se constituírem como sumas, romances-universo de forma explícita. O tamanho já
aponta o desejo de que sejam vistos a partir de sua interminável sucessão de adições.
Isso dá, à obra, a feição de um catálogo de narrativas concatenadas e de um amontoado caótico, ao mesmo tempo em que se presume a autoria de uma trama labiríntica,
de uma população de personagens e de cenários para abrigar os relatos.
Romances extensos não possuem centro irradiador definitivo e as tramas
se perdem em inúmeros arabescos, cuja sistematização mostra-se impossível. O
prazer da escrita longamente demorada, à maneira dos tratados medievais e da
tradição do romance como gênero antigo, são características evidentes. Sua leitura
não exige, necessariamente, que seja seguida a ordem sugerida pelo autor no encadeamento dos capítulos.
Uma teatralidade expressiva os povoa. Trata-se de um tipo de retórica da loucura, ou de certo realismo delirante, indo do clássico ao popular, do sofisticado à
comédia debochada, da sátira à reflexão filosófica. Romances extensos abrangem,
assim, uma franja diferenciada, partindo de posições que poderíamos denominar
de “clássicas”, posto que procuram desestruturar as formas fixas, as temáticas
previsíveis, as tramas esquemáticas e as perspectivas consolidadas nas culturas
nas quais estão inseridos.
30
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Projeto: O romance extenso como
forma de dimensionalização da cultura: o caso da ficção pseudo-enciclopédica Los Sorias, de Alberto Laiseca
– Contribuições para uma teoria do
romance na América Latina
Coordenador: Graciela Inés Ravetti
de Gómez
Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro
Valor: R$ 24.000
Pesquisa da Unifei reúne profissionais
de diversos campos do conhecimento
em investigação sobre os efeitos da
incidência da radiação UV no Brasil e na
América do Sul
William Ferraz
Desde os primórdios da história,
percebe-se o especial deslumbramento do ser humano pelo Sol. A fulgente
imponência do Astro Rei fez dele objeto
de investigação e veneração em várias
civilizações – muitas das quais lhe atribuíram a aura de entidade sobrenatural.
A evolução do conhecimento e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia
permitiram estudos cada vez mais minuciosos sobre a grande estrela. Hoje,
compreende-se que a atividade solar é
indispensável à Terra. Dentre os diversos fenômenos a afetar a vida no planeta,
a emissão da radiação ultravioleta é um
dos que mais se evidenciam, pelo paradoxo acerca de seus efeitos: se, por um
lado, tais emissões são essenciais à manutenção da vida, por outro, o excesso
de exposição às radiações pode se revelar altamente nocivo à saúde humana.
As regiões terrestres de baixa latitude –
próximas à Linha do Equador – são as mais
expostas à incidência da radiação ultra-
violeta, cujos efeitos têm implicações na
qualidade de vida da população, além de
interferir nas atividades socioeconômicas,
a exemplo da agricultura e da pesca. Quase todo o território brasileiro está sujeito à
grande incidência de radiação UV. Logo, o
desenvolvimento de estudos neste campo
é de extrema relevância para a economia e
a saúde da população.
Essa foi a força motriz a estimular a
criação da linha de pesquisas interdisciplinares desenvolvida por equipe de especialistas da Universidade Federal de Itajubá
(Unifei), que, sob a coordenação do professor Marcelo de Paula Corrêa, dedica-se
a investigar o fenômeno da radiação e seus
efeitos. Segundo Corrêa, “os impactos da
radiação UV na comunidade brasileira são
muito grandes. No Brasil, o câncer de pele
corresponde a cerca de 25% dos casos
diagnosticados no país, e essa radiação
proveniente do Sol é o maior agente causador”, ressalta. Isso sem considerar os casos de tumores não melanômicos, tratados
sem a intervenção de clínicos especialistas
e que não integram as estatísticas.
O professor aponta, ainda, que, nas
últimas décadas, o hábito brasileiro de
cultuar o “bronze” do corpo tem conduzido
os indivíduos a exposições cada vez mais
excessivas ao Sol, o que resulta em crescente problema de saúde. “A incidência de
radiação UV praticamente não variou nas
últimas décadas, mas os casos de tumores
cresceram vertiginosamente. O que mudou foram os hábitos da população. Um
trabalho de conscientização precisava ser
elaborado”, defende Corrêa.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
31
GEOCIÊNCIAS
Sentinelas
do clima
Manhãs e mormaços
Os estudos iniciaram-se em 1999,
ainda durante o período do doutorado de
Marcelo Corrêa na Universidade de São
Paulo (USP). “Em princípio, as pesquisas
voltavam-se ao aprimoramento de técnicas
para Modelagem de Transferência de Radiação, que consistiam em analisar a composição física da atmosfera e sua influência
sobre os efeitos da radiação UV”, explica.
Em seguida, o estudo foi desenvolvido em
associação com o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), processo que
conferiu alto grau de excelência à investigação, devido à expertise do Inpe no campo dos fenômenos atmosféricos.
As investigações realizadas nesta
fase possibilitaram reunir dados consistentes sobre a dinâmica da radiação UV
em regiões tropicais. O professor relata
que “os resultados mais recentes permitem
desmistificar muitos paradigmas, como o
de que o período nocivo de exposição ao
Sol é compreendido entre 10 e 16 horas.
Medições realizadas às 9h, no nordeste
brasileiro, apresentaram índices de radiação até 50 vezes superior ao considerado
recomendável pela Organização Mundial
da Saúde”. As pesquisas demonstraram
que, em Itajubá e São Paulo, onde medidas
também foram realizadas, ao meio-dia, os
índices de radiação UV no verão podem
Mas que radiação é essa?
A radiação solar UV caracteriza-se por
ondas eletromagnéticas de comprimento situado
entre 280 e 400 nanômetros (1 nm = 10-9 m). Ela
se subdivide em três categorias: radiação ultravioleta A (UVA, com 315 a 400 nm), B (UVB, 280 a
315 nm) e C (UVC, 200 a 280 nm). O ozônio filtra
grande parte da radiação que atravessa a atmosfera
da Terra, promovendo absorção total da radiação UVC – tornando seus efeitos desprezíveis
– e quase 90% da radiação UVB, fazendo com
que os níveis de incidência em superfície sejam
muito pequenos, mas suficientes para promover
uma série de efeitos fotobiológicos e fotoquímicos significativos. A radiação UVA sofre pouca
absorção pelo ozônio e representa a maior parte
da radiação UV a atingir a superfície.
A radiação tipo UVC tornaria inviável a
vida na Terra, caso atingisse a superfície, uma
vez que, em função de sua alta frequência, possui ação germicida e mutagênica. Geralmen-
32
te, ela é utilizada, em sua forma artificial, para
esterilização de água e de materiais cirúrgicos.
Já a radiação UVB conta com ação tanto benéfica quanto nociva. Por um lado, é fundamental
para a manutenção da vida. Nos seres humanos,
permite a formação da vitamina D pela pele, que
combate o raquitismo, a osteoporose e outras
enfermidades. No território brasileiro, alguns
poucos minutos de exposição ao Sol garantem
tais efeitos. Por outro lado, quando em excesso,
a radiação UVB pode causar queimaduras graves, fotoalergias e, em logo prazo, diversos tipos
de câncer de pele.
Por fim, a radiação UVA, que, há décadas, foi amplamente difundida como benéfica
– além de ser usada em câmaras de bronzeamento artificial –, é atualmente reconhecida
como responsável pelo envelhecimento precoce e, em grandes quantidades, como precursora dos tumores de pele.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
ser superiores àqueles observados no
nordeste. De acordo com Corrêa, essa
variação se dá por questões geográficas.
“Nas regiões tropicais, o conteúdo total
do gás ozônio presente na atmosfera é
naturalmente menor e esse gás é o responsável pela absorção da maior parte da
radiação UV. Além disso, essa é a região
com a maior disponibilidade de incidência devido à posição do Sol. Esses fenômenos promovem uma maior penetração
de radiação na superfície terrestre”.
Outra significativa constatação da
pesquisa diz respeito aos efeitos produzidos pela presença de nebulosidade
(formação de nuvens) e de aerossóis atmosféricos (dispersão de partículas no ar).
Segundo o professor, as consequências
são variáveis: nuvens e partículas atmosféricas podem tanto reduzir a intensidade
da radiação como espalhá-la, tornando-a
temporariamente mais intensa. “Geralmente, as pessoas atribuem a presença da
radiação UV a dias luminosos, o que é um
mito. Mesmo em dias nublados, a pessoa
pode sofrer queimaduras pela radiação. É
o que, erroneamente, muitas pessoas atribuem ao fenômeno do mormaço”, explica.
