“UM AMOR IMPOSSÍVEL” DA LINGUAGEM VISUAL PARA A
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“UM AMOR IMPOSSÍVEL” DA LINGUAGEM VISUAL PARA A
Modalidade: Comunicação Oral (apresentação no formato slides ou pôster) GT: Artes Visuais Eixo Temático: Poéticas e práticas artísticas na escola: hibridização, mestiçagem e pluralidade. “UM AMOR IMPOSSÍVEL” DA LINGUAGEM VISUAL PARA A LINGUAGEM AUDIOVISUAL Drª. Keller Regina Viotto Duarte (Univ. Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil) Msª. Maria Helena Machado Farina (Faculdade Sumaré, São Paulo, Brasil) RESUMO: Propomos demonstrar uma prática em arte que contemple a linguagem visual, enquanto leitura e análise da obra de arte, e a linguagem audiovisual, no que diz respeito ao próprio fazer artístico. Para tanto, apropriamo-nos da videoarte como possibilidade de linguagem e de espaço crítico à linguagem tão cotidiana do vídeo, presente hoje nas telas domésticas assim como nos dispositivos móbil. O vídeo “Um amor impossível”, apresentado aqui, deu-se a partir da obra selecionada: “Lindonéia: a Gioconda do subúrbio”, de Rubens Gerchman, de 1966. O artigo pretende apresentar o processo criativo e discutir a passagem entre linguagens, no caso, da imagem fixa para a imagem em movimento, como uma possibilidade para a formação de professores em arte. Palavras-chave: Linguagem visual; linguagem audiovisual; processo de criação; formação de professores. RESUMEN: “UN AMOR IMPOSIBLE” – DESDE EL LENGUAJE VISUAL AL LENGUAJE AUDIOVISUAL Proponemos demostrar una práctica dentro del arte que contemple el lenguaje visual como lectura y análisis de la obra de arte y del lenguaje audiovisual en relación a la propia realización artística. Por tanto, nos apropiamos del “videoarte” como posibilidad de lenguaje y de espacio crítico al lenguaje tan cotidiano del vídeo, hoy presente en las pantallas domésticas así como en los dispositivos móviles. El vídeo “Un amor imposible”, se dio a partir de la obra seleccionada: “Lindonéia: la Gioconda del suburbio”, de Rubens Gerchman, de 1966. El artículo pretende presentar un proceso creativo y discutir el paso entre lenguajes, en el presente caso, desde la imagen fija hacia la imagen en movimiento, como una posibilidad para la formación de profesores de arte. Palabras clave: Lenguaje visual; lenguaje audiovisual; proceso de creación; formación de profesores. 1. Introdução “Um amor impossível” refere-se à obra escolhida para esta pesquisa de passagem entre linguagens. O princípio do processo criativo deu-se com a busca por uma imagem figurativa, feminina, brasileira e contemporânea. Características essas, selecionadas pela convergência por similaridade com a professora-atriz disposta a vivenciar essa construção da personagem. Neste percurso encontramos “Lindonéia, a Gioconda dos Subúrbios”, obra de Rubens Gerchman, de 1966. Essa proposta tem por objetivo explorar elementos das linguagens visual e audiovisual, ou seja, da imagem fixa para a imagem em movimento. A obra selecionada desencadeou uma leitura da imagem, apoiada na metodologia de leitura da imagem de Robert William Ott, que amplificou o nosso olhar diante da obra. Numa busca por uma passagem para a linguagem audiovisual, iluminação, voz, sonoplastia, música, gesto, máscara, personagem, figurino, objetos cênicos, roteiro, enquadramento, foco, dentre outros elementos, traduzem linha, forma, espaço, cor e sombra. Com o desencadeamento do processo criativo, construções da obra de Rubens Gerchman foram experimentadas num contexto de espaço e tempo diferentes. Em “Lindonéia, a Gioconda dos Subúrbios”, a imagem fixa, a centralização da figura, o enquadramento da composição, o texto visual-verbal, a cor predominante, delimitam o espaço da superfície e eternizam um instante. No audiovisual “Um amor impossível”, há uma elasticidade do tempo no qual insere-se as cenas e os deslocamentos da personagem, da luz, da cor, ou seja, insere-se o movimento, elementos pertinentes à linguagem audiovisual. A atribuição de sentido expressa na obra “Lindonéia, a Gioconda do Subúrbio”, é recuperada e ressignificada na representação audiovisual: “Um amor impossível”. Signos visuais pictóricos adquirem nova conotação em signos audiovisuais. A pesquisa consiste em transpor tudo que está envolvido neste