Forma de Autoconhecimento na Arteterapia
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Forma de Autoconhecimento na Arteterapia
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu MANDALA – FORMA DE AUTOCONHECIMENTO NA ARTETERAPIA Rosângela Pellosi de Freitas Uberlândia, MG 2007 ROSÂNGELA PELLOSI DE FREITAS MANDALA – FORMA DE AUTOCONHECIMENTO NA ARTETERAPIA Monografia apresentada à FIZO - Faculdade Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientador: Prof. Esp. André Luiz De Biagi Borges Uberlândia, MG 2007 FREITAS, Rosângela Pellosi de. Mandala – Forma de Autoconhecimento na Arteterapia Rosângela Pellosi de Freitas – Uberlândia; [s.n.], 2007. 49 p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO, Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP. 1. Arteterapia MG/BGSF 2. Mandala CDV.51 Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art MANDALA – FORMA DE AUTOCONHECIMENTO NA ARTETERAPIA Monografia apresentada pela aluna Rosângela Pellosi de Freitas ao curso de Especialização em Arteterapia em ___/___/2007 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: Prof. Esp. André Luiz De Biagi Borges , Orientador Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização Profa. Esp. Sandra Mara Santamarina, Leitora Crítica Agradecimentos A todos que colaboraram direto ou indiretamente para a realização deste trabalho. “A verdadeira viagem de descobrimento consiste não em procurar novas paisagens, mas em possuir novos olhos.” Marcel Proust RESUMO A presente pesquisa resulta do estudo da mandala como instrumento de cura. Foca a confecção de mandalas, como um recurso arteterapêutico que auxilia o homem no processo de autoconhecimento, equilibrando as emoções. Pauta na abordagem analítica, com ênfase em Jung. A pesquisa fundamenta-se na Arteterapia como método processual de investigação e avaliação dos resultados. Discorre sobre os efeitos curativos que a mandala proporciona ao homem no nível físico, mental e espiritual. Descreve o desenvolvimento dos atendimentos arteterapêuticos e analisa os resultados desse processo. Assim, o trabalho objetiva mostrar que através da mandala como um recurso expressivo na Arteterapia, a energia irradiada é curadora e a magia a ela concebida faz com que haja a interação do homem com os fluxos construtivos e evolutivos do universo. Palavras – chaves: Arteterapia, mandala ABSTRACT The current research is derived from a study of the mandala as na instrument for cure. It’s focus is upon the confection of mandalças, as an arttherapy resource that aids man in the process of self-knowledge, though the balance of emotions. It establishes an analytical approach with emphasis on Junng. The research is based on art- therapy as a methodic process of investigation and evaluation of its rejults. The suruey suppues information regarding the healing effects tha the mandala offers to man on a physical, mental and spiritual basis. Also describes the development of art therapy as a treatment alternative and analyses the results of that process. Thus, the poll aims to demostrate that, as the mandala performs as a notorious resource in art- therapy, the energy irradiantd from it herals and the magic it constains causes an interaction betwrrn man and the constructive and evolutive flows of the universe. Key-words: “Art-therapy”, mandala. SUMÁRIO RESUMO........................................................................................................................ 06 ABSTRACT.................................................................................................................... 07 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 09 2.EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM FORMA CIRCULAR ................................................. 12 3 MANDALA- CAMINHO PARA A CURA .................................................................... 18 3.1- O caminho encontrado- Técnicas Arteterapêuticas de se fazer mandalas ............... 23 3.1.1- Pintura .................................................................................................................... 23 3.1.2- Desenho ................................................................................................................. 