Forma de Autoconhecimento na Arteterapia

Transcrição

Forma de Autoconhecimento na Arteterapia
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
Curso de Especialização em Arteterapia
Pós-Graduação lato sensu
MANDALA – FORMA DE AUTOCONHECIMENTO NA ARTETERAPIA
Rosângela Pellosi de Freitas
Uberlândia, MG
2007
ROSÂNGELA PELLOSI DE FREITAS
MANDALA – FORMA DE AUTOCONHECIMENTO NA ARTETERAPIA
Monografia apresentada à FIZO - Faculdade
Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Especialista em Arteterapia.
Orientador: Prof. Esp. André Luiz De Biagi
Borges
Uberlândia, MG
2007
FREITAS, Rosângela Pellosi de.
Mandala – Forma de Autoconhecimento na Arteterapia
Rosângela Pellosi de Freitas – Uberlândia; [s.n.], 2007.
49 p.
Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO,
Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP.
1. Arteterapia
MG/BGSF
2. Mandala
CDV.51
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
MANDALA – FORMA DE AUTOCONHECIMENTO NA ARTETERAPIA
Monografia apresentada pela aluna Rosângela Pellosi de Freitas ao curso de
Especialização em Arteterapia em ___/___/2007 e recebendo a avaliação da Banca
Examinadora constituída pelos professores:
Prof. Esp. André Luiz De Biagi Borges , Orientador
Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização
Profa. Esp. Sandra Mara Santamarina, Leitora Crítica
Agradecimentos
A todos que colaboraram direto ou indiretamente para a realização deste
trabalho.
“A verdadeira viagem de
descobrimento consiste não em
procurar novas paisagens, mas em
possuir novos olhos.”
Marcel Proust
RESUMO
A presente pesquisa resulta do estudo da mandala como instrumento de cura. Foca
a confecção de mandalas, como um recurso arteterapêutico que auxilia o homem no
processo de autoconhecimento, equilibrando as emoções. Pauta na abordagem
analítica, com ênfase em Jung. A pesquisa fundamenta-se na Arteterapia como
método processual de investigação e avaliação dos resultados. Discorre sobre os
efeitos curativos que a mandala proporciona ao homem no nível físico, mental e
espiritual. Descreve o desenvolvimento dos atendimentos arteterapêuticos e analisa
os resultados desse processo. Assim, o trabalho objetiva mostrar que através da
mandala como um recurso expressivo na Arteterapia, a energia irradiada é curadora
e a magia a ela concebida faz com que haja a interação do homem com os fluxos
construtivos e evolutivos do universo.
Palavras – chaves: Arteterapia, mandala
ABSTRACT
The current research is derived from a study of the mandala as na instrument for
cure. It’s focus is upon the confection of mandalças, as an arttherapy resource that
aids man in the process of self-knowledge, though the balance of emotions. It
establishes an analytical approach with emphasis on Junng. The research is based
on art- therapy as a methodic process of investigation and evaluation of its rejults.
The suruey suppues information regarding the healing effects tha the mandala offers
to man on a physical, mental and spiritual basis. Also describes the development of
art therapy as a treatment alternative and analyses the results of that process. Thus,
the poll aims to demostrate that, as the mandala performs as a notorious resource in
art- therapy, the energy irradiantd from it herals and the magic it constains causes
an interaction betwrrn man and the constructive and evolutive flows of the universe.
Key-words: “Art-therapy”, mandala.
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................ 06
ABSTRACT.................................................................................................................... 07
1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 09
2.EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM FORMA CIRCULAR ................................................. 12
3 MANDALA- CAMINHO PARA A CURA .................................................................... 18
3.1- O caminho encontrado- Técnicas Arteterapêuticas de se fazer mandalas ............... 23
3.1.1- Pintura .................................................................................................................... 23
3.1.2- Desenho ................................................................................................................. 24
3.1.3- Mosaico .................................................................................................................. 25
3.1.4-Colagem .................................................................................................................. 26
3.1.5- Sucatas .................................................................................................................. 27
3.1.6- Barro ....................................................................................................................... 27
4. ARTETERAPIA – UM CAMINHO .............................................................................. 29
4.1- Atelier Terapêutico ........................................................................................ 31
4.1.2-CTC- Continnum das Terapias Expressiva .................................................. 36
5. O ENCONTRO COM O CRIATIVO ........................................................................... 38
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 44
7. ANEXOS..................................................................................................................... 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 51
10
1- INTRODUÇÃO
O homem está inserido em um mundo em constante evolução e possui o poder
de atuar sempre de maneira positiva e transcendente. Através da purificação de seus
pensamentos, palavras e ações, colabora para que as vibrações energéticas do planeta
sejam curadoras, o que terá como resultado a evolução espiritual da humanidade.
Buscar o autoconhecimento é o caminho seguro para o equilíbrio e ao cruzar as
energias psíquicas em uma grande rede buscando a harmonia interior, o homem estará
tecendo o destino de cada um de nós.
Através do poder pessoal e dos recursos da imaginação ele tem a capacidade de
conectar-se com as forças curadoras que o Universo disponibiliza e experimentar o
Poder Divino. É preciso burilar emoções primitivas e ter um coração íntegro para que o
processo de cura possa se manifestar.
Assim sendo, toda busca para compreender o caminho da espiritualidade, para
transcender o raciocínio lógico e deixar desabrochar o conhecimento intuitivo, seja
através da simbologia, da arte ou da religião, é uma tentativa de buscar a perfeição. O
mundo está fragmentado e desintegrado e em nenhuma outra época a humanidade
precisou tanto do poder da cura.
Dessa forma, o presente trabalho pesquisa a confecção de mandalas como um
recurso expressivo favorável na mudança da energia da psique, na estimulação da
mente, no equilíbrio das emoções, bem como na representação de uma fonte de cura
para o homem. A mandala está associada à meditação e ao sagrado e pode levar ao
encontro com os mistérios da alma e à busca do autoconhecimento.
O círculo é um elemento importante para o homem desde os tempos remotos.
Nascemos num planeta circular e o círculo é a expressão de totalidade, é símbolo de
11
harmonia e iluminação do homem. Jung adotou a palavra sânscrita mandala para
descrever os desenhos circulares que ele e seus pacientes faziam. Mandala significa
centro, circunferência ou círculo mágico. Aparece em todas as religiões e na Psicologia
representa a unidade e a totalidade da psique, abrangendo o consciente e o
inconsciente.
Durante a confecção de uma mandala, o homem experimenta a sensação de
beleza, harmonia, equilíbrio e prazer e a magia evocada ao contemplá-las, registra a
energia psíquica sendo projetada para a cura. As mandalas têm elementos comuns: a
forma circular ou quadrangular, o ponto central e a repetição de formas são constantes.
Ao desenhar mandalas cria-se algo sagrado, e a linha circular representa o limite entre
o Divino e o mundano. Toda mandala tem uma emanação vibracional e estimula a
mente, equilibra as emoções e ativa os processos físicos, ajudando a restabelecer as
funções psíquicas – é uma fonte de cura.
A presente investigação refere-se a uma pesquisa descritiva, que foi
desenvolvida a partir de um estudo de caso realizada em uma empresa de transporte
rodoviário de passageiros na cidade de Araguari, cujo foco foi desenvolver um trabalho
com um grupo aberto de motoristas e cobradores com faixa etária entre 22 e 60 anos.
Diante disso, os atendimentos arteterapêuticos suscitaram observações que
geraram indagações, as quais conduziram esta pesquisa:

O uso da confecção de mandalas como recurso arteterapêutico auxilia
no processo de autoconhecimento e realização pessoal?

Quais os materiais e técnicas expressivas da Arteterapia que
contribuem na confecção de mandalas?
12

Quais indicadores de mudança podem comprovar que, ao fazer
mandalas, o indivíduo expressa suas questões internas e busca
equilíbrio físico, mental e espiritual?
A partir dessas questões, a presente pesquisa tem como objetivo
compreender, através do estudo de caso, que a confecção de mandalas, como técnica
arteterapêutica, harmoniza o interior do indivíduo e ajuda na busca de paz interior.
Mediante tal análise, formulou-se a seguinte hipótese:
A mandala – figura secular, e expressão do self – tem a poderosa força de ser
um instrumento curativo nos níveis material e espiritual do homem.
