Pão de Milho: Caracterização do Produto Tradicional
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Pão de Milho: Caracterização do Produto Tradicional
Pão de Milho: Caracterização do Produto Tradicional e Melhoramento Tecnológico João M. Rocha 1, Alda M. Brás 2, José J. B. L. Trigueiros 3 e F. Xavier Malcata 1 1 Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica Portuguesa (UCP) Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072 Porto 2 Estação Regional de Culturas Arvorenses, Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho (DRAEDM) Quinta de S. José, S. Pedro de Merelim, 4700-859 Braga 3 Instituto para o Desenvolvimento Agrário da Região Norte (IDARN) Rua da Igreja, 4485-242 Guilhabreu Pão de Milho: Caracterização do Produto Tradicional e Melhoramento Tecnológico Ficha Técnica Título: Pão de Milho: Caracterização do produto tradicional e melhoramento tecnológico Autores: João M. Rocha (UCP-ESB) Alda M. Brás (DRAEDM) José J. B. L. Trigueiros (IDARN) F. Xavier Malcata (UCP-ESB) Edição: Universidade Católica Portuguesa - Escola Superior de Biotecnologia Edição Gráfica: Serviços de Edição da UCP - ESB Impressão: Aloma ISBN: 972-98476-9-X Apoios: U N I V E R S I D A D E C AT Ó L I C A P O R T U G U E S A ESCOLA SUPERIOR DE BIOTECNOLOGIA A E S B U C - A S S O C I A Ç Ã O PA R A A E S C O L A S U P E R I O R D E B I O T E C N O L O G I A D A U N I V E R S I D A D E C AT Ó L I C A Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Índice 1. ENQUADRAMENTO 1 1.1. Económico 1 1.2. Social 2 1.3. Regional 2 2. DESCRIÇÃO 2.1. Resenha histórica 4 4 2.1.1. Antiguidade egípcia 5 2.1.2. Antiguidade grega 7 2.1.3. Antiguidade romana 8 2.1.4. Idade média – idade contemporânea 10 2.2. Pão massificado 15 2.3. Pão tradicional 18 2.3.1. Milho 19 2.3.2. Centeio 22 2.3.3. Broa 24 2.4. Fabrico de Broa 3. CARACTERIZAÇÃO 26 31 3.1. Geografia 31 3.2. Microbiologia 32 3.2.1. Contagens 32 3.2.2. Identificação 37 i Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 3.3. Química 40 3.4. Física 54 3.5. Reologia 55 3.6. Organoléptica 60 4. MELHORAMENTO 63 4.1. Química 64 4.2. Organoléptica 66 5. CONCLUSÕES 69 6. BIBLIOGRAFIA 71 ii Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Prefácio Produzir pão é ainda, mais do que uma ciência, uma verdadeira arte, que data dos primórdios das civilizações orientais. A textura e o sabor do produto resultante da fermentação da massa tornaram-se mais atractivos do que a ingestão separada dos componentes da massa, sendo que a via microbiana conduz a pão organolepticamente mais apelativo do que o resultante da levedagem estritamente química. Embora vários cereais possam ser utilizados no fabrico de pão, o trigo, o milho e o centeio têm-se revelado os mais adequados. O método mais antigo de conservação do fermento microbiano consiste em guardar uma porção da massa de pão fermentada em local fresco, para ser usada na produção seguinte. Tal fermentação origina um sabor ácido distinto e um aroma agradável, devidos à presença (e acção) conjunta de leveduras e bactérias lácticas. Este processo é ainda hoje integralmente seguido na produção artesanal do pão de milho – ou Broa. A Broa é, a par de outros alimentos de origem vegetal, um dos componentes da dieta mediterrânica; tal dieta tem sido considerada como vector de prevenção de doenças cardiovasculares, havendo, por conseguinte, todo o interesse em ser preservada na vida urbana moderna – caracterizada por níveis frequentemente duvidosos no que se refere à qualidade de ingre-dientes e à confecção, a par de agressões crescentes do meio ambiente. Para além do valor dietético, o pão de milho tem elevadas potencialidades a nível económico, social e regional, as quais justificam o forte (e crescente) interesse científico-tecnológico pelo mesmo, e os quais estão igualmente alinhados pelas orientações da Política Agrícola Comum. A presente brochura visa a disseminação dos resultados mais relevantes de um abrangente esforço de investigação, desenvolvimento e demonstração levado a cabo pela Escola Superior de Biotecnologia, em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento Agrário da Região Norte e a Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho. No decorrer deste projecto pluriinstitucional e multidisciplinar, procedeu-se à caracterização exaustiva da microflora existente nas farinhas e nos fermentos usados para a produção da Broa; quantificaram-se parâmetros químicos das farinhas, fermentos e broas, assim como parâmetros físicos das farinhas e iii Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico parâmetros reológicos das broas; finalmente, estudaram-se os efeitos de algumas variáveis processuais, designadamente o tipo de farinha de milho, o tipo de moagem, a percentagem de farinha de centeio adicionada e o tipo de fermento nos parâmetros químicos e organolépticos da Broa. Espera-se que tais resultados venham a constituir-se como um contributo válido para a tipificação deste produto alimentar artesanal, com o intuito do eventual estabelecimento de uma Denominação de Origem Protegida; tal acabaria por conceder à Broa a distinção merecida enquanto especialidade alimentar tradicional, providenciando doravante o suporte legal para a manutenção da sua qualidade e tipicidade, segundo padrões técnico-científicos definidos e exigentes. iv Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 1. ENQUADRAMENTO 1.1. Económico Sendo um exemplo de produto artesanal da Região Norte de Portugal, a Broa possui uma importância económica elevada devido ao número ECONÓMICO significativo de pequenos agricultores que a produzem, e que se dedicam a montante ao cultivo de Impacto da Broa milhos regionais. Esta importância está vincada nas linhas mestras da Política Agrícola Comum, que vê em tais produtores elementos de protecção do REGIONAL SOCIAL ambiente, tendo por isso sido objecto da atribuição de apoio a projectos de investimento ao abrigo de Programas Operacionais no âmbito dos Quadros Comunitários de Apoio. Com efeito, o Programa Operacional da Agricultura e Desenvolvimento Rural (AGRO) tem contemplado o Norte do país com a maior fatia de investimento, para que seja possível promover uma agricultura competitiva, em estreita aliança com um desenvolvimento rural sustentável. Segundo esta nova orientação de política agrícola, serão as regiões mais desfavorecidas e os agricultores de menores rendimentos aqueles que terão acesso preferencial aos subsídios. Finalmente, este produto possui potencial de resposta à tendência generalizada dos consumidores no sentido de produtos naturais, com o mínimo de aditivos químicos, e que possuam à partida um conjunto de nutrientes equilibrado, não sendo, por isso, tão susceptíveis às restrições dietéticas de produtos similares produzidos em larga escala. 1 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 1.2. Social Enquanto produto tradicional, a Broa possui uma importante função social, na medida em que é um bem com carácter público, resultante da evolução empírica ao longo de inúmeras gerações, e em que assume o estatuto de património cultural, oferecendo aos seus produtores um nicho de intervenção – e contribuindo, deste modo, para a fixação da população em zonas rurais mais periféricas. 1.3. Regional O êxodo rural, e a consequente desertificação das zonas agrícolas do Norte de Portugal, só poderão ser contrariados se se aumentar o rendimento do agricultor – tal passa, claramente, pela existência de especialidades regionais, as quais, por serem produzidas por via artesanal, são únicas e inimitáveis, tendo associados valores acrescentados apreciáveis. Por outro lado, para a pequena exploração do Norte de Portugal (sobretudo nas zonas de meia encosta e de montanha), o turismo rural tem vindo a ganhar importância crescente, pelo que a possibilidade de explorar a Broa tradicional como atractivo local é promissora. Por fim, urge incentivar a produção de milhos regionais, pois o milho híbrido, apesar da sua resistência e dos seus elevados índices de produtividade, não é organolepticamente muito rico. Existe, assim, lugar ao aumento das fontes de rendimento dos agricultores da Região Norte, sobretudo os das zonas mais pobres de minifúndio, de onde é, regra geral, originária a Broa. Porém, este aumento de penetração de mercado, em termos absolutos e relativos, irá exigir uma maior qualidade e uma maior constância da mesma. Esta qualidade só poderá ser assegurada através da certificação desse produto, a qual deveria decorrer naturalmente da atribuição do estatuto de Denominação de Origem Protegida (DOP). Porém, certificar a Broa significa conceder ao produtor um atestado de confiança no seu processo de fabrico e no seu produto final; tal implica a manutenção de padrões elevados, o que só é possível se se conhecerem (e se puderem manipular) os factores físico-químicos e 2 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico microbiológicos que determinam a qualidade. A definição dessa DOP significaria, assim, ser capaz de tipificar o produto e conhecer as características que o tornam distinto de outros similares (ou provenientes de outras regiões), por forma a ser possível a despistagem de falsificações. Denominação de Origem Protegida Maior qualidade Broa Manutenção das características Conhecimento exaustivo do produto 3 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 2. DESCRIÇÃO 2.1. Resenha histórica O primeiro pão foi provavelmente fabricado a partir de certas gramíneas selvagens (cevada, centeio, milho e trigo), e até mesmo de bolotas, castanhas e raízes de algumas plantas. Contudo, sendo o trigo a semente mais rica em glúten, o seu grão foi, desde muito cedo, eleito para a panificação, muito embora o milho e o centeio sejam ainda alternativas nos dias correntes. Dados arqueológicos fazem crer que o trigo era já conhecido na China no século XXVIII a.C. Inicialmente consumido directamente da planta verde, este processo rudimentar de confecção foi ultrapassado com o advento do fogo, passando-se a assar ou cozer os grãos em água. As dificuldades de mastigação teriam, entretanto, levado ao início da moagem. O primeiro objecto indispensável criado pelo Homem pré-histórico para produzir o seu pão teria sido uma laje de pedra, dotada de uma face superior côncava onde eram colocados os grãos de cereais, os quais eram esmagados com a ajuda de outra pedra convexa: assim apareceu o primeiro moinho manual, ou “pedra de moer”, a qual evoluiria pouco até à época romana. À farinha obtida 4 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico adicionava-se água, formando-se assim papas com as quais se preparavam umas bolachas achatadas, posteriormente cozidas sob pedras quentes ou sob cinzas – tal como reza a Bíblia, ao descrever os gestos de Sara (mulher de Abraão) quando esta preparava o pão para os anjos que Deus enviou a sua casa. Este pão é, ainda hoje, confeccionado pelos Usbeques e Tadjiques, povos que vivem entre as altas montanhas do Pamir e o Deserto Vermelho, a oriente do mar de Aral. Tal pão rudimentar sem fermento, também conhecido por ázimo (do grego azymos, que significa sem fermento) tornou-se, paulatinamente, num alimento base do Homem neolítico, o qual deixou de depender em absoluto, para a sua sobrevivência, da caça e da pesca. Igualmente ázimos são os pães consagrados na Igreja Católica Romana, no seio da qual assumem a designação de hóstias. Não existe consenso quanto à origem geográfica do trigo – as opiniões mais credenciadas dividem-se entre a região do rio Eufrates e a Abissínia; mas a origem cronológica foi, certamente, a Idade da Pedra Polida, entre os milénios VI e V a.C., visto os arqueólogos terem já encontrado grãos de trigo nos túmulos dessa época. Obviamente que se desconhece também quando (e onde) o acaso fez descobrir que, deixando a pasta de pão repousar algumas horas, esta mudava de aspecto e aumentava de volume; e que, depois de cozinhada, tal pasta se tornava mais agradável ao paladar e mais facilmente digerível. 2.1.1. Antiguidade egípcia Embora os antigos egípcios conhecessem o pão desde há vários milhares de anos, os povos da Europa na mesma altura ainda se alimentavam de papas de farinha de painço ou de cevada, enquanto outros povos da África e da Ásia só o conheceriam com a chegada dos europeus. Porém, não se sabe ao certo quando o pão surgiu e se divulgou no Egipto; a descoberta recente de um forno de pão – aparentemente o mais velho do mundo – veio provar que o pão era já conhecido na Babilónia em 4000 a.C. 5 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Os egípcios foram, portanto, o primeiro povo a alimentar-se regularmente de pão de trigo, tendo ficado conhecidos, com certa carga depreciativa, por artófagos (ou comedores de pão). De facto, os campos envolventes do rio Nilo, naquilo que convencionou designar-se por Crescente Fértil, ofereciam as melhores condições para o cultivo deste cereal. As pinturas nos túmulos egípcios dão uma informação detalhada das sementeiras, dos trabalhos na terra, da colheita e do fabrico de pão. O trabalho com o arado exigia dois homens; depois, vinha a sementeira, registada e controlada pelos escribas; de seguida, os animais trotavam sobre as terras para enterrar as sementes, sendo a colheita feita mais tarde com a ajuda de pequenas foices; os burros e os bois trotavam em filas cerradas para separar os grãos das espigas; finalmente, a recolha e a redistribuição cabiam ao Faraó, que para os egípcios era o símbolo de fonte da vida. Os egípcios não sabiam explicar os fenómenos que ocorriam durante a fermentação e a cozedura, pelo que o acto de fazer pão estava intimamente ligado à magia. O pão detinha, ainda, um lugar sagrado nas cerimónias dos cortejos fúnebres: os egípcios, crentes na vida após a morte, não concebiam ficar privados deste alimento precioso. Da mesma forma, os deuses teriam necessidade de uma alimentação constituída por pão; daí as ofertas destinadas ao casal divino Osíris e Isis, protectores dos cereais e benfeitores do pão. Não será também difícil imaginar o estado de surpresa do povo hebreu, aquando da sua chegada ao Egipto, ao aperceber-se do empenho no cultivo do trigo e da existência de uma variedade de técnicas de 6 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico produção de pão. Durante os quatrocentos e trinta anos de exílio, os hebreus acostumaram-se então ao pão egípcio. Em 1645 a.C., repentinamente, Moisés decidiu iniciar a grande caminhada do deserto rumo à Terra Prometida; na pressa, os judeus não tiveram outra opção senão a de levar massa não-fermentada – por isso, ficou decidido que se iria comemorar cada aniversário desse memorável dia consumindo apenas pão ázimo. 