Vol.39 • nº 130 jul/dez 2014

Transcrição

Vol.39 • nº 130 jul/dez 2014
REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL - VOL. 39 N° 130 - FUNDACENTRO
Vol.39 • nº 130
jul/dez 2014
Editores Científicos
Assessoria estatística
Eduardo Algranti – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
José Marçal Jackson Filho – Fundacentro, Curitiba-PR, Brasil
Andre Luis Santiago Maia – Fundacentro, Salvador-BA, Brasil
Marco Antonio Bussacos – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Ricardo Luiz Lorenzi – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Editor Executivo
Secretaria Executiva
Eduardo Garcia Garcia – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Editores Associados
Anaclaudia Gastal Fassa – UFP, Pelotas- RS, Brasil
Andréa Maria Silveira – UFMG, Belo Horizonte-MG, Brasil
Ângela Paula Simonelli - UFPR ,Curitiba-PR, Brasil
Carlos Machado de Freitas – Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Cézar Akiyoshi Saito – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Claudia Carla Gronchi – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Eduardo Mello De Capitani - Unicamp, Campinas-SP, Brasil
Irlon de Ângelo da Cunha – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Ivan Targino Moreira - UFPB, João Pessoa-PB, Brasil
José Dari Krein - Unicamp, Campinas-SP, Brasil
José Prado Alves Filho – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Marco Antonio Bussacos – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Marcia Hespanhol Bernardo – PUC, Campinas-SP, Brasil
Maria Aparecida da Cruz Bridi - UFPR, Curitiba-PR, Brasil
Mina Kato – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Neice Müller Xavier Faria - UEL, Bento Gonçalves- RS, Brasil
Norma Suely Souto Souza – EBMSP, Salvador- BA, Brasil
Ricardo Luiz Lorenzi – Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Rita de Cássia Pereira Fernandes – UFBA – Salvador-BA, Brasil
Roberto Verás de Oliveira - UFPB, João Pessoa-PB, Brasil
Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela – USP, São Paulo-SP, Brasil
Rogério Galvão da Silva –Fundacentro, São Paulo-SP, Brasil
Rose Aylce Oliveira Leite – Museu Paraense Emílio Göeldi, Belém-PA,
Brasil
William Waissmann – Fiocruz, Rio de Janeiro- RJ, Brasil
Conselho Editorial
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Carlos Minayo Gomez – Fiocruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Francisco de Paula Antunes Lima – UFMG, Belo Horizonte-MG, Brasil
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Leny Sato – USP, São Paulo-SP, Brasil
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Regina Heloisa M. de Oliveira Maciel – UECE/Unifor, Fortaleza-CE,
Brasil
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Selma Borghi Venco – Unicamp, Campinas-SP, Brasil
Vilma Sousa Santana – UFBA, Salvador-BA, Brasil
Victor Wünsch Filho – USP, São Paulo-SP, Brasil
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Elena Riederer
Karla Machado
Vagner Souza Silva
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Gisele Almeida – Arte final
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Sítio RBSO
Cristina do Amaral
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International Occupational Safety and Health Information Centre /
International Labor Organization – CIS/ILO
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Portugal – Redalyc
• Red Panamericana de Información en Salud Ambiental / Biblioteca
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Política Editorial
A RBSO é o periódico científico da Fundacentro publicado desde 1973. Com frequência semestral, destina-se à difusão de artigos originais de
pesquisas sobre Segurança e Saúde do Trabalhador (SST) cujo conteúdo venha a contribuir para o entendimento e a melhoria das condições de
trabalho, para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho e para subsidiar a discussão e a definição de políticas públicas relacionadas ao tema.
A RBSO publica artigos originais inéditos de relevância científica no campo da SST. Com caráter multidisciplinar, a revista cobre os vários
aspectos da SST nos diversos setores econômicos do mundo do trabalho, formal e informal: relação saúde-trabalho; aspectos conceituais e análises
de acidentes do trabalho; análise de riscos, gestão de riscos e sistemas de gestão em SST; epidemiologia, etiologia, nexo causal das doenças do
trabalho; exposição a substâncias químicas e toxicologia; relação entre saúde dos trabalhadores e meio ambiente; educação e ensino em SST;
comportamento no trabalho e suas dimensões fisiológicas, psicológicas e sociais; saúde mental e trabalho; problemas musculoesqueléticos,
distúrbios do comportamento e suas associações aos aspectos organizacionais e à reestruturação produtiva; estudo das profissões e das práticas
profissionais em SST; organização dos serviços de saúde e segurança no trabalho nas empresas e no sistema público; regulamentação, legislação,
inspeção do trabalho; aspectos sociais, organizacionais e políticos da saúde e segurança no trabalho, entre outros.
A revista visa, também, incrementar o debate técnico-científico entre pesquisadores, educadores, legisladores e profissionais do campo da
SST. Nesse sentido, busca-se agregar conteúdos atuais e diversificados na composição de cada número publicado, trazendo também, sempre que
oportuno, contribuições sistematizadas em temas específicos.
O título abreviado da revista é Rev. bras. Saúde ocup.
Informações sobre a revista, instruções aos autores e acesso eletrônico aos artigos em: www.fundacentro.gov.br/rbso • www.scielo.br/rbso
Vol. 39 • n° 130
jul/dez 2014
Sumário
Editorial
125
Estudos de prevalência na RBSO: Como separar o joio do trigo?
Eduardo Algranti, José Marçal Jackson Filho
Artigos
127
A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas
externas: estudo qualitativo
Kamile Miranda Lacerda, Rita de Cássia Pereira Fernandes, Leticia Coelho da Costa Nobre,
Paulo Gilvane Lopes Pena
136
O poder de agir dos Técnicos de Segurança do Trabalho: conflitos e
limitações
Karina Sami Yamamoto Inoue, Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela
150
Intensificação do trabalho e saúde do trabalhador: uma abordagem
teórica
José Augusto Pina, Eduardo Navarro Stotz
161
Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental: potencialidades e
desafios da articulação entre universidade, SUS e movimentos
sociais
Andrezza Graziella Veríssimo Pontes, Raquel Maria Rigotto
175
Acidentes perfurocortantes e medidas preventivas para hepatite B
adotadas por profissionais de Enfermagem nos serviços de urgência
e emergência de Teresina, Piauí
Telma Maria Evangelista de Araújo, Nayra da Costa e Silva
184
Trabalhadoras de turno noturno: relações de gênero, produção de
vulnerabilidades e promoção da saúde
Juliana Figueiredo Arreal, Laura Cecilia López
198
Maquinistas ferroviários: trabalho em turnos e repercussões na
saúde
Fernanda Veruska Narciso, Cristiane Westin Teixeira, Luciana Oliveira e Silva, Renata Guedes Koyama,
Adriana Neves da Silva Carvalho, Andrea Maculano Esteves, Sérgio Tufik, Marco Túlio de Mello
210
A violência psicológica no trabalho discutida a partir de vivências
de adolescentes trabalhadores
Samantha Lemos Turte-Cavadinha, Edu Turte-Cavadinha, Andréa Aparecida da Luz, Frida Marina Fischer
224
Prevalência de benefícios auxílio-doença entre trabalhadores da
Construção no Brasil em 2009
Thiago Antônio de Mello, Anadergh Barbosa-Branco
239
Caracterização do nexo técnico epidemiológico pela perícia médica
previdenciária nos benefícios auxílio-doença
João Silvestre da Silva-Junior, Flávia Souza e Silva de Almeida, Márcio Prince Santiago, Luiz Carlos Morrone
Vol. 39 • n° 130
jul/dez 2014
Contents
Prevalence studies in RBSO: How to sift the wheat from the
chaff?
125
Editorial
127
Articles
Eduardo Algranti, José Marçal Jackson Filho
The (in)visibility of the fatal work-related injury as an external
cause of accidents: a qualitative study
Kamile Miranda Lacerda, Rita de Cássia Pereira Fernandes, Leticia Coelho da Costa Nobre,
Paulo Gilvane Lopes Pena
Occupational safety and health technicians’ power of action:
conflicts and limitations
136
Karina Sami Yamamoto Inoue, Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela
Work intensification and workers’ health: a theoretical approach
150
José Augusto Pina, Eduardo Navarro Stotz
Occupational Health and Environmental Health: potentials
and challenges of the relationship between the university, the
Brazilian Health System and social movements
161
Andrezza Graziella Veríssimo Pontes, Raquel Maria Rigotto
Accidents with sharp instruments and hepatitis B among nursing
staff of emergency units in Teresina, Piaui state, Brazil
175
Telma Maria Evangelista de Araújo, Nayra da Costa e Silva
Night shift workers: gender relationships, production of
vulnerabilities and health promotion
184
Juliana Figueiredo Arreal, Laura Cecilia López
Train drivers: shiftwork and health impacts
198
Fernanda Veruska Narciso, Cristiane Westin Teixeira, Luciana Oliveira e Silva,
Renata Guedes Koyama, Adriana Neves da Silva Carvalho, Andrea Maculano Esteves,
Sérgio Tufik, Marco Túlio de Mello
Workplace psychological violence discussed from teenage
workers’ experiences
210
Samantha Lemos Turte-Cavadinha, Edu Turte-Cavadinha, Andréa Aparecida da Luz, Frida Marina Fischer
Prevalence of sickness benefits among construction
workers in Brazil in 2009
224
Thiago Antônio de Mello, Anadergh Barbosa-Branco
Characterization of the technical epidemiological nexus in
social security sickness benefits by medical experts
João Silvestre da Silva-Junior, Flávia Souza e Silva de Almeida, Márcio Prince Santiago,
Luiz Carlos Morrone
239
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657ED0113014
Editorial
Estudos de prevalência na RBSO: Como separar o
joio do trigo?
Prevalence studies in RBSO: How to sift the wheat
from the chaff?
Eduardo Algranti 1*
José Marçal Jackson Filho *
2
Fundacentro, Coordenação de Saúde
no Trabalho, Serviço de Medicina. São
Paulo, SP, Brasil.
1
2
Fundacentro, Centro Estadual do
Paraná. Curitiba, PR, Brasil.
* Editores científicos da RBSO
No período de janeiro/2009 a dezembro/2013 a RBSO recebeu
775 submissões. Dentre as modalidades de submissão3, 708 (91%) foram
submetidas como Artigo. Calculando-se o interstício de um ano entre a
submissão e a publicação, no período de 2010 a 2014 foram publicados
121 manuscritos, sendo 73 (60%) nessa modalidade. Aproximadamente
10-11% das submissões na modalidade Artigo chegam à publicação como tal.
Os motivos que levam à não aceitação de artigos originais no processo
de revisão, seja na triagem inicial, seja na revisão por pares, são múltiplos.
Este editorial aborda especificamente a submissão de artigos quantitativos
derivados de estudos retrospectivos ou da aplicação de questionários
estruturados ou semiestruturados que relatam prevalências pontuais de
um agravo “A” ocorrendo em um grupo exposto “X”.
Normalmente, o agravo “A” é uma doença conhecida (ou sinais e sintomas
compatíveis), variando o grupo exposto. Exemplos de agravos: LER/DORT,
acidentes com materiais perfurocortantes, avaliação de qualidade de vida,
avaliação de transtornos mentais comuns. Deixando claro que os estudos
de prevalência de agravos relacionados ao trabalho em grupos distintos de
expostos são de utilidade e acrescentam algum grau de novidade, temos de
ponderar o que o texto nos oferece.
Um número importante de submissões na RBSO derivam de monografias,
dissertações e teses. A pressão para o cumprimento dos prazos de finalização
de cursos em programas de Especialização, Mestrado e Doutorado exerce um
efeito por vezes maléfico na qualidade da produção científica acadêmica.
No nosso entender isso afeta, predominantemente, o aluno de Mestrado
que, como regra, está iniciando sua formação científica. Em dois anos ele é
instado a cumprir créditos, estudar, propor uma projeto, submetê-lo, caso
necessário, a uma Comissão de Ética em Pesquisa, realizar as coletas das
informações, analisá-las, redigir o texto, qualificar-se, apresentar o trabalho
e publicar. Como consequência, a opção (inteligente) do binômio orientador/
mestrando, visando à conclusão do curso em tempo hábil, utiliza-se de métodos
e instrumentos de pesquisa facilmente disponíveis e que não impliquem em
grandes aborrecimentos de análise, escrita e apresentação. Com frequência
a opção é a escolha de um método que empregue um instrumento validado
que mensura um agravo “A”, aplicável a um determinado grupo exposto
“X”, gerando dados de prevalência. O aluno cumpre a exigência do rito. As
publicações submetidas a periódicos derivadas desses trabalhos normalmente
3 RBSO - Instruções aos autores. Disponível em: <http://www.scielo.br/revistas/rbso/pinstruc.
htm>. Acesso em: 22 dez. 2014.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 125-126, 2014
125
são bem estruturadas mas, por vezes, pouco acrescentam ao conhecimento, por estarem desvinculadas de
originalidade, análise criteriosa e aplicabilidade.
Outra situação frequente em estudos de prevalência derivados de dissertações e teses é o “fracionamento” de
uma determinada pesquisa, gerando mais de um manuscrito para publicação (STAHEL; MOORE, 2014). Como
exemplo, citamos artigos submetidos apresentando de forma isolada prevalências pontuais, sem a inclusão de
análises estatísticas multicausais existentes no trabalho original que gerou a submissão, tornando limitado o
interesse para a publicação do manuscrito.
A RBSO vem adotando na análise de manuscritos com metodologia quantitativa, sejam estudos de prevalência
ou outros, o encaminhamento para um parecer bioestatístico, realizado em paralelo à triagem da editoria
científica, antes do processo da revisão por pares. Esse procedimento tem sido valioso no fluxo da triagem
inicial no que concerne à análise da metodologia empregada. Já se demonstrou que a utilização de revisão
bioestatística tem um efeito significativo na melhora da qualidade das publicações biomédicas (COBO et al.,
2007; VAN NOORDEN, 2014). No caso da metodologia bioestatística ser correta e os resultados adequadamente
apresentados, a editoria científica deve, a seguir, responder a alguns questionamentos: Qual é a contribuição
efetiva do estudo para o entendimento do agravo? O estudo resultou em achados que despertam um alerta? Os
resultados do estudo levaram a uma ação prática?
Na ausência de conteúdos que respondam a essas questões e na ausência de originalidade, a RBSO tem
optado por sugerir aos autores a reapresentação dos dados de prevalência como Comunicação Breve ou Relato
de Experiência.
Referências
COBO et al. Statistical reviewers improve
reporting in biomedical articles: A randomized
trial. PLoS ONE, v. 2, n. 3, e332, mar. 2007.
Disponível em: <http://www.plosone.org/
article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.
pone.0000332>. Acesso em: 30 dez. 2014. http://
dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0000332
STAHEL, P. F.; MOORE, E. E. Peer review for
biomedical publications: We can improve the
system. BMC Medicine, v. 12, n. 179, p. 2-4, 2014.
Disponível em: <http://www.biomedcentral.
126
com/1741-7015/12/179>. Acesso em: 30 dez. 2014.
http://dx.doi.org/10.1186/s12916-014-0179-1
VAN NOORDEN, R. Science joins push to screen
statistics in papers: New policy follows efforts
by other journals to bolster standards of data
analysis. Nature News, 3 July 2014. Disponível
em: <http://www.nature.com/news/science-joinspush-to-screen-statistics-in-papers-1.15509>.
Acesso em: 30 dez. 2014. http://dx.doi.org/10.1038/
nature.2014.15509
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 125-126, 2014
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000068112
Kamile Miranda Lacerda 1
Rita de Cássia Pereira Fernandes
1
Artigo
A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre
as causas externas: estudo qualitativo
Leticia Coelho da Costa Nobre 2
Paulo Gilvane Lopes Pena 1
Universidade Federal da Bahia,
Programa de Pós-Graduação Saúde,
Ambiente e Trabalho. Salvador, BA,
Brasil.
1
Secretaria de Saúde do Estado da
Bahia, Diretoria de Vigilância e Atenção
à Saúde do Trabalhador. Salvador, BA,
Brasil.
2
Contato:
Kamile Miranda Lacerda
E-mail:
[email protected]
Trabalho desenvolvido a partir da
dissertação de mestrado de Kamile
Miranda Lacerda intitulada Acidente
de trabalho, precarização e desproteção
social: elementos para uma discussão sobre
morte e trabalho, defendida em 2012 no
Programa de Pós-Graduação em Saúde,
Ambiente e Trabalho da Faculdade de
Medicina da Bahia da Universidade
Federal da Bahia.
O presente estudo recebeu
financiamento parcial para a sua
realização na etapa de coleta dos
dados, com recursos do Convênio do
Ministério da Saúde (Fundo Nacional de
Saúde)/Fundacentro (Centro Regional
da Bahia), Portaria nº. 0158/2004, e da
Fundacentro (Programa de Melhoria da
Qualidade das Estatísticas de Acidentes
e Doenças do Trabalho).
Os autores declaram que não há conflitos de interesses e que o trabalho não
foi apresentado em reunião científica.
Recebido: 14/09/2012
Revisado: 17/05/2014
Aprovado: 20/06/2014
The (in)visibility of the fatal work-related injury as an external
cause of accidents: a qualitative study
Resumo
Objetivo: descrever o trabalho das vítimas dos acidentes fatais e as circunstâncias
desses óbitos relacionados com o trabalho ocorridos em 2004, em Salvador,
Bahia. Métodos: coleta de dados realizada através de questões semiabertas obtidas
em entrevista domiciliar com os familiares das vítimas, por meio da autópsia
verbal (AV). A análise de conteúdo foi empregada na análise das narrativas. A
reconstituição dos 91 acidentes de trabalho (AT) é apresentada em duas seções
temáticas: a caracterização do trabalho do acidentado e a circunstância da morte.
Resultados: evidenciou-se a presença marcante do trabalho precário mesmo
entre aqueles com vínculo formal, mas essas condições são especialmente
flagrantes entre aqueles não regulamentados. A extensão da jornada de trabalho
não decorreu de livre escolha, mas de estratégia para auferir a renda mínima
necessária. O espaço da rua emergiu como local de AT típico não apenas de
AT de trajeto. A morte no trânsito e sua relação com o trabalho, fenômeno
ainda pouco explorado, foi evidenciada, além da identificação de homicídio
como circunstância de morte decorrente do trabalho precário. Conclusões: a
prevenção da morte e da violência no trabalho requer uma ação integrada das
políticas setoriais. A autópsia verbal mostrou-se técnica promissora na produção
de informações sobre as causas dos AT, podendo contribuir para a superação
da subnotificação.
Palavras-chave: acidentes de trabalho; causas externas; trabalho precário; saúde
do trabalhador; autópsia verbal.
Abstract
Objective: to describe the fatal accident victims’ work and the circumstances
of work-related deaths in Salvador, Bahia state, Brazil, in 2004. Methods: data
collection by means of semi-open questionnaires applied to the victims’ families in
household interviews, through verbal autopsy (VA). Content analysis was applied
to the narratives. The reconstruction of the 91 work accidents (WA) is presented in
two thematic sections: the victims’ work and their death circumstances. Results: the
strong presence of precarious working conditions, even among those in formal
jobs, was evident, but it was especially obvious among non-registered workers.
In order to earn the necessary minimum income, they worked longer hours. The
streets emerged as a typical WA spot, in contrast to being classified as a commuting
accident. Traffic deaths and its relation to work, a phenomenon that has not
been sufficiently studied, are evidenced along with murder as circumstances of
death caused by precarious working conditions. Conclusions: preventing death
and violence at the workplace demands integrated actions. Verbal autopsy has
proved to be a promising technique to produce information on the WA causes,
and it can help decrease underreporting.
Keywords: work-related accidents; external causes; precarious employment;
workers’ health; verbal autopsy.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
127
Introdução
das situações adversas de trabalho responsáveis pela
sua ocorrência.
O Acidente de Trabalho (AT) representa um grave
problema de saúde pública (RUIZ; BARBOZA; SOLER,
2004) e esse fato vem se transformando e ganhando
maior complexidade no cenário contemporâneo,
no qual incidem condições precárias de trabalho,
informalidade e trabalho no espaço da rua. Além disso,
a complexa interação entre o trabalho e o fenômeno da
violência torna-se relevante e tudo isso pode resultar
em um panorama de exposição ocupacional com nova
configuração (GOMEZ, 2005).
Considerando as novas características do trabalho
e a subnotificação do AT, o objetivo deste ensaio é
descrever o trabalho das vítimas dos acidentes fatais
e as circunstâncias desses óbitos relacionados com
o trabalho ocorridos em 2004, em Salvador, Bahia.
Lourenço (2009, p. 202) registra que “[...] o Brasil
ainda é um recordista mundial de acidentes de trabalho,
com três mortes a cada duas horas e três acidentes não
fatais a cada um minuto”. Estatísticas mais recentes
da Previdência Social contabilizam que, em 2012,
foram consolidados os dados de 724.169 acidentes
de trabalho no Brasil, sendo 2.731 casos com óbito
(BRASIL, 2012).
Para Nobre (2007, p. 22), o AT é um “fenômeno
socialmente determinado, previsível e prevenível”. A
legislação previdenciária classifica os AT em: “acidente
típico – aquele que ocorre a serviço da empresa” e “[...]
acidente de trajeto – aquele que ocorre no momento
em que o trabalhador desloca-se para ou do local de
trabalho e nos horários das refeições”. Ainda, para fins
de concessão dos benefícios acidentários, equipara-se
ao AT a “doença do trabalho” (BRASIL, 2009).
Apesar do enquadramento legal e conceitual do AT,
sua subnotificação constitui um grande problema no
país. Cordeiro et al. (2005, p. 255) chegam a estimar
que “[...] para cada dez acidentes de trabalho ocorridos,
apenas um é notificado no Brasil”. Essa subnotificação
acontece mesmo quando se trata do AT que leva à
morte do trabalhador, uma vez que muitos óbitos
não têm sua relação com o trabalho estabelecida e/ou
registrada nos sistemas de informação (WALDVOGEL,
2003; MINAYO-GOMEZ; MACHADO; PENA, 2011).
Nesse contexto, Hennington, Cordeiro e Moreira
Filho (2004, p. 610) lembram que “não existe um
sistema único que centralize as informações sobre
o AT no país”, fato que prejudica a quantificação
dos acidentes relacionados ao trabalho. Nos casos
fatais, conta-se com o Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde para o total
dos acidentes e os registros das Comunicações de
Acidentes de Trabalho (CAT) utilizados pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) da Previdência
Social, restrito à população trabalhadora coberta pelo
seguro acidentário (GOMEZ, 2005). Frequentemente,
esses acidentes fatais aparecem nas estatísticas oficiais
somente como homicídios, mortes no trânsito ou como
acidentes em geral, contribuindo para a invisibilidade
128
Métodos
Neste estudo qualitativo foi utilizada como técnica
para análise dos dados a análise de conteúdo, visando
reconstituir as circunstâncias das mortes e sua relação
com o trabalho através das narrativas de familiares,
obtidas durante o inquérito domiciliar por meio da
autópsia verbal (AV), em coleta realizada em 2004,
em Salvador.
No estudo quantitativo que descreve os 91 acidentes
de trabalho identificados, abordam-se detalhadamente
os aspectos metodológicos e diferentes etapas
seguidas pelos autores para sua realização (LACERDA;
FERNANDES; NOBRE, 2014).
Embora a maior parte do questionário utilizado
no estudo de base (NOBRE, 2007) fosse composto por
perguntas fechadas com múltipla escolha, foram incluídas
perguntas semiabertas para obterem-se informações
mais completas sobre os óbitos e, assim, auxiliar na
reconstituição e reclassificação da causa básica do
óbito. Essa técnica, mais conhecida como autópsia
verbal (AV), tem sido utilizada em áreas com elevada
subnotificação de óbitos, visando esclarecimento de
óbitos de causa mal definida (BRASIL, 2008).
Com isso foi possível reconstituir as circunstâncias
das mortes e sua relação com o trabalho, através das
narrativas de familiares obtidas com as seguintes
questões semiabertas: “Você poderia me contar o que
aconteceu com o Sr./Sra. ... que o levou à morte?”;
“O que ele estava fazendo?”; “Se você pudesse dizer
ou fazer alguma coisa para evitar novas mortes como
essa, o que sugeriria? O que você acha que poderia
ser feito para evitar outros casos como esse?”; “Vocês
procuraram algum outro órgão público? Se sim, qual,
para resolver o que e como foram atendidos?”
O conteúdo das respostas às questões citadas
acima foi “tratado em profundidade” (MACHADO,
1991, p. 54), utilizando-se a análise de conteúdo como
abordagem qualitativa e técnica de investigação. Essa
técnica, através de uma descrição do conteúdo, tem
por finalidade a interpretação da mensagem manifesta
nos materiais escritos (BARDIN, 2009).
Os discursos dos familiares, majoritariamente
companheiras e cônjuges dos trabalhadores, como
“meio de expressão do sujeito” (CAREGNATO; MUTTI,
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
2006, p. 682), foram analisados buscando-se descrever
e interpretar os eventos acidentários nos quais os
conteúdos similares foram agrupados em duas seções
temáticas: a primeira trata do trabalho desenvolvido
pelo acidentado durante sua vida laboral e a segunda,
das circunstâncias da morte, no trânsito, por homicídio
e por óbito no ambiente de empresa ou afim.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal da Bahia – UFBA
(registro CEP: 033-04).
Resultados e discussão
Entre os 91 óbitos, o maior envolvimento foi
de homens casados, com idade média de 38 anos e
baixa escolaridade (1º grau/grau fundamental), que
morreram no exercício do trabalho ou no seu trajeto,
em sua maior parte no “espaço da rua”. A descrição
mais detalhada dessas características é objeto de
outro artigo, de natureza quantitativa (LACERDA;
FERNANDES; NOBRE, 2014).
A caracterização do trabalho desenvolvido pelo
acidentado
Revelou-se que o vínculo empregatício com
carteira de trabalho assinada não foi a experiência
mais comum entre as vítimas, no entanto, embora
o trabalho regulamentado fosse condição de uma
pequena parte dos trabalhadores, as condições para o
seu exercício são evidenciadas na fala de uma familiar:
[...] meu irmão foi motoboy entregador de jornais por
nove anos, com carteira de trabalho assinada [...].
A cada dia que passava, as condições de trabalho
pioravam, além do acúmulo de folgas que ele não
conseguia tirar por não haver pessoas para substituir ele [...]. O acidente ocorreu às 4:30 h da manhã,
quando ele estava treinando uma pessoa que iria tirar a sua folga, tentou desviar do caminhão parado
e colidiu com outra moto. (Caso 67)
A despeito do aumento do emprego formal, como
ocorreu em 2000, conforme ressalta Alves (2002, p.
82), “evidenciou-se a precarização do salariato no
Brasil” no mesmo período. Para o autor, “[...] embora
tenha ocorrido o crescimento do emprego formal, a
tendência de precarização da estrutura ocupacional
manteve-se em muitos aspectos”. E a informalidade
emerge de forma relevante nas narrativas:
Ele estava trabalhando na “feira do rolo”, era vendedor ambulante desde os oito anos, iniciou vendendo
amendoim no “Comércio”, nunca trabalhou com
carteira de trabalho [...] (Caso 91)
O trabalho na informalidade se refere a diferentes
atividades não regulamentadas pelo Estado (KALLEBERG,
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
2009). O trabalho informal é entendido por Nobre
(2007, p. 56) como aquele no qual há “[...] ausência
de relações formais de emprego, que resultam em
maior vulnerabilidade dos trabalhadores inseridos
em trabalhos instáveis e desprotegidos, sem segurança
social e incapazes de suprir as necessidades básicas
da família”. O trabalho precário e a insegurança das
relações de trabalho podem ser observados na fala
do familiar:
[...] Meu marido era pintor de automóveis, realizava
serviços de chaparia e pintura de autos. Reclamava
do atraso no pagamento dos serviços prestados e por
isso pensava em trabalhar por conta própria. [...] O
patrão somente assinou a carteira de trabalho após
o óbito, registrado como novo funcionário. O patrão
não recolhia o que descontava do salário dele e só
tentou regularizar a situação após o seu falecimento. (Caso 25)
Essas atividades não regulamentadas incluem
também sujeitos denominados trabalhadores por
conta própria, em sua maior parte sem estabilidade
trabalhista e/ou segurança previdenciária, tais como
vendedores ambulantes, pequenos varejistas ou
artesãos, taxistas, barbeiros, cabeleireiros, donos de
pequenos estabelecimentos, os quais oferecem vários
tipos de serviço pessoal (KALLEBERG, 2009). A fala
de um familiar evidencia esse tipo de inserção:
[...] minha mãe trabalhava num bar de sua propriedade, por conta própria [...], o imóvel era alugado, servia refeições e bebidas [...], ela reclamava
do desgaste, pois o trabalho era bastante cansativo
no bar [...], nunca trabalhou com carteira assinada.
(Caso 53)
Entre as vítimas houve diferentes tipos de inserção
de trabalhadores, com vínculo formal ou informal de
trabalho, trabalhadores por conta própria ou autônomos,
servidores públicos estatutários e/ou militares, no
entanto o que se evidenciou foi a marcante presença
do trabalho precário, aquele realizado em condições
nas quais a morte representou evento previsível. O
depoimento da esposa de um trabalhador evidencia
a intensificação (da exploração) e a insegurança no
trabalho e os impactos desse trabalho na saúde:
Estava há três dias trabalhando, cerca de 55 horas,
como armador e supervisor de armação no Porto de
Salvador [...]. Não tinha horas fixas, só tinha hora
para sair de casa. Dependia do navio [...], ele reclamava, pois não tinha tempo para ninguém; não
participava de eventos familiares [...], gostava do
que fazia, mas achava estressante, tinha muita assadura, afta, não tinha horário para dormir, comer
[...], a empresa é culpada [...], não respeita os limites de cada trabalhador. Ele foi esmagado por um
contêiner. (Caso 65)
Nesse caso acima, as condições de trabalho precárias
são vistas no cotidiano do trabalho regulamentado
com carteira assinada. Mas essas condições são
especialmente flagrantes entre aqueles trabalhadores
não regulamentados, os trabalhadores informais que,
129
segundo Ludermir (2005, p. 199), formam um grupo de
trabalhadores por conta própria, sem carteira assinada,
“uma categoria desprivilegiada, sem qualquer proteção
da legislação trabalhista” e sem direito aos benefícios
sociais e previdenciários.
Evidenciou-se a presença de extensas jornadas de
trabalho, adotadas no sentido de complementar os
baixos salários ou melhorar a renda. Sobre esse fato,
a esposa de um trabalhador afirma:
Ele era motorista de táxi, autônomo, dirigia táxi de
terceiro [...], pagava diária [...], trabalhava à noite,
todas as noites, das 19 h às 6 h da manhã seguinte
[...]. Queria voltar a ser segurança, mas não tinha
curso técnico [...]. Considerava muito desgastante
dirigir a noite toda. (Caso 26)
Apesar de classificado como trabalhador autônomo,
a extensão da jornada não era apenas uma entre muitas
escolhas. Estender a jornada era a estratégia possível
para auferir uma renda mínima necessária, pois embora
autônomo, o trabalhador, taxista, utilizava automóvel
de terceiro, a cujo proprietário ele pagava uma parte
do que recebia, como “diária”.
Sobre o espaço da rua como local de ocorrência
dos AT, chama atenção que esse não mais se constitui
apenas como principal local dos AT de trajeto, mas
emerge fortemente como local de ocorrência do AT
típico, o que pode configurar um fato novo no estudo
dos AT.
Cerqueira (2000, p. 57-58) caracteriza a rua “[...]
como espaço que absorve os trabalhadores excedentes
da reestruturação produtiva e reproduz a exclusão com
suas teias laborais e relações de poder e legalidade”.
Ilustrando essa situação, o irmão de um trabalhador
descreve:
Ele era segurança de rua à noite na “Sussuarana”
[bairro], trabalhava como biscate; os moradores de
uma rua pagavam diretamente a ele uma taxa, o
vínculo era por conta própria, autônomo [...]. Ele
reclamava do trabalho que era muito perigoso! [...]
Saiu nota no jornal – Segurança clandestino assassinado com 12 facadas. (Caso 48)
Os novos modos de trabalhar e de viver implicam
a necessidade de dirigir um olhar mais atento para
esses trabalhadores que ocupam as ruas como novo
espaço de trabalho. Carneiro (2000) contribui com
a discussão quando afirma que os trabalhadores
no exercício de suas atividades no ambiente da rua
sofrem mais violência no trabalho do que aqueles
em ambiente de empresas. Como relata a tia de uma
trabalhadora:
Ela era vendedora ambulante de queijo coalho em
praias de Salvador e Camaçari e fazia biscates
como ajudante de cozinha em barracas de praia
[...]. Nunca trabalhou com carteira assinada. Ela
queria apenas um trabalho fixo [...]. Foi atropelada
indo para o trabalho. (Caso 66)
130
As características ocupacionais revelam o quanto
os trabalhadores são afetados pela precariedade
tanto na inserção no mundo do trabalho quanto no
curso do trabalho desenvolvido. A ocupação mais
frequente das vítimas foi a de pedreiro, seguida da de
comerciante, vigilante, motoboy, motorista e outras
ocupações, incluindo vínculos informais e formais,
e trabalhadores por conta própria ou autônomos
(LACERDA; FERNANDES; NOBRE, 2014).
Segue o relato de um familiar acerca da inserção
precoce e precária no mercado de trabalho: Começou
a trabalhar aos sete anos, vendia picolé no trem, era
ambulante [...]. Foi encontrado na maré, onde catava
siri, afogado. (Caso 1)
De acordo com Alberto (2002), o trabalho precoce
está relacionado a diversos fatores, sociais, políticos e
econômicos, e sua origem, possivelmente relacionada
à pobreza familiar. A inserção precoce do trabalhador
no mercado informal ou no trabalho por conta própria
surge como meio de auxiliar a sobrevivência do
núcleo familiar.
Uma das implicações nesse cotidiano repleto de
adversidades é a invisibilidade do sujeito enquanto
trabalhador. A oportunidade do trabalho precário,
incerto, acaba sendo aceita sob quaisquer circunstâncias
pelo trabalhador, já que essa oportunidade de trabalho,
o “biscate”, pode representar a única condição para
assegurar a sua sobrevivência e da sua família.
Evidenciou-se nas narrativas a situação de trabalhador
formal que, além desse vínculo, ocupava-se, no tempo
que seria livre, com um trabalho para ajudar membro da
família ou com outro vínculo informal. Nesse trabalho
precário, o que se viu não foi o fenômeno contemporâneo
de invasão do tempo livre pelo empregador, com o
serviço em domicílio ou o serviço que não respeita
a jornada de trabalho regular. O que se evidenciou
para boa parte dos trabalhadores foi a ocupação de
todo o tempo da vida com os trabalhos ou “biscates”
que são assumidos para assegurar a sobrevivência.
Não se pode falar aqui de livre escolha; o que se viu
foi uma situação de vida que impõe a aceitação de
qualquer oferta de trabalho, a qualquer tempo e hora,
para assegurar a sobrevivência imediata. Como relata
a mãe de um trabalhador:
Meu filho era pedreiro [...], fazia construção de casas
com pouca frequência, mas quando trabalhava era
durante todo o dia [...] e fazia também biscates como
carregador de mudança, por conta própria. Ele ganhava uns trocados ajudando conhecidos e no dia
do acidente ele estava fazendo um desses trabalhos. Dizia que não pagavam o equivalente ao serviço dele [...]. Estava fazendo uma mudança quando
atravessou a rua carregando um vidro e foi atropelado por um ônibus. (Caso 2)
Nesse sentido, elimina-se a fronteira entre tempo
livre e tempo ocupado. Segundo afirmam Alves
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
e Tavares (2006, p. 430), a propósito dessa força
de trabalho informal, pauperizada nos períodos
de acúmulo de atividades laborais como “força de
trabalho eventual” e “não paga”, o tempo despendido
para garantir a sobrevivência e reprodução da força
de trabalho familiar nem é entendido como “[...] um
tempo racional de trabalho, apesar de absorver dias
úteis, fins de semana, noites e feriados”. Tal realidade
pode ser observada na fala do familiar:
Ele trabalhava como operador de estação de tratamento de efluentes de uma empresa terceirizada
e cuidava da manutenção do tanque do aeroporto
para não poluir o rio; era empregado com carteira
assinada [...]. Tinha outra ocupação como servente
de pedreiro [...]. Ele vinha da casa do pai, onde estava ajudando na construção de uma casa, quando
foi atropelado. (Caso 20)
Diante do medo confessado, do sofrimento pela
perda, da exclusão social atrelada à desinformação sobre
a existência de direitos previdenciários (pensão por
morte), trabalhistas (direito de segurança no trabalho,
seguro acidente de trabalho) e assistenciais (seguro
DPVAT – seguro obrigatório de acidentes da seguradora
do veículo, auxílio funeral), as famílias expressam
a impotência frente ao comportamento omisso das
empresas, à impunidade dos agressores, à insegurança
e/ou à inoperância das instituições públicas. Tal fato
pode ser constatado no depoimento da mãe de um
trabalhador, destacando a informalidade e privação
das leis trabalhistas e previdenciárias:
Ele tinha 24 anos e trabalhava como cobrador de
Topic no transporte de passageiros e também como
ajudante de pedreiro; nunca trabalhou com carteira
assinada; fazia biscates; não era fixo [...], reclamava
do salário que era pouco [...]. Não procurei o INSS,
pois ele não contribuia, não recebemos pensão [...].
Fiquei com medo de procurar a polícia, pois tenho
outros filhos [...]. Ele reclamou com um rapaz que
desceu de outra Topic e urinou na frente de duas
moças e começou a brigar [...]. A polícia chegou,
correu atrás e deu tiros [...]. Ele correu [...]. É uma
dor perder um filho e ainda mais com essa perversidade [cortaram os pulsos, arrancaram unha, quebraram os dentes e deram tiro no ouvido] que foi
feita. (Caso 19)
A garantia social do benefício, mesmo para “aqueles
que acreditavam estar protegidos” (MENDES; WÜNSCH,
2009, p. 246) são constantemente ameaçados. Ilustrando
essa situação, um entrevistado afirma:
Ela trabalhava há seis anos e sete meses como técnica em EEG, em consultório médico, com carteira
assinada [...] e foi atropelada por um ônibus no
caminho do trabalho. Ela queria conseguir alguma coisa melhor na área de saúde [...]. Não recebo
pensão por morte. Alegaram que ela não estava no
percurso do trabalho; os peritos não colocaram no
laudo que foi acidente de trabalho e sim um atropelamento. Muita burocracia, falta de informação e de
organização [...] (Caso 4)
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
Compreender a dinâmica social dos acidentes
relacionados ao trabalho significa desvelar a “[...]
história de vida e de morte no trabalho, de pessoas
pertencentes a parcelas da sociedade que ficaram à
margem das informações oficiais” (MENDES, 2003,
p. 18).
Circunstâncias da morte
Nesta seção, as circunstâncias da morte mais
frequentes são apresentadas baseando-se na sua
ocorrência: acidentes de trânsito, homicídios e acidentes
no ambiente de empresa ou afim.
A morte no trânsito
Os acidentes de trânsito são eventos de grande
magnitude, tanto do ponto de vista sanitário como
do ponto de vista social e econômico (BRASIL, 2005).
As formas de tornar invisíveis as mortes relacionadas
ao trabalho dentre as causas externas são diversificadas
e a interface do acidente de trânsito com o trabalho
não é simples, o que acentua a subnotificação desses
eventos como AT. O local de realização do trabalho
para muitos dos casos estudados foi a via pública, ou
o “espaço da rua”, que não constituiu apenas a via
de percurso de casa para o trabalho. Evidenciou-se
a necessidade de descrever as circunstâncias dessa
exposição do trabalhador nesse ambiente externo de
trabalho, muitas vezes em condições precárias.
A morte do trabalhador no trânsito não expressa
apenas a importante questão geral de saúde pública
vinculada à morte no trânsito mas revela, além disso,
as condições nas quais está ocupada uma grande parte
de trabalhadores e, portanto, exposta e mais vulnerável
no seu cotidiano laboral, pela precariedade dos meios
de deslocamento para o trabalho ou pela ausência
da segurança no exercício do trabalho no “espaço
da rua”. Essa abordagem do caráter ocupacional das
mortes no trânsito vai ao encontro da reflexão proposta
por Mendes (2003, p. 70), ao afirmar que estudar o
trabalho e suas consequências “[...] implica no exame
não somente de questões diretamente vinculadas a ele,
mas da sua articulação com outras lógicas sociais”.
Além disso, como uma nova característica do mundo
do trabalho, conforme já referido, vê-se a retirada do
trabalhador do espaço das fábricas e sua exposição em
áreas urbanas compartilhadas com toda a sociedade
(OLIVEIRA; NUNES, 2008).
Em relação às vítimas e aos veículos envolvidos
nos acidentes, o atropelamento do pedestre emerge
em narrativas de familiares, como a que se segue, em
que a mãe de um trabalhador relata sua dor:
131
Culpa do motorista, que estava dopado. O rapaz
tinha 17 anos. Gostaria de ter uma arma para matar o rapaz que atropelou o meu filho e a tia dele,
que comprou o carro envolvido no atropelamento.
(Caso 8)
Para Faria e Braga (1999), as ações voltadas para a
redução de acidentes têm privilegiado o trânsito dos
veículos motorizados, o que deixa os pedestres em
desvantagem em relação aos programas desenvolvidos
para os motoristas.
De um modo geral, os familiares entrevistados
afirmaram, ao serem inquiridos sobre a causa principal
e responsabilidade do acidente, que o problema não
é o veículo em si ou as condições da via pública, mas
a imprudência e irresponsabilidade do condutor do
veículo. Não se pode omitir, no entanto, que o AT no
trânsito pode também resultar do estresse e fadiga
física experimentados pelo motorista profissional,
submetido a extensas jornadas de trabalho e relações
de trabalho inadequadas.
Evidenciou-se o motoboy entre as vítimas de AT,
podendo representar uma ocupação no mundo do
trabalho que tem se ampliado a cada dia. Os motoboys
representam uma população com grande risco de
envolvimento em acidentes de trânsito devido às
constantes exigências do seu trabalho (SILVA et al.,
2008). Daí se originam diversas insatisfações com a
profissão, marcada pelos riscos, desgaste no trânsito
e péssimas condições de trabalho:
Queria mudar de trabalho! Reclamava dos riscos e
do pouco faturamento como motoboy, ele estava desempregado há três meses, entregava refeições que
a mãe fazia para vender, com motocicleta [...]. No
dia do acidente, ele saiu para entregar as refeições
[...] (Caso 33)
O trabalhador como vítima de homicídio
Refletir sobre a intensificação da violência, com
destaque para os homicídios, é um exercício necessário
na sociedade brasileira.
Os efeitos desse fenômeno têm repercutido na Saúde
do Trabalhador (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA,
1999). A filha de um trabalhador, agente de saúde,
relata a sua experiência a respeito: “Meu pai estava
dentro do ônibus, indo para o trabalho, foi vítima de
bala perdida de um assalto” (Caso 5).
Ele trabalhava como motorista de táxi [...], autônomo, pagava diárias em carros de terceiros. Queria
ser motorista de ônibus. Reclamava da carga horária [muito acima do permitido], insegurança e
brigas com colegas de trabalho na disputa de pontos [...]. Foi assassinado a tiros, vítima de assalto.
(Caso 85)
O risco de assalto expõe, particularmente, o agente
de segurança e, concordando com Silveira et al.
(2005), expõe também o motorista. Essa população
de trabalhadores não possui uma proteção adequada
e a relação existente entre o óbito e o trabalho que é
realizado no “espaço da rua” é muitas vezes pouco
clara, dificultando desvendar as reais circunstâncias do
óbito do trabalhador e facilitando sua subnotificação
como AT.
No caso dos homicídios, constitui uma legítima
demanda social o esforço para conhecimento das reais
circunstâncias da morte, tendo em vista que as vítimas
muitas vezes são trabalhadores inseridos no mercado
informal, em atividades laborais não reconhecidas
socialmente (MINAYO GOMEZ; THEDIM-COSTA,
1999). Investigar essas mortes na sua relação com
o trabalho evidencia, muitas vezes, a gravidade da
exclusão do direito ao trabalho decente.
O acidente no ambiente de empresa ou afim
O estabelecimento ou ambiente específico de
trabalho pode não ter sido uma empresa, mas uma
obra de construção civil de um familiar, por exemplo.
É possível relacionar as situações de insegurança e
risco ocupacional nos espaços de trabalho no relato
de um familiar:
Meu marido trabalhava como operador de utilidade
em uma indústria química [...], ele falava muito dos
problemas com a caldeira. Falava muito da gestão
da empresa. Fora que estava afetando a saúde dele;
já estava prejudicada [...]. Os outros funcionários
devem estar passando ou sofrendo as mesmas pressões. Nem fechar a empresa para buscar solucionar
o problema que levou ao acidente... Isso serviria
para eles sentirem no bolso... mas logo substituiu a
caldeira e nada parou [...]. A empresa só fez a parte
dela. Matou ele e enterrou. (Caso 16)
O homicídio ocorrido em tentativas de assalto
ou roubo evidencia-se nos dizeres de familiares, que
fazem referência à situação:
Nobre (2007, p. 23) alerta que embora todo AT
seja uma forma de violência, essa se apresenta de
duas diferentes formas na determinação daquele: o
AT pode ser consequência da “violência (estrutural)
explícita, urbana, expressão das desigualdades sociais,
da miséria, da discriminação, do racismo e da pobreza”,
ou o AT pode ser:
Ele era vigilante da rua, pago pelos moradores,
estava voltando do trabalho, como segurança, na
madrugada [...]. Quando estava chegando em casa,
mataram-no a tiros [...]. Consideramos que foi assalto. (Caso 22)
[...] resultante das relações de poder desigual entre
empregadores e trabalhadores; quando os primeiros, ao manter condições precárias e inseguras de
trabalho e relações de trabalho autoritárias, ao privilegiar demandas econômicas, de produtividade e
132
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
lucratividade, colocam a vida dos trabalhadores em
segundo plano, resultando em acidentes de trabalho no exercício de suas atividades e funções específicas. (NOBRE, 2007, p. 23)
A fala do familiar ilustra a violência exercida pela
manutenção de condições sabidamente adversas de
trabalho. No caso, havia uma caldeira em condições
irregulares de funcionamento, com grande probabilidade
de causar acidente, mas a situação foi mantida sem
solução pela gestão da empresa. Isso resultou na
morte do trabalhador.
Em relação à ocupação exercida no dia do acidente,
chama atenção a inserção precária de pedreiros,
ajudantes e serventes da construção civil, sem carteira
assinada, o que se revela no depoimento do familiar:
Estava na Travessa 11 de Janeiro, bairro do Tancredo Neves. Ele estava trabalhando, colocando longarina (liga de ferro com concreto), para armar a laje
de uma casa de primeiro andar. Era o primeiro dia
de serviço. Iniciou às 8 horas e por volta das 9 horas
ocorreu o fato. Ele colocou a longarina molhada e a
força do fio de alta tensão da rua, com 11 mil volts,
puxou ele, levando-o à morte. Foi fatal! (Caso 50)
Os acidentes identificados permitem reafirmar que
os riscos não são inerentes ao trabalho, na verdade
estão relacionados com a organização do trabalho e/ou
decorrem de uma cultura que minimiza os aspectos
de segurança e de preservação da vida humana.
Considerações finais
As circunstâncias das mortes de trabalhadores
jovens, em idade produtiva, responsáveis pelo sustento
da família, revelam as condições de trabalho precário.
A isso se alia a relevância da violência social e sua
relação com o AT.
O mundo do trabalho determina novas modalidades
de exposição ocupacional do trabalhador ao AT, agora
não mais vinculado apenas às características dos espaços
internos de trabalho e aos riscos tradicionalmente
elencados, decorrentes de instalações, ferramentas,
equipamentos e maquinários no mundo industrial
ou no setor de serviços. O espaço da rua traz, por
exemplo, a exposição à violência urbana, ao acidente
de trânsito como riscos potenciais de acidente de
trabalho. O exercício das ocupações nesse “espaço
da rua” incorpora às ocupações mais tradicionais de
condutores de veículos novas ocupações vulneráveis
aos acidentes no trânsito e à violência crescente do
espaço urbano. Nesse caso, ressalta-se não somente o
deslocamento para o trabalho em condições precárias,
mas o exercício do trabalho nas ruas, como nos casos
do vendedor ambulante, do motoboy e das novas
ocupações de condutores de veículos para transporte
de pessoas no espaço urbano, como motoristas de
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 127-135, 2014
pequenos veículos de transporte coletivo e seus
auxiliares, sem vínculos formais de trabalho e em
condições precárias. O AT não é mais vinculado apenas
às características dos espaços internos.
A luta pela sobrevivência, no contexto de grande
exclusão do mercado de trabalho formal, gera inúmeras
formas de ocupação que se materializam nos “biscates”,
inventados e reinventados a cada dia. A invasão de todo
o tempo existente pelo trabalho, precário e informal,
se associa a uma supressão da fronteira entre tempo
de vida no trabalho e tempo de vida livre.
Apesar do AT com óbito constituir uma relevante
causa de morte da população trabalhadora, persistem
sérios problemas em relação à produção e à qualidade
desses dados nos sistemas de informação em saúde.
A investigação de óbitos incorporando a técnica da
autópsia verbal (LACERDA; FERNANDES; NOBRE,
2014) pode representar uma importante contribuição
na produção de informações complementares sobre as
causas externas de óbito, especialmente os acidentes
de trabalho. Trata-se de um instrumento ainda pouco
conhecido no âmbito da Saúde do Trabalhador, que
pode contribuir para a redução da subnotificação
e para desnudar as circunstâncias envolvidas na
morte do trabalhador, permitindo identificar fatores
condicionantes e determinantes da situação de saúde
dos trabalhadores, elementos fundamentais para o
planejamento das ações de promoção e proteção da
saúde, bem como de outras políticas setoriais.
A prevenção das mortes e violências no trabalho
requer a participação dos atores sociais envolvidos,
sindicatos, trabalhadores, empresas e empreendedores,
além da articulação entre órgãos públicos, como da saúde,
trabalho, trânsito e segurança pública. As políticas de
saúde devem articular as ações de promoção à saúde
dos trabalhadores com aquelas de combate à violência,
bem como com as políticas de segurança pública, de
planejamento e transporte urbano. Ações integradas,
com a perspectiva de ampliar o diálogo entre setores,
a construção de mecanismos e estratégias solidárias e
cooperativas são fundamentais para a efetividade das
políticas de promoção e proteção da saúde de todos
os trabalhadores.
Assim, o papel do poder público não se restringe à
regulação das relações trabalhistas formais; devem ser
garantidas ações efetivas de regulação, monitoramento
e fiscalização das condições de trabalho, sejam elas
de atividades formais ou informais, em ambientes
delimitados ou “no espaço da rua”. Ou seja, promoção
de ações que transformem o trabalho precário em
trabalho decente, digno, protegido e com garantia de
suporte social para o trabalhador.
133
Contribuições de autoria
Lacerda, K. M. e Fernandes, R. C. P.: foram responsáveis pela concepção do estudo, pela análise dos dados,
elaboração do artigo e pela revisão final do manuscrito. Nobre, L. C. C.: foi responsável pela elaboração do
instrumento, pela etapa de coleta dos dados e pela revisão final do manuscrito. Pena, P. G. L.: participou da
análise dos dados.
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Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000074613
Karina Sami Yamamoto Inoue
1
Artigo
O poder de agir dos Técnicos de Segurança do
Trabalho: conflitos e limitações
Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela 2
Occupational safety and health technicians’ power of action:
conflicts and limitations
1
Universidade de São Paulo, Faculdade
de Saúde Pública, Programa de Pósgraduação em Saúde Pública. São Paulo,
SP, Brasil.
2
Universidade de São Paulo, Faculdade
de Saúde Pública, Departamento de
Saúde Ambiental. São Paulo, SP, Brasil.
Contato:
Karina Sami Yamamoto Inoue
E-mail:
[email protected]
Trabalho baseado na dissertação de
mestrado de Karina Sami Yamamoto
Inoue, intitulada A atividade dos técnicos
de segurança do trabalho em empresas
metalúrgicas de Osasco/SP e região,
defendida em 2012 no Programa de
Pós-Graduação em Saúde Pública
da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado, no formato
oral, no III Congresso Brasileiro de
Saúde Mental (ABRASME), em 2012,
sob o título Aspectos do sofrimento mental
experienciado pela categoria Técnico de
Segurança do Trabalho.
Trabalho contou com financiamento
da FAPESP para o desenvolvimento da
pesquisa: Processo nº. 2010/03603-0.
Os autores declaram não haver conflito
de interesses.
Recebido: 15/02/2013
Revisado: 09/06/2014
Aprovado: 10/06/2014
136
Resumo
Objetivo: conhecer as vivências dos Técnicos de Segurança do Trabalho no
desenvolvimento de suas atribuições nas empresas, bem como suas percepções
sobre os reflexos do exercício profissional sobre a sua saúde. Métodos: pesquisa
qualitativa com uso da técnica da Análise Coletiva do Trabalho, na qual trabalhadores
em grupo abordam os aspectos materiais e subjetivos de seu fazer, e posterior
análise de conteúdo dos relatos dos participantes. Resultados e discussão: na
percepção dos Técnicos seu trabalho é caracterizado por limitações constantes no
exercício de suas atividades e por conflitos com os diferentes níveis hierárquicos
das empresas. O desvio de função foi apontado como prática corrente, com
destaque para atividades administrativas e vigilância patrimonial. Os aspectos
identificados como determinantes dessa situação foram: priorização, pelas
empresas, da produção em detrimento da prevenção; inserção frágil do Técnico
na política de segurança das empresas; atuação conflituosa por sua posição
intermediária entre trabalhadores e gestores; ausência de proteção contra despedida
desmotivada; predominância da abordagem comportamental de segurança nas
empresas e entre os próprios Técnicos. Essas limitações e constrangimentos foram
apontados como prejudiciais ao desenvolvimento de ações preventivas e como
causa de sofrimento mental e adoecimento desses trabalhadores.
Palavras-chave: técnico de segurança do trabalho; sofrimento no trabalho;
ergonomia da atividade.
Abstract
Objective: to study Occupational Safety and Health Technicians’ experiences in
developing preventive activities, as well as their awareness on the reflexes of their
occupational practice on their own health. Methods: qualitative research, using
the Collective Work Analysis technique, in which Technicians in group address
the material and subjective aspects of their work, followed by content analysis of
the participants’ reports. Results and discussion: the Technicians are aware that
their work is characterized by constant limitations in their daily practices and by
conflicts with different hierarchical levels within the companies. Function deviation
was appointed as a current practice, especially among managerial activities and
property surveillance. The determining aspects to this working condition are as
follows: The enterprise’s prioritization of production to the detriment of prevention;
Technicians’ fragile insertion in the companies’ safety policies; continuous conflicts
due to Technicians’ intermediate position between workers and managerial level;
absence of protection against unmotivated dismissal; prevalence in companies
and among technicians of behavioral approach to security. These limitations and
constraints were pointed as harmful to the development of preventive actions and
as the cause of mental suffering and diseases among these technicians.
Keywords: occupational safety and health technician; suffering at work; activitycentered ergonomics.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
Introdução
No âmbito das empresas, a responsabilidade
pela preservação da saúde e a garantia da segurança
dos trabalhadores cabe ao Serviço Especializado em
Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho
(SESMT). O Serviço é regulado por normas estatais
que se aplicam aos trabalhadores formais cujo regime
de trabalho é regido pela Consolidação de Leis do
Trabalho (BRASIL, 1943)
O Serviço tem por objetivo maior a prevenção de
acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais e,
para tanto, os profissionais de saúde e segurança do
trabalho devem lançar mão de uma série de iniciativas
para o desenvolvimento de ações preventivas. A
legislação trabalhista vigente define como atribuições
principais desses profissionais reduzir até eliminar
os riscos existentes no ambiente de trabalho e, não
sendo possível, determinar o uso de equipamentos
de proteção coletiva ou o uso de Equipamentos de
Proteção Individual (EPI) pelo trabalhador. O SESMT
também deve colaborar no projeto e implantação de
novas instalações da empresa, responsabilizar-se
pelo cumprimento das Normas Regulamentadoras
(NR) aplicáveis àquela empresa, promover atividades
educativas para os trabalhadores, registrar e analisar
acidentes e incidentes ocorridos (BRASIL, 1978, 1983).
O dimensionamento do SESMT varia de acordo
com o porte da empresa – número de trabalhadores
que possua e o grau de risco oferecido pela atividade
desenvolvida. A composição da equipe do SESMT
pode variar, mas Técnico de Segurança do Trabalho
é a categoria que sempre se faz presente. A equipe
completa do SESMT pode ser composta ainda
por médico e enfermeiro do trabalho, auxiliar de
enfermagem, engenheiro de segurança do trabalho
(BRASIL, 1978, 1987).
O setor metalúrgico é um ramo que oferece
elevado grau de risco aos trabalhadores. Dessa
forma, a legislação trabalhista brasileira determina
a implantação e manutenção de SESMT em todas
as empresas metalúrgicas que possuam a partir de
50 trabalhadores. Portanto, é possível afirmar que o
Técnico de Segurança do Trabalho é o profissional
de saúde e segurança presente em grande parte das
empresas metalúrgicas. Entretanto, em levantamento
bibliográfico realizado foram encontrados poucos
estudos a respeito do trabalho desses profissionais
de saúde e segurança.
Salazar et al. (2003) aplicaram questionário a
profissionais de serviço de saúde ocupacional de
dez estabelecimentos de armazenamento de armas
nucleares norte-americanos, constatando problemas
de comunicação nos serviços e divergência entre
os riscos físicos identificados nos estabelecimentos
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
pelos profissionais e as ações protetivas oferecidas.
Takaro et al. (2000) investigaram a percepção dos
profissionais sobre melhoria na qualidade do serviço
após mudança em procedimentos internos. Van Der
Drift (2002) identificou a necessidade de melhor
qualificação dos profissionais de saúde e segurança
das empresas.
Na realidade brasileira, Cavalheiro et al. (2011)
pesquisaram o SESMT de empresa moveleira,
identificando as tarefas de responsabilidade de seus
membros. Pesquisando a ocorrência de quase-acidentes
em empresa de construção civil, Cambraia, Formoso e
Saurin (2008) descreveram as tarefas executadas pelo
Técnico de Segurança de Trabalho para a prevenção
desse tipo de evento. No mesmo ramo, Fonseca e Lima
(2007) estudaram análises de acidentes de trabalho
realizadas por Técnico de Segurança e as propostas
preventivas derivadas de suas conclusões.
Na maior parte das pesquisas identificadas há
apenas a menção ao profissional como parte do quadro
de profissionais do SESMT, havendo em número mais
reduzido de estudos onde há a referência ao Técnico
de Segurança como participante em uma atividade
pontual (ginástica laboral, treinamento da brigada
de incêndio etc.).
Temos no país quase 300 mil Técnicos de Segurança
do Trabalho ativos (FEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TÉCNICOS DE SEGURANÇA DO TRABALHO, 2012).
Ainda que em números absolutos a categoria profissional
no país não constitua volume significativo, ela tem
potencial de contribuir para a prevenção de doenças e
acidentes com trabalhadores de indústrias de importância
crucial para a economia e o desenvolvimento do país. O
Técnico de Segurança do Trabalho tem por atribuição
específica identificar, avaliar e informar riscos presentes
nos processos de trabalho. O profissional trabalha de
forma articulada aos demais integrantes do SESMT
para a elaboração e execução de medidas de proteção
à saúde dos trabalhadores (BRASIL, 1985, 1986,
1989, 2008). Assim sendo, as condições de trabalho
e a sua configuram-se como assunto relevante para
a saúde pública, seja pelo impacto de sua atividade
nas ações preventivas, seja pela necessidade de se
entender como o trabalho repercute diretamente na
saúde desses profissionais.
Cabem alguns esclarecimentos com relação à base
conceitual sobre a qual nos embasamos para realizar
a discussão dos resultados obtidos com o presente
estudo. Ao nos referirmos à “atividade” e “tarefa”
o fazemos dentro da conceituação da ergonomia
da atividade. Nessa, “tarefa” diz respeito ao que é
prescrito ao trabalhador, o que se espera que seja por
ele executado; por outro lado “atividade” se refere
ao que verdadeiramente é realizado (ASSUNÇÃO;
LIMA, 2003).
137
Considerando-se o objeto do presente trabalho,
justifica-se ainda tratarmos do conceito “nocividade”,
conforme nos apresentam Assunção e Lima (2003). Tal
conceito transcende o olhar da higiene ocupacional –
que enfoca os agentes físicos, químicos e biológicos
presentes nos ambientes de trabalho – a partir do
qual se define o trabalho como sendo perigoso ou de
risco à saúde. Uma abordagem sistêmica do trabalho
implica entender os riscos na complexidade das suas
múltiplas interações com os indivíduos e não como
decorrentes de fatores isolados. Segundo os autores,
a nocividade do trabalho envolve a forma como o
trabalhador vivencia uma organização de trabalho
rígida, os constrangimentos existentes devido a uma
margem de ação reduzida (ASSUNÇÃO; LIMA, 2003).
Convém ainda acrescentar o contraponto com o que
Clot denomina “real da atividade”, que compreende
não apenas o que é executado pelo trabalhador, mas
também os impedimentos e dificuldades existentes
no contexto de trabalho que limitam a concretização
do que lhe é previamente determinado, conceito
que contribui para a explicação da relação trabalho
e saúde mental (CLOT, 2007). O autor define como
real da atividade aquilo que não se faz, aquilo que
não se pode fazer (os impedimentos); aquilo que se
busca fazer sem conseguir (os fracassos); aquilo que
se teria querido ou podido fazer e aquilo que se pensa
ou que se sonha poder fazer (os desejos); aquilo que
se faz para não fazer (as regulações); aquilo que se
faz sem se querer fazer (as imposições); aquilo que
se tem de desfazer ou aquilo que se tem de refazer
(o retrabalho).
Dessa forma, o comportamento ou a atividade,
aquilo que é feito, nada é mais do que “um conjunto
de reações que venceram”. A atividade, para o autor,
é uma prova subjetiva na qual cada um enfrenta a
si mesmo e aos outros para ter uma oportunidade
de conseguir realizar aquilo que se tem a fazer. As
atividades suspensas, contrariadas ou impedidas, e
mesmo as contra-atividades, devem ser admitidas
na análise, ou seja, a atividade afastada, ocultada
ou inibida nem por isso está ausente. “Pretender
prescindir disso na análise do trabalho equivale a
retirar artificialmente aqueles que trabalham dos
conflitos vitais de que eles buscam libertar-se no real.”
(CLOT, 2007, p. 116)
A demanda para a realização da atual pesquisa partiu
da Gerência Regional de Osasco (SP) do Ministério
do Trabalho e Emprego. Estava em andamento no
órgão a verificação da adequação de maquinário de
empresas metalúrgicas à nova redação da Norma
Regulamentadora 12 (Segurança na operação de
máquinas e equipamentos), em especial no tocante ao
gerenciamento de riscos com máquinas e equipamentos
(BRASIL, 2010). Nesse contexto, havia a percepção por
parte de auditores fiscais que, mesmo em empresas
138
com política definida e estruturada de gestão de saúde
e segurança do trabalho, os profissionais do SESMT
possuíam atuação limitada para efetivamente implantar
melhorias nas condições de trabalho.
O objetivo do presente artigo é apresentar o
conteúdo de trabalho dos Técnicos de Segurança do
Trabalho através de suas representações sobre a sua
atuação profissional e compreender as dificuldades
vivenciadas e os impactos do exercício profissional
sobre a sua saúde.
Metodologia
Foi realizada pesquisa qualitativa, tendo sido
utilizada a técnica da Análise Coletiva do Trabalho
– ACT (FERREIRA, 1993), que consiste em reunião
de grupo de trabalhadores de uma mesma categoria
para apresentar sua atividade profissional a dois
pesquisadores. A investigação ocorre a partir de pergunta
norteadora, no caso, “Como é o trabalho do Técnico
de Segurança?”. Os participantes falam e discutem
sobre o conteúdo de seu trabalho, tanto em seu aspecto
concreto (procedimentos, equipamentos, rotina diária)
como em seu conteúdo subjetivo (relações de trabalho,
estratégias, regras não escritas). Nesse contexto, a
realização com grupo homogêneo (mesma categoria e
nível hierárquico) permite não apenas o enriquecimento
do conteúdo trazido, através da retroalimentação da
discussão entre os participantes, em torno dos temas,
como também a confrontação de ideias e opiniões. Vale
lembrar que o intuito de compreender o trabalho do
ponto de vista dos trabalhadores não significa a busca
por uma verdade única, uniforme, da percepção dos
elementos do trabalho pelos participantes. Na ACT não
apenas cabe, mas mais que isso, promove-se espaço
para as diferenças e disparidades de experiências em
entendimentos (FERREIRA, 1993).
É preconizado pelo método que as reuniões
com os grupos devem ter duração aproximada de
90 minutos, na forma de encontros sucessivos até a
saturação, ou seja, até que fiquem esclarecidos para
os pesquisadores, minuciosamente, os conteúdos do
trabalho, as estratégias utilizadas, as dificuldades
e sucessos encontrados na realização do trabalho.
Havendo o consentimento de todos os participantes,
as reuniões são gravadas, utilizando-se apenas o áudio.
Esse material é posteriormente transcrito, havendo
leitura e escuta exaustivas para o estabelecimento
de categorias empíricas, a partir dos temas mais
discutidos pelos trabalhadores e de elementos mais
relevantes que compõem a atividade realizada. Fazse necessário que os pesquisadores tenham domínio
dos conceitos centrais da ergonomia da atividade
(FERREIRA, 1993, 1998, 2011).
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
Foram realizados três grupos distintos, que
envolveram, no total, 17 Técnicos de Segurança do
Trabalho. Para a ACT existe a preocupação de que
os trabalhadores participantes sejam voluntários
e busca-se também preservar sua identidade, no
intuito de evitar a identificação dos sujeitos pelas
empresas contratantes, da qual poderiam derivar
constrangimentos desses junto aos demais atores no
interior das empresas. Os encontros para realização da
ACT foram realizados em local externo às empresas.
Nos meses de agosto, setembro e outubro de 2011
foram realizados eventos pelo Ministério do Trabalho
e Emprego direcionados aos profissionais de saúde e
segurança de metalúrgicas dos municípios da região
Oeste da Região Metropolitana de São Paulo. Esses
tinham por finalidade trazer esclarecimentos a respeito
das alterações na Norma Regulamentadora 12 (NR12)
no que tange a aspectos de risco de acidentes com
máquinas e equipamentos. No encerramento do evento
apresentaram-se o projeto de pesquisa e o convite aos
técnicos de segurança presentes.
