Introdução ao Funcionalismo

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Introdução ao Funcionalismo
Introdução ao Funcionalismo
Teorias Lingüísticas – II
Prof. Márcio Leitão
Funcionalismo
(Cunha, 2008) Manual de Lingüística
• “O funcionalismo é uma corrente lingüística que, em
oposição ao estruturalismo e ao gerativismo, se
preocupa em estudar a relação entre a estrutura
gramatical das línguas e os diferentes contextos
comunicativos em que elas são usadas”
• Assim, a abordagem funcionalista apresenta não apenas
propostas teóricas distintas acerca da natureza geral da
linguagem, mas diferentes concepções no que diz
respeito aos objetivos da análise lingüística, aos
métodos nela utilizados e ao tipo dos dados utilizados
como evidência empírica.”
• “Os funcionalistas concebem a linguagem como um
instrumento de interação social, alinhando-se, assim, à
tendência que analisa a relação entre linguagem e
sociedade.”
Contraposições básicas
Formalismo x Funcionalismo
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Gramáticas TeóricasGramática Gerativa
GU inata (Faculdade da Linguagem)
Distinção entre Competência e Desempenho, elegendo o primeiro como
objeto de estudo.
Postula regras estruturais e uma sintaxe autônoma
Modularidade da mente
Gramática Funcional (?)
Não existe uma GU inata e sim uma gramática que emerge do uso.
Não há uma distinção clara entre competência e desempenho, mas sim uma
interação entre Discurso e Gramática.
Postula uma sintaxe que surge motivada pelo semântico e pelo pragmático,
ou seja, a estrutura não é totalmente arbitrária e tem base sócio-cognitiva.
(Função > Forma).
Não modular, a sintaxe não é autônoma.
Serão mesmo excludentes se olharmos os objetos de estudos
focalizados?
Tipos de Funcionalismo
• Funcionalismo Europeu
• Círculo Lingüístico de Praga (Origens das
análises funcionais – 1926)
• Mais recentes:
• Michael Halliday (Escola de Londres 1970)
• Simon Dik ( Grupo Holandês - 1970)
• Funcionalismo norte-americano
Funcionalismo Norte-americano
• Bolinger (década de 60)
• Texto pioneiro – The Origins of Syntax in
Discourse (Gillian Sankoff e Penelope
Brown, 1976)
• Talmy Givón em 1979 publica From
Discourse to Syntax
Funcionalismo Norte-americando
no Brasil
• Projeto Norma Urbana Culta (NURC) –
Várias capitais do país
• Projeto de Estudo do Uso da Língua
(PEUL/UFRJ)
• Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática
(UFRJ, UFRN, UERJ, UFF)
Alguns Princípios e Conceitos
Funcionalistas
• Informatividade
• Refere-se à forma de compartilhar
determinado conhecimento
lingüisticamente.
• Os estudos tem focalizado o status
informacional dos referentes nominais.
• Um SN pode ser dado (ou velho), novo,
disponível e inferível.
Exemplificando
corpus Discurso & Gramática
• Referente anteriormente dado (ou velho)
• a) aí o mecânico falou que... Ø não sabia qual
o homem que tinha apertado aquilo ((risos))
• Referente situacionalmente dado (ou velho
• b) E: e:: agora eu queria que você me… me…
dissesse… alguma coisa que você sabe fazer…
ou que você… goste de fazer… e como é que
se faz isso…
Exemplificando
• Referente novo
• c) aí quando chegou... Ali na:: decida/
porque é Barra... Tijuca... né? quando
estava quase chegando a... Tijuca...
Vinha... um ônibus na:: direção deles... E
tinha um caminhão... parado aqui...
• Referente disponível
• d) o Pelé jogou muita bola...
Exemplificando
• Referente Inferível
• e) ... Quando ela viu o ônibus passar...
Mas o ônibus já estava indo... e ela
começou a gritar pro motorista... Mas ela
estava um pouco longe...