24 3.1.3- Mosaico .................................................................................................................. 25 3.1.4-Colagem .................................................................................................................. 26 3.1.5- Sucatas .................................................................................................................. 27 3.1.6- Barro ....................................................................................................................... 27 4. ARTETERAPIA – UM CAMINHO .............................................................................. 29 4.1- Atelier Terapêutico ........................................................................................ 31 4.1.2-CTC- Continnum das Terapias Expressiva .................................................. 36 5. O ENCONTRO COM O CRIATIVO ........................................................................... 38 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 44 7. ANEXOS..................................................................................................................... 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 51 10 1- INTRODUÇÃO O homem está inserido em um mundo em constante evolução e possui o poder de atuar sempre de maneira positiva e transcendente. Através da purificação de seus pensamentos, palavras e ações, colabora para que as vibrações energéticas do planeta sejam curadoras, o que terá como resultado a evolução espiritual da humanidade. Buscar o autoconhecimento é o caminho seguro para o equilíbrio e ao cruzar as energias psíquicas em uma grande rede buscando a harmonia interior, o homem estará tecendo o destino de cada um de nós. Através do poder pessoal e dos recursos da imaginação ele tem a capacidade de conectar-se com as forças curadoras que o Universo disponibiliza e experimentar o Poder Divino. É preciso burilar emoções primitivas e ter um coração íntegro para que o processo de cura possa se manifestar. Assim sendo, toda busca para compreender o caminho da espiritualidade, para transcender o raciocínio lógico e deixar desabrochar o conhecimento intuitivo, seja através da simbologia, da arte ou da religião, é uma tentativa de buscar a perfeição. O mundo está fragmentado e desintegrado e em nenhuma outra época a humanidade precisou tanto do poder da cura. Dessa forma, o presente trabalho pesquisa a confecção de mandalas como um recurso expressivo favorável na mudança da energia da psique, na estimulação da mente, no equilíbrio das emoções, bem como na representação de uma fonte de cura para o homem. A mandala está associada à meditação e ao sagrado e pode levar ao encontro com os mistérios da alma e à busca do autoconhecimento. O círculo é um elemento importante para o homem desde os tempos remotos. Nascemos num planeta circular e o círculo é a expressão de totalidade, é símbolo de 11 harmonia e iluminação do homem. Jung adotou a palavra sânscrita mandala para descrever os desenhos circulares que ele e seus pacientes faziam. Mandala significa centro, circunferência ou círculo mágico. Aparece em todas as religiões e na Psicologia representa a unidade e a totalidade da psique, abrangendo o consciente e o inconsciente. Durante a confecção de uma mandala, o homem experimenta a sensação de beleza, harmonia, equilíbrio e prazer e a magia evocada ao contemplá-las, registra a energia psíquica sendo projetada para a cura. As mandalas têm elementos comuns: a forma circular ou quadrangular, o ponto central e a repetição de formas são constantes. Ao desenhar mandalas cria-se algo sagrado, e a linha circular representa o limite entre o Divino e o mundano. Toda mandala tem uma emanação vibracional e estimula a mente, equilibra as emoções e ativa os processos físicos, ajudando a restabelecer as funções psíquicas – é uma fonte de cura. A presente investigação refere-se a uma pesquisa descritiva, que foi desenvolvida a partir de um estudo de caso realizada em uma empresa de transporte rodoviário de passageiros na cidade de Araguari, cujo foco foi desenvolver um trabalho com um grupo aberto de motoristas e cobradores com faixa etária entre 22 e 60 anos. Diante disso, os atendimentos arteterapêuticos suscitaram observações que geraram indagações, as quais conduziram esta pesquisa: O uso da confecção de mandalas como recurso arteterapêutico auxilia no processo de autoconhecimento e realização pessoal? Quais os materiais e técnicas expressivas da Arteterapia que contribuem na confecção de mandalas? 