quadro de Gerchman para uma nova cena capturada por câmera de vídeo digital, com intenção de videoarte. Para isso, também foi utilizada a canção ”Lindonéia” de Caetano Veloso, uma vez que ela dialoga com a obra, seu contexto, seu autor e sua época. O processo de pesquisa e criação constituiu um desafio de comunicação e interação entre universos próximos, porém distintos. Para tanto, apresentamos no item 2. uma leitura da imagem escolhida de acordo com a metodologia de leitura de imagem de Robert William Ott. Segue a transposição para a linguagem audiovisual, que contempla signos específicos dessa passagem de linguagens. O relato do processo criativo vivenciado é apresentado no item 4. No item 5. apresentamos o próprio vídeo. Para finalizar destacamos que dessa experiência prática extraímos uma proposição para a formação de professores no uso destas linguagens artísticas. 2. Uma leitura da obra: “Lindonéia, a Gioconda dos Subúrbios” As autoras Mirian Celeste Martins, Gisa Picosque e Maria Terezinha Telles Guerra no livro Teoria e Prática no Ensino da Arte: A língua do mundo, destacam a importância da leitura da obra de arte quando dizem: Propor a leitura de uma obra de arte pode ser então, mediar, dar acesso, instigar o contato mais sensível e aberto acolhendo o pensar/sentir do fruidor e ampliando sua possibilidade de produzir sentido. É um processo de recriação interna que não pode se restringir a um jogo de perguntas e respostas. (MARTINS, 2009. p.71). Escolhemos a metodologia de leitura de imagem de Robert William Ott que propõe uma observação atenta e uma análise crítica direcionada ao ensino de arte, composto por 5 categorias: descrição, análise, interpretação, fundamentação e revelação. A partir da imagem “LINDONÉIA A GIOCONDA DO SUBÚRBIO” seguiremos esse processo. Figura 1 – Imagem referente à obra “Lindonéia, a Gioconda dos subúrbios”, de Rubens Gerchman. Fotografia digital por Keller Duarte. Fonte: Arquivo digital pessoal. Descrição: Rosto feminino, frontal, em close ocupa o centro da imagem. A moça tem cabelo escuro curto e não simétrico. Olhos escuros e uma sombra sob o olho esquerdo. Boca fechada com lábios carnudos e irregulares. A cor amarelada é chapada e é a mesma na pele e no fundo/entorno da imagem. Há uma moldura espelhada com estilo veneziano (flores desenhadas no espelho artesanalmente) entre a figura e o fundo. Acima da moldura, o texto UM AMOR IMPOSSÍVEL aparece escrito com tipografia com letras maiúsculas, sem serifa, num formato curvo. Abaixo da moldura, seguindo a mesma tipografia, num formato em linha horizontal, com margem à esquerda segue o texto: A BELA LINDONÉIA, com subtexto com letras em tamanho bem menor: DE 18 ANOS MORREU INSTANTANEAMENTE. Análise: O campo visual escolhido por Gerchman usa a forma do quadrado (60 x 60 cm.), que imobiliza a imagem. A figura é centralizada por uma moldura espelhada, colada sobre a base de madeira, que segue a proporção da foto 3 X 4. A composição utiliza o equilíbrio como referência visual predominante. O autor Donis Dondis refere-se ao equilíbrio afirmando sua relevância na composição da imagem: O equilíbrio é tão fundamental na natureza quanto no homem. É o estado oposto ao colapso. É possível avaliar o efeito do desequilíbrio observando-se o aspecto de alarme estampado no rosto de uma vítima que, subitamente e sem aviso prévio, leva um empurrão. Na expressão ou interpretação visual, esse processo de estabilização impõe a todas as coisas vistas e planejadas um “eixo” vertical, com um referente horizontal secundário, os quais determinam, em conjunto, os fatores estruturais que medem o equilíbrio. Esse eixo visual também é chamado de eixo sentido, que melhor expressa a presença invisível mas preponderante do eixo no ato de ver. Trata-se de uma constante inconsciente. (2007, p. 32 e 33) É possível verificar essa presença invisível do eixo vertical na figura do rosto da personagem pictórica da Lindonéia. Na imagem há o predomínio da cor amarela, numa tonalidade mostarda. Tanto na figura como no fundo essa coloração é constante. O amarelo é a cor mais próxima da luz e do calor. Nesse caso, com uma tonalidade escurecida, fechada, que valoriza aspectos emocionais depressivos. De acordo com estudos cromáticos de Johannes Itten (1888 – 1967), um dos