o retrato do morador de rua

Transcrição

o retrato do morador de rua
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO
SENSU EM DIREITOS HUMANOS E
CIDADANIA
O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE
SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO
DAIANE DOS SANTOS SANTOS
Salvador-Ba
Outubro-2009
DAIANE DOS SANTOS SANTOS
O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE
SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO
Monografia elaborada ao Curso de Pós-Graduação
Lato Sensu em Direitos Humanos e Cidadania da
Fundação Escola do Ministério Público como forma
de obtenção do grau de Especialista em Direitos
Humanos e Cidadania.
Orientador: Prof.º Me. José Cláudio Rocha
Salvador-Ba
Outubro- 2009
A cada morador de rua, em especial José, um
exemplo de vida a ser seguido, que não se
abateu pelas dificuldades da vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, antes de tudo;
Aos meus pais, Benigno e Eliete, meus alicerces, que não mediram esforços para me
proporcionar a melhor educação possível;
Aos meus irmãos Eliene, Benício e Elane, pela paciência, tolerância e compreensão a mim
dispensados em momentos de tanta reflexão;
Ao meu primo Emerson que me distraía nos momentos de stress;
Ao meu orientador pelo incentivo, pela compreensão e pelo esforço desprendido nesta
jornada;
Ao meu guia nas ruas, o grande amigo José;
À jornalista e amiga Vanessa que me mostrou um mundo dentro de cada morador de rua;
Aos meus amigos que compartilharam as minhas angústias e as minhas ansiedades;
A todos os moradores de rua que me receberam nos seus espaços;
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
(TITÃS, s/d)
RESUMO
O presente trabalho versa sobre a realidade dos moradores de rua de Salvador,
analisando seus territórios existenciais, seus pontos de fixação, como se dá a ocupação do
espaço público e as estratégias desenvolvidas por eles para construir suas vidas num cenário
de completa exclusão social. Busca-se compreender as razões que levam os indivíduos às
ruas, os fatores que fazem com que se mantenham e os que os levam a deixar as ruas ou a
mudar de cidade. São apresentadas ainda as políticas de Enfrentamento do Município para
minorar a situação de miserabilidade e exclusão social a que está submetida a população de
rua da cidade. Ressalta-se a necessidade de pensar nos moradores de rua como sujeitos de
direitos e não como objetos de caridade.
Palavras-chave: População de rua, morador de rua, exclusão social, espaço público,
direitos, políticas de enfrentamento.
ABSTRACT
This paper deals with the reality of street dwellers of Salvador, analyzing their
existential territories, its attachment, as it gives the occupation of public space and the
strategies developed by them to build their lives with complete exclusion. We seek to
understand the reasons that lead individuals to the streets, the factors that cause them to
remain and those who lead them to leave the streets or move to another city. Visible are the
policies of the City of Coping to alleviate the situation of destitution and social exclusion that
is subject to the homeless population of the city. Emphasized the need to think of homeless
people as subjects and not objects of charity.
Keywords: Homeless, social exclusion, public space, rights, policies of confrontation.
LISTA DE SIGLAS
CAPS
- Centros de Recuperação Psicossocial
CRAS
- Centros de Referência da Assistência Social
CPF
- Cadastro de Pessoal Física
DST
- Doenças sexualmente transmissíveis
EPIs
- Equipamentos de Proteção Individual
FJS
- Fundação José da Silveira
IBGE
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSP
- International Network of Street Papers
MDS
- Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPE/BA - Ministério Público do Estado da Bahia
OAB
- Ordem dos Advogados do Brasil
ONG’s
- Organizações não-governamentais
PNAS
- Política Nacional de Assistência Social
PSF
- Programa de Saúde da Família
SETAD
- Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão
SMS
- Secretaria Municipal de Saúde
SUS
- Sistema Único de Saúde
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USF
- Unidade de saúde da família
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
02
1. MORADOR DE RUA: PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO
06
1.1 Migrante X Trabalhador Intinerante X Trecheiro X Morador de Rua
2. A CASIFICAÇÃO DA RUA - CASA E RUA UM SÓ TERRITÓRIO
2.1 Espaço do morador de rua
07
12
13
3. FATORES QUE LEVAM OS INDIVÍDUOS A SITUAÇÃO DE RUA
18
4. A POPULAÇÃO DE RUA DE SALVADOR
24
4.1 Trajetória dos moradores de rua de Salvador
26
5. A NEGAÇAO DOS DIREITOS- MISERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL
36
6. CONSEQUÊNCIAS DO PROCESSO DE RUALIZAÇÃO
41
7. PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO: ABRIGOS
42
8. QUEBRANDO PRECONCEITOS
45
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
46
9.1 Propostas para uma vida digna
9.1.1. Uma experiência de sucesso
48
51
REFERÊNCIAS
55
ANEXOS
59
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca retratar a realidade dos moradores de rua de Salvador,
analisando seus territórios existenciais, seus pontos de fixação, como se dá a ocupação do
espaço público e as estratégias desenvolvidas por eles para construir suas vidas num cenário
de completa exclusão social, compreendendo de que maneira a sociedade urbana impõe
modos de vida antagônicos à essa parcela da população que embora excluídos, integram um
contexto social. Foram analisadas também as razões que levam os indivíduos às ruas, os
fatores que fazem com que se mantenham e os que os levam a deixar as ruas ou a mudar de
cidade.
O interesse em discutir a temática da população de rua de Salvador no trabalho de
conclusão de curso surgiu das inquietações com as precárias condições de vida destas pessoas
e com as propostas ineficientes de enfrentamento do problema que tentam de maneira súbita
elevar à categoria de cidadãos, indivíduos que trazem um histórico de insucessos,
desvinculações e várias rupturas.
Apesar da importância do tema, as discussões sobre moradores de rua parecem não ser
prioritárias por parte dos defensores dos direitos, o que é reflexo da invisibilidade do morador
de rua para a grande parte da sociedade e dos pesquisadores. Poucos são os trabalhos sobre a
população de rua realizados no Brasil. A maioria dos utilizados nesta dissertação foi realizada
por pessoas ligadas a organizações não governamentais (ONG’s), igrejas ou por cientistas
sociais. Outros foram pesquisas realizadas no intuito de informar os órgãos públicos da
situação da população de rua, como a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de
Rua.
Com exceção às pesquisas, a artigos como o de Escorel (2000) sobre a população de
rua da cidade do Rio de Janeiro e a Tese de mestrado de Lesssa (2002), sobre moradores de
rua na cidade do Salvador, poucos foram os dados provenientes da interação com os
moradores de rua das cidades brasileiras e as análises geralmente eram macro-sociais ou
macroeconômicas, não se baseavam no modo de vida desenvolvido ou mesmo nas narrativas
da população de rua.
Durante a pesquisa, busquei os principais pontos de concentração dos moradores de
rua, pelos quais circulava cotidianamente, fazendo análise observacional dos espaços
ocupados por eles e foi nessa trajetória, que numa Missa na Igreja de São Francisco no
Pelourinho conheci o meu guia nas ruas, José, que me conduziu aos principias pontos de
convivência dos moradores de Rua de Salvador. O enfoque do trabalho foi dado aos locais
mais tradicionais de ocupação por moradores de rua onde encontrei a maior parte dos
segmentos que compõem a população de rua. Nas regiões próximas às saídas e entradas da
cidade grande parte da população é composta por famílias que perderam suas casas e por
famílias de migrantes que estão tentando se fixar nas cidades e se organizam em casas
improvisadas, formando favelas onde as pessoas vivem em situações não menos precárias,
porém diferente daqueles que vivem nas ruas.
Este trabalho trata-se de um estudo de caso, no qual foram utilizados como métodos de
investigação, a pesquisa bibliográfica, documental e o trabalho de campo com entrevistas
abertas. Embora tenham sido realizadas algumas entrevistas com diversos moradores de rua
de Salvador e tenha me utilizado de outras entrevistas e dados de outras pesquisas, a trajetória
que baseia esse estudo é a de José, “ex-morador de rua” que me guiou pelas ruas da cidade
revelando cada detalhe dessa vida de exclusão.
Acompanhada por José fiz algumas incursões a campo para conhecer as “malocas” da
cidade, os viadutos, assim como as instalações sob as marquises e os moradores de rua que
dormem em qualquer parte da calçada. Foram realizadas observações do espaço, da situação e
do comportamento do morador de rua, ao tempo em que José narrava passagens e
experiências de sua vida na rua. Visitei o Centro de Referência para população de rua em
busca de informações institucionais de atendimento a essa população.
Neste período enquanto pesquisadora, os moradores estiveram ainda mais presentes na
minha vida, já que sempre estiveram, considerando que habito Salvador e circulo na cidade
como pedestre, como motorista e como passageira de automóveis. E que com certeza por
diversas vezes segurei a bolsa firmemente pensando em dificultar um possível assalto ao
passar por moradores de rua, bem como devo ter ligado por inúmeras vezes o limpador de
pára-brisas do veículo numa atitude de repulsa àqueles que se aproximavam. Contudo, o
período que transitei por essa população não me fez acreditar que sejam pessoas inofensivas,
porém a população de rua provoca sentimentos confusos no demais moradores da sociedade,
ora piedade, ora aversão, ora penalização pela miséria.
Vale ressaltar que os nomes dos moradores de rua que aparecem neste trabalho não
correspondem ao nome de batismo; os nomes foram escolhidos por eles para se identificarem.
Para fins desta pesquisa, os moradores de rua ou a população de rua serão
considerados aquelas pessoas que não apenas tiram da rua o seu sustento, mas também tem a
rua como habitat, ainda que optem por dormir em instituições de acolhimento para migrantes
e moradores de rua. Os migrantes não necessariamente são moradores de rua; no entanto, na
medida em que estão na cidade e que se utilizam dos equipamentos de atendimento para a
população de rua, serão assim considerados.
Inicio este trabalho apresentando os problemas que envolvem a definição do que seja
população de rua, as diversas acepções da palavra apresentadas por autores como Burstzyn
(2000), Durham (1984), D’Incao (1995) e Escorel (2000), bem como as distinções entre
migrante, trabalhador itinerante, trecheiro e morador de rua, considerando as estratégias
desenvolvidas por eles para se articularem, ou não, às populações de rua da cidade. O capítulo
trata também da composição da população de rua, particularmente das diferenças que a
segmentam por dentro e a diferencia em maloqueiros, caídos e mendigos.
No segundo capítulo discorro sobre o locus do morador de rua, as condições sob as
quais constituem seus territórios existenciais nas ruas, nos viadutos e nas malocas e sobre os
efeitos produzidos pela construção desse território no espaço público. Trato também das
relações dos moradores de rua entre si e com os não moradores de rua e das suas estratégias
de sobrevivência, como obtêm alimentos, roupas, dinheiro, como transformam o espaço,
dando-lhe novo significado. São ressaltadas assim as dificuldades em se viver ao mesmo
tempo entre o nomadismo da rua e o sedentarismo urbano.
No capítulo seguinte elenco os diversos fatores que condicionam a existência do
morador de rua, dentre os quais pode ser descrito a ruptura do vínculo familiar como fator
preponderante e condicionante desta situação, associada ao desemprego, às migrações mal
sucedidas, ao alcoolismo, à dependência química, às doenças mentais e até mesmo à opção do
indivíduo.
O capítulo quatro descreve dados gerais sobre a população de rua no Brasil a fim de
situar a população de rua de Salvador num contexto nacional, enumerando quantos são os
moradores de rua. Em seguida são descritas as trajetórias e circuitos dos moradores pelas ruas
de Salvador, os principais pontos de concentração, onde dormem, onde se alimentam, onde
fazem a higiene, como vivem e se organizam nesses espaços.
O quinto capítulo é destinado à exposição da situação de miserabilidade e exclusão a
que estão expostos os moradores de rua de Salvador, explicitando-se inicialmente as
principais diferenciações entre pobreza, desigualdade social e exclusão, conceitos que
permeiam a sociedade e a vida do morador de rua e que por vezes são tratados de forma
distorcida. Neste capítulo são apontadas as principais restrições a que estão submetidos os
moradores de rua que se apresentam como vidas sem direitos civis, sociais, políticos, enfim,
humanos, sendo ressaltada a questão da identidade e da memória.
O capítulo sexto elenca as conseqüências a que estão submetidos os moradores diante
do processo de rualização, que compreende desde a adaptação até os sentimentos de
conformismo e desobediência social.
O capítulo seguinte discorre sobre as propostas de enfrentamento à situação de rua no
município de Salvador apresentadas na forma de abrigos. São elencados os conjuntos de
estabelecimentos, espaços e equipamentos utilizados pela população de rua de Salvador,
explicitando suas formas de atendimento a essa população.
O oitavo capítulo foi destinado à desmistificação da imagem de vadio, de perigoso, de
preguiçoso e de coitadinho que permanece na identidade de quem foi ou é morador de rua,
bloqueando as oportunidades de emprego, fortificando a exclusão social e desvalorizando o
povo das ruas como ser humano, sendo apresentados os resultados da Pesquisa Nacional sobre
População em Situação de Rua realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome que contradiz essa concepção.
Concluo o trabalho abordando as conseqüências de se adotar um modo de vida que
transgride ao mesmo tempo a ética do trabalho e da casa numa sociedade capitalista e urbana,
afirmando ainda que fatores como pobreza, o desemprego, a migração, as deficiências físicas
e mentais, o alcoolismo e o consumo de drogas ilícitas não são suficientes para levar esses
indivíduos a viver nas ruas, sendo necessária antes uma ruptura com os vínculos familiares,
com a vida social que levava quando vivia em casa.
Dessa forma o objetivo de resgatar a identidade, valorizar a auto-estima e promover a
reinserção social torna-se uma difícil tarefa quando dentro de instituições onde as pessoas, à
noite, são trancadas e isoladas. As propostas de enfrentamento à situação de rua devem buscar
a afetividade do morador de rua, propiciando um ambiente comunitário para que ele se sinta
parte de um contexto social, a exemplo do que ocorre na Comunidade da Trindade.
1. MORADOR DE RUA: PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO
Os pesquisadores divergem bastante quanto à definição do que seja população de rua,
pois neste universo podem estar inclusos migrantes, catadores de papel, prostitutas,
trabalhadores itinerantes, trecheiros, mendigos, desabrigados, camelôs, dentre outros. A
principal dificuldade é distinguir entre as pessoas que vivem nas ruas, das ruas ou em
condições precárias de habitação, aquelas que se encaixam ou não na definição de população
de rua.
Em trabalhos como os de Burstzyn (2000) e de Araújo (2000), a população de rua é
composta por toda pessoa que tira seu sustento da rua, incluindo além dos que residem nas
ruas, os vendedores ambulantes, camelôs, catadores de material reciclável etc., posto que estes
trabalhadores informais residem em áreas periféricas longe dos grandes centros urbanos e
dormem eventualmente nas ruas devido à dificuldade de deslocamento e aos custos. Para os
citados autores, os moradores de rua compreendem trabalhadores desempregados que
desenvolvem alternativas para angariar finanças, independente de seus vínculos habitacionais.
Autores como Durham (1984) e D’Incao (1995) englobam no conceito de moradores
de rua, pessoas que migraram do meio rural para o meio urbano em busca de novas
oportunidades de emprego e permanecem perambulando pelos grandes centros principalmente
por problemas de adaptação e falta de qualificação profissional.
Nos países de língua inglesa, o termo empregado para definir a população de rua é
homeless, referindo-se a todos aqueles que habitam casas improvisadas em vilas ou favelas.
Autores brasileiros como Bursztyn (2000) também utilizam essa definição.
Escorel (2000) retrata ainda a distinção que alguns autores fazem entre população de
rua como todos os que estão usando a rua como moradia num determinado momento e os que
tomam a rua permanentemente como moradia, considerando os primeiros como “pessoas em
situação de rua”.
A distinção entre “moradores de rua” e “pessoas em situação de rua” consiste na
existência de um grupo cuja condição é irreversível, ou seja, indivíduos que tem como habitat
o ambiente inóspito das ruas, e outro grupo em situação transitória que tem a rua, de uma
forma geral, como um endereço dentre os diversos durante toda a vida.
Escorel (2000) destaca ainda autores como Silva Filho Rodrigues que considera como
população de rua o conjunto daqueles que dependem de atividade constante que implique ao
menos um pernoite semanal na rua, o que, segundo a autora, implicaria em incluir os
“profissionais do sexo” na população de rua, mesmo que estes não tenham a rua como
moradia, nem realizem nela todo o seu trabalho.
1.2 MIGRANTE X TRABALHADOR ITINERANTE X TRECHEIRO X MORADOR
DE RUA
O migrante, aquele que sai de uma região para outra, geralmente tem um ponto de
referência ao qual ele pode retornar nos casos de insucesso. A situação do migrante é
caracterizada pelos estudiosos do processo migratório como fruto de uma determinação
geográfica que mantém relações estreitas com a procura de trabalho. O caminho do migrante é
traçado pela oferta de trabalho, dessa forma ele raramente se integra por muito tempo à
população de rua da cidade onde se encontra. Além disso, para o migrante é interessante
manter a reputação de trabalhador, o que pode lhe garantir mais rapidamente um ato de
caridade como uma passagem de ônibus para retorno à sua cidade, ou uma oportunidade no
mercado de trabalho. Eles não querem ser confundidos com os doentes, drogados, malandros,
preguiçosos que enxergam na população de rua, nem tampouco com os trecheiros, ainda que
por vezes tenham passado noites na rua, pois dificultaria o apoio das instituições.
Os trabalhadores itinerantes englobam trabalhadores rurais que se deslocam de sua
região para realizar colheitas em épocas de safra em outras regiões; pessoas que vivem do
comércio ambulante, garimpeiros e outros trabalhadores que para desenvolver suas atividades
realizem deslocamento entre diversas cidades, porém sem estar vinculado a uma atividade
específica, podendo desempenhar atividades temporárias diversas a depender da época do
ano, os chamados “bicos”.
De uma forma geral, os trabalhadores itinerantes englobam o que Deleuze e Guattari
(2002) chamam de itinerantes ou ambulantes por excelência, pessoas que se deslocam
seguindo um fluxo de matéria, como é o caso dos mineradores; ou de mercado, como os
comerciantes, traçando uma rota de circulação que pode ser alterada por circunstâncias no
decorrer do percurso.
