unidade 2 – propriedades físicas da água

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unidade 2 – propriedades físicas da água
Disciplina: Relação Água-Solo-Planta-Atmosfera – Prof. Jorge Luiz Moretti de Souza (UFPR/SCA/DSEA)
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UNIDADE 2 – PROPRIEDADES FÍSICAS DA ÁGUA
Objetivo:
Essa Unidade é uma revisão bibliográfica que realizei no ano de 1998, dentro das
atividades de uma das disciplinas cursei no Doutorado\ESALQ\USP, e trata das principais
propriedades físicas da água e de como essas propriedades interfere, de forma geral, na
atmosfera, clima, vegetação, cultura ou agricultura.
1.1 INTRODUÇÃO
Essa revisão inicia-se com uma citação da Declaração Universal dos Direitos da
Água: substância imprescindível a sobrevivência de todos os seres vivos do planeta Terra,
preservada por poucos homens, poluída e mal utilizada por muitos. A presente Declaração
foi proclamada tendo como objetivo atingir todos os indivíduos, todos os povos e todas as
nações, para que todos os homens, tendo essa Declaração constantemente presente no
espírito, se esforcem, por meio da educação e do ensino, em desenvolver o respeito aos
direitos e obrigações anunciados e assumam, com medidas progressivas de ordem nacional
e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação efetiva.
Art. 1o – A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada
região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
Art. 2o – A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal,
animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a
vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser
humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Art. 3o da Declaração Universal dos Direitos
do Homem.
Art. 3o – Os recursos naturais de transformação da água potável são lentos, frágeis e muito limitados.
Assim sendo, a água deve ser manipulados com racionalidade, precaução e parcimônia.
Art. 4o – O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos.
Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da
vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e
oceanos, por onde os ciclos começam.
Art. 5o – A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é sobretudo um empréstimo
aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma
obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
Art. 6o – A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber
que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer
região do mundo.
Art. 7o – A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua
utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma
situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 8o – A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica
para todo homem ou grupo social que a utiliza. Essa questão não deve ser ignorada nem pelo
homem nem pelo Estado.
Art. 9o – A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades
de ordem econômica, sanitária e social.
Art. 10o – O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em
razão de sua distribuição desigual a Terra.
História de I’Eau, Georges Ifrah, Paris, 1992.
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1.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS
A água é encontrada na Terra nos três estados físicos: líquido, sólido e gasoso.
Conforme Sutcliffe (1980) a terra apresenta cerca de 70% de sua superfície coberta pela
água no estado líquido e sólido. A forma gasosa é constituinte da atmosfera, estando
presente em toda parte. O estado físico que a água se encontra é determinado
principalmente pela temperatura, que varia de uma região para outra. Basicamente, o que
determina a temperatura de uma região é a quantidade de energia que ela recebe do sol.
Sem água não seria possível a vida como a conhecemos. Os organismos vivos
originaram-se em meio aquoso e se tornaram absolutamente dependentes dele no decurso
de sua evolução (Reichardt, 1996). No entanto, Sutcliffe (1980) cita que a água é uma
substância tão comum que suas propriedades nem sempre são precisamente valorizadas.
Branco (1993) cita que a água é elemento necessário para quase todas as atividades
humanas, sendo ainda, componente fundamental da paisagem e do meio ambiente. Barth et
al. (1987) acrescenta que a água é bem precioso, de valor inestimável, que deve ser obtido
a qualquer custo, conservado e protegido, prestando-se para múltiplos usos: geração de
energia elétrica, abastecimento doméstico, industrial, irrigação de culturas agrícolas,
navegação, recreação, aquicultura, piscicultura, pesca e, mesmo, para assimilação e
agastamento de esgotos.
1.3 A ESTRUTURA DA ÁGUA
Segundo Libardi (1995), entre os especialistas sobre estrutura da água, três pontos
parecem possuir concordância:
− Que o vapor d’água consiste de moléculas simples discretas;
− Existência de uma estrutura de gelo comum, ou seja, estrutura em látices do gelo-I;
− A água líquida parece ter uma estrutura desmoronada do gelo-I e que as ligações de
hidrogênio mantêm as moléculas de água juntas.
Quando dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio se combinam para formar
água, os elétrons se distribuem de tal modo que a molécula resultante é estável e não
reativa. O átomo de hidrogênio consiste de um próton positivamente carregado e um
elétron negativamente carregado. O átomo de oxigênio tem oito prótons e oito elétrons,
seis dos quais se encontram na camada externa da eletrosfera (Sutcliffe, 1980). No entanto
é interessante observar que existem variações. Reichardt (1985) e Klar (1988) citam que
existem na natureza três isótopos de hidrogênio (1H = hidrogênio, 2H = deutério e 3H =
trítium) e três isótopos de oxigênio (16O, 17O, 18O). Estes diferentes átomos possibilitam 18
combinações diferentes na formação de uma molécula de água, contudo o 2H, 3H, 17O e 18O
são de abundância muito baixa.
Embora a molécula, como um todo, seja eletricamente neutra, a distribuição
assimétrica de elétrons faz com que um lado da molécula seja carregado positivamente em
relação ao outro (Figura 1). Essas moléculas, chamadas dipolos, tendem a se orientar em
um campo elétrico de tal maneira que o lado negativo se oriente em direção ao pólo
positivo e vice-versa (Sutcliffe, 1980).
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Figura 1 − Modelo esquemático da molécula de água
A partir da difração de raios-X e outros estudos, hoje se sabe que uma molécula de
água individual tem uma forma de “V”, na qual o ângulo formado pelas linhas que unem
os dois núcleos de hidrogênio ao do oxigênio é estimado entre 103o e 106o (mais
exatamente 104o31’), a distância entre os núcleos de oxigênio e hidrogênio é estimada em
0,096 nm e a molécula toda tem um diâmetro de 0,33 nm, com o raio variando entre 0,12
nm e 0,14 nm, uma vez que a molécula não é uma esfera perfeita (Libardi, 1995).
Reichardt (1985) cita que os dipolos elétricos, criados pela distribuição assimétrica
de cargas é responsável por uma série de propriedades físico-químicas da molécula de
água. Devido a essa polaridade, as moléculas de água orientam-se formando estruturas.
