Número: 39 Título: De dentro para dentro da ilha de Timor Autor

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Número: 39 Título: De dentro para dentro da ilha de Timor Autor
Número: 39
Título: De dentro para dentro da ilha de Timor
Autor@: Teresa Cunha
Data: Set 2005
Palavras-Chave: Timor-Leste, Deslocações Forçadas, Relações Internacionais, Migrações
Referência(s): www.ajpaz.org.pt/agitancos.htm
Acção para a Justiça e Paz (AJPaz)
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Teresa Cunha
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ÍNDICE
Introdução ........................................................................................ 3
1- As deslocações forçadas: uma forma particular de se mover e de migrar ........ 4
2- Refugiadas/os e Pessoas Deslocadas Internamente.................................... 6
2.1- Algumas definições às vezes úteis e outras vezes inúteis ......................... 6
3- O caso de Timor Leste ...................................................................... 7
3.1- Os quatro momentos de intensa mobilidade interna na história recente de
Timor Leste. ...................................................................................... 8
3.2- O retorno a Timor Leste ................................................................ 14
Conclusão ........................................................................................ 18
Referências Bibliográficas .................................................................... 19
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DE DENTRO PARA DENTRO
DA ILHA DE TIMOR
Introdução
As comunidades humanas, as sociedades humanas são migrantes. Esta afirmação é sustentada pelas permanente evidências que diversas disciplinas do conhecimento nos fornecem
sobre os permanentes fluxos de pessoas, movendo-se entre territórios, de forma constante
mas nem sempre regular. A procura de lugares mais seguros - o medo da violência ou de
catástrofes naturais - ou mais férteis - para combater a fome ou a escassez de alimentos e
de água - ou a vontade de ir mais longe, ver o que ainda não tinha sido visto, podem ser
apontadas como razões primárias destes movimentos. No entanto, a vontade de expansão
comercial ou da fé e a guerra pelo domínio de maiores riquezas, podem ser outros motivos
que levam pessoas, famílias e comunidades a deslocarem-se e a transformarem as paisagens
societais e naturais dos lugares de origem e dos lugares de chegada. O que parece ser consensual é que estes fluxos migratórios nunca são fenómenos de soma zero porque acrescentam sempre alguma diversificação, alguma diferenciação ao estado das coisas quer à partida, durante a passagem e à chegada. Destes encontros e desencontros vai sendo escrita a
história da humanidade. As migrações humanas podem ser entendidas como acontecimentos
estruturantes dos grupos sociais e instituições que se estendem ao longo de gerações. As/os
migrantes deixando os seus lugares de origem e entrando noutros territórios, introduzem
mudanças, reforçam fenómenos tais como: a demografia, as trocas étnicas e linguísticas, os
usos costumes, práticas religiosas, conhecimentos, o comércio, as tecnologias, etc, e trazem à luz duplas pertenças, diferentes significados de origem, de afiliação e também de
exclusão
Esta constante humana que são os fluxos migratórios, é relevante porque nessa regularidade encontramos diferentes padrões, ritmos, motivações e razões para que eles ocorram. As
migrações humanas são sempre fenómenos complexos. Não basta determinar o contexto
histórico, social ou económico. De razões e vontades individuais a problemas estruturais, de
movimentos induzidos ou forçados a práticas voluntárias de mobilidade, as migrações assumem componentes interdisciplinares para poderem ser entendidas de maneira mais compreensiva. Razões micro e macro entrecruzam-se. É por isso mais útil considerar que motivos ou propósitos individuais ou condições exógenas que forçam, facilitam, obrigam, induzem às migrações humanas, ambos são igualmente pertinentes e relevantes para compreender melhor sociologicamente os fenómenos das migrações. As migrações são genuinamente uma tarefa interdisciplinar não se podendo de facto, construir uma única e unificada
teoria com um paradigma e uma metodologia particulares As migrações humanas têm que
recorrer de forma articulada e constante a conhecimentos diferenciados.
Assim as migrações humanas atravessam as fronteiras das disciplinas como atravessam as
fronteiras físicas dos Estados e usam o tempo biográfico e individual assim como o tempo
histórico, de forma complexa, rompendo com a lógica linear do tempo meramente cronológico.
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As migrações internacionais são vistas muitas vezes como uma potencial ameaça à soberania nacional porque elas não respeitam as fronteiras desenhadas pelos estados modernos
saídos de Vestefália (1648) e que vigoram física e simbolicamente mesmo hoje, em pleno
tempo de crise do modelo do estado-nação.
Neste modelo vigoram estados soberanos que coexistem com outros estados soberanos num
sistema de relações inter-estatais sendo por isso a unidade privilegiada de regulação social,
o tempo-espaço nacional (SANTOS, 2002: 9). Em plena era de globalizações será útil perguntar se essa unidade de avaliação e de compreensão das sociedades humanas, permanece
pertinente e se a regulação social, também das migrações, pode ser vista e entendida apenas, à luz do velho modelo vestefaliano. O migrante foi sempre visto como o «Outro» do
estado-nação, que pode ameaçar o mito cultural da homogeneidade e da identidade nacional. Numa contradição aparente, em época da globalização, os Estados acolhem com satisfação fluxos de capital, comércio e tecnologia mas parecem rejeitar os fluxos de pessoas
que afinal estão, muitas vezes, associados a estes outros movimentos (financeiros, tecnológicos, etc); Novas tecnologias de transporte e comunicação permitem a emergência de
comunidades transnacionais e facilita a proliferação de pessoas de múltiplas identidades e
de duplas ou múltiplas cidadanias (IOM, 1999:2). Porém as migrações mais uma vez vêm
desafiar a nossa capacidade de não ceder à tentação de simplificação e à mera descrição
fenomenológica das migrações contemporâneas.
Hoje as nossas sociedades são marcadas pelo incremento das desigualdades geoeconómicas, pela intensificação de processos de globalização económica e pela construção
de blocos económicos e políticos excludentes. O estado-providênica procede a uma autodesregulação para se comportar como um agente económico em busca de vantagens competitivas nos mercados globais (BAGANHA, 2001: 139). Perdendo a sua função equalizadora a
exclusão de indivíduos e grupos processa-se de forma acelerada e alastra-se no interior dos
Estados independentemente do seu nível de riqueza e de desenvolvimento. Assim, a integração na ordem global e o acesso e usufruto de direitos de cidadania plena, que incluam
não sós os direitos civis e políticos mas também os direitos sociais, culturais e económicos
torna-se numa busca, numa luta na qual as migrações representam um aspecto primordial.
No entanto estes desequilíbrios dentro e entre os estados-nação e apesar deste aparente
esborratamento (Bauböck, 1999:24) das capacidades e competências dos Estados em regular as suas sociedades nacionais, as fronteiras são mecanismos primordiais de manutenção
das desigualdades entre as nações. O controlo das fronteiras representa a linha crítica de
divisão entre o mundo desenvolvido do centro e a periferia económica crescentemente
subordinada.
A multidimensionalidade dos fenómenos migratórios é essencial, combinando factores micro
e macro, mostrando como políticas concretas afectam, frustram ou induzem largos e significativos movimentos de pessoas. No lastro desta consideração temos que incluir a questão
das migrações forçadas, como sejam as pessoas que procuram asilo fora do seu país ou se
deslocam em busca de segurança num clima de guerra ou são forçadas a fazê-lo, pelas partes em conflito. Sabe-se hoje que as transformações sociais que ocorreram com a descolonização e a formação de novos estados em regiões do globo, dominadas durante séculos por
potências coloniais europeias, fizeram surgir novos fenómenos migratórios que colocam
novas questões, sugerem outras explicações e questionam de outro modo, as fronteiras
herdadas pelos impérios coloniais.