Trabalho interdisciplinar
Anos depois do doutorado, Corrêa passou a integrar o corpo docente da
Unifei. Nesse período, com aporte financeiro da FAPEMIG, as pesquisas puderam
prosseguir. A partir daí, implementou-se
um projeto mais abrangente: os “Estudos
interdisciplinares sobre os efeitos da Radiação Ultravioleta”, linha de pesquisas
que reuniu profissionais das mais diversas
áreas para tratar da questão dos impactos
da radiação UV nos trópicos. “O objetivo
do projeto era agregar conhecimentos e
criar soluções conjuntas. Médicos, economistas e meteorologistas, por exemplo,
poderiam reunir dados para desenvolver
medidas preventivas contra os efeitos das
radiações UV sobre a saúde humana”, esclarece Corrêa.
O projeto alcançou novo patamar
qualitativo quando, por meio de parcerias
e trabalhos em cooperação, estabeleceu-se
uma rede de monitoramento em contato
com outras universidades do país. “Assim,
expandimos nossa base de dados e passamos a contar com especialistas monitorando a atmosfera em todo o Brasil, o que nos
possibilitou estabelecer análises comparativas muito mais precisas”, comenta. Os
estudos concentram-se, principalmente,
nas regiões Sudeste e Nordeste, áreas de
grande incidência de radiação UV. “Geralmente, a população brasileira atribui a exposição nociva ao Sol a áreas litorâneas e
ao Nordeste. Contudo, o interior e o sul do
país também sofrem com elevados níveis
de radiação”.
Reconhecimento global
Os avanços inéditos alcançados pelas pesquisas também foram beneficiados
pela criação do curso de Ciências Atmosféricas, implementado à grade de ensino
da Unifei em 2010. Trata-se do primeiro
curso de graduação do gênero no estado
de Minas Gerais, o que permite grande
aprofundamento dos estudos sobre a radiação UV e de seu comportamento no
Brasil e América do Sul. “As pesquisas
desenvolvidas nas Ciências Atmosféricas
relacionam-se a áreas bastante abrangentes. Os estudos envolvem previsões de
tempo e clima, desastres naturais, métodos de proteção de safras agrícolas contra
alterações climáticas, saúde populacional,
poluição etc.”, descreve Corrêa. “Por meio
de colaboração e acesso aos dados do Inpe
Estudos recentes demonstram que os índices de incidência dos raios UV em Minas
Gerais alcançaram, em diversas oportunidades, níveis considerados como extremos
pela OMS nos últimos meses.
e de outras instituições espalhadas por diversos pontos do continente sul-americano,
nossos estudos conquistaram posição de
vanguarda no país, alcançando reconhecimento global”, completa.
A convergência de diferentes campos do saber numa só linha de estudos
permite o aperfeiçoamento de tecnologias
imprescindíveis às Ciências Atmosféricas,
tais como as previsões de tempo e clima,
o que incluem a previsão da incidência da
radiação UV. “A evolução e o aperfeiçoamento desses estudos vêm possibilitando
melhorias significativas na previsão e prevenção”, conta o coordenador.
Outro projeto pioneiro da equipe de
pesquisadores da Unifei foi o plano para
conscientização de crianças e adolescentes
quanto aos malefícios da exposição inadequada à radiação UV. A iniciativa consiste
em treinamento específico, para que professores dos ensinos médio e fundamental
incorporem às suas disciplinas estratégias
educativas capazes de orientar os jovens.
“Desse modo, fornecemos subsídios para
que os professores possam abordar o problema a partir de suas disciplinas. Matemáticos e físicos demonstram, por meio
de equações, a dinâmica da radiação UV
na atmosfera. Biólogos abordam as reações no organismo humano, geógrafos
demonstram os índices do fenômeno por
região, e assim por diante”. Corrêa explica
que o objetivo é fazer com que os jovens
conheçam melhor os efeitos do fenômeno
– principalmente, pelo fato de ainda estarem em processo de formação física.
Novas pesquisas
Atualmente, Corrêa encontra-se na
França, onde desenvolve pesquisas em
parceria com o Laboratoire Atmosphères,
Milieux, Observations Spatiales (Latmos),
instituto especializado em estudos atmosféricos e astronômicos, incluindo aí as mudanças climáticas e a radiação UV. Segundo o professor, esses eventos podem se
correlacionar, porém, ao contrário do que
prega o senso comum, pesquisas demonstram que os dois eventos têm natureza distinta. “Não existem estudos a indicar que
as mudanças climáticas de origem geofísica tenham como causa ou consequência
a intensificação da incidência da radiação
UV. Pelo contrário, o desenvolvimento de
gases do efeito estufa inclui a produção de
ozônio e de seus precursores”. Segundo
Corrêa, com maior quantidade de ozônio,
a tendência é que haja diminuição dos fluxos de radiação UV. Porém, tal redução não
será muito significativa, principalmente,
sobre a região próxima à Linha do Equador.
Neste cenário, qual seria, afinal, a
melhor maneira de a população se proteger? O pesquisador da Unifei é categórico
na resposta: apesar de todos os avanços
científicos no campo das radiações ultravioletas, o método defensivo mais eficiente
ainda é a prevenção, por meio do uso de
proteção adequada: filtro solar, chapéu,
roupa, óculos de sol. “O indivíduo sempre deve se manter atento à exposição aos
raios solares. Além disso, é preciso lembrar que, mesmo em dias nublados, também podem ocorrer danos à saúde”.
Projeto: Estudos interdisciplinares
sobre a radiação solar ultravioleta
Coordenador: Marcelo de Paula
Corrêa
Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro
Valor: R$ 48.000
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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TECNOLOGIA DE ALIMENTOS
Ora doce,
ora amargo
O Brasil possui cerca de 120 indústrias dedicadas à produção de alimentos
light e diet, segmento que representa algo
entre 3% e 5% dos gêneros alimentícios
vendidos no país. O percentual pode parecer pouco significativo ao leitor, mas
ganha volume se se considerar o fato de
que mais de um terço (35%) dos lares brasileiros consomem algum tipo de produto
com essas características. Para além dos
índices, porém, o que chamou a atenção
de pesquisadores de duas instituições de
ensino superior de Lavras foi a descoberta
de uma interpretação equivocada, por parte dos consumidores, sobre o uso dessas
substâncias. A leitura de um artigo acerca
do assunto despertou os estudiosos para
a generalizada convicção dos usuários de
34
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Em Lavras,
pesquisadores
comparam resultados
do consumo dos
principais adoçantes
usados por brasileiros
Virgínia Fonseca
que o consumo de adoçantes, sem mudanças
adicionais de comportamento, seria suficiente para perder peso e regularizar a saúde.
A constatação resultou em estudo
comparativo entre alguns dos principais
adoçantes consumidos no Brasil. Pesquisadores do Centro Universitário de Lavras
(Unilavras) e da Universidade Federal de
Lavras (Ufla) confrontaram as propriedades
antiglicêmicas, dulcificantes e funcionais da
estévia em relação à sacarose, à sacarina/
ciclamato, à sucralose e ao aspartame.
“Atualmente, existe crescente procura por alimentos de baixa caloria ou, até
mesmo, não calóricos, devido à preocupação com a saúde, em função dos riscos
relacionados a obesidade, doença arterial
coronariana e diabetes, mas também por
A estévia começou a ser utilizada no
Brasil por volta de 1987, embora seja conhecida no Japão desde 1920. Nos Estados
Unidos, aguarda aprovação há 27 anos,
mas já é aceita como complemento alimentar pelo órgão regulador americano FDA
(em inglês, Food and Drug Administration).
Extraída da planta Stevia rebaudiana, a
substância apresenta mistura de glicosídeos, entre os quais predominam o esteviosídeo (50%) e o rebaudiosídeo A (30%).
questões estéticas”, observa a professora
dos departamentos de Farmácia Generalista e Química Industrial do Unilavras,
Patrícia de Fátima Pereira Goulart, coordenadora do projeto. Os adoçantes testados estão na base de diversas opções de
edulcorantes – substâncias com poder de
adoçar – encontrados no mercado nacional em substituição ao açúcar. Os pesquisadores escolheram a estévia como
parâmetro comparativo por se tratar de
substância natural e potencialmente menos propensa a efeitos adversos. “Mas
não que pudesse ocasionar, de maneira
isolada, o resultado do emagrecimento,
por exemplo”, ressalva.
Dietas diferenciadas
Foto: Arquivo pessoal
Patrícia Goulart: pesquisa comparativa
Os testes basearam-se em ensaios
com ratos Wistar. Machos com sobrepeso
– considerada uma proporção com valores
que corresponderiam à obesidade em seres
humanos – foram submetidos a dieta hipocalórica, em período de 160 a 180 dias,
com os adoçantes. Os pesquisadores trabalharam com subprojetos e distribuíram
os tratamentos entre ração pura, ciclamato/
sacarina, estévia, aspartame e sucralose.