Essa polaridade é ainda a razão pela qual a água é um bom solvente, é adsorvida sobre
superfícies sólidas ou hidrata íons e colóides.
A atração eletrostática entre a região positivamente carregada de uma molécula e a
região negativamente carregada de outra adjacente causa a formação de uma ponte de
hidrogênio. Essas forças atrativas são relativamente fracas (aproximadamente 20 kJ por
mol de pontes de hidrogênio), entretanto fazem com que as moléculas de água se arranjem
entre si formando uma estrutura mais ou menos ordenada, no estado líquido e sólido.
Devido à presença de dois prótons (H+) e dois pares isolados de elétrons (θ) em uma
molécula de água, cada uma pode formar mais de quatro pontes de hidrogênio com as
moléculas vizinhas (Sutcliffe, 1980). Reichardt (1985) acrescenta para as condições citadas
que a estrutura formada é hexagonal, relativamente aberta. Essa estrutura possui bem
menos falhas quando a água se acha no estado sólido (gelo). Quando ocorre a fusão do
gelo, essa estrutura é parcialmente destruída, de tal forma que outras moléculas possam
entrar nos espaços intramoleculares vizinhas e a densidade da água, no estado líquido,
pode ser maior do que a densidade do gelo.
Figura 2− Molécula de vapor d´água
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Libardi (1995) utiliza a nomenclatura gelo – I para o gelo comum e explica que o
termo “gelo – I” é adotado pelo fato de existir oito outras formas de gelo, gelo-II à gelo-IX,
as quais têm interesse apenas acadêmico, porque não se formam naturalmente. O mesmo
autor comenta que se olharmos para uma molécula particular numa estrutura de gelo
comum, verificamos que ela tem quatro moléculas de água vizinha, resultando em quatro
ligações de hidrogênio num arranjo tetraedral. É interessante observar que a molécula não
é um tetraedro de quatro esferas encostados uma às outras, mas sim um grupo bem aberto
de cinco esferas, uma das quais está no centro do tetraedro formado pelas outras quatro.
Figura 3 − Arranjamento tetraedral de quatro moléculas de água ao redor de uma quinta, no
gelo.
Libardi (1955) cita ainda que estudos desenvolvidos por Frank (1970) têm
mostrado que a distância entre oxigênios na estrutura do gelo-I é 0,276 nm e que a
distância entre o núcleos de hidrogênio e oxigênio, numa mesma molécula, é 0,099 nm, um
pouco maior do que na molécula de vapor d’água (0,096 nm), resultando um valor de
0,177 nm para a distância entre o núcleo de oxigênio de uma molécula e o núcleo de
hidrogênio da molécula vizinha.
Na água líquida, as moléculas são arranjadas mais irregularmente que no gelo, e há
menos pontes de hidrogênio, mas resta ainda alguma cristalinidade. O calor de fusão da
água sugere que aproximadamente 85% dessas pontes de hidrogênio presentes no gelo
permanecem intactas na água líquida a 0 oC e algumas estão presentes até no ponto de
ebulição. Assim, a fórmula química da água no estado sólido e líquido, comumente
expressa com H2O, seria mais adequadamente representada por (H2O)n onde n diminui
com o aumento da temperatura (Sutcliffe, 1980). Reichardt (1985) cita que uma estrutura
do mesmo tipo do gelo continua a existir para a água no estado líquido, contudo, essa
estrutura não é rígida e permanente, mas sim flexível e transitória. Para o estado de vapor o
autor acrescenta que a estrutura desaparece por completo.
1.3.1 Estrutura da água líquida
No que se refere à estrutura da água líquida, Klar (1988) comenta que ainda
existem dúvidas a respeito de sua exata estrutura, mas que, no entanto, todos os modelos
propostos têm em comum a idéia de que a água líquida é constituída de moléculas de água
diferenciadas pela extensão de suas ligações com pontes de hidrogênio. Quanto mais
extensamente ligadas, mas abertas as estruturas e mais leve e volumosa é a água líquida.
A literatura relata que somente 14 – 16% das ligações de hidrogênio são quebradas
quando o gelo se funde a 273 K. Outros pesquisadores afirmam que, na realidade, as
ligações de hidrogênio são simplesmente distorcidas porque o calor de fusão é demasiado
pequeno em comparação à energia de ligação de hidrogênio. Estudos sobre a estrutura da
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água a altas temperaturas (298 – 373 K) indicam que a quantidade de ligações de
hidrogênio quebradas a 298 K varia de 20 a 50%, e a 373 K entre 50 e 75%. É por isso que
a água líquida tem uma estrutura desmoronada da estrutura do gelo-I (Libardi, 1995).
Para Sutcliffe (1980) existem dois pontos de vista divergentes sobre a estrutura da
água líquida:
− Estudos da água com raios X à baixa temperatura (1,5 oC) indicaram que ela consiste em
uma rede de moléculas com pontes de hidrogênio, encerando grandes espaços preenchidos
com moléculas mais ou menos desorientadas;
− Alternativamente, as moléculas de água ligadas podem formar aglomerados temporários
contidos em uma matriz de moléculas não ligadas.
Frands e Good (1966) sugeriram que ambos os tipos de estrutura existem – a
primeira predominando a baixas temperaturas e os aglomerados a temperaturas acima de
35 oC, aproximadamente.
Abaixo estão descritos os dois tipo de estrutura da água, conforme citação realizada
por Libardi (1995)
(a) Modelo de Bernal e Fowler (1933)
Este modelo considera que as ligações de hidrogênio na água líquida estão
continuamente se quebrando e se rearranjando. Assim, os autores defendem a hipótese de
que cada molécula de água tem somente um pouco mais que quatro moléculas de água
vizinhas.
Quando a temperatura da água é aumentada a partir de 273 K, observa-se que entre
273 e 276,94 K sua densidade aumenta até um máximo de 1000 kg m−3, e a partir daí,
diminui. Este aumento em densidade de 273 a 276,94 K é porque mais e mais ligações de
hidrogênio são quebradas e, assim, ela se torna mais compacta. Mas, além de 276,94 K, a
agitação térmica é maior do que o rompimento das ligações de hidrogênio e a densidade
diminui. Assim, de acordo com Bernal e Fowler, o aumento da densidade da água quando
se eleva a temperatura de 273 e 276,94 K é causado pelo colapso das ligações de
hidrogênio, e que acima de 276,94 a agitação térmica predomina e a densidade se torna
menor.
