Justificação Inferencial e Probabilidade epistêmica

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Justificação Inferencial e Probabilidade epistêmica
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Justificação Inferencial e Probabilidade epistêmica
Kátia Martins Etcheverry, Cláudio G. de Almeida (orientador)
Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,
Resumo
Introdução
Consideremos, dentro da perspectiva do Fundacionismo Epistêmico, o seguinte
princípio de justificação inferencial (PJI), proposto por Fumerton (1995, p. 36): “Para que se
esteja justificado em crer em uma proposição P com base em E, é preciso que se esteja (1)
justificado em crer que E e (2) justificado em crer que E torna provável P”.
De acordo com a cláusula (1) de (PJI), para que o sujeito esteja justificado em crer em
uma dada proposição P, com base em outra proposição, digamos E1, deve também estar
justificado em crer que E1. Mas, para isso ele precisa inferir, de modo legítimo E1, de alguma
outra proposição, digamos E2, na qual também deve estar justificado em crer, devendo inferila de E3, e assim ad infinitum. Este é o regresso infinito alegado no conhecido argumento
cético de Agripa. A resposta oferecida pelas teorias fundacionistas a esse argumento assume
que nem toda justificação seja inferencial, de maneira que o regresso na cadeia de razões é
interrompido pela existência, em seu ponto final, de crenças básicas, que são justificadas de
modo não-inferencial, constituindo o alicerce da estrutura de crenças.
A simplicidade dessa tese fundacionista é apenas aparente. De fato, mostrar que tipo
de crenças estão assim qualificadas tem se configurado em importante desafio ao
fundacionismo, pois, para que possam servir de suporte justificacional para as demais crenças
da estrutura, as crenças básicas devem ser de natureza tal que possuam alguma qualidade
intrínseca que garanta (em um grau epistemicamente interessante) sua verdade. Apesar da
respeitabilidade do problema envolvendo a tese fundacionista sobre a existência de crenças
justificadas não-inferencialmente, o presente trabalho se ocupará, basicamente, da outra tese
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do fundacionismo: a de que existem crenças justificadas inferencialmente, formando o
edifício de crenças, apoiadas nas crenças fundacionais.
A cláusula (2) de (PJI) torna a situação, do ponto de vista do movimento regressivo da
justificação, ainda mais complexa. Por isso, enquanto a primeira cláusula é aceita por todos os
tipos de fundacionismo, a segunda é objeto de controvérsia1 por parte de defensores de
posições externalistas, sob a acusação de que ela conduziria a um regresso infinito de razões,
induzindo ao ceticismo. Evitar o regresso vicioso alegado pelo ceticismo exige, portanto, que
nossas crenças se relacionem de modo a formar uma estrutura organizada higidamente do
ponto de vista epistêmico. Isto é, toda crença justificada deve estar devidamente apoiada em
outra crença justificada, seja ele fundacional ou não.
Através de “bom raciocínio”, reconhecidamente, obtém-se crenças bem-fundadas. A
lógica dedutiva fornece bom raciocínio de forma perfeita, mas, como Descartes ensinou, ela
não pode ser de grande auxílio quando se trata de justificar crenças sobre o mundo exterior.
Assim, parece sensato fazer uso de uma lógica “não-dedutiva”, que se qualifique como “bom
raciocínio”. Argumentos cujas premissas tornam provável, em medida epistemicamente
satisfatória, a verdade da conclusão parecem ser exemplos de “bom raciocínio”, ou pelo
menos assim tem sido considerado por um número expressivo de epistemólogos.
Para o internalismo inferencial, defendido por Fumerton, a noção de “justificação
inferencial” só é viável se forem respeitadas ambas as cláusulas de (PJI). Ou seja, quando uma
crença é invocada como suporte de outra, deve-se não só estar justificado em aceitar a crença
de apoio como verdadeira, mas também estar justificado em crer que a verdade da crença de
apoio torna provável verdade da crença que é apoiada. Já o fundacionismo externalista
considera que, para a justificação inferencial de uma dada crença P, basta que se esteja
justificado em crer que P com base em E ( por exemplo, que a crença P tenha sido formada
através de um processo que produz, normalmente, mais crenças verdadeiras do que falsas).
A sugestão de Fumerton (1995, p. 198), em linhas gerais, é a de que a relação de
“tornar provável”, que existe entre E e P, para ser relevante epistemicamente, deve ser
entendida à semelhança das relações da lógica dedutiva, como a de acarretamento. Adota,
assim, uma concepção keynesiana de probabilidade, segundo a qual dizer que existem regras
permitindo a passagem, de modo legítimo, da crença E para a crença P, em alguma medida,
não seria diferente de dizer que existe uma conexão apropriada, lógica ou probabilística, entre
1
A cláusula (2) de (PJI) encontra alguns críticos, entre os quais, Huemer (2002) e Greco (1999), com respostas
em Fumerton (2004 e 2006).
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E e P, a qual seria necessária e a priori. Dessa maneira, Fumerton pretende poder alegar que
podemos ter uma relação de familiaridade com algumas proposições do tipo “E torna provável
P”, as quais podem, assim, ser justificadas não-inferencialmente. A dificuldade que se
apresenta aqui é justamente quanto a inferências indutivas. Ou seja, a questão colocada ao
defensor do internalismo inferencial envolve a capacidade (ou incapacidade) de seres
racionais, como nós, de termos uma relação de familiaridade com (pelo menos algumas)
proposições do tipo “E torna provável P”, de modo a crer nelas com justificação nãoinferencial.
Metodologia
Utilizou-se como metodologia a análise crítico-descritiva envolvendo, basicamente, a
pesquisa bibliográfica especializada, visando uma apropriação adequada dos conceitos
pertinentes à questão.
Conclusão
Fumerton se vale da idéia de “familiaridade”, no esforço duplo de evitar as questões
regularmente apresentadas em argumentos céticos, e, também , estabelecer que a partir da
relação de “tornar provável”, construída como uma verdade sintética a priori, crenças
justificadas não-inferecialmente acerca de, pelo menos algumas, proposições do tipo “E torna
provável P” são viáveis. Mas, o próprio Fumerton se coloca de modo pessimista quanto à
possibilidade de defesa da interpretação keynesiana de probabilidade. O que lhe põe diante
das seguintes alternativas: ou bem desistir do internalismo inferencial, assumindo a alternativa
externalista de justificação inferencial, ou insistir em tentar mostrar que pode contar com a
análise keynesiana de probabilidade.
Referências
FUMERTON, R. Metaepistemology and Skepticism. London: Rowman & Littlefield Publishers, 1995. 234 p.
________.
Epistemic Probability. Philosophical Issues, v. 14, p.149-164, 2004.
________. Epistemology. Malden: Blackwell Publishing, 2006. 145 p.
GRECO, J. Agent Reliabilism. In: TOMBERLIN, J. E. (ed.). Philosophical Perspectives, v. 13. Malden:
Blackwell Publishers, p. 273-296, 1999.
HUEMER, M. Fumerton’s Principle of Inferential Justification. Journal of Philosophical Research, v. 27, p.
329-339, 2002.
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