Faz-se necessário ainda pontuar que, para o presente
estudo, foi feito recorte no universo de metalúrgicas da
região, optando-se por selecionar empresas de médio
e grande porte que, por obrigatoriedade legal (BRASIL,
1978, 1987), contam com equipe multiprofissional de
segurança (Técnico de Segurança do Trabalho, Médico
e Engenheiro do Trabalho), condição que agregaria
elementos – positivos ou negativos – à organização
do trabalho do Técnico, sendo uma característica
importante a ser considerada.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Ética em Pesquisa (COEP) da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (FSP/
USP), sob o protocolo nº. 2234, bem como pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)
do Ministério da Saúde, protocolo FR405596. Para
melhor assegurar a confidencialidade e diminuir
possíveis constrangimentos utilizou-se do Termo
de Responsabilidade. Esse Termo assegura os
esclarecimentos éticos mediante a presença de
testemunha, em substituição ao uso do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, sendo dispensada
dessa forma a identificação, número de documento
de identidade e assinatura do sujeito de pesquisa.
Resultados
Os Técnicos de Segurança do Trabalho (TST) que
realizaram a ACT possuiam tempo de formação e de
atuação variada, de dois a mais de 20 anos. Ao longo
dos grupos, foi possível observar que os participantes
tinham experiência em diversos ramos de atividade
econômica.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
Durante os três grupos de Análise Coletiva do
Trabalho, os Técnicos participantes trouxeram
elementos similares e outros díspares. As semelhanças
se deram especialmente quanto ao entendimento das
atribuições da categoria, de acordo com o definido
pela legislação trabalhista, nas descrições das rotinas
de trabalho – atividades realizadas frequentemente,
protocolos e procedimentos obrigatórios a serem
seguidos – e quanto ao trabalho habitual. As diferenças
entre os participantes se apresentaram dentro de
temas específicos, como, por exemplo, a relação com
agentes de fiscalização e a relação com outros atores
dentro da empresa. Os conteúdos relevantes para a
discussão sobre os conteúdos do trabalho dos TST
serão abordados a seguir.
Para a apresentação das falas dos participantes
optou-se pela uniformização na forma da sigla TST
seguida da numeração dos sujeitos em ordem sequencial;
dessa forma é possível relacionar as verbalizações de
um mesmo participante sobre os diferentes temas
abordados.
A atividade dos Técnicos de Segurança
Ao longo dos relatos, no momento em que os TST
introduziam discussão acerca das dificuldades e
limitações encontradas para o cumprimento de suas
obrigações, surgiu contraposição entre as determinações
legais e as prescrições das empresas contratantes.
A expressão da impossibilidade de realização de
suas atribuições pode se dar de maneira clara e aberta:
TST1: Tem empresas em que o profissional nem
sala tem. Tem empresa em que o profissional tem
sala, mas é proibido de entrar na sala durante o dia.
A falta de estrutura material fornecida ao SESMT
também foi apresentada como comum entre os
participantes:
TST1: Tem empresas que você chega pra trabalhar
e te colocam numa salinha, digitando num computador meia boca, deixa uma luzinha ali: “Olha, isso
daqui é a sua sala”. Pingando alguma coisa, faltando outra aqui.
TST2: Embaixo da escada.
TST1: Embaixo do almoxarifado.
Na maior parte das empresas o SESMT está vinculado
a um setor com o poder rebaixado. É raro o Serviço
responder diretamente a uma instância decisória.
TST4: Geralmente muita coisa é jogada no nosso
colo. Para ter uma ideia, eu conheci um Técnico de
Segurança que tinha que lavar o carro do patrão
uma vez por semana. Lavar. Ele que lavava. O Técnico de Segurança. É incrível. Eu conheço uns que
trabalham no RH fazendo folhas de pagamento diariamente.
139
TST5: Por exemplo: Eu meço pressão, eu tiro licença
da Polícia Federal, Civil, da prefeitura. Eu não tenho
que tirar licença, quem tem que tirar é a contabilidade. Até é o [meu] caso: eu estou envolvido com o
meio ambiente. Mas eu levo pessoa para o hospital,
eu meço pressão, até plaquinha de nome de setor eu
tenho que fazer.
TST2: O camarada recebe atribuições como cuidar
da segurança patrimonial, cuidar de restaurante,
cuidar de frota de veículo, cuidar de máquina de
Xerox.
TST5: Vinte por cento de segurança e 80 por cento
cuidar de limpeza e jardinagem. [...] E a empresa
tinha também canil, porque os cachorros cuidavam
da segurança patrimonial. Então eu também tinha
que dar um apoio ali na parte do canil com relação
a monitoramento, saúde dos cães etc.
Na percepção dos Técnicos, o setor ao qual o
SESMT responde explica, em parte, a atribuição de
atividades desvinculadas de qualquer prática voltada
à saúde e segurança dos trabalhadores; sendo as mais
comuns: atividades administrativas, participação
na área de segurança patrimonial, organização de
festas de confraternização de fim de ano, execução de
tarefas de motorista. Fica claro, portanto, não apenas
a distância entre atividade e tarefa, mas, mais do que
isso, a divergência e conflitos na definição do próprio
objeto de sua atuação.
A fiscalização por órgão estatal
O acompanhamento de agente fiscal de órgão
externo é outra atividade desenvolvida pelo Técnico de
Segurança que é fonte de tensão e constrangimento. A
fiscalização normalmente é realizada após a ocorrência
de adoecimento no trabalho ou acidente grave ou fatal
e é realizada principalmente pelos auditores fiscais
do Ministério do Trabalho e Emprego, podendo ainda
ser efetuada por órgãos do SUS, como Centros de
Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) ou
Vigilâncias em Saúde do Trabalhador.
No momento em que a empresa está sendo
auditada, também ocorre desvio de função do Técnico,
entretanto de maneira diferenciada das anteriormente
mencionadas, é o chamado “desvio para cima”:
TST6: A empresa não está nem aí com nada. Quando chega um auditor fiscal ou alguém do Ministério do Trabalho: “Cadê a documentação? Cadê o
Técnico? Chama o Técnico lá! Agora eu quero a
documentação. Quero isso, isso, isso”. [...] [Diretor
da empresa:] “Esse aqui [Técnico], ele é meu vice-presidente!” “Pode usar a sala da Diretoria, usa
meu notebook aí”. Daqui a pouco o cara [fiscal] vai
embora, se você disse alguma coisa errada: “Para
que você falou isso? Tu és louco!”
Durante a fiscalização é percebida mudança da
forma de tratamento por interlocutores internos à
140
empresa. O Técnico de Segurança, que até então
possuía participação marginal na gestão da saúde e
segurança, ganha posição central:
TST1: Agora você quer ver o pessoal lembrar de
você? O dia em que, infelizmente, você tem um
acidente. Aí, aquelas pessoas que estavam acima
de você e que falaram assim: “Não, toca a máquina. Deixa o parafuso quebrar”. Some todo mundo.
Some. Some. Porque é a hora que você vai ter que
evidenciar que você tomou uma postura.
Ainda que a presença do auditor fiscal no interior
da empresa cause tensão no ambiente da empresa –
discussões, trocas de acusação etc. – os participantes
manifestaram que a maior fonte de preocupação são
os possíveis desdobramentos da fiscalização: processo
civil e criminal por falha ou omissão do Técnico, dada
sua responsabilidade sobre as condições de trabalho
precárias verificadas pelo auditor.
TST1: Quando está ali, no âmbito da empresa, é
uma coisa. Quando isso envolve um órgão externo,
por exemplo, pode estar a Delegacia. Você tem que
parar na frente do delegado e explicar. Ele olha pra
você e fala: “Qual é o seu papel na empresa? Por que
você não tomou uma atitude? Você não tem autonomia? Por que não-sei-o-quê?”
Outro motivo de constrangimento durante a
fiscalização é o não reconhecimento das condições de
trabalho do Técnico de Segurança pelo auditor fiscal.
Foi trazido pelos participantes que o olhar do auditor
se direciona exclusivamente à linha de produção.
Os Técnicos não são, portanto, identificados como
trabalhadores. Ao manifestar ao auditor sua condição
de impedimento para agir sobre os determinantes do
acidente, os Técnicos comumente ouvem réplicas
como: “Se está ruim, mude de profissão”.
A investigação de acidente de trabalho
Dessa maneira, as tentativas do Técnico de
Segurança de intervir em situações identificadas como
prejudiciais à saúde e segurança dos operadores são
percebidas pelos demais atores como empecilhos para
o bom andamento do processo produtivo.
TST1: Eu tenho um caso aqui de um acidente que
eu fui investigar. [...] Eu era novo na empresa,
quando eu cheguei às 14h, o RH falou: “Ó, aconteceu um negócio lá na produção, nesse momento,
dá para você dar um pulinho lá?” Eu cheguei lá,
quando o gerente de produção me viu ele fez assim,
literalmente: “O que você quer aqui?” Desse jeito:
“O que você quer aqui? O que você veio fazer aqui?”
E eu com papel e caneta na mão: “Eu vim a pedido
da X, de Recursos Humanos, vim ver o que aconteceu aqui, oferecer uma contribuição que eu possa
trazer, uma sugestão pra resolver o problema”. [Gerente de produção:] “Não quero ouvir sua opinião e
não quero nem saber!” Falei: “Espera aí, você é gerente industrial, seria coerente. Eu vim...” [Gerente
de produção:] “Não quero saber o que você pensa,
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
o que vai, quem é coerente ou vai deixar de ser coerente. Se vira lá com a X, vai lá e depois eu falo com
ela”. Diante disso, o quê você vai fazer? Você vira as
costas e vai embora. Inclusive eu fui embora mesmo
da empresa. Não dá.
A dubiedade nas atribuições do TST foram
inicialmente explicadas como a disparidade entre a
política de Estado em saúde e segurança no trabalho
e a política interna das empresas. À medida que
a discussão se desenrolava, havia verbalizações
sobre a coexistência de interesses contrários que se
concretizavam nessas práticas.
TST2: Mas o foco da investigação não deve ser
apontar responsáveis. Mas é fazer a prevenção.
Você elencar tudo que precisa ser feito para corrigir
aquela situação, para que ela não se repita. Depende da empresa. [...] Eu estou falando em nível de
providências, chega até a nível de diretoria. Agora,
o andamento disso vai depender muito daquilo que
acontece na empresa. Tem diretor que está se lixando da situação. Largo o relatório na mão dele, é a
mesma coisa que nada. Tem outra que não. Pega,
bota toda a chefia numa sala e conversa com todo
mundo: “Espera aí, vamos tomar uma providência,
não é por aí” e tal. Então depende muito de com
quem você está mexendo e qual a cultura dele.
Os Técnicos colocaram em diferentes momentos
o conflito entre produção e segurança, em outras
palavras, a segurança como entrave para os lucros e
rendimento da empresa. Ao tratar de alteração recente
em legislação, no que tange o uso de tipo específico de
maquinário, um dos participantes trouxe depoimento
de experiência pontual:
TST7: Eu vou interditar todas as máquinas, porque
todas estão fora de uso. São prensas de engate de
chaveta e estão totalmente fora de uso. São máquinas de 1976. Agora, aparentemente ele achou melhor comprar prensas novas e jogar essas3. Eu fui
falar pra ele [empresário] assim: “Olha, a lei determina que nós não podemos jogar. Você não pode
repassar isso. Você não pode! Você não pode repassar”. Ele falou: “Não esquenta não. Eu vou repassar
isso aí, não vai ter problema de nota, não vai ter
problema de nada. Eu vou no toma lá dá cá e vai lá
pro nordeste, vai lá não sei para onde mas eu vou
repassar”. Mas eu alertei ele, eu falei: “Olha, não”.
Mas...
Em outras situações, o foco maior sobre a
produtividade é percebido na proximidade do Técnico
com o pessoal de chão de fábrica e na observação do
processo produtivo, conforme ilustrado abaixo:
TST2: Para você fazer uma peça tem um procedimento de como realizar. Só que se você não realizar esse procedimento da forma que é descrito, você
3
consegue aumentar a produção [...] diminuindo segurança você tem uma produtividade maior.
TST8: Não adianta você querer peitar ninguém porque você não vai conseguir, por mais político que
você seja. Por que, infelizmente, a nossa cultura hoje
é para o quê? Produção, produção e mais produção.
Se o cara estiver lá e encontrar uma situação de
risco na área, se não tiver uma pessoa, um contato
para chegar e mostrar que realmente a peça [Produção] tem que parar, nem sempre para.
Em tais circunstâncias, sendo a lógica da produção
predominante sobre a gestão de segurança, o TST
passa a ser percebido como um sujeito que dita regras
e cobra comportamentos, de operadores de chão de
fábrica, incompatíveis com melhores resultados de
produção.
TST1: O Técnico ser visto como dedo-duro, como
cagueta, como fofoqueiro, como puxa-saco da empresa.
TST9: Ele é visto como o dedo-duro, né? “P...! Lá
vem o dedo-duro. Lá vem aquele sacana. Lá vem o
não-sei-o-quê.” Eu já vi caso de um funcionário querer agredir um colega meu.
As falas a seguir expressam a preponderância de
abordagem da segurança comportamental sobre um
entendimento mais global do trabalho, desconsiderandose os aspectos imateriais e subjetivos que o compõe.
TST7: Quando você recruta um empregado, você
passa para ele um Termo de Responsabilidade, de
obrigações: “Olha, aqui você vai ter isso, você tem
que obedecer, você tem essa norma interna da empresa. Na qual você vai ter essas obrigações e responsabilidades”. Tudo bem, ele concorda. Quando
você entrega os equipamentos e fala: “Olha, você vai
ter que seguir”. Aí ele se retrai, ele burla, ele não
quer usar o equipamento. Então acarreta nas advertências e tudo mais. [...] Muitas vezes até eu falo:
“Pô, mas quando você entrou aqui, você não concordou? Não estava sabendo que você teria que usar o
protetor, o óculos?”
TST6: Depois que você alertar a pessoa, depois que
você conversar com a pessoa, pra que você comece
a punir. Mas punir, entendeu? Aí, tem o funcionário.
Você não vai usar isso daqui, então eu vou ter..., vamos pedir advertência, levar a situação para o RH,
para o líder, para liderança dele lá. É punir o camarada, se ele está tomando essa advertência é porque
você teve uma conduta.
TST1: Ele [o trabalhador] não tem cultura. Aí você
vai ter que domesticar o cara [grifo nosso]. O termo
até pesado pra usar, não é conscientizar, é domesticar o cara a exercer uma questão de segurança.
Foi estabelecido na Convenção Coletiva de Melhoria das Condições de Trabalho em Prensas e Equipamentos Similares, Injetoras de Plástico e
Tratamento Galvânico de Superfície nas Indústrias Metalúrgicas do Estado de São Paulo (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS, 2008) o Programa de Prevenção de Riscos em Prensas e Similares (PPRPS), onde está determinado que prensas obsoletas, inadequadas nos termos da nova redação da NR12, não podem ser transferidas, doadas ou vendidas a terceiros.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
141
A produtividade do Técnico de Segurança
Interessante pontuar a forma como a exigência por
produtividade não se aplica apenas aos operadores
de linha de produção. Os participantes afirmaram ser
comum o estabelecimento de metas de produção para
o Técnico de Segurança, por exemplo: quantidade
de inspeções por posto de trabalho durante
determinado intervalo de tempo; quantidade de
materiais educativos produzidos para distribuição
durante a Semana Interna de Prevenção de Acidentes
de Trabalho (SIPAT). Entretanto, a mensuração da
produção individual do Técnico por parte das altas
hierarquias da empresa não necessariamente tem
por base ações e iniciativas para a prevenção de
adoecimento e de acidentes.
TST1: No final do mês tem que apresentar um relatório, pra questão de controle, de tudo o que você fez.
A pessoa: “Ô, a taxa de acidente está aumentando.
Você não é técnico de segurança? A taxa de acidente
está aumentando! O que você está fazendo?”
Outro “indicador” da produtividade do Técnico
comumente utilizado é o fornecimento de equipamentos
de proteção individual (EPI), a partir do acompanhamento
de baixa no almoxarifado:
TST3: Até no controle, se estourou um pouquinho
no orçamento em 20%: “Tá dando EPI pra quem?”
A alta rotatividade de profissionais da categoria
Os participantes percebem entre a categoria uma
alta rotatividade de profissionais e atribuem-na a uma
forma de expressão das adversidades enfrentadas na
realidade de trabalho dos Técnicos.
TST10: Nós somos obrigados, nós estamos aqui [na
empresa], nós temos que fazer. Porque se você sai de
uma determinada empresa hoje, você vai pra outra,
é claro que é a mesma coisa, você vai pra mesma
situação. [...] O negócio é segurar. O cara [empresário] fala: “Contratei esse aqui, esse aqui não quer
fazer nada, só negócio de segurança. Não quer ficar.
Não dá não, o outro [TST] fazia. Pega isso aqui e vai
embora. Não passou nem na experiência”.
TST4: Se esse técnico falar que vai parar a máquina, ele é trocado. Ele é substituído. Por quê? Ele tem
que obedecer o SESMT.
A partir do relato acima depreende-se também
a questão do medo do desemprego, preocupação
perceptível nos relatos dos participantes. O papel
do Técnico dentro da esfera familiar, como provedor
do lar, compõe um fator adicional de autocobrança,
onde ele se vê obrigado a se submeter às condições
de trabalho da forma como se apresentam. Aspecto
esse contemplado na fala abaixo:
142
TST3: Eu tenho uma família. Eu não vou pedir demissão só porque o patrão não quer que eu faça a
minha função. Muitas vezes ele não quer que eu
faça, tá bom, não vou fazer. Se quer que eu finja que
eu trabalho? Então eu vou fingir que eu trabalho.
Várias vezes eu me deparo com isso.
A posição do Técnico como intermediário entre a
produção e a gerência da empresa gera, no entendimento
dos participantes, constrangimento pelo acesso a
informações das instâncias decisórias que não podem
ser compartilhadas com o setor operacional.
TST1: O Técnico, ele exerce o papel de fazer o contato entre o operacional e a chefia deles. Então, ele
participa junto com a chefia, ele sabe exatamente
qual é a linha que a chefia está adotando, ou que
vai adotar, e ao mesmo tempo ele está ali, junto com
a galera, ele sabe os pontos positivos e negativos.
Ele não pode levar tudo o que ele sabe lá para cima
e não pode pegar tudo o que ele sabe lá de cima e
trazer aqui para baixo. Então, ele fica fazendo um
filtro. Pode ser que você esteja aqui agora, mas amanhã você não vai estar aqui. Mas eu tenho que levar
você numa condição que você possa imaginar que
vai estar aqui mais dois [anos], mas você não vai
estar aqui nem mais duas horas.
O trabalho e o sofrimento dos Técnicos de Segurança
Ao tratarem dos reflexos do exercício profissional
na vida pessoal, os TST comentaram que seu trabalho
afeta momentos de descanso e lazer:
TST9: Isso foi o que mais acabou comigo, o fator
psicológico. De tanta preocupação. Eu saio de casa,
eu não paro de pensar nos caras que tão lá trabalhando, [...] de ser prejudicado futuramente numa
fiscalização ou por um acidente que venha a causar
uma morte dentro da empresa.
Os impactos sobre a saúde são percebidos de
diferentes maneiras pelos Técnicos. Abaixo, um
Técnico comenta o desenvolvimento de sintomas
orgânicos em decorrência do trabalho:
TST8: Eu trabalhei numa empresa muitos anos. Trabalhei em RH e depois passei [para a] Segurança. Foi
feito todo um trabalho, a empresa começou a viver
um nível de tensão tão forte em cima da segurança
e começou toda uma pressão em cima da gente. [...]
Eu tinha todos os sintomas de Diabetes. Eu cheguei
muitas vezes a ir pra enfermaria com a pressão lá
embaixo. O Médico do Trabalho virava e falava pra
mim: “Sai daqui, vai dar palestra, vai descansar.
Isso aqui está um inferno”. O próprio Médico do Trabalho. [...] Então, você vai insistindo. Você vai cada
vez passando mal. Mal mesmo. Cheguei a uma época a pedir demissão. Não deixavam. Estava em vias
de auditorias e tal, [...] Eu saí dessa empresa. Fui
trabalhar numa outra empresa. [...] Uma empresa
que tinha vontade de mudar. A gente conseguiu fazer um trabalho. Fiquei dez anos e meio lá. Nunca,
depois que eu saí dessa primeira empresa, nunca
mais eu sinto dores nas pernas, nunca mais eu tive
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
nenhum sintoma de Diabetes, faço o exame até hoje
[...] Era a questão de stress mesmo. Nessa outra empresa que eu fui, peguei um clima muito pior em
termos de funcionários, em termos de equipamentos, mudaram os equipamentos, deram recurso para
que a gente treinasse o pessoal, mudasse o comportamento das pessoas, deu abertura para isso. Conseguimos fazer um bom trabalho, a coisa mudou e
a minha saúde perfeita. E eu fui ficando cada vez
mais velho.
Os participantes constataram ainda o adoecimento
como consequência do sofrimento mental. Na fala a
seguir, comenta-se a respeito do desenvolvimento
de alcoolismo:
TST1: É muito comum camarada ficar lá esmagado
o tempo todo. O colega cair até no vício de bebida
por frustração de não poder desempenhar o trabalho
bem desempenhado. Tenho visto aí cair no alcoolismo.
O trabalho de Técnico de Segurança, ainda que
permeado por fatores negativos para a saúde mental,
também possui elementos positivos identificados
pelos participantes. Foram mencionados momentos
agradáveis, de conquistas e realizações, à parte as
dificuldades e limitações enfrentadas:
TST9: Eu não consegui meu objetivo, mas eu fiz alguma coisa, por menor que seja, para evitar que um
colega meu de trabalho, pai de família, saia de dentro da empresa mutilado, cego, faltando uma perna,
qualquer situação que venha a constranger ele e a
família dele para o resto de sua vida. É muito gratificante poder fazer isso daí.
TST11: Quando você vê que tudo aquilo que você
muitas vezes brigou, conversou com as pessoas,
mostrou a necessidade, está sendo realmente implantado. Quando você vê que no seu trabalho você
começa a colher os frutos. Sempre vai ver [resultados]. Depende muito. Mas é um processo contínuo.
Uma cultura de 43 anos você não muda em um, dois
anos. É um trabalho de formiguinha.
Conforme apresentado anteriormente, o trabalho
dos Técnicos de Segurança é composto por uma
diversidade de atividades a serem realizadas em meio
a limitações, conflitos, contradições e impedimentos
de diferentes ordens.
Discussão
A partir das falas dos participantes durante os grupos
de Análise Coletiva do Trabalho, pode-se perceber a
existência de dois “níveis” de tarefa para os Técnicos
de Segurança do Trabalho: as atribuições constantes
em legislação – política de saúde e segurança do
trabalho, principalmente, a Norma Regulamentadora 4,
do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 1978,
1987) – e as determinações da empresa metalúrgica
contratante. Ao TST é delegado um universo de
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
atribuições, entretanto a categoria possui margem de
ação reduzida para o seu cumprimento. A distância
entre a atividade e a tarefa do Técnico pode ser
entendida por diversos prismas.
Primeiramente existe a questão da origem dos
SESMT. Peeters et al. (2003) e Assunção e Lima (2003)
apontam a composição e manutenção do Serviço
unicamente com a finalidade de dar resposta a uma
obrigatoriedade legal. Sendo assim, o distanciamento
da postura prevencionista antecederia a constituição
concreta do próprio Serviço. A esse respeito, Lacaz
(1996) aponta que alguns dos profissionais do SESMT
(Médico e Enfermeiro do Trabalho) são o veículo
operacional para a realização dos exames admissionais
e periódicos. Sua atuação se limitaria, portanto, ao
gerenciamento desses exames.
No entendimento dos TST, as dificuldades e
limitações encontradas em seu cotidiano de trabalho
advêm principalmente da coexistência de lógicas
antagônicas no interior das empresas: a segurança
e a produção, estando na figura do TST o ponto de
conflito entre ambas. Nesse sentido, o profissional é
visto como fonte de distúrbio, por constantemente
trazer às instâncias decisórias da empresa os problemas
e riscos identificados no trabalho em linha de
produção, além de buscar intervir sobre o processo
produtivo para implantar modificações e alterações,
prejudicando assim a produtividade. A insuficiência
de infraestrutura e recursos materiais, o desvio de
atribuição e o estabelecimento de metas de produção
a partir de indicadores sem qualquer relação com a
atividade desenvolvida são, na percepção dos TST,
a expressão da forma como a categoria é vista nas
empresas: um agente limitador da produção.
Outra contradição encontrada ao se analisar o
trabalho dos Técnicos de Segurança diz respeito à
coexistência de abordagens contrárias, que dão suporte
a entendimentos heterogêneos sobre o trabalho e quanto
ao contexto em que é realizado. A saber: abordagens
fundamentadas nas ciências físicas em oposição às
ciências humanas (DANIELLOU, 1996). Ou, como
discriminam Garrigou et al. (1999): a compreensão da
segurança comportamental versus a visão centrada no
homem. Na visão da segurança comportamental há
direcionamento do olhar do especialista ao conteúdo
visível e mensurável do que é executado pelo operador;
o trabalho constituir-se-ia da sobreposição de tarefas
simples e da somatória de suas partes.
O papel do Técnico, nessa abordagem, é o de
vigiar o cumprimento estrito de normas e punir os
trabalhadores faltosos, vistos como os principais
responsáveis e culpados pelas próprias ocorrências
lesivas. A predominância da segurança comportamental
fica bem expressa na verbalização do Técnico, ao
comentar que lhe cabe “domesticar” o trabalhador.
143
Entre suas consequências imediatas, ela afasta e isola
o Técnico dos trabalhadores, justamente os principais
interessados e potenciais aliados do Serviço.
A preponderância da visão da segurança
comportamental, com o maior direcionamento da
atenção dos profissionais de segurança ao conteúdo
visível do trabalho e aos riscos físicos presentes no
ambiente, é criticada por diversos autores (VALVERDE,
2010; VILELA, 2003, 2010; CAMBRAIA; FORMOSO;
SAURIN, 2008; ALMEIDA; JACKSON FILHO, 2007;
FONSECA; LIMA, 2007; VILELA; MENDES; GONÇALVES,
2007; VILELA; IGUTI; ALMEIDA, 2004; ASSUNÇÃO;
LIMA, 2003; ALMEIDA, 2001; DWYER, 1994). O
aspecto organizacional (divisão do trabalho entre os
operadores, pressões temporais) é desconsiderado, bem
como o conteúdo subjetivo das atividades (conflito
entre as normatizações e a produção, processos
mentais; a finitude da capacidade de o trabalhador
adaptar suas funções psicológicas e fisiológicas às
exigências da atividade). Pensando no trabalho dos
Técnicos de Segurança em chão de fábrica, esse tipo
de entendimento impede a percepção justamente dos
fatores desencadeantes de sofrimento e adoecimento
dos trabalhadores, o que contribui para um alcance
limitado de suas intervenções e a inviabilização de
seu possível papel como interlocutor válido para a
compreensão e a transformação dos processos de
trabalho e dos riscos.
A forma como o serviço de saúde ocupacional está
organizado contribui para sua funcionalidade, no
sentido de que as necessidades de saúde e segurança
dos trabalhadores tenham o encaminhamento adequado
(ELGSTRAND, 2009). No entanto, os conceitos de
risco e de acidente partilhados pela equipe do SESMT
e gestores da empresa têm papel determinante na
proteção à saúde dos trabalhadores. A concepção
reducionista entende os riscos como sendo fatores
isolados do trabalho e tem sua base em modelo
tradicional de estudo de agentes físicos, químicos
ou biológicos presentes no ambiente. É fortemente
ligada às disciplinas clássicas, como a Medicina do
Trabalho e a Saúde Ocupacional. Nessa abordagem
caberia aos profissionais do SESMT identificar e
controlar fatores de risco pontuais, especialmente os
visíveis, gerenciar o fornecimento de EPIs, controlar o
comportamento errôneo dos trabalhadores no sentido
de seu disciplinamento. O conteúdo do trabalho, sua
complexidade, diferenças qualitativas, relações entre
seus elementos e a articulação entre etapas diferentes
do processo de trabalho permanecem à margem desse
tipo de análise (LAUREL; NORIEGA, 1989).
A visão do especialista que sabe e que deve impor,
“adestrar” e disciplinar os trabalhadores “incultos”,
4
condizente com a visão hierárquica da fábrica taylorista,
desconsidera o papel central do trabalhador enquanto
regulador das variabilidades e o principal agente de
segurança (LLORY, 1999). Para De La Garza e Fadier
(2007) a participação do trabalhador é fundamental
para o sucesso do processo de produção. O êxito
do sistema e seu funcionamento de modo seguro e
eficaz passam justamente pelo distanciamento das
prescrições. Ao se afastar do que lhe é predeterminado, o
trabalhador utiliza suas competências e sua experiência
acumulada e consegue prever situações e corrigir
desvios percebidos. Nesse sentido, Assunção e Lima
(2003) comentam ser na rigidez da organização do
trabalho, em outras palavras, na redução da margem
de ação do trabalhador, que se encontra a gênese da
nocividade do trabalho.
Depreende-se pela fala dos participantes
uma semelhança entre o olhar do Técnico, como
especialista que sabe da segurança, e das hierarquias
superiores da empresa sobre a atividade do operador.
Interessante pontuar que, ao comentarem sobre sua
própria realidade de trabalho, em especial no que
tange às cobranças e ao estabelecimento de metas de
produção, os participantes teceram críticas a sua chefia
e a alta hierarquia das empresas pela inobservância
dos aspectos imateriais da atividade do Técnico de
Segurança. Portanto, contraditoriamente, coexistem
a crítica à invisibilidade de seu trabalho e a adesão
à visão da segurança comportamental. O Técnico é
vítima e algoz da mesma abordagem de que é portador:
o trabalho é visto fora do contexto global da produção
e o trabalhador é pressionado a atingir resultados
inviáveis, dados os meios e possibilidades reais de
ação que possui.
Outra forma de expressão desse paradoxo é a
maneira como o papel do Técnico de Segurança é visto
dentro da empresa. Peeters et al. (2003), Assunção e
Lima (2003) e Garrigou et al. (1999) comentam que a
visão preponderante da segurança comportamental
reduz o papel desses profissionais a vigilantes do
comportamento dos operadores dentro das empresas,
o que retroalimenta, portanto, a percepção dos
operadores em relação ao TST como “cagueta”.
Quando realizada com essa finalidade, a vigilância
verifica apenas aspectos secundários e superficiais,
mas não intervém nos determinantes organizacionais
dos riscos, ou seja, aos Técnicos é permitido apenas
“colocar curativos em uma perna de madeira”4.
Independentemente do que é determinado ao
Técnico realizar, as cobranças quanto às iniciativas
para melhoria das condições de trabalho dos
operadores permanecem. A exigência se concretiza
diferentemente, partindo do ambiente interno, mas
Expressão utilizada por M. Llory (2012) em conferência, ao se referir às recomendações fruto de investigações superficiais de acidentes industriais.
144
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
também de órgãos de Estado. Internamente, em nível
hierárquico superior, é a empresa, por exemplo, que
pode cobrar e responsabilizar o Técnico pela redução
dos índices de acidente de trabalho, enquanto que, em
níveis inferiores, os operadores do setor de produção
também reivindicam resultados preventivos. Pensando
em órgãos públicos, o Técnico de Segurança é chamado
à responsabilidade como profissional da área de saúde
e segurança pelos auditores fiscais do Ministério do
Trabalho e Emprego, pelos profissionais de vigilância
do SUS ou pelos peritos ou policiais que investigam
algum acidente grave ou fatal.
Em diferentes momentos, durante os grupos, os
participantes comentavam a “falta de autonomia”
do Técnico de Segurança. Clot (2007, 2010) cunhou
a expressão “poder de agir”, que acreditamos ser a
mais adequada, dado o universo de entendimentos
possíveis para “autonomia”. O “poder de agir” diz
respeito ao que é permitido e possível ao trabalhador
verdadeiramente realizar dentro de seu trabalho habitual.
Para o autor, esse conjunto de ações é heterogêneo e
mutável, podendo se ampliar ou reduzir.
No entendimento de Clot, as causas do adoecimento
mental no trabalho residem no que é impedido ao
trabalhador realizar e não no conteúdo da atividade
efetuada. Pois, ainda que lhe seja permitido desempenhar
uma pluralidade de ações e que ele o faça com sucesso,
em a atividade sendo esvaziada de sentido, seus
desdobramentos serão sempre insatisfatórios aos olhos
do trabalhador. O “sentido” da atividade diz respeito
ao que o sujeito percebe como importante e o objetivo
e resultados possíveis através de determinada ação.
A situação de conflito que o trabalhador vivencia ao
não encontrar eco para as suas expectativas dentro do
trabalho que realiza – poder de agir atrofiado – causa
sofrimento intenso e pode conduzir à impossibilidade
de continuação da ação por a atividade se tornar
psicologicamente inviável (CLOT, 2010).
Assunção e Lima (2003) comentam sobre o
movimento natural do trabalhador de se ajustar às
exigências do trabalho, utilizando recursos pessoais de
ordem física, cognitiva, temporal e material para dar
cumprimento ao que lhe é determinado. Entretanto, à
medida que as demandas excedem as possibilidades
individuais de que dispõe, tem-se por consequência
reflexos negativos sobre a sua saúde. A organização do
trabalho do Técnico, da forma como se apresenta, traz
sofrimento mental intenso, expresso pelos Técnicos
de variadas formas: “frustração”, “sensação de ser
inútil”, “ficar feito um bobão”.
Refletindo sobre o trabalho dos Técnicos, ficam
claros os elementos que Clot comenta comporem a
chamada “mistura explosiva” (CLOT, 2010, p. 11):
atividade expropriada de sentido e sentimentos de
insignificância; ambos fortemente trazidos pelos
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
participantes ao longo dos grupos. Entretanto, o mesmo
autor também afirma situações de superação, onde
o sujeito reconhece elementos realizáveis dentro de
raio de ação. Em tais circunstâncias o indivíduo se
torna psicologicamente mais disponível. A atividade
então se renova de sentido a partir de um resultado
positivo inesperado, que ultrapassa os objetivos da
demanda e pode, inclusive, transpor as expectativas do
próprio sujeito (CLOT, 2010). Quando os participantes
comentam sobre elementos que os motivam e
proporcionam satisfação no trabalho observa-se a
perspectiva de mudança na organização do trabalho.
Ao obter êxito através de seu exercício profissional e/
ou lançando mão de estratégias diversas no sentido
de interferir positivamente sobre as condições de
trabalho constatadas, observa-se a ampliação do poder
de adir dos Técnicos.
O fluxo de informações partindo dos Técnicos
para as instâncias decisórias da empresa também é
um fator dificultador presente no dia a dia dos TST.
O Técnico identifica situações de risco à saúde dos
operadores, mas se percebe impedido para efetuar as
mudanças necessárias. Llory (1999), ao tratar sobre
sistemas complexos, comenta o rótulo de “transmissor
de más notícias” atribuído aos profissionais da
prevenção pela alta hierarquia da empresa, dado
que constantemente trazem as disfunções presentes
no sistema, riscos, necessidade de intervenções
dispendiosas etc. A comunicação deficitária, além de
limitar ações preventivas, implica sobre as relações
sociais de trabalho dos Técnicos, dado que a direção
da empresa, ao taxá-los dessa maneira, legitima tal
rótulo dentro do meio ambiente de trabalho.
A partir do discurso dos participantes apreendese que, a despeito de exercer função essencial na
prevenção, não há nos contratos de trabalho ou
negociações coletivas medidas de proteção contra
a despedida desmotivada. Cabe destaque também à
rotatividade e fragilidade de seu contrato de trabalho,
contrato comum regido pela Consolidação de Leis do
Trabalho (CLT), por sua vez caracterizado como um
contrato individual de trabalho, que mesmo regulado e
protegido minimamente pelo Estado, permanece ainda
um contrato unilateral, onde impera livre a vontade
do empregador (FARIA, 1993; NASCIMENTO, 1991).
Foram mencionados a alta rotatividade de emprego na
categoria e sentimentos negativos relacionados ao medo
do desemprego, constatados por todos. Tal situação
fragiliza sobremaneira a autonomia e continuidade
de ações de prevenção desses profissionais, havendo
constrangimento profissional e também pessoal – por
serem chefes de família – para aceitarem as condições
de trabalho da forma como se apresentem. Pensando a
esse respeito, seria interessante a mudança no vínculo
empregatício dos profissionais de saúde e segurança
do trabalho, dado que, da forma corrente, a atitude dos
145
profissionais os coloca em conflito social com a empresa
(GUÉRIN et al., 2001), confronto no qual as objetivos
privados (interesses das empresas) se sobrepõem ao
benefício da coletividade. À semelhança do que se
observa em outros países, o duplo vínculo – Estado e
empresa – ou um vínculo protegido contra a dispensa
imotivada, permitiria a ampliação da margem de ação
desses profissionais em benefício da prevenção.
Ao debaterem a respeito de elementos que contribuem
positivamente ao bom desempenho de sua função,
os participantes remetem à dimensão individual,
atribuindo resultados positivos como decorrentes
de características pessoais como persistência e “jogo
de cintura”: “A pessoa tem que ter uma perseverança
muito grande”, “Tem que tomar banho de vaselina todo
dia”. Peeters et al. (2003) também encontraram entre
profissionais de SST, brasileiros e franceses, definições
referentes a atributos intraindividuais, tidas como de
grande importância para um desempenho de sucesso.
Interessante notar que o estabelecimento de metas
de produtividade é mais comumente observado como
parte integrante do universo de trabalho do operador de
linha de produção. Em literatura, como bem discutem
Assunção e Lima (2003), tentativas de aliar condições
satisfatórias de trabalho e alta produtividade acabam
privilegiando o segundo aspecto em detrimento do
primeiro.
Os sentimentos de medo e autoculpabilização
decorrem em especial quando da ocorrência de acidentes
de trabalho com operadores. Tanto pela sensação de
impotência para intervenção nas condições de trabalho
precárias dos operadores como pela responsabilidade
que recai sobre o TST no caso de AT grave ou fatal.
Dentro dessa problemática, o TST é substancialmente
limitado para intervir sobre os processos produtivos
no sentido da melhoria das condições de trabalho no
chão de fábrica.
Quanto à metodologia aplicada, a Análise Coletiva
do Trabalho se mostrou uma técnica bastante válida
para se conhecer o trabalho da categoria pesquisada. Em
se tratando de uma categoria profissional com vínculo
com o setor privado, consideramos importante o fato
de a ACT preconizar a minimização da possibilidade
de identificação dos participantes pelas empresas
contratantes, com o intuito de evitar o constrangimento
dos trabalhadores. Algumas medidas são adotadas nesse
sentido, como a participação voluntária, garantia de
anonimato e escolha de ambiente para a realização
dos grupos externos ao do trabalho; oferecendo
segurança aos participantes, contribuindo para o
estabelecimento de confiança entre pesquisadores e
sujeitos e favorecendo uma interlocução aberta. Em
especial, dado que, conforme foi apresentado, a alta
rotatividade de profissionais é uma característica que
se faz presente na realidade da categoria.
146
Outro aspecto é a importância dada à fluidez da
discussão entre os participantes, sem o estabelecimento
de um roteiro fechado e com o mínimo de interferência
dos pesquisadores. Nesse sentido, ainda que a
técnica não tenha em absoluto caráter terapêutico,
acreditamos ser interessante que os pesquisadores
tenham experiência prévia em condução de grupos.
Tal conhecimento prático facilita na coordenação
dos grupos tanto no aspecto mais concreto – na
administração do tempo de duração, por exemplo
–,como na identificação de situações em que se faz
necessário um redirecionamento da discussão.
Este estudo apresentou algumas limitações. Os
participantes do estudo tinham atuado em empresas
de diversos ramos econômicos e mencionaram
que os problemas e dificuldades enfrentados são
semelhantes em todas as empresas. Ainda assim,
para generalizar os achados do presente estudo seria
necessária a realização de outros grupos de ACT, com
Técnicos exercendo sua função em outras áreas, além
da metalúrgica. Com relação à técnica utilizada, os
grupos foram realizados após evento direcionado
aos profissionais de saúde e segurança do trabalho.
Tal estratégia se deveu à preocupação de preservar
a identidade dos participantes. No entanto, tivemos
poucos Técnicos voluntários. Uma maior adesão
enriqueceria as discussões e, talvez, possibilitaria
aprofundamento em alguns tópicos interessantes,
como por exemplo, a questão da drogadição, trazida
em um dos grupos.
Considerações finais
A partir do presente estudo foi possível conhecer
o conteúdo material e imaterial do trabalho cotidiano
dos Técnicos de Segurança e as percepções desses
profissionais a respeito de seu exercício profissional.
Dentre os profissionais de saúde e segurança, a categoria
possui obrigatoriamente carga horária mais extensa –
40 horas semanais – o que, somado às atribuições da
categoria, possibilita contato mais próximo com a linha
de produção e os operadores quando em comparação
com os demais membros do SESMT. Entretanto,
ainda que tenha uma função técnica, é subordinado
ao coordenador do SESMT em empresas de grande
porte, cargo ocupado pelo Engenheiro ou Médico do
Trabalho, ou responde diretamente ao proprietário,
no caso de empresas menores. O fato de não possuir
poder decisório foi mencionado pelos Técnicos como
um elemento limitante da prática profissional. A
despeito de ter seu vínculo com uma organização
produtiva particular, os Técnicos de Segurança do
Trabalho realizam uma atividade de caráter público,
tendo por finalidade maior a saúde de uma coletividade
composta não apenas por trabalhadores da empresa
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 136-149, 2014
contratante, pois um acidente ocorrido em uma
empresa metalúrgica pode ter grande impacto sobre
a população de toda uma localidade, não se limitando
portanto ao ambiente físico da empresa.
O desvio de função do Técnico de Segurança é algo
corrente nas empresas, tendo sido trazido por quase
que a totalidade dos participantes. Outro aspecto
trazido foi a inserção do Técnico na empresa por
determinação legal e não por uma autêntica política
preventiva por parte dessas corporações. A prioridade
dada à obtenção de lucros e resultados econômicos
muitas vezes ocorre em detrimento dos aspectos de
saúde, segurança e meio ambiente. Nesse sentido,
a atuação preventiva implica na gestão contínua de
conflitos tanto com trabalhadores como com gestores,
sendo o Técnico visto como um elemento que restringe
a produção.
A partir dessas percepções trazidas pelos Técnicos
é possível concluir que a categoria tem inserção
frágil na política de segurança das empresas e que
seu cotidiano de trabalho é fortemente marcado por
um “poder de agir” limitado ou mesmo impedido.
Na visão dos Técnicos, tal margem de ação limitada
é causa de sofrimento para os profissionais da
categoria. A natureza do trabalho de prevenção, por
suas características conflituosas, somada à vivência
constante de sentimentos de ansiedade e insatisfação,
pode acarretar em adoecimento psíquico.
A segurança e saúde dos trabalhadores como campo
de atuação não se restringe ao ambiente interno das
empresas. Ainda que o Técnico de Segurança do
Trabalho seja um agente com importância singular
nos ambientes de trabalho, profissionais de órgãos
públicos compartilham o mesmo objetivo; não apenas
auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego,
mas também profissionais da área da saúde como, por
exemplo, os dos Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador. Dessa maneira, uma maior aproximação
e aliança entre profissionais dos SESMT e os agentes
públicos da área de saúde e segurança contribuiria para
a ampliação do “poder de agir” de todos, no sentido
da melhoria das condições de trabalho nas empresas.
Contribuições de autoria
Inoue, K. S. Y.: delineamento do projeto, levantamento e análise de dados, elaboração do manuscrito. Vilela,
R. A. G.: delineamento do projeto, revisão crítica da versão enviada para publicação.
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149
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000074913
Artigo
Intensificação do trabalho e saúde do trabalhador:
uma abordagem teórica
José Augusto Pina 1
Eduardo Navarro Stotz 2
Work intensification and workers’ health: a theoretical approach
Fundação Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, Centro de Estudos da Saúde do
Trabalhador e Ecologia Humana. Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
Resumo
1
Fundação Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, Departamento de Endemias
Samuel Pessoa. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2
Contato:
José Augusto Pina
E-mail:
[email protected]
Artigo elaborado com base na tese
de doutorado de José Augusto Pina
intitulada Intensificação do trabalho
e saúde dos trabalhadores na indústria
automobilística: estudo de caso na
Mercedes Benz do Brasil, São Bernardo
do Campo, defendida na Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, em
2012.
Trabalho não apresentado em reunião
científica.
O trabalho não contou com
financiamento.
Os autores declaram não haver conflitos
de interesse.
Recebido: 22/02/2013
Revisado: 12/03/2014
Aprovado: 13/03/2014
150
Objetivo: construir uma definição conceitual para o processo intensificação
do trabalho e saúde do trabalhador enquanto um objeto de estudo. Métodos: a
abordagem teórica baseia-se no materialismo histórico que, na Saúde Coletiva/
Saúde do Trabalhador, encontra sua expressão na determinação social do processo
saúde-doença. A discussão se apoia na recente produção de conhecimento científico
sobre essa problemática estruturada em dois eixos: intensificação do trabalho e
intensificação do trabalho e saúde dos trabalhadores. Discussão: a análise mostrou
que a intensificação do trabalho está implicada em práticas de exploração como o
prolongamento da jornada, o intenso ritmo de trabalho e a administração por estresse
e, ao mesmo tempo, de expropriação do saber do trabalhador pela gerência, isto é,
de suas capacidades físicas, psíquicas e intelectuais. Esses processos determinam
uma pluralidade de agravos à saúde e na manifestação do desgaste e do sofrimento
difuso dos trabalhadores. Conceitualmente, o objeto intensificação do trabalho
e saúde do trabalhador pode ser definido e estudado nas práticas específicas de
exploração e expropriação do saber do trabalhador tendentes a enfraquecer sua
capacidade coletiva para proteger a saúde e para questionar as determinações
dos problemas e agravos à saúde.
Palavras-chave: intensificação do trabalho e saúde do trabalhador; Saúde do
Trabalhador; administração por estresse; sofrimento difuso; penosidade no
trabalho.
Abstract
Objective: to construct a conceptual definition of the work intensification process
and workers’ health as an object of study. Methods: the theoretical approach
is based on the historical materialism, which, in the field of Collective Health/
Worker’s Health, is expressed on the social determination of the health-disease
process. The discussion is grounded on the recent scientific knowledge production
on this issue, structured on two axes: work intensification, and work intensification
and workers’ health. Discussion: the analysis showed that labor intensification
is associated with exploitation practices, such as longer working hours, intense
work pace, management by stress and, at the same time, worker’s knowledge
expropriation by the management, i.e., expropriation of their physical, intellectual
and psychic capabilities. These processes determine a variety of health problems
and the manifestation of wearing down and diffuse suffering among workers.
Conceptually, the object “work intensification and workers’ health” can be
defined and studied in the exploitation specific practices and worker’s knowledge
expropriation, tending to weaken their collective ability to protect health and
question the determination of health problems.
Keywords: work intensification and workers’ health; Workers’ Health; management
by stress; diffuse suffering; penibility at work.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
Introdução
O processo de intensificação do trabalho em curso
nas últimas décadas é um fenômeno global, abrange
inúmeras categorias profissionais, em diversos países
e setores produtivos de bens e de serviços privados
ou públicos. Como problemática contemporânea, a
intensificação do trabalho e saúde do trabalhador
emerge enquanto um problema científico das condições
históricas do desenvolvimento capitalista, a partir da
crise dos anos 1970, período em que as mudanças no
processo de trabalho geraram uma acentuada piora das
condições de trabalho vivenciadas pelos trabalhadores
nos EUA e na Europa.
Nos EUA, o debate da intensificação do trabalho
está relacionado à implantação na indústria do sistema
Toyota de produção, criticamente denominado de
Management by Stress – administração por estresse
(PARKER; SLAUGHTER, 1995). O estresse emerge
como instrumento gerencial para manter a pressão
permanente sobre os operários e elevar a produtividade.
Na Europa, o estudo da intensificação, inclusive
apoiado nos inquéritos estatísticos sobre as condições
de trabalho a partir da percepção dos trabalhadores,
destaca múltiplos aspectos relacionados ao processo
de trabalho, à organização sindical e à saúde dos
trabalhadores (ASKENAZY et al., 2006).
No Brasil, intensificação do trabalho implicada na
saúde do trabalhador ainda não constitui um objeto de
estudo na Saúde Coletiva. Apenas mais recentemente
essa questão emerge como um problema de pesquisa.
Registram-se duas importantes iniciativas: o seminário
“O processo de intensificação do trabalho sob diferentes
olhares”, organizado pela Fundação Jorge Duprat
Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho
(Fundacentro), em maio de 2009, e a mesa redonda
“Intensificação do trabalho e saúde”, realizada pela
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET),
em outubro de 2009.
Dado esse contexto, esta pesquisa tem por objetivo
construir uma definição conceitual para o processo
intensificação do trabalho e saúde do trabalhador
enquanto objeto de estudo capaz de delimitar os
contornos e os traços por meio dos quais esse objeto
se expressa como dimensão particular do processo
de trabalho e saúde.
na direção da maior complexidade, ou seja, a reflexão
evolui da intensificação do trabalho situada no modo de
produção capitalista (nível mais elevado de abstração
ou das determinações mais gerais) para a intensificação
do trabalho e saúde situada nos processos históricos
reais de uma formação econômica social (nível mais
baixo de abstração, com a incorporação de um número
maior de determinações relativamente a um objeto
de estudo).
A discussão se apoia na recente produção de
conhecimento científico sobre essa problemática.
Na literatura internacional tomamos como principal
fonte os estudos apresentados no seminário (mensal)
sobre intensificação do trabalho organizado pelo
Centre d’études de l’emploi da França, em Paris, de
fevereiro de 2000 a janeiro de 2002, reunidos no livro
Organisation et intensité du travail (ASKENAZY et al.,
2006). A partir desses trabalhos, selecionamos outros
títulos por referência cruzada. Na literatura nacional
foram escolhidos estudos a partir do campo da Saúde
Coletiva/Saúde do Trabalhador, dado o nosso interesse
em demarcar a particularidade da intensificação do
trabalho e saúde na problemática da determinação
social do processo saúde-doença dos trabalhadores
no Brasil.
O desenvolvimento do estudo está organizado da
seguinte forma: apresentamos um panorama do debate
da intensificação do trabalho e saúde dos trabalhadores.
Em seguida, analisamos a intensificação do trabalho
considerando o processo de trabalho capitalista em
seu conjunto, como uma unidade entre a produção
imediata e a circulação do capital, com destaque para
algumas de suas características contemporâneas. Na
seção seguinte, discutimos a intensificação do trabalho
na determinação social do processo saúde-doença
dos trabalhadores, problematizando alguns limites
da abordagem desgaste-reprodução. Por último, nas
considerações finais, apresentamos uma síntese da
definição conceitual para intensificação do trabalho
e saúde do trabalhador.
Um panorama do debate da intensificação do trabalho e saúde dos trabalhadores
Método
Um primeiro aspecto envolvido na definição
da intensificação do trabalho é a necessidade de
sua diferenciação da produtividade do trabalho, da
intensidade do trabalho e do prolongamento do trabalho.
O quadro teórico-conceitual aqui apresentado
sustenta-se no materialismo histórico que, na Saúde
Coletiva, encontra sua expressão na determinação
social do processo saúde-doença. Nossa exposição,
na esteira de Marx (1984a), encaminha o pensamento
De acordo com Barisi (2006), a produtividade
representa a capacidade de um determinado trabalho,
dotado de intensidade definida, produzir uma
quantidade de valor de uso em uma unidade de tempo.
Intensidade do trabalho corresponde ao dispêndio de
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
151
energia física, mental e psíquica do trabalhador pela
realização da atividade em dada unidade de tempo.
Para esse mesmo autor, intensificação do trabalho
consiste no aumento da intensidade do trabalho, um
entendimento comum a outros autores (DAL ROSSO,
2008; FERNEX, 1998).
A definição de intensificação como aumento da
intensidade do trabalho é sintetizada por Dal Rosso
(2008, p. 197) pela expressão “mais trabalho”. O
autor invoca Marx (1984a) e argumenta que com a
intensificação se obtém uma maior quantidade e/ou
uma melhor qualidade dos resultados do trabalho
com maior dispêndio de energia do trabalhador
no mesmo tempo. Diferentemente, no aumento da
produtividade se obtém mais resultados do trabalho
com igual dispêndio de energia, no mesmo tempo, e
no prolongamento da jornada de trabalho se produzem
mais resultados do trabalho com maior dispêndio de
energia decorrente da extensão da jornada.
Contudo, para Marx (1984a), “mais trabalho”
significa mais-valia e representa o trabalho não
pago apropriado pelos capitalistas no processo de
produção independentemente das modalidades de sua
obtenção, a saber: intensificação, produtividade ou
prolongamento. Quer dizer, “mais trabalho” representa
a característica comum ao processo de exploração do
trabalhador no capitalismo e, portanto, não assinala
a particularidade da intensificação nesse processo.
Definida como aumento do grau de intensidade
do trabalho e como maior dispêndio de energia, a
intensificação é caracterizada na literatura como um
fenômeno puramente biológico ou biopsíquico, então
pressuposto em todas as épocas sociais. Perde-se, assim,
a dimensão histórica e a forma social particular, tanto
do processo de exploração do trabalhador pelo capital
e, nesse, da intensificação, quanto do processo saúdedoença dos trabalhadores, assim como a determinação
social e histórica do segundo pelo primeiro.
Por conseguinte, isoladamente, a análise quantitativa
é insuficiente para caracterização da intensificação do
trabalho. Para Davezies (2007) e Hatzfeld (2004), o foco
principal da análise deve se dirigir às transformações
qualitativas do trabalho. Segundo Davezies (2007), o
processo de intensificação do trabalho tende a reduzir
a capacidade de o trabalhador manter todos os critérios
relativos à qualidade do produto/serviço e à qualidade
do trabalho em termos do desempenho profissional:
de um lado, pode aumentar o risco de acidentes; de
outro, pode afetar a identidade do trabalhador manifesto
em sentimento de desgosto ou fracasso pessoal com
risco para desencadear adoecimento.
Hatzfeld (2004) assinala tendências conflitantes
quanto à carga de trabalho: as melhorias das condições
ergonômicas reduziram o esforço muscular; entretanto,
a diminuição do tempo de ciclo (o tempo para realização
152
de uma ou mais operações em um dado posto de
trabalho) aumentou o constrangimento para o trabalhador
ganhar tempo para si pela autointensificação. O mais
importante, ressalta Hatzfeld (2004), é o processo de
decomposição cada vez mais refinado de cada tarefa (de
suas operações, ações e gestos elementares) alcançado
pela gerência ao expropriar/apropriar o “saber prático”
do trabalhador, isto é, as capacidades físicas, psíquicas
e intelectuais do trabalhador. Expropriação/apropriação
é entendida como processo contínuo de assimilação do
aprendizado coletivo dos trabalhadores pela gerência
para vencer a resistência e obter a mobilização operária
no processo de trabalho. É esse processo que permite
reduzir o tempo de ciclo, fragmentar as operações e
ampliar o trabalho repetitivo.
Além disso, a intensificação do trabalho também é
pensada como referência a uma diversidade de elementos
do processo de trabalho, tais como: a reorganização do
tempo de trabalho (QUÉINNEC; BARTHE; VERDIER,
2000), o ritmo de trabalho (GOLLAC; VOLKOFF,
2007), as exigências de polivalência (GORGEU;
MATHIEU; PIALOUX, 2006), a gestão por performance
(desempenho) do trabalhador (BÁRTOLI; ROCCA,
2006). Esses aspectos serão retomados na próxima
seção, inseridos na discussão e caracterização da
intensificação do trabalho como dimensão particular
do processo de exploração e expropriação do saber
do trabalhador.
No que se refere à saúde do trabalhador, uma
acepção positiva para o trabalho intenso aparece em
Clot (2006, p. 315): “[...] um trabalho mais ‘intenso’,
fonte de investimentos psíquicos renovados, de reflexão,
mobilizador e produtor de sentido é frequentemente
um recurso para a saúde”. No entanto, mesmo o
autoinvestimento gratificante do trabalhador pode
compreender um sofrimento mental. O próprio Clot
(2006, p. 317) apreende essa situação ao indicar uma
dissociação crescente entre a “intensificação do real
do trabalho” e a “intensificação do trabalho realizado”.
Trata-se da distinção pela clínica da atividade entre
“real da atividade” e “atividade realizada”. No âmbito
da primeira se encontra a atividade não realizada,
restringida ou cerceada, que não desaparece da
perspectiva do trabalhador, pois requisita uma intensa
mobilização psíquica que pode ocasionar adoecimento.
A acepção de trabalho intenso como fonte de
sofrimento e agravos à saúde dos trabalhadores é
predominante na literatura. Davezies (2007, p. 32) se
refere a um “tripé sintomático da intensificação do
trabalho”: a) a impossibilidade de manter um trabalho
de boa qualidade; b) o assédio moral ou os conflitos
entre os próprios trabalhadores; e c) os múltiplos
danos à saúde (acidentes, a invasão do trabalho na
vida pessoal, Lesões por Esforços Repetitivos – LER
e os transtornos psíquicos).
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
Mais recentemente, o estudo da intensificação
parece se dirigir à temática das penosidades no
trabalho. Segundo Linhart (2011), a penosidade
emerge da impossibilidade de o trabalhador lidar e
acompanhar as seguidas evoluções que redefinem
os contextos de trabalho. Para os trabalhadores, as
mudanças mantêm um estado de insegurança e de
dependência da empresa e obstruem a possibilidade
para vivenciar reflexivamente suas experiências no
trabalho. Trata-se da tentativa empreendida pela
gerência de evitar que se reconstituam coletivos
próprios dos trabalhadores, potencial para ações de
resistência e de contestação dos assalariados.
No Brasil, pode-se dizer que, a rigor, intensificação
do trabalho e saúde ainda não constitui um objeto de
pesquisa na Saúde Coletiva/Saúde do Trabalhador,
muito embora alguns de seus aspectos apareçam entre
os resultados de estudos nessa área.
O intenso ritmo de trabalho é o aspecto mais
destacado pelos estudos entre os trabalhadores da
indústria, especialmente por sua associação aos
distúrbios músculo-esqueléticos decorrentes da situação
de trabalho com altas demandas psicológicas e baixo
controle (FERNANDES; ASSUNÇÃO; CARVALHO,
2010). No corte mecanizado da cana-de-açúcar,
segundo Scopinho et al. (1999), o intenso ritmo de
trabalho e as longas jornadas aparecem combinados
ao trabalho noturno e em turno de revezamento
associados às queixas de doenças relacionadas ao
sistema cardiovascular e gastrointestinal, como
também aos acidentes de trabalho de maior gravidade.
No corte manual, o pagamento por produção está na
determinação das mortes por excesso de trabalho
dos cortadores de cana do Complexo Agroindustrial
Canavieiro (ALVES, 2006).
Entre os professores, segundo Assunção e Oliveira
(2009), o trabalho intenso conforma um sofrimento
relacionado a um conflito entre as expectativas por fazer
bem o trabalho e as exigências de regras que restringem
o tempo, aumentam o volume e a sobreposição de
tarefas, além de sua maior complexidade. Esse contexto
“[...] teria levado [o professor] a ultrapassar ou a deixar
de reconhecer o seu próprio limite” (ASSUNÇÃO;
OLIVEIRA, 2009, p. 363) e pode explicar o cansaço
físico, vocal e mental do docente e o afastamento
por doença, especialmente a alta prevalência de
transtornos psíquicos.
Da pesquisa de Melo (2007) entre os trabalhadores de
serviços de tecnologias da informação e comunicação,
algumas dimensões da intensificação do trabalho
relacionada ao desgaste mental aparecem como achados
e não como ponto de partida, tais como: o aumento do
ritmo de trabalho, a exigência de disponibilidade e a
realização simultânea de várias atividades implicadas
na ampliação da jornada. A força desses resultados faz
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
a autora ressaltar a relevância em tratar a intensificação
como objeto de pesquisa na Saúde do Trabalhador,
isto é, como “[...] a questão que se deveria inquirir
com maior consistência, especialmente do ponto de
vista dos determinantes e condicionantes das relações
trabalho-saúde e do desgaste mental” (MELO, 2007,
p. 213-214).
Como vimos, no Brasil, a carência de estudos em
que o tema da intensificação do trabalho e saúde
aparece como objeto específico de investigação se
opõe à abundância de estudos em que seus resultados
se aproximam ou estão implicados a alguns de seus
possíveis contornos. A questão é que esses resultados são
tomados como dados quando se trata de problematizálos enquanto objeto de pesquisa.
Além disso, a dificuldade em tratar a intensificação
do trabalho e saúde enquanto um objeto de estudo está
justamente em sua complexidade: nenhum elemento do
processo de trabalho parece escapar à intensificação.
Tanto mais, pela pluralidade de problemas de saúde
implicados na intensificação do trabalho. Portanto,
abordar a intensificação do trabalho e saúde como um
objeto de pesquisa estruturado requer sua delimitação
conceitual, de modo a torná-lo compreensível à luz
dos diferentes aspectos relacionados ao processo de
trabalho e saúde.
Intensificação do trabalho como dimensão particular da exploração e da
expropriação do saber do trabalhador
Nesta seção vamos avançar na definição da
particularidade da intensificação do trabalho implicada
ao processo de trabalho capitalista. Intensificação
pressupõe aumento da intensidade do trabalho mas
sua definição não é redutível a esse aumento; o que se
destaca é o processo pelo qual se obtém esse aumento
em uma determinada situação concreta.
No capitalismo, o processo de trabalho representa
o próprio processo de exploração do trabalho.
Intensificação do trabalho constitui uma dimensão
social particular da exploração, distinta da força
produtiva (produtividade) e do prolongamento da
jornada de trabalho. Com base em Marx (1984a, b),
consideramos cada uma dessas modalidades em relação
ao fundamento da exploração, a saber, a mais-valia.
Os resultados do processo de trabalho são produtosvalor, esses possuem, além de utilidade social, valor
e, além de valor, mais-valia. A mais-valia caracteriza o
modo específico segundo o qual, no próprio processo
de trabalho, o capitalista constrange o trabalhador e
realiza o consumo produtivo de sua capacidade de
trabalho de modo a gerar um valor maior do que o
valor da força de trabalho.
153
No prolongamento da jornada de trabalho, a extração
e a ampliação da mais-valia decorrem da incorporação
de um maior quantum de trabalho pelo aumento da
grandeza extensiva da jornada expresso no aumento do
produto-valor global. Na força produtiva aumentada,
mantida a mesma jornada, o mesmo quantum de
trabalho proporciona o aumento da mais-valia pela
contração absoluta e relativa do valor da força de
trabalho, isto é, do tempo de trabalho socialmente
necessário para produção dos meios de subsistência
para a reprodução do trabalhador. Aqui, uma parte
maior da mais-valia é extraída do mesmo produtovalor global em razão da redução do valor da força
de trabalho. Diferentemente, na intensificação do
trabalho, o aumento da mais-valia resulta da obtenção
de um maior quantum de trabalho no mesmo intervalo
de tempo pela ampliação do produto-valor global e
manutenção do valor absoluto da força de trabalho.
A intensificação representa uma dimensão particular
da exploração relativa à grandeza intensiva do trabalho
e assinala a tendência à redução da porosidade da
jornada.
A metáfora da porosidade dá a ideia simultaneamente física/abstrata, e biopsíquica/concreta, de
que a jornada de trabalho tem densidade, compreende continuidades/descontinuidades e também
aberturas/fechamentos: por meio dos “poros” o trabalhador “respira na ação”, no tempo em que trabalha, torna-o mais ou menos denso. (PINA; STOTZ,
2011, p. 171)
No entanto, diversas formas de aumentar a extração
de mais-valia pela obtenção de um maior quantum de
trabalho no mesmo intervalo de tempo seriam possíveis
de se combinarem, constituírem e funcionarem. Esse é
outro aspecto que limita a definição de intensificação
do trabalho apenas como aumento da intensidade, pois
não se pode deduzir o processo de seu funcionamento
apenas por suas características formais.
Assim como fez Marx (1984b, p. 34), é necessário
perguntar “como o trabalho é intensificado”? O autor
caracterizou a intensificação no processo contraditório
e histórico em que se desenvolve e se transforma a
produção capitalista. A luta dos trabalhadores pela
redução da jornada e a legislação fabril impeliram
o capital a acelerar o desenvolvimento das forças
produtivas e a intensificação do trabalho.
O aperfeiçoamento da maquinaria se desenvolve
destruindo o antigo trabalho manufatureiro, bem
como o trabalho artesanal. A intensificação emerge
como um processo histórico correlato à superação do
fundamento da divisão do trabalho manufatureiro, a
saber, a expropriação técnica e social do conhecimento
exclusivo do trabalhador no manejo de suas habilidades
e ferramentas específicas, o que representava a
dependência do capital em relação ao trabalhador
coletivo combinado, constituído por muitos trabalhadores
154
parciais. Trata-se, da instituição da dinâmica tendente a
ampliar a subordinação do trabalhador pelas exigências
de aprendizado/reaprendizado e de sua adaptação
ao movimento contínuo e acelerado dos meios e dos
métodos de produção.
A regulação social da jornada não impede a exploração
do trabalhador pelo capital, mas impulsiona sua
metamorfose. Isso sugere o entendimento da legislação
do trabalho, simultaneamente, como obstáculo e como
elemento motor da transformação do processo de
exploração, na qual se insere a intensificação, sendo
o segundo seu aspecto tendencialmente dominante.
Até aqui, a discussão da intensificação em relação
à extração da mais-valia considerou apenas o processo
de produção imediato. A seguir, a intensificação será
considerada em relação à taxa de lucro (relação entre
a massa de mais-valia e dado capital global) e o estudo
amplia-se para o processo de trabalho de conjunto,
ou seja, deve pressupor a unidade entre a produção
imediata e a circulação do capital (MARX, 1984c).
Marx (1984c) mostrou como o movimento do capital
se desenvolve de modo contraditório: de um lado, o
aumento da força produtiva do trabalho impulsiona
a elevação do grau de exploração do trabalhador e
com isso da taxa média de lucro e, de outro, com
a sucessiva reaplicação do capital, tende, de modo
contrário, a influir na queda da taxa de lucro. Isso em
razão da elevação da composição orgânica do capital,
isto é, o aumento do capital constante (valor global dos
meios de produção) relativamente ao capital variável
(valor global da força de trabalho). E justamente o
prolongamento e a intensificação do trabalho são
modalidades que aumentam a exploração e atenuam
os efeitos da tendência à queda da taxa de lucro.
Dessa perspectiva, esboçamos algumas práticas de
intensificação do trabalho como dimensão particular
da exploração e expropriação do saber do trabalhador
nas condições históricas pós-crise dos anos 1970.
Historicamente, a redução da jornada esteve e ainda
está acompanhada de injunções para intensificar o
trabalho. Nas últimas décadas, os efeitos positivos da
redução da jornada são questionados pela adoção de
modalidades de flexibilização ou de fragmentação do
tempo de trabalho (QUÉINNEC; BARTHE; VERDIER,
2000). Por exemplo, no Brasil, o instrumento legal da
compensação de horas (conhecido como banco de
horas) pelo período de 12 meses possibilitou promover
o prolongamento da jornada e, simultaneamente, a
intensificação do trabalho (PINA; STOTZ, 2011).