O presente trabalho está estruturado por meio de capítulos para que o leitor
possa compreender melhor esse processo.
O primeiro capítulo, intitulado ”Expressão Artística em Forma Circular” enfoca
o círculo com a sua significação de totalidade do universo e da alma e como sua
expressão artística ajuda na organização e no fortalecimento da psique.
O segundo capítulo, cujo nome é “Mandala: Caminho Para a Cura”, discorre
sobre a importância da Arteterapia como um canal de comunicação que possibilita
identificar os sentimentos por meio de imagens e símbolos, no processo de
transformação pessoal.
O terceiro capítulo, “Arteterapia - Um Caminho”, relata a utilização da
confecção de mandalas como um caminho para o autoconhecimento e relata também,
como a forma circular representa um princípio estruturador do mundo interno.
O quarto capítulo, intitulado “Encontro Com o Criativo”, trata da análise da
técnica de fazer mandalas, através de um estudo de caso realizado com o grupo de
13
funcionários do sexo masculino, de motoristas e cobradores, em uma empresa de
transporte rodoviário de passageiros.
E, finalmente, traz as considerações finais bem como o referencial
bibliográfico.
Desse modo, considera-se a apresentação de todo este estudo realizado
como um marco importante para o desenvolvimento integral e profundo do ser humano.
14
2 - EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM FORMA CIRCULAR
Desde o começo na fase embrionária, o indivíduo constitui-se a partir de uma
célula-ovo que tem a forma circular. O ambiente materno, o útero que acolhe o
embrião tem essa forma tão antiga e traz lembranças que poderiam se associar ao
Sistema Solar, ao Planeta Terra, a uma célula cuja estrutura é composta de um
núcleo, ou mesmo a cada átomo. Ou ainda trazer lembranças que poderiam se
associar aos desenhos em forma circular dos homens pré-históricos, às garatujas de
um bebê, ao movimento dos ponteiros de um relógio, etc.
Nessa perspectiva, Zatyrko faz a seguinte consideração:
O círculo é um dos símbolos de maior representatividade e de maior
poder de significação que já existiu na história. [...] É sempre
associado a um Deus ou uma situação de poder e transcendência.
Como expressão de totalidade, ou globalidade, ele também é usado
como uma representação do céu e do espírito. (ZATYRKO et al.
1997, p. 16)
O círculo aparece nas civilizações antigas, representando o eterno no tempo
e no espaço.
Sua representação no Zen-budismo é a perfeição humana. Conforme Jung
(1964, p. 241), “Na seita Zen, o círculo representa o esclarecimento, a iluminação.
Simbologia da perfeição humana”.
De acordo com Zatyrko (1997), na cabala, a forma circular quando inserida
num quadrado, representa a força da cultura cristã. Essa forma é encontrada em
todas as artes, principalmente nas rosáceas e abóbadas das igrejas medievais e na
auréola que aparece nas imagens dos santos. Na Grécia, tem-se o Uroboro, símbolo
da serpente que engole a própria calda formando um círculo, assim como a
simbologia da roda da vida remete à idéia do ciclo eterno das leis universais. No
Tarô, a carta “Roda da Fortuna”, refere-se ao movimento e à estabilidade, à
15
transitoriedade e à transcendência, ao tempo e ao eterno. Na Índia e no Extremo
Oriente, o círculo está presente nas imagens religiosas que servem à meditação.
Segundo Zatyrko (et. al. 1997, p. 17, grifo do autor), “O centro do círculo, o
ponto adimensional, é chamado de BINDU. Ele representa o ponto primordial de
toda a criação, o ponto que encerra, num nível transcendental, a Unidade e a
Totalidade.”
O centro de uma figura circular é o ponto de onde o desenho se desenvolve.
Esse ponto principal, citado por Zatyrko, é o local indicador do foco visual que atrai o
olhar de um observador, um elo de ligação.
De acordo com Fincher:
O círculo delimita um espaço. O que está dentro dele encontra-se
projetado, fortalecido e circunscrito [...]. E evoca a idéia de
movimento: a rotação dos planetas, a agitação das águas e as
etapas espiraladas da cerimônia, do culto e da brincadeira. [...] O
círculo é amplamente aceito como um símbolo da eternidade: uma
linha sem começo nem fim representa o tempo, sem começo nem
fim. Isso faz dele um símbolo apropriado de Deus. (FINCHER, 1991,
p.151).
Encontram-se formas circulares também na arquitetura, no traçado das
cidades, na agricultura, nas danças e, sobretudo, nas formas criadas pela natureza,
e todas elas têm um elemento comum – o núcleo – um ponto central.
O círculo na arquitetura ocupa um lugar relevante, embora às vezes não se
perceba. Ele está presente no plano básico das construções circulares e sagradas,
bem como, nas construções modernas.
Neste contexto, Jung relata a história do nascimento da cidade circunscrita
em uma forma circular:
De acordo com Plutarco, Rômulo mandou buscar arquitetos na
Etrúvia, que lhe ensinavam costumes sacros e leis a respeito das
cerimônias a serem observadas [...] Primeiro cavavam um buraco
16
redondo – onde se ergue agora o Comitium ou Congresso – e
dentro dele jogaram oferendas simbólicas de frutos da terra. Depois
cada homem tomou um pouco de terra do lugar onde nascera e
jogou-a dentro da cova feita. A esta cova deu-se o nome de
mundus (que também significa cosmos). Ao seu redor Rômulo, com
uma charrua puxada por um touro e uma vaca, traçou os limites da
cidade em um círculo. [...] a cidade fundada sob esta cerimônia
solene tinha forma circular. (JUNG, 1964, p. 242, grifos do autor).
A herança de tal feito repercute na cultura arquitetônica da atualidade, cuja
manifestação, para além de linhas circulares, revela aspectos da psique 1 humana.
Neste contexto, o mesmo autor afirma que:
Toda construção, religiosa ou secular, em forma circular é uma
projeção da imagem arquetípica do interior do inconsciente humano
sobre o mundo exterior “A cidade, a fortaleza e o templo tornaramse símbolos da unidade psíquica e, assim, exercem influência
específica sobre o ser humano que entra ou que vive naquele lugar”.
(JUNG, 1964, p. 243)
O homem contemporâneo, na maioria das vezes, constrói suas casas em
formas retangulares e não circulares. As formas retangulares revelam a prioridade
dada ao aspecto material.
Na construção das igrejas, a grande maioria dos templos segue uns estilos
geométricos, cuja simbologia revela o homem, representado pelo quadrado, em sua
busca pelo Divino, representado pelo círculo.
Em concordância, Dalke enfatiza que:
Vistas do alto todas as igrejas em estilo de basílica, bem como os
templos ortodoxos gregos, obedecem exatamente ao traçado
fundamental dos inatos tibetanos: a ligação do cubo (quadrado para o
mundano) e da esfera na cúpula (a esfera e o círculo representam o
divino). (DALKE, 1985, p. 201).
1
Psique: conforme Dorsh (2001 p. 277). ”era o conceito grego para self (si mesmo) , abrangendo as
idéias modernas de alma, ego e mente. Do grego “ psycheins “ soprar é uma palavra ambígua que
significava originalmente alento, e posteriormente, sopro. Dado que o alento é uma das
características da vida, a expressão psique era utilizada como sinônimo de vida por fim, como
sinônimo de alma, considerada o princípio da vida. A psique seria então a “alma das sombras” por
oposição à alma do corpo.”
17
Conforme cita Andrade (2000), é importante ressaltar que, Nise da Silveira,
em um Centro Psiquiátrico, no Rio de Janeiro, desenvolveu trabalhos de expressão
artística com doentes mentais e observou a repetição de imagens e figuras em
agrupamentos simétricos e formas circulares, as quais indicavam a tentativa da
psique de organizar o próprio interior.
Sob o ponto de vista de Fioravanti (2003), o círculo – símbolo do céu – separa
o espaço sagrado do profano e indica a área de ação de Deus, a abrangência de
seu poder ilimitado que se irradia em todas as direções.
Na agricultura, segundo Willy (2003), o uso de plantio em círculos,
ultimamente utilizado pelos agricultores
como representação do Universo,
configuram-se por desenhos concêntricos. A plantação em forma circular começa a
partir de um círculo central seguida de outros nove círculos que representam os
planetas. A horta é plantada com diversas culturas intercaladas, em cujo centro
encontra-se o reservatório de água, representando o sol.
