Sexualidade infantil
Transcrição
Sexualidade infantil
Sexualidade infantil: considerações relevantes para o trabalho pedagógico Kathy Amorim Marcondes, Prof. Doutora do Dep. de Psicologia – UFES Texto publicado na Revista Universo Pedagógico, v.05, 1992, p. 22-31 Este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre o desenvolvimento sexual da criança. Destinamos o texto, principalmente, a educadores da pré-escola e das séries iniciais que lidam diretamente com as crianças nesse período em que a sexualidade humana se vai estruturando. A sexualidade adulta, madura e sadia dependerá, e muito, das vivências desse período de estruturação. Portanto, é importante que os professores possam compreender e avaliar o desenvolvimento psicossexual de seus alunos. É também possível que esta discussão possa vir a esclarecer e/ou orientar o procedimento junto a crianças que apresentem algumas dificuldades escolares ou comportamentais, relacionadas à sua estruturação sexual. É evidente que não há possibilidade de esgotarmos a temática da sexualidade infantil nos limites desse trabalho. Existem várias correntes teóricas distintas que abordam a sexualidade infantil. Seria difícil abordar todas as questões que essas correntes já trabalharam. Tentamos evitar também o uso excessivo de definições conceituais que acabam se mostrando pouco úteis dentro do cotidiano escolar. Considerando tudo isso, pretendemos colocar à disposição dos leitores as características típicas do desenvolvimento psicossexual da criança (do ponto de vista psicanalítico), relacionando-as com o comportamento e dificuldades infantis mais comuns. Objetivamos assim despertar o interesse dos professores no aprofundamento do estudo deste tema, como subsídio para a prática pedagógica facilitadora de um crescimento harmônico e integrado do aluno. A sexualidade da criança Pode se perguntar: mas por que tanta ênfase no estudo da sexualidade infantil? Geralmente esta pergunta esconde um pressuposto de que as crianças seriam “angelicais”, desligadas do sexo. A partir desse ponto de vista, é comum a formulação de críticas quanto à “supervalorização” do sexo na compreensão psicológica do ser humano, e ainda, o não entendimento da importância da sexualidade infantil para a pedagogia. Esses posicionamentos baseiam-se, quase sempre, numa concepção da sexualidade restrita ao relacionamento genital ou correlatos. Esse pressuposto é errôneo. A sexualidade humana relaciona-se a toda busca de prazer e satisfação, e não somente à manifestação genital do sexo – como é mais comumente pensada. A sexualidade (...) abarca a evolução de todas as ligações afetivas estabelecidas desde o nascimento até a sexualidade genital adulta. Por definição: todo o vínculo de prazer é erótico ou sexual (Rappaport, 1981, p. 34 – grifos nossos). Portanto, podemos dizer que são atividades sexuais da criança comportamentos como: mamar, brincar, descobrir habilidades motoras e cognitivas, relacionar-se com os outros, etc... Em parte é devido a essa amplitude da esfera sexual que o desenvolvimento psíquico e o relacionamento social (inclusive o escolar) podem ser associados ao desenvolvimento psicossexual da criança. Podemos entender melhor o que têm essas atividades a ver com a sexualidade, quando as associamos com a energia vital, energia sexual ou libido. A fonte energética dessas diferentes necessidade é a mesma libido. Desde o nascimento, essa libido está presente na criança, que busca satisfação. Poderíamos dizer, portanto, e sem exagerar, que nascemos para ser felizes, para procurar a satisfação! As atividades em que se lança uma criança buscam o bem-estar; usam energia originariamente com a finalidade de produzir satisfação, prazer, gozo. E como por toda a vida as atividades são procura, ou derivações secundárias da procura de satisfação, continuarão sendo atividades sexuais, essencialmente! Desde muito cedo o caminho da criança será cheio de obstáculos para atingir a satisfação completa. A criança quer comer, mas terá de esperar a mãe, depois terá de aprender a pedir, mais tarde terá de seguir regras de servir-se à mesa. A criança quer brincar, mas terá de limitar-se a certas condições – cada vez mais restritas – em que isso será possível. E os exemplos poderiam prolongar-se indefinidamente. Durante todo o restante de sua vida, a criança irá lidar com seu desejo e com coisas que se interporão entre ela e seu desejo; terá que aprender o que fazer para alcançar o desejado. A mesma energia sexual destinada à procura de satisfação será a energia investida na aprendizagem de como vencer os obstáculos, ou, de como retardar um desejo, transferir um interesse, ou, ainda, desenvolver uma atividade produtiva alternativa, etc. O que chamamos de fases de desenvolvimento psicossexual da criança corresponde, exatamente, ao trajeto dessa libido em busca de satisfação. Essa trajetória do desejo e de seus obstáculos converte-se em fonte de aprendizagem e desenvolvimento global do ser. A sexualidade envolvida na busca prazerosa não se restringe, portanto, ao desempenho genital. Ao contrário: a sexualidade liga-se fortemente às atividades do ser, impulsionando várias das aprendizagens da criança. Esse dado justifica o porquê de os educadores modernos valorizarem tanto o estudo da sexualidade infantil. Até