A busca do Brasil por um futuro sustentável
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A busca do Brasil por um futuro sustentável
Sol e Sombra A busca do Brasil por um futuro sustentável Sol e sombra sobre o verde eo dourado Se o Brasil conseguir explorar – e proteger – seus vastos recursos, poderá ser uma potência do século XXI. Conor Foley e Jonathon Porritt analisam as possibilidades 2 Green Futures abril de 2010 www.greenfutures.org.uk O S brasileiros com frequência brincam dizendo que seu país tem um futuro promissor – “e sempre terá”. Entretanto, mais recentemente tem havido um sentimento de otimismo genuíno de que o País poderia novamente estar assumindo o que se percebe como o seu lugar de direito no planeta. Por mais de um século, até a década de 1980, o Brasil teve uma das mais altas taxas de crescimento econômico, comparável à de qualquer país de grande importância no mundo. O País se transformou de uma sociedade predominantemente rural para uma nação principalmente urbana no espaço de poucas décadas, com um dos maiores e mais rápidos movimentos populacionais já vistos em tempos de paz. Por volta da década de 1950, o País se encontrava em uma trajetória para ultrapassar os Estados Unidos, e foi o Brasil – e não a China – que fascinou os formuladores de políticas ocidentais. O presidente Juscelino Kubitschek prometeu que sua nação realizaria “50 anos em cinco” e criou uma nova capital, Brasília, no coração do território. A terra da bossa nova, do samba, do carnaval e dos gênios do futebol também se tornou o destino favorito para a temporada de férias de astros do cinema como Ginger Rogers e Fred Astaire. Mas isso não duraria muito. Um golpe militar, erros crassos de gestão econômica e as crises do petróleo e da dívida externa da década de 1970 atingiram duramente o Brasil, resultando no que com frequência é denominado a “década perdida”. O crescimento econômico entrou em marcha à ré e a criminalidade e a pobreza aumentaram em uma espiral fora de controle. A democracia voltou, de modo claudicante, mas, em meados da década de 1990, o Brasil era praticamente sinônimo de violência urbana e destruição rural. Esquadrões da morte integrados por agentes policiais matavam crianças de rua nas cidades, enquanto pistoleiros – assassinos pagos pelos barões do gado – despachavam ativistas ambientais e trabalhadores sem-terra para o mesmo destino no meio rural. O Brasil havia se tornado uma das sociedades mais violentas e desiguais do mundo, enquanto a corrupção desgastava suas instituições governamentais. Mas o pesadelo finalmente chegou ao fim. Os militares foram obrigados a voltar para a caserna e uma democracia vibrante passou a vigorar. A Bolsa de Valores brasileira de hoje opera a pleno vapor, a inflação está baixa e o real, forte. Milhões foram erguidos da pobreza por uma combinação de crescimento econômico, a criação de 8 milhões de novos empregos e programas sociais inovadores, tais como o Bolsa Família, um benefício de renda mínima que é disponibilizado a 11 milhões de famílias. O Brasil superou a crise financeira mundial – o popular presidente Lula ficou famoso por culpar os “banqueiros de olhos azuis” pela crise – e o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, recentemente previu que a economia brasileira será a quinta maior do mundo até 2026. O País tem uma indústria agropecuária altamente lucrativa, em acentuado contraste com os agricultores subsidiados de boa parte do mundo rico, e tem se beneficiado do recente aumento dos preços das commodities agrícolas. E quando o Rio de Janeiro foi escolhido, em outubro de 2009, para sediar os Jogos Olímpicos, Lula declarou, em tom triunfante: “Deixamos para trás um país de segunda classe para nos tornarmos uma nação de primeira classe”. “Há muito que podemos aprender com o Brasil” Sue Cunningham Photographic/Alamy O ministro do Meio Ambiente do Reino Unido, Hilary Benn, apresenta Sol e Sombra e os Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável. Como ministro de Estado do Reino Unido responsável pelo desenvolvimento sustentável, é um grande prazer apresentar o suplemento especial sobre o Brasil da revista Green Futures – o último de uma série de publicações sobre as principais economias emergentes. Durante minha recente visita, vi o grande potencial que o Brasil tem de mostrar liderança global em matéria de desenvolvimento sustentável. É um país em movimento, dinâmico, com uma crescente reputação e presença internacionais. Fiquei impressionado com a liderança brasileira em mudança do clima, enfatizada por seus avanços recentes e significativos na redução do desmatamento. O Diálogo sobre Desenvolvimento Sustentável entre o Brasil e o Reino Unido, que se iniciou em 2006, avança com firmeza a cada dia. O Brasil tem muito conhecimento e expertise e há muito que podemos aprender um com o outro. Nosso trabalho conjunto envolve uma ampla gama de parceiros nas instâncias nacional e regional e abarca um vasto leque de temas que vão desde mudança do clima, biocombustíveis, florestas e biodiversidade, passando por segurança alimentar, consumo e produção sustentáveis, até governança ambiental internacional. Atualmente estamos apoiando projetos desenvolvidos por parceiros brasileiros para avaliar o valor dos serviços prestados pelos ecossistemas, fortalecer o direito ambiental e ajudar os governos estaduais a adquirir bens e serviços sustentáveis. O Brasil possui verdadeiras riquezas ambientais: sua biodiversidade é uma das mais ricas do mundo e suas florestas atuam como importantes sumidouros de carbono. O País também tem uma agricultura próspera e sua inovação e sua pesquisa em segurança alimentar e biocombustíveis são muito impressionantes. Há grandes desafios que se apresentam a todos os países, mas, em nosso mundo interligado, temos aprendido que as nações não podem alcançar a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável sozinhas. O Reino Unido antecipa com interesse mais oportunidades de atividades conjuntas com o Brasil, principalmente por ocasião dos Jogos Olímpicos: uma oportunidade ímpar de promovermos o desenvolvimento sustentável em prol dos próprios Jogos e das gerações futuras. Green Futures abril de 2010 3 Conectando-se com o futuro: será que o Brasil conseguirá fazer a transição de uma economia baseada no desperdício de recursos para um modelo de desenvolvimento renovável no século XXI? O Brasil também está se tornando um ator cada vez mais significativo no cenário internacional, nas Nações Unidas, na Organização Mundial do Comércio, no Fundo Monetário Internacional e no G-20. Os brasileiros esperam e merecem respeito internacional por suas conquistas. Como esta publicação deixa claro, os líderes brasileiros no governo, no setor empresarial e nas comunidades estão convergindo para construir um futuro melhor e mais sustentável de diversas formas. Nós a intitulamos Sol e Sombra para ilustrar o potencial do Brasil de ser um líder em sustentabilidade e destacar algumas atividades inspiradoras que já estão em andamento, ao mesmo tempo que se reconhecem os obstáculos que se apresentam à frente. O Brasil atualmente é o líder mundial na produção de biocombustíveis e o maior exportador de etanol a partir da canade-açúcar – um dos biocombustíveis mais competitivos do planeta. Porém, mais de 30 anos após o País ter descoberto o etanol como meio de diminuir sua dependência das importações de petróleo – e justamente quando o resto do mundo está se empolgando em torno da nova geração de biocombustíveis lignocelulósicos mais sustentáveis –, o Brasil descobriu as reservas de petróleo da camada pré-sal. Esses enormes campos de petróleo cru leve ao largo da costa de São Paulo deverão colocar o Brasil entre os maiores atores em matéria de combustível fóssil do mundo, tendo levado Lula a dizer, em tom de gracejo, que “Deus deve ser mesmo brasileiro” (“Futuro com petróleo”, na pág. 14). Sucessos financeiros como esse impulsionaram o Brasil para a vanguarda do debate sobre como o desenvolvimento econômico pode ser compatibilizado tanto com a preservação do meio ambiente quanto com a redução da pobreza. No cerne desse debate está a floresta tropical úmida da Amazônia. A busca de soluções duradouras Nos idos de 1989, o ex-vice-presidente norte-americano 4 Green Futures abril de 2010 Al Gore enfureceu a nação brasileira com seu comentário de que: “Ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, ela pertence a todos nós”. Para muitos, essa declaração infeliz reforçou suspeitas de que o ecocolonialismo estava em ascensão. Mas o comentário também expressava frustração com relação à aparente indisposição do governo brasileiro de combater uma catástrofe em vias de aceleração de consequências verdadeiramente globais. A Amazônia é uma das regiões mais pobres do Brasil e ninguém que a conhece pode duvidar da necessidade de investimento sustentado em sua infraestrutura de transporte. Mas existe um vínculo direto entre desmatamento e novas estradas, considerando o acesso que elas propiciam a lugares previamente não transtornados para madeireiras, mineradoras e empresas de monocultura. Um olhar de relance no padrão “espinha de peixe” das estradas que já estão se ramificando para fora das principais rotas e entrando na floresta oferece uma visão amedrontadora do futuro. A exemplo de muitos dos problemas sociais e ambientais do Brasil, o desmatamento é, em parte, um legado da ditadura. A colonização da Amazônia era considerada uma necessidade estratégica pelos militares, cujo governo também exacerbou os padrões de propriedade de terra já acentuadamente desiguais no País. Quase 50% das terras brasileiras são controladas por apenas 1% da população, e a concentração fundiária na Amazônia é ainda mais alta, uma vez que 82% dos maiores latifundiários do Brasil têm propriedades no estado. Em contraste, a maioria das pessoas pobres que foram incentivadas a se estabelecer na floresta não tem direitos fundiários, nem, na melhor das hipóteses, escrituras bem forjadas. A falta de segurança e de estabilidade fundiária torna praticamente impossível que os agricultores pobres invistam em técnicas modernas. Em vez disso, eles simplesmente abrem novas www.greenfutures.org.uk Galen Rowell/Mountain Light/Alamy. Cynthia Brito/ddbstock. Sue Cunningham Photographic/Alamy áreas cortando e queimando a floresta. Madeireiras e agricultores trabalham em conjunto, num sistema em que os primeiros pegam as melhores madeiras – muitas vezes ilegalmente – e os últimos semeiam grama para criar gado. A área semeada logo fica coberta de gramíneas nativas, que são inadequadas para pastagem, e assim os fazendeiros avançam, derrubando áreas de floresta adjacentes, deixando faixas de ermo por onde passam. O presidente Lula prometeu atacar o desmatamento quando tomou posse em 2003. Estima-se que 20% da Amazônia já haviam sido perdidos àquela altura e que 16 mil quilômetros quadrados haviam desaparecido somente nos dois anos anteriores. O presidente nomeou então uma forte defensora da conservação, Marina Silva, para o Ministério do Meio Ambiente e, em agosto de 2007, anunciou euforicamente que a taxa de destruição havia caído em quase um terço – um sucesso atribuído à repressão da extração madeireira ilegal. O governo prendeu 600 pessoas por crimes ambientais e também processou os assassinos da religiosa Dorothy Stang, a ambientalista norte-americana assassinada em 2005. O governo Lula aumentou a proteção dada aos direitos fundiários dos povos indígenas e enfrentou protestos de alguns pecuaristas e agricultores. Mas a ministra Marina Silva renunciou em 2008, alegando que tinha “perdido a força para continuar”. Durante sua gestão à frente da pasta, ela colidiu repetidas vezes com outros ministros, inclusive com a ministra-chefe da Casa Civil e candidata a disputar a sucessão de Lula, Dilma Rousseff. A bancada ruralista representa praticamente um quarto do Congresso brasileiro e Lula está cortejando seu apoio para Dilma nas eleições presidenciais. Suas atitudes foram muito bem resumidas por Blairo Maggi, governador do estado de Mato Grosso e um dos maiores sojicultores do mundo, que, seis anos atrás, disse que “um aumento de 40% do desmatamento não significam nada... não há nada com que se preocupar”. Desde que recebeu o prêmio “Motossera de Ouro” do Greenpeace, em 2006, por sua contribuição para a destruição ambiental, Maggi tem liderado o estado de Mato Grosso no desenvolvimento de estratégias de combate ao desmatamento e na criação de planos de zoneamento para a produção agrícola. Existe um reconhecimento crescente de que o melhor meio de interromper o desmatamento é tornar a preservação das árvores mais valiosa do que a sua derrubada (Green Futures 74, à pág. 26). E, no ano passado, o Brasil lançou um fundo amazônico de 20 bilhões de dólares para fazer justamente isso. O fundo se destina a financiar tudo, desde atividades de monitoramento da extração madeireira ilegal até o desenvolvimento de meios de subsistência alternativos para agricultores e pecuaristas na Amazônia. A Noruega já se comprometeu a doar 1,1 bilhão de dólares para o fundo ao longo de dez anos, condicionados ao desempenho do governo, e conclamou outros países a seguirem o seu exemplo. Ao anunciar o fundo, Lula declarou: “O Brasil tem políticas destinadas a conservar a Floresta Amazônica e seu patrimônio natural inestimável. Mas a floresta também é o local onde vive uma população culturalmente diversa de 25 milhões de pessoas, inclusive cerca de 170 povos indígenas, bem como centenas de comunidades de seringueiros, caçadores, coletores e ribeirinhos. As abordagens preservacionistas, por si, são ineficazes para se combater o desmatamento – uma das causas do aquecimento global. Precisamos encontrar soluções duradouras. É por isso que estamos investindo no manejo sustentável da floresta, que