O mesmo autor explica:
Vamos trilhando um processo modular onde, com baixo custo você
começa a produzir o primeiro círculo. Somente quando ele está
produzindo você passa para o segundo e terceiro e assim por diante
ate chegar o último. (WILLY, 2003 p. 05).
Na dança, segundo Wosien (1996), o círculo contém em si mesmo as idéias
de incorporar, dar, receber e excluir. As danças circulares são primordiais,
poderosas e universais. Sob o ponto de vista desse autor:
A dança foi sempre uma atividade comunitária, na qual se unem o
som, o ritmo e o movimento. Expressa-se no afã por descarregar as
tensões
psicológicas, no jogo dos membros do corpo que
desemboca em movimentos ritmicamente regulados, no bater de
palmas, em golpe sobre os músculos e no chão, ou com os pés; nas
etapas primitivas da dança, o corpo humano era o instrumento
produtor de sons. (WOSIEN, 1996, p. 17).
18
O mesmo autor (1996) afirma ainda que a dança circular imita o movimento
do céu, possibilitando ao homem experimentar a realidade em torno de uma
referência central, pois o céu encontra-se no centro, imóvel.
As danças circulares sempre estiveram presentes, em todas as épocas, na
cultura dos povos do mundo inteiro, sendo uma das mais antigas formas pela qual
se pode conseguir o contato e a harmonização da natureza individual e grupal.
Em todo planeta a forma circular está presente e na natureza, conforme Dalke
(1985), desperta a idéia de infinito, que não tem começo e nem fim, desde o corte de
um galho, de um tronco a um grão de semente, a uma fruta, cuja forma quase
sempre esférica, às vezes tem um caroço, um centro.
É importante ressaltar que a expressão artística em forma circular ajuda o
indivíduo na organização e no fortalecimento da psique, além de facilitar o contato
com a essência ou self 2 e auxiliar na canalização de energias criativas.
Essas considerações podem ser confirmadas nas palavras de Jung retiradas
da obra “O homem e seus símbolos’”.
O círculo é um símbolo da psique (o próprio Platão descreveu psique
como uma esfera); o quadrado (e muitas vezes o retângulo) é um
símbolo da matéria terrestre, do corpo e da realidade. [...] Mas não
devemos desprezar a freqüência com que aparecem o quadrado e o
círculo. Parece haver um impulso psíquico constante para trazer à
consciência os fatores básicos de vida que eles simbolizam. (JUNG,
1964, p.249).
Traçar a maneira de ser com lápis ou pincel, com cores e formas, sobretudo
as circulares, organiza internamente o ser, leva-o a entrar em contato profundo com
seus sentimentos, a ter uma maior consciência de si e do mundo que o rodeia.
2
Self: Totalidade absoluta da psique, centro. (Von Franz, 1964, p. 161).
19
3 - MANDALA – CAMINHO PARA A CURA
O homem ao buscar uma relação harmônica com a natureza, deixa fluir
sentimentos como o perdão, desapego, liberação e amor nas suas relações, e abre
as portas para o Sagrado, para a cura e, por conseguinte, fecha-se para o
desequilíbrio, a dor e o medo. Mesmo no enfrentamento de um mundo agitado e
apressado, como é o mundo dos homens desta época atual é possível encontrar o
Caminho da Cura.
Segundo Gramacho:
O poder da cura está dentro de nós. Se buscarmos o silêncio, o
estado de meditação, se procurarmos nos ouvir e conseguirmos
escutar a nossa alma, saberemos o que é preciso fazer para
deflagar o processo de cura. (GRAMACHO, 2002, P. 22).
Sabe-se que o amor é a mais poderosa energia de cura que o ser humano
pode acessar, pois ela está dentro de cada um. A capacidade de dar e receber, de
vincular-se, de manter o equilíbrio é fundamental para acessar as forças curativas
que o universo disponibiliza para nós.
Conforme o mesmo autor (2002 p. 21), “Um dos instrumentos de cura usados
pelos povos indígenas do Norte e do Sul é a Roda de Medicina, também chamada
de Elo Sagrado”. Quando se reúnem e armam a Roda é realizado um ritual de poder
no qual são utilizadas as energias das Quatro Direções – Norte, Sul, Leste, Oeste –,
dos animais, das pedras e cristais, dos quatro elementos – terra, água, fogo e ar.
Sob este ponto de vista, Gramacho afirma que:
Na Roda de Medicina – uma antiga e poderosa representação do
Universo, podem identificar o poder dos símbolos e da necessidade
de estarmos conectados e harmonizados com todas as demais
20
manifestações de vidas existentes no Planeta [...]. (GRAMACHO,
2002, p. 22).
Para se adquirir o poder interno da cura necessita-se utilizar todo o poder
pessoal, os recursos da imaginação, bem como, conectar-se com todo o planeta
através da intuição, usando-se o princípio da reciprocidade, da capacidade de amar,
dar e receber.
Gramacho (2002), afirma que todo processo de cura passa,
necessariamente, pelo coração.
Diante disso, a confecção de mandalas torna-se um meio eficaz para
conectar-se com o coração e, assim, estabelecer um ponto de equilíbrio e um
vínculo de harmonia com o Universo.
De acordo com Chevalier:
A mandala é literalmente um círculo, ainda que seu desenho
seja complexo e muitas vezes se encerre em uma moldura
quadrada [...] A mandala é ao mesmo tempo um resumo da
manifestação espacial, uma imagem do mundo, além de ser a
representação e a atualização de potências divinas; [...].
(CHEVALIER, et al, 1999, p. 585, grifos do autor).
Conforme Fioravante (2003), em sânscrito3, mandala literalmente significa
círculo e centro. Seu desenho tradicional sempre utiliza o círculo, símbolo do cosmo
e o quadrado, símbolo da terra ou do homem no mundo. Ela é tão antiga quanto o
ser humano, posto que, nas pinturas das cavernas foram encontrados desenhos préhistóricos em forma circular.
Segundo Chavalier et al (1999), na tradição tibetana, a mandala é o guia
imaginário e provisório da meditação, manifestando, em suas combinações variadas
de círculos e de quadrados, o universo: espiritual e material.
Segundo Juns:
3
Sânscrito: conforme Ferreira (1982, p. 1268), antiga língua clássica da Índia, a mais velha da família
indo-européia.
21
Jung recorre à imagem da mandala para designar uma
representação simbólica da psique, cuja essência nos é
desconhecida. Ele observou, assim como seus discípulos, que
essas imagens são utilizadas para consolidar o ser interior [...] A
contemplação de uma mandala inspira a serenidade, o sentimento
de que a vida reencontrou seu sentido e sua ordem. [...] As formas
redondas simbolizam em geral, a integridade natural, enquanto a
forma quadrangular representa a tomada de consciência dessa
integridade. A mandala possui uma eficácia dupla: conservar a
ordem psíquica, se ela já existe; restabelecê-la, se desapareceu.
Neste último caso exerce uma função estimulante e criadora.
(JUNS, 213-215-227 apud CHEVALIER, 1999, p. 586, grifos do
autor)
As mandalas, conhecidas como círculos mágicos, sempre tiveram destaque
em rituais, em toda localização geográfica do Planeta. Jung descobriu que criar,
fazer ou até mesmo sonhar com mandalas é parte do processo de individuação. 4.
Ele afirmava que ao fazer uma mandala, o indivíduo trabalha a própria alma,
podendo vir resolver os seus conflitos e ansiedades, e ao expressar, na forma
simbólica, suas questões internas.
Segundo Fincher (1991), Jung incentivava seus pacientes a criarem
mandalas. Ele mesmo as produzia diariamente.
Fincher conta que Joan Kellogg as utilizava como recurso arteterapêutico e
afirma que:
A mandala pode ser empregada como um caminho válido por si só,
como um veículo para a autodescoberta. Ao segurar o fio de Ariadne,
o indivíduo se lança numa jornada em direção ao Self, sem garantia de
chegada, apenas com a esperança de eterna transformação.
(KELLOG apud FINCHER, 1991, p. 39).
Fincher (1991), comenta que a mandala ativa forças integradoras da psique,
religando a teia da vida e harmonizando no indivíduo os seus aspectos conflitantes.