2.1.2. Antiguidade grega Com um sólo muito duro e rochoso, a Grécia antiga era um país pobre e sem autosuficiência alimentar. Marinheiros por excelência, por força da necessidade ou do gosto pelo negócio, os gregos expandiram-se pela Ásia-Menor, por Creta e pela Sicília, até às margens do mar Negro. A via marítima passou então a ser a sua principal forma de abastecimento alimentar: a Grécia importava cerca de dois terços dos cereais consumidos, sendo que o trigo vinha do Egipto, da Rússia meridional e da Sicília, apesar da mitologia grega ter atribuído o trigo à deusa Ceres. O seu contacto com o povo egípcio permitiu-lhes aprender as técnicas de moagem e de fabrico de pão – com efeito, as pedras de moer e os fornos de pão encontrados na Grécia são em tudo semelhantes aos do antigo Egipto. Os gregos implementaram grandes melhorias na arte de produzir pão: modificaram ligeiramente a pedra de moagem, por forma a obter uma farinha mais fina; e prepararam um novo fermento (zyma em Grego, que terá sido a origem etimológica da palavra enzima), obtido na altura das vindimas pela mistura de lúpulo e mosto fresco, o qual era guardado em pequenas ânforas. Os gregos utilizaram, portanto, as primeiras leveduras preparadas que a Humanidade conheceu no fabrico do pão. 7 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Mas a reputação dos gregos como excelentes padeiros não ficou por aqui. Um outro fermento foi igualmente preparado a partir de farelo e de mosto, o qual era deixado a repousar durante dois ou três dias. De seguida, tal massa era seca e conservada no frio. O pão fabricado era um bem reservado apenas às famílias ricas, ou preparado em ocasiões festivas. Assim sendo, a maioria da população continuava a comer papas de farinha e bolachas, a que juntavam muitas vezes gordura, leite, mel ou vinho, na tentativa de melhorar o sabor; em contrapartida, as famílias ricas possuíam o seu mageiro (provável origem do termo moageiro), conhecido como o anfitrião ou mestre da casa, mas que era, na realidade, o padeiro doméstico. Os mageiros gregos – os primeiros padeiros da História – foram autores de um vasto conjunto de obras escritas sobre os métodos de produzir pão e de receitas de cozinha, as quais, todavia, desapareceram com os incêndios que deflagraram na Biblioteca de Alexandria (em 47 a.C. e 391 d.C.). A tradição e a ciência dos mageiros será reencontrada posteriormente em Roma, resultado da profunda influência grega. 2.1.3. Antiguidade romana A Roma primitiva era um Estado agrícola, cuja população era alimentada por camponeses do Lácio à medida que a cidade se expandia. A sua expansão na época imperial no séc. II a.C. trouxe necessidades alimentares cada vez maiores. Durante muito tempo, os romanos contentaram-se com as simples pastas de farinha. Pouco a pouco, o contacto com a experiência de outros povos permitiu introduzir os fornos (imitando 8 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico os egípcios) e os escravos (que moíam e coziam o pão). No entanto, até ao séc. II a.C. a produção de pão era uma actividade estritamente doméstica. Surgiram entretanto os padeiros, responsáveis pelo comércio do pão: eram antigos escravos, mas existiam igualmente homens livres, que dispunham da ajuda de aprendizes, escravos, ex-prisioneiros de guerra e estrangeiros, primeiro de toda a República e depois de todo o Império; os romanos apreciavam particularmente a agilidade de mãos dos operários sírios e fenícios. Estes padeiros começam a agrupar-se em corporações, as quais constituíram, em certos momentos históricos de Roma, uma força poderosa, visto deles depender o abastecimento alimentar da cidade. Famosos pelo seu sentido prático, os romanos inventaram um novo tipo de moinho, que pôde ser encontrado, em perfeito estado de conservação, graças à lava vulcânica que cobriu Pompeia. Tais moinhos são os mais antigos que a Europa conhece. Na época de Augusto, Roma contava com cerca de um milhão e duzentos mil habitantes: um terço de nobres, cavaleiros e homens livres; um terço de ex-prisioneiros e escravos, geralmente artesãos e domésticos; e um último terço constituído por pessoas sem profissão definida, manobrados pelos poderosos e, por isso, prontos para a revolta. Nesta altura, o poder distribuía gratuitamente trigo e pão; tanto na República como no Império, o preço e a distribuição do trigo e do pão foram utilizados como armas políticas. 9 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico O peso do pão na alimentação deste povo era de tal forma elevado que, em anos de colheitas deficitárias, a fome e a miséria grassavam, não só nos países produtores mas também em Roma e nas numerosas partes do Império. O Império Romano começou a desmoronar-se nos anos 395-400. Nesta altura, os povos mais desenvolvidos já sabiam cultivar os cereais, moer as sementes e fazer o pão. Os mais ricos ingeriam mesmo vários tipos de pão, ao passo que o homem comum se contentava com um pão grosseiro, muitas vezes mal levedado. Os egípcios inventaram e os gregos melhoraram as técnicas de produzir pão, considerado, para estas civilizações, como um dom de Deus. Durante a história romana, os produtores de pão conquistaram a sua identidade profissional; o trigo e o pão permitiram-lhes então entrar na cena comercial internacional, e no grande jogo político daí derivado. 2.1.4. Idade média – Idade contemporânea No séc. V, mais de trezentos anos após Roma ter atingido o seu apogeu e quinhentos anos depois da conquista de todo o litoral do mediterrâneo Norte e do Sul da Península Ibérica, as estruturas políticas, económicas e sociais sucumbiram à avassaladora chegada dos povos Bárbaros (de origem germânica) às terras do Império romano – povos semi-nómadas, que encaravam o vigor físico como uma virtude, e o trabalho manual como desonroso e próprio de escravos. O povo invadido abrigou-se na protecção dos chefes militares ou religiosos, nascendo assim o regime feudal: o senhor, cuja função natural era guerrear; e o servo, que explorava a terra de forma muita primitiva. O clima de insegurança instaurado originou um grande isolamento das populações e um retrocesso nos conhecimentos científicos: o desaparecimento das padarias e o regresso ao fabrico doméstico do pão são disso exemplo. Da herança romana permaneceria, quase exclusivamente, o moinho de água. Os povos bárbaros adoptaram os moinhos de água junto aos rios, e nos descampados do Norte transformaram-nos em moinhos de vento, ideia trazida da Ásia menor pelos Cruzados. A 10 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico moagem era, então, feita no campo, e o pão fabricado no castelo, na vila ou na cidade. É assim que a profissão associada ao fabrico do pão se subdividiu em duas mais especializadas: o moleiro (ou moageiro) e o padeiro. O séc. V trouxe, portanto, mudanças intensas e rápidas na vida das populações mercê da chegada dos Bárbaros: o comércio desorganizou-se, as searas foram incendiadas e o gado pilhado, e os senhores do passado, uma vez despojados, tornam-se nos escravos do presente; os que se conseguiram refugiar nos bosques formaram bandos de salteadores, enquanto os pescadores optaram pela lucrativa arte da pirataria. Só com a chegada dos Visigodos à Península Ibérica, no terceiro quartel do séc. V, se fez sentir uma certa acalmia que permitiu alguma reorganização, rapidamente quebrada pela chegada dos ferozes guerreiros da Escandinávia, os Normandos. No Oriente, a partir do séc. VII, o Império bizantino sofreu invasões em várias frentes: os Eslavos, a Norte, conquistaram a Dalmácia; os Muçulmanos, a Sul, ganharam domínio sobre todo o Império persa; e os turcos e vários tribos descendentes dos Mongóis e dos invasores Hunos, a Levante. Os Árabes, convertidos ao islamismo, expandiram-se no Norte de África e, em 711, Árabes e Berberes invadiram a Península Ibérica, aí permanecendo durante quase oito séculos: a nora, a ceifa e a azenha são exemplos de vocábulos de origem árabe relacionados com panificação. Começaram, então, a travar-se duras batalhas, que fizeram retroceder os Árabes de Norte para Sul. 11 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico O resto da Europa era palco de inúmeras batalhas. Todas estas convulsões conduziram ao arrasar das terras de cultivo e à destruição de povoações completas, fazendo com isso grassar a fome. Nos finais do séc. XVI, a Europa oriental continuava a debater-se com várias guerras, ao passo que no Ocidente as linhas fronteiriças se aproximavam das que conhecemos hoje. Agora, foi o mapa terrestre que começou a sofrer grandes transformações; como resultado das epopeias marítimas dos Portugueses a Oriente e dos Espanhóis a Ocidente, a Terra deixou de ser plana e desconhecida. O biscoito (panis nauticus, ou pão do mar), já conhecido na Antiguidade entre os gregos e os romanos, era o pão consumido a bordo das naus e dos galeões portugueses. Este pão achatado de trigo, sal e água era cozido no forno duas vezes para se conservar por vários meses. Para erradicar a escassez de cereais sentida em Portugal nessa época, tentou-se obtê-los do exterior (p.ex. Ceuta) e introduzi-los nas ilhas recém descobertas de Madeira, Cabo Verde e São Tomé e, posteriormente, no Brasil. No final do séc. XV, aquele problema havia sido ultrapassado, tendo os Açores passado a ser o principal fornecedor de trigo (não só para Portugal continental, mas também para as praças fortes portuguesas no Norte e litoral africano, e ainda para a Madeira). Este facto, aliado ao casamento em 1536 de Catarina de Médicis com o futuro rei francês, Henrique II, alteram profundamente os hábitos alimentares europeus. Este casamento permitiu 12 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico modernizar os hábitos medievais dos gauleses, que, mais tarde, influenciariam todas as cozinhas europeias até aos nossos dias. Mas os descobrimentos trouxeram, para além de novas terras e de novas gentes, um sem número de novos produtos até então desconhecidos na Europa: um importantíssimo bem alimentar foi o milho, conhecido como milho maíz para o distinguir do milho-miúdo, alvo ou painço, de menores dimensões e rendimento, tradicional na Europa. De todas as transformações culinárias resultantes dos descobrimentos, o milho maíz para o pão, assim como o açúcar (agora existindo em grandes quantidades e a menor preço, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia) para os bolos foram, indubitavelmente, os grandes propulsores do desenvolvimento da panificação. Entretanto, no Leste europeu as conquistas pelos Otomanos atingiram o seu auge no limiar do séc. XVII, tendo a reconstrução da Europa continuado durante o século seguinte. Porém, as guerras e alguns maus anos agrícolas impediram a erradicação da fome na Europa ocidental, originando períodos de grandes mínguas. A Idade média, período de grandes convulsões sociais, não trouxe alterações de relevo aos utensílios e técnicas usados na produção do pão; mesmo os fornos permaneceram no essencial idênticos aos da época greco-romana. Durante mais de quinze séculos, o pão continuou a ser o 13 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico alimento essencial do Homem, mas foi preciso esperar até ao final do séc. XIX e início do séc. XX para se sentirem mudanças profundas. O séc. XIX, com a Revolução Industrial, trouxe grandes invenções e descobertas, muitas das quais revitalizaram também a tecnologia de panificação: as locomotivas agrícolas (tractores, ceifeiras mecânicas e debulhadoras de grão), a forte instrução agrícola, a selecção de sementes, o desenvolvimento de compostos orgânicos e de adubos, o cultivo de espécies melhoradas, o uso de fogões de ferro e, por fim, a electricidade. Apareceram as grandes companhias moageiras, levando ao aperfeiçoamento das técnicas de trituração; e descobriram-se as leveduras, passando a compreender-se melhor o fenómeno da fermentação. Contudo, a prosperidade do século das luzes não ocorreu sem grandes perturbações: na América, as velhas colónias europeias reivindicaram e conseguiram a independência; e a Europa foi assolada pelas invasões napoleónicas. Esta instabilidade conduziu novamente a carências alimentares em alguns pontos da Europa. No séc. XX, a I Grande Guerra (1914-1918) transformou novamente as bolotas num alimento corrente. Também a II Grande Guerra (1939-1945), a guerra civil de Espanha (19361939) e a revolução bolchevique (1917-1921) trouxeram de novo a fome e a miséria, pelo que se voltaram a utilizar as farinhas de leguminosas para o fabrico de papas e de pão. 14 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Conclui-se, portanto, que por ser um produto de primeira necessidade e a base da alimentação, o pão foi desde há muito tempo um alimento político e estratégico. Por isso, durante séculos o pão foi protagonista de guerras e discórdias, que condicionaram o rumo da História. 2.2. Pão massificado Conforme ficou claro na secção anterior, o pão desempenhou, durante muitos séculos, um papel fundamental na alimentação humana, sendo considerado um símbolo de bem-estar. Porém, a Revolução Industrial do séc. XIX desencadeou grandes modificações nos hábitos alimentares, que incluiram a diminuição da importância do pão. Na maioria dos países industrializados, o consumo de cereais decresceu gradualmente durante o séc. XX; hoje em dia, os cereais fornecem menos de 25 % da energia diária na dieta humana. Contudo, os cereais mantêm o seu status de mais importante fonte alimentar singular. No início do séc. XX, o consumo anual de pão em Portugal rondava os 146 kg/habitante, mas em 1990 esse valor era de apenas 62 kg/habitante. A queda da importância do pão sentiu-se ao longo de todo aquele século, embora tenha sido mais significativa nos anos 60 com a implementação da produção industrial de alimentos de origem animal, tais como os ovos, o leite e a carne. 