Quer dizer, ao mesmo tempo em que representa
uma dimensão particular da exploração relativa à
grandeza extensiva do trabalho, portanto, distinta da
intensificação, o prolongamento da jornada também
pode ser considerado uma forma de intensificar o
trabalho.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
Quéinnec, Barthe e Verdier (2000) também apontaram
outras práticas de reorganização do tempo de trabalho
implicadas ao processo de intensificação, dentre as
quais: a extensão do número de horas por turno de
trabalho (por exemplo, com a mudança de turma do
trabalhador) e a dissociação dos tempos dos homens
dos períodos de operação das máquinas, por meio da
extensão da produção em tempo integral aos sábados,
domingos e feriados e em horários noturnos. Nos
dois casos, o prolongamento viabiliza a continuidade
das operações sem interromper o fluxo produtivo e,
com isso, mantém elevado o ritmo de trabalho pela
redução ou eliminação dos intervalos (“poros”) intra
e interturnos na virada do turno de trabalho.
Entre as novas características da intensificação,
Gollac e Volkoff (2007) destacam o crescimento do
número de trabalhadores submetidos a elevado ritmo
de trabalho pela combinação simultânea de exigência
industrial, em que o ritmo de trabalho depende de um
equipamento automático ou de normas ou de prazos
de produção de, no máximo, um dia, e de exigência
comercial, em que o ritmo de trabalho depende da
demanda.
Os estudos de Pina (2012) e de Hatzfeld (2004),
apoiados em dados empíricos, indicam que a
caracterização do ritmo de trabalho como intenso
independe da demanda. Contudo a combinação
entre exigência industrial e exigência comercial pode
agravar a intensificação do trabalho, uma vez que as
flutuações da demanda também atuam na variação do
grau em que se processa o intenso ritmo de trabalho,
sendo decisivo observar o desenvolvimento concreto
da acumulação capitalista. Como assinala Pina
(2012), para o caso do processo de trabalho no setor
de veículos pesados da indústria automobilística no
Brasil, na última década, o crescimento da produção
de commodities agrícolas e minerais e a expansão do
crédito impulsionaram e, especialmente, alteraram o
perfil da demanda na direção da maior participação dos
modelos de caminhões pesados e superpesados. Isso
acentuou o grau de intensificação do trabalho tanto
pela ampliação do prolongamento da jornada, com
dias adicionais de trabalho aos sábados, domingos e
feriados, quanto pela maior frequência da fabricação e
montagem de peças maiores, portanto, com exigências
de maior esforço contra a gravidade e postura forçada
em situação de constrangimento temporal.
Além disso, o estoque mínimo e o número reduzido
de trabalhadores tornam o fluxo de produção mais
tenso, com a redução do tempo de ciclo da produção/
circulação. Essa maior tensão é a base objetiva em que
se processam práticas gerenciais de expropriação do
conhecimento do trabalhador implicadas na redução
do tempo de ciclo, por exemplo, por meio da interação
entre os trabalhadores na forma do trabalho em
equipe (CIPOLLA, 2005). De acordo com esse autor,
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
parte das funções de supervisão dos trabalhadores,
antes concentradas na gerência, emerge e se encontra
disseminada no interior do próprio grupo, tais como:
acompanhamento do sistema de metas (volume,
qualidade, custos) e a gestão de folgas, férias ou
outro tipo de absenteísmo. Tarefas de supervisão
emanadas do grupo que confrontam a resistência do
trabalhador individual e, ao mesmo tempo, solicitam
sua mobilização de modo contínuo e intenso.
O fluxo tenso da produção também é a base material
para a emergência do estresse como instrumento de
administração das empresas. A administração por
estresse, segundo Parker e Slaughter (1995), tem
por objetivo assegurar a manutenção permanente da
pressão em todos os pontos e momentos do processo
de produção, para que os “problemas” do sistema
produtivo tornem-se imediatamente visíveis para
a gerência superior. Isso, além de tentar evitar ou
reduzir as “folgas” que os trabalhadores conseguem
criar para si na jornada, permite à gerência descobrir
os pontos considerados “gargalos” e desenvolver mais
rapidamente possíveis inovações, reduzir custos e
perdas ao criar pressão adicional sobre os trabalhadores
para sua correção.
Para Gorgeu, Mathieu e Pialoux (2006), o uso
intensivo do trabalho se manifesta na exigência de
“polivalência”. Entretanto, na administração por
estresse, em lugar de “polivalência”, seria melhor
falar em rotação ou revezamento de tarefas e postos
de trabalho, assim mesmo, dentro de certos limites.
A rotação é adotada como treinamento suficiente
para reorganizar tarefas e postos, especialmente para
dificultar o trabalhador a reter para si conhecimentos
de seu posto. A rotação de tarefas se conecta ao uso
intensivo da força de trabalho, na medida em que
permite a mobilidade interna do trabalhador pelos
setores da empresa.
A administração por estresse está integrada por
uma gestão por performance (BÁRTOLI; ROCCA,
2006), a saber: a mobilização das competências, a
gestão por objetivos e a avaliação do trabalhador.
Como instrumento gerencial, o estresse solicita a
mobilização do trabalhador para disponibilizar sua
experiência. Esse procedimento é significativo para a
avaliação das competências do trabalhador, centrada
mais nos meios por ele mobilizados para realizar as
atividades do que propriamente nos resultados.
Pode-se dizer que a administração por estresse
atualiza a “administração científica” ao enfrentar uma
questão central à prática gerencial, a saber: expropriar
o conhecimento do trabalhador e empreender sua
ativa mobilização no processo de trabalho. Para Taylor
(1966, p. 134-36), isso representaria a “publicização”
do saber-fazer do trabalhador e a conquista pela
gerência do “empenho criador” e da “verdadeira
155
iniciativa do operário”, subsumidos na base técnica
e organizacional da empresa.
Entretanto, a mobilização subjetiva do trabalhador
não é simples efeito derivado da cadeia automática,
nem tampouco dos métodos de administração por
estresse. Trata-se, mais amplamente, das condições
históricas, políticas, jurídicas e ideológicas da correlação
de forças entre capital e trabalho, que se expressam
concretamente na empresa. Em consequência, pode-se
pensar situações nas quais o trabalhador, individual ou
coletivamente, confronta a intensificação do trabalho.
Para Linhart (2007), nas condições históricas da
empresa taylorista-fordista, a existência de coletivos
informais de trabalhadores possibilitou a abertura para
a ajuda mútua, a solidariedade, o compartilhamento de
valores com conotação sindical, política ou profissional
vinculados a uma experiência comum. Esses coletivos
escapavam das prescrições e estabeleceram outras
regras e formas de fazer. Segundo Linhart (2007, p.
102), isso caracterizou uma “participação paradoxal”
dos trabalhadores, uma vez que esses coletivos
viabilizavam a eficácia produtiva e, ao mesmo tempo,
mantinham uma desconfiança da empresa.
Diferentemente, a administração por estresse
empreende um esforço na direção da “[...] prescrição
da subjetividade individual e coletiva dos assalariados”
(LINHART, 2007, p. 121), na tentativa de suprimir dos
trabalhadores o direito ao distanciamento em relação à
racionalidade, à norma e à cultura da empresa. O foco
recai mais nos objetivos a atingir, nas exigências de
disponibilidade e na mobilização das competências do
trabalhador do que na prescrição da tarefa (BÁRTOLI;
ROCCA, 2006).
Assim, a intensificação do trabalho se caracteriza
pelo sistemático confronto às iniciativas individuais
e coletivas dos trabalhadores que, de algum modo,
representem uma base de resistência efetiva ou potencial
à adesão do trabalhador na empresa. Isso tende a
despojar a proteção dos danos à saúde e, principalmente,
a despojar a capacidade de determinado coletivo de
trabalhadores para questionar a determinação social
dos agravos à sua saúde.
Intensificação do trabalho na determinação do processo saúde-doença dos
trabalhadores
Como vimos, o processo de intensificação do
trabalho corresponde a uma dimensão particular da
exploração do trabalhador, processo contraditório
e histórico de obtenção de um maior quantum de
trabalho em dado período de tempo que se efetiva
pela expropriação do conhecimento (experiência)
do trabalhador no processo de trabalho. Nesta seção
156
procuramos caracterizar o processo de intensificação
do trabalho e saúde na problemática da determinação
social do processo saúde-doença dos trabalhadores
implicado no processo de trabalho (BREILH, 2010).
Comecemos pela contribuição de Laurell e Noriega
(1989) ao estudar o processo de trabalho como um
modo específico de se trabalhar e de se desgastar no
âmbito da reprodução social de dada coletividade
de trabalhadores. O conceito de desgaste está
referido ao processo de exploração do trabalhador,
por conseguinte podemos aproximar os sentidos de
desgaste e intensificação do trabalho.
A abordagem do desgaste-reprodução denomina de
carga de trabalho os elementos que “[...] interatuam
dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador”
(LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 110) e sintetizam a
mediação entre o processo de trabalho e o desgaste do
trabalhador. Ainda segundo os autores, desgaste é “[...]
entendido como a perda da capacidade potencial e/
ou efetiva corporal e psíquica” (LAURELL; NORIEGA,
1989, p. 110). O desgaste pode ou não se manifestar em
patologia e não se refere necessariamente a processos
irreversíveis.
Os elementos implicados no processo de intensificação
do trabalho podem ser concebidos por meio da noção
de exigências apresentada por Noriega (1993), com
as ressalvas indicadas a seguir. Esse autor utiliza
exigências para designar os elementos derivados
da organização do trabalho e a noção de riscos para
designar os elementos derivados dos objetos e dos
meios de trabalho, ambas, em substituição à carga
de trabalho.
Mas, ao estabelecer a distinção entre riscos e
exigências, Noriega (1993) repõe o procedimento
analítico de identificar e examinar isoladamente os
elementos derivados da organização do trabalho e
dos objetos e dos meios de trabalho, sem estabelecer
suas implicações. Diferentemente dele, sem limitar
sua referência à organização do trabalho e reinserir a
noção de risco, preservamos o significado mais amplo
de exigências, entendidas como os requerimentos
impostos aos trabalhadores, derivados dos elementos
do processo de trabalho de conjunto, particularmente
da intensificação do trabalho, como caracterizados
na seção anterior, a exemplo do ritmo de trabalho,
do prolongamento da jornada e da administração
por estresse.
Além disso, embora abandone a denominação
carga de trabalho, em Noriega (1993) a noção de
exigência ainda mantém o mesmo problema teóricometodológico presente em Laurell e Noriega (1989).
Ou seja, especialmente no que se refere às cargas
psíquicas, os autores admitem que
[...] se pode suportar altos ritmos de trabalho sem
maiores problemas enquanto a tarefa permite a
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
tomada de decisões, mas quando, pelo contrário,
ela está esvaziada de um conteúdo significativo,
torna-se estressante. (LAURELL; NORIEGA, 1989,
p. 113-14)
Essa possibilidade corresponderia ao denominado
“trabalho ativo” do modelo Demanda-Controle (D-C)
(KARASEK; THEORELL, 1990), inclusive considerado
por Garfield (1983) por sua associação negativa com
as doenças coronarianas.
O modelo D-C emerge e se difunde como resposta
à mobilização política dos trabalhadores, nos anos
1960-70, com questionamentos das relações entre
trabalho e saúde. O modelo compreende duas
dimensões básicas: demanda psicológica e controle,
todavia concebidas, cada qual, de forma isolada uma
da outra. Tal procedimento nubla a relação entre ambas
e de ambas com o processo de trabalho de conjunto.
Pelo modelo D-C, quanto mais o trabalhador
utiliza suas habilidades, tanto maior seria sua
latitude de decisão (controle) no trabalho. Contudo,
não necessariamente esses elementos caminham no
mesmo sentido. O trabalho na linha de montagem,
por exemplo, embora de baixa latitude de decisão,
requer muita habilidade (LACOMBLEZ; VÉZINA,
2008). No trabalho em equipe, a gerência transfere ao
grupo a decisão quanto à distribuição e à realização
das tarefas. No entanto, ainda segundo Lacomblez e
Vézina (2008), isso pode implicar em aumento das
tarefas e dos constrangimentos para cada trabalhador
do grupo e, assim, em maior estresse.
O “trabalho ativo” do modelo D-C pode muito
bem retratar o perfil de trabalhador preconizado pela
administração por estresse (PINA; STOTZ, 2011).
Podemos dizer, com base em Breilh (2010), que esse
modelo está situado no âmbito dos “determinantes sociais
da saúde”, uma vez que sua estruturação repousa nos
marcos teóricos da sociologia funcionalista, portanto,
diferentemente da “determinação social da saúde”,
que tem seu fundamento nas classes sociais em luta,
concretizadas nas relações de exploração/resistência
dos trabalhadores nas formações sociais capitalistas.
Também aqui nos distanciamos da noção de trabalho
alienado, definido por Garfield (1983) como a perda
do controle do trabalhador em relação ao produto,
ao processo de trabalho e aos demais trabalhadores,
pois ela desconsidera o papel ativo das representações
na prática dos indivíduos e das classes sociais. A
mobilização do trabalhador na realização do trabalho
se efetiva por meio de uma construção positiva e não
se reduz ao constrangimento externo ou à ausência
(ou presença) de controle.
Subjacente à noção de alienação, as representações
do trabalhador são entendidas como mero reflexo da
realidade, como ilusória ou como “falsa consciência”.
A reversão da alienação, um passo para a “verdadeira
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
consciência”, se daria pelo aumento do controle do
processo de trabalho pelo trabalhador, por meio de
sua participação na empresa capitalista, considerada
uma forma embrionária na linha evolutiva em direção
ao socialismo (GARFIELD, 1983).
Para não limitar a discussão da intensificação do
trabalho e saúde a uma eventual dimensão cognitiva
sobre a falsa ou verdadeira representação da realidade
pelo trabalhador, devemos adentrar o campo das
ideologias. Com base em Toledo (2003), ideologia
é definida pelos efeitos ou pelo papel ativo que as
práticas sociais, conscientes ou não, dos indivíduos e
dos agentes sociais em luta assumem na mobilização do
trabalhador para legitimar ou questionar a exploração/
expropriação do seu trabalho.
Portanto, estamos diante de um campo de disputas
e de lutas, política, ideológica e sanitária, implicado
na organização/desorganização dos coletivos próprios
dos trabalhadores que integram os processos que
determinam, respectivamente, seu perfil protetor e
seu perfil destrutivo de saúde.
Isso porque o processo de intensificação do trabalho e
saúde dos trabalhadores põe em destaque, de acordo com
Berlinguer (1988), a doença como um sinal, individual
e coletivo, ora reprimido ora ignorado ora distorcido ou,
ainda, ora parcialmente reconhecido. Para esse autor,
a debilidade da ação coletiva contribui para ocultar e
distorcer o sinal da doença. O ocultamento do sinal
é favorecido por relações políticas, jurídicas e pelo
precário domínio do conhecimento sobre determinado
processo de adoecimento entre os trabalhadores. A
distorção do sinal se manifesta quando a doença não
pode mais ser ocultada por sua gravidade, frequência
e simultaneidade dos casos e, por isso, abre-se um
período de atribuir-lhe causas estranhas às situações
de trabalho ou a sua determinação social.
Mais amplamente, não apenas as doenças
como também os diversos problemas de saúde dos
trabalhadores constituem processo de desgaste, um
conceito integrador para o campo da saúde mental
e trabalho (SELIGMANN-SILVA, 1994). Para essa
autora, o desgaste do trabalhador compreenderia três
dimensões: a primeira, em termos orgânicos, decorrente
dos acidentes de trabalho ou da ação de substâncias
tóxicas; uma segunda, pela fadiga crônica; a terceira,
pelo desgaste da esperança, que afeta a identidade
do trabalhador, atinge seus valores e crenças e pode
ferir sua dignidade.
Cabe salientar que a identidade do trabalhador
deve ser considerada no âmbito da história: projetos,
valores e crenças são passíveis de orientar a vida
do trabalhador, por exemplo, na direção de sua
identificação afetiva com a empresa e podem servir
para legitimar práticas desencadeadoras de danos à
sua saúde. Portanto, o questionamento coletivo de
valores e crenças relativos à racionalidade da empresa
pode assumir uma conotação distinta do desgaste
157
da esperança, pois pode permitir aos trabalhadores
considerarem o contexto de trabalho pela maior
proteção à saúde (PINA, 2012).
Além disso, persiste a dificuldade relacionada à
carência de indicadores para captar as manifestações
do desgaste que se antecipem ao dano à saúde, uma vez
que, na maioria das vezes, o desgaste é inespecífico e
não se expressa de forma direta. Na tentativa de suprir
essa dificuldade, recorremos à noção de sofrimento
difuso, de acordo com Fonseca (2007), expresso por meio
de queixas inespecíficas e sintomas bastante variados
quanto à forma, magnitude, tempo e espaço em que se
manifestam e são percebidos pelos trabalhadores, mas
dificilmente enquadradas pela nosologia da clínica
médica ou pela classificação psiquiátrica clássica.
Fonseca (2007) identifica outras nomeações que
traduzem ideias semelhantes ao sofrimento difuso, em
especial os chamados “transtornos mentais comuns” e o
“código dos nervos”. Os “transtornos mentais comuns”
podem reunir múltiplos sintomas, tais como: insônia,
irritabilidade, nervosismo, dores de cabeça, fadiga,
esquecimento, falta de concentração. No “código dos
nervos” as fronteiras entre corpo e mente são mais
difusas e não estão bem definidas. As perturbações
e as queixas dos trabalhadores corresponderiam a
uma representação simultânea de sintomas físicos
e não físicos.
Assim, ressaltamos a relevância de se refletir sobre
o modo como os trabalhadores percebem o processo
de intensificação do trabalho e suas implicações na
saúde. As categorias de pensamento dos trabalhadores,
segundo Lopes (1978), colocam em aberto algumas
possibilidades: maior adesão ao discurso gerencial,
formas abertas de confronto contra o capital e as que
expressam formas ambíguas entre adesão e resistência,
essa última predominante sobre as anteriores.
Trata-se de outra importante questão teóricometodológica, qual seja: o lugar da experiência
operária na investigação. Apesar da experiência dos
trabalhadores, segundo Laurell e Noriega (1989, p.
310), constituir uma fonte de conhecimento válida
para construção do perfil patológico da coletividade
de trabalhadores, os autores dão um passo atrás em
relação ao Modelo Operário Italiano quando afirmam
ser “[...] útil completá-la e reforçá-la [por meio de]
uma comprovação de cunho científico tradicional,
ou seja, no caso da saúde, quantitativa”. A validade
e o reconhecimento da experiência operária ficam
subordinados à lógica e ao referencial da “ciência”,
ou melhor, das teorias e métodos dominantes nesse
campo.
A questão é bem mais ampla e não se reduz à
denominação similar dos agravos à saúde dos trabalhadores
empreendida pelas teorias dominantes sobre trabalho
158
e saúde e pela experiência dos trabalhadores. Como
ilustra Sato (1996), ao estabelecer as diferenças entre
o que a literatura e o conhecimento dos trabalhadores
identificam como trabalho penoso:
[...] embora ambos focalizem os mesmos tipos de
problemas de saúde – incômodo, sofrimento e esforço –, no caso do conhecimento do trabalhador, o
que nucleia o conceito, ou seja, o cerne do problema, é o controle, que remete justamente à relação
dos trabalhadores com os contextos de trabalho,
não se reduzindo a penosidade apenas à presença
desses problemas e sim à condição de sujeito na relação de trabalho, onde o incômodo, o sofrimento e
o esforço estão presentes. (SATO, 1996, p. 492)
Devido às implicações da noção de controle na
literatura, como apontada acima na referência ao
modelo D-C, o que a autora nomeia como “controle”
ou a “condição de sujeito” seria mais pertinente
designar como a capacidade coletiva do trabalhador
para proteger sua saúde e, principalmente, para
questionar as condições de determinação dos problemas
e dos agravos à saúde. Também consideramos que
a penosidade precisa ser pensada na dimensão do
coletivo, inclusive quando se refere à ação individual.
Como assinala Clot (2010), a perda, a ausência ou
o enfraquecimento da dimensão coletiva na ação
individual pode ser o fundamento da maioria das
experiências de penosidade no trabalho atualmente
suportadas pelos trabalhadores.
Essas ponderações permitem entender a complexidade
da intensificação do trabalho e saúde do trabalhador
como objeto de estudo na Saúde Coletiva/Saúde do
Trabalhador, a saber, não reduzi-lo à identificação de
resultados em termos de desgaste, fadiga, acidentes ou
doenças produzidas pela intensificação do trabalho.
Por conseguinte, ressaltamos dois aspectos para o
estudo da intensificação do trabalho e saúde do
trabalhador: o primeiro, as práticas de exploração e
expropriação do saber (experiência), concretizadas em
exigências de intensificação do trabalho, confrontam
a capacidade coletiva do trabalhador para agir em
direção contrária à racionalidade, à cultura e ao poder
da gestão na empresa. Cabe, portanto, observar essa
dinâmica, sobretudo a percepção, mais ou menos
difusa, de perda, enfraquecimento ou ausência do
coletivo, dadas suas implicações para os problemas
e agravos à saúde. O segundo aspecto a observar
é a produção de um tipo de desgaste mental (que
mereceria talvez uma denominação específica) devido
à própria percepção de perda, enfraquecimento
ou ausência do coletivo. Ou seja, a percepção da
impotência para enfrentar as exigências gerenciais,
por si só, e não apenas suas consequências deletérias
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 150-160, 2014
à saúde, está a desencadear múltiplas manifestações
de sofrimento difuso.
Considerações finais
Neste estudo propusemos elaborar uma definição
conceitual para o processo intensificação do trabalho
e saúde do trabalhador enquanto objeto de estudo no
campo da Saúde Coletiva, especificamente na área de
Saúde do Trabalhador. Vimos que intensificação do
trabalho e saúde do trabalhador como objeto de estudo
está demarcado por sua complexidade: de um lado,
nenhum elemento do processo de trabalho parece
escapar à intensificação do trabalho e, de outro, pela
pluralidade de problemas e agravos à saúde implicados
na intensificação do trabalho.
No desenvolvimento do estudo situamos a
problemática da intensificação do trabalho e saúde do
trabalhador no ponto central da determinação social do
processo saúde-doença dos trabalhadores implicado ao
processo de trabalho. De modo sintético, intensificação
do trabalho é entendida como uma dimensão social
particular da exploração do trabalhador, resultado e
processo histórico de obtenção de um maior quantum
de trabalho por unidade de tempo, que se efetiva pela
expropriação do conhecimento técnico e social do
trabalhador no processo de trabalho. Tal conhecimento é
condição básica de proteção da saúde dos trabalhadores.
Conceitualmente, o objeto intensificação do trabalho
e saúde do trabalhador pode ser definido e estudado
nas práticas específicas de exploração/expropriação
tendentes a enfraquecer a capacidade coletiva do
trabalhador, para proteger sua saúde e, principalmente,
para questionar as determinações dos problemas e
dos agravos à sua saúde.
Acreditamos que este estudo contribui para o
conhecimento científico do processo de trabalho e
saúde por estabelecer a conexão lógica e histórica
da intensificação do trabalho e saúde do trabalhador,
inclusive por trazer subsídios à elaboração de futuras
pesquisas empíricas para abordar essa temática a
partir da percepção dos trabalhadores.
Contribuições de autoria
PINA, J. A.: responsável pela definição do marco teórico, planejamento, realização da pesquisa e pela
redação do artigo. STOTZ, E. N.: participou da orientação geral da pesquisa, contribuiu na estruturação e na
revisão do manuscrito.
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Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000077113
Andrezza Graziella Veríssimo Pontes 1,2
Artigo
Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental:
potencialidades e desafios da articulação entre
universidade, SUS e movimentos sociais
Raquel Maria Rigotto 2
Occupational Health and Environmental Health: potentials and
challenges of the relationship between the university, the
Brazilian Health System and social movements
1
Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte, Faculdade de Enfermagem,
Grupo de Pesquisa Marcos Teóricos
Metodológicos Reorientadores da
Educação e do Trabalho em Saúde,
Mossoró, RN, Brasil.
2
Universidade Federal do Ceará,
Departamento de Saúde Comunitária,
Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e
Saúde - TRAMAS, Fortaleza, CE, Brasil.
Contato
Andrezza Graziella Veríssimo Pontes
E-mail:
[email protected]
Este trabalho foi apresentado no X
Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva,
em Porto Alegre, em 2012 e publicado
nos anais na forma de resumo.
Artigo elaborado com base na
dissertação de mestrado em Saúde
Pública de Andrezza Graziella Veríssimo
Pontes intitulada Saúde do Trabalhador
e Saúde Ambiental: articulando
Universidade, SUS e Movimentos Sociais em
território rural, defendida em 2012 na
Universidade Federal do Ceará.
As autoras declaram não haver conflitos
de interesse e que o trabalho não foi
subvencionado.
Recebido: 23/04/2013
Revisado: 28/04/2014
Aprovado: 29/04/2014
Resumo
Objetivo: analisar dificuldades e potencialidades da articulação entre universidade,
Sistema Único de Saúde (SUS) e movimentos sociais para fomentar a incorporação
de abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental nessas
instâncias. Métodos: pesquisa-ação realizada em território rural do Nordeste
brasileiro, com grupo de atores ligados ao SUS, à universidade e a movimentos
sociais. Desenvolveram-se estudos em campo, entrevistas semiestruturadas,
oficinas e seminários. Resultados: a articulação proposta mostrou-se relevante e
potencializada pela oportunidade de diálogo interdisciplinar e intersetorial e de
troca de experiências que contribuíram para: a identificação das relações entre
produção-trabalho-ambiente-saúde e das necessidades de saúde que envolvem
trabalho e ambiente em território rural; a construção coletiva de um plano de ação
para intervir sobre a realidade estudada; a ressignificação do trabalho acadêmico
e em saúde; e a desconstrução de mitos da ideologia do desenvolvimento junto
aos atores sociais envolvidos. Identificaram-se como atores relevantes professores
que desenvolvem pensamento crítico, movimentos sociais autônomos e agentes
comunitários de saúde. Conclusão: a articulação entre universidade, SUS e
movimentos sociais mostrou ser um caminho potencial para o fortalecimento
da práxis da Saúde do Trabalhador e Ambiental.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador; Saúde Ambiental; Sistema Único de
Saúde; participação social; instituições de ensino superior.
Abstract
Objective: to analyze the difficulties and potentials of articulation between the
University, the Unified Health System (SUS) and social movements in order to
promote the incorporation of integrated approach to Occupational Health and
Environmental Health in these instances. Methods: action research conducted
in the rural area of northeastern Brazil with a group of actors linked to the SUS,
the University and social movements. Field studies, semi-structured interviews,
workshops and thematic seminars were carried out. Results: the proposed articulation
has proved to be relevant and enhanced by the opportunity for interdisciplinary
and intersectoral dialogue, as well as by the exchange of experiences, which
contributed to the identification of relationships between production-workenvironment-health and health needs that involve work and environment in
rural territory; the collective construction of an action plan aiming to intervene
in this reality; the redefinition of academic and health work; and to deconstruct
the myths of the development ideology facing the social actors involved. Professors
who develop critical thinking, autonomous social movements and community
health workers were identified as relevant actors. Conclusion: The articulation
between university, SUS and social movements is a potential way to strengthen
the practice of Occupational and Environmental Health.
Keywords: Occupational Health; Environmental Health; Unified Health System;
social participation; higher education institutions.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
161
Introdução
As relações dos processos produtivos com os
territórios em que se inserem frequentemente trazem
implicações tanto para a saúde de trabalhadores
diretamente envolvidos como para o ambiente e as
comunidades do entorno ou mais distantes e geram
novas necessidades de saúde, pautadas no âmbito
da Saúde Coletiva. Isso aponta para a importância
da aproximação entre Saúde do Trabalhador e
Saúde Ambiental (PORTO, 2005; RIGOTTO, 2003;
TAMBELLINI; CÂMARA, 1998), construídas até
agora como campos disciplinares distintos e objetos
de políticas públicas específicas.
Como possibilidade de promover a saúde do
trabalhador e a sustentabilidade/equidade socioambiental,
o Sistema Único de Saúde (SUS) e a universidade estão
desafiados a incorporar uma abordagem articulada
entre Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental,
com base nas categorias teóricas produção, trabalho,
ambiente e saúde e na análise de suas inter-relações
(PONTES, 2012). A Política Nacional de Saúde do
Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) (BRASIL,
2012) reconhece que essas categorias são indissociáveis,
o que significa que a saúde dos trabalhadores e da
população geral está intrinsecamente relacionada às
formas de produção e consumo e de exploração dos
bens naturais e aos seus impactos no ambiente, nele
compreendido o do trabalho.
Desde a Constituição Federal de 1988 é competência
do Sistema Único de Saúde executar ações de
saúde do trabalhador e colaborar para a proteção do
meio ambiente (BRASIL, 2013). A partir de então,
instrumentos normativos, sobretudo no campo da
Saúde do Trabalhador, vêm sendo lançados com o
objetivo de regulamentar a implementação da saúde
do trabalhador e ambiental no SUS. Esse sistema, para
garantir a atenção integral aos trabalhadores, deve
transcender uma abordagem individual e curativa,
propondo abordagens interdisciplinares, intersetoriais
e de fortalecimento da sociedade, na perspectiva da
promoção da saúde do trabalhador (LOURENÇO;
BERTANI, 2007). Entretanto, apesar do avanço legal,
as implicações para a saúde, o trabalho e o ambiente
decorrentes dos processos de produção não estão
claras para os profissionais do sistema de saúde
(PESSOA, 2010; EVANGELISTA et al., 2011), o que
dificulta o reconhecimento das necessidades de saúde
relacionadas a processos produtivos e ambientais.
Nesse sentido, a universidade, enquanto espaço de
formação dos trabalhadores do SUS e de produção de
conhecimento em Saúde do Trabalhador e Ambiental,
tem o desafio de realizar ensino, pesquisa e extensão
sobre bases teóricas e metodológicas que permitam
a inserção dessa abordagem integrada. Afinal, “[...]
162
o ensino em saúde guarda o mandato público de
formar segundo as necessidades sociais por saúde
da população e do sistema de saúde [...]” (CECCIM;
FEUERWERKER, 2004, p. 47).
A compreensão dessa abordagem requer marco teórico
consistente, interdisciplinaridade e intersetorialidade,
de modo que é fundamental o saber dos trabalhadores
(LACAZ, 2007) e de movimentos sociais implicados
com questões que envolvem trabalho, saúde e ambiente
(BRASIL, 2012), como se observa:
[...] a construção e a implementação da Política Nacional de Saúde Ambiental devem se dar a partir
de uma ampla articulação com diversos segmentos, em especial com os movimentos sociais [...]
(BRASIL, 2007, p. 19)
Para Pessoa e Rigotto (2012, p. 75), “[...] avançar
no diálogo dos serviços de saúde com movimentos
sociais e trabalhadores pode aproximar a compreensão
das necessidades de saúde dos trabalhadores”.
Portanto, a universidade, o SUS e os movimentos
sociais são atores diretamente implicados com a Saúde
do Trabalhador e Ambiental. Para que o Sistema
Único de Saúde efetive práticas em consonância com
seu aporte teórico-legal, carece de trabalhadores de
saúde formados para esse fim, função desempenhada
por ele e pela universidade. Essa, além da formação,
é responsável pela produção de conhecimento que
deverá, entre outros intuitos, subsidiar as práticas
dos serviços de saúde desse sistema e atender as
necessidades sociais da população. Essa formação
e produção de conhecimento, quando partem de
demandas de movimentos sociais, de trabalhadores
e de comunidades, e quando são realizadas com/para
eles, podem ser potencializadas e lhes voltar como
estratégias de fortalecimento dos sujeitos na busca
por seus direitos. Nesse sentido, este artigo tem como
objetivo analisar as dificuldades e potencialidades da
articulação entre universidade, SUS e movimentos
sociais para fomentar a incorporação de abordagem
integrada entre Saúde do Trabalhador e Saúde
Ambiental nessas instâncias.
Metodologia
Pesquisa de natureza qualitativa (MINAYO, 2010)
cujo desenho de estudo foi a pesquisa-ação, definida
como
[...] um tipo de pesquisa social com base empírica
que é concebida e realizada em estreita associação
com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo e no qual os pesquisadores e participantes
representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo e colaborativo [...]
(THIOLLENT, 2008, p. 16)
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
A pesquisa-ação encontra um contexto favorável
quando pesquisadores elegem investigações nas quais
as pessoas implicadas tenham algo a dizer e a fazer
e quando pretendem desempenhar um papel ativo
na própria realidade dos fatos observados. Porém
se salienta que ela não se limita apenas à ação ou à
participação; é necessário produzir conhecimentos,
adquirir experiência, contribuir para a discussão, ou
fazer avançar o debate acerca das questões abordadas
(THIOLLENT, 2008). Nesta pesquisa, sujeitos do
SUS, da universidade e dos movimentos sociais
estiveram juntos, em processo de construção coletiva,
para pensar e agir na transformação da realidade de
grupos vulnerabilizados, e tiveram como base uma
abordagem articulada entre Saúde do Trabalhador e
Saúde Ambiental.
O local de estudo foi o território rural de um município
do Nordeste brasileiro constituído por 45 comunidades
rurais, que totalizavam 1.649 famílias residentes. A
rede pública municipal de serviços do SUS estava
distribuída em um Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), um hospital regional, um centro de saúde
e seis equipes do Programa Saúde da Família (PSF):
quatro na zona rural e duas na urbana. Apresentava
uma sociedade civil rural bastante organizada, com
participação ativa na vida política. Destacavam-se o
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais,
o Fórum dos Agricultores Familiares (DANTAS et al.,
2007) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) na luta
pela reforma agrária em âmbito regional.
O território rural estudado vivenciava um conflito
socioambiental caracterizado por um contexto de
resistência de movimentos sociais e camponeses que
praticavam agricultura familiar de base agroecológica
à instalação de um Projeto de Irrigação. Os perímetros
irrigados são áreas delimitadas pelo Estado para
implantação de projetos públicos de agricultura
irrigada que, em geral, possuem significativo potencial
agricultável, caracterizado por solos férteis, presença
hídrica, clima favorável, abundante força de trabalho
e por infraestrutura implementada que, entre outros
elementos, comporta canais e piscinas de irrigação
(PONTES et al., 2012).
Esses perímetros públicos vêm contribuindo
para uma dupla desterritorialização dos agricultores
familiares, pelo fato de parte dos desapropriados não
receberem lotes e serem expulsos de suas áreas e pela
imposição do modelo de produção aos agricultores
familiares com base no paradigma da revolução verde,
o qual, atualmente, é protagonizado pelo agronegócio
(DINIZ, 2002). Estudos demonstram as consequências
do agronegócio para o trabalho, o ambiente e a
saúde, tais como: a concentração de terras e os
deslocamentos compulsórios da população; a violência;
o comprometimento da segurança alimentar; mudanças
nas práticas sociais e laços de vida comunitária;
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
imposição de novos hábitos culturais; mudanças na
dinâmica de cidades vizinhas, com a formação de
“favelas” rurais; uso intensivo de novas tecnologias de
mecanização e de insumos (fertilizantes e agrotóxicos);
relações e condições de trabalho precarizadas com
baixa remuneração, descumprimento da legislação
trabalhista, intensificação do trabalho, exposição a
situações de risco à saúde; redução da biodiversidade
e dos serviços ambientais; degradação do solo pela
monocultura e risco de desertificação; elevado consumo
de água; contaminação do ar e de águas superficiais e
subterrâneas por fertilizantes e agrotóxicos; exposição
dos trabalhadores e das comunidades do entorno das
fazendas à contaminação pelos agrotóxicos utilizados
de forma intensiva (RIGOTTO; TEIXEIRA, 2009).
Dentro desse contexto, o grupo da pesquisa-ação
constituiu-se com pessoas da universidade, do SUS
e dos movimentos sociais. Os critérios de seleção
desses sujeitos foram: da universidade, ser docente
das universidades públicas mais próximas do local
de estudo e de áreas com ligação direta ou indireta
com a temática, como Enfermagem, Medicina,
Biologia, Ciências Sociais, Serviço Social, Geografia,
Pedagogia, Direito e Agronomia; do SUS, trabalhadores
da rede de serviços do sistema público de saúde do
município de estudo, como de equipes de Programa
Saúde da Família, de vigilância à saúde, de hospital
e da coordenação de PSF, e das instâncias de saúde
do trabalhador (Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador – Cerest regional – e Núcleo Regional de
Saúde do Trabalhador – NURSAT) que tivessem o local
de estudo como área de abrangência; dos movimentos
sociais, os que estivessem interessados e/ou envolvidos
com a questão rural no território abordado.
Na fase exploratória, com o intuito de identificar
a viabilidade da pesquisa-ação, foram realizadas
visitas de aproximação com o território do estudo e
pesquisa documental sobre ele, feitos contatos com
potenciais participantes, apresentações do projeto de
pesquisa às instituições, para identificar o interesse
e pessoas para participar do grupo de pesquisa-ação.
Tais elementos possibilitaram a constituição do grupo
de pesquisa, composto por: seis agentes comunitários
de saúde (ACS) de uma equipe de PSF da zona rural,
dois trabalhadores do CEREST, dois dirigentes do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, um membro
da CPT e um professor universitário do curso de
Agronomia, totalizando 12 participantes. Registra-se
que, em atendimento à Resolução 466 do Conselho
Nacional de Saúde, esta pesquisa foi submetida à
avaliação do Comitê de Ética na Pesquisa (COMEP)
da Universidade Federal do Ceará e aprovada sob
Protocolo n. 244/11.
Os trabalhos do grupo de pesquisa ocorreram
em três meses, com realização de seis encontros
163
Quadro 1 Descrição dos passos, técnicas e instrumentos de pesquisa
Encontro
Técnica de pesquisa
1º
Oficina
Roteiro norteador
Objetivou formar o grupo de pesquisa, com apresentação dos
participantes, exposição de motivos e expectativas, bem como
pactuação de cronograma, atividades e compromissos.
2º
Estudo em campo
Entrevistas
semiestruturadas
Roteiro norteador de
territorialização em saúde,
incluindo questões de produção,
trabalho, ambiente e saúde.
Consistiu numa visita do grupo a outro município para troca de
experiências com território já transformado pelo agronegócio.
Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com
moradores, momentos de discussão com professores e extrabalhadores do agronegócio e visita in locu ao entorno de
empresas e a comunidades atingidas pelo processo produtivo.
3º
Estudo em campo
Roteiro norteador de
territorialização em saúde,
incluindo questões de produção,
trabalho, ambiente e saúde.
Realização de estudos em campo no território investigado
na pesquisa, com visita in locu e momento de discussão com
comunidades rurais residentes sobre suas condições de vida,
trabalho, ambiente e saúde.
4º
Oficina
Roteiro norteador de
territorialização em saúde,
incluindo questões de produção,
trabalho, ambiente e saúde.
Discussão no grupo de pesquisa dos estudos em campo e
sistematização das informações, para que cada integrante
compartilhasse sua visão e pudesse compreender e caracterizar
as inter-relações entre produção, trabalho, ambiente e saúde no
território rural estudado.
5º
Oficina
Roteiro norteador para
identificação das necessidades
de saúde das comunidades
rurais estudadas.
Identificação, pelo grupo de pesquisa, das necessidades de saúde
das comunidades rurais estudadas.
Seminário
Temas norteadores.
Seminário em que cada ator do grupo de pesquisa descreveu
suas atribuições e ações no campo da Saúde do Trabalhador e
Ambiental.
Oficina
Roteiro norteador para a
construção do Plano de Ação.
Oficina de construção coletiva do Plano de Ação para contribuir
com a Saúde do Trabalhador e Ambiental a partir do contexto de
produção, trabalho, ambiente e saúde e das necessidades de saúde
identificadas.
6º
Instrumento de pesquisa
Descrição
Roteiro norteador com questões Avaliação coletiva do processo da pesquisa.
de avaliação da pesquisa.
quinzenais, que duraram, em média, oito horas cada
um, conforme descrição do Quadro 1.
Todos esses encontros foram gravados e transcritos,
e resultaram em 180 páginas impressas em espaçamento
simples, que consistiram no material de análise. A
partir de leituras sucessivas, identificaram-se quatro
macrocategorias analíticas: a constituição do grupo de
pesquisa; as relações produção-trabalho-ambiente-saúde
no território rural estudado; as necessidades de saúde de
comunidades rurais; e a articulação entre universidade,
SUS e movimentos sociais para incorporação de uma
abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador
e Ambiental. Para analisar os resultados referentes
a essa última categoria analítica, foco deste artigo,
agruparam-se as falas nela classificadas visando dialogar
com o referencial teórico construído, na perspectiva
de realizar um movimento de articulação das partes
para o todo e do todo para as partes, identificando
contradições, conflitos e mediações (KOSIK, 1976). A
partir disso, evidenciaram-se duas categorias analíticas:
dificuldades e potencialidades para a incorporação de
164
abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador e
Saúde Ambiental pela universidade, SUS e movimentos
sociais; e os limites e potencialidades da articulação
entre universidade, SUS e movimentos sociais para
uma abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador
e Saúde Ambiental.
Resultados e discussão
Dificuldades e potencialidades para a incorporação
de abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador
e Saúde Ambiental pela universidade, SUS e movimentos sociais
A possibilidade de incorporar abordagem integrada
entre Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental não
está dada entre todos os sujeitos dos segmentos sociais
analisados. A pesquisa evidenciou que, na universidade,
os sujeitos com potencial são os professores, sobretudo
os que desenvolvem um pensamento crítico; no SUS,
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
sobressaem os ACS; e, nos movimentos sociais, aqueles
que são críticos e autônomos e que estão diretamente
envolvidos com populações impactadas por processos
produtivos e/ou grandes empreendimentos.
O caráter contraditório da educação – de
possibilitar tanto a manutenção da ordem social
vigente, ocultando as contradições sociais por meio
de discursos dissimuladores da realidade, como sua
descoberta por parte dos dominados, pela apropriação
coletiva do saber revelador do real, permitindo que
as contradições sejam percebidas e pondo em perigo
o saber oficial (JESUS, 1989) – coloca a importância
do professor na universidade. Isso porque seus ideais,
sua visão de mundo, as correntes teóricas, filosóficas
e metodológicas e o tipo de ciência aos quais se filia
repercutem em sua prática acadêmica de ensino, pesquisa
e extensão. Em outras palavras, o docente possui e/
ou constrói certa autonomia didático-pedagógica e,
como diz Tonet (2005), a todo instante está fazendo
escolhas fundadas, consciente ou inconscientemente,
em valores. Na pesquisa, constatou-se que o professor
situado no segundo caso, ou seja, que desenvolve um
pensamento crítico e possibilita a desocultação da
ordem vigente, tem maior potencial de incorporar essa
abordagem. Trata-se de uma decisão ética e política,
que pode estar relacionada à história pessoal de
cada docente, às oportunidades de acesso a autores e
grupos com perspectiva crítica, à coragem de assumir
determinadas posturas, à articulação com movimentos
sociais, entre outros fatores. O grupo de pesquisa
frisou essas questões:
Quando a gente vê a preocupação da universi dade,
não são nem todos os professores, são alguns. De
mil, talvez, se tire 50 ou 70 professores que tenham
o interesse de estar fazendo isso com os movimentos sociais. Em qualquer universidade, depende dos
professores que estão dando a disciplina. (ACS)
Entretanto, esses professores enfrentam uma
série de dificuldades no campo científico, já que
esse é um espaço de poder no qual se encontram em
disputa interesses que podem ser complementares
ou antagônicos (BOURDIEU, 2000), premidos pela
força do capital, que tenta impor a lógica de sua
reprodução (TONET, 2005). Essa assimetria de poder
se expressa concretamente no restrito apoio da gestão
às iniciativas de docentes filiados a correntes mais
críticas; no reducionismo de uma visão da totalidade,
resultante da fragmentação da ciência em diferentes
campos disciplinares isolados; no pouco incentivo
a pesquisas que dialoguem com as demandas de
conhecimento dos grupos sociais vulnerabilizados;
no distanciamento entre as atividades acadêmicas
e a realidade de vida e trabalho da população; na
criminalização de pesquisadores cujos estudos
explicitem resultados que evidenciem impactos
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
negativos de processos produtivos para o trabalho, o
ambiente e a saúde.
De acordo com Pereira e Lages (2013), historicamente
a formação de trabalhadores de saúde tem sido marcada
por um modelo educacional centrado no professor,
nas metodologias bancárias e na estrutura curricular
baseada em disciplinas, evidenciando a fragmentação e
a especialização do conhecimento. Esse modelo forma
técnicos competentes mas pouco comprometidos
com as políticas públicas de saúde. Trabalhadores
da saúde com essa formação, em geral, mostram-se
carentes de uma visão crítica da sociedade e da saúde,
desconhecedores do SUS, resistentes às mudanças e que
tendem a defender o status quo vigente, distanciados do
conhecimento crítico em relação a aspectos políticos,
sociais e culturais estruturantes do marco teórico da
determinação social da saúde (ALMEIDA FILHO,
2013). Para um ensino superior em saúde coerente
com o SUS, pensado e construído a partir da reforma
sanitária brasileira, é preciso que, além da competência
técnica, os sujeitos egressos tenham a oportunidade
do engajamento político, do questionamento dos
problemas da ordem social vigente, da compreensão
das contradições e da viabilização da construção de
uma práxis histórica de reestruturação social a partir
de sua atuação profissional. É fundamental, portanto,
uma formação em saúde orientada por uma pedagogia
contra-hegemônica para pensar e agir no sentido da
transformação social (PEREIRA; LAGES, 2013). A
formação em saúde do trabalhador e ambiental deve
estar inserida nesse contexto da formação para o SUS
e esse cenário reforça a importância do professor, na
universidade, e de suas escolhas teóricas, metodológicas
e ideológicas nesse processo.
No que se refere ao SUS, percebeu-se que há uma
contradição que dificulta a incorporação dessa abordagem:
o paradoxo do Estado, que, enquanto sistema público
de saúde, é responsável por garantir o direito à saúde
e, como condutor do modelo de desenvolvimento,
é indutor de processos produtivos que ameaçam os
direitos das populações nos territórios atingidos.
Também é relevante o contexto de precarização do
trabalho dos profissionais do SUS. Na Estratégia Saúde
da Família (ESF), isso se caracteriza seja pelas formas
de contratação, que geram restrições à autonomia e
alta rotatividade entre as equipes, o que compromete o
vínculo com o território; seja pelas relações de trabalho,
que acabam por fomentar a procura, por parte dos
trabalhadores, em especial, médicos e odontólogos, de
outros empregos, limitando sua presença no serviço a
apenas algumas vezes por semana. Outra dificuldade
é a conivência da gestão do sistema com esse cenário,
no qual se acrescentam as condições de trabalho
precárias pela falta de infraestrutura, de recursos
materiais e de trabalhadores. Identificaram-se ainda
os limites da formação dos trabalhadores do PSF e de
165
profissionais do CEREST no que toca às questões do
trabalho e do ambiente. Esse resultado é semelhante
ao da pesquisa de Pessoa (2010), a qual evidenciou
que as implicações sociais, culturais e ambientais
decorrentes dos processos de produção que alteram o
estado de saúde não estão claras para os trabalhadores
da saúde. Isso coloca para a universidade e para o SUS
o desafio de inserir adequadamente essa abordagem
no ensino dos cursos de graduação e pós-graduação,
na pesquisa e na extensão da área da Saúde, e na
educação permanente em Saúde, como identificado
estrategicamente na PNSTT (BRASIL, 2012).
Com relação ao CEREST, embora tenha estado
presente em toda a pesquisa, notou-se que sua atuação
foi tímida diante de sua atribuição central de oferecer
apoio matricial, como retaguarda técnica especializada,
a toda a rede SUS. São realizadas algumas ações
embasadas nas abordagenss da Saúde Ocupacional e
da Medicina do Trabalho, que se distinguem da opção
do SUS pela Saúde do Trabalhador, sem articulação
com a Saúde Ambiental, e com restrição da atuação
do órgão aos trabalhadores do setor formal. Ademais,
os representantes do CEREST demonstraram falta de
clareza sobre o papel da instituição, exemplificada
pela incipiência de ações de vigilância em saúde do
trabalhador, centrais em suas atribuições. Em parte,
isso está relacionado ao receio de entrar em conflito
com os gestores municipais, já que essas ações podem
interferir nos interesses econômicos e políticos
hegemônicos e refletir sobre a arrecadação do município
e o patrocínio de campanhas eleitorais (DIAS et al.,
2010). Focalizam-se as atividades nos protocolos de
atenção à saúde preconizados pelo Ministério da
Saúde que, embora importantes, por si somente não
dão conta da complexidade dos problemas de saúde
decorrentes dos processos produtivos na concretude
de cada território. Sofre-se também as implicações da
precarização do trabalho e dificuldades para atuar
em todos os municípios de sua área de abrangência.
Isso traz o desafio de repensar o papel do CEREST e
o perfil de seus trabalhadores, de modo a incorporar
a abordagem considerada neste artigo. Identificou-se
também a necessidade de se reconsiderar os critérios de
seleção e a formação dos trabalhadores que compõem
essa instância do SUS, ancorando-os no paradigma da
Saúde do Trabalhador, com base nos aportes teóricos
da Saúde Coletiva.
O agente comunitário de saúde destacou-se como
o ator do SUS com maior potencial para incorporar
a abordagem aqui tratada, provavelmente, pelo fato
de morar nas comunidades e vivenciar, em geral, as
mesmas dificuldades de vida, trabalho e saúde das
pessoas do território em que atua. O vínculo empregatício
estável, mediante concurso público, diferentemente
de outros trabalhadores do PSF, permite-lhe maior
autonomia de se envolver nos conflitos em curso no
território. A baixa rotatividade no trabalho aprofunda
166
o vínculo com a comunidade, embora os ACS não
estejam a salvo de sofrer pressões e represálias da
gestão pública ou mesmo dos agentes econômicos
que intervêm no território. Observou-se que, quando
estão inseridos no desafiante contexto histórico, social,
político e econômico das comunidades em que atuam,
esses atores têm mais possibilidades de incorporar
as questões de Saúde do Trabalhador e Ambiental
e de solidarizar-se com as mobilizações sociais que
envolvem diretamente o cotidiano de vida das famílias,
no caso estudado, em defesa da agricultura familiar
de base agroecológica. Os agentes comunitários de
saúde contribuíram intensamente na caracterização
dos cenários de produção, trabalho, ambiente e
saúde das comunidades rurais e na identificação das
necessidades de saúde, o que corroborou estudos,
como o de Silva, Dias e Ribeiro (2011), que apontam
o papel fundamental dos trabalhadores em questão
na Saúde do Trabalhador, no SUS. O fato de ser
um ator em potencial do Sistema Único de Saúde é
bastante positivo, mas é preciso destacar que o ACS,
de forma isolada, não tem condições de atender as
necessidades de saúde que envolvem trabalho e
ambiente. É preciso que todos os trabalhadores do
sistema incorporem isso. Entretanto, a fala a seguir é
elucidativa ao revelar o protagonismo dos ACS nesse
campo, ao lado do sentimento de desvalorização e de
isolamento desses sujeitos perante a equipe de PSF
e das dificuldades do sistema público de saúde em
trabalhar nessa perspectiva.
Quem está preocupado com a saúde do trabalhador
e do meio ambiente? Realmente, é o SUS? É, mas
são os agentes de saúde. Quando a coisa dá certo,
quem é que vai aparecer? É o SUS, é a Secretaria de
Saúde, mas os agentes não. Mas, quando a coisa dá
errada, são os agentes de saúde que são os culpados. Eu acho que é muito difícil para nós, do SUS.
Nós vamos tentar o que for do alcance dos agentes
de saúde da nossa equipe. Então, nós vamos fazer
a nossa parte. Nós vamos convidar a equipe para
participar? Vamos. Agora, terá momentos que vamos contar só com nós, agentes, e a comunidade. A
verdade é essa, então, a gente tem que ter coragem
para enfrentar [...] Porque nós somos funcionários,
nós podemos dizer que vamos participar. Agora
eles, que são contratados por quatro anos, eles são
de ano em ano que renovam o contrato, então, eles
não vão fazer. (ACS)
A fala acima revela ainda a ausência, no grupo
de pesquisa, embora tenham sido convidados, de
outros trabalhadores do SUS e de instâncias como o
NURSAT, que consiste em equipes técnicas em Saúde
do Trabalhador instaladas nas Unidades Regionais
de Saúde Pública (URSAP). O que fica como pano
de fundo é a precarização do trabalho na Estratégia
Saúde da Família, na qual enfermeiros, médicos
e odontólogos têm como vínculo, geralmente, um
contrato temporário de trabalho, o que permeia o
receio de perder o emprego. Isso lhes confere um
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
status de subordinação direta à gestão municipal, o que
proporciona uma falta de autonomia dos trabalhadores,
principalmente, para atuar em questões como essa
discutida na pesquisa, que dizem respeito à explicitação
de consequências de processos produtivos para a
saúde do trabalhador e ambiental. A atuação desses
profissionais, eventualmente, poderia desocultar o
que a gestão municipal pode querer esconder. É a
contradição do Estado expressa no SUS. O fato de
ter um vínculo permanente, ou seja, de o trabalhador
do PSF ser concursado, é trazido pelos ACS como
relevante para participar da problemática da Saúde
do Trabalhador e Ambiental, pois, assim, tem-se uma
maior autonomia, fruto da garantia de permanência
no emprego. Reforça-se que isso é importante, mas,
por si só, não garante a participação dos trabalhadores
do SUS nessas questões.
Com relação aos movimentos sociais, a dificuldade
encontrada foi a falta de conhecimento no que tange
à dimensão da saúde, seja a saúde do trabalhador, a
saúde ambiental e/ou ao SUS. De acordo com Cleps
Júnior (2011), os movimentos sociais em territórios
rurais no Brasil contemporâneo resistem e atuam
em vários espaços de luta cuja raiz é a resistência
contra o modelo de desenvolvimento capitalista,
relacionando-se principalmente aos problemas da
terra e da água, à política agrícola, à questão indígena,
às questões ambientais, aos Direitos Humanos, às
questões trabalhistas, às populações quilombolas e,
atualmente, aos embates contra as corporações do
agronegócio. Percebe-se então que esses movimentos
sociais já têm acúmulo de vivências, experiências, lutas e
mobilizações em torno de conflitos que envolvem questões
ambientais e trabalhistas decorrentes da instalação de
grandes empreendimentos e de processos produtivos
resultantes da expansão do capital em territórios
rurais. Talvez seja por isso e pela independência em
relação a vínculos empregatícios que, dos três atores,
os representantes dos movimentos sociais foram
os que estiveram mais à vontade em participar de
todo o processo da pesquisa. Evidenciou-se que eles
possuem facilidades em incorporar essa abordagem
integrada, como: maior autonomia em sua organização
e atuação; postura crítica em relação aos processos de
transformação em curso nos territórios; envolvimento
na luta contra os impactos de processos produtivos
e de grandes empreendimentos, como barragens,
hidrelétricas, projetos de irrigação; e o fato de pessoas
dos movimentos sociais residirem no território em
conflito socioambiental, vivenciando esse contexto.
Destacaram-se o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e
a CPT nas mobilizações sociais em defesa do homem
e da mulher rurais. Tudo isso reforça a importância da
participação de movimentos sociais na compreensão
das relações produção, trabalho, ambiente e saúde, já
que suas ações se inserem também nas problemáticas
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
de Saúde do Trabalhador e Ambiental e podem
contribuir para a intervenção sobre a realidade, em
defesa da saúde.
Articulação entre universidade, SUS e movimentos
sociais para uma abordagem integrada entre Saúde
do Trabalhador e Saúde Ambiental: limites e potencialidades
Abordam-se neste subitem, conforme sugere o
título, os limites e as potencialidades da articulação
entre universidade, SUS e movimentos sociais para
abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador e
Ambiental nessas instâncias. Para tanto, faz-se relevante
trazer o contexto de crise do capital globalizado: com
reestruturação produtiva, neoliberalismo, desemprego,
precarização do trabalho e culto ao individualismo e
subjetivismo (ANTUNES, 2009), que influenciam as
dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais
nas quais a vida se materializa.
Essa conjuntura penetra o espaço da universidade,
conformando algumas características que limitam
sua articulação com outros atores, como a crescente
hegemonia da ciência moderna positivista (SANTOS,
1989), com o culto a especialidades em detrimento
de uma visão da totalidade, o que contribui para uma
formação que prioriza a técnica em vez de uma visão
ética e política que, em geral, não descortina, não
provoca o pensamento crítico nos estudantes sobre
as desigualdades sociais e não os insere na realidade
da vida, não se articula com pessoas, comunidades,
trabalhadores, movimentos sociais. Somam-se ainda
a disputa de poder (BOURDIEU, 2000) no âmbito da
universidade; a lógica produtivista de agências de
fomento à pesquisa e pós-graduação (RIGOTTO et al.,
2012) e a precarização de trabalho nas universidades,
que afeta, sobretudo, os professores. Disso tudo resultam,
em geral, a intensificação de conteúdos fragmentados
e alienados, um processo educativo mais submetido
às regras do mercado e uma formação das pessoas
cada vez mais unilateral, deformada e empobrecida
(TONET, 2005). Sobre a área Saúde, Almeida Filho
(2013) coloca que no modelo de ensino hegemônico
nas universidades os currículos são fechados, com
tendência a serem menos interdisciplinares e mais
especializados, e quase não existe lugar para estudos
mais gerais, necessários para promover uma ampla
visão, pelos trabalhadores da saúde, no referencial
crítico da determinação social da saúde. Por outro
lado, a universidade também constitui-se como um
espaço de possibilidades; de desenvolvimento da
crítica a esse cenário; de produção de conhecimento
pautada na realidade e que possibilite contribuir com
a minimização das injustiças sociais; de formação
ética e política; de criatividade; de articulação entre
os saberes; de construção de uma nova ciência;
167
enfim, é um espaço no qual o pensamento crítico
também emerge e busca se fortalecer na perspectiva
da transformação social.
No SUS, o contexto estrutural faz com que o sistema
apresente algumas de suas singularidades como limitantes
para a articulação com a universidade e os movimentos
sociais. Destaca-se o caráter contraditório de ser parte
do Estado, submetendo-se aos interesses hegemônicos
do capital e ao projeto neoliberal, precarizando o
trabalho dos trabalhadores da saúde e fortalecendo
práticas clientelísticas, sobretudo, em municípios de
pequeno porte, cenário para o qual contribui a presença
de uma gestão deficiente. Somam-se a incipiência de
articulação intrassetorial, intersetorial e interdisciplinar
e, também, do trabalho em equipe. Contribui ainda
a hegemonia de uma formação em Saúde marcada
por abordagem biologicista, medicalizante e centrada
em procedimentos que sobrevalorizam a técnica, a
tecnologia dura, o hospital, o foco na doença, cuja atuação
ocorre em especialidades e com ênfase na assistência
(MIRANDA, 2010). Esses aspectos constituem, entre
outros, dificuldades para a organização do SUS e para a
satisfação das necessidades sociais da população. Apesar
disso, a ESF aparece como potencialidade, por estar
mais próxima dos territórios onde ocorrem os processos
de vida e trabalho das pessoas e, com isso, amplia-se
a possibilidade de vínculo entre os trabalhadores do
sistema de saúde e a população, além do que permite
o reconhecimento de potenciais parceiros do SUS em
busca da melhoria da saúde individual e coletiva, como
movimentos sociais, sindicatos, pastorais, lideranças
comunitárias, entre outros. Ainda, constituem elementos
que podem favorecer a articulação do SUS com outros
atores: o princípio da participação da comunidade, as
atividades de Educação em Saúde, ações de promoção
da saúde que requerem a intersetorialidade, o conceito
ampliado de saúde e o aporte teórico da Saúde Coletiva
para nortear o pensar/fazer em Saúde.
Quanto aos movimentos sociais, a dimensão
estrutural repercute em algumas questões que limitam
a articulação com outros atores. A globalização e
o projeto político econômico neoliberal afetaram
a política dos movimentos sociais. Por um lado, a
globalização trouxe outras possibilidades, como a
maior facilidade nos esforços para promover uma
política de democratização não territorial de questões
globais, e as novas tecnologias de comunicação,
como a internet, tornaram possíveis novas formas de
ativismo político à distância. Por outro lado, somada
ao neoliberalismo, intensificaram-se as desigualdades
sociais, redefiniram-se os terrenos político e cultural
nos quais os movimentos sociais lutam e parecem
terem se enfraquecido os movimentos populares e se
abalado as linguagens de protesto existentes. Nesse
contexto, a violência assumiu novas dimensões como
modeladora do social e do cultural em muitas regiões
(ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000). Ocorrem
168
outras formas de dominação social, cada vez mais
abstratas, impessoais, sutis e generalizantes. Uma
força estrutural que se apresenta alheia aos indivíduos
impõe modos de vida e de sociabilidade e se expressa
concretamente na economia, na política e na cultura
(CARVALHO, 2008). São tentativas do capitalismo de
desestabilizar a organização popular e sindical, o que,
em geral, provoca o comodismo das pessoas e gera
descrédito nos movimentos sociais. Acrescenta-se a
descrença no Estado, o que também se reflete no SUS
– no pouco conhecimento sobre o que é o sistema e
quais são os direitos dos usuários; e a violência em
torno dos conflitos e de ações de resistência. Contudo,
mesmo diante desse cenário, as ações de resistência
persistem e, como potencialidades para a articulação
dos movimentos sociais com a universidade e o Sistema
Único de Saúde, encontraram-se: o fato de esses
atores serem abertos ao diálogo e estarem em busca de
parcerias; a resistência, que requer um maior número
de aliados; a articulação política; as mobilizações; as
atividades educativas; a luta em defesa de direitos; a
procura por conhecimentos científicos críticos que
auxiliem na compreensão da realidade.
É interessante colocar que, em meio a esse cenário
contraditório de limites e possibilidades de cada ator
social para se relacionar com outros, evidenciou-se na
pesquisa-ação que a articulação entre universidade,
SUS e movimentos sociais é viável, apresenta muitas
potencialidades, mas não é tarefa fácil. É uma
construção que ocorre num contexto de tensões e
conflitos produzidos na sociedade capitalista.
A relevância dessa articulação foi potencializada,
especialmente, pelas oportunidades de diálogo
interdisciplinar e intersetorial no bojo da pesquisaação. Esse diálogo promoveu troca de experiências
que contribuiu para a construção coletiva de um
olhar crítico sobre o contexto das relações produçãotrabalho-ambiente-saúde no território investigado. Por
ser um objeto multifacetado, o estudo dessas relações,
corroborando Rigotto e Almeida (1998), requer a
necessidade de ser observado e vivenciado a partir do
“cruzamento” de distintos discursos disciplinares e
atores sociais diversos. Guimarães e Silva (2010) trazem
a importância da incorporação de uma perspectiva
de formação transdisciplinar nas ciências da saúde à
medida que diversas áreas do conhecimento podem
ter como ponto de convergência o enfoque na Saúde
Coletiva, buscando o rompimento com a lógica de
produção capitalista que coloca a saúde no rol das
mercadorias.
A partir da caracterização das relações produçãotrabalho-ambiente-saúde, os atores da universidade, do
SUS e dos movimentos sociais puderam, coletivamente,
identificar as necessidades de saúde e construir um
plano de ação na perspectiva de intervir de maneira
mais coerente sobre a realidade estudada. Isso sugere
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
que a abordagem das relações produção-trabalhoambiente-saúde tem poder de mobilização popular.
Pode-se dizer que, nessa articulação, foi possível
aproximar-se da ecologia de saberes proposta por
Santos (2010), em que cada ator, tanto universidade,
SUS e movimentos sociais, aprendeu e ensinou
também, e se desenvolveu um saber compartilhado
entre diferentes campos disciplinares, atores e setores,
num processo pedagógico de desocultação da ordem
vigente que contribuiu para a desconstrução dos
mitos da ideologia do desenvolvimento e para dar
visibilidade às necessidades de saúde que envolviam
questões de trabalho e ambiente. Os relatos a seguir
explicitam essas potencialidades.
A experiência foi bastante válida, porque movimento, universidade, a saúde, o SUS, o pessoal do PSF, a
gente sentar aqui para discutir, a gente vai, cada vez
mais, ganhando conhecimentos e é nesse conjunto
de atores que a gente vê que a gente tem que ter
uma consistência de trabalhar junto. Ter um trabalho interdisciplinar, que é que todo mundo fale a
mesma língua e que a gente possa trilhar por um
caminho que busque solução. Eu acho que é muito
válido esse momento de pesquisa. A pesquisa, ela
não está acabada, sabe? Ela não é uma coisa fechada; está sempre aberta para essas coisas e vai encontrar caminhos para serem trilhados. Esses dias
que a gente esteve reunido, trocando experiências,
foi muito importante. Cada um que sabia um pouquinho e foi juntando. (MOVIMENTOS SOCIAIS,
grifo nosso)
Eu tive um enorme prazer de contribuir, de aprender. Eu fui vendo coisas que eu nunca imaginava.
Eu aprendi mais, eu cresci, eu desenvolvi. Hoje eu
tenho mais segurança de falar. (ACS, grifo nosso)
A articulação entre universidade, SUS e movimentos sociais é possível, principalmente, porque nós,
aqui, estamos conseguindo isso. Possível e super
importante. Você ir às comunidades, convidar as
pessoas, convidar as organizações para estarem levantando suas necessidades, como foi colocado aí,
levantando essas necessidades e até construindo
um plano de ação para ser feito, são questões que
ainda se vê muito pouco na academia, principalmente, na minha área (Agronomia). Importantíssimo do ponto de vista da comunidade em geral e
para a academia também. Eu acho que a gente, da
universidade, tem essa responsabilidade de estar
fomentando isso dentro da universidade. (UNIVERSIDADE, grifo nosso)
Percebe-se nas falas acima que a articulação
possibilitou também o fortalecimento da capacidade/
potência argumentativa dos sujeitos, o que evidencia a
força pedagógica de uma pesquisa-ação, a qual foi vista
como um movimento vivo. Para alguns atores, como
ACS, CEREST e universidade, o diálogo interdisciplinar
e intersetorial promovido pela pesquisa permitiu
reconhecer a problemática da Saúde do Trabalhador
e Ambiental no território estudado; e, para outros,
como os movimentos sociais, esse processo afirmou o
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
problema que eles já vivenciavam. Assim, a pesquisa
contribuiu para o reconhecimento, afirmação e
ampliação da visão sobre o problema analisado e
possibilitou construir e visualizar a importância de
uma linguagem comum entre os atores. A pesquisaação apresenta potencial para desnudar problemas
relacionados à saúde do trabalhador e ambiental,
fortalece a relação entre universidade e serviço (SUS),
contribui para a efetivação do direito à saúde, para
a participação social e para a construção de novas
práticas em saúde (PESSOA et al., 2013).