Neste contexto, a mesma autora afirma que ao se criar uma mandala, gera-se um
símbolo revelador acerca de quem o indivíduo é, num dado momento, e confirma:
4
Individuação: conforme Jung (1986, p. 76), processo pelo qual um ser torna-se um indivíduo
psicológico, isto é, uma unidade autônoma e indivisível, uma totalidade.
22
O círculo que desenhamos contém – e até atrai – partes
conflitantes da nossa natureza. Mas, mesmo quando faz um
conflito vir à tona, o ato de criar uma mandala produz uma
inegável descarga de tensão. Talvez porque a forma do círculo
nos recorde o isolamento seguro do ventre. [...] Desenhar um
círculo talvez seja algo como desenhar uma linha protetora ao
redor do espaço físico e psicológico que identificamos como
nós mesmos. [...] Quando fazemos uma mandala, criamos
nosso espaço sagrado, um lugar de proteção, um foco para a
concentração de nossas energias. (FINCHER, 1991, p. 39).
O círculo delimita uma superfície, um espaço a ser trabalhado, demarca um
território enquanto sua forma representa um princípio estruturador do mundo interno.
Condensam-se neste espaço experiências, expectativas e necessidades. Focalizase e mergulha-se no mundo criativo, criando uma imagem. Na confecção da
mandala e na estruturação desta imagem, inicia-se um movimento de diferenciação
referente à escolha do material, das cores, das formas. Entra-se, dessa forma, em
um mundo desconhecido. A partir daí, emergem-se as inspirações, dando início a
um processo de gestação.
Arcuri afirma que:
As mandalas são [...] muito presentes em nossas vidas ainda que
não a percebamos. [...] na natureza, temos várias mandalas: um
girassol, a lua, o sol, um olho, uma estrela etc. Jung chamou essas
imagens de arquétipos5 porque são tão antigas quanto a alma do
homem. (ARCURI, 2004, p. 80).
Em hospitais psiquiátricos, surgem com muita freqüência, desenhos em
formas circulares. Nise da Silveira, na década de 40, inconformada com as práticas
psiquiátricas utilizadas, criou uma seção de Terapêutica Ocupacional no Centro
Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro e, através do fazer artístico, os resultados
positivos não demoravam a aparecer.
5
Arquétipos: Segundo Jung (1964. p. 67-68), é uma tendência para formar mesmas representações
de um motivo que pode ter inúmeras variações de detalhes sem perdas a sua configuração original
(...) uma tendência instinta.
23
Mello (1982) relata a descoberta de Nise da Silveira a respeito do valor
curativo dos trabalhos expressivos realizados pelos pacientes psiquiátricos:
[...] surgem imagens inusitadas, temas e símbolos recorrentes que a
intrigam [...] observa que muitas dessas imagens configuravam
formas circulares ou próximas do círculo – símbolos de unidade e
ordenação – extremamente semelhante a imagens utilizadas para
meditação ou representação de divindade em religiões orientais
(mandalas). [...] Resolveu escrever para Jung, remetendo várias
imagens produzidas por seus pacientes e a resposta não tardou: eram
mesmo mandalas e correspondiam ao potencial autocurativo da
psique em oposição à dissociação, ao estado de confusão psíquica do
ser, uma manifestação do inconsciente para compensar a situação
caótica vivida por esses indivíduos. (MELLO, 1982. p.7)
Jung (1986) declara que a confecção de mandala faz atingir a expressão do
eu (si-mesmo) e que outros estudiosos sobre esse assunto, poderiam ir além. Mais
tarde, por volta de 1927 através de um sonho confirmou as idéias sobre o centro e o
“si-mesmo”. Pintou uma mandala que tinha no centro um castelo de ouro o qual
considerou ter um ar chinês. Em seguida recebeu uma correspondência de Richard
Wilhelm junto a um tratado alquímico chinês taoísta intitulado o Segredo da Flor de
Ouro. Jung imediatamente percebeu que o manuscrito revelava a mesma imagem
que havia pintado em sua mandala.
A confecção de mandalas é uma técnica da arteterapia que pode ser utilizada
para a abertura, e fechamento de processos, mas podendo ser também proposta no
desenvolvimento de todo o trabalho arteterapêutico. Pode ser realizada através de
vários recursos: a partir de um tema, de um relaxamento, de um conto, uma fábula,
ou surgir espontaneamente.
As técnicas de confecção das mandalas podem ser utilizadas de diferentes
formas – pintadas com tinta, giz de cera, lápis de cor, terra e confeccionadas a partir
de colagens diversas, utilizando papéis coloridos, sementes, figuras, ou utilizando-se
diferentes técnicas ao mesmo tempo. Certos procedimentos devem ser seguidos,
24
como traçar e recortar o círculo, e até escolher o material a ser utilizado. Em uma
vivência dirigida, deve-se levar em conta os objetivos propostos, utilizando a técnica
adequada ao indivíduo ou ao grupo, e quando for uma vivência livre, dá-se a
oportunidade do material ser escolhido.
3.1 - O CAMINHO ENCONTRADO – TÉCNICAS
ARTETERAPÊUTICAS DE SE FAZER MANDALAS.
3.1.1- Pintura
Pintar mandalas tem por objetivo trabalhar o universo interior e desta forma,
oportuniza-se ao indivíduo a transformação de tensões e medos em um momento
tranqüilizante, fazendo a mente entrar em um estado de relaxamento.
Segundo Arcuri (2004, p. 81), ”pintar mandala possibilita nos aproximarmos
do símbolo que contém tudo: os dois lados da polaridade – ele não exclui nada, pelo
contrário, inclui”.
De acordo com Pain (1996) a forma está ligada ao movimento, enquanto a cor
é somente sensação. A forma apela à abstração, ao reconhecimento do objeto,
enquanto a cor provoca a sensibilidade e a intuição. A forma evoca o gesto. A cor
traduz a emoção.
A pintura utilizada em Arteterapia permite ao indivíduo exercitar novas
maneiras de olhar a si mesmo e a tudo que o rodeia. É um dos caminhos mais
interessantes para organizar e transformar sentimentos.
Segundo Bello (1996), a pintura oferece a possibilidade de entrar em
harmonia com uma ordem maior, criando uma certa fluidez nos sentimentos. O
importante é que a pessoa deixe a emoção surgir através das cores.
25
A fluidez da tinta aquarelável, anilina com álcool induz, com a sua função
liberadora, o movimento de soltura, de expansão, e assim, pode-se trabalhar o
relaxamento dos mecanismos defensivos de controle. As cores quentes como o
amarelo e o vermelho, ativas e dinâmicas, aceleram o metabolismo, enquanto que
as cores frias , o verde e o azul , com característica balsâmica, acalmam.
De acordo com Urrutigaray (2003), a pintura é uma das técnicas onde as
emoções e sentimentos fluem com maior facilidade. É indicada para indivíduos mais
racionais, controladores e contra-indicada para pessoas deprimidas quando a
técnica utiliza uma tinta mais aguada. Com a tinta mais espessa, o controle dos
movimentos é mais fácil. Quando utiliza-se a tinta líquida na pintura, pode-se uma
produzir uma dificuldade de controle e, assim, provocar no indivíduo, situações que
variam da tensão à satisfação.
3.1.2 – Desenho
O desenho trabalha a coordenação motora fina, possibilitando uma
reestruturação do mundo interno, pois trabalha a concretude, a percepção, o
caminhar de um ponto até transformar em linhas.
Pode ser realizado com lápis, caneta hidrográfica, pincel atômico, com giz de
cera, pastel oleoso ou seco, carvão, tinta etc.
De acordo com Machado,
Para a Psicologia Analítica, essa forma de linguagem não
verbal (...) pode ser útil principalmente se pensarmos em
desenho. Nesta abordagem utiliza-se de vários meios para
chegar a resolução do conflito e, o desenho pode dar ao
terapeuta uma visão da dinâmica inconsciente do paciente.
(MACHADO, 2001, p. 8).