mesmo algumas das dificuldades da vida escolar podem ser mais bem compreendidas por esse entendimento da sexualidade da criança. As fases de desenvolvimento psicossexual O desenvolvimento psicossexual se dá paulatinamente com a maturação orgânica, e recebe as diferentes denominações de acordo com a parte do corpo onde está concentrado o interesse (e o hedonismo) naquele período. Cada etapa desse desenvolvimento possui características peculiares que deixarão fortes marcas na estruturação psíquica do ser. É importante que consideremos que parte significativa da vivência dessas fases é inscrita de forma inconsciente na estrutura psíquica da criança. Isso significa que essas experiências não são assimiladas pela memória consciente de cada pessoa. Esse fato não torna menos importante os significados elaborados em cada fase. Inversamente, o caráter inconsciente desses processos propiciará um nível de influência muito mais profundo e determinante na personalidade que se vai desenvolvendo. A fase oral Assim chamada pela erotização da região bucal, a fase oral estende-se do nascimento até o desmame, geralmente por volta do primeiro ano aproximadamente. Desde o nascimento a criança experiência freqüentemente a estimulação oral pela alimentação. Um dos seus comportamentos reflexos é a sucção. A maior parte do seu tempo de vigília será ocupado com cuidados alimentares. A criança rapidamente perceberá que o desconforto gritante da fome cessa quando se dá a estimulação bucal. Assim, a região oral vai sendo erotizada, torna-se uma zona de prazer. A libido aí depositada possibilitará à criança desfrutar da sensação prazerosa independentemente da alimentação. A sucção lúcida do polegar ou da chupeta, o sorrir, o emitir sons e levar objetos à boca serão atividades-fonte de enorme prazer para a criança. Nessa fase o filho ainda tem uma grande dependência de sua mãe, mantendo com ela um vínculo simbiótico. A criança não faz distinção nítida entre o que a constitui a si mesma, à sua mãe ou ao alimento que lhe é dado. Todas essas coisas e o prazer ligado a elas estão muito misturadas na vivência infantil. A criança incorpora a si mesma tanto a sua mãe quando os objetos-fonte de prazer oral. Podemos dizer que a modalidade de relação característica da fase oral é a incorporativa. Em outras palavras, a criança incorpora a si mesma aquilo que ama, ela é tudo o que tem, e tudo o que tem é a si mesma. Processa-se uma confusão entre TER e SER. Essa característica faz com que o objeto de desejo esteja incorporado constitucionalmente ao próprio desejante. Embora a fase oral ocorra numa época muito prematura em relação às atividades pedagógicas propriamente ditas, é interessante o seu estudo porque a criança em idade escolar pode apresentar uma sexualidade ainda fortemente oral. Neste case, dizemos que houve uma “fixação libidinal” na fase oral. A fixação pode ocorrer se a libido estacionar ou permanecer em demasia na região oral, mesmo no período em que se desloca (ou deveria deslocar-se) para outras zonas corporais. Vivência desequilibradas na fase oral favorecem a fixação libidinal. Crianças não saciadas, porque a atenção, o cuidado e o afeto recebidos não foram suficientes (geralmente filhos de mães descuidadas, transtornadas e/ou emocionalmente inconstantes em relação ao filho), podem permanecer orais numa tentativa de suprir a falta que sentem, principalmente com relação ao domínio e à segurança afetiva insaciada na vivência oral. Crianças super-protegidas, superalimentadas, usualmente muito inseguras podem permanecer orais porque se torna difícil renunciar à segurança, ao conforto e aos prazeres orais. A dependência dessas crianças é reforçada pelas mães, insistentemente, pela manutenção ou prorrogação obsessiva de cuidados maternais (geralmente são preocupadíssimas com alimentação e saúde; emocionalmente ligadas de forma sufocante a seus filhos; dificultam situações de treino da independência e autoconfiança da criança). A libido fixada na zona oral sinaliza a vivência desequilibrada pelo excesso de zelo ou pela falta de satisfação oral. Tanto acontecimentos como amamentação prolongadíssima ou alimentação exagerada e obsessiva, quanto desmames abruptos e alimentação irregular e descuidada podem ser indícios de uma experiência oral subjetivamente desajustada. Lembremos o forte componente inconsciente dessas situações, tanto para mãe quanto para o filho. O significado inconsciente da experiência é que vai determinar o nível traumático ou o grau de fixação libidinal. De uma forma simplificada podemos dizer que os traços orais mantidos estarão associados à característica predominante da fase oral: a modalidade de relação incorporativa, com predomínio da confusão entre ter e ser. Num escolar, esses traços chegam a preocupar quando a criança: (a) demonstra extrema dificuldade com perdas quaisquer (lápis, deveres, jogos, colegas) porque, quando perde o que tem, a criança vive essa perda como perda de parte de si mesma; (b) apresenta sérias dificuldades em estabelecer trocas porque é exclusivista, egoísta, não quer ser parceira, mas dona e possuidora de tudo: professor, colegas, material, jogos; (c) com a mesma dificuldade de partilha pode apresentar-se – inversamente ao já exposto – isolada e irascível quando das tentativas