proporcionará um meio de vida decente para os seus habitantes”. Lula argumenta que a experiência do Brasil mostra como os países em desenvolvimento podem contribuir para combater a mudança do clima em escala global. Com efeito, uma vez que os países mais pobres deverão sofrer mais duramente em decorrência dos transtornos climáticos do que o mundo rico, eles têm um forte incentivo para contribuir. Lula observa, acertadamente, que foram Green Futures abril de 2010 5 AFP/Stringer/Getty Doce como o açúcar? A vasta indústria de etanol do Brasil tem o potencial de cortar as emissões de transporte, mas persistem dúvidas sobre o uso da terra. os padrões de consumo insustentáveis dos países mais ricos que em grande medida causaram o problema e, assim, tais países não podem evitar suas responsabilidades centrais ao lidar com o problema. Mas, em se tratando de estilos de vida contrastantes, poucos outros países exibem extremos comparáveis de consumismo e riqueza. São Paulo, uma das maiores metrópoles do mundo, também é a capital mundial dos helicópteros, à frente até mesmo de Nova York e Tóquio. Para os super-ricos de São Paulo, o helicóptero é o veículo de escolha para o transporte diário. O Brasil também possui a maior frota de aviões particulares do mundo, mas existem lugares na Amazônia onde tribos indígenas nunca tiveram qualquer contato com as pessoas de fora. Enquanto isso, as pequenas cidades do interior, com seus rodeios, chapéus de caubói e música country, têm um clima que se assemelha a nada menos do que o Meio-Oeste dos Estados Unidos. O Brasil é o quinto maior país do mundo, tanto em massa territorial quanto em tamanho da população. Também é um dos locais mais diversos do mundo e pode ser descrito como uma terra de diferentes continentes, onde a Europa e a África se encontram na América do Sul. Cerca da metade de sua população tem sangue africano nas veias e a população de Salvador, sua primeira capital, é 80% negra. Entretanto, a maior parte da população de pele clara de Curitiba e Porto Alegre, no Sul, veio da Alemanha, da Itália e da Polônia. Partes de São Paulo têm o clima dos bairros típicos das colônias italianas das grandes cidades. Existem mais descendentes de japoneses no Brasil do que em qualquer outro lugar fora do Japão, e mais árabes do que também em qualquer outro lugar fora do Oriente Médio. Com um país tão complexo e diverso como tema, este suplemento só pode examinar uma amostra representativa dos desafios ambientais que o Brasil enfrenta e apresentar Ambição de CO2 O Brasil parece determinado a constranger os Estados Unidos e outras nações desenvolvidas a adotarem cortes de carbono mais profundos. Após a crítica feita pelo ministro do Meio Ambiente brasileiro, Carlos Minc, à falta de ambição dos Estados Unidos, o presidente Lula anunciou metas desafiadoras para as próprias emissões de gases de efeito estufa (GEE) do Brasil, com um corte de 36% a 39% abaixo dos níveis projetados para 2020, o que significa a economia total de 1 gigatonelada de carbono. Os detalhes da meta incluem a redução do desmatamento em 80% e novas abordagens à agricultura, geração de energia hidrelétrica e energia de biomassa. A meta foi sancionada pelo presidente Lula em 20 de dezembro de 2009 e lança o desafio para que outros países em desenvolvimento – e os desenvolvidos – estabeleçam metas mais desafiadoras para si mesmos. – Ben Tuxworth um breve relato para dar ao leitor uma ideia da criatividade, da engenhosidade e da determinação das respostas que estão sendo empreendidas. O Brasil possui, dentro de suas próprias fronteiras, exemplos de praticamente todas as grandes questões que enfrentam os formuladores de política do mundo preocupados com o desenvolvimento sustentado. O modo como o País consegue lidar com tais questões acabará tendo enormes implicações para todos nós e para o mundo em que vivemos. Conor Foley é consultor para direitos humanos e desenvolvimento e vive no Brasil há seis anos. Jonathon Porritt é diretor-fundador do Fórum para o Futuro. 6 Green Futures abril de 2010 www.greenfutures.org.uk Em busca do verde, em busca do ouro Sumarioexecutivo-galeria-provi_03. David Silerman/Staff/Getty Rali social O que começou como uma iniciativa de treinamento de voleibol no estado do Paraná tornou-se um amplo programa de transformação social sustentável em todas as principais cidades brasileiras. Com 46 centros em São Paulo, no Paraná e no Rio de Janeiro, o programa Esporte Cidadão Rexona-Ades treinou mais de 4 mil professores e estimulou 72 mil crianças a desenvolverem valores e habilidades sociais por meio do esporte e de atividades em equipe. O programa teve início em 1997 mediante parceria entre a marca Rexona, da Unilever, e o governo do estado do Paraná, liderada pelo técnico da Seleção Brasileira de Voleibol, Bernardo Rocha de Rezende, o Bernardinho. O programa utiliza o esporte para promover a valorização social dos professores e criar um sentimento de comunidade e responsabilidade entre os jovens de famílias de baixa renda em áreas urbanas. Com a escolha do Rio para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, o esporte está atuando como um poderoso catalisador em prol de mudanças econômicas e sociais. A meta de transformar uma cidade com reputação de drogas e violência em um lugar seguro e próspero foi o aspecto vitorioso na candidatura do Rio. Conforme disse o prefeito Eduardo Paes durante a apresentação oficial: “As Olimpíadas no Rio, em 2016, propiciarão muitos anos de inspiração, de mudanças sociais e desenvolvimento esportivo, que farão uma diferença para as gerações por vir”. – Lottie Butler A candidatura do Rio às Olimpíadas de 2016 enfatizou suas credenciais ambientais. No Dia Nacional da Árvore, 3.580 árvores foram plantadas em um esforço para neutralizar as emissões de carbono da campanha. A visão para os “Jogos Verdes” exposta na proposta inclui o plantio de mais de 3 milhões de árvores em áreas estratégicas, projetos de restauração no Parque Nacional Pedra Branca e nos manguezais da Barra da Tijuca, bem como projetos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo em comunidades próximas ao local. O secretário-geral dos Jogos Olímpicos Rio 2016, Carlos Roberto Osório, também prometeu que todas as instalações a ser construídas para as Olimpíadas terão um plano para utilização a longo prazo. Força de alavancagem: os Jogos Olímpicos poderiam levantar recursos para apoiar uma ampla gama de iniciativas sociais Green Futures abril de 2010 7 De volta do limiar? Após anos de destruição aparentemente incessante, o Brasil parece estar virando o jogo na fronteira amazônica. Será apenas uma calma induzida pela recessão antes da tempestade ou o início de um reavivamento da floresta tropical úmida?, pergunta Martin Wright 8 Green Futures abril de 2010 www.greenfutures.org.uk N A EUROPA, É RARO poder dirigir por uma hora através de uma floresta maciça, ininterrupta. Exceto, talvez, na zona rural profunda no norte da Suécia, ou em uma estrada particularmente lenta e sinuosa através da cadeia de montanhas dos Cárpatos, na ala oriental da Europa. No Brasil, por contraste, aviões 747s voam por pelo menos esse tempo sobre um mar de florestas aparentemente infindável. Se você tiver sorte o bastante e viajar em um assento de janela, poderá olhar para baixo e ver uma sólida laje de cobertura verde, de horizonte a horizonte, um verde cortado unicamente pelos caminhos sinuosos de abundantes rios azuis e pelas eventuais clareiras circulares minúsculas – sem qualquer estrada que leve a elas ou delas para outro lugar –, que marcam as aldeias indígenas. Até que se chega às margens da floresta, onde começam as estradas, bem como as queimadas. Através do véu de fumaça, é possível ver como a floresta está sendo sistematicamente desgastada, retalhada em pedaços de terra e, em última análise, destruída por completo, à exceção da faixa avulsa remanescente que corre ao longo de um sulco formado pela água. A simples escala visível – tanto da destruição quanto do que resta – é de tirar o fôlego. Trata-se de uma das maiores esperanças do Brasil, bem como um de seus maiores desafios. Roberto Smeraldi, fundador dos Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e um dos ambientalistas mais influentes do País, resume: “O Brasil ocupa o terceiro lugar na lista dos países que mais contribuem globalmente para a mudança do clima, e dois terços de suas emissões de gases de efeito estufa ao longo dos últimos cinco anos decorrem de mudanças do uso da terra, principalmente o desmatamento”. Depois da energia, a destruição das florestas tropicais é de longe o fator que mais contribui para a mudança do clima, emitindo dez vezes mais que o setor de aviação. Conforme destacado em outra edição da Green Futures (Forest Futures, GF74, pág. 26), a destruição das florestas pelas queimadas produz um tipo particularmente grave de efeito duplamente adverso e que serve de advertência. À medida que queimam, as florestas emitem grandes colunas de gases de efeito estufa para a atmosfera. E uma vez destruídas, não podem absorver o carbono emitido de outras fontes, tais como a atividade industrial, os carros e as usinas de energia. No entanto, o outro lado da moeda é que a conservação das florestas é uma das ferramentas mais efetivas para o controle da mudança desregrada do clima. E, uma vez que não envolve grandes cortes nas emissões industriais ou de transporte, também pode ser uma das ferramentas mais simples. No caso do Brasil, diz Smeraldi, Green Futures abril de 2010 Jacques Jangoux forward slash Alamy. Simon Rawles/Getty O corte mais simples 9 “isso significa que nosso histórico de emissões passado e atual não é fortemente associado a atividades indispensáveis à geração de empregos e ao crescimento econômico – pelo menos em comparação com outras ‘superpotências de gases de efeito estufa’. Esta é uma excelente notícia para qualquer pessoa que esteja se esforçando para mitigar a mudança do clima, uma vez que, para nós, pode ser muito mais barato fazer reduções radicais das emissões do que será para outros países”. Algumas boas notícias específicas vieram com o anúncio, em novembro de 2009, de que o Brasil havia reduzido o desmatamento ao seu nível mais baixo em mais de duas décadas. Pouco mais de 7.000 quilômetros quadrados da Amazônia foram perdidos entre agosto de 2008 e julho de 2009 – quase metade da área perdida nos 12 meses anteriores – e o total anual mais baixo desde que registros confiáveis começaram a ser mantidos em 1988. Um dos fatores responsáveis por esse sucesso, afirmam as autoridades, foi a decisão de tornar o governo como um todo responsável por fazer valer a legislação florestal, em vez de isolar essa função unicamente no Ministério do Meio Ambiente. Isso resultou em drásticas melhoras no monitoramento por satélite em tempo real, que permite que a Polícia Florestal responda imediatamente a provas de extração madeireira ou queimadas. Partes significativas da Amazônia estão passando à proteção federal oficial. Entre 2004 e 2008, cerca de 50 milhões de hectares foram convertidos em unidades de conservação e mais 10 milhões tornaram-se terras indígenas. A notícia também foi bem recebida pelos ambientalistas. “Temos de reconhecer os grandes esforços do governo federal, juntamente com os governos estaduais, que proporcionaram essa queda no desmatamento”, disse Cláudio Maretti, chefe de conservação do WWF-Brasil. Mas ele advertiu que ainda há uma necessidade premente de fortalecer a aplicação das leis de conservação das florestas e ampliar outros programas governamentais destinados a oferecer àqueles que moram perto da floresta alternativas econômicas viáveis, em vez da derrubada da floresta. “Isto é indispensável para o Brasil assumir compromissos claros com relação às emissões de carbono e para realmente assumirmos um papel de liderança na nova economia verde.” Os fatores econômicos também podem ter contribuído para a drástica queda do desmatamento, diz seu colega do WWF, o diretor de conservação Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza. “Temos de reconhecer que isso está relacionado com a recessão global, principalmente com a redução da demanda por commodities, o que significou menos pressão sobre a floresta em pé. À medida que essa demanda se aquecer, isso testará o compromisso do governo em alcançar mais reduções”, adverte. Uma medida fundamental agora, dizem os ambientalistas, é o governo aplicar apropriadamente – e fortalecer – o Código Florestal, que estipula que os proprietários devem preservar como floresta 80% de qualquer terra na região amazônica. A lei é notoriamente mal aplicada e as esperanças diminuíram quando o governo recentemente adiou para 2011 um plano destinado a iniciar a instauração de processos judiciais contra aqueles que não cumprirem a lei. Talvez, convenientemente, isso transfira a responsabilidade para o sucessor de Lula, que tomará posse em janeiro de 2011. Tasso Azevedo, consultor especial do ministério do Meio Ambiente para Florestas e Mudança do Clima, concorda que o trabalho árduo ainda está pela frente. “Na verdade, fizemos a maior parte das coisas baratas e simples – aplicação básica da lei, reestruturação do sistema de monitoramento, e assim por diante. Agora estamos no segundo nível – colocar limitantes e desincentivos no caminho de qualquer investimento que envolva desmatamento.” Algumas ações estão em andamento para eliminar os incentivos econômicos ao desmatamento. O governo investiu em iniciativas de extração madeireira sustentável e alguns estados estão até pagando às pessoas um pequeno auxílio para manterem suas terras com cobertura florestal. E, perceptivelmente, existe menos relutância por parte do governo federal em se ater à instância municipal. Em uma nova iniciativa denominada Mutirão Arco Verde, Brasília enviou centenas de