26
Como descrito por Ciornai (1994), nos desenhos propriamente ditos, a relação
figura – fundo,
6
começa a emergir e a se elaborar. Os espaços são preenchidos
com ricos detalhes e as partes integram-se umas às outras, de tal forma que o
trabalho, como um todo, forma uma gestalt7 unificada. É importante adicionar a
mobilização como uma das qualidades do trabalho artístico. No instante da atividade
artística, altera o estado de consciência, ajudando a enfocar o mundo interior,
adentrando em um canal mais intuitivo e mágico, onde
surpreende com as
produções e com os significados que lhes atribuí.
De acordo com Fiovarante,
O desenho de uma mandala tem quase sempre uma estrutura
geométrica, que divide o espaço em porções simétricas. A
numerologia e a geometria são analisadas numa mandala de
acordo com suas simbologias [...] Esses dois fatores determinam a
chamada “vibração da mandala”. [...] Essa emanação vibracional
tem muito a ver com as cores usadas, pois desenho e cor são
inseparáveis numa mandala. (FIORAVANTE, 2003, p. 8),
3.1.3 – Mosaico
É uma técnica simples que exige organização e paciência, permitindo o uso
de diversos materiais, como sementes, conchinhas, madeira, emborrachado, botões,
azulejos, casca de ovo e outros.
A arte do mosaico dá oportunidade ao indivíduo de escolher, compor, dividir,
juntar, criar. Na Arteterapia, entende-se que trabalhar com pedaços separados, dá
6
Figura-Fundo: segundo Ribeiro (1985.p. 258), os gestaltistas, existe uma reversibilidade, isto é, a
Figura vira Fundo e o Fundo vira Figura, mas o que é percebido é o Figural.
7
Gestalt: conforme Ribeiro (1985. p 158), é uma teoria de personalidade e de psicoterapia que vem
sendo continuamente desenvolvida por autores contemporâneos. O ser humano é um ser de relação
(relação consigo mesmo, com o mundo, com os outros); totalidade, integração (a pessoa como uma
unidade psique – corpo – espírito).
27
oportunidade ao indivíduo de poder juntar e construir um novo momento. A princípio
provoca uma desestruturação, portanto deve ter cuidado ao usá-lo como técnica.
De acordo com Pain (1996) essa técnica deve ser proposta não com o
objetivo de fragmentar uma imagem, mas de buscar as vibrações coloridas.
O mosaico é uma técnica para o indivíduo colar, organizar e assim, os seus
conteúdos internos se reestruturaram, por isso é indicado principalmente para quem
tem dificuldade de juntar e associar.
3.1.4 - Colagem
Em confecção de mandalas, pode-se utilizar a técnica da colagem com
diversas texturas de papéis, tecidos, materiais orgânicos, inorgânicos e outros. Ela
permite a integração, a organização e é uma atividade estruturante.
A colagem é uma atividade multiplicadora. Quando se trabalha com figuras
previamente recortadas entra-se em contato com uma infinidade de símbolos muitas
vezes sem consciência do seu significado. Colar é ligar uma coisa à outra.
Estabelecer vínculo.
Simbolicamente o ato de recortar ou rasgar os papéis e posteriormente reunilos, colá-los, recompondo-os, corresponde subjetivamente à vivência de cortes,
rupturas, reparação, reorganização e estruturação.
A colagem favorece a organização de estruturas pela junção e a articulação
de formas prontas.
Ao separar papéis, gravuras, sementes, contas que estão misturadas,
oportuniza-se ao indivíduo escolher, discernir, reconhecer o que é dele e o que não
28
é, dando a chance de agrupar de acordo com a qualidade e assim, transformar o
que está posto.
3.1.5 – Sucatas
De acordo com a teoria de Urrutigaray (2003) as sucatas são materiais fáceis
de conseguir e induzir à imaginação. Botões, caixas diversas, pregos, tampinhas,
retalhos de tecidos, vidros quebrados, etc, podem provocar a criatividade e a
satisfação de transformar e construir sem destruir.
A técnica com o uso de sucata é um exercício lúdico de montagem, criação e
inovação de algo já criado com configuração diferente.
3.1.6 – Barro
Entrar em contato com o barro pode se transformar em uma técnica prazerosa
que amplia as possibilidades criativas. É um material que coloca o indivíduo em
contato com a natureza e com os quatros elementos – terra, água, ar e fogo.
Chiesa (2004) afirma que o contato com o barro (argila) desperta a
sensibilidade, alivia as tensões e satisfaz os mais profundos e primitivos instintos
humanos da natureza criativa.
Assim, para Ferretti (1994) quando esta porta se abre, o colorido do mundo se
modifica e, ao entrar em contato com esta realidade, o indivíduo descobre o caminho
da autocura e do mundo.
Chiesa (2004) contribui afirmando que:
29
Da natureza secreta do barro percebe-se também um revelar e
esconder – A concretude do barro desperta a psique de quem o
manuseia e algo do próprio existencial do indivíduo acaba por
revelar-se sem que agrida o seu silêncio, sem expor sua alma,
seus medos. A revelação se dá no processo, o brilho cresce ao
aproximar-se do centro da alma e só verão aqueles que tiverem
olhos para ver.
(GOUVÊA, apud CHIESA, 2004, p. 54).
30
4 - ARTETERAPIA - UM CAMINHO
Margaret Naumburg e sua irmã Florence Cane são consideradas as
precursoras da Arteterapia e da arte educação como método de psicoterapias e
pedagogia.
Andrade (2002) ao referir-se ao trabalho de Naumburg, demonstra que a
auto-expressão criativa deveria ser priorizada por um currículo escolar, enfatizando
as artes.
De acordo com Urrutigaray (2003 p. 21), “Jung considerava o valor da
utilização de técnicas expressivas como elemento propiciador do resgate do sentido
de viver”.
A mesma autora cita ainda que:
No Brasil, Nise da Silveira se embasou teoricamente em Jung e
trabalhou com oficinas expressivas, onde eram tratados pacientes
esquizofrênicos, proporcionando oportunidades de expressarem
seus desejos e suas emoções. (URRUTIGARAY, p. 23).
A Arteterapia é o uso da arte como terapia. Embora seja uma atividade
milenar, se desenvolveu há cerca de 60 anos. A Arteterapia consiste em um
elemento terapêutico que facilita o acesso a todos os sentidos do ser humano dentro
de diferentes níveis de consciência. Com técnicas apropriadas oportuniza-se a
expressão de emoções e sentimentos através de imagens e símbolos, sem
preocupação estética.
O trabalho em Arteterapia propicia um canal de comunicação, claro e seguro
que possibilita identificar os sentimentos, os bloqueios, melhorar a
auto-estima,
resgatar confiança e ajudar nos processos de transformação das pessoas.
O homem moderno já se esqueceu há muito tempo, como expressar seu
mundo interno. Quase todos dizem: “Eu não sei desenhar direito! Não tenho talento!”
31
Ou então: “isto está horrível”. Ficou para o homem moderno a impressão de que não
é capaz de desenhar. “Isto é coisa para artista!” Sente-se tão bloqueado, devido às
facilidades da tecnologia, que esquece como é riscar uma linha no papel.
A Arteterapia trabalha primordialmente com o fazer artístico, (como desenhar,
pintar espontâneo, sem julgamento.) em toda sua abrangência, e cuja expressão se
dá através de imagens e símbolos, conforme explica Andrade:
Ao dar livre curso as expressões das imagens internas, o indivíduo,
ao mesmo tempo, em que as modela, transforma a si mesmo.Ao
conhecer aspectos próprios se recria, se educa e, sobretudo pode
experimentar, inserir-se na realidade de uma maneira nova. A
pintura, o desenho e toda expressão gráfica ou plástica, bem como
a música, a dança, a expressão corporal e dramática formam um
instrumental valioso para o indivíduo reorganizar sua ordem interna,
ao mesmo tempo reconstruir a realidade. (ANDRADE, 1993, p. 123)
Mediante a concretização dos conteúdos internos através da arte, o
indivíduo transcende à sua percepção consciente e através dos elementos
simbólicos
compreende
seu
inconsciente.
Esse
movimento
estimula
a
experimentação de novas possibilidades e interesses, abrindo-lhe novos horizontes.
As expressões artísticas refletem a maneira pessoal de relacionar-se, posicionar-se,
de estar no mundo.
Em empresas e instituições, o trabalho expressivo visa o desenvolvimento da
criatividade, desenvolvendo o potencial pessoal e a diminuição do stresse dos
indivíduos.