(b) Modelo de Frank e Wen (1957)
Os autores deste modelo acreditam que a estrutura da água líquida consiste, na
realidade, de uma mistura de aglomerados de moléculas de água ligadas como no gelo-I,
rodeados por um fluído de moléculas de água não-ligadas entre si (Figura 4, Cavanau,
1964). Dentro dos aglomerados, as moléculas de água estão mais ou menos rígidas, como
na estrutura do gelo-I, enquanto que, por fora dos aglomerados, as moléculas de água são
menos rígidas. Frank e Wen (1957) se referem a este modelo dinâmico como um modelo
de aglomerados oscilantes. Essencialmente, eles explicam que esses aglomerados
aparecem e desaparecem continuamente num intervalo de tempo de aproximadamente
10−10 segundos. Desta maneira, em nível microscópico, existem alguns pontos frios e
outros quentes no volume global da água; o que é medido macroscopicamente usando um
termômetro ou num termistor é, na realidade, uma temperatura média da água como um
todo. No momento, estudo mais recente desenvolvido Stillinger (1980) parece rejeitar esse
modelo dinâmico, considerando a água líquida como uma rede tridimensional de ligações
de hidrogênio que mostram uma tendência para a geometria tetraedral, mas contendo
muitas ligações tensas ou quebradas.
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aglomerado
O
H
H
O
H
H
O
H
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H
H
H
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O
O
H
H
O
H
O
O
6
H
H
aglomerado
H
Figura 4− Representação esquemática dos aglomerados de moléculas de água ligadas e não
ligadas na água líquida, de acordo com o modelo de Frank e Wen (Cavanau, 1964)
Outros comentários realizados por Sutcliffe (1980) referente à estrutura da água
líquida:
− Até o presente tem-se em conta que a água consiste de moléculas compostas inteiramente
de isótopos 1H e 16O. O fato é que a água natural também contém pequenas quantidades de
isótopos de hidrogênio deutério (2H) e trítium (3H) e de isótopos de oxigênio (17O e 18O).
Se o deutério substitui ambos os átomos de hidrogênio, o resultado é óxido de dutério ou
água “pesada”, a qual tem peso molecular vinte. Dos isótopos presentes nas moléculas de
água, somente o trítium é radioativo. Ele é formado na atmosfera pela ação de raios
cósmicos e tem uma vida média de aproximadamente 12,5 anos. Incorpora-se à água, em
grande parte, como resultado da respiração de animais e plantas.
− A água se dissocia levemente em íons hidrônio (h3O+) e hidroxila (OH–):
2 H2O = H3O+ + OH–
− O íon hidrônio é um hidratado (H+ + H2O); geralmente é representado simplesmente
como H+ e denominado íon hidrogênio ou próton. A dissociação da água então vem a ser
conhecida:
H2O = H+ + OH−
− No equilíbrio o produto da concentração de íons hidrogênio e hidroxila na água pura é
constante e tem um valor de 10−14 íons-grama por dm3. Como o número total de íons
hidrogênio em um dado volume de água pura é exatamente igual ao número de íons
hidroxila, cada um tem uma concentração de 10−7 íons-grama por dm−3. Define-se pH com
o logarítmo negativo de concentração de íons hidrogênio (pH = –log[h+]) e, portanto, a
água pura tem um valor de pH igual a 7. O valor do pH de uma solução aquosa pode ser
influenciado pela presença de substâncias dissolvidas. Soluções nas quais a concentração
de íons hidrohênio é maior que 10−7 ínons-grama por dm−3 (pH < 7) são ácidas, enquanto
que aquelas em que a concentração de H+ é menor que esta (pH > 7) são alcalinas.
Soluções tamponadas são aquelas nas quais a dissociação de uma substância dissolvida,
por exemplo, um ácido fraco ou álcali se ajusta com as alterações de pH de tal modo que a
solução mantém um valor de pH razoavelmente constante.
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1.4 PROPRIEDADES FÍSICAS DA ÁGUA
A água é uma substância tão comum que suas propriedades físicas nem sempre são
precisamente valorizadas. Não há dúvidas de que a água é líquida a temperaturas normais e
que seus pontos de fusão e de ebulição são comparados com os de outras substâncias de
tamanho molecular similar. Dessa comparação, torna-se evidente que a água tem pontos de
fusão e congelamento surpreendentemente elevados, conforme pode ser visto na Tabela 1.
Isto é atribuído à associação de moléculas de água devido às pontes de hidrogênio. É
importante observar que se não fosse por este fato, a água seria gasosa a temperaturas
normais e a vida, como nós conhecemos na terra, não seria possível (Sutcliffe, 1980).
Tabela 1. Constantes físicas da água e outros hidretos de massa semelhante
Fórmula
Massa
Ponto de fusão
Ponto de
Substância
o
química
molecular
( C)
ebulição (oC)
Metano
CH3
16
−184
−161
Amônia
NH3
17
−78
−33
Água
H2O
18
0
+100
Fluoreto de hidrogênio
HF
20
−92
+19
Sulfeto de hidrogênio
H2S
34
−86
−61
1.4.1 Calor latente e específico da água
Na passagem do estado sólido para o líquido e gasoso, as pontes de hidrogênio são
rompidas, ao passo que, na passagem do estado gasoso para o líquido e sólido, elas são
restabelecidas. Assim, na fusão de 1 g de gelo, 80 cal precisam ser fornecidas (calor latente
de fusão) e na solidificação de 1 g de água, a mesma quantidade de energia é por ela
liberada (Reichardt, 1985).
