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Sumário
Repelente
Doença de Chagas
No centenário da descoberta da doença,
pesquisadores falam sobre os avanços no
diagnóstico, controle e tratamento, além
dos desafios que ainda persistem para sua
erradicação.
Trabalho que envolveu professores, estudantes e agricultores de Caratinga (MG), resulta em fórmula de repelente contra a mosca
branca, principal praga do tomateiro.
32
6
Leishmaniose
Grupo interinstitucional estuda como
a doença se manifesta e desenvolve em
cães, principal hospedeiro do parasita, e
investiga formas de estabelecer um controle eficaz da epidemia.
Suinocultura
Com recursos do Pappe, empresa da Zona
da Mata mineira desenvolve um sistema
ecológico integrado de tratamento de
águas residuárias da suinocultura, atividade
com alto impacto ambiental.
36
12
Própolis
Trabalho aponta eficácia da própolis no
tratamento de cáries e outras doenças
bucais e abre caminho para o desenvolvimento de novos produtos a base da substância.
Singema
Tecnologia de produção e tratamento de
gemas de quartzo resulta em produtos
com alto valor agregado e maior competitividade das empresas mineiras nesse
mercado.
39
16
Anemia
Redes neurais
Pesquisa investiga os sistemas ópticos
inteligentes, capazes de detectar e corrigir, em tempo real, imperfeições em um
sistema óptico, como o telescópio ou o
próprio olho humano.
20
Eucalipto
Trabalhos desenvolvidos na Ufla analisam
a aplicação e a resistência da madeira de
eucalipto e de seus resíduos para finalidades alternativas, como a produção de
pisos ou o artesanato.
Acervos paroquiais
Projeto reúne e digitaliza acervos de 23
paróquias pertencentes à Arquidiocese de
Belo Horizonte com o objetivo de facilitar
o acesso e incentivar pesquisas.
24
Lembra dessa?
Alunos da Fundação Educacional de Montes Claros dão continuidade ao projeto
que prevê a análise de bactérias e fungos
presentes nas escovas dentais.
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Metodologia desenvolvida por pesquisadores da Hemominas permite o diagnóstico da alfa-talassemia, um tipo de anemia
hereditária, e o aconselhamento genético
dos pacientes.
42
44
Especial
Ainda em 2009, começarão a funcionar em
Minas Gerais os 13 Institutos de Ciência
e Tecnologia aprovados no edital conjunto
do CNPq e das Fundações de Amparo à
Pesquisa.
46
Cientistas brasileiros
Túnel de vento
Equipamento instalado na UFMG, o único
de Minas Gerais, permitirá a realização de
testes e o estudo dos efeitos do movimento do ar em equipamentos e produtos.
Confira entrevista com José Israel Vargas,
pesquisador que ocupou diversos cargos importantes no país e no exterior e contribuiu
para definir a política científica brasileira.
29
50
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica
e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte.
Ao leitor
Expediente
MINAS FAZ CIÊNCIA
Assessora de Comunicação Social e Editora:
Vanessa Fagundes (MG-07453/JP)
Redação: Vanessa Fagundes, Ariadne Lima
(MG-09211/JP), Patrícia Teixeira), Juliana Saragá
e Raquel Emanuelle Dores (estagiárias)
Colaboração: Guilherme Amorim e Virgínia
Fonseca
Ilustrações: Bruno Vieira
Revisão: Aline Luz
Projeto gráfico/Editoração: Fazenda
Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Lastro Editora
Tiragem: 15.000 exemplares
Fotos: Lucas Prates, Marcelo Focado e Thaiane
Andrade
Agradecimentos - Agradecemos a todos os
colaboradores desta publicação
Redação - Rua Raul Pompeia, 101 - 11.º andar
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Capa: Minas de olho no céu
Foto: www.sxc.hu
set. a nov./2008
GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Aécio Neves
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Alberto Duque Portugal
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor Científico: José Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e
Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador:
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Anna Bárbara de Freitas Proietti
Evaldo Ferreira Vilela
Francisco Sales Horta
Giana Marcellini
João Francisco de Abreu
José Cláudio Junqueira Ribeiro
José Luiz Resende Pereira
Magno Antônio Patto Ramalho
Paulo César Gonçalves de Almeida
Valder Steffen Júnior
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Em abril de 1909, o pesquisador mineiro Carlos Chagas anunciou ao mundo a descoberta de uma nova doença humana. A partir de observações e
estudos realizados na cidade de Lassance, no Norte de Minas Gerais, ele
identificou não apenas uma nova moléstia, mas também o seu agente (o protozoário Tripanossoma cruzi) e o seu vetor (o barbeiro). A “tripla descoberta”
de Chagas é considerada um marco na história da ciência e da saúde brasileiras.
Hoje, um século depois sua identificação, a doença de Chagas permanece
como um grave problema de saúde pública. Pelo menos dezoito países são
considerados endêmicos, sendo a América Latina a região mais afetada. No
Brasil, a enfermidade é a quarta causa de morte entre as doenças infecto-parasitárias e cerca de três milhões de pessoas estão contaminadas. O tratamento
evoluiu pouco e causam preocupação as novas formas de transmissão da doença, como os casos registrados em 2008 no Pará de transmissão via oral.
Para esta edição, a MINAS FAZ CIÊNCIA preparou uma grande reportagem sobre os avanços e os desafios para o controle efetivo da doença
de Chagas. A equipe pesquisou textos históricos, buscou dados e consultou
especialistas de diferentes centros de pesquisa para construir o cenário atual
da área. Encontrou trabalhos de ponta, necessidades urgentes e denúncias,
como a crescente diminuição de prioridade desta doença para o governo e
as faculdades de medicina.
Este número traz também reportagem sobre um trabalho desenvolvido
na cidade de Caratinga (MG), que reúne todas as etapas do desenvolvimento
científico. Um professor rural, uma professora universitária e um grupo de
alunos empreendedores desenvolveram uma fórmula para combater a mosca
branca, principal praga da cultura do tomate. O inseticida natural, que não
prejudica o meio ambiente, rendeu à equipe a patente do produto que, em
breve, deve começar a ser comercializado.
A criatividade e o cuidado com a natureza também são características de
dois projetos desenvolvidos na Universidade Federal de Lavras, que buscam
aproveitar os rejeitos da madeira de eucalipto. Os estudos mostram que ela,
até então considerada uma madeira de qualidade inferior, pode ser usada para
a confecção de pisos e objetos artesanais, sem dever em nada nos quesitos
resistência e durabilidade. Além de diminuir o volume de material descartado,
os usos alternativos funcionam como fonte de renda para diversas famílias.
Não deixe de conferir, ainda, o trabalho de um grupo interinstitucional
para controle da leishmaniose canina. Hoje, para evitar que a contaminação
de humanos, uma das medidas adotadas pelos órgãos de vigilância sanitária
é o extermínio dos cães contaminados, principal reservatório da doença.
A equipe realiza diversas pesquisas a fim de conhecer melhor o parasita e
desenvolver uma vacina eficaz, capaz de imunizar os animais e eliminar a
transmissão da doença. Leia também as reportagens sobre o primeiro túnel
de vento de Minas Gerais, as possibilidades abertas pela pesquisa com redes
neurais e as vantagens da tecnologia para obtenção de quartzos coloridos em
laboratório, mais valorizados no mercado.
Por fim, uma novidade. A seção “Quem foi?” dá lugar à “Cientistas brasileiros”. Com isso, além das biografias de importantes pesquisadores, serão
publicadas também pequenas entrevistas com pessoas que ajudaram (e ainda
ajudam) a escrever a história da ciência e tecnologia brasileiras. O escolhido
para o primeiro número é o professor José Israel Vargas, químico, pesquisador na área de energia nuclear, ex-secretário de ciência e tecnologia de Minas
Gerais e ex-ministro de C&T nas gestões de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. A partir da experiência obtida em décadas de atuação na área,
ele dá sua opinião sobre os rumos atuais da ciência e tecnologia.
Boa leitura!
Vanessa Fagundes
Editora
Cartas
educação, procurando sempre informar aos
leitores sobre diversos assuntos. Mais uma vez
agradeço e espero continuar recebendo essa
maravilhosa revista.”
Luiz Fabiano Alves de Assunção
Pedro Leopoldo/MG
“Olá! Sou acadêmica do curso de Fisioterapia do Uniceuma. Ganhei uma revista MINAS
FAZ CIÊNCIA e gostei muito. As matérias são
bem ecléticas e fiquei bastante interessada
em recebê-la.
Gostaria de parabenizá-los pelo elevado
padrão das matérias publicadas. Aguardo
ansiosa!”
Pollyana Ferreira
Estudante/ Uniceuma
São Luís/MA
Publicação trimestral da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais - FAPEMIG
nº 35 - set. a nov. / 2008
MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as cartas enviadas à Redação podem ou não ser
publicadas e, ainda, que se reserva o direito de editá-las, buscando não alterar o teor
e preservar a idéia geral do texto.
“Recentemente, tive o prazer de conhecer
a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Fiquei admirada pela qualidade técnica e pelo conteúdo geral informativo de suas publicações.
As matérias têm uma linguagem acessível,
são muito bem ilustradas e abordam várias áreas do conhecimento. Devo dizer
que estou encantada com o material que
é de grande ajuda para os estudantes e
a população de modo geral. Gostaria de
parabenizá-los pelo belíssimo trabalho.”
Dayse Lorena Fiuza Vieira
[email protected]
“Gostaria de parabenizar primeiramente
por essa imensa contribuição que vocês
da revista MINAS FAZ CIÊNCIA têm dado
a mim e a minha família, pois já recebo
a publicação em casa há um bom tempo.
Todos nós lemos e adoramos os conteúdos
sempre muito bem editados. Esperamos
que continuem com esse trabalho rico em
“Sou acadêmico do curso de Agronomia, regularmente matriculado no último ano. Tive a
oportunidade de ler a revista MINAS FAZ CIÊNCIA e de imediato gostei dos artigos publicados. Durante a graduação, sempre realizei
projetos de iniciação científica com os grupos
de pesquisa da Universidade e, por esse motivo, gostaria de receber a revista, que será de
grande importância para a minha formação
profissional.”
Daniel Luiz Moura de Souza
Estudante de Agronomia / Universidade
Estadual de Goiás
Pirenópolis/GO
pesquisadores possam conhecer o que as
instituições estão fazendo. Mais uma vez,
parabéns a todos!”
Michelle Faria Alves
Mestranda em Ciências Veterinárias/ Universidade Federal de Lavras (Ufla)
Lavras/MG
“Gostaria de enviar meus cumprimentos
a toda a equipe da publicação MINAS
FAZ CIÊNCIA. Tive a honra de receber um
exemplar e pude constatar o alto grau das
pesquisas cientificas de Minas, fato que julgo ser de extrema importância para jovens
que, assim como eu, são novatos na academia. Dessa forma, tomamos conhecimento
de temas de relevância na atualidade, o
que é essencial a nós que almejamos ser
futuros pesquisadores.”
Gustavo Simão
Estudante /Universidade Federal de Viçosa
Viçosa/MG
“Com prazer, recebi a revista MINAS FAZ
CIÊNCIA. Na condição de mineiro, hoje aposentado e residente em Brasília (DF), tenho
desenvolvido alguns trabalhos de pesquisa,
podendo assim afirmar o quanto me agradam os assuntos abordados pela revista. Espero continuar a ter o privilégio de ser um
dos leitores de tão importante publicação.”
Rubens José de Sant’Anna
Engenheiro
Brasília / DF
“A cada nova edição a MINAS FAZ CIÊNCIA
me impressiona ainda mais. Matérias que têm
me ajudado bastante no curso de Química.
Mesmo morando no interior da Bahia, sempre
recebo minha revista. Parabéns a todos que
tornam concreta cada edição.”
Ricardo Alexandrino
Estudante
Itabuna / BA
“Quero agradecer ao pessoal da MINAS FAZ
CIÊNCIA pelas excelentes revistas que venho
recebendo desde 2006 e também parabenizar pelo riquíssimo trabalho que é feito e
pelas fantásticas matérias publicadas!”
Elaine Cristina de Oliveira
Professora de Biologia
Manhuaçu/MG
“Primeiramente, gostaria de parabenizar toda
a equipe da revista MINAS FAZ CIÊNCIA pela
excelente revista. Comecei a recebê-la durante a minha graduação em Ciências Biológicas
e foram inúmeras vezes em que ela me ajudou em trabalhos na universidade. Hoje, como
pesquisadora, vejo a importância do apoio da
FAPEMIG aos projetos desenvolvidos em nosso
Estado e à divulgação destes para que outros
“Tive hoje a oportunidade de conhecer
essa revista que, por coincidência, será de
uma grande utilidade para minha filha, que
iniciou essa semana um curso técnico de
Biotecnologia. Mesmo conhecendo agora,
já se nota que é uma revista de qualidade,
abrangendo assuntos muito interessantes.”
Tânya Regina C. Reis
Belo Horizonte / MG
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo,
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
5
Especial
anos
depois...
Cem
Após um século
da descoberta,
doença de
Chagas ainda
é problema de
saúde pública
no Brasil
Em 1895, o mineiro Carlos Ribeiro
Justiniano Chagas contrariou os desejos de sua mãe e abandonou a escola
preparatória de engenharia para estudar medicina. Com certeza, Mariana
Cândida Ribeiro Chagas não poderia
imaginar que o filho realizaria uma
descoberta que significou, segundo
pesquisadores contemporâneos, um
“mito glorificador da ciência brasileira”, tornando-o um dos pesquisadores
mais importantes da história.
A “tripla” descoberta de Chagas é
considerada única na história da medicina: o mesmo pesquisador, em um curto período de tempo, descreveu uma
nova doença infecciosa, descobriu seu
agente etiológico (Trypanosoma cruzi)
e caracterizou toda sua história natural, inclusive com a identificação do
vetor (barbeiro) e dos reservatórios
silvestres. O feito constitui um marco
da ciência e da saúde brasileiras.
“Carlos Chagas contribuiu fortemente para o desenvolvimento dos
estudos da doença nos primeiros
vinte anos da descoberta, sendo o
seu principal articulador, promotor
e incentivador. Foi um pesquisador à
frente de seu tempo e não ficou só no
laboratório. Convocou a sociedade, as
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
autoridades sanitárias e a Presidência
da República para enfrentar o problema”, relata o médico e pesquisador
João Carlos Pinto Dias, que atua na
área de epidemiologia, clínica e controle da doença de Chagas no Centro
de Pesquisas René Rachou (CPqRR)
e também é membro do Comitê de
Doenças Parasitárias da Organização
Mundial da Saúde (OMS).
A investigação de Chagas começou
em 1908 e, já em 1911, o cientista tinha claros todos os aspectos da doença, inclusive a questão social. Segundo
Carlos Dias, este fato representou a
capacidade de um país, recém saído de
um império, de dar passos importantes
na ciência. “Chagas fazia ciência voltada
para o bem comum, para a coletividade
e o progresso do país”, completa.
Para ele, podemos atribuir o feito
a três capítulos fundamentais na vida
do autor da descoberta: primeiro, o
Carlos Chagas pesquisador, que soube
identificar, investigar e entender todo
o ciclo do parasita. Segundo, o Carlos
Chagas médico, que soube entender a
doença, seus aspectos clínicos e o paciente. E, por último, o Carlos Chagas
cidadão. “Um homem que proclamou
o controle da doença como seu maior
sonho. Antes de morrer, ele falava aos
seus assistentes que o principal objetivo não era promover estudos profundos, mas sim acabar com a enfermidade”, relata.
Dias fala não somente como um
dos maiores especialistas na área, mas
também como filho de um dos principais assistentes de Chagas. Seu pai, o
médico Emmanuel Dias, sobrinho de
Oswaldo Cruz e afilhado de Carlos
Chagas, foi um importante pesquisador no reconhecimento e controle da
doença de Chagas. De seu trabalho resultaram programas nacionais e regionais que reduziram significativamente
a transmissão da doença.
Este ano, estão previstas várias
atividades em comemoração ao centenário. Entre elas, vários seminários e
o Simpósio Internacional sobre a Doença de Chagas, que vai reunir especialistas do mundo inteiro. Para mais
informações sobre a doença e as atividades que acontecerão durante este
ano, dois sites foram disponibilizados
pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): http://www.fiocruz.br/chagas e
http://www.fiocruz.br/chagas100.
Prevalência
A doença de Chagas crônica voltou realmente a ser pesquisada na
segunda metade dos anos 1940, a partir de trabalhos na zona endêmica de
Bambuí realizados por Emmanuel Dias
e colaboradores. Eles re-estudaram
e sistematizaram a cardiopatia crônica chagásica, tendo sido fundamental,
para tanto, um preciso diagnóstico sorológico.
Foi clássico o primeiro inquérito
de larga escala realizado no início dos
anos sessenta, em Minas Gerais. Uma
extensa investigação sorológica escolar evidenciava importantes taxas de
transmissão da doença.A ela, seguiramse trabalhos similares em São Paulo,
Nordeste, Rio Grande do Sul, Goiás,
Rio de Janeiro e, mais tarde, no Nordeste e no Centro-Oeste. Mais tarde,
investigações sistemáticas em Bambuí
e São Paulo foram usadas pela primeira
vez para medir o impacto de ações de
controle, uma estratégia também aplicada na Venezuela e na Argentina.
Com base nas evidências acumuladas, em meados de 1970, um grupo de cientistas e sanitaristas, com o
apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Saúde
e da Universidade de São Paulo, entendendo ser altamente oportuna a
realização de uma ampla pesquisa da
tripanossomíase no Brasil, planejou e
executou o Primeiro Inquérito Nacional de Prevalência (INP) que teve papel fundamental para a priorização do
controle da endemia em nosso país.
A efetivação do INP resultou de
uma progressiva articulação da comunidade científica brasileira com as
autoridades sanitárias durante os anos
1970. A doença de Chagas foi colocada
na agenda das instituições, em termos
de congressos, reuniões técnicas, incentivo à pesquisa e publicações. Os
resultados gerais do Inquérito foram
amplamente divulgados. Estimou-se
para a população geral rural brasileira
uma prevalência global de 4,2% de infecção pelo T. cruzi, com maiores taxas
de prevalência em Minas Gerais e Rio
Grande do Sul , seguido de Goiás, Distrito Federal e Sergipe.
Nos anos 1980, havia cerca de
cinco milhões de chagásicos no Brasil
com 100 mil casos novos a cada ano.
Nessa época, o Ministério da Saúde,
em decorrência do Primeiro Inquérito Nacional, priorizou o controle do
transmissor e um intenso trabalho foi
feito. Em 2006, quase 100 anos depois
da descoberta da doença, o projeto de
Emmanuel Dias, que era o mesmo de
Carlos Chagas, alcançou seus objetivos com a certificação, pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), da
interrupção da transmissão pelo Triatoma infestans no Brasil.
Hoje, a doença existe em pelo menos dezoito países endêmicos. Segundo
levantamento da Organização Mundial
de Saúde (OMS), estima-se que haja
cerca de 12 a 14 milhões de pessoas
infectadas na América Latina. A doença
de Chagas segue como problema de
saúde pública por todos os países do
continente, e sua distribuição cobre a
América do Sul, incluindo Chile e Argentina, até o sul dos Estados Unidos.
A iniciativa dos países do Cone Sul em
promoverem ações para controle do
vetor foi bem sucedida, com a participação da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Paraguai e Uruguai. No entanto, Carlos
Dias chama atenção para o fato de que
tanto a iniciativa como sua persistência
devem-se muito à participação ativa de
cientistas ao manterem, junto aos governos, a atenção voltada para o controle e prevenção da doença.
No Brasil, a doença de Chagas é
a quarta causa de morte entre as doenças infecto-parasitárias, sendo as
faixas etárias mais atingidas acima de
45 anos. Existem cerca de três milhões
de infectados no país e é nas grandes
cidades que se concentram os pacientes, especialmente na região Sudeste.
A Amazônia é outra preocupação.
O principal transmissor (Triatoma infenstans) foi controlado e eliminado no
país, mas ainda existem cerca de doze
espécies de barbeiros silvestres que
invadem as casas e podem refazer este
ciclo doméstico. “Na Floresta Amazônica, os barbeiros eventualmente invadem as casas e transmitem a doença,
mas o que acontece frequentemente
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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é que eles caem na comida ou no suco artesanal,
transmitindo a doença por via oral. Como aconteceu recentemente a contaminação da cana-de-açúcar em Santa Catarina”, explica o pesquisador.
Segundo Dias, na pesquisa, o desafio é encontrar
drogas melhores e encontrar um marcador eficiente de cura. “Hoje, muitos pacientes já foram curados
há anos e só depois de muito tempo é que descobrem isso”, diz. Do mesmo modo, se faz necessário
um marcador para identificar a doença congênita
nos filhos de mães chagásicas. “Assim, será possível
saber logo no teste do pezinho se a criança possui a
doença e iniciar imediatamente o tratamento. Existem casos em que nem a mãe sabe que é portadora.
Seria ideal também fazer esta sorologia nas gestantes. No Uruguai, por exemplo, isto já é lei”, conta.
Para ele, o país também precisa difundir conhecimentos, tratar os doentes e, principalmente, manter a vigilância. Além disso, o controle dos bancos de
sangue deve continuar durante pelo menos 20 anos.
Dias acredita que, durante esse período, a doença
de Chagas precisará ser um objeto de atenção nas
universidades, centros de pesquisas e de saúde.
Formas
Basicamente, a doença de Chagas se manifesta
de três formas diferentes: cardíaca, digestiva e nervosa (que podem ocorrer juntas ou isoladamente).
A forma cardíaca ataca o coração, destruindo a rede
de neurônios que inerva o órgão, podendo levar à
arritmia e, em casos mais graves, à morte. A forma
digestiva causa a dilatação do colo e do esôfago, fazendo com que o paciente tenha dificuldades para
comer e haja alteração do funcionamento do intestino. A forma nervosa é a mais grave da doença, pois
há comprometimento do sistema nervoso e os sintomas são semelhantes aos de um tumor cerebral.
Segundo a bióloga e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Andréa Macedo, essa forma da doença é mais comum em pacientes que apresentam supressão imunológica, como
portadores do vírus HIV e transplantados. “Uma
hipótese é que, nesses casos, o Trypanossoma cruzi
já estava presente, porém controlado, e quando há a
diminuição da resposta imunológica, ele se manifesta, muitas das vezes, na forma nervosa”, observa.
Há também a doença de Chagas congênita, transmitida da mãe para o bebê em gestação, mas sua
incidência é baixa, cerca de 1% no Brasil. Em Minas
Gerais, o número é ainda menor; em torno de 0,1%.
“Hoje, as mulheres portadoras da doença estão ficando cada vez mais velhas, pois ela foi controlada
nos anos 90. Podemos dizer que, de vinte anos pra cá,
poucas mulheres foram contaminadas e a cada ano
o número de mulheres chagásicas tem diminuído. A
tendência é zerar”, prevê João Carlos Pinto Dias.
Andréa Macedo estuda, principalmente, os aspectos genéticos associados à doença de Chagas,
mais especificamente relacionados ao parasita. Ela
explica que o Trypanossoma cruzi possui diferentes formas, chamadas de “cepas” ou “populações”.