“Todos os passos foram aprovados pela Comissão De Ética no Uso de Animais, guardando os princípios éticos estabelecidos
pelas normas”, assegura a professora. Após
o período estabelecido, os animais tiveram
seu sangue e órgãos submetidos a exames
bioquímicos e centesimais.
No caso do subprojeto que comparou o uso da estévia com o açúcar comum,
ou sacarose, por exemplo, analisaram-se o
ganho de peso, o perfil lipídico, a glicemia
de jejum e a função hepática dos ratos.
Além disso, fez-se a avaliação histológica
das vísceras. Para estabelecer o contraponto necessário às comparações, os animais haviam sido submetidos, por 45 dias,
a dietas especiais, com os seguintes tratamentos: T1 (controle, alimentação simples
de fubá); T2 (sacarose 4%); T3 (estévia
2%); T4 (estévia 4%) e T5 (estévia 6%).
Não houve diferenças significativas
para ganho de peso, consumo médio da
ração, níveis de triglicérides, colesterol
total e VLDLc, ureia e creatinina, independentemente da dieta. Porém, os animais
alimentados com estévia a 2% e 4% apresentaram menores níveis de glicose. Por
sua vez, os ratos que ingeriram sacarose
4% mostraram valor médio inferior para o
HDLc, o chamado colesterol bom, enquanto que o valor médio de LDLc, o colesterol
“ruim”, e de ALT (alanina transaminase,
enzima liberada na corrente sanguínea
quando há lesão hepática) foi superior aos
demais. Os animais dos tratamentos T1
e T5 apresentaram níveis médios de AST
(aspartato transaminase, detectada no sangue quando ocorre lesão hepática, cardíaca, muscular ou cerebral) inferiores.
As lâminas histológicas apontaram
uma camada de gordura nos rins dos ratos tratados com sacarose, ao contrário
do que se observou nos demais animais.
“Neste contexto, a estévia apresenta características benéficas à saúde, principalmente quando comparada à sacarose, podendo substituir o açúcar”, concluíram os
envolvidos na investigação. Estudos com
metodologia similar se repetiram, contrapondo dietas de estévia com os demais
edulcorantes avaliados.
Os dados corroboraram a hipótese
inicial proposta pelo artigo que motivou a
investigação: os adoçantes, isoladamente,
não foram capazes de reduzir o peso dos
ratos. Os pesquisadores constataram,
ainda, um resultado considerado interessante, fruto de discussões com outros
profissionais da área, como cardiologistas e nutricionistas: após cerca de três
ensaios, os estudiosos identificaram, nos
exames bioquímicos de colesterol e frações, a tendência a valores mais dentro
da normalidade nos animais que usaram
estévia, quando comparados aos outros
adoçantes e açúcar. “Além de melhorar
esses padrões bioquímicos, a estévia não
apresentou efeitos adversos, como o aumento da pressão arterial. E, por se tratar
de planta medicinal imunoestimulante,
alivia desconfortos digestivos, problemas
na cavidade bucal, entre outros”, detalha
a nutricionista Tatiana Abreu Reis, mestranda da Ufla que participa das pesquisas.
A equipe conseguiu, ainda, definir
a concentração dos adoçantes que apresentaram melhores resultados, reunindo
todos no último ensaio. “Verificamos que
a tendência é mesmo de melhores indicadores de glicose e colesterol com o uso
da estévia. Já quanto ao emagrecimento,
nenhum deles resolve algo sem atividade
física associada”, revela a coordenadora,
que há sete anos realiza estudos nessa área
e já prevê: um próximo passo talvez seja
propor os ensaios associados a exercícios.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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Perigo gota a gota
Estima-se o consumo médio mundial de açúcar, per capita, em aproximadamente 200g por dia – incluindo bebidas
em geral, doces e, até mesmo, cigarros –,
o que somaria cerca de 72 kg anuais. Patrícia Goulart explica que o corpo humano
não está preparado para processar essa
grande quantidade de sacarose. Assim, o
excedente ocasiona malefícios à saúde. A
ingestão da substância em demasia, por
meio de cereais, de frutas ou diretamente
do açúcar e de doces que o contenham,
sobrecarrega o pâncreas. Essa glândula
é responsável pela produção da insulina,
hormônio que transforma a sacarose em
glicose – que, em excesso, se acumula
no organismo na forma de gordura, causando diversas doenças, como obesidade,
diabetes, hipertenção arterial e enfermidades cardiovasculares. “A mudança nos
hábitos alimentares, com a introdução de
adoçantes em substituição ao açúcar, por
exemplo, pode exercer poderoso suporte
à prevenção dessas doenças”, explica a
estudante de mestrado, Tatiana Reis.
Por outro lado, também há restrições
ao consumo exagerado dos edulcorantes
usados em substituição ao açúcar. Um
dos potenciais fatores prejudiciais seria
a indução ao aumento do peso. Isso porque o adoçante atua no sistema nervoso,
causando a sensação de insaciedade no
organismo e ativando o sensor da fome.
Existem, ainda, considerações sobre a própria composição dos produtos.
A maioria das opções encontradas no
mercado (tanto líquidas quanto em pó)
é artificial e tem, como base, o ciclamato de sódio ou a sacarina sódica – cujo
principal elemento químico pode resultar, por exemplo, em elevação da pressão arterial ou agravamento de quadros
de predisposição a doenças renais. Além
disso, adoçantes com as duas substâncias em sua fórmula não devem ser
ingeridos por grávidas e crianças. Já o
aspartame é contraindicado a pacientes
com fenilcetonúria – doença hereditária
que pode gerar problemas dermatológicos e neurológicos, caracterizada pelo
acúmulo do aminoácido fenilalanina e
seus derivados no organismo. Quanto
ao açúcar light, embora apresente menor teor calórico, constitui-se de combinação entre a sacarose convencional
e o adoçante. “O dano é ainda maior, já
que os perigos acarretados pelo açúcar
comum se juntam àqueles provocados
pela sacarina e pelo ciclamato”, avalia
a professora. Entre os adoçantes mais
indicados estão aqueles que têm como
base a estévia, cuja ingestão não demonstrou efeitos colaterais nos estudos.
“Seu uso pode ser uma forma eficaz de
reduzir as calorias de diversos alimentos, sem comprometer o sabor doce que
os consumidores apreciam e sem prejudicar a saúde”, sinaliza Tatiana Reis.
Segundo Patrícia Goulart, a sacarina
e o ciclamato estão proibidos em países
como Canadá e Estados Unidos, respectivamente, uma vez que testes feitos em
ratos resultaram em câncer na bexiga dos
animais. Embora não seja comprovado o
risco em seres humanos, os estudos incentivaram a proibição em alguns países e a
restrição no Brasil. A pesquisadora esclarece que a maioria dos limites de consumo
de adoçantes é determinada a partir de análises com cobaias, sendo a dose máxima
estabelecida para humanos 10% da porção
mínima que mostrou qualquer tipo de toxidade em animais.
“Inúmeros alimentos consumidos em
excesso fazem mal, mas essas doses tóxicas são quantidades que, possivelmente,
um indivíduo não ingeriria”, elucida. Como
muitos pacientes não contam as gotas
ou exageram na quantidade de sachês de
adoçante, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reduziu a cota máxima, no caso da sacarina e do ciclamato,
em bebidas e alimentos industrializados.
Para estabelecer esses limites, a Anvisa se
apoia em dados da Ingestão Diária Aceitável (IDA), que estima quanto um indivíduo
pode ingerir de determinada substância por
dia, e durante toda a vida, sem colocar sua
saúde em risco.
Projeto: Estévia: um estudo comparativo com aspartame, ciclamato/
sacarina, sucralose e sacarose em
ratos Wistar e seres humanos
Coordenador: Patrícia de Fátima
Pereira Goulart
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 34.302
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
EDUCAÇÃO FÍSICA
Melhor
(Vital)idade
Pesquisa da Universidade Federal de
Lavras avalia benefícios da atividade física
para idosos e identifica principais motivos
de abandono da prática de exercícios
Virgínia Fonseca
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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A expectativa de vida nacional alcançou, em 2012, a marca dos 74 anos.
Cerca de um quarto de século a mais
do que um brasileiro esperava viver em
1960, quando a média era de 48 anos. No
mesmo período, o percentual de participação das pessoas com idade acima dos
60, na população total do país, passou de
4,7% para 10,8% (IBGE 2010). Mudanças como essas no perfil dos cidadãos
provocam a discussão de políticas e propostas voltadas à manutenção dos sistemas de saúde, previdenciário e de outros
mecanismos de suporte ao novo cenário.