de comunicação ou troca; (d) em relação à professora, se apresenta dependente da aprovação da “tia” para todas as suas escolhas e atividades, ou – ao contrário – rejeita o modelo da “tia” de toda uma turma, tornando-se inamistosa e sofrendo com a falta de exclusividade. Podemos dizer que caracteristicamente há traços orais de personalidade, mas que a estrutura destes pode ser completamente inversa, dependendo do tipo de situação que levou à fixação, do tipo de resposta da criança a tal situação desequilibradora e da inter-relação desses dois fatores. É isso que justifica tantas possibilidades diferentes de manifestações sintomaticamente orais. Quando deparamos com essas problemáticas num aluno, ou seja, quando percebemos que a criança tem dificuldades emocionais demonstradas por sua falta de equilíbrio em lidar com a propriedade ou não e com as perdas ou não das coisas ou pessoas, então devemos oportunizar situações reequilibradoras. De acordo com a idade da criança, essas novas situações podem ser diferentes. A sensibilidade do professor é que saberá defini-las. Mas deverão ter como princípio orientador o reforço da distinção entre ter e ser com amplo suporte de aceitação afetiva da singularidade da criança. Isso pode ser feito até pela verbalização para a criança, porque a mensagem é compreendida independentemente da compreensão textual do que o adulto diz. Brincadeiras recomendáveis são aquelas em que a criança dramatiza o crescimento de uma semente, troca de presentes no amigo oculto, colore desenhos com a troca de cores entre as crianças (cada uma sempre com uma cor), etc. É recomendável, também, que se estimule qualquer atividade que treine a independência da criança: escolha de suas roupas e brinquedos, responsabilidades delegadas a ela (alimentar um bichinho, arrumar um armário), etc. Sempre que possível uma conversa com a mãe pode ajudar, no sentido de investigar a dependência ou a insatisfação emocional da criança, esclarecendo a situação para a mãe e para a professora. A fase anal A fase anal estende-se aproximadamente do primeiro ao terceiro ano de vida da criança. O amadurecimento psicomotor permite à criança a exploração ativa do ambiente (anda, manipula, experimenta). Desenvolvida fisiológica e mentalmente, a criança apercebe-se dos fenômenos anais, desloca a libido que provocará a retenção ou expulsão lúcida das fezes e da urina. Esse deslocamento libidinal é ajudado também pelo fato de os adultos passarem a maior parte do tempo com a criança, tratando de assuntos relacionados à alimentação e à higiene (inclusive alimentar). A criança rapidamente reconhece qual a zona anal é interessante, podendo ser fonte de prazer e alvo de atenção do adulto. A criança a princípio não compreende bem tamanho interesse do(s) adulto(s) amado(s) para com suas fezes. Às vezes aplaudindo (quando a criança defeca no lugar e hora adequados), às vezes ralhando, a mãe faz a criança notar que o seu produto anal é muito observado e interessante para os adultos. Muito lentamente, a criança vai compreender que o que se lhe está pedindo é o controle esfincteriano – a que só está apta, neurologicamente, depois dos 18 meses. Mesmo assim, o poder das fezes será testado pela criança. Há o prazer de reter e expulsar experimentando sensações próprias. É possível que, simbolicamente, a criança dê suas fezes de presente à sua mãe em sinal de carinho, ou, então, que as retenha durante dias, também de presente, tentando agradar. Se o treinamento esfincteriano exigido pela mãe for muito traumático, a retenção ou expulsão das fezes pode equivaler para a criança a uma punição, ao invés de presente. De qualquer forma o valor das fezes é simbólico: serve para punir ou recompensar. É dessa forma que a criança vai adquirindo controle sobre o seu corpo. O relaxamento esfincteriano vivido pela criança até a fase anal é difícil de ser deixado, como lhe pede a mãe. Cobrando o controle dos esfíncteres, o que a mãe propõe para a criança é que renuncie a uma situação prazerosa. Freqüentemente a renúncia exigida é da manipulação fecal também. E assim deve ser para que o desenvolvimento se dê. Mas é difícil para a criança e ela só o fará pela mãe: em parte por medo e em parte pelo oferecimento de sua obediência ao ser amado! Até então a criança só havia conhecido o amor da mãe; agora distinguirá sentimentos ambivalentes de amor e ódio já que é a mãe que proíbe, castiga, pune. É essa ambigüidade de amor e ódio ao mesmo objeto (e pessoa) que vai inaugurar na criança a dimensão de sua própria agressividade. Ela confronta-se e tenta agredir quem lhe tolhe os movimentos ou dá ordens desagradáveis de cumprir. Nesses combate, entre esperneios e choros, vai aprendendo que pode e de controlar seus impulsos, sua agressividade. Entre tantas dificuldades emocionais, a criança procura substitutos (e deles precisa) para as renúncias que vai aprendendo a fazer. Os substitutivos mais comuns são: os objetos heteróclitos (totalmente sujeitos à vontade arbitrária da criança, que os destrói e lhes dá vida como quer); brincadeiras de seriação (tampinhas de garrafa, bonecas, sementes, etc.) em que a criança determina a ordem, o controle, o ritmo; imitação das posturas dos adultos em relação às crianças em suas brincadeiras com bonecos, animais ou outras