12 Quais indicadores de mudança podem comprovar que, ao fazer mandalas, o indivíduo expressa suas questões internas e busca equilíbrio físico, mental e espiritual? A partir dessas questões, a presente pesquisa tem como objetivo compreender, através do estudo de caso, que a confecção de mandalas, como técnica arteterapêutica, harmoniza o interior do indivíduo e ajuda na busca de paz interior. Mediante tal análise, formulou-se a seguinte hipótese: A mandala – figura secular, e expressão do self – tem a poderosa força de ser um instrumento curativo nos níveis material e espiritual do homem. O presente trabalho está estruturado por meio de capítulos para que o leitor possa compreender melhor esse processo. O primeiro capítulo, intitulado ”Expressão Artística em Forma Circular” enfoca o círculo com a sua significação de totalidade do universo e da alma e como sua expressão artística ajuda na organização e no fortalecimento da psique. O segundo capítulo, cujo nome é “Mandala: Caminho Para a Cura”, discorre sobre a importância da Arteterapia como um canal de comunicação que possibilita identificar os sentimentos por meio de imagens e símbolos, no processo de transformação pessoal. O terceiro capítulo, “Arteterapia - Um Caminho”, relata a utilização da confecção de mandalas como um caminho para o autoconhecimento e relata também, como a forma circular representa um princípio estruturador do mundo interno. O quarto capítulo, intitulado “Encontro Com o Criativo”, trata da análise da técnica de fazer mandalas, através de um estudo de caso realizado com o grupo de 13 funcionários do sexo masculino, de motoristas e cobradores, em uma empresa de transporte rodoviário de passageiros. E, finalmente, traz as considerações finais bem como o referencial bibliográfico. Desse modo, considera-se a apresentação de todo este estudo realizado como um marco importante para o desenvolvimento integral e profundo do ser humano. 14 2 - EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM FORMA CIRCULAR Desde o começo na fase embrionária, o indivíduo constitui-se a partir de uma célula-ovo que tem a forma circular. O ambiente materno, o útero que acolhe o embrião tem essa forma tão antiga e traz lembranças que poderiam se associar ao Sistema Solar, ao Planeta Terra, a uma célula cuja estrutura é composta de um núcleo, ou mesmo a cada átomo. Ou ainda trazer lembranças que poderiam se associar aos desenhos em forma circular dos homens pré-históricos, às garatujas de um bebê, ao movimento dos ponteiros de um relógio, etc. Nessa perspectiva, Zatyrko faz a seguinte consideração: O círculo é um dos símbolos de maior representatividade e de maior poder de significação que já existiu na história. [...] É sempre associado a um Deus ou uma situação de poder e transcendência. Como expressão de totalidade, ou globalidade, ele também é usado como uma representação do céu e do espírito. (ZATYRKO et al. 1997, p. 16) O círculo aparece nas civilizações antigas, representando o eterno no tempo e no espaço. Sua representação no Zen-budismo é a perfeição humana. Conforme Jung (1964, p. 241), “Na seita Zen, o círculo representa o esclarecimento, a iluminação. Simbologia da perfeição humana”. De acordo com Zatyrko (1997), na cabala, a forma circular quando inserida num quadrado, representa a força da cultura cristã. Essa forma é encontrada em todas as artes, principalmente nas rosáceas e abóbadas das igrejas medievais e na auréola que aparece nas imagens dos santos. Na Grécia, tem-se o Uroboro, símbolo da serpente que engole a própria calda formando um círculo, assim como a simbologia da roda da vida remete à idéia do ciclo eterno das leis universais. No Tarô, a carta “Roda da Fortuna”, refere-se ao movimento e à estabilidade, à 15 transitoriedade e à transcendência, ao tempo e ao eterno. Na Índia e no Extremo Oriente, o círculo está presente nas imagens religiosas que servem à meditação. Segundo Zatyrko (et. al. 1997, p. 17, grifo do autor), “O centro do círculo, o ponto adimensional, é chamado de BINDU. Ele representa o ponto primordial de toda a criação, o ponto que encerra, num nível transcendental, a Unidade e a Totalidade.” O centro de uma figura circular é o ponto de onde o desenho se desenvolve. Esse ponto principal, citado por Zatyrko, é o local indicador do foco visual que atrai o olhar de um observador, um elo de ligação. De acordo com Fincher: O círculo delimita um espaço. O que está dentro dele encontra-se projetado, fortalecido e circunscrito [...]