1- As deslocações forçadas: uma forma particular de se mover e de migrar
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A combinação entre esta re-estruturação político territorial que é gerada no pós II Guerra
Mundial e o aprofundamento das desigualdades económicas e de acesso a bens e direitos
que os fenómenos da globalização têm vindo a aprofundar, parece ser um bom instrumento
de análise para este fenómeno de migrações forçadas. As novas mobilidades forçadas são
em extensão, qualidade e impacto diferentes relativamente ao que se conhecia, nomeadamente das migrações forçadas pelas guerras convencionais (entre Estados), tráfico de
escravos ou guerras de carácter expansionista clássico (cruzadas, a conquista das américas
e o genocídio das nações indígenas ameríndias).
Só na segunda metade do século XX se começou a considerar como um acontecimento digno
de atenção normativa e institucional à escala mundial, e como fenómeno estrutural do nosso tempo, a procura de asilo ou a procura de refúgio por parte de importantes massas populacionais. Uma das provas da atenção, pode dizer-se, prestada pela comunidade internacional a este problema é a Convenção sobre o Estatuto de Refugiados de 1951 como normativo
internacional de protecção às pessoas que «com razão fundada temem ser perseguidas por
motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a um grupo social particular ou pela sua
opinião política». Refugiadas/os são, então pessoas que abandonam os seus países para salvarem a vida, enquanto os emigrantes o fazem para melhorar as suas condições económicas. Porém esta distinção torna-se ambígua se pensarmos que muitas destas pessoas
(migrantes e refugiados) abandonam os seus lugares de origem fugindo da pobreza e da
insegurança provocadas pelos sistemas políticos dos seus estados, dos conflitos regionais,
guerras civis e das suas consequências directas: fome, falta de meios de produção, de rendimento regular de subsistência, insegurança permanente.
No seio deste debate sobre as fronteiras entre as/os que buscam essencialmente melhorar a
sua vida ou os seus meios de vida e aquelas/es que procuram salvar a sua vida, os fluxos
migratórios vão-se processando e reorganizando as sociedades, colocando questões de fundo aos instrumentos de protecção, de inclusão e de acesso a direitos e ao exercício de responsabilidades dos países afluentes e dos países de origem; Remapeia as relações internacionais e critica profundamente o sistema neo-liberal, que não só cria como aprofunda as
desigualdades potenciadoras de todos os riscos. Neste ambiente de apreensão dos estados,
por julgarem ter de agir severamente para obter o controlo das suas populações e fronteiras, garantir os direitos de cidadania aos seus nacionais e, ao mesmo tempo, as diferentes
formas de globalização fazem emergir novas condições, por vezes trágicas de mobilidade:
milhões de pessoas desprovidas de todos os meios de salvaguarda pessoal e colectiva forçam fronteiras e movem-se dentro de territórios mais ou menos amplos, fugindo à possibilidade de uma morte mais ou menos imediata.
Segundo Gerry Van Kessel (KESSEL, 2001:10-13) se, em 1965 65 milhões de pessoas viviam
fora do seu país de origem e da sua residência normal por longos períodos de tempo, em
2000 a estimativa era de 150 milhões. Algumas destas pessoas tem um estatuto legal nos
países de acolhimento mas a maioria permanece de forma irregular e tenta por todos os
meios, legalizar a sua situação. Destes 150 milhões, cerca de 21 milhões de pessoas são
classificadas pelas Nações Unidas como sendo Refugiadas/os e metade destas, Pessoas Deslocadas Internamente. A maioria destas pessoas movem-se e permanecem na região onde
nasceram mas as opções de se movimentarem para fora destas regiões donde são originárias
aumentam e com elas, as pressões dos estados para as impedirem de ir mais longe, como
por exemplo, legislações mais restritivas para a obtenção de asilo, mais policiamento e
mais controlo fronteiriço. No entanto todos esses esforços nem sempre resultam na contenção e muito menos na resolução, dos problemas destes milhões de pessoas.
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2- Refugiadas/os e Pessoas Deslocadas Internamente
Guy S. Goodwin-Gill (GOODWIN-GILL, G.,2001: 14-16) afirma que a comunidade internacional desenvolveu um regime com um conteúdo legal forte, baseado numa concepção densa
do valor do ser humano no que diz respeito à sua dignidade e integridade. Ele afirma ainda
que este conceito funcionou bem até metade dos anos 80. O pós guerra fria trouxe novas
obrigações e novos papeis institucionais. Os direitos humanos das pessoas que se movimentam são percebidos como menos importantes e os governos e as organizações falham frequentemente no que diz respeito às respostas aos novos problemas causados por novos contextos e tomam muitas vezes posições tácticas incoerentes com os princípios que presidiram à construção dos normativos internacionais a que aderiram e subscreveram voluntariamente.
2.1- Algumas definições às vezes úteis e outras vezes inúteis
No entanto, continuamos a operar com algumas das definições que nestes últimos cinquenta
anos, os estudos e as experiências acumuladas produziram; diferentes definições de Migrante, Refugiada/o e Deslocadaa/o Internamente ajudam a compreender o esforço e a necessidade de criar elementos de avaliação da situação dos diferentes grupos em movimento,
da protecção a conferir-lhes e da compreensão global destes fluxos. Estes conceitos parecem algumas vezes inúteis, pela complexidade acrescida do nosso tempo «global», no qual
disjunções sucessivas desconstroem os quadros de análise, fazendo emergir novas realidades, faces ocultas dos fenómenos que observamos. Porém, as definições encontradas também podem ter a virtude de balizar, numa primeira instância, algumas ideias necessárias
para prosseguir; prosseguir na compreensão, na crítica e na construção de novos paradigmas. Não é objectivo fazê-lo aqui. Estas definições serão contudo úteis para tentar, mais
adiante, organizar um pensamento compreensivo sobre os movimentos de pessoas em Timor
Leste nos últimos vinte e oito anos e pensar criticamente as respostas encontradas localmente e internacionalmente, para além dos desafios que permanecem em aberto.
A partir de um documento intitulado «Internally Displaced Persons: The role of the United
Nations High Commissioner for Refugees» que está à disposição na sítio das ONU, uma bateria de perguntas e respostas pode-nos ajudar a encontrar algumas ideias úteis para o que se
segue.
Pessoas Deslocadas Internamente, quem são? Segundo este sítio definem-se assim:
São as pessoas ou grupos de pessoas que foram constrangidas a fugir dos seus lugares de
residência a fim de escapar a um conflito armado, à violência, a violações dos direitos
humanos, a catástrofes naturais ou provocadas pela acção humana.
Esta definição traz consigo uma ligação entre conflito-violência e violação dos direitos
humanos. Esta ligação longe de ser inocente, ela cria uma brecha importante no direito e
legitimidade do monopólio do exercício da violência (traço essencial à noção moderna de
Estado) e desloca o eixo dessa legitimidade para um normativo internacional que se supõe
universal e indivisível. É importante reter esta ideia.
