Prova comentada - Vestibular UFSC/2008

Transcrição

Prova comentada - Vestibular UFSC/2008
REDAÇÃO
INSTRUÇÕES
1. Confira o número do(a) candidato(a), o local, o setor, o grupo e a ordem indicados na folha
oficial de redação, a qual NÃO deverá ser assinada.
2. Leia e observe atentamente as Propostas 1, 2 e 3.
3. Escolha a Proposta que apresenta o tema sobre o qual você se sente mais bem
preparado(a) para discorrer.
4. Evite copiar trechos dos textos apresentados.
5. Não escreva em versos, use linguagem clara e utilize a norma culta da língua portuguesa.
6. Não se esqueça de dar um título à sua redação.
7. Use caneta com tinta preta ou azul para transcrever seu texto do rascunho para a folha
oficial de redação.
8. Redija um texto que tenha no mínimo 25 (vinte e cinco) e no máximo 30 (trinta) linhas.
9. Escreva com letra legível e ocupe todo o espaço das linhas, respeitando os parágrafos.
10. Não serão corrigidas redações escritas a lápis, nem redações na folha de rascunho.
PROPOSTA 1
[...] O campo ético é constituído pelos valores e obrigações que formam o conteúdo das
condutas morais, isto é, as virtudes. O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode
existir se preencher as seguintes condições: ser consciente de si e dos outros; ser dotado
de vontade para controlar e orientar desejos, impulsos, e para deliberar e decidir; ser
responsável; ser livre para autodeterminar-se.
O campo ético é, portanto, constituído por dois pólos internamente relacionados: o agente
ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas. [...]
Adaptado de: CHAUÍ, Marilena. A existência ética – Senso moral e consciência moral.
cap. 4. In: Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. p. 334-338.
Escreva um texto considerando situações envolvendo personagens como Aristarco (O Ateneu),
José Dias (Dom Casmurro), Omar ou Yaqub (Dois irmãos), tio Juca ou o coronel José Paulino
(Menino de engenho), Demétrio (Encontros de Abismos), Olheiras Profundas (Relatos de
sonhos e de lutas), Caroba (O Santo e a Porca) – enfim, estas ou outras personagens das
obras listadas para o Vestibular 2008 – que podem ser vistas à luz do trecho acima.
PROPOSTA 2
EU
PRECISO
DE . . .
Redija um texto tomando por base a complementação que você der para a frase acima.
PROPOSTA 3
VICTOR MEIRELLES: Primeira Missa no Brasil, 1861. Óleo sobre tela. Rio de
Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes.
CANTO IV
“Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
[...]
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.”
[...]
DIAS, Gonçalves. I-Juca-Pirama. In:
Clássicos da Poesia Brasileira. São
Paulo: Galex, [s/d]. p. 73-87.
ASSASSINATO DO ÍNDIO GALDINO COMPLETA 10 ANOS
Pataxó foi incendiado num ponto de ônibus em Brasília.
Cinco rapazes foram responsáveis pelo crime.
19/04/2007
Disponível em: <http://g1.globo.com/Notícias/Brasil/0.>
Acesso em: 7 set. 2007.
JOVENS ESPANCAM E MATAM ÍNDIO EM MINAS GERAIS
Três jovens tentam arrancar a roupa do índio xacriabá antes
de surrá-lo até a morte.
Disponível em: <http://jc.uol.com.br/2007/09/17/not_149790.php>
Acesso em: 24 set. 2007.
Nas artes plásticas, na literatura, nas notícias das diversas mídias – assim temos acompanhado a saga indígena. Escreva seu texto.
ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE REDAÇÃO
Uma vez mais, a banca para a prova de redação apresentou três propostas. A primeira,
voltada para aspectos ligados à ética, embasados em personagens das obras literárias indicadas para este vestibular. A segunda, uma proposta aberta com base na complementação de
uma frase. A terceira, a imagem da “Primeira Missa no Brasil”, de Vítor Meirelles, seguida de
excerto do “I-Juca Pirama”, de Gonçalves Dias e mais duas manchetes sobre massacre aos
índios.
A única voltada diretamente para as obras literárias foi a primeira das propostas. Do total
de 10.000 redações corrigidas, em torno de 2.209 foram os candidatos que optaram pela proposta 1. Sem dúvida, eram candidatos que conheciam os textos literários, indicando que a comunidade estudantil vem, paulatinamente, abraçando a leitura. Afinal, pensando nos anos anteriores, era de se esperar que ao menos uma das propostas estaria voltada para os títulos da
literatura brasileira.
Algumas observações não foram favoráveis à proposta, julgando-a muito difícil para
candidatos oriundos do Ensino Médio. A crítica se deu por conta do excerto filosófico de autoria
de Marilena Chauí que conceitua o que seja sujeito moral. Evidentemente, a Banca não concorda com os críticos da proposta. Primeiro, porque não subestimou a inteligência dos estudantes. Segundo, porque o assunto sobre ética nunca esteve em tanta evidência como nos últimos
anos. Terceiro porque remeteu a disciplina de Filosofia que já faz parte da grade curricular do
Ensino Médio.
Portanto, pelo contrário, a proposta deve ser considerada fácil e, até mesmo, um verdadeiro presente para os candidatos que, efetivamente, leram as obras. Afinal, não há dificuldades em encontrar entre os personagens citados problemas referentes ao comportamento ético.