Exemplificando
• Iconicidade
• “O princípio da Iconicidade é definido como a correlação
natural e motivada entre forma e função, isto é, entre o
código lingüístico (expressão) e seu significado
(conteúdo). Os lingüístas funcionais defendem a idéia de
que a estrutura da língua reflete, de algum modo, a
estrutura da experiência.”
• Tempo como metáfora do espaço
• Um ícone espelha a relação direta entre forma e
significado. A iconicidade é então a relação entre a
forma de uma palavra e seu significado ou sua função.
Exemplificando
• Iconicidade e alguns exemplos de motivação
contrapondo-se a arbitrariedade do signo:
• Motivação fonológica
• Bem-te-vi, ping-pong, tic-tac (onomatopéias)
• Motivação morfológica
• Apagador, Ventilador
• Motivação Semântica
• Beija-flor, guarda-roupa.
Exemplificando
• Iconicidade (Versão Forte) Uma forma = Uma função
• Problemas
• Na língua não há,em muitos casos, uma relação clara e
transparente entre forma e significado, entre expressão
e conteúdo.
• Há casos em que o significado original do elemento
lingüístico já se perdeu parcialmente ou totalmente:
• “Embora tenha estudado muito, não passou”
• Embora surgiu com a expressão temporal em boa hora
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Versão forte enfraquecida
01 forma – Várias funções
Dedinho (diminutivo relacionado ao tamanho)
Paizinho (valor afetivo)
Painho
Gentinha (valor pejorativo)
Devagarzinho (valor superlativo)
Várias formas – 01 função
Função de impessoalização do agente da ação verbal
“Construíram uma ponte na cidade” (3a pessoa do plural)
“Construiu-se uma ponte na cidade” (partícula se apassivadora)
“Uma ponte foi construída na cidade” ( voz passiva)
“Alguém construiu uma ponte na cidade” (pronome indefinido)
“Eles construíram uma ponte na cidade” (pronome na 3a pessoa do
plural sem referente explícito)
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Na versão fraca ou branda, o princípio da iconicidade manifesta-se em três
subprincípios:
Subprincípio da quantidade
“Quanto maior a quantidade de informação , maior a quantidade de forma, de tal modo
que a estrutura de uma construção gramatical indica a estrutura do conceito que ela
expressa.” (Cunha et ali, 2003)
Ex: a negativa dupla fornece evidência favorável ao princípio icônico da quantidade.
...um motorista dele... nesse tempo ele... num era... num era um motorista dele não...
era do hotel... porque ele ficou sem motorista... (corpus D&G/Natal, p. 244)
Subprincípio da integração
“Os conteúdos que estão mais próximos cognitivamente também estarão mais
integrados no nível da codificação – o que está mentalmente junto coloca-se
sintaticamente junto.” (Cunha et ali, 2003)
Ex: Costa (2000) utiliza o princípio icônico da proximidade para explicar a ausência de
concordância verbal em orações em que o sujeito e verbo encontram-se
estruturalmente distanciados.
Há pouco tempo atrás, dois bárbaros assassinatos, o da atriz Daniela Perez e o da
menina que foi queimada pelos seqüestradores, ressuscitou a polêmica da Pena de
Morte. (corpus D&G/Natal, p. 321)
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O menino vive bem.
*O menino bem vive.
*Bem o menino vive.
d) O menino chegará amanhã.
e) O menino amanhã chegará.
f) Amanhã o menino chegará
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Subprincípio da ordenação
“a ordenação das orações no discurso tende a espelhar a seqüência temporal em que
os eventos descritos ocorreram. (Cunha, 2008)
Ex: distribuição das palavras corresponde à seqüência cronológica das ações
descritas: “Vim, vi e venci”
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Princípio da marcação
Critérios para distinção entre categorias marcadas e não marcadas e categorias nãomarcadas (Furtado da Cunha et al., 2003):
Complexidade estrutural: ¨a estrutura marcada tende a ser mais complexa (ou
maior) que a estrutura não-marcada correspondente¨;
Distribuição de freqüência: ¨a estrutura marcada tende a ser menos freqüente do
que a estrutura não-marcada correspondente;
Complexidade cognitiva: ¨a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais
complexa do que a estrutura não-marcada correspondente. Incluem-se, aqui, fatores
como esforço mental, demanda de atenção e tempo de processamento.