Klar (1988) cita que o calor latente pode ser de fusão, vaporização ou de
sublimação. O calor latente de fusão refere-se à quantidade de energia necessária para
alterar a substância do estado sólido para o líquido; embora a temperatura permaneça a
mesma, há consumo de energia. O calor latente de vaporização consiste na quantidade de
energia necessária para alterar a substância do estado líquido para o de vapor ou gás, numa
determinada temperatura. A água pode também passar diretamente do estado sólido para o
gasoso (ou vice-versa) e o fenômeno denomina-se sublimação. O calor latente de
sublimação neste caso é igual à soma dos calores latentes de fusão e vaporização
Sutcliffe (1980) ressalta que o calor latente de fusão e de vaporização da água são
também geralmente elevados. O significado disso para as plantas é que uma quantidade
relativamente grande de calor deve ser extraída da água antes que ela se congele. De modo
semelhante, a evaporação da água requer grande quantidade de energia. Para cada grama
de água evaporada a 15 oC, a folha perde 2462 J de energia calorífica e assim a
transpiração tem um poderoso efeito de resfriamento.
O ponto de fusão da água sob pressão atmosférica normal é 0 oC, ao passo que o
ponto de ebulição é 100 oC. Nesse intervalo de temperatura a água se acha no estado
líquido e seu calor específico é 1,0 cal g−1 oC−1. Esse valor é extremamente alto em
comparação com o gelo (0,5); alumínio (0,2); ferro (0,1); mercúrio (0,03); ar (0,17). Por
isso, a água se comporta como um ótimo sistema tampão para a energia disponível na
atmosfera, isto é, muita energia é necessária para que sua temperatura se eleve pouco. Essa
propriedade da água torna os sistemas biológicos (cuja percentagem em água é altíssima)
resistentes a variação de temperatura (Reichardt, 1985).
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No ponto de ebulição a água passa do estado líquido para o gasoso (ou vice-versa)
e o calor envolvido na mudança de fase é de 540 cal g−1 (calor latente de vaporização). A
água pode também passar ao estado gasoso a temperaturas menores que 100o C, mas tal
vaporização, denominada evaporação, requer maior quantidade de calor. Assim, por
exemplo, a 25 oC seu calor latente de vaporização é 580 cal g−1 (Reichardt, 1985).
Um exemplo prático da utilização do calor latente de fusão da água ocorre na
proteção de plantas contra geadas, com a utilização da irrigação. O congelamento da água
aplicada liberta calor (calor latente de fusão) mantendo a planta a 0 oC. Os vegetais não se
congelam enquanto a temperatura não cair substancialmente além de 0 oC, principalmente
devido aos potenciais osmóticos das células (Klar, 1988).
Dos quase 70 % da superfície de nosso planeta que é coberta pela água, a maior
parte é encontrada no estado líquido, já que a temperatura média da Terra está
compreendida na faixa de 0 oC a 100 oC. Porém, há regiões onde o frio é intenso durante o
ano todo, mantendo assim congelada, a água que forma as grandes geleiras, as calotas
polares e as neves eternas, que recobrem os cumes das cordilheiras. As grandes superfícies
aquáticas são aquecidas pelos raios solares, e o calor, juntamente com a ação dos ventos,
provoca a evaporação de uma grande quantidade de água. Como a água no estado gasoso é
menos densa que o ar atmosférico, o vapor de água tende a subir, afastando-se nas alturas
em gotículas minúsculas, formando as nuvens. Do mesmo modo, há regiões de calor
intenso, onde a evaporação é grande, elevando a unidade do ar. São principalmente essas
diferenças na distribuição da água pelo globo e nos estados em que se apresenta (em
função temperatura) que determinam o clima das diversas regiões, bem como sua
vegetação (Hara, 1990).
1.4.2 Densidade da água
A maioria dos líquidos se contrai com o esfriamento, alcançando a máxima
densidade (peso específico) no ponto de congelação, mas a água é incomum por ter uma
densidade máxima a 4 oC (Tabela 2). Por esta razão a água raramente se congela até a
solidez no mar ou em lagos profundos, mesmo no ártico. Quando a temperatura da água de
maior profundidade cai abaixo de 4 oC, a água sobe devido à diminuição de sua densidade
e forma-se gelo na superfície. Isto isola a água que ficou mais abaixo e impede que ela se
resfrie até o ponto de congelação (Sutcliffe, 1980).
1.4.3 Tensão superficial
Tensão superficial é um fenômeno típico de uma interface líquido-gás. O líquido se
comporta como se estivesse coberto por uma membrana elástica, sob tensão, com
tendência de se contrair (assumindo área mínima). Isso acontece porque as forças coesivas
atuantes sobre cada molécula de água são diferentes se a molécula encontra-se no seio do
líquido ou na superfície (Reichardt, 1985).
Libardi (1995) define tensão superficial de um líquido como o trabalho por unidade
de área gasto para distender sua superfície.
Moléculas no interior do líquido são atraídas em todas as direções por forças iguais,
enquanto moléculas de superfície são atraídas para dentro da fase líquida, mais densa, com
forças maiores do que as forças com que são atraídas para a fase gasosa, menos densa.
Essas forças não balanceadas fazem as moléculas da superfície tenderem para o interior do
líquido, isto é, delas resulta a tendência da superfície se contrair.
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Se tomarmos uma linha arbitrária de comprimento L na superfície do líquido, uma
força F estará atuando de ambos os lados da linha, tentando contrair a superfície. O
quociente F/L (que é uma constante, pois quanto maior L, maior F), é denominado tensão
superficial (σ), cujas dimensões são forçadas por unidade de comprimento (d cm−1 no
sistema CGS e N m−1 no sistema internacional). O mesmo fenômeno pode ser descrito em
termos de energia. O aumento da superfície de um líquido exige dispêndio de energia que
permanece armazenada na superfície ampliada e que pode realizar trabalho se a superfície
se contrair novamente. Energia por unidade de área tem as mesmas dimensões da força por
unidade de comprimento. Assim, a tensão superficial também pode ser expressa em
erg cm−2 no sistema CGS e J m−2 no sistema internacional (Reichardt, 1985).