funcionários aos 43 municípios responsáveis por mais da metade do desmatamento na região, a fim de ajudar os agricultores e as autoridades locais a “entender melhor” e cumprir a legislação ambiental. Embora isso possa não ter sido exatamente uma Arrocho pecuarista 10 Green Futures abril de 2010 South American Pictures/Tony Morrison A agropecuária intensiva pode ter uma má cobertura na imprensa europeia, mas, no Brasil, ela pode ser fundamental para salvar faixas de floresta. Intensiva, entenda-se, em termos relativos. Conforme destaca Roberto Smeraldi, “na Amazônia, temos 71 milhões de cabeças de gado em 74 milhões de hectares de pasto” – ou seja, mais de um hectare por vaca. Aumentar as taxas de lotação para três vacas por hectare ainda deixaria muita terra para pastagens, ao mesmo tempo que retiraria a pressão da floresta. Smeraldi argumenta que “investimentos no aumento da produtividade devem ser seguidos por investimentos na restauração da floresta”. O financiamento de carbono deveria desempenhar um papel importante aqui, diz ele, ajudando a bancar a intensificação agropecuária, que, ao permitir que a floresta se recupere, indiretamente resultaria em maior sequestro de carbono. Produtos como carne bovina ou couro produzidos em fazendas assim “intensificadas” poderiam ser certificados como tais, sugere ele. Isso lhes daria uma vantagem de mercado entre os compradores, que estão cada vez mais procurando evitar produtos associados à destruição da floresta tropical úmida. www.greenfutures.org.uk Simone van den Berg /hutterstock. Gustavo Jonovich/CIWEM Environmental Photographer of the Year competition Apoiando o boicote O poder do consumidor está começando a desacelerar a destruição da floresta. Grupos ambientalistas liderados pelo Greenpeace realizaram campanhas contra os principais produtores de soja, carne bovina e couro. Com base em um acordo assinado em 2006 pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e vários grupos ambientais, importantes atores no comércio da soja – inclusive gigantes da indústria de alimentos, tais como Cargill – acordaram não comprar o produto de áreas do bioma amazônico desmatado após julho daquele ano. O WWF está trabalhando com essas e outras empresas em um sistema de monitoramento, a fim de garantir que todos possam cumprir seus compromissos. “O resultado tem sido realmente positivo, com a construção de novas relações de trabalho entre ONGs e o setor privado”, diz Scaramuzza. Mas ele adverte que o foco na “soja livre da Amazônia” pode estar ajudando a fomentar a destruição do Cerrado. “Foi relativamente fácil para as empresas fazerem esse compromisso, porque apenas 8% da soja vem da Amazônia”, afirma ele. “Então, agora é a vez de as empresas elevarem o padrão e demonstrarem para com outras regiões o mesmo compromisso que têm com a Amazônia.” Enquanto isso, a “moratória da soja”, que foi prorrogada até pelo menos julho de 2010, está sendo mantida como um possível modelo para a indústria de carne bovina. É a combinação da demanda por carne bovina, soja e etanol do Brasil que está por trás de boa parte do desmatamento no País, dizem os ativistas da campanha. Os pecuaristas vendem terra no Sul para produtores de soja e cana-de-açúcar e usam o dinheiro para comprar áreas mais baratas na Amazônia, que eles, então, devastam para transformar em pastos para criar seus rebanhos. Um estudo do Greenpeace divulgado em junho de 2009 alegou que empresas como Walmart, Carrefour, Nike, Adidas, Clarks e Tesco compravam carne bovina e couro de empresas brasileiras que criavam gado em terras desmatadas. Na ocasião, mostrou o estudo, até mão de obra escrava estava envolvida. O relatório causou furor e, preocupadas com uma reação adversa dos consumidores, essas e outras empresas de alto valor comercial deram aos fornecedores um prazo até 2010 para implementarem um sistema de rastreabilidade sério que lhes permita identificar de onde provêm a carne bovina e o couro que lhes são vendidos. Até que ponto o boicote será eficaz é questionável. Existem cerca de 5 milhões de pecuaristas no Brasil e apenas uma minúscula porcentagem deles tem qualquer sistema de rastreabilidade confiável devidamente implementado. Especialistas estimam que serão necessários dois anos só para montar os sistemas de monitoramento apropriados para a pecuária. Para o couro, a questão é ainda mais complexa, uma vez que ele é vendido no mercado de commodities aberto e bem mais difícil de se rastrear. No entanto, a chamada moratória da carne está sendo anunciada como mais um passo na direção certa. “Essas empresas estão se comprometendo a dizer aos seus fornecedores que elas esperam ver desmatamento zero ou deixarão de comprar deles”, disse Tatiana Carvalho, ativista da campanha Amazônia do Greenpeace. “Isto é um grande salto adiante.” “A indústria da carne bovina havia se mostrado muito resistente à mudança”, diz Scaramuzza. “Mas agora eles estão começando a vir à mesa.” O WWF está trabalhando com um grupo de pecuária sustentável – uma expressão que seria um paradoxo há alguns anos. “Existe muita margem para melhorar, mas eles estão começando a reconhecer o problema – e querem fazer parte da solução.” – Andrew Downie / Martin Wright Ambição atlântica Nem todas as empresas esperam uma reação adversa para agir. No litoral leste, várias empresas, entre elas a Michelin e a Veracel, estão adotando medidas para preservar e ampliar as últimas áreas remanescentes de Mata Atlântica, que abriga o mico-leão-dourado (foto). Essas empresas estão combinando plantações sustentáveis de árvores de eucalipto, seringueira e cacau com corredores ecológicos que ligam fragmentos de bosques sobreviventes. A outrora vasta Mata Atlântica encolheu para 10% de sua área original, mas tem uma capacidade de regeneração incomparável. Assim, projetos como esses podem fazer uma grande diferença, dizem os especialistas. Green Futures abril de 2010 11 12 Green Futures abril de 2010 agricultura latino-americana – possam ser “monetizados” (para mais informações, ver Forest Futures, GF74). Azevedo defende um sistema simples, no qual as áreas que reduzirem suas taxas de desmatamento seriam recompensadas com base no “pagamento por resultados”. O Brasil poderia usar o financiamento de carbono internacional para investir em toda uma gama de iniciativas para ajudar na preservação da floresta. Ele está particularmente empolgado com o potencial do monitoramento por satélite. Essa tecnologia está alcançando rapidamente um tal nível de sofisticação que alguém com um laptop ou mesmo com um iPhone poderia usar uma ferramenta do tipo Google Earth para obter imagens pormenorizadas da cobertura florestal com até 0,2 hectare de detalhamento. O radar ajudará a “enxergar” o que acontece debaixo da cobertura das nuvens, superando assim um dos obstáculos ao monitoramento efetivo. Os resultados, promete ele, “serão totalmente disponíveis ao público. As pessoas poderão baixar a informação em seus computadores”. No entanto, nada disso terá êxito, adverte Smeraldi, sem uma participação efetiva daqueles de quem a floresta mais depende para sobreviver: as pessoas que vivem dela e nela. “Isto é particularmente o que acontece aqui no Brasil, dada a governança muito limitada nas áreas de O que eles têm a floresta e nas suas margens”, diz ele, que ganhar com isso? identifica dois desafios centrais. Primeiro, estabelecer mecanismos financeiros práticos para recompensar os atores locais diretamente. Em segundo lugar, resolver o emaranhado das escrituras de terra – ou, em muitos casos, da falta delas. Não será fácil. “Nos casos onde se tem uma clara legitimidade, ou seja, terras indígenas legalmente estabelecidas, reservas extrativistas e assim por diante, geralmente existe relutância política, senão franca resistência à proposta de remuneração às comunidades locais. Nos casos onde há pecuaristas e assentados com forte apoio político, é raro haver direitos fundiários estabelecidos.” Smeraldi reconhece o recente avanço alcançado na contenção do desmatamento na Amazônia, mas adverte que a situação geral continua frágil. E, no que se refere ao desempenho do Brasil em matéria de mudança do clima de um modo mais geral, pode haver um retrocesso com as recentes descobertas de petróleo (Futuro com petróleo, na pág. 14). “Precisamos manter um olho atento para a consistência geral das políticas nacionais”, diz ele – e isso significa estabelecer limites claros para o total das emissões de carbono. “O estado de São Paulo deu um exemplo positivo nesse particular, com sua meta de um corte de 20% no total das emissões até 2020”, lembra Smeraldi. Scaramuzza, por sua vez, está cautelosamente otimista que o Brasil pode, com efeito, ter puxado suas vastas florestas de volta do limiar da destruição – e acredita que a política desempenhou o seu papel. “O governo quer exercer uma forte posição de liderança, quer realmente estabelecer-se como um grande ator na ONU. Assim, o presidente Lula está assumindo muitos compromissos públicos nessa área. Já temos uma política nacional de mudança climática que inclui a meta de redução de 80% do desmatamento.” Tasso Azevedo também acredita que já se passou por um ponto de guinada. “Acredito que, no Brasil, as pessoas finalmente estão acordando.” Martin Wright é editor-chefe da Green Futures. Reportagem adicional por Andrew Downie. www.greenfutures.org.uk Eye Ubiquitous /Alamy intervenção bem-vinda (conotações do tipo “somos da sede central, estamos aqui para ajudar!”), o governo insistiu que a meta era ajudar os municípios a planejar o desenvolvimento econômico – entenda-se, do tipo sustentável. Grupos de consumidores também estão começando a aumentar a pressão (quadro Apoiando o boicote). Mas, enquanto isso, tem havido um crescente foco de atenção no Cerrado – a grande extensão de terras com vegetação do tipo savana que margeia a floresta a leste e ao sul. O desmatamento no Cerrado está aumentando e acredita-se que chegue a duas vezes a taxa de desmatamento na Amazônia. De acordo com Smeraldi, o desmatamento no Cerrado representa cerca de 30% das emissões resultantes de toda a destruição das florestas no Brasil, logo “precisa ser mais bem medido e levado em conta.” Scaramuzza concorda: “O Cerrado na verdade está muito mais em risco de extinção do que a Amazônia, porque é foco de uma grande expansão de soja, milho e outras commodities agrícolas.” Estabelecer metas duras para um bioma enquanto se ignora o outro poderia piorar as coisas, diz Smeraldi. “Isso poderia criar incentivos perversos, estimulando os atores do desenvolvimento a deslocar suas atividades destrutivas para o Cerrado.” Incentivos de natureza positiva são cada vez mais vistos como a chave para a preservação das florestas. Andrew Mitchell, Fundador do Global Canopy Programme e um dos pensadores de política florestal mais experientes do mundo, resumiu o desafio quando falou para a Green Futures em 2009 (GF74, à pág. 27): “No momento, só se pode ganhar dinheiro com as florestas quando elas são convertidas em outra coisa – madeira ou carne bovina, soja ou óleo-de-dendê. Então, em mercados globais, as florestas valem mais mortas do que vivas. É isso que precisamos reverter. A filantropia e os governos não o farão. É preciso se voltar para os mercados para reverter o que é de fato uma falha de mercado. O que recebemos gratuitamente não pagamos”. Conforme disse Azevedo, a menos que as pessoas sejam remuneradas para não fazer alguma coisa, elas continuarão praticando o que fazem. “Digamos que você queira fechar uma madeireira ilegal. Você pode fazer isso em cinco minutos, basta enviar a polícia ou o Exército e fechar tudo. Mas 50 pessoas perderão seus empregos. Mas, a menos que você crie alternativas com melhor remuneração, elas logo voltarão a cortar árvores, lá ou em outro lugar. Precisamos colocar outra coisa no lugar para manter a circulação do dinheiro. Precisamos criar uma nova economia.” Ele acredita que o manejo florestal sustentável – modelo no qual as concessões para extração madeireira são outorgadas e renovadas com base unicamente nas boas práticas sociais e ambientais, em vez de dinheiro – poderia estar no cerne da questão. No estado do Acre, o WWF está trabalhando com as comunidades locais para implementar um projeto nesses moldes, o qual permitiria a extração não só de madeira cuidadosamente selecionada de alto valor, mas também de outros produtos, tais como castanhas, borracha e óleos essenciais, contanto que seja possível demonstrar que a floresta como um todo permaneceu com boa saúde. Todos esses projetos, naturalmente, também são potencialmente elegíveis para financiamento de carbono – daí o crescente entusiasmo do Brasil por um acordo internacional sobre a questão. E também pode haver formas pelas quais os outros enormes benefícios regionais das florestas em pé – principalmente a sustentação do ciclo da água, do qual depende grande parte da Daniel Beltra /Getty Dando significado ao termo ‘proteção’ Uma rara combinação de supermercados, bancos e ação governamental determinada está fazendo valer as leis de proteção florestal Entre os rios Xingu e Tapajós, na Terra do Meio, encontram-se 3 milhões de hectares de floresta protegida. As áreas de conservação foram criadas em 2005, após o assassinato da religiosa Dorothy Stang, que era uma porta-voz eloquente contra a extração madeireira ilegal e em defesa dos agricultores campesinos que procuravam sobreviver sem desmatar. Mas as autoridades estão lutando para proteger a terra rica em mogno e o seu povo. De acordo com o relatório elaborado pelo instituto de pesquisa amazônica sem fins lucrativos Imazon, com o apoio da Embaixada Britânica no Brasil, a má administração e a morosidade crônica dos processos judiciais significam que a exploração ilegal da terra muitas vezes passa impune. O relatório constatou que, devido a uma escassez