crianças; manipulação de substitutos fecais (areia, barro, lama, espuma, água, etc.); brincadeiras barulhentas e agressivas; fobias, fetichismo e totemismo infantis (deslocamento de seus medos e dificuldade emocionais e/ou inconscientes para objetos ou situações do cotidiano). A criança anal é ativa, barulhenta, muitas vezes brutal agressiva em relação aos objetos (...) e há em tudo isso um certo prazer maligno, acentuada, aliás, por muito pouco que se aperceba disso, pelo fato de essa perversidade desagradar o adulto. A identificação com seu agressor foi atingida com êxito. É porque ama o adulto que a criança sente prazer em irritar e agredir (Dolto, 1984, p. 35). Todos os aprendizados da criança anal envolvem um certo controle de sua agressividade que vai sendo possível por força da socialização paulatinamente imposta à criança. Nesses primeiros anos a criança trava suas primeiras relações sociais de independência, aprendendo regras de convivência. Paralelamente ao próprio controle corporal voluntário, a criança percebe que pode também exercer o controle dos humores ou sentimentos dos adultos: aborrecendo-os com a desobediência ou premiando-os com comportamentos sociais adequados. A libido dessa fase pode ser fixada mais fortemente do que o esperado, caso a vivência dessa fase seja desequilibrada. Neste caso, o traço de personalidade que vai prevalecer – denunciando assim a fixação anal – provavelmente vai relacionar-se a dificuldades no domínio da relação social e/ou dificuldade no controle da impulsividade ou agressividade. As situações que podem facilitar essa fixação relacionam-se ao excesso de rigor no treinamento da higiene da criança (geralmente essas mães exigem o controle do esfíncter anal muito cedo ou, com muita severidade, repudiam violentamente o fracasso da criança em suas primeiras tentativas, são obsessivas com relação à limpeza de roupas, brinquedos, alimentação e freqüentemente impedem brincadeiras com terra, água ou muito barulho), ou a falta de atenção para com o treinamento progressivo da criança no controle de sua musculatura voluntária (essas mães geralmente não têm nenhum domínio disciplinar sobre as crianças, que usam fraldas durante anos; as mães não incentivam a criança ao controle esfincteriano; é usual que não sejam muito preocupadas com hábitos de higiene, obediência infantil ou organização de atividades ou tarefas para a criança). Nessas situações, a libido anal tende a fixar-se na região, devido à vivência traumática. Tanto o conforto de não ter de renunciar a prazeres como o do relaxamento esfincteriano, quanto à rigidez de hábitos higiênicos meticulosíssimos, podem redobrar a atenção anal, marcando as características dessa vivência na personalidade infantil. Na escola, podemos perceber esses caracteres anais presentes de forma exagerada e preocupante, quando a criança: (a) é excessivamente meticulosa, organizada, regular, teimosa e rabugenta, impedindo a espontaneidade e a criatividade que também podem ser dificultadas quando a criança é excessivamente desregrada, esbanjadora ou descuidada nas tarefas; (b) apresenta obsessão neurótica por limpeza ou, completamente ao inverso, é relapsa quanto à higiene pessoal e ambiental; (c) em relação aos colegas, é impulsiva, irascível e agressiva, ou completamente apática e dominável; (d) pode ainda apresentar características possessivas, de mesquinhez, avareza ou ciúme desmedidos. Podemos notar que os antagonismos das características de fixação possíveis apresentam em comum o fato de relacionarem-se com o que é vivenciado na fase anal: a questão do controle da impulsividade, da agressividade e do contato social. Entretanto, como a situação deflagradora da fixação pode ter sido tanto a rigidez quanto o desregramento em relação à vivência anal, e, ainda, como o fato de a reação da criança a essas situações pode ter sido mais ou menos adaptado, pode haver inúmeras possibilidades de características diferentes de personalidade relacionadas à mesma dificuldade. A criança de quem duramente se exigiu em higiene e disciplina e que foi impedida de usar expansivamente sua energia, em função de uma disciplina muito rígida, pode ter sua libido fixada, o que a leva a um padrão de comportamento que repita a disciplina da qual não consegue livrar-se, ou a um padrão de comportamento que signifique o oposto daquele a que foi submetida, para satisfazer a todos os desejos reprimidos. A criança não estimulada ao treino do controle voluntário de sus impulsos também poderá repetir a indisciplina a que foi submetida ou cristalizar padrões de comportamento, tentando estabelecer regras para si mesma. Devemos observar que, independentemente da casualidade original, os comportamentos abusivos de uma criança remetem a uma fixação libidinal, que impede o desenrolar da busca de prazer e de relações equilibradas baseadas na troca mútua. Nesse caso, no nível educacional pode ser prestada uma contribuição à reequilibração dessa criança. De acordo com a idade podemos (e devemos) oportunizar bastante atividades lúdicas livres e sem limites sonoros, principalmente aos pré-escolares. Há sempre um forte componente estruturados em atividades artísticas de manipulação de argila, areia ou gesso. A expressão gráfica livre e posteriormente comentada (por estímulo