A tensão superficial é então a medida da resistência à formação da membrana
elástica que se forma em uma interface líquido-gás. Ela depende da temperatura:
geralmente decresce com seu aumento. O decréscimo da tensão superficial é ainda
acompanhado por um aumento de pressão de vapor. Substâncias dissolvidas na água
acarretam variações na tensão superficial em ambas as direções. Eletrólises, de maneira
geral, aumentam a tensão superficial, isto porque a afinidade entre um íon e uma molécula
de água é maior do que a afinidade entre moléculas de água e, como resultado, o soluto
tende a penetrar no solvente. Caso contrário, isto é, quando a afinidade entre o soluto e
solvente é menor do que a afinidade entre moléculas do solvente, o soluto tende a se
concentrar na superfície do líquido, reduzindo sua tensão superficial. Tal é o caso de
solventes orgânicos, particularmente detergentes (Reichardt, 1985).
F
L
F
Figura 5 − Tensão numa superfície líquida
Para superfícies planas de líquidos não existe diferença de pressão entre pontos
imediatamente superiores e inferiores à interface líquido-gás. Para superfícies curvilíneas
já existe uma diferença de pressão, responsável por uma série de fenômenos capilares.
Na superfície livre da água, as moléculas se orientam de tal modo que a maior parte
das pontes de hidrogêneo fica voltada para dentro, em direção ao centro da massa líquida,
conferindo à água uma elevada tensão superficial, a qual é maior do que a de qualquer
outro líquido, com exceção do mercúrio. A tensão superficial é responsável pela formação
de gotículas de água nas folhas depois das chuvas, ou de orvalho, e evita a entrada de água
nos espaços intercelulares das folhas através dos estômatos abertos. A presença de sais
inorgânicos na água não exerce muito efeito sobre a tensão superficial, mas substâncias
como, por exemplo, ácidos graxos e certos lipídios, que se concentram muito na superfície
da água, reduzem a tensão superficial. Essas moléculas “surfatantes” apresentam uma
cabeça hidrofílica (“polar”) e uma cauda hidrófoba (“não polar”), e se orientam na
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superfície da água com as cabeças polares imersas na solução e a cauda não polar para
fora. Tais moléculas são freqüentemente adicionadas aos fungicidas e herbicidas nas
pulverizações para ajudar a penetração das soluções através dos estômatos (Sutcliffe,
1980).
2.4.4. Capilaridade
Hidrostaticamente, quando se preenche vários vasos comunicantes com um
determinado líquido, este sempre atinge a mesma altura em todos os ramos. Entretanto,
para tubos de pequeno diâmetro (= tubos capilares) essa afirmação não é verdadeira,
devido aos fenômenos relacionados com a tensão superficial do líquido em contato com
uma parede sólida, os quais são muito mais acentuados nos tubos capilares, originando os
chamados fenômenos capilares (Libardi, 1995).
A água sobe em um tubo de vidro, de 0,03 mm de diâmetro, por capilaridade, até
uma altura de aproximadamente 120 cm. A subida capilar cessa, quando o peso da coluna
de água se equilibra com as forças de tensão superficial e adesão. A água se move
extensamente por capilaridade nos espaços estreitos, entre as partículas de solo, e nas
paredes das células vegetais. Forças intermoleculares conferem à água elevada tensão
quando ela está confinada em um tubo estreito e, assim, uma coluna de água pode ser
elevada por uma força aplicada na parte superior. Acredita-se que isso seja importante na
ascensão da seiva, pelo xilema, através dos caules (Sutcliffe, 1980).
h
água
Figura 6 − Ascensão da água num tubo capilar, com formação do menisco côncavo
O fenômeno da capilaridade é responsável por considerável parte das forças de
retenção da água no solo e em outros materiais porosos, ocorre devido à atuação das forças
de adesão e coesão (Klar, 1984).
Coesão é o fenômeno de afinidade entre moléculas ou substâncias idênticas entre
elas mesmas, enquanto que a adesão ocorre por atração entre moléculas ou substâncias
diferentes. No caso da água líquida, devido às pontes de hidrogênio, a afinidade entre as
suas moléculas é elevada. A natureza polar da molécula de água permite interações
eletrostáticas com outras moléculas polares e essas ocorrem em grande quantidade na
natureza, inclusive nas plantas (Klar, 1984).
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Tabela 2. Algumas propriedades físicas da água líquida
Temperatura
Peso
específico
Tensão
superficial
Viscosidade
dinâmica
Viscosidade
cinemática
Calor latente de
vaporização
Calor
específico
Condutibilidade
térmica
Volume
específico
(oC)
(g cm−3)
(N m−1 103)
(g cm−1 s−1 10−2)
(cm2 s−1)
(cal g−1)
(cal g−1 oC−1)
(cal cm−1 s−1 oC−1)
(cm3 g−1)
−10
0,99794
—
—
—
603,0
1,02
—
−5
0,99918
76,4
—
—
—
—
0
0,99987
75,6
1,7921
0,0179
597,3
4
1,00000
—
—
0,0157
5
0,99999
74,8
1,5188
10
0,99973
74,2
15
0,99913
20
Calor
latente de
fusão
Volume
molar
Constante
dielétrica
(cal g−1)
(cm3 mol−1)
(cg se)
1,0021
74,5
18,0531
—
—
1,0008
77,2
18,0307
—
1,0074
1,34
1,0002
79,7
18,0182
88,00
—
—
—
—
—
—
—
0,0152
594,5
1,0037
1,37
1,0000
—
18,0160
86,04
1,3077
0,0131
591,7
1,0013
1,40
1,0003
—
18,0207
84,11
73,4
1,1404
0,0114
588,9
0,9998
1,42
1,0009
—
18,0315
82,22
0,99823
72,7
1,0050
0,01007
586,0
0,9988
1,44
1,0018
—
18,0477
80,36
25
0,99708
71,9
0,8937
0,00897
583,2
0,9983
1,46
1,0030
—
18,0687
78,54
30
0,99568
71,1
0,8007
0,00804
580,4
0,9980
1,48
1,0044
—
18,0940
76,75
35
0,99406
70,3
0,7225
0,00733
577,6
0,9979
1,50
1,0060
—
18,1234
75,00
40
0,99225
69,5
0,6560
0,00661
574,7
0,9980
1,51
1,0078
—
18,1566
73,28
45
0,99024
68,7
0,5988
0,00609
571,9
0,9982
1,53
1,0099
—
18,1933
71,59
50
0,98807
67,9
0,5494
0,00556
569,0
0,9985
1,54
1,0211
—
18,2333
69,94
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2.4.5 Viscosidade
Viscosidade é a propriedade que reflete a facilidade com que as moléculas ou
partículas deslizam uma sobre as outras, sendo diretamente proporcional ao volume das
partículas. Ela pode ser vista como a propriedade do fluído que mede sua resistência ao
deslizamento ou fricção interna. A viscosidade varia com a temperatura e é também
afetada pelo tipo e concentração de solutos (Reichardt, 1985).