aspectos emocionais provocados pelo amarelo pode ser associado com medo, fragilidade emocional, depressão, ansiedade e suicídio. Tais características psicológicas da cor vão ao encontro das intenções do artista. As sombras são de tonalidades abaixo da cor predominante, variando entre o ocre e o sépia. Não há um único ponto direcional de luz, portanto a área de sombra é eleita pelo artista com propósito de deformar a figura. No lado esquerdo da imagem, a sombra aparece sob o olho, acompanhando a linha do nariz e abaixo do lábio inferior em tonalidades diferentes. Esses indícios de sombra sugerem um posicionamento da luz, da esquerda para a direita, valorizando a assimetria da cabeça da Lindonéia. As linhas que definem a forma do rosto como um todo são sempre curvilíneas variando em espessura. O cabelo pode ser considerado uma única linha espessa e ondulada. A opção pela representação do rosto de Lindonéia, a partir da fotografia publicada nas páginas policiais do jornal e interpretada pelo artista, na imagem pictórica, aproxima a figura do cotidiano da cena histórica. Segundo Dondis: A unidade é um equilíbrio adequado de elementos diversos em uma totalidade que se percebe visualmente. A junção de muitas unidades deve harmonizar-se de modo tão completo que passe a ser vista e considerada como uma única coisa. (2007, p.145) É possível identificar a harmonia pela junção de muitas unidades na obra analisada. Seja no retrato da Lindonéia, na moldura de espelho ou ainda no texto complementar sobre o fundo da mesma forma e cor da imagem central. A ênfase dada à figura pode ser verificada pelo contraste com o fundo uniforme. A valorização do plano, da superfície percebida pela ausência da perspectiva elimina a aparência natural de volume, o que caracteriza a imagem planar. Interpretação: Os elementos plásticos visuais sugerem dor, marcas de violência, abandono. Lindonéia aparece apreensiva, triste e “torta”. A cor usada tanto remete à mestiçagem (no caso, a cor da pele parda) como à falta de vitalidade. O espelho, com característica de época, traz uma estética kitsch que reforça o ambiente doméstico do subúrbio brasileiro da década de 60. O padrão de foto 3 X 4, usado em documentos de identificação, a torna uma entre tantas outras. O texto “UM AMOR IMPOSSÍVEL” provoca dúvida, questionamento, frustração e mistério. Num primeiro momento diante dessa frase, fica-nos a pergunta: Por quê? O texto abaixo da moldura complementa a perplexidade diante do impacto da imagem. A palavra BELA e a expressão DE 18 ANOS, acentuam o aspecto trágico da morte instantânea. Reconhece-se ali a dramaticidade da composição. A imagem é capaz de provocar o sentimento de compaixão no observador. Assim que percebemos a condição de vítima em que a figura é apresentada, é possível relacioná-la com tantas outras jovens que têm suas vidas interrompidas bruscamente e precocemente por diversas razões. Fundamentação: O objeto artístico aqui apresentado foi criado por Rubens Gerchman. Com o título “Lindonéia – a Gioconda do subúrbio”, data de 1966. Feito com vidro, colagem e metal sobre madeira, medindo 60×60 cm. Pertence à coleção Gilberto Chateaubriand do MAM – RJ. Rubens Gerchman, brasileiro, carioca, nasceu em 1942 e morreu em 2008. Artista plástico ligado a tendências vanguardistas como a pop art e influenciado pela arte concreta e neoconcreta, Gerchman contribuiu para sedimentar o território da arte contemporânea no Brasil. Em 1964, opondo-se ao abstracionismo formal, assim como ao concretismo e neoconcretismo, participou da chamada nova figuração no Brasil. Tal movimento guarda marcantes diferenças em relação ao contexto norte americano e europeu da pop art. A nova figuração traz uma temática urbana, com referência direta aos meios de comunicação e à publicidade, ou seja, à indústria cultural. Dessa forma, atingia um público mais abrangente, que se identificava com o repertório da obra. O Brasil, além de se encontrar na periferia do capitalismo, era de caráter eminentemente rural. Enquanto país de terceiro mundo, buscava uma nova identidade nacional num período em que o país queria acompanhar a pós- modernidade. No entanto, a situação social, econômica e política inibe e limita esta conquista. Gerchman foi um artista que persistiu na busca desta