No Sul de Minas, professores e alunos
da Universidade Federal de Lavras (Ufla)
conduzem, desde 2009, projeto voltado a
aspecto não menos importante: a manutenção da qualidade de vida do idoso por
meio da prática de atividades físicas.
Implantada em 2010 como projeto
de extensão – sob o título de “Atividade
Fotos: arquivo do projeto
Caminhada no Parque Ecológico Quedas do Rio
Bonito, em Lavras (MG)
Física e Saúde para Idosos” –, a proposta
foi ampliada a partir da aprovação no edital
da FAPEMIG para apoio a iniciativas extensionistas em interface com pesquisa. “Isso
nos permitiu expandir as ações, tanto no
sentido de envolver mais idosos no programa, adquirir equipamentos de avaliação
e materiais para as aulas quanto no de inserir estudantes de iniciação científica nas
pesquisas vinculadas à iniciativa”, relata
a professora do Departamento de Educação Física e do Laboratório de Pesquisa
em Psicologia do Exercício (Lappex) da
Ufla, Priscila Carneiro Valim-Rogatto, que
coordena os trabalhos em parceria com o
professor Gustavo Puggina Rogatto. O estudo propõe a investigação de fatores relacionados à adesão e à manutenção, pelos
idosos, da prática de exercícios, bem como
a análise dos motivos de desistência, com
vistas à oferta de serviços mais contextualizados a esse público.
O envelhecimento do ser humano
é marcado por um processo natural de
perda de capacidade motora, de força, de
flexibilidade, de velocidade e de níveis de
VO2 máximo – a quantidade de oxigênio
que o sistema cardiovascular consegue
transportar aos músculos para produzir
energia. Esses fatores resultam em maior
dificuldade na realização de tarefas cotidianas e atrapalham a manutenção de um
estilo de vida saudável. As investigações
conduzidas em Lavras corroboram resultados de outros estudos, que apontam a
participação em programas de atividades
Hidroginástica: relatos positivos dos participantes
38
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
físicas como uma medida eficaz para a
recuperação da autonomia e do bem-estar
físico, psicológico e social pelos idosos.
O projeto proporciona a oferta de
diversificados exercícios, como atividades aeróbicas, rítmicas, de equilíbrio e de
memória, além de esportes adaptados. Por
meio de avaliações periódicas, a equipe da
Ufla – em média, 12 graduandos bolsistas
de iniciação científica, além dos professores coordenadores – verifica os efeitos
à saúde dos participantes sob os pontos
de vista físico, psicológico e social. Para
tanto, os pesquisadores avaliam o estado
cognitivo do idoso, o nível de atividade,
a aptidão física relacionada à saúde e o
tempo de reação, assim como aspectos
psicológicos, a exemplo da autoeficácia
física, da percepção dos benefícios e das
barreiras inerentes à prática. Também há o
acompanhamento da participação por meio
da contagem de ausências e da verificação
de possíveis desistências – nesse último
caso, com análise do motivo, do tempo de
participação antes da desistência e do interesse pelo retorno. A cada semestre, de
20 a 40 pessoas, com idade a partir de 60
anos, frequentam o programa.
Em movimento
Priscila Valim-Rogatto explica que
os exercícios indicados à pessoa adulta
podem, também, ser recomendados às
mais velhas. Porém, com adaptações, considerando-se as limitações consequentes
do envelhecimento ou as necessidades
individuais. A pesquisadora ressalta que,
para resultar em benefícios, a prática precisa ser habitual: “A inserção no programa
de atividade física aumenta o tempo em
que o indivíduo se mantém em movimento,
tanto durante as aulas quanto fora delas,
ou, ainda, o conduz a adquirir outros hábitos saudáveis”, comenta, ao citar casos de
idosos que caminham de suas casas até o
Departamento de Educação Física da Ufla.
Outros se submetem a exames clínicos preventivos motivados, exclusivamente, pela avaliação médica periódica
do projeto. As relações sociais também
se ampliam, deixando de ocupar apenas
o âmbito familiar. Nilton Costa Lima, 82
anos, está no programa desde o início e é o
homem mais velho do grupo. “De maneira
geral, me sinto muito bem, com os exercícios, tenho mais equilíbrio para caminhar”,
autoavalia-se. Nilton relata que fez amizade
com todos os demais participantes, inclusive com as monitoras, e deixar o programa nunca passou por sua cabeça.
“A necessidade de trabalhar o corpo
por meio de exercícios não se concentra
apenas no aspecto da saúde física, pois a
aceitação do corpo velho, pelo próprio idoso e pela sociedade, faz parte das crises e
problemas psicológicos próprios do envelhecimento”, afirma Priscila. A observação
do comportamento dos idosos, ao longo do
desenvolvimento do programa, e os resultados das avaliações da autoeficácia física
mostraram que a participação nas atividades
fez com que eles aceitassem o próprio corpo, de modo a perceber suas capacidades e
descobrir habilidades. A hidroginástica, por
exemplo, foi considerada um desafio para
muitos. A insegurança dizia respeito tanto
ao medo da água quanto ao receio de as
pessoas observarem seus corpos. “Transcorridas algumas aulas, contudo, essas
pessoas mudavam de postura e seus relatos
eram de satisfação”, conta.
As avaliações objetivas da capacidade física percebida – ou seja, a crença
ou opinião do indivíduo sobre a própria
capacidade de desempenhar determinada
ação –, realizadas por meio da análise de
escala específica, revelaram, em geral, níveis altos de autoeficácia física nos participantes do programa. “Isso quer dizer que
eles se percebem capazes de desempenhar
atividades propostas, ou, ainda, se sentem
seguros com a autoapresentação física”,
interpreta a pesquisadora.
Perfil
Por que parou?
A pesquisa distinguiu, como principais causas do abandono das atividades
físicas, problemas de saúde do próprio participante ou de alguém da família, nos casos
em que o idoso precisa dar suporte. Outros
motivos apontados, mas com percentual
abaixo de 10% da amostra pesquisada, foram falta de acompanhante, horário de administração de remédios, viagens, visita de
parentes e falecimento na família. “Contudo,
mais de 90% dos entrevistados relataram
interesse em voltar ao programa depois de
solucionada a situação que os fez desistir”,
contabiliza Priscila Valim-Rogatto. O desejo
de retornar é pautado em justificativas como
necessidade de melhorar o corpo e a memória, buscar condicionamento físico, fazer
amizades e emagrecer.
Com o intuito de minimizar o percentual de abandonos – um dos estudos
apontou 36% em 12 meses (veja quadro)
–, a equipe adota estratégias como contato
telefônico para lembrete logo após feriados
prolongados ou alguma modificação no
horário/local de atividades. “Realizamos
eventos específicos em certas épocas, atividade física periódica para a terceira idade
na praça central da cidade, atos festivos
com a participação da família e amigos,
entre outros”, acrescenta.
Os estudos têm resultado em diversos trabalhos acadêmicos por parte dos
alunos engajados. Além disso, o grupo,
atualmente, busca correlacionar as variáveis obtidas, ao verificar, por exemplo,
as associações entre aptidão física e autoeficácia, ou entre motivos de desistência e percepção de barreiras para prática.
As análises qualitativas também seguem
em aperfeiçoamento.
Quinze participantes de ambos os sexos, que desistiram do programa no período
de um ano, foram entrevistados. O estado civil desses idosos variou bastante: 61,5%
eram casados e 38,5% viúvos. Quanto ao tempo de participação no programa, 30,8%
permaneceram menos de 30 dias; 30,8%, de 30 a 60 dias, e 38,4%, mais de 60 dias.
Como principais motivos de desistência, relataram-se problemas próprios de saúde
(46,2%) ou na família (23,1%), viagem (7,7%), falta de atestado médico (7,7%) e
dificuldade de encontrar acompanhante para participar do programa (7,7%).
Projeto: Atividade física e saúde
para idosos
Coordenador: Priscila Carneiro
Valim-Rogatto
Modalidade: Edital extensão em
interface com a pesquisa
Valor: R$ 43.559
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
39
MEIO AMBIENTE
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Diogo Brito
40
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Em 1980, recém-chegado de volta ao
Brasil, o professor Juarez de Souza e Silva
recebeu de um amigo, como pagamento de
dívida, muitos litros de cachaça. Durante certo tempo, a aguardente ficou estocada em sua
casa, aparentemente, sem utilidade. Devido
à enorme quantidade armazenada, seria impossível que ele consumisse toda a bebida.
Sem saber o que fazer com o produto, mas
ciente da crise brasileira à época, Juarez daria
início, naquele momento, à atividade que já
desempenha há mais de 20 anos: produzir
cachaça e álcool combustível simultaneamente e de forma sustentável e limpa.