Apesar de sua alta força de tensão, a água tem viscosidade relativamente baixa,
podendo suas moléculas deslizarem com relativa facilidade, e, em conseqüência disto, a
água flui facilmente através de finos capilares, especialmente a temperaturas elevadas.
Elevando-se a temperatura da água, de 5 oC para 35 oC, sua viscosidade diminui em
aproximadamente 50%.
É de grande importância para as plantas o fato de que a água líquida é quase
incolor. A boa transmissão de luz visível torna possível às plantas aquáticas
fotossintetizarem a profundidades consideráveis e possibilita a penetração de luz nos
tecidos profundos de uma folha. A água absorve luz em alguns comprimentos,
especialmente no vermelho longo do espectro, e isto explica a cor verde-azulada da luz
transmitida através de uma camada de água. Há uma forte absorção no infravermelho, o
que faz com que a água seja um bom isolante de calor, mas sua condutibilidade térmica é
ainda alta comparada com a de outros líquidos.
Do exemplo acima parece que a água tem características ideais para seu papel nas
plantas. Isso é evidente, pois as plantas evoluíram de modo a poderem aproveitar ao
máximo as vantagens que a água oferece (Sutcliffe, 1980).
1.5 CICLO HIDROLÓGICO
Como pode ser visto nos itens anteriores, a água existe em praticamente toda parte
do planeta: na atmosfera, na superfície dos continentes, nos mares e oceanos, no subsolo e
acha-se em permanente circulação. A esse processo de permanente circulação é que se
convencionou chamar de ciclo hidrológico (Barth et al., 1987).
Macedo Filho e Branco (1964) citam que o ciclo da água na Terra, ou ciclo
hidrológico, comumente começa com a evaporação das águas dos rios, lagos, e
principalmente, dos oceanos e mares, uma vez que cobrem cerca de três quartos da
superfície terrestre. As principais fases desse ciclo foi escrita pelos autores da seguinte
forma:
− A irradiação solar evapora a água na superfície da Terra, que sobe e atinge a atmosfera
na forma de vapor, formando as nuvens. Sob determinadas condições atmosféricas, a
umidade das nuvens se condensa e cai em maior proporção sobre a Terra na forma de
chuva.
− Uma parte da precipitação escorre sobre a superfície em direção aos cursos d’água. Outra
parte penetra no solo, sendo que uma parcela dessa água é retida na zona das raízes das
plantas, retornando eventualmente à superfície pelos vegetais ou pela capilaridade do solo,
e outra parte infiltra-se à maior profundidade até atingir os reservatórios de água
subterrânea.
− A água infiltrada move-se através dos poros e fraturas das rochas, podendo reaparecer na
superfície em locais de nível inferior ao que havia penetrado, juntando-se aos cursos
superficiais, podendo retornar aos oceanos.
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O ciclo hidrológico é assim, o sistema pelo qual a natureza faz a água circular do
oceano para a atmosfera e retornar superficialmente e subterraneamente ao oceano.
1.5.1 Água existente na natureza
A água doce representa apenas 3% do total da água existente na natureza. Os
restantes 97% encontram-se nos oceanos e mares congelados. A maior parte da água doce,
aproximadamente 2,3% dos 3% existentes, está congelada nas calotas polares e geleiras, ou
em lençóis subterrâneos muito profundos. A evaporação e a precipitação reciclam um
volume considerável de água anualmente, mas apenas 0,5% do volume total cai sobre os
continentes (Porto et al., 1991).
1.5.2 Evaporação, transpiração e evapotranspiração
A evaporação é um fenômeno físico de mudança da fase líquida para gasosa
(vapor). Ela ocorre continuamente, durante o dia e a noite, ora com maior ou menor
intensidade, cessando apenas quando o ar atmosférico torna-se saturado. No que se refere à
água, a evaporação provoca perdas de volume nos mares, rios, lagos, reservatórios, canais,
solos sendo o processo regido por leis puramente físicas (Ometto, 1981).
Na evaporação da água através de uma planta, fenômenos biológicos limitam as leis
físicas e a esse processo reserva-se o termo transpiração (Reichardt, 1985). A Transpiração
é a evaporação da água que foi utilizada nos diversos processos metabólicos necessários ao
crescimento e desenvolvimento das plantas. Essa evaporação se dá através dos estômatos
que são estruturas de dimensões microscópicas (< 50 µm) que ocorrem nas folhas e que
permitem a comunicação entre a parte interna da planta e a atmosfera (Pereira, 1997).
Quando os processos de evaporação e transpiração ocorrem simultaneamente, como
se dá em uma cultura vegetal, utiliza-se o termo evaportranspiração (Reichardt, 1985). A
evapotranspiração é controlada pela disponibilidade de energia, pela demanda atmosférica,
e pelo suprimento de água do solo às plantas. A disponibilidade de energia depende do
local e da época do ano. O local é caracterizado pelas coordenadas geográficas (latitude e
altitude) e pela topografia da região (Pereira, 1997).
A perda de água do solo por evaporação através de sua superfície ou por
transpiração através das plantas é um parâmetro importante no ciclo hidrológico,
especialmente nas áreas cultivadas. Para cada grama de nutrientes absorvida do solo pela
planta, centenas de gramas de água precisam ser absorvidas do solo pela planta (Reichardt,
1985).
1.5.3 Vapor d’água
Ometto (1981) descreve que o vapor d’água é um dos constituintes variáveis do ar
atmosféricos, chegando a ter até 4% em volume. Esse volume é determinado pela
temperatura do ambiente, pois a capacidade de contenção do vapor d’água na atmosfera é
função da temperatura do ar. O mesmo autor ainda faz as seguintes considerações:
− Como o vapor d’água é oriundo da superfície da Terra, a sua concentração máxima é
próxima a ela e diminui a medida que se afasta da superfície.