A troca de experiências entre universidade, SUS
e movimentos sociais fez com que os representantes
dessas instâncias compartilhassem suas ações e,
assim, foi possível cada um reconhecer as facilidades e
dificuldades de outros atores. Por exemplo, possibilitouse ao PSF compartilhar com os demais participantes
da pesquisa as ações que realiza e, ao mesmo tempo,
as dificuldades impostas pela precarização do
trabalho que enfrenta. Nesse contexto de troca, deu-se
visibilidade aos movimentos sociais e se observaram
um fortalecimento da resistência e a contribuição
dessa para a proteção à saúde, prevenção de doenças
e promoção da saúde. Todas essas potencialidades da
articulação entre universidade, SUS e movimentos sociais
permitiram ainda repensar o trabalho universitário
e o trabalho em Saúde na perspectiva de incorporar
a abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador
e Saúde Ambiental.
Para os movimentos sociais, percebeu-se que o
maior aprendizado foi com relação à dimensão da
saúde, em especial, à Saúde do Trabalhador. Como
relatado em fala a seguir transcrita, eles já realizavam
discussões sobre impactos de processos produtivos
mas não tinham o enfoque da saúde e esse momento
do grupo colaborou para uma maior aproximação
desses atores com o tema. Isso contribui para a
PNSTT (BRASIL, 2012), que considera ser importante
inserir a comunidade nos programas de capacitação
e educação permanente em Saúde do Trabalhador.
Puderam se aproximar da realidade de trabalho dos
serviços do SUS, conhecer mais sobre esse sistema,
como se organiza, o que é a Saúde do Trabalhador,
Saúde Ambiental e PSF, qual o papel do CEREST.
Além desses conhecimentos, foi possibilitada uma
articulação entre eles e o SUS e um fortalecimento
da parceria entre movimentos sociais e universidade.
Essa pesquisa trouxe essa novidade para a gente: de
incorporar na nossa luta esse elemento que é muito
essencial e que prende muito a atenção das pessoas,
que é o problema da saúde humana. Se a gente falava muito que as terras foram destruídas, o rio está
sendo contaminado, mas a gente não tinha alertado, a gente não tinha elementos para colocar que,
além disso, tinha também a questão da saúde humana, tanto do agricultor e da agricultura que estão
lá, trabalhando nas empresas, que moram próximo
169
às empresas, ou até mesmo a população urbana, que
é contaminada de uma forma ou de outra por esse
modelo. E, para essa luta que está se tendo aqui,
tem contribuído muito essa discussão da questão
da Saúde do Trabalhador, tem despertado muito a
gente para atuar também em maior proporção nesse
foco. (MOVIMENTOS SOCIAIS, grifo nosso)
Nos ensinamentos dos movimentos sociais para
os demais atores foram evidenciadas a análise de
conjuntura sobre a problemática do processo produtivo
em questão, bem como a articulação política, na
esperança de que a transformação da realidade é
possível e que é preciso mobilização popular. Algumas
estratégias de atividades educativas utilizadas na
militância puderam ser incorporadas pelo SUS. Os
movimentos sociais contribuíram significativamente
na descrição dos conflitos ambientais e das ações
de resistência no território estudado. Essa parceria
significou para esse ator social o fortalecimento da
resistência, em especial, no conflito socioambiental
em curso no território.
Para o SUS, no que se refere aos ACS, talvez o
maior aprendizado tenha sido com relação à Saúde
do Trabalhador e Saúde Ambiental, mediante a
abordagem das tessituras entre produção, trabalho,
ambiente e saúde, e ao conhecimento do conflito
socioambiental e da atuação dos movimentos sociais.
Como ensinamentos, compartilharam com os outros
atores a realidade do PSF, com seus problemas de
precarização de trabalho, de gestão e de organização
do processo de trabalho, além de contribuírem para a
identificação de como vivem e trabalham as pessoas
que residem nos territórios rurais e das necessidades
de saúde existentes.
Já para o CEREST, essa articulação possibilitou
conhecer as dificuldades existentes no PSF, pensar a
Saúde do Trabalhador em articulação com a Saúde
Ambiental, reconhecer a importância de ações
intersetoriais e interdisciplinares, a relevância
de visitar os territórios e os processos produtivos
existentes, de ouvir e articular-se com os movimentos
sociais e trabalhadores, e de constituir parcerias com
a universidade. Permitiu ao grupo conhecer o que é
o CEREST, como ele vem atuando e quais os limites
e as possibilidades desse serviço do SUS.
A universidade pôde aprender a se aproximar das
comunidades, dos movimentos sociais, da pesquisaação, a articular atores e saberes para a produção de
conhecimentos, a exercitar a intersetorialidade e a
interdisciplinaridade, a compreender e traçar estratégias
que melhorem a saúde do trabalhador e ambiental.
Nessa troca de saberes, ela encurtou a distância entre
conhecimento científico e saber popular, trocou
experiências metodológicas, lançou seu olhar sobre
os problemas identificados e problematizou questões.
170
O fortalecimento da parceria entre universidade e
movimentos sociais foi colocado como fundamental
para apoiar esses movimentos e dar credibilidade a eles.
Nessa relação, ainda foi destacado que não é competência
acadêmica liderar um movimento social; isso é papel
de lideranças comunitárias, de movimentos sociais. O
que acontece nesse processo é um apoio científico da
universidade. Pode-se dizer que é o capital simbólico
(BOURDIEU, 2000) da universidade emprestado, ao
menos por um momento, aos movimentos sociais,
como se visualiza na fala a seguir:
Eu tenho certeza que essa parceria com a universidade já está contactada. E, para nós, que somos
movimentos sociais, vocês não sabem do tamanho
que é essa articulação para nós não! Vocês não sabem como é gratificante! Anima demais porque é
mais um aliado. Porque os caras acham que a gente
é sozinho, um bando de coitadinho, um bando de
analfabeto. Esse debate ficou isolado da sociedade
durante muito tempo, por mais que a CPT, o sindicato... e sendo chamados de chatos. (MOVIMENTOS SOCIAIS)
A articulação entre movimentos sociais e SUS,
referindo-se aos ACS e CEREST, é mais difícil,
conforme o comentário: “Pelo menos, aqui, o SUS e
os movimentos sociais eu acho que não têm contato
não. A realidade é essa” (ACS). Entretanto a articulação
entre esses dois atores é possível e trouxe alguns pontos
positivos, como o compartilhamento de saberes que
possibilitou a incorporação de estratégias educativas
dos movimentos sociais pelo SUS e deu um novo
foco aos problemas vivenciados pelos movimentos.
No caso da pesquisa, a problemática do conflito
socioambiental deixa de ser uma questão só dos
movimentos sociais e passa a ser de Saúde se o SUS
incorpora isso. Nesse sentido, o sistema de saúde
pode fortalecer os movimentos sociais.
Sobre a articulação entre SUS e universidade
aponta-se que ela é possível e necessária. Para a
universidade, a vantagem é a articulação ensinoserviço ao se aproximar da realidade das pessoas
e de serviços de saúde do SUS, com seus limites e
possibilidades, realizando ensino, pesquisa e extensão
na perspectiva de construir propostas de intervenção
para a transformação dessa realidade, para a melhoria
da Saúde do Trabalhador e Ambiental. Para o SUS, é se
aproximar e compartilhar os conhecimentos científicos
produzidos pela universidade, ter capacitações,
educação permanente em Saúde, em consonância
com sua realidade e demandas.
A partir de todo o processo da pesquisa, identificouse um conjunto de elementos que ajudam a refletir
acerca de uma abordagem integrada entre Saúde do
Trabalhador e Saúde Ambiental e a incorporá-la na
universidade, no SUS e nos movimentos sociais. Os
elementos trazidos aqui podem ser realizados articulada
ou isoladamente por esses atores e sua utilização pode
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
Quadro 2 Elementos que possibilitam incorporar uma abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador e
Saúde Ambiental na universidade, no SUS e nos movimentos sociais
Articulação entre universidade, SUS e movimentos sociais para abordagem da Saúde do Trabalhador e Ambiental.
Problematização da dinâmica das relações produção-trabalho-ambiente-saúde e da importância da participação de sujeitos da
universidade, SUS e movimentos sociais.
Metodologia prática-teoria-prática.
Comunicação permanente com sujeitos coletivos.
Superação da invisibilidade dos processos de trabalho sob o capital.
Criação de espaços de troca de saberes, experiências, informações, análises e leitura crítica do vivido.
Caracterização do contexto de produção, trabalho, ambiente e saúde de comunidades dos territórios discutidos/analisados com o
olhar das comunidades, da universidade, do SUS e dos movimentos sociais.
Identificação das necessidades de saúde no território discutido/analisado, sobretudo as que envolvem questões de trabalho e
ambiente, sob a óptica das comunidades, da universidade, do SUS e dos movimentos sociais.
Realização de seminários com universidade, SUS e movimentos sociais, sobre questões que envolvam Saúde do Trabalhador e Saúde
Ambiental.
Construção conjunta de projetos de intervenção, na perspectiva de transformar a realidade e melhorar a saúde do trabalhador e a
saúde ambiental no território analisado.
Intervenção sobre os problemas de saúde do trabalhador e saúde ambiental, buscando parcerias intersetoriais para a implementação
da proposta interventiva.
Realização de pesquisa-ação sobre problemas de saúde do trabalhador e saúde ambiental a partir de territórios concretos.
ser adequada à realidade de cada ator, de cada território
e do processo produtivo investigado/analisado.
Desse modo, podem ser desenvolvidos em conjunto,
mas, também, isoladamente e, não necessariamente,
na ordem aqui exposta. É válido mencionar que se
trata apenas de apontamentos e não de verdades
absolutas. Enfatiza-se que esses elementos podem
ser importantes instrumentos teórico-metodológicos
a serem utilizados em atividades de ensino, pesquisa
e extensão da universidade, em especial da área da
Saúde; em educação permanente na produção de
serviços de saúde do SUS, sobretudo, pelo PSF e
CEREST; e nas atividades educativas e de articulação
desenvolvidas pelos movimentos sociais. Assim,
propõem-se 12 elementos que possibilitam incorporar
uma abordagem integrada entre Saúde do Trabalhador
e Saúde Ambiental na universidade, no SUS e nos
movimentos sociais, conforme o Quadro 2.
Considerações finais
Esta pesquisa possibilita abrir um leque de questões
para debate. Para a universidade, ela permite refletir
sobre o tipo de ciência que está sendo realizada e a
que interesses ela está atendendo. Trata-se de uma
discussão importante e atual, principalmente, porque
a complexidade e a gravidade dos problemas sociais,
de saúde, de trabalho, ambientais, econômicos,
políticos e culturais que se vivenciam hoje enfatizam
a necessidade de se fazer um novo tipo de ciência,
para além da positivista “neutra” hegemônica. Mostra
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 161-174, 2014
também a potência do pensamento crítico dentro da
academia; um pensamento que faça refletir, questionar,
analisar, identificar conflitos, tensões e contradições
e que, acima de tudo, possibilite a mobilização das
pessoas para a transformação social. Traz ainda a
importância de se (re)pensar a formação em Saúde,
em especial, em Saúde do Trabalhador e Ambiental.
O aporte teórico e metodológico aqui utilizado aponta
caminhos que permitem incorporar a abordagem
desses campos.
Para a política pública de saúde, o SUS, a
pesquisa faz refletir acerca do tipo de controle social
institucionalizado. Pôde-se realizar uma participação da
comunidade para além dos Conselhos e Conferências
de Saúde, com espaços de discussão entre diversos
sujeitos que possibilitaram a tomada de consciência
de atores da universidade, do SUS e dos movimentos
sociais sobre: o que é o SUS e suas fragilidades; a
discrepância entre teoria/aporte jurídico e prática; o
dever do Estado de garantir o direito à saúde; a percepção
do conceito ampliado de saúde; o conhecimento
sobre a precarização do trabalho no sistema. Enfim,
várias questões foram levantadas nesses momentos e
socializadas entre os atores, o que configurou espaços
que contribuem para a participação da comunidade no
SUS. Aponta-se também a relevância de se (re)pensar
o papel dos CEREST no Brasil. A participação desse
ator demonstrou suas fragilidades e chamou atenção
para a necessidade de esse serviço articular a Saúde
do Trabalhador com a Ambiental, realizar trabalhos
conjuntos com trabalhadores e movimentos sociais,
desenvolver uma maior articulação intrassetorial e
171
intersetorial e (re)configurar as capacitações realizadas
com os demais trabalhadores do SUS, em especial,
articulando-se com a universidade. O destaque que os
agentes comunitários de saúde tiveram nesta pesquisa
traz a demanda de valorização desses trabalhadores
do SUS enquanto sujeitos com grande potencial de
incorporar a Saúde do Trabalhador e Ambiental.
Portanto é preciso (re)pensar sua formação e melhorar
as suas condições de trabalho no sentido de ampliar
esse potencial.
Para os movimentos sociais, a pesquisa ilumina
a importância da sua participação no SUS, seja no
CEREST, no PSF ou em outros serviços, diretamente
ou através do controle social e/ou do processo de vida
em curso no território. Traz também a relevância da
incorporação da dimensão da saúde na compreensão
que eles têm sobre os problemas ambientais e
trabalhistas decorrentes de processos produtivos. Isso
chama atenção para o estabelecimento de estratégias
que ampliem o conhecimento desses sujeitos acerca
dessa abordagem. A importância da articulação entre
movimentos sociais e universidade também foi um
destaque.
Em síntese, a articulação entre universidade,
SUS e movimentos sociais – para identificar tanto
o contexto das relações entre produção, trabalho,
ambiente e saúde como as necessidades de saúde de
um determinado território, construir coletivamente
um plano de ação e intervir sobre a realidade na
perspectiva de melhoria da saúde – apresentou-se
como um caminho que pode colaborar para o
fortalecimento da práxis dos campos disciplinares
Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental, de modo
compartilhado entre diversos atores, saberes e
disciplinas, e que pode ser trilhado por universidade,
SUS e movimentos sociais.
Contribuições de autoria
PONTES, A. G. V.: coletou e analisou o material empírico, elaborou o manuscrito e aprovou a versão final
do artigo. RIGOTTO, R. M.: analisou o material empírico, elaborou, revisou criticamente e aprovou a versão
final do artigo.
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http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000079413
Telma Maria Evangelista de Araújo 1
Nayra da Costa e Silva 2
Artigo
Acidentes perfurocortantes e medidas preventivas
para hepatite B adotadas por profissionais de
Enfermagem nos serviços de urgência e
emergência de Teresina, Piauí
Accidents with sharp instruments and hepatitis B among
nursing staff of emergency units in Teresina, Piaui state, Brazil
Universidade Federal do Piauí,
Programa de Mestrado em Enfermagem.
Teresina, PI, Brasil.
1
Universidade Federal do Piauí, Centro
Tecnológico de Teresina. Teresina, PI,
Brasil.
2
Contato:
Nayra da Costa e Silva
E-mail:
[email protected]
Trabalho baseado na dissertação de
Mestrado em Enfermagem de Nayra
da Costa e Silva intitulada Hepatite B:
prevalência de marcadores sorológicos
e fatores associados em profissionais de
enfermagem de urgência e emergência
apresentada ao Programa de Pósgraduação em Enfermagem da
Universidade Federal do Piauí em 2010.
O trabalho não foi subvencionado e não
foi apresentado em reunião científica.
As autoras declaram não haver conflitos
de interesse.
Recebido: 06/05/2013
Revisado: 23/06/2014
Aprovado: 24/06/2014
Resumo
Objetivos: analisar a ocorrência de acidentes perfurocortantes e as medidas
preventivas associadas à hepatite B entre profissionais de Enfermagem em serviços
de urgência e emergência. Métodos: estudo transversal analítico com aplicação
de questionário a 317 participantes de cinco hospitais públicos de Teresina, PI,
em 2010. Resultados: 152 (47,9%) referiram ter sofrido acidente perfurocortante;
entre as categorias, 27,3% dos Enfermeiros, 48,2% dos Auxiliares, 52,6% dos
Técnicos de Enfermagem. A chance de um profissional de nível médio (Auxiliar
ou Técnico) sofrer um acidente perfurocortante é de 2,8 (1,38-5,67) vezes maior
que o de nível superior (Enfermeiros). A agulha foi o instrumento causador mais
frequente (77,0%). A não notificação do acidente foi expressiva entre Técnicos
(67,0%), Auxiliares (70,0%) e Enfermeiros (75,0%), assim como a não adoção
de medidas profiláticas pós-exposição (84,9%, em média). As três categorias
profissionais referiram uso de luvas como o EPI mais utilizado. Os Auxiliares
de Enfermagem apresentaram o menor percentual (47,0%) de esquema vacinal
completo para hepatite B. Discussão: um percentual expressivo de profissionais
de Enfermagem sofreu acidente perfurocortante no trabalho com baixa adoção de
medidas preventivas e profiláticas, reforçando a necessidade de fortalecimento
de estratégias que visem à saúde do trabalhador no âmbito hospitalar.
Palavras-chave: enfermagem; hepatite B; saúde do trabalhador; vacina.
Abstract
Objective: to analyze accidents with sharp instruments and preventive measures
associated with hepatitis B in nursing professionals in emergency and urgency
services. Methods: analytical cross-sectional study applying a questionnaire to
317 nursing professionals from five public hospitals in Teresina, Piauí state, in
2010. Results: 152 (47.9%) reported having suffered sharp instrument accidents;
within each category: nurses (27.3%), healthcare assistants (48.2%), nursing
assistants (52.6%). The chance of an undergraduate professional (healthcare
or nursing assistant) suffering a sharp instrument accident is 2.8 (1.38 to 5.67)
times greater than a graduated one (nurse). The needle was the most frequent
causative instrument (77.0%). Lack of accident notification was substantial among
nursing assistants (67.0%), healthcare assistants (70.0%) and nurses (75.0%),
as well as non-adoption of post-exposure prophylactic measures (84.9% on
average). The three categories reported gloves as the most used PPE. Healthcare
assistants presented the lowest percentage (47.0%) of full vaccination schedule
for hepatitis B. Discussion: a substantial percentage of nursing professionals has
suffered sharp instrument accidents at work with low adoption of preventive and
prophylactic measures, reinforcing the need for strengthening strategies aimed
at improving worker’s health within hospitals.
Keywords: nursing; hepatitis B; occupational health; vaccine.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
175
Introdução
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS)
revelam que cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo
já tiveram contato com o vírus da hepatite B (VHB),
das quais 325 milhões já são consideradas pacientes
crônicos. As taxas de prevalência da hepatite B, em
âmbito mundial, variam de 0,1% a taxas superiores
a 30% (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006).
No Brasil, em inquérito parcial realizado nas
capitais de algumas regiões do país, o percentual
de prevalência para hepatite B em população não
vacinada foi de 0,19% para região Nordeste, de 0,47%
na região Centro-Oeste e de 0,60% no Distrito Federal
(PEREIRA et al., 2009).
Diante desses dados, tem-se como ponto de partida
que qualquer pessoa está sujeita a contrair o VHB,
porém alguns grupos estão mais expostos ao vírus
devido a circunstâncias, comportamentos e atividades
profissionais que exercem. De acordo com Soriano et al.
(2008), os profissionais de saúde estão incluídos
nos grupos de risco, devido ao inter-relacionamento
frequente entre os pacientes, bem como à manipulação
de sangue e outros fluidos corporais contaminados
com o vírus que representam acentuados fatores de
risco de contágio.
De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL,
2010), anualmente ocorrem aproximadamente
3 milhões de exposições percutâneas entre os 35
milhões de profissionais da saúde de todo o mundo.
Estima-se que esses acidentes resultem em 15 mil
infecções pelo vírus da hepatite C (VHC), 70 mil
pelo vírus da hepatite B (VHB) e 500 pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV). Entre as categorias
profissionais mais susceptíveis estão, entre outros,
os profissionais de Enfermagem, de hemodiálise, de
endoscopia digestiva, de análises clínicas, Cirurgiões
e Dentistas.
Dentro dessa perspectiva, uma das formas de
prevenção mais utilizadas contra o VHB é a vacina,
que foi considerada o maior avanço no controle da
doença, eficaz na redução da sua incidência e do
carcinoma hepatocelular. Sua utilização data desde
o início do ano de 1980 (ATKINSON et al., 2002).
Outras medidas de precaução padrão no ambiente
hospitalar incluem o uso de Equipamento de Proteção
Coletiva (EPC), os Equipamentos de Proteção Individual
(EPIs), lavagem das mãos e o manejo adequado de
resíduos sólidos. Os EPCs visam a proteção de forma
coletiva, eles estão relacionados ao ambiente físico do
trabalho, que pode compreender uma ação, dispositivo,
sinalização, imagem, som, instrumento ou maquinário
destinado a proteção de uma ou mais pessoas. Quando
essas medidas coletivas não são suficientes para a
176
segurança adequada do trabalhador, o empregador
deve oferecer outras formas de segurança, que incluem
os EPIs (BRASIL, 2004).
Estudo aponta que são inúmeros os benefícios da
utilização adequada dos dispositivos de segurança no
ambiente hospitalar tais como: maior produtividade,
diminuição do absenteísmo, redução dos gastos
hospitalares (BALSAMO; FELLI, 2006). Entretanto,
a utilização inadequada dos EPIs não colabora no
processo de prevenção da exposição ocupacional a
material biológico (BERTI; MOIMAZ; AYRES, 2003).
O interesse pelo tema surgiu pela vivência em uma
instituição hospitalar da rede pública do estado do
Piauí na qual profissionais de Enfermagem, diante de
uma exposição acidental, recusaram-se a procurar os
serviços de vigilância da instituição muitas vezes por
medo ou por não dimensionarem as consequências
negativas dos acidentes ocupacionais.
Diante da magnitude da hepatite B e da complexidade
que envolve a saúde do trabalhador de saúde, os
objetivos deste trabalho foram analisar a ocorrência de
acidentes perfurocortantes e as medidas preventivas
associadas à exposição ao vírus da hepatite B entre
profissionais de Enfermagem nos serviços de urgência
e emergência em Teresina, Piauí.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal analítico,
realizado nos cinco hospitais da Fundação Municipal
de Saúde (FMS), situados nas zonas sul, sudeste, norte
e leste de Teresina, PI, os quais prestam serviços de
urgência e emergência no atendimento à população. A
pesquisa foi composta pelo universo de profissionais
de Enfermagem apenas dos serviços de urgência e
emergência (n = 360), distribuídos em três categorias:
Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares. Os critérios de
exclusão foram o não consentimento na participação
no estudo, encontrar-se de férias ou licença no período
da coleta. Obteve-se o total de 317 profissionais de
Enfermagem.
Após a autorização da Fundação Municipal de Saúde
e do Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade
Federal do Piauí –UFPI (CAAE nº. 0163.0.045.000-08),
foi realizada a coleta de dados nos cinco hospitais,
no período de março a maio de 2010. Aplicou-se uma
entrevista verbal, realizada por uma mesma pessoa, em
sala reservada de cada hospital, nos períodos matutino
e noturno, respeitando-se a escala de plantão e as
atividades laborais dos sujeitos do estudo. Foi aplicado um
formulário com questões predominantemente fechadas
relacionadas às características sócio-epidemiológicas
dos participantes da pesquisa, riscos relacionados à
exposição pelo trabalho ao vírus da hepatite B e a
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
situação vacinal. Os sujeitos convidados a participar
da pesquisa foram informados sobre o tema e, após a
explanação, foi apresentado o Termo de Consentimento
Livre Esclarecido com os objetivos da pesquisa e as
garantias de sigilo acerca das informações prestadas.
As variáveis levantadas foram: idade, sexo, situação
conjugal, categoria profissional, tempo de profissão e
de atividade nos serviços de urgência e emergência, já
haver sofrido acidente ocupacional perfurocortante,
tipo de instrumento envolvido no acidente ocupacional,
notificação do acidente ocupacional, medidas profiláticas
pós-exposição, uso de EPI, número de doses de vacina
recebida contra hepatite B.
Para a análise dos dados, utilizou-se o software
Statistical Package for the Social Science (SPSS) 17.0,
o qual foi empregado para gerar análises univariadas
e bivariadas. A análise univariada foi realizada por
meio do cálculo de estatísticas descritivas das variáveis
relacionadas à descrição da amostra, ocorrência de
acidentes ocupacionais, respectivas medidas profiláticas,
uso de EPIs e estado vacinal.
Para a realização das análises bivariadas calculou-se
o Qui-quadrado de Pearson (2), com o propósito de
identificar possíveis associações entre a ocorrência dos
acidentes ocupacionais com cada variável independente.
A hipótese nula foi rejeitada quando o valor de p
foi menor ou igual a 0,05. Os modelos de regressão
logística foram empregados para determinar o risco de
sofrer ou não um acidente ocupacional relacionado às
variáveis categoria profissional, tempo de profissão e
tempo de atividade no setor de urgência e emergência
através do cálculo da RC (Razão de Chances) em um
Intervalo de Confiança (IC) de 95%.
Como o teste de Qui-quadrado não relaciona
o tamanho do efeito da associação, utilizou-se o
coeficiente V de Cramer, que é uma medida do grau
de associação entre duas variáveis categóricas, no
qual o efeito da associação é considerado pequeno
quando r = 0,1, médio quando r = 0,3 e grande quando
r = 0,5 (FIELD, 2009).
Resultados
Dos 317 profissionais que participaram do estudo,
121 (38,2%) estavam na faixa etária de 41 a 50 anos,
com uma idade média de 43,5 anos (desvio padrão:
10,2) e amplitude variando de 20 a 68 anos. Quanto
ao sexo, predominou o feminino, com 229 (72,2%),
e, em relação à situação conjugal, 173 (54,6%) eram
casados. Na variável categoria profissional, os Técnicos
de Enfermagem eram 190 (59,9%), seguido dos
Auxiliares de Enfermagem, 83 (26,2%), e Enfermeiros,
44 (13,9%). Com relação ao tempo de trabalho no
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
serviço de urgência e emergência, 80,8% tinham até
20 anos no setor, sendo a média de 11 anos.
Quanto à ocorrência de acidentes de trabalho,
identificou-se que, dos 317 profissionais envolvidos na
pesquisa, 152 (47,9%) relataram haver sofrido algum
tipo de acidente ocupacional com perfurocortantes.
Dentre os tipos de instrumentos causadores de
acidentes, o acidente com agulha foi o que mais se
destacou (77,0%) e, dentre as categorias profissionais
estudadas, a de Técnico de Enfermagem foi a que teve
a maior proporção de acidentes com esse instrumento
(81,0%). Observou-se, ainda, que Técnicos, Auxiliares
e Enfermeiros apresentaram resultados expressivos
quanto a não notificação do acidente (67,0%, 70,0% e
75,0%, respectivamente), o que também foi observado
em relação à não adoção de medidas profiláticas pósexposição ao acidente perfurocoartante (85,0%, 85,0%
e 83,0%, respectivamente) (Tabela 1).
Quando foram questionados sobre quais EPIs
eram mais utilizados como medida de proteção
contra acidentes ocupacionais perfurocortantes, os
profissionais referiram o uso de luvas: Enfermeiros,
97,7%; Técnicos, 87,9%; e Auxiliares, 88,0%. Os óculos
foram os menos utilizados em todas as categorias
(Tabela 2).
Foi realizada uma análise multivariada entre
a ocorrência de acidentes perfurocortantes e as
variáveis categoria profissional, tempo de profissão
e tempo de profissão e atividade no setor de urgência
e emergência (Tabela 3). Observou-se que houve
associação estatisticamente significativa (p = 0,01)
entre a ocorrência dos acidentes perfurocortantes
e a variável categoria profissional e com tempo de
profissão. Os profissionais de nível médio foram
os que mais sofreram acidentes de trabalho, 48,2%
do total dos Auxiliares e 52,6% dos Técnicos de
Enfermagem, enquanto que, dentre os Enfermeiros
apenas 27,3% sofreram algum tipo de acidente. Em
relação ao tempo de profissão houve predominância de
acidentes entre os profissionais com mais de 20 anos
de profissão (55,3%). Calculado a RC em um IC de
95%, verificou-se que a chance de um profissional de
nível médio (Auxiliares e Técnicos de Enfermagem)
sofrer um acidente ocupacional perfurocortante é
de 2,8 (1,38-5,67) vezes maior que um profissional
de nível superior (Enfermeiros) e os profissionais
com tempo de profissão até 20 anos apresentaram
uma RC de 0,58 (0,37-0,91) de sofrer uma exposição
ocupacional em relação aos com mais de 20 anos.
Não houve associação estatisticamente significativa
entre a ocorrência de acidentes ocupacionais com o
tempo de trabalho no setor de urgência e emergência
e a razão de chances de ocorrer um acidente nesses
locais de trabalho foi de 0,86 (0,49-1,51).
177
Tabela 1 Instrumento causador, notificação do acidente e medidas profiláticas pós-exposição entre profissionais de Enfermagem acidentados com perfurocortantes em serviços de urgência e emergência,
Teresina, PI, 2010
Categoria profissional
Variáveis
Auxiliar de Enfermagem Técnico em Enfermagem
n (%)
n (%)
Enfermeiro n (%)
Total n (%)
Instrumento causador do acidente
(N = 152)
Agulha
27 (67,5)
81 (81,0)
9 (75,0)
117 (77,0)
Jelco
2 (5,0)
6 (6,0)
0 (0,0)
8 (5,2)
Scalp
6 (15,0)
10 (10,0)
3 (25,0)
19 (12,5)
Bisturi
5 (12,5)
3 (3,0)
0 (0,0)
8 (5,3)
Sim
12 (30,0)
33 (33,0)
3 (25,0)
48 (31,6)
Não
28 (70,0)
67 (67,0)
9 (75,0)
104 (68,4)
Sem profilaxia
34 (85,0)
85 (85,0)
10 (83,3)
129 (84,9)
Lavou o local
5 (12,5)
6 (6,0)
1 (8,3)
12 (7,9)
Exame
0 (0,0)
2 (2,0)
0 (0,0)
2 (1,3)
Vacina
1 (2,5)
4 (4,0)
1 (8,3)
6 (3,9)
AZT
0 (0,0)
2 (2,0)
0 (0,0)
2 (1,3)
Antibiótico
0 (0,0)
1 (1,0)
0 (0,0)
1 (0,7)
40 (100,0)
100 (100,0)
12 (100,0)
152 (100,0)
Notificação do acidente (N = 152)
Medidas profiláticas pós-exposição
(N = 152)
Total
Tabela 2 Utilização de EPIs por profissionais de Enfermagem de serviços de urgência e emergência, Teresina,
PI, 2010
Categoria profissional
EPI*
Auxiliar de Enfermagem (n = 83)
Técnico em Enfermagem (n = 190)
n (%)
n (%)
Enfermeiro (n = 44)
n (%)
Óculos
21 (25,3)
21 (11,1)
8 (18,2)
Luvas
73 (88,0)
167 (87,9)
43 (97,7)
Jaleco
50 (60,2)
132 (69,5)
39 (88,6)
Gorro
37 (44,6)
71 (37,4)
16 (36,4)
Propés
25 (30,1)
44 (23,2)
11 (25,0)
Máscara
69 (83,1)
155 (81,6)
42 (95,5)
*Resposta múltipla
A situação vacinal da população do estudo contra
hepatite B, segundo a categoria profissional, demonstrou
que os Enfermeiros apresentaram o maior percentual
de esquema vacinal completo (70,5%), seguidos dos
Técnicos (48,4%) e Auxiliares (47,0%). A associação
178
estatisticamente significativa entre a variável número
de doses da vacina e categoria profissional (p = 0,04)
mostrou uma maior frequência de imunizados nos
profissionais de nível superior completo e um grau da
associação de efeito moderado (r = 0,32) (Tabela 4).
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
Tabela 3 Associação entre a ocorrência de acidente perfurocortante e as variáveis categoria profissional,
tempo de profissão e de atividade no setor de urgência e emergência, Teresina, PI, 2010
Acidente perfurocortante
Variáveis
Sofreu
Não sofreu
n (%)
n (%)
Auxiliar de Enfermagem*
40 (48,2)
43 (51,8)
Técnico em Enfermagem*
100 (52,6)
90 (47,4)
12 (27,3)
32 (72,7)
Até 20 anos
74 (42,0)
102 (58,0)
21 a 42 anos
78 (55,3)
63 (44,7)
Até 20 anos
121 (47,3)
135 (52,7)
21 a 42 anos
31 (50,8)
30 (49,2)
2
p-valor
RC* (IC 95%)**
9,208
0,01
2,80 (1,38-5,67)
Categoria profissional (N = 317)
Enfermeiro
1,00
Tempo de profissão (N = 317)
5,526
0,01
0,58 (0,37-0,91)
1,00
Tempo de trabalho em urgência e
emergência (N = 317)
0,249
0,61
0,86 (0,49-1,51)
1,00
* Para o cálculo da Razão de Chances agruparam-se as categorias por nível de escolaridade, no caso, nível médio
** IC: Intervalo de confiança
Tabela 4 Situação vacinal contra hepatite B entre profissionais de Enfermagem de serviços de urgência e
emergência,Teresina, PI, 2010
Categoria profissional
N° de doses
Auxiliar de
Enfermagem
Técnico em
Enfermagem
Enfermeiro
Total
n (%)
n (%)
n (%)
n (%)
5 (6,0)
17 (8,9)
1 (2,3)
23 (7,3)
1 dose
10 (12,0)
24 (12,6)
3 (6,8)
37 (11,7)
2 doses
16 (19,3)
41 (21,6)
9 (20,4)
66 (20,8)
3 doses
39 (47,0)
92 (48,4)
31 (70,5)
162 (51,1)
Não foi vacinado
Não lembra
13 (15,7)
16 (8,4)
-
29 (9,1)
Total
83 (100,0)
190 (100,0)
44 (100,0)
317 (100,0)
Discussão
Para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a), os
ferimentos com agulhas e outros materiais perfurocortantes,
em geral, são considerados extremamente perigosos
por serem potencialmente capazes de transmitir mais
de 20 tipos de patógenos diferentes, sendo o vírus da
imunodeficiência humana (HIV), o da hepatite B e o
da hepatite C os agentes infecciosos mais comumente
envolvidos.
Os profissionais da área da saúde possuem um
risco maior de adquirir infecção por hepatite B,
hepatite C e HIV quando comparados à população
geral (MONTEIRO; BENATTI; RODRIGUES, 2009;
MANETTI et al., 2006; SCHNEIDER, 1994). De acordo
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
p-valor
V de
Cramer
0,04
0,32
com pesquisa realizada por Mast et al. (2006), em
acidentes perfurocortantes envolvendo pacientes
infectados pelo VHB e com presença do HBeAg
(marcador que indica replicação do vírus), o risco de
contrair hepatite B varia de 22,0% a 31,0%.
Os resultados encontrados neste estudo sobre
os acidentes ocupacionais (47,9%) são semelhantes
aos encontrados em pesquisa realizada por Rosato e
Ferreira (2012) em hospitais da cidade de Santa Rosa,
RS, no qual se identificou um percentual de (40,5%)
de profissionais de saúde que sofreram algum tipo de
acidente ocupacional perfurocortante.
Os acidentes de trabalho que ocorrem com os
profissionais de saúde derivam de fatores complexos
e têm sido objeto de muitos estudos na área da
179
Enfermagem, não apenas de forma isolada, casual, ou
como um evento particular, mas através da análise
do contexto do trabalho em que esses sujeitos estão
inseridos, das condições de vida e da estreita relação
profissional-paciente-equipe (SÊCCO; GUTIERREZ;
MATSUO, 2003). Quando comparada às outras
categorias profissionais, Ribeiro e Shimizu (2007),
Balsamo e Felli (2006), Pinho, Rodrigues e Gomes
(2007) são unânimes em afirmar que a equipe de
Enfermagem sofre acidentes com maior frequência
no ambiente hospitalar.
Segundo Pinheiro e Zeitoune (2008), a formação do
profissional de saúde ainda é voltada para o tecnicismo,
persistindo uma lacuna entre o cuidado do paciente e
o autocuidado do cuidador, dificultando a promoção
da saúde do trabalhador de saúde.
Outro agravante é a falta de notificação dos acidentes
ocupacionais, pois a subnotificação tornou-se uma
prática comum nas instituições de saúde e o número de
casos ocorridos é muito superior aos que são notificados
(HENNINGTON; MONTEIRO, 2006). Nesta pesquisa,
os dados das três categorias, Técnicos, Auxiliares e
Enfermeiros, reforçam resultados semelhantes quanto
à não notificação dos acidentes (67,0%, 70,0% e
75,0%, respectivamente). Os fatores referidos pelos
investigados para justificar a subnotificação foram
a falta de tempo, o desconhecimento sobre a que
profissional recorrer, o desconhecimento sobre a ficha
de notificação e o medo de notificar.
A subnotificação também é encontrada no cenário
mundial. Uma pesquisa de Bilski (2005) demonstrou
que, da maioria das exposições sofridas com agulhas
por trabalhadores de Enfermagem, (50,1%) foram
relatadas verbalmente a um profissional de nível superior
(Médico ou Enfermeiro). Para reafirmar essa situação,
aponta-se o estudo de Ayranci e Kosgeroglu (2004), o
qual demonstrou que dos 988 profissionais de saúde
estudados em um hospital da Turquia, 634 haviam
sido expostos a sangue e fluidos corporais pelo menos
uma vez na sua vida profissional. Desses, 144 não
foram notificados e não procuraram dar seguimento
à investigação dos acidentes ocupacionais.
Além da notificação, medidas de profilaxia
devem ser adotadas, a fim de evitar danos futuros ao
profissional. Nesta pesquisa, verificou-se que a maioria
dos entrevistados (84,9%) não adotou nenhuma medida
profilática pós-exposição diante da ocorrência de um
acidente. Segundo o Ministério da Saúde, a adoção de
medidas frente a um acidente biológico e com risco
para hepatite B vai depender do status sorológico do
paciente fonte e dos níveis de Anti-HBs do profissional
acidentado. Essas medidas são: cuidados com a área
exposta, avaliação e notificação do acidente, orientações
e aconselhamento do acidentado, quando necessário,
imunoprofilaxia e acompanhamento (BRASIL, 2006a).
180
Outra forma na prevenção contra os acidentes
biológicos entre profissionais de saúde é o uso de
EPIs nas atividades laborais. Os resultados aqui
encontrados sobre os equipamentos mais utilizados
foram semelhantes aos do estudo de Nishide, Benatti
e Alexandre (2004) sobre os riscos ocupacionais
entre trabalhadores de Enfermagem de uma UTI, em
que se constatou que os EPIs utilizados com maior
frequência pelos trabalhadores de Enfermagem são as
luvas, as máscaras e os aventais. Entretanto, os óculos
de proteção nem sempre são utilizados. Neste estudo,
os profissionais mencionaram não utilizar os EPIs
devido aos seguintes fatores: a instituição de saúde
não os oferece ou o faz em quantidade insuficiente
(principalmente óculos e gorros), alergia ao látex,
maior habilidade das mãos sem luvas, temperatura
elevada nas enfermarias e no posto de enfermagem
(para justificar especificamente o não uso das máscaras
e jalecos) e falta de ar (máscaras).
No que se refere aos serviços de urgência e
emergência, os profissionais de Enfermagem que
atuam diariamente nesses setores deparam-se com
situações que exigem condutas rápidas, o que pode
contribuir para a ocorrência de acidentes ocupacionais.
De acordo com Pereira (2007), os setores com maior
percentual de acidentes ocupacionais com material
biológico são as Unidades de Urgência/Emergência
(UE), com 28,4%; seguidas do Centro Cirúrgico (CC)
e da Central de Material Esterilizado (CME), com
25,5%; das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs),
com 18,9%; das unidades de internação de adulto,
com 14,5%; pediátricas, com 9,18%; e laboratórios,
com 3,3%.
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) recomenda
a vacinação de todos os profissionais da saúde com
risco iminente de contrair a doença. Neste estudo,
observou-se que pouco mais da metade (51,1%) dos
investigados relatou ter recebido o esquema vacinal
completo, muito aquém do recomendado.
De acordo com a OMS, a vacina contra hepatite
B passou a ser oferecida pelo SUS a partir da década
de 1990 (ARAÚJO, 2005). Entretanto, a vacina
produzida pelo Instituto Butantan, encontrada nas
Unidades Básicas de Saúde, até o ano de 2008, não
tinha indicação para pessoas maiores de 30 anos,
em função de produzir menor imunogenicidade
(BRASIL, 2006b). Esse fato, provavelmente, dificultou
o acesso dos profissionais participantes deste estudo
à vacina destinada a sua faixa etária (41 a 50 anos),
pois ela só era oferecida no Centro de Referência de
Imunobiológicos Especiais (CRIE).
Entretanto, é importante ressaltar que, desde 2009,
a vacina contra hepatite B produzida pelo Instituto
Butantan é a utilizada em larga escala nos serviços de
atenção básica de saúde e já pode ser indicada para
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
pessoas de qualquer idade, desde que pertencente a
algum grupo vulnerável. Ressalta-se que essa vacina
tem boa imunogenicidade, com proteção em mais de
90% dos adultos jovens sadios e em mais de 95% em
lactentes, crianças e adolescentes (BRASIL, 2006b).
É incontestável a eficácia da vacina quando
administrada nas doses recomendadas pelo Programa
Nacional de Imunização (PNI). De acordo com o
Ministério da Saúde (BRASIL, 2006b), a vacina contra a
hepatite B, quando administrada nas três doses (0, 1 e
6 meses), confere imunidade de 90% em adultos, com
títulos protetores ≥ 10 mUI/ml. Mas encontrou-se
neste estudo uma considerável parcela de profissionais
(39,8%) com esquema vacinal incompleto e, ainda,
outros que responderam não lembrar de terem recebido
alguma dose de vacina (9,1%). Estudos de Silva et al.
(2011) e Soriano et al. (2008) reforçam a importância
do esquema vacinal completo contra a hepatite B em
profissionais de saúde.
Carvalho (2008) enfatiza que a vacina vem sendo
utilizada como um meio para interromper a cadeia
de transmissão das doenças imunopreveníveis. O
ato de vacinar, na sua dimensão individual, resulta
em proteção contra determinadas doenças não só do
indivíduo vacinado, mas também em proteção da
coletividade. Essa atitude, mesmo quando realizada
no âmbito das unidades de saúde, toma uma dimensão
coletiva, visto ser voltada para indivíduos inseridos
em determinado contexto social e em uma realidade
epidemiológica específica (ARAÚJO, 2005).
Pesquisa em um hospital universitário em
Karachi, no Paquistão, constatou que no universo de
393 profissionais de saúde de todas as categorias, 86,0%
de profissionais de saúde estavam completamente
vacinados, 12,0% com vacinação incompleta e 2,0%
sem nenhuma dose (ALI; JAMAL; QURESHI, 2005).
Kosgeroglu et al. (2004), em pesquisa realizada
entre Enfermeiras da Turquia acerca da exposição
ocupacional e vacinação contra a hepatite B, revelaram
que, das 452 (76%) Enfermeiras que enfrentavam
perigos de exposição à infecção, 27,7% (125/452) não
eram vacinadas contra o VHB. Pode-se inferir que
o Enfermeiro, profissional com maior escolaridade
que o Técnico e o Auxiliar de Enfermagem, detém
possivelmente, um maior conhecimento sobre a
transmissão da doença e, consequentemente, busca a
imunização. Os dados dessa pesquisa, porém, divergem
dos resultados encontrados por Silva et al. (2003), que
revelaram um percentual semelhante de esquema
vacinal completo para hepatite B entre Enfermeiros
(85,7%) e Técnicos (83,7%).
Como limitação deste estudo destaca-se o fato
de alguns profissionais encontrarem-se de férias
ou afastados por licença e de outros se recusarem
a participar da pesquisa. Entretanto, a perda não
comprometeu o seu desenvolvimento, pois foi prevista
dentro dos critérios de exclusão.
O trabalho poderá servir de subsídio para outros
estudos dentro da vigilância de acidentes ocupacionais
em profissionais de Enfermagem, uma vez que esse
grupo é o mais vulnerável a acidentes perfurocortantes
no ambiente hospitalar. Dessa forma, o desenvolvimento
de pesquisas específicas para o grupo populacional
estudado contribui para o diagnóstico situacional
e a implementação de medidas preventivas para a
promoção da saúde do trabalhador.
A hepatite B é uma doença ocupacional de rápida
soroconversão, por isso o estado vacinal adequado e a
compreensão sobre os riscos no ambiente hospitalar
constituem meios para redução das incapacidades
oriundas dos acidentes ocupacionais.
Conclusões
A hepatite B é uma doença ocupacional relevante
no ambiente de saúde e os profissionais de Enfermagem
estão susceptíveis a adquiri-la se medidas de precaução,
tanto coletivas quanto individuais, não forem
implementadas. Assim, no decorrer da investigação
desse tema, constatou-se que os acidentes de trabalho
com perfurocortantes atingem quase a metade dos
profissionais participantes, cerca de dois terços dos
acidentes investigados não são notificados e a maioria
dos profissionais estudados não realiza nenhuma
medida de profilaxia pós-exposição ocupacional.
Sobre o instrumento causador do acidentes, as
agulhas são mais frequentes entre as categorias
profissionais de Enfermagem e as luvas, o EPI mais
referido para uso nas atividades laborais. Quanto à
imunoprevenção de acidentes ocupacionais, das três
categorias profissionais estudadas, os Auxiliares de
Enfermagem apresentaram o maior percentual de
esquema vacinal incompleto para hepatite B. Nesse
sentido, recomenda-se a ampliação de estratégias de
educação continuada, bem como o desenvolvimento
de pesquisas dentro da saúde do trabalhador.
Contribuições de autoria
Araújo, T. M. E.: participou das etapas de treinamento do grupo, análise dos dados estatísticos e da elaboração
do manuscrito. da Costa e Silva, N.: participou da elaboração do manual de procedimentos do projeto, do
treinamento do grupo, da análise dos resultados desta pesquisa e da elaboração do manuscrito.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 175-183, 2014
181
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ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000080113
Juliana Figueiredo Arreal
1
Artigo
Trabalhadoras de turno noturno: relações de gênero,
produção de vulnerabilidades e promoção da saúde
Laura Cecilia López 2
Night shift workers: gender relationships, production of
vulnerabilities and health promotion
Prefeitura Municipal de Eldorado do
Sul, Secretaria Municipal de Saúde.
Eldorado do Sul, RS, Brasil.
1
Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva. São Leopoldo, RS, Brasil.
2
Contato:
Laura Cecilia López
E-mail:
[email protected]
Trabalho baseado em dissertação
de mestrado de Juliana Figueiredo
Arreal intitulada “Saúde da Mulher
Trabalhadora de Turno Noturno”,
defendida em 2012, na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos.
O trabalho foi apresentado no X
Congresso da Abrasco, em Porto Alegre,
em 2012, e publicado nos anais como
resumo.
As autoras declaram não haver conflitos
de interesse e que o trabalho não foi
subvencionado.
Recebido: 27/05/2013
Revisado: 22/06/2014
Aprovado: 23/06/2014
184
Resumo
Objetivo: analisar os impactos que o trabalho noturno exerce sobre a saúde
de trabalhadoras do setor metal-mecânico. Métodos: a partir do olhar sobre as
relações de gênero, foca-se como a organização e a divisão social do trabalho
afetam a vida cotidiana dessas mulheres. Examinam-se essas experiências à luz
das reflexões sobre vulnerabilidades, produzidas na relação gênero/trabalho/
saúde. Trata-se de um estudo qualitativo, realizado em 2012, empregando-se
entrevistas semiestruturadas com nove trabalhadoras de turno noturno de uma
empresa localizada na região metropolitana de Porto Alegre/RS. A análise dos
dados foi guiada pelo método de Análise de Discurso. Foram construídos eixos
analíticos com base no diálogo entre a literatura e os discursos das entrevistadas.
Discussão: identificaram-se desigualdades de gênero que impactam nas condições
de saúde das trabalhadoras metalúrgicas de turno noturno, apontando-se
algumas especificidades das vivências dessas trabalhadoras no local pesquisado:
agudo processo de subvalorização do trabalho, descanso limitado, alimentação
irregular, dificuldades na organização da vida fora do ambiente de trabalho, falta
de acesso a suportes sociais que apoiem as atividades femininas, sobrecarga das
responsabilidades assumidas, que, muitas vezes, causam sofrimento mental e/
ou outros adoecimentos.
Palavras-chave: gênero; saúde; trabalho; trabalho em turnos; turno noturno.
Abstract
Objective: to analyze the impacts of night shift work on the health of metalmechanical women workers. Methods: from the perspective of gender relations,
this study focuses on how the organization and social division of labor affect
the everyday lives of these women. It examines experiences in light of these
reflections on vulnerabilities, produced in the gender/work/health relationship.
It is a qualitative study, held in 2012, using semi-structured interviews with nine
night shift workers of a company located in the metropolitan region of Porto Alegre,
Rio Grande do Sul state. Data analysis was based in the method of discourse
analysis. Analytical lines were built on the dialogue between the literature and
the interviewees’ discourses. Discussion: we identified gender inequalities that
may impact on night shift metal-mechanic workers’ health, pointing at some
particularities of these workers’ daily lives in the researched sector, such as: acute
process of work underestimation, limited rest hours, irregular eating, difficulties
to organize their lives off work, lack of access to the social structures that can
back their female activities, and over charge of assumed responsabilities that
can cause mental suffering and/or other illnesses.
Keywords: gender; health; work; shift work; night work.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
Introdução
Este artigo analisa os impactos que o trabalho
noturno exerce sobre a saúde de trabalhadoras do setor
metal-mecânico. A partir de um olhar que leva em
consideração as relações de gênero, verifica-se como
a organização e a divisão social do trabalho afetam a
vida das mulheres objeto deste estudo. Pretende-se
examinar a experiência cotidiana feminina à luz das
reflexões sobre vulnerabilidades em saúde, ao levar em
consideração os efeitos das desigualdades de gênero
nos processos de saúde-adoecimento. Conceituam-se
as vulnerabilidades como contextos gerados a partir
de condições sociais de violência cotidiana e de
injustiça estrutural, que provocam uma fragilidade
política e institucional na promoção, proteção ou
garantia de direitos de determinados indivíduos ou
grupos (AYRES et al., 2009).
Nesse sentido, focaremos a relação entre gênero,
trabalho e saúde, para apontar algumas lacunas
na promoção de saúde no universo pesquisado.
Entendemos a promoção de saúde como ações voltadas
para indivíduos e coletividades, através de políticas
públicas intersetoriais que incluam amplamente os
direitos de cidadania (BUSS, 2000) e que possibilitem a
construção intersubjetiva (ALMEIDA FILHO; CASTIEL;
AYRES, 2009) entre os atores envolvidos.
No Brasil, nas últimas décadas, assistimos o crescente
incremento das mulheres no mercado de trabalho “[...]
de forma intensa e diversificada, sem retrocesso, apesar
das crises econômicas que abalaram o país” (ARAÚJO;
OLIVEIRA, 2006, p. 185). As mulheres estão exercendo
diferentes profissões, atingindo diversos setores, bem
como estão estudando e se qualificando mais do que
os homens (OLIVEIRA, 1997; BRUSCHINI, 2007).
Porém, as transformações relativas ao aumento da
escolaridade ainda não significam salários iguais aos
dos homens, persistindo as desigualdades de gênero
no mercado de trabalho (BRITO, 2011).
Presencia-se uma construção social de gênero,
que provoca que homens e mulheres trabalhadores
sejam, desde os núcleos familiares, diferentemente
qualificados e capacitados para o ingresso no mercado
de trabalho. Sendo assim, muitas vezes a situação
desfavorável vivenciada pelas mulheres é reforçada,
já que a carreira é marcada pela descontinuidade
(maternidade, criação dos filhos) e por salários
menores (BRITO, 2000; HIRATA; KERGOAT, 2007;
OLIVEIRA, 1997, 1999).
Os processos de globalização e de expansão das
políticas neoliberais e de reestruturação produtiva têm
efeitos na precarização do trabalho, em concomitância
com as mudanças nas condições laborais por
enfraquecimento ou por perda de direitos sociais,
direitos sindicais, de prevenção e de segurança no
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
trabalho. Somado à organização das relações de
gênero no mercado de trabalho, esses fenômenos
geram condições de maior vulnerabilidade para as
mulheres (GIANNASI, 1997; BRITO, 2000).
Ao analisar as condições de trabalho como
mantenedoras das desigualdades de gênero, devemos
considerar também a produção de desigualdades em
vários contextos sociais, ligados às esferas produtivas
e reprodutivas (OLIVEIRA, 1999; HIRATA; KERGOAT,
2007).
Ainda, para refletir sobre os processos de saúdeadoecimento das mulheres trabalhadoras, deve-se
considerar que as mulheres têm papéis sociais
diferenciados, assim como experiências distintas de
viver, de sofrer e de adoecer, permeadas por relações
de gênero. Para contemplar essa diversidade, precisase de um conceito integral de saúde, incluindo não só
os aspectos referentes aos processos de adoecimento
no ambiente de trabalho, como também os impactos
dos fatores que dizem respeito à reprodução social
(OLIVEIRA; BARRETO, 1997; MINAYO-GOMEZ;
MACHADO; PENA, 2011).
A coexistência da produção e da reprodução em
algumas circunstâncias pode promover a saúde, já
que a oportunidade de ter seus próprios rendimentos
e o apoio familiar podem compensar as dificuldades
advindas dos processos de trabalho. Contudo, em
outros casos, podem gerar conflitos e contradições
que não conduzem à qualidade de vida e ao bemestar, gerando mais transtornos e adoecimentos para
as mulheres (SCHIRMER, 1997; OLIVEIRA, 1999;
BRITO, 2000, 2005).
Estudos apontam que as fronteiras entre o trabalho
e o lar são mais permeáveis para as mulheres do que
para os homens, estando sua saúde mental e física
moldada nas suas vivências como trabalhadoras e
mães. Por isso, os conflitos decorrentes das relações
de gênero, nas quais cabe à mulher o equilíbrio
individual entre os tempos doméstico e social, podem
gerar maiores incidências de vivências depressivas
nas mulheres (SCHIRMER, 1997; OLIVEIRA, 1999;
HIRATA; KERGOAT, 2007).
Sendo assim, cabe a discussão sobre as vulnerabilidades
experienciadas por trabalhadoras que exercem suas
atividades empregatícias em um período de trabalho
inverso ao da maioria da população – o turno noturno,
em um setor que essencialmente emprega homens:
o setor metal-mecânico. Esse setor constituiu-se
historicamente como sendo um ambiente de trabalho
masculino, no qual aptidões como força, capacidade
física e conhecimentos técnicos sobre mecânica são
culturalmente vinculados ao homem. No entanto, nos
últimos anos, as trabalhadoras vêm adquirindo maior
espaço nesse ambiente, mesmo que ainda menor que
o dos homens (SARDENBERG, 2004).
185
A maioria dos estudos realizados no Brasil que
abarca uma dinâmica mais ampla relativa ao turno
noturno está relacionada à investigação de uma
série de autores e autoras (MORENO; LOUZADA,
2004; FISCHER; LIEBER, 2007; ROTENBERG, 1997,
2004). Além disso, os trabalhos atuais sobre gênero e
trabalho noturno estão mais restritos às trabalhadoras
da área hospitalar, principalmente as da enfermagem
e as da medicina (GASPAR; MORENO; MENNABARRETO, 1998; OLIVEIRA, 2005; MANHÃES, 2009;
MEDEIROS et al., 2009; SILVA; MARTINO, 2009). Cabe
citar, também, as pesquisas de cunho epidemiológico
com análises de risco, que focalizam os agravos à saúde
gerados a partir do trabalho noturno (RÉGIS-FILHO,
2002; CRISTOFOLETTI, 2003; MOLINO et al., 2008;
MACAGNAN, 2010).
Identificou-se, então, uma lacuna de conhecimento
referente à saúde das trabalhadoras de turno noturno
– assim como uma lacuna em relação à saúde das
mulheres no setor metal-mecânico – como problemática
abordada pela Saúde Coletiva, com abordagem
qualitativa. O presente estudo visou contribuir com
tal reflexão e dialogar com os estudos feministas que
elencam a relação entre gênero, trabalho e saúde em
uma perspectiva que aproxima o marxismo e o pósestruturalismo, a fim de entender como se dá a produção
de desigualdades e de seus efeitos no cotidiano das
mulheres (OLIVEIRA, 1997, 2008; ROTENBERG, 2004;
SARDENBERG, 2004).
Métodos
O presente estudo parte de uma abordagem qualitativa,
privilegiando a óptica dos atores envolvidos e suas
experiências sociais (FLICK, 2009; MINAYO, 2010). A
observação direta no ambiente de trabalho foi utilizada
de maneira complementar, para melhor compreender
e contextualizar as falas das entrevistadas. A principal
técnica aplicada foi a entrevista semiestruturada, com
questões referentes à organização da vida cotidiana
das mulheres dentro e fora do trabalho. Redes sociais
de apoio, cuidados com a saúde, percepções sobre a
saúde, organização da jornada de trabalho e vivências
no espaço de trabalho compuseram o teor do roteiro
semiestruturado. Em síntese, dois eixos percorreram as
questões: indagações sobre a percepção de diferenças/
desigualdades entre homens e mulheres; e relação
trabalho noturno/saúde na vida das mulheres.
As entrevistas foram gravadas e transcritas para
melhor apreensão dos discursos. Com relação às
transcrições, foram realizadas com respeito aos traços
característicos de fala e às entoações expressivas de cada
locutor. Em vista disso, optou-se por mantê-las o mais
próximo possível da realidade de fala do entrevistado
(ou seja, sem correção ortográfico-gramatical). Quanto
186
às pontuações, foram organizadas com base na
apreciação (ênfase) que o locutor dava às palavras
em seu discurso.
O universo empírico foi constituído por mulheres
trabalhadoras de turno noturno (no horário das 22 h
às 5 h) que atuam no setor metal-mecânico, todas com
vínculo com o sindicato da categoria – instituição
procurada antes do contato com as mulheres alvo deste
estudo, e que promoveu, através de uma interlocutora,
as primeiras relações com as trabalhadoras. Algumas
entrevistas ocorreram dentro do sindicato, e as
restantes no interior de uma empresa de grande porte,
conforme agendamento prévio. Ambas as instituições
estão situadas na parte norte da região metropolitana
de Porto Alegre/RS, denominada também como Vale
do Rio dos Sinos. Essa região apresenta estrutura
econômica com forte presença industrial de diversos
setores, sendo considerada especializada na cadeia
coureiro-calçadista.
O trabalho de campo ocorreu entre abril e agosto
de 2012. Foram entrevistadas nove trabalhadoras, com
idade entre 21 e 45 anos, sendo oito delas casadas, das
quais sete tinham filhos com idade entre 6 e 24 anos.
Dentre essas, uma delas estava no início da segunda
gestação, no período da pesquisa. Todas elas moravam
com o cônjuge e filho, exceto uma, que ainda não
tinha filhos, e outra, que não era casada e morava
com a mãe. Das nove trabalhadoras, no momento da
pesquisa, apenas uma já havia saído do turno noturno.
A análise dos dados foi orientada pela perspectiva
de Análise do Discurso (IÑIGUEZ, 2005), sendo os
discursos fundamentais na (re)construção e reprodução
das estruturas e da organização social. O corpus de
análise foi construído a partir da transcrição das
entrevistas e dos diários de campo, decorrentes das
observações na empresa e no sindicato. Realizou-se
a categorização dos enunciados, conforme eixos
temáticos que emergiram dos discursos na triangulação
entre as falas, nos diários de campo e nos achados
bibliográficos (GIBBS, 2009; MINAYO, 2010).
Foram construídos dois eixos analíticos: o primeiro,
ancorado no conceito de gênero, analisa as maneiras
como as entrevistadas lidam com as desigualdades de
gênero e com a divisão do trabalho também pautada
por essas desigualdades, nas esferas da produção e de
reprodução sociais. O segundo examina a produção de
vulnerabilidades e os processos de saúde-adoecimento
experienciados por essas trabalhadoras.
A pesquisa contou com a aprovação do Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade, através do Protocolo
11/175 - 2011. Todas as entrevistadas assinaram
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
São utilizados nomes fictícios para identificar as
entrevistadas, com o objetivo de manter o sigilo de
suas identidades.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
Resultados
“Dormia menos, mas estava lá...”: dinâmicas na vida
das trabalhadoras
Usamos o termo “gênero” como categoria analítica
que se torna explicativa dos atributos específicos que
cada sociedade impõe ao masculino e ao feminino,
a partir dos lugares social e cultural construídos
hierarquicamente, como relações de poder (SCOTT,
1995). Nessa perspectiva, questiona-se o uso biológicodeterminista do termo “sexo”. Entendemos que
gênero atravessa a relação trabalho-saúde por apontar
a constituição dos processos de trabalho através
de relações desiguais de gênero, que tem efeitos
diferenciados na saúde de mulheres e de homens
trabalhadores (OLIVEIRA, 1997).
Nas entrevistas realizadas com as funcionárias
da empresa em questão, quando perguntamos se
elas percebiam algum tipo de diferença/desigualdade
entre homens e mulheres dentro e fora da empresa,
todas responderam que não notavam. Porém, com o
avançar das entrevistas, elas relacionavam o turno
noturno com as atividades ligadas à reprodução
social, apontando algumas disparidades, conforme
referiram Paula e Rosa3:
Pelo menos o que eu vejo comentar [entre os
funcionários da empresa] é “Ah, dormi o dia inteiro”,
“Ah, não sei o que”, eu digo “Ah, é fácil, né? Porque
[para] nós é diferente!” Eu tenho filho pequeno. Mesmo
tendo filho pequeno, a roupa não pula de dentro da
máquina, lavada. Eu acredito que seja mais fácil [para
os homens] do que para nós (Paula).
Ah, eu não sei, eu não consigo visualizar se para
eles era melhor ou não. A única condição que tinha
é que a gente conversava sempre entre as meninas,
era que as mulheres têm mais responsabilidade, né.
Eles [funcionários homens] conseguem descansar
mais. (Rosa)
De maneira semelhante, Bia4 relatou a facilidade
que os homens encontram no ambiente domiciliar, pois
os cuidados com a casa e com os filhos se restringem
às mulheres, estando eles mais livres para descansar:
“eu acho que tem diferença do homem, chega em
casa e dorme”.
Com relação ao mesmo assunto, a fala de Raquel5, a
mais jovem das entrevistadas, denota a responsabilidade
da mulher como cuidadora do lar, possibilitando a
reflexão acerca da maneira como ela percebe o “papel
3
4
5
6
da mulher” casada, como responsável pelos cuidados
com o marido, funções que ela ainda [só] não exerce
por ser solteira:
Ah, pra mim não é tão difícil porque eu não sou
casada, não tenho compromisso. Não tenho aquela
coisa de chegar e arrumar a roupa do meu marido,
sabe? Eu não preciso. Se eu não lavar com certeza
minha mãe vai lavar. (Raquel)
Em consonância com os achados de Araújo, Picanço
e Scalon (2007) ressaltamos, das falas, a expressividade
de uma jornada intensiva de trabalho feminino, que é
assumida socialmente como algo que diz respeito só
à mulher. Conforme dados do Ministério da Saúde,
as mulheres trabalham durante mais horas do que os
homens e, pelo menos, metade do seu tempo é gasta
em atividades não remuneradas, que acabam por
restringir ainda mais o acesso delas aos bens sociais,
inclusive aos serviços de saúde (BRASIL, 2011).
Através das falas, percebeu-se que grande parte
das mulheres se vê destinada à realização de tarefas
domésticas, e que tais tarefas afetam a sua saúde na
medida em que invadem e constrangem o tempo para
a realização de outras atividades básicas, como sono,
descanso e demais atividades associadas à sociabilidade
e ao lazer. Nesse sentido, a fala de Maria6 ilustra não
só as suas “obrigações” com os afazeres domésticos,
quando descreve sua rotina, mas também os reduzidos
períodos de sono e de descanso que usufrui:
[...] quinze para as oito eu vou dormir, eu chego sete
e dez. Eu durmo até onze e meia. Se eu tenho almoço
pronto eu durmo até meio-dia, senão eu tenho que
levantar às onze. Dependendo o que eu tenho de
almoço pronto... Aí ele [marido] chega tipo meio-dia
e dez com o guri do colégio. Aí nesse horário eu estou
com o almoço pronto. Daí ele almoça, meu esposo
sai para trabalhar e meu guri fica comigo. Aí faço o
tema com ele, se ele tem tema. Já pego ele no início,
já chegou do colégio já faz o tema porque depois ele
fica com preguiça e não quer fazer. Aí depois estuda
um pouco, e eu convenço ele a deitar um pouco e
ver uma tv, ele acaba dormindo antes que eu [risos].
Porque ele levanta cedo, vai cedo para o colégio, aí
eu aproveito e dou um cochilão até umas quatro,
quatro e meia, daí já levanto, faço a janta, dou banho
nele... (Maria)
No relato de Rosa, aparece a tensão cotidiana de
dedicar mais tempo aos filhos, o cansaço relativo ao
turno noturno e ao acúmulo de tarefas:
Era ruim pra nós [o turno noturno], puxado. Estava
sempre cansada, mas era a única opção pra ficar
mais tempo com o filho. E também dava tempo para
fazer tudo: ir ao médico, banco. Se precisava dormia
menos, mas estava lá, pelo menos. (Rosa)
Paula: 26 anos, filho de 6 anos, é casada, está há 2 anos e meio no turno noturno.
Rosa: 34 anos, casada, filho de 11 anos. Trabalhou no turno noturno por cerca de 6 anos.
Bia: 38 anos, casada. Grávida de 4 meses; filho de 15 anos. Há 3 anos no turno noturno.
Raquel: 21 anos, solteira. Há 3 anos no turno noturno.
Maria: 34 anos, casada. Filho de 6 anos. Há 1 ano e meio no turno noturno.
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187
Conforme apontam os estudos, as mulheres
encontram maiores dificuldades no mercado de
trabalho, tanto por serem mães quanto pela idade
dos filhos. Diferentemente dos homens, que, na sua
grande maioria, não têm a carreira prejudicada ou
modificada pela paternidade. A responsabilidade pelo
cuidado e educação dos filhos e a insuficiência de
creches, por exemplo, limitam a saída da mulher para
o trabalho remunerado, sobretudo se os rendimentos
obtidos são insuficientes para cobrir custos com formas
remuneradas de cuidado infantil (ROTENBERG, 2004;
BRUSCHINI, 2007; FREIRE, 2007).
No trabalho noturno, a presença de algum membro da
família que auxilie nos cuidados com o(s) filho(s) é fator
determinante para a continuidade (MARCONDES et al.,
2003; ROTENBERG, 2004). Foi evidenciado, nas falas
das entrevistadas, particularmente das que têm filhos
menores de 15 anos, que a presença dos filhos foi, em
alguns momentos, um fator motivador para o ingresso
no trabalho noturno. Como no caso de Rosa, que
atualmente trabalha apenas no sindicato e não mais
no turno noturno: “[...] eu optei por ficar nesse turno
por isso, pela questão de que eu conseguia estar em
casa, meu filho que era pequeno na época. Eu tenho
um filho que agora está com 11, era menor, então
eu optei por uma forma de eu conseguir ter alguns
momentos com ele, né?”