de advogados e ao uso ineficiente de seu tempo, somente 3% dos casos chegaram a qualquer conclusão, e que a grande maioria ficou presa em trâmites recursais infindáveis. Além disso, das poucas decisões judiciais tomadas, somente 10% das multas foram coletadas, e que o instituto de proteção ambiental Ibama somou R$ 11,8 bilhões em penalidades pendentes. Essas falhas permitiram que cerca de 40 milhões de hectares fossem tomados e usados ilegalmente, tornando o desmatamento bem mais lucrativo para os exploradores do que investimentos destinados a melhorar a produtividade da terra fora da área protegida. Em junho de 2009, o governo interveio com um projeto de lei para regularizar as propriedades de terra e um programa para a sua implementação. Porém, uma análise do projeto de lei feita pelo Imazon levantou preocupações de que o baixo preço oferecido pelos direitos às áreas menores – algumas até foram entregues gratuitamente – poderia fomentar o desmatamento, em vez de interrompê-lo. Ainda assim, apesar do campo minado do ponto de vista legal, existe esperança e uma série de incentivos efetivos para o cumprimento está começando a surgir. Entre eles, embargos acordados por três grandes supermercados – Walmart, Carrefour e Pão de Açúcar – e três gigantes do setor de calçados – Adidas, Clarks e Timberland – para a carne e o couro provenientes de fazendas localizadas em terras desmatadas ilegalmente. Talvez impulsionadas por tais ações comerciais, as autoridades governamentais estão começando a ficar mais duras também. Gado encontrado pastando em terras protegidas foi apreendido e leiloado. O confisco de 3 mil cabeças em 2008 levou à retirada voluntária de outras 30 mil. E restrições à concessão de crédito foram impostas pelo governo federal a qualquer pessoa que tenha mais de 400 hectares de terra sem escritura. Em decorrência dessas medidas, as taxas de desmatamento começaram a cair, mesmo enquanto os preços das commodities sobem. De acordo com o Imazon, agora existe um claro caminho à frente. A organização espera fomentar a pressão pública sobre os proprietários de terras para que adotem práticas mais sustentáveis, por meio de embargos, regulação de compras e instauração de ações judiciais públicas. Se essa força civil avançar em paralelo a uma taxa de condenação mais alta por delitos praticados e uma aplicação adequada de penas compatíveis com o crime, então a “proteção” oferecida à Terra do Meio no papel poderá vigorar também na prática. – Anna Simpson Green Futures abril de 2010 13 Futuro com pe E M 9 De novembro DE 2007, as autoridades brasileiras convocaram uma entrevista com a imprensa e, finalmente, confirmaram o que a maioria das pessoas há muito suspeitavam: que Deus era mesmo brasileiro. Após anos de testes e perfuração em águas profundas, a gigante estatal da indústria petrolífera, Petrobras, havia anunciado a descoberta de novas reservas – de grandes proporções – de óleo cru leve, localizadas milhares de quilômetros abaixo do Oceano Atlântico, sob uma espessa camada de sal. As reservas eram tão grandes que mudariam o País para sempre, disseram os políticos. Tão grandes, com efeito, que o presidente da República, Lula, insinuou que a intervenção divina, bem como a geologia, deve ter contribuído. Imediatamente após o anúncio da descoberta, a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, Dilma Rousseff, afirmou que a descoberta poderia elevar a riqueza petrolífera do Brasil “para os níveis de Arábia Saudita e Venezuela”, e ajudar a tirar milhões de brasileiros da pobreza. O carnaval havia chegado mais cedo. Dois anos mais tarde, o nível de empolgação continua em alta. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, recentemente declarou: “Se alcançarmos 5,7 milhões de barris por dia, estaremos produzindo mais do que a metade de todas as outras empresas do mundo juntas”. Ele não é o único a sonhar grande. “Em termos conservadores, eu diria que nos tornaremos o oitavo maior produtor de petróleo do mundo”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e um dos principais arquitetos da política energética nacional. Ainda assim, em meio à euforia, há vozes de preocupação. Alguns temem que a nova legislação que está sendo debatida no Congresso – concebida para assegurar que a riqueza do petróleo seja distribuída com justiça em todo o País – sufoque a campanha de exploração do pré-sal, reduzindo as oportunidades de empresas estrangeiras. 14 Green Futures abril de 2010 Outros, no entanto, estão mais alarmados com as implicações ambientais da descoberta. Para Roberto Smeraldi, diretor-fundador dos Amigos da Terra–Amazônia Brasileira, a perfuração da camada pré-sal representa “uma verdadeira bomba de carbono, liberando quatro vezes mais a quantidade de gases de efeito estufa por unidade do que a perfuração convencional”. Juntamente com o novo investimento para energia a carvão, ele argumenta, “isso neutralizaria os ganhos que poderiam ser obtidos com o desmatamento reduzido a zero”. Sergio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace Brasil, concorda. “Estima-se que o total das emissões provenientes das reservas pré-sal poderiam chegar a 56 bilhões de toneladas de CO2. Isso significa que, ao longo dos próximos 40 anos, o Brasil emitirá cerca de 1,3 bilhão de toneladas de CO2 por ano por meio de atividades de refino e queima de petróleo. Isso dobraria o total das emissões, tornando o Brasil um dos três maiores emissores de CO2 do mundo.” Também existe a preocupação quanto ao que essa bonança petrolífera poderia significar para a tão ostentada revolução de fontes renováveis do País. Nos últimos anos, o Brasil tem sido apresentado como um exemplo internacional, líder no uso de fontes de energia de baixo carbono, principalmente energia hidrelétrica e etanol de canade-açúcar em larga escala. As enormes barragens do Brasil fornecem cerca de 90% da eletricidade do País, mas não sem controvérsias (ver Quanto vale uma hidrelétrica?, à pág. 19). Como consequência, a geração de energia no Brasil é, em grande medida, livre de combustível fóssil, apesar de os impactos mais amplos da hidroeletricidade em termos de florestas alagadas e deslocamento de povos indígenas despertarem sérias dúvidas sobre a sua sustentabilidade. Praticamente, a mesma coisa acontece com o combustível para transporte. Investimentos de larga escala no programa de www.greenfutures.org.uk tróleo Novas e enormes descobertas de “ouro negro” ao largo do litoral brasileiro estão desencadeando empolgação e preocupação em igual medida, diz Tom Philips Luis Veiga /Getty. DanDriedger/istock Questão inflamável: o Brasil conseguirá manter suas metas de redução de carbono ao mesmo tempo em que explora sua riqueza recém-descoberta? etanol brasileiro por parte do regime militar na década de 1980 estabeleceram os fundamentos para o desenvolvimento futuro. Atualmente, de todos os veículos fabricados no Brasil, 90% são bicombustíveis – projetados para rodar tanto com etanol quanto com gasolina. O investimento em biocombustíveis continua em alta e os líderes do setor estão trabalhando com ONGs e com o governo em um esforço para assegurar que a demanda crescente por terras agricultáveis adequadas não promova o desmatamento ou limite a produção de alimentos (Cabana de açúcar, à pág. 16). Outras fontes de energia renovável ainda têm um importante papel a desempenhar. Existe uma economia eólica pequena, porém crescente, com cinco novas fazendas que elevarão a capacidade total para 341 MW. As instalações de energia solar fotovoltaica também estão começando a explorar os 280 dias de luz solar por ano do Brasil, levando eletricidade a comunidades remotas não atendidas pela rede de transmissão, principalmente na Amazônia. Mas o potencial de longe excede as realizações alcançadas até o momento. Uma análise da indústria feita em 2009 identificou um mercado de energia renovável futuro de 25 bilhões de dólares, incluindo biomassa, solar fotovoltaica, solar térmica, hidrelétrica e eólica. É possível, naturalmente, que a riqueza petrolífera recémdescoberta venha a liberar mais recursos para fontes renováveis. A Petrobras tem enfatizado o seu compromisso para com fontes mais limpas de energia, inclusive biocombustíveis. Mas os ambientalistas estão céticos. Leitão argumenta que o foco do governo na nova legislação para o petróleo da camada pré-sal já “desviou a atenção de tentativas de elaborar um novo arcabouço regulatório para energia renovável”. Isso, teme ele, Quantas árvores em troca de cada usina? Energia e plantio de árvores O governo brasileiro deverá impor metas de plantio de árvores às usinas de energia. O Ministério do Meio Ambiente está propondo que as usinas que queimam petróleo, gás ou carvão deveriam plantar enorme quantidade de árvores para obter suas licenças operacionais. Isso ajudaria a neutralizar suas emissões e contribuiria para o esforço nacional de reflorestamento. A proposta poderia resultar em mais 3 milhões de árvores plantadas até 2017. Mas os críticos argumentam que nem isso mitigaria as 14 milhões de toneladas de gás de efeito estufa emitidos pelo atual parque de usinas de energia a cada ano, muito menos as emissões das 82 novas usinas a carvão planejadas para ser construídas ao longo dos próximos oito anos. – Ben Tuxworth “impedirá que o Brasil dê um salto tecnológico em sua matriz energética, investindo em fontes limpas e renováveis que poderiam revolucionar os padrões de consumo e a produção em todo o mundo”. Tolmasquim discorda. “O Brasil continuará com um alto nível de combustíveis renováveis. Em termos de transporte, o etanol continuará a desempenhar um papel fundamental no mercado”, insiste ele, destacando que 75% dos proprietários de carros bicombustíveis escolhem usar etanol. Mas ele admite que, em se tratando de demanda global, o etanol “não substitui” o petróleo. Gabrielli, da Petrobras, também não prevê uma “mudança significativa” nos padrões globais de consumo de energia ao longo dos próximos 30 anos. “O carvão, o petróleo e o gás serão usados na mesma proporção”, prediz ele, e acrescenta: “Qualquer mudança será a longo prazo. Mas isso não significa que não haverá mais energia sustentável, mais biocombustíveis”. “O petróleo será fundamental para a humanidade por muito tempo”, concorda o ministro de Minas e Energia do Brasil, Edison Lobão. E é essa relutância em conceber um mundo sem petróleo que alguns entendem que atrasa o Brasil. “Da mesma forma que a Idade da Pedra não chegou ao fim por causa de uma escassez de pedras, a era do petróleo também não acabará por causa da falta de petróleo, mas em consequência da corrida tecnológica para substituí-lo”, comenta Leitão. Ao colocar todos os seus ovos de energia em uma única cesta, o Brasil poderia ficar em defasagem em relação a outros países em pesquisa, investimento e infraestrutura para energia sustentável. E isso não seria boa notícia para os brasileiros – mesmo com Deus do seu lado. Tom Phillips é jornalista e produtor de documentários britânico que vive no Rio de Janeiro. Ele escreve para The Guardian. Green Futures abril de 2010 15 de Goiás, onde a longa estação seca já se instalou e a colheita da cana-de-açúcar, que se estende de abril a novembro, está a pleno vapor. Mas não se vê um cortador de cana tradicional ou um campo de queima da cana. Em vez disso, grandes máquinas surgem sobre os campos, sugando as plantas espessas e altas e cuspindo a cana. Essa conversão da colheita de técnicas predominantemente manuais para 100% mecânicas tem um impacto sobre muito mais do que a paisagem, melhorando as condições de segurança para aqueles que trabalham na colheita. Também é uma das muitas melhoras de eficiência da Tropical BioEnergia – um empreendimento conjunto que envolve as empresas brasileiras Santelisa Vale e Grupo Maeda e a empresa internacional de energia BP – que têm ajudado a aumentar a produção de cana-de-açúcar de 500 mil toneladas por ano para mais de 2,4 milhões. E mais inovações destinadas a melhorar a eficiência, tais como a utilização de GPS para permitir maior precisão no plantio, na colheita e na aplicação de fertilizantes, contribuirão para uma produção total prevista em cerca de 5 milhões de toneladas no futuro. Para a comunidade local, essa maior capacidade significa criação de empregos que demandam um conjunto de habilidades mais variado, desde o manejo de máquinas e da frota de caminhões até a supervisão das operações. Quatro vezes mais Como maior exportador mundial de etanol de cana-de-açúcar e segundo maior mercado interno, é importante para o Brasil assegurar que boas colheitas sejam viáveis e sustentáveis por muito tempo no futuro. O governo brasileiro recentemente anunciou as “agrozonas” – áreas onde a produção da cana-de-açúcar deve ser limitada, com a proibição de plantações próximas da Amazônia e do litoral. Reconhecendo a importância de preservar as florestas brasileiras e a dependência da indústria da cana-de-açúcar tanto da estação chuvosa quanto da seca, o negócio de biocombustíveis da BP concentra-se na produção de biocombustíveis em pastos degradados mantidos por meio da irrigação de sequeiro. Isso pode parecer limitante, mas, mesmo em condições tão difíceis, o Brasil poderia quadruplicar sua área de cultivo de cana-de-açúcar em comparação com o número de hectares plantados hoje. A BP também está examinando o ciclo de vida do processo de produção de etanol, a fim de ajudar a minimizar os resíduos. As refinarias de etanol, por exemplo, muitas vezes geram eletricidade a partir do bagaço, o resíduo que sobra quando a cana-de-açúcar é 16 Green Futures abril de 2010 esmagada, e vendem qualquer eletricidade excedente para a rede. São medidas como esta que significam que o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa (em comparação com o petróleo convencional) mais do que outros biocombustíveis