O texto prossegue referindo as diferenças entre Refugiadas/os e PDIi:
As pessoas deslocadas e as pessoas refugiadas foram desenraizadas muitas vezes, por
razões similares. No entanto, no plano internacional fala-se de refugiadas/os quando se
trata de civis que atravessaram uma fronteira à procura de asilo num outro país enquanto
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que o termo deslocadas/os se aplica àquelas/es que por uma razão ou outra permanecem
dentro do seu próprio país.
Em geral, as/os refugiadas/os são acolhidas/os num país que lhes oferece abrigo, alimentação e segurança. Estas pessoas são protegidas por um conjunto de leis e de convenções
internacionais bem definidas. Neste quadro legislativo o Alto Comissariado das Nações Unidas para as/os Refugiadas/os, assim como outras organizações humanitárias trabalham
concertadamente para ajudar estas/os refugiadas/os a começar uma nova vida num país
novo ou voltar a casa logo que isso seja possível.
Hás duas coisas ou ideias que deveremos reter destas definições. A primeira é que o conjunto de leis de protecção das pessoas que atravessam as fronteiras à procura de refúgio é
de carácter internacional, logo, o destino destas pessoas é percebido como um assunto e
uma missão da «comunidade internacional». A segunda ideia é que estes normativos não se
aplicam plenamente às PDI, prevalecendo uma ideia de integridade territorial e de soberania no interior das fronteiras, onde nenhuma intervenção transnacional, encontra legitimidade fora dos normativos nacionais.
Contudo a dimensão do problema é de tal forma grave que algumas medidas têm sido
desenvolvidas, mas sempre num quadro de cautelosa relação com a noção de soberania
nacional sobre um território, uma população e sobre o legítimo uso da força. Podemos
deduzir isto mesmo da resposta dada à pergunta sobre o a posição do Alto Comissariado das
Nações Unidas no que respeita às PDI:
Estas pessoas receberam pouco apoio no passado. O Comité Internacional da Cruz Vermelha
que é o garante da Convenção de Genebra, tem estado activo neste domínio durante as
últimas décadas. O Representante Especial para as PDI elaborou um documento «Princípios
directores relativos ao deslocamento de pessoas no interior do seu próprio país», com 30
recomendaçõesii para a protecção das pessoas deslocadas.
Mais adiante continua dizendo que o Alto Comissariado para os Refugiados participou em
operações de ajuda, unicamente quando o Secretário Geral ou uma outra autoridade das
Nações Unidas o solicitou num quadro de acordo explícito dos respectivos países.
Apesar dos argumentos a favor de que a «Carta de Princípios» traz consigo a evidência de
diferentes e múltiplos corpos normativos internacionais que podem ser usados para a protecção das pessoas deslocadas, na verdade, ainda não foi criado um conjunto de procedimentos e instituições que tendam a proteger e a intervir, dentro de um quadro nacional de
soberania, as vítimas impossibilitadas de aceder sequer ao estatuto de refugiadas/os.
A este respeito, como já foi dito atrás, a globalização, ao contrário do que aparentemente
se mostra como sendo a progressiva porosidade e permeabilidade das fronteiras nacionais e
o enfraquecimento do papel regulatório dos Estados, o reforço da ideia de territorialidade e
da soberania estatal sobre ele, é fundamental e é uma das armas que cada Estado usa de
forma estratégica para o controlo político dos seus interesses, muitas vezes à custa das
vidas das suas próprias populações.
Como veremos adiante, no caso de Timor Leste, a reivindicação permanente por parte da
Indonésia da inviolabilidade das fronteiras e da integridade territorial da República, permitiu (e ainda permite) toda uma série de abusos e práticas de terror, às quais, as populações
alvo não podiam, em última instância fugir.
3- O caso de Timor Leste
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3.1- Os quatro momentos de intensa mobilidade interna na história recente de Timor
Leste.
Identifico quatro momentos na história recente de Timor Leste em que se assiste a importantes movimentos forçados de pessoas, sobretudo no interior da ilha:
- A invasão indonésia e a fuga em massa das populações para as montanhas em 1975;
- A rendição em 1978 e a colocação das populações em centros de realojamento
- As deslocações forçadas pela acção das milícias pró regime indonésio entre 1998 e 30 - de
Agosto de 1999
As deportações em massa após o anúncio dos resultados do referendo a 4 de Setembro de
1999
Procurarei na medida do possível e, baseada nas fontes disponíveis, caracterizar brevemente o contexto de cada uma destas deslocações, quantificá-las e identificar características e
impactos.
3.1.1- A invasão indonésia e a fuga em massa das populações para as montanhas em
1975
Como é sabido, após a invasão de Timor Leste pelas Forças Armadas da Indonésia a 7 de
Dezembro de 1975, o território foi completamente fechado ao exterior, incluindo às agências humanitárias como a Cruz Vermelha Internacional, permanecendo assim até 1989.
Durante este período de tempo foi extremamente difícil de conseguir informação credível
sobre a situação dentro do território de Timor Leste. Através do cruzamento de vários testemunhos que foram sendo tornados públicos, assim como alguns documentos, sabemos que
logo após a invasão, cerca de 80% da população de Timor Leste foge das suas aldeias, vilas
e cidades e se refugia nas montanhas, procurando aí segurança e meios de subsistência.
A população timorense que era estimada pelas autoridades portuguesas em 650 000 pessoas
em 1974 (MAGALHÃES, 1983:76), cerca de 500 mil estavam fora do controlo militar indonésio segundo um relatório de padres indonésios de 1976, citado em Timor Leste: Terra de
Esperança (MAGALHÃES, 1990:47)
80% do território de Timor Leste está controlado pela FRETILIN (...) que comanda toda a
resistência do povo de Timor contra a Indonésia. O total de vilas e aldeias ocupadas pelas
tropas indonésias ronda as 150 mil pessoas, num total de 650 000 habitantes. O que significa que 500 000 pessoas estão fora do seu controle.
No mesmo livro, na página 64, o autor refere que a população se refugia nas montanhas,
sob protecção das FALINTIL num território com fronteiras bem delimitadas e descreve da
seguinte maneira o quotidiano desse período (1975 a 1977):
Para o interior das referidas linhas delimitadas, onde as FALINTIL – forças armadas
da FRETILIN- travam o avanço do invasor, a vida prossegue quase normalmente: - a população cultiva as suas hortas e cuida do gado, as escolas funcionam, e até um grande «congresso» de curandeiros (“matandocs”) se realiza.
Confirmando este deslocamento maciço de pessoas, Xanana Gusmão diz (GUSMÃO, 1994:58)
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Desejamos essencialmente referir a genuína reacção do Povo Maubere ao brutal e vergonhoso acto de invasão. As populações não foram por ninguém obrigadas a recuar para as
montanhas; foi pois a consciência patriótica de todo um Povo! Após dois anos de recusa,
demonstrada pela resistência popular generalizada, o território foi fustigado com maciços
bombardeamentos diários em apoio às assassinas campanhas de destruição que permitiram
aos 40 batalhões indonésios (...) o total controlo sobre a população. O Povo Maubere, subjugado na sua fraqueza, aceitou a rendição ao invasor que o matava com armas, com a
fome e com a doença.
Apesar da aparente normalidade que se vivia no alto das montanhas, para onde recuaram
cerca de 500 mil pessoas em 1975 e onde viveram até 1977/78, a situação destas populações era precária; rodeados pelos militares indonésios, não tinham formas regulares e suficientes de se reabastecer, cultivar, comunicar e praticar as actividades normais sociais e
económicas. Ao mesmo tempo as suas casas foram sendo destruídas sistematicamente e os
bens deixados durante a fuga, pilhados pelos militares. Familiares presos, torturados e mortos. Milhares de desaparecidos.