. E evoca a idéia de movimento: a rotação dos planetas, a agitação das águas e as etapas espiraladas da cerimônia, do culto e da brincadeira. [...] O círculo é amplamente aceito como um símbolo da eternidade: uma linha sem começo nem fim representa o tempo, sem começo nem fim. Isso faz dele um símbolo apropriado de Deus. (FINCHER, 1991, p.151). Encontram-se formas circulares também na arquitetura, no traçado das cidades, na agricultura, nas danças e, sobretudo, nas formas criadas pela natureza, e todas elas têm um elemento comum – o núcleo – um ponto central. O círculo na arquitetura ocupa um lugar relevante, embora às vezes não se perceba. Ele está presente no plano básico das construções circulares e sagradas, bem como, nas construções modernas. Neste contexto, Jung relata a história do nascimento da cidade circunscrita em uma forma circular: De acordo com Plutarco, Rômulo mandou buscar arquitetos na Etrúvia, que lhe ensinavam costumes sacros e leis a respeito das cerimônias a serem observadas [...] Primeiro cavavam um buraco 16 redondo – onde se ergue agora o Comitium ou Congresso – e dentro dele jogaram oferendas simbólicas de frutos da terra. Depois cada homem tomou um pouco de terra do lugar onde nascera e jogou-a dentro da cova feita. A esta cova deu-se o nome de mundus (que também significa cosmos). Ao seu redor Rômulo, com uma charrua puxada por um touro e uma vaca, traçou os limites da cidade em um círculo. [...] a cidade fundada sob esta cerimônia solene tinha forma circular. (JUNG, 1964, p. 242, grifos do autor). A herança de tal feito repercute na cultura arquitetônica da atualidade, cuja manifestação, para além de linhas circulares, revela aspectos da psique 1 humana. Neste contexto, o mesmo autor afirma que: Toda construção, religiosa ou secular, em forma circular é uma projeção da imagem arquetípica do interior do inconsciente humano sobre o mundo exterior “A cidade, a fortaleza e o templo tornaramse símbolos da unidade psíquica e, assim, exercem influência específica sobre o ser humano que entra ou que vive naquele lugar”. (JUNG, 1964, p. 243) O homem contemporâneo, na maioria das vezes, constrói suas casas em formas retangulares e não circulares. As formas retangulares revelam a prioridade dada ao aspecto material. Na construção das igrejas, a grande maioria dos templos segue uns estilos geométricos, cuja simbologia revela o homem, representado pelo quadrado, em sua busca pelo Divino, representado pelo círculo. Em concordância, Dalke enfatiza que: Vistas do alto todas as igrejas em estilo de basílica, bem como os templos ortodoxos gregos, obedecem exatamente ao traçado fundamental dos inatos tibetanos: a ligação do cubo (quadrado para o mundano) e da esfera na cúpula (a esfera e o círculo representam o divino). (DALKE, 1985, p. 201). 1 Psique: conforme Dorsh (2001 p. 277). ”era o conceito grego para self (si mesmo) , abrangendo as idéias modernas de alma, ego e mente. Do grego “ psycheins “ soprar é uma palavra ambígua que significava originalmente alento, e posteriormente, sopro. Dado que o alento é uma das características da vida, a expressão psique era utilizada como sinônimo de vida por fim, como sinônimo de alma, considerada o princípio da vida. A psique seria então a “alma das sombras” por oposição à alma do corpo.” 