Em escolas, a Arteterapia é empregada através do processo criativo, cujo
desenvolvimento trabalha o medo da expressão, do julgamento, ansiedade, autoestima, segurança em grupo.
32
4.1 - O Atelier Terapêutico
O atelier terapêutico ou setting terapêutico é um ambiente apropriado,
acolhedor e continente, equipado com os devidos recursos e materiais que
possibilitam a prática da arteterapia, facilitando que imagens possam se materializar
através do fazer artístico. Trabalha-se o desenvolvimento da criatividade e o produto
da expressão, entendendo melhor o paciente e ajudando-o no processo de busca do
equilíbrio e de integração de si mesmo.
De acordo com Chiesa,
O trabalho em atelier terapêutico facilita que imagens internas
carregadas de emoção possam emergir, tornar forma corporificando.
Segundo Ciornai (1994) essas imagens ganham concretude e aquilo
que parecia intocável pode ser tocado. Philippini (2002) acrescenta
que a cada encontro arteterapêutico o processo criativo é fortalecido
e imagens, sensações e sentimentos se materializam tornando
visível aquilo que estava difuso. (CHIESA, 2004, p. 40).
Na Arteterapia não existe barreira quanto à faixa ou idade cronológica, sexo,
podendo atender crianças, adolescentes, adultos, terceira idade, portadores de
deficiência e especiais em geral - individuais ou em grupo.
Allessandrini (1996) refere-se à arte como uma facilitadora do processo que
promove transformações e re-significações. Através da arte, descortina - se as
sensações, as imagens, integram-se aspectos do eu mais profundo e explodem
mudanças nos padrões mentais, conscientes e inconscientes. Além disso, ajuda o
indivíduo a descobrir o universo de habilidades intelectuais existentes no potencial
cognitivo que se apresenta através da linguagem não- verbal.
Para possibilitar ao indivíduo a concretização de sua imagem interna e de
modo significativo, é preciso que tenha à disposição um facilitador que use o recurso
33
da arte e um espaço que favoreça o desenvolvimento desse potencial criativo: o
arteterapeuta e o atelier terapêutico.
O arteterapeuta é um cuidador do outro que, com um olhar atento e
observador estabelece uma relação amorosa com o grupo ou o indivíduo, como
também é o facilitador que auxilia na escolha do material, acolhe e escuta as
queixas da pessoa, sem julgá-la.
Em um ambiente seguro e acolhedor o arteterapeuta convida o indivíduo a
entrar em contato com seus sentimentos, usando como ferramenta a arte e suas
diversas formas de expressão, gerando um produto final.
Conforme Saviane:
O atelier terapêutico integra a linguagem, a história da arte, o material,
a técnica, os instrumentos, o processo e ao produto. O foco está no
desenvolvimento criativo na arte fazendo ponte para o criativo na vida
do indivíduo. (SAVIANE, 1997, p.17)
O produto final serve como um registro para reflexão junto ao paciente sobre
suas questões que eventualmente passa a compreender com maior clareza.
Para Chiesa:
Dentro de um atelier terapêutico, tudo é importante, o som, as
sensações, os sentimentos, os pensamentos responsáveis para
despertar o ato criador de cada um, e dessa maneira, proporciona
um viver de forma mais criativa. (CHIESA 2004, p. 48).
Em conformidade com a mesma autora (2004), o combustível do atelier
terapêutico é a criatividade. O atelier terapêutico é um espaço consagrado à criação,
um laboratório de experiências, um lugar acolhedor que possibilita a expressão, a
comunicação e a construção.
34
Também favorece a criação através de diferentes materiais como: argila,
gesso, lápis de cor, tintas variadas, madeira, tecido, papéis diversos, massa de
modelar, sementes, etc, e dá-se à oportunidade de utilização de técnicas como :
criação de desenhos, modelagens, pinturas, recortes, colagens, maquetes,
confecção de mandalas, poesias, histórias e dramatizações, etc. É importante
salientar que a escolha e o estudo detalhado do material e da técnica é essencial,
pois cada um em particular, tem propriedades que mobilizam emoções e
sentimentos de maneiras diversificadas em cada indivíduo.
O arteterapeuta coloca à disposição ou oferece o material e escolhe a técnica
de acordo com a necessidade de seu cliente, despertando as potencialidades que
cada um traz.
Allessandrini (1996) criou uma metodologia para trabalhar no contexto de
atelier terapêutico que chamou de Oficinas Criativas® e diz que esse espaço
favorece a criação, onde o imaginário cria forma, adquire cor, aproximando-se de um
real personalizado, sentido e vivido com alegria.
O trabalho desenvolvido pelos arteterapeutas é o de estimular o fazer
artístico, observando durante a execução do trabalho, a linguagem verbal e corporal,
sem o compromisso com a estética. O fazer artístico abre um canal mais intuitivo e
perceptivo, amplia a consciência, transforma, pois no momento da criação, permitese que elementos assustadores da personalidade – medos e angústias – sejam
expressos no desenho, na pintura, na argila, na poesia, na dança, na colagem,
sendo essas, ações de libertação.
Sob esse ponto de vista, afirma Ciornai:
35
A arteterapia facilita este entrar em contato com o poder criador de
cada um; ao criar o belo, a pessoa entra em contato com o belo em si;
ao expressar raiva, revolta, indignação, a pessoa percebe a força do
seu poder pessoal. (CIORNAI, 2000, p.10).
O fazer criativo aponta novos caminhos para que a pessoa possa associar o
prazer àquilo que criou, é uma forma da pessoa dar concretude a sentimentos, os
quais, muitas vezes não são expressos verbalmente e sim, através de imagens,
símbolos, etc.
O homem tem em sua essência a consciência e a sensibilidade, seja qual for
o seu contexto cultural. Quer dizer, a consciência e a sensibilidade das pessoas
fazem parte de sua herança biológica, são qualidades comportamentais inatas, ao
passo que a cultura representa o desenvolvimento social do homem; configura as
formas de convívio entre as pessoas.
Nesta perspectiva, afirma Canclini,
A arte é uma atividade de expressão que evoca o criativo e abrange
todas aquelas atividades ou aqueles aspectos de atividade de uma
cultura em que se trabalha o sensível e o imaginário, com o objetivo
de alcançar o prazer e desenvolver a identidade simbólica de um
povo ou uma classe social, em função de uma práxis
transformadora. (CANCLINI, 1984, p. 207).
Para Ostrower (1987), é inato no homem o criar; o fazer espontâneo, entrar
em contato com o mundo que o cerca através do canal da sensibilidade. Todos
somos capazes de relacionar, de ordenar e de dar significados. O criar é um fator
interno que dá ao homem a oportunidade de se relacionar com o outro e expressar
sua alma com o mundo.
Conforme a mesma autora:
36
Ao criar, o artista não precisa teorizar a respeito de suas vivências,
traduzir os pensamentos e as emoções em palavras. Ele tem
mesmo que viver a experiência e incorporá-la ao seu ser sensível,
conhecê-la por dentro. Daí, espontaneamente, lhe virá a capacidade
de chegar a uma síntese dos sentimentos, naquilo que a experiência
contém de mais pessoal e universal, e de transpor esta síntese para
uma síntese de linguagem, adequando formas ao conteúdos.
(OSTROWER, 1995, p. 17).
Sob esse ponto de vista, Ostrower (1995), sugere que a linguagem da arte é
a linguagem sentida e vivenciada sensorialmente, através dos traços, linhas,
movimentos, gestos, cores, sons, cheiros.
Segundo Chiesa, (2000) o processo criativo gera experiências criativas em
rede, o que inspira, liberta e fortalece a construção da afetividade do indivíduo.
Essa mesma autora afirma que:
Um processo criativo que se ativa pode vir a libertar movimentos
expressivos que fazem nascer outros gestos criativos. Esses podem
nascer de simples manchas coloridas, mas que podem despertar
uma sensação do arco-íris, que traz a vontade de cantar. E o canto
pode abrir a porta para o afeto represado, que ao se soltar, traz
junto à palavra não dita, que assim, já pode virar poema. Um poema
pode inspirar os traços, que firmes podem configurar um projeto. E
assim se ordenam os fios dos afetos que tramam a urdidura, que
fortalece a rede de criatividade. E com cada experiência aumenta
seu campo de ação, gerando outras redes, que gerarão outras e
outras mais. E nessa grande teia, das artes da esperança e da vida,
cada vez que criamos podemos renascer e celebrar, sem medo de
sermos felizes. (PHILIPPINI apud CHIESA, 2000, p. 75).