É hoje consensual que nestes primeiros anos de ocupação, para além dos danos causados
pelas deslocações forçadas, a destruição e roubo de bens e a profunda vulnerabilização das
infrfa-estruturas produtivas, a repressão e a guerra, morreram cerca de 200 mil pessoas,
um terço da população. A tragédia humana e política, no final dos anos 70, em Timor Leste,
era imensa.
3.1.2.- A «Operasi Seroja», a operação de cerco e aniquilamento de 1979: os centros de
realojamento
A «Operasi Seroja», ou seja a operação de ‘cerco e aniquilamento’ começada em 1978 pelo
general Benny Murdani resulta na rendição de quase toda a população fugida para as montanhas e que se debatia com os bombardeamentos diários e a fome provocada pela destruição das suas hortas e redes de transporte e troca.
O regresso das populações às aldeias, vilas e cidades não foi pacífico e a política militar
indonésia procedeu à separação sistemática das famílias colocando-as em «centros de realojamento» e impedindo-as de regressar aos seus lugares de origem. Não obtive quase
nenhum dado sobre esse período a não ser excertos de testemunhos publicados nas obras já
citadas.
Entre 7 e 9 de Setembro de 1978, ao fim de quase três anos de guerra a Indonésia permite
finalmente que alguns jornalistas façam uma curta visita a Timor Leste. Estes ficam chocados com a fome e a elevada taxa de mortalidade nos ‘centros de realojamento’ onde as
forças indonésias concentram as populações timorenses que se entregam (MAGALHÃES,
1990, 66).
O testemunho de uma freira é eloquente sobre o método de «realojamento»:
O problema tem-se complicado porque muita população foi reinstalada nos vales, longe dos
campos nas encostas. No distrito de Baucau, por exemplo, 61 000 das 74 000 pessoas do
distrito vivem agora concentradas à volta da cidade de Baucau. (...) Mais de 50% das pessoas têm falta de alimentos. (MAGALHÃES, 1983:78)
Numa reportagem feita por Rod Nordland e reproduzida na obra (MAGALHÃES, 1983, pág 81)
ele cita o Coronel Kalangie, comandante das tropas indonésias em Timor Leste em 1982 que
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dizia sentir-se entusiasmado com a política de «reinstalação» das populações em 150 centros, com mais 50 planeados para o fim do ano.
Sem conhecer os números exactos ou mesmo aproximados deste fluxo de «reinstalação»
forçada, na verdade ele era perfeitamente visível em 1999 aquando da minha primeira
estada em Timor Leste: centenas de aldeias de «realojamento» construídas naquela altura,
continuavam a existir. As casas de bambu e palmeira, alinhadas ao longo de um só eixo,
vigiadas por um posto militar estrategicamente colocado e com as vias de entrada e saída
obstruídas por pedras enormes ou ‘bidons’ cheios de alcatrão.
Está ainda muito presente na memória dos timorenses, esse tempo de rendição e das condições de vida humilhantes que impôs a quase toda a gente. Tal é a percepção que se capta
pelos testemunhos dos timores:
As pessoas da ilha de Ataúro são reféns de outra espécie. Milhares de timorenses estão prisioneiros na ilha a cerca de 15 quilómetros a norte de Dili, e as autoridades indonésias
anunciaram a intenção de os manter reféns até que todas as guerrilhas da FRETILIN se rendam (MAGALHÃES, 1983: 81).
3.1.3- Dos wanra às milícias populares: as deslocações de 1998 a Setembro de 1999
Em 1998 há notícia de violência exercida sobre as populações por tropas de recrutamento
local sob a designação de «wanra». Embora colocados nesta categoria, estes 1200 homens
pertencem a grupos paramilitares conhecidos pelos nomes de «Tim Saka», «Tim Alfa», «Tim
Makikit», «Tim Halilintar», etc e estão sob o comando directo das tropas de elite, as Kopassus (Observatório de Timor Leste, 1999 FA04). Os militares indonésios criaram 13 grupos
destes, cada um com «responsabilidades» operacionais em cada um dos 13 distritos de
Timor Leste.
Sendo a fonte a BBC, no Observatório Timor Leste de 17 de Fevereiro de 1999 pode ler-se
um trecho, em que o bispo Belo diz:
Nunca tivemos isso das pessoas da guerrilha. Eles (os paramilitares) entraram na aldeia e o
resultado foram seis mil pessoas que procuraram refúgio perto da paróquia (...) 6132 pessoas de Zumalai abandonaram a sua aldeia e procuraram refúgio junto da paróquia.
No mesmo documento pode ainda ler-se que desde Novembro de 1998, milhares de pessoas
fogem das suas aldeias e procuram protecção nas igrejas ou nas cidades mais importantes.
Na parte ocidental da ilha a violência e as fugas são assinaladas como sendo mais frequentes. Ainaro, Liquiçá, Suai e Balibó são palco de violência seguida de fuga e procura de refúgio. Os testemunhos referem milhares de refugiados que procuram segurança nas cidades
mais importantes, Os testemunhos dos refugiados assinalam a participação de milícias civis
junto dos militares (Observatório de Timor Leste, 1999 NEG03).
No dia 17 de Abril de 1999, milícias armadas entram em casa de Manuel Carrascalão, um
dos líderes Timorenses, onde se refugiavam 120 pessoas e matam um número indeterminado de pessoas incluindo o filho mais novo de Manuel Carrascalão. Já a seis de Abril do mesmo ano, 60 civis tinham-se refugiado na igreja de Liquiçá e foram massacrados pelas milícias locais.
Em resumo, não se sabe exactamente quantas pessoas foram deslocadas internamente no período decorrido entre Outubro de 1998 e fins de Agosto de 1999 em resultado da
violência que as milícias espalhavam por todo o país. Algumas organizações internacionais,
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incluindo a UNAMET,iii recolheram alguns testemunhos e alguns dados que nos permitem ter
uma ideia aproximada do problema e da crescente massa de pessoas deslocadas internamente. Com base no argumento de soberania territorial e do direito à não ingerência e dificultando a actuação dos media e das ONG para diminuir a possibilidade da pressão da opinião publica internacional, milhares de pessoas foram empurradas para fora dos seus lugares de residência, muitas sendo mortas e outras obrigadas a viver em condições de extrema
vulnerabilidade e insegurança por períodos longos, sem testemunhas credíveis. O impacto
destas deslocações está por ser devidamente avaliado uma vez que foi seguido imediatamente por um outro que voltou a forçar novos movimentos dentro e para fora de Timor Leste.
Os factos com certeza apurados quanto a este período podem ser resumidos da seguinte
maneira (Observatório de Timor Leste,1999 SE03):
Ano
Mês
1998 Outubro
Nº de pessoas ou
famílias
300 famílias
Origem
Destino
Ueberek
Desconhecido
Razões da
fuga
Acção das
Alas
TNIiv
Acção das TNI
1998 Novembro
140 pessoas
1998 Novembro
1998 Dezembro
1999 Janeiro
100 pessoas
2000 pessoas
6000 (?)
Turiscai
Calicao
Zumalai
Dili
Maliana
Suai
1999 Janeiro
10 000 (?)