A diferença está principalmente no DNA de cada
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uma, que determina seu comportamento biológico
e sua resistência a medicamentos. As cepas podem
ser agrupadas em linhagens. Há dez anos, nas comemorações dos 90 anos de descoberta da doença de
Chagas, foram reconhecidas oficialmente duas linhagens principais: Trypanossoma cruzi 1 e Trypanossoma
cruzi 2.
Os pesquisadores, no entanto, começaram a
identificar cepas cujas características não se encaixavam em nenhuma das duas linhagens oficiais. As
evidências são de que haja uma terceira linhagem,
proposta há dois anos pelo grupo do Laboratório
de Genética Bioquímica da UFMG, do qual Andréa
Macedo faz parte. “Caracterizamos essa terceira linhagem e a chamamos de Trypanossoma cruzi 3”, diz.
A pesquisadora adianta que, nas comemorações do
centenário, um grupo se reunirá para oficializar a
nomenclatura a ser utilizada para as linhagens.
A equipe da UFMG também acredita que diferentes cepas provocam diferentes reações no organismo.
Uma das hipóteses, inclusive, é de que nem toda cepa
cause a doença de Chagas. Outra idéia indica que há
associação das linhagens com as formas clínicas da
doença. Para Macedo, essa é uma questão de grande interesse médico. “Nosso grupo mostrou que, no
Brasil, pacientes que tinham a forma grave da doença,
digestiva ou cardíaca, eram infectados por parasitas
da linhagem dois. Ou seja, ao analisar o tecido do coração ou do esôfago, só eram encontrados parasitas
da linhagem dois”, relata. Ela explica que o modelo
proposto pelos pesquisadores é de que há populações de Trypanossoma que têm preferência pelo coração, pelo sistema digestivo ou pelo cérebro.
É possível que um mesmo indivíduo seja infectado com várias cepas diferentes e que cada uma delas
ocupe no corpo o lugar que prefere. Isso acontece
porque, ao defecar, o barbeiro pode eliminar mais de
um tipo de parasita e o indivíduo, principalmente se
viver em área endêmica, pode ser picado por mais
de um barbeiro ao longo da vida. O sistema imune é
capaz de eliminar alguns parasitas, enquanto outros
permanecem e migram para tecidos diferentes.
Infecção
A doença de Chagas se divide nas fases aguda
e crônica. A fase aguda corresponde aos primeiros
meses de infecção, em que há grande quantidade de
parasita no sangue. Nela, nem todos os pacientes
apresentam os sintomas. Alguns passam desapercebidos, sendo encarados como uma gripe. Em alguns
casos, há sinais típicos, como a formação de um edema no local da picada (chagoma). Os sintomas variam de uma pessoa para outra. “Pode aparecer desde uma gripe leve até problemas cardíacos graves.
Quando a contaminação é oral, como há ingestão
de um número muito maior de parasitas, agravamse todos os sintomas”, descreve Macedo.
A fase crônica corresponde à evolução da doença, logo após a fase aguda. Nela, o paciente pode
passar até mais de 30 anos sem apresentar nenhum
sintoma, chegando a morrer de outras causas, como
foi o caso da primeira paciente de Carlos Chagas,
a menina Berenice. É o que acontece em 70% dos
casos. Da mesma maneira, é nessa fase que a doença pode se manifestar da forma mais grave, algumas
vezes, levando o paciente à morte.
De acordo com o médico e professor da UFMG,
Manoel Otávio da Costa Rocha, a evolução da doença na fase crônica varia de acordo com a pessoa,
podendo não haver manifestação de sintomas ou
ocorrer o desenvolvimento precoce de formas gravíssimas. “Tenho paciente de 22 anos com cardiopatia chagásica e insuficiência cardíaca gravíssimas,
com uma doença altamente agressiva, como tenho
paciente de 78 anos que nunca desenvolveu a doença”, diz.
Rocha conta que, apesar dos kits diagnósticos da
doença terem sido desenvolvidos no Brasil, a evolução
da área foi lenta. O método de diagnóstico da doença
de Chagas é indireto, ou seja, por meio do soro do
sangue. Isso torna a enfermidade ainda mais difícil de
ser descoberta, pois, como em todo teste sorológico,
pode haver resultado falso-positivo ou falso-negativo.
Segundo recomendações da Organização Mundial da
Saúde (OMS), o ideal é que sejam feitos pelo menos
três testes para diagnosticar a doença.
No que se refere à cardiopatia chagásica, o pesquisador acredita que os métodos de diagnóstico
melhoraram bastante e vêm sendo aplicados intensivamente no diagnóstico da doença. O médico
explica que eles auxiliam na identificação precoce
de alterações, no estudo do significado dessas alterações como marcadores de risco para o desenvolvimento de formas graves, bem como na extratificação de risco, que consiste na identificação de
pacientes que tendem a evoluir a doença de maneira agressiva e, por isso, merecem uma intervenção
terapêutica mais precoce.
Ele coordena um grupo de pesquisa na UFMG
que estuda exatamente os fatores determinantes
da doença e o prognóstico da cardiopatia chagásica
crônica. “Isso significa identificar ações precoces da
doença, em que se possa intervir também precocemente e identificar quais são os pacientes que podem evoluir mal”, explica. O estudo envolve pesquisadores de Belo Horizonte, Diamantina e Montes
Claros. Conforme relata, um pesquisador de Montes Claros desenvolveu um trabalho útil no diagnóstico da doença. “Foi um trabalho simples, que pode
ser feito no ambulatório, no qual se identifica quais
os pacientes que desenvolvem arritmia no exercício
do trabalho”, diz.
Tratamento
“O tratamento da doença de Chagas foi a área que
Carlos Chagas menos desenvolveu e, ironicamente, é
a que menos evoluiu nos últimos anos.” É o que diz
Manoel Rocha. De acordo com ele, o tratamento da
doença é o mesmo desde a década de 60.“A principal
droga que temos para tratar a doença de Chagas, o
benzonidazol, é tóxico e pouco eficaz. A eficácia dele
é em torno de 30% na fase crônica”, diz.
Segundo o pesquisador, na fase aguda, a chance
de cura parasitológica é de 90% ou mais, enquanto
na crônica a expectativa é de 20 a 30%. Ele explica
que a cura parasitológica é aquela em que há eliminação do parasita, sem que isso impeça a evolução
da doença. “A doença, inicialmente, tem a lesão causada pelo parasita. Depois de um certo tempo, ela
passa a ter caráter imunológico. O parasita é eliminado, mas persistem restos de parasita que mantêm
a reação inflamatória”, esclarece. De acordo com
Andréa Macedo, a lesão acontece porque o parasita
induz uma resposta imune que, ao tentar destruí-lo,
destrói também os tecidos a sua volta.
De acordo com Rocha, quanto mais recente é
a infecção e menor o acometimento, melhor será
o resultado do tratamento. Por esse motivo, o tratamento na fase aguda tem maior eficácia. O que
dificulta, entretanto, é o fato de que a maioria das
pessoas só toma conhecimento da doença na fase
crônica. Como afirma Macedo, “o benzonidazol
trata bem crianças, mas trata mal adultos, principalmente na fase crônica. Há a necessidade do desenvolvimento de novas drogas. Já existem pessoas
estudando isso, mas, até então, mal se sabe como
funciona o atual medicamento ou porque ele não
funciona em alguns casos”. A pesquisadora diz que o
entendimento da doença é outro foco dos estudos.
O objetivo é compreender porque ela evolui para
as formas clínicas e, a partir de então, verificar se há
alguma maneira de evitar isso.
Em Minas gerais, o tratamento é feito principalmente pelo Hospital das Clínicas, que possui um
ambulatório de referência em doença de Chagas. Segundo Manoel Rocha, são cerca de dois mil pacientes
chagásicos no hospital, vindos de todas as partes de
Minas Gerais e de outros estados. “O Hospital das
Clínicas é onde se faz a cirurgia e onde se coloca o
marca-passo, além de ser um centro de referência e
de formação para o tratamento da doença de Chagas”, diz. De acordo com ele, são implantados cerca
de 400 marca-passos por ano no hospital e mais da
metade deles é em pacientes chagásicos.
Rocha relata que, desde 1991, existe um esforço no sentido de promover a descentralização do
atendimento. Para isso, são treinados profissionais
em polos do interior do estado. Nesse sentido, já
existem ambulatórios em Diamantina e Montes
Claros. No Triângulo Mineiro e no Alto Paranaíba
também existem grupos de médicos e pesquisadores com forte atuação em doença de Chagas. Para
Rocha, a descentralização é fundamental. “Veja, por
exemplo, o caso de São Francisco, Norte de Minas:
é uma viagem longa e cara para muitos pacientes.
Com essas medidas de descentralização, apenas os
casos mais graves, que precisam de implante, marcapasso ou desfibrilador, viriam para Belo Horizonte”.
Segundo ele, a intenção é que médicos de outras
regiões sejam capacitados.
Discussão pertinente
A doença de Chagas foi descoberta há cem anos
e ainda hoje é alvo de pesquisas em todo o mundo. Segundo João Carlos Pinto Dias, sua discussão
é pertinente porque ainda existe uma população
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
9
Quadro Tripla descoberta
Em junho de 1907, Carlos Chagas foi designado por Oswaldo Cruz,
que chefiava o Instituto de Manguinhos e a Diretoria Geral de Saúde
Pública, para combater uma epidemia
de malária que paralisava as obras de
prolongamento da Estrada de Ferro
Central do Brasil em Minas Gerais,
na região do rio das Velhas, entre
Corinto e Pirapora. Em uma viagem
à Pirapora, um dos engenheiros da
Ferrovia mostrou a Chagas um percevejo muito comum na região, conhecido vulgarmente como barbeiro,
pelo hábito de picar o rosto de suas
vítimas enquanto dormiam.
O inseto era abundante nas
choupanas de pau-a-pique da região,
escondendo-se nas frestas e buracos
das paredes de barro durante o dia
e atacando seus moradores à noite.
Chagas examinou alguns barbeiros e
encontrou em seu intestino formas
flageladas de um protozoário, com
certas características que o fizeram
pensar que poderia tratar-se de uma
fase evolutiva de um tripanossoma
de vertebrado. No caso desta segunda hipótese, poderia ser o próprio
T. minasense, protozoário encontrado em saguis, sendo o barbeiro o vetor que o transmitiria aos animais.
Chagas enviou à Manguinhos
alguns daqueles insetos. Oswaldo
Cruz os fez se alimentarem em saguis criados em laboratórios e, cerca de um mês depois, comunicou a
Chagas que encontrara formas de
tripanossoma no sangue de um dos
animais, que havia adoecido.Voltando
ao Instituto, Chagas constatou que o
protozoário não era o T. minasense,
mas uma nova espécie de tripanos-
10
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
soma, que batizou de Trypanosoma
cruzi, em homenagem ao mestre. A
nota anunciando esta descoberta
foi redigida em Manguinhos em 17
de dezembro de 1908 e publicada
na revista do Instituto de Doenças
Tropicais de Hamburgo (Archiff für
Schiffs-und Tropen-Hygiene) no início de 1909.
Chagas iniciou estudos sistemáticos sobre o ciclo evolutivo do novo
parasita que, mostrou ser capaz de
infectar experimentalmente cães,
coelhos e cobaias e de ser cultivado
em agar-sangue. O barbeiro, por sua
vez, passou a ser minuciosamente investigado por Arthur Neiva, também
pesquisador do Instituto Oswaldo
Cruz. Em busca de outros hospedeiros vertebrados do T. cruzi e suspeitando que o homem pudesse ser um
deles, Chagas retornou ao povoado
e realizou exames sistemáticos de
sangue nos moradores. Ao examinar animais domésticos, verificou a
presença do T. cruzi no sangue de
um gato. No dia 14 de abril de 1909,
encontrou finalmente o parasita no
sangue de uma criança febril. Berenice, uma menina de dois anos, era
o primeiro caso daquela que seria
considerada a partir de então uma
nova doença humana.
Em 22 de abril, ao mesmo tempo em que o Brasil Médico trazia em
suas páginas a descoberta feita no
norte de Minas, o feito foi comunicado, em sessão da Academia Nacional
de Medicina, por Oswaldo Cruz, que
leu um trabalho escrito por Chagas.
A imprensa deu destaque ao episódio, reverenciado como uma das “glórias de Manguinhos”.
sob risco e principalmente porque a
vigilância ainda deve ser feita por algum tempo. “Neste centenário vamos
celebrar, mas também aproveitar conferir mais visibilidade”, adianta.
Do ponto de vista mundial, a Tripanossomíase Americana demonstra ser
uma preocupação, principalmente, do
continente americano, único local onde
ocorre endemicamente. São 18 países
com cerca de 15 milhões de adultos
contaminados e 60 milhões em risco.
No entanto, segundo Dias, “em termos
de prioridade do governo brasileiro,
por exemplo, os recursos disponíveis
ainda são insuficientes para lidar com a
doença. É preciso que haja estímulos”.
A pesquisadora do Centro de
Pesquisa René Rachou, Antoniana Ursine Krettli chama atenção para a necessidade da vigilância entomológica
constante. Apesar da transmissão pela
espécie Triatoma infestans ter sido considerada erradicada no Brasil em 2006,
ainda existem cerca de 30 espécies de
barbeiros que vivem nas matas ao redor das casas. E há as outras formas
de contaminação, via oral, congênita
ou por banco de sangue. “Essa última é, por exemplo, a maior forma de
transmissão na Bolívia”, conta. Ela lembra os casos recentes de transmissão
oral. “No Pará, em 2008, houve mais
de 80 casos de contaminação por via
de transmissão oral, além de quatro
mortes em 2006 e quatro mortes em
2007. Houve, ainda, um surto da doença em Santa Catarina, em 2007, com
24 casos e três mortes”.
Um ponto crítico para o enfrentamento da doença, no Brasil, é a falta
de conhecimento na rede pública com
relação ao manejo do doente chagásico
crônico. Para Krettli, que estuda a doença de Chagas há mais de 10 anos, é importante que o médico saiba dos efeitos colaterais do benzonidazol e, ainda,
como encaminhar o paciente sintomático. “Se um médico entrar em um site
especializado, hoje, não irá encontrar
muita ajuda para lidar com pacientes na
rotina. É importante que o clínico tenha
acesso a essas informações através do
Ministério e Secretaria de Saúde”.
É o que também pensa João Carlos
Pinto Dias. “Um dos principais esforços do governo é capacitar médicos
de referência, em vários lugares, para
atender bem aos pacientes chagásicos. No entanto, nem nas faculdades
de medicina o tratamento da doença
de Chagas é ensinado. Observa-se, a
Quadro Chagas e Darwin
O geneticista e pesquisador
Sérgio Pena, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, coordena um grupo
de pesquisas sobre Trypanosoma
cruzi e a doença de Chagas. Seu
foco é a explicação das características clínicas da doença a partir da sua estrutura populacional.
Ele lembra que, em 2009, também
se comemora o bicentenário do
nascimento de Charles Darwin
(1809-1882) e os 150 anos de publicação da Origem das espécies. E
conta um detalhe que parece unir
os dois cientistas:
“Em 1841, cinco anos após seu
retorno da viagem do Beagle ao
redor do mundo, Darwin começou a manifestar sintomas cardíacos e gastrointestinais que pioraram até mantê-lo praticamente
recluso em sua residência. Ele frequentemente queixava-se de palpitações e cansaço, acompanhadas
por tremores, vômitos, às vezes
diários, e flatulência. Darwin consultou os melhores médicos da
Inglaterra na época, sem que qualquer diagnóstico fosse estabelecido. Faleceu aos 73 anos de idade
com insuficiência cardíaca. No ano
de 1959, no centenário da Origem
das espécies, o parasitologista Saul
Adler, russo radicado em Israel,
propôs na revista Nature que os
sintomas de Darwin eram devidos
à doença de Chagas.A hipótese levantada por Adler foi baseada em
dois pontos principais: o primeiro
é que houve uma oportunidade
clara de infecção pelo Trypanosoma
cruzi em visita a Luján, na Argentina,
em 1835; e o segundo é que os sintomas apresentados por Darwin
eram compatíveis com a doença de
Chagas, que pode acometer tanto
o coração quanto o sistema digestivo (esôfago e intestino grosso).
É provável que fiquemos no território das especulações e que não
saibamos nunca se Darwin teve
ou não a doença de Chagas. Mas
a mera possibilidade já cria uma
ligação entre ele e Carlos Chagas,
ambos grandes homens da ciência,
nossos homenageados de 2009.” perda de prioridade para doenças de
massa e visíveis”.
Perspectivas
A doença de Chagas é considerada,
ainda hoje, uma doença negligenciada,
ou seja, sem tratamentos eficazes ou
adequados e com principal ocorrência
entre a população de rural e de baixa
renda. Mas para Dias, quem na verdade
está negligenciada é a população infectada. “Hoje, o que tem acontecido é a
diminuição de prioridade” diz.
Antoniana Krettli acredita que a
negligência está relacionada, também, à
precariedade dos medicamentos.“Uma
doença que, claramente, acomete a população mais pobre, desperta menos
interesse que a produção de um remédio para o tratamento da AIDS, por
exemplo, que ataca tanto artistas como
donas-de-casa, adolescentes ricos ou
pobres. A molécula de benzonidazol,
aplicada hoje no tratamento do chagásico crônico, é extremamente tóxica,
não cura todo mundo e não é tolerada por todos pacientes. No entanto,
é o único medicamento ativo contra
a doença de Chagas”. A pesquisadora
lembra, ainda, que este é um medicamento caro. “No Brasil, o paciente tem
tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde. Mas, para o governo, cada
paciente representa um custo médio
de 40 você pode tratar o paciente de
graça, pelo SUS, mas é caro para o governo: custa US$ 40 dólares, em média,
tratar uma pessoa chagásica”.
Até 1999, o controle e a prevenção contra a doença eram feitos pelo
governo federal e pelos hemocentros.
A partir de dezembro do mesmo ano,
essa responsabilidade foi passada aos
municípios através de uma lei de centralização em que os recursos disponíveis eram repassados para a administração do município e utilizado a
partir das particularidades e demandas
de cada um. Para Dias, essa mudança
culminou no esquecimento da doença de Chagas, pois os municípios dão
prioridade às doenças agudas e emergenciais e não às doenças crônicas.
“Um percentual pequeno de 20% a 30
% dos chagásicos manifestam a forma
grave da doença. Por isso, entende-se
que há uma certa negligência, sabendo-se que mesmo quem não tem a
forma grave, necessita de tratamento
e, se for bem atendido, pode ter a vida
prolongada e com qualidade”.
Em 2007, a Organização Mundial
“Uma doença que,
claramente, acomete
a população mais
pobre, desperta menos
interesse que a produção
de um remédio para o
tratamento da AIDS,
por exemplo, que
ataca tanto artistas
como donas-de-casa,
adolescentes ricos ou
pobres. A molécula de
benzonidazol, aplicada
hoje no tratamento do
chagásico crônico, é
extremamente tóxica,
não cura todo mundo e
não é tolerada por todos
pacientes. No entanto,
é o único medicamento
ativo contra a doença de
Chagas”
de Saúde criou a Rede Global pela eliminação da doença de Chagas. Dias,
que faz parte da rede, destaca que o
esforço principal é o de interligar a
comunidade científica. “Hoje, existem
três ou quatro grupos trabalhando em
demandas diferentes como estratégias
de manejo do chagásico crônico e agudo, doença congênita, marcadores e
novos medicamentos. A preocupação
com a doença de Chagas na Europa e
nos Estados Unidos, devido à migração
dos latino-americanos, está gerando
também a iniciativa desses países nãoendêmicos”.Krettli destaca que o Brasil
está na frente em contribuições à Rede.
“O Brasil é o país com maior número
de grandes especialistas em doença de
Chagas, pois estuda a enfermidade há
100 anos, desde que foi descoberta”.
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Saúde pública
Combate
à
Combate
à
epidemia
epidemia
Programa interinstitucional
desenvolve métodos para
combater a leishmaniose visceral
canina
Sabará, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Minas Gerais, ano
de 1989. Uma criança de dois anos morre com diagnóstico de leishmaniose
visceral (LV). Foi o primeiro caso notificado da doença na RMBH. A partir daí,
disseminou-se pelo Estado uma epidemia que hoje representa um dos maiores
problemas de saúde pública no país.
As leishmanioses atingem cerca de 88 países, com mais de dois milhões de
casos por ano. Inclui-se nestes dados a leishmaniose tegumentar (manifesta-se
na pele) e a leishmaniose visceral (atinge os órgãos), o tipo mais grave da doença. O Brasil é o país da América Latina com maior número de casos. Segundo
dados do Ministério da Saúde, a doença atinge dois a cada 100 mil habitantes e,
destes, quase 60% são crianças menores de dez anos. Com alta prevalência na
região Nordeste do país, a leishmaniose visceral tem se tornado um problema
epidemiológico grave também em Minas Gerais. Inicialmente uma doença caracteristicamente rural e associada a condições precárias de vida, a LV encontrou no
espaço urbano um ambiente favorável para se estabelecer e desenvolver.
Belo Horizonte é hoje um dos municípios que mais sofre com a ocorrência da
leishmaniose visceral. Não existe mais região endêmica, pois doença já está disseminada em todos os bairros da capital. Cães infectados estão presentes da zona
12
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Foto: arquivo Prof. Alexandre Reis
O vice-coordenador do Programa, Alexandre Reis, e pesquisadores da equipe no canil de
experimentação localizado na Ufop.
norte à zona sul da cidade. “Quando a
LV começou a se alastrar, no início da
década de noventa, a prefeitura de BH
não sabia como lidar com o controle da doença e demorou pelo menos
cinco anos para canalizar recursos financeiros, capacitar e treinar pessoal. Quando isto começou a ser feito,
a leishmaniose já tinha se espalhado
por toda a cidade”, esclarece o pesquisador Rodrigo Correa, do Centro
de Pesquisas René Rachou, unidade da
Fiocruz em Minas Gerais.
Correa é coordenador do Programa Interinstitucional para o Desenvolvimento de Métodos de Combate à
Leishmaniose Visceral Canina (PIPLC).
O PIPLC envolve integrantes de diversos grupos de pesquisa de Minas
Gerais e de outros estados, que há algum tempo vêm atuando em estudos
sobre a doença através de projetos
cooperativos. “Nossa rede é composta por pessoas que já se conheciam e
trabalhavam juntos há muito tempo.
Agregamos muitos pesquisadores importantes e conseguimos reunir várias vertentes de sucesso na pesquisa
de LV canina.”, afirma o coordenador.
O projeto tem o apoio da FAPEMIG,
por meio do Programa de Apoio a
Núcleos de Excelência (Pronex), uma
parceria com o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Pronex visa a apoiar
grupos mineiros reconhecidos pela
excelência na atuação em pesquisas
científicas, tecnológicas e de inovação.
O hospedeiro
A leishmaniose visceral é uma doença grave, não contagiosa, causada
por um parasita protozoário denominado Leishmania chagasi, que invade e se reproduz dentro da principal
célula do sistema imune – o macrófago. Transmitida pela picada de flebotomíneos infectados, popularmente
conhecidos como “mosquito palha”,
a doença ocorre nos seres humanos
e em alguns animais, principalmente o
cão (veja no quadro os sintomas). A
adaptação deste inseto ao ambiente
urbano tem sido um obstáculo para as
autoridades sanitárias.