identidade cultural, usando ícones do futebol, da televisão e da política em suas obras. A breve biografia apresentada revela a importância do artista no cenário da vanguarda brasileira da segunda metade do século XX. Em 1965, participou da Bienal de São Paulo e da Mostra Opinião-65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A mostra, que adotou uma perspectiva estética da pop art americana e do novo realismo europeu, teve a participação de Gerchman, Hélio Oiticica, Vergara, Ivan Serpa, Flávio Império, Roberto Magalhães, entre outros. Em janeiro de 1967, juntamente com expoentes da vanguarda brasileira, ele participou da Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda. Esse foi um momento que rompeu com as fronteiras geográficas da arte, dando-lhe um caráter internacional. Nesse período, também foi o designer do pôster do filme “Copacabana me engana” dirigido por Antonio Carlos Fontoura e ainda da capa do disco Tropicália, Panis et Circences. Entre 1975 e 1979, Gerchman criou a Escola de Artes Visuais do Parque Lage da qual foi seu diretor até 1979. Durante a década de 1970, foi um dos fundadores e diretor da revista “Malasartes”. Em 1980, ele recebeu o prêmio de desenho na Segunda Bienal Íberoamericana no México. Em 1981, convidado por Lina Bo Bardi, Gerchman criou um mural feito de azulejos para o SESC-Pompéia em São Paulo. Ainda nesse ano, recebeu do governo do estado do Rio de Janeiro, o prêmio Golfinho de Ouro Personalidade do Ano no setor de Artes. Em 1985, ganhou um prêmio em Nápolis, Itália, pelos cartazes produzidos no Rio de Janeiro, os quais ele desenhou para uma peça de Eduardo Filippo. Em 1992, ele exibiu no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro uma tela de 45 m, intitulada “Chlorophyla”, produzida em Manchester, Inglaterra, que foi exibida na Bienal de São Paulo. Em 1996, Aderbal Freire Filho montou uma peça inspirada na obra de Rubens Gerchman. O artista iniciou a construção de seu estúdio em 1997. Em 2001, exibiu “Caixa de Fumaça” no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Mesmo após sua morte, sua obra repercute no cenário histórico e artístico contemporâneo. O autor Vitor Marcelino da Silva publicou em 2012, no VIII EHA - Encontro de História da Arte – UNICAMP, o artigo “O processo de apropriação de imagens em “Lindonéia - A Gioconda do subúrbio” de Rubens Gerchman”, onde discute e analisa a obra. Dessa análise extraímos algumas considerações do autor: À primeira vista, “Lindonéia” apropria-se diretamente de um retrato de uma desconhecida retirado dos jornais, mas não é exatamente isso o que ocorre. O rosto da personagem é “criado” pelo artista que se apropria não de uma imagem em si, mas da maneira de construir uma imagem de jornal. Assim, questões referentes à linguagem e à estrutura da imagem impressa e reproduzida (inclusive sua baixa qualidade técnica) se tornam importantes características da obra. [...] Não devemos também desconsiderar a ironia provocativa de Gerchman na obra, ao relacionar sua desconhecida Lindonéia com a aurática Gioconda de Leonardo da Vinci. [...] Na obra, também percebemos o destaque da figura do outro, uma vez que Gerchman não pertencia à mesma classe social de Lindonéia. Tal destaque acaba criando relações inevitavelmente políticas. [...] Assim o kitsch aparece em “Lindonéia” não apenas na apropriação da moldura de vidro, mas também na apropriação da linguagem do jornal impresso. Claro que Gerchman não almeja simular efeitos superficialmente, muito menos pavonear sua obra, mas sim apropriar-se daquilo que já estava “pavoneado” refletindo por sua vez a melancolia, a solidão e o luto da população brasileira. Sem querer definir kitsch como algo inferior à condição da arte, Gerchman traz para sua produção a estética declaradamente popular desse tipo de objeto e linguagem de massa. [...] O que pudemos perceber de maneira geral em “Lindonéia”, é o abandono de questões tradicionais da arte como autoria, originalidade e unidade. Ao negar essas tradições, Gerchman mostra um desligamento completo da tradição modernista e embarca na produção contemporânea, ou se preferirem, pós-moderna da arte. Em seu texto analítico crítico, o autor valoriza e contextualiza a obra de Gerchman, destacando aspectos que foram significativos para nossa