15 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Consumo de pão em 1990 207 Portugal 116 Luxemburgo Holanda 163 Bélgica 164 170 Grécia 176 França Espanha 184 Itália 186 208 Alemanha 0 50 100 150 200 250 g de pão / habitante / dia Na Alemanha, assistiu-se a um aumento do consumo de pão até ao início da década de 90, ao invés dos restantes países da Comunidade Europeia, cuja tendência foi de estagnação, ou mesmo decréscimo na década de 80. Neste momento, começa a esboçar-se uma inversão desta tendência decrescente nos países mais evoluídos da Europa. Existem várias razões para esta inversão; a de maior impacto será, porventura, decorrente das acções de marketing no sentido de aumentar o consumo de pão. Tem sido realçada a importância do pão numa alimentação racional e equilibrada, nomeadamente como fonte de energia de absorção lenta (ao contrário do que acontece com as gorduras e os açúcares simples) e como fornecedor de fibras (cada vez mais importantes, principalmente para a população post meia idade). A adesão às refeições rápidas tornou, também, o pão num alimento quase indispensável. Consumo médio recomendado de pão 150 Crianças 4-6 anos 250 Crianças 7-10 anos 300 Adultos 0 50 100 150 200 250 300 g de pão / dia 16 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Tem-se igualmente verificado uma alteração no tipo de pão consumido. O pão branco, bem alimentar destinado à fracção mais rica da sociedade há algumas décadas atrás, generalizou-se a toda a população, com o aumento do poder de compra resultante do desenvolvimento tecnológico. No entanto, este pão não possui o sabor, o aroma e as características nutritivas do pão tradicional (onde se inclui a Broa), para além do que o seu tempo de conservação é normalmente menor; tal tem contribuido para a sua perda de notoriedade nos países mais desenvolvidos. Por outro lado, as farinhas escuras originam um pão mais rico em proteínas, sais minerais (sobretudo Ca, Fe e P), vitaminas (sobretudo B1, B2 e PP) e fibras, o que levou a um ganho de popularidade do pão integral nos últimos anos, por razões de índole sobretudo dietética. Em Portugal, tal como nos países mais desenvolvidos, espera-se que o consumo aumente até atingir o patamar de c. 300 g de ingestão diária, o qual é aconselhado pelos dieteticistas para um regime alimentar correcto. Recorde-se que, na roda dos alimentos, o pão (e cereais) representam a segunda maior porção (30% da ingestão total diária recomendada), e pertencem ao grupo de alimentos fornecedores de energia e capazes de prevenir afecções de saúde, tais como doenças cardiovasculares (p.ex. arteriosclerose) e doenças do tracto gastrointestinal (p.ex. cancro do cólon, hemorróidas, obstipação e diabetes). O amido, principal fonte de energia presente nos cereais, é a mais apropriada e benéfica para o Homem: dificulta a formação de gorduras de reserva e impede as diabetes. Acresce que a sensação de plenitude gástrica gerada pelo pão ajuda também a prevenir a obesidade, podendo até ser fundamental nos regimes de emagrecimento. As proteínas solúveis do pão branco (albuminas e globulinas) e as proteínas insolúveis (glúten) podem ser facilmente complementadas com as proteínas fornecidas por outros produtos, tais como o leite, a carne, o peixe e os ovos. Em conjunto, estes alimentos fornecem, por desdobramento digestivo, os aminoácidos indispensáveis à manutenção e desenvolvimento do organismo. Em particular, o centeio é rico em lisina, um dos aminoácidos essenciais. 17 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico A celulose e as fibras desempenham importantes funções de regulação no aparelho digestivo – destacam-se a intervenção na actividade enzimática digestiva, diminuindo a glicemia pós-prandial e a absorção de colesterol (prevenindo assim a arteriosclerose); e estão igualmente associadas à baixa incidência de cancro do cólon. Urge restituir ao pão o lugar merecido na alimentação humana, o que depende muito do sucesso na luta contra as falsas ideias criadas à sua volta. Com efeito, a força poderosa do marketing de produtos substitutos do pão, e o facto de o sabor preferido de uma geração ser, de modo geral, aquele a que a geração anterior a habituou, são fortes entraves ao aumento do consumo de pão, principalmente o de mistura. 2.3. Pão tradicional Os principais cereais usados na panificação distribuem-se em Portugal por três áreas específicas: o trigo na zona mediterrânica, onde as planícies apresentam alguma fertilidade e os Verões são quentes e secos; o centeio na zona transmontana e montanhosa, onde o cereal se adapta aos sólos mais pobres, aos Invernos rigorosos e à altitude; e o milho na zona atlântica, onde o clima temperado e húmido é favorável ao seu desenvolvimento. Na Região Centro, o trigo e o milho cultivam-se em proporções quase idênticas. Trigo Centeio Milho 18 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 2.3.1. Milho Tradicionalmente, o milho é um cereal de pequena exploração, que exige cuidados minuciosos na sementeira, mondas, sachas e regas. Em contrapartida, o centeio foi durante muito tempo um cereal explorado por comunidades rurais, enquanto o trigo pertence à grande lavoura extensiva. Não se conhecem as espécies bravias originais do milho americano, também conhecido por milho graúdo, milho grosso, milhão, milho de maçaroca ou milho maíz (Zea mays), embora se lhes atribua uma descendência a partir do Teossinto. Planta natural da América Central e do Sul, o milho cresce espontaneamente nas cordilheiras do México e da Gautemala, onde teria hibridado com alguma outra espécie entretanto extinta. Foram encontradas diversas variedades de grãos de milho em escavações aztecas, com idades superiores a quatro mil anos. O milho, cereal de Verão ideal em climas caracterizados por Verões quentes e húmidos, é o único cereal sachado e regado (para além do trigo); o seu ciclo vegetativo é de apenas quatro a cinco meses, podendo atingir três metros de altura, sendo que cada espiga, ao produzir um grande número de grãos, o torna num cereal incomparavelmente rentável. A água é indispensável, principalmente na fase de formação dos órgãos reprodutores da planta. A colheita do milho faz-se de Agosto a Outubro. Entre os grandes produtores mundiais encontram-se os EUA, o México, a Itália, a França, a China, a Argentina e o Brasil. Na Idade média, eram cultivados em Portugal, essencialmente no Noroeste, o milho-alvo ou milho-miúdo (Panicum miliaceum), bem como o painço ou milho painço (Setaria italica); o trigo e a cevada cultivavam-se do Minho ao Algarve, enquanto o centeio era usual nas zonas montanhosas. Quando os Europeus chegaram ao novo Continente, encontraram grãos de milho brancos, amarelos, azulados, vermelhos e esverdeados, tendo-se optado pelo grão amarelo devido à sua 19 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico alta produtividade e à sua maior semelhança com a farinha de milho-miúdo ou alvo. Actualmente, existe uma grande variedade de subespécies deste farináceo, obtidas por selecção e cruzamento, acrescidas de manipulação genética cada vez mais frequente. Em Portugal, o cultivo do milho foi rapidamente implementado logo após a viagem pioneira de Cristóvão Colombo, em 1492. A sua cultura iniciou-se no Centro do país, e sobretudo na faixa litoral Norte – regiões onde não se pode conceber a cozinha sem a Broa de milho; tal Broa é geralmente preparada também com centeio devido à falta de glúten no milho, tornando o pão lêvedo e mais leve. Nos alvores do séc. XIX, o milho substituiu outras culturas menos rentáveis nas regiões do interior (Trás-os-Montes e Beiras) e nas regiões do Sul (Alentejo e Algarve). Foi igualmente divulgado através dos vários continentes, acompanhando a expansão marítima: as ilhas do Atlântico, tais como Madeira, Açores e Cabo Verde; o litoral da África Ocidental, tal como Angola e Congo; e o Continente asiático, tal como Índia, China e Japão. Em 1874, o milho ocupava o primeiro lugar entre os cereais cultivados, tendo sido destronado dessa posição pelo trigo no séc. XX. A importância do milho na alimentação, sobretudo no Noroeste, e as suas repercussões no plano agrícola, económico, social e cultural, valeram-lhe a designação de cereal revolucionário: contra a fome e a escassez, o milho apareceu como planta milagrosa. No plano agrícola, a implementação do milho transforma a paisagem e o calendário, sendo suprimido o pousio dos cereais de Inverno (trigo e centeio). Dado a sua época tardia de 20 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico maturação, tornou-se necessário construir eiras de pedra e espigueiros ou canastros, os quais se tornaram característicos das paisagens do Noroeste de Portugal; a sua produção é frequentemente associada a outras culturas que também necessitam de regadio (caso do feijão e da abóbora), originando uma policultura, e as áreas de cultivo e os socalcos estendem-se em prol do milho em detrimento de outras culturas. O milho representa também uma vantagem na economia rural: é cultivado em leiras pequenas, produz todos os anos e suporta outras culturas em consociação; as pequenas porções de terra conciliam-se, perfeitamente, com o trabalho de sacha no seu cultivo; a cultura em socalcos quebra-lhes o pendor, aumenta a superfície arável e facilita a rega; e a produtividade por hectare é três a quatro vezes superior à do trigo. 21 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Sob o ponto de vista social, o nível de vida dos agricultores melhorou significativamente com o aumento do rendimento das terras trazido pelo cultivo do milho. O regime de minifúndio alterou o habitat rural: a dispersão das parcelas de milho traduziu-se na disseminação das habitações, a qual no Minho, não obstante, é anterior à introdução deste cereal. O impacto a nível cultural é, também, elevado: o pão de milho é um elemento fundamental na alimentação; e novos rituais e símbolos religiosos, bem como a própria sacralização do milho e da Broa com ele produzida, enriquecem e singularizam toda uma cultura regional. Acresce que este cereal passou a ser, juntamente com o vinho, a moeda em que se passaram a pagar as rendas e a aferir da riqueza agrícola, a par do património florestal. 2.3.2. Centeio Etimologicamente, o nome deste cereal formou-se a partir do latim centeni, por se crer que cada grão produz cem. É muitas vezes designado pelo termo latino messis e, no Norte de Portugal, ainda hoje se utiliza a designação similar de messe ou messes. 22 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico O centeio (Secale cereale) é muito importante enquanto planta industrial, pela sua tolerância ao frio invernoso e às altas temperaturas estivais, podendo ser cultivado tanto em sólos graníticos como xistosos. Este cereal é usado não apenas para a produção de pão, mas também como componente de forragens e na produção de bebidas, tais como a cerveja na Rússia, o whisky na América do Norte e a aguardente na Holanda. A sua origem parece residir em algumas variedades bravias (Secale montanum), espontâneas nas montanhas da orla mediterrânea, sobretudo o Atlas e a Serra Nevada, bem como nos elevados planaltos do Oriente; foi através de um processo de hibridação que surgiu a espécie comestível actualmente conhecida. Pensa-se ser um cereal mais recente do que o trigo, pois não foi encontrado em despojos anteriores à Idade do bronze. O ciclo vegetativo do centeio é de oito a nove meses, chegando a atingir, no final do ciclo, 1.6 a 1.8 m de altura. A sua colheita faz-se em Julho, um mês depois da do trigo. Na Europa, o centeio é cultivado sobretudo na Rússia, Polónia e Ucrânia; em Portugal, é típico do Centro interior e do Norte transmontano. As variedades de centeio são, na sua composição e valor alimentar, muito semelhantes às do trigo, o que, devido à sua relativa riqueza em glúten, permite fazer pão exclusivamente de farinhas deste cereal. Contudo, sendo estas menos elásticas e mais escuras que as do trigo, originam consequentemente um pão mais escuro e mais denso. Um estudo científico recente comprovou que as pessoas mais idosas podem reduzir em 17 % o seu risco de mortalidade por enfarte de miocárdio se consumirem três fatias de pão de centeio por dia; os investigadores reclamam que as fibras insolúveis têm um efeito redutor sobre a pressão arterial, e aparentemente também melhoram o metabolismo do açúcar e reduzem o teor de lípidos no sangue. 23 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 2.3.3. Broa Como já foi atrás referido, a introdução do milho maíz ou americano (Zea mays) no fabrico de pão foi uma das mais importantes contribuições dos Descobrimentos para a arte de panificação em Portugal. A Broa e outros pães de milho já eram confeccionados antes daquela introdução, embora tal acontecesse a partir de milho-miúdo (Panicum miliaceum), que foi entretanto (e rapidamente) substituído pelo milho maíz, planta mais robusta e mais rentável. Trinta anos antes da primeira viagem de Cristóvão Colombo, já se fazia o cultivo de milhomiúdo na Península Ibérica, apesar de se ter praticamente perdido a sua utilização para a alimentação humana. A palavra Broa, que se aplica aos pães feitos com milho ou centeio, é usada principalmente pelas populações do Norte de Portugal, e deriva do céltico bron ou do germânico broth, que nestas línguas significava pão (confronte as actuais palavras brot, em Alemão, e bread, em Inglês). No Sul de Portugal, maior consumidor de pão de trigo dada a sua grande influência romana, adoptou-se o nome que deriva directamente do panis latino. Os Aztecas, que ensinaram aos invasores europeus a forma de cultivar o milho, consumiam a sua farinha principalmente sob a forma de bolachas cozidas sobre pedras quentes, tal como as civilizações antigas o faziam com preparações não-fermentadas de outros cereais. Estas iguarias continuam a ser bastante apreciadas na América Central. Estas papas, ligeiramente adocicadas devido ao milho, ainda são confeccionadas pelos povos ocidentais, principalmente em Itália 24 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico (polenta) e em Espanha (gachas) – preferencialmente de trigo, bem como em Portugal, numa variedade de formas ainda bem vivas na gastronomia popular. À Broa de milho é adicionado sempre outro cereal: o trigo ou, mais frequentemente, o centeio, resultando neste último caso um pão mais pesado. A razão desta prática prende-se com a fraca capacidade de levedação do milho, devido à baixa percentagem de glúten (menos de 8%) na sua constituição, apesar de ser rico em amido (cerca de 70%). Desta forma, as Broas são sempre meadas, terçadas ou quartadas, conforme a parte do cereal acessório que lhes cabe. Pão moreno e fúlvido, a Broa é especialmente apreciada no Norte e litoral Centro de Portugal, onde o clima propiciou grandes áreas de cultivo do milho. É nestas regiões que se confecciona a tão típica Boroa ou Broa, segundo receita proveniente da borona de milho painço referida em documentos portugueses datados do séc. XII. A designação de Broa aplicou-se primeiro ao pão de painço, o qual, apesar de áspero, era o alimento quotidiano das gentes do campo. Registos do séc. XIII referem a expressão boroa mossegada para designar pão de milho, e num documento datado de 1417 o mesmo é descrito como boroa scarolada. Actualmente, empregam-se os termos Broa, Pão broa, ou Broa de milho indistintamente, no Minho e no Douro, para designar o pão fabricado com farinha de milho. Em muitos locais do Minho, há ainda a particularidade de a palavra Broa apenas se referir às fornadas de pão de milho. Em linguagem corrente, chama-se pão à Broa, e trigo ao pão de trigo. A expressão Broa pode ainda ser dada aos pães com forma circular e baixa: p.ex., em Trásos-Montes usam-se os termos Broa de centeio, Broa de trigo e Broa de milho. Nas Beiras, são utilizadas alternadamente as expressões Broa e Pão de milho, enquanto que mais para Sul, no Ribatejo e Alentejo, e bem assim nos Açores, a palavra Broa não é empregue para designar especificamente pão de milho. Uma broaça é uma Broa, e uma mulher baixa e gorda chama-se, em linguagem popular, broa. Broeira é a tábua, suspensa no tecto, onde se colocam as broas saídas do forno. Broeiro é 25 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico aquele que come muito, ou que tem costumes e aparências rudes. Os habitantes do Porto também são chamados de broeiros, pois a Broa era o pão comum da gente mais humilde naquela cidade. Apesar de o pão de trigo ser muito vulgar no Minho e no Douro, o Pão de milho ou Broa continua a ocupar um espaço importante na alimentação. Este pão de mistura tem diferentes designações consoante a região e a sua constituição: Boroa centeia, Broa espoada, Broa de mistura ou Broa misturada, Pão de toda a farinha e Pão coado, entre muitas outras designações. 