No país, as ações existentes de
combate à doença não têm obtido sucesso. Elas se baseiam em medidas de
controle que se dividem em controle químico (borrifação de domicílios);
educacionais (alerta à população através de materiais explicativos sobre a
doença e sobre o combate ao inseto
vetor); e, a mais polêmica, a eutanásia
de cães soropositivos.Agentes de zoonoses coletam o sangue dos animais e
se o resultado for positivo, o cão tem
que ser recolhido e sacrificado.
Atualmente, não há alternativa
para o combate à epidemia, senão a
eliminação do cão infectado. O sacrifício dos animais domésticos é sempre
traumático e tem sido um problema
para as autoridades sanitárias. Maior
gravidade encontra-se na possibilidade de cães ainda assintomáticos (que
possuem a LV, mas não manifestam os
sintomas), servirem de reservatório
do parasita, arriscando a saúde das
pessoas ao seu redor. A disseminação
da doença nos cães deve-se ao fato
de que o Leishmania encontrou no
organismo deste animal um ambiente favorável para se desenvolver. O
principal desafio dos pesquisadores é
encontrar medidas que impeçam este
desenvolvimento.
Estudar a leishmaniose visceral
canina (LVC) é fundamental para estabelecer um controle eficaz da doença
também em humanos, tendo em vista
que o cão é o principal hospedeiro.
“Infelizmente, o parasita se adaptou facilmente no organismo canino, e ainda
não se sabe o porquê. Por isto, este
animal representa um excelente modelo experimental para o entendimento dos processos imunopatológicos e
para testes de drogas e vacinas”, explica o pesquisador Alexandre Barbosa
Reis, vice-coordenador do Programa.
Alexandre é professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e
há 20 anos estuda a doença em cães e
desenvolve vacinas contra LVC.
O Programa
O PIPLC integra 17 pesquisadores
mestres e doutores distribuídos entre
seis instituições diferentes. São elas o
Centro de Pesquisa René Rachou, as
Universidade Federais de Minas Gerais
(UFMG), Ouro Preto (Ufop), Alfenas
(Unifal), Vale do Rio Doce (Univale) e
o Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz
(CPqGM), localizado em Salvador (BA).
Ao todo, são 40 pessoas envolvidas no
projeto, incluindo estudantes de todos
os níveis. A composição deste grupo
permitiu um trabalho multidisciplinar
norteado por diversas abordagens,
que vão desde a parasitologia, imunologia celular, biologia molecular e bioquímica.
A primeira etapa do Programa Interinstitucional foi o estudo de imunologia de cães. A imunologia é a análise das
respostas do organismo que fornecem
proteção ou desenvolvimento às doenças. “Não adianta produzir uma vacina
sem estudar sua resposta imune, ou seja,
como o organismo canino se comporta
com a infecção e com a vacinação”, explica Reis. A imunologia da leishmaniose
visceral canina é uma linha de pesquisa
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Leishmaniose Visceral - Sintomas
Nas pessoas – Pessoas infectadas podem desenvolver sintomas da doença em
um período de dois a sete meses, chamado de incubação. Os principais sintomas são:
• febre prolongada por muitos dias;
• perda de apetite e emagrecimento;
• palidez e fraqueza;
• tosse seca;
• com o passar do tempo, o doente apresenta aumento do fígado e do baço.
*Apesar de grave, a leishmaniose em humanos tem tratamento e cura. O medicamento é fornecido pelo Ministério da Saúde.
Nos cães – O cão aparentemente sadio pode estar infectado, contribuindo
para o aumento do número de casos da doença. Os sintomas mais comuns
são:
• perda de apetite;
• emagrecimento rápido;
• aparecimento de feridas na pele (principalmente no focinho e nas orelhas);
• queda de pelos;
• com o passar do tempo, podem ocorrer crescimento exagerado das unhas,
diarreia e perda dos movimentos das patas traseiras.
*No cão, a doença ainda não tem cura nem tratamento eficaz até o momento. Por isso é importante tomar algumas medidas
de proteção, como: usar coleiras impregnadas com inseticida e repelentes; evitar tosas no período de aumento da densidade do
mosquito palha (de novembro a abril); evitar os passeios com seu cão no final da tarde e início da noite (período que o inseto
prefere picar); manter o abrigo do cão sempre limpo sem presença de fezes ou restos de alimentos e borrifado periodicamente com
inseticidas de ação residual.
*fonte: folder da Prefeitura de BH
pioneira do grupo, e consolidou a base
do programa. Esta fase foi fundamental
para avançar nos estudos das vacinas.
Outra fase do PIPLC é a bioprospecção de proteínas, também chamada de proteoma.“Atualmente estamos
avançando muito nesta área com duas
plataformas de análises, uma lotada no
CPqRR e outra na Ufop onde temos
pesquisadores trabalhando nesta busca”, afirma o pesquisador. Assim como
o estudo do genoma tem como objetivo mapear a sequência de DNA e
conhecer os genes presentes nas células, o estudo do proteoma pretende
descobrir as funções de várias proteínas existentes no organismo celular.
“Esta é uma abordagem da pesquisa
que pode se aplicada para fins terapêuticos, de diagnósticos e prevenção.
O objetivo é avaliar perfis de proteínas
que podem servir de base para futuras
vacinas”, completa o pesquisador.
Por último, a mais importante vertente, e também objetivo principal
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Estratificação da Leishmaniose Visceral segundo áreas de
risco no Brasil e em Minas Gerais, 2002 a 2006
do Programa Interinstitucional, é a
criação de uma vacina eficaz que seja
disponibilizada no sistema público e
resolva o problema da epidemia. As
vacinas existentes hoje no mercado
não têm consenso entre a comunidade científica a respeito de sua eficácia.
Além disso, apresentam alto custo, o
que as tornam inacessível a uma parcela da população.
Com recursos do Programa, foi
possível criar o Centro de Referência
em Triagem Experimental de Drogas e
Vacinas para LVC. Este centro fica loca-
Mosquito Palha
O flebótomo, mais conhecido
como “mosquito palha” é o inseto
transmissor da leishmaniose visceral. Ele é bem pequeno (de 1 a
3 mm de comprimento), e tem a
coloração clara, palha. Voa em pequenos saltos e pousa com as asas
entreabertas. Suas larvas se desenvolvem em solo úmido e rico em
matéria orgânica. Prefere picar ao
final da tarde. A adaptação deste inseto ao ambiente urbano tem sido
grande obstáculo para o controle
da doença.
As ações para evitar o aparecimento do mosquito se baseiam em
retirar do ambiente matéria orgânica de qualquer tipo, como folhas,
troncos apodrecidos, frutos caídos,
fezes de animais, deixando sempre
o ambiente limpo, livre de entulho
e lixo. Além disso, agentes sanitários
fazem um trabalho de borrifação
dentro e fora dos domicílios.
lizado na Ufop, e tem como linha dorsal
conduzir triagens experimentais com
objetivo de fornecer formação científica para estudantes e pesquisadores
com interesse nesta área de atuação.
Neste sentido, o grupo vem buscando
parcerias, nacionais e internacionais,
com outras instituições de pesquisa,
empresas farmacêuticas e de imunobiológicos. O centro conta com canil
de experimentação em leishmanioses,
canil maternidade e infraestrutura necessária à criação e manutenção de hamsters para estudos de fase I e II.
O grupo já desenvolveu dois tipos diferentes de vacinas, a LBSap e a
LBSapSal. As duas têm em sua base
o componente Saponina como adjuvante vacinal. A segunda já está sendo
Ciclo
1 - Cão ou raposa naturalmente
infectados;
2 - Ao picar o animal ou o homem infectado, o inseto (mosquitopalha) suga,juntamente com o sangue, o parasita (Leishmania chagasi)
que causa a doença;
3-4 - No intestino do inseto, o
parasita se multiplica;
5-6 - Ao picar o homem ou outro animal sadio, o flebótomo inocula o parasita;
7 - No homem e no cão o parasita se multiplica principalmente
no baço,fígado e medula óssea, provocando a doença.
testada em animais do canil de experimentação. A LBSapSal foi desenvolvida
a partir de proteínas das glândulas salivares do inseto transmissor. Estudos
provaram que estas proteínas possuem importante efeito imunológico
nos cães. “O ideal é que ela tenha pelo
menos 70% de eficácia. Assim que os
testes terminarem, nossa proposta é
colocar a vacina contra leishmaniose
no programa de vacinação contra raiva, pelo menos nas áreas endêmicas”,
planeja Reis. Para isto o grupo tem
buscado associação com empresas
públicas e privadas que possuam interesse em desenvolver as vacinas e
colocá-las no mercado.
Futuro
“A leishmaniose é um problema
epidemiológico tão grave quanto a
AIDS. A diferença é que o HIV está
presente no mundo inteiro. A AIDS
teve tantos investimentos e veja quan-
tos benefícios foram gerados. Ainda
não existe a cura, mas os medicamentos desenvolvidos oferecem qualidade
de vida aos pacientes. Esta é a importância de se investir em pesquisas”,
alerta Rodrigo Correa. Ele afirma que
as leishmanioses ainda são doenças
negligenciadas e que merecem maior
atenção do governo. Para isto, o grupo concentra os estudos na efetivação da vacina, objetivando realizar um
programa governamental eficaz de
combate à epidemia. Correa afirma
que, para atingir o melhor produto, a
equipe pretende integrar ao Programa
pesquisadores brasileiros e estrangeiros de diferentes especialidades.
O primeiro passo já foi dado para
esta ampliação. Está sendo negociada
uma parceria com o National Institute
of Health (NIH) – Instituto Americano
de Saúde - que proporciona liderança
e orientação para os programas destinados a melhorar a saúde da nação
através de apoio a projetos de pesquisa. “Um importante pesquisador do
laboratório de entomologia do Instituto, Jesus Valenzuela, nos disse que o
grupo com que ele quer trabalhar na
investigação desta doença é o nosso”,
comemora Correa. A ideia é que o
NIH cofinancie o Programa através de
recursos específicos dedicados e direcionados às instituições brasileiras,
que, segundo o pesquisador, podem
chegar até US$ 1 milhão.
“Todo este trabalho agregou muito
valor à equipe. Hoje somos reconhecidos como o grupo mais avançado em
pesquisas com leishmaniose canina no
Brasil. Temos mais de 20 publicações
científicas na área de imunopatologia,
vacinas e testes de drogas em cães
com leishmaniose visceral. Além disto, somos referência para os outros
países. Vários pesquisadores da Europa nos procuram para testarmos vacinas nos modelos caninos”, orgulhase. Para o futuro, a expectativa é criar
uma Rede de Leishmaniose Canina,
que, assim como a Rede Malária, integre diversos pesquisadores brasileiros
e estrangeiros, permitindo a troca de
experiências e agregue conhecimento
em diferentes braços de pesquisa.
Juliana Saragá
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
15
Saúde
Fortaleza
natural
Produtos à base
de própolis
mostram
eficácia no
tratamento e na
prevenção de
doenças bucais
Foto: Marcelo Focado
Isso se deve às muitas propriedades
da própolis. Produzida pelas abelhas, a
partir de material extraído de plantas
e flores, ela é uma resina constituída
de cera e mais de 400 componentes
químicos. São, entre outros, álcoois, vitaminas, minerais e principalmente flavonoides e flavonas, que inibem o crescimento de micro-organismos. Com
tantos elementos, a própolis pode ser
considerada um verdadeiro coquetel
de benefícios. Entre outras propriedades, tem ações anti-inflamatória,
antifúngica, antibacteriana, cicatrizante
e anestésica.
Atentos às aplicações da resina na
natureza, pesquisadores se interessaA palavra própolis vem da junção ram em investigar seu uso em favor
dos termos “pró”, que significa antes, do homem. Um grupo da Universidade
e “pólis”, que quer dizer cidade. A ter- Federal de Minas Gerais (UFMG) estuminologia grega, “antes da cidade”, re- da o assunto desde 1996 e hoje é refemete ao principal papel desempenha- rência mundial no uso da própolis em
do pela própolis: proteger a colmeia. tratamentos de doenças bucais. São
Graças a ela, as abelhas não adoecem professores e estudantes das áreas de
e suas “casas” permanecem sempre à odontologia, biologia e química, coortemperatura ideal e livres de micro- denados pelo pesquisador e presidente
organismos e insetos invasores. Qual- da Sociedade Brasileira de Apiterapia
quer pequeno animal que tentar inva- (SBA),Vagner Rodrigues Santos.
dir a colmeia é embalsamado.
As pesquisas começaram com o
incentivo do professor Arnaldo Garrocho, na época professor da Faculdade
de Odontologia da UFMG. Ele chamou
a atenção para a eficácia do extrato de
própolis no tratamento de micoses
nos dedos dos pés. Foi então que uma
aluna de odontologia resolveu testar o
produto contra micro-organismos que
vivem na boca, principalmente o fungo conhecido como Candida albicans,
responsável pela candidose, o popular
“sapinho”. É uma doença conhecida
principalmente por ser comum em
A própolis verde, produzida a partir do
alecrim do campo, é a mais comum no Brasil.
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Foto: http://www.sxc.hu/photo/593660
recém-nascidos, idosos e pacientes
com comprometimento da defesa
imunológica, como portadores do vírus da AIDS e transplatados de medula
óssea. Foram testadas, em laboratório,
14 amostras de própolis encontradas
no mercado de Belo Horizonte e sua
eficácia contra micro-organismos presentes na boca. Os resultados foram
positivos e os estudiosos partiram
para pesquisas com pacientes.
Com a parceria da farmácia de manipulação Pharmanéctar, que fornece a
própolis bruta e participa de algumas
pesquisas, o grupo desenvolveu um
gel à base da resina para prevenção e
tratamento da mucosite (inflamação
da mucosa). O gel lubrifica a cavidade
bucal levando mais conforto aos pacientes. Segundo explica Vagner Santos, para ter boa eficácia, a própolis
precisa ser diluída em álcool, o que,
no entanto, pode gerar alterações na
mucosa do paciente, além de provocar ardor na aplicação. “Pensamos em
algo que traga mais conforto e desenvolvemos o gel. Ele tem água e uma
substância emoliente que, misturados
à própolis, não alteram suas propriedades”, esclarece.
O novo produto passou a ser
testado em pacientes da Clínica da
Faculdade de Odontologia da UFMG.
Para a pesquisa, de 2002 a 2006, foram
tratados e acompanhados cerca de 30
pacientes portadores de candidose
associada ao uso de dentadura. Santos explica que a candidose associada
à prótese, também conhecida como
estomatite protética, é uma infecção,
na maioria das vezes, sem sintomas
evidentes e, se não tratada, pode levar a infecções. É caracterizada por
lesões vermelhas, brilhantes e indolores. Quando o paciente faz uso de
dentadura, normalmente surge entre
os limites da prótese e da boca.
Os pacientes foram divididos em
dois grupos. Um deles recebeu tratamento com nistatina, antifúngico
de uso habitual, e o outro com gel de
própolis aplicado três vezes ao dia,
durante dez dias. “No final desse período, observamos que os pacientes
que utilizaram própolis apresentaram
resultado melhor ou igual ao dos que
usaram nistatina”, diz Santos.
Outra pesquisa avaliou a atuação
da própolis contra micro-organismos
causadores da cárie. A principal vilã,
nesse caso, é a bactéria Streptococcos
mutans que, em pessoas com alta suscetibilidade à doença, pode chegar à
concentração de 1 bilhão/ml de saliva.
Os testes foram feitos com 60 pacientes, acompanhados de 2003 a 2005.
Após escovação com o gel durante 15
ou 20 dias, os resultados apontaram
uma diminuição drástica dos microorganismos na boca. Em alguns casos,
a redução foi de 1 bilhão para 100 mil
bactérias por ml de saliva.
Hoje, o gel é testado em pacientes
portadores de câncer que recebem
irradiação na área da cabeça e do pescoço, encaminhados do Hospital das
Clínicas para a Clínica de Odontologia
da UFMG. Segundo explica Santos, a
irradiação provoca xerostomia (boca
seca), devido a alterações nas glândulas
salivares, que diminuem a produção de
saliva, levando à mucosite e à candidose. “É uma lesão incômoda e pode formar úlceras, dificultando a ingestão de
alimentos, provocando incômodo, dor
e mal estar”, descreve o pesquisador.
Com a aplicação do gel desde os dias
que antecedem até os que sucedem o
tratamento com irradiação, o paciente
não desenvolve a candidose e conta
com uma proteção extra. Atualmente,
não há produto específico para esse
tipo de tratamento e aqueles que podem ser utilizados não têm o mesmo
efeito. “O gel é antimicótico, antibacteriano, anti-inflamatório, analgésico, traz
conforto e lubrifica a boca seca”, diz.
Mas não só contra a candidose serve a própolis. Na área odontológica são
muitas as doenças que podem ser tratadas com esse medicamento natural.
Ela combate, principalmente, lesões de
origem bacteriana e fúngica. Algumas
delas são a gengivite, a periodontite, a
cárie e as bolsas periodontais, sendo
essas duas últimas as maiores causas
de perda dentária no mundo. A bolsa
periodontal se desenvolve a partir do
acúmulo de micro-organismos (placa
dental) que agridem a gengiva, provocando a gengivite. Se não for tratada,
a doença evolui para a periodontite,
com a destruição do osso e a formação de uma bolsa. Conforme destaca
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
17
Foto: Marcelo Focado
Foto: Marcelo Focado
O pesquisador Vagner Santos estuda os diversos tipos de própolis e seus benefícios há mais de
10 anos
Santos, com o gel de própolis, em um
mês, a bolsa já foi destruída e a gengiva
volta ao normal.
A própolis é ainda uma boa arma
contra herpes labial, acelerando o
processo de cicatrização. “Se o normal
seria de sete a dez dias, a própolis faz
a lesão desaparecer com cinco”, diz
o pesquisador. A resina também traz
bons resultados quando aplicada em
aftas. “Ela provoca contração das terminações nervosas e vasos sanguíneos.
Dói bastante, mas depois dá alívio imediato e a cura é rápida”.
Novos produtos
A própolis vermelha, descoberta em 2005
na Paraíba, tem sido foco de pesquisas sobre
câncer.
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Com o bom desempenho do gel, a
equipe da UFMG pretende desenvolver novos produtos à base da própolis.
“Pesquisadores de outras áreas estão
nos procurando para tentarmos desenvolver produtos em parceria”, conta Santos. Segundo ele, a ideia é criar
um medicamento que associe um ou
dois tipos de própolis à outra planta
medicinal, a fim de que um potencialize o outro. “Se encontrarmos duas
substâncias com princípios ativos que
interagem será ainda melhor”, diz. O
pesquisador adianta que, em breve, terá
início um projeto que inclui a fabricação
de enxaguantes bucais, cremes e géis
que possam ser utilizados em lesões de
mucosas e vernizes cavitários (usados
para proteger a cavidade dentária antes da remoção da cárie) e substâncias
para o tratamento de canais.
Já está em andamento uma pesquisa que vai desenvolver e testar um
enxaguante bucal à base de própolis,
seguindo todas as normas da American Dental Association (ADA). Serão
seis meses de experimentos com
pacientes que usarão diariamente o
enxaguante de própolis, comparado
ao grupo que usará um enxaguante
conhecido no mercado. Conforme observa o professor, a maior dificuldade
da pesquisa clínica é que muitas pessoas interrompem ou não seguem o
tratamento corretamente, o que pode
gerar falsos positivos ou falsos negativos. Uma das razões da indisciplina
dos pacientes é o sabor desagradável
da própolis. Para amenizar o problema,
os pesquisadores já procuram fazer
produtos associados a aromas como
menta e hortelã.
Além dos novos produtos, duas
outras pesquisas pretendem avaliar
diferentes aplicações da própolis na
odontologia. Uma delas vai associar
a resina natural ao biovidro, formado
por pequenas partículas que podem
ser colocadas no tecido humano,
principalmente em casos de enxerto
ósseo. Esse estudo está sendo feito
em parceria com o professor Walison Artuso, da Universidade Federal
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
(UFVJM). Quando o paciente precisa
de um implante dentário, mas teve
perda óssea, há necessidade de enxerto na região. Algumas vezes, é necessário retirar material de outra parte do
corpo, como do osso ilíaco, na região
pélvica, o que é um procedimento doloroso. O biovidro colocado no corte
cirúrgico poderá estimular a formação
do osso e, associado à própolis, pode
oferecer recuperação mais rápida e
confortável. De acordo com o pesquisador, em breve, o projeto será submetido à FAPEMIG.
Outra pesquisa pretende associar a
própolis à resina de dentaduras. Segundo explica Santos, é comum que, por
Foto: Marcelo Focado
Os pesquisadores estudam o desenvolvimento de novos produtos à base de própolis, como géis e enxagüantes bucais.
razões estéticas, pessoas que precisam
extrair todos os dentes queiram colocar a prótese no mesmo dia. Chamada
de prótese imediata, ela é adaptada ao
paciente imediatamente após a remoção dos dentes. Nesse caso, há grande
risco de inflamação, pois a dentadura
é colocada sobre uma ferida cirúrgica.
“Fizemos o teste que apontou que a
própolis associada à resina mantém
suas propriedades. Assim, ela pode evitar o crescimento de micro-organismos
e uma inflamação. Em breve, começaremos a trabalhar com camundongos
para verificar se haverá uma resposta
biocompatível com o tecido”, diz.
Para Vagner Santos, uma das grandes vantagens da própolis é o baixo
custo. Segundo ele, mesmo se o medicamento for feito em cápsulas, o custo
sai abaixo dos tratamentos convencionais. “Por exemplo, se um paciente
tem mucosite ou candidose, ele precisa tomar cerca de 40 comprimidos de
cetoconazol, o que fica em torno de
R$ 400. As propriedades da própolis
aliadas à preço são uma grande vantagem”, comenta. Comparada a outros
antibióticos, a própolis também sai
na frente. “Como ela é formada por
Tipos de própolis
As propriedades e a qualidade da própolis variam de acordo com a
planta de onde as abelhas retiram o material para sua fabricação. Na Europa,
ela é extraída principalmente de pinheiros e savanas. A própolis brasileira é
hoje a melhor e a mais rica do mundo. O país também é o maior produtor
mundial da resina. Um estudo desenvolvido na Universidade de Campinas
classificou a própolis brasileira em 13 tipos, que variam conforme a cor, a
composição e a consistência.
A mais comum é a própolis verde, originada do alecrim do campo (Baccharis dracunculifolia), que tem diversas propriedades terapêuticas, entre as quais
se destacam a anti-inflamatória e a antimicrobiana.A própolis de Copaíba (Copaifera landesdorffi) tem aspecto marrom escuro, quase negro. Em meados de
2005, foi descoberta, no litoral da Paraíba, a própolis vermelha, originada do
marmeleiro da praia (Dalbergia ecastophyllum), que tem causado entusiasmo
nos pesquisadores. Ao que tudo indica ela é bem mais forte que as demais
e tem excelente atuação sobre células cancerosas. Pesquisadores do mundo
inteiro, especialmente japoneses, têm se debruçado em torno de pesquisas
sobre a própolis brasileira e seus benefícios à saúde do homem.
muitos componentes químicos que
podem fazer efeito antibiótico sinergicamente, é muito mais difícil um
micro-organismo ficar resistente a ela.
Fizemos um trabalho que indicou que,
quando separamos esses componentes, os resultados não são tão bons
como quando estão todos reunidos”,
destaca Santos.