17 Conforme cita Andrade (2000), é importante ressaltar que, Nise da Silveira, em um Centro Psiquiátrico, no Rio de Janeiro, desenvolveu trabalhos de expressão artística com doentes mentais e observou a repetição de imagens e figuras em agrupamentos simétricos e formas circulares, as quais indicavam a tentativa da psique de organizar o próprio interior. Sob o ponto de vista de Fioravanti (2003), o círculo – símbolo do céu – separa o espaço sagrado do profano e indica a área de ação de Deus, a abrangência de seu poder ilimitado que se irradia em todas as direções. Na agricultura, segundo Willy (2003), o uso de plantio em círculos, ultimamente utilizado pelos agricultores como representação do Universo, configuram-se por desenhos concêntricos. A plantação em forma circular começa a partir de um círculo central seguida de outros nove círculos que representam os planetas. A horta é plantada com diversas culturas intercaladas, em cujo centro encontra-se o reservatório de água, representando o sol. O mesmo autor explica: Vamos trilhando um processo modular onde, com baixo custo você começa a produzir o primeiro círculo. Somente quando ele está produzindo você passa para o segundo e terceiro e assim por diante ate chegar o último. (WILLY, 2003 p. 05). Na dança, segundo Wosien (1996), o círculo contém em si mesmo as idéias de incorporar, dar, receber e excluir. As danças circulares são primordiais, poderosas e universais. Sob o ponto de vista desse autor: A dança foi sempre uma atividade comunitária, na qual se unem o som, o ritmo e o movimento. Expressa-se no afã por descarregar as tensões psicológicas, no jogo dos membros do corpo que desemboca em movimentos ritmicamente regulados, no bater de palmas, em golpe sobre os músculos e no chão, ou com os pés; nas etapas primitivas da dança, o corpo humano era o instrumento produtor de sons. (WOSIEN, 1996, p. 17). 18 O mesmo autor (1996) afirma ainda que a dança circular imita o movimento do céu, possibilitando ao homem experimentar a realidade em torno de uma referência central, pois o céu encontra-se no centro, imóvel. As danças circulares sempre estiveram presentes, em todas as épocas, na cultura dos povos do mundo inteiro, sendo uma das mais antigas formas pela qual se pode conseguir o contato e a harmonização da natureza individual e grupal. Em todo planeta a forma circular está presente e na natureza, conforme Dalke (1985), desperta a idéia de infinito, que não tem começo e nem fim, desde o corte de um galho, de um tronco a um grão de semente, a uma fruta, cuja forma quase sempre esférica, às vezes tem um caroço, um centro. É importante ressaltar que a expressão artística em forma circular ajuda o indivíduo na organização e no fortalecimento da psique, além de facilitar o contato com a essência ou self 2 e auxiliar na canalização de energias criativas. Essas considerações podem ser confirmadas nas palavras de Jung retiradas da obra “O homem e seus símbolos’”. O círculo é um símbolo da psique (o próprio Platão descreveu psique como uma esfera); o quadrado (e muitas vezes o retângulo) é um símbolo da matéria terrestre, do corpo e da realidade. [...] Mas não devemos desprezar a freqüência com que aparecem o quadrado e o círculo. Parece haver um impulso psíquico constante para trazer à consciência os fatores básicos de vida que eles simbolizam. (JUNG, 1964, p.249). Traçar a maneira de ser com lápis ou pincel, com cores e formas, sobretudo as circulares, organiza internamente o ser, leva-o a entrar em contato profundo com seus sentimentos, a ter uma maior consciência de si e do mundo que o rodeia. 2 Self: Totalidade absoluta da psique, centro. (Von Franz, 1964, p. 161). 19 3 - MANDALA – CAMINHO PARA A CURA O homem ao buscar uma relação harmônica com a natureza, deixa fluir sentimentos como o perdão, desapego, liberação e amor nas suas relações, e abre as portas para o Sagrado, para a cura e, por conseguinte, fecha-se para o desequilíbrio, a dor e o medo. Mesmo no enfrentamento de um mundo agitado e apressado, como é o mundo dos homens desta época atual é possível encontrar o Caminho da Cura. Segundo Gramacho: O poder da cura está dentro de nós. Se buscarmos o silêncio, o estado de meditação, se procurarmos nos ouvir e conseguirmos escutar a nossa alma, saberemos o que é preciso fazer para deflagar o processo de cura. (GRAMACHO, 2002, P. 22). Sabe-se que o amor é a mais poderosa energia de cura que o ser humano pode acessar, pois ela está dentro de cada um. A capacidade de dar e receber, de vincular-se, de manter o equilíbrio é fundamental para acessar as forças curativas que o universo disponibiliza para nós. Conforme o mesmo autor (2002 p. 21), “Um dos instrumentos de cura usados pelos povos indígenas do Norte e do Sul é a Roda de Medicina, também chamada de Elo Sagrado”. Quando se reúnem e armam a Roda é realizado um ritual de poder no qual são utilizadas as energias das Quatro Direções – Norte, Sul, Leste, Oeste –, dos animais, das pedras e cristais, dos quatro elementos – terra, água, fogo e ar. Sob este ponto de vista, Gramacho afirma que: Na Roda de Medicina – uma antiga e poderosa representação do Universo, podem identificar o poder dos símbolos e da necessidade de estarmos conectados e harmonizados com todas as demais 20 manifestações de vidas existentes no Planeta [...]