O trabalho itinerante e a reterritorialização no trecho, assim como uma possível
reterritorialização na rua, são muitas vezes, conseqüências diretas do insucesso de processos
migratórios. Por exemplo, segundo D’Incao,
É preciso entender o que diferencia um homem de rua de um migrante. Algo muito
tênue, mas decisivo. Eu diria que é a capacidade de sonhar. Nas minhas experiências
tenho observado que o sonho de encontrar as condições para viver com mais
dignidade é o elemento energizador da errância que nutre os processos migratórios
em nosso país. Se estou certa, o homem de rua seria o homem que deixou de sonhar.
E o estar de passagem nesta ou naquela cidade teria de ser lido por nós de uma outra
maneira. Essas pessoas que nos dizem que estão de passagem, e que costumamos
caracterizar como migrantes estão nos dizendo que, também ali, nos espaços onde
estamos intervindo, não lhes é oferecida uma possibilidade de viver decentemente.
(D’INCAO, 1995, p.30)
O migrante ao qual a autora se refere não se distingue em qualidade dos “trabalhadores
itinerantes”; entre os migrantes haveria uma diferenciação nos graus de sucesso apenas, até
que o “migrante” perdesse o sonho e chegasse à condição de morador de rua. D’Incao (1995)
trata a errância como conseqüência da falta de oferta de empregos fixos satisfatórios que
atenda a esta população, ou seja, a errância é entendida como uma seqüência de migrações
“mal sucedidas”.
Dessa forma, assim como os “trabalhadores itinerantes” são “migrantes mal
sucedidos”, os “trecheiros” seriam “trabalhadores itinerantes fracassados”. Os trabalhadores
itinerantes, assim como os migrantes, se deslocam sob um certo controle, determinando seus
fluxos conforme os pontos de partida e de chegada, mesmo que estes não sejam nunca
alcançados, o que os faz itinerantes. Os trecheiros, ao contrário, se deslocam com objetivo tão
somente de se deslocar.
Nesta perspectiva, o que determina o migrante é a manutenção de sua identidade de
trabalhador e o seu objeto de desejo, o trabalho. À medida que esse objeto não é alcançado,
lhes restam: retornar à sua terra de origem, tornar-se um trabalhador itinerante; ou abdicar do
seu objeto de busca, o trabalho, vindo a ser um morador de rua ou um trecheiro.
O trecho é um pedaço de estrada, uma passagem entre dois ou mais pontos, parte de
um caminho que leva a algum lugar; é onde o trecheiro se instala. Viver no trecho é viver num
caminho inacabado, é ocupar um espaço nômade. Como afirmam Deleuze e Guattari,
É nesse sentido que o nômade não tem pontos, trajetos, nem terra, embora
evidentemente ele os tenha. Se o nômade pode ser chamado de o desterritorializado
por excelência, é justamente porque a reterritorialização não se faz depois, como no
migrante, nem em outra coisa, como no sedentário (com efeito, a relação do
sedentário com a terra está mediatizada por outra coisa, regime de propriedade,
aparelho de Estado). Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização que
constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na própria
desterritorialização. É a terra que se desterritorializa ela mesma de modo que o
nômade aí encontra um território. (...). A terra não se desterritorializa em seu
movimento global e relativo, mas em lugares precisos, ali mesmo onde a floresta
recua, e onde a estepe e o deserto se propagam. (DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p.
53)
Assim o território do trecheiro é a estrada, a fronteira, locais tais como os postos de
gasolina, trevos, rotatórias, guaritas. Ele vive em territórios ambíguos, o limite entre uma
cidade e outra.
Os trecheiros costumam ser confundidos e por vezes se fazem passar –de modo
interessado – com os migrantes e trabalhadores itinerantes. Isso acontece porque eles ocupam
por algum tempo o mesmo território dos migrantes e trabalhadores itinerantes: a estrada; além
das necessidades serem semelhantes: alimentação, lugar para dormir, documentos e todos
dizem estar em busca de emprego.
Segundo Durham (1984), o deslocamento inicial que impulsiona os trecheiros é
resultante do afastamento da família e motivado pela busca de uma “vida melhor”, pela busca
por um melhor lugar para residir, lugar que ofereça boas oportunidades de emprego. Eles não
têm uma idéia muito clara de todo seu percurso, que pode ser por toda a sua vida.
Embora migrantes e trabalhadores itinerantes possam se confundir e se misturar com
trecheiros e moradores de rua, a diferença entre eles não é gradual. A passagem de um a outro
não é um “processo” ou uma sucessão de perdas, mas implica uma ou várias rupturas.
Enquanto os migrantes e os trabalhadores itinerantes se movem por entre pontos que desejam
ocupar, os trecheiros e os moradores de rua ocupam os pontos por onde se movem, sua
existência transcorre na passagem, ela não se realiza no destino. Enquanto os migrantes e
trabalhadores itinerantes se caracterizam por sua mobilidade, os trecheiros e moradores de rua
se caracterizam pelo seu nomadismo, ou seja, por sua reterritorialização na rua, no trecho,
enfim, no próprio processo de desterritorialização. (DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p.53)
Na perspectiva de Durham (1984), o que acontece aos migrantes difere do que
acontece aos que se tornam moradores de rua e aos trecheiros: enquanto moradores de rua e
trecheiros rompem com os laços familiares e não os recompõem mesmo no momento em que
passam por dificuldades pessoais, os migrantes procuram estreitar ou, até mesmo, recriar
laços familiares para superar as dificuldades que encontram na vida das grandes cidades.
Dessa forma, o fracasso no mercado de trabalho não é apontado como suficiente para fazer de
um migrante um morador de rua ou um trecheiro.
A população de rua, fenômeno corriqueiro na paisagem das grandes metrópoles
brasileiras, é caracterizada por Escorel como uma:
Condição limítrofe, que pode ser verificada empiricamente no cotidiano de pessoas
que moram nas ruas da cidade, é parte de uma trajetória composta por situações
extremamente vulneráveis [...] de pequenas e grandes desvinculações, de laços
afetivos frágeis e irregular suporte material [...]. (ESCOREL, 1999, p. 18)
Segundo
a
Secretaria
Nacional
de
Assistência
Social
do
Ministério
do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a população em situação de rua compreende um
grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela
interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional
regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos, áreas degradadas e
ocasionalmente utilizar abrigos e albergues para pernoitar.
Os “caídos” são os moradores de rua, reconhecidos pelos não moradores de rua como
os mendigos por encontrarem na mendicância o principal recurso de sobrevivência. Eles
representam aqueles que se encontram mais degradados pelo álcool, por doenças como a Aids
e tuberculose e portadores de distúrbios mentais.
Segundo Escorel (1999) existe uma diferenciação entre ser ou não ser mendigo
inclusive entre os moradores de rua. A autora define mendigo como “aquele que sobrevive
pedindo esmola, o que não toma banho, não escova os dentes; é o ponto final da degradação
humana”. (ESCOREL, 1999, p. 163)
BURSZTYN (2000) classifica-os como “Sem-lixo e sem-teto errantes”:
Estes moradores de rua também não ascenderam à condição de catadores de lixo. A
maior diferença funcional é seu caráter errante. Vagam pela cidade, movidos por
decisões que parecem não obedecer a critérios muito previsíveis. São mendigos,
pessoas socialmente desvinculadas, com os laços familiares rompidos, às vezes com
distúrbios mentais. Vivem da caridade pública e são ajudados, episodicamente, pela
ação de grupos religiosos. Nesse sentido, mesmo na condição de errantes, conhecem
os locais onde podem obter algum auxílio: a distribuição de sopa pelos católicos, os
agasalhos das associações de senhoras caridosas, os mantimentos dos espíritas.
(BURSZTYN, 2000, p. 242)
Os maloqueiros são moradores de rua mais gregários, assim conhecidos entre os
moradores de rua e os técnicos que trabalham com essa população. Eles vivem em grupos
familiares ou em grupos formados por companheiros da rua- que muitas vezes constituem o
que chamam de “família de rua”- e que procuram ocupar locais de maior privacidade, como
áreas sob os viadutos e grandes marquises, casas improvisadas, as malocas, ou construções
abandonadas.
O termo “maloqueiro” tem diversos significados que variam conforme quem utiliza e
em que situação. Em seu sentido positivo ele significa a pessoa que habita as malocas;
pejorativamente pode significar o morador da maloca que não divide as tarefas domésticas, o
companheiro que não compartilha comida, bebida, cigarro, aquele em quem não se deve
confiar, o maconheiro, malandro, bêbado ou vagabundo.
A condição de caído se apresenta como um prognóstico temido pelos moradores de
rua e, assim como a queda pode ocorrer a qualquer um deles, o caído pode estar no trecho ou
na maloca. As trajetórias de vida de trecheiros, maloqueiros e caídos também podem ser
muito semelhantes, mesmo que se encontrem em posições diferentes num dado momento. Isto
se deve tanto à freqüente transição de um território existencial para outro, quanto ao fato de
que, algumas condições que a rua apresenta como base para a construção de um território
existencial, tais como a dificuldade de acumulação de objetos, vínculos afetivos e lembranças
e a necessidade de improvisar objetos, atingem a todos os seus moradores, ainda que em graus
diferentes.
As múltiplas definições da população de rua trazem conseqüências que se refletem nas
reivindicações dos movimentos sociais ligados a essa população, pois as políticas
habitacionais, a organização de cooperativas de reciclagem podem ser consideradas como
políticas
para a população de rua, ainda que os beneficiários sejam catadores que não
dormem nas ruas ou pessoas que vivam em condições precárias de habitação.
Dessas definições também depende a contabilização da população de rua que vai
variar de acordo com o conceito que a ela se aplica e também com o nomadismo característico
destes povos.
Os termos moradores de rua, moradores em situação de rua e população de rua serão
utilizados no decorrer da dissertação como sinônimos para referir-se àquelas pessoas que não
apenas tiram da rua o seu sustento, mas também tem a rua como habitat, ainda que optem por
dormir em instituições de acolhimento para migrantes e moradores de rua. Assim, pessoas que
tem a rua como meio de subsistência, mas não fazem dela seu local de moradia, como
catadores de material reciclável, vendedores ambulantes, guardadores de carro- flanelinhasetc., não serão consideradas população de rua, mas sim profissionais de rua. Os migrantes não
necessariamente são moradores de rua; no entanto, na medida em que estão na cidade e que se
utilizam dos equipamentos de atendimento para a população de rua, serão considerados como
tal.
2. A CASIFICAÇÃO DA RUA - CASA E RUA UM SÓ TERRITÓRIO
Casa pode ser entendida como uma construção no espaço que delimita o território dos
habitantes, conferindo-lhes liberdade e privacidade, portanto espaço particular. A rua
compreende espaços públicos, coletivos, que são de livre acesso a todas as pessoas.
Na visão de DaMatta (2000), o espaço da casa é o locus de uma ética conservadora e a
rua o locus de uma ética liberal, representando o lugar do exercício da igualdade, sob a
perspectiva da cidadania, mas também o lugar da competição do mercado. Porém, como
ressalta o autor que o universo cultural brasileiro é avesso à igualdade. Assim sendo, a
igualdade assume um papel negativo na sociedade brasileira, refletindo na desvalorização da
idéia de cidadania e na valorização da deslealdade nas relações competitivas, tornando a rua
um lugar perigoso.
Segundo DaMatta (2000), embora alguns indivíduos tentem manter uma única conduta
ética nos dois espaços, a sociedade brasileira opera na dualidade entre esses sistemas,
podendo haver o englobamento da casa pela rua ou vice-versa. No entanto, afirma o autor,
“não se pode misturar o espaço da rua com o da casa sem criar alguma forma grave de
confusão ou até mesmo de conflito”. (DA MATTA, 2000, p.50)
As sobreposições territoriais entre casa e rua podem ocorrer no portão, na varanda, nos
“fundos” das casas, na sala de jantar, na sala de visitas, na porta de serviços. A casa possui
espaços intermediários onde são recebidas as pessoas desconhecidas, onde se tratam de
pequenos negócios, recebem vendedores ambulantes, dentre outras atividades.
Nas ruas as sobreposições acontecem em recintos fechados, repartições públicas,
Unidades policiais, delegacias, escritórios. Nesses casos o que se transporta da casa para a rua
são as formas de tratamento entre as pessoas, as relações afetivas. Assim, todas as pessoas
circulam entre a casa e a rua, mas há toda uma população que circula de outra maneira, que
transpôs certos limiares e foi fazer da rua sua casa.
Os moradores de rua realizam não somente a transposição da sala para a rua, mas sim
a transposição dos quartos, dos banheiros e da cozinha. Para o morador de rua não são apenas
as relações sociais privadas que invadem o espaço público ou que são invadidas por este. As
ações fisiológicas são realizadas publicamente, fezes, urina, vômito e pessoas dormindo e
acordando disputam o mesmo espaço, invadindo o centro da cidade em meio a carros,
buzinas, transeuntes, polícia.
Os moradores de rua desenvolvem estratégias de construção da privacidade, procuram
na rua os lugares menos visíveis para dormir, ter relações sexuais, comer, urinar, defecar e
vomitar; ocupando os fundos dos viadutos, construindo casas improvisadas, invadindo
construções abandonadas.
“quando eu morava na Sé, às vezes vinha gente fazendo um monte de perguntas, a
gente tirava proveito porque eles davam dinheiro e comida (risos), mas a gente contava um
monte de estória, cada dia era uma diferente”. (JOSÉ)
Para preservar também sua vida, sua história, seus segredos e seus desejos da
intromissão de profissionais e de pesquisadores, eles costumam esquivar-se de alguns
assuntos, mentir, se esconder e até abrem mão dos atendimentos nos equipamentos públicos.
2.1 ESPAÇO DO MORADOR DE RUA
Na ocupação de seu território, os moradores de rua fazem da estrutura arquitetônica da
cidade espaços resignificados, reformulados por um conjunto de códigos, conteúdos e
expressões, formam uma rede de captura e codificação que se expande entre as fendas
urbanas.
O espaço rua habitado por moradores compreende locais situados sob pontes,
marquises, viadutos, frente de prédios privados e públicos, postos de gasolina, parques,
praças, calçadas, praias não utilizadas à noite; cascos de barcos na areia, embarcações não
utilizadas, portos, estações de trem, terminais rodoviários, margens das rodovias, dentro de
construções com áreas internas ocupáveis, galerias subterrâneas, becos, áreas próximas aos
depósitos de lixo, à reciclagem de material, às feiras, dentre outros locais protegidos do frio e
da exposição à violência.
Muitos moradores vivem em malocas; Maloca é uma palavra de origem indígena que
significa habitação coletiva ou aldeia, mas tem também o sentido “esconderijo”. Nos centros
urbanos, malocas são moradias improvisadas à beira de calçadas, sob viadutos, próximo a
barrancos, em praças públicas.
Os viadutos são componentes do sistema viário urbano que permitem a passagem de
veículos em dois níveis. A estrutura que garante a sustentação dos viadutos e a rampa que
permite aos veículos transpor o nível da rua apresentam em sua parte inferior a forma de teto e
parede, que assume esta função para os moradores de rua que dele se apropriam.
Os postos de gasolina representam uma sombra, um teto que abriga da chuva, um
lugar sossegado para dormir, quando não funcionam durante a noite, e são também fonte de
água e álcool. Os Muros servem como encosto, os caixotes encontrados nas feiras servem
como banco ou mesa, carretel de fio ou mangueira servem também como mesa.
Constata-se assim, como afirma Costa Vieira (1995) “viver na rua é também viver da
rua”, é compor uma existência a partir dos meios que a rua dispõe, recriando e adaptando o
lar.
É preciso transformar um ambiente inóspito como um terreno baldio, um viaduto, uma
marquise, um banco de praça ou um pedaço qualquer de calçada num território existencial,
portanto, necessário se faz inserir outros elementos que informe sobre a ocupação daquele
território. Dentro do universo dos moradores de rua, a maioria desses elementos é retirado de
seu contexto e transformado em outra coisa; é resignificado, ganha outra aplicabilidade. A
cama, por exemplo, pode ser uma caixa de geladeira, dois cobertores velhos e um pedaço de
espuma, ou apenas uma simples caixa de papelão, podendo ser restringida a um reduzido
espaço no chão. Um banco de carro pode ser transformado num sofá. O fogão, uma lata
grande, de óleo ou de tinta, aberta por cima e com uma “porta” na lateral, para colocar a
matéria prima para acender o fogo. As árvores tornam-se varais para secar as roupas quando
não se tornam a própria casa.
O espaço do morador de rua é segmentado e protegido pela disposição espacial de seus
objetos e pela sua presença; a delimitação entre seu território e a rua é feita com madeiras,
papelões, com os móveis resignificados. Diferentemente do poder público e dos proprietários
de imóveis, eles não dispõem de cimento, tijolos, grades, documentos, leis, força policial e
baldes d’água para demarcar e proteger seus territórios.
“Estava dormindo na Piedade, na porta de uma loja, tinha passado a noite no Pelô
guardando carro e acordei com um banho de água fria, era o segurança da loja, na hora eu
fiquei com vontade de me vingar”, relata José com lágrimas nos olhos.
Há a demarcação dos territórios nas ruas e também a segmentação desses em espaços
para comer, dormir, se divertir e em cantos separados para cada um de seus habitantes,
transformando-os assim em territórios existenciais. A segmentação que transforma o espaço
da rua num território existencial decorre de codificações do morador que limita a sala, o
quarto, a cozinha além de estabelecer códigos de conduta para cada uma dessas regiões, os
quais eles esperam que sejam respeitados.
É na própria ocupação do território que são estabelecidas áreas de lazer e
confraternização; eles costumam utilizar ruas menos freqüentadas para compartilhar desses
momentos, podem-se observar carretéis de fio de telefone ou mangueira sendo usados como
mesas onde os moradores de rua jogam baralho, usando caixotes de frutas como bancos;
procuram locais mais reservados para comer, conversar ou descansar, ter mais privacidade. Os
fundos dos viadutos ou lugares mal iluminados nas ruas ou praças, em geral mal cheirosos e
evitados por pedestres, são escolhidos para ser usado como banheiro, lugar para dormir, fazer
sexo ou consumir drogas ilícitas.