Diante de todos os benefícios, o
professor chama atenção para os cuidados no uso da própolis. “É um medicamento natural, mas não pode ser
usado de qualquer jeito. É um antibiótico e um antifúngico potente e, por isso,
não deve ser aplicado de maneira indiscriminada. É importante que saibamos
utilizá-lo com rigor dentro das normas
que qualquer medicamento exige. Hoje,
a grande maioria dos produtos farmacêuticos veio de produtos naturais que
foram aperfeiçoados e tiveram seus
princípios ativos isolados e desenvolvidos para terem maior eficácia”, alerta.
O pesquisador também atenta
para a escolha da própolis. Ele diz que
é importante comprar o produto em
estabelecimentos que façam o controle de qualidade e que garantam a boa
origem. “Se a abelha retira material de
uma planta que recebeu inseticida ou
está em ambiente poluído, ela vai levar
isso para a própolis e, se ela vem com
sujeira, poluentes ou grão de pólen,
pode causar alergia.”, destaca Santos.
Ariadne Lima
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
19
Eletrônica
O mundo sob
outra óptica
Foto: Lucas Prates
Redes neurais
artificiais
melhoram
desempenho de
sistemas ópticos
passíveis de
aplicação em
áreas como
medicina e
indústria
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
A história de David, um garotinho
que busca ser amado por sua “mãe”,
comoveu expectadores ao redor do
mundo em 2001. O enredo remete ao
clássico Pinóquio, mas no filme AI - Inteligência Artificial, dirigido por Steven
Spielberg, o conto de fadas teve ajuda
da tecnologia: a capacidade de sentir e
pensar do protagonista foi desenvolvida em laboratório, pois tratava-se de
uma criança robô. Esta é apenas uma
das obras em que o cinema retrata as
tentativas do homem de desenvolver
nas máquinas capacidade cognitiva
próxima à sua. Longe das telas, e guardadas as devidas proporções entre ficção e realidade, a ideia tem seus fundamentos e, há décadas, pesquisadores
se esforçam para criar sistemas capazes de reproduzir a forma como o cérebro humano processa informações.
São as chamadas Redes Neurais Artificiais (RNA), que têm sido empregadas
em diferentes áreas tecnológicas. Na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), um grupo da Escola
de Engenharia mostrou ser vantajosa
a utilização dessas redes em sistemas
ópticos, com aplicabilidade possível em
várias áreas. Coordenadas pelo professor Davies William de Lima Monteiro,
do Departamento de Engenharia Elétrica, as pesquisas envolveram especificamente sistemas ópticos adaptativos ou inteligentes, aqueles capazes
de detectar e corrigir, em tempo real,
imperfeições que haja em um sistema
óptico principal – que pode ser um
equipamento, como o telescópio, ou o
próprio olho humano, por exemplo.
O projeto, que partiu de um aluno
de mestrado, exigiu um esforço mul-
tidisciplinar ao integrar duas áreas a
princípio distintas. “Eu havia terminado meu pós-doutorado e tinha muitas
idéias para aplicar em microeletrônica, óptica, optrônica, mas não conhecia redes neurais. Este aluno, Antônio
Isidoro Ferreira Jr., tinha cursado uma
disciplina na pós-graduação com um
dos professores aqui do Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Elétrica especialista em RNA e propôs que
imaginássemos uma maneira de integrar essa técnica com sistemas ópticos
adaptativos”, lembra Monteiro. A proposta foi executada em 2006 e mostrou que a utilização de RNA possibilita resultados mais rápidos e precisos
que a técnica tradicionalmente usada
para detecção e correção de distorções nos sistemas ópticos inteligentes,
o método de mínimos quadrados. Hoje,
o projeto tem tido desdobramentos e
os resultados estão sendo válidos para
outros estudos, como alguns focados
em resultados práticos para a área de
oftalmologia.
Inteligência em óptica
Existem vários tipos de aberrações
que podem acometer um sistema óptico. A imagem captada por um telescópio terrestre, por exemplo, está sujeita
a turbulência, pois há camadas de atmosfera que passam entre as estrelas
e o espelho principal do aparelho. Isso
introduz na imagem da estrela observada. No entanto, se houver acoplado
a este sistema óptico principal, que é o
telescópio, um sistema inteligente, ele
é capaz de perceber quanto de deformidade a atmosfera está introduzindo
na imagem e corrigir, de maneira que
Foto: http://www.sxc.hu/photo
Técnica de otimização matemática que procura encontrar o melhor ajuste para um
conjunto de dados tentando
minimizar a soma dos quadrados das diferenças entre
os dados de referência e os
dados inseridos posteriormente a partir da distorção
óptica detectada.
se tenha uma percepção visual corrigida do objeto, apesar das distorções.
“O sistema lê a distorção e a corrige
em tempo real, em questão de milissegundos”, detalha Monteiro.
Isso é possível por meio de um sensor – denominado sensor de frente de
ondas – que recebe a luz e depois tem
seus dados analisados. “A rede neural
vem justamente para assessorar na
análise desses dados, esse é o diferencial em relação à técnica tradicional
de processamento, chamada método
de mínimos quadrados”, avalia. O
professor explica que as RNAs também usam, de certa forma, método de
mínimos quadrados, mas têm outras
vantagens que contribuem para um
resultado mais preciso.
Na rede neural, em uma tentativa
de imitar a maneira como o cérebro
humano processa informações, se estabelecem, por meio de um código
de computador, módulos que são interligados a ponto de conseguir fazer
com que uma informação de entrada
seja processada e resulte em uma saída relevante (veja box). Os pesquisadores procuraram identificar, então, a
melhor arquitetura de rede para sua
proposta. Era preciso uma rede rápida,
já que o processamento deve ocorrer
várias vezes em um segundo, que fosse robusta a erros de arredondamento computacional e que possibilitasse
chegar sempre a um resultado ótimo
(convergência). “Analisamos redes
cheias de módulos e outras mais simples. Para nossa surpresa, os resultados
da mais simples foram os melhores”,
afirma o professor.
Como possível exemplo de aplicação da rede neural a um sistema óptico, Monteiro cita um sistema bastante
conhecido: o olho humano. Supondose que um olho apresente determinadas distorções, ao incidir sobre
ele um laser específico, com potência
adequada, esse feixe retornaria tendo
impressas em si as aberrações existentes. Esse dado de saída chegaria a um
sensor capaz de captar e transformar
aquelas informações de luz em sinais
elétricos que, por sua vez, ao passar
pela rede neural, resultariam em uma
informação quantitativa de qual disfunção visual está presente. Para a RNA
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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chegar a este resultado, ela “conhece” antes uma referência
e a partir dela tenta encontrar qual é a distorção do olho
que melhor se adequa à informação de entrada. Isso é feito
depois de diversas interações e tentativas sucessivas, até
chegar a um resultado ótimo.
Uma das vantagens da RNA é o que os pesquisadores
chamam de realimentação do sinal. Ela retira uma porção
do primeiro resultado de saída, reintroduz na entrada e
deixa circular pela rede. Isso resulta em uma saída um pouco diferente, que será comparada à primeira, para avaliar se
é melhor. Se não for, o processo é repetido continuamente,
até que se consiga otimizar o resultado, tudo em milésimos
de segundos. “Isso não é comum em métodos de mínimos
quadrados convencionais, é como se a RNA fizesse uma autoverificação do seu próprio desempenho a cada momento,
até convergir para o melhor resultado”, compara Monteiro.
Além disso, a rede faz ainda uma permuta de dados – é
como se ela os embaralhasse para verificar se consegue
resolver a equação também com um grau maior de complexidade.
A princípio, o processamento de informações pela RNA
se dá por meio de um software, mas pode ser realizado
também em hardware. É possível construir circuitos que
façam esse mesmo papel e, ao invés de lançar os dados
em um computador, eles passariam por um circuito – por
exemplo, um chip – e a saída já seria o resultado.
Aplicabilidade
Foto: Lucas Prates
Os sistemas adaptativos são recentes na história da óptica. A área vem ganhando espaço nos últimos 15 anos e,
anteriormente, sua aplicação era exclusivamente militar e
astronômica. “Nos anos 1980 houve uma expansão dessa
questão, entretanto só havia projetos ligados a questões
Os sistemas adaptativos foram utilizados primeiro nas áreas militar e
astronômica e, hoje, têm aplicação na oftamologia e na transmissão
de dados por fibra óptica.
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
A mágica do espelho
Mas, afinal, após receber o feixe de laser e identificar
uma distorção, como é que o sistema óptico inteligente
consegue gerar a imagem correta? O “truque” está em
um espelho especial, chamado espelho deformável ou
adaptativo, que possui uma fina membrana de nitreto de
silício recoberta com alumínio cuja espessura é de 200
nanômetros (1 nanômetro é 1 milhão de vezes menor
que um milímetro). Quando o feixe chega ao espelho, no
início do processo, a superfície da membrana está plana
e o raio é refletido para outras lentes, até chegar no final
ao chip que possui o sensor de frente de onda. O sensor detecta possíveis distorções, transmite o sinal a uma
placa e em seguida ao computador, onde a rede neural
entra em ação e calcula que tipo de distorção há no feixe
de laser. Com base nessa informação, ela emite um sinal
de volta para o espelho, que tem a capacidade de adotar
uma forma que seja adequada para que na segunda vez
que o feixe passar ele seja corrigido. “O espelho pode se
adaptar, o princípio é parecido com aquela brincadeira de
circo, em que um espelho mostra a pessoa gorda, magra,
alta, baixa, ele pode se adaptar”, diverte-se Monteiro.
Redes de inteligência artifial
Redes neurais naturais são os mecanismos que
o cérebro humano utiliza para fazer as conexões de
informação. As Redes Neurais Artificiais (RNA) são,
portanto, uma tentativa, primeiro em computador e
posteriormente em hardware, com circuitos, de imitar
esse processo. Trata-se de um método para solucionar
problemas através da simulação do cérebro humano: um
dado que entra é processado e na saída apresenta como
resultado uma informação adicional, útil a determinado
propósito. A idéia é reproduzir o comportamento do cérebro na sua capacidade de aprender, errar e fazer descobertas.
bélicas e a astronomia, pois era onde se tinha mais investimentos em projetos de custo elevado”, lembra Monteiro.
Segundo ele, apenas na década de 90 houve uma tendência a tornar esses componentes mais acessíveis, facilitando
pesquisa em outros setores e apontando para aplicações
médicas, industriais e científicas. Na França, a Renault já utiliza em sua fábrica um sensor de frente de ondas capaz de
monitorar a qualidade de uma peça de precisão dos seus
carros. Por meio de um feixe de laser, é feita uma leitura da
peça para verificar se está dentro das especificações ou se
há defeitos, ainda que mínimos. Entretanto, não são utilizadas ainda redes neurais artificiais.
Monteiro explica que o projeto desenvolvido inicialmente utilizou uma rede generalista, que em um sistema
também geral serviu de maneira satisfatória para comprovar as hipóteses apresentadas. “Não seria o ótimo para um
fim específico, mas atende ao propósito que buscávamos,
Foto: Lucas Prates
de mostrar que seria melhor que o
método anterior”, diz. Como vantagens da rede neural sobre o método
de mínimos quadrados, neste sistema
ela aponta maior rapidez, imunidade
a erros de arredondamento e a convergência obtida em 100% dos casos.
Em termos de custos, não haveria diferença, visto que implica apenas em
um código diferente de programação.
As adequações a serem feitas na rede,
para finalidades específicas, são mínimas, segundo o professor. Ajustes
finos poderiam ser feitos para trabalhos em oftalmologia, astronomia, na
inspeção de peças na indústria e na
melhoria dos sistemas de transmissão
de dados por fibra óptica.
Para que as redes neurais passem a
ser efetivamente aplicadas a esses processos, Monteiro acredita que o primeiro passo seria um convencimento
geral em relação à capacidade dos
sistemas ópticos adaptativos. “Por ser
uma área recente, pouca gente conhece o seu potencial a ponto de já colocar isto em um processo industrial.
Hoje ainda são poucos os exemplos,
mas acredito que no futuro haverá
uma demanda muito maior”, prevê.
Foco na oftalmologia
Na área de oftalmologia, são várias
as aplicações possíveis da óptica adaptativa. Atualmente, está sendo desenvolvido por um aluno de doutorado da
Escola de Engenharia, o físico Otávio
Gomes de Oliveira, o projeto de um
algoritmo (sequência de instruções)
de análise de imagens específico para
detecção de aberrações oftálmicas, a
ser executado em um processador
digital, permitindo redução de custos,
portabilidade e otimização. A ideia é
eliminar o computador de um sistema óptico adaptativo fechado, ocasionando ainda uma redução significativa
dos custos. “Além de contribuir para
um maior entendimento da qualidade da visão humana, essas medições
podem permitir o uso de métodos
avançados para correção dos defeitos
da visão humana”, adianta Oliveira. A
pesquisa conta com a participação de
Davies William Monteiro, pesquisador da UFMG: os sistemas inteligentes lêem as distorções e
as corrigem em tempo real, em questão de milissegundos.
um estudante da Faculdade de Medicina, que colabora com informações
sobre as necessidades de equipamentos oftálmicos.
Outra possibilidade trabalhada
pelo grupo de pesquisa do Laboratório OptMA, coordenado por Monteiro,
é conseguir, por meio das informações
extraídas por um sistema óptico inteligente, gerar um arquivo personalizado
de pacientes de oftalmologia, de forma
a oferecer o laudo de uma lente de
contato única por indivíduo, capaz de
corrigir distorções complexas que ele
tenha no olho e posteriormente corrigi-las com lentes oftálmicas personalizadas, também investigadas na UFMG
sob sua coordenação.
Virgínia Fonseca
Projeto: “Sistemas ópticos
inteligentes assistidos por redes
neurais”
Modalidade: Edital Jovens
Doutores
Coordenador: Davies William de
Lima Monteiro
Valor: R$ 12.972,00
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Silvicultura
Alternativa
ecológica
Pesquisas identificam novos usos
para a madeira de eucalipto
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Eucalipto aos nossos pés
Apresentar o eucalipto como opção para o mercado de pisos de ma-
Foto: arquivo Ufla
Os viajantes, certamente, já notaram, de passagem pelas estradas
mineiras, a presença de inúmeras
plantações de eucalipto. Tal fato não é
mera coincidência, já que Minas Gerais
detém a maior área reflorestada com
a árvore, em todo o Brasil. Em parte,
pela demanda das indústrias e, em outra, pelos incentivos oferecidos aos
produtores que se engajam na política
de reflorestamento.
Cultivado em grande escala por
empresas, principalmente para a produção de carvão vegetal (em sua
maioria para a siderurgia) e celulose
(substância utilizada na fabricação de
papéis), o eucalipto é popularmente
lembrado por seu perfume, recorrente em produtos aromáticos. Além
disso, também está presente, no imaginário coletivo, como uma árvore que
possui madeira inferior, especialmente
se comparada àquelas chamadas de
“madeiras nobres”, como cedro e jacarandá, por exemplo.
Felizmente, esse equívoco vem
perdendo força, sobretudo pelos resultados de estudos realizados sobre a
qualidade e versatilidade desse vegetal.
Com rápido crescimento, fácil adaptação e alta produtividade, o eucalipto
representa uma forte alternativa para
a fabricação de diversos produtos,
como móveis e pisos, e, ainda, pequenos objetos de madeira, provenientes
do artesanato. Gradativamente, a análise de seus atributos tem permitido
aos especialistas identificar maneiras
economicamente viáveis de incorporar os produtos dessa árvore à rotina
da população.
Essa sinalização está presente em
dois projetos desenvolvidos por pesquisadores da Universidade Federal
de Lavras (Ufla), com o apoio da FAPEMIG. Em comum, os trabalhos observaram a aplicação e resistência da
madeira de eucalipto e de seus resíduos para outras finalidades. Ao longo
das pesquisas, o material também foi
comparado aos produtos tradicionais,
em testes realizados nos laboratórios
da universidade.
Os pisos confeccionados com madeira de eucalipto obtiveram resultados promissores em
testes de resistência e desgaste, sendo uma opção atrativa para a indústria
deira foi um dos objetivos do projeto
coordenado pelo professor e pesquisador do Departamento de Ciências
Florestais da Ufla, José Reinaldo Moreira da Silva. Com uma equipe composta
por 13 membros, entre professores
e estudantes de pós-graduação e graduação, a pesquisa partiu em busca de
uma proposta para o uso alternativo
da madeira de eucalipto, tendo como
base as espécies Eucalyptus clöeziana,
Eucalyptus microcorys e Eucalyptus maculata. “Essas espécies são, habitualmente,
utilizadas na produção de carvão vegetal”, explica Moreira. “No entanto, por
terem alta densidade, apresentam boa
resistência mecânica, o que é ideal para
os pisos de madeira”.
O projeto foi viabilizado a partir
da doação de madeira tanto por uma
empresa produtora de carvão vegetal,
como também pelas áreas de plantio
de testes da própria universidade. Já as
madeiras de pau-marfim, comumente
vendidas, foram adquiridas no mercado local, com recursos previstos pelos
pesquisadores, para comparação.
Após a produção e confecção dos
pisos, a equipe promoveu ensaios de
simulação de uso, de forma a caracterizar a resistência do produto quanto à
queda e arraste de objetos, ao pisoteio
de saltos de pequenas dimensões, bem
como ao desgaste pelo atrito com
superfícies ásperas. “Durante todo o
momento, comparamos o material de
eucalipto com o piso tradicional”, revela. “Comprovamos que, na maioria
dos casos, as madeiras de eucalipto se
comportaram melhor que a mercadoria comercialmente chamada de paumarfim”, destaca.
Outro resultado ressaltado pelo
professor diz respeito à coloração do
produto que, entre as espécies, variou
de um tom castanho a outro mais
avermelhado. “Os pisos de madeira
de eucalipto passam a ser um suporte
tecnologicamente viável para as empresas”, afirma.“Para os consumidores,
surgem novos produtos, de diferentes
colorações”, visualiza o pesquisador.
Questionado sobre os atrativos
do projeto para a produção industrial,
o professor revela que ainda não foram realizadas análises econômicas da
confecção de pisos. De acordo com
Moreira, os mercados moveleiro e da
construção civil ainda não encontram
muitas referências de valor para a padronização, e, assim, o projeto quis dar
o primeiro passo. “Em 2009, realizaremos, ainda, testes de atrito”, observa.
Tão logo sejam concluídos, os estudos
finais vão permitir aos pesquisadores
traçar parâmetros conclusivos sobre
a segurança das pessoas ao caminhar
pela superfície de madeira.
Em um outro momento, a equipe
pretende, também, investigar a instalação dos pisos, apontada por Moreira
como um dos grandes focos de reclamações dos consumidores. Problemas
como assentamento incorreto, excesso ou falta de cola, umidade e falta de
espaço para dilatação serão, então,
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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destrinchados pelos pesquisadores.
Pequenos objetos
Fotos: Arquivo Ufla
Coordenador do outro estudo
desenvolvido, o também professor do
Departamento de Ciências Florestais
da Ufla, José Tarcísio Lima, reuniu uma
equipe de estudantes, professores, laboratoristas, marceneiros e artesãos
para verificar as possibilidades de
aproveitamento dos resíduos gerados
pelo desdobro da madeira de eucalipto. “Antes de iniciar a pesquisa, fizemos uma investigação e percebemos
que o eucalipto não era comumente
empregado por artesãos”, destaca o
professor. “De outro lado, lamentavelmente, também constatamos que
a disponibilidade de madeiras nativas
tradicionais começava a diminuir, e,
com ela, a oportunidade de trabalho
para esses profissionais”, pontua.
A utilização da madeira de eucalipto na
produção de peças artesanais é outra opção
para o aproveitamento dos resíduos
Motivada pela representatividade
do artesanato e a escassez da madeira nativa, matéria-prima mais comum
para o artesão, a equipe avaliou o volume de madeira de eucalipto em Minas
Gerais e decidiu estudar alternativas
para que a utilização da espécie se
transformasse em uma possibilidade
real para o artesanato. Para tanto, Lima
revela que o projeto contou com a
contribuição de diversas empresas do
ramo. Elas cederam parte da madeira
das espécies Eucalyptus grandis, Eucalyptus saligna e Eucalyptus clöeziana, que
seria utilizada na produção de carvão
e celulose. As madeiras foram serradas
e, em seguida, os resíduos do desdobro
foram processados em laboratório. O
próximo seguinte foi a transformação
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
do material gerado em objetos de madeira, criados à imagem e semelhança
dos modelos já existentes no mercado,
feitos com árvores tradicionais.
“Na sequência, visitamos várias regiões para a realização de oficinas com
os artesãos, tendo Lavras como nosso
principal laboratório”, contextualiza.
O trabalho também se repetiria nas
regiões do Vale do Jequitinhonha, Sul e
Noroeste de Minas, nos municípios de
Prados e Belo Horizonte e nos estados do Espírito Santo e Bahia. “Nesses
encontros, apresentamos a tecnologia
e, em Lavras, cedemos o material para
que os artesãos pudessem testar e
avaliar a madeira. Ao fim, compramos
os produtos gerados, etapa também
prevista no projeto. Hoje, já há artesãos produzindo com eucalipto aqui
em Lavras, assim como em outras regiões”, indica o professor.
A divulgação para o público em geral ocorreu tanto em feiras de artesanato como a convite de empresas interessadas. “Nosso trabalho foi sempre
apresentado com madeira in natura,
sem acabamento, para que todos pudessem identificar a madeira de eucalipto. Do contrário, se estão pintados,
bem acabados, ficam muito parecidos
com os tradicionais”, equipara.
As coleções expostas variaram entre as colorações amarelada, parda e
rosada. As pessoas também tiveram a
oportunidade de compreender, em palestras, a necessidade de suporte tecnológico para o trabalho com o eucalipto.
“Temos madeiras nativas que são trabalhadas com facilidade, como as de cedro,
jacarandá, entre outras. O eucalipto, ao
contrário, é mais industrial”, compara Lima. Para esse processo, um ritmo
de produção industrial demandará não
só regularidade de suprimentos, como
também acompanhamento especializado. “É preciso ciência. Afinal, o processo
não nasceu ao acaso”, adverte.
De acordo com o professor, o projeto não só encerrou a sua primeira
proposta, como também já se desdobrou em novos desafios e questionamentos. “Nosso trabalho mais recente
tem sido no sul da Bahia. Por lá, existem sérios problemas com a utilização ilegal de madeira nativa da Mata
Atlântica, como do Parque Nacional
de Monte Pascoal”, comenta. “Para solucioná-lo, uma companhia local decidiu buscar parceiros para promover a
mudança de matéria-prima. E o nosso
trabalho foi considerado para esse objetivo”, ressalta, com orgulho. Outro
convite recebido pela equipe partiu
de professores da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Os especialistas
pretendem, com o apoio dos pesquisadores da Ufla, difundir, na região, o
aproveitamento de resíduos de vegetação da caatinga. “No Nordeste, este
trabalho desempenha uma importante
função social, principalmente com a
geração de lenha para uso doméstico
e de pequenas indústrias”, salienta.
Impactos ambientais x
economia
Os dois projetos se encontram ao
tratar da questão do aproveitamento
de serrarias. Questionados quanto à
necessidade, enfrentada pelas empresas, de buscar alternativas adequadas
às políticas ambientais, além de soluções mais econômicas para o processo produtivo, ambos os coordenadores destacam a relevância dos apelos
tecnológico e ecológico das pesquisas.