Liquiça
Desconhecido
Acção das TNI
Acção das TNI
Acção das
milícias
Acção das
milícias
No entanto, a «Comissão Nacional contra a Violência contra a Mulher» da Indonésia afirma
ao Indonesian Observer em 4/7/99, que visitou alguns dos campos de refugiados em Timor
Leste e estima que só nesses, deveriam estar 35 000 pessoas, das quais 98% são mulheres e
crianças. Em 29 de Maio de 99 a Caritas através da ONG internacional Tapol, diz estimar em
44 388 o número de deslocados internos em Timor Leste. Em Julho do mesmo ano a Caritas
regista 85 231 refugiados (quase o dobro do número calculado em Maio!) continuando a não
se ter qualquer certeza sobre o exacto número total. É o próprio Ian Martin, Chefe da Missão das Nações Unidas no território que diz que há zonas do território de Timor Leste onde
as ONG’s não são «autorizadas» a entrar e a prestar auxílio. As autoridades indonésias
argumentam que não podem prender as pessoas só porque são pró-integração e também
porque não têm prova dos crimes alegadamente cometidos por essas milícias.
Kofi Annan reconhece que o problema dos refugiados internos em Timor Leste é muito sério
e que um número considerável de potenciais eleitores foi deslocado do seu lugar de residência e que estão sob o controlo das milícias que têm intenção de obrigá-las a mudar de
opinião política quanto à opção a tomar durante o referendo. (Reuters, United Nations,
22/07/99)
O Observatório Timor Leste conclui que os refugiados em Timor Leste em Julho de 1999 são
de dois tipos:
- Os que fogem e conseguem (ou não) escapar à violência das milícias
- Os que são forçados a deslocarem-se até campos controlados pelas milícias.
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O Observatório diz ainda que nem a presença das Nações Unidas fez diminuir a violência e
as deslocações nem criou as condições (total desarmamento das milícias e controlo da violência) para que as populações em fuga, retornassem aos seus lugares de origem.
Temendo-se que estas deslocações internas fossem mais do uma violação do Acordo de 5 de
Maio que estabelecia que à Indonésia caberia manter um clima pacífico e de segurança
durante todo o processo que conduziria à Consulta Popular, isto é, que estas deslocações
forçadas de população fossem o sinal evidente da incapacidade da comunidade internacional através da ONU, de tornar eficazes as suas resoluções: A salvaguarda de todo o processo
eleitoral, a protecção humanitária e legal das pessoas deslocadas, enfim os direitos humanos individuais e o cumprimento das normas internacionais de segurança colectiva. Acrescia
a preocupação de estes movimentos se tornarem em actos impunes e que colocassem em
risco toda a operação que conduziria à autodeterminação, conforme os direitos adquiridos
pelos Povos na Carta das nações Unidas.
Em qualquer caso, o ACNUR estima que em 30 de Agosto de 1999, 40 mil pessoas estavam
deslocadas internamente e que outras 25 000 tinham sido forçadas a atravessar a fronteira
para Timor Ocidental.
A constatação de que a maioria destas pessoas eram crianças e mulheres pode-nos levar a
pensar em dois conjuntos de problemas. O primeiro é a possibilidade de os homens das
famílias destas mulheres terem sido «recrutados à força» para as milícias, ou faziam voluntariamente parte delas. Há testemunhos que referem que esse recrutamento era feito e
que em caso de resistência, os homens eram abatidos. O segundo problema que levanta
este perfil dos grupos de deslocadas/os é a extrema vulnerabilização das mulheres e crianças, sem meios de defesa e de sustento, ficando sujeitas a toda a espécie de sevícias. Há
testemunhos directos e indirectos de casos de abuso sexual sistemático, rapto e trabalho
escravo para os «chefes» das milícias.
3.1.4- As deslocações forçadas após 4 de Setembro de 1999: medo, insegurança, pobreza,
fome, pouca informação e ameaças.
A violência não parou durante os dias que seguiram ao referendo, durante a contagem dos
votos. Era visível a partir de Dili, os movimentos de pessoas que subiam as montanhas que
rodeiam a cidade na tentativa de procurar abrigo longe da cidade. Eu própria testemunhei
esse facto. As notícias de um plano de destruição total do territóriov se os resultados não
conviessem ao regime indonésio, ganhavam cada vez mais consistência. No dia 4 de Setembro, na sequência do anúncio dos resultados do referendo de 30 de Agosto de 1999, as milícias começaram de imediato a percorrer as ruas por todas as aldeias, vilas e cidades do país
e, um ambiente de conflito generalizado espalhou-se.
A população começou desesperadamente a procurar refúgio nas igrejas, na sede da Missão
das Nações Unidas (UNAMET, na Cruz Vermelha Internacional e nas montanhas.
O Alto Comissariado para os Direitos Humanos no dia 17 de Setembro de 1999 afirma que
«há relatórios de 120 000 a 200 000 pessoas deslocadas à força (cerca de um quinto da
população total). As deslocações da população tem muitas vezes tomado a forma de expulsões forçadas. Houve casos em que a população foi cercada e deportada.»
Até 20 de Setembro o governo da Indonésia registou 190 818 pessoas deslocadas em 31
campos em Timor Ocidental e em ilhas próximas, nomeadamente Alor, Bali, Flores, Irian
Jaya e Molucas. Esses campos tinham começado a ser construídos semanas antes da consul-
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ta popular segundo o Alto Comissariado para os Direitos Humanos o que reforça a tese de
que estas deslocações forçadas em massa, tinham sido planeadas ao detalhe.
O ambiente nos campos é de total intimidação. Há listas de nomes e informações detalhadas sobre pessoas a procurar e uma vez encontradas são levadas e nunca mais são vistas.
Mais uma vez a maioria das pessoas que estão nos campos são mulheres, crianças e homens
velhos. O ACNUR tenta entrar nos campos de refugiados do lado ocidental da ilha de Timor
e os seus funcionários são atacados assim como membros de outras organizações humanitárias. Segundo o Alto Comissariado para os Direitos Humanos os elementos do ACNUR e de
outras organizações humanitárias testemunham que são os militares indonésios e a polícia
que os impedem de entrar.
Para além das cerca de 200 000 pessoas deslocadas para Timor Ocidental (algumas tendo
sido re-colocadas em ilhas da região), há notícia de que mais outras 200 000 se refugiaram
nas montanhas de todo o Timor Leste. Assim, se considerarmos os números do recenseamento efectuado em Junho e Julho de 1999 pela UNAMET e que apurou 433.576 pessoas
maiores de 17 anos, e considerando que o número de pessoas com menos de 15 anos era de
41%(PNUD, 2002:13), então o total de pessoas deslocadas nas primeiras três semanas de
Setembro de 1999, é pelo menos de 50%.
No dia 2 de Novembro, o Observatório de Timor Leste publica a seguinte informação:
A Comissão Nacional [indonésia] para a protecção das crianças – KOMNAS-PA que cita o
Departamento Regional de Saúde da província de Nusa Tenggara Timur (NTT) declara que
foram registados até 19 de Outubro 265.933 habitantes de Timor Leste (53.793 famílias)
refugiados na parte ocidental da ilha e nas ilhas vizinhas. (Jacarta, 18-10-99)
Porém o Indonesian Observer, em 19 de Outubro declara que para além das pessoas registadas, haverá um número indeterminado de pessoas que procurou a clandestinidade por questões de segurança.