Tal fato se repetiu na entrevista de Bia, que referiu
a mesma razão para a incursão noturna como horário
de trabalho:
Olha para mim, cada uma tem a sua particularidade,
né? Eu vim para o terceiro [turno noturno] porque
eu quis acompanhar mais meu filho durante o dia,
eu ficaria mais tempo com ele durante o dia. Dá para
acompanhar ele no colégio... Ah, e agora como ele
já é mais um adolescente, pré-adolescente no caso,
eu já fico mais por perto dele, né? Então eu optei
pelo terceiro. Para mim foi mais por essa parte. (Bia)
As falas das entrevistadas delinearam uma mulher
disposta a alterar sua rotina, a mudar de emprego e/ou
reorganizar o tempo de trabalho em prol do cuidado
com os filhos, passando por cima de quaisquer formas
de saúde física e psicossocial por razões maternas:
Então para nós, mães, é uma coisa sacrificada porque
tu tens que arrumar um tempo para dormir, tu não
dormes. Barulho do dia para nós às vezes atrapalha.
É uma coisa assim que tem vezes que tu estás tão
cansada que chega e dorme. Tu chegas e apagas, mas
tem vezes que não. É barulho do dia a dia, é vendedor,
é tudo, tudo que gera em torno de ti durante o dia só
que tu estás dormindo... (Bia)
[...] eu tive a apresentação do meu guri e eu saí daqui
no sábado de manhã. Eu tive que ir no centro no
sábado de manhã, eu não consegui dormir e à tarde
eu tive que ir no colégio porque tinha a apresentação.
E não dormi. Aí eu sei que eu fui no centro, voltei, fiz
o almoço, fui para apresentação. Não tinha dormido
188
nada. Aí quando chegou cinco horas da tarde o corpo
não estava aguentando mais. E parecia que eu tinha
tomado... Chapada, né? Porque meus olhos... (Maria)
As dificuldades para conciliar trabalho e família
são ainda maiores para as mães de filhos pequenos,
não só porque eles requerem maiores cuidados, mas
também em decorrência da frágil política pública para
atenção às crianças de 0 a 6 anos. De acordo com o
levantamento do Tribunal de Contas do Estado do Rio
Grande do Sul (TCE-RS), entre 2008 e 2011, o Estado
deixou de criar 189 mil vagas para a Educação Infantil,
e não cumpriu com as metas do Plano Nacional da
Educação (PNE) para o Ensino Infantil. Importante
refletir que “[...] a cada 100 crianças de 0 a 3 anos
do estado, apenas 23 receberam atendimento em
creches, independente da rede. Entre as crianças de
4 a 5 anos, apenas 63 a cada 100 foram atendidas na
pré-escola” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA, 2012; RIO GRANDE DO SUL, 2012).
Isso indica uma situação de inequidade, em que a
falta de assistência às crianças reflete diretamente
na ocupação da mãe.
Para suprir essas carências, o que normalmente
acontece é que as trabalhadoras contam, quando
podem, com a ajuda de terceiros nos cuidados com
os filhos, e ficam à mercê de algum auxílio prestado
por alguém que mantenha algum vínculo familiar
(avó, tia, filha) ou vínculo social (vizinha), ou, ainda,
alteram seu trabalho ou suprimem seu descanso
(BRUSCHINI, 2007; SCHIRMER, 1997; DEDECCA;
RIBEIRO; ISHII, 2009).
É comum que a mulher deixe de trabalhar, reduza
o horário de trabalho ou altere o turno em prol do
cuidado com os filhos. Porém, muitas vezes, esse
contínuo “adaptar a vida aos afazeres domésticos” reitera
desigualdades de gênero e acaba por naturalizar a falha
dos equipamentos públicos para com a assistência às
trabalhadoras e às crianças (OLIVEIRA, 1999; DEDECCA;
RIBEIRO; ISHII, 2009; BRUSCHINI, 2007). Uma das
entrevistadas expressou que, devido à “ausência” de
alguém que cuidasse do seu filho, preferiu reorganizar
o horário de trabalho, com a finalidade de atender às
exigências da relação mãe e filho:
Quando eu vim para o terceiro foi por necessidade,
porque eu não tinha quem pegasse meu filho no
colégio, porque ele estava saindo da creche, a gente
criou ele sempre em creche, aí ele estava indo para o
colégio para o primeiro ano e não tinha quem pegasse
ele. Eu tentei alguém, ninguém queria aquele pouco
tempo que era um horário das cinco às sete horas
que meu esposo chega. Ninguém queria trabalhar
naquele horário, sabe? Não era de graça, eu ia pagar,
mas ninguém queria aquele compromisso daquele
horário porque achavam muito pouco tempo. Aí
não tinha quem pegasse ele, aí eu optei por trocar de
turno. No início foi complicado... (Maria)
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
A partir desse ponto, a entrevistada relata que
não gostou, inicialmente, da mudança. Contudo,
ao perceber que o tempo que passava com o filho
se tornou maior, passou a enxergá-la como positiva,
independentemente do desgaste físico. Essa referência
também foi mencionada por Bia: “[...] uma reunião
no colégio, pegar ele no colégio, pegar o boletim,
participar de alguma coisa que eles apresentam. Isso
é muito importante. Faz um pouquinho de sacrifício,
dorme um pouquinho menos, mas tu estás sempre lá.”
A pesquisa evidenciou que os horários diurnos
são ocupados, pela maioria das trabalhadoras, com
o descanso (dormir), com afazeres domésticos e com
obrigações vinculadas aos filhos. Quando questionadas
sobre os períodos de lazer, algumas demonstraram
insatisfação com a falta de momentos de distração,
referiram que sentem falta de sair em horários “normais”,
“sem preocupação”. Outras, no entanto, demonstraram
satisfação nesse aspecto, pois associaram lazer com
o cuidado materno.
No que tange à representatividade feminina na
empresa estudada, principalmente no turno noturno,
os homens ocupam cerca de 90% dos cargos. No
entanto, mesmo se tratando de um setor produtivo
majoritariamente masculino, vem acompanhando a
tendência mundial de aumento da força de trabalho
feminino, e por isso demonstrando maior incremento
de mão de obra feminina, ao longo dos últimos anos
(SARDENBERG, 2004; ARAÚJO; OLIVEIRA, 2006).
Porém, o aumento do trabalho feminino tem sido
parte de uma nova forma de trabalho, para a qual
as empresas têm se reestruturado por objetivarem
produzir mais, obtendo maiores lucros com menores
custos (MONTAGNER, 2004; OLIVEIRA, 1999; BRITO,
2000; ARAÚJO; OLIVEIRA, 2006).
As tentativas de modernização e de redução de custos,
em boa parte das empresas do setor metalúrgico, têm
propiciado o aumento do desemprego, a precarização
das condições de trabalho e a flexibilização da jornada
de trabalho (OLIVEIRA, 1997; GIANNASI, 1997;
DEDECCA; RIBEIRO; ISHII, 2009). Além disso, essa
modificação, chamada reestruturação produtiva, aguça
ainda mais a desigualdade entre os gêneros. As mulheres
são submetidas a funções menos qualificadas, aos
trabalhos mais intensificados e aos postos taylorizados,
que ainda exigem delas qualidades vistas como
essencialmente femininas, como cuidado, paciência,
atenção, destreza, além de exigirem a necessidade
de realizar atividades repetitivas (GIANNASI, 1997;
ARAÚJO; OLIVEIRA, 2006).
A existência de desigualdades pôde ser percebida a
partir do discurso de Maria, que demonstrou interesse
em se qualificar, mas que, segundo sua avaliação, não
alteraria em nada sua situação na empresa:
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
Eu queria estudar, mas agora com meu filho tenho
que dar primeiro atenção para ele. Depois quando
ele estiver maior... Ele cresce muito rápido. [...] como
esses dias eu ainda pensei, né? Faz falta tu estudar
para aprender, mas em relação ao nosso salário não
vai mudar. Não vai mudar porque tem tanta gente
já formada ali que não ganha a promoção, que às
vezes surge uma promoção e eles pegam às vezes um
de fora e não pegam do setor que está formado. Aí,
tu vais estar deixando teu filho sozinho em casa e
estudar para saber que teu salário vai ficar a mesma
coisa. Mas é bom para aprender, mas se vai pensar
em relação de aumentar o salário... (Maria)
As mulheres do turno noturno da empresa estudada
trabalham em apenas um setor, aquele que envolve
a distribuição de peças (CDP), e não apresentam
perspectivas de plano de carreira, de acréscimo de
salário ou de progressão funcional, conforme foi
explicitado pelas entrevistadas. Ao questionamento
acerca das possibilidades de progressão para os
homens, as falas tornam evidentes as desigualdades
entre os gêneros. Segundo os relatos, para os homens
a qualificação pode gerar novas oportunidades dentro
da empresa.
Nessa altura, identifica-se que, apesar de anteriormente
as mulheres terem negado qualquer diferença/
desigualdade de gênero, no âmbito da progressão
profissional foram apontadas as oportunidades que
os homens dispõem dentro da empresa, e que elas
não possuem. Tais dados conferem com os estudos já
existentes, constatando que, mesmo alguns homens
dividindo as mesmas funções que as mulheres,
eles têm a chance de ocupar cargos que exigem
conhecimentos mais técnicos e científicos, áreas
mais modernas e tecnológicas, funções de chefia e de
liderança, conquistando, portanto, melhores salários;
já as mulheres não vivenciam as mesmas perspectivas
de trabalho (GIANNASI, 1997; BRITO, 2000, 2011;
ARAÚJO; OLIVEIRA, 2006).
A divisão do trabalho pautada nas relações desiguais
de gênero atravessa a reestruturação produtiva,
implicando a coexistência de um setor flexibilizado
masculino e de um setor taylorizado feminino. Porém,
a maioria dos estudos de análise da reestruturação
produtiva acaba por apontar os aspectos positivos,
dando ênfase ao trabalhador moderno, polivalente e
qualificado, “esquecendo” que as mulheres não têm
sido requalificadas para os novos equipamentos de base
microeletrônica, e nem têm sido contempladas com
aperfeiçoamentos técnicos, nem maiores rendimentos
(BRITO, 2000; HIRATA; KERGOAT, 2007). Em suma, o
trabalho das mulheres nas indústrias é caracterizado
pela repetitividade, monotonia e pelo ritmo intenso,
sem obterem melhores oportunidades (BRITO, 2000).
No que se refere ao sindicato de metalúrgicos
da região pesquisada, embora agregue homens e
mulheres, a maioria é masculina. A representatividade
189
das trabalhadoras noturnas é ainda menor por esse
turno ser ocupado quase que totalmente por homens.
O processo de transformação da estrutura sindical e
a incorporação política das mulheres nas estruturas
de poder ainda não são suficientes para garantir a
igualdade de tratamento, nas relações de trabalho e nas
relações sindicais, entre mulheres e homens (COSTA,
2004). As vivências de trabalhadoras metalúrgicas
em relação ao sindicato ainda estão permeadas
pela exclusão feminina e pelos tratamentos sexistas
(SARDENBERG, 2004).
No presente estudo, a maioria das entrevistadas
confirmou a importância da existência do sindicato.
No entanto, transpareceu, nas falas, o desconhecimento
e, ainda, o acesso restrito aos direitos trabalhistas, que
poderiam ser mais bem mediados pelo sindicato, bem
como a reduzida representatividade feminina, uma
vez que as reivindicações são mais pensadas para os
trabalhadores do que para as trabalhadoras.
A saúde das trabalhadoras na penumbra: reflexões
sobre vulnerabilidades
Neste tópico, articulamos as falas analisadas com
a reflexão de Ayres et al. (2009) sobre a produção de
vulnerabilidades em saúde, e com as considerações
sobre os efeitos das desigualdades de gênero nos
processos de saúde-adoecimento.
Ao considerar as vulnerabilidades, chamamos
atenção para o “[...] conjunto de aspectos individuais e
coletivos relacionados ao grau e ao modo de exposição
à dada situação e, de modo indissociável, ao maior ou
menor acesso a recursos adequados para se proteger
das consequências indesejáveis daquela situação”
(AYRES et al., 2009, p. 123). Destacam-se os aspectos
da produção de vulnerabilidades que dizem respeito
às dimensões individual, social e programática, para
pensar a relação gênero/trabalho/saúde. Consideram-se,
no plano individual, as percepções e as maneiras de
agir de acordo com os saberes e as possibilidades com
as quais contam os sujeitos. No plano social, referimos
às práticas coletivas de enfrentamento às adversidades,
conforme a disponibilidade de recursos e ao acesso a
esses recursos. E no plano programático, pensamos a
falta de investimentos em ações e programas, serviços
sociais e de saúde de fácil acesso, com alta qualidade,
democraticamente delineados; assim como a falta
de adoção de mecanismos de não discriminação nas
instituições.
Em relação aos resultados do estudo, no plano
individual das vulnerabilidades, pode-se notar que as
entrevistadas encontram uma série de adversidades.
Pode-se ressaltar o cansaço e a falta de sono decorrentes
7
do acúmulo de tarefas no cotidiano, para além do
âmbito de trabalho, como o principal diferencial
causado pelo turno noturno.
Em muitos momentos, elas se referiram à privação
do sono, à dificuldade ou ao pouco tempo para dormir,
aos barulhos do dia e aos afazeres que comprometem
o tempo de descanso. O sono não é o mesmo do que
aquele realizado à noite: “não é um sono reparador”,
como enfatiza uma entrevistada. Reportaram-se à
dificuldade em “pegar no sono”, ao chegar a casa,
devido às características do período diurno (barulho
intenso), assim como às “obrigações” a elas imputadas.
As trabalhadoras também relataram que, muitas
vezes, se sentem agitadas, e por isso não conseguem
dormir – fato já descrito como relativo às alterações
fisiológicas do organismo referentes ao turno noturno,
e que podem gerar adoecimentos que comprometem a
saúde em geral (AVENDAÑO; GRAU; YUS, 1997; RÉGISFILHO, 2002; MARCONDES et al., 2003; MORENO;
LOUZADA, 2004; ROTENBERG, 2004; FISCHER;
LIEBER, 2007; RIBEIRO, 2008; MACAGNAN, 2010).
Quanto a esse aspecto, Maria relatou:
É que às vezes as pessoas sabem que tu trabalhas à
noite, mas as pessoas não respeitam. Às vezes elas
vêm trovar na frente da tua casa, sabem que tu estás
dormindo. Geralmente, no inverno é ótimo que tu não
vês ninguém na rua. Agora dá uma esquentadinha e
todo mundo vai para a rua. Aí, é aquela barulheira.
Tem dias que eu não durmo à tarde, só aquele soninho
da manhã. Às vezes, eu deitei quinze para as oito e
eu tive um sono só até meio-dia. E acordei renovada.
Entende? O problema é que às vezes o telefone toca,
aí tu te levantas para atender, porque o convencional
é lá... Aí não é nada, aí tu te irritas. À tarde quando
eu deito, eu estou acostumando tirar do gancho, que
daí eu consigo dormir. Pela manhã não posso, vai que
acontece alguma coisa com meu guri, mesmo tendo o
celular, não fico tranquila. Aí às vezes toca o telefone,
tu vais atender e é besteira, te oferecendo pacote...
Aí tu já acordaste, para voltar tudo de novo. (Maria)
Cabe ressaltar que as percepções sobre as dificuldades
e adversidades relativas ao turno de trabalho foram
sendo expressas ao longo das entrevistas, já que,
inicialmente, elas não reportavam quaisquer incômodos.
Outra queixa foi referente às alterações fisiológicas
geradas pelo turno noturno, e também a repercussão
que isso pode gerar em âmbitos individual e social:
É que o sono do dia não é o mesmo que o sono da
noite, né? Então o que acontece, que assim como as
outras também, chega fim de semana, principalmente
no sábado que tu não vais trabalhar tu passas a noite
acordada... (Vera7)
No final de semana quando tu queres aproveitar tipo
como todo mundo, então no tempo que tu tens para
ficar com a tua família, tu estás desmaiando. Que nem
eu no final de semana que eu deitei às três horas de
Vera: 45 anos, casada. Filho de 15 anos. Há 5 anos na empresa e há 4 no turno noturno.
190
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
domingo e acordei às dez da noite. Quando estava
todo mundo querendo dormir eu estava bem ligada
querendo conversar... (Raquel)
Interessante trazer à luz a condição de trabalho
vivenciada por Dulce8, vigilante noturno, que enfrenta
intensa pressão psíquica por precisar estar em constante
estado de alerta, pois porta arma de fogo e cuida da
segurança da empresa. Além disso, agrega maior
jornada de trabalho (12 horas) e, segundo ela, “[...] não
tem feriado nem final de semana. É sempre um dia
sim um dia não”. Ela também relata estar estressada
e com dificuldades para dormir:
Eu até durmo durante o dia. Eu deito quando eu chego
de manhã, mas na minha noite de folga eu não consigo
dormir. Eu tenho mal-dormir. Quando eu consigo
dormir é um mal-dormir horrível. E ultimamente eu
não consigo, não estou conseguindo dormir de dia
também. Eu agora mesmo eu estou... Acho que dois
dias que eu não consigo dormir. Não sei se é estresse,
acho que é... Vai cansando. Acho que é o estresse.
Amanhã de manhã eu vou na empresa lá e eu quero
pedir alguma coisa para me ajudar a relaxar. [...] Eu
preciso trabalhar. Sábado eu não consegui vir. Cheguei
no meu limite. Fazia muitas e muitas horas, aí eu
comecei a ter tontura. Aí não vim trabalhar. (Dulce)
Um ponto que merece atenção é de caráter hormonal.
Por estarem acordadas em um período em que o corpo
habitualmente estaria em repouso, alguns hormônios
não reagem da mesma forma, bem como o sistema
digestivo dessas mulheres, comprometendo sua saúde
e seu bem-estar. Associando isso à má alimentação,
podem ser gerados agravos físicos, ou propiciado o
agravamento de algumas doenças (CRISTOFOLETTI,
2003; ASSIS; MORENO, 2004; FISCHER; LIEBER,
2007; MACAGNAN, 2010).
Através das entrevistas, algumas irregularidades
puderam ser percebidas nas refeições das trabalhadoras,
tanto na qualidade quanto na quantidade dos alimentos
consumidos. No que tange às limitações relativas
aos horários das refeições, também há dissonâncias:
como ocorrem em horário não usual, se comparadas
com a de grande maioria dos trabalhadores, algumas
tinham o hábito de “beliscar alguma coisa”, ao invés
de jantar, ou não “tinham apetite” no horário em que
era servida a janta da empresa, por acharem estranho
fazer uma refeição tão tarde.
A aglutinação das alterações metabólicas com a
fragilidade alimentar torna as trabalhadoras mais
suscetíveis ao desenvolvimento de algumas doenças,
como hipertensão, patologias cardíacas, dislipidemias,
alterações hormonais, transtornos do apetite, gastrite
crônica, sobrepeso, obesidade, diabetes e outros
acometimentos que geram uma piora na qualidade de
8
9
vida dessa população (MORENO; LOUZADA, 2004;
COSTA, 2004; BARRETO, 2008; MACAGNAN, 2010).
No presente estudo, foi possível perceber que algumas
entrevistadas estavam com excesso de peso. Além
disso, no decorrer das entrevistas, algumas mulheres
relataram desconforto com o peso, e apontaram o turno
noturno como fator potencializador desse problema.
Alice9, além de afirmar seu excesso de peso, também
apontou outras funcionárias do turno noturno como
tendo adquirido peso:
Eu já estava gordinha, mas eu percebi que eu ganhei
mais peso, porque na verdade assim eu não sou muito
magra. A Teresa e a Raquel são um caso à parte, mas
se tu olhar a maioria das mulheres tão todas bem
fortinhas. Daí eu percebo assim, que eu nunca fui
uma pessoa muito de atividade física, mas eu noto
que eu estou muito mais sedentária... (Alice)
Outro aspecto impactante à saúde das trabalhadoras,
relacionado com a alimentação, foi expresso por Vera,
visivelmente com obesidade, que relatou ser hipertensa
e se sentir infeliz com seu peso. A entrevistada pretendia
se submeter à cirurgia bariátrica, objetivando reduzir
o peso e melhorar a qualidade de vida. No entanto, o
médico não aceitou operá-la, porque entendeu não
ser seguro submetê-la ao procedimento devido ao
turno de trabalho e às responsabilidades exigidas no
pós-operatório:
Até eu ia fazer a cirurgia bariátrica. Mas daí o médico
ficou muito preocupado por causa do meu horário de
trabalho. Porque tudo é regrado [no pós-operatório].
Tem horário para se alimentar... Várias coisas... Aí o
horário que eu trabalho ele ficou muito preocupado.
A única coisa que tem em relação à cirurgia era o
horário mesmo. Até eu fiquei meio assim... [...] mas
daí eu estou pensando seriamente... Se é para arrumar
uma coisa e estragar outra, né? (Vera)
Faz-se interessante ressaltar que Dulce, aparentemente
também com sobrepeso, embora já tenha realizado a
citada cirurgia há alguns anos antes de aderir ao turno
noturno, faz menção às dificuldades alimentares que
enfrenta. Ela se refere ao fato de, por vezes, precisar se
alimentar rapidamente, devido às pressões do horário
de trabalho, o que a faz sentir alguns desconfortos:
Eu particularmente antes, eu fiz uma cirurgia de
redução de estômago há oito anos. Oito anos atrás.
Eu tinha 150 kg. Ninguém diz. Tu sabes que eu me
alimento muito mal, que eu não como carne, eu
tenho que comer devagarinho. Então eu como quase
nada, me alimento muito ruim, tenho que estar
sempre tomando vitamina. É bem complicado. Se
eu vou lá e janto correndo e volto correndo, chega
dez para às três da manhã, que é a saída da empresa,
eu chego aqui já não para no estômago. Para mim é
complicado. (Dulce)
Dulce: 37 anos, casada. Uma filha com 14 anos e outra com 19 anos. Há 1 ano e meio no turno noturno da empresa.
Alice: 45 anos, casada. Filho de 24 anos. Na empresa, há 15 anos, e há 1 ano e meio no turno noturno.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
191
Na fala das entrevistadas, foram identificadas
queixas de dores no corpo por esforços repetitivos,
relacionadas não só ao cansaço, mas também ao tipo
de atividade desenvolvida, conforme a função que
ocupam na área de conferência. É o caso de Teresa10,
que já ficou “de atestado” por um tempo devido às
dores. Ela trabalha na conferência, setor que exige
a execução de movimentos físicos repetitivos, e é
considerado, segundo as trabalhadoras, “um trabalho
bastante pesado e manual”.
Raquel exerce a mesma função, e mencionou mais
problemas físicos do que Teresa, ainda que seja mais
jovem: “[...] tenho duas hérnias de disco, tenho escoliose,
tenho tendinite, tenho bursite, tenho síndrome do
carpo”. Ao ser questionada sobre as possíveis causas
das doenças, ela indica a condição de vulnerabilidade
vivenciada, reforçando a gravidade que essa forma de
trabalho pode gerar a longo prazo: “[...] eu não tinha,
eu adquiri tudo aqui dentro. Eu trabalho na área da
conferência, no caso. Na separação não tem esforço
repetitivo porque tu fica caminhando, né. Agora, na
conferência, tu tem que ficar conferindo o que vem.”
(Raquel)
Vera, que trabalhava no mesmo setor, relembra
que pediu para alterar sua função devido às dores
relativas ao trabalho, ilustrando também a dificuldade
de consultar o médico da empresa (devido ao turno
noturno), além dos acometimentos à saúde relativos
ao tipo de trabalho:
Agora eu estou trabalhando nos kits, é mais tranquilo.
Eu trabalhava na conferência e vivia em tratamento,
em terapia, não dava mais. Aí tinha que estar faltando
sempre porque o médico que trabalha aqui ele não
atende em outro horário. Tu tens que ter o teu cartão
[da empresa], aí não dava. (Vera)
Pesquisas mostram que as mulheres constituem
o grupo mais atingido, no trabalho, por doenças e
por lesões osteomusculares relacionadas ao esforço
repetitivo (LER/DORT). O setor industriário é o
maior responsável por esses processos. Nessa faixa
incluem-se as metalúrgicas, devido, principalmente, à
concentração de mulheres nas linhas de montagem e
nos postos marcados pelo ritmo intenso e por tarefas
repetitivas (BARRETO, 1997; OLIVEIRA; 1999; BRITO,
2000; ARAÚJO; OLIVEIRA, 2006).
As entrevistadas expressaram vivências que
podem ser relacionadas à noção de sofrimento mental,
tratado como uma experiência vivida no cotidiano
que incide na qualidade de vida. O sofrimento mental
não necessariamente se converte em um estado
patológico permanente, mas pode vir a se tornar,
a partir das experiências: uso do tempo dentro e
fora do trabalho como estruturante do sofrimento;
10
ausência de qualificação, provocando sentimento
de inutilidade; e ausência de finalidade do trabalho.
“Se o trabalhador não pode pensar sobre as tarefas,
a relação construída com o processo de produção
será sempre uma relação de inutilidade e alienação”
(DEJOURS apud OLIVEIRA, 1999, p. 79). Tais fatores
impactam a saúde e se tornam ainda mais deletérios
quando fundados sobre a margem da desigualdade
de gêneros. Esse sofrimento é definido pelas próprias
trabalhadoras entrevistadas como estresse, ainda que
não relatado literalmente, mas manifestado por meio
de outras formas de expressão.
Como mostram os estudos epidemiológicos, as
trabalhadoras noturnas estão sujeitas, diariamente, a
uma gama de aspectos que podem acarretar episódios
de sofrimento e adoecimentos, já que as alterações
de humor são, muitas vezes, reações do organismo
ao estresse, que pode ser oriundo das mudanças nos
horários de sono e na falta de descanso (BARRETO,
2008).
Além disso, entre os potenciais impactos à saúde
estão: o ambiente de trabalho, o turno de trabalho; o
reduzido tempo de sono e de repouso, o horário do
descanso e as intercorrências no período diurno; os
hábitos alimentares dentro e fora da empresa; a realização
de atividades domiciliares; o constrangimento do tempo
de lazer, o isolamento social e muitos outros aspectos,
todos em concomitância, propiciando o acúmulo
de penosidades (ROTENBERG, 2004; OLIVEIRA,
2005). Relaciona-se um relato sobre o desconforto e a
insatisfação que a supressão e a inversão dos tempos
de socialização e lazer podem gerar:
Minha questão, família, no caso, é complicada porque
tu trabalhas no terceiro [turno noturno], aí tu ficas
sempre diferente dos outros. Se alguém combina para
sair, né? Porque geralmente no verão todo mundo
quer sair. A partir das seis horas todo mundo está
em casa: “Ah, a Bia tem que trabalhar”, “Aí, vamos
marcar outro dia porque a Bia tem que trabalhar”.
Aí a gente fica... [pausa] Mas tranquilo, eles aceitam
numa boa, sabe? Principalmente meu marido e o
Pedro, meu filho, a gente nota que eles queriam que
a gente tivesse presente. (Bia)
Possivelmente, de todos os impactos à saúde,
talvez os problemas relativos ao sofrimento mental
(estresse, tensão, irritabilidade, depressão) sejam os
mais limitantes, pois, além de serem “invisíveis”,
estão relacionados com todos os outros processos que
podem ser gerados a partir da relação gênero e trabalho
noturno (REGIS-FILHO, 2002; MARCONDES et al.,
2003; MORENO; LOUZADA, 2004; ROTENBERG, 2004).
Neste artigo relacionamos tais agravos à saúde
com a divisão do trabalho pautada em relações
desiguais de gênero, bem como apontamos a relação
Teresa: 30 anos, casada. Sem filhos. Trabalha na empresa há 3 anos, sempre no turno noturno.
192
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desses agravos com a piora na qualidade de vida
dessas trabalhadoras, com as vulnerabilidades sociais
produzidas por desigualdades de gênero decorrentes
da responsabilização gerada pela dupla jornada de
trabalho e pela falta de descanso devido ao horário
noturno.
Quanto à dimensão social de produção de
vulnerabilidades, ressalta-se, aqui, o acúmulo de tarefas
na organização dos afazeres domésticos decorrentes de
relações de gênero desiguais. Com relação ao cuidado
dos filhos, destacamos a não disponibilidade de creche
como equipamento social para trabalhadoras de turno
noturno, tendo que ser mobilizadas redes de apoio na
família e, ainda, estratégias já referidas das mulheres
para organizar esses cuidados.
Agregando às relações de gênero o trabalho
realizado à noite, tornam-se mais substanciais as
vulnerabilidades devido à diferente forma de organizar
o dia, que tende a ser mais complexa para as mulheres,
conforme discutimos anteriormente, propiciando a
intensificação das cobranças físicas e mentais.
Raquel foi uma das trabalhadoras que verbalizou
estresse, ao responder como seu namorado reagia ao
turno em que ela trabalha:
O meu namorado já sofreu mais... Agora ele está
mais, assim... O meu problema é com estresse, sabe?
Depois que eu passei para o turno da noite, depois
que eu comecei a trabalhar à noite eu percebi que eu
fiquei muito mais estressada do que eu já era, quer
dizer, não sei se eu era. Eu era alegre, sabe? Têm
dias que eu estou, assim, que não podem me falar
um ai... (Raquel)
Sobre o questionamento acerca da razão do
estresse, Raquel o relaciona com a falta de convívio
social e de lazer, questões que aparecem em estudos
que os apontam como geradores de mais insatisfação
e de intolerância ao trabalho, além de promoverem
irritabilidade e outras questões psicológicas, para
além da falta de descanso e das limitações do sono
(OLIVEIRA, 2005; ARAÚJO; OLIVEIRA, 2006). A
entrevistada relatou, ainda, que recebe atendimento
psiquiátrico:
Eu não sei se pelo sono. Eu me trato com uma
médica, e ela diz que é pelo meu horário mesmo.
Eu não participo, eu adoro esse turno, mas querendo
ou não eu não participo da vida da minha família.
Só nos finais de semana... [...] Eu tenho convivido
muito mais, claro com todo mundo, né? Mas quem
eu converso mesmo, quem eu passo mais tempo
acordada é com o pessoal da empresa. E é onde eu
estou menos estressada, porque eu estou saindo de
casa e eu estou... Nossa! Sabe? Com muita raiva!
Quando eu chego aqui começa a passar, começo a
melhorar. Teve uma época pior, antes nem queria
voltar para casa, mas agora está bem menos... Agora
eu já estabilizei... (Raquel)
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Raquel, a mais nova do grupo, reside com a mãe, e,
conforme já exposto, não tem filhos. Diferentemente
de Paula, que tem um filho de 6 anos, mora com o
marido e divide o terreno onde está sua casa com sua
mãe. Mesmo Paula contando com a ajuda da mãe,
ainda assim enfrenta maiores atribuições domésticas
do que Raquel, cujo estresse decorre do isolamento
social gerado pelo turno de trabalho. Paula, além de
dispender mais tempo com os afazeres domésticos,
também enfrenta o turno noturno, e descansa ainda
menos do que Raquel. Conforme anteriormente
citado, Paula também está insatisfeita com o reduzido
período de lazer:
Depois que eu vim para a noite eu fiquei mais
preocupada, tudo para mim estava bom, agora está
tudo ruim, sabe. Muito ruim. Eu estava acostumada
a trabalhar em comércio, é tudo diferente, sempre
uma coisa diferente. Aqui é todo dia mesma coisa,
sabe? Fechado. Aí tu vais para a rua, olha o céu...
Preto, sabe? Sempre aquela mesma rotina. Até estou
adorando. Eu nunca imaginei trabalhar num lugar
fechado, à noite, mas tu não vive. Tu aproveitas mais,
tu curtes teu filho, mas tu não vives. Enquanto está
todo mundo acordado tu estás lá dormindo, quando
está todo mundo dormindo tu estás lá acordada. (Paula)
As constantes menções ao estresse gerado a partir
das jornadas de trabalho merecem atenção. Conforme
estudo epidemiológico (DORNELLES; LEHFELD;
ENGLER, 2010), as mulheres que trabalham fora de
casa e são responsáveis pelos cuidados de crianças
e de idosos estão mais propensas a desenvolverem
depressão. Além disso, ainda segundo esse estudo,
mostraram-se mais vulneráveis aquelas em extremidades
econômicas, ou seja, as que ocupam melhores
cargos e as de baixa renda. Sendo assim, a situação
familiar (presença ou não de parceiro, presença ou
não de filho(s), presença de filho(s) com parceiro,
presença de filho(s) sem parceiro; apoio social; e
atitude positiva do cônjuge ou companheiro(a) em
relação ao turno de trabalho da mulher) pode vir a ser
característica determinante no processo de tolerância
e de adaptação ao trabalho noturno, podendo ou não
ser desencadeadora de sofrimento psíquico (OLIVEIRA,
1999; MARCONDES et al., 2003; ROTENBERG, 2004).
O mesmo estudo de Dornelles, Lehfeld e Engler (2010)
demonstrou que as mulheres com cônjuge e filho(s) são
as que mais dedicam tempo aos afazeres domésticos,
quando comparadas às solteiras. Portanto, sofrem
mais com a jornada fora do local de trabalho, o que
confirma os achados encontrados nesta pesquisa.
Ao questionar algumas das entrevistadas com
filhos sobre a possibilidade de continuar no trabalho
noturno, se não tivessem apoio ou auxílio de alguém
no cuidado com os filhos, todas referiram que seria
inviável, e que possivelmente não trabalhariam no
turno noturno. Ressalta-se, mais uma vez, a tensão
e preocupação agregada à relação turno-filho(s) e
193
a falta de amparo social às trabalhadoras. Muitas
vezes, nas falas, essas situações apareceram como
obstáculos, mas elas demonstraram modos de lidar
compensatórios. Por exemplo: dedicar mais tempo
para os filhos; visto como responsabilidade atribuída
à mulher, mas também como algo desejável e positivo.
como fator de aguçamento das desigualdades de gênero,
e como promotora de sofrimentos mentais, como,
por exemplo, através do sentimento de inutilidade
e incapacidade profissional. Configura-se, desse
modo, mais um aspecto programático de produção
de vulnerabilidades em torno do gênero.
Apesar das queixas e das suscetibilidades, algumas
entrevistadas demonstraram satisfação com o fato de
estarem trabalhando, pois, mesmo com as adversidades
nas formas de organização dos tempos, elas ainda
preferem trabalhar a ficar em casa. Como notam outros
estudos (OLIVEIRA, 1997, 1999; SARDENBERG,
2004; DORNELLES; LEHFELD; ENGLER, 2010),
além da contribuição econômica, elas se sentem
mais respeitadas e mais valorizadas pelos próprios
cônjuges por estarem trabalhando remuneradamente,
ainda que isso signifique uma constante batalha com
os afazeres domésticos.
Um aspecto unânime relatado pelas entrevistadas
foi em relação à qualidade da refeição servida pela
empresa. Segundo elas, a refeição parece ser constituída
por “sobras” das refeições dos outros turnos e, por
vezes, algumas delas não têm vontade de comer.
Percebem-se vulnerabilidades decorrentes da falta
de serviço adequado quanto à alimentação oferecida
no âmbito da empresa. “Eu e a Paula, sabe, a gente
almoça na mesma mesa. Aí a gente só se olha, ‘hoje
tá feia a coisa’, aí eu já pego mais uma fruta. Eu tento
pegar alguma coisa que eu vá comer depois”; diz Bia
em entrevista.
Se focarmos no plano programático da produção
de vulnerabilidades, foram destacados, nas falas,
vários aspectos, em relação à empresa, que as deixam,
assim como aos trabalhadores, “desprotegidas”, por
exemplo: usufruto de ginástica laboral, que, embora
a empresa ofereça, nem todos participam; dificuldade
de consultar o médico da empresa; alimentação
insatisfatória, particularmente para os trabalhadores
do turno noturno. Tais dificuldades institucionais
tornam-se mais aprofundadas quando incluímos a
dimensão de gênero.
Maria referiu-se à alimentação como “ruim”, e
acrescentou que, para as mulheres, isso não é tão
importante quanto para os homens. Deixando, então,
transparecer que os homens teriam certa prioridade
no que concerne à alimentação em relação às
mulheres, demonstrando a desigualdade de gênero
já naturalizada, e ainda denotando a invisibilidade
que esses funcionários experimentam através da
pobreza alimentar:
Notoriamente, a maioria das empresas, hoje em
dia, faz uso de estratégias que possam minimizar ou
evitar agravos à saúde do(a) trabalhador(a) (BARRETO,
1997; OLIVEIRA, 1999; ARAÚJO; OLIVEIRA; 2006), já
que quanto mais ele adoece, maiores são as chances
dele ficar afastado do trabalho, comprometendo a
produtividade.
A empresa em evidência oferece área de recreação e
de ginástica laboral aos funcionários como mecanismos
destinados a evitar a aquisição das LER, bem como de
outros adoecimentos. Teresa refere gostar da atividade:
“[...] tem aqui também a ginástica laboral... Eu gosto,
venho todo dia. Não é assim um exercício, mas é bom
pra relaxar!” Porém, se considerarmos as frequentes
referências das entrevistadas aos agravos à saúde, esse
empreendimento aparece como limitado.
Conforme citado, na empresa estudada, os homens
desenvolvem os mesmos serviços que as mulheres,
portanto todos estão sujeitos aos mesmos acometimentos
à saúde. Contudo, tendo por base o conteúdo das
entrevistas, foi ressaltado que eles possuem um
diferencial, que é a chance de mudar e de evoluir
de setor, enquanto que às trabalhadoras cabe apenas
a troca de função, podendo ser substituídas por um
trabalhador, sendo que o contrário não acontece.
Retoma-se, então, a questão da qualificação profissional
194
Não digo que eu janto aqui, às vezes eu só pego a
carne e a salada. Porque às vezes a comida não tá
100%. A nossa janta é pior do que nos outros turnos.
A nossa janta é o tipo “soborô”. Nossa! Tem dias que
não dá. A salada tu olhas e dá nojo só de olhar por
cima, ou está murcha ou está preta. Não é que a gente
está reclamando, sabe? Nós não é tanto, mas os guris
principalmente, né? É isso o que eu penso, que a gente
ouve dos nossos colegas “Bah, eu não aguento”. Tem
uns que dormem direto, comem um pão e vêm para
cá, então a janta, o principal deles é ali, aí chegas e
te deparas com aquela comida, né? A janta deles, a
comida de sal deles que eles vão comer é aquela ali.
Do dia todo. Não tem uma verdura nova... (Maria)
Cabe ressaltar que a empresa localiza-se em uma
região distante de qualquer comércio, tendo somente
uma lancheria interna, que funciona até as 22 horas,
além do refeitório, que vende apenas salgadinhos de
pacotes, refrigerantes e biscoitos recheados.
A alimentação é um direito de todos, e deveria ser
mais bem considerada para as(os) trabalhadoras(es),
independentemente do horário e do gênero, ainda
mais no turno noturno, pois alguns trabalhadores e
trabalhadoras preferem dormir durante o dia, e só realizar
a principal refeição na empresa. É importante destacar
que Bia estava entrando no terceiro mês de gravidez,
quando entrevistada, e ressaltou estar passando por
um período em que sentia muito enjoo durante o dia,
apresentando mais apetite no horário noturno, o que
dificultava, ainda mais, sua alimentação na empresa.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 184-197, 2014
Considerando em contexto mais amplo, percebe-se
que os direitos à saúde das trabalhadoras de turno
noturno, e ainda no setor metal-mecânico, acabam
sendo determinados por legislações universalizantes,
que não abrangem a dimensão das relações de gênero
na produção e na reprodução social, acabando por
tornar invisível a esse segmento da população.
Questiona-se, ainda, o acesso dessas mulheres aos
serviços de saúde, sendo que foram amplamente
referidos os processos de adoecimento, que parecem
não ter visibilidade nas ações em saúde, incluindo,
aqui, também as práticas preventivas.
Considerações finais
O presente artigo buscou compreender a imbricação
das dimensões sociais que afetam os processos de saúdeadoecimento das trabalhadoras de turno noturno, no
setor metal-metalúrgico, entendendo a experiência de
saúde dessas mulheres através de diversos aspectos
da vida perpassados pelas relações de gênero.
Do conjunto dos aspectos analisados, foram visualizadas
situações de vulnerabilidade que podem condicionar
a qualidade de vida e a saúde das trabalhadoras,
tais como: processo de subvalorização do trabalho,
sendo nula a progressão funcional; aguçada jornada
laboral, tanto pela busca por melhores condições de
sobrevivência familiar (trabalho produtivo remunerado,
trabalho doméstico de cuidado das crianças e do lar)
quanto pelo turno de trabalho propriamente dito
(descanso limitado, alimentação irregular, dificuldades
na organização da vida fora do ambiente de trabalho);
falta de acesso a suportes sociais que apoiem as
atividades femininas.
Todas as participantes da pesquisa evidenciaram
a sobrecarga das responsabilidades assumidas, que,
muitas vezes, causam sofrimento mental e/ou outros
adoecimentos. No entanto, algumas entrevistadas
relataram gostar desse turno, pois conseguem passar
mais tempo com os filhos, mesmo que descansando
menos e restringindo o tempo de lazer. Ainda, percebeuse que a atuação no mercado de trabalho formal e
o respeito gerado por isso criam possibilidades de
empoderamento a essas mulheres.
Nesse sentido, o estudo verificou algumas afinidades
com os estudos que problematizam a relação gênero/
trabalho/saúde, e aportou à discussão especificidades
das vivências de trabalhadoras de turno noturno do
local pesquisado. Aponta-se que as desigualdades
de gênero impactam nas condições de saúde das
trabalhadoras metalúrgicas de turno noturno. Esses
aspectos devem ser mais bem discutidos na esfera
pública. Responsabilidades com a promoção da saúde das
trabalhadoras devem ser assumidas, para que se alcance
equidade com a melhora das condições de trabalho,
no sentido de possibilitar que as mulheres exerçam
sua cidadania de maneira democrática e construtiva.
Para tanto, é preciso atuar de forma intersetorial, com
respaldo nas vivências das trabalhadoras, visando o
fortalecimento de ações da sociedade civil organizada
e a formulação de políticas públicas nesse âmbito.
Contribuições de autoria
As duas autoras participaram do delineamento do estudo, da análise dos dados e da elaboração do artigo.
A primeira autora realizou a pesquisa de campo.
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Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000084113
Fernanda Veruska Narciso 1,3
Cristiane Westin Teixeira 1
Luciana Oliveira e Silva 1,3
Artigo
Maquinistas ferroviários: trabalho em turnos e
repercussões na saúde
Renata Guedes Koyama 1
Train drivers: shiftwork and health impacts
Adriana Neves da Silva Carvalho 1
Andrea Maculano Esteves 2
Sérgio Tufik 1,3
Marco Túlio de Mello 1,3
Associação Fundo de Incentivo a
Pesquisa, Centro Multidisciplinar em
Sonolência e Acidentes. São Paulo, SP,
Brasil.
1
Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Ciências Aplicadas.
Limeira, SP, Brasil.
2
Universidade Federal de São Paulo,
Departamento de Psicobiologia. São
Paulo, SP, Brasil.
3
Contato:
Marco Túlio de Mello
E-mail:
[email protected]
O presente estudo foi apresentado no
Congresso Nacional do Sono, realizado
em Belo Horizonte-MG, em 2011, e
seu resumo foi publicado em anais:
Teixeira, C. W. et al. Sociodemographic
and Health Profile of Brazilian Railway
Shift Workers. Sleep Science, v. 4, n. 4, p.
s131-s181, 2011.
A pesquisa recebeu apoio (espaço físico
e realização de exames) da Associação
Fundo de Incentivo à Pesquisa e do
Centro Multidisciplinar em Sonolência
e Acidentes.
Os autores declaram não haver conflitos
de interesses.
Recebido: 21/08/2013
Revisado: 07/07/2014
Aprovado: 08/07/2014
198
Resumo
Objetivo: descrever o impacto do trabalho em turnos na saúde, no sono e
na qualidade de vida de maquinistas ferroviários. Métodos: foram avaliados
611 maquinistas (escalas de trabalho 4 x 1 e 6 x 2), por meio de polissonografia,
Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh, Índice de Gravidade de Insônia,
Questionário de Qualidade de Vida SF-36, Questionário de Horne e Östberg,
Capacidade de Trabalho e Escala de Sonolência de Epworth. Resultados: os
maquinistas apresentaram idade média de 36,6 ± 15,1 anos, 22% apresentaram
obesidade e 38,1% risco para doenças cardiovasculares. Em relação ao sono,
64,2% dos maquinistas relataram qualidade ruim de sono, 11,6% apresentaram
distúrbios do sono e 29,3% sonolência excessiva. Os resultados da polissonografia
mostraram que 36,1% deles apresentaram apneia do sono e 47,2% demonstraram
eficiência do sono reduzida. Além disso, os maquinistas apresentaram baixos
índices de qualidade de vida, especialmente os da escala 4 x 1. Conclusão: é
possível afirmar, na população estudada, que a exposição ao trabalho em turnos,
a rotatividade inversa, pouco tempo dispensado às folgas e horas extras de
trabalho estão associados a danos ao bem-estar, saúde, sociabilização e ao sono
de qualidade desses trabalhadores e que provavelmente os fatores relacionados
aos turnos de trabalho contribuem para esses danos.
Palavras-chave: sono; saúde; qualidade de vida; maquinistas; trabalho em turnos.
Abstract
Objective: to describe the impact of shiftwork on the health, sleep and quality of
life of railway drivers. Methods: six hundred eleven railway drivers (schedule 4x1
and 6x2) were evaluated by polysomnography, Pittsburgh Sleep Quality Index,
Insomnia Severity Index, Work Capacity Index, Quality of Life questionnaire
(SF-36), Morningness-eveningness questionnaire (MEQ), and Epworth Sleepiness
Scale. Results: railway drivers assessed were 36.6 ± 15.1 years of age, 22%
were obese, and 38.1% presented risks for cardiovascular disease. Poor sleep
quality 64.2%, 11.6% had sleep disorders and 29.3% excessive sleepiness. The
polysomnography results showed that 36.1% of them presented sleep apnea and
47.2% had significant reduction in sleep efficiency. The railway drivers showed
low levels of quality of life, especially those working under the 4x1 schedule.
Conclusion: it is possible to assert that exposure to shiftwork, reverse rotation
schedule, few days off, and working overtime are associated with impairment to
well-being, health, sociability and workers’ sleep quality, and the factors related
to shiftwork probably contribute to these findings.
Keywords: sleep; health; quality of life; train drivers; shiftwork.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
Introdução
de trabalho no bem-estar, saúde e qualidade de vida
dos ferroviários.
O setor ferroviário representa uma importante
atividade socioeconômica em vários países e tem sido
foco de pesquisas de avaliação relativas ao impacto
do trabalho em turnos e noturno na vida desses
trabalhadores (HÄRMÄ et al., 2002; KOYAMA et al.,
2012).
Nesse contexto, torna-se importante analisar fatores
relacionados à saúde e bem-estar que são passíveis de
influenciar a qualidade de vida e o desempenho no
trabalho de trabalhadores em turnos, especialmente
os maquinistas ferroviários. Dessa forma, o objetivo do
presente estudo foi descrever o impacto do trabalho
em turnos na saúde, no sono e na qualidade de vida
de maquinistas ferroviários brasileiros.
Os trabalhadores em turnos, rotineiramente,
queixam-se de distúrbios do sono, fadiga e sonolência
durante a jornada de trabalho, o que tem sido
considerado um importante fator de erros e risco de
acidentes (ÅKERSTEDT; WRIGHT, 2009; WAGSTAFF;
SIGSTAD LIE, 2011).
No estudo de Härmä et al. (2002), mais da metade
dos maquinistas e controladores de tráfego ferroviário
avaliados relatou fadiga grave durante o turno noturno.
Além disso, o baixo desempenho devido à fadiga foi
relatado por 21,0 a 37,0% dos maquinistas e 13,0 a
19,0% dos controladores.
O estudo de Folkard e Tucker (2003) demonstrou
que há redução da segurança e da produtividade
durante o turno noturno de trabalho. E essa redução
é refletida por diversos fatores como dessincronização
do ritmo circadiano, problemas de saúde, distúrbios
do sono e prejuízos nas relações sociais.
Diversos estudos demonstraram a alta incidência
e prevalência de distúrbios do sono em trabalhadores
em turnos (LOPES et al., 2008; KOYAMA et al.,
2012). Entre os mais de 80 distúrbios classificados
pela American Academy of Sleep Medicine (2005),
a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é
o distúrbio mais comum entre os trabalhadores em
turnos e noturno.
Nena et al. (2008) encontraram elevados índices de
obesidade e SAOS em maquinistas gregos comparados
à população em geral. No Brasil, a prevalência de
SAOS na população da cidade de São Paulo é de
32,9% (TUFIK et al., 2010). A SAOS está associada a
constantes dessaturações da oxi-hemoglobina e resulta
em fragmentação do sono e aumento do número de
despertares devido ao esforço respiratório e, muitas
vezes, é acompanhada de sonolência excessiva
(GURUBHAGAVATULA, 2010; MANNARINO; DI
FILIPPO; PIRRO, 2012).
Para Buysse et al. (2010) e Grandner et al.
(2010), dormir pouco está relacionado às doenças
cardiovasculares, câncer, acidente vascular cerebral,
distúrbios gastrintestinais, diabetes, hipertensão
arterial, além de depressão e distúrbios do sono.
Ku e Smith (2010) relataram que uma das principais
causas de acidentes ferroviários é a fadiga relacionada
às escalas de trabalho e aos fatores organizacionais,
visto que existe uma influência da fadiga e da escala
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
Métodos
Amostra
O presente estudo foi realizado com uma amostra de
maquinistas ferroviários de uma empresa de mineração,
avaliados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2005.
De 712 maquinistas convidados a participar do estudo,
48 se recusaram a participar, 10 não assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e 43
deles não completaram todas as avaliações. Dessa
forma, a amostra consistiu de 611 maquinistas de
trem e manobristas de trem de pátio, todos do gênero
masculino, que trabalhavam em turnos, em escalas
rotativas 4 x 1 e 6 x 2.
A escala 4 x 1 é uma escala rotativa inversa destinada
aos maquinistas que trabalhavam exclusivamente
com manobras de trens de pátio, sendo quatro dias
consecutivos de trabalho (jornadas com duração de
8 horas) e um dia de folga (duração de 24 horas). A
escala 6 x 2 é uma escala rotativa direta realizada por
maquinistas que trabalhavam exclusivamente nos
deslocamentos dos trens (viagens), sendo seis dias
consecutivos de trabalho (jornadas com duração de
seis horas) e dois dias de folga (duração de 48 horas). A
escala de rotação direta ou de sentido horário acompanha
o sentido da rotação do relógio, ou seja, os horários
se modificam da seguinte forma: turno matutino,
vespertino e noturno. Já na escala de rotação inversa
ou de sentido anti-horário os horários se modificam
nesse sentido: turno noturno, vespertino e matutino.
Todos os maquinistas foram informados sobre
os procedimentos do estudo e assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. O Comitê de
Ética da Universidade Federal de São Paulo aprovou
o protocolo do presente estudo (n. 1597-1503).
Desenho do estudo, instrumentos e técnicas de coleta
de dados
Este estudo observacional e transversal abrangeu
maquinistas, trabalhadores em turnos, de uma empresa
de mineração que realiza suas atividades no Brasil.
199
Ao todo, foram avaliados 381 maquinistas da escala
6 x 2 e 230 maquinistas da escala 4 x 1, assim como
foram comparadas as escalas de trabalho desses
trabalhadores. Para tanto, os maquinistas foram
convidados a comparecer ao laboratório do sono,
montado em um hotel, usualmente utilizado para
descanso entre as jornadas de trabalho.
Todos os maquinistas realizaram individualmente o
exame de polissonografia (PSG) para avaliar o padrão
de sono. A massa corporal, estatura e circunferências
da cintura, quadril e pescoço foram coletadas para
determinar o índice de massa corporal (IMC) e o risco
para doenças cardiovasculares. Ademais, todos os
participantes responderam os questionários gerais
para avaliação dos aspectos sociodemográficos, do
estilo de vida e da rotina de trabalho. Questionários
específicos foram utilizados na avaliação do padrão
e qualidade do sono, qualidade de vida e capacidade
de trabalho. Os instrumentos e técnicas de coleta são
descritos a seguir.
Exame de Polissonografia (PSG)
A PSG foi realizada no período da noite, após a
jornada de trabalho do turno da tarde (segundo dia de
jornada), o mais próximo possível do horário habitual
de sono de cada maquinista.
Para a realização da PSG foi utilizado o sistema
digital portátil Embla® titanium. O exame foi realizado
de acordo com Rechtschaffen e Kales (1968) e os
eletrodos foram colocados de acordo com o sistema
10-20 (JASPER, 1958; IBER et al., 2007). A sala utilizada
para a gravação do exame tinha uma cama confortável,
luz e temperatura controladas. Os seguintes canais
foram incluídos: EEG (C3-A2, C4-A1, O2-A1), EOG
e EMG de tibial anterior e do queixo, ECG, fluxo de
ar (sensor térmico), cinta tóraco-abdominal para
movimentos respiratórios, microfone na lateral do
pescoço para detectar o ronco, oximetria de pulso e
um sensor de posição do corpo. As 32 épocas do sono
foram estageadas de acordo com critérios padronizados
e visualmente inspecionadas pelo especialista do
sono. Os seguintes parâmetros foram analisados: (a)
o Tempo Total de Sono (TTS, em minutos), definido
como o tempo de duração do sono, (b) a latência do
sono (em minutos), definido como o tempo de luz
apagada até o início de 3 épocas consecutivas de fase
1 do sono de ondas lentas ou sono mais profundo, (c)
a eficiência do sono, definida como a porcentagem do
tempo total de duração do sono durante a gravação
do exame, (d) tempo de vigília após o início do sono
(Waso, em minutos), definido como o tempo total entre
a vigília pontuada como o início do sono e despertar
final, (e) as fases 1, 2 ,3 e REM do sono, assim como
a porcentagem de TTS e, (f) a latência do sono REM,
200
definida como o tempo desde o início do sono até
a primeira época de sono REM. O diagnóstico de
SAOS e o Índice de Apneia-Hipopneia (IAH) foram
estabelecidos de acordo com os padrões da American
Academy of Sleep Medicine (2005). A gravidade SAOS
é definida como leve para IAH ≥ 5 e <15, moderado
para IAH ≥ 15 e ≤ 30 e grave para IAH > 30/hora
(IBER et al., 2007).
Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP)
O IQSP foi utilizado como instrumento para
avaliação subjetiva da qualidade do sono (CEOLIM;
MENNA-BARRETO, 2000). O questionário é composto
por 19 itens pontuados em uma escala de 0 a 3. Os
itens são alocados em sete grupos, sendo: (1) qualidade
subjetiva do sono; (2) latência do sono; (3) duração do
sono; (4) eficiência habitual do sono; (5) alterações do
sono; (6) uso de medicações do sono; (7) disfunção
diurna. A partir do somatório dos escores dos sete
grupos é determinado o IQSP. O resultado do IQSP
varia entre 0 e 21, sendo classificado respectivamente
como qualidade de sono boa (0 a 4), qualidade de
sono ruim (5 a 10) e indicação de distúrbio do sono
(acima de 10).
Índice de Gravidade de Insônia (IGI)
Escala autoaplicável, especificamente desenvolvida
para a avaliação da percepção do paciente em relação
a sua insônia. Avalia especificamente os sintomas
subjetivos da insônia, bem como o grau de preocupação
e as dificuldades geradas ao paciente. É composta por
sete itens classificados em uma escala entre 0 e 4 cujo
somatório determina a classificação da gravidade de
insônia como não significativa (entre 0 e 7), limite
inferior (entre 8 e 14), moderada (entre 15 e 21) e grave
(acima de 22) (BASTIEN; VALLIÈRES; MORIN, 2001).
Questionário de Qualidade de Vida (SF-36)
O questionário SF-36 é de fácil administração e
compreensão para a avaliação subjetiva da qualidade
de vida. Trata-se de um instrumento multidimensional
composto por 36 itens que avaliam oito fatores:
capacidade funcional (10 itens); aspecto físico
(quatro itens); dor (dois itens); estado geral de saúde
(cinco itens); vitalidade (quatro itens); aspectos
sociais (dois itens); aspectos emocionais (três itens);
saúde mental (cinco itens) e uma questão para a
avaliação comparativa entre as condições de saúde
atual e de um ano atrás. Para avaliar os resultados, é
determinado um escore para cada uma das questões
que, posteriormente, são transformadas em escalas de
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
0 a 100, nas quais 0 corresponde a um pior estado de
saúde e 100 a um melhor estado, onde cada fator é
analisado separadamente (CICONELLI et al., 1999).
Na estatística descritiva, os dados contínuos foram
apresentados em média ± DP (desvio padrão) e, os
categóricos, demonstrados por meio da frequência
relativa (%).
Escala de Sonolência de Epworth (ESE)
Para a comparação das variáveis de natureza
contínua (gerais, antropométricas, cronotipo e de
trabalho) entre os grupos, foi utilizado o teste de
Análise de Variância (ANOVA). A comparação entre
os parâmetros do sono e os questionários entre as
escalas de trabalho (4 x 1 e 6 x 2) foi realizada pela
Análise de Covariância (ANCOVA) com o ajuste para
as variáveis confundidoras: idade, IMC e IAH. O teste
de ANCOVA foi utilizado também na comparação da
qualidade de vida entre as escalas de trabalho, ajustado
para as variáveis confundidoras: idade, IMC, IAH e
anos de escolaridade.
Atualmente, Epworth é a escala mais utilizada
para a avaliação subjetiva da sonolência diurna e é
capaz de diferenciar as pessoas com e sem sonolência
daquelas com sonolência excessiva. Ela consiste em
oito questões que descrevem situações cotidianas
que podem induzir à sonolência. Cada questão é
graduada de 0 a 3 pontos, sendo que escores acima de
10 indicam sonolência diurna significativa e acima de
15 estão associados à sonolência patológica presente
em condições específicas, tais como apneia obstrutiva
do sono e narcolepsia (JOHNS, 1991).
Questionário de Horne e Östberg (HO)
Questionário autoaplicável que foi utilizado
para caracterizar a matutinidade/vespertinidade
dos trabalhadores. Ele é amplamente utilizado nos
estudos do ciclo vigília-sono e composto dos seguintes
critérios: horários preferenciais de acordar e dormir;
horários de maior disposição para atividades físicas
e intelectuais; grau de dificuldade com que a pessoa
executa determinadas tarefas em determinados horários
e a autoclassificação da pessoa em um dos cinco tipos de
cronotipo (matutino, matutino moderado, indiferente,
vespertino moderado e vespertino) (HORNE; OSTBERG,
1976; BENEDITO-SILVA et al., 1990).
Índice de Capacidade de Trabalho (ICT)
Um dos métodos de autoavaliação realizado para
determinar-se a capacidade do trabalho dos maquinistas
foi o Índice de Capacidade de Trabalho. O ICT diagnostica
de forma confiável as mudanças na capacidade para o
trabalho nos diferentes grupos ocupacionais. Ele mostra
efetividade em razão do acelerado envelhecimento da
população e das consequências negativas observadas
tanto na inserção quanto na manutenção, assim como
nas condições de saúde dos brasileiros com mais de
30 anos (TUOMI et al., 2005).
Análise estatística
A análise estatística foi realizada por meio do
Statistical Software Package (SPSS Statistics for
Windows, versão 18.0; SPSS Inc., Chicago, IL). O teste
de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para avaliar a
normalidade dos dados. As variáveis com distribuição
não normal foram transformadas usando um Z-score.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
Para a comparação das variáveis categóricas foi
utilizado o teste qui-quadrado de Pearson. O nível
de significância considerado foi de 5%.
Resultados
Na Tabela 1 são mostradas as características
gerais, antropométricas, de trabalho e de sono dos
611 maquinistas avaliados nas duas escalas 6 x 2 e
4 x 1. A média etária da amostra foi de 36,6 ± 15,1
anos, sendo os maquinistas da escala 6 x 2 mais velhos
(38,6 ± 17,6 anos). Ao comparar os grupos, vimos
que os maquinistas da escala 6 x 2 eram de cronotipo
matutino (62,5%), apresentavam maior escolaridade,
tinham mais tempo de trabalho em turnos (14,5 anos)
e a maioria deles realizava horas extras (96,3%). Já
os maquinistas da escala 4 x 1 tinham 9,4 anos de
trabalho em turnos, 41,1% apresentavam cronotipo
indiferente, 13,6% realizavam horas extras de trabalho
e gastavam mais tempo de deslocamento do trabalhoresidência (41,1 ± 22,6 minutos), quando comparados
aos da escala 6 x 2 (24,1 ± 24,4 minutos). A maioria
dos maquinistas de ambas as escalas (64,6%) era de
casados e tinha filhos dependentes (75,5%).
Nas avaliações do IMC, das circunferências da cintura
e do pescoço dos maquinistas foram observados fatores
de risco para a obesidade, doenças cardiovasculares
e para a apneia obstrutiva do sono (Tabelas 1 e 2).
No geral, 69,5% da amostra apresentaram sobrepeso
(69,5%) e obesidade (22,0%); 13,0% eram fumantes,
33,6% ingeriam bebidas alcoólicas e 38,1% apresentavam
risco de doenças cardiovasculares (dados não
apresentados em tabela). Diante disso, os maquinistas
da escala 6 x 2 fumavam mais, tinham maior IMC e
ganharam mais massa corporal em 6 meses. Contudo,
os maquinistas da escala 4 x 1 apresentaram maior
circunferência da cintura e do pescoço.
201
Tabela 1 Comparação de grupos de trabalho em turnos dos maquinistas ferroviários da empresa estudada,
segundo características sociodemográficas, antropométricas, de trabalho, de cronotipo e prevalência de uso de tabaco e álcool (2004-2005)
Características
Amostra total
(n = 611)
Escala
6x2
(n = 381)
Escala
4x1
(n = 230)
F
p
36,6 (15,1)
38,6 (17,6)
33,4 (8,5)
17,3
< 0,0001†
Solteiros‡
17,9
11,8
21,8
Casados‡
64,6
64,8
48,6
23,6
< 0,001†
17,5
23,4
29,6
Filhos dependentes (%)
75,5
72,2
48,9
38,2
0,001†
Anos de escolaridade*
11,9 (2,0)
12,0 (2,0)
11,6 (2,0)
5,2
0,02†
IMC (kg/m2)*
26,8 (4,1)
27,2 (4,3)
26,1 (3,6)
11,0
0,001†
Circunferência da cintura (cm)*
91,6 (9,9)
97,2 (66,3)
101,9 (103,8)
0,46
0,49
Circunferência do pescoço (cm)*
38,9 (3,4)
44,5 (69,5)
50,4 (109,3)
0,67
0,41
40,4
39,4
26,1
9,12
0,003†
Tempo de trabalho em turno (anos)*
12,6 (8,5)
14,5 (8,8)
9,4 (6,9)
49,0
< 0,001†
Tempo de deslocamento trabalhoresidência (minutos)*
30,9 (25,2)
24,1 (24,4)
41,1 (22,6)
74,5
< 0,0001†
61,2
96,3
13,6
419,0
< 0,0001†
41,9 (5,6)
40,9 (5,6)
43,6 (5,1)
32,9
< 0,001†
Ótima (%)‡
48,5
41,5
46,8
‡
Boa (%)
30,7
29,6
25,0
Moderada (%)‡
20,3
28,0
27,5
Baixa (%)
0,5
0,8
0,7
58,6 (9,4)
60,0 (9,3)
56,1 (9,1)
25,0
< 0,0001†
Matutino (%)
55,1
62,5
31,4
Indiferente (%)‡
40,7
33,1
41,1
Vespertino (%)
4,2
4,4
27,5
Fumantes (%)‡
13,0
13,4
7,9
Uso de álcool > 3x/semana (%)‡
33,6
47,0
9,3
Sociodemográficas
Idade - anos completos*
Estado civil (%)
Outros‡
‡
Antropométricas
Ganho de peso último semestre (%)‡
Trabalho
Hora extra (%)‡
ICT*
‡
Cronotipo
Cronotipo (média geral)*
‡
‡
Tabaco e álcool
* Dados apresentados em média (desvio padrão)
†
Diferença estatística ao comparar os grupos por meio do teste ANOVA, p < 0,05
‡
Dados apresentados em frequência relativa (%): Teste Qui Quadrado de Pearson
IMC: Índice de Massa Corporal; ICT: Índice de Capacidade de Trabalho; Cronotipo: Avaliado por meio do Questionário de Horne e Östberg
Em relação à avaliação subjetiva do sono, 64,2%
da amostra total relataram qualidade ruim de sono e
11,6% apresentaram distúrbios do sono (Tabela 3).
Observou-se nos valores médios da arquitetura do
sono (avaliação por meio da PSG), dos maquinistas
de ambas as escalas de trabalho, que 36,1% deles
apresentaram SAOS (Tabela 2). E, ainda, 47,2% da
amostra total mostraram eficiência do sono reduzida e
202
29,3% sonolência excessiva (dados não apresentados
em tabela).
Ao comparar os resultados do padrão de sono
aos valores de referência descritos por Carskadon e
Dement (1994), verificamos que a latência do sono
REM apresentou-se reduzida em 25,9% de toda a
amostra, o N1 estava reduzido em 39,0% e aumentado
em 16,7% dos maquinistas, 34,4% apresentaram N2
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
Tabela 2 Parâmetros da arquitetura do sono aferidos por polissonografia nos maquinistas ferroviários –
amostra total e comparação entre os grupos de estudo (escala 6 x 2 e escala 4 x 1)
Arquitetura do sono
Amostra total
(n = 611)
Escala
6x2
(n = 381)
Escala
4x1
(n = 230)
F
p
81,9 (12,7)
81,1 (15,9)
83,4 (20,6)
4,74
0,03†
357,2 (75,3)
361,1 (95,5)
345,9 (124,0)
5,45
0,02†
Latência sono*
22,7 (26,0)
24,9 (33,5)
18,8 (42,8)
2,29
0,007†
Latência REM*
109,3 (62,1)
116,9 (78,7)
98,4 (102,1)
11,81
0,001†
% N1*
3,4 (5,1)
2,25 (5,7)
5,1 (7,4)
52,52
< 0,0001†
% N2*
48,8 (21,0)
50,8 (26,9)
45,6 (34,9)
8,01
0,005†
% N3*
26,7 (8,4)
26,7 (10,4)
26,9 (13,5)
0,16
0,68
% Sono REM*
20,2 (7,5)
20,0 (8,0)
20,6 (6,6)
2,82
0,63
Mínimo de vigília*
53,7 (43,3)
56,7 (54,6)
49,3 (70,8)
3,96
0,04†
Índice desp/h*
11,3 (8,1)
10,5 (8,1)
12,6 (10,5)
36,1
36,1
34,1
Eficiência*
Tempo Total de Sono (TTS)*
SAOS IAH  5 (%)
‡
15,1
0,25
< 0,0001†
0,61
N2: Estágio 2 do sono de ondas lentas; N3: Estágio 3 do sono de ondas lentas; Índice desp/h: Índice de despertares por hora; IAH: Índice de Apneia e
Hipopneia; SAOS: Síndrome Apneia Obstrutiva do Sono
* Dados apresentados em média (DP) – ANCOVA com ajuste de idade, IMC e IAH
†
Diferença estatística ao comparar os grupos por meio do teste ANCOVA, ajustado por idade, IMC e IAH, p  0,05
‡
Dados apresentados em frequência relativa (%)
Tabela 3 Comparação de grupos de trabalho em turnos dos maquinistas ferroviários da empresa estudada,
segundo a avaliação subjetiva do sono
Avaliação subjetiva do sono
Epworth*
Pittsburgh*
Qualidade boa (%)
Escala
6x2
(n = 381)
Escala
4x1
(n = 230)
F
p
7,7 (3,5)
7,9 (4,5)
7,6 (5,8)
0,95
0,32
6,8 (3,0)
6,1 (3,6)
7,9 (4,8)
55,82
< 0,0001†
4,8 (5,2)
5,9 (7,4)
9,09
0,003†
24,2
‡
64,2
Qualidade ruim (%)‡
Distúrbio do sono (%)
‡
Insônia*
Amostra total
(n = 611)
11,6
5,1 (4,3)
* Dados apresentados em média (DP)
†
Diferença estatística ao comparar os grupos por meio do teste ANCOVA, ajustado por idade, IMC e IAH: p  0,05
‡
Dados representados em frequência relativa (%)
reduzido e 21,9% aumentado, 67,0% deles estavam
com o estágio N3 aumentado e 42,4% do estágio REM
apresentaram-se reduzido. SAOS foi diagnosticada em
36,1% dos maquinistas, destes, 53,7% apresentaram
SAOS leve, 26,4% moderada e 19,9% grave.
um aumento do número de despertares durante o sono
dos maquinistas da escala 4 x 1. Porém, os maquinistas
da escala 6 x 2 apresentaram redução significativa da
eficiência do sono (81,1 ± 15,9) em comparação aos
maquinistas da escala 4 x 1 (83,4 ± 20,6).
