Ler entrevista completa. - Centro de Educação

Transcrição

Ler entrevista completa. - Centro de Educação
O remedio
esta na
Diante de
uma porção
de evidências,
a medicina
reconhece
que a
espiritualidade
ajuda a vencer
e a prevenir
doenças,
acelera mesmo
a recuperação
e dá força para
viver mais e
melhor. Não
é milagre!
E a ciência
já começa
a explicar
por diogo sponchiato,
thaís manarini
e theo ruprecht
design jaqueline amaral
e letícia raposo
ilustrações bruno algarve
fotos gustavo arrais
24 • S a ú d e é v i ta l • d e z e m b r o 2 0 1 3
V
ocê está no consultório do cardiologista. Ele já perguntou sobre o seu estilo de vida e antecedentes de infarto na família,
mediu a pressão, auscultou o peito, deu uma
olhada no resultado dos exames. Parece que
a investigação acabou e ele fará, enfim, as
recomendações. Mas uma última questão
vem à tona: “Você se considera espiritualizado ou religioso?” De acordo com a resposta, o médico vai investir alguns minutos
para entender o papel da fé na sua vida.
Essa anamnese espiritual, por assim dizer,
ganha cada vez mais espaço na prática clínica, não importa a especialidade. Também
vem sendo incorporada a prontos-socorros,
salas de cirurgia, UTIs... E há uma justificativa bastante pragmática para isso: já não
faltam estudos demonstrando que a crença
em algo transcendente — Deus ou um poder superior — interfere de forma positiva
na capacidade de o corpo humano enfrentar doenças (ou até escapar delas).
“A medicina e a espiritualidade foram
separadas no século passado, mas, nos últimos anos, a própria ciência está tratando
de reuni-las”, contextualiza o psicólogo
Esdras Vasconcellos, professor da Universidade de São Paulo. Há evidências de que
pessoas espiritualizadas são mais longevas,
têm menos distúrbios psicológicos, sofrem
menos infecções e... estão menos sujeitas
a ataques cardíacos. Motivo suficiente para
a Sociedade Brasileira de Cardiologia criar
seu Grupo de Estudos em Espiritualidade e
Medicina Cardiovascular (Gemca). “Já não
temos dúvidas de que a fé contribui para
a saúde. Queremos entender melhor agora
até onde vão seus efeitos e de que forma
ela os propicia”, diz o cardiologista Mário
Borba, diretor científico do projeto.
Ser espiritualizado não significa necessariamente seguir uma religião. É, antes de
mais nada, acreditar em alguma coisa intangível e que pode até estar dentro de você —
como a esperança de que, fazendo o bem,
a gente é naturalmente recompensado (veja
mais no quadro da página 26).
Nessa perspectiva, uma novíssima revisão de trabalhos científicos joga luz sobre o
impacto de ter uma crença ou adotar hábitos religiosos sobre o sistema cardiovascular.
Com base em mais de 3 200 estudos, o cardiologista Fernando Lucchese, da Santa Casa
de Misericórdia de Porto Alegre, e o professor
de psiquiatria e ciências comportamentais
Harold Koenig, da Universidade Duke, nos
Estados Unidos, analisaram o assunto sob a
ótica dos fatores de risco e de mecanismos
fisiológicos envolvidos no infarto.
“Há uma relação direta entre espiritualidade e melhores índices de atividade física,
alimentação equilibrada, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas”, conta Lucchese.
Uma vida espiritualizada parece servir como
um propulsor de bons hábitos. Segundo o
artigo, pessoas religiosas ou que procuram
autoconhecimento e força em algo maior
estão menos expostas a praticamente todas
as condições que ameaçam o peito, como
colesterol alto, hipertensão e sedentarismo.
“Os indivíduos que buscam o transcendente
também estão mais protegidos diante do estresse e da depressão, importantes fatores de
risco cardíaco”, reforça o cardiologista Ney
Carter do Carmo Borges, da Universidade
Estadual de Campinas, no interior paulista.
Da lista negra contemplada pela revisão, só houve uma exceção: a obesidade.