As condições em que vivem estes refugiados não podem ser avaliadas devidamente. Dos
cerca de 250 000 que estão na parte ocidental da ilha de Timor, apenas 50 000 puderam ser
assistidos segundo o testemunho de Jacques Franquin do ACNUR em 28 de Outubro de 1999.
segundo a mesma fonte, as condições sanitárias são extremamente preocupantes. No campo de Gor a alimentação é negada a quem diz pretender regressar a Timor Leste. Registamse muitas mortes de crianças e milhares delas estão subnutridas e em risco de vida (ACNUR,
30-9-99)
O relatório da «Comissão Nacional para a Protecção das Crianças» de 18 e 19 de Outubro diz
que cerca de 60% das pessoas que habitam os campos que foram visitados por ela são crianças com menos de 14 anos e sofrem de stress pós traumático. É ainda dito no mesmo relatório que 80% dos refugiados a que a Comissão teve acesso são pessoas idosas e crianças sendo
raro verem-se homens entre os 16 e os 30 anos. A explicação mais frequente é a mesma que
nos tempos precedentes: teriam sido alistados nas milícias.
É ainda o mesmo funcionário do ACNUR, Jacques Franquin que diz que o clima de terror e
intimidação é geral dentro dos campos. Eles são completamente controlados pelas milícias
que não prestam nenhuma informação útil às pessoas sobre o que se está a passar em Timor
Leste e com a presença das tropas da INTERFET. Pelo contrário, o próprio Eurico Guterres
desloca-se ao campo de Tuapukan e afirma que se as pessoas que ali estão regressarem a
Timor leste arriscam-se a ser mortas pela Força Internacional. Jacques Franquin diz ainda
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que podemos esperar acções terroristas de membros das milícias que estão desesperados
por ter perdido o apoio dos seus mentores.
Em resumo, podemos dizer que
- Cerca de metade da população de Timor Leste é forçada a deslocar-se dentro do território
fugindo da violência ou é deportada para Timor Ocidental,
- Das mais de 260.000 pessoas registadas em território Indonésio, algumas são levadas para
outras ilhas não se sabendo ao certo quantas e exactamente a sua colocação o que torna a
possibilidade do seu repatriamento quase impossível;
- Se oitenta por cento da população dos campos de refugiados na Indonésia é constituída
por crianças, mulheres e velhos e considerando ainda a procura sistemática de pessoas,
normalmente homens jovens que são levados e que não voltam a aparecer, estão reunidos
os argumentos que nos permitem temer que houve mais uma vez, mortes sistemáticas ou
recrutamentos forçados e a vulnerabilização sem fim das mulheres e crianças.
- A grande maioria da população deslocada em território da Indonésia foi concentrada em
campos, completamente controlados pelas milícias, sem qualquer assistência sofrendo de
fome, doenças, forte escassez de água potável para além dos actos de violência levados a
cabo pelas milícias como forma de intimidação para que não regressem a Timor Leste.
- Apesar dos relatórios do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e do Alto Comissariado para os Refugiados, o acesso aos campos para assistência legal e humanitária por parte
das agências da ONU e outras organizações humanitárias é bloqueado. Nos casos em que é
possível chegar até lá, há riscos de ataques ou acções terroristas.
3.2- O retorno a Timor Leste
É no dia 14 de Outubro de 99 que é assinado um acordo formal entre o Ministro Haryono
Suryono e um representante do ACNUR, René van Royen, que permite a esta organização
fazer o repatriamento dos timorenses. O acordo refere que os timorenses devem poder
fazer a sua escolha «livres de qualquer intimidação ou ameaça». Van Royen afirma que o
repatriamento poderá levar 18 a 24 meses.
Os militares indonésios e a INTERFET acordam a reabertura da fronteira terrestre. Esta é
reaberta a 21 de Outubro de 1999 e é Fred Eckard, porta voz das Nações Unidas, que anuncia que há notícia de que 6000 timorenses estão a regressar a pé a Timor Leste.
Em 28 de Outubro de 1999 o ACNUR anuncia que 36.841 pessoas foram repatriadas das quais
24.168 através da organização e 12.673 espontaneamente. Das informações recolhidas verifica-se que nos primeiros seis meses os repatriamentos se processaram a um ritmo médio de
2.100 por dia nos primeiros dois meses para depois descer para 400 pessoas por dia. A
explicação fornecida é que os primeiros que regressaram estavam em campos aos quais as
agências humanitárias e o ACNUR tinham acesso, tendo isso facilitado o seu retorno em
condições de segurança.
Várias agências e ONG internacionais mobilizam-se para monitorar e assistir os refugiados
que regressam. Entre elas o ACNUR, o OCHA, ICRC, OXFAM, UNICEF e o WFP.
É neste período que várias personalidades se encontram para promover acordos com os
mais altos responsáveis indonésios para que o repatriamento de todas as pessoas «livres de
qualquer intimidação», que queiram regressar, possam fazê-lo em condições de segurança
assim como preparar Timor Leste para o seu retorno.
A Srª Ogata, a Alta Comissária para os Refugiadas visita Timor Ocidental e obtém um acordo
formal com O ministro Indonésio para o bem Estar Social e Erradicação da Pobreza sobre o
direito de regresso dos refugiados (14-10-99).
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Em 22 de Novembro, Richard Holbrook, embaixador dos EUA junto das NU, promove um
encontro entre responsáveis militares da Indonésia e a INTERFET, na fronteira de Timor Leste. O general Damiri e o general Peter Cosgrove comprometem-se a facilitar o regresso dos
refugiados .
O Secretário Geral da ONU de visita a Jakarta obtém do presidente Wahid a promessa da
possibilidade dos refugiados que o desejarem poderem regressar o mais rapidamente possível. (16-02-00)
O sub-secretário dos EUA Pickering, afirma ser importante que o Governo tome medidas
para retirar as milícias. (03-03-00)
Parece-me que se torna mais útil para a compreensão global da forma como se tem processado este retorno, usar as informações compiladas nos sucessivos relatórios da Missão das
Nações Unidas para a Transição em Timor Leste.
Assim, no relatório publicado pela UNTAET em Junho de 2000 é referido que o número total
de retornados de território indonésio, nos princípios de Junho é de 162.000. A maior parte
dos regressos foi organizada pelo ACNUR e a OIM.
O Conselho Consultivo Nacional e Administração Transitória do território conversam sobre o
regresso dos timorenses ao seu país e acordam em acelerar o processo. O retorno destes
refugiados é auxiliado através de encontros entre famílias dos dois lados da fronteira e de
iniciativas de reconciliação entre os «pró-autonomistas» e os «pró-independência». A Igreja
timorense compromete-se com o processo e o Bispo de Baucau visita Atambua em 13 de
Maio de 2000.
Pode-se concluir que o retorno fez, desde muito cedo, parte das principais preocupações
dos dirigentes timorenses e que processos de reconciliação são considerados como condições fundamentais para um regresso pacífico e seguro.