No início dos anos 1980, o ex-professor já dominava a tecnologia de destilação da cana-de-açúcar para produção de
aguardente. O domínio da produção de álcool combustível, contudo, ocorreria anos
mais tarde, como fruto da necessidade de
alternativas, no país, para novas fontes de
energia. O Brasil, na verdade, sempre se
revelara absoluto na produção de combustível a partir da cana. No que diz respeito à
frota nacional, na segunda metade daquela
década, aproximadamente 95% dos carros
eram movidos a álcool.
Em 1989, consolida-se no país a
grande crise dos combustíveis, ocasionada, em grande medida, pelos altos preços
do açúcar no mercado internacional. Foi tal
problema econômico que “obrigou” Juarez
a investir em seu próprio produto: “Cheguei
ao Brasil em 1980. Três anos depois, comprei um carro a álcool. E já conhecia a tecnologia de produção do combustível. Assim
que resolvi meu problema com a falta do
produto, achei que deveria transmitir essas
técnicas a outras pessoas”, comenta.
A meta de informar os outros sobre
a possibilidade de produzir seu próprio
combustível foi iniciada com as inúmeras visitas que o professor costumava
receber na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Eram pessoas interessadas
em conhecer e dominar a tecnologia de
produção do próprio combustível. Atualmente, Juarez é professor aposentado e
voluntário na UFV, onde busca apresentar, documentar e oferecer todo o material necessário ao processo de produção
de aguardente e de combustível.
Para o pesquisador, aliás, essa tecnologia sustentável pode ser ainda mais
barata, em grande medida, devido à sim-
plicidade do processo de produção: “Na
cachaça, existem duas frações que não devem ser ingeridas: o álcool de cabeça e o
de calda. Isso corresponde a algo entre 20
e 25% do álcool originário da fabricação
da bebida. Ou seja, se você produzir 200
litros de aguardente de boa qualidade, terá
70 litros de álcool combustível”.
Nada se perde...
Obviamente, o sucesso do processo
de fabricação simultânea de álcool e cachaça
deve-se ao uso de matéria-prima comum, a
cana-de-açúcar. O que torna o processo
sustentável é o aproveitamento de quase
100% de todo o material usado na fabricação
da bebida e do combustível. “Uma das partes da cana-de-açúcar, o ‘gomo’, concentra
todo o açúcar da planta. Já sua parte superior,
onde ficam as folhas, serve de alimentação ao
gado”, explica o professor, ao esclarecer que
provém do gomo todo o sumo da cana – conhecido como garapa: “A partir dela é que se
fazem subprodutos como o açúcar, a rapadura, o melado, e, claro, a aguardente e o álcool
combustível”. O bagaço originado do gomo
“moído” pode ser usado para recomposição
do solo. Em outros termos: as sobras ajudam
no próprio plantio de mais cana-de-açúcar.
“Retoma-se, desse modo, todo o processo,
por meio de prática sustentável e ecologicamente correta”, explica Juarez de Souza.
Modos de produção
Ainda segundo o pesquisador, a fabricação sustentável de cachaça e álcool combustível deveria ser praticada pelos pequenos produtores, em sistema de cooperativa.
Além disso, se um único indivíduo tem capacidade de gerar 300 litros de combustível
por dia, isso é o suficiente para o consumo
em diversas regiões (e situações): “Queremos trabalhar à maneira da indústria leiteira
no Brasil: cerca de 90% de nossa produção de leite está nas mãos dos pequenos
proprietários. Numa rápida comparação,
produzem-se, hoje, cerca de 35 bilhões de
litros de leite, contra menos de 20 bilhões
de litros de álcool combustível”.
Para o produtor que já possui a fábrica de aguardente, o valor a ser desembolsado fica entre R$10 mil e R$12 mil para
adaptação satisfatória ao modelo de fabricação do álcool combustível. Para aqueles
que não possuem nenhum equipamento,
mas se interessam pela atividade, o investimento girará em torno de R$ 70 mil. Os
pequenos produtores brasileiros, contudo,
esbarram nos empecilhos da lei. De acordo com Juarez de Souza, em função da alta
carga tributária, apenas 5% dos fabricantes
de cachaça nacional atuam de forma legalizada, enquanto os outros 95% produzem
clandestinamente. “Se as tarifas fossem
mais baixas, teríamos, talvez, 100% dos
produtores na legalidade”, completa.
O professor alega que, em diversas
ocasiões e esferas públicas, defendeu a
criação de cooperativas para a produção de
cachaça e álcool combustível. “Precisamos
que os órgãos públicos tomem posição sobre o assunto. Se dependermos do Governo
Federal, ficaremos na mão da Agência Nacional de Petróleo (ANP)”, opina.
Para todos
Atualmente, Juarez investe na montagem de uma unidade demonstrativa de
destilação e produção de álcool em seu sítio, localizado próximo ao município de Viçosa (MG). O pesquisador deseja transmitir know how às pessoas interessadas em
se tornar pequenos produtores de cachaça
e combustível. “Investiremos em um curso
completo e gratuito, por meio do qual os
participantes aprenderão, passo a passo,
o processo de produção – da moagem da
cana à feitura do destilado”, diz.
O domínio da tecnologia de produção
de cachaça e combustível e a experiência
acumulada pelo professor Juarez, ao longo
de sua jornada de estudos e experimentos,
também foram por ele documentados no
livro Produção de Álcool na fazenda – Equipamentos, sistemas de produção e usos. Na
obra, o pesquisador ajuda os produtores a
descobrir e desenvolver novas maneiras de
uso da cana-de-açúcar.
Projeto: Análise Técnico-econômica de um Sistema Integrado de
Produção de Álcool Combustível,
Aguardente e Leite, a partir da Biomassa de Cana-de-açúcar
Coordenador: Juarez de Sousa e
Silva
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 49.650
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
41
ENGENHARIA BIOMÉDICA
O que os olhos
não veem, mas
o cérebro sente
Habilidade inerente ao ser humano,
atenção seletiva auditiva é chave
para comunicação com doentes
imobilizados
Virgínia Fonseca
Você está em uma festa. Ao som da
música eletrônica, misturam-se as conversas de distintos grupos de convidados.
Em dado momento, parece-lhe ter ouvido a menção a seu nome na mesa mais
próxima. Não obstante todos os outros
ruídos do ambiente, instintivamente, seus
sentidos concentram-se naquelas vozes e
buscam apurar o que está sendo dito a seu
respeito. À capacidade da mente humana
de resistir a estímulos de distração e focar em informações relevantes denomina-se atenção seletiva auditiva. A maneira
como o cérebro processa essa habilidade
é campo de estudo de pesquisadores da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), que
projetam utilizá-la como base para o desenvolvimento de dispositivo que permita
a comunicação com pacientes impossibilitados de se mover.
42
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
A eletroencefalografia é um método para investigação do funcionamento
do cérebro humano, no qual é possível
verificar a reação do órgão a vários estímulos. Alguns podem ser facilmente
associados a alterações no eletroencefalograma; outros provocam mudanças
não claramente observadas.
A ideia é usar a atenção seletiva,
mensurada por eletroencefalograma,
como ferramenta para a construção de
interfaces cérebro-computador – dispositivos que permitem manipular computadores e máquinas por meio da mente.
Isso possibilitaria ao indivíduo escolher
entre duas ou mais opções apresentadas,
empregando seu poder de concentração
auditiva. “Essa abordagem, típica da Engenharia de Reabilitação, tem a peculiaridade de não necessitar que o sentido
da visão esteja ativo no paciente, sendo,
portanto, útil aos severamente desabilitados”, explica o professor Leonardo
Bonato Felix, coordenador do projeto. Os
pesquisadores pretendem, ainda, aplicar
as técnicas desenvolvidas em estudos e
diagnóstico precoce de quadros como autismo, transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH), entre outros.
Atualmente, de acordo com o professor, existem diversos paradigmas para
comunicação com pacientes desabilitados,
que condicionam o doente a provocar reações cerebrais detectáveis, como respostas
evocadas visuais, movimentos imaginados, potenciais corticais lentos (alterações
lentas, mas perceptíveis, na atividade do
córtex cerebral). Muitos trabalhos também
usam sinais eletroencefalográficos. Nesse modelo, um sistema de interconexão
cérebro-computador permitiria à pessoa
controlar a máquina usando apenas suas
ondas cerebrais. Segundo Leonardo Bonato, já foi demonstrado que doentes, em
estados severos de locked in – condição
na qual o indivíduo está acordado e consciente, mas não consegue se mover devido
à paralisia completa –, aprenderam a se
comunicar por meio de dispositivo que interpreta os sinais do eletroencefalograma.
O desenvolvimento de mecanismos
baseados na atenção seletiva auditiva tem
como principal vantagem a aplicação em
pacientes com dificuldades para controlar
o movimento ocular, já que esses sistemas
seriam independentes da função visual.