“A madeira é biodegradável, orgânica, renovável e gasta pouquíssima
energia para ser processada”, caracteriza Lima, comparando a demanda
energética da árvore para a produção
de madeira à de refinarias de petróleo e usinas nucleares. Para José Reinaldo Moreira da Silva, a utilização do
eucalipto para a fabricação de pisos
torna-se não apenas uma solução mais
econômica, mas também uma alternativa de preservação das espécies tradicionais, que têm menor produtividade
e não têm tanta disponibilidade, como
o eucalipto. “Esses estudos irão fornecer subsídios para o desenvolvimento
do setor madeireiro, em especial o de
pisos de madeira, incluindo o aproveitamento dos resíduos do processo
produtivo para a produção de painéis
e pequenos objetos, e também na geração de energia térmica, na produção
de briquetes”, projeta.
De acordo com a cartilha “Por dentro do eucalipto”, disponibilizada, na
internet, pela Associação Mineira de Silvicultura (AMS), cada hectare de flores-
ta plantada de eucalipto gera a mesma
quantidade de madeira que 30 hectares
de florestas tropicais nativas. Dessa forma, o eucalipto pode ajudar consideravelmente a diminuir a pressão sobre
as madeiras tradicionais e viabilizar “a
produção de madeira para atender às
necessidades da sociedade em bases
sustentáveis”, completa o documento.
Lacunas e obstáculos
A coloração em tons variados significa
também mais opções para os consumidores
Nem mesmo o rápido crescimento
e a possibilidade de ser utilizado para
diversas finalidades afastam o eucalipto de certos problemas. Embora essa
árvore, nativa da Austrália e de ilhas
vizinhas, esteja presente, hoje, segundo
informações da Sociedade Brasileira de
Silvicultura (SBS), nos cinco continentes
e em todos os estados brasileiros, com
cerca de 1,1 mil hectares de área plantada somente em Minas Gerais (2007),
sua fartura entra em conflito com a sua
disponibilidade. “Muitas dessas árvores
já são plantadas para atender aos interesses específicos das empresas, como
para produzir carvão e celulose”, explica Lima. Para reverter esse quadro, o
professor defende a adoção de políticas de incentivo, para que o empresário
possa destinar parte de suas florestas
a outros fins, como móveis, construção
civil, artesanato e expressão cultural.
De acordo com a gerente de Incentivos Econômicos à Sustentabilidade do Instituto Estadual de Florestas
(IEF), Maria das Graças Rocha, não
existe, de fato, uma política exclusiva
para a destinação de árvores ao artesanato. Porém, existem incentivos
direcionados ao plantio do eucalipto
e prática do reflorestamento. "Os produtores recebem pequenos insumos
e assumem o compromisso de cultivar corretamente as áreas", observa.
"Vale destacar que, nesses projetos, o
produtor é livre para definir o que vai
fazer com a madeira gerada, sem restrições”, detalha a gerente.
O princípio da responsabilidade social é lembrado pelo professor
como possível fonte de solução para
o problema. “Existe, em boa parte dos
proprietários de áreas de reflorestamento, a intenção e a necessidade de
trabalhar em sintonia com a comunidade”, aponta. Essa ideia, inclusive, encai-
xa-se com a opinião da representante
do IEF. "As empresas têm em sua missão o compromisso social”, argumenta
Maria das Graças. “Como a quantidade
de madeira demandada para o artesanato não costuma ser muito grande,
as doações poderiam ser viabilizadas.
Até mesmo árvores que já passaram
da idade de colheita para a produção
de carvão e celulose poderiam ser doadas", exemplifica.
Outro entrave levantado por Lima
é a questão mercadológica relacionada aos produtos do eucalipto. “Normalmente, o artesão não tem grande
capacidade de investimento. Ele não
estoca matéria-prima, mas trabalha
com a madeira que obtém”, comenta.
“Muitos deles disseram, ao fim da experiência, que se adaptaram à madeira,
mas não têm ideia de como conseguir
comprá-la. Nem sabem, por exemplo,
se há mercado para essa finalidade”,
caracteriza, lembrando que já existe
uma demanda tradicional pelos produtos feitos com as madeiras nativas.
Para preencher essa lacuna, o
pesquisador considera fundamental a
realização de um levantamento técnico. “Seria interessante que alguma
instituição ligada ao mercado de trabalho pudesse avaliar, precisamente,
qual é o espaço e a aceitação desses
produtos, para orientar os pequenos
empresários e artesãos”, sugere. Até o
momento, no entanto, nenhum estudo
de mercado foi agregado ao projeto.
“Está aberto para quem se interessar”,
sinaliza o professor.
Guilherme Amorim
Projeto: “Confecção e avaliação
de pisos de madeira de Eucalyptus
clöeziana”
Modalidade: Edital Produtos
Moveleiros
Coordenador: José Reinaldo
Moreira da Silva
Valor: R$50.228,34
Projeto: “Pequenos objetos
de madeira de eucalipto –
possibilidades de aproveitamento
de resíduos de serrarias”
Modalidade: Edital Florestas
Renováveis
Coordenador: José Tarcísio Lima
Valor: R$ 47.827,50
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Lembra dessa?
Enquanto o antisséptico não
chega aos estabelecimentos comerciais, vale lembrar que a escova
precisa de alguns cuidados para que
seja alcançada uma boa higienização. Dentre as recomendações está
lavar bastante até retirar todos os
resíduos, armazenar em local arejado e limpo e que receba iluminação
regularmente. Os cuidados podem
ajudar a evitar, inclusive, casos reincidentes de inflamações na região
da boca, como laringite e faringite.
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
organismos, sendo um tipo de fungo
(Cândida albicans) e quatro bactérias
(Streptobacillus sp., Gram negativo, Sthaphilococcus sp., Gram positivo, Streptococcus sp., Gram positivo e Lactobacillus sp.,
Gram positivo).
A princípio, o objetivo do projeto
era somente a análise dos materiais
coletados nas escovas dentais. No entanto, a curiosidade dos estudantes e,
especialmente, dos familiares e amigos
que contribuíram com a pesquisa incentivaram sua continuidade. “As pessoas entrevistadas queriam saber como
deveriam proceder após comprovada
a existência de bactérias nas escovas”,
lembra Vitor Hugo Fernandes, na época estudante e membro da equipe. Daí
surgiu a proposta de desenvolver um
segundo projeto: “Estudo para o desenvolvimento de um produto sanitizante para escovas dentais”.
O desenvolvimento de uma
caixa protetora autossanitizante foi
a primeira tentativa da equipe, mas
logo foi descartada pelo alto custo da
produção, o que dificultaria o acesso à
maioria da população. Partiu-se, então,
para a produção de uma solução a base
de ácido salicílico, uma vez que esse
produto apresenta um baixo custo de
produção e o método utilizado para
purificá-lo é bastante simples (recristalização). Dessa maneira, chegou-se a
uma substância que é de baixo custo,
viável e de fácil comercialização e já é
Foto: Gláucia Rodrigues
Utensílio indispensável para a higiene bucal, a escova de dentes pode
guardar surpresas desagradáveis para
seus usuários. O armazenamento inadequado, por exemplo, pode levar à
proliferação de fungos e bactérias. Essa
foi a conclusão de um projeto desenvolvido por alunos do curso técnico
de Química da Fundação Educacional
de Montes Claros (FEMC), coordenado pela professora Sandra Damasceno.
O projeto, denominado “Análise microbiológica das escovas dentais”, foi
apresentado em uma reportagem da
revista Minas Faz Ciência nº 27.
O tema a ser pesquisado foi proposto pelos próprios alunos após participarem de um Congresso de Química, na cidade de Ouro Preto (MG). Os
estudantes começaram a desenvolver
o trabalho através de pesquisas com
familiares, amigos e vizinhos, a respeito da maneira de armazenamento das
escovas dentais. A opção por trabalhar
com pessoas próximas teve como objetivo facilitar o controle da própria
pesquisa.
Naquela época, os estudantes coletaram amostras de materiais em escovas armazenadas de quatro formas
diferentes: imersas em copos d’água,
guardadas em armários, em caixas plásticas e expostas. A equipe verificou que
todas as maneiras de armazenamento
apresentavam contaminação. Foram
identificados cinco grupos de micro-
Foto: Gláucia Rodrigues
Abaixo às bactérias
utilizada em alguns antissépticos bucais e em determinados procedimentos cirúrgicos.
Atualmente, a equipe vem realizando inúmeros testes visando adequar a
substância às exigências das autoridades de saúde e das normas sanitárias.
“É através desses testes que serão
agregados os corantes, as essências e
definidas as questões relativas à estabilidade, formas de armazenamento e
prazo de validade”, acrescenta Vitor
Hugo, hoje graduando de Engenharia
Química. Uma das prioridades da equipe é explorar a substância em toda sua
proporção, antes que ela seja levada
ao mercado. Mesmo em fase de “acabamento”, já existem empresas interessadas em conhecer melhor o produto.
Engenharia
Bons
ventos
para
pesquisa
Projeto de Engenharia resulta no
primeiro túnel de vento de Minas
Gerais
Recriar um furacão dentro do laboratório. É algo parecido com isso que o
túnel de vento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) irá fazer. O
equipamento, recém-instalado no Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos
Hídricos (CPH) da Universidade, permite a realização de testes e o estudo dos
efeitos do movimento do ar em equipamentos e produtos. A partir de simulações das condições de uso, a equipe de pesquisadores obtém dados sobre
qualidade, desempenho e redução de consumo.
O projeto foi elaborado pelos professores do Departamento de Engenharia
da UFMG. Este é o primeiro túnel de vento para pesquisa e desenvolvimento
de produtos de Minas Gerais. Trata-se do segundo maior do Brasil, sendo que o
primeiro está localizado em São José dos Campos, no Centro Técnico Aeroespacial (CTA). O túnel mineiro tem 20 metros de comprimento, 7 de largura, 6 de
altura e pesa 15 toneladas.A intensidade dos ventos em seu interior pode atingir
mais de 400km/h. Para se ter uma ideia, um dos furacões de maior intensidade,
nomeado Gilbert, formou-se no México, em 1988, com ventos que alcançaram
296km/h quando tocaram a terra, o que o classifica como um furacão de categoria cinco, a mais alta medida de intensidade de um furacão.
O túnel é um imenso tubo retangular cujas extremidades se encontram.
Como explica o coordenador do projeto, Ramon Molina Valle, dentro desse
circuito fechado há uma corrente de ar criada por um motor. O motor succiona
o ar e o faz circular no interior do equipamento, com velocidades reguláveis.
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Parcerias
Além de beneficiar as atividades de pesquisa que
já se encontram em desenvolvimento em várias universidades e centros de pesquisa de Minas Gerais,
com o túnel de vento será possível dar início a diversos estudos que antes não seriam viáveis pela falta do equipamento. De acordo com Valle, a própria
UFMG tem vários projetos em andamento, dentre
eles protótipos de aeronaves e veículos que precisam
do Túnel de Vento para serem testados.“Assim como
o túnel do CTA, em São José dos Campos, que possui
filas para utilização, a demanda de pesquisa para esse
tipo de equipamento é muito grande em todo o estado de Minas Gerais. E não somente universidades,
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Foto: Marcelo Focado
Foto: Marcelo Focado
Foto: Marcelo Focado
Foto: Marcelo Focado
Dessa forma, é possível estudar aspectos aerodinâmicos como distribuição de pressão e forças que atuam
sobre o objeto estudado. Os dados contribuem para a
otimização de vários projetos de pesquisa, não só nas
áreas automobilística e aeronáutica. “Toda a aerodinâmica de um carro ou de um avião pode ser medida;
qualquer projeto estrutural que vai ser submetido a
vento como, por exemplo, torres de linha de transmissão, prédios ou turbinas eólicas, pode ter seu desempenho simulado no túnel, obtendo-se, assim, parâmetros que ajudam a aprimorar o resultado. O sistema
ainda pode ser utilizado para a calibração de milhares
de instrumentos de medição. As possibilidades de utilização do túnel são enormes”, cita o professor. A demanda pelo equipamento é antiga. A primeira tentativa foi a construção de um pequeno protótipo utilizado para aulas didáticas, mas que não cobria
as dimensões do equipamento. Observou-se então
a necessidade de um túnel maior, específico para
o desenvolvimento de pesquisas e testes de equipamentos. Sua aquisição foi possível com recursos
da ordem de R$350 mil viabilizados pela FAPEMIG
através de seu edital de Aquisição de Equipamentos
de Custo Elevado. A instalação nas dependências do
Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos (CPH), no campus Pampulha da UFMG, é provisória. A montagem tem como objetivo a avaliação da
estrutura, já que as peças foram fabricadas separadamente.Também estão sendo realizados os primeiros
testes de funcionamento básico, instrumentação e
motor, eliminando possíveis problemas da construção e vazamentos.
O funcionamento pleno do túnel está previsto
para novembro de 2009, data do término da construção do galpão onde será instalado definitivamente, na Escola de Engenharia da UFMG, no campus
Pampulha. O galpão está dentro do cronograma de
obras do projeto Campus 2000, que prevê uma série
de melhorias dentro do campus, além da construção
da Escola de Engenharia com um complexo de laboratórios junto aos quais está o galpão que será o
destino final do túnel de vento.
O túnel de vento, com 20 metros de comprimento e 15 toneladas, criará
correntes de grande velocidade para estudo de aspectos aerodinâmicos
Foto: Marcelo Focado
Ramon Molina Valle no interior do equipamento que pode produzir ventos de mais de
400km/h
mas também empresas estão interessadas em utilizá-lo”.
Entre as empresas que podem se
beneficiar do equipamento estão a
Cemig, Furnas, Fábrica Brasileira de
Aeronaves (Fabe), Fiat, além de fabricantes de equipamentos de ventilação
industrial, componentes automotivos e
estruturas metálicas. Também empresas do setor aeronáutico, automotivo,
de geração de energia e de setores industriais ligados à mecânica de fluidos
(ventiladores industriais, sistemas de
refrigeração, etc), poderão desfrutar
das pesquisas realizadas. Para o professor, o intercâmbio entre universidade e empresas é um aspecto positivo.
“Até para um aumento de parcerias
entre instituições e empresas interessadas na utilização, o túnel de vento
poderá contribuir, como já acontece
no próprio CTA”, diz Valle.
Um dos projetos que será beneficiado pelo túnel de vento é o desenvolvimento de um protótipo de
sistema de geração elétrica através
de turbinas eólicas, que já está em seu
quinto mês de execução. Esse projeto
se encaixa na meta do Programa Emergencial de Energia Eólica do Ministério
de Minas e Energia que visa ampliar a
capacidade de geração elétrica brasileira através de fontes renováveis de
energia. Como ressalta o coordenador do trabalho, João Vasconcelos do
Departamento de Engenharia Elétrica,
“esse tipo de produção de energia é
extremamente sustentável e gera um
retorno bastante razoável onde houver potencial eólico”.
O setor de energia eólica está em
franca expansão mundial, mas ainda dá
seus primeiros passos no Brasil devido à pouca inovação tecnológica para
o setor. No caso do projeto do professor Vasconcelos, por exemplo, os
modelos computacionais das hélices
necessitam de dados bidimensionais, e
sua validação só é realmente confiável
através da realização de ensaios no túnel de vento. De acordo com Ramon
Valle, o estudo terá seu término coincidindo com a previsão de inauguração
do túnel. “Até o final do ano teremos
Engenharia Aeroespacial
Não só os pesquisadores e professores serão beneficiados pelo novo
equipamento, mas também os alunos. O túnel de vento vai compor a estrutura de laboratórios do curso de Engenharia Aeroespacial, graduação que
passou a ser oferecida pela UFMG em 2009. Segundo Valle, o curso, que é um
aprimoramento da aeronáutica estudada no curso de Engenharia Mecânica,
propiciará um grande avanço em termos de capacitação em formação de
engenheiros.
O projeto do túnel de vento, juntamente com o galpão onde será definitivamente instalado, faz parte da infraestrutura interna do complexo de
laboratórios da nova Escola de Engenharia no campus Pampulha, que terá
cerca de 1,9 mil m² para as salas de aula e os laboratórios dos departamentos
de Engenharia. condições de testar o protótipo da
turbina dentro do túnel para prever
uma série de eventos”. O projeto, que
já foi aprovado pela Cemig e submetido à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), terá como parâmetro as
condições de vento das várias regiões
do Estado, de forma que a turbina funcione de acordo com a capacidade de
vento local.
Mais benefícios para
pesquisa
Sobre a série de experimentos que
será realizada no túnel, o professor
ressalta sua importância para estabelecer limites e parâmetros de referência.
“Hoje ainda existem, por exemplo, vários problemas sérios com relação às
normas nos projetos de linhas aéreas
de transmissão que são muito antigas.
Faz-se necessária a correção dessas
normas, que, em sua maior parte, se
dá através de testes com protótipos
em túnel de vento”.
É notável ainda que, com o túnel,
Minas Gerais alcançará um patamar
elevado em termos de capacidade para
pesquisa em relação aos outros estados do país. Durante a realização do
projeto, foram feitas diversas visitas à
Alemanha, por sua larga experiência na
área, e ao Rio Grande do Sul, que possui, em Porto Alegre, um túnel de vento relativamente grande, com uma demanda enorme em pesquisa. “Mas que
é menor que o nosso”, lembra Valle.
“A possibilidade de se aventurar
mais permitirá o avanço em pesquisas que muitas vezes são limitadas
pela falta de infraestrutura e de equipamentos”. O professor cita alguns
protótipos que estão em desenvolvimento devido e que utilizarão o túnel:
“Estamos trabalhando no projeto de
uma aeronave de competição bastante
audaciosa e no túnel de vento poderemos quantificar e ter certeza se ela
vai ou não atingir os limites esperados.
Nós temos ainda alguns protótipos
em desenvolvimento tanto na área automotiva como na área da aeronáutica, cuja conclusão depende de ensaios
no túnel de vento”.
Raquel Emanuelle Dores
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Do campo ao
Agricultura
laboratório
Foto: Nilmar Lage
Pesquisadores de
Caratinga testam e
aprimoram fórmula
de repelente contra
a mosca branca,
principal praga do
tomateiro
Uma escola pública no interior de Minas, alguns alunos dispostos a aprender e uma professora com vontade de transformar
conhecimento em resultados. Esses foram os principais componentes de uma fórmula que, embora não seja química, serviu a vários estudantes carentes da região de Caratinga, no Leste mineiro.
À época, a professora Ivoni Reis lecionava Química para o Ensino
Médio da Escola Estadual Deputado José Augusto Ferreira e, após
as aulas, reunia seus alunos no laboratório. Da experiência, surgiu
uma pequena fábrica de produtos químicos, como ceras, desinfetantes, detergentes, xampus, sabonetes e cremes hidratantes. O
dinheiro das vendas resultou em uma boa reforma para a escola,
incluindo a construção de um anfiteatro e um gabinete para atendimento odontológico.
Na pequena fábrica, que funcionou de 1986 a 1991, todos
contribuíam. Os que eram mais aptos em matemática calculavam
os custos, os que eram bons de comércio negociavam as taxas e
aqueles que desenhavam bem criavam o design das embalagens.
“Ensinamos a eles como serem empreendedores, produtores e
ganharem a vida. Hoje muitos desses meninos são donos de indústrias na região”, orgulha-se Ivoni Reis, que atualmente é professora
e coordenadora do curso de Química e do mestrado em Ciências Naturais e da Saúde do Centro Universitário de Caratinga
(Unec). Foi com esse espírito de ajudar a formar futuros cientistas
e empresários que ela, juntamente com dois outros professores,
orientou a pesquisa vencedora da mostra de trabalhos do 2º Seminário Estadual de Iniciação Científica da FAPEMIG, promovido
em novembro passado.
Concorrendo com 170 trabalhos, vindos de universidades públicas e particulares de todo o Estado, a então bolsista e estudante
de Química, Lílian Soares Santos, apresentou a pesquisa “Preparação e uso de emulsão repelente biocompatível para Bemisia tabaci
(mosca branca)”. “Receber o prêmio foi muito bacana. Trabalho
com pesquisa porque gosto e não esperava ter um resultado tão
bom”, diz Lílian, que hoje estuda farmácia e é responsável química
por uma indústria de produtos de limpeza. Ela também pretende
continuar a carreira acadêmica. “A iniciação científica foi muito
importante, cresci muito. Pesquisando, a gente aprende a interagir
com o assunto e a buscar tudo, não achar respostas prontas”, diz.
Proteger sem prejudicar
A mosca branca, que mede cerca de 8 milímetros, coloca ninfas
(pequenos ovos) sobre as folhas e os frutos do tomate. Quando
elas eclodem, as larvas sugam as folhas e ainda depositam um vírus
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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Foto: Nilmar Lage
A coordenadora da pesquisa, Ivoni Reis, acredita na
importância da Iniciação Científica para a formação de
pesquisadores.
Foto: Nilmar Lage
que destrói a planta completamente. Produzido a partir de ingredientes naturais, o repelente mata as ninfas e mantém as moscas
brancas afastadas da lavoura. Além do tomate, a mosca branca ataca outras culturas, como o jiló, o feijão e algumas frutas, principalmente a goiaba.
A ideia nasceu da engenhosidade do agricultor Milton Ribeiro de Freitas que, curioso, desenvolveu uma fórmula à base de
eucalipto para utilizar nas próprias plantações. “Tenho mania de
pesquisa, estou sempre pesquisando. Faço isso há 20 anos”, diz.
Para ganhar cunho científico e poder ser comercializada, a fórmula
desenvolvida pelo agricultor precisava, no entanto, passar pela análise de pesquisadores. Foi, então, que ele procurou a Unec. “Não
adianta eu dizer que isso ou aquilo é bom, é preciso que os pesquisadores digam”, destaca.
“Ele é um pesquisador nato”, diz Ivoni Reis. Os fatos não contradizem a professora. Além do repelente, Milton Ribeiro desenvolveu outras quatro fórmulas, que ofereceu para serem analisadas
e aperfeiçoadas pela Universidade. Uma delas, um medicamento
que promete curar a asma, já está sendo alvo de um dos estudos
do curso de mestrado em Ciências Naturais e da Saúde. “Como
é uma pesquisa da área de saúde, o processo é mais demorado”,
explica Ribeiro.
A primeira fórmula do repelente contra a mosca branca, na
época ainda sem respaldo científico, foi aplicada em hortas de
jiló e feijão. Os resultados foram positivos. Os pesquisadores da
Unec decidiram, então, testar o produto em tomateiros, já que
a mosca branca é a principal praga do tomate, também bastante
prejudicado pelo uso de agrotóxicos. O fruto é considerado um
aliado contra o câncer, especialmente o de próstata, mas o uso de
inseticidas prejudiciais podem interferir nessas propriedades. Ivoni
Reis realizou testes em laboratório com tomates aparentemente
saudáveis, a fim de verificar essas alterações. “Verifiquei que os tomates que receberam agrotóxicos, ao invés de prevenir, poderiam
causar câncer”, relata a professora.