produzidos hoje. Seguro, escalável e competitivo O desafio, de acordo com Philip New, diretor-presidente da BP Biocombustíveis, é “reunir as duas mais importantes cadeias de valor da humanidade: a agricultura e a energia”. O etanol tem sido uma grande fonte de energia no Brasil desde a década de 1970, quando a principal motivação era superar a dependência do petróleo importado. Atualmente, o transporte sustentável é a principal motivação. “Os biocombustíveis são a única solução viável para uma energia com fins de transporte de baixo carbono, segura, escalável e competitiva a curto e médio prazo”, diz Mário Lindenhayn, presidente da BP Biocombustíveis no Brasil. “Isto não quer dizer que os carros elétricos não venham a desempenhar algum papel no futuro, mas, para obtermos uma redução significativa das emissões de gases de efeito estufa, acreditamos que os biocombustíveis sejam a melhor opção. E já são uma realidade hoje.” Futuro flexível em combustíveis A flexibilidade será fundamental para o País se manter à frente do jogo. A BP já está estudando outras opções além do etanol e considerando biocombustíveis mais eficientes, tais como o biobutanol – que tem propriedades mais próximas do petróleo do que o etanol e também pode ser produzido a partir da cana-de-açúcar – e o etanol celulósico – que pode ser produzido usando-se toda a planta, inclusive os resíduos não comestíveis. Atualmente, mais de 90% dos carros fabricados no Brasil são bicombustíveis – capazes de rodar com qualquer combinação de etanol e gasolina – e espera-se que eles representarão 75% do total da frota até 2020. A Honda já introduziu a primeira motocicleta bicombustível e há esperanças de se converterem equipamentos agrícolas, que atualmente usam diesel, para biocombustíveis no futuro. A combinação de veículos bicombustíveis ainda mais eficientes com biocombustíveis avançados ajudará a fomentar um futuro de baixo carbono para o transporte no Brasil e no mundo. – Anna Simpson Ao lado – Uma colheita mais doce: novas técnicas aumentam a produtividade e eliminam práticas não sustentáveis, tais como a queima da cana www.greenfutures.org.uk SambaPhoto/Paulo Fridman/Getty. AFP/Stringer/Getty. Superstudio/Getty. Ricardo Teles/ddbstock O sol pesa sobre as planícies no estado Green Futures abril de 2010 17 Revolu no Sul Vilson Ascoli: Antes da hidrelétrica, a gente mal conseguia se virar N O SUL PROFUNDO DO BRASIL, na zona rural de relevo ondulado do Rio Grande do Sul, há uma revolução em andamento. Não se trata de agitação política, mas está transformando vidas. É uma revolução de intensidade bastante física. Do tipo que acontece quando a água em alta velocidade atinge as lâminas de uma turbina e a faz girar, gerando eletricidade. As grandes barragens do Brasil são uma bênção mista, mas a energia hidrelétrica aqui é de uma escala muito mais humana – e sustentável. Duas “miniusinas hidrelétricas” – instaladas pela Cooperativa Regional de Eletrificação Rural do Alto Uruguai Ltda. (Creral), uma cooperativa gerida pela população local – estão levando o fornecimento de energia firme e confiável a milhares de famílias de agricultores por toda a região remota do Alto Uruguai. Cooperativas locais como a Creral foram criadas nas décadas de 1960 e 1970 como parte de um esforço destinado a acelerar a eletrificação de áreas remotas. Elas são responsáveis pela compra e venda de energia para seus membros. Mas, em meados da década de 1990, seus membros ficaram cada vez mais frustrados com os persistentes episódios de escassez de energia e blecautes. Isso dificultava a tarefa de modernizar suas casas e fazendas e suas crianças estavam começando a dar as costas para a vida rural e a procurar melhores oportunidades em outros lugares. Uma nova liderança foi eleita, sob a gestão do presidente João Alderi do Prado, com novas ideias: gerar sua própria eletricidade. Parece que funcionou. Agora que duas miniusinas hidrelétricas, com uma capacidade conjunta de 1,9 MW, entraram em operação, as coisas estão mudando. Mais energia significa que existe eletricidade suficiente para operar tudo, desde ferros elétricos, chuveiros, refrigeradores e freezers, até equipamentos agropecuários, tais como máquinas para ordenhar vacas. Isso não só melhorou a qualidade de vida das pessoas, mas também a sua renda. Conforme disse o agricultor Vilson Antonio Ascoli, “foi uma enorme diferença quando chegou a energia hidrelétrica. 18 Green Futures abril de 2010 Antes, a gente mal conseguia se virar. Agora temos o resfriador de leite e o freezer para a carne, então podemos armazenar mais e, assim, vender mais. Nossa renda aumentou em pelo menos 50%. Então compramos mais vacas – agora temos dez”. Sua esposa, Terezinha, acrescentou: “Temos diferentes coisas acontecendo ao mesmo tempo. Eu posso tomar banho enquanto ele está assistindo à televisão”. Um agricultor vizinho, Alcir Bertiol, concorda. “É muito melhor agora que passei a confiar na geladeira. Isso significa que posso armazenar o leite até o caminhão-tanque chegar. Antes eu tinha a geladeira, mas nunca se sabia ao certo se haveria eletricidade ou não. Se não houvesse energia, você ainda assim teria de ordenhar as vacas, mas seu trabalho literalmente iria por água abaixo.” Atualmente, as duas usinas atendem a cerca de um quarto do total das necessidades de eletricidade dos membros da Creral (o restante é comprado de fontes convencionais). A cooperativa agora está investindo em um novo projeto para mais quatro miniusinas hidrelétricas, o que deverá permitir o atendimento da maior parte da demanda, senão a toda demanda, proporcionando independência energética efetiva. A cooperativa está conseguindo isso em moldes puramente comerciais (sem subsídios). E também já começou a atrair financiamento para carbono. Não existe qualquer razão para que outros não sigam o exemplo da Creral, diz João Alderi, uma vez que as pesquisas evidenciam que somente essa região possui “centenas” de locais adequados para o desenvolvimento de projetos de miniusinas hidrelétricas. As perspectivas de trabalho da Creral foram incrementadas por uma enchente de publicidade no Brasil e em outros países, quando a cooperativa ganhou o Prêmio Ashden de Energia Sustentável, em 2008. À medida que os preços da eletricidade aumentam, a lógica econômica dessa abordagem – e da energia descentralizada em geral – parece destinada a tornar-se cada vez mais visível. E agora que João Alderi trabalhou como assessor para o programa governamental Luz para Todos, há esperança de que essa abordagem também ajudará a influenciar a política nacional. – Martin Wright www.greenfutures.org.uk Martin Wright. South American Pictures/Tony Morrison. Os agricultores estão tomando iniciativa própria ção Energia com baixo impacto Ao contrário das grandes usinas de eletricidade, as miniusinas hidrelétricas têm um impacto mínimo sobre o meio ambiente. Em vez de inundar grandes áreas, elas funcionam desviando apenas uma pequena parte da água do rio para um pequeno canal (ou aqueduto), que corre ao longo dos contornos do monte até que a diferença de altura entre ele e o vale abaixo seja o bastante para proporcionar uma potência de água suficiente. A essa altura, a água cai em cascata por um grande tubo (comporta de pressão) e entra na usina hidrelétrica, onde a força da água em queda gira as turbinas. A água então escapa e entra de volta no rio. Quanto custa – e quanto vale – uma hidrelétrica? Ao contrário das grandes barragens, miniusinas hidrelétricas como esta em Abaúna (foto principal) permitem passagem livre tanto para o rio quanto para os peixes. Existe muita coisa em jogo no rio Madeira. Sendo o maior afluente do Amazonas, o rio é visto pelos planejadores de energia do Brasil como um recurso vital para a hidroeletricidade. As usinas gigantescas de Jirau e Santo Antonio, projetadas para fornecer mais de 3 mil megawatts cada uma até 2013, foram descritas como a prioridade número 1 na busca do atendimento às necessidades brasileiras de eletricidade. Mas a oposição, é claro, se recusa a desaparecer. O deslocamento de povos indígenas da floresta continua sendo um ponto candente, apesar dos muitos esforços do governo para minimizá-lo. Protestos já paralisaram a construção de Jirau, onde as estimativas de custos só estão subindo e distanciando-se do orçamento original de 5,3 bilhões de dólares. As inundações poderiam ser seriamente agravadas – conforme tem se queixado o governo da vizinha Bolívia – pelo acúmulo de enormes quantidades de sedimentos que normalmente seriam carreados pelo fluxo a jusante do rio Madeira. O transtorno ambiental na fase de construção poderia ser significativo, com os equipamentos de grande porte e as equipes de trabalhadores que entrarão em cena. As construtoras contratadas já incorreram em multas e penalidades por incidentes de destruição ilegal da floresta e matança de peixes pelo uso de dinamite. Mais fundamental ainda é o fato de que as barragens trazem consigo o risco de transtornar os ciclos de reprodução do bagre – peixe migratório abundante no rio Madeira – e de outras espécies ao obstruir sua trajetória a montante do rio. Também existe outra dimensão que coloca em evidência os diferentes vetores que nortearão o futuro da região amazônica. Os que se opõem ao plano de construção das usinas têm pesadelos com o que eles temem ser o sonho dos atores pró-desenvolvimento: um rio Madeira com usinas hidrelétricas servindo como um curso d’água comercial de enormes proporções. Um meio economicamente viável de escoar a soja para os mercados de exportação tornaria a pressão pró-desenvolvimento sobre as florestas circundantes e sobre a savana tropical ainda mais difícil de resistir. Que preço tem, portanto, a proteção dos seus povos nativos, da sua rica biodiversidade e do seu papel global vital como sumidouro de carbono? – Roger East Green Futures abril de 2010 19 Baixando o N ão existe estrada de acesso a Suruacá. O rio é a rodovia para pequenos assentamentos amazônicos tais como esse. Seis horas inteiras de barco subindo o rio Tapajós a partir da cidade mais próxima de tamanho considerável não é onde você esperaria encontrar um modelo de comunidade moderna, conectada. Ainda assim, as mais ou menos cem famílias de Suruacá são pioneiras em um projeto que disponibiliza acesso à internet à população local por meio do primeiro telecentro da região operado com energia solar. Prover acesso à energia é um dos grandes desafios de desenvolvimento do Brasil, onde cerca de 12 milhões de pessoas atualmente vivem fora da faixa de fornecimento de eletricidade. No entanto, o sol é algo que o País tem em abundância. E, ao longo dos últimos seis anos, um sistema fotovoltaico de 2 KW instalado em cima do telecentro em Suruacá tem convertido a luz solar em energia elétrica. É o suficiente para operar quatro computadores por oito horas ao dia, bem como um serviço local de rádio que vai ao ar durante quatro horas por dia, o satélite que conecta tudo isso à internet e um conjunto de impressoras, scanners e câmeras. O financiamento inicial veio da agência de desenvolvimento americana Usaid, que trabalhou juntamente com ONGs locais e a GreenStar Corporation como fornecedores de tecnologia. A ideia era que uma rede emergente habilitada pela internet deveria se tornar cada vez mais autossustentável ao estimular a atividade 20 Green Futures abril de 2010 empresarial local. Assim, o gerente de projeto Bob Bortner ajudou a criar uma rede de Empoderamento Comunitário para fornecer assistência contínua, estimular a criação de mais telecentros locais, promover a conscientização e o desenvolvimento de habilidades vinculadas à internet e facilitar relações por meio da rede mundial de computadores. A comunidade de Xixhua, por exemplo, localizada 500 quilômetros a noroeste, já tem alguma experiência em como o acesso à net pode abrir um mercado para o ecoturismo, a arte e o artesanato locais. Assim, os vínculos com Xixhua podem ajudar Suruacá a ver mais dessas oportunidades – e as ciladas que vêm com elas. Apesar de todos os benefícios do e-mail e do acesso à internet, a comunidade quer que a tecnologia sustente seu modo de vida, em vez de destruí-lo. Parte da própria essência do projeto de Suruacá é que ele seja dirigido pela comunidade. Foram as pessoas locais que conceberam e construíram o telecentro, bem ao lado da escola, onde as crianças logo descobriram que os computadores existiam não só para educação, mas também para jogos. O acesso à informação pela rede virtual também tem ajudado enormemente no atendimento à saúde. Além disso, inspirou o lançamento de um microprojeto de hidreletricidade destinado a melhorar a disponibilidade de energia elétrica para os domicílios. E, com o atual gerador de Suruacá ligado somente à noite, o interesse local por fontes de energia renováveis fora da rede certamente aumentará. – Roger East www.greenfutures.org.uk LOOK Die Bildagentur der Fotografen GmbH/Alamy sol Acesso a todas as áreas Opposite page: BrazilPhotos.com/Alamy. Sue Cunningham Photographic/Alamy As ruas típicas de São Paulo parecem muito distantes da Amazônia rural, mas a falta de pontos de energia elétrica nas comunidades pobres é uma característica em comum. Da mesma forma que é o potencial de soluções de internet alimentadas pela energia solar. O professor Marcelo Zuffo, da Universidade de São Paulo, uma potência de inovação no que ele denomina “eletrônica interativa”, agora propôs “acesso wifi em uma caixa”. A solução não precisa ser conectada a nada e é suficientemente barata e pequena para ficar pendurada em um poste de iluminação ou árvore, mas Zuffo acredita que isso poderia turbinar as iniciativas de acesso à “TI para todos”, tal como a campanha global Um Laptop por Criança. Basicamente, o que ele fez foi combinar um painel de energia solar com uma bateria de motocicleta barata para armazenar a carga e circuitos eletrônicos para executar um miniponto de acesso wifi. Se uma série de pontos de acesso for montada em uma configuração do tipo colmeia, cada um prestará serviços de retransmissão aos outros, formando assim uma rede de área ampla (wan) com as melhores conexões disponíveis para a net. A parte difícil é o gerenciamento da energia. A solução já é suficientemente boa para funcionar por dois dias sem luz solar, diz Zuffo, mas ele quer aumentar esse número para dez dias – o suficiente para uma autonomia real mesmo nos dias escuros da estação chuvosa. – Roger East Sol e velocidade Em posição de vantagem: energia solar leva eletricidade e autonomia a comunidades remotas “Agora só precisamos das motocicletas” A gigante do setor energético Petrobras está dando um primeiro passo rumo à energia solar para a vasta frota de motocicletas do País com abertura de seu primeiro eletroposto no Rio de Janeiro. O posto de abastecimento elétrico, que usa energia da rede à noite, é alimentado por placas fotovoltaicas quando há luz solar. Atualmente existem apenas poucas centenas de motocicletas elétricas em circulação nas estradas brasileiras, mas a Petrobras espera promover a conscientização das pessoas sobre a tecnologia solar e o potencial de mudança oferecendo infraestrutura para motocicletas em lugares onde é difícil estacionar, por exemplo. De acordo com o chefe da divisão de distribuição da empresa, Edimar Machado, os eletropostos de abastecimento (com energia) solar aumentarão a “consciência ambiental mostrando às pessoas que é possível usar energia sem prejudicar o meio ambiente”. – Ben Tuxworth Green Futures abril de 2010 21 “A CRIATIVIDADE COMEÇA quando você corta um zero do seu orçamento” Céu azul sobre a cidade verde: Curitiba abre espaço para várzeas e bosques “ E m se tratando de urbanismo, a regra básica é: cidade = vida, trabalho e mobilidade.” Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba que se tornou guru das cidades verdes, sempre tem uma boa frase de efeito. Elas o ajudaram a ser eleito na década de 1990, quando seu plano diretor urbano conseguiu transformar boa parte da cidade. E ele as utiliza com muita habilidade para resumir os vários sucessos que tem tido desde então – do celebrado sistema de trânsito rápido à superação dos notórios problemas de enchentes da cidade. Ou, nas palavras de Lerner: “Enquanto outras cidades enterraram os rios em concreto, nós criamos parques ao longo dos nossos.” E os parques não existem apenas para o prazer. Como várzeas naturais, eles oferecem uma defesa mais efetiva contra as enchentes sazonais do que barreiras de concreto, e podem ser usados como lagos para barcos quando o rio Iguaçu transborda. É uma estratégia que agora está sendo adotada até em países distantes como a Holanda, à medida que os governos buscam adaptar-se à mudança do clima. 22 Green Futures abril de 2010 Esse respeito pela paisagem pré-urbana ajudou Curitiba a manter um recurso em escassez que muitas cidades destroem e depois são obrigadas a gastar milhões para trazê-lo de volta: o espaço verde. “Quando começamos o planejamento, tivemos a ideia de estabelecer uma ‘malha’ para Curitiba e ocupar parte de suas células com parques. Mas, à medida que o tempo passou, vimos que uma ideia melhor seria poupar as áreas de florestas remanescentes, porém ameaçadas. Com essa política, mesmo à medida que a população triplicou, conseguimos aumentar a área verde por habitante de 0,5 para 52 metros quadrados”. A importância do espaço verde para a boa saúde e a qualidade de vida é inquestionável e “se uma cidade tem qualidade de vida”, diz Lerner, “naturalmente ela tem um componente de sustentabilidade muito forte”. A título de exemplo, ele comenta que, ao morar perto do trabalho, ou trazer o seu trabalho para mais perto de sua casa, você está não só melhorando a qualidade de vida, mas também reduzindo a demanda por transporte. www.greenfutures.org.uk David Silerman/Staff/Getty Jaime Lerner conta à Green Futures como reprojetar uma cidade, o que as principais metrópoles brasileiras ainda têm a aprender e por que a acupuntura urbana é o caminho do futuro Adriano Valenga Carneiro/Shutterstock. Paulo Fridman/Corbis Paraíso de vidro: a principal estufa do Jardim Botânico de Curitiba oferece uma coleção de referência da flora e de plantas tropicais da Mata Atlântica. Com aparência quase imperial em sua escala e grandiosidade, mas construída apenas recentemente, em 1991, a estufa é um símbolo da crescente autoconfiança da cidade e de seu compromisso com a preservação Curitiba talvez seja mais conhecida por seu sistema de transporte extraordinariamente barato e efetivo, o Transporte Rápido por Ônibus (TRO). Com ônibus triarticulados que circulam em faixas exclusivas, o sistema transporta 2 milhões de passageiros por dia, o mesmo número de alguns sistemas de metrô. Mas enquanto uma rede férrea subterrânea custa até 100 milhões de dólares por quilômetro, o TRO custa apenas 1 milhão de dólares por quilômetro. “A criatividade começa quando você corta um zero do seu orçamento”, diz Lerner. As tarifas dos ônibus são padrão e o crescimento da cidade foi planejado ao longo das rotas, de modo que ninguém vive ou trabalha mais de 400 metros de distância de uma parada de ônibus. Naturalmente, reconhece Lerner, esse sistema não pode ser copiado e transferido para qualquer área urbana. “Toda cidade tem de fazer o melhor possível de cada modalidade de transporte que ela tem, quer seja na superfície, quer seja no subterrâneo. O segredo consiste em não ter sistemas concorrentes no mesmo espaço e usar tudo que a cidade tem do modo mais efetivo.” Lerner começou com um sonho simples para Curitiba: saúde, educação, creches. Mas ele rapidamente reconhece que não poderia ter mudado nada se os outros não tivessem compartilhado de sua visão. “Uma cidade é um sonho coletivo”, diz ele, “e é fundamental construir esse sonho.” É aqui que as habilidades de liderança e de uma boa comunicação entram em cena. Construir o sonho significa criar cenários de um futuro possível que sejam “desejados pela maioria”. Porque, a menos que os habitantes compartilhem do sonho e possam crer nele, faltará o seu “envolvimento indispensável”. A desvantagem, brinca ele, é que uma vez que a população começa a sonhar, é difícil fazê-la parar: “Quanto mais a população se acostuma com avanços, tanto mais exigente ela se torna. Administrar Curitiba tornou-se um compromisso com inovação constante.” Em vez de conter o sonho, Lerner recomenda a “acupuntura urbana” como cura para todos os tipos de problemas urbanos, desde negligência com o meio ambiente natural até má gestão econômica. “É um toque rápido e preciso em um ponto-chave”, explica Lerner. “Da mesma forma que na abordagem médica, ‘intervenções pontuais’ estratégicas criam uma nova energia que desencadeará reações em cadeia positivas, ajudando a curar e melhorar o sistema como um todo.” E a cura para danos ambientais em uma escala maior, tais como a mudança do clima? A mesma regra se aplica, diz Lerner. “Cerca de 75% das emissões globais de carbono são relacionadas às cidades. E, pouco a pouco, está ficando claro que é nas cidades que podemos promover mudanças mais eficientes e mais efetivas.” – Anna Simpson e Ben Tuxworth Todos a bordo do ônibus articulado Green Futures abril de 2010 23 Mais vida – Do ouro branco para o reavivamento Um tapete de folhas Quatrocentos anos atrás, os montes e as planícies ao longo do rio Capibaribe, em Pernambuco, abrigavam mais de 60 moinhos de cana-de-açúcar, que produziam “ouro branco” para comercialização na Europa. Era um negócio próspero e lucrativo, mas a elite portuguesa ficou com grande parte do lucro, deixando pouco com os trabalhadores locais em troca do seu trabalho. O tempo passou, mas a indústria da cana-deaçúcar ainda define as condições socioeconômicas na pequena cidade de Araçoiaba, perto do Recife, a principal zona industrial e centro comercial de Pernambuco. A disponibilidade de mão de obra e, muitas vezes, o salário, dependem da época do ano e do clima. E um ano de seca pode significar que não há trabalho em absoluto. Em 2005, o desemprego em alta e os baixos salários renderam a Araçoiaba o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano na região metropolitana do Recife, e um clima cada vez menos confiável tornou as perspectivas ainda mais sombrias. Então – cabe a pergunta –, por que nos poucos anos, desde então, a cidade experimentou um aumento da renda familiar, mais pessoas tiveram oportunidade de educação do que antes e foram abertas cinco novas bibliotecas? Em grande medida isso se deve ao projeto social Mais Vida, que estimula as famílias locais a assumirem iniciativa própria por sua saúde, seus direitos e sua qualidade de vida. Criado pelo Instituto Unilever em parceria com uma série de associações comerciais, industriais e de artesãos em 2005, o Projeto Mais Vida recruta moradores locais para um trabalho de conscientização sobre as novas iniciativas e para fomentarem mudanças em todos os aspectos de suas vidas, desde saúde e educação até inclusão digital e artesanato. Entre os casos de sucesso inclui-se um check-up médico para mais de 4 mil crianças, combinando atendimento odontológico e testes de diabetes e de sangue, ao mesmo tempo que se promovem atividades de lazer como a capoeira. – Anna Simpson Luca Allegro viu-se no Fórum Econômico Mundial anual em Davos, na Suíça, com as palavras “empreendedor social” impressas em seu crachá. “Não parecia exatamente certo porque, na verdade, sou apenas um agricultor.” Mas por trás da modéstia de Allegro existe uma missão. Ele é consultor de assuntos internacionais da Associação de Pequenos Produtores de Valente (Apaeb), uma organização de agricultura cooperativa fundada em 1980 para dar apoio a agricultores da região semiárida da Bahia. A sua principal cultura é a planta nativa suculenta do gênero agave, ou sisal. O sisal tem folhas pontiagudas características que chegam a 2 metros de comprimento e cada uma dessas folhas contém até mil fibras, que podem ser extraídas e, uma vez secas, usadas para a fabricação de cordas, papel, tecido, revestimentos para parede, tapetes e até placas de jogo de dardos. Trinta anos após sua fundação, a Apaeb trabalha com 2 mil agricultores locais e tem uma receita anual de mais de 7 milhões de dólares. Allegro descreve o empreendimento como uma iniciativa comercial direta. A cooperativa cultiva, compra e beneficia o sisal para produzir tapetes acabados de alta qualidade, agregando valor ao produto antes de vendê-lo. E embora as fibras representem apenas 5% do peso da planta, sobram poucos resíduos. A Apaeb mistura a matéria vegetal remanescente com a polpa de folhas de cacto para alimentar caprinos. O resultado é um sistema integrado que gera matéria-prima para produtos têxteis e laticínios para a comunidade – tudo isso em uma terra relativamente infértil que tem poucos outros usos agrícolas. O dinheiro proveniente dessas vendas permitiu que a comunidade montasse uma rádio local e um pequeno banco, que ajuda a financiar outras atividades de geração de renda, diversificando, assim, a economia local. – Arran Frood 24 Green Futures abril de 2010 www.greenfutures.org.uk A & J Visage/Alamy. Novas iniciativas criativas estão ajudando a ergue Mas uma reforma agrária efeti – mais terra? er os trabalhadores rurais brasileiros da pobreza. iva continua sendo um desafio Disputa por campos férteis Xico Putini/Shutterstock, EVARISTO SA/Staff/Getty, James P. Blair/Contributor/Getty. Ocupar. Resistir. Produzir. Essa é uma estratégia levada a cabo pelo maior grupo de pressão social da América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ou Movimento dos Sem Terra (MST). O grupo organiza mais de 1,5 milhão de pessoas com a finalidade de conquistar direitos legais à terra onde trabalham. E ocupar e produzir é o que de fato eles fazem. Ao ocupar terras que teriam sido deixadas em pousio, o MST tem montado fazendas cooperativas e construído casas, escolas e postos de saúde para as comunidades que nelas trabalham. Além disso, pelo valor agregado à terra – com as benfeitorias –, adquiriram propriedade legal para mais de 350 mil famílias. Até aqui, sem problemas. Mas tudo isso se fez a um preço, tanto humano quanto ambiental. Em algumas áreas, as ocupações levaram a conflitos armados letais entre proprietários de terra e ocupantes (os ocupantes em geral se saem pior nos conflitos). E os conservacionistas estão preocupados com o fato de que um movimento que tem por objetivo reduzir a pobreza também esteja causando desmatamento. O Movimento, por sua vez, alega que suas ocupações não autorizadas estão em conformidade com a Constituição brasileira, que exige que o governo “desaproprie para fins de reforma agrária a propriedade rural que não esteja desempenhando sua função social”. E na gestão do presidente Lula o governo parece estar respondendo – até certo ponto. Quando de sua eleição em 2002, Lula prometeu combater a pobreza rural assentando 400 mil famílias durante o seu primeiro mandato. Porém, o presidente está em defasagem com relação à meta. Já passada mais da metade do seu segundo mandato, o número total de famílias reassentadas é de apenas 380 mil. Quanto à questão espinhosa dos assentamentos na Amazônia, existe algum avanço em andamento na forma de parcerias que estão florescendo entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário, governos estaduais e programas tais como o Terra Legal. O programa tem por objetivo obter direitos fundiários para 300 mil propriedades rurais ocupadas por integrantes do MST na Amazônia. Trabalhando juntos, esperam aproveitar esse cabo de guerra legal para promover fortes medidas de conservação e restauração florestal. Se os assentados puderem conservar a floresta tropical remanescente, em vez de causar sua