Estudos anteriores apontam que as possibilidades de interface cérebro-computador
hoje em vigor possuem níveis variados de
eficiência. Para alguns, a longa imobilidade e a degeneração das células do córtex
motor podem dificultar a produção de sinais a partir de movimentos imaginados.
Além disso, em situações de danos extensos, todo o sistema visual pode se tornar
comprometido: se os olhos não conseguirem ajustar o foco, não se movem para
inspecionar a cena, fato que rapidamente
enfraqueceria um mecanismo baseado em
respostas visuais.
Por fim, certos métodos, como o de
imaginação de movimentos, requerem treinamento anterior ao uso do sistema, o que
pode se tornar impeditivo para pacientes
com expectativa de vida reduzida. “Some-se
a isso o fato de a audição ser relatada como
estímulo que persiste mesmo em situações
de grave trauma. Assim, constatamos considerável vantagem em metodologias independentes de visão”, analisa o pesquisador.
Comunicação possível
No sistema proposto, o paciente receberia orientação para fazer escolhas com
atenção em estímulos sonoros específicos. Estes sinais, aplicados a um código
de classificação de respostas, permitiriam
identificar em qual som o indivíduo se
concentrou e, consequentemente, que informação ele desejaria transmitir.
Os pesquisadores trabalham com
banco de dados criado a partir do experimento realizado com voluntários, entre 18
e 25 anos de idade, sem histórico de disfunção auditiva. Em cabine com isolamento
acústico, os jovens passam por exame de
eletroencefalograma direcionado – usando
fones de audiometria para receber o sinal
sonoro e para atenuar os ruídos do ambiente. A experiência inclui três etapas, em
que dois estímulos auditivos são gerados
simultaneamente e o voluntário deve atentar para o som instruído pelos cientistas.
Todos os estímulos possuem, em comum,
características como a mesma intensidade
sonora e tempo de duração (2 minutos).
Num primeiro momento, o indivíduo
recebe instrução para permanecer de olhos
abertos e tentar não prestar atenção nos estímulos sonoros. A seguir, solicita-se que
feche os olhos e se concentre no som do
ouvido esquerdo. Por último, a partir do
mesmo procedimento, instrui-se que o voluntário foque sua atenção no ouvido direito.
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
43
Para gerar padrão comparativo, antes
das estimulações, os indivíduos são orientados a focar em um dos ouvidos. “Como
em cada orelha é apresentado um som
com frequência diferente, sabemos em
qual frequência no espectro do sinal eletroencefalográfico devemos procurar por
padrões diferentes da normalidade, que,
no caso, corresponderia à situação sem
foco de atenção”, detalha o coordenador.
Os pesquisadores usam, então, técnicas de
processamento de sinais para identificar os
padrões espectrais de cada resposta.
O professor Leonardo, que também
está à frente do Núcleo Interdisciplinar de
Análise de Sinais da UFV, especializado
em pesquisas relacionadas a processamento de sinais biológicos, instrumentação eletrônica, modelagem matemática e
inteligência computacional, faz analogia
com outra situação hipotética. “Imagine
que você tem de dizer se uma torneira está
pingando no meio de uma lagoa, mas só
pode analisar o movimento de uma boia
na margem. O que podemos fazer é ajustar
a frequência com que os pingos caem, de
forma a gerar um padrão mais facilmente
reconhecível na margem”, compara. “No
caso específico desse projeto, o problema
é que estaria chovendo”, brinca.
As respostas evocadas (veja Box),
quando comparadas ao eletroencefalograma como um todo, apresentam níveis de
amplitude bem inferiores, o que torna difícil avaliar sua presença por simples inspeção visual do sinal. Por isso, os cientistas
precisam desenvolver técnicas de detecção
objetiva, ou seja, instrumentos para automatizar o processo de identificação de
respostas a estímulos e para ajudar a lidar
com a grande variabilidade de formas de
onda de diferentes indivíduos. Esses métodos baseiam-se em ferramentas estatísticas, nas quais a capacidade de detecção
depende da relação sinal-ruído e da quantidade de dados disponíveis para o cálculo.
Os melhores resultados até o momento indicaram taxa de transmissão de
informação – medida padrão em sistema
de interface cérebro-computador – de 1,89
bits por minuto, com taxa de acerto de
82%. Atualmente, a equipe trabalha para
pôr o sistema de detecção/classificação
em modo online, de forma a confrontar o
desempenho do sistema com as respostas
dadas pelo indivíduo em questionário pre-
viamente respondido. Segundo o professor, esse seria o caminho para um sistema
robusto, passível de aplicações clínicas.
Quanto ao percentual de acerto, o grupo
planeja alcançar algo em torno de 95%.
Leonardo Bonato ressalta que o grupo segue os testes com outras abordagens
de processamento de sinais. Além disso,
as pesquisas têm corroborado evidências,
encontradas na literatura, de que as estruturas cerebrais ativadas no ato de focar
atenção em um sinal sonoro são inversas
ao lado que recebe o estímulo. “Isso poderia explicar por que não conseguimos nos
concentrar em dois sons simultaneamente”, sugere, acrescentando que existe necessidade de estudar melhor esse aspecto.
Em sequência aos trabalhos, estudos
sobre outra possibilidade de informação –
desfocar atenção de todos os sons – estão
em andamento. O grupo prepara, ainda,
pesquisa envolvendo estimulação auditiva
com sons da natureza, como vozes e ruídos de animais, ou mesmo música, com o
intuito de verificar se a capacidade de focar
atenção auditiva é influenciada pelo impacto que o som representa para a pessoa.
Daniel Sotto-Maior
Estímulo e reação
O potencial evocado é a atividade bioelétrica desencadeada e registrada no nervo,
no músculo, no receptor sensorial ou em determinada área do sistema nervoso central, relacionada à natureza de um estímulo externo. Usualmente, esse tipo de atividade
possui amplitude baixa, se comparada à atividade cerebral espontânea. Assim, devido
à baixa relação sinal/ruído, são aplicadas técnicas de processamento para extrair o
sinal (resposta evocada) imerso em ruído (eletroencefalograma de fundo). O uso desses elementos tem sido constante em estudos que buscam compreensão das diversas
modalidades sensoriais inerentes ao corpo humano. O registro destas respostas, por
meio da eletroencefalografia – associada à aplicação de técnicas de processamento de
sinais –, fornece importantes informações sobre a maneira como estímulos externos
são conduzidos, percebidos e interpretados pelo sistema nervoso.
Os potenciais evocados auditivos, ou seja, as respostas desencadeadas pelo sistema nervoso, em função de uma estimulação sonora, podem ser classificados como
transitórios – quando obtidos com estímulos de curta duração – ou de regime permanente. Esse último ocorre se um som é apresentado em taxa suficientemente elevada, de
modo que a resposta a um estímulo sempre se sobreponha ao estímulo sonoro anterior.
É o caso do sinal modulado em amplitude (AM, do inglês, Amplitude Modulation),
usado pelos pesquisadores no trabalho. Em comparação com os estímulos auditivos
transitórios, o tom AM tem a vantagem de ser mais próximo dos sons da natureza,
tornando as respostas evocadas mais conexas com situações cotidianas e contribuindo
para maior abrangência de eventual teste.
44
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Testes em cabine com isolamento acústico analisam
reação de voluntários aos estímulos sonoros
Projeto: Investigação da atenção
seletiva auditiva para interface
cérebro-computador
Coordenador: Leonardo Bonato
Felix
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 44.488
Eram os deuses escultores?
LEMBRA DESSA?
Projeto desenvolvido pela Universidade Federal de Ouro Preto “ressuscita” o
ofício dos canteiros, mestres que, há séculos, transformam a pedra em arte
William Ferraz
pessoas compreender melhor o quanto o
ofício está vinculado ao cotidiano da cidade”, esclarece o pesquisador.
Inicialmente restrito à pequena garagem adaptada para a prática da Cantaria,
o projeto ganhou, com o tempo, equipamentos modernos, além de contar com
melhorias nas instalações de pesquisa. “A
nova estrutura, apesar da pouca ampliação
do espaço físico, nos possibilita que, hoje,
realizemos reformas anuais em monumentos de Outro Preto e imediações, como o
centro histórico da cidade de Itabirito e a
ponte da Estrada Real, que vai até Ouro
Branco”, destaca.
Ao longo dos anos, a equipe de Pereira incorporou novos projetos, a exemplo
do Itacolomito, estudo desenvolvido com
aporte financeiro da FAPEMIG que busca
cartografar todos os tipos de rocha usados
na Cantaria em Ouro Preto e região. O mapeamento torna mais eficaz a obtenção de
materiais de qualidade.