EX: A afirmação e a negação ilustram bem a atuação dos critérios de marcação.
Afirmação: cognitivamente mais simples e esperada, mais freqüente na interação
verbal, estrutura menos complexa, portanto representa a forma não-marcada em
relação à negação.
Negação: estruturas estudadas no português
...ela não tava sabendo reger direito... (Natal – Corpus D&G) negativa padrão
...num aceito não... negativa dupla
... tem isso comigo não... negativa final
Possível continuum:
- marcada
+ marcada
Negativa padrão
negativa dupla
negativa final
→ Não se pode trabalhar com categorias discretas nesse caso específico!
• Gramaticalização
• Processo de mudança lingüística que se
caracteriza pela trajetória de um ítem
lexical para um ítem gramatical.
• Exemplos:
• A) verbo pleno > Verbo auxiliar
• B) item lexical > morfema
• Amar + hei > amarei
• Tranqüila + mente > tranqüilamente
• C) item lexical > item gramatical
• Discursivização
• Processo de mudança lingüística que se caracteriza
pela trajetória de um item lexical para um marcador
discursivo, ou seja, para um item que viabiliza o
processo de produção da fala em um contexto
comunicativo de improviso.
• Ex: Verbos plenos > marcador
• Saber > sabe?
• Entender > entendeu?
• Estar > tá?
• Possíveis sub-funções: marcar reformulação, tópico e
informação de fundo.
• “...essa empresa aqui que é onde é que eu... Faço
estágio... era... Portobrás... vou te dar um exemplo... Era
Portobrás tá? o Collor extinguiu... entendeu? extinguiu...
aí passou a se chamar Portos... quer dizer... foram
vários funcionários embora... Pessoas boas... entendeu?
foram mandadas embora... e agora o que aconteceu?
aqui é... uma empresa até... muito política...”
• Omena, N. P. & Braga, M. L. (1996)
• A gente está se gramaticalizando?
• O substantivo latino gens, gentis deu origem à palavra
gente, que serve para nomear de forma coletiva,
indeterminada, um agrupamento de seres humanos.
• Gente > a gente (gramaticalização?)
• Algumas características segundo Hopper, 1991:
• Camadas (layering) – Coexistência de diversas camadas,
isto é, alternantes, dentro de um domínio funcional.
• Ex: competição entre as formas nós e a gente.
• Divergência – preservação, conservação da forma lexical
que deu origem a um processo de gramaticalização.
• Ex: gente permanece como um item lexical autônomo,
sem sofrer mudanças morfofonológicas.
• A versão inovadora a gente se estratificou com o artigo
definido não admitindo outras especificações, já com o
comportamento de pronome.
• Especialização – espraiamento da forma e da função
inovadora no sistema lingüístico.
• EX: 65% em adultos e 80% em crianças se comparada
com a forma nós.
• Persistência – manutenção e conservação pela forma
inovadora de alguns traços semânticos da forma de
origem.
• Ex: A idéia de coletividade do substantivo gente contribui
para uma referência indeterminadora. Há probabilidade
de .70 de se usar a forma a gente na referência de um
grupo grande e indeterminado de pessoas do que a um
grupo pequeno e determinado (.50).
• A persistência do traço indeterminador provoca
restrições de uso.
• A gente não admite ser modificado por todo, cada um,
nenhum, diferente da forma nós.
• Decategorização – mudança de categoria
gramatical.
• Substantivo > pronome
• Ex: gentinha, todas as gentes, minha
gente.
• A gente – apesar de levar o verbo para a
terceira pessoa do singular como a forma
de origem, encontramos a forma:
• “A gente começamos a bater papo...”
• Integração com o sistema pronominal ao
concordar com a primeira pessoa do
plural.

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