Em arengas, sabiá não pia

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Em arengas, sabiá não pia
Em arengas, sabiá não pia
LUDMER, Paulo. "Em arengas, sabiá não pia". Agência Canal Energia. Rio de
Janeiro, 18 de janeiro de 2016.
Sempre desconfio de soluções supranacionais para problemas da humanidade. Por
exemplo: OEA, Unasul, Mercosul, Brics, ONU e agora, infortunadamente,
Comunidade Europeia. Ninguém se submete à uma coordenação externa por
envolvimento e sem compromisso profundo, nem a Grécia.
Concordo que sempre seja preciso empenho nesta direção, desde que prevenidos
contra a frustração. Não acredito que uma meta para aquecimento da Terra de 1,5
grau centígrado ou outra se cumpra num período pré-agendado. Mas reconheço que
o imperador do planeta seja o Preço, maestro de sua família – os preços relativos.
O desabamento da cotação mundial do barril de petróleo comanda, por um bom
tempo, um tsunami contra toda a cadeia produtiva de bens e de serviços satélite dos
hidrocarbonetos e de seus concorrentes - insumos renováveis. Estão, assim, em
risco as metas da COP-21 recém-aplaudidas no encontro de Paris.
Uma pequena ilustração: como se fará o abastecimento de água potável (leia-se
vida) para um globo habitado por 9,6 bilhões de habitantes (hoje são 7,0), ao redor
de 2050? Ora, nessa direção, um documento da GWI- Global Intelligence Water
sugere a necessidade de investimentos públicos e privados de US$ 1 trilhão, até
2022 ou US$ 500 bilhões, aumentando 6% ao ano. E aí estão contemplados gastos
com desmineralização/ dessalinização de água aumentando 60%, até 2020. Isso
absorve uma monumental quantidade de energia.
O suprimento virtual de petróleo, segundo a Agência Internacional de Energia, antes
da débâcle dos preços mundiais dos crus, por si só deveria produzir um aumento de
13,5% nas suas emissões de gases de efeito estufa. O gás natural inocularia outros
12%. Os automotivos, mais 11%, mesmo considerando a inclusão dos novos
modelos híbridos. Ora, esses números doravante são tímidos e conservadores (no
Brasil, em particular, sou avesso ao carro elétrico que, no mundo, diminui as
emissões).
Com o mercado mais contido pelo petróleo barato, os investimentos em tecnologias
de sucedâneos perdem fôlego, intensidade, pressa. Os financiamentos também
esmaecem. Os fatos atingem qualificação de mão de obra; evolução de arcabouços
regulatórios; arbitragens em geral et caterva.
O conjunto de desobediências prováveis aos compromissos firmados de redução de
emissões na COP 21, indisciplinas motivados pelo petróleo barato e seus reflexos
nas competitividades efetivas de várias economias no mapa global, gerará um duro
golpe na aparente confiança que se havia estabelecido entre países ricos e
emergentes. Observe-se que a Índia e alguns africanos nunca acreditaram nesta
arenga.
De um lado, os investimentos de cerca de US$ 400 bilhões, em 2014, em busca de
economias de baixo carbono poderão até se manter ou cair. Isso até não aconteceria
se: 1) os US$ 100 bilhões de financiamentos prometidos pelos ricos aos emergentes,
até 2020, se concretizassem; e, 2) se o Banco Mundial encontrasse projetos que
cobrissem um gap de uns U$80 bilhões, pois ninguém sabe quanto tempo durará a
miséria dos preços da OPEP.
Pode não ser suficiente para retomar a alta nos preços se cortarem a produção da
OPEP, porque volta o shale gas e o óleo de xisto. Respiram as fontes de energia
renovável. Cresce a alcoolquímica na rota do eteno e a carboquímica, na rota do
benzeno. Se as economias europeias e latinas, além de algumas asiáticas
avançarem, ressurgem o Pré-sal, reage o carvão e a biomassa (esses dois últimos
abatidos pelos fatos recentes).
Pode-se dizer que estamos na beira dos extremos das imprevisibilidades, tempos em
que no interior de São Paulo prevalece o provérbio “em tempo de muda, sabiá não
pia”.
Paulo Ludmer é engenheiro, jornalista, autor de Hemorragias Elétricas (Artliber
2015) e Sertão Elétrico (Art Liber 2010)