produção. Revelação: Neste momento, Ott desafia o leitor a um processo criativo a partir da obra lida. Considerando as possibilidades da dupla de professoras-artistas para esse processo criativo que inclui conhecimento e experiência com a linguagem cênica, com Rádio/TV e cinema, ou melhor, com o audiovisual, a criação de personagem, conhecimentos das artes visuais referentes à maquiagem, construção de objetos cênicos, figurino, cenário, filmagem, direção, enfim, reunindo competências distintas, uma complementava a outra, o que justificava a parceria. Interessadas em arte na contemporaneidade, a busca por um meio e linguagens que dialogassem com as possibilidades e interesses da dupla, verificamos que o audiovisual apresentava-se como uma possibilidade. Nesse caso, propusemos a criação da videoarte “Um amor impossível”, descrita no item 3. 3. Processo criativo: Transposição para a linguagem audiovisual As etapas da criação de um vídeo passam primeiramente pelo argumento e roteiro. Nosso argumento surgiu a partir da leitura e análise da imagem “Lindonéia, a Gioconda do subúrbio” de Rubens Gerchman. Dessa leitura percebemos possibilidades de interpretação do retrato em si, que propõe a construção da personagem Lindonéia, tida aqui como personagem principal e anti-heroína, assim como a narrativa sugerida pelo texto que compõe a obra: A BELA LINDONÉIA DE 18 ANOS MORREU INSTANTANEAMENTE. Entende-se por anti-heroína a personagem que se assemelha à vilã: errada, feia. Mas, como a heroína, é personagem pelo qual narrador e espectador torcem, com quem se identificam e se emocionam. Optamos pelo gênero drama com tom de mistério, provocado pela nossa interpretação da obra. Nosso ponto central foi a personagem Lindonéia. Transpusemos essas ideias para o tempo e o espaço da linguagem audiovisual. Santaella e Noth no livro Imagem: cognição, semiótica, mídia, discutem as percepções espaço temporais tanto nas imagens fixas como na videografia conforme podemos constatar nas citações referidas: Sendo fixo, por limitações do próprio suporte, esse tipo de imagem organiza-se muito mais sob a dominância do espaço do que do tempo. Ao contrário, as imagens em movimento, só podem se desenvolver no tempo. Mas não é com muita facilidade que a noção de tempo se desprende da noção de espaço. (2008, p.76) Citando Arlindo Machado, os autores complementam: O vídeo, por consequência de sua própria constituição é o primeiro mídia a trabalhar concretamente com o movimento, isto é, com a relação espaço-tempo”. (2008, p.77) Assim, decidimos iniciar o vídeo com a representação cênica da morte da Lindonéia. Signos representativos da morte da personagem foram escolhidos. A partir de uma pesquisa na Internet, selecionamos a música “Procissão das carpideiras - Op 8”, do compositor baiano Lindembergue Cardoso (1939 – 1989), como complemento fúnebre à cena. Durante a música entra um vulto enlutado que acende uma vela e leva flores ao crucifixo com placa datada: Lindonéia ,1948 – 1966 (correspondentes à data da obra: 1966 menos 18 anos, idade de Lindonéia quando morreu). A ênfase à luz amarela ocorre em função da cor amarela presente na imagem de Gerchman. Segundo Vittorio Storaro, cinegrafista de Apocalypse Now, de Coppola: As cores têm significados específicos, que são transmitidos ao espectador como vibrações de energia. Compreendendo ou não os significados que ele estava tentando expressar, a plateia ficou impressionada com a paleta de fortes cores primárias do filme.” (FRASER, 2007. p. 96). No vídeo “Um amor impossível”, ruídos, vozerio e a diagramação da notícia trazem ao imaginário do espectador o ambiente de bastidores de uma redação de jornal. Uma voz masculina off anuncia a morte instantânea de Lindonéia, simulando um noticiário de rádio policial que comunica diariamente fatos da violência do cotidiano urbano. Em seguida, entra a música de Caetano Veloso: “Lindonéia”, interpretada por Fernanda Takai, que atualiza a gravação. Lindonéia (Composição de Caetano Veloso) Na frente do espelho Sem que ninguém a visse Miss Linda, feia Lindonéia desaparecida Despedaçados Atropelados Cachorros mortos nas ruas Policiais vigiando O sol batendo nas frutas Sangrando Oh, meu amor A solidão vai me matar de dor Lindonéia, cor parda Fruta na feira Lindonéia