“a gente sabe logo quem é novo de rua”, José. Os moradores de rua codificam uns aos
outros através dos modos de sentar, vestir, segurar a bolsa, andar, comer, beber, fumar, falar,
roubar,. Eles identificam quem são os companheiros, os colegas, os amigos, quem é ladrão,
quem pode ser roubado, em quem se pode confiar, quem é o “maloqueiro”, aproveitador que
abusa da boa vontade dos colegas, quem é o “otário” de quem se pode aproveitar, quem é o
“dono do pedaço”, que exerce chefia naquele local, quem é o bêbado inconveniente, quem é o
“dedo duro” que entrega os outros, etc.
Toda a caracterização do local de ocupação territorial do morador de rua, marcados
com elementos como o mau cheiro, restos de comida, latas, colchões, cobertores, móveis
velhos, estofamento de automóveis, roupas, fezes, urina e marcas de fumaça no teto ou nas
paredes do viaduto ou no muro e, sobretudo, a presença constante de seus moradores; não é
suficiente para impedir a passagem de transeuntes e a invasão do território, o que revela a sua
fragilidade enquanto instrumentos de proteção.
O corpo do morador de rua além de seu território de circulação representa juntamente
com seus poucos pertences, sacolas e objetos, seu território existencial, a marca de sua
expressão como observa a psicóloga social Cenise Vicente sobre a população de rua:
O mau cheiro de quem não toma banho na situação de rua é uma estratégia de
sobrevivência, é uma couraça protetora do corpo. (...) o mau cheiro lhes é útil, pois
funciona como defesa e como proteção, afastando as pessoas. (...) O corpo é o
último território que sobrou para aquela pessoa; ela perdeu, do ponto de vista do
tempo, o passado, porque perdeu o direito de ter uma raiz, de ter um lugar no
mundo. Ela vai perambular de cidade em cidade ou dentro da mesma cidade por
vários locais e vai perdendo essa coisa fundamental, o direito de ter memória, de
pertencer a uma comunidade. (VICENTE, 1995, p. 25)
Analisando a fala de Vicente (1995) pode-se notar que a expressividade territorial do
corpo do morador de rua pode representar o desejo de afastamento ou aproximação em
relação às demais camadas da população: “o mau cheiro lhes é útil”. A sujeira, a exibição
pública de atos privados são os obstáculos que substituem cercas e muros que delimitam o seu
território.
A alimentação é conseguida através de doações realizadas por restaurantes ou pela
caridade de instituições que distribuem alimentos para a população carente, como igrejas. O
lixo também se apresenta como fonte importante de subsistência, o qual é revirado também
em busca de latas para vender e objetos de consumo pessoal. Essa prática nem sempre é
realizada de forma sistemática, os moradores de rua costumam realizar pequenos serviços em
troca de comida, mais comum em bairros residenciais. Nas casas eles conseguem também
água e roupas usadas, o que dificilmente acontece nos edifícios, devido ao contato mais
restrito aos moradores.
Embora a maioria dos moradores de rua esteja no centro, os bairros residenciais são
uma área privilegiada para a sua circulação. Às vezes são forçados a se sedentarizar nos seus
próprios corpos e podem ter a sorte de serem incorporados pela vizinhança – quando não são
expulsos – e se tornam os “mendigos” do bairro, porém muitos desses moradores de rua não
fixam um local de dormitório nem mesmo um itinerário de circulação.
O banho e a lavagem das roupas costumam ocorrer em fontes e chafarizes, em riachos
e lagoas na cidade, em postos de gasolina, etc., que estejam em seu caminho.
A construção do território existencial dos moradores de rua envolve mais a ocupação
dos lugares em que se encontram e apropriação dos recursos a que têm acesso do que uma
simples demarcação espacial. Segundo José, existem indivíduos, que estando em situação de
rua, nunca dormem ou comem na rua e alguns que nem sequer fazem da rua seu principal
meio de socialização. Dormem no Albergue, passam o dia nos Centro de Referência da
População de Rua e realizam a refeição nos pontos de doação.
As territorialidades dos moradores de rua se cruzam, se confundem. Trecho-corpocasa-instituição se encontram em um mesmo território: a rua. E na rua, quando levados a se
fixar, acabam improvisando moradias e estabelecendo fronteiras que marcam um interior e
um exterior; o corpo permanece como território importante mesmo nas malocas.
A rua é um território no meio da cidade; é o espaço reservado pela cidade para o fluxo
de carros e pedestres, de modo que a ocupação desse território como local de residência gera
conflitos e negociações entre a população de rua e a população sedentária. Desse modo há um
intenso processo de adaptação dos moradores de rua às condições da cidade e da cidade aos
moradores de rua, propiciando o surgimento de equipamentos para atendê-los a fim de evitar
que façam nas ruas aquilo que deveriam fazer em casas.
Uma prática muito desenvolvida pelo morador de rua para obtenção de dinheiro,
passagens de ônibus, encaminhamentos para adquirir documentos gratuitamente é o
“manguear” que consiste no exercício de convencer o interlocutor da necessidade de ajudá-lo,
de dar a ele algum trocado, um prato de comida ou de comprar sua mercadoria. O morador de
rua pode manguear inventando qualquer caso ou apenas sendo insistente.
A mentira é algo muito freqüente na vida dos moradores de rua que por estarem
afastados de pessoas que os conhecem e por não conviverem com as pessoas por muito
tempo, podem mentir sem ninguém para desmentir, em troca de favores, piedade, simpatia e
até mesmo como estratégia de defesa. Ou como dizia Mário Quintana, “é apenas uma verdade
que se esqueceu de acontecer”.
Os que convivem com eles por algum tempo têm sempre a sensação que eles
escondem algo, eles são muito inconstantes. Para os moradores de rua, a mentira serve como
estratégia para reforçar os laços de desconfiança estabelecidos na rua – entre os moradores de
rua e entre moradores de rua e não moradores de rua. José afirma que “na rua só se pode
confiar desconfiando”. As relações são muito fugaz, superficiais e desconfiadas.
No que tange às relações afetivas, dificilmente o morador de rua convive por longos
períodos com a família ou amigos de infância, devido ao nomadismo a que estão submetidos
o que provoca a desagregação desses laços. Dessa forma o morador de rua cria em si mesmo
suas interações, pautadas na liberdade, destituindo-se de cobranças quanto à coerência ou
fidelização de suas atitudes. Usam de diversas formas de identificação, trocam de nomes e
apelidos constantemente, criam novas identidades a cada dia, mergulham no seu imaginário,
fazem documentos novos como novos nomes, mudam de cidade e de companhia, perdem e
fazem novos amigos, às vezes dormem nas ruas, outras procuram albergues, saem das ruas e
voltam ás ruas, enfim desaparecem.
Viver nas ruas implica em obstáculos cotidianos como solidão, dificuldades de
manutenção da higiene e falta de privacidade. O indivíduo necessita criar uma nova
sociabilidade, com estratégias de sobrevivência. Conversar, tomar banho, usar roupas, comer,
dormir passa a depender de uma rede de sobrevivência a ser criada. Descobrir locais e
horários de distribuição de comida, onde tem um cano estourado, uma fonte para a higiene
pessoal, qual o melhor bairro para passar o dia e qual o melhor para dormir, enfim, um
aprendizado que leva tempo. Criar ‘companheiros de rua’ é outra estratégia para vencer as
dificuldades encontradas. Escorel (2000) classifica esse fenômeno como “agrupamentos”.
3. FATORES QUE LEVAM OS INDIVÍDUOS A SITUAÇÃO DE RUA
Apesar das atrações turísticas das grandes cidades, no caso do presente estudo,
Salvador; o ambiente das ruas não é atrativo o suficiente para fazer com que indivíduos optem
por se instalar, por tempo indeterminado, ao ar livre, para apreciar ininterruptamente as
belezas naturais. Morar nas ruas é condição que se impõe aos indivíduos por múltiplos fatores
principalmente associados à ruptura de vínculos familiares, conforme se pôde observar no
depoimento de José, com 42 anos de idade, sendo 28 destes vividos nas ruas.
Saí de casa de vez com 12 anos, antes eu fugia e voltava quando tava muito frio,
mas num agüentei. Meu pai espancava a gente (mãe, duas irmãs e eu), cansei de ver
mainha chorando, ele enchia a cara, perdia o emprego e a gente era culpado (...)
passava fome do mesmo jeito, então um dia me deu na cabeça sai e nunca mais
voltei. Soube depois que mainha morreu. (JOSÉ)
A ruptura entre os moradores de rua e seus familiares ou pessoas com as quais
convivem nem sempre é definitiva, irreversível; em geral se dá de forma processual e muitas
vezes as famílias nem chegam a tomar conhecimento de sua situação. Eles conseguem viver
na rua em segredo, sem manter contato com familiares que os dão como desaparecidos ou
mantendo contato com os familiares e dizendo que estão dormindo em pensões.
O afastamento da família, elemento fundamental de apoio material, de
solidariedades e de referência no cotidiano, permite uma primeira e basilar
configuração da população de rua: é um grupo social que apresenta vulnerabilidade
nos vínculos familiares e comunitários. (ESCOREL, 1999, p. 103)
A dimensão sócio-familiar merece destaque especial, pois os conflitos nesse âmbito
permeiam as decisões de saída do lar. As causas do conflito em geral são a orientação sexual
do morador de rua, o alcoolismo, o consumo ou tráfico de drogas que influenciam não só a
unidade familiar pelos conflitos, mas pelo desequilíbrio do orçamento doméstico; o
envolvimento em assaltos ou outros crimes, conflitos de valores, a violência ou abuso sexual
por parte de algum parente – pai, irmão, padrasto.
Existem ainda aqueles que são expulsos de casa ou abandonados pela família por
representarem um empecilho, um estorvo para os parentes. Dentre os quais estão os doentes
mentais, alguns idosos e deficientes físicos que representam a parcela inativa da sociedade,
portanto a família não tem perspectiva de que eles venham a contribuir nas despesas da casa,
os custos com sua saúde são altos, além de, em certos casos, colocarem seus familiares em
situações de risco. Ocorrem também situações em que os moradores saem de casa e se
perdem, passando a habitar as ruas da cidade.
Eu já morei com maluco, velho, criança, adulto, é gente de todo tipo. Os velhos dão
pena, a família abandona, não quer gastar dinheiro e os doido nem o manicomo
quer...(risos), tem um bocado de gente do interior que entrou no ônibus e veio parar
aqui.. José.
Os moradores de rua são quase que exclusivamente provenientes das camadas mais
pobres da população, geralmente são pessoas de baixa escolaridade e qualificação
profissional, cujos vínculos estabelecidos com o mundo do trabalho já eram frágeis mesmo
antes de se encontrarem na rua e, como constatou Neves (1995):
Na sociedade capitalista, se não se vive da apropriação do resultado do trabalho de
outrem, não se pode ter a liberdade de viver sem trabalhar. Ou seja, essa liberdade
não pode ser a de negar o trabalho. Decorrem então todos os conteúdos morais que
dão positividade ao trabalho e ao trabalhador que valoriza o fato de trabalhar. Ao
final, o trabalho empresta virtude à liberdade. (NEVES, 1995, p. 65).
Para os homens que mantém o ideário de referência em suas famílias assumindo a
obrigação de sustentar os seus “dependentes”, quando não lhes é possível prover, sentem sua
autoridade destituída, auto-negativam sua imagem. O poeta GONZAGUINHA deixou
registrado em uma de suas músicas esse sentimento de impotência e falta de legitimidade
social que permeia a vida dos homens sem trabalho:
“[...] Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E a vida é
trabalho / E sem o seu trabalho / Um homem não tem honra / E sem a sua honra / Se morre, se
mata / Não dá pra ser feliz /Não dá pra ser feliz.” (GONZAGUINHA, 1983, faixa 05)
Para Escorel (1999) o “cair na rua” dos homens tem muitas vezes por pano de fundo a
pobreza enfrentada cotidianamente no seio familiar e mais ainda, a vergonha que sentem por
não conseguirem reverter essa situação.
Não é possível obter uma taxa de desemprego junto à população de rua nem
tampouco estabelecer uma correlação direta e mecânica entre desemprego, ou
extrema vulnerabilidade do vínculo laboral, e a moradia nas ruas. No entanto, os
depoimentos dos próprios moradores de rua e algumas pesquisas indicam que o
desemprego é um dos principais motivos que conduzem as pessoas a viverem nas
ruas. Relacionar processos de vulnerabilidade e desvinculação na dimensão do
trabalho e rendimentos com a condição de morador de rua é buscar estabelecer até
que ponto são originários da esfera ocupacional os estímulos que podem levar o
indivíduo a atingir o “ponto zero”, definido como esgotamento dos recursos
socioeconômicos suscetíveis de manter sua sobrevivência (ESCOREL, 1999, p.
175).
Embora a falta de emprego formal caracterize o morador de rua, não se constitui como
fator primordial da ocupação das ruas, em geral o desemprego motiva a desavença familiar
considerando a lógica capitalista apresentada por Neves (1995) e algumas migrações,
podendo advir como circunstância desse processo o residir nas ruas, seja por fracasso das
migrações, seja pela falta de aceitação familiar da condição do indivíduo que por vergonha
resiste em voltar para casa sem emprego ou até mesmo lhe é imposto esta condição. Dessa
forma, ser inserido no mercado de trabalho é antes uma necessidade imposta pela ruptura com
o núcleo familiar do que uma vontade ou um objeto de desejo.
Muitas vezes a situação de rua associa múltiplos fatores dentre os quais quase sempre
um é de ordem emocional, tal qual o divórcio, o adultério, que combinados com o alcoolismo,
o desemprego levam o indivíduo a esse modo de vida.
Os desastres, as grandes tragédias pessoais que fazem com que as pessoas percam a
casa e também a família podem levar o indivíduo a habitar as ruas, entretanto a maioria nem
chega a integrar a população de rua, conseguem em pouco tempo, um barraco em alguma área
de ocupação, favela.
No Brasil alguns trabalhos tais como os escritos por Alba Zaluar e Maria Conceição
D’Incao colocam a questão da “opção” ou “não-opção” por viver na rua, como se pode
observar nas passagens a seguir,
É preciso abandonar a retórica romântica de apontá-los como pessoas livres que
escolheram estar na rua como um exercício de liberdade e ouvir o que têm a dizer
sobre o seu sofrimento e a vontade que alguns ainda expressam de sair dessa
situação de absoluta penúria. A idéia de defender o direito dessas pessoas ficarem na
rua, expondo-se à violência física e simbólica de todos, inclusive dos próprios
companheiros, ou de considerar essa situação como chaga da sociedade que precisa
continuar a ser vista cotidianamente deve ser repensada. Até porque ser tratado
como chaga e obrigado a ser visto assim talvez não seja o desejo dos moradores da
rua, cuja única organização conhecida em São Paulo foi autodenominada sofredores
de rua. (ZALUAR, 1995: 57)
Tenho observado que as relações sociais iguais ou transparentes às quais já nos
referimos são em si mesmas transformadoras. Porque essas pessoas foram
socializadas nas perversas relações de dominação que caracterizam nossa história e,
na oportunidade de uma relação igual ou de respeito mútuo, começam a romper a
paralisia das relações sociais que lhes foram impostas e a se pensar como capazes de
algum tipo de decisão sobre suas próprias vidas. Mas, daí a pensar as alternativas de
vida ou de trabalho que os homens de rua vêm desenvolvendo em seu cotidiano,
penso que existe uma grande distância. Proclamar a liberdade implícita nesses novos
modos de vida me parece, no mínimo, inocência. (...) E tenho receio dessa
valorização ingênua de suas formas ou modos de vida como espaço de contestação
social ou de exercício de liberdade. Sou tentada a pesar que essas leituras das
populações de rua correspondem muito mais a desejos de liberdade reprimidos em
nós mesmos, a projeções de nossas próprias frustrações. Mas isso já é uma outra
história. (D’INCAO, 1995:52-53)
As passagens de ambas as autoras provocam uma intensa reflexão acerca da rua como
moradia ser uma opção na vida de indivíduos, que se submeteriam a situações precárias de
vida, mesmo lhe sendo oportunizada uma relação de igualdade; em nome de uma
identificação moral, de um manifesto social ou uma possível forma de expressar sua
liberdade. Essa posição é combatida pelas autoras que apontam essa forma de encarar a
situação dos moradores de rua como romântica, ingênua. De fato, nos caminhos percorridos
para o desenvolvimento do presente trabalho, dos depoimentos obtidos, em nenhum ficou
evidenciado o estar nas ruas por opção, por militância, diante da possibilidade de um destino
diferente, que não o apresentado na forma de abrigos; ao contrário, viver nas ruas é sempre
apontado como a última alternativa de sobrevivência.
A insuficiência de renda nas lavouras, a falta de oferta de trabalho nas cidades,
principalmente para trabalhadores com baixa qualificação profissional, provoca a migração de
pessoas de cidade em cidade em busca de melhores condições de vida. Entretanto, a inserção
no mercado de trabalho, especialmente nos grandes centros urbanos, depende de alguns
requisitos que são raros entre os migrantes de baixa renda: escolaridade, profissionalização ou
especialização em certos tipos de serviço, compatíveis com as necessidades urbanoindustriais; documentação em ordem, cartas de referência e residência fixa.
Dessa forma, essas pessoas que já ao deixar seu território apresentam poucas
possibilidades de serem absorvidas pelo mercado, apresentam grandes chances de insucesso e,
em alguns casos, quando não possuem suporte para retorno à cidade de origem, ou mesmo
lhes faltam coragem para enfrentar a família, resulta numa reterritorialização nômade, seja por
processos de errância entre as cidades, seja pela fixação dessa população na rua. Ou seja, um
migrante que não consegue trabalho na cidade para onde se deslocou, parte em busca de
trabalhos temporários em várias cidades, com a escassez desses trabalhos temporários ele
continua a viajar porque não pode voltar para casa “de mãos abanando”, passa a aceitar
qualquer tipo de serviço para garantir sua sobrevivência e não se fixa nas cidades tempo
suficiente para encontrar um trabalho melhor, se tornando um trecheiro, até perder ou ter seus
documentos roubados o que obriga a fixação temporária numa cidade pela espera da nova
documentação, provocando o improviso de um local para passar alguns dias, ou seja, uma
“maloca”, aonde eles precisam estabelecer laços sociais para se manter, implicando no
desenvolvimento de práticas tais como o alcoolismo que pode levar o indivíduo à completa
mazela. A possibilidade de estabelecer uma continuidade com o comportamento do migrante
que o leve a situação de rua faz com que muitas explicações para a existência da população de
rua tenham como ponto de partida a migração.