Em Junho de 2001 num documento conjunto «Joint appeal: Solutions for East Timorese
refugees January-December 2002» que resulta do trabalho realizado entre o Governo da
República Indonésia e as Nações Unidas, está escrito o seguinte:
A 6 de Junho de 2001 o Governo da República Indonésia conduziu um registo da
população refugiada. Os resultados indicam que cerca de 143.680 timorenses (de Timor
Leste) ainda residem em campos temporários e outros 87.570 vivem com as populações
locais, fazendo um total de 231.250 pessoas. Este número inclui aqueles que tinham deixado Timor Leste durante a crise e aqueles que tinham vivido durante, pelo menos cinco anos
em Timor Leste antes da Consulta Popular em Agosto de 1999. Soluções como a repatriação
voluntária para Timor Leste foram encontradas para 189.000 pessoas desde os retornos
iniciais em Outubro de 1999. O ACNUR conduziu uma missão para encontrar «pessoas desaparecidas» em Timor Leste tendo-a considerado terminada em Junho de 2001. Em Junho,
com base nas informações obtidas das autoridades das aldeias e dos distritos, cerca de
84.000 pessoas ainda não regressaram a Timor Leste depois de terem sido deslocadas
durante o conflito em 1999. Tendo em conta as pessoas que ainda não regressaram a Timor
Leste desde Junho, o Governo da república da Indonésia e as agências das Nações Unidas,
estão a usar 80 000 pessoas em Timor Ocidental como o número base de planeamento para
as soluções a encontrar em 2002 sob este Apelo.
No Relatório da Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste, relativo ao
período entre 16 de Outubro de 2001 e 18 de Janeiro de 2002, pode ler-se que regressaram
até àquela data a Timor Leste 192 mil pessoas estimando-se que 60 a 75 mil pessoas perSetembro de 2005
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manecem ainda em Timor Ocidental. No entanto a monitorização do processo e a protecção
dos que regressam, considera-se necessária para que se assegure uma taxa significativa de
retornos nos meses subsequentes. Os encontros transfronteiriços de reconciliação continuam. Xanana Gusmão deslocou-se aos lugares onde esses refugiados se encontram em
Timor Ocidental e manteve conversações com autoridades administrativas de Timor Ocidental, oficiais das TNI, representantes das milícias, líderes pró-autonomia e também com
refugiados.
Outras medidas foram entretanto implementadas: o programa Mundial da Alimentação
aumentou a distribuição de arroz e de outros alimentos nas zonas altamente afectas pelos
deslocamentos. O Governo Indonésio começou a pagar um montante (750.000 rupias o que
equivale a 75 US$) por família como um incentivo ao repatriamento 25 US$ se o retorno se
efectuar até ao natal de 2001. As Nações Unidas estão a trabalhar para criar um fundo
especial para compensar a perca de emprego ou outros benefícios das pessoas deslocadas a
partir de Setembro de 1999.
Tentando sistematizar as informações obtidas podemos traçar o seguinte quadro.
Ano
Mês
Número de Número de
refugiad@s repatriad@s
1999 Setembro 260.000
Medidas de apoio e/ou protecção
1999 Outubro a
Dezembro
Conversações ao mais alto nível entre
a ONU, Governo da Indonésia e representantes do governo do EUA.
Entrada do ACNUR em alguns campos e
assistência humanitária (registo, alimentação e saúde)
Iniciativas de reconciliação transfronteiriças. Cooperação entre a UNTAET e
as lideranças timorenses Assistência
humanitária (registo, alimentação e
saúde) do ACNUR e ONGS
“
2000 Junho
162.000
2001 Junho
189.000
2002 Janeiro
192.000
Para além das medidas enunciadas o
Governo da Indonésia começa a dar
apoio financeiro para incentivar o
retorno.
60 a 75.000
(estimados)
A importância que os refugiados timorenses em território indonésio tem tido no desenvolvimento do processo de transição para a independência é demonstrada pelo empenho pessoal, do entretanto eleito presidente de Timor Leste Xanana Gusmão, vem pondo nos esforços de fazer regressar o maior número de pessoas possível e no mais curto espaço de tempo
possível. Aceitando-se que muitas pessoas, por diferentes razões queiram estabelecer-se na
Indonésia e não queiram por isso, regressar aos seus locais de origem, teme-se porém, que
entre os milhares que ainda não voltaram a casa, haja muitos ainda vítimas de violência.
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Finalmente a possibilidade de que haja algumas iniciativas de re-organização de grupos
para-militares cujo objectivo seria a desestabilização permanente da fronteira terrestre,
não está posta de lado pelo que toda a atenção dada a esta questão é absolutamente estratégica.
4- Os principais desafios que se colocam daqui para o futuro: instalação, reconciliação,
integração social e pacificação
A literatura sobre os processos de retorno e de reintegração é extensa. Sabe-se que estes
processos são lentos, traumáticos e requerem medidas de curto, médio e longo prazo para
que produzam efeitos positivos. O retorno de refugiados e de pessoas deslocadas internamente coloca às comunidades que as acolhem, em situação de maior vulnerabilidade uma
vez que a capacidade de absorção, em termos económicos é geralmente fraca e um fluxo
grande de pessoas, pode comprometer os equilíbrios, muitas vezes precários, em que se
encontram.
Também há a considerar que muitas das pessoas não chegam a regressar às suas aldeias ou
vilas de origem. Por não terem casa (que foi entretanto destruída), terem perdido as hortas, o gado e até porque perderam os seus familiares. Muitas destas pessoas procuram familiares perdidos antes de quererem regressar às suas origens. Nesse período de busca, vão
tentando estabelecer um mínimo de condições de vida. Com o passar do tempo, as condições e as razões para o retorno tornam-se mais complexas e o regresso efectivo mais difícil.
Em Timor Leste em Fevereiro de 2001 havia uma concentração desmedida de pessoas refugiadas na capital. Em Lecidere um significativo número de pessoas vivia ali, comerciando
peixe seco e tentando sobreviver. No mercado municipal, milhares de pessoas amontoavamse em condições sub-humanas, vivendo ali e tentando fazer dinheiro vendendo todas as coisas que pudessem, muitas vezes por conta de intermediários que importavam da indonésia
todo o tipo de coisas manufacturadas e de produtos alimentares. Finalmente, no bairro de
Pité, muitas pessoas instalaram-se nas casas destruídas, muitas delas ainda sem teto,
sobrevivendo à custa de pequenos serviços feitos a vizinhos, vendendo nas ruas, participando no tráfico de divisas.
Havia notícias de algum clima de violência em alguns bairros, sobretudo em Becora. As
explicações mais frequentes tinham a ver com duas ordens de razões. O primeiro conjunto
de razões relacionava-se com o facto de as pessoas se sentirem excluídas do bem-estar visível e possível, trazido para Dili pela presença de um número significativo de funcionários
internacionais, com capacidade económica para pagarem todos esses bens. Um profundo
sentimento de injustiça perpassava os argumentos dados por estas pessoas. O segundo conjunto de razões tinha a ver com a «cultura de violência» que durante a guerra de ocupação
prevaleceu em Timor Leste. Muitas pessoas foram perdendo competências de resolver os
conflitos de modo pacífico tornando-se cada vez mais frequente uma resolução violenta e
agressiva de pequenas e grandes contendas entre pessoas, famílias e bairros (CUNHA, 2001:
18 ).
Este contexto, permite-nos pensar que os problemas que Timor Leste enfrenta para o seu
futuro imediato, no que diz respeito aos seus refugiados e aos seus deslocados internamente, são similares aos identificados em outros lugares do mundo e já enunciados acima.
Porém e para concluir, creio que se torna relevante destacar, algumas das áreas, consideradas de intervenção prioritária e de acção prolongada, de modo a produzir, uma mais posi-
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tiva e plena integração dos milhares de pessoas que foram, ao longo dos últimos 28 anos,
obrigadas a fugir e a recomeçar, por várias vezes, a sua vida.
No contexto concreto de Timor Leste e para além daquelas que a literaturavi aconselha,
destaco quatro que me foram sugeridas pelos próprios timorenses, no âmbito de um trabalho que realizei em Timor Leste em 2001:
- O tratamento do stress pós traumático das pessoas em geral e dos jovens em particular.