Mas por que diabos pessoas de fé tendem
a engordar? “Diversas religiões estimulam
o convívio social em torno de banquetes
calóricos e veem a gula de modo mais condescendente”, especula Koenig, considerado um dos papas em matéria de medicina
e espiritualidade. Ora, a fé é uma das peças
que compõem uma rotina saudável — mas
não adianta rezar toda noite e viver entregue ao sofá e à comilança. Esses são pecados que o coração não perdoa. S a ú d e é v i ta l • d e z e m b r o 2 0 1 3 • 2 5
Espiritualidade
vs. religiosidade
Esses termos não
são sinônimos e
ainda há muito
debate sobre suas
definições. “A
espiritualidade é
a busca pessoal para
entender questões
como o sentido da
vida e as relações
com o sagrado e
o transcendente.
E isso pode ou não
depender de práticas
religiosas”, diz Sissy
Fontes, expert em
espiritualidade e
medicina da Unifesp.
Já a religiosidade
leva em conta seguir
uma doutrina e a
frequência com que
se reza e se participa
de eventos e rituais
— em templos ou
mesmo em casa.
Questões paradoxais à parte, ganham
força os indícios do papel positivo da espiritualidade frente à hipertensão. “Um
trabalho feito nos Estados Unidos apontou
que comunidades mais religiosas apresentavam índices de pressão arterial 20% mais
baixos em comparação a grupos predominantemente céticos“, exemplifica Lucchese. Em um estudo recente do Programa de
Pós-Graduação em Ciências das Religiões
da Universidade Federal da Paraíba com
139 hipertensos, a intensificação da prática religiosa em uma parte dos voluntários
atenuou sintomas ligados ao aperto nos
vasos, como tonturas, taquicardia e dor no
peito. “Embora todos tenham continuado
hipertensos, os pacientes mais religiosos
evoluíram melhor ao aumentar a frequência a templos e igrejas em relação àqueles
que faziam isso uma vez por semana ou
menos”, relata a patologista Berta Lúcia
Pinheiro Klüppel, orientadora da pesquisa.
Ok, a medicina aprecia evidências, mas
não se contenta até descobrir o “como” e o
“porquê”. Na revisão assinada por Lucchese
e Koenig, os experts discutem os principais
efeitos fisiológicos da fé sobre as artérias. “A
espiritualidade atua na interação entre os
sistemas nervoso, endócrino e imunológico.
Ela está associada, por exemplo, a níveis mais
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baixos de substâncias inflamatórias, envolvidas no processo que leva ao infarto”, esclarece Lucchese. Funciona como uma reação em
cadeia: devidamente equilibrado, o cérebro
diminuiria a emissão de sinais por meio de
hormônios que, em última instância, resultam em vasos contraídos e inflamados.
Esse mecanismo ajuda a explicar os achados de experimentos relacionando espiritualidade a uma menor taxa de mortalidade
por doenças cardiovasculares. Caso clássico é
um estudo israelense concluído na década de
1980 que, após acompanhar 10 mil homens
de meia-idade por 23 anos, constatou que o
risco de perder a vida por causa de um ataque
cardíaco era 20% menor entre os mais dedicados a compromissos religiosos. Outros levantamentos vão no mesmo caminho, mostrando que a participação em cultos e missas
está diretamente associada a uma maior expectativa de vida cardíaca.
Da mesma forma, uma rotina espiritualizada não só previne panes no peito como
também acelera a recuperação de quem passou por um sufoco desses. Lucchese e Koenig
destacam um estudo do Centro Médico Dartmouth, nos Estados Unidos, que, mesmo
controlando variáveis como idade e histórico
prévio de piripaques, desvendou o seguinte:
indivíduos que costumavam obter conforto
na religião morriam menos depois de cirurgias cardíacas. Nessa linha, trabalhos atestam
que a recuperação pós-operatória também é
mais rápida em quem professa uma fé.