É exatamente este o grande diferencial da fórmula biocompatível: não é tóxica, sendo inofensiva para a planta, o fruto e
os aplicadores, além de garantir um produto saudável à mesa
do consumidor. O principal defensivo utilizado contra a mosca
branca atualmente é cancerígeno e responsável por intoxicações. “Na vontade de reverter isso, passamos a testar diferentes
concentrações do repelente em tomates e, novamente, no jiló,
no milho e na couve. Em todos os casos, o sucesso foi estrondoso. Nossos produtos não causavam mal ao aplicador, ao meio
ambiente, ao solo e davam resultado muito melhor do que o
produto concorrente”, diz Ivoni. O preço do repelente também
é atrativo. Segundo a pesquisadora, ele é 20 vezes mais barato
que o inseticida do mercado.
Nos laboratórios da Unec, a fórmula original do repelente
passou por todos os testes e análises necessários para comprovar cientificamente a sua eficácia. A comprovação aconteceu por
meio de testes in vitro e de campo. Na experiência final, foram
acompanhadas três fileiras de plantação. Uma delas recebeu o
repelente orgânico, a outra recebeu o produto concorrente e a
terceira não recebeu qualquer tipo de intervenção. Após o fim da
colheita, os resultados mostraram que, na fileira que não recebeu nenhum produto, os tomates apresentaram várias doenças
e irregularidades nos frutos, enquanto, nas outras duas, apresen-
O produto, distribuído gratuitamente a agricultores de
Caratinga, deve ser pulverizado nas plantações uma vez por
semana.
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Foto: Nilmar Lage
taram boa aparência, amadurecimento
e tamanho uniformes. Isso comprova
que o repelente aperfeiçoado pelos
pesquisadores tem o mesmo efeito
dos defensivos comerciais, com o diferencial de não acarretar problemas ao
homem ou ao meio ambiente.
Os químicos Lílian Soares Santos e Giliard
José Barbosa foram bolsistas de iniciação
científica da pesquisa que testou e
aperfeiçoou a fórmula do produto, que não
agride a natureza e é 20 vezes mais barato
que seu concorrente.
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Foto: Nilmar Lage
Foto: Nilmar Lage
Proteção intelectual
Diante da comprovação científica
da eficácia do repelente bioativo, os
pesquisadores não tiveram dúvida em
buscar proteção intelectual para o produto. O pedido de depósito da patente
aconteceu em outubro de 2006 e foi
liberado em maio de 2008. “Na patente, não omitimos o nome de ninguém.
Aparece o do Sr.Milton, o da Lílian, o
do Giliard (outro bolsista do projeto)
e de todos aqueles que nos ajudaram”,
conta a coordenadora da pesquisa.
O produto ainda não está no mercado, mas é distribuído gratuitamente
à maioria dos agricultores da região
de Caratinga. Segundo a pesquisadora,
ele é de fácil uso e aplicação. Deve ser
diluído e pulverizado uma vez por semana na plantação, nos períodos mais
frios do dia, como o princípio da manhã ou o fim da tarde. A aplicação deve
ser feita de baixo para cima, pois as
moscas brancas costumam se alojar na
parte de baixo da folha. Cada litro do
produto é suficiente para diluição em
10 mil litros de água. “Dependendo do
tamanho da plantação, dá para aplicar
por quase um mês. As nossas hortas,
por exemplo, mediam o equivalente
a três mil pés de café ou a uma área
de cinco mil metros quadrados. Dava
para mais de um mês”, afirma.
Conforme Ivoni, os pesquisadores
da Unec pretendem começar a produzir para vender, mas, para isso, precisam construir uma indústria dentro de
todas as normas exigidas pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).Além disso, a Unec, como fundação
sem fins lucrativos, não é autorizada a
comercializar produtos. “Ela teria que
criar uma nova fundação que possa
comercializar e se comprometa a usar
o dinheiro em melhorias na própria
fundação”, explica a professora.
“Eu ficaria muito contente em produzir. Seria útil para nós e até mesmo
para alunos de outros cursos, como
economia e administração”, diz Ivoni.
Outra alternativa seria vender a patente do produto à alguma empresa
que queira fabricá-lo. Atualmente, as
duas maiores companhias do ramo
de defensores agrícolas estão interessadas no produto. Ivoni diz que as
negociações estão adiantadas. Uma
das empresas, inclusive, já começou a
realizar os próprios testes. “Eles estão
gostando dos resultados”, adianta.
Outras pesquisas
A mosca branca é apenas a principal praga que pode ser combatida com
o repelente orgânico. Ele também é útil
contra outros insetos, entre os quais,
o Aedes aegypiti, causador da dengue
e da febre amarela. Segundo Ivoni Reis,
a intenção é ampliar as pesquisas, a fim
de desenvolver novos produtos, inclusive nas áreas de cosmetologia e sanitária, nas quais o repelente tem grande
potencial de atuação. A pesquisadora
já faz uso do produto em sua própria
casa, nas formas de aerosol, em creme
gel (aplicado no corpo) e misturado
à água de limpeza (aplicado com um
pano molhado). “Tenho grama, jardim
e, ainda assim, não entra sequer um
mosquito em casa”, destaca.
Outra pesquisa coordenada pela
professora promete trazer resultados tão bons quanto os do repelente
contra a mosca branca. Dessa vez, o
alvo é a lagarta do milho, uma praga
que destrói plantações inteiras. “É um
produto repelente e inseticida, que
mata a larva, sem matar a borboleta,
não causando o desequilíbrio ecológico”, adianta a pesquisadora. Segundo
Ivoni, ele também terá baixo custo e
será atóxico. Já foi testado em laboratório e em três hortas (tomate, milho
e folhagens), apresentando bons resultados. Uma nova horta foi plantada e,
após todo o período de acompanhamento, será feito o pedido de patente
do novo produto.
Ariadne Lima
Palavra-chave
SISTEMA NACIONAL DE C,T,I
Mario Neto Borges*
O Brasil reúne condições estratégicas de desenvolvimento que poucos países têm, como extensa área territorial com importantes recursos naturais, população em
número suficiente para caracterizar um grande mercado
próprio e Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de US$1
trilhão. Por estas características, o País é parte do grupo
denominado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que, junto
com os Estados Unidos da América, são os únicos que
detêm estes insumos de desenvolvimento.
Deveria, portanto, o Brasil já ter atingido um grau de
desenvolvimento que o colocasse entre os países mais desenvolvidos do mundo, o que hoje – ainda – não é o que se
constata. Entre outras razões para este nível de desenvolvimento não ter atingido
sua plenitude está o fato de que o País começou tardiamente a montar um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T,I). Este tripé é fator decisivo
para que o Brasil tenha um desenvolvimento social e econômico sustentável e
com níveis equivalentes ao do mundo plenamente desenvolvido.
Poderia-se dizer que no eixo da ciência, o esforço nacional se iniciou em
meados do século passado com a criação das agências federais Capes e CNPq.
Os resultados nesta área atestam o valor destes investimentos e colocam o Brasil
hoje como 15º produtor de ciência do mundo, detendo 2% da produção mundial,
enquanto a Alemanha, 3º colocado, produz 6%. No entanto, nos eixos da tecnologia e inovação começamos tardiamente. Só mais recentemente, com a criação
dos Fundos Setoriais, das Leis de Inovação Federal e Estaduais (ainda restrita a
poucos estados), o PAC da Ciência e Tecnologia e as Políticas de Desenvolvimento Produtivo é que se desenha um arcabouço legal e de fomento articulado para
estas áreas. Muito ainda precisa ser feito, especialmente na questão da legislação
específica, utilizada pelos órgãos de controle no acompanhamento das agências
de fomento, que hoje limita as ações de inovação tecnológica.
Neste contexto, os estados têm um papel complementar essencial e estratégico para cumprir através das atividades de suas Fundações Estaduais de Amparo à
Pesquisa. São 23 estados que já implantaram sua FAP, algumas já próximas do cinquentenário como em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Outras ainda estão em
fase de implantação, como no Espírito Santo e no Pará, estas com menos de dois
anos de instalação. Essas fundações públicas estaduais vêem se articulando ao longo do tempo, inicialmente através de um Fórum que recentemente se consolidou
em um Conselho Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa – o Confap.
Um dos objetivos estratégicos do Confap é contribuir para a formação e consolidação deste importante Sistema Nacional de C,T,I. Vale ressaltar que, somados os
orçamentos das 23 FAPs, o total supera o orçamento do CNPq. Portanto, elas estão
em condições de colaborar com as agências federais somando esforços, otimizando
recursos, capilarizando ações e acelerando os avanços científicos e tecnológicos.
A FAPEMIG, a partir deste mês de março, assume a Presidência do Conselho
e passa a liderar as ações decorrentes de seu planejamento para o biênio 2009
e 2010. Juntamente com a Fapepi, do Piauí, tivemos a honra de sermos eleitos
por unanimidade pelos representantes das 21 FAPs presentes à eleição ocorrida
em Cuiabá, nos dias 5 e 6 de março. A FAPEMIG se sente orgulhosa de ter sido
indicada por sua participação ativa neste Conselho e por ser hoje uma referência para outros estados. Vamos lutar para que o Sistema Nacional de C,T,I
passe a ter um papel fundamental para a sociedade brasileira e dela receber o
reconhecimento.
*Presidente da FAPEMIG
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
35
Meio Ambiente
Suinocultura com
baixo impacto
Sistema natural
possibilita
reaproveitamento e
custos reduzidos no
tratamento de resíduos
O hábito de consumir carne de suínos faz parte da cultura brasileira desde os primórdios da colonização.Trazidos
pelos portugueses por volta do ano de 1532, esses animais
se adequaram bem ao país e sua criação passou por evoluções ao longo do tempo. Entretanto, principalmente no
caso de atividade para fins comerciais, em grande escala, a
suinocultura tem seus impactos para o meio ambiente. Estima-se que uma matriz (fêmea em gestação) polua o equivalente a quatro ou cinco pessoas – ou seja, uma granja com
36
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
500 matrizes produz uma quantidade de resíduos similar
a uma pequena cidade de 2,5 mil habitantes. Com vistas
a minimizar essa questão, está em andamento, na Zona da
Mata mineira, o projeto de um sistema ecológico integrado
de tratamento de águas residuárias da suinocultura.
O Sistema Ecológico Integrado para Tratamento de Água
Residuária de Suinocultura na Zona da Mata Mineira, baseado em recursos totalmente naturais, terá como resultado
dois produtos para reuso nas granjas: líquido para limpeza
das baias e uma solução de água e nutrientes, própria para
a fertirrigação, com o mínimo impacto ambiental. A proposta, desenvolvida pela Intec Ambiental, empresa vinculada
à Incubadora do Centro Tecnológico de Desenvolvimento
Regional da Universidade Federal de Viçosa (Centev/UFV),
conta com a parceria da própria UFV e com financiamento
da FAPEMIG. “Tudo o que vamos envolver no tratamento é
natural, o filtro é feito utilizando-se subprodutos agrícolas e
minhocas”, conta o diretor técnico da Intec, Rafael de Oliveira Batista. Ao longo do processo, duas granjas da região
serão escolhidas para validar o sistema.
Estudos anteriores realizados pela
equipe na mesma área - porém para
tratamento de esgoto residencial - foram o ponto de partida para a proposta. “Há cerca de um ano e meio temos
trabalhado com resíduos domésticos
nessa linha, que extrapola para todo
efluente passível de impacto ambiental”, conta Batista. Como a Zona da
Mata é o segundo polo de suinocultura do Estado, atrás apenas de Uberaba, surgiu a ideia de desenvolver um
sistema pequeno, de baixo custo e de
fácil utilização, que pudesse atender os
produtores da região, utilizando, preferencialmente, recursos naturais já
disponíveis nas propriedades.
Ecologicamente correto
Um biofiltro constituído de minhocas e subprodutos agrícolas é a base
do sistema proposto. “Esse princípio já
é usado para outros resíduos. Adaptamos para aproveitar as características
da minhoca, que transforma os poluentes químicos e orgânicos do efluente”,
explica o diretor técnico. As minhocas
são conhecidas por sua capacidade de
converter lixo orgânico e terra em húmus, composto rico em nutrientes de
fácil absorção pelas plantas.
O sistema coleta o efluente – fezes, urina e água da limpeza das baias
–, que passa por uma filtragem preliminar, através de grade e peneira, para
que sejam retirados pelos e outros
materiais grosseiros capazes de causar
entupimentos nas tubulações e sistemas de bombeamento. Em seguida, o
material é armazenado em um tanque
anaeróbio e, posteriormente, é lançado sobre a superfície do biofiltro.Ali, as
minhocas contribuem para a remoção
da matéria orgânica – juntamente com
o subproduto, elas têm a capacidade
de reter grande parte da Demanda
Bioquímica de Oxigênio (DBO), fósforo, nitrogênio e outros elementos,
conseguindo mineralizá-los. A seguir,
o líquido passa ainda por um reator à
base de energia solar para eliminação
de bactérias patogênicas e a partir daí
está apto a ser utilizado na fertirrigação e limpeza das baias. “Para fertirrigação, não haveria necessidade de
passar pelo reator solar, mas estamos
sendo muito criteriosos”, acrescenta
Acima, esquema do biofiltro de minhocas, base do sistema proposto pela equipe. O líquido
passa, em seguida, por um reator à base de energia solar, para eliminação de bactérias
patogênicas
Batista. O parâmetro de verificação
utilizado pelos pesquisadores, após o
processo, é a ausência de coliformes
fecais (bactéria Escherichia coli).
Além de proporcionar um tratamento de 100% do efluente, sem geração de resíduos, o biofiltro reduz os
odores comuns nos tratamentos convencionais, provenientes da decomposição de matéria orgânica. Outra vantagem apontada pelos pesquisadores é
a durabilidade de dois a três anos dos
filtros orgânicos, sem a necessidade de
limpeza frequente. “É um sistema de
baixo custo, fácil operação, que não
utiliza produtos químicos e é inovador
em nível nacional”, destaca Batista.
Para construção do biofiltro, é necessário um tanque, de fibra de vidro
ou concreto, no qual são preparadas
três camadas, sendo uma de brita, uma
de material orgânico (serragem, bagaço de cana, pergaminho do fruto do
cafeeiro ou outro subproduto agrícola) e a última de material orgânico
umedecido, onde ficam as minhocas.
“Não ficará muito caro. O investimento do produtor seria basicamente na
construção do tanque, pois a proposta
é usar tudo o que ele já tiver na propriedade”, reafirma.
Implantação local
O foco principal para introdução
do projeto são as granjas de pequeno
e médio portes da Zona da Mata, que
têm menos condições de implantar
um sistema convencional. Hoje, é usaMINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Foto: arquivo Intec
Rafael Batista, diretor técnico da Intec
do na região o método de biodigestores, que tem custo mais elevado e
ainda gera algum efluente. Estima-se
que esteja presente principalmente nas grandes granjas. “Quanto às
menores, muitas jogam os resíduos
sem tratamento em cursos de água
ou fazem fertirrigação não planejada,
colocando o material em um tipo de
trator conhecido como “chorumeira”
e jogando na plantação, o que não é
ideal e produz um enorme mau cheiro”, constata Batista.
O produtor Vitor Chaves, que
trabalha há 20 anos na área, afirma
que teria interesse em implantar o
sistema. Atualmente, ele deixou a
criação de suínos para investir apenas
na parte de frigorífico, mas faz planos
de reativar a granja ainda em 2009.
Segundo Chaves, quanto mais natural
for o tratamento e menos recursos
externos à propriedade exigir, melhor. “A suinocultura é muito volátil e
quando o preço da carne cai, a primeira coisa que o produtor faz é parar
de investir, o que pode prejudicar o
Unidade piloto utilizada para os testes no
campus da UFV
38
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Suinocultura no Brasil
O Brasil é atualmente o 4º produtor de carne suína do mundo, com
quase três milhões de toneladas anuais, e Minas Gerias ocupa também a 4ª
posição no país, ao lado de São Paulo. No Sul encontra-se a maior parte da
produção: Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul destacam-se nos três
primeiros lugares em nível nacional. Nesses cinco estados concentram-se
quase 60% dos rebanhos brasileiros. A importância da atividade reflete-se no
grande número de criadores envolvidos e, principalmente, no volume de empregos gerados direta e indiretamente. Estudos apontam ainda a capacidade
de produzir grande quantidade de proteína de alta qualidade em reduzida
área e curto espaço de tempo, em comparação com outras espécies de animais de médio e grande portes.
Estima-se que haja no Brasil cerca de 33,61 milhões de suínos, com maior
concentração no Sul (43%), Nordeste (21.5%) e Sudeste (17,24%), segundo
dados de 2006 do Anuário da Pecuária Brasileira (Anualpec). O rebanho de
Minas Gerais é de aproximadamente 3,62 milhões de animais, pouco mais de
10% do total nacional. As regiões do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e da
Zona da Mata respondem por 33% e 18,6%, respectivamente, do total estadual (IBGE, Produção da pecuária municipal, Rio de Janeiro, 2005).
A carne suína é a mais consumida no mundo, sua produção global chega
a quase 100 milhões de toneladas – em 2006, foram cerca de 97,21 milhões
de toneladas, obtidas de um plantel de, aproximadamente, 864 milhões de
animais. A maior parte da produção está concentrada na Ásia, que responde
por quase 60% do total. Os cinco maiores produtores (China, União Europeia, Estados Unidos, Brasil e Canadá) concentram cerca de 90% do total
mundial, conforme números da Anualpec (2006).
tratamento de resíduos convencional”,
conta.“Um sistema como este proposto
tem grandes chances de ser implantado
e permanecer, pois o custo de manutenção é quase zero, então, mesmo que haja
alguma crise, o suinocultor não precisa
parar”, conclui.
Duas granjas serão escolhidas
como unidades piloto para implantação do sistema. Atualmente, os pesquisadores estão agendando visitas
aos suinocultores da região de Ponte
Nova e Viçosa levantando particularidades, como o percentual que tem
tratamento dos efluenetes, e coletando amostras para constatar o nível de
poluição. Cerca de 20 propriedades
serão visitadas e a partir de critérios
como condições econômicas do produtor, impactos ambientais e proximidade com o laboratório é que será feita a escolha das unidades de teste.
As etapas seguintes serão o desenvolvimento do protótipo, na UFV,
e posterior implantação nas granjas
suinícolas selecionadas. A previsão de
conclusão é para dezembro de 2010.
Segundo Batista, os estudos podem,
futuramente, ser aperfeiçoados para
aplicação em outros lugares do Brasil.
“Trabalhamos com as peculiaridades
de cada região. Este sistema pode ser
válido para locais que tenham o clima parecido com o da Zona da Mata,
mas para levar para o Nordeste, por
exemplo, seria necessário aperfeiçoar
estudos”, avalia.
O diretor de negócios da Intec, Sidiney Cabral de Sousa, vê como grande benefício o desenvolvimento de um
sistema pautado na realidade local e
ressalta que o projeto significa a consolidação tecnológica para tratamento e reuso de efluentes da pecuária.
“Considerando o potencial poluidor
da suinocultura as inovações advindas
dele poderão ser extrapoladas a outros setores da economia”, adianta.
Virgínia Fonseca
Projeto: “Sistema ecológico
integrado para tratamento de
água residuária de suinolcultura na
Zona da Mata mineira”
Modalidade: Edital Programa
de Apoio a Pesquisa em Empresas
(Pappe)
Coordenador: Antônio Alves
Soares
Valor: R$ 499.419,00
Foto: Thaiane Andrade
Gemas e joias
Nem tudo que
reluz é ouro
Produção e coloração de quartzos fortalece o setor
de pedras preciosas em Minas Gerais
Desde os tempos mais remotos as
joias fascinam o homem. As primeiras
de que se têm notícia datam de 3.500
a.C., quando materiais considerados
belos ou preciosos eram utilizados na
confecção de adornos na antiga cidade
de Ur, localizada onde é atualmente
o Iraque. E se ainda hoje é notável o
papel simbólico das joias nas diversas
culturas do homem contemporâneo, a
importância para a economia brasileira e mineira, por sua vez, é inegável.
Só o Brasil é responsável por 1/3 da
produção mundial de pedras preciosas
e Minas Gerais se destaca como uma
das mais importantes regiões produtoras do mundo, com 25% do mercado mundial.
Reconhecendo a importância do
setor no país e no estado, foi elaborado pelo Centro Tecnológico de Minas
Gerais (Cetec) o projeto Singema, que
visa ao desenvolvimento de tecnologias de produção e tratamento de
gemas de quartzo. Segundo o coordenador do projeto, o pesquisador Luiz
Carlos Barbosa de Miranda Pinto, a escolha do quartzo deve-se à abundância
do material e ao conseqüente potencial lucrativo da aplicação das técnicas
em Minas Gerais. “Hoje, o Brasil é o
maior exportador mundial de quartzo,
possuindo 95% das reservas mundiais
e Minas Gerais detém grande parte
das maiores jazidas do país”.
A matéria-prima, depois de beneMINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
39
Foto: Thaiane Andrade
ficiada, pode aumentar seu valor em
mais de quarenta vezes em relação ao
produto inicial. Para se ter uma ideia, o
quartzo transparente cultivado (produzido em laboratório) está disponível no mercado a preços em torno de
US$ 6,00/Kg, enquanto o quartzo citrino cultivado é encontrado por aproximadamente US$ 250,00/kg. A única diferença de um material em relação ao
outro é o dopante - impureza mineral,
no caso o ferro - que confere a cor
amarelo-alaranjada ao quartzo citrino,
relativamente rara na natureza.
O projeto Singema é, portanto,
uma opção para tornar mais competitiva a participação mineira no mercado
e mesmo para aumentá-la. Dentro do
projeto, além da produção de quartzo colorido como ametista (violeta),
citrino (amarelo-alaranjado), quartzo
rosa e outras cores de valor comercial, visa-se também ao estudo científico sobre as causas da cor nos cristais
produzidos. Esse estudo é importante
para a compreensão dos mecanismos
de coloração em gemas naturais e,
consequentemente, para o desenvolvimento de novas formas de tratamento. De acordo com o pesquisador,
através de técnicas como absorção
óptica no visível e no infravermelho e
ressonância paramagnética eletrônica
é possível avaliar as propriedades gemológicas e dominar, com maior regularidade, o processo para a obtenção
de determinada cor.
Como explica o coordenador do
projeto, já são conhecidas quais as impurezas minerais que conferem cor à
pedra cultivada, mas não se conhece a
quantidade nem a forma - se na forma
metálica, de sais ou na forma de óxido.
“Para a obtenção de determinadas cores é preciso um estudo criterioso. E
existe ainda o caso de cores que não
existem na natureza, em que se tem
apenas ideia do dopante ou impureza.
Nesse aspecto, o estudo permite o
desenvolvimento de uma pesquisa de
nível mais elevado para a aplicação de
tecnologias na indústria joalheira”.
O processo
Autoclave de alta pressão do Cetec, onde é
realizado o processo de síntese hidrotérmica
40
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
O projeto teve início em 2000. O
primeiro passo foi efetuar as adaptações na infraestrutura física dos laboratórios existentes. Foram feitas
inspeções de segurança, renovação
do sistema elétrico, recuperação e
modernização de equipamentos. De
acordo com o coordenador, uma das
principais conquistas do projeto foi,
também, a reativação e operacionalização das autoclaves do Cetec, que é a
única instituição de pesquisa do Brasil
que possui uma planta-piloto de Síntese Hidrotérmica de Cristais equipada
com autoclaves para altas pressões,
além de experiência na área. “Praticamente paradas nas últimas duas
décadas, as seis autoclaves de médio
e grande porte entraram em ação novamente”, diz.