destruição, então o Brasil poderá avançar na tarefa de conciliar progresso social com sustentabilidade ambiental. – Arran Frood Green Futures abril de 2010 25 O enverdecimento dos A S empresas no brasil nem sempre são vistas como um aliado natural do movimento verde. A maior empresa do País, por exemplo, é a Petrobras, cuja exploração agressiva de petróleo e reservas de gás está injetando grande quantidade de carbono na atmosfera. Outras empresas têm lucrado fartamente com a conversão de florestas em áreas de pecuária ou sojicultura. Mas o País conhece de perto o paradoxo: muitas empresas brasileiras mostraram uma disposição de buscar a sustentabilidade com um zelo sem igual entre outros países em desenvolvimento. Vejamos o caso da Petrobras. Sua principal atividade pode ser fundamentalmente insustentável, mas a empresa é amplamente reconhecida como líder em se tratando de relatórios de sustentabilidade e boa governança. Seu relatório de responsabilidade social corporativa ficou entre os primeiros em um universo de 800 em uma pesquisa dos atores da indústria realizada pela Global Reporting Initiative (GRI). A empresa aparece em posição de destaque no Índice de Sustentabilidade Dow Jones, que rastreia o desempenho financeiro das principais empresas do mundo orientadas pelo princípio da sustentabilidade. A empresa até ganhou elogios da Transparency International. E ela não é a única. Ao todo, cerca de 27 empresas brasileiras protocolaram seus relatórios de sustentabilidade junto à GRI – um número impressionantemente alto. Dentre as nações BRIC comparáveis, a China tem apenas 8 empresas na lista, enquanto a Índia tem 11. Mesmo o Reino Unido possui um total de apenas 18 empresas na lista. O Brasil também tem seu próprio índice de empresas sustentáveis, ou Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). E a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) introduziu recentemente a lista Novo Mercado para empresas que voluntariamente se comprometem a atender às metas de governança corporativa e transparência além do mero cumprimento mínimo normativo. Um levantamento de 2008 feito pelos consultores da SustainAbility, intitulado The Road to Credibility (O Caminho para a Credibilidade), classificou as empresas brasileiras entre as líderes entre as economias emergentes em matéria de divulgação de dados corporativos sobre desempenho sustentável, embora tenha destacado as contínuas preocupações a respeito da falta de transparência em algumas áreas. Para Fernando Almeida, presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, nada disso é 26 Green Futures abril de 2010 surpresa. “As grandes corporações sabem que, além das questões éticas, quando a empresa atua com sustentabilidade, obtém uma melhor cobertura na mídia, torna-se mais eficiente e mais competitiva e seus clientes são mais fiéis. São muitas as vantagens, então elas percebem que o caminho para a sustentabilidade sempre é bom.” O fato de a economia ter saído rapidamente da recessão significa que muitas das principais empresas nacionais evitaram algumas das pressões de custo que arrocharam os orçamentos de sustentabilidade na Europa e nos EUA. Mas é na camada seguinte que talvez as verdadeiras inovações estejam acontecendo. Nenhuma empresa reflete isso melhor do que a Natura Cosméticos, uma empresa de venda direta de cosméticos e produtos de beleza que talvez seja a mais respeitada entre as empresas verdes do Brasil. Ela está no topo da lista que reúne todas as corporações brasileiras na pesquisa da SustainAbility (acima). Como sugere o seu nome, o foco da Natura incide irredutivelmente em ingredientes naturais, com uma família de produtos de higiene e beleza que contêm essências e óleos desde abacate ao maracujá. Foi a primeira empresa brasileira a utilizar embalagens com refil e se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 33% antes de 2011. A empresa eliminou testes com animais e retirou de seus produtos todos os ingredientes à base de petróleo e de origem animal. A Natura emprega um número impressionante de 800 mil funcionários – mais agentes de venda free lance, oferecendo-lhes treinamento básico para desenvolverem conhecimentos sobre o meio ambiente. Seus fornecedores e parceiros são contratualmente obrigados a manter os mesmos padrões elevados de responsabilidade ecológica e social adotados pela própria empresa. Tudo isso faz muito sentido do ponto de vista dos negócios, diz Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da Natura. “A sociedade prestará cada vez mais atenção a questões tais como o uso equilibrado dos recursos naturais, inclusão social e justiça social.” Esse enfoque parece ter servido muito bem à Natura. A empresa foi fundada como uma pequena firma em São Paulo em 1979, e cresceu a ponto de se tornar a maior empresa de cosméticos do Brasil, com ampla rede de agentes que vendem 740 produtos de porta em porta. Atualmente, tem atividades na Argentina, no Chile, na Colômbia, no México e no Peru. Cerca de 2 bilhões de reais do faturamento de 4,9 bilhões de reais da empresa em 2008 acabaram nos bolsos dos seus vendedores. www.greenfutures.org.uk SambaPhoto/Araquem Alcantara/Getty As empresas no Brasil estão surpreendentemente atentas para a sustentabilidade. Andrew Downie e Martin Wright descobrem por quê. Bancando o planeta Nada menos que quatro das sete empresas brasileiras que constam do Índice de Sustentabilidade Dow Jones (DJSI) são bancos. E isso não se deve ao fato de usarem papel reciclado ou lâmpadas de baixo consumo de energia, mas sim, às suas políticas de empréstimos. É essa, pelo menos, a visão dos funcionários do Itaú-Unibanco, entidade bancária formada no ano passado quando duas das maiores instituições financeiras brasileiras se fundiram. O Itaú-Unibanco valoriza o chamado “resultado tríplice” de critérios sociais, econômicos e ambientais. Assim, ao decidir a quem conceder crédito, o banco dá especial consideração às empresas que reduzem seu rastro de carbono e seus gastos de energia, empresas que reciclam, contratam minorias e investem no meio ambiente. O fato de observar esses princípios levou o Itaú a ser reconhecido como o Banco Mais Sustentável e Ético da América Latina pelos consultores da Management and Excellence. O banco também figura no Índice de Sustentabilidade Dow Jones há dez anos, mais tempo que qualquer outro banco brasileiro. Ambos os fatos são motivo de orgulho para o presidente do Itaú, Roberto Setubal. “O ranking confirma nosso trabalho em ampliar continuamente o valor que geramos para nossos investidores, acionistas e clientes”, declarou. Enquanto isso, em 2006, o Banco Real, uma subsidiária brasileira do Grupo Santander, tornou-se a primeira instituição financeira de uma economia emergente a ser nomeada vencedora geral do prêmio Sustainable Banking do Financial Times. Os juízes elogiaram sua “visão radical de sustentabilidade na América Latina: o banco acredita que uma instituição bancária só pode ser tão saudável quanto a sociedade a seu redor... Sustentabilidade”, disseram os juízes, utilizando um clichê, “está no seu DNA”. Deixando de lado a questão da constituição genética, não há qualquer dúvida de que, uma vez que as taxas de juro brasileiras estão entre as mais altas do mundo, os bancos brasileiros são absurdamente lucrativos. Eles podem usar bem esse dinheiro, disse Fernando Almeida, financiando tudo, desde reciclagem e regeneração de áreas verdes até empréstimos do tipo microcrédito para pessoas que vivem na “base da pirâmide.” resultados financeiros “A sustentabilidade e a responsabilidade social corporativa fazem parte do DNA da Natura”, diz Ana Luisa Almeida, diretora do Reputation Institute do Brasil. “Está na cadeia de valores de todos os seus produtos e no modo como a empresa lida com o consumidor. (A Natura) tem a responsabilidade escrita em toda a empresa.” Esses exemplos de sucesso nem sempre foram típicos em um país com a reputação de uma economia marcada por períodos alternados de crescimento e recessão. O Brasil cresceu rapidamente durante a maior parte do século XX, mas foi afetado adversamente pelos choques do petróleo e pela má gestão fiscal na década de 1970. E, na década de 1980, a década perdida da América Latina, o País estava atolado em dívidas. As coisas melhoraram na década de 1990, mas o período ainda se caracterizou por rápidas fases de crescimento, seguidas por declínios acentuados. Entretanto, essa incerteza teve a vantagem de forçar os brasileiros a se tornarem criativos na busca e identificação de soluções para problemas do dia a dia. Outro exemplo típico é a reciclagem. Os brasileiros estão entre os recicladores mais assíduos do mundo. Em garrafas plásticas, por exemplo, somente o Japão recicla mais do que o Brasil. Os japoneses reciclam quase dois terços de todas as suas garrafas PET, em comparação com pouco mais da metade disso no Brasil, que está à frente da Europa e dos Estados Unidos. No alumínio, também, o Brasil está à frente, reciclando 96,5% de todas as latas vendidas – em 2007, chegouse ao número impressionante de 11,9 bilhões, o equivalente a 1,4 milhão por hora. O mesmo acontece com o vidro e o aço. As empresas inteligentes aproveitaram esse entusiasmo e criaram um modelo de negócios inovador a partir dele. A empresa de eletricidade Ecoelce, sediada em Fortaleza, é uma delas. A Ecoelce permite que os moradores troquem produtos reciclados por créditos em dedutíveis de suas contas de eletricidade. Os cidadãos de Fortaleza e de outros sete municípios vizinhos separam seu lixo e entregam tudo para reciclagem, desde garrafas plásticas e papel até latas de óleo de cozinha. Cada quilo ou litro valem um preço definido nos pontos de coleta especiais montados em toda a região e este é registrado em um cartão de crédito emitido pela Ecoelce. Os cidadãos também podem obter cartões em nome de instituições beneficentes ou serviços comunitários tais como creches. No fim do mês, o valor registrado é subtraído da conta de eletricidade. Promessa de protocolo Para as 30 empresas que, juntas, são responsáveis por 20% das emissões comerciais de CO2 do País, o Protocolo de Gases de Efeito Estufa do Brasil é uma oportunidade para as empresas mostrarem sua determinação e seriedade em medir, relatar e limpar suas ações. Lançado em maio de 2008, o Protocolo torna o Brasil o terceiro país, após México e Filipinas, a desenvolver um sistema de contabilização de emissões com base no modelo desenvolvido pelo World Resources Institute. Petrobras, Ford Brasil, Walmart Brasil e Whirlpool estão entre as primeiras companhias a aderir ao esquema. Ao todo, 27 empresas brasileiras atualmente registram suas emissões anuais em preparação para uma legislação futura. – Ben Tuxworth Cerca de 160 mil pessoas aderiram à proposta, diz Odailton Arruda, gestor do programa. “As pessoas das classes média e trabalhadora podem pagar todas as suas contas dessa forma e as das classes mais altas usam o esquema porque querem fazer algo pelo meio ambiente e ajudar as instituições filantrópicas a pagar suas contas.” Em menos de três anos, o esquema recebeu 575 toneladas de papel, 520 toneladas de metal, 234 toneladas de vidro e 217 toneladas de plástico. Embora ainda com pouco tempo de existência, já é autossustentável. “Hoje, não ganhamos nem perdemos dinheiro com o esquema”, diz Arruda. Quando se leva em conta que os governos de outros países desenvolvidos constantemente se queixam do custo da reciclagem, esta experiência é uma grande conquista. E também uma homenagem, ao seu próprio modo, à iniciativa empresarial brasileira. Green Futures abril de 2010 27 Futuros na O amontoamento colorido de habitações improvisadas sobre as encostas dos morros do Rio de Janeiro é um símbolo da cidade tanto quanto o Cristo Redentor ou a praia de Copacabana. Com seu nome derivado de um arbusto resistente encontrado nos sertões inóspitos do Nordeste, as favelas abrigam as comunidades mais pobres da cidade desde o fim do século XIX e atualmente chegam a 1.020 só no Rio. As relações entre as autoridades municipais e as comunidades vibrantes das favelas sempre foram tensas, onde as autoridades em geral se mostraram relutantes em reconhecer o benefício econômico que seus moradores trazem para a cidade por meio de serviços mal remunerados. Mas, embora contidas pelos rótulos de pobreza e violência, as favelas abrigam uma população que tem aspirações e está pronta a assumir o seu lugar na sociedade. Iniciativas destinadas a integrar as favelas à cidade são um passo indispensável em direção a um Rio sustentável, e empresas de mentalidade progressista estão começando a acordar para essa realidade. As empresas de telefonia móvel e computação situam-se entre as que estão assumindo a liderança. Muitas das favelas agora dispõem 28 Green Futures abril de 2010 de acesso wifi gratuito e os moradores estão usando a tecnologia a seu favor. Uma organização sem fins lucrativos chamada Rede Jovem recrutou cinco rapazes para registrar e nomear as ruas, as lojas e os pontos de encontro não mapeados de cinco favelas. O projeto é financiado por um instituto de pesquisa que pertence à Oi, a maior operadora de telefonia do País. “As pessoas pensam que não existe outra coisa aqui além da violência”, diz Aline dos Santos Silva, uma “wikireporter” da favela Pavão-Pavãozinho. “Mas eu quero mostrar a elas! As favelas são acima de tudo lugares de vida, de encontros e reuniões.” Recados truncados As favelas também têm outras vantagens. Para muitos, elas oferecem a opção de habitação de custo mais baixo atualmente disponível. E a localização central de favelas como a Rocinha alivia o sistema de transporte público altamente congestionado. Mas, enquanto as empresas estão reconhecendo o potencial das favelas, o Estado manda um recado bem diferente. Em 2009, viu o início da construção de uma barreira de concreto