A fé pelo seu corpo
A ciência já decifrou certos efeitos fisiológicos da espiritualidade
no coração do brasileiro
As estimativas apontam que nove em cada
dez habitantes do nosso país acreditam em
Deus. Vivemos em uma nação altamente religiosa e marcada pelo sincretismo de
doutrinas. Um dos projetos do Gemca é
justamente entender como essa característica repercute na saúde cardiovascular. “Por
aqui, um sujeito católico se casa com uma
evangélica e toma passe no centro espírita. O brasileiro não só aceita melhor as
crenças dos outros como ainda costuma
acolhê-las”, avalia Borba. “É uma realidade única no planeta e que gera um foco
maravilhoso para pesquisas na nossa área.”
Mais do que compreender o elo entre esse
fenômeno e o coração de quem mora em
território nacional, o Gemca pretende estabelecer estudos para incrementar o papel da
espiritualidade na relação de médico e paciente. “Não é só com remédios e máquinas
que iremos combater a epidemia de doença
cardiovascular no Brasil. A espiritualidade
pode vir a ser uma importante ferramenta
nesse cenário”, aposta Borges. SISTEMA NERVOSO
Pessoas que creem em algo
maior e são altruístas tendem
a apresentar cargas extras de
neurotransmissores que
respondem pelo bem-estar.
IMUNIDADE
A espiritualidade potencializa
a ação das células de defesa,
reduzindo o risco de infecções
virais e bacterianas, além de
ajudar a enfrentar o câncer.
INFLAMAÇÃO
Estudos mostram que pessoas
religiosas possuem menos
moléculas inflamatórias
trafegando nos vasos, o que
afasta infartos, tumores...
CÓDIGO GENÉTICO
Ter e exercer a fé tornaria mais
vagaroso o processo de
encurtamento dos telômeros (as
extremidades dos cromossomos),
que leva ao envelhecimento.
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Quando a fé vem do outro
Um tema que ainda intriga os pesquisadores
é se (e quanto) funcionam as orações
a distância — isto é, se a reza ou os
pensamentos positivos de parentes ou
até desconhecidos ajudariam alguém a
convalescer de um problema. “Um estudo
com infartados recém-chegados à UTI
demonstrou que indivíduos contemplados
nas preces de um grupo tinham menos
complicações. Mas não se viu diferença
na taxa de mortalidade”, conta Fernando
Lucchese. Já uma revisão do Instituto
Cochrane em cima de dez estudos
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envolvendo quase 8 mil pessoas concluiu
que receber orações não traria benefícios
significativos frente a quaisquer doenças,
nem efeitos adversos. Apesar de render
controvérsias, há quem aposte que a
prática funciona — a despeito de quão
longe estão o emissor e o receptor. “Seria
uma interferência positiva, mas o paciente
precisa estar aberto a receber essa ajuda
e ele mesmo desenvolver sua fé”, analisa
Sissy Fontes. Mas como explicar o efeito
dessa prece a distância? Por enquanto,
as fichas recaem sobre a física quântica.
O aspecto terapêutico da fé se estende
ao front contra outros problemas de saúde.
Como a infecção por HIV, o vírus da aids.
Em um trabalho da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp) com 101 soropositivos,
aqueles que rezavam mais eram os mesmos
que apresentaram maior adesão ao tratamento antirretroviral. Isso é crucial para
impedir que o vírus arrase de vez o sistema
imunológico, deixando o paciente suscetível a uma série de complicações.
Na prática, o fenômeno foi escancarado em uma pesquisa da Universidade de
Miami: os cientistas americanos notaram
que pessoas acometidas pelo HIV dotadas
de sentimento de paz, fé em Deus e compaixão viviam mais. “A espiritualidade desperta esperança”, sentencia Sissy Fontes,
coordenadora do curso de especialização
em teorias e técnicas para cuidados integrativos da Unifesp. E uma visão otimista, por
sua vez, alavanca a imunidade.
Tudo a ver com outro mal que se aproveita de falhas em nossas defesas naturais,
o câncer. “Já temos experiências mostrando que estimular a espiritualidade está
associado a um aumento no número de
natural killers, unidades imunológicas que
atacam células tumorais”, conta Vasconcellos. É por essas e outras que os médicos
dos centros mais modernos de oncologia
enxergam a fé como complemento no plano de ação para superar o câncer.