2.4. Fabrico de Broa Cada comunidade rural possui as suas regras, as suas práticas e os seus costumes, e tal faz sentir-se na forma como confeccionam a Broa, no seu conteúdo, na sua forma, no seu volume e no seu gosto; trata-se, em última análise, da identidade cultural da comunidade. A confecção do pão cabe à mulher; ao homem apenas cabe, quando muito, a tarefa de aquecer o forno e enfornar o pão. A Broa é cozida (fornada) uma vez por semana, ou de quinze em quinze dias; no Verão, pelo calor e pela falta de tempo com o trabalho no campo, a mesma é cozida com menor frequência. Os principais passos no fabrico são esquematizados de seguida: Moer Peneirar Água quente/a ferver + sal Milho Centeio BROA Desenformar Amassar Amassar Fermento Renovar o isco Cozer Enformar Fermentar Aquecer e limpar o forno 26 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Descrições mais detalhadas de cada passo são apresentadas abaixo. Peneirar Antes de se começar a amassar, peneira-se a farinha. Utilizase para tal uma peneira de arame, de nylon ou de seda para separar o farelo da farinha. Para facilitar este trabalho custoso usa-se, por vezes, uma grade por cima da masseira, chamada cernideira ou urnideira em Trás-os-Montes, e sobre a qual se gira manualmente a peneira. Amassar A amassadura do pão difere consoante o tipo de farinha, os utensílios utilizados, e os usos e costumes regionais e locais. Depois de se aquecer a água (até uma temperatura tanto mais elevada quanto menor o grau de moagem), adiciona-se sal e coloca-se a farinha de milho a escaldar na masseira ou no alguidar, amassando-se tudo com uma pá (ou directamente com a mão, se a temperatura o permitir); mais tarde, adiciona-se o fermento e a farinha de centeio, e procede-se à amassadura com as mãos. As quantidades de cada ingrediente são aquelas que foram aprendidas da geração anterior por observação: é a transmissão do saber-fazer. Esta etapa permite a absorção de água por parte do glúten e a oxigenação da massa, que melhora a sua plasticidade e capacidade de fermentação, e contribui para a sua descoloração. A massa pesada e difícil de trabalhar, resultante da mistura de milho com centeio, torna a amassadura uma tarefa relativamente árdua. 27 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Ritos e Fermentação A fermentação é uma etapa fundamental na produção do pão. Para que esta seja bem sucedida, recorre-se a métodos empíricos e, muitas vezes, a práticas rituais: tapar a massa com toalhas, mantas, um avental ou uma peça de roupa do marido, fazer uma cruz na massa, espetar alguns dentes de alho na massa, ou rezar orações. Quando começam a surgir “fendas” na massa, é sinal que está lêveda. Renovar o Isco Da massa actual, deixa-se sempre uma porção para a cozedura seguinte. Utiliza-se o gamelo, ou simplesmente o canto da masseira. No Minho, ainda se guarda o isco dentro de uma malga (tigela pequena), e cobre-se com uma folha de couve para não secar. Aquecer e Limpar o Forno Enquanto a massa fermenta, o forno é aquecido a lenha. De quando em vez, remexe-se para arder melhor e para espalhar as cinzas e o borralho. Quando os tijolos do forno estão esbranquiçados, este é, então, limpo com uma pá de ferro, e varrido com uma vassoura de giesta, deixando-se algumas brasas na entrada antes de fechar a porta. Dar Forma à Massa Depois de se untar a malga, o gamelo ou o tigelão com farinha, enche-se com a massa fermentada para lhe dar forma e tende-se o pão. Esta etapa exige à mulher muito treino e destreza. 28 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Meter a Broa no Forno Para enfornar a broa, usa-se uma pá de madeira, redonda ou rectangular, cujo cabo é mais ou menos comprido consoante a profundidade do forno. Este trabalho, particularmente fatigante devido à sucessiva e rápida repetição de movimentos e pelo calor intenso que se faz sentir junto ao forno, requer duas pessoas: uma para colocar as broas na pá e outra para enfornar. Quando cozidas em fornos comunitários, por vezes pertencentes à igreja, as broas são assinaladas com uma marca para as distinguir; nalguns locais, são colocadas por cima de uma folha de couve – para não ficar em contacto directo com a cinza que eventualmente exista no forno e para não deixar queimar a parte de baixo das broas). Durante a cozedura, as mulheres têm a oportunidade de usufruir de alguns momentos de merecido descanso e descontracção, neste espaço de trabalho exclusi-vamente feminino: conversam entre elas, e aproveitam para comer qualquer coisa. Também nesta etapa há, por vezes, certos ritos: fazem uma cruz com a pá na entrada do forno ou rezam orações. Lança-se, então, um punhado de farinha por cima das Broas para lhes dar cor; fecha-se o forno com uma laje de granito (ou, mais recentemente, com uma porta de ferro), e veda-se com barro ou com cinzas e bosta de vaca. A cozedura é a última fase do ciclo do pão. Assim como no cultivo do milho, todo o processo de produção tradicional da Broa está ligado à fecundidade humana: as raparigas começam a aprender a arte na idade da puberdade; nos dias em que ajudavam na amassadura, dormiam com um pouco de fermento para terem um corpo bem dotado; quando as raparigas se casam, levam um pedaço de isco, e só então podem confeccionar sozinhas a Broa; a fermentação é sinónimo de gravidez – quando a massa cresce, adquire vida, inevitavelmente associada ao homem através do objecto ou da roupa masculina. 29 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Desenfornar o Pão Com a ajuda da mesma pá que foi usada para enfornar o pão, retira-se um a um o pão quente do forno. Pela cor e textura do miolo e pelo som do toque na côdea, as mulheres ficam logo a saber se a fermentação e a cozedura correram bem. Por fim, após horas ininterruptas de trabalho, aí está o pão que alimenta às refeições, mas que também alimenta as crenças e a religião. A Broa acaba por ser um símbolo de convivialidade, hospitalidade, generosidade e comunhão! 30 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 3. CARACTERIZAÇÃO 3.1. Geografia No âmbito do presente esforço, amostras de farinhas de milho e de centeio, de fermentos e de Broas (assim como águas de fabrico) foram recolhidas de 4 sub-regiões seleccionadas do Norte de Portugal. De cada sub-região, foram escolhidas 2 zonas diferentes, e de cada zona foram ainda escolhidos 2 produtores diferentes. Analisaram-se amostras em 2 períodos diferentes do ano, correspondendo às estações (quente e fria). Alto Minho Basto Valença Lima Viana do Castelo Porto Bragança ega Tâm Braga Guimarães Avintes Chaves Fafe Vila Real Douro Vale do Sousa 4 Sub-Regiões 2 Zonas/Sub-Região 2 Produtores/Zona Presidiu à recolha a preocupação em seleccionar sub-espaços do Entre Douro e Minho onde fosse possível maximizar o aproveitamento económico deste produto tradicional. Os 31 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico produtores escolhidos eatavam localizados em Paredes de Coura, Melgaço, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Lousada, Penafiel e Avintes. 3.2. Microbiologia 3.2.1. Contagens Recorreu-se a uma grande diversidade de meios de cultura selectivos, com o intuito de criar perfis microbiológicos de referência para esta especialidade alimentar portuguesa. Apresenta-se, de seguida, as contagens de viáveis totais para dois produtores duma mesma zona (produtores 1 e 2), no fermento (F), na farinha de milho (M) e na farinha de centeio (C). Esta amostragem foi feita na época fria. Os resultados são expressos em Unidades Formadoras de Colónias (UFC), por grama de amostra. Contagens totais log(UFC/gamostra) 10 8 6 4 2 0 TSA, VEG, TSA, VEG, TSA, ESP, 30ºC 55ºC 30ºC TSA, ESP, 55ºC Meio F1 F2 M1 M2 C1 C2 O número total de viáveis em Tryptone Soy Agar (TSA) do fermento foi ligeiramente superior ao das farinhas: a adição de água favorece o crescimento dos microrganismos existentes nas farinhas, e a adição do isco também aumenta a carga microbiana, como seria de esperar. As farinhas são igualmente responsáveis por diversas actividades enzimáticas. Os níveis das formas vegetativas termofílicas (VEG) e esporuladas mesofílicas (ESP) foram no essencial idênticos, 32 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico sempre que houve crescimento a 55 ºC. O número de mesófilos vegetativos foi obviamente superior aos dos restantes tipos. No estudo consolidado de todos os resultados obtidos, encontrou-se uma boa correlação entre as formas esporuladas, incubadas a 30 e 55 ºC em TSA, Bacillus cereus Medium (BCM) e Trypticase Soy Yeast Extract Starch (TSYES). Contudo, as contagens de esporos em Reinforced Clostridial Medium (RCM), específico para o género Clostridium, apenas exibiram uma boa correlação com os restantes nas farinhas de milho. Pode considerar-se que há uma relação próxima entre os esporos totais e os esporos de Bacillus. O número de leveduras (LEV) do fermento é manifestamente superior ao das farinhas, ao passo que o dos bolores (BOL) é praticamente nulo. Leveduras e Bolores log(UFC/gamostra) 10 8 6 4 2 0 YEDCA, LEV YEDCA, BOL RBCAB, LEV RBCAB, BOL Meio F1 F2 M1 M2 C1 C2 As contagens de leveduras nos meios de cultura Yeast Extract Dextrose Chroramphenicol Agar (YEDCA) e Rose Bengal Chloramphenicol Agar Base (RBCAB) apresentaram uma boa correlação entre si em todas as amostras estudadas; porém, a contagem de bolores, nos mesmos meios de cultura, só exibiu elevadas correlações nas farinhas mas não nos fermentos. Os valores das contagens de viáveis no caso de bacilos Gram- foram nitidamente inferiores aos das leveduras. Verificou-se, também, que os bacilos Gram- aeróbios facultativos, crescidos nos meios de cultura Pseudomonas Agar Base (PAB), Herellea Agar (HA) e Alcaligenes Nutrient Agar Yeast Extract Starch (ANAYES), foram, regra geral, predominantes sobre os anaeróbios estritos do mesmo grupo, detectados em Violet Red Bile Dextrose Agar (VRBDA) e 33 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico MacConkey Agar (MacC). De facto, para a generalidade das amostras em questão, obtiveram-se contagens elevadas de bacilos Gram- aeróbios facultativos, comparativamente às dos restantes grupos de microrganismos considerados. log(UFC/gamostra) Bacilos Gram9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 VRBDA PAB HA ANAYES MacC Meio F1 F2 M1 M2 C1 C2 Nestes meios de cultura, encontrou-se uma forte correlação entre bacilos Gram- e alguns grupos de cocos Gram+. No fermento, também se encontraram elevadas correlações entre bacilos Gram- e formas vegetativas de bacilos Gram+; tal pode ser explicado pelo facto de haver, frequentemente, o desenvolvimento sinergético entre espécies de bacilos Gram-, bacilos Gram+ e cocos Gram+. VEG RCM, ESP RCM, MRS TSYES, ESP ESP TSYES, VEG BCM, BCM, VEG log(UFC/gamostra) Bacilos Gram + 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Meio F1 F2 M1 M2 C1 C2 Ambos os meios de cultura selectivos para Bacillus, i.e. TSYES e BCM (sendo este último particularmente indicado para Bacillus cereus) apresentaram valores de contagens muito próximos, tanto para as formas vegetativas como para as esporuladas; de facto, a correlação 34 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico encontrada nas contagens microbiológicas foi elevada para todos os produtos. Em contrapartida, a correlação destes com Lactobacillus detectados em De Man, Rogosa and Sharpe Agar (MRS) e RCM nem sempre foi significativa. Por outro lado, existiu uma grande similitude de contagens nas farinhas e no fermento, enquanto para os Lactobacillus (em MRS) registou-se uma diferença notória. No fermento, a ordem de grandeza das contagens em MRS foi idêntica à das obtidas para leveduras, que constituíram os grupos microbianos predominantes; com efeito, as contagens de Lactobacillus foram as maiores de entre todos os grupos estudados. O número de leveduras e de Lactobacillus depende bastante do estágio de fermentação da massa; todos os fermentos foram recolhidos na mesma fase de produção, ou seja imediatamente antes da sua adição à nova massa. No entanto, a frequência de produção de Broa varia de produtor para produtor, originando, assim, fermentos com diferentes estados de maturação e, consequentemente, conduzindo a produtos distintos. Esta é uma das fortes razões justificativas do quão interessante é padronizar o método de confecção tradicional da Broa. No meio de cultura para Clostridium, RCM, obteve-se os valores mais baixos para os bacilos Gram+ formadores de esporos. A ausência de esporos poderá dever-se a duas razões distintas: a falta de selectividade do meio, ou a elevada sensibilidade destes microrganismos ao crescimento em laboratório. Os micrococos, crescidos em meio Fermentation Medium (FM), são um grupo importante nas farinhas, assim como o género Leuconostoc (crescido em Mayeux, Sandine and Elliker agar, MSE). No fermento, os estreptococos (Kenner F. Streptococcus agar, KF) e, em particular, os lactococos (Lactic Streak Agar, LSA) representam grupos relevantes de microrganismos. Os Leuconostoc (cocos Gram+) também podem existir em número elevado, dependendo do tempo de vida do fermento; este género desempenha um papel importante no início da fermentação. 