O pesquisador explica que a síntese ou produção hidrotérmica, utilizada
na pesquisa para obtenção de quartzo
e aplicação de várias cores, é simples.
O processo que o mineral levaria milhares de anos para percorrer na natureza até finalmente se tornar um
cristal de quartzo pode ser reproduzido em laboratório com o auxílio de
altas temperaturas e pressões em uma
autoclave específica. “A técnica consiste em dissolver lascas de quartzo em
uma autoclave, com temperaturas de
350°C a 400°C e pressões de 1500 a
2000 atm. O quartzo dissolvido, então,
vai se depositando em lâminas bem finas e em 30 dias já se tem formado um
cristal relativamente grande”, diz. Ele
conta que, com a adição controlada
de dopantes (impurezas como ferro
e alumínio), é possível obter quartzos
coloridos. Em alguns casos, utilizandose irradiação e tratamento térmico,
podem-se obter outras cores.
O projeto teve ainda a proposta
de fazer a caracterização gemológica
completa das pedras produzidas a fim
de avaliar os resultados e obter parâmetros de coloração. Foram realizados estudos sobre a estrutura microscópica dos centros de cor – defeitos
na rede cristalina que absorvem a luz ,
também causadores de cor no cristal.
Para Barbosa, a pesquisa com os centros de cor tem a vantagem de sempre
proporcionar novidades no estudo do
material.“Sempre que se estuda o centro de cor aparece algo diferente. Alguns quartzos naturais aquecidos, por
exemplo, podem adquirir uma coloração esverdeada que, até então, só era
obtida através do tratamento térmico
de determinadas ametistas”.
Outra linha do projeto foi o desenvolvimento de métodos de caracterização para distinguir uma gema natural de uma gema sintética ou tratada.
Segundo o pesquisador, o principal
benefício dessa proposta é o suporte ao mercado, invadido nos últimos
anos por gemas sintéticas. “Já ouvi
casos em que colocaram ametistas e
esmeraldas sintéticas na boca da mina,
misturadas entre as pedras naturais. O
Foto: Thaiane Andrade
Cristais de quartzo dopados com minerais como Cobalto e Ferro adquirem cores azuladas e
amareladas
preço no mercado é completamente
diferente, por isso é muito importante
diferenciar uma gema cultivada de uma
gema natural”.
As gemas sintética ou cultivada
possuem as mesmas características da
correspondente natural. A coloração é
a mesma, assim como as propriedades
físicas: absorção óptica, transparência,
índice de refração. As propriedades
químicas também são iguais, pois todas são de (S) sílica (SiO2). Essa semelhança nas características torna praticamente impossível a diferenciação
de uma e outra sem nenhuma técnica
ou com pouca aparelhagem. “Através
da espectroscopia do infravermelho,
por estriamento da pedra (produção
de diferenças ou pequenas nuances
de coloração na pedra), e ressonância
paramagnética eletrônica podem-se
desenvolver métodos que ainda não
são utilizados para caracterização de
quartzo no mercado e de outros materiais além do quartzo”. A preocupação de identificar e classificar as gemas
em naturais, tratadas ou sintéticas é
importante para garantir o lugar do
produto no mercado internacional.
Mercado
O projeto foi encerrado em 2004,
mas desdobrou-se em outras investigações. Uma delas diz respeito a co-
lorações que não existem na natureza.
Dentre os quartzos coloridos, o de
maior ocorrência natural é o quartzo
enfumaçado (marrom ou cinza), mas
sua grande oferta acaba por diminuir
seu valor no mercado joalheiro. No
entanto, através do tratamento térmico e irradiação adequada, o quartzo
enfumaçado pode ser completamente
descolorido ou ainda adquirir cores
altamente valorizadas no mercado
como o verde-oliva, o amarelo-esverdeado, o laranja e o marrom. Os tratamentos de clareamento do quartzo
enfumaçado e de produção de quartzos corados a partir do quartzo enfumaçado são amplamente empregados
no mercado internacional. Algumas variedades não encontradas na natureza,
como o quartzo rosa transparente
(muito raro), o azul cobalto e o azul
claro foram recentemente produzidos artificialmente em outros países.
De acordo com o professor, um caso
interessante que pode ser desvendado é a origem da cor azul. “Existem
três suposições sobre a coloração do
quartzo azul e nós estamos tentando
comprovar uma dessas suposições,
através de outro projeto de continuidade do Singema”.
Barbosa compara o quartzo ao
látex: a exemplo deste último, que foi
muito utilizado no Brasil na primeira
década do século XX e hoje encontra
substituto em suas variedades sinté-
ticas, o mercado vem gradativamente
substituindo o quartzo natural por
similares sintéticos ou cultivados. Isso
porque o valor do material é também
valorizado na medida em que apresente menos defeitos, o que nem
sempre ocorre com gemas naturais.
Como explica o pesquisador, é raro
encontrar quartzos de boa qualidade
na natureza para aplicação na indústria joalheira. “Os quartzos citrinos
(amarelos) e os quartzos verdes de
boa qualidade estão cada vez mais raros. Faz-se necessária então a produção de quartzos cultivados”.
O trabalho, viabilizado pela FAPEMIG, é fruto de parceria entre o Cetec, os Departamentos de Física das
universidades federais de Minas Gerais
(UFMG) e de Ouro Preto (Ufop) e o
Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN). A pesquisa
possibilitou a concretização de uma
verdadeira rede de cooperação técnico-científica entre as instituições, pois
o CDTN, a UFMG e a Ufop já possuíam experiência com a coloração de
gemas através de técnicas e processos
de coloração de gemas naturais e sintéticas, inclusive da família do quartzo.
De acordo com o professor, a colaboração mútua permitiu ainda mais
a ampliação do conhecimento científico e tecnológico nos processos
de produção e tratamento de gemas
sintéticas. “Com base nos frutos desse projeto foram dados subsídios a
trabalhos subsequentes com outras
gemas, os quais poderão ser executados pelos participantes desta rede.
Nós inclusive já temos um trabalho,
proveniente do projeto, que iremos
apresentar posteriormente, sobre a
influência dos parâmetros de produção na coloração do quartzo”.
Raquel Emanuelle Dores
Projeto: “Síntese hidrotérmica,
caracterização óptica e estrutural
de quartzos coloridos (Singema)”
Modalidade: Edital Gemas e Joias
Coordenador: Luiz Carlos Barbosa
de Miranda Pinto
Valor: R$ 61.323,60
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Génetica
Foto: Marcelo Focado
Anemia
hereditária
Diagnóstico molecular permite
identificação da doença e
aconselhamento genético
Imagine-se portador de uma doença para a qual não há diagnóstico preciso e cujo tratamento recomendado
não surte efeito. Essa era a realidade
de centenas de pessoas portadoras
da alfa-talassemia ou alfa-tal, um tipo
de anemia hereditária caracterizada
pela baixa produção de hemoglobina
normal. Seus sintomas se caracterizam
por uma anemia discreta, persistente e
que não responde a tratamento com
suplementação de ferro. Exames laboratoriais não conseguem por si só distinguir a alfa-tal de outras anemias que
não apresentam deficiência de ferro.
Essa realidade fez com que pesquisadores da Fundação Hemominas desenvolvessem uma metodologia para
diagnosticar com precisão a doença.
O projeto “Implementação de testes
moleculares para diagnóstico da alfatalassemia e genotipagem de grupos
sanguíneos” teve início em 2005 e
hoje se tornou um serviço pioneiro
em Minas Gerais. Coordenado pela
bióloga geneticista e pesquisadora Cibele Velloso Rodrigues, o projeto representa, além de um grande avanço
para a saúde no Estado, alívio a esses
pacientes que esperaram anos por um
diagnóstico definitivo da doença.
A alfa-talassemia é uma anemia
hereditária causada pela baixa ou nenhuma síntese de alfa-globina, proteína
presente na hemoglobina – substância
que permite às células sanguíneas o
transporte do oxigênio a todo o sistema circulatório. Dessa forma, o indivíduo portador da alfa-tal apresenta
um quadro de anemia, que pode variar
entre leve (portador silencioso), moderada e grave. Esta variação vai depender do tipo de mutação genética
que leva a uma deficiência ou ausência
de alfa globina.
O teste pode ser feito a partir de uma
pequena amostra de sangue e é concluído
em, no máximo, 48 horas.
42
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Um indivíduo normal (sem alfa-tal)
possui quatro genes alfa, sendo dois
herdados do pai e dois da mãe. Durante a formação do feto, a ausência
de um destes genes dá origem a um
indivíduo chamado portador silencioso, ou seja, apresenta três genes alfa e
consegue produzir até 75% de hemoglobina. Essa pessoa não terá nenhum
sintoma clínico. “O individuo assintomático pode levar uma vida normal”,
afirma Cibele Rodrigues. Quando há
perda de dois genes alfa, o indivíduo
vai manifestar a doença. “Seus exames
laboratoriais indicarão uma anemia
branda e, em um primeiro momento, o
médico pode pensar que é uma anemia
ferropriva (ausência de ferro), iniciando um tratamento de suplementação
desta substância. Mas este paciente
não vai responder ao tratamento,
gerando frustração para o mesmo e
demanda persistente nos centros de
saúde”, comenta a pesquisadora.
Nos casos em que há a destruição
de três dos quatro genes alfa disponíveis, o indivíduo vai manifestar o quadro mais grave da doença. Os sintomas são fadiga, fraqueza, pele pálida ou
amarelada, urina escura, ossos faciais
anormais e baixo crescimento. Devido à dificuldade da hemoglobina em
carregar oxigênio para o corpo, pode
ocorrer também uma sobrecarga dos
órgãos. Estes pacientes são tratados
com transfusões de sangue regular, que
pode gerar excesso de ferro no organismo. Neste caso, o excesso deve ser
retirado com medicamentos (terapia
quelante). Também há casos em que
é necessário transplante de medula
óssea. Sem tratamento, crianças com
alfa-talassemia grave não sobrevivem
até depois da primeira infância. Fetos
gerados com todos os quatro genes
afetados geralmente morrem antes ou
logo após o parto (hidropsia fetal).
Alívio para pacientes
É de grande importância para o
paciente assintomático saber que é
portador da doença, para que possam
ser fornecidas as orientações corretas.
“Quando um portador silencioso se
casa com outro portador silencioso,
existe o risco de gerarem filhos com o
traço grave da doença, podendo ocor-
A população brasileira é caracterizada por uma grande diversidade genética, derivada da contribuição de vários grupos raciais. Essa
miscigenação origina-se em grande
parte das imigrações de africanos,
europeus e asiáticos. Esta mistura
racial favorece a disseminação de
genes anormais, inclusive os responsáveis pela alfa-talassemia.
De origem mediterrânea, o
nome talassemia significa “anemia
do mar”. A alfa-talassemia é um distúrbio genético causado pela deficiência ou ausência de cadeias alfaglobina devido a deleções (perdas
de segmentos no material genético)
nos genes alfa. Acredita-se que mutações nesses genes protegem os
indivíduos da malária, pois o parasita não consegue se reproduzir nas
hemácias dos portadores da alfa-tal.
Desta forma, estes indivíduos possuem em média dez vezes menos
chance de contrair malária. Sendo
uma mutação que traz benefícios
em áreas endêmicas, ela foi sendo
transmitida ao longo de várias gerações. Por isso, é alta a frequência
de pessoas que carregam uma das
mutações do gene alfa.
Os tipos de mutação nos genes
alfa variam na população afetada.
Assim, em cada etnia prevalece um
tipo: no Brasil, a mutação mais frequente é a alfa 3,7 e sua prevalência
em negros está entre 20 a 25%. De
acordo com a Associação Brasileira
de Talassemia (Abrasta), a distribuição de indivíduos afetados pela
doença é de 1% na região Norte,
6% na região Centro-Oeste, 8% na
região Norteste, 10% na região Sul
e 75% na região Sudeste.
Foto: Marcelo Focado
Origens da alfa-talassemia
A coordenadora do projeto Cibele Velloso e o pesquisador André Belisario, ambos da Fundação
Hemominas
rer até mesmo morte do feto”, alerta
a bióloga Marina Lobato, também pesquisadora da Hemominas e colaboradora do projeto.
A metodologia desenvolvida pelos
pesquisadores do Hemominas trouxe,
além do fim da ansiedade para estes
pacientes, uma minimização de custos
para a saúde pública. Até a criação do
teste, o médico poderia desconfiar que
seu paciente anêmico era um portador
da alfa-tal, caso ele não respondesse
ao tratamento com suplementação de
ferro, mas não teria como diagnosticar
com precisão a doença. Além disto, há
um grande perigo no excesso de ingestão do ferro, que em grandes quantidades, se torna uma substância tóxica,
causando problemas para o organismo,
principalmente para o fígado.
Segundo a pesquisadora, estes casos também sobrecarregam o Sistema
Público de Saúde. “Repetindo consultas e exames de hemograma, estes
indivíduos estavam sempre atrás de
um diagnóstico até então indefinido.
A expectativa da equipe é que o teste chegue ao Sistema Único de Saúde
(SUS). Estamos em fase de negociação”, afirma.
Na Fundação Hemominas já é
possível fazer o exame por um preço
viável. Uma média de seis testes é realizada por semana. “As pessoas que
chegam aqui com uma anemia indefini-
da e exames laboratoriais suspeitos de
alfa-tal são encaminhadas para realizar
o teste, que pode ser feito a partir de
uma pequena amostra de sangue e
concluído em, no máximo, 48 horas”,
relata André Belisário Rolim, mestrando e colaborador do projeto. Dos 140
testes já realizados em pacientes com
suspeita da doença, 65% possuíam a alfa-tal. A Fundação também possui uma
parceria com o Hospital das Clínicas
para detectar a alfa-tal em bebês com
suspeita da doença, a partir do teste
do pezinho.
“O projeto mostra que é possível
implantar no Sistema Único de Saúde
exames moleculares viáveis e baratos”,
afirma Marina Lobato. A equipe acredita que, quando o teste for liberado
para o SUS e divulgado para a comunidade médica, a demanda será grande. “A Fundação Hemominas já está
se preparando, pois sabe que haverá
grande demanda”, finaliza.
Juliana Saragá
Projeto: “Implementação de testes
moleculares para diagnósticos da
alfa-talassemia e genotipagem de
grupos sanguíneos na Fundação
Hemominas”
Modalidade: Edital do Programa
de Pesquisa em Saúde
Coordenador: Marina Lobato
Martins
Valor: R$ 42.945,00
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
43
História
Democratização da
história
Documentos dos séculos XVIII e
XIX são digitalizados e abertos ao
público
Quem deseja conhecer os registros de casamento que resultaram
em sua família, ou mesmo saber quem
foram seus ancestrais, normalmente
procura um cartório, instituição civil
responsável pelos registros de nascimentos, casamentos e óbitos. O êxito na tarefa, porém, depende do quão
longe irá a pesquisa, pois os cartórios
foram instituídos com a Proclamação
da República, em 1889. Se a informação é anterior a essa data, o destino
é outro: uma igreja paroquial. No Brasil colonial e imperial, a Igreja ocupou
um importante lugar na máquina burocrática do Estado e as paróquias ou
freguesias eram as únicas responsáveis
pelos registros dos três principais
sacramentos; batismo, casamento e
óbito. De 1500 a 1889, o controle do
sistema de registro de eventos demográficos foi confiado aos vigários.
Com o objetivo de preservar e
disponibilizar um significativo conjunto desses documentos, a Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC Minas) desenvolveu o projeto
de “Digitalização e disponibilização
dos acervos das paróquias da rota da
Estrada Real”. O trabalho engloba 23
paróquias pertencentes à Arquidiocese de Belo Horizonte, entre elas as de
Belo Vale, Caeté, Moeda, Nova União,
44
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Taquaraçu de Minas.
Iniciado em 2005, o projeto, realizado no Centro de Pesquisa Histórica da
PUC, abrangeu um acervo documental
composto por 235 livros microfilmados, além de outros 41 fotografados,
resultando em 16 mil imagens ou fotogramas. Todos eles foram reunidos em
37 CD-ROMs. De acordo com o coordenador do projeto, o professor Caio
César Boschi, o principal objetivo é
facilitar o acesso a esse importante universo de dados sobre o passado brasileiro, de uso expressivo nas pesquisas
históricas, além de resgatar a identidade histórico-cultural de Minas Gerais
através do uso da tecnologia digital.
O projeto previa a microfilmagem
e a posterior digitalização do acervo.
No entanto, a equipe contou com uma
grande vantagem: o Centro de Documentação e Informação da Cúria de
Belo Horizonte (Cedic) já possuía os
documentos referentes às paróquias
do projeto microfilmados, trabalho que
foi feito pela Sociedade Genealógica
de Utah, em Salt Lake City, nos EUA.
Como conta o professor Boschi, a existência desses microfilmes possibilitou a
ampliação do número inicial de 10 para
23 paróquias estudadas. “Os microfilmes pertencem à entidade, que poderia
ou não cedê-los, pois se trata de uma
propriedade particular. Felizmente, foi
possível o acesso e nós começamos
partindo direto para a digitalização. Foi
um ganho extraordinário”.
Atualmente, o acervo está disponível no Cedic, na praça da Liberdade.
Segundo Boschi, o público alvo é bem
amplo e vai do historiador ao curioso.
“Reconstituições familiares, genealogias, documentos para comprovação
de ações judiciais, prova de ancestralidade, inclusive para habilitação a heranças, são algumas das possibilidades
para a utilização dessas fontes, não só
para estudos acadêmicos dedicados à
história demográfica, econômica, social e cultural, mas também por historiadores ditos amadores, dedicados
à genealogia, à história local ou à história de famílias. A pesquisa depende
do que a pessoa quer e, sobretudo, da
problemática que vai estudar porque a
fonte como ponto de partida de informação é a muito rica e fecunda”, diz.
Para ele, a documentação, além de útil
para pesquisas demográficas, é essencial para a reconstituição da história
da sociedade mineira.
Quem chegar ao Cedic tem acesso
à leitora de microfilme e a dois computadores para a pesquisa do acervo
digitalizado. Os documentos dos séculos XVIII e XIX são, principalmente,
compostos de registros de batizados,
casamentos e óbitos. De acordo com
a bibliotecária responsável pelo acervo no Cedic, Maria Elizabeth Miranda
do Nascimento, os documentos mais
antigos são os mais procurados, principalmente os relacionados às paróquias
de Sabará e Caeté. Ainda de acordo
com Elizabeth, o pesquisador pode encontrar documentos curiosos como
os de casamentos ilícitos para época e
filhos ilegítimos “que já renderam muitas monografias”, diz.
Garantir a preservação dos acervos
paroquiais é, também, um dos objetivos
deste trabalho. De acordo com o professor, o manuseio é uma das principais causas do desaparecimento físico
dos documentos. “As pesquisa feitas
em documentos como estes, dos séculos XVIII e XIX, acabam acelerando
o processo de degradação. Uma vantagem fundamental de se microfilmar e
digitalizar é a possibilidade não só de
um acesso mais amplo, mas também de
evitar que os documentos sejam manuseados com frequência. Além disso, fica
garantida a chamada cópia de segurança: em uma eventualidade de sumiço,
incêndio ou qualquer outra fatalidade,
uma cópia estará preservada”.
Efeitos multiplicadores
Foto: Raquel Emanuelle Dores
A rota da Estrada Real é palco de
iniciativas que visam ao desenvolvimento sustentável da região, pautado,
sobretudo, no forte apelo contido no
patrimônio cultural da área. Os municípios vinculados à rota concentram
um significativo conjunto de bens
documentais. Para o professor Caio
Boschi, o projeto de digitalização dos
acervos paroquiais representa uma
sinergia com as iniciativas de desenvolvimento sustentável marcadas pela
ênfase no turismo cultural. “Como é
que se faz turismo cultural sem conhecer a história de uma localidade?
Através dos acervos documentais das
paróquias, é possível reconstituir essa
história”, acredita.
A iniciativa de trabalhar com acervos da Igreja Católica, por sua vez, ainda abre novas perspectivas para os esforços de preservação do patrimônio
documental brasileiro. “A preservação e disponibilização de parte desse
acervo é um importante precedente a
partir do qual a Igreja Católica poderá pautar suas ações de preservação
e, principalmente, de divulgação documental”, diz o coordenador.
Tentar criar instrumentos de democratização do acesso a fontes históricas sempre foi uma preocupação
do professor Caio Boschi, que está
envolvido com pesquisas documentais
desde os anos de 1970. Para ele, o que
despertou o interesse nesse projeto
foi exatamente a ideia de socialização
do acesso a documentos que por variadas razões tinham seu uso restrito.
“Com a microfilmagem e a digitaliza-
“Com a microfilmagem
e a digitalização dos
documentos paroquiais,
os arquivos podem ser
acessados para pesquisa
histórica, seja para
resgate de informações
pessoais ou outro fim. O
importante é isso”
ção dos documentos paroquiais, os
arquivos podem ser acessados para
pesquisa histórica, seja para resgate de
informações pessoais ou outro fim. O
importante é isso”.
A digitalização, por sua vez, também
propiciou uma possibilidade de disponibilização on-line dos documentos
paroquiais. “É importante que o projeto seja ampliado com um link no site
do Arquivo Público Mineiro ou através
da inserção no próprio site da PUC
Minas, de tal maneira que esse acesso
seja estendido a qualquer pessoa, em
qualquer lugar”, diz o professor.
O acervo pertencente à Arquidiocese de Belo Horizonte, agora digitalizado, tem a possibilidade de ganhar
o mundo. “Para uma expansão, não
vejo maiores obstáculos. Minas Gerais
ocupa um lugar destacado em termos
da quantidade e de qualidade de acervos documentais. Em face disto, podese dizer que o projeto não só criou
condições para o desenvolvimento
de mais pesquisas de qualidade como
também para que esse tipo de trabalho de divulgação seja cada vez mais
difundido”, diz.
Raquel Emanuelle Dores
Caio César Boschi, professor de história da PUC e coordenador do projeto de disponibilização
dos documentos paroquiais
Projeto: “Digitalização e
disponibilização de acervos
paroquiais da rota da Estrada Real”
Modalidade: Edital do Programa
“Uso da tecnologia digital no
resgate da identidade históricocultural de Minas Gerais”
Coordenador: Caio César Boschi
Valor: R$ 50.000,00
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
45
Inovação
Minas Gerais terá 13 Institutos de
Ciência e Tecnologia
Neste ano, 13 Institutos Nacionais de Ciência e
Tecnologia (INCTs) começam a atuar em Minas Gerais. Eles congregam universidades e centros de pesquisas em atividades voltadas para áreas específicas do
conhecimento, como, por exemplo, o desenvolvimento
de vacinas e a gestão em segurança pública. O objetivo
principal é incentivar a pesquisa, a formação de recursos humanos e a transferência de tecnologia, agindo
de forma estratégica no sistema nacional de C&T. Em
todo o país, outros 110 institutos entrarão em ação.
Os INCTs são resultado do novo programa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) que, com recursos próprios
e de parceiros, destinará R$ 581 milhões a grupos
de pesquisa em todo o país. A FAPEMIG é um dos
parceiros, contribuindo com R$ 36 milhões para os
institutos mineiros. “É o segundo maior aporte de
recursos estaduais para o Programa, sendo superado
apenas pelos investimentos da Fapesp, de São Paulo”,
diz o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges.