Mas antes de atribuir aos processos migratórios à existência de moradores de rua nas
grandes cidades é importante considerar os dois principais componentes que fariam desses
processos as causas desse fenômeno: o fator econômico, que é o desemprego, e os possíveis
choques culturais a que estão sujeitos os migrantes. Portanto, muito embora a população de
rua seja composta por pessoas sem emprego formal, provenientes de famílias de baixa renda e
com baixa escolaridade, a pobreza, o desemprego e a baixa escolaridade não são razões
suficientes para explicar a existência desse contingente de pessoas que ocupam as ruas da
cidade ou teria que se explicar porque milhares de pessoas desempregadas, provenientes de
famílias de baixa renda e com pouca escolaridade não estão vivendo nas ruas e sim em suas
casas, com suas famílias.
Apesar do desemprego ser um componente importante na vida dos moradores de rua,
não é exclusividade dos migrantes, como também não pode ser considerado o fator
preponderante para que as pessoas abandonem suas famílias para viver nas ruas.
Segundo Durham (1984), as estratégias criadas pelos migrantes para se adaptar à vida
nas metrópoles passam antes por uma solução de compromisso entre o modo de vida que
levavam no meio rural e as exigências apresentadas pela vida metropolitana do que por uma
mudança abrupta de valores ou pela ruptura dos vínculos afetivos e familiares.
O choque cultural entre o campo e a cidade e à dificuldade de adaptação não
necessariamente obrigam a fixação dos indivíduos nas ruas, tendo em vista a existência de
indivíduos provenientes de outras regiões que não se encontram morando nas ruas. Além
disso, nem todo morador de rua que não é natural de Salvador advém do meio rural, pelo
contrário, há muitos moradores de rua em Salvador que vieram das grandes cidades ou
capitais brasileiras.
Assim, considerando a perspectiva de Durham (1984), percebe-se que o que acontece
aos migrantes é o contrário do que acontece aos que se tornam moradores de rua e aos
trecheiros: enquanto moradores de rua e trecheiros rompem com os laços familiares e não os
recompõem mesmo no momento em que passam por dificuldades pessoais, os migrantes
procuram estreitar ou, até mesmo, recriar laços familiares para superar as dificuldades que
encontram na vida das grandes cidades. O fracasso no mercado de trabalho não é, pois,
suficiente para fazer de um migrante um trecheiro ou um morador de rua.
Porém, uma vez atingido a situação de rua, as possibilidades de retorno à cidade natal
se tornam cada vez menores. Ninguém quer voltar para casa “pior do que saiu” e a volta é
sempre adiada para quando a “situação melhorar”. Em depoimentos extraídos do livro de
Escorel (1999) pode-se perceber claramente a dificuldade de encarar a família após a tentativa
frustrada de melhorar a qualidade de vida:
“Eu não posso voltar pra casa do jeito que eu tô, por isso eu queria arrumar um quarto
pra mim, estabilizar-me de novo, [...]; vou chegar na minha casa de bermuda e uma mochila
nas costas?” (ESCOREL, 1999, p. 147)
Quem se dispõe a sair de sua terra natal para enfrentar o novo, reúne todas as suas
forças e reservas econômicas e emocionais para trazer o melhor para casa, portanto, voltar
fracassado para a família é uma dor para a qual não se tem mais reservas.
Às vezes eu penso em voltar, sabe? Mas voltar da forma que eu tô não posso não...
eu tenho a maior vergonha de voltar pra minha casa da forma que eu tô, destruído,
tinha que tar bem melhor, sabe? Ó só, vou falar um coisa... sem dente, sem roupa,
sem nada, sei lá, destruído totalmente, não volto não. (ESCOREL, 1999, p. 147)
Se a maior proporção de moradores de rua em relação à população total é encontrada
nas cidades com maior contingente populacional, talvez seja porque as condições de
existência da população de rua estejam mais presentes nas cidades grandes do que nas
pequenas.
As cidades menores costumam desenvolver políticas mais eficientes de deportação de
potenciais moradores de rua, além do fato das grandes cidades produzirem mais lixo,
propiciando a catação de lixo que se apresenta como importante fonte de renda para quem
habita as ruas; um mercado mais intenso que demanda mais caminhões para descarga de
materiais, possibilitando a realização de “bicos”. Ou seja, nas grandes cidades, a população de
rua encontra mais recursos para a sua sobrevivência.
Nessa perspectiva a população de rua tem suas origens no desenvolvimento do
capitalismo e no crescimento das cidades. Mas, mesmo considerando que essa população é
recrutada nas camadas mais baixas da população, não é no desemprego ou no pauperismo em
que se encontram as causas de sua existência, e sim nas próprias condições desse
desenvolvimento que fazem da inserção no mercado formal de trabalho uma condição
primordial para a inserção social e que leva as administrações municipais a adotar políticas de
afastamento, acolhimento ou repressão desta população que não se adequa aos modos de vida
apresentados como desejáveis ou, pelo menos, aceitáveis pelo poder público e pelos demais
moradores das cidades.
4. A POPULAÇÃO DE RUA DE SALVADOR
Salvador, terra da alegria, do Carnaval, presente nos principais roteiros turísticos no
cenário nacional, encanta os visitantes e os nativos pela diversidade de belezas naturais, pela
riqueza histórica que carrega em cada construção antiga que compõe a arquitetura da cidade,
tais como o elevador Lacerda, o Mercado Modelo, o Forte São Marcelo, a Praça Castro Alves,
a Ponta do Humaitá, o Pelourinho, o Farol da Barra, a Lagoa do Abaeté, o Dique do Torroró,
a Igreja do Bonfim, a Praça do Campo Grande, Praça Nossa Senhora da Luz, dentre outros.
Entretanto, estes cenários não ofuscam uma realidade latente que circunda e ocupa diversas
áreas da cidade que é a população de rua, embora às vezes pareçam invisíveis aos olhos
daqueles que se habituaram a ver mãos esticadas nas esquinas e água jogada subitamente nos
retrovisores dos carros.
Contabilizar a população de rua é uma tarefa difícil. Como afirmam Lovisi (2000) e
Escorel (2000), a dificuldade começa pela conceituação do que seja a população de rua – se
são “população de rua”, se são pessoas “sem teto”, se inclui ou não os trabalhadores de rua
(catadores de material reciclável) que dormem na rua durante a semana e em casa nos finais
de semana; se inclui os modos precários de habitação, o que incluiria os moradores de favelas
e etc.
Uma vez definido quem deve ser considerada como população de rua, surge o segundo
problema: como recensear uma população sem endereço fixo, composta, inclusive, por
pessoas que estão de passagem pelas cidades?
Lovisi (2000) e Dias (1999) relatam algumas formas de pesquisa adotadas para o
recenseamento da população de rua: a abordagem de todas as pessoas que estão dormindo na
rua ou em albergues em uma única noite; abordagens feitas ao longo de alguns meses,
incluindo moradores de residências improvisadas; pesquisa por amostragem, selecionando-se
alguns quarteirões; pesquisas por amostra residencial, por telefone, a fim de saber se algum
morador da residência já morou na rua por algum período da vida e quando, fazendo-se então
uma estimativa do tamanho da população de rua pela porcentagem de pessoas que declararam
ter passado pela rua a cada ano.
No Brasil, a população de rua não está incluída nos censos nacionais realizados pelo
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), contudo a contagem oficial da
população de rua do Brasil foi realizada entre os meses de outubro de 2007 e janeiro de 2008.
A pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua foi financiada com recursos do
Tesouro e viabilizada por um acordo de cooperação assinado entre o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
O público-alvo da pesquisa foi composto por pessoas com 18 anos completos ou mais
vivendo em situação de rua. O levantamento abrangeu um conjunto de 71 cidades brasileiras,
ver anexo 1. Desse total, fizeram parte 48 municípios com mais de 300 mil habitantes1 e 23
capitais, independentemente de seu porte populacional. Entre as capitais brasileiras não foram
pesquisadas São Paulo, Belo Horizonte e Recife, que haviam realizado pesquisas semelhantes
em anos recentes, além de Porto Alegre que solicitou sua exclusão da amostra por estar
conduzindo uma pesquisa de iniciativa municipal simultaneamente ao estudo contratado pelo
MDS. Dos municípios Baianos foram inclusos Salvador e Feira de Santana.
Para desenvolver a pesquisa, a Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, definiu “a população em situação de rua”
como um grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza
extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia
convencional regular. Como pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças,
cemitérios etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas etc.) e,
ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar.
Como já foi dito anteriormente, para fins desta dissertação, foi considerada população
de rua ou morador de rua todo aquele que faz do espaço público e, em alguns casos, de
construções ou terrenos abandonados, seu local de moradia, assim como aquele que se utiliza
de instituições de acolhimento para a população de rua como local de dormitório. Deste
modo, a pesquisa Nacional realizada entre os moradores de rua de Salvador engloba a
população tratada no presente trabalho.
O resultado da pesquisa identificou 31. 922 pessoas em situação de rua nas 71 cidades
pesquisadas, correspondendo a 0,061% da população residente.Os resultados sugerem um
novo perfil de população em situação de rua: o trabalhador pobre sem uma moradia
convencional, justificada pelo fato de 70,9% exercerem alguma atividade remunerada. A
pesquisa revelou também a cristalização da situação de rua e elevado grau de
institucionalização de pessoas que dormem em albergues.
__________________________
1 Projeção dos dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE).
Em Salvador a pesquisa apontou a existência de 3.289 moradores em situação de rua,
considerando que o público alvo foi composto por pessoas com 18 anos completos ou mais. O
que representa 0,114 % da população que totaliza 2.892.625 pessoas segundo contagem do
IBGE 2007. Em termos percentuais parece representar uma parcela insignificante da
população, entretanto ao se analisar que são 3.289 seres humanos vivendo em condições
precárias, subumanas, compartilhando as ruas da cidade com baratas, ratos e detritos, constitui
um absurdo do ponto de vista humano e constitucional.
Salvador é a segunda maior cidade com maior número absoluto de moradores de rua,
atrás apenas do Rio de Janeiro, que tem 4.585 (0,080%) e Curitiba é a terceira com 2.776
(0,150%), ver anexo 2. A pesquisa revela que a maioria dos moradores de rua é formada por
homens, entre 25 e 44 anos, exerce atividade remunerada, não sabe ler e escrever e não recebe
benefícios sociais do governo.
Das andanças pelas ruas de Salvador é fácil notar que à medida que a faixa etária sobe,
a quantidade de moradores de rua tende a decrescer, havendo poucos moradores de rua
idosos, o que pode ser explicado pela dificuldade que representa a vida nas ruas,
impossibilitando a permanência destes, que debilitados não conseguem sobreviver nestes
ambientes hostis.
Outro aspecto facilmente observado é a diferença na proporção de homens e mulheres,
em geral são poucas mulheres que habitam os aglomerados das ruas face à dificuldade de se
manter nestes ambientes devido principalmente à violência sofrida por elas. Em seu
depoimento José evidencia que as mulheres são muito cobiçadas nas ruas, elas são fruto do
desejo de muitos homens “carentes” e as relações são muito voláteis, um dia a mulher é de um
e no outro dia já é de outro homem, assim os conflitos são constantes e mulher é a grande
vítima. Segundo ele mulher para sobreviver nas ruas e das ruas ou tem marido ou é muito
guerreira.
4.1 TRAJETÓRIA DOS MORADORES DAS RUAS DE SALVADOR
Salvador, cidade litorânea, é um atrativo para pessoas em busca de melhores condições
de vida, principalmente nos períodos de maior fluxo de turistas. A origem das populações de
rua varia conforme os tipos de cidade onde se encontram. Em cidades de grande porte como
Salvador, a maioria dos moradores de rua são provenientes da própria cidade e pessoas que
migraram há muitos anos e que vieram a se tornar moradores de rua2. Os trabalhadores
itinerantes são mais comuns em cidades menores, onde a participação da agricultura na
economia é maior.
Muitos moradores de rua procuram as cidades litorâneas para trabalhar como
vendedores ambulantes nas praias ou para trabalhar “na noite”, como fazem os travestis. Os
moradores de rua de Salvador geralmente procuram o litoral e o centro da cidade, as áreas
próximas do comércio, os pontos turísticos, terminais rodoviários, próximo às igrejas, à
albergues e instituições filantrópicas que fazem distribuição de alimentos, mantimentos e
roupas.
Os itinerários construídos pelos moradores de rua podem ser os mais diversos
possíveis, podendo englobar somente uma rua ou avenida e adjacências, um quarteirão ou
alguns metros além do local onde se instalou, e até mesmo diversas áreas da cidade; eles
buscam estar sempre próximo das fontes de recursos necessárias para a sua manutenção.
Os principais pontos críticos dos moradores de rua se Salvador constituem:
O Campo da Pólvora- Ladeira de Santana- habitada por moradores de rua de diversas
faixas etárias; eles formam um aglomerado humano em meio a papelões, garrafas plásticas e
restos alimentares, são homens e mulheres que passam os dias e as noites na rua,
sobrevivendo da venda de materiais recicláveis, de esmolas concedidas principalmente pelos
motoristas que passam e são obrigados a parar no semáforo que fica próximo ao local que eles
habitam. Já que pedestres evitam a região com receio e medo de passar próximo, conforme
relata José, meu acompanhante nessa jornada que viveu por um ano nesse ponto da cidade.
Segundo ele é possível num dia contar o número de “corajosos” que sobem a ladeira de
Santana a pé, “de vez em quando subia uns doutores assustados que estacionava o carro
naquele estacionamento.” relata José apontando para o local. Os moradores de rua costumam
ocupar essa região porque aí existe uma igreja e a instituição Missão Redentora - Casa
Espírita de Caridade Saback que há 50 anos oferece três refeições diárias, roupas e sapatos,
durante todo o ano, porém o foco é para pessoas doentes e idosas.
Nessa região da cidade é importante destacar o contraste representado pela presença
maciça de moradores de rua e pela existência de órgãos públicos tais como o Fórum Rui
Barbosa, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do BrasilOAB, todos legitimadores do Direito, para os quais se dirigem todos os dias, diversos
representantes com poder de decisão dentro da sociedade, além da sociedade civil a procura
________________________________
2.Fonte: Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, Abril de 2008.
de serviços, além de que, o local é rota de passagem de ônibus advindos de diversos bairros de
Salvador e pelo menos alguma vez na vida os soteropolitanos e os demais que aqui residem já
passaram por lá, portanto é uma realidade revelada, não está escondida em marquises e
viadutos que favoreçam a invisibilidade desses indivíduos.
A Barroquinha- região próxima ao Campo da Pólvora caracterizada pelo intenso
comércio, composto por lojas de roupas, calçados e diversos outros gêneros, shopping center,
terminal rodoviário, representa um local de intensa ocupação e circulação dos moradores de
rua que em geral descem da Ladeira de Santana, do Pelourinho, da Praça da Sé, do Aquidabã
e de outros locais em busca de alimentos e outros gêneros para a sua sobrevivência, que por
vezes são conquistados através de furtos e roubos, com retrata José:
Aqui é fácil conseguir grana, se não dão a gente se vira e acaba conseguindo, as
pessoa fazendo compra fica distraída e é muita gente então fica fácil, quando as lojas
fica cheia então... roubar faz parte da vida do morador de rua senão a gente morre
mas não faço mais isso não, descobrir outro jeito de sobreviver. (JOSÉ)
Além da facilidade na obtenção de gêneros através de doações, furtos e roubos face à
grande movimentação comercial, a região possui muitos prédios, cujas fachadas servem como
abrigo, casarões abandonados, abrigos públicos- centro de triagem- além do terminal de
ônibus, local onde eles costumam passar as noites. O ponto crítico dessa região é a existência
de intenso tráfico de drogas, portanto o local tornou-se atrativo para dependentes químicos e
costuma ser bastante freqüentado pelos moradores de rua afinal o próprio José afirma:
É muito difícil viver nas ruas e nunca ter usado baseado, cola, pedra, o vizinho de
papelão usa, aí você fica vendo então ele divide com você, é o companheirismo,
ajuda a passar o frio, a fome e dá coragem, aí ela já te dá o canal para conseguir e
quando você vê já ta perdido, essa é a vida das ruas... graças a Deus estou liberto,
Jesus me curou. (JOSÉ)
O viaduto do Aquidabã, região de confluência dos Bairros do Comércio, Sete Portas,
Baixa dos Sapateiros, Santo Antônio e Vale de Nazaré é uma área de concentração de
moradores de rua tipicamente de formação de “malocas”, os moradores aproveitam a estrutura
do viaduto e a faz de parede e teto de sua casa, montando uma arquitetura de preservação de
sua vida particular através de madeirites e papelões que formam o arcabouço da “residência”;
são homens e mulheres que convivem formando a chamada “família da rua”. Eles vivem de
esmolas, do dinheiro obtido como malabaristas, como limpadores de pára-brisa de veículo que
param no semáforo, da venda de materiais reciclados e doações de igrejas que ficam próximas
à região. Em geral, durante o dia eles circulam pelo Bairro da Baixa dos Sapateiros e da Sete
Portas, regiões de intenso comércio e circulação de pessoas.
“Tem gente aí que tem problemas de cabeça, inclusive já tiveram internado no
Sanatório”, informa José apontando para um senhor de aparentemente 40 anos, feições débeis
e abatidas. O Sanatório a que João fez referência localiza-se numa região próxima ao viaduto,
é particular, porém conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS), contudo, com o advento da
reforma psiquiátrica houve alterações nos critérios e formas de internamento e alguns
indivíduos não se enquadram no perfil de atendimento da instituição.