solteira Lindonéia, domingo Segunda-feira Lindonéia desaparecida Na igreja, no andor Lindonéia desaparecida Na preguiça, no progresso Lindonéia desaparecida Nas paradas de sucesso Ah, meu amor A solidão vai me matar de dor No avesso do espelho Mas desaparecida Ela aparece na fotografia Do outro lado da vida Despedaçados, atropelados Cachorros mortos nas ruas Policiais vigiando O sol batendo nas frutas Sangrando Oh, meu amor A solidão vai me matar de dor Vai me matar Vai me matar de dor A canção de Caetano nos anos 70 dialogou com a obra de Gerchman inserida no movimento da Tropicália. Nesse momento do vídeo, entra a protagonista dançando num fundo preto, na penumbra, entre os objetos cênicos janela e espelho. Objetos esses escolhidos pela ampla significação simbólica: passagem, dentro/fora, casa, vida/morte, memória, identidade, fantasma,... A ação da personagem consiste em transitar pelo espaço da cena, contracenado com os objetos enquanto tenta alcançar vozes que dizem versos extraídos de poemas de Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade e fragmentos de textos de Clarice Lispector. Nessa busca, Lindonéia é impedida por uma “parede” amarela de acrílico que materializa a impossibilidade do amor. Uma reconstrução audiovisual da própria imagem da Lindonéia de Gerchman encerra a narrativa. Contexto e conceito são fundamentais na prática artística. Assim também ocorre na videoarte, que surgiu em meados dos anos 60, quando meios de comunicação de massa imperavam, especialmente a televisão. Videoartistas defendiam a ideia da forma televisual enquanto meio de diálogo crítico com a TV. Para a videoarte, [...] o que está em questão é a intenção do artista, ao contrário da intenção do executivo de televisão, do cineasta comercial ou mesmo do videomaker: a obra não é um produto para venda ou consumo de massa. A estética de videoarte, por mais intencionalmente informal que possa ser, exige um ponto de partida artístico, por parte dos videoartistas, semelhante ao do empreendimento estético em geral. O vídeo, como forma de arte, deve ser distinguido dos usos de vídeo, mesmo os executados de forma artística, em documentários, notícias e outros campos significativos, ou seja, adaptados. (Rush, 2013, p. 76-77). A videoarte é uma das formas da linguagem audiovisual, que inclui a televisão, o vídeo publicitário, dentre outras. Nosso processo criativo se consolida na produção do vídeo nomeado “Um amor impossível”. 4. Proposições para uma formação de professores “Pensar o ensino de arte é pensar modos de gerar processos educativos propositores de ações para poetizar, fruir e conhecer arte”. Assim afirmam as autoras no livro Teoria e Prática no Ensino da Arte: A língua do mundo, as autoras (MARTINS, 2009, p.144). Pensar, procurar, reunir e organizar ideias. Explicá-las, conceituá-las, relacioná-las, enfim, propor uma articulação que gere outras ideias. Dar forma e materialidade às ideias é parte primordial desse processo. Por modo, entende-se: como, ou ainda, possibilidades, forma de propor processos educativos. Que os professores possam indicar trajetórias que levem os estudantes a uma experiência artística, seja no campo da apreciação ou do fazer. Proposições que desencadeiem projeto, processo criativo, vivências que relacionem e acionem os códigos das linguagens possíveis em arte, cumprem seu desígnio, seja no âmbito individual ou coletivo. O projeto desenvolvido e descrito aqui, intitulado “Um amor impossível”, que propõe uma passagem da linguagem visual para a linguagem audiovisual, implica num primeiro momento a fruição da obra “Lindonéia, a Gioconda dos Subúrbios”, de Rubens Gerchman. A observação, leitura, análise e a interpretação cuidadosa que investiga características específicas da imagem desenvolve a competência da leitura visual. A pesquisa de dados e a contextualização que fundamentam a obra, levam o professor-pesquisador/aluno-pesquisador a inserir a obra numa relação tempoespacial, além da verificação de outros leitores, críticos e artistas que dialogam com a obra. A compreensão dos códigos da linguagem visual e a proposição de uma passagem para outro código de linguagem, no caso audiovisual, por si só, desencadeia um processo criativo, poético e leva o sujeito ao “querer fazer”. O projeto move o desejo