Ao comparar a arquitetura do sono entre os
maquinistas pertencentes às escalas de trabalho 4 x 1 e
6 x 2, houve redução significativa do TTS, da latência
para o início do sono e para início do sono REM, assim
como do estágio N2 do sono dos maquinistas da escala
4 x 1, ajustado pelos fatores confundidores: idade, IAH
e IMC. E, ainda, houve maior presença de insônia e
A Tabela 4 mostra os valores médios da qualidade
de vida da amostra, sendo que o domínio vitalidade
apresentou baixo escore na amostra total. Contudo, os
maquinistas pertencentes à escala 4 x 1 apresentaram
um maior comprometimento dos domínios do
questionário de qualidade de vida, com diferença
estatisticamente significativa (p≤0,05).
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
203
Tabela 4 Comparação de grupos de trabalho em turnos dos maquinistas ferroviários da empresa estudada,
segundo os escores dos domínios do questionário SF-36 (qualidade de vida)
Domínios
Total*
Amostra total
(n = 611)
Escala
6x2
(n = 381)
Escala
4x1
(n = 230)
F
p
75,9 (25,7)
78,2 (27,3)
72,1 (22,3)
226,94
< 0,0001†
Capacidade funcional*
88,8 (15,1)
88,5 (15,4)
89,4 (14,7)
0,02
0, 87
Aspectos físicos*
89,3 (21,5)
91,5 (18,4)
85,6 (26,0)
10,22
0,001†
Dor*
84,2 ( 20,0)
86,9 (17,6)
79,6 (22,5)
20,2
< 0,0001†
Estado de saúde geral*
81,9 (16,7)
83,5 (14,7)
79,1 (19,3)
10,34
0,001†
Vitalidade*
67,5 (20,8)
78,5 (14,3)
49,1 (16,7)
482,32
< 0,0001†
Aspectos sociais*
87,7(18,8)
88,7 (16,8)
86,0 (21,8)
1,78
0,18
Aspectos emocionais*
89,5 (23,4)
91,2 (20,3)
86,7 (20,7)
4,32
0,03†
Saúde mental*
76,0 (17,3)
83,4 (14,5)
63,7 (14,6)
226,94
< 0,0001†
* Dados apresentados em média (DP)
†
Diferença estatística ao comparar os grupos por meio do teste ANCOVA, ajustado por idade, IMC e IAH e anos de escolaridade, p  0,05
Discussão
No presente estudo, foi descrito o impacto do
trabalho em turnos na saúde, no sono e na qualidade
de vida de maquinistas ferroviários trabalhadores
em turnos.
Em relação ao sono, os maquinistas apresentaram
eficiência reduzida e qualidade ruim do sono, assim
como distúrbios do sono. Desse modo, esses resultados
podem estar relacionados à curta duração do sono
prevalente entre os maquinistas do presente estudo.
Adicionalmente, a arquitetura do sono dos maquinistas
pertencentes à escala de trabalho 4 x 1 apresentou
redução significativa do TTS, latência do sono
REM, latência do sono e de N2, além de aumento
do número de despertares e presença de insônia,
comparados aos maquinistas da escala 6 x 2, apesar
destes últimos terem apresentado menor eficiência
do sono. Esses achados podem ser explicados pelo
conhecido desajuste do ritmo biológico, causado pela
inversão do ciclo vigília-sono, pelo acúmulo de débito
de sono. No caso da escala 4 x 1, ocorre maior tempo
de exposição ao trabalho (8 horas), maior número de
deslocamentos trabalho-residência e, pelo fato de se
ter somente um dia de folga, resta pouco tempo para
o lazer, o convívio sociofamiliar e, principalmente,
para o descanso restaurador (ÅKERSTEDT, 2003;
OHAYON; SMOLENSKY; ROTH, 2010). E ainda, com
o avançar da idade e maior tempo de exposição ao
trabalho em turnos, há uma diminuição da qualidade
do sono devido às alterações do ritmo da temperatura
central, do cortisol e da melatonina, o que pode
explicar a menor eficiência do sono relacionada aos
maquinistas da escala 6 x 2 e às alterações no padrão
de sono dos maquinistas da escala 4 x 1 (KRIPKE et al.,
204
2007; COSTA, 2010). Por outro lado, a presença de
filhos dependentes pode influenciar na qualidade
do sono e no tempo dispensado ao lazer e descanso
(HÄRMÄ et al., 2002; OHAYON; SMOLENSKY;
ROTH, 2010).
O estudo de Lopes et al. (2008) reportou que as
alterações na qualidade do sono podem repercutir nos
aspectos cognitivos e nas relações interpessoais. Do
mesmo modo, o trabalho em turnos pode interferir
nas atividades domésticas, na vida familiar e social
(BARNES-FARRELL et al., 2008).
Além disso, a curta duração do sono, a presença
de distúrbios do sono, o trabalho noturno e o excesso
de horas trabalhadas podem alterar a arquitetura do
sono, o ritmo vigília-sono, aumentar a fadiga física
e mental, assim como afetar o estado de humor
dos trabalhadores em turnos (HÄRMÄ et al., 2002;
COSTA, 2010).
Similarmente, no estudo de Sallinen et al. (2003)
houve uma diminuição da duração do TTS, especialmente
antes do início do turno manhã e noite, assim como
aumento da sonolência em maquinistas trabalhadores
em turnos de escalas rotativas irregulares. O estudo
epidemiológico de Ohayon, Smolensky e Roth (2010)
com trabalhadores do estado de Nova Iorque (EUA)
observou que a duração do sono principal entre os
trabalhadores com escalas rotativas e noturnas foi
inferior a 6,5 horas.
Além desses resultados, os dados da PSG do presente
estudo mostraram uma prevalência de 36,1% e 34,1%
de SAOS entre os maquinistas das escalas 6 x 2 e 4 x 1,
respectivamente, similar ao estudo epidemiológico
realizado com a população da cidade de São Paulo
(32,9%) (TUFIK et al., 2010), porém apresentou-se mais
elevada em relação a outros estudos realizados com
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
motoristas (15,8%), maquinistas (22%) e trabalhadores
em turnos (20%) (HOWARD et al., 2004; NENA et al.,
2008). Sabe-se que a incidência e prevalência dos
distúrbios respiratórios do sono e do débito de sono
estão intimamente relacionadas ao estilo de vida e
às condições alteradas de saúde dos trabalhadores
(HÄRMÄ et al., 2002; COSTA, 2010).
Nesse aspecto de saúde e estilo de vida, vimos que
os maquinistas apresentaram altos índices de IMC,
fumavam e grande parte deles ingeria bebidas alcoólicas.
Semelhante ao presente estudo, Koyama et al. (2012)
reportaram que 9,5% dos maquinistas ferroviários
avaliados eram fumantes, 54,7% relataram uso de
álcool e 77,0% eram obesos (27,7 ± 4,4). Outros
estudos que avaliaram motoristas e maquinistas
apresentaram uma prevalência de 40,0% a 52,0% de
excesso de peso, 20,0% a 65,0% de obesidade, 25,0%
a 60,0% de fumantes entre maquinistas e motoristas
trabalhadores em turnos avaliados (MINA; CASOLIN,
2007; BENVEGNÚ et al., 2008; NENA et al., 2008).
É conhecido na literatura que todas essas condições
possibilitam a instalação de doenças físicas e mentais,
assim como de distúrbios do sono, especialmente a
SAOS.
Contudo, a literatura demonstra que a falta de sono
pode provocar distúrbios hormonais e metabólicos.
Por exemplo, a redução da sensibilidade à insulina,
o aumento da grelina e a diminuição da leptina
estão diretamente relacionados com a falta de sono e
ganhos de massa corporal, contribuindo, assim, para a
obesidade, distúrbios do sono e doenças cardiovasculares
(MORGAN et al., 2003; SPIEGEL et al., 2004). No
geral, os trabalhadores em turnos alteram a função
circadiana metabólica, assim o horário e conteúdo das
refeições tornam-se inapropriados e, dessa forma, há
aumento da preferência por alimentos mais gordurosos,
podendo levar às doenças como obesidade, diabetes
e hipertensão arterial (COSTA, 2010).
Segundo Mina e Casolin (2007), existe uma
relação entre os distúrbios respiratórios do sono,
hipertensão e obesidade, fatores estes que podem
maximizar o processo de fadiga, reduzir a qualidade
de vida e aumentar o risco para os acidentes. Assim,
Padilha et al. (2010) reportaram que trabalhadores em
turnos apresentam alta propensão em desenvolver
distúrbios metabólicos e obesidade. Por outro lado,
alterações do padrão de sono e do estilo de vida são
também consideradas como fatores de risco para
aumento de massa corporal e de massa gordurosa,
perda de massa magra e aparecimento de distúrbios
do metabolismo da glicose e gordura (CRISPIM et al.,
2007; NEDELTCHEVA et al., 2010).
Contudo, a obesidade, o fumo e a ingestão de
bebida alcóolica prevalentes entre os trabalhadores
em turnos podem estar associados com a alteração do
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
ritmo vigília-sono, presença de sonolência e alterações
na arquitetura do sono (KAGEYAMA et al., 2005;
ZHANG et al., 2006), além de apresentarem risco para
doenças crônicas não transmissíveis e contribuírem para
redução do desempenho psicomotor e da qualidade de
vida (COSTA, 2010; OLIVEIRA e SILVA et al., 2012).
Nesse contexto, os maquinistas da escala de trabalho
4 x 1 apresentaram baixo índice de qualidade de
vida quando comparados aos maquinistas da escala
6 x 2, principalmente nos domínios dor, aspectos
físicos, vitalidade, estado geral da saúde, aspectos
emocionais e de saúde mental. Como visto, os escores
de vitalidade e de saúde mental apresentaram-se
ainda mais baixos, o que pode inferir um prejuízo no
desempenho psicomotor e o desenvolvimento de cansaço
e/ou fadiga nessa primeira amostra. Esses prejuízos
da qualidade de vida dessa população podem estar
diretamente relacionados à duração do turno, sentido
de rotação da escala de trabalho (rotativo inverso),
tempo gasto no deslocamento trabalho-residência,
assim como pouco tempo livre dispensado com lazer,
família e descanso durante a folga. A literatura mostra
que esses fatores podem alterar os padrões de sono,
induzir ou favorecer distúrbios metabólicos, diminuir
o desempenho físico e mental, assim como interferir
negativamente na vida pessoal e na tolerância ao
trabalho em turnos (ÅKERSTEDT; WRIGHT, 2009;
COSTA, 2010; ASAOKA et al., 2013).
Semelhante ao nosso estudo, Nena et al. (2008)
avaliaram 226 maquinistas ferroviários gregos que
apresentaram sobrepeso (28,7 ± 3,7 kg/m2), 59,7% deles
eram fumantes e 11,5% tinham apneia obstrutiva do
sono. O índice de apneia e hipopneia do sono foi de
11-14 eventos por hora, 7,1% deles relataram sonolência,
os quais apresentaram escores do questionário SF-36
diminuídos nos domínios aspectos físicos e emocionais,
dor e vitalidade, comparados com os maquinistas
não sonolentos. No entanto, a qualidade de vida dos
maquinistas em geral, assim como do presente estudo,
não foi diferente da população grega e dos maquinistas
brasileiros do estudo de Oliveira e Silva et al. (2012),
exceto no aspecto vitalidade, no qual a nossa amostra
apresentou baixos escores relevantes e diferentes das
outras duas populações.
Ilmarinen, Tuomi e Klockars (1997) e Tuomi et al.
(1997) relataram que o estilo de vida, as condições de
saúde e características sociodemográficas são fatores
que podem interferir na capacidade para o trabalho.
Para Chiu et al. (2007) e Milosevic et al. (2011),
existe uma alta associação entre qualidade de vida e
capacidade de trabalho em trabalhadores em turnos.
O estudo de Oliveira e Silva et al. (2012) reportou
que baixa capacidade de trabalho, sobrepeso, ansiedade,
depressão e sonolência apresentaram impacto
negativo na qualidade de vida global de maquinistas,
205
assim como as alterações no sono REM e de humor
impactaram negativamente na capacidade funcional
desses trabalhadores. Em relação à arquitetura do sono,
o tempo total do sono REM dos maquinistas daquele
estudo não diferiu da nossa amostra; entretanto,
os maquinistas de ambas as escalas de trabalho do
presente estudo demonstraram menor eficiência do
sono. Sabe-se que essas condições de sono, saúde e os
aspectos socioemocionais podem afetar a qualidade
de vida, o que foi demonstrado no presente estudo
com os maquinistas da escala 4 x 1.
No entanto, em geral, os maquinistas da nossa
amostra (48,5%) referiram ótima capacidade de trabalho
(41,9%) similarmente aos estudos com trabalhadores
em turnos de Metzner e Fischer (2001) e Oliveira e
Silva et al. (2012). E, apesar dos maquinistas da escala
4 x 1 terem apresentado maior comprometimento dos
domínios de qualidade de vida e redução da qualidade
do sono, 46,8% deles referiu ótima capacidade de
trabalho. Entre as possíveis explicações para esse
resultado encontrado, podemos destacar a presença
do efeito do trabalhador saudável, que descreve
um processo de seleção continuada de tal forma
que aqueles que permanecem empregados tendem
a ser mais saudáveis do que aqueles que deixam
o emprego (ARRIGHI; HERTZ-PICCIOTTO, 1994;
RICHARDSON et al., 2004). Como os maquinistas
estudados já têm um tempo de exposição ao trabalho
em turnos relativamente longos (9,4 ± 6,9 anos) é
possível que o ICT esteja refletindo tanto o efeito do
trabalhador saudável quanto as prováveis estratégias
de enfrentamento desenvolvidas por esses maquinistas
em relação às condições do trabalho em turnos, como
relatado por Metzner e Fischer (2001).
Portanto, observamos em nosso estudo que os
maquinistas, em geral, especialmente os pertencentes
à escala 4 x 1, apresentaram condições preocupantes
de saúde e qualidade do sono, assim como maus
hábitos de vida (fumo, uso de álcool, sobrepeso e
obesidade) e condições ruins de trabalho (pouco
tempo de folga e excesso de horas extras). Como bem
relatado na literatura, a associação desses fatores pode
levar a um aumento do cansaço, disfunção cognitiva,
alterações emocionais e sono não restaurador, o que
pode desencadear o processo de fadiga crônica e,
consequentemente, uma possibilidade maior para a
ocorrência de acidentes de trabalho.
As limitações do presente estudo compreendem
a falta de um grupo controle de maquinistas que
não trabalhavam em turnos, bem como o fato das
avaliações não terem permitido comparações no
período de férias dos trabalhadores alvo do estudo.
Além disso, não foram obtidas informações sobre a
renda mensal dos maquinistas, as quais poderiam ter
influenciado as diferenças ocorridas nos domínios
do questionário de qualidade de vida (SF-36). Outra
limitação é que o estudo de corte transversal não
permite estabelecer relação de causalidade, apenas
associações, o que torna impossível afirmar de forma
categórica que a rotatividade inversa, a exposição
ao trabalho em turnos e pouco tempo para folgas
apresentam maiores danos ao bem-estar, saúde e vida
social na população estudada.
Entretanto, é possível afirmar, na população
estudada, que a exposição ao trabalho em turnos,
a rotatividade inversa, pouco tempo dispensado às
folgas e horas extras de trabalho estão associados a
maiores danos ao bem-estar, saúde, sociabilização e
ao sono de qualidade e que provavelmente os fatores
relacionados aos turnos de trabalho contribuem para
esses danos.
Dessa forma, requerem-se mais estudos nessa área
de transportes no Brasil, que abordem esses fatores
relacionados à saúde mental e física do trabalhador, os
quais podem estar associados a importantes prejuízos
de natureza socioeconômica e de saúde pública.
Contribuições de autoria
Narciso, F. V. e Teixeira, C. W.: contribuíram de forma substancial no projeto, no levantamento de dados,
na interpretação dos dados e na elaboração do manuscrito. Oliveira e Silva, L. e Koyama, R. G.: contribuíram
de forma substancial na análise e interpretação dos dados. Carvalho, A. N. S.: contribuiu de forma substancial
no levantamento dos dados e na elaboração do manuscrito. Esteves, A. M.: contribuiu de forma substancial na
análise e interpretação dos dados do manuscrito, na revisão crítica e na elaboração final do mesmo. Mello, M.
T. e Tufik, S.: contribuíram de forma substancial na revisão crítica e na aprovação final da versão publicada.
Agradecimentos
AFIP: Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa; CEPE: Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício;
CEMSA: Centro Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes; CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico.
206
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 198-209, 2014
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209
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000084513
Samantha Lemos Turte-Cavadinha 1
Edu Turte-Cavadinha
1
Artigo
A violência psicológica no trabalho discutida a
partir de vivências de adolescentes trabalhadores
Andréa Aparecida da Luz 1
Frida Marina Fischer 2
Universidade de São Paulo, Faculdade
de Saúde Pública, Programa de PósGraduação em Saúde Pública. São Paulo,
SP, Brasil.
1
Universidade de São Paulo, Faculdade
de Saúde Pública, Departamento de
Saúde Ambiental. São Paulo, SP, Brasil.
2
Contato
Samantha Lemos Turte-Cavadinha
E-mail
[email protected]
Este trabalho é fruto da Dissertação de
Mestrado de Samantha Lemos TurteCavadinha, sob a orientação de Frida
Marina Fischer, defendida no Programa
de Pós-Graduação em Saúde Pública
da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo, em 2012.
Trabalho apresentado no V Congresso
Ibero-Americano de Pesquisa
Qualitativa em Saúde, em Lisboa, em
2012 (resumo publicado nos anais) e no
18th World Congress on Ergonomics,
em Recife, em 2012 (resumo expandido
publicado no periódico Work (Reading,
MA), v. 41, p. 5674-5676, 2012).
Apoio: CNPq (Auxílio à Pesquisa –
processo nº 473138/2008-5) e FAPESP
(bolsa de mestrado da primeira autora
– processo nº 2009/12515-0)
Os autores declaram não haver conflitos
de interesse.
Recebido: 03/09/2013
Revisado: 03/04/2014
Aprovado: 09/04/2014
210
Workplace psychological violence discussed from teenage
workers’ experiences
Resumo
Objetivo: identificar e discutir situações de trabalho relatadas por adolescentes
trabalhadores que pudessem se constituir como violência psicológica no
trabalho. Métodos: foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas
com 30 jovens trabalhadores entre 15 e 20 anos de idade. As informações foram
analisadas a partir da análise hermenêutico-dialética. Resultados: em geral, os
participantes perceberam os “relacionamentos interpessoais” no trabalho como
bons, mas relataram inúmeras situações de “mal-estar no trabalho” que incluíram
humilhações, abusos de poder, constrangimentos e assédio sexual, revelando
ocorrências de violência psicológica no trabalho. Os jovens mais empoderados
e autônomos conseguiram enfrentar com mais firmeza as situações abusivas,
fossem elas por parte de colegas de trabalho ou de superiores hierárquicos.
Conclusão: os adolescentes ingressantes no mundo do trabalho estão expostos
a situações que ameaçam a saúde mental e se valem, sobretudo, do apoio social
como estratégia de enfrentamento. Sugere-se a inclusão de temas de Saúde
Mental e Trabalho, não só em organizações de educação para o trabalho, mas
também no ensino médio regular, como contribuição ao preparo dos adolescentes
e para que possam identificar e desenvolver estratégias de enfrentamento à
violência psicológica.
Palavras-chave: saúde do trabalhador; saúde mental; aprendizes e estagiários;
violência psicológica; condições de trabalho.
Abstract
Objective: to identify and discuss work conditions reported by young workers which
could be constituted as psychological violence at work. Methods: semi-structured
individual interviews were conducted with thirty adolescent workers aged 15 to 20
years old. The data were analyzed using the hermeneutic-dialectic method. Results:
overall, participants perceived the “interpersonal relationships” at work as good, but
they reported many situations of “malaise at work”, which included humiliation,
power abuse, embarrassment and sexual harassment, revealing occurrences
of psychological violence at work. Youngsters who were more empowered and
autonomous were able to deal more firmly with abusive situations, whether they
were produced by coworkers or superiors. Conclusion: adolescents entering the
labor market are exposed to work conditions that can be harmful to their mental
health, and social support is mainly their coping strategy. The mental health
and work theme should be included in professional training and high school as
a way to contribute to the better preparedness of teenage workers, so that they
could identify and develop coping strategies to deal with psychological violence.
Keywords: occupational health; mental health; apprentices and trainees;
psychological violence; working conditions.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
Introdução
A violência psicológica refere-se ao uso intencional de
poder em qualquer conduta que cause dano emocional
e diminuição da autoestima, que prejudique o pleno
desenvolvimento ou que vise controlar comportamentos,
mediante constrangimento, humilhação, isolamento,
vigilância constante, ridicularização ou qualquer outro
meio que cause prejuízo à saúde psicológica (BRASIL,
2006). Esse tipo de violência é uma violação real da
autonomia, da dignidade e do direito de autodeterminação
dos indivíduos que pode ser tão ou mais danosa que
a violência física. Manipular, ameaçar, degradar e
aterrorizar são mecanismos utilizados para destruir
a pessoa vitimada, sendo que os casos mais nocivos
são aqueles perpetrados por pessoas em posição de
autoridade sobre o atingido (GARVER, 1973). Heloani e
Barreto (2010, p. 40) consideram-na “o mais poderoso
e destrutivo método de controle”.
Quando a violência psicológica ocorre no ambiente
de trabalho torna-se um dos fatores psicossociais
que constituem um risco, visível ou invisível, à
saúde, provocando mal-estar. A violência no trabalho
pode estar contida de forma insidiosa na cultura
organizacional, sendo que o indivíduo afetado pode
desenvolver inúmeras doenças, inclusive transtornos
mentais, havendo alto risco de suicídio para as vítimas
(HELOANI; BARRETO, 2010).
A complexidade da violência psicológica exige
um olhar aprofundado sobre cenários socioculturais,
econômicos e profissionais, a partir dos quais as
inter-relações existentes expressam-se em relações
de poder que caracterizam a violência psicológica no
trabalho; e é a partir da manipulação da afetividade
e das emoções que o poder se configura como abuso
(CALDAS; NEVES, 2008).
Algumas “expressões” da violência psicológica no
trabalho costumam ser apresentadas em estudos sobre
o tema como: assédio moral, ameaças, intimidações,
abuso de poder, humilhações, discriminações e assédio
sexual (JACKSON; ASHLEY, 2005; OLIVEIRA; NUNES,
2008). Tais situações, pontuais ou não (como no caso do
assédio moral, que ocorre de forma sistemática), podem
se apresentar de forma individual ou em conjunto,
compondo um complexo sistema ameaçador à saúde
mental. Os episódios de violência no ambiente de
trabalho podem também incluir comportamentos não
civilizados (workplace incivility) que seriam formas
mais leves de maus-tratos, como a falta de respeito
com o outro, em que a intenção de causar prejuízo é
mais difícil de ser determinada (CORTINA et al., 2001).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
reconhece a dificuldade em precisar um conceito
que relacione violência e trabalho, pois sua definição
depende de uma grande variedade de comportamentos
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
que podem ou não ser considerados violentos em virtude
de diferentes contextos e culturas (INTERNATIONAL
LABOUR OFFICE, 2006).
A literatura científica internacional contém inúmeros
estudos sobre a ocorrência de violência psicológica
em suas diversas formas no ambiente de trabalho
(ROSPENDA; RICHMAN; SHANNON, 2009; FRONE,
2000). Silva, Coelho e Caponi (2007) afirmavam
existir uma aparente indiferença dos pesquisadores
brasileiros em escrever especificamente sobre a
violência psicológica, sendo dada prioridade às formas
de violência que provocam graves consequências físicas
em detrimento das psicológicas. Esse fato explicaria,
pelo menos parcialmente, a dificuldade em encontrar
referências a este tema em outros âmbitos, que não
o da violência doméstica. Nos últimos anos, o tema
começou a ganhar relevância no Brasil, sobretudo
no meio acadêmico, tendo sido publicados artigos
diversos abordando a temática do assédio moral no
trabalho, uma das apresentações mais comprovadamente
nocivas da violência psicológica. Em geral, os artigos
que tratam do assédio moral no trabalho abordam
a precarização do trabalho e sua disseminação nas
estruturas de gestão organizacional, comprovando a
necessidade de ser repensada a lógica que permite, ou
ainda incentiva, que o fenômeno ganhe força. O assédio
moral é um evento com características específicas
dentro do complexo espectro da violência psicológica,
a qual inclui inúmeras situações disseminadas e
banalizadas em nossa sociedade, afetando a saúde
mental dos trabalhadores cotidianamente. Neste
estudo, optamos por abordar aspectos da violência
psicológica que abrangem, mas não se restringem
ao assédio moral no trabalho, entendendo que a
subjetividade dos trabalhadores é também afetada
pela qualidade das relações interpessoais, além da
configuração organizacional.
Especialmente durante a adolescência, conflitos
no trabalho representam um importante estressor
ocupacional, pois nesta fase seriam desenvolvidas
competências interpessoais, particularmente entre
os 16 e 21 anos de idade. Tais conflitos empobrecem
os relacionamentos e associam-se à ocorrência de
violência psicológica (FRONE, 2000).
É importante identificar e gerenciar as características
do trabalho de jovens. As condições de trabalho podem
comprometer negativamente as atitudes profissionais
e a saúde mental, considerando que adolescentes que
ainda estão se desenvolvendo cognitiva, emocional e
socialmente podem ter menos recursos para lidar com
experiências traumáticas e sofrer efeitos significativos
(FRONE, 2000). Em estudo com 1.400 adolescentes
trabalhadores norte-americanos com idade entre 14 e
17 anos, Rauscher (2008) verificou que aproximadamente
25% haviam sofrido ameaças verbais e 10% haviam sido
assediados sexualmente. Outros estudos confirmaram
211
que, além de características específicas da adolescência,
a pressão no trabalho e constrangimentos psicossociais
tornam os jovens mais suscetíveis ao desenvolvimento
de doenças relacionadas ao trabalho (FISCHER et al.,
2003).
A revisão de literatura sem delimitação temporal nas
principais bases de dados, Scielo, Medline, Bireme e
Lilacs, não mostrou estudos brasileiros que tenham sido
realizados com adolescentes trabalhadores abordando
a temática da violência psicológica no trabalho. O foco
das discussões da violência psicológica no trabalho
no Brasil geralmente se concentra no tema do assédio
moral e organizacional. São frequentes os discursos e
publicações sobre a gestão organizacional propiciando
este tipo de violência (GOSDAL; SOBOLL, 2009).
Entretanto, verifica-se uma lacuna no conhecimento ao
se buscarem estudos cuja preocupação seja dirigida a
adolescentes aprendizes e estagiários, que apresentam
peculiaridades em sua inserção no mundo de trabalho.
Há um numeroso contingente de adolescentes
no mundo inseridos no mercado de trabalho. Na
América Latina, existem 12,6 milhões de jovens
estudantes trabalhadores (INTERNATIONAL LABOUR
ORGANIZATION, 2010). No Brasil são cerca de
18,2 milhões de jovens inseridos no mundo do trabalho
(incluídos os que apenas trabalham e os que trabalham
e estudam) dentre os 34 milhões de jovens brasileiros
entre 15 e 24 anos (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO, 2009). Acredita-se que o maior número
de jovens que ingressam precocemente no trabalho
sejam filhos de trabalhadores que residem em bairros
populares ou favelas das médias e grandes cidades
do Brasil (FRIGOTTO, 2004). Esses jovens costumam
pertencer à classe ou à fração de classe “filhos de
trabalhadores assalariados”, conforme aponta Frigotto
(2004), isto é, que produzem a vida, a partir de uma
inserção no mercado de trabalho. Esta não seria uma
escolha, mas uma imposição de sua origem social e do
tipo de sociedade que se construiu no Brasil. É o que
este autor entende como um processo de “adultização
precoce”, com uma inserção precária, em termos de
condições e níveis de remuneração, no mercado formal
ou “informal” de trabalho. Diferentemente, a grande
maioria dos jovens de “classe média”, ou filhos dos
donos de meios de produção, inicia sua inserção no
mundo do trabalho após os 25 anos e em postos de
trabalhos ou atividades de melhor remuneração. Os
adolescentes trabalhadores seriam, assim, potencialmente
mais vulneráveis à violência psicológica no trabalho
por sua precocidade e imaturidade ao iniciarem a
vida profissional, seja por sofrerem efeitos nocivos
adicionais, seja por aprenderem a banalizá-la e
reproduzi-la. Diante desse panorama, há pertinência
em abordar a temática da violência psicológica nesse
grupo etário. Destarte, o objetivo do estudo foi identificar
e discutir situações de trabalho relatadas por jovens
212
trabalhadores que possam se constituir em violência
psicológica no trabalho.
Procedimentos metodológicos
Buscar compreender as situações vividas e como
são as relações interpessoais vivenciadas pelos
adolescentes no ambiente de trabalho é tarefa que
exige subsídios que privilegiem o diálogo como fonte
de informação. A pesquisa qualitativa pode oferecer
formas diferentes e inovadoras de produzir dados
(DENZIN; LINCOLN, 2000), pois há uma diversidade
de estratégias que, muitas vezes, conseguem ir até
onde a pesquisa quantitativa não consegue chegar.
Neste trabalho, a estratégia escolhida foi a análise
hermenêutico-dialética proposta por Minayo (2008),
que norteou todas as etapas da pesquisa. Essa análise
permite uma reflexão que se funda na práxis, através
de um processo ao mesmo tempo compreensivo e
crítico de estudo da realidade social. Sendo assim,
a análise hermenêutico-dialética considera que é
necessário explicitar o contexto no qual determinado
texto foi produzido para que se possa compreender a
totalidade dinâmica das relações sociais de produção
e reprodução nas quais está inserido. A união da
hermenêutica com a dialética leva o intérprete a
entender a fala, tanto como resultado de um processo
social quanto de um processo de conhecimento,
ambos resultantes de múltiplas determinações, que
adquirem significados específicos (MINAYO, 2008).
A análise hermenêutico-dialética utiliza níveis
diversos de categorias em seu processo de compreensão.
Minayo (2008 , p. 178), partindo de Marx (em Introdução
à Crítica da Economia Política, 1973), esclarece que,
por categorias, entende “[...] conceitos relevantes
carregados de sentido que permitem expressar os
aspectos fundamentais das relações dos seres humanos
entre si e com a natureza”. Laperrière (2008) relembra
que é essencial que a categoria constitua uma dimensão
pertinente do fenômeno observado. O pesquisador
deve detalhar o conteúdo das categorias através de
dois movimentos: primeiramente, deve minimizar as
diferenças observadas, de modo a detalhar e consolidar
o conteúdo das categorias; e, num segundo momento,
deve maximizar as diferenças, para apreender as
condições de surgimento e de variação do fenômeno
pesquisado.
Para a construção do roteiro de entrevista
semiestruturada, foram utilizadas categorias operacionais
(MINAYO, 2008). As categorias que nortearam a
construção do roteiro foram: trabalhar na adolescência,
violência psicológica no trabalho, relacionamentos
interpessoais e apoio social. Cada categoria abarcava
questões abertas para que se pudessem sondar as
vivências dos jovens no ambiente de trabalho.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
O estudo foi realizado em uma Organização Não
Governamental (ONG) localizada na zona sul da
cidade de São Paulo. Essa ONG tinha por base um
trabalho educativo que proporciona aos adolescentes
de baixa renda condições para concorrer a uma vaga
no mercado de trabalho e a possibilidade de adquirir
conhecimentos a respeito de seus direitos como cidadãos
e deveres de convivência na sociedade.
Os jovens que ingressavam no programa dessa ONG
passavam por um curso de preparação para o trabalho
e depois eram encaminhados para empresas, podendo
na época ser contratados por até dois anos como
aprendizes ou estagiários. Uma vez contratados, além
das atividades laborais, os jovens também frequentavam
os programas de Estágio ou de Aprendizagem na
ONG, onde tinham um acompanhamento mensal
(estagiários) ou semanal (aprendizes), durante o tempo
de contrato, de forma a complementar sua formação de
trabalhador e discutir questões surgidas na vivência
cotidiana do trabalho.
A pesquisa foi apresentada primeiramente à
diretoria da ONG, momento em que foi solicitada a
autorização para a realização do estudo. Em seguida,
o estudo foi apresentado ao coordenador pedagógico,
aos professores e aos alunos da ONG. Como critério
de inclusão da pesquisa, foram convidados estudantes
trabalhadores de ambos os sexos que faziam parte dos
programas de Estágio ou de Aprendizagem há pelo
menos seis meses, para que já tivessem algum tempo
de contato com o ambiente profissional. Os dois grupos
de jovens possuíam contrato especial de trabalho
ajustado por prazo determinado, conforme legislação
Lei nº. 10.097 para os aprendizes (BRASIL, 2000) e
Lei nº. 8.069 Artigo 68 para os estagiários (BRASIL,
1990). O tempo máximo de contrato de trabalho nesse
regime era de 24 meses. Trinta jovens que tinham entre
15 e 20 anos aceitaram voluntariamente participar
da pesquisa, sendo 19 homens e 11 mulheres. A
composição dos dois grupos participantes contemplou
vários períodos de contrato de trabalho. Dezoito jovens
entrevistados trabalhavam há menos de 12 meses. Os
que trabalhavam há mais tempo (2 jovens), estavam
contratados há 21 meses.
Todos eles estudavam durante o período noturno
– ensino médio (21), técnico (3) ou superior (6) –
e trabalhavam em diferentes empresas e setores
(Indústria, Comércio ou Serviços) durante o período
diurno, atuando nas áreas administrativa, financeira
ou comercial. De acordo com os dados referidos pelos
aprendizes e estagiários, todos os participantes residiam
em bairros periféricos da região metropolitana de São
Paulo, com prevalência da população de baixa renda
e ganhavam 1 salário mínimo. Em relação à renda
familiar, quase metade do total de jovens aprendizes e
estagiários possuía renda entre 1 e 3 salários-mínimos.
A obtenção dos relatos foi realizada entre novembro
e dezembro de 2009. As entrevistas individuais tiveram
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
duração aproximada de 30 minutos. No início de cada
entrevista, o participante era questionado sobre idade,
sexo, escolaridade, salário e renda familiar, tempo na
ocupação, função e atividades realizadas, jornada
diária e semanal de trabalho. As entrevistas foram
gravadas e transcritas integralmente. Primeiramente,
através de leituras, foram anotadas lateralmente nas
transcrições as primeiras impressões sobre os assuntos
surgidos nas entrevistas e destacados os trechos que
continham ideias centrais e relevantes.
No segundo momento, foi feita uma divisão em
subconjuntos com base nas questões de entrevista e
em conjuntos maiores de acordo com o assunto (por
exemplo, o conjunto ‘realidade no trabalho’ continha os
subconjuntos ‘relacionamentos interpessoais e situações
abusivas’; ‘prevenção e formas de enfrentamento’). Após
diversas leituras transversais de cada subconjunto e
do conjunto em sua totalidade, foram construídos
temas reunindo os trechos das falas dos jovens. Do
agrupamento desses temas, foram constituídas as
categorias empíricas (MINAYO, 2008) que contêm e
expressam relações e representações específicas do
grupo estudado.
Os temas “bons relacionamentos com apoio social
no trabalho”; “relacionamentos instáveis e sem apoio
social” foram contemplados na categoria empírica
“relacionamentos interpessoais”. Os temas “humilhação”;
“abuso de poder”; “constrangimentos” e “assédio sexual”
deram origem à categoria “mal-estar no trabalho”.
Por fim, as interpretações dos participantes foram
fundidas com as nossas interpretações, considerando
o diálogo com a literatura vigente sobre a temática.
Embora tenham sido entrevistados jovens originários
de diferentes programas, Estágio e Aprendizagem, as
vivências demonstraram ser muito semelhantes, motivo
pelo qual foram realizadas a análise e a discussão
conjunta dos dados.
Cabe ressaltar que o trabalho foi submetido
e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (COEP/FSP) sob o nº 2021/2009. Foi realizada a
explanação da pesquisa para cada um dos jovens e feita
a entrega e leitura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Os jovens menores de 18 anos de
idade foram orientados a entregar o documento para
os pais ou responsável legal para que autorizassem
sua participação no estudo.
Análise e discussão dos resultados
Relacionamentos interpessoais no trabalho
Em geral, os participantes percebiam os
relacionamentos interpessoais no ambiente de trabalho
como bons. Foram diversas as falas ressaltando a
satisfação relacionada à boa convivência pessoal e
213
profissional no trabalho, assim como apoio social
recebido tanto de colegas de trabalho quanto por parte
da chefia. O apoio social é um dispositivo de ajuda
mútua, com aspectos como compartilhamento de
informações, auxílio em momentos de crise e influência
positiva sobre a saúde contra situações de estresse ao
criar uma sensação de coerência e controle da vida
(ANDRADE; VAITSMAN, 2002). De acordo com Antunes
e Fontaine (1996), o apoio social é configurado nas
diferentes funções que pessoas significativas ou grupos
desempenham para um indivíduo estabelecendo uma
rede de relações sociais, a qual permite ao indivíduo
sentir-se estimado e confiante de que terá auxílio,
conforto e compreensão quando necessitar. Os autores
acreditam que jovens tendem a procurar amigos com
mais frequência do que familiares em tais situações.
Seguem abaixo falas de jovens entrevistados a respeito
do apoio que recebem no trabalho:
Pessoal muito legal, mesmo. [...] Se você tem alguma dúvida, mesmo se ele não é do seu departamento, e ele sabe te ajudar, ele vai te ajudar, sem problema. Eu me dou muito bem com o pessoal também,
todo mundo brinca, todo mundo trabalha junto, pra
manter a empresa bem legal. (estagiário, 17 anos,
sexo masculino)
Eu fui bem recebido, lá tem pessoas que confiam no
meu potencial e isso ajuda muito, isso é uma força
muito grande pra mim. Porque tem empresas que
não acreditam no aprendiz, acham que o cara vai
lá só pra bagunçar. E o meu gestor ele me ajuda em
algumas coisas, não só como chefe, mas às vezes
como um amigo também. (aprendiz, 17 anos, sexo
masculino)
Alguns entrevistados, no entanto, informaram
viver relacionamentos interpessoais instáveis e
sem apoio social da parte de colegas ou da chefia.
Os relacionamentos interpessoais influenciam no
cotidiano de forma significativa, seja através da
formação de relações harmoniosas que propiciam o
aperfeiçoamento e crescimento pessoal dos envolvidos
ou através de relações desfavoráveis, tensas, que,
além de provocar danos emocionais, podem dificultar
o desenvolvimento e a realização das atividades na
equipe (WAGNER et al., 2009).
Atualmente, [com] minha chefia não está bom, mas
também não está ruim. Está razoável, tem dias que
está péssimo, mas tem dias que está bom. Parece
um mar, vai pra lá e vem pra cá, não está estável.
(aprendiz, 20 anos, sexo masculino)
[...] Com a minha coordenadora, não é assim. Ela
tem dias que ela está bem, tem dias que ela está mal
e o dia que ela está mal, ela desconta em você. E
esse fato acaba afetando sua vida profissional. [...]
eu tenho essas desavenças com ela. E isso acaba afetando muito. (estagiário, 15 anos, sexo masculino)
Quando o indivíduo percebe de forma acurada uma
situação e suas variáveis, ele desempenha melhor o
seu trabalho, além de ser mais capaz de se posicionar
214
de forma habilidosa na rede de relações interpessoais
no local de trabalho, tanto com clientes quanto com
outros trabalhadores da empresa (RODRIGUES; IMAI;
FERREIRA, 2001). Alguns adolescentes entrevistados
afirmaram preferir manter um relacionamento
estritamente profissional, ainda que seja dada abertura
para a informalidade no tratamento. Outros ficavam um
pouco desconfortáveis com a situação de formalidade
e relataram não saber lidar bem com a diferença de
situação dentro e fora do ambiente de trabalho. De uma
forma ou de outra, esses jovens demonstraram não
conseguir harmonizar de forma satisfatória o campo
profissional e pessoal; sentiam-se desconfortáveis por
encontrar uma realidade diferente da que esperavam
e revelam sua imaturidade no manejo das relações
interpessoais nos diferentes contextos.
Meu chefe, ele é bem sério. [...] Quando ele chega no serviço, é ele fechado nele, fazendo as coisas
dele. Mas fora, ele chega pra conversar com a gente,
só que, como a gente está acostumado com aquele
jeito sério, fechado, de ser, a gente não sabe como
conversar com uma pessoa assim. (aprendiz, 17
anos, sexo feminino)
[...] eu evito conversa até por respeito, porque lá é
assim, eles dão muita abertura e muita gente acaba
se excedendo, mesmo que esteja no nível que eles
permitem, mas eu já não gosto muito disso, sempre procurei ficar na minha [...] (aprendiz, 18 anos,
sexo masculino)
A qualidade do apoio social recebido é um importante
fator que interfere no enfrentamento da violência
psicológica no trabalho e pode ser determinante para
minorar ou agravar os efeitos nocivos à saúde mental
dos envolvidos. Apesar da maioria dos jovens afirmar
perceber a vivência dos relacionamentos no trabalho
como boa, no decorrer das entrevistas foram relatadas
inúmeras situações que geravam mal-estar e que podem
ser expressões de violência psicológica no trabalho.
Mal-estar no trabalho
Foram classificados na categoria “mal-estar no
trabalho” relatos dos participantes a respeito de situações
de humilhação, abuso de poder, constrangimentos e
assédio sexual. Esses temas surgiram em momentos
diversos das entrevistas, relatando situações vividas ou
presenciadas pelos jovens. As situações foram relatadas
por jovens com diferentes tempos de experiência, de
empresas diversas e que trabalhavam em diferentes
setores, não sendo neste estudo percebida maior
recorrência associada a determinado tipo de ramo
empregatício ou tempo de vinculação à empresa.
Entre as situações de humilhação sofridas pelos
jovens no ambiente de trabalho, destacam-se as
agressões verbais, as quais geralmente são aplicadas
como forma de punição, para corrigir algum erro
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
realizado pelo profissional ou recriminando uma
situação, conforme exemplificado nas falas abaixo:
Foi um fato de eu ter feito algum serviço errado e
ter sido chamado de ignorante, de burro, agressividades assim, em geral. (aprendiz, 20 anos, sexo
masculino)
[...] Eu tinha um problema no braço. [...] eu não era
acostumado a trabalhar e lá, às vezes, a gente carregava um pouco de peso, trabalhava com correio,
trabalhava com caixas grandes. E aí, teve uma época
que eu não conseguia carregar peso, não conseguia
escrever, não conseguia digitar. E aí eu acabei ouvindo coisas que me desagradaram profundamente.
(aprendiz, 17 anos, sexo masculino)
[...] eu trabalho em uma central de atendimento e
é como se fosse uma ouvidoria. Lá dá muito, muito problema. Então já me senti muito desrespeitada, sim. [...] mas a gente tem que entender que o
cliente está xingando e desrespeitando a empresa.
Não você, não o funcionário. Mas tem certas coisas
que alguns clientes falam que, realmente, você se
sente machucado, se sente magoado pelo que falou.
(aprendiz, 17 anos, sexo feminino)
dois exemplos: no primeiro, o jovem não aceitou
executar a tarefa solicitada por conhecer a lei de
que um adolescente não pode realizar trabalhos que
representem risco à sua saúde; no segundo, a jovem
acabou por se submeter à situação por não saber
como enfrentá-la.
Conheço só algumas leis: a lei que um aprendiz não
pode correr riscos. E meu chefe pediu pra eu transportar algumas peças para outra caçamba. [...] E eu
falei: “não vou fazer, porque na minha carteira está
que eu sou um aprendiz administrativo, não ajudante geral”. E ele: “você tem que fazer, você é meu
funcionário”. [...] E certamente eu não fiz, ele ficou
meio bravo, a gente praticamente ficou uma semana
sem falar um com o outro. (aprendiz, 20 anos, sexo
masculino)
Quando procuram que eu faça o serviço do “office
boy” [...] Eu sei que aquele não é o meu serviço e
que está no contrato que não pode. Mas eu acho que
não é viável falar não. [...] Aí eu me sinto meio que
constrangida, porque eu sei que não posso. (estagiário, 15 anos, sexo feminino)
As humilhações e depreciações constantes
caracterizam a violência psicológica e podem resultar
em danos para os adolescentes ao minar-lhes a
autoestima e a segurança (SAITO, 2010). Barreto
(2003) afirma que, nas relações autoritárias, a saúde
pode ser abalada, havendo manifestações de distúrbios
psíquicos que podem alterar as condutas daqueles que
não são reconhecidos como sujeitos. Essa forma de
violência, como pode ser considerada a humilhação
inerente às situações descritas, é um importante
indicador da qualidade das condições de trabalho
(OLIVEIRA; NUNES, 2008). Gaulejac (2007) discute
os efeitos dos modos de gerenciamento na produção
de sofrimento psíquico e de problemas relacionais
entre os trabalhadores da empresa que, submetidos
à intensa pressão, por não poderem intervir sobre
as faltas cometidas pela organização do trabalho,
acabam por se agredirem mutuamente. Essa reflexão
do autor é extremamente pertinente e, embora não
seja objeto deste trabalho aprofundar essa discussão,
existem inúmeros artigos que investigam a estreita
vinculação entre as condições de trabalho decorrentes
das políticas de gestão e a ocorrência de assédio no
trabalho (HELOANI, 2005; GOSDAL; SOBOLL, 2009).
Estes relatos revelaram que os adolescentes
estavam expostos a situações de abuso de poder e
que conhecer a lei não era garantia de proteção, pois
enfrentar uma situação abusiva cometida por um
superior hierárquico remete à possibilidade de punição
ou demissão. Contudo, ainda assim, o conhecimento
a respeito de direitos e deveres pode ser um meio de
evitar ou contornar situações claras de exploração.
Atritos com a chefia também são frequentes,
especialmente relacionados a situações de abuso de
poder, geralmente em solicitações que contemplam
desvio de função para realizar atividades perigosas ou
tarefas que, por lei, não podem ser realizadas por jovens
trabalhadores e menores de 18 anos (BRASIL, 1990).
Alguns jovens confrontaram os chefes demonstrando
que conheciam a lei e que não poderiam realizar
funções diferentes daquelas constantes no contrato
de trabalho. Nas situações relatadas abaixo, tem-se
Em virtude de sua condição socioeconômica e
cultural, segundo Asmus et al. (2005), os jovens se
afastam da compreensão do significado social do trabalho
e dos fatores psicossociais do trabalho associados ao
adoecimento. Os autores relembram que a experiência
do trabalho precoce entre as classes populares tem
reflexos mascarados na saúde dos jovens, pois as
doenças do trabalho geralmente aparecem somente na
fase adulta. Esses fatos dificultam o desenvolvimento
de políticas de proteção ao trabalho do adolescente.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
As relações de poder refletidas nas interações
interpessoais no trabalho envolvendo os jovens
entrevistados constroem-se e revelam-se nas
desigualdades socioeconômicas e hierárquicas dos
envolvidos. Superiores hierárquicos e colegas de
trabalho julgam-se detentores de um saber e um poder
que não é possibilitado aos jovens trabalhadores com
pouco tempo de experiência profissional e ainda
em formação educacional. McLaughlin, Uggen e
Blackstone (2008) destacam que a origem social pode
afetar a quantidade, qualidade e tipo de trabalho e,
portanto, a exposição dos trabalhadores a situações
de assédio. Sendo assim, jovens trabalhadores de
classes baixas podem ser especialmente vulneráveis
à violência psicológica no trabalho.
215
Neste estudo, a condição socioeconômica dos
jovens entrevistados, originários de famílias de baixa
renda e pouca escolaridade, afetara também as relações
interpessoais no ambiente de trabalho, conforme
demonstram os relatos, como queixas por parte dos
jovens sobre insinuações implícitas e explícitas de
que eles poderiam ser responsáveis por roubos (de
alimentos e dinheiro) no ambiente de trabalho.
Teve uma época na minha empresa que estava sumindo coisas da copa. [...] Aí chegou lá um funcionário reclamando que tinham comido coisa da geladeira que era dele [...] ele falou com a intenção de
que eu me sentisse culpada, entendeu? Aí eu senti
isso da parte dele. Eu achei isso muito desrespeitoso. (estagiário, 15 anos, sexo feminino)
Outras situações relativas à condição social e
hierárquica dos jovens dentro da empresa foram
citadas, as quais, inclusive, colocavam em xeque a
sua capacidade de aprender, de desempenharem bem
seu trabalho e crescerem profissionalmente.
Um estagiário de faculdade fez um comentário maldoso [...] e eu achei desrespeitoso. Há pessoas que,
infelizmente, tentam ser melhor do que as outras
por estar fazendo uma faculdade. (estagiário, 18
anos, sexo masculino)
Nesse relato, o estagiário da faculdade se sentiu
no direito de afirmar sua superioridade, dada sua
condição de “fazer faculdade”. A desqualificação,
neste caso, não apareceu apenas por uma condição
presente, mas como se houvesse a impossibilidade
do adolescente vir a ser igual em condições de acesso
ao ensino superior ou de ocupar a mesma vaga
profissional. Neste exemplo, à violência psicológica
soma-se o sofrimento ético-político, conforme definido
por Sawaia (2001, p. 105), que retrata a
[...] vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a
dor que surge da situação social de ser tratado como
inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da
sociedade.
Chaui (1998) considera que a forma como a
sociedade brasileira se estrutura não só permite como
propicia que esse tipo de exclusão seja legitimado e
não seja, portanto, tomado como forma de violência.
Segundo McLaughlin, Uggen e Blackstone (2008),
para os adolescentes pobres ou da classe trabalhadora
que são obrigados a trabalhar por razões financeiras,
a violência psicológica no trabalho pode ter efeitos
negativos de longo prazo sobre o nível socioeconômico.
Os jovens trabalhadores que experimentam assédio
podem também desenvolver expectativas negativas
sobre os empregos futuros, sofrer consequências
monetárias e terem a si negada valiosa experiência
de trabalho para se prepararem para futuras carreiras.
Quando não há o reconhecimento da necessidade de
aprendizado que a colocação lhes deveria possibilitar,
216
esses jovens passam a ser reprodutores de tarefas
simples que não lhes permitem aprender com o trabalho.
É pra falar a verdade, eu não tenho tantas expectativas no meu trabalho hoje, porque onde eu trabalho é tudo muito fechado. Cada um é muito egoísta
no que faz. [...] Quando uma pessoa falta, acabou o
mundo. Ninguém sabe fazer nada. [...] Eu até tentei, eu juro que tentei saber um pouquinho de cada
coisa, mas o pessoal não deixa. (estagiário, 16 anos,
sexo feminino)
Sawaia (2001, p. 9) relembra que inclusão e
exclusão representam um continuum dialético em
que se apresentam nuances de diferentes qualidades e
dimensões. Incluem-se aí, segundo a autora, a dimensão
objetiva da desigualdade social, a dimensão ética da
injustiça e a dimensão subjetiva do sofrimento. Essas
seriam faces de uma exclusão que pode se manifestar
em “inclusão social perversa”, a partir da qual a
sociedade cria uma ilusão de inclusão que determinaria
um distanciamento do sujeito da possibilidade de ser
igual ao “nós que o exclui, gerando o sentimento de
culpa individual pela exclusão”, porquanto, ao mesmo
tempo em que estes jovens são incluídos no mercado
de trabalho, eles muitas vezes são discriminados por
serem aprendizes ou estagiários.
Os jovens trabalhadores inseridos precocemente
no mercado de trabalho podem estar sujeitos a esta
forma de inclusão ilusória com efeitos deletérios. Seja
pelas condições precárias encontradas, na ausência
de trabalho decente, ou pelos efeitos nocivos que
essa inserção precoce pode ter sobre a formação e
saúde dos jovens, quando a empresa não cumpre
a função educativa a que se propõe, ela atua como
“[...] instrumento de legitimação para a manutenção e
reprodução social da pobreza e da estrutura ocupacional”
(MINAYO-GOMEZ; MEIRELLES, 1997, p. 138). Os
autores citados afirmam ainda que o trabalho de
adolescentes
[...] acaba por lhes impor um c usto social elevado:
a renúncia a um grau de escolarização maior, capaz de lhes garantir, no futuro, melhor colocação
no mercado de trabalho; ou uma sobrecarga de tarefas da qual resulta considerável desgaste físico
e mental, pois a atividade laborativa é uma fonte
de estresse emocional de origem social na infância
e adolescência. (MINAYOGOMEZ; MEIRELLES,
1997, p. 138)
Se, por um lado, as citações apresentadas podem
ser exemplos da inclusão perversa, conforme discutida
por Sawaia (2001) e Minayo-Gomez e Meirelles (1997),
por outro, elas refletem no destaque a seguir, a respeito
do não reconhecimento, reclamação apresentada por
vários jovens trabalhadores entrevistados. Não há
um reconhecimento por muitos colegas e por muitos
superiores hierárquicos do momento de aprendizado
que deveriam estar vivendo esses jovens na empresa.
Essa falta de reconhecimento, além de afetar o
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
aprendizado, pode igualmente afetar o bem-estar
psicológico desses jovens.
Siqueira e Padovam (2008) entendem que o bemestar psicológico consiste no funcionamento pleno
das potencialidades de uma pessoa, traduzidas em
capacidade de pensar, usando raciocínio e bom senso.
Além disso, outras dimensões seriam associadas ao
bem-estar: autoaceitação, relacionamento positivo
com outras pessoas, autonomia, propósito de vida e
crescimento pessoal. Seja quando há uma repreensão
exagerada por um erro cometido, seja na desconfiança
sentida pelos entrevistados sobre sua capacidade
profissional, ou ainda quando sua opinião sobre
o próprio trabalho não é ouvida, eles querem ser
“pessoas” e não somente aprendizes ou estagiários.
Ao se utilizar da expressão “passar a ser uma pessoa
e não um aprendiz”, o jovem revela o sentimento de
desmerecimento da figura do aprendiz em relação
aos outros profissionais da empresa, com menos
direitos e, inclusive, menos voz que uma pessoa
(profissional) reconhecida como tal tem ou deveria
ter. Essa é a insatisfação que repetidas vezes os
jovens entrevistados por este estudo demonstraram.
Incomoda, e muito, o fato do aprendiz ser “menos”
em relação aos outros, de ter um lugar “menor” na
empresa e, principalmente, de não ser ensinado a ser
profissional como esperavam que fosse. Ou, como
diz Sawaia (2001, p. 115), a enunciação do desejo de
“ser gente” não diz respeito apenas ao “[...] desejo de
igualar-se, mas de distinguir-se e ser reconhecido.”
Crescimento. Crescer, passar a ser uma pessoa, e
não um aprendiz. [...] o menor aprendiz é meio que
excluído em alguns assuntos, sendo que participa.
Então você tem que correr atrás, você tem que saber. (aprendiz, 16 anos, sexo masculino)
Eu não sei se é pelo nome aprendiz, se aprendiz
não tem experiência, eu até concordo, porque muitas coisas precisam ser conferidas, só que tem sempre a desconfiança. [...] É como se você não pudesse
errar, como se você fosse uma máquina, um robozinho, que não pudesse errar em algumas coisas.
Coisas que gestores mesmo erram. (aprendiz, 16
anos, sexo feminino)
E a falta de reconhecimento pode ter um efeito
desastroso sobre aqueles que entraram no trabalho com
tantas expectativas. A frustração, a desmotivação, os
conflitos interpessoais podem surgir e levar o jovem
trabalhador a perder a confiança no trabalho ou,
inclusive, em si mesmo, em seu potencial criativo.
Ultimamente, nesse trabalho que eu estou agora, eu
estou desmotivado. Então, eu não estou conseguindo conciliar meu trabalho, eu estou tendo dificuldades. [...] eu não estou confiando muito bem no
trabalho. As minhas expectativas eram ter um cargo
efetivo, crescer dentro da empresa e ser um ótimo
profissional. Hoje, não mais. (aprendiz, 20 anos,
sexo masculino)
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
É difícil levantar pra todo dia ter que ir trabalhar,
porque eu já estou meio desgastado com o ambiente, por causa de algumas coisas que eu já ouvi
falarem, de algumas coisas que estão mudando lá
dentro. E parece que eles não dão importância pra
gente, pros funcionários. (aprendiz, 16 anos, sexo
masculino)
Em relação ao aprendiz fica um clima chato toda
terça escutar: “ah, vai lá, passear, ficar brincando”. Nunca é levada a sério a questão do aprendiz.
(aprendiz, 17 anos, sexo feminino)
Brincadeiras no ambiente de trabalho também
apareceram em diversas falas dos adolescentes,
inclusive criando constrangimentos. Ser coagido
a aceitar e gostar das brincadeiras, fazer de conta
que não é atingido mesmo quando a brincadeira é
vexatória são maneiras encontradas pelos jovens para
se adaptarem ao ambiente de trabalho que de outra
forma seria causador de mal-estar cotidiano. Nesse
sentido, Saito (2010) destaca o importante aspecto que
a influência do grupo pode ter sobre os adolescentes
na deflagração da violência. A autora destaca sobre
essa influência que: “[...] se por um lado pode trazer
vivências de lideranças e valorização do trabalho em
equipe, por outro pode encorajar práticas antissociais
ou mesmo violentas que não seriam realizadas por
um indivíduo único.” (SAITO, 2010, p. 152)
[...] me mudaram de mesa e eu estou sentado aqui
de costas pra porta. E todo mundo que passa, vai ali
e dá um tapinha nas minhas costas, só que não é
um tapinha, é um tapa [com ênfase]. Eu já falei que
eu não gosto disso, mas o pessoal lá não respeita
muito e eu já saí com “mor” dor nas costas por causa disso. (aprendiz, 17 anos, sexo masculino)
[...] tinha um outro aprendiz, eu andava demais com
ele, ele era muito meu amigo. [...] o pessoal falava
que eu tinha um “casinho” com ele [...] Aí ficavam
tirando foto, escrevendo coisa... [...] Uma vez, teve
uma festa de casamento e que fui eu, aquele meu
amigo, o pessoal todo. E tipo, esse meu amigo, ele já
tinha mais de 18 anos, então ele bebia e tal. [...] Aí,
ele já estava com umas caras assim meio de bêbado
e foram e tiraram uma foto, e está tipo eu abaixado
assim e ele em pé. E aí, essa foto ficou em alguns
computadores da empresa, ficaram enviando essa
foto. (aprendiz, 17 anos, sexo masculino)
As brincadeiras no ambiente de trabalho podem
ser consideradas violentas quando incluem maustratos verbais ou físicos, contêm palavras de agressão
em tratamentos “aparentemente amistosos” que
mobilizam risos e piadas no ambiente de trabalho
(MARTINS; ROCHA; NASCIMENTO, 2009). Essas
brincadeiras, também chamadas de “perversas” por
Saladini (2007), correspondem a ironias, zombaria,
sarcasmo e atitudes vexatórias, com conteúdos de
humilhação e desmerecimento.
Outra situação surgida nas entrevistas foi o assédio
sexual, que pode ser considerado uma forma de
217
violência psicológica. O assédio sexual relaciona-se
ao assédio moral, sendo frequentes os casos em que há
precedência de um sobre o outro (FREITAS; HELOANI;
BARRETO, 2008). A crença de que o assédio sexual
só aconteça com mulheres e de que seja comum,
faz com que alguns jovens, principalmente do sexo
masculino, afirmem “não ser nada demais” e sintam
estar livres desse tipo de situação, como relatado por
um jovem que banaliza as situações de provocações
e insinuações sexuais:
As mulheres passam, alguns tentam mexer, e outros já colocam a cabeça no lugar “para, a mulher é
casada” ou “a mulher está aí para trabalhar e você
mexendo com ela”. Mas nada demais. (aprendiz, 20
anos, sexo masculino)
A banalização da violência psicológica contida
no assédio sexual por homens jovens é reflexo do
machismo na sociedade brasileira e permite que a
mulher continue sendo objeto deste tipo de atenção
sexual, além de dificultar a implementação de medidas
de prevenção nos ambientes de trabalho. Uma jovem
relatou ter vivido em seu emprego anterior uma
situação de assédio sexual. Mesmo após conversar
com chefia e agressor, a situação não foi resolvida.
Então, a pedido dela, a ONG conseguiu transferi-la
para outra empresa, porém não houve em nenhum
momento um posicionamento claro da empresa com
relação à situação e nenhum tipo de consequência ao
perpetrador do assédio.
Foi uma agressão sexual por uma pessoa que dava
em cima de mim e falava esses termos de assédio
sexual, desenhava e falava pra mim que queria fazer essas coisas comigo. Eu conversei direitinho
com a pessoa. Mas aí me afastaram. E a situação
não parou, continuava a acontecer e aí eu saí. (estagiário, 20 anos, sexo feminino)
Os jovens trabalhadores queixam-se com mais
frequência do que os outros trabalhadores de terem sido
objeto de atenção sexual indesejada, constatando-se que
as jovens com empregos precários em hotéis e empresas
prestadoras de serviços têm muito mais probabilidades
de exposição a assédio sexual (AGÊNCIA EUROPÉIA
PARA A SEGURANÇA E A SAÚDE NO TRABALHO,
2006). Mesmo não tendo aparecido nas entrevistas,
alguns autores como Freitas, Heloani e Barreto (2008)
destacam que pesquisas têm revelado que apesar de
serem casos raros, o assédio sexual tem se tornado
mais frequente tendo o agressor do sexo feminino e
um alvo do sexo masculino e ainda situações em que
tanto o agressor quanto o agredido são do mesmo
sexo. Fineran (2002), em estudo sobre assédio sexual a
adolescentes que estudavam e trabalhavam em tempo
parcial, percebeu que enquanto garotas tendem a ser
assediadas por homens, os garotos costumam ser alvo
tanto de mulheres quanto de homens. A partir desse
estudo realizado com 712 adolescentes com idade entre
218
14 e 19, a autora concluiu que 35% dos participantes
já haviam sido assediados sexualmente no trabalho.
[...] foi na Páscoa mesmo e saiu o amigo chocolate
e tal, no caso o chefe da menina começou entregar
algumas coisas assim... vamos dizer obscenas de
chocolate [...] no momento levou na brincadeira, só
que ela falou que depois ela acabou refletindo, viu
que ele estava no caso com outras intenções também. (aprendiz, 18 anos, sexo masculino)
Ressalta-se ainda que, segundo Fineran (2002), ser
assediado sexualmente no primeiro emprego pode ter
efeitos negativos sobre a autoestima e identidade em
formação dos adolescentes. Essa autora concluiu também
que jovens do sexo feminino e do sexo masculino
têm diferentes percepções e emoções resultantes do
assédio sexual, embora para ambos seja igualmente
perturbador e nocivo à saúde.
Enfrentando a violência psicológica no trabalho
Lunardi Filho, Lunardi e Spricigo (2001) alertam
que a atividade profissional é uma forma de inserção
social, em que aspectos psíquicos e físicos estão
fortemente implicados. Portanto, um trabalho “ideal”
seria aquele capaz de satisfazer um grande número de
funções vitais ao bem-estar psicológico e motivação dos
indivíduos, em que os relacionamentos interpessoais
fossem prazerosos e fontes de apoio. Contudo, quando
o trabalho tem condições restritivas pode-se esperar
um perigoso efeito negativo sobre a identidade, a
saúde mental e a qualidade de vida dos indivíduos
(TOLFO; PICCININI, 2007).
No presente estudo os relatos dos adolescentes
trabalhadores apresentaram indícios de situações de
violência psicológica. Foi possível perceber que muitas
das situações relatadas são banalizadas e consideradas
como naturais às relações interpessoais, entretanto
tais situações representam um empobrecimento dos
relacionamentos, acarretando danos à formação de
laços de apoio social. De acordo com Hirigoyen (2006),
a violência psicológica no trabalho seria reflexo do fim
da comunicação e do sentimento de superioridade entre
as pessoas na sociedade contemporânea. Segundo a
autora, não existe mais curiosidade nas trocas com o
outro, pois as pessoas já pensariam a priori que o outro
nada tem a lhes acrescentar. E continua, alertando
sobre a importância do verdadeiro diálogo: “[...] para
que exista diálogo, é preciso que exista uma relação
entre duas pessoas que se considerem iguais em
importância do ponto de vista humano, mesmo que
sejam de nível hierárquico diferente.” (HIRIGOYEN,
2006, p. 42)
Os jovens trabalhadores entrevistados acreditam
que o enfrentamento à violência psicológica no
trabalho seria mais efetivo se algumas ações partissem
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da empresa. Entre as sugestões estão reuniões ou
palestras, treinamentos, criação de normas e de um
canal de denúncias anônimas, mas sobretudo diálogos.
Esta foi uma sugestão recorrente entre as falas dos
adolescentes entrevistados. Contudo, a organização do
trabalho contemporânea, estabelecida sob a égide do
sistema capitalista e suas políticas de gestão, dificulta
o fortalecimento do coletivo dos trabalhadores contra
situações abusivas. As mudanças sugeridas pelos jovens
trabalhadores, embora pareçam de fácil aplicação,
extrapolam o poder gerencial dos gestores inseridos
na lógica do sistema e revelam a necessidade de uma
mudança estrutural profunda.