4.1.2 - ETC –Continuum das Terapias Expressivas
37
Ao criar o artista modifica o seu estado interno, interagindo com os materiais e
vivências. Experimentar diversos materiais expressivos facilita o despertar para os
níveis: sensório - motor, perceptual - afetivo e cognitivo – simbólico, como também o
criativo, o qual está presente em todos os níveis.
Esses níveis citados representam os quatros tipos de interação com os
materiais, estudados por Kagin e Lusebrink (1978) no Continuum das Terapias
Expressivas (ETC).
No nível sensório / motor, através do movimento corporal, o indivíduo cria a
oportunidade de se desinibir pela ação. Toda a expressão utilizada é a gestual.
Nesta expressão todo o corpo se envolve na ação, pode haver um relaxamento que
possivelmente desencadeará em experiência curativa. A exploração de materiais
artísticos permite a internalização de imagens e o melhoramento da percepção de
sensações internas. Dessa forma, na interação com o material, tal vivência poderá
levar ao nível seguinte.
Nesse processo, o nível perceptual - afetivo, possibilita o indivíduo perceber a
forma, a configuração e associar afeto. A qualidade estrutural da expressão é
focalizada, tal como a definição de limites e a diferenciação de formas. Pode-se citar
como exemplo, a confecção do mosaico que ajuda a buscar uma maior organização
interna no indivíduo.
O
nível
cognitivo
-
simbólico
aborda
a
formação
de
conceitos,
sequenciamento, relações espaciais e mapas mentais, abstrações, bem como a
interação recíproca da verbalização e formação de imagens. Ao elaborar um texto e
verbalizá-lo, o indivíduo está realizando atividades do nível cognitivo.
Já o nível criativo pode estar presente em qualquer um dos níveis anteriores.
É possível haver uma síntese entre a experiência interior e a realidade externa, bem
38
como o indivíduo, realizar-se e, assim, ter uma experiência curadora, bem como um
melhor funcionamento emocional.
Jung relata:
Na medida em que conseguia traduzir as emoções em imagens, isto
é, ao encontrar as imagens que se ocultavam nas emoções, eu
readquiria a paz interior. Se tivesse permanecido no plano da
emoção, possivelmente eu teria sido dilacerado pelos conteúdos do
inconsciente. Ou, talvez, se os tivesse reprimido, seria fatalmente
vítima de uma neurose e os conteúdos do inconsciente destruir-meiam do mesmo modo. Minha experiência ensinou-me o quanto é
salutar, do ponto de vista terapêutico, tornar conscientes as imagens
que residem por detrás das emoções. (JUNG, 1975, p.158).
Vê-se aqui, ressaltada por Jung, a importância do indivíduo expressar através
da arte seus conteúdos internos, usando recursos expressivos e artísticos, traçando
o caminho do inconsciente para tornar-se consciente. É considerado fundamental,
que emoções escondidas se apresentem através das imagens, e que imagens
apareçam através das emoções. O homem pode, por intermédio do fazer artístico,
revelar um universo desconhecido.
5 - ENCONTRO COM O CRIATIVO
39
O objetivo deste capítulo é registrar e relatar a presente pesquisa que foi
desenvolvida em uma empresa de transporte rodoviário de passageiros, cujo público
alvo foi um grupo aberto constituído de motoristas e cobradores, do sexo masculino,
com a faixa etária de 22 a 60 anos, e 2º grau completo. Trata-se de um grupo de
funcionários que recebem, com uma certa freqüência, recursos e treinamentos pela
empresa, uma vez que lidam diretamente com o cliente.
O grupo denomina-se um grupo aberto porque sua constituição e duração são
pré-determinados. Desde o início havia o conhecimento que não estariam presentes
os mesmos participantes, devido à escala de trabalho de cada um dentro da
empresa. A média de presença foi de 15 participantes e mantiveram-se constantes,
8 a 10 participantes, em todos os encontros. O planejamento ficou definido em doze
encontros, sendo duas vezes por semana com duração de uma hora e meia.
O foco desse trabalho com o grupo foi registrar que, através da confecção de
mandalas, usando alguns recursos expressivos da arteterapia, o indivíduo libera
emoções, expressa seus conflitos internos, entra em contato com suas ansiedades,
medos, desenvolve o potencial criativo, colabora no processo de individuação e
busca o equilíbrio físico, mental, espiritual e a cura através das mandalas.
No primeiro contato com o grupo, houve o cuidado em organizar um espaço
físico acolhedor e propício para desenvolver as atividades. Preparar o espaço físico,
assemelhou-se à construção de um vaso alquímico, como se fosse uma grande
panela onde os ingredientes seriam depositados, cozidos, e transformados em
alimentos para todos.
Iniciou-se o trabalho, com uma dinâmica a Viagem, onde os 24 participantes
foram convidados a fazer uma viagem imaginária. Perguntou-se ao grupo se cada
um havia trazido sua mala com seus pertences, pois a mala do motorista –
40
arteterapeuta já estava pronta e era uma mala enorme, que continha os materiais
artísticos que seriam conhecidos e utilizados durante os encontros.
Indagou-se sobre a arrumação de uma mala para viagem, as expectativas em
relação aos companheiros de jornada e o tempo de duração; os imprevistos que
podem ocorrer, o retorno a ponto de partida e se a viagem acrescentaria
conhecimentos positivos ou negativos. Ao final, após brincar e descontrair, fez-se
uma analogia da viagem entre os próprios participantes do encontro: a viagem para
dentro de si mesmo.
Em seguida, abriu-se a mala para mostrar o seu conteúdo, satisfazendo a
curiosidade de todos.
Posteriormente, fez-se uma atividade com colagens de
gravuras ressaltando as expectativas de cada um em relação ao novo encontro que
se iniciaria, à família, ao lazer, trabalho e crescimento pessoal. Após a conclusão,
cada participante fez o relato de sua produção artística para o grupo. Essa troca
favoreceu a seguinte aprendizagem: a pessoa mais tímida aprendeu o caminho de
se colocar com mais segurança, em relação ao mais desinibido, e assim, vice e
versa. Nessa expectativa cabe a responsabilidade do arteterapeuta facilitar e
promover a troca dessas diferenças. Existem momentos em que o trabalho criativo é
extremamente individual, há um relacionamento amoroso com o material e com o
que está sendo realizado e existem momentos em que é imprescindível o diálogo
com o outro. O Eu e o Outro estão construindo juntos e, é como se estivessem
“misturados” na panela e, aos poucos, vão se diferenciando do outro, passam a ser
espelho onde enxerga-se aspectos de si próprio. É importante que cada um “retire”
dessa vivência, o que necessita para seu autoconhecimento.
O grupo demonstrou muito interesse, disponibilibilidade e curiosidade.
Segundo alguns relatos, no início pensaram que se tratava de mais um treinamento
41
oferecido pela empresa, pelo contrário, perceberam que a proposta arteterapêutica
era diferente das demais oferecidas pela empresa e que focava o bem-estar de cada
um,
onde
era
permitido
expor
sentimentos
e
emoções,
buscando
o
autoconhecimento.
Falou-se ao grupo, que em todos os encontros haveria um círculo,
denominado de “circulo mágico”, sobre o qual seriam dispostos todos os
participantes. Esse círculo foi usado nas conversas, nas sensibilizações, nos
relaxamento, na dança, e uma palavra ou uma frase expressava o sentimento
despertado pela atividade proposta.
Assim, o “círculo mágico” foi de grande importância para o fechamento do
encontro. Pois, é nesse momento, cada um expressou a sua produção, apontou
aspectos que chamou sua atenção, ou relatou algo que o mobilizou de alguma forma
durante a atividade. Todos ouviram as colocações dos colegas e, posteriormente
observaram os trabalhos uns dos outros.
O grupo sempre foi muito receptivo às atividades que eram propostas, visto
que, muitas vezes por se tratar de um grupo com elementos do sexo masculino,
supôs-se que se negariam a participar e surpreendentemente isso não aconteceu.