Pesquisadores da Universidade de Milão, na Itália, reavaliaram estudos realizados lá dentro e observaram que trabalhar
as crenças do paciente tende a melhorar a
eficácia da quimio e da imunoterapia em
pessoas com tumores avançados. “A chance de sobreviver ou, ao menos, prolongar
a vida diante do câncer é definitivamente
maior em quem é espiritualizado”, afirma o
especialista em psico-oncologia Luiz Gonzaga Leite, chefe de Psicologia do Hospital
Santa Paula, na capital paulista.
Essa influência benévola, aliás, independe
de idade. O psicólogo Modesto Leite Rolim
Neto, da Universidade Federal do Cariri, no
Ceará, conduziu junto a outros profissionais
de saúde uma revisão sobre o papel da fé na
luta contra o câncer infantil. Pelos achados
fica claro que, no mínimo, a relação com o
transcendente traz conforto e confiança face
ao problema. “E esses são elementos que
contribuem para o tratamento, podendo
elevar os índices de sobrevivência”, observa
Rolim Neto. O estudioso elenca maneiras de
instigar o lado espiritual da criança paciente — algo também válido para familiares e
doentes adultos —, como criar uma atmosfera que facilite a sociabilidade e expressar
a crença por meio de músicas, rituais e histórias. Nesse sentido, mesmo se o indivíduo
não estiver enfermo, ainda seria bem-vindo
exercer a caridade e o altruísmo.
fé, vigilância e prevenção
Um dos pilares para vencer o câncer é o
diagnóstico precoce. E a religiosidade dá
um empurrão na hora de se submeter a
exames de rastreamento. Isso foi confirmado em um estudo populacional envolvendo 37 211 mulheres na Irlanda do Norte.
Aquelas crescidas em ambiente cristão ou
sectárias de uma igreja realizavam mais
mamografias e, portanto, se precaviam
melhor contra o câncer de mama. O biomédico e autor do mapeamento Dermot
O’Reilly, da Queen’s University Belfast, arrisca duas hipóteses para justificar o achado: “As pessoas religiosas costumam ter
casamentos bem-sucedidos, em que um
parceiro incentiva o outro a procurar o
sistema de saúde. E, como geralmente são
mais conservadoras, acabam seguindo boa
parte dos conjuntos de regras e recomendações, inclusive as médicas”. O professor
Esdras Vasconcellos completa: “Tendo espiritualidade, o indivíduo percebe que cuidar da alma implica cuidar do corpo”. O poder
do ritual
Não importa
sua crença: ao
que tudo indica,
participar de
cultos e encontros
religiosos é, de fato,
uma das fórmulas
mais eficazes
de reforçar a
espiritualidade
e colher suas
vantagens ao
corpo. A constatação
vem de um trabalho
da Universidade do
Texas, nos Estados
Unidos, com foco
em inúmeros ritos
brasileiros. Segundo
os autores, a
participação ativa
dá maior sensação
de controle sobre
os desafios da vida,
estejam eles ligados
à saúde ou não.
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Considerar as crenças
do paciente dentro
do consultório exige
que o profissional de
saúde esteja apto a
lidar com isso. É um
hábito que ainda é
exceção no Brasil e
que encontra certa
resistência da própria
classe médica. “Essa
visão é fruto da falta
de treinamento e
abordagem do tema
na universidade”,
avalia Harold Koenig.
De acordo com uma
pesquisa da Unifesp,
apenas 10% das
faculdades de
medicina nacionais
têm cursos
específicos sobre
espiritualidade e
bem-estar e 40%
tratam disso pelo
menos de forma
indireta no currículo
— nos Estados
Unidos, esse último
índice supera os 90%.
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“Há indícios de que a espiritualidade estimula a porção frontal do cérebro, que responde pela nossa capacidade de controle”,
comenta Moreira-Almeida.
DO LABORATÓRIO AO CONSULTÓRIO
Diante dessa abundância de dados, é natural
inferir que há uma correlação entre longevidade e vida espiritualizada. Mas ela está sendo comprovada até no aspecto molecular. A
atenção se volta agora aos telômeros, os pezinhos dos cromossomos. O encurtamento dessas estruturas é um dos mecanismos por trás
do envelhecimento. “Estamos examinando
isso em um estudo com 50 pessoas. Tudo leva
a crer que o envolvimento religioso desacelera
esse fenômeno por reduzir o estresse e ajudar
a lidar com doenças e traumas”, diz Koenig.