direto, se for necessário) é fonte de enorme poder de liberação de tensões e conflitos infantis inconscientes. Muitas vezes, através dessas atividades, pelo exercício do comentário delas com uma professora compreensiva e atenta, e através da reelaboração do significado dessas atividades em nível emocional para a criança, torna-se possível alcançar sensíveis “melhoras” no comportamento impulsivo e nas relações sociais da criança. É fundamental que se mantenham limites muito claros de quais comportamentos serão ou não aceitáveis pelo professor e a razão justa das proibições ou imposições necessárias. Dessa forma a criança poderá experienciar a reflexão lúcida sobre a origem e justeza das normas que lhe são impostas e das oportunidades que lhe são apresentadas. A fase fálica Apaziguada a tensão anal, a libido descobre a zona erógena genital: o clitóris para as meninas e o pênis para os meninos. O interesse pela genitália, agora erotizada, vai aumentar muito. Esta fase fálica estende-se dos três aos seis anos de idade, aproximadamente. Curiosa e atenta, a criança questionará o “porquê” das coisas; ela quer saber sobre as diferenças sexuais, do nascimento e da morte, sobre o significado das coisas, de onde vêm os bebês, o que fazem os adultos juntos... Nessa fase a criança organiza sua primeira visão do conjunto social em que se insere, inclusive distinguindo a categoria sexual a que pertence com sua características peculiares: tipo de vestuário, de ocupação e lazer, hábitos e práticas masculinas e femininas. O aumento do interesse libidinal pela genitália fará a criança descobrir e interpretar as diferenças sexuais entre os irmãos, pais, e outras pessoas significativas. É comum o aparecimento da masturbação nesse período tão inquieto. A micção voluntária e o apaziguamento das tensões em outras zonas reforçam a erotização da região genital, podendo provocar sua exploração, com alguma freqüência. Da mesma forma que surge naturalmente, a masturbação tende a desaparecer em algum tempo. Podemos entender, portanto, que o sentimento que a criança tem em relação à masturbação é o de uma exploração prazerosa. Por esse motivo, é sempre surpreendente para ela que o adulto reaja com violência alarmante ao testemunhar essa prática. A interdição da masturbação com acusações, admoestações, promessas de castigos divinos, ameaças e depreciações, como “feio” e “vergonhoso”, produzem, primeiro, o espanto na criança. Depois, de acordo com a estrutura infantil, o efeito poderá ir aumentando, e a interdição da masturbação pelo alarme acaba cristalizando a repressão à própria sexualidade (como um todo indecente e pecaminoso). Quando e se a masturbação é persistente e na presença de outras pessoas, a criança deve ser advertida de forma simples, se nenhuma explicação de ordem moral ou divina, e apenas esclarecida quanto à desapropriação de seu comportamento em público. A criança não precisa ser repreendida como se estivesse sendo abusada e atrevida. Os únicos argumentos que podem ser usados na tentativa de evitar a masturbação em público é o pudor e o mal-estar que causa nas outras pessoas o comportamento exibicionista. O tom reprovador utilizado pode provocar-lhe grandes dificuldades para voltar a entrar em contato com seu corpo e incutir-lhe um falso sentimento de culpa e imoralidade com relação às coisas ligadas à genitalidade. Nesse caso, o traumatismo de ser surpreendida e reprovada em ato ilícito pode ser recalcado para o inconsciente, podendo vir a ser a origem de inúmeros sintomas psicopatológicos relacionados ao aceitamento e ao desfruto da própria sexualidade adulta. É uma completa inversão a idéia leiga que associa loucura, frigidez e imbecilidade à atividade masturbatória. A masturbação normal, na intimidade da criança, não precisa ser admoestada, não fadiga, não enlouquece. A criança razoavelmente adaptada, acalma as tensões libidinais pela masturbação, ela não se masturba tão freqüentemente e, com a mesma naturalidade com que pratica a atividade, ela também a interrompe depois de algum tempo. A interdição escandalosa e desmedida poderá dar novo sentido ao ato e torná-lo mais freqüente, devido ao impulso de provocar o castigo (autopunição) ou ao sentimento de culpa (autodepreciação); ou ao simples prazer do afrontamento do adulto. Se não forem esses motivos, podemos então pensar que a criança que se masturba em público pode estar denunciando condições insatisfatórias de ocupação de seu tempo (principalmente crianças que se masturbam em sala de aula) ou sua superioridade intelectual. Nesses casos, podemos apresentar atividades mais estimulantes e desafiadoras para a criança como, por exemplo, jogos socializantes com grau de dificuldade levemente maior do que os geralmente satisfatórios para sua idade cronológica. Em geral, as advertências graves que geram os sentimentos de inferioridade ou grande culpa na criança são responsáveis pelo aparecimento de comportamentos de instabilidade, indisciplina, revolta ou hiperatividade. Na verdade, estar características podem ser mais facilmente associadas à reprovação da masturbação do que à curiosidade ou às sensações genitais prazerosas. Poderíamos dizer que as penalidades impostas são piores que o “crime”, e elas são só crianças! Outra vivência importante da fase fálica dessa