35 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico log(UFC/gamostra) Cocos Gram+ 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 BPM FM M17 LSA KF KEAA C1 C2 MSE Meio F1 F2 M1 M2 Foi encontrada, em todas as amostras estudadas, uma boa correlação entre contagens dos vários cocos Gram+ catalase- analisados, mas não entre estes e os vários cocos Gram+ catalase+ (i.e. Staphylococcus, que crescem em Baird-Parker Medium, BPM). Fazendo uma análise global dos dados gerados, verificou-se que o perfil microbiológico dos fermentos não apresenta semelhanças nítidas no interior de cada região nem por zona estudada, muito embora se possam, nalguns casos particulares, observar relações bastante fortes relativas à microbiologia dos fermentos por região. No que diz respeito às farinhas de milho e de centeio, concluiu-se que não é possível diferenciar as amostras dos produtores originários das diferentes regiões consideradas, i.e. as farinhas exibiram um perfil microbiológico semelhante apesar das diferentes origens geográficas das amostras. Tal como nos fermentos, também nas farinhas foi possível constatar a variabilidade apreciável da carga microbiana consoante a estação em que se recolhem as amostras (estação fria ou estação quente). Decorrente das observações experimentais, também foi possível registar que as farinhas de milho e de centeio possuem um perfil microbiológico distinto: as últimas (tal como no pequeno número de farinhas de trigo analisadas) conduziram, regra geral, a maiores valores de UFC para bacilos Gram- e para alguns géneros de Micrococcaceae, enquanto que as farinhas de milho apresentaram valores mais elevados para bolores e algumas formas esporuladas de microrganismos. Desta forma, embora não tenha sido possível distinguir as farinhas provenientes dos vários produtores, foi possível distinguir o tipo de farinha pelo seu perfil microbiológico. 36 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Por seu turno, os fermentos possuem uma microflora nativa bem distinta da das farinhas, tipicamente constituída por leveduras, Lactobacillus, Streptococcus, Lactococcus, Enterococcus e Leuconostoc e, simultaneamente, um número mais elevado de contagens totais de mesófilos. Foi possível concluir que, na massa fermentada para a produção de broa, as leveduras, Lactobacillus, Streptococcus, Lactococcus, Enterococcus e Leuconostoc constituem a microflora predominante, por serem capazes de interagir sinergeticamente; igualmente se constatou que a microflora indesejável, p.ex. os bacilos Gram-, existente nas farinhas diminui de importância no decorrer do processo fermentativo. Da grande diversidade de variáveis estudadas (i.e. contagens de microrganismos em diferentes meios de cultura selectivos), depreende-se que algumas possuem elevadas correlações entre si; por conseguinte, poder-se-á eventualmente reduzir o seu número na tentativa de caracterização rápida e segura da Broa. Ao mesmo tempo, encontraram-se variáveis fracamente correlacionadas entre si, que constituem assim os grupos de microrganismos que melhor distinguem as amostras em função das suas origens distintas. 3.2.2. Identificação Com este fim, procedeu-se à selecção de um elevado número de colónias, de acordo com as suas características morfológicas e com a frequência de aparecimento. Foi possível, então, obter uma referência das estirpes predominantes nas farinhas e fermentos usados no fabrico da Broa tradicional, conforme se apresenta na tabela seguinte. 37 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Fermento Farinha de milho Farinha de centeio Aerococcus viridians Aerococcus viridians Bacillus pumilis Bacillus cereus Bacillus cereus Candida pelliculosa Bacillus pumilus Bacillus polymyxa Enterococcus casseliflavus Candida pelliculosa Bacillus pumilis Enterococcus durans Lactococcus lactis ssp. lactis Bacillus subtilis Lactococcus lactis ssp. lactis Leuconostoc ssp. Lactobacillus curvatus Micrococcus ssp. Micrococcus ssp. Lactococcus lactis ssp. lactis Pseudomonas cepacia Saccharomyces cerevisiae Leuconostoc ssp. Sphingobacterium paucimobilis Sphingobacterium paucimobilis Listeria ssp. Staphylococcus lentus Staphylococcus lentus Micrococcus ssp. Staphylococcus xylosus Pseudomonas cepacia Sphingobacterium paucimobilis Staphylococcus lentus Staphylococcus xylosus A identificação exacta das espécies isoladas dos fermentos tradicionais é frequentemente problemática por se tratar de espécies indígenas, nem sempre com propriedades idênticas às estirpes de referência originárias de outros nichos ecológicos. Tal facto confere um valor acrescentado à Broa, porquanto produto único distinto de todos os outros (e por isso inimitável). Como resultado da ausência de boas condições sanitárias durante o processo de produção da Broa, foram detectados vários microrganismos directamente implicados em contaminações: Enterobacteriaceae, coliformes, enterococos e Bacillaceae (em particular Bacillus cereus), embora a níveis suficientemente abaixo do patamar de relevância em termos de saúde pública. Os grupos de microrganismos mais importantes são, provavelmente, as Bactérias ÁcidoLácticas (BAL) e as leveduras, dada a sua contribuição, durante o processo fermentativo, para as características organolépticas do produto final. O seu desenvolvimento no fermento é favorecido pelas condições existentes durante o armazenamento do isco, i.e. temperatura baixa e humidade relativa elevada. 38 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico A diminuição do pH é devida principalmente à actividade das BAL; tal diminuição desempenha um papel importante no controlo da microflora na massa, sendo determinante para o sabor e textura finais do pão ácido (como é o caso da Broa). A espécie Lactobacillus plantarum (um lactobacilo homofermentativo) está largamente distribuída na natureza, e adapta-se melhor a ambientes vegetais, p. ex. milho e centeio, do que a ambientes animais; Lactobacillus brevis (um lactobacilo heterofermentativo) é uma espécie potencialmente interessante na fermentação do pão, dada a sua capacidade de produção de quantidades elevadas de ácido acético quando comparada com outras espécies, p.ex. Lactobacillus plantarum. Estudos de leveduras presentes no isco usado para a produção de Broa indicaram que Saccharomyces cerevisiae (conhecida como levedura de padeiro) é a espécie mais frequente. As leveduras presentes no fermento são ácido-tolerantes, e formam uma combinação simbiótica com os lactobacilos; as leveduras produzem aminoácidos, vitaminas e outros factores exigidos pelo crescimento das BAL, as quais, por sua vez, impedem o crescimento de outros microrganismos através da sua produção de ácido(s). Contudo, dependendo do género, espécie e estirpe, e bem assim da proporção na microflora, é possível encontrar associações antagonísticas, de competição ou de comensalismo entre diversos microrganismos. As BAL homofermentativas são responsáveis pela obtenção de Broa possuindo boa textura final; as BAL heterofermentativas e as leveduras melhoram o sabor e promovem o processo de levedação. As actividades dos lactobacilos, em termos de proteases e amilases, influenciam a degradação de compostos contendo N e C. Esta co-fermentação proporciona aos microrganismos a utilização de substratos que, doutra forma, não seriam fermentescíveis, e aumentam a adaptação microbiana a ecossistemas agressivos. Portanto, a adição do isco à massa para a produção da Broa demonstra ser de extrema importância no aumento efectivo da carga microbiana responsável pela fermentação. A heterogeneidade dessa microflora impede o crescimento de microrganismos contaminantes, incluindo alguns que estão presentes no fermento – a produção de substâncias anti-microbianas 39 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico contribui, de facto, para a estabilidade dos fermentos; a necessidade de conservantes químicos, p.ex. ácido sórbico ou ácido propiónico, pode assim ser evitada pelo uso do isco como fermento. O conhecimento da microflora típica do fermento poderá conduzir à selecção de apenas algumas espécies para uso, na forma de culturas de arranque para a produção da Broa. Naturalmente que as espécies seleccionadas serão as detentoras de boas características de fermentação e rápida acidificação, p.ex. Lactobacillus plantarum e Saccharomyces cerevisiae. Contudo, esse passo terá de ser dado com precaução, por forma a que a identidade própria deste pão tradicional não se perca. 3.3. Química Diversos parâmetros químicos foram analisados no decorrer deste estudo em farinhas de milho e de centeio, no fermento e na Broa, com o objectivo de estudar o efeito do processo de fermentação e, posteriormente, o efeito do processo de cozedura. Nos gráficos seguintes, as notações M, C, F e B referem-se, respectivamente, à farinha de Milho, à farinha de Centeio, ao Fermento e à Broa de diferentes produtores (1, 2, 3, 4 ou 5); os seus valores médios estão representados nas últimas colunas dos gráficos (m). Amostras comerciais de farinhas de Trigo (T) e de Centeio (Ce), assim como de Pão de Trigo (PT), Pão de Centeio (PC) e Pão de Aveia (PA) foram igualmente analisadas. % (m/m) Cinzas 2 1.8 1.6 1.4 1.2 1 0.8 0.6 0.4 0.2 0 T C P P P M C F B M C F B M C F B M C F B M C F B M C F B e T C A 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 5 m m m m Amostra 40 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Tal como aconteceu para as análises microbiológicas, foram recolhidas para análises químicas amostras de farinhas e de Broas de todos os produtores, em duas épocas diferentes do ano. No caso de cereais, os componentes das cinzas determináveis laboratorialmente são os elementos metálicos ou metalóides, nomeadamente o sódio, o potássio, o cálcio, o magnésio e o ferro, sob a forma de sais inorgânicos (principalmente fosfatos, sulfatos e cloretos) que não volatilizam no decorrer da combustão a alta temperatura; acrescem os resíduos minerais incombustíveis, provenientes da decomposição da matéria orgânica. Como se pode observar, é nas farinhas de centeio que se encontraram os valores mais elevados de cinzas, os quais estão intimamente associados aos valores mais elevados de proteína total encontrados no mesmo produto. Pela análise dos dados, não foi possível identificar uma relação linear entre a composição das cinzas das farinhas, do fermento e da Broa. O aumento do teor de cinzas aumenta a acidez da massa – a qual é, regra geral, expressa como Acidez Total Titulável (ATT), bem como a produção de ácido láctico e de ácido acético. As cinzas das farinhas também influenciam positivamente a quantidade total de voláteis produzidos. Alguns estudos indicam que, em farinhas com elevados teores de cinzas e ATT, se registam as maiores concentrações de voláteis produzidos pelas BAL heterofermentativas. Também o teor em aminoácidos totais aumenta com o teor em cinzas, devido à actividade proteolítica. A humidade (ou teor de água) é um dos factores de maior importância na definição da qualidade de um produto alimentar. Com efeito, uma humidade elevada propicia o desenvolvimento de microrganismos, os quais podem promover a sua deterioração e levar à produção de substâncias tóxicas, p.ex. toxinas, assim como promover a oxidação dos lípidos, de que resulta a rancidificação do produto. Também nos casos de humidades elevadas, os produtos desidratados e em estado de dormência (como é o caso das sementes) retomam as suas actividades metabólicas e iniciam o processo de germinação, podendo trazer grandes inconvenientes à sua utilização enquanto matérias-primas, como acontece no caso das farinhas 41 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico de milho e de centeio para a produção de Broa. Em situação oposta, quando os cereais estão excessivamente desidratados, os grãos quebram com facilidade durante a sua manipulação e transporte, originando um rendimento processual menor, ou mesmo a desnaturação irreversível de enzimas necessárias ao processamento, a precipitação de proteínas e a cristalização de açúcares. Nas farinhas, a questão da humidade é ainda mais importante, na medida em que se trata de um produto menos protegido das condições ambientais do que os cereais íntegros, mercê da moagem prévia. Por outro lado, as farinhas são constituídas por partículas de pequenas dimensões, pelo que a sua área superficial específica é ordens de grandeza superior à das sementes intactas, o que favorece as trocas de água. Humidade 60 50 % (m/m) 40 30 20 10 0 T C P P P M C F B M C F B M C F B M C F e T C A 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 B M C F B M C F B 4 5 5 5 5 m m m m Amostra Tal como seria expectável, as percentagens de humidade no fermento e na Broa são muito superiores às das farinhas, devido à adição de água. Comparando os valores de humidade entre fermentos e Broas, observa-se que o processo de cozedura não provoca grandes perdas de água presente na massa para a produção de Broa. O pão de trigo apresenta valores de humidade muito inferiores aos da Broa, o que contribui para tornar este pão singular. Acidez Total Titulável 7 18 6 14 5 12 10 4 8 3 pH ml NaOH 0.1/10g amostra 16 6 2 4 1 2 0 0 T C P P e T C A P M C 1 1 F B M C F B M C F B M C F B M C F B M C F 1 1 2 2 3 4 4 5 5 2 2 3 3 Amostra 3 4 4 5 5 B m m m m ATT pH 42 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico A degradação de produtos alimentares contendo teores apreciáveis de gordura leva à libertação de ácidos gordos livres, o que faz aumentar a acidez total. Da oxidação de alguns desses ácidos insaturados, resultam vários tipos de compostos, os quais podem conferir ao produto odores e aromas desagradáveis (p.ex. ranço). Este tipo de alterações é facilitado por condições de armazenagem sob temperaturas elevadas e não controladas, bem como por ambientes húmidos. A acidez é, por isso, um indicador do estado de conservação, da sanidade e da idade de uma farinha. Comparativamente à farinha de centeio, a farinha de milho possui uma acidez bastante mais elevada, que coincide também com os seus valores mais elevados de lípidos totais. O pH é um parâmetro químico frequentemente utilizado para prever a evolução do processo fermentativo na produção do pão, designadamente em termos da sua extensão. Por esse facto, é comum caracterizar os fermentos de acordo com os valores do pH, da ATT e do quociente de fermentação, QF (i.e. razão molar entre ácido láctico e ácido acético). A ATT dos fermentos aumenta pouco durante o primeiro período de fermentação, devido à baixa actividade metabólica das BAL e à elevada actividade das leveduras. Um valor baixo do pH, resultante de fermentação pelas BAL, promove um aumento de volume e uma melhor cozedura; restringe, ainda, a actividade enzimática, melhora a elasticidade e aumenta o tempo de conservação do pão. Os nossos resultados experimentais revelaram uma relação inversa entre o pH e a ATT, como seria de esperar. O pH diminuiu durante o processo de fermentação, tendo aumentado ligeiramente durante a cozedura devido à volatilização dos ácidos produzidos pela actividade microbiana. As amostras de pão de centeio analisadas apresentam valores de acidez muito elevados. A razão para tal prende-se com o facto deste pão ácido ser fermentado com BAL e leveduras durante 6 a 8 horas. No caso da Broa, o tempo de fermentação usual é de c. 2 horas, nunca sendo possível, por isso, atingir tais valores de pH e acidez. 