No que diz respeito às iniciativas de
extensão, um projeto de inclusão social foi
elaborado para atender a 2 mil crianças,
entre 10 e 12 anos, de diversas escolas
da cidade histórica. Além de aprenderem o
ofício dos canteiros, os pequenos recebem
estímulo à leitura por meio de livros relacionados à arte da Cantaria. “Este projeto
pretende promover a aproximação da comunidade com a universidade. As crianças
também estudam a história dos bairros,
aprendem um pouco mais sobre a influência da Cantaria na cultura ouro-pretana e se
tornam agentes difusores do ofício”, explica Pereira. Também na área da educação, a
equipe fundou bibliotecas comunitárias e
centros culturais para atender à população
carente da cidade, incorporando a Cantaria
em diversas formas de entretenimento.
Outro ponto de destaque dos estudos
desenvolvidos pelos pesquisadores da
Ufop diz respeito à incorporação do trabalho em Canga – uma espécie de rocha
com alta concentração de ferro e de difícil
manejo. O uso da pedra deu início a uma
nova linha de pesquisa. “Devido à composição da Canga, o trabalho gera resíduos
de tom vermelho-intenso. Neste momento,
desenvolvemos pesquisas no sentido de
criar pisos que combinem esta rocha à pedra sabão ou ao quartzito”.
Foto: Carlos Alberto Pereira
Desde a Pré-História, os canteiros,
mestres da pedraria, desenvolvem a arcana
habilidade de aperfeiçoar, manualmente, a
rocha bruta. Em seu ofício, transmitido de
geração a geração, transformam as pedras
em elementos estruturais e requintados ornamentos, usados em construções e equipamentos, sendo as pirâmides egípcias
alguns dos mais antigos e representativos
exemplos da aplicação da arte. A edição
n° 17 de Minas Faz Ciência, publicada
há dez anos, apresentou reportagem sobre projeto desenvolvido pelo professor
Carlos Alberto Pereira, do Departamento
de Engenharia de Minas (Demin) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Chamada de “Oficina de Cantaria”, a
iniciativa, originada em meados do ano
2000, buscava, justamente, resgatar a trajetória dos canteiros.
Apesar de presente entre as mais diversas variações da arquitetura ocidental,
e largamente empregada em obras arquitetônicas do país – a partir da segunda
metade do século XVI –, o ofício da Cantaria, intrinsecamente ligado à arquitetura
do Brasil colonial e enraizado na cultura de
cidades históricas, encontrava-se pouco
reconhecido e em vias de extinção. Ciente
disso, Carlos Alberto procurou “reviver” o
trabalho dos canteiros, perpetuando-o por
meio da formação e qualificação de novos
oficiais do ramo. “A Cantaria não era discutida no Brasil antes de 2000. O trabalho
desenvolvido por nossa equipe foi responsável por atribuir notoriedade e reconhecimento à arte”, conta Pereira.
Além da oficina de formação de
profissionais, o projeto se ramificou em
outras tantas atividades, focadas na investigação e no resgate da expressividade
histórica da Cantaria brasileira. “Criamos
linhas paralelas de extensão relativas a
educação cultural e patrimonial da população de Ouro Preto, o que permitiu às
Criancas aprendem técnica milenar
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
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5 PERGUNTAS PARA...
Stephen Louis Macknik e
Susana Martinez Conde
Diretores dos Laboratórios de Neurociência Comportamental e de Neurofisiologia Visual no Instituto Neurológico Barrow, em Phoenix, Arizona, o casal de neurocientistas Stephen Macknik e Susana
Martinez-Conde são os fundadores de um novo campo de investigação: a neurociência da mágica,
ou neuromágica. Para isso, eles, inclusive, se tornaram mágicos e se juntaram às maiores organizações da categoria nos Estados Unidos e no Reino Unido – como o Magic Castle, o Círculo Mágico
e a Sociedade de Mágicos Americanos. Também convenceram alguns dos melhores ilusionistas do
mundo a revelar suas técnicas e as analisaram sob a luz das últimas descobertas da neurociência
cognitiva. De acordo com os pesquisadores, que estiveram no Brasil para participar da II Semana
Internacional de Neurociências da UFMG, o desenvolvimento desse campo de pesquisa pode permitir novas abordagens na busca por melhor compreensão dos mistérios do cérebro.
Por Marcus Vinicius dos Santos
O que vocês propõem com a neuromágica?
Levantamos a ideia de estudar a neurociência
cognitiva da atenção e da consciência usando métodos de mágica de palco, um novo
campo de pesquisa. A mágica consiste em
poderoso e robusto conjunto de métodos
para manipular a atenção e a consciência.
Trata-se de métodos extremamente importantes na determinação das bases neurais da
ciência cognitiva. E esse tipo de experiência
no laboratório é muito sensível ao estado do
observador. Se a pessoa sabe a hipótese, ou é
capaz de adivinhar, os dados podem ser corrompidos e fica impossível analisá-los. Truques de mágica testam muitos dos mesmos
processos cognitivos que pesquisamos, mas
são incrivelmente robustos. Eles funcionam
uma, duas, ou mais vezes, enquanto experiências cognitivas, em geral, funcionam apenas uma. Em shows de mágica, não importa
que cada pessoa saiba que está sendo enganada. As pessoas continuam felizes, toda
vez que assistem. Propomos, portanto, que
os métodos mágicos possam ser aplicados
no laboratório, combinados com a mais alta
tecnologia de imagem do cérebro e outras
técnicas neurocientíficas, para estudar o cérebro, em condições normais e patológicas.
Ainda que sejamos capazes de trazer para o
laboratório apenas a metade da habilidade do
mágico para manipular a atenção e a consciência, seremos capazes de promover grandes
avanços nas neurociências.
Quais são estes avanços?
Os métodos usados pelos mágicos podem
estimular insights sobre como tratar certas
condições, como o transtorno de déficit de
atenção ou o diagnóstico e a avaliação do
regime de tratamento utilizado em casos de
autismo. Também podemos usar esses métodos para tentar compreender como truques
cognitivos semelhantes são trabalhados em
estratégias de publicidade, negócios e relacionamentos interpessoais. Podemos entender como uma pessoa escolhe comprar um
produto caro, apesar de já ter se decidido
pelo contrário. Percebe-se, assim, como os
profissionais de vendas podem, todos os
dias, criar a “ilusão da escolha”.
física da luz – com o uso de fumaça e espelhos. Podem ser truques poderosos quando
usados adequadamente por um mágico.
Ilusões visuais e cognitivas ocorrem apenas
no cérebro, e os mágicos também as usam.
Em um show de mágica, quanto mais você
tenta descobrir o método secreto subjacente
a cada efeito, mais difícil fica: quanto mais a
sua atenção é reforçada no centro do foco de
atenção, mais ela é suprimida em todos os
outros locais. Os exércitos de neurônios que
suprimem a percepção dessas regiões são
cúmplices do mágico. Não existem diferenças culturais conhecidas que conduzam a diferenças na percepção de truques de mágica.
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Como a ilusão ocorre?
O cérebro humano não é um leitor perfeito
da realidade. Ele não é capaz de reconstruir
a realidade (tal qual ela é), e, frequentemente,
usa atalhos para interpretar, de forma mais
rápida e eficiente, o que nos acontece. Essas
limitações do cérebro são o núcleo de muitas
ilusões. O que os mágicos fazem? Eles exploram esses atalhos neurais para fazer o que
parece impossível. Isso ocorre, por exemplo,
quando o mágico chama a atenção do público para a mão esquerda, enquanto esconde a
moeda com a direita.
Será que a ilusão se origina na mente
ou nos olhos? Somos enganados pelos
olhos ou pelo cérebro?
Ambos desempenham a sua parte. Ilusões
de ótica são ilusões que ocorrem devido à
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
Existem pessoas que não se deixam
enganar por truques de ilusão ou de
prestidigitação? Por que isso poderia
ocorrer?
Todo mundo é enganado por mágica, mas há
pessoas que têm déficits de atenção. Existem,
ainda, os autistas, que parecem ser menos
enganados por truques que dependam demais de se manipular a atenção.
Saiba mais no blog (www.sleight-
! sofmind.com) do livro Truques da
mente: o que a neurociência da mágica
revela sobre nossas decepções diárias,
publicado em 15 idiomas e em mais de
cem países.
@
fapemig.wordpress.com
Zina Aita, nascida em Belo Horizonte, era
filha de família italiana e, depois de estudos em
Florença, conheceu, no Rio, Ronald e Manuel
Bandeira –, que teriam sugerido seu nome para
a Semana. Entre as obras que exibiu, talvez a
única hoje conhecida seja Petrópolis (ou Trabalhadores), que Aracy Amaral, pela temática,
considera possível tratar-se de A sombra, título
mencionado no catálogo, ao lado de outros
sete da artista. O trabalho, na opinião da pesquisadora, seria um dos ‘mais avançados’ da
exposição – embora Zina Aita também produzisse naquele tempo aquarelas ‘passadistas’.
anos de influências
O título remete a uma publicação reputada de nossa literatura. É proposital a
semelhança: 1922, a semana que não terminou faz referência direta ao livro de Zuenir Ventura, 1968, o ano que não terminou.