criança é a descoberta da morte. Tão curiosa sobre a vida, a reprodução humana e sobre todas as coisas, ela acaba deparando com a morte. Um bichinho, uma plantinha ou uma pessoa que morre, desperta na criança a noção da interrupção do fluxo da vida. Em princípio a redução do animado ao estado de coisa inanimada é vista pela criança como uma questão de imobilidade. Quando enfim se convencer de que as perdas definitivas se relacionam ao morrer, então a imobilidade, para ela, será associada à morte. Assim, passa a representar, no nível simbólico, um terrível castigo ser tolhida de movimentos ou ser privada do movimento de algum de seus objetos de amor. Um adulto amado dormindo ou fingindo estar morto (pelo imobilismo) pode ser uma situação experienciada pela criança com profunda angústia. É possível que o medo da morte se instale nela ao mesmo tempo em que aumenta sua compreensão da vida e de suas potencialidades. Até certo ponto esse medo é natural, comum, previsível e pode ser superado. É freqüente que nessas ocasiões a criança passe a apresentar comportamentos de tagarelice, de arrumar indefinidamente brinquedos e roupas (garantindo o movimento das coisas amadas), ou de travar grandes amizades com colegas invisíveis (que lhe garantem ficar longe do silêncio), etc. essas reações devem ser respeitadas pelo adulto. Se a criança descobre a morte, tem que poder falar dela ou combatê-la, ao seu modo. Se não faz assim, a criança pode desenvolver fantasias fóbicas, compulsão masturbatória rítmica, tiques, gagueira, insônia ou enurese! Por tudo isso é importante que a descoberta da morte possa ser trabalhada pela criança. É fundamental que a criança possa viver o seu temor, e superá-lo. Esconder ou evitar o assunto pode proporcionar a crianças mais delicadas grandes dificuldades em lidar com perdas. Aprender a falar sobre o que causa dor e medo é o melhor remédio para resolver o desconforto desses sentimentos. A dor e o medo deixam, sim, de ser fantasmas inconscientes e podem aparecer e acabar resolvidos – o que não acontece com sentimentos reprimidos em sua tensão máxima. Existem alguns livros infantis que abordam esse tema da morte e que podem ser um material de apoio ao professor que perceba esse momento de dificuldade em seus alunos. Dramatizar, conversar ou trabalhar com atividades plásticas, relacionando-as ao texto, pode ser uma forma de dar voz aos sentimentos infantis sobre o assunto. Pode ajudar a criança poder saber que os adultos também lidam com esses sentimentos, que também eles sentem coisas desagradáveis e incômodas. Mas esses adultos têm de assegurar à criança que é possível “sobreviver” a esses sentimentos porque há (e a criança tem de poder experimentar que de fato há) sentimentos e acontecimentos ainda maiores, como a vida e o amor. O adulto deve convencer a criança a não se preocupar em demasia com a morte, sem negar, contudo, a intensidade e a seriedade dos seus temores infantis. Os avós costumam, sabiamente, dizer às crianças que não se preocupem com isso agora, porque ainda haverá muito tempo para se pensar a respeito bem mais tarde! É bastante comum que professores de crianças nessa faixa de idade reclamem da dificuldade com relação à hiperatividade de seus alunos, com seus insaciáveis desejos de brincar. Entretanto, essas crianças são perfeitamente sadias e bem resolvidas; estão vencendo e conquistando! Muito mais problemáticas e preocupantes são as crianças mórbidas, absolutamente concentradas em aborrecidas atividades escolares ininterruptamente, sem ruído e sem intervalo. O esperável é que a contenção escolar se intercale com movimento, algazarra e expressão livre. Quando a criança desdenha tais atividades, isso se constitui num sinal de desvitalização mórbida. Essa criança, sem, merece atenção redobrada. Em casos de profundo isolamento, os pais podem ser encaminhados para procurar ajuda de um profissional especializado no atendimento infantil. O Complexo de Édipo O grandemente popularizado conceito de Complexo de Édipo se constitui, sinteticamente, na estruturação da sexualidade feminina e masculina a partir das vivências parentais, em princípio, bastante conflituosas. O conceito “complexo” define uma ligação indissolúvel entre uma pulsão e sua interdição, tornados inconscientes. Em outras palavras o Complexo de Édipo é o desejo inconsciente da criança de ser o parceiro sexual de seu progenitor associado à proibição de sua satisfação. A criança terá de renunciar ao desejo incestuoso. Esse é o tabu social mais radical e profundamente enraizado na estrutura humana. O conflito edípico tornará possível o desenvolvimento de uma personalidade diferenciada e independente das figuras parentais; é por isso considerado a mais importante etapa do desenvolvimento psicossexual. A situação edípica masculina se instala entre quatro e quatro anos e meio aproximadamente. O filho brinca de matar o pai, ou quer um bebezinho da mãe, dorme entre pais, etc. aproximadamente aos seis anos, seis anos e meio, terá atingido o auge do conflito, solucionando ou adindo a resolução edípica final para a adolescência. Na sua fantasia, a criança deseja ser o complemento sexual de sua mãe. O menino sabe das diferenças sexuais, e fantasia os papéis correspondentes aos sexos. Para si, deseja a posse de sua mãe: reclama da severidade do pai, tenta monopolizar e impressionar a mãe, sente ciúme do que afasta sua mãe das atenções dispensadas a ele. Entretanto o menino reconhece a superioridade do pai. A mãe o ama, mas o menino sente que não é sua única preocupação. Quanto mais deseja a mãe, mais o pai lhe parece ameaçador. É comum a vivência fantasiosa do medo da castração; o menino teme que seu rival o prove do que ele tem de importante e prestigiado. Essa luta inconsciente toma grandes proporções. O objeto de desejo do menino e seu rival são vivenciados com profunda intensidade afetiva. A criança é susceptível de explosões de agressividade, de submissão ou de angústia, aparentemente sem explicações plausíveis. Subjetivamente, o menino vai resolver sua luta pela obediência ao tabu do incesto. E assim deve ser, em estruturas de personalidade normal. O menino, não podendo vencer seu rival, identifica-se com ele! Então a criança passa a querer imitar o pai e não a substituí-lo. Ele renuncia tanto mais rapidamente quanto melhor perceber a inutilidade da competição. A proibição estará associada ao desejo, e o ganho pela obediência a essa “lei” será a identificação com o papel correspondente ao seu sexo, ou seja, o rival torna-se o modelo da criança. Identificado com seu forte oponente, a criança se construirá igualmente forte; o menino posterga o desejo e tenta aprender a ser o homem que poderá, no futuro, conquistar uma mulher para si – sem culpa ou proibição. A valorização da masculinidade do filho, o incentivo e a aprovação das tentativas de imitar o pai (ou outro adulto masculino: parentes, heróis, ídolos, etc.) e a colocação nítida dos limites da relação entre o filho e a mãe são componentes importantes da ajuda que a figura materna pode dar à resolução edípica. Mães sedutoras e/ou extremamente apegadas a seus filhos podem prolongar, retardar ou impedir a resolução o conflito infantil (o que é uma das possibilidades de estruturação homossexual). Podemos relacionar ainda outras dificuldades nessa resolução, como a da identificação com a figura paterna. Pais que aos olhos da criança sejam extremamente violentos, injustos, malqueridos, ou incapazes, fracos e excessivamente omissos, também podem dificultar ou retardar o processo de identificação com a masculinidade que sugerem. Ao menino muitas vezes custa encontrar um modelo de masculinidade com que possa identificar-se. A situação edípica feminina dá-se cronologicamente um pouco antes dos meninos, sendo estruturalmente a mesma. A menina em princípio sente-se desvalorizada porque a mãe não lhe deu o mesmo apêndice anatômico tão valorizado por todos. É no pai que vai encontrar esse complemento. A menina fantasia que terá o pai só para si, começa a rivalizar com sua mãe. A filha torna-se coquete, quer atrair a atenção do pai, tenta sair sozinha com ele, faz manha e reclama de sua mãe, é possível que diga abertamente que é namorada de seu pai, e por aí vão as armadilhas que vai criando. Contudo, a menina percebe que sua rival possui atributos como seios, maternidade e outras coisas que as diferenciam, e, além disso, seu pai, no fundo, prefere a mãe. Começa então uma disputa de feminilidade que vai conduzindo a menina a abandonar a idéia incestuosa com relação a seu pai. Imitando a mãe, com seus vestidos e adereços, a menina posterga o desejo por seu pai e prepara-se para seduzir um homem para si mesma, algum dia. Identificada com a feminilidade adulta, o desejo é associado à proibição do desejo do pai. A menina aceita a lei porque lhe fica prometido o ganho feminino do corpo adulto de mulher, de seu homem, e de seus filhos. Esse conflito com uma figura tão amada é difícil para a filha. A ambivalência pode persistir por muitos anos nessa relação mãe-filha. A própria identificação com a feminilidade vai depender da atratividade dessa figura materna ou das substitutas que a menina procure para si: atrizes, professoras, mulheres lendárias. Figuras de mãe com características desprezíveis para a menina, ou pais muito possessivos, ciumentos e mesmo sedutores, podem retardar a liberação da menina para uma sexualidade feminina independente. De forma geral o Complexo de Édipo é a submissão a uma lei que interdita o desejo, e localiza sexualmente a criança. Chega portanto o momento (...) em que cessa a relação exclusiva sem qualquer distância entre os parceiros que unira até ai a criança à mãe (ou ao pai). Assim adultos impõem uma limitação de gozo, um sacrifício, um sofrimento (...). Com efeito, é esta regra imposta pelos pais, pelo amor dos pais, que vai propriamente ensinar-lhe a ser uma criança: sair da confusão sexual com o mundo dos adultos; de aí em diante, ela vai aprender a sus situação de criança, os seus “direitos de criança”, e que criança é um ser ao qual são impostas certas limitações, mas que goza de certas vantagens, ao mesmo tempo que se prepara para novas vantagens; abertura para o futuro; esta renúncia ao primeiro objeto de amor prepara a criança para renunciar ao imediato, e suscitar, aceitar satisfações adiadas; um futuro que a espera e que ela, no entanto, tem que conquistar: o futuro abre perante a criança (...). Abertura para o mundo: a criança vai deixar de apostar tudo nas suas relações com os pais, no “dar prazer aos pais”, e vai dirigir-se aos