Além das duas FAPs, participam da iniciativa a Capes,
o Ministério da Saúde, a Petrobrás, o BNDES e as
Fundações de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), do Pará (Fapespa), do Rio de Janeiro (Faperj),
de Santa Catarina (Fapesc), do Piauí (Fapepi) e do Rio
Grande do Norte (Fapern).
Os institutos foram selecionados a partir de um
edital lançado pelo CNPq, em 2008. Foram 261 propostas recebidas. Uma primeira seleção contemplou
101 institutos, mas, após análise dos pedidos de recursos, foram selecionados outros 22. Segundo o secretário adjunto de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais,
Evaldo Vilela, que representa a FAPEMIG no Comitê
de Coordenação dos INCTs, o número de contemplados cresceu devido à quantidade de boas propostas.
Além dos 13 em Minas Gerais, a região Sudeste terá
44 institutos em São Paulo e 20 no Rio de Janeiro.
As propostas aprovadas receberão financiamento
por até cinco anos, sendo que os recursos para os
três primeiros já estão garantidos. O desempenho de
cada instituto será acompanhado pelo CNPq e por
um Comitê de Coordenação. “Esse é um programa
de longo prazo para o qual serão destinados recursos
expressivos para serem investidos no ciclo completo
de desenvolvimento científico. Ou seja, as propostas
abrangem desde a pesquisa básica até a apresentação
de resultados passíveis de proteção intelectual. Isso
implica em benefícios diversos para a ciência e tecnologia, como o aspecto da continuidade dos investimentos em médio prazo”, destaca Mario Neto Borges.
46
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
INCTs mineiros
Com os R$ 36 milhões da FAPEMIG, os INCTs
mineiros receberão, ao todo, R$ 72 milhões. As áreas
de conhecimento contempladas abrangem setores
estratégicos para o Estado, como o agronegócio e
a tecnologia da informação. Os 13 institutos temáticos são: café, medicina molecular, nanomateriais de
carbono, nano-biofarmacêutica, combate à dengue,
planta-praga, desenvolvimento de vacinas, pecuária,
ciência animal, engenharia, web, energia elétrica e
biodiversidade.
“Os Institutos são frutos da articulação de investimentos federais e estaduais. Isso significa potencializar os recursos e focar em prioridades regionais e
estaduais sem perder o foco científico nacional. Uma
experiência pioneira e brilhante do MCT e do CNPq”,
ressalta Mario Neto. Durante a cerimônia de repasse dos recursos estaduais, em dezembro passado, o
secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
de Minas Gerais, Alberto Duque Portugal, destacou
a importância dos INCTs para tornar o Estado um
ambiente propício às ações inovadoras. “Minas Gerais
precisa se preparar para ser líder em conhecimento
e, para isso, deve fortalecer as bases da ciência e consolidar as competências instaladas”, disse.
Um dos INCTs mineiros, o de Estruturas Inteligentes em Engenharias, incluirá pesquisas que buscam facilitar o controle de vibrações em estruturas,
permitindo o diagnóstico e o prognóstico de falhas
com mais facilidade. “Esse é um desafio importante
para a indústria em geral, mas especialmente para a
indústria aeronáutica e aeroespacial”, comenta Valder
Steffen Júnior, coordenador do Instituto. Ele destaca
a importância da conexão entre pesquisa e mercado.
“Hoje temos um forte interesse da Embraer em nossas pesquisas. Inclusive já temos, com ela, um projeto
paralelo às atividades do Instituto”.
Para Valder Júnior, o programa do CNPq representa a oportunidade de trocar experiências com instituições não apenas do Brasil, como de outros países.
O grupo coordenado por ele tem, por exemplo, a
participação de São Paulo, com a USP São Carlos; do
Rio de Janeiro, com a UFRJ; além de pesquisadores das
Universidades de Brasília (UnB) e de Campina Grande
(UFCG). O Instituto também tem parcerias com instituições dos Estados Unidos, Canadá, França e Inglaterra. “Usando as competências de cada grupo poderemos desenvolver esse tema com mais facilidade. É um
esforço conjunto, uma sinergia entre instituições”, diz.
Foto: arquivo pessoal
Opinião
Ciência e desenvolvimento
econômico
Porque os índices de impacto da produção científica
no Brasil não correspondem à realidade
*Roberto Ferreira Novais
Um colega me contou, há algum tempo, história interessante
sobre aplicação de recursos. Ele vendeu um apartamento e, com
a metade do valor recebido, comprou um carro e com a outra,
alguns hectares de terra em uma região agrícola. Embora o carro
lhe trouxesse, por um bom tempo, a satisfação “do cheirinho do
carro novo”, seu preço atual, cinco anos depois, não paga a metade do mesmo modelo recém-saído da fábrica. Porém, as terras
compradas, se vendidas hoje, permitiriam readquirir o apartamento, comprar o mesmo carro, e ainda sobrariam alguns trocados.
Todos nós temos exemplos semelhantes de boas e más
aplicações financeiras. A somatória de resultados econômicos
individuais, de famílias, de empresas, em um dado período de
tempo, gera o Produto Interno Bruto (PIB) de um país. A aplicação da riqueza de uma nação poderá redundar em uma gama de
resultados que vão do excelente ao horrível, como a construção
de escolas, hospitais e saneamento básico, ou pontes perdidas
sobre rios sem as necessárias estradas e aparelhos hospitalares
sofisticados encaixotados pela falta de rede elétrica.
É o caso, em escala maior, do que aconteceu com meu colega ao ter seus recursos multiplicados pela compra de terras ou
divididos pela compra do carro. Portanto, o tamanho do PIB não
é suficiente para avaliar o que há de bom e sustentável para o
indivíduo, sua família, o país. Criou-se, então, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como medida de qualidade do PIB
aplicado. Temos, assim, uma medida de quantidade (PIB) e outra
de qualidade (IDH). A pergunta é obrigatória: a correlação entre
o PIB e o IDH, ao longo dos anos, é significativa? Embora não
tenha recorrido à informações sobre essa correlação, ela deverá
ser significativa em países como a Noruega, com excelentes serviços sociais gratuitos, e, muito provavelmente não-significativa
em países com pontes sem estradas, pontes sem rios, pontes
sem rios e sem estradas.
Minha geração é (foi) de publicar muito - centenas de
artigos científicos durante uma vida de dedicação à pesquisa.
Certamente, muitos com o perfil de ponte sem estrada. Gradualmente, a comunidade científica percebeu a necessidade de
uma medida de qualidade para o que se publica. Criou-se o
Fator de Impacto (FI), que pode ser aplicado ao artigo, revista,
pesquisador, instituição, país. Portanto, chega-se à dúvida quanto à correlação entre quantidade de artigos publicados versus
FI de um pesquisador, à semelhança do PIB versus IDH. Tanto
o IDH como FI foram uma evolução natural da correção da
impropriedade da quantidade sem qualidade.
O FI de uma revista científica é dado pelo quociente entre o
número de artigos (e notas) citados nos dois anos anteriores ao
ano dessa avaliação e o número total de artigos (e notas) publicados nesses dois anos anteriores, por esta revista. O imediatismo
dessa avaliação – o que foi publicado anteriormente não é considerado – é uma crítica ao FI. Não resta dúvida de que quanto mais
qualidade o artigo publicado tiver, mais vezes ele será citado por
outros autores (ou por si mesmo) em outros artigos.
E chego à essência do assunto. Um dia desses, uma colega, que tem seu foco principal de pesquisa na cultura do café,
disse-me que seu trabalho com o maior FI trata do cálcio na
nutrição do tomateiro. O assunto, embora já bem estudado,
pertence a uma cultura de interesse mundial que tem no cálcio um problema vigente. Por outro lado, seus artigos sobre
café, mais bem elaborados e inovadores, não despertam o interesse do primeiro mundo, despreocupado com os problemas
do café, como planta. Esses trabalhos, se citados, o serão em
revistas com baixo FI ou sem indexação, o que a comunidade
científica do primeiro mundo chama de “gray literature” – ou
seja, não acessada por ela.
Quando acompanhamos a evolução agrícola dos solos de
Cerrado, sentimo-nos orgulhosos da grandiosidade de sua evolução. A comunidade científica mundial hoje nos respeita mais
por essa agricultura pujante, de um modelo que poderá ser
repetido em outras partes semelhantes do mundo. As soluções
para os solos franciscamente pobres – “complicados” de modo
geral – vieram de pesquisas, muitas publicadas em revista sem
indexação na época inicial dos maiores achados, sem medidas
de FI – típicas “gray literatures”.
Pode-se concluir que mesmo que nossos pesquisadores
que mudaram o Cerrado, as florestas de eucalipto, a cafeicultura, a bovinocultura-Nelore, tenham em suas publicações FI
zero, que nossas revistas científicas estejam claudicando numa
luta desigual para aumentar os seus FIs em comparação às
melhores do primeiro mundo, é difícil conceber a importância
plena dessa medida vista de uma maneira numérica, simples,
em que indivíduos, revistas e instituições de pesquisa são “medidos” e ranqueados em um dado momento, sem os resultados de qualidade comprovada em um período de tempo longo
o necessário. Certamente, se houvesse o prêmio Nobel para
grandes alterações que a ciência fez para a humanidade, a utilização agrícola do Cerrado, o cultivo do eucalipto no país, dentre outros, seriam fortes candidatos a essa honraria. Nestes
casos, a quantidade com a qualidade efetivamente comprovada
com o tempo não se correlaciona com FIs.
Não sou contra os FIs, como também não há como ser
contra os IDHs. Preocupa-me o fato de em nosso país (como
no resto do mundo), aqueles envolvidos em ranquear pessoas,
revistas e instituições não discutam sobre como usar bem e, se
possível, rever alguns dos componentes do que se chama “qualidade” para o usuário de nossa ciência ou como foi a evolução
histórica desta ciência para se chegar à essencial medida de sua
qualidade. Como em toda evolução, os modelos atuais sobre
o que é “qualidade” apenas estão esperando por modelos melhores ad aeternum, felizmente!
*Professor titular da Universidade Federal de Viçosa e editor da Revista Brasileira de
Ciência do Solo (www.sbcs.org.br).
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
47
Foto: Omar Freire/Imprensa MG
Notas
José Policarpo G. de Abreu, diretor científico, o governador Aécio Neves e Mario Neto Borges,
presidente da FAPEMIG, durante cerimônia de posse
Posse da nova diretoria
da FAPEMIG reúne
comunidade científica
Pesquisadores, reitores das universidades mineiras e gestores da área de
Ciência e Tecnologia de todo o Brasil compareceram à cerimônia de posse dos
novos presidente e diretor científico da FAPEMIG, Mario Neto Borges e José
Policarpo G. de Abreu. A solenidade foi realizada no mês de fevereiro, com as
presenças do governador e vice-governador de Minas e do ministro da C&T.
Em seu discurso de posse, Borges falou sobre a importância de se investir
em ciência e tecnologia, destacando o crescimento de Minas Gerais na área. “Enfatizo que a ciência é o pilar responsável pelo desenvolvimento da nação e Minas
tem potencial para ocupar lugar de destaque no cenário nacional”. Mario Neto
também apresentou um balanço da FAPEMIG nos últimos seis anos, mostrando
o aumento do número de projetos financiados, de bolsas concedidas e de proteções da propriedade intelectual. “Nesse período, foi investido na FAPEMIG 70%
de todos os recursos recebidos desde sua fundação”, comemorou.
Durante o evento, também foram assinados convênios com o Ministério da
Ciência e Tecnologia que representam investimento de R$ 64,8 milhões na área.
Um dos convênios assinados é o que garante a conclusão do Centro Internacional de Educação, Capacitação e Pesquisa Aplicada em Águas (Hidroex), em
Frutal, no Triângulo Mineiro, com investimento de R$ 18,1 milhões. O Ministério
de Ciência e Tecnologia investirá R$ 13,6 milhões, com contrapartida de R$ 4,5
milhões do Governo do Estado.
48
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
FAPEMIG assume
presidência do
Confap
A FAPEMIG, representada por seu
presidente Mario Neto Borges, foi eleita para ocupar a presidência do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap). A
escolha da nova gestão aconteceu durante a reunião ordinária do Conselho
realizada em Cuiabá (MT), no mês de
março. A chapa, que traz como vicepresidente a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Piauí (Fapepi), foi eleita por
unanimidade em reunião que contou
com o maior quorum até hoje: 21, das
23 FAPs do país, estavam presentes.
Para Mario Neto, o resultado positivo da eleição traduz a confiança e
o respaldo que a FAPEMIG tem entre as FAPs. “Nossa proposta é usar
o Confap como um instrumento de
fortalecimento da Ciência, Tecnologia
e Inovação. Para isso, vamos investir
na articulação entre as FAPs”. Outra
prioridade será articular programas
em conjunto entre as FAPs em torno
de temas de interesse comum. São
exemplos a articulação para criação da
Rede Malária e o edital conjunto para
pesquisas com etanol lançado pela FAPEMIG e a Fapesp.
Mario Neto ocupa agora o lugar
deixado por Odenildo Sena, presidente
da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Amazonas (Fapeam), que cumpriu dois
mandatos consecutivos como presidente do Confap. Criado em março
de 2006, o Conselho teve seu estatuto
apresentado e oficializado em abril do
mesmo ano, durante o Fórum das FAPs,
que aconteceu em Belo Horizonte.
Com a participação de todas as Faps
do Brasil, o Confap tem como principal objetivo articular as fundações de
amparo à pesquisa brasileiras de forma
a fortalecê-las, facilitando, por exemplo,
a captação de recursos externos. Além
da presidência, o Conselho é composto por cinco diretorias regionais e uma
secretaria executiva. São realizadas
reuniões ordinárias a cada dois meses,
além de cursos e seminários técnicos,
que acontecem duas vezes ao ano.
Exposição comemora 200 anos
do nascimento de Darwin
Imagine ser recebido por Charles
Darwin em uma visita que leva aos
Jardins Galápagos, passando por uma
trilha que revela segredos sobre a evolução das espécies. Isso é possível na
exposição “Darwin: Bicentenário”, que
está aberta à visitação até 30 de junho,
no Museu de Ciências Naturais da
PUC Minas. A mostra comemora os
200 anos de nascimento de Charles
Darwin (1809-1882) e os 150 anos de
publicação da principal obra do pensador, o livro “A origem das espécies”,
usado ainda hoje por estudiosos de
todo o mundo.
O naturalista britânico, considerado um dos mais importantes cientistas
de todos os tempos, propôs a teoria
da seleção natural, que se baseia na capacidade dos organismos de se aperfeiçoarem ao longo das gerações, se-
lecionando as características genéticas
melhor adaptadas ao meio ambiente.
A exposição apresenta Darwin e a sua
teoria sobre a evolução das espécies,
com fósseis e espécimes atuais.
No pacote “Pequeno e Jovem
Darwin”, voltado para crianças de 4
a 12 anos, os visitantes são recebidos
pelo personagem Charles Darwin, com
quem podem tirar fotos e de quem
recebem as primeiras informações. A
programação inclui jogos educativos,
uma visita ao cenário que reproduz os
Jardins Galápagos, onde Darwin elaborou a Teoria de Evolução das Espécies,
e uma pequena trilha, para a qual as
crianças recebem binóculo, mapa e um
diário de bordo.Adolescentes e adultos
podem comprar o pacote “Charles Darwin”, que tem dinâmica parecida com
o das crianças, mas, em vez de trilha,
inclui a exibição de um documentário.
Para quem quiser visitar a exposição sem adquirir os pacotes, o ingresso
custa R$4. O Museu de Ciências Naturais da PUC Minas funciona às terças,
quartas e sextas-feiras, das 8h30 às
17h; às quintas, das 13h às 21h e aos
sábados, das 9h às 17h. O endereço
é Av. Dom José Gaspar, 290, Coração
Eucarístico. Mais informações e agendamentos: (31) 3319-4152 ou 4520.
Outras atividades referentes ao ano de
Darwin podem ser conferidas no site
http://www.ano-darwin-2009.org.
Homenagem a Marcos Luiz dos Mares Guia
Serão recebidas, até 30 de abril, inscrições para concorrer ao Prêmio de Pesquisa
Básica Marcos Luiz dos Mares Guia. Iniciativa
do governo de Minas, por meio da Secretaria
de Ciência,Tecnologia e Ensino Superior e da
FAPEMIG, seu objetivo é estimular o desenvolvimento científico e valorizar a pesquisa
básica. Neste primeiro ano, serão contempladas duas categorias: Instituições e Pesquisadores. Os vencedores receberão, além de
diploma e medalha, a quantia de R$10 mil. O
regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis no site www.fapemig.br/premio .
O prêmio é uma homenagem ao professor
emérito do Instituto de Ciências Biológicas da
UFMG Marcos Luiz dos Mares Guia. Reconhecido por seu destaque na área de biotecnologia, o professor foi um dos responsáveis pela
descoberta da insulina humana recombinante
e pela fundação da Biobrás, empresa pioneira
na fabricação de insulina no Brasil. Mares Guia
foi também um dos idealizadores da FAPEMIG
e defendia a programação dos investimentos
capazes de incorporar tecnologia aos setores
industriais mineiros.
Cetec repassa royalties à pesquisadora
A Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) é a primeira instituição do Estado a realizar, diretamente, o repasse de royalties a um de seus pesquisadores.
Esse repasse foi possível graças ao esforço do Núcleo de
Inovação Tecnológica (NIT) da Fundação, que recebe apoio
da FAPEMIG. Os royalties dizem respeito ao processo de
coloração de aços inoxidáveis via eletroquímica.
A tecnologia foi desenvolvida pela pesquisadora Rosa
Maria Rabelo Junqueira e o ex-bolsista do Cetec Rogério
Gonçalves Marques. Os dois receberam do Cetec o repasse de recursos previsto no contrato de transferência da
tecnologia para a empresa Inoxcolor. "Acredito que isso
abre muitos caminhos. Uma conquista que irá motivar outros pesquisadores do Estado a buscar também esse repasse. O dinheiro, em si, é uma quantia simbólica. Importante
é o que essa conquista representa para o futuro da instituição", explica Rosa Junqueira.
A transferência de royalties é prática prevista nas Leis
de Inovação Federal e Estadual, que prevê o repasse de
participação nos ganhos econômicos auferidos pelo Instituto de Ciência e Tecnologia resultantes de licenciamento
de uso de patente a ela outorgada.
MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009
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Um homem que fez ciência, primeiro,
e depois ajudou muitos outros a fazer
ciência. É dessa forma que José Israel
Vargas se define. O mineiro de Paracatu, formado em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais, ajudou
a definir os rumos da política científica
brasileira. Na academia, trabalhou com
pesquisadores como Francisco Magalhães Gomes e desenvolveu trabalhos
importantes sobre energia nuclear. Entre os cargos ocupados ao longo de
sua carreira estão o de secretário de
Ciência e Tecnologia de Minas Gerais,
o de ministro de C&T nas gestões
Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso, o de presidente do Conselho Executivo da Unesco e membro
do conselho consultor da Organização das Nações Unidas (ONU). Perspicaz e provocador, Vargas introduziu
discussões relevantes e ainda atuais,
como o direito de exploração do conhecimento gerado com dinheiro público. Nesta entrevista, ele opina sobre
algumas questões relacionadas à área.
O senhor ocupou cargos importantes ao longo de sua carreira.
Em sua opinião, hoje, ciência e
tecnologia estão mais presentes
nas agendas dos governos?
Muitas coisas aconteceram desde então, várias iniciativas foram implementadas. Para mim, uma das grandes dificuldades é que ciência e tecnologia
não fazem parte do sistema de valores
da sociedade. E isso é resultado de
uma longa tradição histórica e jurídica,
que torna inviáveis ações mais abrangentes. Veja, temos leis excelentes. O
problema é que, quando vão ser aplicadas, elas não são cumpridas. O Brasil é um dos poucos países que tem
em sua Constituição o apoio à ciência, especialmente à ciência básica. As
leis são ótimas, mas sua interpretação
impede a aplicação. Esse tratamento
burocrático é um problema e um dos
principais entraves para o desenvolvimento do país.
E quanto à participação brasileira na ciência mundial?
Hoje está melhor que na minha época
de ministro, mas ainda é insuficiente.
Para se ter uma ideia, os países in-
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dustrializados gastam cerca de 2% de
seu Produto Interno Bruto (PIB) com
ciência e tecnologia. Já o Brasil, pelas
minhas contas, gasta por volta de 0,4%.
Dos chamados BRICS (Brasil, Rússia,
Índia e China), o Brasil é o que menos
investe nessa área. Em minha opinião,
o país perdeu oportunidades de um
crescimento maior. Por que se atrasou
tanto? O desenvolvimento brasileiro é
recente e insuficiente. Basta lembrar
que, na década de 50, quase não tínhamos estradas asfaltadas. Hoje, participamos com 2% da produção científica
mundial. É muito pouco. Outro dado:
de cada mil patentes depositadas por
brasileiros, apenas uma vira um produto ou processo inovador. A ciência
brasileira continua isolada do sistema
produtivo.
Existe uma máxima que diz que
o Brasil consegue transformar
dinheiro em conhecimento, mas
não transforma conhecimento em
dinheiro. Por que isso acontece?
Porque é mais fácil comprar pronto
que desenvolver. Essa ideia de mercado protegido, de um modelo de substituição de importações, acabou facilitando a importação de tecnologias.
Ou seja, recebemos tudo pronto e ainda pagamos royalties. A burocracia e a
falta de qualidade no ensino também
contribuem para esse quadro. Sem falar na descontinuidade. Parece haver
no Brasil um entendimento de que o
que foi feito antes não é bom. Assim,
cada governante que assume quer reeditar leis e propostas que já existem.
O Brasil carece de planejamento a
longo prazo em ciência e tecnologia.
É preciso definir objetivos, decidir em
que investir e por que.
O senhor foi diretor da Fundação Vitae, que apoiava projetos
de educação, cultura e promoção
social. A Vitae já não existe, mas
sua contribuição foi importante.
Como ela atuou no Brasil?
A criação de museus no país foi um
esforço grande da Fundação. Entre as
instituições beneficiadas estão o Museu de Ciências da PUC-RS, o Museu
de História Nacional e o Museu da
Vida da Fundação Oswaldo Cruz. O
Foto: Gláucia Rodrigues
Cientistas brasileiros
objetivo era incentivar a criação de
museus interativos, que não fossem
meramente uma exposição, mas que
permitissem a manipulação dos experimentos pelos visitantes. A educação em ciência é fundamental para
o desenvolvimento do país. Mas isso
pressupõe que os professores da
educação fundamental e média sejam
bem remunerados. Nos países desenvolvidos, um professor primário não
ganha menos que 80% do salário de
um professor universitário. Aqui, essa
diferença é bem maior, o que gera
profissionais desmotivados. Isso é um
erro. Um grupo de estudiosos norteamericanos demonstrou que de todos
os investimentos que uma nação pode
fazer, o que traz o maior retorno é o
investimento em educação. O Brasil
ainda não percebeu isso.
O que significa para o senhor, que
foi membro do Conselho Curador da FAPEMIG quando esta
passava por momentos difíceis,
ver a recuperação da instituição?
A FAPEMIG passa por um momento
muito positivo, embora não haja mérito nenhum em cumprir o que prevê a
lei. Mas os recursos ainda são poucos.
É preciso querer mais.