e esse é um potente motor para o fazer, que amplia e significa o conhecimento, nesse caso, em arte. As autoras, já citadas, dizem que: A palavra projeto designa igualmente tanto o que é proposto para ser realizado quanto o que será feito para atingi-lo. Essa dialética leva a muitas possibilidades de construção de projetos, tendo em vista diferentes preocupações (MARTINS, 2009, p.147). Que os professores em formação sejam motivados a vivenciarem e realizarem projetos para que a experiência possa ser compartilhada e refletida. Que as oportunidades e o encantamento com o encontro, com o conhecimento seja parte do percurso de formação dos professores. Assim podemos contagiar o outro com aquilo que adquirimos, que está em nós. Nesse caso a experiência com o objeto artístico, o processo de criação, a articulação com as linguagens, a busca pelo conhecimento das técnicas que instrumentalizam o fazer. Enfim, ideia + poética + linguagem + técnica = objeto artístico. E eis que o ser poético de cada ser humano amplia sua percepção e adquire “voz” e o direito à expressar sua “fala”. O pensamento humano se manifesta. Considerações finais O exercício da prática de apreciação, leitura e criação em arte pelo professor propicia uma experiência singular em seu percurso formador. Essa vivência potencializa o conhecimento e a reflexão sobre temas do universo da arte em suas distintas manifestações, bem como proporciona articulações interdisciplinares. Além disso, o processo de tradução de uma linguagem a outra amplia o repertório artístico, contempla diversas habilidades e exercita a criatividade. Neste caso em particular, o mídia escolhido, audiovisual/vídeo, dialoga diretamente com o cotidiano imagético digital cada vez mais acessível pelas novas gerações. A videoarte desautomatiza e ressignifica o próprio meio. Esta experiência gera um olhar crítico em relação ao objeto selecionado e também com o processo de criação, ou melhor, com o próprio fazer artístico, por articular elementos das linguagens escolhidas. Referencial Bibliográfico Campos, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão: a arte e a técnica de imaginar, perceber e narrar uma estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. Dondis, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 2007. Duarte, Paulo Sérgio. Arte brasileira contemporânea: um prelúdio. Rio de Janeiro: Silvia Roesler Edições de Arte, 2008. Farina, Maria Helena Machado. Por que somos Helenas – uma passagem entre linguagens. Dissertação de mestrado. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2011. Fraser, Tom. O guia completo da cor. Trad. De Renata Bottini. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2007. Gerchman, Rubens. Gerchman – Portfólio Brasil – Artes Plásticas. São Paulo: J. J. Carol Editora, 2007. Martins, Mirian Celeste. Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 2009. Rush, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. Trad. Cássia Maria Nasser. Segunda ed. São Paulo: Editora WMF Martina Fontes, 2013. Santaella, Lucia. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008. Silva, Vitor Marcelino. Artigo: “O processo de apropriação de imagens em “Lindonéia - A Gioconda do subúrbio” de Rubens Gerchman”. VIII EHA - Encontro de História da Arte – UNICAMP, publicado em 2012. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/profunc/11_audiovisuais.pdf. Disponível em 28/07/2014 as 19:30 hs. http://letras.mus.br/caetano-veloso/568961/ . Disponível em 29/07/2014 as 16:20hs. Keller Regina Viotto Duarte. (São Paulo). Doutora e Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Licenciatura Plena e Bacharelado em Educação Artística na UNICAMP. É professora nas áreas de Linguagens Visuais e História da Arte Contemporânea na graduação em Publicidade e Propaganda, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4533063H0. Maria Helena Machado Farina. (São Paulo). Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Licenciatura plena e bacharelado em Psicologia pela UNIP. Cursou Especialização em Psicodrama, no Sedes Sapientiae e Artes Cênicas no SENAC. É professora nas áreas de Formação de professores (Pedagogia e Licenciatura em História) na Faculdade Sumaré, em São Paulo. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4417589E8.