outros nomeadamente aos camaradas da sua idade e para tarefas valorizadas (Snyder, 1984, p. 255). No ambiente escolar é muito comum que os problemas comportamentais e familiares com que lidam os professores estejam relacionados ao conflito edípico. Contudo, essa vivência familiar e infantil é absolutamente inconsciente (com exceção das estruturas patológicas, os pais não permitem a efetivação do desejo incestuoso, nem as crianças lidam conscientemente com o conflito sexual). Por isso, o entendimento do Complexo de Édipo para os educadores pode cooperar para o entendimento do papel privilegiado da figura feminina da professora para ser o modelo das meninas ou o objeto de amor dos meninos; para a compreensão da freqüente instabilidade emocional desse período; e para o dimensionamento do importante papel da escola de valorizar a complementaridade dos papéis sexuais. É freqüente que os professores forcem os alunos a trabalhar em grupos heterogêneos, criticando e impedindo a formação dos clubinhos fechados de meninos e meninas. Acontece que as crianças preferem essas discriminações porque precisam dessa diferenciação! Só lhes será possível compreender a complementaridade se souberem (intimamente) de qual grupo fazem parte. As panelinhas e as paixões românticas por alunos ou professores são facetas da estruturação da personalidade. As próprias crianças desamarram esses nós com o tempo, se lhes dermos permissão e autonomia para serem o que são: crianças, ou seja, seres em desenvolvimento e transformação! Fase de latência A partir dos seis, sete anos, aproximadamente, até a adolescência, a sexualidade infantil permanecerá em latência. Os pontos de fixação e dificuldades podem aparecer, mas apenas a adolescência será um novo período de experiências sexuais tão intensas. Durante a fase de latência a criança vai experimentar os mecanismos de defesa que desenvolveu, vai alimentar sua fome de satisfação e prazer como lhe tiver ficado estruturada a personalidade até então. Se aparecem problemas escolares podemos basear-nos nas fases de desenvolvimento psicossexual por que passaram, para subsidiar nossa reflexão e orientar nossa ação pedagógica no sentido de proporcionar vivências reequilibradoras da estrutura psíquica e facilitadores da maturação sexual sadia – leia-se: feliz! Conclusões Esquematicamente poderíamos apresentar a conclusão de que vivências desequilibradas pelo excesso ou pela falta de cuidado e preocupação com a criança resultam, no futuro, na tentativa de repetir ou inverter a situação como forma psíquica de reequilibrar o vivenciado. Esse esquema não prevê exatamente que situação gera tal traço característico na criança: ao contrário, aponta para a dinâmica que faz o psiquismo humano tão plástico, flexível! A sexualidade infantil a impulsiona a travar relações substitutas mais saudáveis! E as crianças vão crescendo feito plantinhas buscando mais luz. Aqui se configura o importantíssimo papel da educação na formação psicológica do ser! A professora é mais uma chance importante de relacionamento equilibrado e restaurador do equilíbrio interno da criança. Com atenção e respeito, a “tia” não vai só ensinando conteúdos curriculares; vai também ajudando a criança a aprender a ser feliz, a estabelecer relações de troca saudáveis, baseadas no afeto, na segurança e na imposição de limites justos, direitos e deveres que permitam ao conjunto dos alunos o desenvolvimento do potencial de cada um. Se fôssemos resumir numa palavra um manual de como relacionar-nos com crianças, diríamos: equilíbrio. A postura pedagógica baseada em relações com a criança que promovam equilibradamente seu desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, acaba por fazer da tarefa educacional tanto a formação do indivíduo integrado, quanto a prevenção de cristalizações não saudáveis (fruto de experiências desequilibrantes). Não é produtiva a idealização do processo educacional, mas é permitido desejar. É importante convencer a nós, professores, de que fazemos um fantástico trabalho de constituição da subjetividade da criança quando usamos a expressão artística, a expressão oral, escrita e corporal, a literatura infantil e o próprio conteúdo programático para viabilizar o crescimento e o amadurecimento psicológico da criança. Quando dizemos que o aluno é assim, ou tem aquele problema, estamos descodificando seu pedido de ajuda, e, se lhe emprestamos nossa sensibilidade, podemos contribuir para seu desenvolvimento. Ainda bem que estamos todos, adultos e crianças, sempre mudando, podendo, crescendo. Somos todos as crianças que já fomos, e as que vão vir para olhar nossos olhos! Referências bibliográficas DOLTO, Françoise. Psicanálise e pediatria. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. ______. Como orientar seu filho. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. FREUD, Sigmund. Tres ensayos para una teoria sexual. In: ___. Obras Completas. 4. ed. Madrid: Editora Biblioteca Nueva, 1981. v. 2, p. 11698-230. MILLOT, Catherine. Freud antipedagogo. Rios de Janeiro: Zahar, 1987. RAPPAPORT, Clara R. et al. Teorias do desenvolvimento. São Paulo: EPU, 1981. SNYDERS, Georges. Não é fácil amar nosso filhos. Lisboa: Dom Quixote, 1984. Marcondes, Kathy A., RCP-Univ.Pedag., Vitória, v.5, n.2, p. 22-31, jul/dez. 1992