− A maneira como se agrupam os átomos na molécula do vapor d’água, possibilita compor
uma estrutura capaz de interagir fortemente com radiações eletromagnéticas emitidas por
corpos que se encontram a temperatura do meio ambiente. Essa propriedade faz com que o
vapor d’água seja um armazenador de energia e, sua condição de encontrar-se dissociado
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no ar atmosférico possibilita sua movimentação juntamente com a deslocação do ar. Esse
fato faz do vapor d’água um equalizador da energia do meio, amenizando as trocas de
energia.
− O vapor d’água é um elemento de características primordiais no comportamento dos
vegetais, regulando o seu crescimento e desenvolvimento. Sua quantidade na atmosfera é
também um agente que regula o ciclo das pragas e doenças, e determina a intensidade do
ataque.
1.5.4 Precipitação
A precipitação é o resultado final, já em retorno ao solo, do vapor d’água que se
condensou e se transformou em gotas de dimensões suficientes para quebrar a tensão de
suporte, e cair. Essa água em trânsito entre nuvem e solo, tem aparentemente, aspecto
quantitativo regular para cada local do globo; mas sua distribuição durante o ciclo anual é
declaradamente irregular (Ometto, 1981).
Macedo Filho e Branco (1964) acrescentam as seguintes considerações para a
precipitação:
− Ao cair, as precipitações absorvem oxigênio, dióxido de carbono e outros gases do ar,
além de poeiras, fumaças e emanações odoríferas. Bactérias e esporos de vegetais
diminutos são também carreados do ar pela precipitação. No conjunto, a quantidade destas
impurezas é pequena, sendo máxima no início da precipitação e mínima no final.
− A precipitação nos campos, geralmente são mais limpas que nas cidades. Nas regiões
áridas ou em locais após uma estiagem a quantidade de poeira é maior que na época
chuvosa.
− A água da chuva é branda, saturada de oxigênio, mas insípida ao paladar e um tanto
corrosiva (Água tratamento e qualidade).
1.5.5 Água de superfície
Quando a chuva cai, uma porção busca os cursos d’água, lagos ou o oceano. A neve
evapora-se em partes; mas, nos climas temperados, a maioria permanece, dissolvendo-se
na primavera, quando contribui para as enchentes anuais. Nas regiões montanhosas, a neve
dos picos funde-se lentamente com o calor, mantendo a vazão das correntes e afetando no
verão a qualidade e a quantidade (Macedo Filho e Branco, 1964).
A água que flui nos cursos consiste no escoamento direto do líquido precipitado
que escorreu sobre a superfície do solo, no extravasamento de lagos e pântanos, ou naquela
que surge através do solo, vinda das terras altas para os vales. A proporção entre as
correntes destas diferentes origens varia de estação para estação e conforme a estrutura
geológica e utilização da área de drenagem (Macedo Filho e Branco, 1964).
1.5.6 Infiltração
Infiltração é o processo pelo qual a água entra no solo, que perdura enquanto
houver fornecimento de água. Este processo é de grande importância prática, pois sua taxa
ou velocidade muitas vezes determina o deflúvio superficial (“runoff”) ou enxurrada
responsável pelo fenômeno da erosão durante precipitação pluvial. A infiltração determina
o balanço de água na zona das raízes (Reichardt, 1985).
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1.6 ÁGUA PARA OS SERES VIVOS
As considerações dispostas a seguir, referem-se a um extrato dos principais
descrições contidas no livro “A água e os seres vivos” escrito por Hara (1990), que trata de
alguns aspectos interessantes referente à necessidade da água à vida no planeta Terra.
Os seres vivos apresentam uma variedade muito grande de tamanhos, formas,
hábitos e ambientes em que vivem. Apesar dessa diversidade, podemos perceber que existe
algo comum a todos eles: qualquer que seja o organismo, todos apresentam uma grande
quantidade de água na composição de seus corpos.
Os organismos que possuem menos água chegam a ter 50% do seu peso corporal
constituído de água, enquanto que outros atingem a proporção de 95% de água na
formação de seus corpos.
Além da constituição dos organismos, a água é importante porque faz parte da
formação da seiva, do sangue e do líquido existente no interior das células do indivíduo.
As células são as menores unidades que formam os seres e são responsáveis pelo
funcionamento dos organismos. Seu tamanho e sua forma variam dependendo da função
que elas desempenham no seres vivos. Todo ser vivo é formado por essas minúsculas
unidades estruturais, onde acontecem diversas reações químicas que fornecem energia para
os processos e atividades vitais do organismo, como a respiração, a nutrição, a fotossíntese,
a excreção. O conjunto harmônico dessas transformações químicas é denominado
metabolismo.
Ao lado de seu papel fundamental na constituição dos seres, a água é importante
porque proporciona um meio adequado para as reações químicas das células.
1.6.1 Água para as plantas
Tanto os vegetais rasteiros que revestem pedras e bases de troncos nas florestas
úmidas, quanto às gigantescas sequóias, árvores encontradas em algumas regiões dos
Estados Unidos e que chegam a atingir mais de 100 m de altura, dependem da água para
desenvolver seu metabolismo.
O sistema de transporte de substâncias químicas garante às diferenças partes do
vegetal o suprimento para realizar suas funções vitais. Esse sistema, na maioria dos
vegetais, forma soluções nutritivas do vegetal.
A seiva bruta é formada pela água que é absorvida pelas raízes juntamente com os
sais minerais nela dissolvidos, sendo depois transportada das raízes até as folhas.
Nas folhas a água participa da reação de síntese de matéria orgânica, a fotossíntese.
A fotossíntese é a reação que forma glicose a partir do gás carbônico do ar e da água
absorvida pelas raízes, sob a ação da energia luminosa e da clorofila, e libera oxigênio para
a atmosfera. Assim:
luz
6 H2O + 6 CO2 ——————→
clorofila
C6H12O6 + 6 O2
Para cada molécula de glicose formada são necessárias seis moléculas de água e sei
de gás carbônico.
A seiva elaborada é uma solução de água e glicose, que circula das folhas para o
resto do vegetal. Depois de produzida, a glicose – matéria-prima para formação das outras
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substâncias – é armazenada nas raízes ou nos caules sob a forma de amido, ou se deposita
nas membranas das células sob a forma de celulose.