. (GRAMACHO, 2002, p. 22). Para se adquirir o poder interno da cura necessita-se utilizar todo o poder pessoal, os recursos da imaginação, bem como, conectar-se com todo o planeta através da intuição, usando-se o princípio da reciprocidade, da capacidade de amar, dar e receber. Gramacho (2002), afirma que todo processo de cura passa, necessariamente, pelo coração. Diante disso, a confecção de mandalas torna-se um meio eficaz para conectar-se com o coração e, assim, estabelecer um ponto de equilíbrio e um vínculo de harmonia com o Universo. De acordo com Chevalier: A mandala é literalmente um círculo, ainda que seu desenho seja complexo e muitas vezes se encerre em uma moldura quadrada [...] A mandala é ao mesmo tempo um resumo da manifestação espacial, uma imagem do mundo, além de ser a representação e a atualização de potências divinas; [...]. (CHEVALIER, et al, 1999, p. 585, grifos do autor). Conforme Fioravante (2003), em sânscrito3, mandala literalmente significa círculo e centro. Seu desenho tradicional sempre utiliza o círculo, símbolo do cosmo e o quadrado, símbolo da terra ou do homem no mundo. Ela é tão antiga quanto o ser humano, posto que, nas pinturas das cavernas foram encontrados desenhos préhistóricos em forma circular. Segundo Chavalier et al (1999), na tradição tibetana, a mandala é o guia imaginário e provisório da meditação, manifestando, em suas combinações variadas de círculos e de quadrados, o universo: espiritual e material. Segundo Juns: 3 Sânscrito: conforme Ferreira (1982, p. 1268), antiga língua clássica da Índia, a mais velha da família indo-européia. 21 Jung recorre à imagem da mandala para designar uma representação simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida. Ele observou, assim como seus discípulos, que essas imagens são utilizadas para consolidar o ser interior [...] A contemplação de uma mandala inspira a serenidade, o sentimento de que a vida reencontrou seu sentido e sua ordem. [...] As formas redondas simbolizam em geral, a integridade natural, enquanto a forma quadrangular representa a tomada de consciência dessa integridade. A mandala possui uma eficácia dupla: conservar a ordem psíquica, se ela já existe; restabelecê-la, se desapareceu. Neste último caso exerce uma função estimulante e criadora. (JUNS, 213-215-227 apud CHEVALIER, 1999, p. 586, grifos do autor) As mandalas, conhecidas como círculos mágicos, sempre tiveram destaque em rituais, em toda localização geográfica do Planeta. Jung descobriu que criar, fazer ou até mesmo sonhar com mandalas é parte do processo de individuação. 4. Ele afirmava que ao fazer uma mandala, o indivíduo trabalha a própria alma, podendo vir resolver os seus conflitos e ansiedades, e ao expressar, na forma simbólica, suas questões internas. Segundo Fincher (1991), Jung incentivava seus pacientes a criarem mandalas. Ele mesmo as produzia diariamente. Fincher conta que Joan Kellogg as utilizava como recurso arteterapêutico e afirma que: A mandala pode ser empregada como um caminho válido por si só, como um veículo para a autodescoberta. Ao segurar o fio de Ariadne, o indivíduo se lança numa jornada em direção ao Self, sem garantia de chegada, apenas com a esperança de eterna transformação. (KELLOG apud FINCHER, 1991, p. 39). Fincher (1991), comenta que a mandala ativa forças integradoras da psique, religando a teia da vida e harmonizando no indivíduo os seus aspectos conflitantes. Neste contexto, a mesma autora afirma que ao se criar uma mandala, gera-se um símbolo revelador acerca de quem o indivíduo é, num dado momento, e confirma: 4 Individuação: conforme Jung (1986, p. 76), processo pelo qual um ser torna-se um indivíduo psicológico, isto é, uma unidade autônoma e indivisível, uma totalidade. 