43 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Estes resultados evidenciam, também, a disjunção de caracteres entre o pão branco e a Broa. A farinha de trigo possui um pH idêntico ao das farinhas de centeio e de milho, mas apresenta a ATT mais baixa de todas as amostras analisadas (farinha e pão). Por sua vez, o pão de trigo apresenta a menor ATT e um dos valores mais elevados de pH, muito semelhante ao da própria farinha. A fermentação industrial do pão branco é feita com a adição de leveduras (cultura de arranque), as quais são determinantes na produção de gás (CO2), contribuindo assim para o aumento de volume da massa panar; porém, carece da fermentação láctica responsável pelo sabor típico dos pães ácidos, a qual é promovida pelas BAL. Mercê do exposto, pode concluir-se que, em termos de acidez e do decurso do processo fermentativo, a Broa se posiciona entre o pão branco e o pão ácido. Capaciade Tamponante 6 ml HCl 0.1N/10g amostra 5 4 3 2 1 0 T C A M C M C M C M C M C M C e 1 1 2 2 3 3 4 4 5 5 m m Amostra A capacidade tamponante das farinhas de milho e de centeio revelou-se muito idêntica, sendo, regra geral, ligeiramente superior no centeio. A farinha de aveia (A) possui uma capacidade tamponante singular. O valor mais baixo da capacidade tamponante foi exibido pela farinha de trigo; tal confirma que a constância dos valores de acidez e pH no pão de trigo se deve ao tipo de fermentação usado com esta farinha. Uma elevada capacidade tamponante das farinhas conduz à obtenção de maiores concentrações de ácidos. 44 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico g /100g ácido amostra Ácidos Orgânicos 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 P T P C 1 F 1 B 1 F 2 B 2 F 3 B 3 F 4 B 4 F 5 B 5 F m B m Amostra Ácido L-láctico Ácido D-láctico Ácido acético Foi notório o decréscimo dos teores de ácidos láctico e acético durante a cozedura, confirmando os resultados obtidos na determinação da ATT. Também os valores obtidos no pão branco vieram ao encontro dos resultados anteriores. A concentração de ácido L-láctico foi ligeiramente superior à do ácido D-láctico. O ácido acético existe em menor concentração. A produção de ácido acético no fermento, a par do processo de cozedura a temperatura elevada, protegem o pão de contaminações microbianas. De referir que as BAL homofermentativas têm um efeito inibidor superior à das heterofermentativas contra os coliformes. A levedação da massa panar baseia-se normalmente, na fermentação alcoólica. Pelo contrário, na Broa a fermentação heteroláctica desempenha igualmente um papel de relevo, embora a quantidade de CO2 produzida por molécula de glucose seja metade da produzida na fermentação alcoólica: Fermentação alcoólica C6H12O6 → 2 CO2 + 2 CH3CH2OH Glucose → Dióxido de carbono + Etanol Fermentação heterolática C6H12O6 → CO2 + H3CCHOHCOOH + CH3COOH ou CH3CH2OH Glucose → Dióxido de carbono + Ácido láctico + Acido acético ou Etanol 45 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico O ácido acético, produzido pelos lactobacilos heterofermentativos do fermento, possui propriedades fungicidas, inibindo a germinação dos endosporos de Bacillus que conseguem resistir às temperaturas de cozedura (e que se mostraram frequentes nas matrizes estudadas, conforme anteriormente relatado). A possibilidade do fermento resistir a ataques microbianos no pão depende da sua composição em ácido láctico e, sobretudo, em ácido acético, os quais são produzidos pelas BAL. O grau daquela possibilidade depende do tipo e da concentração de BAL, da capacidade de fermentação dos substratos, do pH inicial e da capacidade tamponante. Quando comparado com o ácido acético, o ácido láctico (o produto final normalmente em maior concentração quando ocorre fermentação heteroláctica) é mais suave no sabor, mas conduz a uma forte redução do pH, e a um reforço dos efeitos anti-microbianos. Apenas o fermento F4 apresentou um valor de quociente de fermentação, QF, dentro do intervalo considerado como óptimo, a saber 1.5-4.0; os fermentos F2 e F5 estiveram próximos deste intervalo. QF mol ácido láctico/mol ácido acético 25 20 15 10 5 0 P P T C 1 F B 1 1 F B F 2 2 3 B F B F 3 4 4 5 B F B 5 m m Amostra As taxas de produção, e a razão molar entre os ácidos láctico e acético dependem de muitos factores, p. ex. tipo de farinha, microecologia da massa fermentada, temperatura e tempo de fermentação. Sabe-se que as estirpes de LAB homofermentativas originam um QF superior ao das heterofermentativas. 46 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Para além do exposto, outros parâmetros foram alvo do nosso estudo. O cloro é um dos elementos constituintes da matéria orgânica, aparecendo sob a forma do anião cloreto (Cl-), contrariamente ao fósforo e ao enxofre, cuja forma predominante é a de iões covalentes compostos (fosfatos e sulfatos, respectivamente). Os cloretos são os aniões com maior importância no balanço electrolítico e osmótico do interior das células constituintes dos organismos; daí o interesse no seu doseamento em alimentos, como é o caso das farinhas e da Broa. Cloretos 0.6 0.5 % (m/m) 0.4 0.3 0.2 0.1 0 M 1 C 1 B 1 M 2 C 2 B 2 M m C m B m Amostra Encontrou-se uma percentagem média de cloretos essencialmente idêntica nos 3 tipos de produtos analisados, muito embora uma das amostras apresentada apresentasse um valor bastante invulgar. Designa-se por “fibra bruta” ou “celulose bruta” o conjunto de compostos que inclui a celulose, a fracção insolúvel das hemiceluloses e alguma lenhina; tais compostos têm como propriedades comuns o facto de permanecerem inalteráveis à acção de soluções diluídas de ácido sulfúrico e de hidróxido de sódio, à temperatura de ebulição, o que implica tratar-se de materiais praticamente não digeríveis. O seu elevado interesse nutricional deriva da contribuição para o bom funcionamento do tracto gastrointestinal, conforme já discutido. Os valores médios foram ligeiramente inferiores no produto final, devido a alguma actividade enzimática adventícia. 47 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Fibra 2.5 % (m/m) 2 1.5 1 0.5 0 M 1 C 1 B 1 M 2 C 2 B 2 M m C m B m Amostra A determinação do teor em açúcares nos cereais panificáveis conduz a uma medida da quantidade de amido degradado, a qual correlaciona com a capacidade de hidratação das massas, para além de permitir inferir sobre a existência de substratos disponíveis para as fermentações levadas a cabo pelos microrganismos. Tal como era esperado, encontrou-se uma boa correlação entre concentração de açúcares e pH: quanto maior a concentração de açúcares totais redutores, maior o pH. Açúcares totais 7 6 % (m/m) 5 4 3 2 1 0 M 1 C 1 B 1 M 2 C 2 B 2 M m C m B m Amostra Os açúcares desempenham um papel crucial nos processos fermentativos; durante a confecção do pão, os açúcares das farinhas são susceptíveis de degradação pelas enzimas e microrganismos existentes naquele – p. ex. o amido e os polifructosanos são enzimaticamente degradados em açúcares fermentescíveis, tais como a maltose, a frutose e a glucose. Os açúcares livres e os oligossacáridos são (potencialmente) fermentados pelas leveduras e pelas BAL durante a confecção do pão. Participam, igualmente, nas reacções de escurecimento 48 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico do pão durante a cozedura, contribuindo para as suas características organolépticas finais. Os açúcares aumentam a frescura e melhoram a textura do pão, sendo que as dextrinas de baixo peso molecular têm um papel importante no seu envelhecimento. Os pentosanos são usualmente metabolizados pela maioria das BAL heterofermentativas, embora algumas estirpes sejam pentose-negativas. Muitas leveduras não conseguem assimilar e fermentar a xilose, mas em contrapartida já o conseguem fazer com o seu isómero xilulose. Alguns lactobacilos dos fermentos metabolizam a maltose produzindo glucose, a qual será utilizada como fonte de carbono após a maltose se ter esgotado. Por outro lado, a glucose controla o crescimento de bactérias e leveduras que competem pela maltose, por mecanismos de repressão. A actividade da invertase das leveduras, e a capacidade destes microrganismos fermentarem rapidamente a maltose, a sucrose, a glucose e a frutose contribuem para reduzir a concentração de açúcares. Para além dos microrganismos possuidores de enzimas endocelulares, ou excretores de enzimas exocelulares (enquanto viáveis, ou por lise após morte celular), as enzimas nativas presentes nas farinhas desempenham também um papel preponderante. Destas, as amilases serão talvez as mais importantes: tais enzimas têm um efeito indirecto sobre a microflora existente na massa panar, ao aumentar a concentração de açúcares fermentescíveis obtidos a partir do amido; tal promove o crescimento e a capacidade de formação de gás pelas leveduras e pelas BAL, o que melhora as características reológicas da massa. Outras enzimas das farinhas, tais como as xilanases, as hemicelulases e as pentosanases influenciam também indirectamente a microflora, pois a sua actividade hidrolítica gera açúcares (i.e. pentoses e hexoses), que por sua vez são utilizados pelos lactobacilos. As proteínas que ocorrem na natureza são normalmente constituídas por 20 aminoácidos diferentes; no caso dos cereais, tal número reduz-se a 18. O conteúdo em proteína depende do tipo de produto em causa e, no caso dos de origem vegetal, também da sua variedade e das condições culturais em que se dá o desenvolvimento da planta (p.ex. chuvas abundantes – que 49 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico fazem baixar o teor em proteína, aplicação ou não de adubos azotados, e características dos sólos). Proteína total 12 10 % (m/m) 8 6 4 2 0 M 1 C 1 B 1 M 2 C 2 B 2 M m C m B m Amostra A informação relativa ao teor em proteína de uma determinada matéria-prima é importante na avaliação do seu valor nutritivo, independentemente daquela ser utilizada directamente na alimentação animal ou na humana. Também é frequentemente de interesse o conhecimento da sua composição em determinados aminoácidos essenciais, p.ex. o triptofano e lisina, os quais não são sintetizados pelos organismos superiores. No caso das farinhas destinadas às indústrias de panificação, o conteúdo em proteína é um dos principais indicadores da sua qualidade tecnológica, verificando-se que a “força” de uma farinha (dada pelo valor alveográfico, W) correlaciona positivamente com o seu teor em proteína; percentagens elevadas de proteína (designadamente no caso do trigo) produzem efeitos positivos na consistência da massa e na sua resistência à cozedura, uma vez que a rede proteica impede a saída do amido. O termo “proteína bruta”, usado em análises químicas de rotina, pressupõe que todo o azoto existente num determinado produto se encontra na forma de proteína. No entanto, tal não corresponde exactamente à realidade, na medida em que existe sempre algum azoto sob a forma de outros compostos, p.ex. amidas, aminoácidos livres, amónia, ureia, alcalóides e vitaminas, o que introduz um erro por excesso na determinação percentual do teor de proteína. Porém, nos cereais este erro não é relevante, uma vez que existe pouco azoto não-proteico, contrariamente ao que acontece p.ex. com os produtos cárneos. Outro pressuposto na determinação da proteína bruta é o de que as proteínas contêm 16 % (m/m) de azoto, o que também traduz apenas um valor médio aproximado; é com base nesta percentagem média que se obtém o factor 6.25, pelo qual se multiplica o teor em azoto, para encontrar a quantidade de proteína presente. Acresce que 50 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico as farinhas com elevados teores de cinzas exibem, geralmente, maiores concentrações de aminoácidos, o que ajuda a explicar a boa correlação positiva encontrada entre teores de proteína bruta e de cinzas. Durante a fermentação despoletada pelo isco, espera-se a acumulação de aminoácidos. Embora existam enzimas nativas nas farinhas possuindo actividade proteolítica, o incremento no teor de aminoácidos está sobretudo relacionado com a microflora do fermento, especialmente com as várias estirpes de BAL. Note-se que a hidrólise dos peptídeos pelas BAL é lenta no início da fermentação, pois nesta fase as BAL estão em processo de reformulação da sua maquinaria enzimática, a qual gera um lag time caracterizado por baixa actividade metabólica. A taxa de proteólise e o perfil de aminoácidos libertados depende do perfil da microflora existente, da temperatura ambiente, do rendimento da fermentação, e do inventário enzimático das farinhas, entre outros factores. Durante a cozedura, formam-se aldeídos a partir dos aminoácidos livres, em especial alanina, valina, leucina, isoleucina, metionina e fenilalanina. Os produtos metabólicos nitrogenados, designadamente peptídeos e aminoácidos desempenham um papel essencial no suprimento das necessidades nutricionais dos microrganismos constituintes do fermento; acresce que são precursores importantes do sabor no pão, estando também intimamente ligados às suas características físicas. Os lípidos representam um grupo de compostos bastante diferenciado, possuindo como característica comum a sua insolubilidade em água. Um importante grupo dentro dos lípidos é o dos ésteres de glicerol com ácidos gordos – os acetilgliceróis ou glicéridos (vulgarmente conhecidos por gorduras se existem no estado sólido à temperatura ambiente, ou por óleos se se apresentam no estado líquido). O glicerol é um poli-álcool, a cuja molécula se ligam até 3 moléculas de ácidos gordos, formando então os referidos glicéridos (mono-, di- e triglicéridos, respectivamente). Os ácidos linoleico e linolénico, que se encontram em óleos vegetais, são essenciais ao Homem e aos animais superiores, mercê da sua incapacidade de os sintetizar. Notese que o milho é, dos produtos analisados, o que apresenta a maior percentagem de lípidos totais, e a Broa o produto que apresenta a menor. 