A fotossíntese é um dos fenômenos mais importantes da natureza porque garante a
vida não só do próprio vegetal, como dos animais, produzindo a matéria orgânica
necessária à nutrição e fornecendo o oxigênio para a respiração.
O movimento de água pelo organismo vegetal é constante, sendo que a água
absorvida pelas raízes repõe a pequena parte que é utilizada nos processos bioquímicos e o
restante, mais de 90%, é eliminado na transpiração.
A perda de água pela transpiração aumenta bastante nos dias muito quentes e com a
ação dos ventos. Nas noites em que a umidade do ar é muito alta, a eliminação sob a forma
de vapor é dificultada, ou seja, não há transpiração; então uma pequena fração de água é
perdida através das bordas da folhas na forma líquida, num processo chamado gutação. As
gotinhas que se formam quando há gutação não devem ser confundidas com o orvalho, que
é proveniente da umidade do ar que se condensa na superfície da folha.
1.6.2 Papel da água na reprodução
Os vegetais, de modo geral, reproduzem-se de duas formas: sexuada e assexuada. A
reprodução assexuada pode ocorrer por vários processos, como por meio de esporos, por
exemplo. A maioria dos vegetais, no entanto, reproduzem de forma sexuada e, para isso, é
necessária a união de duas células sexuais, os gametas, resultando numa outra célula que
originará um novo indivíduo. Essa união de gametas é chamada fecundação e pode ser
externa ou interna. Será externa quando ocorre na água e interna quando ocorre no interior
do aparelho reprodutor feminino.
1.6.3 Adaptação dos vegetais
A água é um dos principais fatores que determinam as características dos vegetais e
sua distribuição sobre o planeta. Porém, como vimos, a distribuição de água pela Terra não
é uniforme, por isso a sobrevivência da planta depende de adaptações anatômicas (relativas
à forma e à estrutura) e fisiológicas (relativas às funções) e da disponibilidade de água no
ambiente.
Há regiões onde a água no estado líquido é escassa, como nos desertos e nas regiões
polares, outras apresentam abundância de água em uma determinada época do ano, seguida
de um longo período de estiagem, como ocorre no Cerrado Central do Brasil, ou áreas
como o Pantanal Mato-grossense, periodicamente inundado pelos rios que o cortam.
Para sobreviver nessas condições tão particulares, as plantas necessitam de
mecanismos adaptativos que permitam o desenvolvimento de suas atividades e sua
reprodução. O ambiente, de certa forma, seleciona, pelas suas particularidades, quais as
espécies que apresentam condições mais favoráveis a nele sobreviverem. Isso torna a
paisagem de cada região muito característica.
Vejamos algumas das adaptações que as plantas desenvolvem ao longo do tempo:
O cacto, planta típica das regiões áridas, apresenta suas folhas modificadas em
espinhos. Essa transformação permite a diminuição da superfície exposta, evitando com
isso a perda excessiva de água pela transpiração. Além disso, os espinhos servem como
elemento de proteção da planta.
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O caule do cacto é grosso, capaz de armazenar grande quantidade de água no seu
interior, revestido por uma grossa cutícula que o torna impermeável, e clorofilado,
substituindo as folhas na função de fotossíntese. Este conjunto de modificações permite ao
cacto grande economia de água, tornando-o adaptado às regiões desérticas.
Em lagunas, estuários e barras tropicais, constantemente invadidos pela água
salgada das marés altas, forma-se um ambiente muito característico denominado mangue.
Nesses locais, onde há grande concentração de sal na água, ou seja, onde a salinidade é
relativamente alta, desenvolvem-se algumas espécies de árvores como as do gênero
Avicennia, que apresentam em suas folhas, pequenas glândulas de sal, que servem para
eliminar o excesso de sal absorvido juntamente com a água salobra.
Nas regiões temperadas, onde o inverno é bem rigoroso, muitas árvores perdem
suas folhas nessa estação, pois a água, sob a forma de gelo e neve, é impossível de ser
aproveitada. As folhas, sem receber água, não podem entrar em atividade e, com a ação de
hormônios, caem, brotando outras novas com o degelo, anunciando o início da primavera.
O solo dos cerrados é pobre e arenoso, e por isso não retém a água das chuvas, que
ocorrem num período limitado, ocasionando aproximadamente quatro meses de seca.
Nessa área, desenvolve-se um tipo de vegetação bem característica: são árvores pequenas e
espaçadas entre si, com troncos retorcidos, casca grossa e folhas endurecidas, adaptações
que evitam a perda de água e ainda as protegem do fogo, constante no período de seca.
1.7 BIBLIOGRAFIA
BARTH, F. T.; POMPEU, C. D.; FILL, H. D.; TUCCI, C. E. M.; KELMAN, J.; BRAGA
Jr., B. P. F. Modelos para gerenciamento de recursos hídricos. São Paulo: Nobel:
ABRH, 1987. 526 p.
BRANCO, S. M. Água: origem, uso e preservação. São Paulo: Moderna, 1993. 71p.
HARA, M. A água e os seres vivos. 2o ed. São Paulo: SCIPIONE, 1990. 55p.
KLAR, A. E. A água no sistema solo-planta-atmosfera. São Paulo: Nobel, 1984. 408p.
LIBARDI, P. L. Dinâmica da água no solo. Piracicaba: O autor, 1995. 497p.
MACEDO FILHO, A.; BRANCO, Z. C. Água – tratamento e qualidade. Rio de Janeiro:
USID, 1964. 465 p.
OMETTO, J. C. Bioclimatologia vegetal. São Paulo: Agronômica Ceres, 1981. 440p.
PEREIRA, A. R.; VILLA NOVA, N. A.; SEDIYAMA, G.C Evapo(transpi)ração.
Piracicaba: FEALQUE, 1997. 183 P.
REICHARDT, K. Processos de transferência no sistema solo-planta-atmosfera.
Campinas: Fundação Cargil, 1985. 466p.
SUTCLIFFE, J. F. As plantas e a água. Tradução: MACIEL, H. E. T. São Paulo: Ed.
USP, 1998. 126 p.

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