Passados os tempos mais difíceis, parece ser relativamente fácil esquecer que a maioria da
população, em especial os que tiveram de fugir ao longo de todo este período, sofreu danos
físicos e psicológicos muito graves que precisam de ser considerados seriamente, como
elemento de construção de uma identidade individual e colectiva equilibrada. As actividades artísticas como a música e o teatro deveriam ser usadas de forma terapêutica e sistematicamente;
- Desenvolver múltiplas iniciativas de reconciliação, verdade e justiça. Nem todas as coisas
podem ser julgadas com justiça num tribunal. Nem todos os actos criminosos podem deixar
de ser julgados em tribunal. Considera-se que a conjugação de vários tipos de iniciativas
com a mesma finalidade (a reconciliação e a justiça) poderia ajudar a promover a confiança, criando condições para mais gente regressar sem medo de vinganças, e um clima de
resolução de conflitos, aberto a outras soluções que não seja pela violência, a agressão e a
vingança.
- Promover no seio da sociedade timorense uma identidade de «não clandestinidade».
Durante um quarto de século as pessoas para sobreviver tiveram de aprender a viver na
clandestinidade, escondidas, mentindo, disfarçando, provocando boatos. A socialização que
a guerra e o genocídio gerou foi marcada por práticas sociais que a curto, médio e longo
prazo, se revelam potenciadoras de conflitos de menor ou maior dimensão no seio da própria sociedade. Esta saída da «clandestinidade», como referem algumas das pessoas entrevistadas no trabalho de campo que efectuei no ano passado em Timor Leste (CUNHA, 2001:
16-19), é crucial para a construção de uma identidade colectiva pacífica.
- Por último gostaria de referir que seria necessário que a comunidade internacional, seja
esta corporizada na ONU (Missões, Agências, etc) e nas dezenas de ONG’s que têm permanecido no país nos últimos dois anos e meio, fizesse não só um balanço (tido como muito
positivo e para isso basta consultar o relatório do PNUD para Timor Leste) das realizações
mas também dos insucessos. Procurar as razões profundas de umas e de outros e fazer
avançar a discussão, as instituições, procedimentos e normas do apoio, da protecção e da
assistência às pessoas refugiadas, deslocadas internamente, enfim, as que fogem da ameaça da morte e da indignidade.
Conclusão
Na verdade este pequeno estudo sobre as deslocações forçadas em Timor Leste leva-me à
consideração de três coisas essenciais:
A primeira prende-se com a evidência de que, no nosso tempo de transição paradigmática, as fronteiras mesmo sendo porosas e estando «esborratada» a sua função de controlo estatal no que se refere à mobilidade dos mercados financeiros, informação e produção de bens e serviços, elas são ao mesmo tempo, o posto avançado de regulação, e intencionalidade forte das políticas internas e externas. Isso é muito visível no que diz respeito
às migrações enquanto fenómeno global e, no caso estudado, este controlo é absolutamente essencial quer internamente para fazer prosseguir uma política de ocupação territorial,
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quer externamente, para justificar e produzir a retórica necessária ao direito de não ingerência nos assuntos domésticos. Apesar de maciços, os fluxos de pessoas deslocadas, nunca
deixaram de ser considerados um assunto interno e que deveria ser tratado dentro das leis
da república Indonésia. Apesar dos esforços conjuntos dos timorenses, portugueses e ONU,
usando a legitimidade que encontravam no Direito Internacional, (apenas a partir do final
de 1999 ), a Indonésia não permitiu que a questão dos PDI fosse considerada uma assunto da
comunidade internacional.
A segunda reflexão decorre da primeira mas acrescenta outra questão ao problema.
Mesmo no auge das deslocações de 1999, em que 260 mil pessoasvii eram consideradas
deportadas ou deslocadas à força para fora do seu lugar habitual de residência, a Indonésia,
resguardou o mais que pôde as suas fronteiras não deixando actuar com liberdade órgãos de
comunicação social, a ONU, através das suas agências especializadas e as ONG’s. Quando
estas entram no terreno, asseguram essencialmente um papel de apoio às populações em
termos sanitários, alimentares e de registo. Desencadeiam as medidas de retorno, abrindo
corredores de segurança, transportando pessoas e preparando logisticamente a sua chegada
à fronteira terrestre de Timor Leste ou ao porto de Dili. A sua função é meramente assistencialista; a protecção legal dos direitos individuais, a investigação sobre os crimes cometidos contra estas pessoas, e a condução de um processo político que pudesse fazer evoluir
a situação para uma avaliação mais ancorada numa concepção mais abrangente de segurança e de paz, não é, no mínimo, visível.
Em último lugar este trabalho permitiu-me compreender de forma mais organizada e
mais coerente, a dimensão da tragédia humana, do impacto profundo que estas ‘mobilidades’ produziram e continuam a produzir na sociedade timorense. Estou certa que levar a
sério esta história comum e permanente de fuga, será a pedra de toque de qualquer política de construção de uma identidade nacional multicultural, num processo de transição para
uma democracia e de relações baseadas na reconciliação e responsabilidades partilhadas.
De dentro para dentro da ilha de Timor não é um assunto doméstico. Pelo menos não
deveria ser. Ele deveria ser um laboratório de questionamento sobre a importância fulcral
da mobilidade humana para as sociedades, para a compreensão do que são ainda as fronteiras nacionais (que representam muitas vezes a nível individual/grupal, a possibilidade de
sobreviver ou desaparecer sem deixar testemunhas) em tempo de múltiplas e globalizações
que tendem a parecer difuso o que é poderosamente regulatório e por fim, para fazer
emergir o conceito de responsabilidades globais partilhadas sobre o primado assistencialista
dos órgãos, agências e organizações internacionais de refugiadas/os.
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Setembro de 2005
Teresa Cunha
21
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NOTAS
i
Pessoas Deslocadas Internamente
Sublinhado meu
iii
United Nations Mission in East Timor
iv
Sigla que designa as Forças Armadas Indonésias
v
Citado pelo Observatório de Timor Leste de 27 de Setembro de 1999, H. R. Garnadi, Assistente do Ministério dos negócios Estrangeiros Indonésios que fazia a ligação com a Missão da ONU em Timor Leste, escreve no seu relatório datado de
3 de Julho: «Preparar meios militares (Exército, Marinha e Força Aérea), pessoal e equipamento, perto das áreas de evacuação. Preparar o território NTT (Nusa Tenggara Timor) para receber refugiados em massa; fazer planos e guardar o caminho
de regresso, se necessário destruindo os meios e os objectivos.»
vi
Quero o Relatório do PNUD sobre Timor Leste, quer o programa do governo da República Democrática de Timor Leste
identificam as principais linhas de actuação para a reconstrução e construção nacionais, incluindo os refugiados e as PDI
assim como os desmobilizados das FALINTIL, que, constituem por si só, outro tipo muito especial e particular, de pessoas
«internamente deslocadas».
vii
De 1975, apenas alguns países, nomeadamente os PALOP e Portugal de uma forma muito difusa e incoerente até 1990,
consideraram que não havia uma guerra em Timor Leste mas sim uma luta de guerrilha. Em consequência, nunca foi prestada verdadeira atenção aos impactos das sucessivas deslocações maciças de pessoas dentro do território da ilha.
ii
Setembro de 2005

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