Heloani (2008) enfatiza que, ainda que seja
importante a criação de um canal de denúncias pelo
departamento de recursos humanos das empresas,
só isso é insuficiente. A solução real estaria em
humanizar o processo laboral, criando espaços de
intervenção do coletivo e fortalecendo as relações
de trabalho, espaço onde se aprende o exercício
da democracia. Só através do coletivo é possível
atingir a saúde mental individual. Dessa forma,
o trabalho pode tanto nos ajudar na constituição
de uma identidade emancipatória, quanto induzir
à construção de uma identidade deteriorada, que
seria fonte de desestabilização e de sofrimento.
Segundo Gaulejac (2007), é através do coletivo que
o trabalho adquire sentido, que a aprendizagem se
faz possível, que os comportamentos desviantes e os
julgamentos arbitrários são reprimidos, permitindo
que cada um se situe em relação aos outros e construa
uma escala de valores entre o prescrito e o real,
entre conteúdo e finalidades do trabalho. O autor
relaciona o aumento das doenças profissionais, o
sofrimento psíquico, a precarização e a insegurança
social à degradação das condições de trabalho pela
desagregação dos coletivos.
Como contribuição, ao pensarmos em “estratégias de
enfrentamento” viáveis que poderiam ser incorporadas
aos programas de educação para o trabalho de órgãos
governamentais e não governamentais, como também
em empresas, relembramos dois conceitos importantes
quando se fala em promoção da saúde: empoderamento
e autonomia.
Westphal (2009) destaca que o empoderamento está
intrinsecamente ligado à participação social, na medida
em que as pessoas devem poder assumir o controle
sobre os determinantes da saúde e, a partir de ações
motivadoras do empoderamento coletivo, participar
dos processos de tomada de decisão. Ressalta-se que
são consideradas como determinantes da saúde as
condições biológicas, políticas, econômicas e sociais
que influenciam a saúde.
A autonomia é outro conceito fundamental para a
promoção da saúde. Segundo Onocko Campos e Campos
(2009, p. 671), a autonomia é construída nas relações
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interpessoais por meio da dialética, sendo o sujeito
autônomo corresponsável tanto pela constituição de
si quanto do mundo que o cerca . Os autores destacam
que para que a autonomia se efetive o sujeito deve
ser capaz de lidar com o “[...] sistema de poder, de
operar com conflitos e de estabelecer compromissos
e contratos com outros sujeitos para criar bem-estar
e contexto mais democráticos.”
Nesse sentido, os trabalhadores devem ter acesso
ao conhecimento dos possíveis fatores psicossociais
relacionados ao trabalho que podem afetar a saúde física
e mental. Enquanto pouco se fala aos trabalhadores
sobre a saúde mental, estes deveriam também ter
espaços de discussão sobre a promoção da saúde
mental no trabalho, para que pudessem refletir em
conjunto e contribuir com suas ideias e iniciativas
a serem efetivadas na organização do trabalho. Os
trabalhadores devem ser protagonistas na promoção
da saúde mental no trabalho, não apenas na teoria,
mas em seu fazer cotidiano. Embora o conceito de
promoção da saúde comporte a compreensão de
integralidade da saúde humana, as referências feitas
a ela no campo da Saúde do Trabalhador costumam
priorizar os aspectos físicos e colocar em segundo
plano a saúde mental (BORSOI, 2007). Por essa razão,
importa destacar a necessidade de promoção da “saúde
mental” no trabalho, para que ganhem visibilidade e
viabilidade tais ações no ambiente laboral.
Em nosso estudo foi possível perceber que os
jovens que tinham mais conhecimento da lei e dos
limites das relações interpessoais no ambiente de
trabalho, portanto mais empoderados e autônomos,
conseguiram enfrentar com mais firmeza situações
abusivas, fossem elas por parte de colegas de trabalho
ou de superiores hierárquicos. O empoderamento
está relacionado ainda ao pertencimento a uma
rede que fornece apoio social. Segundo Andrade e
Vaitsman (2002, p. 928), o empoderamento emerge
na interação com outros sujeitos,
[...] gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da capacidade social e pessoal e possibilitando a transformação de
relações de poder. No nível individual, refere-se à
habilidade das pessoas em ganhar conhecimento e
controle sobre forças pessoais, sociais, econômicas
e políticas para agir na direção da melhoria de sua
situação de vida.
Os achados dessa pesquisa vão ao encontro da
discussão feita por Harvey, Blouin e Stout (2006)
a respeito da função da personalidade proativa de
adolescentes trabalhadores como moderadora dos
efeitos dos conflitos interpessoais no trabalho em
relação ao estresse psicológico e ao desempenho
escolar. De acordo com os autores, a personalidade
proativa é descrita como aquela a partir da qual os
indivíduos não se deixam constranger por situações
condicionantes, buscam oportunidades, mostram
219
iniciativa, agem e perseveram para conseguir
mudanças. Assim sendo, os indivíduos proativos
seriam mais propensos a agir para lidar com
conflitos e evitar que interferissem com suas vidas.
A reflexividade é apontada por Gaulejac (2007) como
essencial à construção do sujeito, contribuindo para
que compreenda a si e ao mundo e seja capaz de se
confrontar com a alteridade, se inserir em um coletivo
e contribuir para o bem comum. Dessa forma, é
possível relacionar o conhecimento à autonomia e ao
empoderamento, na medida em que a personalidade
proativa mediaria a busca por soluções alternativas
aos conflitos interpessoais e, possivelmente, para o
enfrentamento à violência psicológica no trabalho.
Considerações finais
As situações vivenciadas pelos jovens indicam que
a saúde mental dos envolvidos pode estar em risco e
que eles pouco conseguem fazer para enfrentar tais
situações. Por outro lado, o apoio social é um mediador
importante entre a violência psicológica no trabalho e a
saúde mental dos trabalhadores, quando existem bons
relacionamentos interpessoais. Muitos participantes,
embora sendo alvo de situações de mal-estar, relataram
ter boas interações pessoais no trabalho.
O chamado “mal-estar no trabalho” caracteriza-se por
situações pontuais de violência psicológica, considerada
“invisível” porque é difícil constatar sua ocorrência,
inclusive dentre os envolvidos e, portanto, prová-la.
Dessa maneira, os agredidos facilmente são vistos
como exagerados ou simplesmente “aqueles que não
sabem brincar”. Aí reside um ponto crucial de nossas
considerações, as situações limítrofes, a linha tênue
entre o inocente e o perverso, entre aquilo que faz bem
(em que todo mundo participa e gosta de participar) e
aquilo que faz mal (a diversão à custa do sofrimento
alheio). Essas situações limítrofes tornam especialmente
difíceis seu enfrentamento tanto por parte dos agredidos
quanto por medidas administrativas. Entendemos que
o grupo laboral dos adolescentes trabalhadores pode
ser mais vulnerável à violência psicológica, embora
talvez não existam diferenças significativas entre
as situações que enfrentam e as vividas por outros
profissionais. Talvez uma diferença a ser destacada sejam
as “brincadeiras” que foram trazidas reiteradamente
nas entrevistas, tanto como sinal de imaturidade na
forma como percebem o ambiente profissional quanto
como violência psicológica mascarada.
A condição socioeconômica dos participantes bem
como a fase de aprendizado e, portanto, de inexperiência
profissional na qual se encontravam podem também
ter sido propiciadores das situações abusivas relatadas.
Nesse sentido, algumas novas hipóteses poderiam ser
estabelecidas e seriam necessárias novas investigações
para verificar essas relações, como, por exemplo, que
jovens de classe média estariam menos expostos ou
220
sofreriam outros tipos de situações abusivas, ou, ainda,
que jovens trabalhadores em geral percebem e relatam
situações como sendo abusivas que trabalhadores com
mais idade não identificariam dessa forma. Por outro
lado, situações de desrespeito, de humilhação, de
constrangimentos e de assédio sexual parecem estar
banalizadas, naturalizadas e disseminadas em nossa
sociedade, sendo “aceitas” como parte do ambiente
profissional e também das relações sociais e familiares.
Daí a importância de ações efetivas da Saúde Coletiva
em conjunto com outros setores da sociedade, para
que a violência psicológica deixe de ser um fenômeno
invisível e gerador de sofrimento/adoecimento nas diversas
instâncias sociais. O trabalho de enfrentamento a esse
fenômeno pode e deve ser iniciado nos ambientes de
trabalho. As ações e políticas públicas possíveis para a
promoção da saúde mental no trabalho e prevenção da
violência psicológica devem ser elaboradas de forma
interdisciplinar, contando com a contribuição de diferentes
áreas de conhecimento, como da Saúde do Trabalhador,
da Psicologia Social e da Promoção da Saúde.
Neste estudo, percebemos que o acompanhamento
profissional realizado pela ONG como parte dos
requisitos de inserção de adolescentes no mercado
de trabalho acaba sendo um espaço de “ouvidoria”
dos acontecimentos no trabalho. É na ONG que os
jovens encontram um espaço que lhes permite falar
sobre sua vivência no trabalho, dúvidas, incertezas
e maneiras de lidar com o cotidiano do trabalho.
Contudo, inúmeros jovens ingressam no mercado de
trabalho sem terem nenhum tipo de acompanhamento
profissional, estes acabam não recorrendo a ninguém
em situações abusivas, além de não terem acesso a
informações importantes sobre saúde no trabalho.
O empoderamento dos adolescentes deve
compreender não só as informações transmitidas
aos jovens na sala de aula, discussões entre pares e
troca de experiências, como também as interações
com as coordenações dos programas aos quais
atendem semanalmente ou mensalmente, bem como
a participação em reuniões informais e formais entre
gestores das empresas e coordenadores de programas
de educação para o trabalho. Esse conjunto de ações
poderia, entre outros, corrigir rumos que levassem
a um tratamento dos jovens com equidade e a um
real aproveitamento pelos aprendizes e estagiários de
sua nova situação de trabalho em que novos saberes,
práticas e experiências em áreas de seu interesse
sejam de fato alcançados. Deveriam também ser
incluídos temas de Saúde Mental e Trabalho, não
só em organizações de educação e capacitação para
o trabalho, mas também no ensino médio. Entre os
temas, poderiam ser abordados: formas de violência
presentes no trabalho; consequências da violência
para a saúde; formas de enfrentamento com destaque
para leis específicas e estratégias coletivas, além de
serem exploradas as iniciativas imaginadas pelos
adolescentes, incentivando-os ao debate e à reflexão.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 210-223, 2014
Agradecimentos
Os autores agradecem aos gestores da Organização Não Governamental que oferece cursos de aprendizagem
no trabalho e que deu apoio durante a realização deste estudo, e aos jovens participantes deste estudo.
Contribuições de autoria
Turte-Cavadinha, S. L.: concebeu e desenvolveu o projeto de pesquisa. Fischer, F. M.: orientou a concepção
e o desenvolvimento do projeto de pesquisa. Luz, A. A.: colaborou no delineamento, no levantamento e na
interpretação dos dados. Turte-Cavadinha, E.: colaborou na análise, interpretação e discussão dos dados. Todos
os autores trabalharam igualmente na concepção do artigo, na elaboração do texto e em sua revisão final.
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ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000084913
Thiago Antônio de Mello 1
Artigo
Prevalência de benefícios auxílio-doença entre
trabalhadores da Construção no Brasil em 2009
Anadergh Barbosa-Branco 1
Prevalence of sickness benefits among construction workers in
Brazil in 2009
1
Universidade de Brasília, Programa
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Brasília, DF, Brasil.
Contato
Thiago Antônio de Mello
E-mail:
[email protected]
Este artigo é parte da dissertação de
mestrado de Thiago Antônio de Mello,
intitulada “Incapacidade para o trabalho
no ramo da Construção no Brasil”,
defendida em 2013 junto ao Programa
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
do Departamento de Saúde Coletiva
da Faculdade de Ciências da Saúde da
Universidade de Brasília.
O presente trabalho não contou com
financiamento externo, não é baseado
em tese e não foi apresentado em
reunião científica.
Os autores declaram que não há conflito
de interesse profissional, financeiro
ou benefícios diretos e indiretos que
possam influenciar os resultados desta
pesquisa.
Recebido: 09/09/2013
Revisado: 02/07/2014
Aprovado: 07/07/2014
224
Resumo
Objetivo: estimar a prevalência de Benefícios Auxílio-Doença (BAD) entre
trabalhadores do ramo da Construção e a potencial influência do sexo, idade e
ramo de atividade no quadro de incapacidade para o trabalho, no Brasil, em 2009.
Método: estudo transversal de base populacional baseado nos BAD concedidos
pela Previdência Social. Do Sistema Único de Benefícios e do Cadastro Nacional
de Informações Sociais extraíram-se informações sobre ramo de atividade, sexo,
idade, causa clínica e espécie de benefício. A população de estudo correspondeu
à média mensal dos vínculos empregatícios declarados em 2009 (1.784.772).
Resultados: foram concedidos 81.235 BAD, resultando em prevalência de
455,2/10.000 vínculos, com predomínio da espécie BAD previdenciária (Razão
de Prevalência [RP] 3,1), do sexo masculino (RP 1,3) e dos ramos de atividade
Obras de acabamento, Construção de obras de arte e Obras de terraplenagem.
Homens caracterizaram 76,7% mais BAD acidentários que mulheres. As principais
causas diagnósticas foram Lesões, Doenças osteomusculares e Doenças digestivas.
As categorias clínicas mais prevalentes foram Dorsalgia, Fratura ao nível do
punho e da mão, Fratura da perna e Hérnia inguinal. A prevalência aumentou
com a idade. Conclusão: a prevalência mostrou-se influenciada pela espécie de
benefício, ramo de atividade, sexo e idade. Os resultados sugerem potenciais
mecanismos de subnotificação/demanda previdenciária.
Palavras-chave: incapacidade para o trabalho; auxílio-doença; construção;
atividade econômica; saúde do trabalhador.
Abstract
Objective: to estimate the prevalence of sickness benefits among workers in
the construction industry and the potential influence of sex, age and branch of
activity within the framework of incapacity for work in Brazil in 2009. Methods: a
cross-sectional population study based on sickness benefits provided by the Brazilian
Social Security. Information about the branch of activity, sex, age, cause and
type of clinical benefit of workers was extracted from the Unified Benefits and the
National Registry of Social Information. The study population corresponded to the
average monthly employment relations declared in 2009 (1,784,772). Results: the
study population was granted 81,235 sickness benefits, resulting in a prevalence
of 455.2/10,000 bonds, predominantly non-work related benefits (Prevalence Ratio
[PR] 3,1), male (PR 1,3), and branches of activity: Finishing works, Construction
works of art and Earthwork. Men were granted 76.7% more sickness benefits related
to work than women. The main causes were Injuries, Musculoskeletal Diseases,
and Digestive Diseases. The most prevalent clinical categories were Back pain,
Fracture at the wrist and hand, Fracture of the leg and Inguinal hernia. Prevalence
increased with age. Conclusion: the prevalence of sickness benefits was influenced
by the type of benefit, type of activity, age and sex. The results of this study suggest
potential mechanisms of underreporting/social security demand.
Keywords: work disability; sickness benefit; construction; economic activity;
occupational health.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
Introdução
E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2001; RINGEN;
SEEGAL; WEEKS, 1998).
O absenteísmo por doença e a consequente
incapacidade para o trabalho são um problema de
saúde pública em todo o mundo, com considerável
custo socioeconômico (ROELEN et al., 2009). Estudos
internacionais têm mostrado que fatores como ocupação,
condições de trabalho e nível de escolaridade são
fortes determinantes de incapacidade para o trabalho
(PIHA et al., 2010; LAAKSONEN et al., 2010).
Empiricamente, sabe-se que os trabalhadores
informais contam com menor assistência em relação
à saúde do que aqueles minimamente amparados
pela legislação trabalhista. Considerando-se as
altas taxas de informalidade observadas no ramo da
Construção (SANTANA; OLIVEIRA, 2004), é possível
que esse grupo de trabalhadores apresente quadros
de adoecimento mais severos do que os encontrados
em trabalhadores empregados (BARBOSA-BRANCO;
SOUZA; STEENSTRA, 2011).
Estudo brasileiro recente, de base populacional,
mostrou a importância do ramo de atividade econômica
na incidência de incapacidade para o trabalho em
2008 (BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA,
2011). Esse estudo apontou o ramo Construção de
edifícios como a terceira maior incidência bruta de
incapacidade temporária para o trabalho em geral, a
quarta quando analisados separadamente os benefícios
auxílio-doença previdenciário (sem nexo técnico com
o trabalho) e a terceira entre os acidentários (com nexo
técnico com o trabalho) (BARBOSA-BRANCO; SOUZA;
STEENSTRA, 2011). Em outro estudo desenvolvido
com a mesma população e com métodos semelhantes,
mas considerando apenas doenças osteomusculares,
os resultados em termos de distribuição das taxas
de prevalência desse grupo foram semelhantes aos
do estudo anterior, a saber, a quarta maior taxa de
prevalência, no conjunto dos benefícios auxílio-doença,
e a segunda quando considerados apenas os benefícios
relacionados ao trabalho (VIEIRA; ALBUQUERQUEOLIVEIRA; BARBOSA-BRANCO, 2011).
Achados em um estudo de base populacional
sobre benefícios auxílio-doença devido a transtornos
mentais no Brasil mostraram que, do total desses
benefícios concedidos aos trabalhadores do ramo
Construção, mais de 40% foram decorrentes de
Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso
de substância psicoativa. O ramo Construção de edifícios
apresentou a maior duração mediana dos afastamentos
por incapacidade para o trabalho decorrentes de
transtornos mentais, o que indica, potencialmente,
maior gravidade e cronicidade dos casos (BARBOSABRANCO; BÜLTMANN; STEENSTRA, 2012).
A ocorrência de problemas de saúde na construção
civil está potencialmente associada ao grande número
de riscos ocupacionais, como o trabalho em grandes
alturas, o manejo de máquinas, equipamentos e
ferramentas perfurocortantes, instalações elétricas,
uso de veículos automotores, posturas e movimentos
antiergonômicos, como na elevação de objetos
pesados, além de estresse devido à transitoriedade
e à alta rotatividade (SOROCK; SMITH; GOLDOFT,
1993; LIPSCOMB; DEMENT; RODRIGUEZ-ACOSTA,
2000; JEONG, 1998; CATTLEDGE; HENDRICKS;
STANEVICH, 1996).
Estudos internacionais mostram que nesse
ramo de atividade, dentre as enfermidades mais
incapacitantes para o trabalho, destacam-se as doenças
musculoesqueléticas, dermatites, intoxicação por
chumbo e asbestose (BURKHART et al., 1993) e que
trabalhadores apresentam alta prevalência de abuso
de álcool (HOFFMANN; BRITTINGHAM; LARISON,
1996), inclusive durante o horário de trabalho,
contribuindo sobremaneira para o agravamento dos
riscos já existentes nos ambientes laborais.
Os trabalhadores desse ramo de atividade no Brasil
apresentam os menores níveis salariais dentre os
ramos da indústria, o que lhes impõe, com frequência,
a necessidade de estender a jornada de trabalho por
meio da realização de horas extras ou da adoção de
regime de tarefas e, como consequência, tem-se uma
maior exposição aos riscos de acidentes e doenças do
trabalho (SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA, 1998).
A alta rotatividade, a subnotificação dos registros
de acidentes e doenças do trabalho e as elevadas
taxas de informalidade nos ramos da Construção,
em particular na Construção de edifícios, contribuem
para a escassez de pesquisas epidemiológicas sobre
incapacidade para o trabalho nesse setor produtivo
(SANTANA; OLIVEIRA, 2004).
A atividade da construção civil é considerada uma
das mais perigosas em todo o mundo, liderando as
taxas de acidentes de trabalho fatais, não fatais e de
anos de vida perdidos (RINGEN; SEEGAL; WEEKS,
1998). Os acidentes de trabalho são a principal causa
ocupacional de morte na construção civil (SOROCK;
SMITH; GOLDOFT, 1993; BURKHART et al., 1993).
O perfil do trabalhador na construção, mesmo o
empregado, é de indivíduos jovens, do sexo masculino,
com baixa escolaridade, reduzida qualificação
profissional, além de notável contingente de migrantes
(DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA
Apesar dos dados disponíveis na literatura serem
principalmente referentes à Construção de edifícios
(Classificação Nacional de Atividades Econômicas
[CNAE]-Divisão 41), o ramo da Construção (CNAESeção F) é ainda composto pelos ramos Obras de
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
225
infraestrutura (CNAE-Divisão 42) e Serviços especializados
para construção (CNAE-Divisão 43). As atividades
típicas realizadas, bem como os riscos ocupacionais
presentes nesses três ramos da Construção, diferem
sobremaneira entre si, o que nos leva a inferir que
o perfil epidemiológico de adoecimento desses
trabalhadores seja diferente. Dessa forma, torna-se
importante avaliar essas potenciais diferenças visando
melhor compreender esses processos de adoecimento, e
dessa forma contribuir no estabelecimento de medidas
preventivas mais eficazes.
Frente a esse contexto, objetiva-se estimar a
prevalência de benefícios auxílio-doença concedidos
aos trabalhadores empregados no ramo da Construção
e a potencial influência do sexo, da idade, da espécie
de benefício e do ramo de atividade específico (CNAEclasse) no quadro de incapacidade para o trabalho no
Brasil, em 2009.
Métodos
Trata-se de estudo descritivo, com base na análise
dos Benefícios Auxílio-Doença (BAD) concedidos
pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS aos
trabalhadores empregados no ramo da Construção
(CNAE 2.0, Seção F) no Brasil, em 2009. A incapacidade
para o trabalho foi avaliada pela prevalência de BAD.
Para concessão de um BAD a perícia do INSS avalia a
presença ou não da incapacidade para o trabalho e não
apenas a presença de um agravo. Portanto, neste estudo,
BAD e incapacidade para o trabalho são utilizados
como termos equivalentes. Detalhes do esquema de
concessão de auxílio-doença no Brasil, bem como o
detalhamento das fontes de dados utilizadas neste
estudo e da forma de tratamento dos dados foram
descritos em estudos anteriores (BARBOSA-BRANCO;
SOUZA; STEENSTRA, 2011; BARBOSA-BRANCO;
BÜLTMANN; STEENSTRA, 2012).
Os dados analisados neste estudo são oriundos de
duas grandes bases de dados sob a responsabilidade
do INSS: a) Sistema Único de Benefícios – SUB, que
concentra o registro de todos os benefícios concedidos
aos segurados da iniciativa privada no Brasil, e
incluem os BAD, objeto desta investigação; b) Cadastro
Nacional de Informações Sociais – CNIS, o qual
recebe, por determinação legal, informações mensais
dos vínculos empregatícios mantidos pelas empresas.
Para o tratamento dos dados utilizou-se o sistema de
armazenamento e gerenciamento de bancos de dados
Microsoft Office Access. Do SUB foram extraídas
informações sobre o ramo de atividade econômica
patronal, sexo, idade, causa clínica (CID-10) e espécie
de benefício (previdenciário, acidentário). Essa base
constitui o numerador. Do CNIS foram coletados dados
sobre o ramo de atividade econômica patronal (CNAE
226
Seção, Divisão e Classe), sexo e idade do trabalhador.
Os dados dessa base foram usados como denominador
para os cálculos da prevalência, que foram realizados
por meio do programa de planilha eletrônica Microsoft
Office Excel. As taxas de incapacidade apresentadas
referem-se às prevalências e razões de prevalências
(RP) obtidas para as variáveis de interesse.
A população de estudo corresponde à média dos
vínculos empregatícios declarados pelos empregadores
na CNAE-Seção F (Construção) no Brasil, em 2009
(1.784.772), o qual corresponde a 5,4% dos vínculos
empregatícios declarados no Brasil em 2009. Foi
considerado caso todo benefício auxílio-doença
concedido à população de estudo no período de 1/1
a 31/12/2009.
Para a análise individualizada da prevalência
dos agrupamentos CID-10 foi adotado o critério
de corte de 2.000 casos por agrupamento, a fim de
evitar distorções numéricas. Em relação ao ramo de
atividade, não foram individualmente consideradas,
para análise, as CNAE com menos de 1.000 benefícios
concedidos no período. Foram considerados para
análise individualizada os resultados para as categorias
diagnósticas que apresentaram mais de 1.000 BAD
em 2009, representadas em 12 categorias (40,3% da
casuística).
A fim de simplificar a leitura e compreensão
dos resultados desta pesquisa, os nomes dos grupos
diagnósticos (capítulos CID-10) foram simplificados na
forma a seguir, sem prejuízo quanto aos agrupamentos
e categorias neles contidos: I - Doenças infecciosas;
II - Neoplasias; III - Doenças do sangue; IV - Doenças
endócrinas; V - Doenças mentais; VI - Doenças do
sistema nervoso; VII - Doenças do olho; VIII - Doenças
do ouvido; IX - Doenças do aparelho circulatório;
X - Doenças respiratórias; XI - Doenças digestivas;
XII - Doenças da pele; XIII - Doenças osteomusculares;
XIV - Doenças geniturinárias; XIX - Lesões; e XXI - Fatores
que influenciam o estado de saúde.
Com o mesmo objetivo, os seguintes ramos
de atividades também tiveram sua nomenclatura
CNAE-classe simplificada, sem que se alterasse para
análise o rol de atividades constantes na relação original:
4211 - Construção de rodovias; 4212 - Construção de
obras de arte; 4221 - Obras para energia elétrica e
telecomunicações; 4222 - Construção de redes de água
e esgoto; 4292 - Montagem de instalações industriais;
4322 - Instalações hidráulicas; e 4329 - Obras de
instalações em construções.
Com relação aos aspectos éticos, esclarecemos que
foram utilizados exclusivamente dados secundários
oriundos de grandes bases públicas de dados, sem
que houvesse meios para a identificação dos sujeitos
individualmente.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
Resultados
Em 2009 foram concedidos 81.235 BAD aos
trabalhadores empregados na Construção, resultando
em uma prevalência de 455,2 casos para cada 10.000
vínculos empregatícios (Tabela 1). Quanto à espécie
de benefício predominaram os BAD previdenciários
em uma razão de 3,1 em relação aos BAD acidentários
(Tabela 1).
Em relação aos grupos diagnósticos (capítulos CID-10)
que deram origem aos benefícios, predominaram as
Lesões (180,1); Doenças osteomusculares (90,1); e as
Doenças digestivas (39,4), independente da espécie de
benefício (Tabela 1). O grupo das Lesões representou
39,6% dos BAD e esses três grupos juntos responderam
por 68,0% dos BAD.
A análise da potencial influência do sexo na
prevalência de BAD mostrou que os homens, no
geral (476,3), apresentaram prevalência 30,0% maior
do que as mulheres (374,5) e 76,7% maior nexo
técnico (relação com o trabalho) (Tabela 1). A maior
diferença entre os sexos em relação à prevalência de
BAD segundo os grupos diagnósticos foi observada
em relação às Lesões (RP 2,7), Doenças infecciosas (RP
2,2) e Doenças do olho (RP 2,2) (Tabela 1).
Entre os homens, as Lesões tiveram maior peso
no quadro da incapacidade, representando 41,1%
do total de BAD e 64,8% daqueles relacionados
ao trabalho, enquanto que entre as mulheres essa
representatividade foi de 19,1% no geral e 42,3%
entre os BAD acidentários.
Dentre os grupos mais prevalentes, as Doenças
osteomusculares e as Doenças mentais foram mais
impactantes entre as mulheres, representando juntas
34,4% do total de BAD nesse sexo, contrapondo-se a
26,3% entre os homens. Esse impacto fica ainda mais
Tabela 1 Prevalência de benefícios auxílio–doença no ramo da Construção (por 10 mil vínculos)* segundo
sexo, espécie de benefício e grupo CID–10 – Brasil – 2009
Sexo
Cap.
CID–10
Razão de prevalência
Masculino
Total
Feminino
B31
B91
B31 +
B91
B31
B91
B31 +
B91
XIX
117,6
78,0
195,6
46,2
25,2
XIII
63,4
29,8
93,2
59,7
25,8
XI
37,1
5,0
42,1
23,2
IX
32,6
1,5
34,1
25,4
V
31,0
1,2
32,2
M/F
M/F
M/F
M+F
B31
B91
B31 +
B91
B31
B91
B31 +
B91
B31/
B91
71,4
108,5
71,6
180,1
2,5
3,1
2,7
1,5
85,5
61,4
28,6
90,1
1,1
1,2
1,1
2,1
0,4
23,6
34,9
4,5
39,4
1,6
12,3
1,8
7,8
0,9
26,4
31,1
1,4
32,5
1,3
1,6
1,3
22,3
41,9
1,3
43,3
31,1
1,2
32,2
0,7
0,9
0,7
26,1
I
11,7
0,7
12,4
5,1
0,5
5,6
10,8
0,7
11,5
2,3
1,6
2,2
15,6
II
9,9
0,2
10,0
29,7
0,1
29,7
11,3
0,2
11,4
0,3
2,8
0,3
64,8
XIV
7,4
0,1
7,5
18,1
0,1
18,2
8,1
0,1
8,2
0,4
0,7
0,4
85,0
VII
7,9
0,8
8,7
3,8
0,1
3,9
7,3
0,7
8,1
2,1
6,1
2,2
9,8
VI
6,9
0,8
7,7
9,4
3,4
12,8
6,9
1,0
7,9
0,7
0,2
0,6
6,8
X
5,6
0,6
6,2
5,6
0,7
6,4
5,5
0,6
6,1
1,0
0,8
1,0
9,2
XII
5,1
0,7
5,9
3,9
0,4
4,3
4,9
0,7
5,6
1,3
1,8
1,4
7,1
XXI
3,6
0,4
4,0
4,4
0,2
4,6
3,5
0,4
3,9
0,8
2,0
0,9
9,3
IV
2,7
0,2
2,9
2,5
-
2,5
2,7
0,1
2,8
1,1
-
1,1
19,7
VIII
1,5
0,1
1,7
1,7
0,1
1,7
1,5
0,1
1,6
0,9
2,1
1,0
11,7
III
0,7
0,0
0,7
1,1
-
1,1
0,7
0,0
0,7
0,7
-
0,7
25,6
Outros
11,2
0,1
11,4
33,1
0,3
33,5
12,8
0,2
12,9
0,3
0,4
0,3
84,4
Total
355,9
120,3
476,3
314,9
59,6
374,5
343,1
112,1
455,2
1,1
2,0
1,3
3,1
* A população de estudo corresponde à média dos vínculos empregatícios declarados pelos empregadores na CNAE–Seção F–Construção no período:
1.784.772 vínculos
B31: Auxílio–doença previdenciário; B91: Auxílio–doença acidentário; M: Masculino; F: Feminino; Capítulos (grupos) CID–10 – Descrição: I – Algumas
doenças infecciosas e parasitárias; II – Neoplasias (tumores); III – Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários;
IV – Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; V – Transtornos mentais e comportamentais; VI – Doenças do sistema nervoso; VII – Doenças do
olho e anexos; VIII – Doenças do ouvido e da apófise mastóide; IX – Doenças do aparelho circulatório; X – Doenças do aparelho respiratório; XI – Doenças
do aparelho digestivo; XII – Doenças da pele e do tecido subcutâneo; XIII – Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo; XIV – Doenças do
aparelho geniturinário; XIX – Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas; XXI – Fatores que influenciam o estado de
saúde e o contato com os serviços de saúde
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
227
claro quando considerado apenas os BAD acidentários
(45,5% no feminino comparado a 25,8% no masculino).
grupos diagnósticos. Em todos os ramos de atividades
analisados, os três maiores grupos de causa diagnóstica
para os afastamentos foram as Lesões, as Doenças
osteomusculares e as Doenças digestivas, exceto nos
ramos Obras para energia elétrica e telecomunicações,
e Instalações elétricas. Nesses ramos, o terceiro maior
grupo foi o das Doenças mentais.
Na análise da espécie de benefício (previdenciário
e acidentário) em relação aos grupos diagnósticos,
observa-se que, enquanto os BAD previdenciários
seguiram a mesma tendência geral independente do
sexo, os acidentários apresentaram elevadas razões
de prevalência entre os sexos, principalmente para
os grupos Doenças digestivas (RP 12,3), Doenças do
olho (RP 6,1) e Lesões (RP 3,1) (Tabela 1).
Os ramos de atividade apresentaram taxas de
incapacidade heterogêneas tanto no geral quanto em
relação aos grupos diagnósticos específicos. O ramo
com maior prevalência de Lesões, Obras de acabamento,
apresentou taxas de afastamentos 58,4% maior que a
totalidade dos ramos e 81,8% maior que o ramo com
menor prevalência. Chamou atenção a alta prevalência
de benefícios decorrentes de Doenças da pele entre os
trabalhadores de Obras de terraplenagem (Tabela 2).
Nesse ramo, esse grupo de doenças que representou
Ao analisar a potencial influência do ramo de
atividade na prevalência de BAD segundo os grupos
diagnósticos (Tabela 2) observaram-se variações
importantes. Os ramos Obras de acabamento,
Construção de obras de arte e Obras de terraplenagem
apresentaram as maiores prevalências de BAD em
geral e lideraram essa taxa em relação à maioria dos
Tabela 2 Prevalência de benefícios auxílio–doença no ramo da Construção (por 10 mil vínculos)* segundo
ramo de atividade econômica e grupo CID–10 – Brasil – 2009
CNAE
Cap.
CID–10
4120
4211
XIX
169,9
XIII
84,6
XI
IX
4212
4221
4222
4292
4312
4313
4321
4322
156,9
196,7
176,1
75,9
134,2
99,0
166,7
199,8
82,7
112,1
255,9
218,9
222,6
177,0
91,9
116,5
99,9
75,9
37,8
36,7
62,2
31,9
32,7
42,6
37,2
37,1
21,1
31,8
46,5
41,3
48,6
34,8
30,5
35,3
40,1
46,6
32,2
28,5
V
29,9
28,7
42,6
41,8
25,9
39,9
33,5
39,1
35,0
4329
Total
4330
Outros
218,9
285,3
186,3
180,1
111,0
132,5
72,6
90,1
49,8
54,2
34,9
39,4
37,4
46,1
32,7
32,5
28,3
41,1
51,4
24,3
32,2
I
11,7
9,4
17,1
7,7
11,8
11,6
10,1
12,5
10,9
7,7
15,8
19,6
8,0
11,5
II
11,4
10,7
12,9
9,3
9,9
11,1
9,0
16,9
12,4
12,8
13,7
15,4
12,7
11,4
XIV
8,3
8,3
12,0
7,9
6,9
8,3
10,1
11,7
6,8
3,7
8,6
11,5
6,5
8,2
VII
7,9
6,7
14,7
7,1
8,3
8,2
7,4
8,9
7,2
4,9
9,4
9,8
11,6
8,1
VI
7,5
7,8
12,0
7,7
7,3
9,0
10,5
8,3
7,5
6,3
10,4
9,8
5,8
7,9
X
5,9
5,0
9,0
6,0
6,6
6,9
6,6
5,0
4,9
4,3
7,9
8,0
5,1
6,1
XII
5,8
3,9
9,3
3,6
5,2
6,2
6,2
10,0
5,0
3,7
6,5
8,7
5,1
5,6
XXI
3,8
3,2
4,8
3,6
3,4
4,4
4,7
5,0
4,6
5,7
4,7
5,2
3,6
3,9
IV
2,8
2,5
2,4
3,2
2,5
3,3
3,9
5,3
2,0
3,1
2,9
0,7
1,5
2,8
VIII
1,5
1,5
2,4
2,5
1,4
2,7
0,4
3,1
1,5
2,6
1,6
1,0
0,7
1,6
III
0,7
0,9
0,3
0,6
0,8
1,0
1,2
0,8
0,5
0,6
0,9
2,1
1,1
0,7
Outros
14,3
12,0
14,7
13,4
9,3
12,2
12,1
18,9
8,5
10,3
11,7
12,2
10,2
12,9
Total
435,7
402,8
590,0
447,8
417,4
518,5
544,8
576,0
496,1
405,9
552,2
673,7
422,6
455,2
* A população de estudo corresponde à média dos vínculos empregatícios declarados pelos empregadores na CNAE–Seção F–Construção no período:
1.784.772 vínculos
Capítulos (grupos) CID–10 – Descrição: I – Algumas doenças infecciosas e parasitárias; II – Neoplasias (tumores); III – Doenças do sangue e dos órgãos
hematopoéticos e alguns transtornos imunitários; IV – Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; V – Transtornos mentais e comportamentais;
VI – Doenças do sistema nervoso; VII – Doenças do olho e anexos; VIII – Doenças do ouvido e da apófise mastóide; IX – Doenças do aparelho circulatório;
X – Doenças do aparelho respiratório; XI – Doenças do aparelho digestivo; XII – Doenças da pele e do tecido subcutâneo; XIII – Doenças do sistema
osteomuscular e do tecido conjuntivo; XIV – Doenças do aparelho geniturinário; XIX – Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de
causas externas; XXI – Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde; Classes CNAE – Descrição: 4120 – Construção de
edifícios; 4211 – Construção de rodovias e ferrovias; 4212 – Construção de obras de arte especiais; 4221 – Obras para geração e distribuição de energia
elétrica e para telecomunicações; 4222 – Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas; 4292 – Montagem
de instalações industriais e de estruturas metálicas; 4312 – Perfurações e sondagens; 4313 – Obras de terraplanagem; 4321 – Instalações elétricas;
4322 – Instalações hidráulicas, de sistemas de ventilação e refrigeração; 4329 – Obras de instalações em construções não especificadas anteriormente;
4330 – Obras de acabamento
228
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
a quarta causa clínica de incapacidade, em termos de
correlação com o trabalho (RP 7,1) (Tabela 1), teve
prevalência 78,6% maior que a da população de estudo
e 177,8% maior que a do ramo Obras para energia
elétrica e telecomunicações (Tabela 2).
Essa mesma análise quando realizada segundo
o agrupamento CID-10 mostrou que, dentre os
19 maiores agrupamentos, nove destes figuram no
grupo das Lesões; três de Doenças osteomusculares e
três de Doenças do aparelho circulatório (Tabela 3).
O ramo Obras de acabamento apresentou taxas
superiores às dos trabalhadores da Construção em
geral em todos os agrupamentos, exceto para Doenças
hipertensivas (Tabela 3). O ramo Construção de obras
de arte apresentou prevalência de Dorsopatias 48,9%
maior do que a Construção em geral, enquanto o ramo
Perfurações e sondagens apresentou 93,8% maior
prevalência para Traumatismos do punho e da mão
do que o conjunto dos trabalhadores da Construção.
O ramo Construção de edifícios, CNAE divisão 41,
apresentou o maior número de vínculos empregatícios
dentre os ramos da Construção (dados não tabulados),
e taxas de incapacidade para o trabalho, em geral,
menores do que as dos demais CNAE (Tabelas 2 e 3).
Tabela 3 Prevalência de benefícios auxílio–doença no ramo da Construção (por 10 mil vínculos)* segundo
ramo de atividade econômica e agrupamento CID–10 – Brasil – 2009
Agrupamento
CID–10
CNAE
Total
4120
4211
4212
4221
4222
4292
4312
4313
4321
4322
4329
4330
Outros
M40–M54
46,1
40,3
70,3
45,8
44,4
50,9
52,2
66,0
49,1
32,8
56,9
62,9
37,4
47,2
S60–S69
41,5
36,8
41,1
35,7
42,3
47,4
84,9
52,4
49,8
50,8
58,5
61,5
44,7
43,8
S80–S89
32,2
32,6
50,1
42,6
32,7
42,9
42,8
48,8
47,2
39,7
43,7
54,5
39,2
36,2
K40–K46
23,9
22,2
38,1
18,9
23,7
31,6
26,5
25,8
22,6
16,6
28,9
33,6
18,2
24,2
S90–S99
22,8
21,5
23,1
24,5
23,1
26,4
30,4
30,2
27,0
22,6
28,8
44,0
22,5
24,1
M00–M25
19,9
19,8
34,2
26,8
20,4
37,3
23,4
29,1
26,2
26,8
28,5
32,9
12,0
22,6
M60–M79
16,7
14,2
25,8
24,7
16,5
19,9
14,4
18,6
22,1
13,7
22,2
32,2
22,1
18,1
S50–S59
16,6
16,1
17,7
15,8
14,4
16,9
24,9
18,0
22,9
14,3
21,0
31,8
15,2
17,1
S40–S49
15,9
14,9
18,9
17,2
14,6
21,8
17,5
20,3
19,7
15,7
20,8
24,5
19,2
16,8
F10–F19
13,3
11,4
16,2
13,8
11,2
20,1
15,6
20,3
14,5
13,7
16,5
25,5
9,4
13,8
S00–S09
8,6
7,5
12,3
8,3
9,4
10,2
14,4
13,6
9,1
6,9
12,7
15,7
9,8
9,3
I80–I89
8,2
10,2
15,0
6,8
7,9
10,9
7,0
11,4
7,8
7,4
10,7
12,2
8,0
8,7
F30–F39
8,0
7,4
14,1
15,2
6,2
7,0
8,6
9,7
10,3
6,9
11,7
11,9
6,5
8,7
C00–C97
7,6
7,1
8,4
5,3
7,3
6,7
6,6
13,0
7,8
9,7
8,5
9,8
7,6
7,6
T90–T98
7,1
5,6
5,4
5,5
6,9
6,5
8,6
6,9
8,5
7,1
6,5
8,4
6,9
6,8
I20–I25
6,7
6,4
9,3
3,7
6,5
8,2
11,3
10,5
6,8
5,7
6,7
8,0
6,5
6,7
I10–I15
6,0
5,9
6,6
3,9
7,7
6,5
5,8
9,7
6,8
6,3
7,2
5,9
5,8
6,2
S30–S39
6,3
4,9
6,9
4,7
5,8
5,2
6,2
6,9
9,4
4,0
7,0
11,2
5,1
6,2
S70–S79
5,5
5,6
6,0
6,2
5,8
6,5
6,2
7,5
7,8
4,6
6,7
12,9
7,3
6,0
Outros
122,7
112,3
170,2
122,4
110,5
135,6
137,5
157,0
120,6
100,8
148,6
174,1
119,1
124,8
Total
435,7
402,8
590,0
447,8
417,4
518,5
544,8
576,0
496,1
405,9
552,2
673,7
422,6
455,2
* A população de estudo corresponde à média dos vínculos empregatícios declarados pelos empregadores na CNAE–Seção F–Construção no período:
1.784.772 vínculos
Agrupamentos CID–10 – Descrição: M40–M54 – Dorsopatias; S60–S69 – Traumatismos do punho e da mão; S80–S89 – Traumatismos do joelho e da
perna; K40–K46 – Hérnias; S90–S99 – Traumatismos do tornozelo e do pé; M00–M25 – Artropatias; M60–M79 – Outros transtornos dos tecidos moles;
S50–S59 – Traumatismos do cotovelo e do antebraço; S40–S49 – Traumatismos do ombro e do braço; F10–F19 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa; S00–S09 – Traumatismos da cabeça; I80–I89 – Doenças das veias, dos vasos linfáticos e dos gânglios linfáticos,
não classificadas em outra parte; F30–F39 – Transtornos do humor (afetivos); C00–C97 – Neoplasias (tumores) malignas(os); T90–T98 – Sequelas de traumatismos, de intoxicações e de outras consequências das causas externas; I20–I25 – Doenças isquêmicas do coração; I10–I15 – Doenças hipertensivas;
S30–S39 – Traumatismos do abdome, do dorso, da coluna lombar e da pelve; S70–S79 – Traumatismos do quadril e da coxa; Classes CNAE – Descrição:
4120 – Construção de edifícios; 4211 – Construção de rodovias e ferrovias; 4212 – Construção de obras de arte especiais; 4221 – Obras para geração
e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações; 4222 – Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções
correlatas; 4292 – Montagem de instalações industriais e de estruturas metálicas; 4312 – Perfurações e sondagens; 4313 – Obras de terraplanagem;
4321 – Instalações elétricas; 4322 – Instalações hidráulicas, de sistemas de ventilação e refrigeração; 4329 – Obras de instalações em construções não
especificadas anteriormente; 4330 – Obras de acabamento
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
229
Ao se buscar um maior detalhamento das causas
diagnósticas dos benefícios (categoria CID-10) e
sua relação com o sexo e a idade do trabalhador
incapacitado, verificou-se que a variável idade
apresentou relação direta com o aumento da prevalência
de BAD, independente do sexo, até a faixa etária de
50-59 anos de idade. (Tabela 4). Ao se considerar o
total das categorias diagnósticas, independente do
sexo, também ocorreu aumento da prevalência de
BAD com a idade (dados não tabulados).
Com relação à idade e às categorias do grupo Lesões,
entre os homens a maior prevalência foi observada na
faixa etária de 20-29 anos, com gradativa queda com
o avanço da idade. Entre as mulheres a situação geral
é quase que inversa no conjunto dessas categorias.
Houve aumento do número de Lesões até os 59 anos.
A topografia das lesões também sofreu influência do
sexo; enquanto entre os homens a prevalência de
lesões nos membros superiores foi 22,2% maior que
nos membros inferiores, entre as mulheres ocorre
o contrário, as lesões de membros inferiores foram
35,4% maior do que superiores. Esses valores são
obtidos avaliando-se as relações entre as somas das
prevalências das categorias relacionadas a membros
superiores (S42, S52 e S62) e inferiores (S82, S83 e
S92), para homens e mulheres (Tabela 4).
Em razão das diferentes atividades exercidas por
homens e mulheres na Construção, foram encontradas
diferenças substanciais na distribuição das prevalências
entre os sexos e categorias diagnósticas. No geral, a
categoria mais prevalente foi a Dorsalgia, com taxa
pouco superior à Fratura ao nível do punho e da mão,
sendo que essas duas categorias de causas diagnósticas
representaram 13,2% do total de casos (Tabela 4).
Os BAD devido à Hérnia inguinal, quarta categoria
mais prevalente, predominaram fortemente entre
os homens, havendo aumento da prevalência com
o avanço da idade em ambos os sexos (Tabela 4). A
categoria mais prevalente dentre as Doenças mentais
foi a dos Transtornos mentais e comportamentais
devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras
substâncias psicoativas. Essa categoria prevaleceu entre
homens com idade entre 20 e 40 anos, sendo que as
A partir da soma das prevalências de categorias
de Doenças osteomusculares por cada faixa etária
e sexo, verificou-se para ambos os sexos a mesma
relação observada quanto à tendência geral, aumento
da prevalência de BAD até os 59 anos (Tabela 4).
Tabela 4 Prevalência de benefícios auxílio–doença no ramo da Construção (por 10 mil vínculos)* segundo
faixa etária e categoria CID–10 – Brasil – 2009
Sexo
Categoria
CID–10
< 20
Masculino
Feminino
Faixa etária (anos)
Faixa etária (anos)
20–29 30–39 40–49 50–59
 60
Total
< 20
–
Total
20–29 30–39 40–49 50–59
8,1
20,1
32,4
87,4
 60
44,4
Total
M54
2,0
8,1
24,4
46,7
76,6
79,6
32,5
22,7
30,9
S62
41,2
38,4
33,6
27,0
24,7
12,8
31,9
6,9
7,2
5,5
6,6
17,0
6,3
7,2
29,0
S82
24,3
27,3
23,7
24,5
22,3
13,0
24,5
16,1
10,6
10,5
13,6
19,6
19,0
12,1
22,8
K40
2,4
10,7
14,5
22,6
36,9
37,4
18,5
–
1,1
2,1
3,5
5,4
–
2,1
16,7
S52
17,8
16,0
15,6
16,2
16,6
9,1
15,9
–
3,4
6,7
5,9
22,3
6,3
6,3
14,6
S92
11,3
15,6
14,5
17,2
14,7
13,0
15,3
4,6
8,5
11,1
9,1
10,7
19,0
9,6
14,5
M51
1,6
3,1
11,5
21,8
31,0
34,2
14,3
–
2,0
6,9
19,5
33,0
19,0
9,4
13,6
S42
14,6
13,2
11,9
11,6
9,4
4,1
11,7
4,6
5,0
4,6
3,5
5,4
–
4,6
10,8
M23
2,8
7,2
10,5
10,7
12,3
7,4
9,6
–
2,5
1,9
5,6
10,7
–
3,4
8,8
S83
3,2
9,8
9,6
8,5
7,3
3,0
8,9
–
2,9
3,1
1,7
5,4
–
2,8
8,1
M75
–
2,0
4,7
9,8
18,6
25,3
7,3
–
2,5
7,3
20,9
32,1
25,3
10,0
7,4
F19
1,2
10,6
9,4
4,0
1,3
0,2
7,1
–
0,7
1,3
0,7
–
–
0,8
6,4
Outros
113,2
170,9
229,2
332,4
505,0
571,1
278,6
46,1
169,3
268,3
436,6
582,7
506,9
283,4
271,7
Total
235,8
333,0
413,1
552,9
776,9
810,2
476,3
78,4
223,8
349,4
559,7
831,6
646,3
374,5
455,2
* A população de estudo corresponde à média dos vínculos empregatícios declarados pelos empregadores na CNAE–Seção F–Construção no período:
1.784.772 vínculos
Categorias CID–10 – Descrição: M54 – Dorsalgia; S62 – Fratura ao nível do punho e da mão; S82 – Fratura da perna; K40 – Hérnia inguinal; S52 – Fratura
do antebraço; S92 – Fratura do pé (exceto tornozelo); M51 – Outros transtornos de discos invertebrais; S42 – Fratura do ombro e do braço; M23 – Transtornos internos dos joelhos; S83 – Luxação, entorse e distensão das articulações e dos ligamentos dos joelhos; M75 – Lesões do ombro; F19 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas
230
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
prevalências em outras faixas etárias, para homens e
mulheres, foram pouco expressivas (Tabela 4).
Discussão
O presente estudo estimou a prevalência de
Benefícios Auxílio-Doença (BAD) entre trabalhadores
do ramo Construção no Brasil, em 2009, analisados
segundo sua relação com a causa diagnóstica, ramo
de atividade econômica (no nível classe), espécie de
benefício, sexo e idade dos trabalhadores que receberam
benefícios. As diferentes metodologias utilizadas
em estudos de incapacidade para o trabalho, além
dos diversos sistemas de concessão de benefícios,
dificultam a comparação desses dados com os da
literatura, sobretudo no ramo Construção.
A taxa de prevalência de incapacidade para o
trabalho encontrada neste estudo para o ramo da
Construção (4,6%) foi pouco superior à encontrada
para o conjunto da população empregada no Brasil
em 2008 (<4,3%), no entanto esta foi menor do que
as apresentadas por ramos de atividade como Esgoto
e atividades relacionadas (24,0%), Fabricação de
produtos de madeira (7,6%) e Fabricação de móveis
(6,3%) (BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA,
2011). Considerando os riscos existentes nas atividades
de Construção (SOROCK; SMITH; GOLDOFT, 1993;
LIPSCOMB; DEMENT; RODRIGUEZ-ACOSTA, 2000;
JEONG, 1998; CATTLEDGE; HENDRICKS; STANEVICH,
1996; BURKHART et al., 1993), os resultados deste
estudo apontam para possíveis mecanismos de
subnotificação/demanda previdenciária.
A subnotificação no registro de agravos à saúde
relacionados ao trabalho é um fenômeno mundial, tendo
sido alvo de estudos científicos que registraram altas
taxas nos Estados Unidos (LEIGH et al., 1997), Inglaterra
(SOLOMON, 2002) e Espanha (GARCÍA GÓMEZ;
GIL LÓPEZ, 1996). Estudos nacionais verificaram a
subnotificação de acidentes e doenças do trabalho
por meio do sistema de Comunicação de Acidentes de
Trabalho – CAT (CORDEIRO et al., 2005; SOUZA et al.,
2008), sendo esta estimada em 79,5% para uma cidade
do estado de São Paulo (CORDEIRO et al., 2005), com
destaque para a subnotificação de acidentes de trabalho
típicos devidos às causas externas (SOUZA et al.,
2008), principal grupo diagnóstico para incapacidade
laboral de origem acidentária verificada neste estudo.
Até o ano de 2007, os acidentes de trabalho e as
doenças do trabalho no Brasil eram registrados por
meio da CAT e se restringiam, em sua grande maioria
às Lesões, uma vez que a emissão da CAT dependia,
quase que exclusivamente, do empregador, o qual, em
geral, somente realizava o procedimento nos casos de
Lesões ocorridas durante a realização das atividades
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
laborais, por ser fato inegável. Quando o trabalhador
incapacitado para o trabalho passa a receber BAD
por motivo acidentário, independente da duração,
este adquire direitos como a estabilidade no emprego
por período mínimo de um ano após seu retorno ao
trabalho, a continuidade do depósito pelo empregador
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
e a continuidade da contagem de tempo de serviço
para aposentadoria de forma ininterrupta durante seu
afastamento do trabalho (WÜNSCH FILHO, 1999). A
partir da instituição do Nexo Técnico Epidemiológico
Previdenciário (NTEP), em abril de 2007, as doenças
ganharam peso na caracterização acidentária dos
benefícios auxílio-doença, mas é possível que o
perfil dos trabalhadores da construção e a elevada
predominância do sexo masculino no ramo possam
ter impactado ainda mais as taxas de subnotificação,
uma vez que esses trabalhadores tendem a apresentar
maior resistência à procura por serviços de saúde
(GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007).
Após o aumento da caracterização de benefícios
acidentários, observado com a introdução do NTEP,
houve em 2008 uma aparente estabilização das taxas
tanto dos benefícios previdenciários quanto dos
acidentários, sendo possível que as empresas tenham
adotado medidas internas visando evitar o afastamento
do trabalhador pelo INSS em caso de incapacidade
para o trabalho, uma vez que esses registros iriam
influenciar na alíquota de impostos pagos a partir da
introdução do Fator Acidentário de Prevenção (FAP),
cuja metodologia já era conhecida pelos empregadores
e sabia-se que o quadro epidemiológico apresentado
pelos trabalhadores serviria de base para sua definição.
Portanto, se antes do NTEP o desafio era combater a
subnotificação do registro dos acidentes do trabalho
por meio da CAT, a partir de 2009, ano de introdução
do FAP, o desafio passa a ser combater a subnotificação
da incapacidade para o trabalho como um todo.
A hipótese de que as empresas se anteciparam à
implantação do FAP é reforçada ao se analisarem os
dados sobre incapacidade para o trabalho no Brasil no
ano de 2008 (BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA,
2011). Nesse ano a Construção de edifícios (CNAE
divisão 41) apresentou a terceira maior incidência
ajustada quanto às Lesões (287,9), atrás apenas dos
ramos de Esgotos e Manufatura de madeira, valor
bem maior que a prevalência encontrada no presente
estudo. Ainda em comparação com os dados do mesmo
estudo (BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA,
2011), verifica-se que, em 2008, a razão de incidência
para Lesões entre os sexos mostrou sobreprevalência
masculina aproximadamente duas vezes maior para
as CNAE-Divisão 41 e 42. As causas da ocorrência de
subnotificação de incapacidade para o trabalho foram
objeto de estudo internacional (UNITED STATES
HOUSE OF REPRESENTATIVES, 2008), que apontou
231
associação com os seguintes fatores: grande número
de trabalhadores no mercado informal; a dificuldade
em se caracterizar a relação entre o adoecimento e o
trabalho, em especial para as Doenças osteomusculares;
o desconhecimento do sistema de benefícios por
empregados e empregadores; e a relutância do trabalhador
em solicitar o benefício aliada ao desencorajamento
provocado pelo empregador. Esse estudo (UNITED
STATES HOUSE OF REPRESENTATIVES, 2008) indica
que o fator mais preocupante está ligado à atitude
dos empregadores em não notificar os eventos, uma
vez que baixas taxas de adoecimento e acidentes
com os trabalhadores diminuem as chances de uma
fiscalização trabalhista; diminuem os gastos com
os afastamentos por incapacidade para o trabalho;
aumentam as chances de se conseguir contratos
governamentais; e melhoram a imagem da empresa
perante clientes, acionistas e comunidade em geral.
Nesse processo de promoção da subnotificação
de incapacidade para o trabalho, os empregadores se
utilizam de alguns métodos para que os registros não
ocorram (CONWAY; SVENSON, 1998), entre os quais
se encontram a intimidação direta ao empregado, com
ameaças de perda do emprego, cortes salariais, supressão
de horas extras e oportunidades de promoção, e assédio
moral; o retorno precoce ao trabalho do empregado
incapacitado, ainda que para o exercício de “trabalho
leve”; o oferecimento de primeiros-socorros por meio
de equipe médica própria, instruída a não promover
o registro de acidentes de menor gravidade; políticas
de abono de faltas em que os empregados dispõem de
certa quantidade de dias de folga para quaisquer usos;
falso incentivo às práticas laborais seguras por meio de
folgas ou recompensas monetárias para as equipes de
trabalho que não registraram acidentes e afastamentos;
intimidação por meio de exames toxicológicos em
caso de acidentes; terceirização de mão de obra para
atividades de maior risco e a contratação de “autônomos”
em substituição de empregados regulares, uma vez
que nesse caso o registro de acidentes não estaria
associado ao contratante (CONWAY; SVENSON, 1998).
Essas práticas podem ser observadas no ramo da
Construção e são agravadas devido ao grande número
de trabalhadores em atividades não especializadas,
cujo temor em perder o emprego se deve à grande
facilidade de reposição.
A análise da potencial influência do sexo na
prevalência de incapacidade para o trabalho (benefício
auxílio-doença) mostra que a maior (30,0%) prevalência
de BAD concedidos ao sexo masculino nesse ramo
de atividade, quando comparada aos trabalhadores
femininos, vai ao encontro da maioria dos resultados
nacionais (PIHA et al., 2010; LAAKSONEN et al., 2010;
ILDEFONSO; BARBOSA-BRANCO; ALBUQUERQUEOLIVEIRA, 2009; BRANCO; ILDEFONSO, 2012) e
internacionais (OCCUPATIONAL SAFE & HEALTH
232
ADMINISTRATION, 1999), que incluem trabalhadores
da Construção no campo da incapacidade para o
trabalho. Conhecendo-se a influência do ambiente de
trabalho no perfil de adoecimento dos trabalhadores
(LAAKSONEN et al., 2010), a maior prevalência de
BAD entre os homens nesse ramo pode estar associada
à maior exposição aos riscos ocupacionais comumente
presentes na construção (SOROCK; SMITH; GOLDOFT,
1993; LIPSCOMB; DEMENT; RODRIGUEZ-ACOSTA,
2000; JEONG, 1998; CATTLEDGE; HENDRICKS;
STANEVICH, 1996; BURKHART et al., 1993). Apesar
da grande variação nas taxas de incapacidade para
o trabalho apresentada em diferentes países, alguns
autores (NELSON et al., 2005) concluem que, em
países em desenvolvimento, os trabalhadores do sexo
masculino estão mais expostos aos riscos ocupacionais,
além de estarem mais expostos à violência social e
acidentes de trânsito (BARBOSA-BRANCO; SOUZA;
STEENSTRA, 2011).
Quando analisados os grupos diagnósticos, homens
e mulheres apresentaram quadros de adoecimento
específicos. A elevada sobretaxa de prevalência
masculina devido a Doenças digestivas relacionadas
ao trabalho pode decorrer de fatores como o tipo de
alimentação ofertada, condições de higiene pessoal
(banheiros, pias, vestuário), pressões de ritmo de trabalho
e produtividade. Esses fatores podem contribuir para
os agravos digestivos nesses trabalhadores (RINGEN;
SEEGAL; WEEKS, 1998; BRODKIN; LEE; REDLICH,
1994), entretanto no presente estudo nota-se que as
características das atividades relacionadas ao esforço
físico e carregamento de peso podem ter influenciado
diretamente na maior prevalência de Hérnia inguinal
entre os homens.
Revisão sistemática (SVENDSEN et al., 2013)
avaliando as evidências da relação entre exposição
ocupacional e Hérnia inguinal em trabalhos com
moderada a grande exigência mecânica conclui que
apesar de ser uma doença comum entre homens, e das
limitadas evidências epidemiológicas, trabalhos com
grande exigência física podem aumentar os riscos de
um prognóstico desfavorável. Uma importante parte
dessa sobretaxa de Doenças digestivas observada no
sexo masculino foi influenciada pelo elevado número
de auxílio-doença decorrente de Hérnias (K40-K46),
em particular, das Hérnias inguinais, mais prevalentes
entre os homens (7,5:1) (SVENDSEN et al., 2013).
No ramo da Construção, outro potencial fator de
risco para as Doenças digestivas é a comorbidade
decorrente dos Transtornos mentais e comportamentais
devidos ao uso de álcool, também mais prevalente no
sexo masculino. Apesar dos resultados do presente
estudo não apresentarem os Transtornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de álcool entre as
categorias diagnósticas mais prevalentes, estudos nacionais
(BARBOSA-BRANCO; BÜLTMANN; STEENSTRA,
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
2012) e internacionais (HOFFMANN; BRITTINGHAM;
LARISON, 1996; SUBSTANCE ABUSE AND MENTAL
HEALTH SERVICES ADMINISTRATION, 2007; HARFORD;
BROOKS, 1992) mostraram que o ramo da Construção
figura entre os que mais apresentam trabalhadores
com esse tipo de agravo. A baixa remuneração dos
trabalhadores, como ocorre no ramo da Construção,
se apresenta como fator de risco para o uso abusivo de
álcool (HWANG et al., 2005). A elevada prevalência
de doenças digestivas verificadas por este estudo,
juntamente com a conhecida relação entre abuso de
álcool e doenças digestivas (BRODKIN; LEE; REDLICH,
1994), sugere potenciais desvios de classificação
diagnóstica em favor das consequências clínicas de
agravos como Transtornos mentais e comportamentais
devidos ao uso de álcool. Empiricamente, verifica-se
que trabalhadores da Construção ingerem grandes
quantidades de álcool, inclusive em dias de trabalho,
entretanto a pressão pelo cumprimento de metas de
produção faz com que, muitas vezes, haja tolerância
a esse comportamento por parte de encarregados e
demais membros da equipe de produção.
As mais altas prevalências de Transtornos mentais
e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas
e ao uso de outras substâncias psicoativas – principal
causa clínica entre as doenças mentais na Construção
– encontradas entre trabalhadores com menos de 40
anos encontram-se em concordância com os achados
de Barbosa-Branco, Bültmann e Steenstra (2012) para
o conjunto dos trabalhadores empregados em 2008.
No ramo da Construção, trabalhadores mais jovens
são mais exigidos fisicamente e, em grande parte,
dependem de sua força física para a prática laboral,
mas essa fase conjuga fatores sociais como a maior
propensão de jovens ao uso de substâncias psicoativas
e os momentos de estabelecimento no emprego e
constituição familiar, estressores que podem influir
no uso dessas substâncias. Estudo internacional
(WEBB et al., 2005) mostrou que homens com idade
entre 26 e 34 anos tem duas vezes mais chance de
apresentarem um quadro de uso severo de álcool do
que aqueles com idade ente 18 e 25 anos, constituindose fatores de risco para esse uso a baixa escolaridade
e a relação parental com crianças.
Em comparação com a prevalência de BAD para
trabalhadores brasileiros em 2008 (BARBOSA-BRANCO;
SOUZA; STEENSTRA, 2011), o ramo da Construção,
em 2009, mostrou maior prevalência em relação às
Doenças do aparelho circulatório, com destaque para
Doenças das veias; Doenças isquêmicas do coração e
Doenças hipertensivas. Essa maior prevalência se deve
ao fato da predominância masculina no ramo, uma vez
que esse tipo de adoecimento acomete mais os homens
(LAAKSONEN et al., 2010; SALA; MENDES, 2010).
A influência da idade no perfil epidemiológico da
incapacidade laboral, de forma geral, seguiu a tendência
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
já descrita em estudos anteriores (ROELEN et al., 2009;
BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA, 2011;
VIEIRA; ALBUQUERQUE-OLIVEIRA; BARBOSABRANCO, 2011; ILDEFONSO; BARBOSA-BRANCO;
ALBUQUERQUE-OLIVEIRA, 2009; PRANSKY et al.,
2006), os quais mostraram que as taxas de afastamento
aumentam com a idade, podendo influenciar na
duração dos afastamentos, pois trabalhadores com
maior idade podem precisar de mais tempo para
se recuperar de agravos e retornarem ao trabalho
(ALMEIDA; BARBOSA-BRANCO, 2011).
O aumento da prevalência de Doenças osteomusculares
com a idade já foi mostrado em estudos anteriores
(BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA, 2011;
VIEIRA; ALBUQUERQUE-OLIVEIRA; BARBOSABRANCO, 2011; PRANSKY et al., 2006), entretanto
a comparação da razão de prevalência desse tipo de
adoecimento entre trabalhadores com idades ≥40
anos e <40 anos (RP 3,2; dados não mostrados), com
o geral da população empregada no Brasil (RP 2,6)
(BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA, 2011),
aponta para a existência de grande exigência física
nas atividades da Construção.
A tendência geral da prevalência de Lesões verificada
neste estudo foi inversa ao comportamento apresentado
pelas Doenças osteomusculares, pois a maior taxa foi
encontrada entre trabalhadores com idade abaixo de
40 anos, em especial para diagnósticos relacionados
aos membros superiores dos homens. Apesar da
exigência física e da exposição aos riscos ocupacionais
decrescer pouco com a idade, a experiência adquirida
ao longo dos anos de profissão aparenta ser um fator
de proteção para esses trabalhadores (ALMEIDA;
BARBOSA-BRANCO, 2011), inclusive devido à maior
chance destes terem recebido treinamento adequado
para o exercício da tarefa.
De modo geral, a maior prevalência de Lesões
nos membros superiores dos homens relaciona-se
ao trabalho, enquanto entre as mulheres a maior
prevalência desses agravos ocorreu nos membros
inferiores, e pode estar ligada aos acidentes de
percurso, acidentes domésticos e quedas. A razão de
incidência de Lesões em relação à idade dicotomizada
encontrada em 2008 (BARBOSA-BRANCO; SOUZA;
STEENSTRA, 2011) para trabalhadores da construção
mostrou diferenças de até 20% para trabalhadores
mais idosos, de modo que em 2009 pode ter havido
maior subnotificação de Lesões em trabalhadores
mais idosos, ou ainda apontar para uma mudança
no perfil de contratação de trabalhadores. O setor da
Construção Civil no Brasil vem passando por uma
grande transformação na última década, saindo de
um período de estagnação, com poucos investimentos,
para um período com grandes obras em andamento e
fortes investimentos imobiliários (MELLO; AMORIM,
2009), sendo possível uma maior contratação de
233
jovens para se evitarem os efeitos de adoecimentos
relacionados com a idade, como no caso de Hérnia
inguinal, de grande prevalência e cujo aumento da
ocorrência com o avanço da idade foi exaustivamente
descrito na literatura (SVENDSEN et al., 2013).
Em relação à influência do ramo de atividade no
quadro de adoecimento dos trabalhadores estudados,
os dados sugerem relação entre os fatores de risco
presentes nas atividades típicas realizadas por cada
ramo e as causas diagnósticas mais prevalentes.