O bairro das Sete Portas, região tradicional por comportar a estrutura do antigo
terminal rodoviário de Salvador e por possuir uma feira de alimentos se apresenta como
importante ponto de passagem dos moradores de rua; nesse local eles conseguem restos de
alimentos e abrigo, em geral não costumam se fixar, ocupam por curtos períodos de tempo
sombras de árvores próximas a um módulo policial. Uma situação especial que causou
espanto foi ver uma senhora, aparentando ter 50 anos, sair de uma galeria de esgoto nessa
região, José com muita tranqüilidade disse: “é dona Neves, ela não gosta da agitação do dia,
só sai pra comer ou se chover porque enche o canal, mas ela some um tempão que ninguém
acha, anda sozinha, acho que também tem problema de cabeça”
O Vale de Nazaré, como o próprio nome diz é uma região em que se preserva algum
verde. Compõem a paisagem ainda alguns edifícios que abrigam pontos comerciais e poucas
residências, além de ser possível a visualização da fachada de um grande empreendimento
hospitalar privado; é um local de pouca circulação de transeuntes e normalmente utilizada
pelos moradores de rua da região para descansar, manter a “privacidade”; eles ficam em baixo
do viaduto que liga o bairro de Nazaré ao Aquidabã. Para subsistência, em geral, catam
materiais pelas ruas da cidade e pedem esmolas nas sinaleiras da região e como aponta José:
“é uma área muito deserta, nunca me grupei aqui, passar andando aqui né muito bom não”.
A Praça da Piedade- Relógio de São Pedro, situada na Avenida Sete de Setembro é
talvez o local mais freqüentado por moradores de rua, o acesso freqüente de pessoas favorece
a mendicância, assim como o agregado de igrejas representa a garantia de caridade. É comum
encontrar nessa região pedintes que não são moradores de rua, considerando a definição
adotada na presente dissertação; são indivíduos que moram geralmente em habitações
precárias, favelas, que estão desempregados e se dirigem à praça para conseguir angariar
gêneros. Estes costumam passar o dia na Praça e à noite retornam às suas casas; na sua grande
maioria são casais, homens e mulheres, e os filhos, crianças que pedem dinheiro e alimentos
aos transeuntes e motoristas, bem como exibem suas habilidades como malabaristas na frente
dos veículos ao fechar o sinal. Outros indivíduos habitam a Praça, eles ocupam os bancos que
lhes servem de cama, sofá, mesa; neste espaço eles vivem, trabalham e se divertem.
O contraditório neste ambiente é que é uma das regiões de maior circulação da cidade,
possui shopping center, bancos, comércio bem desenvolvido, faculdades, escolas, órgão
públicos, porém esta realidade parece invisível aos olhos da sociedade. José revela que morou
por muito tempo nessa região, para ele é o local mais fácil de adaptação, porque o ritmo é tão
frenético que o dia passa que nem se percebe, então, apesar de parecer invisível em meio a
aquele vai e vem de pessoas acaba por se sentir parte da cidade, não fica isolado. Tem
árvores, tem abrigo, fica próximo de locais que pode conseguir comida e fica perto da
biblioteca e do cinema de graça, relata José com largo sorriso no rosto fazendo referência ao
Cinema situado no subsolo do prédio da Biblioteca Central dos Barris.
A Praça da Sé, próximo ao elevador Lacerda, importante ponto turístico de Salvador e
principal ligação da Cidade Baixa a Cidade Alta, de arquitetura exuberante apresenta-se como
ponto de concentração de moradores de rua que encontram neste local refúgio, sombra de
árvores e bancos de praça reformados. Os moradores dessa região costumam viver do que o
turismo pode propiciar que envolve desde atos de caridade, esmolas, catação de latinhas até
furtos e roubos, conforme aponta José. É uma área com muito local para se divertir, apesar de
não ter sido preparado para os moradores de rua, o Pelourinho, região circunvizinha da Praça
tem muitos shows quase todos os dias.
Aqui é pra quem gosta de agitar, não se tem sussego, dormir nessas ruas é difícil, é
festa de segunda a segunda, algumas de graça, outras não, mas tem uma coisa por
causa dos turista os seguranças coloca a gente pra fora, então a gente acaba que fica
pedindo um pouco de comida, um pouco de cachaça, uns dão outros não... mas aqui
é complicado a droga rola solta, a gente até ensinava os gringos onde acha aí eles
pagava pra gente. (JOSÉ)
Os moradores de rua da Praça da Sé e do Pelourinho costumam obter os gêneros
alimentícios nas igrejas da região.
Terça é dia de distribuir o pão de Santo Antônio, a gente ia pra Igreja São Francisco
pegar pão e mingau e de segunda a sexta tinha comida. Apesar da comida ser
melhor que do albergue, eu só consegui morar aqui no Pelô pouco tempo, me cansei
da agitação. (JOSÉ)
A igreja de São Francisco no Pelourinho, apelidada de “Chico”, fornece refeições de
segunda a sexta há mais de 50 anos, às 11 horas grande parte da população de rua já sabe que
encontrará almoço na igreja. O almoço é servido na mesa, onde todos podem sentar e almoçar
com um fundo musical, num clima de repleta harmonia. O “Chico” fornece também café da
manhã. Por dia são cerca de 240 pessoas em situação de rua que se alimentam das duas
refeições no local.
O bairro do Comércio, área que agrega importantes rotas comercias e turísticas da
cidade, o qual comporta o Porto Náutico, pontos turísticos como o Elevador Lacerda, o
Mercado Modelo, o Forte de São Marcelo, o Solar do Unhão, o terminal rodoviário-Terminal
da França -, locais de grande confluência de pessoas e principalmente turistas na alta estação,
se apresenta como um dos locais mais habitados por moradores de rua que encontram nestes
ambientes condições de adaptação. Em geral eles ocupam o terminal rodoviário e os pontos de
ônibus como um todo, embaixo do túnel Américo Simas que dá acesso ao Aquidabã, ruas que
dão acesso ao Plano Inclinado do Comércio, as cercanias do Mercado Modelo, a Ladeira da
Montanha. Todos locais com condições inóspitas de acomodação que constituem os bancos
das praças e pontos de ônibus, o chão embaixo das marquises, “malocas” erguidas com
madeirites e casarões abandonados, interditados por falta de segurança, que correm o risco de
desabar. Esses são os locais que eles costumam se fixar no comércio, a escolha do local é
influenciada pela forma como vão tentar ganhar a vida nas ruas, informa José, com a ressalva
de não ser uma regra.
Aqueles que vivem de fazer vida normalmente escolhem a Ladeira da montanha e
próximo ao porto dos barcos e ao elevador, os que vivem de esmolar perambulam
pela região, uns guarda carro aqui na rua, outros faz malabarismo na sinaleira, tem
um pessoal que cata material reciclável, tem os artesão que fica perto do Mercado
Modelo tentando vender o que faz, quando chega turista é uma agonia. (JOSÉ).
Para se alimentar os moradores de rua do Comércio contam com as doações e quando
possuem algum dinheiro fazem as refeições no restaurante popular cujo preço do almoço é R$
1,00. Na Avenida Contorno eles costumam se instalar em barracas, “malocas” em baixo da
Avenida e transitar pelas margens da pista coletando materiais recicláveis. Nesse local
dificilmente se vê pedestres passando, é um local muito deserto, as pessoas costumam evitar.
A Ladeira da Montanha é famosa por representar para toda a sociedade soteropolitana
um local de prostituição, nela são encontrados diversos casarões que mantém a cultura secular
de abrigar prostitutas. Muitos dos habitantes desses casarões são moradores de rua que
ocuparam esses locais abandonados e condenados pela defesa civil.
Mãe preta é a moradora mais famosa da região, de meretriz transformou-se em
benemérita da Salvador marginalizada. Em entrevista ao Jornal “Aurora da Rua” ela
cantarola: “ Mãe preta da Bahia/ Mãe preta é alegria/ Mãe preta dá comida/ aos meninos todo
dia, já falei pra você/ dá-lhe Mãe preta...”.
Em trecho extraído do jornal “Aurora da Rua” ela revela: “ Não quero saber quem é,
nem de onde veio. Chegou aqui come”. (AURORA DA RUA, 2007/2008). Através de
doações ela distribui refeições para qualquer pessoa que aparecer, a casa onde funciona seu
abrigo atende cerca de 40 pessoas.
O viaduto da Fonte Nova- Estádio de Futebol interditado- já se consagrou como
importante ponto de concentração de moradores de rua, aproveitando a arquitetura do viaduto
eles estruturaram suas “casas”, improvisam fogões a lenha, utilizam latas de tinta como
panelas, utilizam uma fonte de água situada na região para fazer o asseio, para coletar água
para cozinhar e lavar carros, uma das principais atividades desenvolvidas pelos moradores de
rua da região, favorecida pela proximidade a um posto de combustível e a lojas automotivas.
Além desta atividade eles atuam como guardadores de carro no bairro de Nazaré e coletam
materiais recicláveis que são armazenados nas “malocas” até serem levados para os galpões.
Nessa região é possível observar a presença de famílias formadas no local, são
homens, mulheres e crianças, mas segundo José eles costumam circular com as crianças para
evitar que o Conselho Tutelar e o Juizado de menores as levem. José afirma apontando para
uma jovem senhora aparentando 30 anos, com duas crianças, sentada sobre um colchão de
casal, no canteiro em frente ao portão 09 da arquibancada do estádio: “esta é Rose, quando
(eu) estava na rua ela vivia aqui com um filho, depois vi ela com um barrigão, agora já são
três crianças, todos queria namorar ela, as cadeiras largas chamava atenção”.
No local verificava-se a presença de dois colchões, alguns cacarecos espalhados: um
urso de pelúcia envelhecido, uma grade de churrasco sobre o chão, com sinais de fogo recém
apagado e crianças brincando.
“essa fonte já foi melhor de viver”, afirma José. Ele revela que quando o estádio
funcionava era mais fácil conseguir os utensílios necessários à sobrevivência. Em dias de
jogos não passavam necessidades, “o torcedor do meu timão (Bahia) é fiel e caridoso, cedo já
estava por aqui, se fosse BA X VI então, agora não é tão certo assim”. Eles conseguiam
dinheiro guardando carros, catando latinhas, pedindo esmolas; a alimentação do dia estava
garantida. Com a interdição do estádio é possível observar ainda a presença de moradores de
rua na região, porém segundo José a quantidade é bem menor que antes, eles devem ter
mudado para outro lugar.
No Barbalho a concentração de moradores de rua ocorre próximo ao Posto de
Gasolina, ladeira que dá acesso a uma Escola Pública tradicional, sentido Centro. Eles ficam
sentados no chão, num sofá velho, embaixo da marquise de um ponto comercial fechado. A
população desse local parece ser composta por pessoas de idade mais avançada, eles ficam
rodeados de materiais reciclados que catam durante o dia. É muito comum ver moradores do
bairro, considerando que o Barbalho é um bairro residencial, levando comida para esses
moradores, bem como veículos de instituições de caridade que passam pela região e deixam
alimentos, vestimentas. A região é muito mais tranqüila, conserva número considerável de
moradores de rua que permanecem no local apesar das dificuldades que representa morar na
rua em locais residenciais, face ao temor da população que olha pela janela e nem sequer
atende ao chamado do pedinte, conforme relata José.
O viaduto de Água de meninos, conhecido como “Viaduto de Jesus” por reunir
moradores de rua nas celebrações natalinas, é uma ocupação recente quando comparada às
demais áreas de ocupação de moradores de rua, até por ser uma construção nova, que se
encontra inacabada, fruto do projeto do município com o apoio do governo federal de
modernização do fluxo viário de Salvador para canalizar o escoamento da produção através
do Porto marítimo situado no bairro do Comércio. Nessa região, os moradores de rua
estabeleceram uma estrutura de convivência bastante harmônica representada pela a
arquitetura da “casa”, com estilo próprio, é repleta de enfeites e penduricalhos, formando uma
paisagem digna de exposição.
Os moradores costumam se alimentar de frutas e verduras que coletam na Feira de São
Joaquim além de peixe conseguido junto a comerciantes do Famoso Mercado do Peixe,
situado na região. Eles trabalham na coleta de materiais para reciclagem e carregando e
descarregando caminhões da Feira de São Joaquim e do Mercado do Peixe. Eles utilizam os
bancos de praça para desenvolver as atividades de lazer, é muito comum verificar ao passar
pelo local, um grupo de homens, em sua maioria, jogando dama num tabuleiro improvisado.
A região é marcada pela concentração de indivíduos com dependência alcoólica, por ser um
local propício à embriaguez face à existência de muitos botecos. “aqui é o lugar da
branquinha.” relata José.
Na parte Baixa de Salvador, o local de maior concentração de moradores de rua
compreende o bairro da Calçada, o Largo dos Mares e toda a sua extensão até o Largo de
Roma. Essa região caracterizada pela presença da Estação Ferroviária, de área de comércio,
de praia, igrejas, praças e de abrigos propicia a ocupação por parte dos moradores de rua vez
que se apresenta como uma variedade de opções de sobrevivência.
Na Calçada os moradores ocupam os pontos de ônibus, principalmente o de partida de
ônibus intermunicipais, as portas das lojas e a entrada da Estação Ferroviária, sobrevivendo da
mendicância e de guardar carros. No Largo dos Mares, a praça favorece a instalação desta
população que formam aglomerados humanos compostos por crianças, jovens e adultos, a
maioria destes ocupam a praça de dia para conseguir sua subsistência e dormem debaixo das
marquises das lojas em toda a extensão da Avenida Mares. À noite eles costumam se
concentrar na praça até a passagem dos veículos de instituições que distribuem sopa e pão,
momento em que a população local parece quadriplicar, na verdade o que ocorre é a
confluência de moradores da região e adjacências no local a fim de obter o alimento, são
dezenas de crianças, famílias que surgem em meio à escuridão do anoitecer, permanecendo o
tempo suficiente para satisfazer sua necessidade alimentar, muitos até possuem “casa”, em
verdade, moram em barracos na região da Baixa do Fiscal e do Uruguai.
Nas proximidades do Largo de Roma a concentração da população em situação de rua
se dá nas cercanias da casa de pernoite e do albergue noturno, eles se instalam nas calçadas,
estendem seus papelões e passam dia e noite, alguns, afirma José, dormem na casa de pernoite
e de dia volta às ruas, ficando por perto à espera do horário para retornar para se alimentar.
Como tem um limite de tempo para se alimentar e dormir na casa de pernoite, quando acaba
esse prazo, eles ficam morando nas calçadas. Outros ficam à espera de uma vaga para entrar
na casa de pernoite.
No largo de Roma a quantidade de moradores em situação de rua é menor, segundo
José isso de deve à reforma da praça, então eles acabaram reclusos a um paredão de uma
escola que fica próximo. “essa praça era nossa, depois que a prefeitura reformou expulsou a
gente, os guardas não deixam.”. Os guardas a que José faz referência são os componentes da
Guarda Municipal de Salvador que possui um módulo no local e realizam a vigilância
patrimonial. No largo há um Hospital público para o qual são conduzidos os moradores de rua
que necessitam de atendimento médico.
A Praça Nossa Senhora da Luz, situada na Pituba, bairro nobre de Salvador, concentra
alguns moradores de rua que ocupam a praça e sobrevivem de guardar carros e de esmolas.
“... Residir em bairro nobre” não representa mais facilidades para o morador de rua, conclui
José. “os ricos têm mais medo da gente, mais o lixo tem mais coisas boas, a gente consegue
móveis novinho, dá pra tirar uma grana”.
A região do litoral de Salvador que compreende bairros como Ribeira, Barra, Ondina,
Pituba, Rio Vermelho, Boca do Rio, Piatã, Itapuã, dentre outros, tem a ocupação por
moradores de rua caracterizada pela permanência destes nas praias, como pedintes,
trabalhando como vendedores ambulantes, ou “na noite” na prostituição, principalmente os
travestis. Geralmente eles dormem nos cascos de barcos na areia, em embarcações não
utilizadas, nos portos e nos monumentos.
As áreas de lazer dos moradores de rua em geral são estabelecidas na própria ocupação
território, mas a cidade possui algumas áreas de lazer públicas, tais como o Dique do Tororó,
as Praças que dispõem de parque infantil, o Jardim Zoológico, as Praias, entretanto os
moradores de rua não são bem aceitos nesses locais, a população ao detectar a presença deles
logo se retiram, apressam os passos, seguram as crianças e as bolsas, relata José. Dessa forma
é mais comum vê-los utilizando esses espaços para garantir a sobrevivência.
A higiene corporal é bastante precária para os moradores em situação de rua, devido às
próprias limitações do ambiente e financeira, em geral aqueles que “moram” em praças,
próximo a diques e fontes utilizam-nas para fazer o asseio e também lavar roupas como é o
caso das Praças da Piedade, do Campo Grande, da Sé, do Comércio, das fontes na região do
viaduto da Fonte Nova e da Avenida Contorno, próximo ao elevador Lacerda, do Dique do
Tororó, dentre outras.
Em Salvador, observa-se que a população de rua pode ser encontrada por toda parte,
mas há maior concentração nas regiões centrais ou próximas ao centro da cidade, onde se
encontra a maioria das instituições de atendimento a esta população, assim como os galpões
de triagem de material reciclado, a maior concentração do comércio (onde os moradores de
rua podem trabalhar carregando e descarregando caminhões), onde se localiza a rodoviária da
cidade, o restaurante popular, que oferece refeições mais baratas e diversos restaurantes onde
se pode obter comida de graça após o expediente de almoço.
5. A NEGAÇAO DOS DIREITOS: MISERABILIDADE E EXCLUSÃO
SOCIAL
É pertinente iniciar este capítulo explicitando algumas importantes diferenciações sobre
pobreza, desigualdade social e exclusão, por se tratarem de conceitos que permeiam a
sociedade e a vida do morador de rua e que por vezes são tratados de forma distorcida.
Por pobreza entende-se a inexistência de recursos que permitam uma vida digna3. São
considerados pobres os despossuídos de condições mínimas para atendimento de suas
necessidades básicas.
Desigualdade social compreende a diferente distribuição das riquezas socialmente
produzidas entre os membros de determinada sociedade. A partir dessa distinção entre os dois
termos, conclui-se que é possível a existência de uma sociedade socialmente desigual sem que
seus membros sejam necessariamente pobres, ou ainda, a existência de uma sociedade com
presença de pobreza em grande escala que não se configure a desigualdade social.