A proposta 2 apresentava a frase “Eu preciso de ...” inscrita dentro de um balão de história em
quadrinhos sugerindo o ato de pensar. A mesma era seguida do comando: “Redija um texto
tomando por base a complementação que você der para a frase acima.”
Eis uma indicação que foi, de fato, um “presente” para todos os candidatos, em especial
para os que não se aplicaram à leitura das obras literárias estabelecidas. Foi nada menos que
em torno de 8.333 o número de candidatos que enveredaram por esta segunda proposta.
Embora a Banca entenda como de qualidade uma proposta que prime pela liberdade
aberta aos candidatos quanto à escolha do tema, ela apresentava riscos que identificamos
desde que nos deparamos com a mesma. Aliás, os mesmos riscos apontados por vários membros da banca avaliadora em suas considerações sobre o exame de redação.
O primeiro deles diz respeito à incidência de “redações feitas” que poderiam surgir. Bastava que o candidato apresentasse um “gancho” coeso e coerente para entrar diretamente com
o texto de sua pretensão. Quanto ao segundo risco, trata-se da baixa qualidade própria de
candidatos com nível estreito (sem prática) para interpretação, o que redunda em abordagens
pobres, (falhas) sobretudo nos quesitos “informação e argumentação” e/ou, mais do que isso, a
problemática das adequações quanto ao tema e vocabulário. Afinal, tais são os critérios de base na produção textual, pois quem os domina não se embaraça nos quesitos de coesão e coerência, meras decorrências daqueles.
De acordo com as muitas observações da Banca avaliadora a respeito da proposta em
tela, anote-se: “nem sempre propostas muito abertas são adequadas a esse tipo de prova”.
Acaba se tornando mais importante, para o ato de avaliação, “o como do texto” e não o “o
quê”. Vêm daí as sugestões para que a Coperve passe a diligenciar melhor sobre as tipologias, isto é, que se defina “o como”, ou antes, o tipo de texto que o candidato deva apresentar.
No caso, fosse exigida uma narração (aliás, sugerida na subjetividade do pronome “Eu”), possivelmente não haveria a ocorrência de tantas redações com a cara de coisa “feita”.
Enfim, a terceira proposta, das mais ricas, acabou sendo sacrificada tanto quanto os
personagens que ela enfoca o foram ao longo de nossa História.
Malgrado a boa intenção da Banca responsável pela Prova de Redação, ao trazer a excelência tanto estética quanto histórica do quadro de Victor Meirelles, representando a Primeira
Missa no Brasil, ricamente inspirado na Carta de Pero Vaz de Caminha, o tema, ou temas pos-
síveis, foi por água abaixo. Foi o que se constatou na maioria entre as centenas de redações
(em torno de 10. 630) que abordaram a proposta.
Acompanhando o quadro, vieram três textos. Um trecho de uma peça clássica do Romantismo brasileiro. Trata-se da poética de Gonçalves Dias, I-JucaPirama que antevê o trágico
fim dos índios após o Descobrimento. Completando o conjunto de dados, e aí é que se perdeu
o que havia de boa intenção, há duas pequenas manchetes: uma lembrando o assassinato, em
Brasília no ano de 1997, do índio pataxó (da mesma tribo que recebera Cabral na Bahia do
Descobrimento), outra informando do recente espancamento até a morte de um índio da tribo
xacriabá, em Minas Gerais.
Infelizmente, por culpa das manchetes, a proposta pendeu para um tema assaz banal: o
índio como eterna vítima do processo colonizador. Por outro lado, exceção feita às poucas redações de alto nível, ficou evidente a incapacidade de interpretação com respeito à grandeza,
tanto da obra de Vitor Meireles quanto da obra de Gonçalves Dias que muito explicam o processo de formação da sociedade brasileira. Comprovou-se, ao fim e ao cabo das avaliações, o
quanto a escola – o Ensino Médio, sobretudo – poderia melhor preparar o jovem brasileiro.
Graças a esse tipo de proposta, ainda que batida e desgastada enquanto tema, vêm à tona as
falhas do ensino brasileiro: o estudante não sabe o que escrever, nem como escrever.
Desta feita, não houve zeros, a não ser para casos em que se constataram cópias tiradas à Internet, hoje uma dificuldade a mais para bancas avaliadoras, especialmente de redação. Dez, houve apenas dois, mas uma profusão de notas 9,0 e 9,5, assinalando nível de excelência de muitos candidatos.
Não houve, por parte da comunidade mais intimamente ligada ao processo, loas às propostas apresentadas. Muito menos qualquer mínima crítica que fosse.
Ficou a impressão de que a comunidade já esperava que ao menos uma proposta seria
voltada para obras literárias. Isso é um bom indicativo. A Banca entende ser muito proveitoso
que o vestibulando não vá ser surpreendido e, acima de tudo, passe a ver com mais responsabilidade o quão importante é ler livros da Literatura Brasileira. Estará preparado tanto para a
Prova de Redação quanto para as demais.
Sabiamente, a COPERVE tem criado as condições para a prática da interdisciplinaridade. Há que se pensar que para alunos e professores de Ensino Médio, trabalhar a interdisplinaridade é o caminho.