51 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Lípidos totais 5 4.5 4 % (m/m) 3.5 3 2.5 2 1.5 1 0.5 0 M 1 C 1 B 1 M 2 C 2 B 2 M m C m B m Amostra Embora presentes a baixos níveis na massa panar, os lípidos contribuem favoravelmente para o volume do pão, a sua textura e a sua estrutura. As lipases actuam sobre os glicéridos existentes, libertando ácidos gordos livres de cadeia curta em quantidades apreciáveis, os quais desempenham um importante papel no sabor final do pão. No entanto, nas massas azedas (como é o caso da massa para a produção de Broa), a eficiência das lipases é reduzida devido ao baixo pH, o qual é por sua vez consequência da fermentação láctica. Muitas BAL são capazes de metabolizar diferentes substratos com eventual produção de ácidos fumárico, málico, glucorónico, láctico e pirúvico, sendo alguns destes resultantes da sua própria actividade lipolítica. Pela análise global dos resultados produzidos, conclui-se da existência de uma variabilidade apreciável nos resultados da composição química da Broa de cada produtor quando as amostras são recolhidas em diferentes épocas do ano; não foi igualmente possível diferenciar as Broas com diferentes origens. Contudo, verificou-se que as características químicas das farinhas de centeio são distintas das farinhas de milho, designadamente mercê dos maiores valores médios do teor de cinzas e de açúcares nas farinhas de centeio, e de humidade e de lípidos totais nas farinhas de milho. Por seu lado, a Broa exibiu as maiores percentagens de humidade e de açúcares redutores totais. Dado que na preparação da massa é adicionada uma grande percentagem de água, justifica-se tal valor médio elevado; a actividade enzimática (das farinhas e dos microrganismos) poderá explicar o nível ligeiramente superior de açúcares redutores devido à degradação do amido e, ao mesmo tempo, à curta duração do processo de fermentação. O produto final 52 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico mostrou, também, a menor percentagem de cinzas, proteína e lípidos, podendo tais valores ser explicados pelas actividades proteolítica e lipolítica prevalecentes (como já foi referido, as cinzas estão intimamente ligadas aos valores de proteína total). O processo de fermentação provoca a descida do pH desde as farinhas até à Broa, tal como se esperaria. A massa destinada ao fabrico da Broa sofre, geralmente, um tempo de fermentação de apenas duas horas; tal período é muito curto para ser possível atingir valores de pH próximos dos encontrados após 24 horas de fermentação. Assim, e ao contrário de alguns tipos de pão ácido típicos doutros países, o carácter ácido da Broa é pouco intenso devido à sua curta fermentação, sendo desejável o seu prolongamento. A água é um dos principais ingredientes na produção da Broa, chegando a representar 50 – 55 % do peso das massas panares, e 40 – 45 % do peso do pão. Dada a sua enorme importância quantitativa, foram recolhidas amostras de água em todos os produtores, em duas épocas distintas do ano designadas por época fria (Outono/Inverno) e época quente (Primavera/Verão), tendo sido submetidas a análises químicas e microbiológicas. Os parâmetros microbiológicos considerados foram: número total de germes (psicrófilos e mesófilos), Número Mais Provável (NMP) para Coliformes totais, Coliformes fecais, Escherichia coli e Estreptococos fecais, e Clostrídeos sulfito-redutores. Constatou-se uma variabilidade apreciável nestes parâmetros, quando considerados na globalidade para diferentes produtores e diferentes regiões; tal está de acordo com o esperado, na medida em que os diversos produtores possuem as suas fontes próprias de água. Os parâmetros químicos analisados foram: pH, dureza, teor em nitritos, teor em nitratos, teor em cloretos, condutividade eléctrica, teor em sulfatos, resíduo seco, teor em azoto por Kjeldahl, e teores dos oligoelementos Na, K, B, Ca, Mg, Fe, Al, Cd, Pb, Cu, Cr, Mn, Ni, Zn e P. Todos estes parâmetros químicos das águas exibem entre si elevados coeficientes de correlação, à excepção dos cloretos, do fósforo e do pH. 53 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Da análise dos resultados, constatou-se que, do ponto de vista da salubridade, nove das vinte e seis águas analisadas não puderam ser consideradas próprias para consumo. Por outro lado, à excepção de um produtor, todas as águas analisadas apresentaram valores de pH inferiores ao recomendado. 3.4. Física No âmbito da apreciação das características físicas das farinhas de milho e centeio, foram quantificados, nas amostras recolhidas junto dos produtores, os seguintes parâmetros: índice de queda, percentagem de absorção e índice (percentual) do tamanho das partículas (ITP). Os resultados mais importantes são apresentados de seguida. Na determinação do índice de queda (ou índice de Hagberg) das farinhas, uma suspensão aquosa da mesma é rapidamente gelatinizada por imersão em água fervente, medindo-se a liquefacção resultante da acção do α-amilase (proveniente do amido constituinte). O índice de queda é definido como o tempo, expresso em segundos, necessário para que um tubo viscosimétrico atravesse, em queda, uma distância fixa desse gel aquoso de farinha submetida a liquefacção prévia. Propriedades Físicas 350 300 250 200 150 100 50 Mm %Absorção %ITP Cm C2 M2 C1 M1 0 Amostras %Humidade Indíce de Queda (s) As características reológicas das massas, obtidas a partir das farinhas e da água de absorção, constituem um factor importante na determinação do respectivo valor de panificação. 54 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico A absorção de água numa farinha é definida como o volume de água, por grama de farinha, necessário para produzir no farinógrafo uma curva com um patamar caracterizado por determinada altura. Tendo em conta que o teor médio em humidade relativa nas duas farinhas diverge de apenas meio ponto, verificou-se ainda assim que as farinhas de milho produzem um maior índice de queda, enquanto as farinhas de centeio são caracterizadas por uma maior percentagem de absorção e ITP; tal constatação vem reforçar o papel preponderante da farinha de centeio na produção da Broa. Da análise global feita a todas as farinhas, conclui-se novamente da impossibilidade estatística de diferenciar as amostras por zona geográfica. 3.5. Reologia O comportamento reológico dos alimentos é naturalmente determinado pela sua composição química. Por outro lado, qualquer produto alimentar deve reunir um conjunto de propriedades sensoriais, as quais têm uma tradução em termos reológicos: propriedades tais como a textura e a consistência são fundamentais para a aceitação do pão por parte do consumidor, dado estarem intimamente associadas a características organolépticas importantes. A disparidade de preços entre uma mesma quantidade de milho e de pão é indicativa do elevado custo de processamento, mas também do valor que os consumidores estão dispostos a pagar por um alimento com uma textura desejada. A avaliação sensorial dos alimentos está intrinsecamente associada a problemas de subjectividade, que introduzem complexidades no tratamento estatístico, para além dos custos acrescidos com a formação e a manutenção de painéis de provadores. Consequentemente, recorre-se com frequência a medições instrumentais em substituição da análise sensorial. 55 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Durante a cozedura, muitas das enzimas e microrganismos são destruídos; tal permite a armazenagem do pão à temperatura ambiente durante um período considerável, apesar da elevada actividade da água no seu miolo. Porém, com o tempo, o pão acaba por ser atacado por agentes microbianos (principalmente bolores). A deterioração dos produtos de panificação pode consubstanciar-se em diversos fenómenos: rancidez oxidativa, perdas nutricionais, crescimento microbiano, perda de humidade e endurecimento. A rancidez oxidativa não constitui, regra geral, um verdadeiro problema, visto o prazo de consumo do pão expirar antes da oxidação provocar efeitos indesejados. As perdas nutricionais durante o armazenamento são, também, mínimas, pelo que é na cozedura que ocorre o maior decaimento nutricional. Embora o crescimento microbiano possa ser um problema, é a perda de humidade que mais contribui para a degradação do pão; o recurso a embalagem apropriada diminui drasticamente tal efeito negativo. Diversos factores influenciam o crescimento de bolores no pão: humidade atmosférica, valor do pH e quantidade de inibidores fúngicos, entre outros. O endurecimento do pão é, de longe, a principal causa de deterioração da Broa. As mudanças nas propriedades físicas causadas pelo endurecimento incluem alterações no sabor e no aroma, bem como aumento da dureza e opacidade do miolo. Ao nível do consumidor, o aumento da dureza da côdea não causa tanto desagrado como o do miolo. Note-se que o endurecimento não é exclusivamente causado pela perda de água, podendo este fenómeno ocorrer mesmo na ausência de variação significativa no teor de humidade. Vários factores afectam a velocidade e a extensão do endurecimento: p.ex. os pentosanos diminuem a velocidade deste fenómeno, enquanto o efeito da temperatura na dureza e firmeza do pão pode ser esquematicamente resumido da seguinte forma: 56 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Temperatura 1.1 ºC – 43 ºC: Temperatura ↑, Dureza ↓, Firmeza ↓ Temperatura <1.1 ºC: Temperatura ↓, Dureza ↓, Firmeza ↓ A temperatura de 1.1 ºC assume-se como um valor crítico, pois corresponde à temperatura a que a água atinge a sua densidade máxima. Outro facto interessante é o de que a moleza pode ser recuperada por aquecimento a temperaturas próximas das da cozedura. Alguns estudos (versando, não obstante, o trigo) indicam que, a temperaturas inferiores a 35 ºC, ocorre uma redistribuição da água do glúten para o amido, a qual pode assim actuar no endurecimento. Outros estudos indicam que o teor em gordura, ao contrário do que acontece com o teor em proteínas, não tem qualquer efeito. Seis Broas provenientes de cada produtor foram armazenadas em condições controladas de temperatura (20 ºC) e de humidade relativa (80 %), procurando-se assim traduzir condições adversas de armazenamento do pão. Aos 1º, 7º e 15º dias, uma Broa, do mesmo produtor e do mesmo fabrico, foi submetida a testes de compressão, tendo de seguida sido determinados o teor de humidade, assim como a acidez e as contagens de bolores e leveduras viáveis. Alguns resultados típicos (de dois produtores, B1 e B2, e respectiva média de todos os produtores) são apresentados de seguida, assim como os seus valores médios. O pão tem um comportamento intermédio entre o de um fluído e o de um sólido, designando-se, consequentemente, por corpo viscoelástico. A dureza é uma propriedade física, usada frequentemente na avaliação da textura, que se pode traduzir em termos reológicos pela força necessária para a penetração no material de uma sonda cilíndrica. O instrumento utilizado mediu a força necessária para atingir uma determinada profundidade na Broa (30 mm): quanto maior a força necessária, mais resistente o material. 57 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Força máxima exercida 0.12 0.10 KN 0.08 0.06 0.04 0.02 0 0 10 5 15 Duração (dia) B1 B2 Média Estes testes tiveram como objectivo correlacionar o tempo de prateleira com parâmetros reológicos. Os perfis encontrados para as diferentes Broas testadas foram, na generalidade, idênticos. Como seria de esperar, a dureza da Broa correlaciona-se com o aumento do tempo de prateleira, sendo aquela medida como a força máxima exercida (a qual aumentou quase linearmente com o tempo). Como seria de esperar, o número de bolores e leveduras nas Broas aumentou significativamente ao longo do tempo. Os resultados das contagens de leveduras e bolores estão tabeladas de seguida: Produtor Período de armazenagem (d) Nº viáveis de Bolores (UFC/g) Nº viáveis de Leveduras (UFC/g) 1 1 2 x103 <1 x103 50 <1 x103 6x103 <10 2 <1 x103 >1.5 x105 <1 x102 8.5 x104 <1 x102 1.1 x103 <10 20 <10 3 <1 x103 3.7 x102 <10 - - - - 7 1.03 x10 15 2 1 7 15 2 x10 58 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico As amostras com 15 dias apresentaram, na sua maioria, as percentagens de humidade mais baixas. Relativamente à acidez, as amostras com 15 dias corresponderam, ora aos maiores valores ora aos menores valores, comparativamente com os dias de conservação 1 e 7. Não foi possível encontrar uma correlação estatisticamente significativa entre humidade e acidez. Humidade 46 % (m/m) 44 42 40 38 36 0 5 10 15 Duração (dia) B1 B2 Média As propriedades reológicas da massa e do pão dependem, obviamente, dos seus vários constituintes. O glúten é tipicamente o principal componente estrutural da massa: se for deliberadamente removido das farinhas, tal provoca a perda da sua capacidade de formação de massas viscoelásticas. Quando a farinha é humedecida, a formação do glúten resulta sobretudo da interacção específica entre duas fracções proteicas – prolamina e glutenina; geralmente, as propriedades elásticas estão associadas à fracção de glutenina, enquanto as propriedades viscosas estão associadas à prolamina. Acidez total 0.30 % (m/m) 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0 0 10 5 15 Duração (dia) B1 B2 Média Porém, não são apenas as proteínas do glúten que afectam a reologia da massa; as gliadinas, os lípidos e os hidratos de carbono desempenham também um papel estrutural. A interacção proteína-água é o factor com maior efeito nas propriedades viscoelásticas das massas 59 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico panares, sendo que o tamanho dos grânulos de amido tem grande importância. Desta forma, as características reológicas da massa podem, em princípio, ser significativamente alteradas desde que se proceda à manipulação dos perfis de proteínas, amido, lípidos e humidade durante a confecção do pão. A resposta reológica das massas depende igualmente de parâmetros processuais, p. ex. grau de amassadura, e tempo e temperatura de fermentação. Contudo, as principais alterações nas propriedades mecânicas e reológicas ocorrem durante a cozedura: uma massa essencialmente viscosa origina um miolo do pão predominantemente elástico. Uma vez que o glúten é o responsável pela natureza elástica da massa, a sua alteração reológica durante a cozedura conduz à estrutura típica do pão. Porém, não existe nenhuma relação evidente entre a desnaturação do glúten e tais alterações reológicas. Conforme foi já referido, a incorporação do fermento e o aumento do tempo de fermentação promovem, para além de um pão com melhor aroma, o aumento do seu tempo de vida, retardando assim o processo de envelhecimento e de desenvolvimento de bolores. 3.6. Organoléptica A análise sensorial das Broas foi levada a cabo por um painel de provadores, o qual foi devidamente treinado na avaliação das características sensoriais, tendo por objectivo investigar como as modificações processuais afectam tais características. As características sensoriais consideradas foram: aspecto do miolo – cor, farelo, porosidade e defeitos; textura do miolo ao toque – elasticidade, carácter colante, dureza e friabilidade; odor – global, ácido, a milho/centeio e outros; sabor do miolo – global, doce, ácido, amargo, salgado e outros; e textura na boca – friabilidade, carácter colante, húmida e partículas abrasivas. Apresentam-se de seguida os resultados de dois produtores, assim como a média global. 