O termo exclusão é um dos mais contestados e discutidos, Nascimento (1994)
apresenta três diferentes acepções, todas partindo de uma definição básica dada pelo autor:
O conceito de exclusão social está mais próximo, como oposição, ao de coesão
social, ou, como sinal de ruptura do vínculo social. Por similitude, encontra-se
próximo, também, do conceito de estigma e mesmo, embora menos, do de desvio.
Neste caso, entre outras, a diferença reside no fato de que o excluído não necessita
cometer nenhum ato de transgressão, como o desviante. A condição de excluído élhe imputada do exterior, sem que para tal tenha contribuído direta ou mesmo
indiretamente. (NASCIMENTO, 1994, p. 30)
A primeira acepção do termo exclusão, Nascimento (1994) baseia-se na rejeição, na
intolerância, na dificuldade de reconhecer no outro os direitos que lhe são próprios,
repercutindo no rompimento de vínculos comunitários e na coesão social fragmentada. O
autor compara essa acepção à idéia de discriminação, seja ela racial, sexual, religiosa ou de
classes, afirmando que toda discriminação seria uma forma de exclusão social.
Na segunda acepção destacam-se os grupos não integrados ao mundo do trabalho,
excluídos de direitos, que por vezes produzem a não-inserção social. Surge então o caráter
moral do trabalho, onde a sociedade repudia os desempregados.
Na terceira acepção surge a “nova exclusão”, que o autor credita à recusa ao espaço
para a obtenção de direitos. Refere-se aos expulsos da órbita da humanidade por serem
completamente desnecessários ao sistema, são os descartados do mundo.
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3. Ressalta-se que as definições de vida digna e das necessidades básicas dos indivíduos variam social e
temporalmente.
O autor cita como exemplo parte da população do continente africano. Cotidianamente
neste continente, doenças se alastram, a miséria se multiplica, guerras civis matam milhares
de inocentes, mas para o mundo capitalista esta temática não é prioritária, por se tratarem de
pessoas consideradas sem importância para a manutenção do sistema: mão-de-obra
descartável e inexistência de consumo.
De acordo com Yazbek (1996), “estar em estado de pobreza é estar de forma
permanente ou transitória privado de um mínimo de bens ou mercadorias necessárias à sua
conservação e reprodução social."
De acordo com Perlman (1977), o que caracteriza essa população, em estado de
pobreza, são suas características econômicas, sociais, culturais e políticas, sendo estas as
responsáveis tanto pela existência da pobreza em si, quanto da atribuição desta aos que sofrem
com ela. Esta situação de extrema pobreza leva o indivíduo à exclusão social.
Na hierarquia dos excluídos, os moradores de rua estão na ponta; devido não somente
à privação material, mas também ao fato da pobreza lhe retirar a qualidade de cidadão, de
sujeito portador de sonhos, desejos e interesses que o diferenciam enquanto ser humano.
Escorel (1999) afirma que, nestas condições, ser excluído é não encontrar nenhum lugar
social, é ser prisioneiro do seu próprio corpo, sendo rejeitado pelos mercados materiais e
simbólicos.
Há ainda diferenciação no tratamento dispensado pelos demais segmentos da
sociedade às diversas categorias de moradores de rua. Comparando-se as categorias de
mendigo e de maloqueiro, pode-se observar que o mendigo é tratado como o pobre sofredor, o
chamado “sofredor” de rua, de quem se deve ter piedade e exercer a caridade. Enquanto que
ao maloqueiro, associado à figura do malandro, bêbado e preguiçoso, ocorre o repúdio, quem
passa por perto diz: “tem mais é que apanha.”, “seu lugar é na cadeia”, por isso recebem
baldes d’água para desocupar a calçada, retrata José.
Moradores de rua são seres humanos que vivem fora do contexto social, são vidas sem
direito à saúde, sem médicos e sem remédios; sem direito à moradia, a casa é a rua; sem
saneamento básico; sem higiene; sem alimentação, comem qualquer tipo de alimentos,
oriundos dos lixões; sem acesso à educação; sem emprego, em sua maioria não tem instrução
nem qualificação, logo lhe faltam oportunidades; sem segurança; sem lazer, as drogas lhes
consomem o tempo. Enfim, são destituídos de cidadania, de condições que lhes confiram
dignidade.
A população de rua está socializada na sociedade do concreto e do asfalto, e por isso
são cobrados deles documentos que comprovem a sua identidade ou sua existência civil.
Como os moradores de rua não os têm ou costumam não manter consigo esses documentos,
muitas vezes sua existência não é considerada e esse segmento populacional é excluído da
participação política pelo voto, por exemplo.
Mas não é apenas em termos civis ou burocráticos que os moradores de rua são
excluídos, por falta de provas materiais da sua existência. Em geral quando eles falam com
qualquer pessoa – moradora de rua ou não – sobre seu passado, sua origem e seu futuro, são
desacreditados. Isso acontece pela forte possibilidade de estarem emitindo um discurso
interessado e pela falta de evidências materiais tais como fotos, contratos, documentos, etc.
que comprovem aquilo que dizem. Tudo o que os moradores de rua têm é a sua palavra, o que
carrega em sua memória e em sua imaginação. A existência de provas materiais e de uma
história exige certo nível de sedentarismo.
A sua história é inscrita em seus próprios corpos, as marcas deixadas pelo
envelhecimento, os partos, os abortos, as cicatrizes, as tatuagens, o cabelo, a barba, as
doenças; os pertences que conseguem guardar e transportar. Suas identidades podem ser a de
morador de rua, trecheiro, mendigo, maloqueiro, caído, malandro, sofredor de rua, bandido,
ladrão, trabalhador, migrante, catador, Pedro, Maria, João. Alguns trocam de nome como as
outras parcelas da sociedade trocam de roupa; outros só são conhecidos por apelidos.
“A casa é nosso canto no mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro
universo”, diz Bachelard (2000). A casa é vista por ele como o grande berço, o aconchego e
proteção, desde o nascimento do homem. O paraíso material. “A vida começa bem, começa
fechada, protegida, agasalhada no regaço da casa”.
José revela que o seu maior sonho era voltar a ter uma casa, um lugar para retornar no
final do dia, descansar, ficar à vontade, ter um endereço. Para ele representava um alicerce
físico e espiritual que o ajudaria a seguir em frente, a voltar à sociedade, enfim ele conseguiu
e a 2 anos reside num barraco, para o qual retorna com muito orgulho todos os dias, no bairro
da Fazenda Coutos.
Geralmente o que ocorre com o morador de rua é a completa inexistência desse
território de proteção. Seu território é improvisado à beira da calçada ou sob viadutos e
marquises. As instalações são bastante precárias, falta-lhe infra-estrutura, redes de
esgotamento sanitário e os dejetos se misturam às atividades cotidianas, propiciando o
adoecimento. E diante desse quadro, a assistência à saúde apresenta-se de forma precária, vez
que essa parcela da população não é inclusa nos programas de saúde do município por não
apresentar um endereço convencional e ou documentos de identificação. Forma-se então um
ciclo vicioso porque o indivíduo adoece pelas péssimas condições de vida propiciada pela
ausência de residência digna; ao recorrer às unidades de saúde não podem ser atendidos por
ausência de cadastramento do endereço ou pela falta de documentos que muitas vezes não
possuem ou até mesmo perderam em virtude da falta de local adequado para guardar; ou no
máximo são atendidos pelas unidades de emergência e após alta hospitalar, mesmo carecendo
de cuidados, de repouso, retornam às ruas e voltam à mesma rotina.
Nas ruas os moradores ficam muito expostos e são constantemente vítimas de
violência por parte de outros moradores de rua por razões pessoais ou por disputas territoriais
e estão sempre sendo retirados pelos representantes do poder público- a polícia e a guarda
municipal-, por comerciantes da vizinhança e pelos proprietários das construções onde estão
instalados; “É comum que os comerciantes joguem água nas calçadas no final da tarde ou no
início da noite marcando seu território para a gente não ocupa.”, relata José.
A ocupação do espaço urbano pela instalação de moradias nos locais de passagem ou
pela apropriação do espaço ou pela ocupação de moradias abandonadas por outrem cria uma
situação de ambigüidade incômoda e perigosa, tanto para a população de rua, quanto para a
população sedentária. Como afirma Martins (1993), a privatização do espaço público
potencializa os conflitos entre essas populações, fazendo dos moradores de rua alvo de
rejeição social e de repressão policial. Os moradores de rua estão muito expostos tanto à
violência urbana quanto às doenças e a morte é sempre uma possibilidade muito próxima.
A baixa escolaridade também está presente na vida dos moradores de rua, o que implica
na falta de condições de exercer a cidadania. Com a ausência do suprimento das necessidades
básicas tais como alimentação, saúde, habitação, os esforços do morador de rua são
desprendidos no sentido de provê-las, ficando por vezes a educação em último plano.
Os moradores de rua geralmente desenvolvem atividades consideradas como
desqualificadas. A baixa escolaridade, associada à falta de residência fixa e à falta de
documentação e à falta de oportunidades comprometem a aquisição de empregos formais,
geralmente os moradores de rua desempenham atividades como guardadores de carros,
limpadores de pára-brisa, catadores de materiais recicláveis, artesãos, malabaristas, que são
insuficientes para assegurar a sua subsistência, conforme aponta Escorel:
Podem ser assinalados três grandes grupos de atividades realizadas com vistas a
obtenção de rendimentos: catadores, atividades vinculadas à mercantilização do
medo ou propriamente à criminalidade e a mendicância. Porém, as atividades da
maior parte dos moradores de rua têm a intermitência como característica principal;
são atividades que precisam ser buscadas diariamente: dependendo das
circunstâncias, das solicitações ou das oportunidades, o morador de rua pode estar
guardando carros hoje, carregando e descarregando caminhões de feira amanhã,
encartando jornais ou catando latas. A atividade de biscateiro, o ‘faz tudo’ que
respondia às pequenas e variadas solicitações de consertos domésticos, foi
substituída pelo ‘faz qualquer coisa’, solicitada ou não. São as ‘virações’, qualquer
atividade (ao seu alcance) que possa se reverter em dinheiro, alimentos ou outros
donativos. Como dificilmente conseguem auferir rendimentos necessários à sua
reprodução (mesmo levando em conta o rebaixamento dos custos em função de sua
moradia nas ruas), devem associar atividades variadas com a obtenção de auxílios
(monetários ou não) de particulares ou de instituições. (ESCOREL, 2000 p.163)
Conforme Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua realizada pelo
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a grande maioria dos moradores de
rua não é atingida pela cobertura dos programas governamentais, dentre os quais a
aposentadoria e o Programa Bolsa Família.
Falta-lhes muitas oportunidades, mas antes de tudo é preciso lhe devolver a dignidade, a
condição de ser humano, de cidadão, detentor de direitos civis, políticos e sociais, tratá-los
como indivíduos possuidores de qualidades, habilidades e conhecimentos.
Para o senso comum muitas vezes viver na rua é uma opção, uma escolha diante de
determinadas “facilidades” que a rua oferece: baixo custo, liberdade, obtenção de doações de
comida, roupas e, principalmente, o recebimento de esmolas, que muitos consideram uma
forma fácil de “ganhar a vida”. Porém a intenção é deixar claras as diversas dificuldades
enfrentadas por essa população: obter documentação, reatar laços familiares, readquirir
costumes e hábitos sociais, realocar-se no mercado de trabalho e livrar-se do estigma de
transgressores da ordem.
O ato desviante dos moradores de rua está constituído por morar na rua,
transgredindo um pilar da organização social que é a separação entre público e
privado, e por fazer uso de modalidades de sobrevivência que são desviantes em
relação aos mecanismos legítimos e convencionados [...]. Os restritos ofícios que
exercem são de baixa reputação social e rentabilidade. [...] o morador de rua deve
conseguir legitimar sua condição de quem precisa ser ajudado. Deve demonstrar a
sua impossibilidade de suprir de maneira convencional suas necessidades básicas,
através do trabalho, e de certa forma, ser considerado como uma ‘exceção à regra’.
A exposição das deficiências – físicas, mentais ou carenciais – é um modo (eficaz)
de legitimar o pedido. (ESCOREL, 1999, p. 237 e 238)
Ao andar pelas ruas de Salvador, deparamo-nos com diversos moradores de rua, mas
no geral as reações resumem-se à indiferença, ao menosprezo. Naturalizou-se, da pior forma
possível, a ignorância, o fato de crianças, jovens, adultos e idosos passarem boa parte de sua
vida sob marquises ou viadutos, desprotegidos socialmente, transformados em ameaças, sem
o amparo das leis, ignorados civil e politicamente. Esta é uma forma de violência velada,
tradicional no Brasil desde a formação do mercado de trabalho livre e que tem se expressado
até os governos atuais na vigência do Plano Nacional de Direitos Humanos, de difícil
execução, pela natureza conservadora das instituições.
6. CONSEQUÊNCIAS DO PROCESSO DE RUALIZAÇÃO
Para Xibernas (1993), os excluídos não são simplesmente rejeitados fisicamente, pelo
racismo, geograficamente pelos guetos que habitam, ou materialmente pela pobreza em que
estão imersos. Os excluídos o são também das riquezas espirituais: os seus valores têm falta
de reconhecimento e estão banidos do universo simbólico. Dessa forma, os problemas
decorrentes dessa injustiça simbólica caracterizam-se segundo Souza (2000) pela hostilidade,
pela invisibilidade social e o desrespeito que a associação de interpretações e estereótipos
sociais reproduzem na vida cotidiana ou institucional que implica no prejuízo da auto-estima
de indivíduos e grupos, mediante processos intersubjetivos.
Os indivíduos em situação de rua geralmente têm a capacidade biológica de adaptação
à fome, à sede, ao frio, à falta de higiene corporal - sem banho, sem escovar os dentes-, vivem
sem conforto nenhum. Outro fator impressionante é a resistência biológica às doenças
causadas por vírus, bactérias, vermes e fungos, pois estando os mesmo submetidos a situações
tão inóspitas conseguem sobreviver.
Alem da adaptação, a situação de exclusão em que se encontram os moradores de rua
pode gerar sentimentos de conformismo e de desobediência social, ambos prejudicando o seu
desenvolvimento. Conforme relata Campos (1985), o primeiro contribuindo para que cada vez
mais seja conduzido ao isolamento e à depressão. O segundo, conduzindo à violência, à
drogalização, à formação de gangues, à prostituição.
Graciani (1997) retrata a “rualização" como conseqüência de um sistema econômico
fundado na injustiça, que produz a marginalidade, a pobreza, o povo da rua. Atribuindo ao
sistema capitalista selvagem a criação dos lixões nas periferias das grandes cidades, onde se
amontoam urubus, animais e seres humanos, disputando as mesmas sobras do “lixo das
elites”.
7. PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO: ABRIGOS
Para prevenir as situações de risco social enfrentadas por moradores de rua, a Política
Nacional de Assistência Social, (PNAS), estabelece a Proteção Social Básica. Objetiva-se o
fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e o desenvolvimento de potencialidades e
aquisições. Os serviços são executados pelos Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS) e por outras unidades públicas de Assistência, incluindo: programas de inclusão
produtiva, projetos de enfrentamento da pobreza e criação de centros de informação e de
educação para o trabalho, voltados para jovens e adultos.
Quando a Proteção Social Básica não se faz presente, ou quando é insuficiente para a
resolução de uma demanda específica, entra em cena a Proteção Social Especial, que pode ser
de média ou de alta complexidade.
A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a
famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por
ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de
substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua,
situação de trabalho infantil, entre outras. São serviços que requerem
acompanhamento individual, e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Da
mesma forma, comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que
assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. Os
serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia de
direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o
Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo. (PNAS,
2004, p. 31)
A prefeitura Municipal de Salvador, através da Secretaria Municipal do Trabalho,
Assistência Social e Direitos do Cidadão (SETAD), em parceria com a Fundação José da
Silveira (FJS) e com o Ministério Público do Estado da Bahia (MPE/BA), vem desenvolvendo
acerca de três meses o Programa Salvador Cidadania que consiste em garantir aos indivíduos
direitos, benefícios e serviços oferecidos por meio da assistência social. O programa é divido
em linhas de ação, cujos trabalhos são interligados através da Abordagem de Rua; Centro de
Triagem, Albergue Noturno; Casa de Pernoite, Centro de Reintegração Social, Centro de
Capacitação da População em Situação de Rua “Oxumaré” e Atendimento à criança e
adolescente em Situação de Rua.
A Política Nacional de Assistência Social prevê que:
No caso da proteção social especial à população em situação de rua serão
priorizados os serviços que possibilitem a organização de um novo projeto de vida,
visando criar condições para adquirirem referências na sociedade brasileira,
enquanto sujeitos de direito. (PNAS, 2004, p. 31)
A abordagem de Rua é desenvolvida através de veículos que circulam pelas ruas da
cidade com equipes formadas para sensibilizar e conscientizar as pessoas que vivem em
situação de rua a melhorar de vida. Os moradores que aceitam sair das ruas são encaminhados
para o Centro de Triagem e Acolhimento, situado no bairro da Barroquinha, onde eles ficam
no máximo por 72h e passam por diagnósticos biopsicossociais e encaminhamentos para
unidades de saúde, de acolhimento ou para a família. Depois da triagem, as pessoas oriundas
de Salvador vão para o Albergue Noturno e os migrantes vão para a Casa de Pernoite, ambos
situados no Largo de Roma. No caso de crianças e adolescentes, após a abordagem eles são
encaminhados ao conselho tutelar, que por sua vez, encaminha à família, a um abrigo, à
escola ou ao serviço médico. E no Centro Histórico, Pelourinho, funciona uma ação específica
com crianças e adolescentes em conjunto com o MPE/BA e com organizações
governamentais e não governamentais.
Contudo, como a liberdade é um direito de todo cidadão que não tenha sido julgado e
condenado, uma pessoa apenas é abrigada de forma voluntária, seja através de um pedido de
acolhida diretamente em uma instituição ou mediante abordagem de alguma equipe vinculada
a abrigos ou órgãos públicos. Mas, esse processo de saída não é tão fácil quanto pode parecer,
pois, quando da abordagem, há certa resistência por parte do morador de rua, que muitas
vezes já conhecedor dos equipamentos de abrigagem disponíveis na cidade se recusa a sair da
rua para enclausurar-se em um abrigo.