A maior caracterização da relação dos agravos
com o trabalho encontrada no ramo da Construção,
quando comparada a outros ramos de atividades
(BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA, 2011),
pode decorrer da grande contribuição das Lesões, cuja
elevada prevalência tanto entre os BAD previdenciários
quanto os acidentários decorre, em grande parte, das
características e condições de trabalho encontradas
nesses ramos de atividade (CNAE-Divisão 41, 42,
43), assim como a fatores gerais representados pelas
violências urbana e no trânsito (BARBOSA-BRANCO;
SOUZA; STEENSTRA, 2011). Nesse sentido, contribuem
para o aumento da prevalência de Lesões as atividades
com alta demanda de esforço físico e o fato de que
no Brasil os afastamentos devido a lesões ocorridas
no trajeto entre casa e trabalho serem considerados
como acidentários.
Os dados obtidos sobre a prevalência de Lesões
e Doenças osteomusculares corroboram aqueles
descritos na literatura (SOROCK; SMITH; GOLDOFT,
1993; LIPSCOMB; DEMENT; RODRIGUEZ-ACOSTA,
2000; JEONG, 1998; CATTLEDGE; HENDRICKS;
STANEVICH, 1996; BURKHART et al., 1993), acerca
dos riscos e características desse ramo de atividade,
e reforçam a necessidade de maior fiscalização
quanto ao cumprimento da legislação relativa à
saúde e segurança ocupacional em atividades do
ramo da Construção, uma vez que o grande número
de afastamentos relacionados ao trabalho devido às
Lesões pode estar relacionado à ineficácia da gestão
de segurança do trabalho na Construção.
Estudo brasileiro (MIRANDA; DIAS, 2004) apontou
a baixa qualidade técnica em programas obrigatórios de
gestão de saúde e segurança ocupacional que devem ser
desenvolvidos pelos empregadores, como o Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Programa
de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
Segundo os autores, isso decorre da ineficiência da
fiscalização estatal, que não possui recursos humanos
suficientes para o desenvolvimento das ações, além
de que o quadro ora existente carece de treinamento
adequado e atualização técnica. O estudo apontou
ainda a necessidade de estimular maior controle social,
a ser exercido por empregados e seus representantes
no âmbito sindical.
234
Estudo avaliando as percepções de trabalhadores do
ramo da Construção sobre os riscos ocupacionais a que
estariam expostos (SAURIN; RIBEIRO, 2000) identificou
diversas necessidades de melhoria gerencial, as quais
influenciam de modo direto ou indireto a segurança
no trabalho. Foi verificado que tanto gestores quanto
operários, além de não possuírem sugestões para a
melhoria das condições de segurança, tenderam a
culpar os trabalhadores pela ocorrência de acidentes,
de modo que é necessário estender as ações de
treinamento e capacitação a todos os níveis da empresa.
Segundo os autores, quando a segurança do trabalho
é colocada em segundo plano, ocorrem implicações
negativas diretas como treinamento inadequado dos
trabalhadores quanto aos riscos laborais, fornecimento
inadequado e utilização incorreta de equipamentos
de proteção individual (EPI), bem como ineficácia da
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA),
que, na Construção, enfrenta barreiras adicionais em
razão da baixa escolaridade dos trabalhadores e da
alta rotatividade no ramo (LAAKSONEN et al., 2010;
BARBOSA-BRANCO; SOUZA; STEENSTRA, 2011;
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA
E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2001; RINGEN;
SEEGAL; WEEKS, 1998; SAURIN; RIBEIRO, 2000),
e reflete a falta de controle social ao não cumprir
atribuições como a produção de mapas de riscos
ambientais, que em geral, quando são desenvolvidos,
não contam com a participação dos empregados
(MIRANDA; DIAS, 2004).
O ramo Obras de acabamento, que mostrou
a maior prevalência de BAD em geral, e também
liderou a taxa em relação às Lesões, dedica-se aos
serviços de acabamento, ou seja, todas as atividades
que contribuem para a conclusão da construção bem
como para a sua manutenção, tais como: pintura,
revestimentos, polimento, colocação de esquadrias e
vidros, limpeza de fachadas, colocação de pisos etc.
Existem riscos ocupacionais de acidentes devido à
utilização de ferramentas manuais, equipamentos de
corte e acabamento de materiais, trabalhos em altura
com utilização de andaimes e balancins, posturas
antiergonômicas e manuseio de tintas e vernizes. A
fase de acabamento de uma obra, que normalmente é
acompanhada por pressões por parte do empregador
para aceleração do prazo de entrega, pode vir a ser o
momento em que o trabalhador é levado a se preocupar
menos com os riscos de acidentes, e por vezes adota
práticas inseguras que culminam em elevado número de
acidentes com frequente incapacidade para o trabalho.
A maior prevalência de Traumatismos da mão e
punho no ramo Perfurações e sondagens pode estar
associada à grande exigência de trabalhos manuais
com ferramentas na montagem e desmontagem de
sistemas de perfuração e sondagem, além da utilização
essencial de trados manuais.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
O correto dimensionamento dos equipamentos
de proteção coletiva (EPC), a fiscalização e o uso
adequado de EPI como luvas, máscaras, calçados,
capacetes e cintos de segurança e o conhecimento
dos riscos específicos da tarefa (treinamento) podem
contribuir positivamente para a redução desse tipo
de ocorrência.
Em relação às Doenças osteomusculares, a distribuição
dos agrupamentos no ramo Construção foi semelhante
àquela apresentada por Vieira, Albuquerque-Oliveira
e Barbosa-Branco (2011), no qual predominaram as
Dorsalgias, Outros transtornos de discos invertebrais,
Transtornos internos dos joelhos, Sinovites e tenossinovites
e Lesões do ombro. Vale ressaltar que o trabalhador
da Construção comumente desenvolve atividades
em condições antiergonômicas que representam
importantes riscos para o desenvolvimento/agravamento
das doenças osteomusculares, principalmente aquelas
que afetam a coluna e as articulações. Considerando
esses riscos é possível supor que essas taxas sejam
ainda mais elevadas.
A grande diferença encontrada entre a prevalência
de Dorsopatias entre os ramos Construção de obras
de arte e Instalações hidráulicas pode decorrer das
diferentes atividades realizadas por essas classes.
A CNAE Construção de obras de arte compreende
atividades de construção e recuperação de pontes,
viadutos, elevados, passarelas e outros, além
da construção de túneis (urbanos, em rodovias,
ferrovias, subterrâneos), sendo comum a realização
de movimentos altamente repetitivos e com elevada
exigência postural, principalmente em atividades
de armação de ferragens, nas quais predominam
movimentos de torção do punho e posturas inclinadas
para frente ou totalmente inclinadas (> 90°). O ramo
Instalações hidráulicas atua na instalação, alteração,
manutenção e reparo em todos os tipos de construções
de sistemas de aquecimento (coletor solar, gás e
óleo), exceto elétricos; equipamentos hidráulicos
e sanitários; ligações de gás; tubulações de vapor;
de refrigeração central, quando não realizados pelo
fabricante; e de ventilação mecânica controlada, de
modo que o transporte manual de cargas é reduzido
e predominam os movimentos finos de coordenação
motora durante a utilização de ferramentas manuais.
Em termos gerais, apesar do ramo Construção
de edifícios ser o mais representativo em número de
trabalhadores e, consequentemente, o mais estudado na
totalidade dos ramos da Construção, os adoecimentos
que geraram afastamentos do trabalho nesse ramo não
se refletiram em taxas de prevalência acentuadas. É
possível supor que esse ramo, por suas características,
seja mais fiscalizado pelos órgãos competentes e,
portanto, receba mais investimentos e atenção às
questões de saúde e segurança ocupacional.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 224-238, 2014
A análise geral dos dados levantados por este estudo
permite inferir a existência de grupos homogêneos
de exposição aos riscos ocupacionais presentes em
cada conjunto de atividades. Esses riscos associados
à inadequada gestão dos mesmos podem estar
contribuindo para o adoecimento dos trabalhadores.
Um exemplo dessa constatação poderia ser verificado
no ramo Obras de terraplanagem, no qual a grande
exposição dos trabalhadores às poeiras e a utilização
de equipamentos ruidosos e de grande porte podem
ter influenciado a elevada prevalência de Doenças da
pele e Doenças do ouvido nesse ramo.
Este estudo utilizou-se da taxa de prevalência de
benefícios auxílio-doença como indicador para avaliar
a influência do sexo, da idade e do ramo de atividade
específico no quadro de incapacidade para o trabalho
de empregados da Construção no Brasil em 2009,
contribuindo de forma inédita para o estabelecimento
do perfil de morbidade desses trabalhadores no país.
A relação entre as atividades realizadas e as altas
prevalências de grupos diagnósticos como Lesões e
Doenças osteomusculares indica haver nexos causais
entre atividades específicas e o quadro de incapacidade,
ainda que parte dos adoecimentos não tenha sido
reconhecida como de causa acidentária para a concessão
de BAD. As evidências epidemiológicas deste estudo
podem contribuir para elucidar questões científicas
ainda não consolidadas, como a relação entre atividades
com alta exigência física e o desenvolvimento de
Doenças digestivas, em especial as Hérnias.
Em relação às limitações deste estudo, é possível citar
a falta de controle quanto à recorrência de benefícios,
que possivelmente pode ocorrer quando um mesmo
trabalhador recebe um novo BAD pela mesma causa
diagnóstica de benefício encerrado há mais de 60 dias.
Apesar da recorrência de benefícios afetar o valor da
prevalência calculada, estima-se que tal efeito seja
minimizado pela magnitude dos dados analisados.
Apesar das limitações, considera-se que a população
de estudo foi suficientemente ampla para que, dentre
os trabalhadores empregados, os resultados fossem
representativos. Ressalta-se a qualidade dos bancos
de dados utilizados que se destacam em termos de
tamanho, homogeneidade e padronização de protocolos
decorrente do sistema de concessão de benefícios.
Conclusão
Verificou-se influência do diagnóstico da incapacidade,
do sexo e da idade do empregado sobre a prevalência e
duração dos benefícios auxílio-doença previdenciário
e acidentário.
A forte caracterização acidentária dos afastamentos
relacionados às Lesões entre os homens mostrou que
235
no âmbito ocupacional há sobre-exposição destes aos
riscos do ambiente de trabalho, cujo gerenciamento
tem sido ineficaz por parte dos empregadores. Estes,
por sua vez, podem ter se aproveitado da ineficiente
fiscalização promovida pelas autoridades competentes,
que dispõem insuficientemente de recursos humanos
e materiais.
Apesar de a idade contribuir para o aumento da
prevalência de benefícios auxílio-doença, para as
Lesões de membros superiores entre homens a idade
apresentou-se como fator de proteção para esses
trabalhadores, podendo-se atribuir o fato à maior
chance em ter recebido treinamento adequado para
o exercício das tarefas.
Ao se analisar o contexto legal dos benefícios auxíliodoença e as implicações (econômicas, trabalhistas,
tributárias e outras) geradas, principalmente para os
empregadores, a partir da adoção do Nexo Técnico
Epidemiológico Previdenciário – NTEP e da iminente
adoção do Fator Acidentário de Prevenção – FAP,
verificou-se a possibilidade das empresas do ramo da
Construção terem buscado diversos meios alternativos
objetivando evitar o afastamento legal dos trabalhadores
incapacitados, inclusive com práticas já verificadas em
outros países. Portanto, ao passo que o NTEP permitiu
a caracterização de doenças relacionadas ao trabalho
de modo independente da emissão da CAT, em parte,
também pode ter contribuído para o aprimoramento
de mecanismos de subnotificação dos agravos à saúde
dos trabalhadores. Nesse sentido, os trabalhadores da
Construção apresentam-se evidentemente vulneráveis
por conta de suas características de fragilidade
socioeconômica e baixa representatividade sindical.
Para que se tenham melhorias no quadro de
incapacidade para o trabalho dos trabalhadores
estudados, torna-se indispensável desfazer os conceitos
socialmente aceitos de que risco de morte, exposição
ao perigo e condições de trabalho inadequadas são
inerentes ao ramo da Construção.
Contribuições de autoria
Mello, T. A.: contribuição substancial no projeto e delineamento, levantamento de dados, análise e
interpretação e elaboração do manuscrito. Barbosa-Branco, A.: contribuição substancial no projeto e delineamento,
levantamento de dados, análise e interpretação; e contribuição importante na revisão crítica do manuscrito e
aprovação final da versão a ser publicada.
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Revista Brasileira de Saúde Ocupacional
ISSN: 0303-7657 (versão impressa)
http://dx.doi.org/10.1590/0303-7657000086513
João Silvestre da Silva-Junior 1
Flávia Souza e Silva de Almeida 2
Márcio Prince Santiago 3
Luiz Carlos Morrone 2*
1
Ministério da Previdência Social,
Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS. São Paulo, SP, Brasil.
Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de São Paulo, Departamento
de Medicina Social. São Paulo, SP, Brasil.
2
3
Instituto de Assistência Médica ao
Servidor Público Estadual, Programa de
Residência em Medicina do Trabalho.
São Paulo, SP, Brasil.
Contato:
João Silvestre da Silva-Junior
E-mail:
[email protected]
* In memorian
Trabalho apresentado como tema
livre no 15º Congresso Nacional da
Associação Nacional de Medicina do
Trabalho (Anamt), em São Paulo, em
2013, com parte dos dados publicados
no formato de resumo ampliado.
Trabalho apresentado como pôster
no 4º Congresso Brasileiro de Perícia
Médica Previdenciária, no Recife, em
2013, sem publicação do material.
Os autores declaram que o trabalho
não foi subvencionado e que não há
conflitos de interesses.
Recebido: 03/10/2013
Revisado: 27/06/2014
Aprovado: 02/07/2014
Artigo
Caracterização do nexo técnico epidemiológico pela
perícia médica previdenciária nos benefícios
auxílio-doença
Characterization of the technical epidemiological nexus in
social security sickness benefits by medical experts
Resumo
Introdução: o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) modificou
a caracterização da etiologia ocupacional de agravo que justifica benefício
previdenciário auxílio-doença no Brasil. Objetivo: descrever o perfil de
requerimentos em que houve indicação de NTEP pelo sistema previdenciário e
analisar fatores associados à caracterização/descaracterização do nexo pela perícia
médica. Métodos: estudo retrospectivo analítico, com amostra de 822 laudos
médicos periciais emitidos em São Paulo, entre 2008 e 2011. Realizada regressão
logística para avaliar a associação entre a caracterização do NTEP e sexo, idade
e diagnóstico incapacitante. Resultados: o perfil dos segurados foi de homens
(60,6%), na faixa etária de 30-39 anos (31,8%), com lesão por causa externa
(35,0%). Foi descaracterizado o NTEP em 59% das situações, a maioria devido ao
relato dos trabalhadores de que a lesão não tinha ocorrido no trabalho (70,9%).
Houve associação entre a caracterização do NTEP e o diagnóstico da doença
incapacitante, principalmente em relação aos distúrbios osteomusculares (OR 7,45;
IC 95% 4,88-11,38). Conclusão: o diagnóstico é um fator fortemente associado à
aplicação do NTEP pela perícia médica. Há uma descaracterização frequente da
espécie acidentária nos requerimentos, o que pode minimizar a justiça social ao
trabalhador lesionado em decorrência do exercício do seu trabalho.
Palavras-chave: previdência social; saúde do trabalhador; laudo pericial;
notificação de acidentes de trabalho; epidemiologia ocupacional.
Abstract
Background: the Technical Epidemiological Nexus of Social Security (NTEP in
Portuguese) has modified the characterization of occupational injuries during
evaluation for sickness benefits in Brazil. Objective: to describe the profile of sickness
benefit requirements when NTEP was indicated by the social security system, and
to analyze the factors associated with its characterization/mischaracterization
through medical evaluation. Methods: retrospective analytical study with a
sample of 822 expert medical reports issued in Sao Paulo between 2008 and
2011. A logistic regression model analysis was performed to assess the association
between the characterization of NTEP and sex, age, and diagnosis. Results: the
profile of the beneficiaries was as follows: males (60.6%), aged 30-39 (31.8%),
and presenting sickness due to injuries by external causes (35.0%). NTEP was
mischaracterized in 59% of the cases, mostly because workers reported that the
injury had not occurred at work (70.9%). There was an association between NTEP
characterization and disabling diagnosis, mainly due to musculoskeletal disorders
(OR 7.45; 95%CI 4.88-11.38). Conclusion: the disabling diagnosis is a factor
strongly associated with NTEP characterization by medical experts. Commonly,
there is a mischaracterization of its application, which could minimize social
justice for workers with occupational injury.
Keywords: social security; occupational health; expert testimony; occupational
accidents registry; occupational epidemiology.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
239
Introdução
A Constituição Federal brasileira estabelece o acesso
ao trabalho como um direito social dos cidadãos e
redução de riscos ocupacionais por meio de normas
de saúde, higiene e segurança (BRASIL, 1988). A
prevenção de agravos relacionados ao trabalho é um
importante componente nas relações trabalhistas e
há prerrogativas de reparação de dano caso inexistam
ações preventivas eficazes (BRASIL, 2002)4.
Outro direito social é a previdência, responsável
por distribuir renda quando há incapacidade para o
desempenho de atividade laborativa. No processo de
avaliação do direito ao benefício previdenciário auxíliodoença, cabe ao perito médico do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) avaliar se o requerente incapaz
apresenta agravo à saúde desencadeado ou agravado
pelo trabalho (SOUZA et al., 2008).
Todos os trabalhadores com relação de trabalho
regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
têm direito à estabilidade, com manutenção do seu
contrato de trabalho na empresa, pelo prazo mínimo de
12 meses após a cessação do recebimento do auxíliodoença por agravo relacionado ao trabalho (BRASIL,
1991, art. 118). Além disso, durante a vigência do
afastamento deverão ser mantidas as contribuições
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
(BRASIL, 1990, art. 15).
• Nexo técnico epidemiológico previdenciário
(NTEP) – aplicável quando houver significância
estatística da associação entre a entidade mórbida motivadora da incapacidade e a atividade
econômica da empresa na qual o segurado é
vinculado. Essas relações constam na lista C do
anexo II do Decreto nº 3.048/99 (BRASIL, 1999),
alterado pelo Decreto nº 6.042/2007 (BRASIL,
2007).
A principal ferramenta para caracterização do
nexo individual é a apresentação da Comunicação
de Acidente de Trabalho (CAT)5 pelo segurado no
momento da perícia médica previdenciária. Em relação
aos nexos técnicos profissional e epidemiológico, a
caracterização se baseia em aspectos coletivos de
adoecimento e dependem de indicação do Sistema
de Administração de Benefícios por Incapacidade
(SABI)6 do INSS.
Em qualquer uma das possibilidades de nexo técnico
o perito médico pode exercer sua autonomia decisória
e negar a caracterização acidentária do requerimento.
No caso do NTEP, a legislação instituiu que o ônus
da prova é da empresa, pois cabe a ela demonstrar
não haver fatores de risco no trabalho para o agravo
incapacitante em análise (BRASIL, 2007).
• Nexo técnico profissional ou do trabalho – fundamentado nas associações entre patologias e
exposições ocupacionais de acordo com a profissiografia do segurado, descrito nas listas A e B do
anexo II do Decreto nº 3.048/99 (BRASIL, 1999);
Entre 2006-2007, a concessão de benefícios
auxílio-doença acidentários (B91) teve um aumento
expressivo a partir da implantação do NTEP. Estudos
demonstraram que o nexo epidemiológico influenciou
quadros específicos, como respiratório (BRANCO;
ILDEFONSO, 2012) e neurológico (LUNARDI et al.,
2011). Acerca dos transtornos mentais, houve
um aumento na ordem de 1.157% no número de
concessões nesse biênio (SELIGMANN-SILVA et al.,
2010). Estudo mais recente demonstrou uma
diminuição persistente da concessão de auxíliodoença acidentário (B91) entre 2008-2011 (SILVA
JUNIOR; FISCHER, 2014).
• Nexo técnico por doença equiparada a acidente
de trabalho ou nexo técnico individual – decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o
trabalho é realizado e com ele relacionado diretamente, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei nº
8.213/91 (BRASIL, 1991);
Considerando o NTEP um mecanismo de aplicação
recente e de impacto social, este estudo tem por objetivo
descrever o perfil de situações em que houve indicação
de NTEP pelo sistema previdenciário e analisar os
fatores associados à caracterização/descaracterização
do nexo epidemiológico nas avaliações periciais de
incapacidade laborativa do INSS.
O critério legal para a caracterização da espécie
acidentária do benefício – a relação entre o adoecimento
incapacitante e as condições de trabalho – é determinado
pela aplicação do nexo técnico previdenciário que
pode ser de três tipos (BRASIL, 1999):
4
Código Civil, art. 950: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a
capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.” (BRASIL, 2002)
5
Por meio da CAT, todas as empresas são obrigadas pela Lei 8.213/91 (BRASIL, 1991) a informar à Previdência Social todos os acidentes de trabalho ocorridos com seus empregados, mesmo que não haja afastamento das atividades, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência. Em
caso de morte, a comunicação deve ser imediata (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2014).
6
“O SABI (Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade) é um conjunto de aplicações que tem por objetivo o reconhecimento inicial
do direito dos benefícios que necessitam de Perícia Médica para serem concedidos e mantidos.” (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2009)
240
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
Metodologia
Este é um estudo retrospectivo analítico, realizado
com dados coletados em uma Agência da Previdência
Social (APS) localizada na região central da cidade
de São Paulo. A seleção da amostra foi baseada na
coleta de Comunicação de Resultado de Exame e
Requerimento (CRER) emitida por conclusão da
análise de requerimentos de benefícios previdenciários
auxílio-doença no período 2008-2011.
Foi critério de inclusão na pesquisa a presença na
CRER da indicação do SABI para que a perícia médica
analisasse o NTEP indicado. Os requerimentos que
cumpriram tal critério tiveram os seus respectivos
laudos médico-periciais acessados no sistema para
montagem do banco de dados a ser analisado.
Informações referentes ao sexo, idade, diagnóstico
motivador da incapacidade laborativa padronizado
pela Classificação Estatística Internacional de Doenças
e Problemas Relacionados com a Saúde 10ª versão
(CID-10) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE,
1996) foram acessadas nos laudos médico-periciais e
tabuladas. A caracterização acidentária do benefício
auxílio-doença por incapacidade laborativa pela
aplicação do NTEP foi considerada desfecho de interesse.
Nos casos em que houve descaracterização do nexo
técnico epidemiológico previdenciário também foram
tabulados o motivo, conforme SABI, e a justificativa
descrita no laudo pericial pelo perito médico.
O tamanho da amostra (BARTLETT; KOTRLIK;
HIGGINS, 2001) foi calculado para uma estimativa
confiável da proporção em população ilimitada.
Considerou-se um grau de confiança de 95% ( < 0,05)
e um erro máximo de estimativa de 5%. A proporção
do desfecho foi baseada nos dados dos acidentes de
trabalho registrados pela Previdência Social sem
emissão de CAT, que totalizaram 27% no ano de 2008
(MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2009).
É sabido que os acidentes de trabalho sem CAT são
aqueles que a Previdência Social reconhece como
caracterizados pelo nexo profissional e, principalmente,
epidemiológico. A amostragem mínima deveria ser de
302, mas foi possível o estudo de 822 laudos.
Procedeu-se com análise estatística construindose modelos de regressão logística univariada. As
variáveis com p < 0,20 foram selecionadas para a
regressão logística múltipla. No modelo final para o
estudo da associação entre a caracterização acidentária
do benefício pela aplicação do NTEP (sim/não) e as
variáveis independentes – sexo, faixa etária e agravo
à saúde –, considerou-se significância estatística o
valor de p < 0,05. Foi utilizado o programa Epidata
versão 3.1 para montagem do banco de dados. Os
dados foram analisados com uso do software Epi-infoTM
versão 7.1.1.14.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
O projeto de pesquisa que originou este estudo
foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo que considerou não haver necessidade de
emissão de parecer, conforme ofício 423/11.
Resultados
Foram coletados 822 laudos médico-periciais, sendo
que na maioria eram segurados do sexo masculino
(60,6%) e adulto jovem na faixa etária de 20 a 39 anos
(61,0%). Os agravos mais frequentes foram: lesões,
envenenamento e algumas outras consequências
de causas externas (Capítulo XIX – CID10 S00-T98)
(35,0%); doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo (Capítulo XIII – CID10 M00-M99) (30,0%);
e transtornos mentais e comportamentais (Capítulo V
– CID10 F00-F99) (17,8%) (Tabela 1) (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).
O NTEP foi descaracterizado em 59,0% das situações
na qual o sistema indicou relação entre CNAE do
empregador e CID-10 incapacitante. Dos grupamentos
diagnósticos mais frequentes, lesões, envenenamento
e algumas outras consequências de causas externas
(17,4%), doenças do aparelho circulatório (Capítulo
IX – CID10 I00-I99) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE, 1996) (40,6%) e transtornos mentais e
comportamentais (44,5%) foram os agravos menos
caracterizados pelos peritos como acidentários (Tabela 1).
A principal justificativa descrita pelos peritos
médicos previdenciários para descaracterizar o NTEP
foi que o segurado periciado relatava que a lesão não
ocorreu no trabalho (70,9%) (Tabela 2). Neste grupo, a
principal descrição presente no laudo médico-pericial
era de “acidente não aconteceu no local ou horário
de trabalho” (60,8%). Também se destacam relatos de
“doença não relacionada ao trabalho” (27,9%), “não
trouxe CAT” ou “não sabe informar a causa” (8,4%),
e mesmo “acidente de trajeto” (2,0%).
Em 25,4% das negativas à aplicação do NTEP, a
decisão pericial se baseou em considerar incompatível
a queixa como um quadro relacionado ao trabalho
(Tabela 2). A justificativa de que os quadros eram de
doença autoimune, crônica, degenerativa, endêmica,
idiopática, orgânica, prévia ao trabalho, motivada
por fatores pessoais, gravidez ou sequela de doença
de base somaram 51,2% de tais descaracterizações.
Em 46,3% dos laudos desse grupo, as justificativas
descritas foram “doença não ocupacional”, “não se
aplica” ou “não se enquadra”.
A descaracterização do NTEP por falta de evidências
de exposição ocupacional a fatores de risco para o
agravo incapacitante foi justificativa descrita em 2,7%
dos laudos periciais (Tabela 2). Todavia, descrições
241
Tabela 1 Distribuição das informações descritas nos laudos de avaliações periciais de incapacidade laborativa de uma Agência da Previdência Social do INSS conforme sexo, faixa etária, diagnóstico do
agravo incapacitante e a caracterização do nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), São
Paulo, 2008-2011
NTEP sim (N = 337)
%
NTEP não (N = 485)
%
Total (N = 822)
%
Masculino
178
35,7
320
64,3
498
60,6
Feminino
159
49,1
165
50,9
324
39,4
2
16,7
10
83,3
12
1,5
Sexo
Faixa etária
0-19
20-29
86
35,8
154
64,2
240
29,2
30-39
118
45,2
143
54,8
261
31,8
40-49
81
42,4
110
57,6
191
23,2
50-59
44
43,1
58
56,9
102
12,4
>60
7
43,7
9
56,3
16
1,9
Lesões por causas externas
50
17,4
238
82,6
288
35,0
Doenças do sistema osteomuscular
153
61,9
94
38,1
247
30,0
Transtornos mentais e comportamentais
65
44,5
81
55,5
146
17,8
Agravo à saúde
Doenças do aparelho circulatório
26
40,6
38
59,4
64
7,8
Doenças do aparelho digestivo
30
58,8
21
41,2
51
6,2
Doenças do sistema nervoso
10
55,6
8
44,4
18
2,2
Outros
4
50,0
4
50,0
8
1,0
Tabela 2 Justificativas para a descaracterização do nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP) indicadas nos laudos médico-periciais de requerimentos de auxílio-doença coletados em uma Agência da Previdência Social do INSS, São Paulo, 2008-2011
N
%
O segurado informa que a lesão não ocorreu no trabalho
Justificativa
344
70,9
A queixa descrita não é compatível com lesão ocupacional
123
25,4
Não há evidência/indícios de exposição a riscos ocupacionais
13
2,7
Tempo entre o início da função/trabalho e o início da doença (DID) é insuficiente para gerar a moléstia de origem
ocupacional
5
1,0
Total
de vistoria em local de trabalho ou de análise de
documentação técnica emitida pelo vínculo empregatício
do segurado requerente eram inexistentes.
Frente aos resultados da regressão logística univariada,
todas as variáveis foram selecionadas para o modelo
múltiplo (Tabela 3). Na análise múltipla, a variável
agravo de saúde esteve associada ao desfecho. Os
diagnósticos de quadros osteomusculares, doenças
gastroenterológicas e doenças do sistema nervoso
apresentaram maior Odds Ratio (OR) da perícia
estabelecer NTEP nos requerimentos de auxílio-doença.
As variáveis sexo e faixa etária ajustaram o modelo,
mas não foram estatisticamente significantes.
242
485
100,0
Discussão
A indicação do nexo técnico epidemiológico
legalmente definido é informada ao perito médico
previdenciário pelo SABI. Conforme os resultados,
o perfil de requerente passível de fazer jus a um
auxílio-doença de espécie acidentária por aplicação
do NTEP foi majoritariamente do sexo masculino,
de faixa etária inferior a 39 anos e cujo principal
motivo de incapacidade foram quadros de lesão por
causas externas. Entretanto, mais da metade das
situações possíveis de confirmação do NTEP foram
descaracterizadas.
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
Tabela 3 Análise de regressão logística univariada e múltipla acerca da associação entre caracterização do
nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP) e as variáveis independentes sexo, faixa etária
e diagnóstico do agravo incapacitante de laudos médico-periciais de requerimentos de auxíliodoença de uma Agência da Previdência Social do INSS, São Paulo, 2008-2011 (N = 822)
OR Univariada (IC 95%)
p
OR Múltipla (IC 95%)
0,001
1,21 (0,87-1,66)
p
Sexo
Masculino
1
Feminino
1,72 (1,29-2,28)
1
0,253
Faixa etária
0-19
1
1
20-29
2,79 (0,60-13,04)
0,192
1,27 (0,26-6,21)
0,767
30-39
4,13 (0,89-19,20)
0,071
1,31 (0,27-6,41)
0,742
40-49
3,68 (0,79-17,26)
0,098
1,11 (0,22-5,52)
0,895
50-59
3,79 (0,79-18,19)
0,096
1,06 (0,21-5,40)
0,946
>60
3,89 (0,64-23,79)
0,141
1,19 (0,18-7,88)
0,859
Agravo à saúde
Lesões por causas externas
1
1
Doenças do sistema osteomuscular
7,75 (5,20-11,54)
< 0,001
7,45 (4,88-11,38)
< 0,001
Transtornos mentais e comportamentais
3,82 (2,44-5,97)
< 0,001
3,56 (2,22-5,69)
< 0,001
Doenças do aparelho circulatório
3,26 (1,82-5,84)
< 0,001
3,21 (1,73-5,95)
< 0,001
Doenças do aparelho digestivo
6,80 (3,60-12,84)
< 0,001
6,89 (3,62-13,10)
< 0,001
Doenças do sistema nervoso
5,95 (2,24-15,83)
< 0,001
5,74 (2,10-15,70)
0,001
Outros
4,76 (1,15-19,67)
0,031
4,69 (1,12-19,60)
0,034
OR = Odds Ratio; IC 95% = Intervalo de confiança de 95%
A descaracterização equilibrou a frequência entre os
sexos, aumentou a idade média e promoveu a ascensão
dos distúrbios osteomusculares como principal agravo
motivador da incapacidade acidentária. A confirmação
do NTEP pela perícia médica previdenciária esteve
associada ao diagnóstico do agravo que foi considerado
como motivador da incapacidade laborativa nesse
grupo, conforme análises estatísticas. Em contrapartida,
não houve associação significante do desfecho com as
variáveis sexo e faixa etária dos beneficiários.
O perfil da amostragem é compatível com estudo
ecológico no estado de Rondônia, o qual identificou
maior prevalência de beneficiários de auxílio-doença
como sendo do sexo masculino (JAKOBI et al.,
2013). Os três principais grupamentos de agravos
classificados como os mais frequentes motivadores
de concessão do benefício auxílio-doença entre os
requerentes da amostra do estudo aqui apresentado
são compatíveis com dados relativos ao período entre
2008 e 2011 no país – lesões por causas externas,
distúrbios osteomusculares e transtornos mentais
(SILVA JUNIOR; FISCHER, 2014).
O recorte do perfil dos beneficiários de auxíliodoença acidentário desta pesquisa diverge de estudos
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
regionais e nacionais que indicam as lesões por causas
externas como o principal motivo de concessão
dessa espécie de benefício. Em geral, os distúrbios
osteomusculares são a segunda causa mais frequente
(ALMEIDA; BARBOSA-BRANCO, 2011; JAKOBI et al.,
2013; SILVA JUNIOR; FISCHER, 2014). Sobre a
idade dos requerentes, o resultado vai ao encontro
de conclusões que indicam que o envelhecimento
do trabalhador diminui a frequência de lesões por
causas externas relacionadas ao trabalho (ALMEIDA;
BARBOSA-BRANCO, 2011). Portanto, pode-se considerar
que ao haver um menor impacto desses agravos nos
motivos de concessão dessa espécie de benefício pode
haver um aumento da idade média dos beneficiários.
Apesar de autores indicarem que quadros crônicos
envolvem uma maior dificuldade para estabelecer
o nexo causal (SOUZA et al., 2008), as morbidades
osteomusculares, mentais, gastrointestinais,
cardiovasculares e neurológicas estiveram fortemente
associadas à concessão de auxílio-doença acidentário
nos nossos resultados. As doenças crônicas não
transmissíveis são importantes fontes de carga de
adoecimento e morte no Brasil (SCHMIDT et al.,
2011), e ao longo dos anos os trabalhadores vão se
243
tornando mais susceptíveis a tais agravos, inclusive por
exposição a fatores de risco em ambientes de trabalho.
A ausência da associação estatística com sexo
e idade pode ser explicada, principalmente, pela
descaracterização das relações epidemiológicas de
CNAE e o grupamento CID-10 S00-T98. Esses agravos
afetam essencialmente trabalhadores do sexo masculino
(JAKOBI et al., 2013) e jovens (ALMEIDA; BARBOSABRANCO, 2011). Portanto, a taxa de negativa do NTEP
superior a 80% pode ter influenciado na perda da
significância estatística das variáveis sexo e idade no
modelo final, por serem variáveis que se sobrepõem
ao diagnóstico do agravo incapacitante.
O presente estudo apresenta limitações, como a
coleta ter sido restrita a uma unidade da Previdência
Social em uma cidade urbana com seleção não aleatória
da amostragem, o que inviabiliza a generalização dos
achados. A falta de dados relativos aos peritos médicos
previdenciários responsáveis pelas avaliações é um
viés, pois a formação complementar em Medicina do
Trabalho ou Legislação Previdenciária e o tempo de
atividade na função podem influenciar nos critérios
individuais para caracterização/descaracterização do
NTEP. A ausência de outras variáveis de interesse
prejudica o poder de explicação das análises de fatores
associados ao desfecho.
Apesar das limitações, os autores acreditam que
este estudo pode trazer contribuição relevante, pois
há insuficiência na literatura científica brasileira
sobre o processo previdenciário de caracterização da
espécie acidentária nos requerimentos de benefício
auxílio-doença.
Estudo brasileiro sobre dados de 2008 considerou
baixas as taxas de prevalência de benefícios por
acidente de trabalho quando comparadas a países
desenvolvidos. Uma das justificativas seria a questão
da subnotificação por parte dos empregadores, tais
como a não emissão da CAT (ALMEIDA; BARBOSABRANCO, 2011). A introdução do NTEP é considerada
uma possível solução ao problema apresentado, pois
levou ao fim a vinculação da concessão de benefícios
acidentários à entrega da CAT (CHAGAS; SALIM;
SERVO, 2011).
Cabe indicar que mesmo após a institucionalização
do NTEP está mantida a obrigatoriedade de comunicar
o acidente do trabalho à Previdência Social até o
primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência (BRASIL,
1991, art. 22). Entretanto, não cabe relacionar a
presença ou ausência da CAT às análises de nexo
técnico epidemiológico previdenciário, como foram
descritos em laudos periciais analisados neste estudo.
O NTEP traz a possibilidade de se utilizarem
critérios da Epidemiologia Ocupacional na análise
das relações entre adoecimento incapacitante e
244
trabalho. Essa ferramenta trouxe mudança no padrão
das concessões de benefício, promovendo um novo
perfil epidemiológico com diversificação dos agravos
à saúde considerados ocupacionais (LUNARDI et al.,
2011; BRANCO; ILDEFONSO, 2012). Essa abordagem
pode facilitar o exercício da atividade médico-pericial,
haja vista que nem todos os servidores possuem
formação em Medicina do Trabalho. Todavia, onde a
relação causal é discutível, cabe um aprofundamento
da análise, com decisão fundamentada, mesmo nas
situações de descaracterização do nexo. Dessa forma
deve-se prezar para que a ferramenta não entre
em descrédito social (SILVA-JUNIOR; ALMEIDA;
MORRONE, 2012).
Uma das principais modificações implantadas pelo
nexo epidemiológico foi determinar que cabe à empresa
provar que não foi a responsável pela doença incapacitante
(TECHY; SIENA; HELFENSTEIN JUNIOR, 2009). Essa
inversão do ônus da prova abre um espaço para que
as empresas emitam documentação de contestação
em situações legalmente estabelecidas como NTEP
a serem analisadas na primeira avaliação pericial do
requerimento. Dessa forma, a perícia pode se embasar
em elementos técnicos formais nas situações que
ensejam descaracterização do nexo. Assim, mantém-se
o ônus da prova a cargo do empregador e se diminui a
importância de informações verbais, como nas situações
nas quais o requerente nega que a lesão tenha ocorrido
no trabalho, mais susceptíveis à influência de pressões.
A instituição previdenciária deve investir em
treinamentos periódicos para padronizar os critérios
de análise e minimizar vieses relativos a perfil técnico,
administrativo e ideológico-político. Também é
recomendável a realização de monitoramento periódico
da qualidade técnica das atividades periciais, a fim
de corrigir inconsistências e encaminhar para cursos
de atualização os profissionais insuficientes.
Como a aplicação do NTEP possibilita a interposição
de contestação pelas partes, e tais recursos devem ser
analisados pela perícia médica, levanta-se a hipótese
de que as situações na qual caberia a aplicação do
NTEP têm sido descaracterizadas de forma arbitrária
para minimizar futura carga de trabalho aos peritos
do INSS. Autores descrevem que essa categoria
de servidores pode estar desmotivada pela falta de
oportunidades de contribuir com o planejamento
de uma política efetivamente previdenciária (PINTO
JÚNIOR; BRAGA; ROSELLI-CRUZ, 2012).
Na análise da etiologia ocupacional de um
adoecimento, três pontos devem ser levados em
consideração: evidência da doença, evidência da
exposição e evidência da relação causal. Por vezes,
o estabelecimento do nexo causal é uma decisão
política, pois afeta muitas partes interessadas, com
consequências sociais múltiplas (VERBEEK, 2012).
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
A aplicação do NTEP pode ser melhorada com
a realização de anamnese focada em descrição da
história ocupacional, o estímulo à avaliação do posto
de trabalho e a padronização da análise do nexo
por meio de diretrizes médico-periciais em doenças
ocupacionais (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA,
1998). Algumas documentações podem aprofundar
e auxiliar essa discussão da relação entre doença e
trabalho, como: Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais (PPRA), Programa de Gerenciamento de
Riscos (PGR), Programa de Controle do Meio Ambiente
de Trabalho (PCMAT), Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional (PCMSO), Laudo Técnico de
Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), Comunicação de
Acidente de Trabalho (CAT), relatórios e documentos
médicos ocupacionais (INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL, 2008).
Autores consideram que a introdução do NTEP
minimizou a subnotificação de acidentes de trabalho
no setor formal, nos casos de longo afastamento por
doença (CHAGAS; SALIM; SERVO, 2011). Todavia,
estudo recente (SILVA JUNIOR; FISCHER, 2014)
demonstra uma queda persistente na configuração
acidentária dos benefícios previdenciários auxíliodoença no país. Os motivos dessa nova mudança
nos padrões previdenciários devem motivar outras
pesquisas e discussões sobre essa temática.
Este estudo apresenta que o diagnóstico motivador
da incapacidade é um fator fortemente associado à
aplicação do NTEP pela perícia médica previdenciária.
Também indicou que há uma descaracterização
frequente da espécie acidentária em requerimentos em
que o diagnóstico incapacitante é uma lesão por causa
externa. A abordagem epidemiológica das informações
previdenciárias é importante na construção de políticas
públicas em Saúde do Trabalhador para promoção
da saúde, prevenção de adoecimento e reabilitação
profissional (PINTO JÚNIOR; BRAGA; ROSELLICRUZ, 2012; JAKOBI et al., 2013). Discutir a correta
aplicação do NTEP é essencial para garantir justiça
social a cada trabalhador lesionado em decorrência do
exercício do seu trabalho e impedido de ser produtivo
para a sociedade em decorrência da incapacidade de
que foi acometido.
Contribuições de autoria
Silva-Junior, J. S.: participou da concepção do projeto, coleta e análise dos dados, e da redação do artigo.
Almeida, F. S. S.: participou da análise dos dados, redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual.
Santiago, M. P.: participou da redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual. Morrone, L. C.:
participou da aprovação final da versão a ser publicada.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Diretoria de Saúde do Trabalhador do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
pela autorização para realização do estudo.
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BRANCO, A. B.; ILDEFONSO, S. A. Prevalência e
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Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado
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Epidemiológico, e dá outras providências. Diário
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Nexo Técnico Previdenciário, e dá outras providências.
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PMid:22993715
Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 39 (130): 239-246, 2014
Agradecimentos aos consultores ad hoc do volume 39 (n. 129 e n. 130)
Ada Ávila Assunção – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Adriano Dias – UNESP, Botucatu, SP, Brasil
Amélia Cohn – Unisantos, Santos, SP, Brasil
Ana Cecília Cavalcanti de Albuquerque – ASCES, Caruaru, PE, Brasil
Ana Claudia Moreira Cardoso – DIEESE, São Paulo, SP, Brasil
Ana Paula Lopes dos Santos – UFF, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Anadergh Barbosa de Abreu Branco – UNB, Brasília, DF, Brasil
Anete Aparecida de Souza Farina – USP, São Paulo, SP, Brasil
Aparecida Mari Iguti – Unicamp, Campinas, SP, Brasil
Bianca de Vasconcellos Sophia – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Candy Florencio Thome – TRT 15ª Região, Campinas, SP, Brasil
Carla Sabrina Xavier Antloga – UNB, Brasília, DF, Brasil
Carlos Eduardo Carrusca Vieira – PUC, Belo Horizonte, MG, Brasil
Carlos Eduardo Gomes Siqueira – University of Massachusetts Boston, Boston, Estados Unidos
Cássio Adriano Braz de Aquino – UFC, Fortaleza, CE, Brasil
Celso Amorim Salim – Fundacentro, Belo Horizonte, MG, Brasil
Cleverson Pereira de Almeida – Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM, São Paulo, SP, Brasil
Cristiane Murta Ramalho Nascimento – Unesp, Botucatu, SP, Brasil
Cynthia de Freitas Melo Lins – Unifor, Fortaleza, CE, Brasil
Daisy Moreira Cunha – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Débora Miriam Raab Glina – Cerest/PMSP, São Paulo, SP, Brasil
Denise Alvarez – UFF, Niterói, RJ, Brasil
Edith Seligman – USP, São Paulo, SP, Brasil
Érica Lui Reinhardt – Fundacentro, São Paulo, SP, Brasil
Eugênio Paceli Hatem Diniz – Fundacentro, Belo Horizonte, MG, Brasil
Fabiana Caetano Martins Silva e Dutra – UFTM, Uberaba, MG, Brasil
Fabiola Zioni – USP, São Paulo, SP, Brasil
Flora Maria Gomide Vezzá – USP, São Paulo, SP, Brasil
Francisco José da Costa Alves – UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil
Francisco de Paula Antunes Lima – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Frida Marina Fischer – USP, São Paulo, SP, Brasil
Geraldo de Albuquerque Maranhão – Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO, Niterói, RJ, Brasil
Geraldo Lorenzi Filho – USP, São Paulo, SP, Brasil
Heleno Rodrigues Corrêa Filho – Unicamp, Campinas, SP, Brasil
Jandira Maciel da Silva – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
José Augusto Pina – FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
José Manoel Bertolote – Unesp, Botucatu, SP, Brasil
José Roberto Montes Heloani – UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
Jussara Maria Rosa Mendes – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil
Leda Leal Ferreira – Fundacentro, São Paulo, SP, Brasil
Leila Amaral Gontijo – UFSC, Florianópolis, SC, Brasil
Liliana Rolfsen Petrilli Segnini – UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
Luciana Maria Maia Viana – Unifor, Fortaleza, CE, Brasil
Luís Sá – UCP, Porto, Portugual
Luiz Gonzaga Chiavegato Filho – UFSJ, São João Del Rei, MG, Brasil
Luzia Márcia Romanholi Passos – USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Lys Esther Rocha – USP, São Paulo, SP, Brasil
Marcia Elena Rodrigues Gravina – Caixa Econômica Federal, São Paulo, SP, Brasil
Marcia Faria Westphal – USP, São Paulo, SP, Brasil
Marcus Alessandro de Alcântara – UFVJM, Diamantina, MG, Brasil
Margarida Maria Silveira Barreto – FCMSC, São Paulo, SP, Brasil
Maria Aparecida da Cruz Bridi – UFPR, Curitiba, PR, Brasil
Maria Cecília Pereira Binder – Unesp, Botucatu, SP, Brasil
Maria da Graça Corrêa Jacques – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil
Maria das Graças Barbosa Moulin – UFES, Vitória, ES, Brasil
Maria de Jesus Mendes da Fonseca – Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Maria Dionísia do Amaral Dias – Unesp, Botucatu, SP, Brasil
Maria Elizabeth Antunes Lima – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Maria Inês Monteiro – Unicamp, Campinas, SP, Brasil
Martha Suely Itaparica de Carvalho – UFBA, Salvador, BA, Brasil
Milton Raimundo Cidreira de Athayde – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Mônica Moura da Costa e Silva – EBMSP, Salvador, BA, Brasil
Norma Suely Souto Souza – INSS, Salvador, Bahia, BA, Brasil
Odaleia Barbosa de Aguiar – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Paulo Gilvane Lopes Pena – UFBA, Salvador, BA, Brasil
Paulo José Adissi – UFPB, João Pessoa, PB, Brasil
Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel – Unifor, Fortaleza, CE, Brasil
René Mendes – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Rita de Cassia Bessa dos Santos – PMSP, São Paulo, SP, Brasil
Roberta Carolina Ferreira – Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Rosemeire Aparecida Scopinho – UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil
Sacha Darke – University of Westminster, Londres, Inglaterra
Selma Borghi Venco – Unicamp, Campinas, SP, Brasil
Selma Lancman – USP, São Paulo, SP, Brasil
Selma Maffei de Andrade – UEL, Londrina, PR, Brasil
Sílvia Rodrigues Jardim – UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Tereza Glaucia Rocha Matos – Unifor, Fortaleza, CE, Brasil
Thaís Helena de Carvalho Barreira – Fundacentro, São Paulo, SP, Brasil
Valquiria Padilha – USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Wanderlei Antonio Pignati – UFMT, Cuiabá, MT, Brasil
Normas para publicação
Instruções aos autores
Escopo e política
A RBSO publica artigos originais inéditos de relevância científica no campo da
SST. Com caráter multidisciplinar, a revista cobre os vários aspectos da SST
nos diversos setores econômicos do mundo do trabalho, formal e informal:
relação saúde-trabalho; aspectos conceituais e análises de acidentes do
trabalho; análise de riscos, gestão de riscos e sistemas de gestão em SST;
epidemiologia, etiologia e nexo causal das doenças do trabalho; exposição a
substâncias químicas e toxicologia; relação entre saúde dos trabalhadores e
meio ambiente; educação e ensino em SST; comportamento no trabalho e suas
dimensões fisiológicas, psicológicas e sociais; saúde mental e trabalho; problemas
musculoesqueléticos, distúrbios do comportamento e suas associações aos
aspectos organizacionais e à reestruturação produtiva; estudo das profissões
e das práticas profissionais em SST; organização dos serviços de saúde e
segurança no trabalho nas empresas e no sistema público; regulamentação,
legislação, inspeção do trabalho; aspectos sociais, organizacionais e políticos
da saúde e segurança no trabalho, entre outros.
As opiniões emitidas pelos autores são de sua inteira responsabilidade.
A publicação de artigos que trazem resultados de pesquisas envolvendo
seres humanos está condicionada ao cumprimento de princípios éticos e ao
atendimento das legislações pertinentes a esse tipo de pesquisa no país em que
foi realizada. Para os trabalhos realizados no Brasil, será exigida informação
acerca de aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa. As informações deverão
constar no conteúdo do manuscrito e na página de rosto.
A RBSO apoia as políticas para registro de ensaios clínicos da Organização
Mundial da Saúde – OMS (http://www.who.int/ictrp/en/) e do International
Committee of Medical Journal Editors – ICMJE (http://www.wame.org/about/
policy-statements#Trial) e (http://www.icmje.org/about-icmje/faqs/clinicaltrials-registration/), reconhecendo a importância dessas iniciativas para o
registro e divulgação internacional de informação sobre estudos clínicos, em
acesso aberto. Sendo assim, somente serão aceitos para publicação os artigos
de pesquisas clínicas que tenham recebido um número de identificação em
um dos Registros de Ensaios Clínicos, validados pelos critérios estabelecidos
pela OMS e ICMJE, cujos endereços estão disponíveis no site do ICMJE: http://
www.icmje.org/about-icmje/faqs/clinical-trials-registration/. O número de
identificação deverá ser registrado ao final do resumo.
Conflitos de interesses
Autores, revisores e editores devem explicitar possíveis conflitos de interesses,
evidentes ou não, relacionados à elaboração ou avaliação de um manuscrito
submetido. Os conflitos podem ser de ordem financeira/comercial, acadêmica,
política ou pessoal. Todas as formas de apoio e financiamento à execução
do trabalho apresentado pelo manuscrito submetido devem ser explicitadas
pelos autores. O revisor/avaliador também deve apresentar à editoria da
revista eventuais conflitos de interesses que possam influenciar a sua análise
ou opinião e manifestar, quando for o caso, a impropriedade ou inadequação
de sua participação como revisor de um determinado manuscrito.
Processo de julgamento dos manuscritos
Os trabalhos submetidos em acordo com as normas de publicação e com a
política editorial da RBSO serão avaliados pelo Editor Científico que considerará
o mérito da contribuição. Não atendendo, o trabalho será recusado. Atendendo,
será encaminhado a consultores ad hoc.
Cada trabalho será avaliado por, ao menos, dois consultores de reconhecida
competência na temática abordada.
O processo de avaliação se dará com base no anonimato entre as partes
(consultor-autor).
Com base nos pareceres emitidos pelos consultores e avaliações realizadas
por editores associados, o Editor Científico decidirá quanto à aceitação do
trabalho, indicando, quando necessário, que os autores efetuem alterações
no mesmo, o que será imprescindível para a sua aprovação. Nestes casos, o
não cumprimento dos prazos estabelecidos para as alterações poderá implicar
na recusa do trabalho.
A recusa de um trabalho pode ocorrer em qualquer momento do processo,
a critério do Editor Científico, quando será emitida justificativa ao autor.
A secretaria da revista não se obriga a devolver os originais dos trabalhos que
não forem publicados.
Declaração de responsabilidade e direitos autorais
A submissão de trabalhos deve ser acompanhada da “Declaração de
responsabilidade e de cessão de direitos autorais”, disponível em: http://www.
fundacentro.gov.br/rbso/envio-de-manuscritos .
Todos os autores deverão assinar a declaração, que deverá ser encaminhada
à secretaria da revista via correio.
É de responsabilidade do(s) autor(es) a obtenção de autorizações, junto a
pessoas, instituições, outros autores e editores, referentes a direitos autorais
para uso de imagens, figuras, tabelas, métodos e outros elementos que as
necessitem e/ou que tenham sido anteriormente publicados.
Forma e preparação dos manuscritos
Modalidades de contribuições
Artigo: contribuição destinada a divulgar resultados de pesquisa de natureza
empírica, experimental ou conceitual (até 56.000 caracteres, incluindo espaços
e excluindo títulos, resumo, abstract, tabelas, figuras e referências).
Revisão: avaliação crítica sistematizada da literatura sobre determinado assunto;
deve-se citar o objetivo da revisão, especificar (em métodos) os critérios de
busca na literatura e o universo pesquisado, discutir os resultados obtidos e
sugerir estudos no sentido de preencher lacunas do conhecimento atual (até
56.000 caracteres, incluindo espaços e excluindo títulos, resumo, abstract,
tabelas, figuras e referências).
Ensaio: reflexão circunstanciada, com redação adequada ao escopo de uma
publicação científica, com maior liberdade por parte do autor para defender
determinada posição, que vise a aprofundar a discussão ou que apresente
nova contribuição/abordagem a respeito de tema relevante (até 56.000
caracteres, incluindo espaços e excluindo títulos, resumo, abstract, tabelas,
figuras e referências).
Relato de experiência: relato de caso original de intervenção ou de experiência
bem sucedida; deve indicar uma experiência inovadora, com impactos
importantes e que mostre possibilidade de reprodutibilidade. O manuscrito
deve explicitar a caracterização do problema e a descrição do caso de forma
sintética e objetiva; apresentar e discutir seus resultados, podendo, também,
sugerir recomendações; deve apresentar redação adequada ao escopo de uma
publicação científica, abordar a metodologia empregada para a execução do
caso relatado e para a avaliação dos seus resultados, assim como referências
bibliográficas pertinentes (até 56.000 caracteres, incluindo espaços, excluindo
títulos, resumo, abstract, tabelas, figuras e referências).
Comunicação breve: relato de resultados parciais ou preliminares de pesquisas
ou divulgação de resultados de estudo de pequena complexidade (até 20.000
caracteres, incluindo espaços excluindo títulos, resumo, abstract, tabelas,
figuras e referências).
Resenha: análise crítica sobre livro publicado nos últimos dois anos (até 11.200
caracteres, incluindo espaços).
Carta: texto que visa a discutir artigo recente publicado na revista (até 5.600
caracteres, incluindo espaços).
Preparo dos trabalhos
Serão aceitas contribuições originais em português ou espanhol. A correção
gramatical é de responsabilidade do(s) autor(es).
O texto deverá ser elaborado empregando fonte Times New Roman, tamanho
12, em folha de papel branco, com margens laterais de 3 cm e espaço simples
e devem conter:
Página de rosto (todos os itens devem ser informados; a página de
rosto deverá ser encaminhada separada do manuscrito)
a) Modalidade do trabalho (ver definições acima e observar limites de caracteres).
b) Título na língua principal (português ou espanhol) e em inglês. Deve ser
pertinente, completo e sintético. Deve incluir informação geográfica (localidade)
e temporal (período de realização do estudo), quando apropriado.
c) Nome e sobrenome completo de cada autor.
d) Informar a afiliação institucional completa de cada autor, incluindo cidade,
estado e país (refere-se ao vínculo profissional/acadêmico do autor e não à
sua formação).
e) Contribuições de autoria - a contribuição de cada autor deve ser declarada.
De acordo com a recomendação do International Committee of Medical
Journal Editors, o critério de autoria de artigos deve necessariamente atender
simultaneamente às seguintes condições: 1. Contribuição substancial no projeto
e delineamento, no levantamento de dados ou na sua análise e interpretação;
2. elaboração do manuscrito ou contribuição importante na sua revisão crítica;
3. aprovação final da versão a ser publicada.
Obtenção de financiamento, coleta de dados ou apenas supervisão geral do
grupo de pesquisa não constituem autoria. Todas as pessoas designadas como
autores devem atender aos critérios de autoria e todos que atendem aos
critérios devem ser designados como autores. Cada autor deve ter participado
suficientemente no trabalho para assumir a responsabilidade pública por seu
conteúdo. Os colaboradores que não atendem a todos os critérios de autoria
devem ser citados nos agradecimentos.
f) Nome, endereço, telefone e endereço eletrônico do autor de contato, para
troca de correspondência com a secretaria/editoria da RBSO.
g) Nome de um dos autores, com respectivo endereço postal e endereço
eletrônico, para publicação no artigo como forma de contato com os autores.
h) Informar se o trabalho foi ou não subvencionado; em caso positivo, indicar
o tipo de auxílio, o nome da instituição ou agência financiadora e o respectivo
número do processo.
i) Informar se há conflitos de interesses (ver acima).
j) Informar nº de protocolo e data de aprovação do estudo por Comitê de
Ética em Pesquisa. Caso o projeto não tenha sido submetido a comitê de
ética, justificar.
k) Informar se o trabalho é ou não baseado em tese; em caso positivo, indicar
título, ano de defesa e instituição onde foi apresentada.
l) Informar se o trabalho foi ou não apresentado em reunião científica; em caso
positivo, indicar o nome do evento, local, data da realização e se foi publicado
nos anais na forma de resumo ou integral.
SILVA; ALMEIDA, 2004, p. 24). Ex.3, quando houver quatro ou mais autores
- (FONSECA et al., 2003, p. 41). As citações diretas de até três linhas devem
estar contidas entre aspas duplas, conforme o Ex.1 acima. As citações diretas
com mais de três linhas devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem
esquerda, com fonte menor que a utilizada no texto e sem aspas - Ex:
A teleconferência permite ao indivíduo participar de um encontro
nacional sem a necessidade de deixar seu local de origem. Tipos
comuns de teleconferência incluem o uso da televisão, telefone
e computador... (NICHOLS, 1993, p. 181).
g) A exatidão das referências constantes da listagem e a correta citação no texto
são de responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho. As citações deverão ser
listadas nas referências ao final do artigo, que devem ser em ordem alfabética
e organizadas com base na norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT) NBR 6023, versão de 2002. Os exemplos apresentados a seguir têm um
caráter apenas de orientação e foram elaborados de acordo com essa norma:
Livro
WALDVOGEL, B. C. Acidentes do trabalho: os casos fatais – a questão da
identificação e da mensuração. Belo Horizonte: Segrac, 2002.
Capítulo de livro
NORWOOD, S. Chemical cartridge respirators and gasmasks. In: CRAIG, E. C.;
BIRKNER, L. R.; BROSSEAU, L. Respiratory protection: a manual and guideline.
2. ed. Ohio: American Industrial Hygiene Association, 1991. p. 40-60.
Artigos de periódicos
BAKER, L.; KRUEGER, A.B. Medical cost in workers compensation insurance.
Journal of Health Economics, Netherlands, v. 14, n. 15, p. 531-549, 1995.
GLINA, D. M. R. et al. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com
o trabalho e o diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 607-616, maio/jun. 2001.
Artigo ou matéria de revista, jornal etc.
NAVES, P. Lagos andinos dão banho de beleza. Folha de São Paulo, São Paulo,
28 jun. 1989. Folha Turismo, Caderno 8, p. 13.
Tese, dissertação ou monografia
m) Local e data do envio do artigo.
SILVA, E. P. Condições de saúde ocupacional dos lixeiros de São Paulo. 1973.
89 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Ambiental)–Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1973.
Corpo do texto
Evento como um todo
a) Título no idioma principal (português ou espanhol) e em inglês.
SEMINÁRIO PROMOÇÃO DA SAÚDE AUDITIVA: ENFOQUE AMBIENTAL, 2., 2002,
Curitiba. Anais... Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2002.
b) Resumo: Os manuscritos devem ter resumo no idioma principal (português
ou espanhol) e em inglês, com um máximo de 1400 caracteres cada, incluindo
espaços.
c) Palavras-chaves/descritores: Mínimo de três e máximo de cinco, apresentados
na língua principal (português ou espanhol) e em inglês. Sugere-se aos autores
que utilizem o vocabulário controlado DeCS (http://decs.bvs.br) adotado
pela LILACS.
d) O desenvolvimento do texto deve atender às formas convencionais de
redação de artigos científicos.
e) Solicita-se evitar identificar no corpo do texto a instituição e/ou departamento
responsável pelo estudo para dificultar a identificação de autores e/ou grupos
de pesquisa no processo de avaliação por pares.
f) Citações: A revista se baseia na norma da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) NBR 10520, versão de 2002. As citações entre parênteses
devem ser feitas em caixa alta (maiúsculas) e fora de parênteses em caixa
baixa (minúsculas). As citações indiretas ao longo do texto devem trazer o
sobrenome do autor e ano da publicação, como em Souza (1998) ou (SOUZA,
1998). Para dois autores: Lima e Araújo (2006) ou (LIMA; ARAÚJO, 2006).
Quando houver três autores: Vilela, Iguti e Almeida (2004) ou (VILELA; IGUTI;
ALMEIDA, 2004). No caso de citações com mais de três autores, somente o
sobrenome do primeiro autor deverá aparecer, acrescido de et al., como em
Silva et al. (2000) ou (SILVA et al., 2000). Tratando-se de citação direta (literal),
o autor deverá indicar o(s) número(s) da(s) página(s) de onde o texto citado
foi transcrito, como nos exemplos a seguir: Ex.1- ... conforme descrito por Ali
(2001, p. 17): “Grande número dessas dermatoses não chegam às estatísticas
e sequer são atendidas no próprio ambulatório da empresa”. Ex.2- (SOUZA;
Resumo ou trabalho apresentado em congresso
FISCHER, R. M.; PIRES, J. T.; FEDATO, C. The strengthening of the participatory
democracy. In: INTERNATIONAL CONFERENCE OF INTERNATIONAL SOCIETY
FOR THIRD-SECTOR RESEARCH (ISTR), 6., 2004, Toronto. Proceedings...
Toronto: Ryerson University, 2004. v. 1, p. 1.
Relatório
FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO DE SEGURANÇA E MEDICINA DO
TRABALHO. Relatório de Gestão 1995-2002. São Paulo, 2003. 97p.
Relatório técnico
ARCURI, A. S. A.; NETO KULCSAR, F. Relatório Técnico da avaliação qualitativa
dos laboratórios do Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências
da UNESP. São Paulo. Fundacentro. 1995. 11p.
CD-ROM
SOUZA, J. C. et al. Tendência genética do peso ao desmame de bezerros da
raça nelore. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA,
35, 1998, Botucatu. Anais... Botucatu: UNESP, 1998. 1 CD-ROM.
MORFOLOGIA dos artrópodes. In: ENCICLOPÉDIA multimídia dos seres vivos.
[S.l.]: Planeta DeAgostini, 1998. CD-ROM 9.
Fita de vídeo
CENAS da indústria de galvanoplastia. São Paulo: Fundacentro, 1997. 1
videocassete (20 min), VHS/NTSC., son., color.
Documento em meio eletrônico
BIRDS from Amapá: banco de dados. Disponível em: <http://www.bdt.org>.
Acesso em: 28 nov. 1998.
ANDREOTTI, M. et al. Ocupação e câncer da cavidade oral e orofaringe. Cad.
Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, 2006. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci _arttext&pid=S0102--311X2006000300009
&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 15 abr. 2006.
Legislação
BRASIL. Lei nº 9.887, de 7 de dezembro de 1999. Altera a legislação tributária
federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1999.
Constituição Federal
BRASIL. Constituição (1988). Texto consolidado até a Emenda Constitucional
nº 52 de 08 de março de 2006. Brasília, DF, Senado, 1988.
Decretos
SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 48.822, de 20 de janeiro de 1988. Lex: Coletânea
de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 63, n. 3, p. 217-220, 1998.
h) Tabelas, quadros e figuras: Serão publicadas em Preto e Branco. Devem ser
apresentados um a um, em folhas separadas, numerados consecutivamente
com algarismos arábicos, na ordem em que forem citados no texto. A cada um
deve ser atribuído um título sintético contextualizando os dados apresentados.
Nas tabelas o título deve ser posicionado acima do corpo principal. Nas fotos e
ilustrações, o título deve ser posicionado abaixo do corpo principal. Nas tabelas
não devem ser utilizadas linhas verticais. Fontes, notas e observações referentes
ao conteúdo das tabelas, quadros e figuras devem ser apresentadas abaixo do
corpo principal das mesmas. As figuras (gráficos, fotos, esquemas etc.) também
deverão ser apresentadas, uma a uma, em arquivos separados, em formato
de arquivo eletrônico para impressão de alta qualidade (não encaminhar em
arquivo Word, extensão .doc). Os gráficos devem ser executados no software
Excel (extensão .xls) e enviados no arquivo original. Fotos e ilustrações devem
apresentar alta resolução de imagem, não inferior a 300 dpi. As fotos devem
apresentar extensão .jpg ou .eps ou .tiff . Ilustrações devem ser executadas
no software Coreldraw, versão 10 ou anterior (extensão .cdr) ou Ilustrator
CS2 (extensão .ai), sendo enviadas no arquivo original. A publicação de fotos
e ilustrações estará sujeita à avaliação da qualidade para publicação. As figuras
não devem repetir os dados das tabelas. O número total de tabelas, quadros
e figuras não deverá ultrapassar 5 (cinco) no seu conjunto.
Resumo de informações sobre figura:
tabelas, quadros, diagramas,
esquemas
Word (.doc)
gráficos
Excel (.xls)
fotografias
.jpg ou .tiff ou .eps (300 DPIs mínimo de resolução)
ilustrações (desenhos)
Corel Draw (.cdr), versão 10 ou
menor ou Illustrator CS5 (.ai)
i) Agradecimentos (opcional): Podem constar agradecimentos por contribuições
de pessoas que prestaram colaboração intelectual ao trabalho, com assessoria
científica, revisão crítica da pesquisa, coleta de dados, entre outras, mas que não
preenchem os requisitos para participar da autoria, desde que haja permissão
expressa dos nominados. Também podem constar desta parte agradecimentos
a instituições pelo apoio econômico, material ou outro.
Envio de manuscrito
Os trabalhos devem ser encaminhados para o endereço eletrônico rbso@
fundacentro.gov.br, com cóipia para [email protected], em formato
Word, extensão .doc (ver detalhes nas normas para publicações). Eventuais
esclarecimentos poderão ser feitos por e-mail (endereços acima), pelo telefone
(55) 11 3066.6099 ou pelo fax (55) 11 3066.6060.
Declaração de responsabilidade e cessão de direitos autorais:
O formulário da declaração pode ser baixado de:
http://www.fundacentro.gov.br/rbso/envio-de-manuscritos
O envio da “Declaração de responsabilidade e cessão de direitos autorais”
deverá ser feito pelo correio para:
RBSO – Revista Brasileiro de Saúde Ocupacional
Fundacentro
Rua Capote Valente, 710
05409-002 • São Paulo/SP
Brasil
Sobre a publicação: Composta em ZapfEllipt BT 9/16 (artigos) e Ogirema 8,5/7 (tabelas, normas e créditos). Impressa em papel Cartão Supremo 250g/m2 (capa) e
Offset reciclado 90 g/m2 (miolo), no formato 21x28cm. Tiragem: 1.500 exemplares
REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL - VOL. 39 N° 130 - FUNDACENTRO
Vol.39 • nº 130
jul/dez 2014

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