Nestes encontros, foram realizadas várias atividades, sempre destacando os
valores: confiança, desafio, desapego, flexibilidade, respeito, limite, união, gentileza,
persistência, conflito, perdão, busca de identidade e auto-estima.
Vários depoimentos referentes a mandala se destacaram, para a efetivação e
confirmação desta pesquisa. Sobretudo uma oficina livre onde se dispôs de vários
materiais para que cada um pudesse escolher e fazer uma mandala.
Ao realizar a atividade, todos trabalharam em silêncio com muita
concentração e serenidade. Após a conclusão fizeram os seguintes comentários.
42
G. desenhou o lado de dentro de um balão inflável, com se estivesse olhando
para cima. “Eu comecei a desenhar uma estrela e começou a aparecer o Leste,
Oeste, Norte e Sul. Aí, lembrei da minha adolescência, 27 anos atrás, eu e meus
irmãos. Eu nem pensei em lembrar disto. Há tanto tempo que eu não lembrava:” Foi
uma alegria lembrar deste balão.
Hoje eu posso fazer de novo, mas com
responsabilidade “
E. emocionou-se ao falar de sua produção artística que trouxe a tona
recordações da sua infância que estavam adormecidas. Ao começar traçando as
linhas dos quatro pontos cardeais. E experimentou o equilíbrio, a harmonia e a
ordem.
F. relatou que utilizou “também” quatro pontos cardeais: Leste, Oeste, Norte e
Sul, porque quero buscar meu objetivo na vida, buscar alternativas, ser o melhor em
tudo “.
R. ao falar de seu trabalho fez o seguinte comentário: “ Acho que a gente é o
centro, o resto em volta é o que a gente distribui com a família, lazer, trabalho e etc”.
C. fez um comentário muito engraçado sobre fazer mandala: “Oooooô! Ajudou
bastante. Acabou o stress... Quando to fazendo, a gente acaba lembrando de
alguma coisa”.
W. repartiu o círculo em várias partes, partindo do centro e comentou: “Eu
aprendi a repartir o meu tempo. Aprendi a separar família, lazer, trabalho, tudo o que
eu coloquei aqui. Estou procurando me agradar. Se eu agradar a mim, eu estou te
agradando. Eu também tenho metas e tenho que trabalhar para dar certo o que a
gente sonha. Estou buscando expansão”.
S. contribuiu dizendo que “gosta de usar é muitas cores. Seu mundo fica mais
colorido e relaxa!”.
43
L. relatou que buscou uma criança dentro dele. “Lá em casa, a gente não tem
tempo de se expor”.
Através
da
análise
feita
dos
relatos
com
tanta
simplicidade,
inquestionavelmente a confecção de mandala serviu para produzir uma ordem
interna, expressar sempre a idéia da busca de integração. Ao desenhar mandalas
facilitou o desbloqueio, estimulou a criatividade e emergiu sentimentos e
lembranças, que certamente estavam esquecidas.
À medida que se familiarizavam com os materiais e estavam sendo
apresentados a cada oficina, as produções tornavam-se cada vez mais estruturadas
e ricas em formas e cores.
Em outros encontros, proporcionou-se ao grupo a utilização de grãos e
sementes variadas, colagens com cordões, pinturas e colagens. Sempre nos relatos,
os participantes enfocaram palavras que demonstraram o quanto era prazeroso
fazer mandalas.”Relaxa um pouco... a gente esquece as coisas ruins para trás e só
lembra as boas”. É uma forma muito bonita, que, não tem definição ““.Foi um
relaxamento, esqueço de tudo... É uma forma de brincar. É “bão”. É bom, a gente
“distrai”. “É muito bom colorir e depois procurar a forma, a imagem”. “Sinto que o
mundo esta me olhando e eu olhando ele”.
Dessa maneira, com o trabalho efetuado, o diálogo com as produções
artísticas era estimulado, sem a preocupação em interpretar imagens ou olhar a
estética do trabalho, apenas o fluir do prazer do relato. A segurança e a confiança
para expressar o que sentiam foi facilitado pela produção artística.
No trabalho de grupo aberto o vínculo afetivo fortaleceu um pouco mais com
aqueles indivíduos que sempre estavam presentes nos encontros. Aos poucos o
arteterapeuta reconhece as preferências e as diferentes reações de cada um de
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acordo com o material usado.O grupo demonstrou indicativos de mudança, que
foram notados através da maneira de agir e falar durante as propostas
vivenciadas.Percebeu-se a valorização como pessoas, o reconhecimento da
importância da função exercida e a qualidade do relacionamento entre eles afirmado
através desse relato escrito por W. no último encontro:
“É pra mim, um projeto muito bom, para que possamos ser mais interessados
em nós mesmos, e descobrirmos os nossos potenciais, coisa que a gente esquece.
Pra mim foi super produtivo, pois aumentei a minha alto estima, aprendi a
repartir o meu tempo... A respeitar e ser respeitado.
Aprendi também a ter metas, fazer metas e levantar quando algum tropeço
acontecer.
Só tenho que agradecer a você por ter paciência, coisa que aprendi também
com você e dizer em nome de todos que sentiremos de alguma forma.
Falta de você!
Desta forma fica registrado o quanto o trabalho arteterapêutico enriquece,
promove transformações, descortina novos olhares, integra aspectos do eu e
proporciona mudanças no ser humano.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Arteterapia é uma modalidade terapêutica que facilita o acesso a todos os
sentidos do ser humano dentro de diferentes níveis de consciência. Através de
técnicas apropriadas oportuniza-se a expressão de emoções e, sentimentos por
meio de imagens e símbolos.
Este trabalho realizado permite confirmar através de observação, estudo e
pesquisa a eficácia do trabalho arteterapêutico, tendo como caminho de cura, a
mandala, “círculo mágico”, que representa, a unidade e totalidade da psique.
Confirma-se o poder da mandala, como símbolo, ligada à história do homem, as
imagens arquetípicas que estão presentes no inconsciente coletivo da humanidade.
Assim, nos atendimentos arteterapêuticos, através da expressão artística,
manifestou-se todo o potencial criativo de cada participante do grupo de motoristas e
cobradores e percebeu-se uma transformação interna, resultado do esforço de cada
um em acreditar que é capaz. Com a Arteterapia o grupo deixou que a criança
adormecida viesse à tona espontaneamente, confirmando através das atividades
artísticas que não existe o “feio” e o “errado”, apenas a pureza de expressão com os
traçados e as cores, as danças e a simplicidade de expor e analisar-se. A impressão
inicial, demonstrada nos primeiros encontros, da incapacidade de desenhar, colorir,
pintar, dançar foi aos poucos sendo substituída pela coragem de enfrentar novos
desafios, sem medo de errar ou ser criticado pelos companheiros.
Considerando os pontos relevantes que foram anteriormente apresentados
neste trabalho, desde a expressão artística em forma circular e todas as afirmações
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que envolvem a mandala como fonte de cura, os indicadores de mudanças
apresentados nos encontros arteterapêuticos realizados, os inúmeros estudos que
enriqueceram para que a hipótese desta pesquisa fosse confirmada, pois através de
relatos e produções artísticas a mandala afirmou ser um recurso arteterapêutico
eficaz na busca do autoconhecimento
e tem a poderosa força de ser um
instrumento curativo .
7. ANEXOS :
Figura 1/2 - G. desenhando o lado de dentro de um balão inflável como se estivesse olhando
para cima.
Figura 3/4 – E. disse que experimentou o equilíbrio, a harmonia e a ordem.
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Figura 5/6-F. fez os quatro pontos cardeais. Seu objetivo na vida, buscar alternativas, ser o
melhor em tudo.
Figura 7/8- R. considera que ele é o centro e distribui com a família , lazer, trabalho, etc.
Figura 9/10- C. comentou que o stress acaba e ajuda a lembrar de alguma coisa.
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Figura 11/12- W. repartiu o círculo em várias partes e comentou que aprendeu a repartir o seu
tempo.
Figura 13/14- S. gosta de usar muitas cores e diz que o seu mundo fica mais colorido e relaxa.
Figura 15/16- L. relatou que buscou uma criança dentro dele.
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Todas as mandalas acima em forma de uma grande mandala.
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Grupo confeccionando mandalas com grãos.
Resultado do trabalho feito com grãos.
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