O primeiro passo quando um usuário é acolhido em qualquer instituição é verificar a
documentação que ele possui. Muitos perderam toda a documentação ou sequer foram
registrados. São invisíveis juridicamente, estão fora de censos, estatísticas, não escolhem seus
governantes, e, principalmente, são inelegíveis para todos os Programas Sociais existentes no
país. Pode parecer um passo simples, mas a obtenção de documentos demanda tempo,
contatos telefônicos e recursos financeiros, muitas vezes inexistentes, faz-se necessário
solicitar buscas em cartórios e subsidiar o envio da 2ª via da documentação, quando
localizada. Além de todas as dificuldades encontradas para a obtenção de documentos, os
profissionais que lidam com o morador de rua nas instituições ainda enfrentam os constantes
furtos, roubos e perdas dos documentos recém-adquiridos. Observa-se um descuido com a
documentação, atribuído em parte à perda de identidade desses sujeitos, que há muito já não
se consideram parte da sociedade, são vistos com maus olhos, carregam em si o peso da sua
condição de vida, são rejeitados.
Muitas vezes as instituições que atendem migrantes fazem vista grossa em relação aos
trecheiros, distribuindo passagens de ônibus indiscriminadamente, por preferirem que eles se
retirem da cidade a vê-los dormindo nas praças, pedindo esmolas à população e até mesmo
praticando furtos e assaltos na cidade.
As redes de atendimento à população de rua se mostram mais eficiente em seu
objetivo de capturar o morador de rua de volta para o universo da casa e do trabalho quando
coincide deste desejar de fato integrar-se ao mundo do trabalho, acreditando na ética do
trabalho como sendo a maneira ideal de conduzir a vida.
Assim, as pessoas que se encontram em situação de rua em função de migrações
frustradas são uma espécie de “morador de rua ideal”. A proximidade do migrante com o
mundo do trabalho facilita a ação de impedir esse sujeito de se tornar um morador de rua – o
que aumenta o empenho no atendimento às suas demandas.
As políticas de atendimento aos migrantes, trabalhadores itinerantes, trecheiros e
moradores de rua também são importantes na constituição do perfil da população de rua de
uma cidade.
Sejam albergues ou denominação mais sutil como Casa de Pernoite, as formas de
enfrentamento representadas pelos abrigos em geral constituem medidas assistencialistas e
clientelistas, que além de não contemplar toda a população de rua, estabelece um prazo limite
de permanência, insuficiente para a readaptação à sociedade de um indivíduo que muitas
vezes viveu toda uma vida nas ruas, além de ser uma espécie de limpeza temporária, uma
forma de esconder a realidade gritante das ruas de Salvador.
Os abrigos oferecem gratuitamente as refeições e espaço para dormir, mantendo-se,
portanto um ciclo vicioso, no qual não se estimula o indivíduo a produzir, àqueles que por
algum motivo, falta de vagas ou afinidade, não forem selecionados para as atividades
oferecidas pelo Centro de Reintegração Social ou pelo Centro de Capacitação da População
em situação de Rua, findado o período de permanência no abrigo voltam às ruas, contudo, a
falta de afinidade talvez seja o excesso de caridade, o tratar o morador de rua com muito
assistencialismo e em contra partida colocar como exigência para permanecer nos abrigos a
participação em atividades de reintegração e capacitação sem considerar que, o que esses
indivíduos mais desfrutam nas ruas é a liberdade. Razão pela qual se pode verificar que nas
proximidades da Casa de Pernoite situada no Largo de Roma, há uma grande concentração de
moradores de rua que inclusive já foram albergados, entretanto não se adaptaram às formas
como as atividades são conduzidas nesse espaço e permanecem nas ruas.
8. QUEBRANDO PRECONCEITOS
A presente dissertação não pretende apresentar os moradores de rua como pessoas
maravilhosas, mas sim como seres humanos comuns, que se praticam atos repudiados ou
ignorados por toda uma sociedade é na maioria das vezes conseqüência de seu modo de vida.
“É a desigualdade que gera a violência, é a privação de direitos que gera a criminalidade”.
(DOSSIÊ-DENÚNCIA: VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, 2007 p.14)
A jornalista Vanessa Ive em seu livro “O Povo das Ruas: Trajetórias da Exclusão
Social (2008) revela com a experiência de quem peregrinou pelas ruas por sete dias buscando
descobrir e vivenciar a realidade de um povo que não tem absolutamente nada; a sensação de
ser um nada, de representar os entulhos da sociedade, um fardo, um lixo inaproveitável.
A jornalista aponta os estereótipos como talvez um dos problemas mais maléficos,
irreversíveis. A imagem de vadio, de perigoso, de preguiçoso e de coitadinho permanece na
identidade de quem foi ou é morador de rua, bloqueando as oportunidades de emprego,
fortificando a exclusão social e desvalorizando o povo das ruas como ser humano.
A forma como a sociedade classifica o morador de rua se contradiz a Pesquisa
Nacional sobre População em Situação de Rua realizada pelo Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, com resultados divulgados em 2008, na qual 70,9% exercem
alguma atividade remunerada, assim como ao apresentado no presente trabalho e mostrado
por fotografias, ver anexo 3, portanto diferentemente do conceito da sociedade, os moradores
de rua são trabalhadores. Conforme já descrito no decorrer do trabalho eles desenvolvem
atividades de catador de materiais recicláveis, flanelinhas, malabaristas, lavadores de carro,
carregadores, artesãos, vendedores de jornal, etc.
É interessante ressaltar a importância histórica adquirida pela categoria “trabalhador”
com o sentido de “cidadão”, pessoa digna de respeito, em oposição à de “vagabundo”,
“mendigo”, “malandro”, “maloqueiro”, “trecheiro”, etc.
É imprescindível que os movimentos sociais referentes à população de rua insistam em
reforçar a sua condição de trabalhadores desempregados ou informais; afinal eles catam o
lixo, contribuindo para a melhoria do meio ambiente, limpam carros ou, simplesmente, são
trabalhadores desempregados e não qualificados que o Estado tem a obrigação de qualificar e
integrar ou reintegrar ao mercado de trabalho.
O próprio termo “população de rua”, segundo Neves (1995), foi cunhado com o
objetivo de contrapor-se ao termo mendigo, estigmatizado como aquele que vive da
mendicância e que, portanto, não trabalha.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os moradores de rua são empecilhos para a sociedade, considerados desnecessários
economicamente, perigosos socialmente e incômodos politicamente, seu modo de ser e agir
reflete uma desordem social. Dessa forma, a sociedade responde com desprezo, rejeição,
estigmas de vagabundo ou coitadinho. Como afirma Bursztyn (2000), o morador de rua é
visto como aquele que precisa ser afastado, rompendo assim, laços de solidariedade e
pertencimento a uma mesma espécie, que permite a identidade entre seres humanos.
Os moradores de rua desafiam a manutenção da ordem social à medida que fogem à
uma estrutura seja pela pobreza e o desemprego que pode conduzi-lo à busca daquilo que não
lhe és acessível; ou pelo desejo de escapar a essa estrutura. As ruas e as estradas acabam por
canalizar o fluxo dessa camada populacional.
A permanência do morador de rua transgride a ordem da distribuição dos indivíduos
no território urbano, a da participação no mercado de trabalho e a da inserção na burocracia
do Estado.
A população em situação de rua ocupa de forma desordenada um espaço no qual se
encontram casas, prédios, ruas, bairros. Essas divisões limitam o espaço da casa enquanto
habitação e da rua como área de circulação, entretanto para o morador de rua esses espaços se
misturam a casa é a rua e a rua é a casa, portanto atividades das duas áreas são realizadas no
mesmo espaço. No que tange à participação no mercado de trabalho, o morador de rua não é
só uma pessoa desempregada, no sentido formal, como está fadado a ser cronicamente
desempregado.
Múltiplos fatores podem levar um indivíduo a morar nas ruas, os quais costumam
aparecer associados, em geral são frutos da perda de vínculo familiar. Dentre eles o
alcoolismo, o uso ou tráfico de drogas, a opção sexual do morador de rua, o envolvimento
com crimes, a violência ou abuso sexual por parte de algum parente e o desemprego. Há ainda
os indivíduos que são abandonados por representarem um estorvo na vida dos parentes tais
como os senis e os deficientes mentais.
A migração também pode conduzir o indivíduo à vida nas ruas, porém a característica
do migrante de se manter sempre com o status de trabalhador faz com que ele recrie laços
familiares para superar as dificuldades que encontram na vida das grandes cidades. Contudo,
por vezes, a vergonha de voltar para casa pior do que saiu e o receio da não aceitação familiar
pode propiciar a moradia nas ruas. Sendo assim, o desemprego para migrantes ou nativos não
é causa suficiente para torná-lo um morador de rua. Além desses fatores é importante
considerar a opção por viver nas ruas, se a possibilidade de mudança estiver representada
pelos albergues, instituições que condicionam o comportamento do indivíduo sem se
preocupar com seus desejos, barganhando através de práticas assistencialistas como
alimentação e abrigo para dormir. Porém apontar como fator a opção por viver nas ruas, não
significa que o indivíduo goste da miséria e da degradação, portanto não constitui razão para
não se preocupar com uma política pública eficaz.
Quanto à inserção na burocracia do Estado, os moradores de rua, em sua maioria não
possuem documento de identificação, título de eleitor, CPF, nem carteira de trabalho, além de
não serem recenseados pelo IBGE, portanto sem registro e sem ser contabilizado no Censo
não existem como cidadãos.
Para Merton (1970), a sociedade insiste em ter todos os seus membros voltados para
os esforços em adquirir o sucesso. Assim, os que negam os objetivos da sua cultura e os
meios socialmente estabelecidos para alcançá-los são duramente combatidos. Dessa forma
estão organizadas as instituições governamentais e não governamentais vinculadas ou não às
igrejas, à filantropia ou à politização das classes excluídas, que criam uma rede de ações que
pretende reajustar os moradores de rua aos padrões da sociedade sem reconhecer o desejo do
morador de rua e se estes desejos são diferentes do da sociedade.
Essas instituições podem ter aparelhos repressivos ou de apoio. A repressão ocorre no
sentido de limpar as ruas da sujeira material e moral representada pela população de rua,
colocando-os nas cadeias sempre que houver situação legal que justifique; os aparelhos de
apoio servem tanto ao sanitarismo – limpando a cidade dos mendigos, bandidos em potencial,
levando-os para abrigos ou enviando-os para outras cidades; quanto a objetivos filantrópicos
ou humanitários. A caridade desde a Idade Média era uma forma de conseguir o perdão para
os pecados e garantir a salvação, dessa forma era como se os mendigos existissem para salvar
os ricos do inferno, porém atualmente a mendicância supera a questão religiosa e apresenta-se
como resultado de um modelo econômico concentrador e excludente. Em geral as instituições
utilizam a priori um discurso de construção de cidadania ante ao discurso da filantropia pura e
simples.
Elas traçam um fluxo que o morador de rua deve seguir com vistas a se (re) integrar à
estrutura social, dessa forma a eficácia se dará no caso da instituição ser a adequada ao
interesse do morador de rua, mas nem sempre o fluxo é retilíneo, o caminho se apresenta com
muitas rotas transversais que desviam o caminho, caracterizando as paradas, idas e vindas. Ou
seja, uns saem das ruas seguindo o caminho proposto outros voltam às ruas completamente,
ou permanecem na situação de abrigados.
O objetivo de resgatar a identidade, valorizar a auto-estima e promover a reinserção
social torna-se uma difícil tarefa dentro de uma instituição nos moldes das casas de pernoite,
onde as pessoas, à noite, são trancadas e isoladas compartilhando de ambientes conjuntos tais
como os quartos, sendo obrigadas a conviver da melhor forma possível mesmo com os
desafetos, pois do contrário, não terão para onde fugir, e o socorro pode não transpor em
tempo hábil o excesso de grades que os separam do ambiente externo. Dessa forma, para José
e para a maioria dos moradores de rua, não vale à pena trocar a precária individualidade
conquistada no território livre da praça por uma coletividade dispersa e carente de
identificação.
Ia pro albergue, mas tinha medo, porque a gente passa por um bocado de portão e o
guarda fecha, e se acontece alguma coisa lá dentro, se tocar fogo, num dá tempo pra
fugir. Na rua a gente é livre, se tiver as pernas pode correr. E também lá a gente
dorme com o inimigo, na rua a gente escolhe a maloca pra se juntar e se brigar a
gente muda, a cidade é grande, mas lá dentro ele te pega fácil, se tiver gangue então.
(JOSÉ)
Na atual proposta de abrigamento do poder Público em Salvador permanece o
enquadramento do indivíduo ao sistema e interesse em higienizar a cidade, em especial os
locais de mobilidade da burguesia, considerando que os Centros de Referência para o morador
de rua situam-se em bairros por onde circulam a classe baixa da população, a exemplo Largo
dos Mares- Cidade Baixa, Barroquinha e o Pelourinho, local turístico de intensa vida noturna
que deve estar livre da “escória” para não espantar nem “vulnerabilizar” os turistas.
Enfim morar na rua é ser elemento impuro da sociedade, utilizando instalações não
adequadas para seres humanos, fixando-se em espaços destinados à circulação, vasculhando o
lixo da cidade, criando novas identidades; condições socialmente inaceitáveis, mas que tem
espaço na vida urbana e parece ter incorporado à paisagem.
9.1 PROPOSTAS PARA UMA VIDA DIGNA
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
(TITÃS, s/d)
Faltam aos moradores de rua políticas públicas eficazes que de fato confiram
dignidade e o respeito que é de direito, bem como atendimento digno à saúde, capacitação
produtiva, moradia alternativa definitiva, geração de trabalho e renda, além de cultura e lazer,
afinal esta população também contribui com os impostos da cidade quando compra uma bala
ou um pão.
É preciso repensar os centros de referência destinados à população de rua enquanto
espaços de experiência de vida onde se construa a cidadania e se vivencie o respeito aos
Direitos Humanos, possibilitando a autonomia dessa população na condução da própria vida.
É relevante observar que a ruptura dos vínculos familiares constitui causa
preponderante da ocupação das ruas, portanto restabelecer esses laços ou criar novos através
de uma vida social coletiva, semelhante à vida comum da sociedade, é fundamental. O que
não se observa nos moldes da atual política para a população de rua de Salvador, que mantém
uma estrutura arcaica, impessoal, desprovida de afetividade, que não estimula o
desenvolvimento
de
valores
tais
como
união,
cooperação,
trabalho
em
grupo,
companheirismo, pelo contrário, é mais um ambiente que se distancia da idéia “casa”.
Passo importante para conferir dignidade ao morador de rua é conseguir-lhe a
documentação necessária para fazê-lo se sentir parte da sociedade, ser ao menos reconhecido
pelo poder público como cidadão, afinal, a inexistência de documentação impede a obtenção
de emprego formal e o acesso a serviços públicos, assim como a falta de moradia fixa. Para
tanto é importante considerar que o indivíduo após adquirir seus documentos precisa de local
adequado para guardá-lo, então não bastam políticas para retirada de documentação em
massa, a exemplo do que acontece com os albergados, vez que ao deixar a instituição
geralmente os documentos são perdidos ou roubados.
A presença de moradores de rua com problemas de saúde requer ações intersetoriais
entre as Secretaria do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão (SETAD) e
Secretaria Municipal de Saúde (SMS), visando melhorar os estado de saúde dessa parcela da
população e inibir a transmissibilidade de doenças tais como tuberculose, hanseníase, doenças
dermatológicas, doenças sexualmente transmissíveis (DST). Dentre essas ações poder-se-ia
garantir o atendimento integral dos moradores em situação de rua nas Unidades de saúde,
através da abrangência do Programa de Saúde da Família (PSF) para os sem domicílio,
incluindo visitas na rua por agentes de saúde, que poderiam ser inclusive “ex” moradores de
rua (oferta de emprego) e pelos profissionais da Unidade de saúde da família (USF).
A conquista da moradia representa para o morador de rua a maior das riquezas, é mais
do que uma simples moradia, é um alicerce físico e espiritual; significa deixar de ser morador
de rua para ser apenas morador, se sentir mais incluído à população que possui um endereço
residencial. “A melhor coisa que podia ter conseguido foi minha casa, não tem luxo, mas é
minha, é meu palácio. Saber que vou durmir seguro, não vou sentir frio. Que tenho lugar para
descansar quando volta da rua, que tenho um endereço”. (JOSÉ)
Entretanto, com o pouco que podem pagar, geralmente as casas são barracos feitos de
madeira e plástico em invasões, sem saneamento básico nem energia, cubículos em locais
perigosos e escondidos da cidade. Dessa forma necessário se faz a intervenção pública eficaz
no sentido de evitar que esse quadro persista. É necessária a ampliação da cobertura do Bolsa
Auxílio Moradia, instituído com a finalidade de custear o aluguel de imóvel para o morador
de rua, bem como o acompanhamento contínuo desses moradores por Assistentes sociais para
evitar que findo o prazo de recebimento da bolsa eles voltem às ruas por dificuldade em se
auto gerir.
Conforme Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua realizada pelo
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a grande maioria dos moradores de
rua não é atingida pela cobertura dos programas governamentais, dentre os quais a
aposentadoria, o Bolsa Auxílio Moradia e o Programa Bolsa Família. No que tange a este
último o principal empecilho está associado à contrapartida do programa que exige freqüência
escolar e acesso aos postos de saúde, dos quais os moradores de rua geralmente estão
excluídos. Dessa forma pode-se perceber que até os programas de governo são excludentes da
parcela da população mais carente.
Como assegura o resultado da Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua
realizada pelo MDS, o morador de rua é um trabalhador, entretanto o que se percebe é que os
frutos colhidos desse trabalho não tem sido suficiente para lhes proporcionar melhores
condições de vida. Esforço há, faltam incentivos públicos no sentido de:
Estruturar cooperativas de moradores de rua catadores de materiais recicláveis para
realizar trabalhos em conjunto com a prefeitura através do serviço de Limpeza urbana, a fim
de valorizar o indivíduo que retira das ruas o material dispensado pela sociedadepropiciando-lhe uma utilidade-; inclusive profissionalizando a atividade, fornecendo crachás,
munindo os trabalhadores de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários.