Talvez, por se tratar de grandes artistas
brasileiros, e pela influência da Semana de
Arte Moderna de 22 no cenário cultural do
país. Já são 90 anos desde então. O escritor e jornalista Marcos Augusto Gonçalves
levou três anos pesquisando o assunto e
apresenta, na obra, o resultado de entrevistas, fotos e reproduções da época. O
livro se torna interessante tanto como “instrumento” acadêmico quanto como objeto
para os amantes do tema.
Embora o autor não acredite que a
Semana de 22, propriamente dita, tenha
mudado o cenário de arte brasileira, tudo
o que fora feito antes dela também contribuiu para deixar um legado precioso,
especialmente para o Modernismo – não
apenas nacional. A Semana tornou-se uma
espécie de mito da criação do Modernismo
brasileiro, na qual jovens futuristas de São
Paulo promovem uma revolução contra o
atraso do país e mudam tudo. Ao contrário
do que se pensa, Gonçalves reverte essa
questão, sem que a importância da Semana de Arte seja abalada.
Afinal, o Tropicalismo – que buscava
uma identidade cultural própria, incorporando e valorizando elementos nacionais
em sua predominância, sem abrir mão
de valores estéticos estrangeiros – fora
influenciado, anos depois, por este movimento. A primeira exposição modernista
precedeu a Semana de Arte e foi realizada
por Anita Malfatti, artista recém-chegada
da Europa. Para o estado de São Paulo,
Anita promoveu uma mostra com obras
que rompiam com os traços do realismo.
Aos olhos daquela época, elas pareciam
estranhas e provocaram reações até mesmo de outros artistas, como o escritor
Monteiro Lobato, feroz em seus artigos.
O efeito causado pelas críticas,
contudo, foi contrário. Jovens talentos
se interessaram pela “nova arte” e, dali,
criaram um grupo para defendê-la. Entre
os nomes mais relevantes estão os escritores Mário e Oswald de Andrade, os
cartunistas Menotti del Picchia e Plínio
Salgado, o compositor Heitor Villa-Lobos, o pintor Di Cavalcanti e o acadêmico
Graça Aranha. No livro, é usada a expressão “modernismo de compromisso” para
ressaltar essa característica tão brasileira,
que estava presente no evento. Trata-se de
compromissos de convívio entre o novo
e o velho, o elemento transformador e o
conservador, o futuro e a tradição.
Com narrativa empolgante, o autor
dá vida aos personagens e descreve as
famosas jornadas que animaram o Teatro
Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15
e 17 de fevereiro de 1922. A descrição do
evento aponta para algumas conclusões,
como a de que tudo o que fora produzido
antes da Semana de 22 era meramente
acadêmico. Além disso, Gonçalves não
se limita à esfera dos revolucionários
artistas paulistanos. A obra remete à
participação de cariocas e mineiros na
invenção do Modernismo brasileiro.
Esse episódio da história da arte do país
é apenas um dos muitos que ficaram
pouco conhecidos em meio àquela renovação. A Semana de 22 é um momento
que, de tão rico, e pleno de polêmicas,
não se esgotou até os dias de hoje.
Livro: 1922, a semana que não terminou
Autor: Marcos Augusto Gonçalves
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 376
Ano: 2012
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LEITURAS
Uma semana com 90
O P I N I ÃO
William Ferraz
Não é necessário vasculhar muito
para constatar que o assunto mais comentado da web, no ano que se passou, foi o
suposto fim dos tempos na fatídica data
de 21 de dezembro. O fenômeno tomou
proporções globais, penetrou em diversas
culturas e levou pessoas a gastar milhões
em abrigos anticataclísmicos, suprimentos
e coisas afins. O curioso de tudo isso é a
dúvida em torno do que, afinal, deu tanta
força à profecia do apocalipse em 2012,
mesmo que outros diversos eventos similares, agendados para datas já passadas,
tenham falhado gritantemente.
Sigamos, pois, aos fatos. Em primeiro lugar, ficou claro, no atual episódio, o
hercúleo esforço das mídias para noticiar
informações capazes de endossar a teoria
catastrófica, com participação de renomados veículos de divulgação científica.
Numa segunda etapa, destaque para a
incorporação, ao discurso, dos elementos
de culturas ancestrais, da estrela azul, dos
índios Hopi, ao planeta Nibiru, dos babilônios, do Ragnarok, dos nórdicos, às
tradições egípcia e maia – com destaque
para esta última civilização, que, de acordo
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com “sustentadores” do presságio, detinha
conhecimentos avançados de astronomia,
a ponto de prever o fim da humanidade
com base no que diziam as estrelas.
Tudo isso, porém, ainda não seria
suficiente para fazer com que, em tantas
culturas do mundo, o fenômeno tomasse
as aterradoras proporções por nós presenciadas. Até por que, diga-se de passagem,
nem todos os sítios arqueológicos do
povo maia foram descobertos, de forma
que algum calendário, com referências
a períodos posteriores, pudesse vir a ser
encontrado no futuro. Também é preciso
considerar o fato de que os maias foram
drasticamente reduzidos após a chegada
dos colonizadores europeus, que impediram a civilização mesoamericana de
prosseguir com seus estudos e destruíram
muitos de seus registros, então considerados pagãos pela Igreja Católica.
Acontece que os sábios nativos
acreditavam que, em 21 de dezembro
de 2012, retornaria ao mundo dos homens o Deus Bolon Yokte, entidade que,
de acordo com o panteão maia, seria o
responsável pela guerra e traria consigo
MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2013
uma onda de mudanças: a ordem social
atingiria outro nível e o mundo, conforme conhecemos, deixaria de existir.
Tais modificações seriam motivadas por
ações geofísicas e antropológicas, como
o aquecimento global, a intensificação
do tectonismo e do vulcanismo e o acirramento dos conflitos no Oriente Médio
– o que poderia levar as civilizações do
planeta à guerra nuclear.
Além disso, a exatidão com que os
maias previram a máxima solar – com início próximo a 21 de dezembro de 2012, podendo interferir diretamente sobre as linhas
de transmissão de energia e de telecomunicações da Terra – pareceu fazer sentido
para muitos de nossos contemporâneos. O
problema, na verdade, é que a correta previsão acabou por se revelar oportunidade
e tanto para que a cultura ocidental deturpasse os conceitos maias e promovesse
verdadeiros mercados cataclísmicos.
Foram centenas de publicações vendidas
sobre o assunto, diversos abrigos subterrâneos construídos e uma infinidade de
produtos para sobrevivência no “dia depois de amanhã”.
Dias X Kins?
Nossa atual “folhinha” divide-se em dias, meses, anos, décadas,
séculos e milênios. Já o sistema de tempo dos Maias se organiza segundo modelo de contagem vigesimal, bem distinto do
calendário gregoriano: um dia é chamado de Kin e 20 Kines completam um Uinal – o equivalente ao nosso mês, mas com apenas
20 dias; por sua vez, 18 Uinales configuram um Tun. Vinte Tuns
são responsáveis por um Katun e 20 Katuns formam um Baktun. De
acordo com estudiosos, o encerramento do calendário, na data de
21 de dezembro de 2012, representaria algo semelhante ao fim de
um milênio para nós, ou seja, nada além do encerramento de um
período e início de outro.
Estamos salvos?
O senso comum nos leva a acreditar que, depois do fracasso
de profecia com tamanha repercussão global, mitos do mesmo
gênero não façam mais sucesso no imaginário popular. Certo?
Bem, ao que parece, os profetas de plantão não se intimidaram. A
cultura de datas apocalípticas está longe de ser extinta. Há quem
já divulgue, por aí, nova data para que tudo vá para os ares: o
fatídico ano de 2036. Aparentemente, a especulação da passagem
do asteroide Apophis – um dos maiores que orbitam nosso sistema planetário –, pelas imediações da Terra, seria a razão para
que um novo apocalipse volte a ser cultuado.
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Kunst und Wissenschaft (em tradução livre, “Arte e Ciência”) – Colagem digital e manipulação fotográfica de autoria de Hely Costa Jr., designer e
diretor de arte do Programa de Comunicação Científica e Tecnológica da FAPEMIG, desenvolvidas a partir de gravuras do artista alemão Albrecht Dürer
e de uma série de anônimos. A obra foi criada especialmente para a revista MINAS FAZ CIÊNCIA.
VARAL

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