60 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Aspecto do miolo 5.0 4.5 4.0 3.5 3.0 2.5 2.0 1.5 B1 B2 Média 1.0 0.5 0.0 Cor Quantidade Farelo Tamanho Farelo Pela análise dos dados produzidos, verifica-se que o aspecto do miolo das Broas varia consideravelmente de produtor para produtor. Textura do miolo ao toque 4.0 3.5 3.0 2.5 B1 2.0 B2 Média 1.5 1.0 0.5 0.0 Elasticidade Caracter colante Dureza Friabilidade Em relação à cor do miolo, a variabilidade encontrada poderá estar relacionada com as diferentes quotas de centeio utilizadas no fabrico da Broa. As Broas foram, genericamente, consideradas como elásticas, embora as apreciações tenham sido muito heterogéneas em relação aos outros aspectos da textura do miolo. Odor 5.0 4.5 4.0 3.5 3.0 B1 2.5 2.0 B2 Média 1.5 1.0 0.5 0.0 Global Ácido Milho / Centeio 61 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico As Broas são, em termos de odor, ligeiramente ácidas, variando o seu odor a milho e/ou a centeio em função da sua composição. Sabor do miolo 4.0 3.5 3.0 2.5 B1 2.0 B2 Média 1.5 1.0 0.5 0.0 Global Doce Ácido Amargo Salgado Todas as Broas foram consideradas pouco salgadas, tendo o miolo apresentado sabores de intensidade variável. Os provadores notaram a presença de partículas abrasivas em quase todas as Broas (dada a natureza das farinhas usadas), e consideraram-nas, de forma geral, pouco colantes na boca. Em relação à friabilidade e textura húmida – características texturais avaliadas na boca, as Broas apresentaram grande diversidade. 62 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 4. MELHORAMENTO Na sequência dos estudos descritivos anteriores, foram produzidas Broas experimentais utilizando-se como variáveis processuais o tipo de farinha de milho, o tipo de moagem (moinho de água – MA, ou moinho eléctrico – ME), a percentagem de farinha de centeio (15 ou 50 %) e o tipo de fermento (isco ou levedura comercial). As farinhas de milho utilizadas foram: farinha de milho branco regional – MR; farinha de milho híbrido branco "dentado" – MHD; farinha de milho híbrido branco redondo "flint" – MHF; e farinha de milho branco do tipo 175 – F175. Todas as farinhas utilizadas foram quimicamente caracterizadas em termos de pH, e teores de Humidade, Açúcares, Proteínas e Lípidos, antes de se proceder aos ensaios tecnológicos. No que se refere à distribuição das amostras pelo tipo de farinhas, verificou-se que as farinhas MR apresentaram a maior acidez; as farinhas MHD exibiram os menores teores de proteína; as farinhas MHF foram desprovidas de características distintivas; e as farinhas F175 apresentaram características idênticas às das amostras MHD e MHF com moagem eléctrica. As farinhas procedentes de moagem eléctrica apresentaram, regra geral, os menores valores de pH, e bem assim de teores de açúcares e lípidos. De facto, o tipo de moagem parece ser um factor de extrema importância para as características finais das farinhas destinadas à panificação. 63 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 4.1. Química Nos testes tecnológicos, foram confeccionadas 28 Broas experimentais distintas, resultantes de outras tantas combinações abaixo esquematizadas. Em cada teste, foram fabricadas 5 Broas de cada tipo e, por cada conjunto de testes, foi confeccionada uma Broa padrão com 50 % de milho tipo 175 e com levedura comercial. As Broas assim obtidas foram sujeitas a análises químicas e sensoriais. 0 P Isco 1 Isco 17 Levedura 18 Isco 19 15% centeio 15% centeio Levedura 2 MHFxMA MRxMA Isco 3 50% centeio 50% centeio Levedura 4 Levedura 20 Isco 5 Isco 21 Levedura 22 Isco 23 15% centeio 15% centeio Levedura 6 MHFxME MRxME Isco 7 50% centeio 50% centeio Levedura 8 Levedura 24 Isco 9 Isco 25 Levedura 26 Isco 27 Levedura 28 15% centeio 15% centeio Levedura 10 F175 MHDxMA Isco 11 50% centeio 50% centeio Levedura 12 Isco 13 Levedura 14 Isco 15 Levedura 16 15% centeio MHDxME 50% centeio 64 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Comparando os valores médios globais dos resultados encontrados com os anteriormente apresentados, verifica-se que nestas Broas a acidez é bastante mais baixa e o teor de cloretos é bastante mais elevado. Na tentativa de descortinar alguma tendência nos parâmetros químicos de acordo com o tipo de Broa produzida, calcularam-se os valores médios dos parâmetros químicos das Broas experimentais, sempre que tivessem alguma variável comum (p.ex. todas as amostras com variável levedura como tipo de fermento utilizado). Os resultados encontrados estão tabelados de seguida: pH %Humidade % Cinzas % Acidez % Cloretos % Açúcares % Fibra % Proteína % Lípidos Tipo de milho MR 5.73 41.25 1.63 0.08 0.47 4.63 1.60 5.30 1.90 MHD 5.90 40.50 1.43 0.05 0.18 4.08 1.88 5.33 1.15 MHF 5.95 41.75 2.05 0.04 0.82 4.85 2.00 5.53 1.35 F175 6.03 41.10 1.90 0.04 0.80 5.05 1.90 5.43 1.75 Tipo de fermento Isco 5.85 40.90 1.63 0.06 0.54 4.78 1.90 5.30 1.55 Fermento 6.00 41.50 1.90 0.04 0.69 4.33 1.85 5.45 1.30 Quantidade de farinha de centeio 15% centeio 5.90 40.75 1.73 0.05 0.69 4.10 1.93 5.35 2.13 50% centeio 5.95 41.40 1.85 0.04 0.58 4.68 1.88 5.40 1.15 Tipo de moínho MA 5.90 40.90 1.85 0.05 0.55 4.53 1.85 5.43 1.60 ME 5.90 41.40 1.70 0.05 0.53 4.20 1.90 5.30 1.23 Observa-se, então, que as Broas produzidas com farinha de milho MHF apresentam os valores mais elevados de teores de cloretos, açúcares, fibras e proteínas. Contudo, as amostras daquelas farinhas não mostraram possuir valores mais elevados destes parâmetros; aliás, estas foram as farinhas que possuem menor percentagem de cinzas. As Broas produzidas com farinha MR apresentaram os valores mais elevados de acidez e de teor de lípidos; neste caso, as análises das farinhas mostraram tendência similar. As mesmas 65 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico Broas apresentaram, simultaneamente, os valores mais baixos de pH (como se esperaria, dado o valor da acidez), e dos teores de fibras e proteínas (justificáveis pela correlação entre cinzas e proteínas). Os pães feitos a partir de farinhas MHD possuem os valores mais baixos num grande conjunto de parâmetros: teores de humidade, cinzas, cloretos, açúcares e lípidos; e dos mais baixos em teor de proteínas. Os resultados das farinhas seguiram a mesma tendência. Por fim, com a farinha F175 registaram-se valores intermédios para todos os parâmetros. A farinha de milho, como principal componente da Broa, parece ter uma grande importância nas características do produto final. No caso de MR, observaram-se os valores mais altos de acidez, o que é vantajoso tendo em vista a posterior conservação da Broa. Contudo, o seu teor em proteínas e em cinzas foi dos mais baixos. Distinguindo comparativamente as amostras pelo tipo de fermento, muitas das Broas fermentadas com isco apresentaram o maior valor médio de acidez, bem como de teores de açúcares, fibras e lípidos. Seria de esperar que a acidez fosse mais elevada (ou o pH mais baixo) pela acção da microflora mista já anteriormente caracterizada; portanto, o tipo de fermento tem aparentemente um forte impacto nas características finais da Broa. Conclui-se, então, que o tipo de farinha e o tipo de fermento usado na produção das Broas são, de entre os estudados, os factores processuais mais importantes, embora a percentagem de centeio adicionado afecte igualmente a qualidade final das Broas (nomeadamente nos parâmetros teor em cinzas e teor em lípidos). 4.2. Organoléptica As Broas produzidas em laboratório também foram sujeitas a avaliação sensorial pelo mesmo painel de provadores. Apresentam-se de seguida os valores médios dos parâmetros sensoriais estudados. 66 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico A1 A2 A3 B1 B2 C1 C2 C3 C4 D1 D2 D3 E1 E2 E3 E4 E5 F1 F2 F3 F4 MR 2.75 2.44 2.00 2.50 2.31 2.94 1.81 3.19 1.88 3.00 1.60 2.75 3.00 1.94 1.56 2.56 1.63 2.36 2.31 2.32 2.31 MHD 2.73 2.12 1.66 2.85 2.40 3.20 1.59 3.51 2.55 2.95 1.93 2.80 3.14 1.64 1.70 2.07 1.55 2.54 1.57 1.43 2.40 MHF 3.13 2.88 1.94 3.13 2.50 2.81 2.23 3.06 2.00 3.19 1.63 2.81 3.00 2.13 1.54 1.50 1.21 2.19 2.38 2.44 2.44 F175 2.88 2.63 2.13 3.19 2.88 2.94 1.56 3.44 2.13 3.25 1.75 3.31 3.13 1.94 1.38 2.25 1.13 2.56 1.88 1.44 1.63 Tipo de milho Tipo de fermento Isco 3.37 2.50 2.00 3.06 3.00 2.53 1.67 3.19 2.05 3.13 1.75 2.75 3.13 1.94 1.74 2.07 1.39 2.36 2.12 2.21 2.31 Levedura 2.63 2.50 1.78 3.05 2.25 3.45 1.72 3.50 2.24 2.95 1.59 2.81 3.00 2.00 1.44 2.06 1.50 2.56 2.00 1.79 2.25 Quantidade de farinha de centeio 15% centeio 1.69 2.44 2.00 2.59 2.33 3.50 0.75 3.69 3.11 2.94 1.54 2.23 3.23 1.88 1.66 2.23 1.54 2.81 1.46 1.40 2.44 50% centeio 4.00 2.56 1.94 3.31 3.00 2.53 2.33 3.06 1.54 3.16 2.00 3.56 3.00 2.13 1.44 1.90 1.39 2.06 2.40 2.33 2.19 Tipo de moínho MA ME Nota: 2.94 2.61 1.78 2.87 2.49 2.81 1.77 3.19 2.03 3.00 1.63 2.69 3.00 2.13 1.40 1.90 1.56 2.50 2.28 2.14 2.79 3.13 2.44 2.00 3.05 2.38 3.00 1.43 3.55 2.24 3.06 1.75 2.81 3.00 1.73 1.73 2.07 1.54 2.46 1.82 1.85 2.00 Para facilidade de representação, os parâmetros sensoriais foram abreviados: Aspecto do miolo – cor (A1), quantidade (A2) e tamanho do farelo (A3), e quantidade (B1) e tamanho da porosidade (B2); Textura do miolo ao toque – elasticidade (C1), carácter colante (C2), dureza (C3) e friabilidade (C4); Odor – global (D1), ácido (D2), e a milho/centeio (D3); Sabor do miolo – global (E1), doce (E2), ácido (E3), amargo (E4) e salgado (E5); e Textura na boca – friabilidade (F1), carácter colante (F2), húmida (F3) e partículas abrasivas (F4). Subdividindo as amostras por tipo de farinha de milho, não foi possível detectar qualquer tendência. Contudo, observou-se que as Broas produzidas com farinha MHD apresentaram os menores valores para o aspecto do miolo e odor; enquanto as produzidas com a farinha F175 registaram os maiores valores de porosidade. Em geral, as Broas de farinha MHD atingiram a menor pontuação no critério de sabor do miolo. As Broas produzidas com fermento obtiveram, regra geral, a maior pontuação na textura do miolo ao toque, e a menor nas restantes. Quanto maior a percentagem de centeio na Broa, maiores a porosidade e o odor, e menor a pontuação no sabor do miolo. De facto, tendo em conta as Broas com 15 e 50 % de centeio, foi possível efectuar uma distinção nítida entre as amostras. Concluiu-se que a composição em farinha das Broas parece ser o factor de percepção sensorial mais importante. As Broas produzidas com farinha proveniente de moinhos de água tiveram apenas maior pontuação para a textura na boca; a pontuação dos restantes parâmetros foi, regra geral, maior 67 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico nas Broas produzidas com farinhas obtidas por moagem eléctrica. Estes últimos resultados vieram de encontro aos resultados relativos aos parâmetros químicos. 68 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 5. CONCLUSÕES Da análise geral das experiências realizadas no âmbito deste programa de estudo, concluise que o processo de produção da Broa depende de diversos factores intrínsecos e extrínsecos, a saber: Factores intrínsecos Características das farinhas Microflora existente - Diversidade Número Factores de crescimento Actividade de fermentação Actividade enzimática - Composição em nutrientes Composição em minerais Factores de crescimento Actividade enzimática Características reológicas Factores extrínsecos - Grau de peneiração e amassadura Rendimento da fermentação (gfermento / 100gfarinha) Temperatura e tempo de fermentação Oxigenação Composição e tamanho de inóculo Composição e quantidades de ingredientes, p.ex: sal, água, farinhas, adição de starters e de ácido ascórbico - Tempo de prateleira Estes factores não actuam separadamente mas sim de forma conjunta, tornando o sistema complexo: desta forma, os diferentes procedimentos que envolvem a fermentação da massa são diferentemente afectados por factores tais como o pH, a acidez, a composição em ácidos láctico e acético, e a produção de compostos voláteis aromáticos. 69 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico A actividade metabólica das BAL e das leveduras determina o desenvolvimento dos aromas na Broa. Apesar dos precursores estarem presentes nas farinhas e da maior quantidade de substâncias aromáticas se formar durante a cozedura, a fermentação da massa é essencial para se obter um sabor aceitável, uma vez que a acidificação química do pão não é tão bem aceite pelo consumidor. Esta importância do processo fermentativo nas características finais da Broa deve servir de incentivo ao desenvolvimento de métodos de controlo da fermentação, por forma a obter-se um produto de qualidade constante. Uma eventual fermentação da massa da Broa com diferentes microrganismos comerciais, mesmo que remotamente similares às estirpes nativas no isco tradicional, poderá conduzir à produção de um pão com um perfil diferente de voláteis. A informação recolhida, no que diz respeito à análise sensorial das Broas experimentais, indicia que: (i) a friabilidade está dependente da quantidade de centeio utilizada – as Broas com menor friabilidade são as que possuem maiores percentagens de centeio; (ii) a cor depende da quantidade de farinha de centeio presente na mistura – as farinhas com maior percentagem de centeio conduzem a Broas mais escuras; (iii) as Broas confeccionadas com isco são claramente mais porosas do que as fabricadas com levedura comercial; (iv) para menores fracções de adição de centeio, as farinhas obtidas a partir de milho regional dão, aparentemente, origem a Broas com menor friabilidade; e (v) o carácter colante é influenciado de forma decisiva pelo teor em centeio das Broas. A determinação mais pormenorizada do perfil químico ao longo do processo permitirá, por sua vez, correlacioná-lo com o perfil microbiológico, e assim explicar o comportamento reológico da Broa. Por conseguinte, fica aberto o campo ao desenvolvimento posterior de trabalho, cientificamente estruturado e estatisticamente validado, tendo como objectivo último a tipificação da Broa. 70 Pão de Milho: caracterização do produto tradicional e tentativa de melhoramento tecnológico 6. BIBLIOGRAFIA Almeida, L. G. (1999) O Fabrico do Pão de Milho em Avintes. Forum 1990-1993 - Comunicações I, Volume 1, Junta de Freguesia de Avintes, pp. 142-153. Almeida, M. J., Pais, C. S. (1996) Characterization of the yeasts population from traditional corn and rye bread doughs. Letters in Applied Microbiology 23, 154-158. Amaral, A. F. (1999) A Broa de Avintes. Forum 1990-1993 - Comunicações I; Volume 1; Junta de Freguesia de Avintes, pp. 11-19. Amaral, A. F. L. (1993) Avintes. Na margem esquerda do Douro. Junta de Freguesia de Avintes, pp. 546, 89-94, 159-172. Anon. (1997) Balança Alimentar Portuguesa. 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A Associação para a Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica (AESBUC) e a AGROF – Sociedade Promotora de Empreendedorismo, S.A. patrocinaram a elaboração e disseminação da presente brochura. Um agradecimento especial aos produtores, pelo seu indispensável contributo ao fornecerem as amostras para análise, pela sua enorme receptividade e pelo seu excelente acolhimento à equipa que realizou o trabalho de campo. 76