Incentivar a produção e circulação no mercado de produtos provenientes da
reciclagem, dando maior visibilidade através da criação de espaços para exposição pública e
venda das artes produzidas pelos moradores de rua com materiais recicláveis.
Capacitar moradores de rua, a exemplo da Prefeitura de São Paulo, para tornarem-se
zeladores de praças municipais, os quais seriam contratados pela prefeitura, receberiam aulas
de noções de cidadania, manutenção da vegetação e contato com o público.
Capacitar moradores de rua para ingresso no mercado formal de trabalho, através da
disponibilização de cursos conforme área de interesse manifestada pelos próprios usuários.
Cadastrar, a exemplo da prefeitura de Belo Horizonte, fornecendo crachá e uniforme
para os “flanelinhas” e limpadores de pára- brisa, que ficam nos semáforos da cidade,
atribuindo confiabilidade à atividade desenvolvida e até mesmo maior segurança aos
condutores que recusam esses serviços por medo, traduzido no texto do Geógrafo Milton
Santos (2002), que diz que há medos urbanos de toda natureza na sociedade, e sem dúvida, o
maior deles, é o misto de medo e aversão à pobreza e aos pobres. E isto para o autor é
gravíssimo porque as pessoas têm mais medo das vítimas do que das causas da miséria.
As ações devem estar voltadas para garantir a autonomia e independência dos
moradores de rua, para que eles possam ser capazes de prover o seu próprio sustento. Assim,
ampliando as oportunidades de trabalho, poder-se-ia investir em restaurantes populares em
áreas mais centrais da cidade, na periferia e no subúrbio ferroviário, viabilizando a aquisição
de refeições por preços mais acessíveis, possibilitando aos “moradores de rua” ou aos “recémtrabalhadores de rua” se alimentar de forma digna em todos os sentidos. Pois eles não mais
revirariam os “lixos” da cidade em busca de alimentos, poderiam fazer suas refeições
sentados num ambiente adequado e estariam pagando pelo consumido, num gesto muito
significativo na atual sociedade capitalista na qual o poder de compra diferencia as pessoas.
As políticas repressivas contra aqueles que se apropriam dos espaços públicos como
local de moradia, assim como a reação da vizinhança à aglomeração de moradores de rua, têm
uma eficácia restrita. Apenas conseguem afastar temporariamente os moradores de rua de
determinadas áreas ou conseguem impedir a construção de casas improvisadas ou de retirálas, em certas ocasiões. Tempos depois outros moradores de rua tentarão se estabelecer,
principalmente se for áreas próximas a equipamentos de atendimento à população de rua ou
regiões onde há galpões de compra e triagem de material reciclável.
9.1.1. Uma experiência de sucesso
Resgatar as riquezas psicológicas e os valores humanos do povo das ruas é um
caminho certo para a recuperação espiritual, a elevação da auto-estima e a
minoração dos preconceitos, elementos imprescindíveis em qualquer proposta ou
medida de reintegração social aos moradores de rua. Vanessa Ive (2008)
Esse trecho da Jornalista Vanessa Ive revela o sucesso do Jornal “Aurora da Rua”,
como fonte de renda para moradores de rua da Comunidade da Trindade. Essa comunidade é
situada numa igreja abandonada em Água de meninos, Cidade Baixa, que serve de abrigo para
cerca de 40 moradores de rua, que dormem nos bancos da igreja. A proposta da Comunidade,
cuidada por um monge francês há aproximadamente 07 anos, é recuperar a dignidade dos
moradores de rua com trabalho e moradia. Apesar das condições precárias, eles convivem
como uma família, as atividades domésticas são compartilhadas. Um grupo pega lenha para o
fogão, outro cata restos de alimentos na feira, outros limpam a casa, outros catam materiais
recicláveis e outros vendem jornais, de acordo com a habilidade de cada um.
A comunidade é sede do 1º Jornal de Rua de Salvador, o “Jornal Aurora da Rua”, a
exemplo de outros 99 jornais em 37 países, filiados a International Network of Street Papers
(INSP). Para ser considerado Jornal de Rua é necessário que seja um periódico vendido
exclusivamente por pessoas em situação de rua, com lucro superior a 50% do preço de capa.
No Brasil existem 03 periódicos com esta qualificação: “O Boca de Rua”, em Porto Alegre, a
“Revista Ocas”, em São Paulo e “O Aurora da Rua”, em Salvador, desde 2007.
Os moradores de rua da Comunidade da Trindade escrevem e vendem o seu próprio
jornal, que tem a função de projetar uma imagem mais humanizada das pessoas em situação
de rua e ao mesmo tempo servir como fonte de renda. Os vendedores através do seu trabalho
conseguem resgatar a dignidade, elevar a auto-estima e alcançar valiosas conquistas como a
sobriedade, o retorno à família e a cidadania. Os benefícios proporcionados pelo jornal
ultrapassam a dimensão econômica. A equipe de voluntários que inclui jornalistas, moradores
voluntários da comunidade, freiras, estudantes, dentre outros, contribui indo às ruas,
estimulando moradores a dar sua opinião e transcrevendo-as para aqueles que não sabem ler.
A impressão e outras despesas do jornal são custeadas pela venda dos exemplares e
pela assinatura que só está disponível para outros municípios para não prejudicar a venda dos
moradores em Salvador, que costumam ficar na Praça da Piedade. O jornal é vendido a R$
1,00 e o morador de rua fica com R$ 0,75. Cada morador-vendedor decide quantos jornais vai
comercializar e pagam R$ 0,25 pela Unidade, os 10 primeiros exemplares são fornecidos
gratuitamente, assim como bolsa, boné, crachá e colete de identificação. Esse sistema é
interessante porque ensina uma profissão ao morador de rua, já que são preparados pela
equipe de voluntários; além de uma gestão responsável do dinheiro que arrecada. A venda do
jornal acaba sendo uma atividade digna para quem vende e para quem compra, diferentemente
do gesto de esticar a mãos para baixo num ato de jogar esmolas para aqueles que, num ato de
reforço da condição de inferioridade rebaixa-se para pegar no chão aquilo dispensado pelo
outro.
A comunidade também organiza um bazar com roupas usadas, as quais são vendidas
por valores ínfimos aos moradores de rua de toda a cidade, o objetivo é conferir dignidade
inclusive no ato de poder adquirir seu próprio bem, fruto do seu esforço. Ao final, as roupas
são doadas aos que não possuem nenhum dinheiro para adquirir.
O dinheiro obtido da venda dos jornais e também das outras atividades, tais como da
venda dos produtos reciclados é utilizado com as despesas pessoais de cada um e
compartilhado para a compra de alimentos. Essa forma de vida já possibilitou o retorno ao lar
e a independência de diversos “ex-moradores”, que conseguiram alugar casas e sair das ruas.
A comunidade conta com o apoio do Projeto “Levanta-te e anda”, que funciona na
Igreja São Francisco de Paula, atrás da Igreja da Lapinha, formado por uma equipe de 07
componentes, sendo 04 “ex-moradores de rua” e oferece atividades de acolhimento,
encaminhamento para retirar documentação, recuperação de álcool e drogas, mini-biblioteca,
atendimento médico, psicológico, alfabetização, jogos e massoterapia.
A esse exemplo, ao invés de manter a estrutura de albergues, a prefeitura poderia
manter a atividade de abordagem de rua, porém apresentando como alternativa ao morador de
rua, moradias coletivas, espaços habitacionais para convivência dos moradores de rua até
reinserção na família e para os que não tivessem vínculos familiares até constituição de nova
família e ou inserção no mercado de trabalho e aquisição de autonomia para se auto-gerir. A
proposta é que as tarefas domésticas nas “casas coletivas’ fossem compartilhadas pelos
próprios moradores- ao invés de mantidas pela Prefeitura-, com a criação de rotinas e
aproximação ao máximo da realidade de uma casa. Os moradores teriam atividades
específicas a desenvolver, com horários a serem cumpridos. A divisão do tempo contemplaria
horário para atividades domésticas, de lazer, escola, cursos e o trabalho que por ventura eles
desenvolvessem nas ruas, a exemplo dos guardadores de carro.
A divisão do trabalho doméstico, que compreende desde o varrer da casa até o fazer a
comida estimularia o desenvolvimento de valores como união, cooperação, solidariedade e
ampliaria a afetividade, a privacidade, o sentimento de pertencimento a um ciclo social.
Assim, fazer a comida, além de ser uma atividade cooperativa pode significar aprender uma
profissão. A prefeitura ofereceria cursos de culinária, garçom, jardinagem, marcenaria,
artesanato, cabeleireiro, manicure, corte-costura, de vendedores, dentre outros no próprio
espaço da casa e os moradores ao tempo em cuidassem da casa e dos outros moradores
aprenderiam uma profissão, poderiam receber uma bolsa-aprendiz, proveniente do lucro das
suas atividades, com a qual poderiam comprar roupas e outros utensílios pessoais; sendo
posteriormente encaminhados ao mercado de trabalho, quando se desvinculariam da casa
coletiva e estariam aptos para o retorno à vida social por completo. É uma proposta acessível
porque a Prefeitura proveria a instituição com alimentos, móveis e materiais, bem como
arcaria com as despesas com profissionais para acompanhar e auxiliar a vida local; contudo
atividades de manutenção do local seriam desenvolvidas pelos próprios moradores. É
importante ter na organização dessas casas, profissionais “ex-moradores de rua” porque
facilitaria a interação e convivência nesses ambientes, já que estes seriam livres de grades,
uma comunidade propriamente dita, porém com todas as regras de convivência necessárias.
Essas “casas coletivas” atuariam em conjunto com os Centros de Apoio Psico-social
(CAPS) para dependentes químicos e deficientes mentais visando melhorar as condições de
vida dos moradores de rua nessa situação já que estes apresentam mais limitações à inserção
social.
As políticas de enfrentamento já estão surgindo ultrapassadas; se fornecer alimentos
três vezes ao dia solucionasse o problema não existiriam instituições que há 50 anos vem
desenvolvendo ações nesse sentido. É preciso pensar nos moradores de rua como sujeitos de
direitos e não como objetos de caridade e reconhecer também que os aspectos psicológicos e
afetivos que envolvem tal situação são muito relevantes, necessitando, porém de intervenções
mais profundas no campo emocional para resgatar aqueles que se encontram mais
desacreditados.
A população de rua tem potencial e grande parte está organizada nas suas atividades
democraticamente, buscando sua real inclusão social. É preciso dar um basta no preconceito e
na exclusão.
É preciso estabelecer metas para a solução da situação de miserabilidade a que está
submetida o morador de rua, assim como as fincadas para a reforma do Estádio de Futebol
Octávio Mangabeira- Fonte Nova, com vistas ao Campeonato Mundial de Futebol a ser
realizado no Brasil em 2014, que vai envolver recursos de diversas fontes da esfera
governamental; já que os moradores de rua que ficam nessa região estão desde antes da
interdição do estádio, será que ninguém os viu?
A problemática da população em situação de rua é muito antiga, porém não tem sido
tratada com prioridade. Como pode uma cidade querer ser reconhecida no cenário
internacional como roteiro turístico se sua paisagem é marcada por seres humanos nas
esquinas ou arrastando carroças com materiais recicláveis com os pés no chão.
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ANEXO 1:
Relação de municípios onde foi realizada a Pesquisa Nacional sobre a População em
Situação de Rua, 2007-8
Município UF
1 Rio Branco AC
2 Maceió AL
3 Manaus AM
4 Macapá AP
5 Salvador BA
6 Feira de Santana BA
7 Fortaleza CE
8 Brasília DF
9 Vitória ES
10 Vila Velha ES
11 Serra ES
12 Cariacica ES
13 Goiânia GO
14 Aparecida de Goiânia GO
15 Anápolis GO
16 São Luís MA
17 Contagem MG
18 Uberlândia MG
19 Montes Claros MG
20 Betim MG
21 Juiz de Fora MG
22 Campo Grande MS
23 Cuiabá MT
24 Belém PA
25 Ananindeua PA
26 João Pessoa PB
27 Campina Grande PB
28 Jaboatão dos Guararapes PE
29 Olinda PE
30 Teresina PI
31 Curitiba PR
32 Londrina PR
33 Maringá PR
34 Rio de Janeiro RJ
35 Niterói RJ
36 Duque de Caxias RJ
Município UF
37 São Gonçalo RJ
38 Campos dos Goytacazes RJ
39 Belford Roxo RJ
40 Nova Iguaçu RJ
41 São João de Meriti RJ
42 Natal RN
43 Porto Velho RO
44 Boa Vista RR
45 Canoas RS
46 Caxias do Sul RS
47 Pelotas RS
48 Florianópolis SC
49 Joinville SC
50 Aracaju SE
51 Guarulhos SP
52 Campinas SP
53 Osasco SP
54 Santo André SP
55 São José dos Campos SP
56 Sorocaba SP
57 Ribeirão Preto SP
58 Moji das Cruzes SP
59 Santos SP
60 Mauá SP
61 São José do Rio Preto SP
62 Diadema SP
63 Carapicuíba SP
64 Piracicaba SP
65 Bauru SP
66 Jundiaí SP
67 São Vicente SP
68 Franca SP
69 Itaquaquecetuba SP
70 São Bernardo do Campo SP
71 Palmas TO
Fonte: Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, Meta/MDS, 2008
ANEXO 2
Proporção de população em situação de rua (segundo a Pesquisa Nacional sobre a
População em Situação de Rua) em relação à população total
CIDADE
ANANINDEUA – PA
ANAPOLIS – GO
APARECIDA DE GOIANIA –
GO
ARACAJU – SE
BAURU – SP
BELEM DO PARA – PA
BELFORD ROXO – RJ
BETIM – MG
BOA VISTA – RR
BRASÍLIA – DF
CAMPINA GRANDE – PB
CAMPINAS – SP
CAMPO DOS
GOYTACAZES – RJ
CAMPO GRANDE – MS
CANOAS – RS
CARAPICUIBA – SP
CARIACICA – ES
CAXIAS DO SUL – RS
CONTAGEM – MG
CUIÁBA – MT
CURITIBA – PR
DIADEMA – SP
DUQUE DE CAXIAS – RJ
FEIRA DE SANTANA – BA
FLORIANÓPOLIS – SC
FORTALEZA – CE
FRANCA – SP
GOIÂNIA – GO
GUARULHOS – SP
ITAQUAQUECETUBA – SP
JABOATÃO DOS
GUARARAPES – PE
JOÃO PESSOA – PB
JOINVILLE – SC
JUIZ DE FORA – MG
JUNDIAI – SP
LONDRINA – PR
MACAPÁ – AP
POPULAÇÃO
(Contagem
IBGE 2007)
484.278
325.544
475.303
RESULTADO
PESQUISA
(número
absoluto)
116
223
188
520.303
347.601
1.408.847
480.555
415.098
249.853
2.455.903
371.060
1.039.297
426.154
197
152
403
248
47
67
1734
70
1027
138
0,038
0,044
0,029
0,052
0,011
0,027
0,071
0,019
0,099
0,032
724.524
326.458
379.566
356.536
399.038
608.650
526.830
1.797.408
386.779
842.686
571.997
396.723
2.431.415
319.094
1.244.645
1.236.192
334.914
665.387
313
96
189
131
58
172
229
2776
176
324
237
426
1701
78
563
130
87
270
0,043
0,029
0,050
0,037
0,015
0,028
0,043
0,154
0,046
0,038
0,041
0,107
0,069
0,024
0,045
0,011
0,026
0,041
674.762
487.003
513.348
342.983
497.833
344.153
205
274
607
139
296
86
0,030
0,056
0,118
0,041
0,059
0,025
PERCENTUA
L
0,024
0,069
0,040
MACEIÓ – AL
MANAUS – AM
MARINGÁ – PR
MAUÁ – SP
MOGI DAS CRUZES – SP
MONTES CLAROS – MG
NATAL – RN
NITERÓI – RJ
NOVA IGUAÇU – RJ
OLINDA – PE
OSASCO – SP
PALMAS – TO
PELOTAS – RS
PIRACICABA – SP
PORTO VELHO – RO
RIBEIRÃO PRETO – SP
RIO BRANCO – AC
RIO DE JANEIRO – RJ
SALVADOR – BA
SANTO ANDRÉ – SP
SANTOS – SP
SÃO BERNARDO DO
CAMPO – SP
SÃO GONÇALO – RJ
SÃO JOÃO DO MERITI – RJ
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO –
SP
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS –
SP
SÃO LUIS – MA
SÃO VICENTE – SP
SERRA – ES
SOROCABA – SP
TERESINA – PI
UBERLÂNDIA – MG
VILA VELHA – ES
VITÓRIA – ES
TOTAL
896.965
1.646.602
325.968
402.643
362.991
352.384
774.230
474.002
830.672
391.433
701.012
178.386
339.934
358.108
369.345
547.417
290.639
6.093.472
2.892.625
667.891
418.288
781.390
372
463
226
211
310
54
223
529
649
217
140
16
106
192
58
441
90
4585
3289
349
713
558
0,041
0,028
0,069
0,052
0,085
0,015
0,029
0,112
0,078
0,055
0,020
0,009
0,031
0,054
0,016
0,081
0,031
0,075
0,114
0,052
0,170
0,071
960.631
464.282
402.770
289
130
149
0,030
0,028
0,037
594.948
1633
0,274
957.515
323.599
385.370
559.157
779.939
608.369
398.068
314.042
52.253.807
284
180
136
127
370
196
168
296
31922
0,030
0,056
0,035
0,023
0,047
0,032
0,042
0,094
0,061
Fonte: Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua, Meta/MDS, 2008.
ANEXO 3: Moradores de Rua desempenhando atividades profissionais (Salvador-Ba)
*Pernambuco: Morador de Rua, artesão do viaduto de Jesus em Água de Meninos-Cidade Baixa.
*Morador de Rua, vendedor do Jornal Aurora da Rua.
* Fotos cedidas pelo Jornal Aurora da Rua
ANEXO 4: Moradores de Rua em situação de Exclusão ( Salvador-Ba)