Dos genes às nossas atitudes, parece que
não há mais motivo para impedir a entrada
da espiritualidade dentro das clínicas e dos
hospitais do país. Só depende dos próprios
profissionais de saúde. “É uma pena que ainda existam tantos especialistas considerando
irrelevante esse assunto. Temos dados consistentes de que um médico mais sensível
às questões espirituais do paciente favorece
o seu tratamento”, analisa o psiquiatra Michael King, do University College London
Medical School, na Inglaterra.
Aliás, aquele artigo de Lucchese e Koenig
que levanta os benefícios cardiovasculares da fé encoraja os médicos brasileiros a
abordarem a história espiritual do paciente em pelo menos dois ou três minutos —
algo ainda incomum por aqui. “A ideia é
visualizar se a pessoa possui uma crença,
se a professa e a frequência com que faz
isso”, diz Lucchese. “Não se trata de prescrever oração como se fosse remédio, mas,
partindo de uma vontade ou do interesse
do paciente, procurar uma forma de usar a
espiritualidade a seu favor”, completa. A fé
não move montanhas, mas pode, sim, tirar
doenças do nosso caminho. O lado negro da força
produção: ina ramos / modelo: Luh quintans
Espiritualidade
na faculdade
Como o grau de espiritualidade dita o
jeito de ver o mundo e facilita a busca por
equilíbrio nos momentos difíceis, não é de
surpreender que os cientistas tenham encontrado um efeito antidepressivo na fé.
Ele foi verificado em uma pesquisa do neuropsiquiatra Alexander Moreira-Almeida,
da Universidade Federal de Juiz de Fora, em
Minas Gerais, englobando quase 2 mil moradores de uma região carente de São Paulo
— todos acima de 65 anos. Comparando
os participantes mais assíduos em espaços
religiosos com aqueles menos afeitos a essas situações, Moreira-Almeida notou que
os primeiros corriam um risco 50% menor
de desenvolver depressão.
“Pela nossa análise, esse resultado não
deve ser atribuído exclusivamente ao suporte social promovido por serviços religiosos”,
diz. E a neurociência? Arrisca uma explicação? “A religiosidade pode interferir, entre
outras coisas, na ativação de alguns sistemas
cerebrais, como os de serotonina e dopamina, neurotransmissores associados ao bem-estar”, responde Moreira-Almeida. Baixas
na oferta desses mensageiros químicos estão
mancomunadas com quadros depressivos.
Isso faria uma tremenda diferença até
mesmo para pessoas com antecedentes familiares do distúrbio — e que, por razões genéticas, estão mais propensas a ele. Na Universidade Columbia, nos Estados Unidos,
médicos entrevistaram filhos de pais deprimidos aos 10 anos de idade, dividindo-os em
religiosos ou não. Esses mesmos filhos foram
ouvidos novamente aos 20 anos. Eis a descoberta: os voluntários que relataram seguir
uma religião na infância se tornaram adultos
mais protegidos contra a tristeza profunda. A
probabilidade de apresentar o problema foi
dez vezes menor em relação aos colegas que
não iam a igrejas, templos, sinagogas...
A educação religiosa desde a infância
também resguardaria os jovens de caírem
na tentação de usar e abusar das drogas.
A religiosidade, por outro lado, pode,
sim, atrapalhar o estado de saúde e a
recuperação em uma doença. Isso acontece,
em geral, por três razões. Primeiro: encarar
os problemas apenas como castigos divinos,
o que abala a expectativa de melhora.
Segundo: algumas religiões têm regras
mais duras, capazes de gerar estresse. Não
à toa, doutrinas punitivas ou fanáticas já
estão associadas a um aumento da pressão
arterial. Terceiro: ter uma atitude passiva
e largar tudo nas mãos de um ser superior,
negligenciando inclusive as prescrições
médicas. “Espiritualidade e tratamento
convencional devem sempre andar juntos”,
ressalta o psicólogo Esdras Vasconcellos.
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