de 3 metros de altura ao redor de 11 favelas do Rio. As autoridades www.greenfutures.org.uk South American Pictures/Tony Morrison É hora de tornar as favelas do Rio parte integral do seu sucesso, diz Damian Platt ackermann/istock favela argumentam que o muro ajudará a polícia a combater as gangues violentas do tráfico de drogas e que protegerá os contornos da Mata Atlântica que margeia a cidade do desmatamento por causa dos assentamentos em expansão. Para muitos moradores, porém, o muro significa mais rejeição e segregação, incitando comparações com o tão criticado “muro de segurança” em Israel. Segundo o jornal O Globo, mais de 500 casas serão destruídas para ceder espaço para um muro na zona sul do Rio. A construção do muro foi planejada para coincidir com programas de investimento social destinados aos moradores das favelas, tais como programas de microcrédito para pequenas empresas. Embora muitos se refiram a esses programas como tentativas céticas de conquistar a população local, eles também sugerem que o governo estadual está começando a reconhecer o valor social e econômico em potencial das favelas e a investir no seu futuro. Talvez agora seja necessário que o governo as tranquilize de que não está procurando isolar as favelas do futuro do Rio. Fauna e ecotrilhas Na encosta acima do bairro praiano do Leme, no Rio de Janeiro, com vista para o oceano e do outro lado da montanha do Pão de Açúcar, fica a favela de Babilônia, que abriga 4 mil moradores. Observadores de pássaros podem contemplar espécies raras, inclusive o tucano e a jacupemba, e “ecotrilhas” bem projetadas permitem que os turistas tenham uma visão de perto das maravilhas naturais, sem qualquer ameaça à fauna. Nem sempre as coisas foram tão idílicas. Para abrir espaço para assentamentos informais nas encostas das montanhas, tais como a favela da Babilônia, o desmatamento causou uma grave erosão, deixando a cidade vulnerável a deslizamentos de terra. Mas, em 2001, um grupo de moradores montou a CoopBabilônia, a Cooperativa para o Reflorestamento da favela Babilônia. Com apoio financeiro do shopping Rio Sul, um dos maiores da cidade, a cooperativa emprega 23 funcionários que limpam as ervas daninhas e o mato das áreas e replantam espécies nativas da floresta tropical usando ferramentas fornecidas pela prefeitura. E já começou a se estabelecer como uma empresa, prestando serviços técnicos a clientes tanto públicos quanto privados e elaborando projetos ambientais. Recentemente, a CoopBabilônia começou a estimular o ecoturismo, organizando caminhadas abertas ao público três vezes por ano. O projeto e a manutenção das “ecotrilhas” também têm servido como meio de definir e proteger os limites das APAs (Áreas de Preservação Ambiental), com o objetivo específico de monitorar projetos de construção irregular. A CoopBabilônia também participou da construção de um dos primeiros telhados verdes do Rio. A água da chuva naturalmente filtrada é captada para uso na escola – um benefício bem-vindo na favela Babilônia, onde é frequente a escassez de água. Para Carlos Antônio Pereira, fundador do projeto, esse tipo de recompensa é mesmo de se esperar: “Quanto mais se investe em uma comunidade e em seus trabalhadores, tanto mais benefícios são colhidos para toda a cidade”. – Damian Platt Damian Platt é escritor e ativista cultural e vive no Rio de Janeiro. Green Futures abril de 2010 29 De retalhos às riquezas P ERGUNTA: Que resultado você obtém se juntar alguns retalhos velhos e uma cooperativa em uma favela? Resposta: Uma grife de escala comercial que enfeitou as páginas da revista Vogue 30 Green Futures abril de 2010 Do lixo para o luxo da moda de produção. Elas podem optar por trabalhar em casa, o que é indispensável, uma vez que a maioria tem crianças para cuidar. Cada uma das mulheres é remunerada com base no número de peças confeccionadas e a única exigência é que elas cumpram suas próprias metas. “A Coopa-Roca permite que as mulheres realizem seu potencial”, diz Maria Teresa Leal. “Elas podem ganhar dinheiro sem abandonar seus lares ou suas crianças.” Em alguns aspectos, a Coopa-Roca é uma exceção. A indústria de moda no Brasil movimenta 18,9 bilhões de libras por ano, e continua crescendo. Boa parte desses negócios é voltada para o fornecimento de roupas baratas, onde pouca ou nenhuma consideração é dada a questões de sustentabilidade. Mas algumas empresas estão buscando meios mais inovadores de conceber e projetar a moda do futuro. Uma dessas empresas é a E-Fabrics, uma colaboração entre a marca brasileira Osklen e a E-brigade, uma rede de lojas de varejo que comercializa produtos brasileiros sustentáveis no exterior. A E-Fabrics utiliza somente materiais provenientes do comércio justo ou materiais reciclados, inclusive borracha da Amazônia, algodão tratado que ganha a qualidade de couro, mas não envolve produtos animais, e até pele de (peixe) dourado e sapo. E não se trata apenas de roupas. A marca brasileira Melissa produz calçados estilizados a partir de plásticos reciclados, inclusive do estoque não vendido do ano passado. Após um volume de vendas de mais de 25 milhões de pares de calçados em todo o mundo, a empresa estabeleceu colaborações de destaque com a estilista britânica Vivienne Westwood e o renomado arquiteto iraquiano Zaha Hadid. – Andrew Downie e Anna May Shamoon www.greenfutures.org.uk Stephanie Maze/Contributor/Getty. Paulo Whitaker/Corbis Pelo menos seria essa a resposta se você for a socióloga carioca Maria Teresa Leal. Na década de 1980, Maria Teresa encontrou um potencial inexplorado nas mulheres da Rocinha, uma das favelas espraiadas do Rio de Janeiro, pendurada no alto dos montes da cidade. Ela viu que as mulheres reciclavam regularmente retalhos de roupa para vestir seus filhos e pensou que poderiam ganhar a vida com suas habilidades sem ter de comprometer suas tarefas domésticas. Recorrendo ao amor correspondido das mulheres pela moda, Maria Teresa conseguiu reuni-las em uma cooperativa de confecção – e assim nasceu a Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha, ou simplesmente Coopa-Roca. Ela convenceu as empresas têxteis a doar seus restos de tecidos não utilizados e capacitou as mulheres em técnicas tais como fuxico (bordado com pedaços de tecido), crochê e costura com retalhos do tipo patchwork, tudo isso usando material reciclado. Entretanto, o resultado das tentativas das mulheres de desenhar modelos estilizados não se mostrou tão brilhante quanto seus trabalhos como costureiras, então elas se concentraram em imprimir sua marca nas peças de outras pessoas. Assim, elas fazem crochê, tricô, juntam e costuram peças e dão o seu próprio toque, que inclui pompons, babados, lantejoulas e outros acessórios. A simples qualidade das peças acabadas alterou profundamente as noções ultrapassadas de que o trabalho das favelas sempre é de baixo padrão. Com 30 anos de existência, a Coopa-Roca conquistou reputação em todo o mundo por seu trabalho de confecção e habilidade manual, com uma lista de clientes que inclui designers internacionalmente conhecidos, tais como Paul Smith, Todd Boontje e Carlos Miele. As mulheres da Coopa-Roca fizeram crochê para a capa do conjunto de 28 CDs de Gilberto Gil e deram os toques finais nas lingeries Agent Provocateur. Em 2009, elas assinaram seu maior contrato de todos os tempos: para confeccionar centenas das camisas polo Lacoste de uma edição limitada. O negócio permitirá que a Coopa-Roca dobre sua força de trabalho para mais de 200 costureiras em tempo integral ou parcial. “É uma grande expansão para nós”, diz Maria Teresa. Embora ela seja o cérebro por trás da organização, a CoopaRoca mantém-se fiel às suas origens cooperativas e as mulheres votam em todas as grandes decisões e definem suas próprias metas Salve a floresta: A imagem do Brasil como terra de sensualidade e descontração poderia ser aproveitada para ajudar a salvar a Amazônia, diz o escritor Conor Foley Gustavo Gilabert/Corbis. Damian Palus/istock A familiar e redução da pobreza. Quando o papa Bento XVI visitou reputação do Brasil como um “país sexy” o Brasil há dois anos, o presidente Lula aproveitou a oportunidade remonta à importante obra de Gilberto Freyre, que para falar franca e firmemente a favor da educação sexual e do escreveu um relato um tanto idealizado de como o fornecimento adequado de anticoncepcionais para adolescentes. passado sensual e promíscuo do País havia produzido Em 2008, o governo anunciou o início de um novo programa uma bela população inter-racial. Apesar de os níveis atuais de destinado a produzir preservativos usando borracha ambientalmente desigualdade e violência serem chocantes a ponto de refutarem sustentável, o que diminuirá a dependência do País de meios frontalmente sua tese central de uma “democracia racial”, a imagem contraceptivos importados, proporcionará empregos à população de um “Brasil sexy” continua viva. Ela existe no famoso carnaval local e ajudará a preservar a maior floresta do Rio, nos belos corpos de fio-dental que Eles estão lhe dando proteção tropical úmida do mundo. O governo abriu embelezam suas praias e – de um modo mais uma nova fábrica, localizada no estado sombrio – como um dos países com as maiores do Acre, no Norte do País, que produzirá indústrias de prostituição e tráfico sexual. 100 milhões de preservativos por ano. O Mas o Brasil também realizou uma látex vem da reserva Chico Mendes, assim campanha de combate ao HIV/Aids altamente denominada em homenagem ao célebre efetiva, à qual se atribui amplamente o crédito de conservacionista e seringueiro morto por ter prevenido o tipo de epidemia que devastou pecuaristas em 1988. outros países em desenvolvimento. O País A extração do látex há muito tem teve êxito, apesar da ira da Igreja Católica, do sido um meio de vida tradicional para governo americano anterior – que condicionou muitas pessoas na Amazônia. É uma atividade sustentável porque o financiamento para saúde à assinatura, pelos países recebedores, de não mata as árvores, mas a borracha é mais cara do que produtos “compromissos de moralidade” –, bem como das grandes empresas sintéticos à base de petróleo, que pressionaram os preços para baixo e farmacêuticas, cujas patentes o Brasil desafiou, a fim de diminuir o eliminaram a fonte de renda dos seringueiros. Por contraste, o projeto custo de medicamentos antiretrovirais. Mesmo diante de tantas críticas, de fabricação de preservativos é sustentável tanto ambiental quanto as autoridades brasileiras se recusaram a mudar sua abordagem, economicamente. O projeto proporcionará renda para cerca de 550 argumentando que uma parte fundamental de seu sucesso se deve ao famílias e reduzirá os incentivos ao desmatamento. O governo afirma fato de lidar com grupos de alto risco de modo aberto e receptivo. que os preservativos são os únicos no mundo feitos de látex colhido de O diretor do Programa de Aids do Brasil ficou famoso por uma floresta tropical. rejeitar as restrições do governo americano como Projetos semelhantes também estão sendo “teológicas, fundamentalistas e xiitas”. desenvolvidos para a produção e comercialização de bolsas O governo brasileiro é o maior e carteiras feitas de borracha sustentável. A Treetap, comprador de preservativos do mundo, por exemplo, patenteou um tipo de borracha, que a importando cerca de 1 bilhão por ano. empresa vende com sua própria marca, certificando O uso de preservativos é promovido por que seus produtos são fabricados de borracha meio de anúncios de grande visibilidade natural e com base no comércio justo. A empresa e uma série de pontos de distribuição, colocou a preservação da floresta tropical úmida tendo como alvo os grupos de alto no centro de seu plano de negócios e trabalha risco. Mais recentemente, o governo em estreita articulação com a Associação de começou a incluir preservativos na Seringueiros fundada por Chico Mendes. cesta básica de bens que distribui “Brasil Sexy” já é uma marca estabelecida e, se o gratuitamente a famílias de baixa renda projeto de fabricação sustentável de preservativos do como parte de sua estratégia de combate à governo for bem-sucedido internamente, então eles fome. Isso atende a um propósito duplo, uma poderão se tornar um produto para exportação. vez que existe um claro vínculo entre planejamento Green Futures abril de 2010 31 BP Biofuels: www.bp.com/biofuels Defra: www.defra.gov.uk Unilever: www.unilever.com WWF: www.wwf.org.uk, www.wwf.org.br Editorial: Anna Simpson, Martin Wright Editor-chefe: Ben Tuxworth Consultor Editorial (Brasil): Conor Foley Produção: Katie Shaw Projeto: Jenny Searle Associates Tradução: Paulo Liégio, Interlinguae Publicado em abril de 2010 © Green Futures 2010 Instituição beneficente registrada sob nº 1.040.519 Company nº 2.959.712 VAT reg nº 677 7475 70 Green Futures é uma revista líder mundial em soluções ambientais e futuros sustentáveis. Fundada por Jonathon Porritt, é publicada pelo Fórum para o Futuro, que trabalha com líderes empresariais e governamentais a fim de criar um mundo verde, justo e próspero. www.greenfutures.org.uk www.forumforthefuture.org Assine Green Futures Mantenha-se atualizado com as últimas notícias e o debate sobre como efetuar a mudança para a sustentabilidade, em meio impresso e on-line, assinando Green Futures: www.greenfutures.org.uk/subscriptions ou entre diretamente em contato com nossa equipe de assinaturas: +44 1223 564334 Faça seu pedido de Sol e Sombra pela internet. Para encomendar mais exemplares de Sol e Sombra ou para baixar uma versão em PDF, acesse: www.greenfutures.org.uk/solesombra Gostaríamos de receber seus comentários sobre Sol e Sombra. Queira por gentileza enviar um e-mail para a nossa equipe editorial: [email protected] A Green Futures orgulha-se de sua independência editorial. 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