22 O círculo que desenhamos contém – e até atrai – partes conflitantes da nossa natureza. Mas, mesmo quando faz um conflito vir à tona, o ato de criar uma mandala produz uma inegável descarga de tensão. Talvez porque a forma do círculo nos recorde o isolamento seguro do ventre. [...] Desenhar um círculo talvez seja algo como desenhar uma linha protetora ao redor do espaço físico e psicológico que identificamos como nós mesmos. [...] Quando fazemos uma mandala, criamos nosso espaço sagrado, um lugar de proteção, um foco para a concentração de nossas energias. (FINCHER, 1991, p. 39). O círculo delimita uma superfície, um espaço a ser trabalhado, demarca um território enquanto sua forma representa um princípio estruturador do mundo interno. Condensam-se neste espaço experiências, expectativas e necessidades. Focalizase e mergulha-se no mundo criativo, criando uma imagem. Na confecção da mandala e na estruturação desta imagem, inicia-se um movimento de diferenciação referente à escolha do material, das cores, das formas. Entra-se, dessa forma, em um mundo desconhecido. A partir daí, emergem-se as inspirações, dando início a um processo de gestação. Arcuri afirma que: As mandalas são [...] muito presentes em nossas vidas ainda que não a percebamos. [...] na natureza, temos várias mandalas: um girassol, a lua, o sol, um olho, uma estrela etc. Jung chamou essas imagens de arquétipos5 porque são tão antigas quanto a alma do homem. (ARCURI, 2004, p. 80). Em hospitais psiquiátricos, surgem com muita freqüência, desenhos em formas circulares. Nise da Silveira, na década de 40, inconformada com as práticas psiquiátricas utilizadas, criou uma seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro e, através do fazer artístico, os resultados positivos não demoravam a aparecer. 5 Arquétipos: Segundo Jung (1964. p. 67-68), é uma tendência para formar mesmas representações de um motivo que pode ter inúmeras variações de detalhes sem perdas a sua configuração original (...) uma tendência instinta. 23 Mello (1982) relata a descoberta de Nise da Silveira a respeito do valor curativo dos trabalhos expressivos realizados pelos pacientes psiquiátricos: [...] surgem imagens inusitadas, temas e símbolos recorrentes que a intrigam [...] observa que muitas dessas imagens configuravam formas circulares ou próximas do círculo – símbolos de unidade e ordenação – extremamente semelhante a imagens utilizadas para meditação ou representação de divindade em religiões orientais (mandalas). [...] Resolveu escrever para Jung, remetendo várias imagens produzidas por seus pacientes e a resposta não tardou: eram mesmo mandalas e correspondiam ao potencial autocurativo da psique em oposição à dissociação, ao estado de confusão psíquica do ser, uma manifestação do inconsciente para compensar a situação caótica vivida por esses indivíduos. (MELLO, 1982. p.7) Jung (1986) declara que a confecção de mandala faz atingir a expressão do eu (si-mesmo) e que outros estudiosos sobre esse assunto, poderiam ir além. Mais tarde, por volta de 1927 através de um sonho confirmou as idéias sobre o centro e o “si-mesmo”. Pintou uma mandala que tinha no centro um castelo de ouro o qual considerou ter um ar chinês. Em seguida recebeu uma correspondência de Richard Wilhelm junto a um tratado alquímico chinês taoísta intitulado o Segredo da Flor de Ouro. Jung imediatamente percebeu que o manuscrito revelava a mesma imagem que havia pintado em sua mandala. A confecção de mandalas é uma técnica da arteterapia que pode ser utilizada para a abertura, e fechamento de processos, mas podendo ser também proposta no desenvolvimento de todo o trabalho arteterapêutico. Pode ser realizada através de vários recursos: a partir de um tema, de um relaxamento, de um conto, uma fábula, ou surgir espontaneamente. As técnicas de confecção das mandalas podem ser utilizadas de diferentes formas – pintadas com tinta, giz de cera, lápis de cor, terra e confeccionadas a partir de colagens diversas, utilizando papéis coloridos, sementes, figuras, ou utilizando-se diferentes técnicas ao mesmo tempo. Certos procedimentos devem ser seguidos, 24 como traçar e recortar o círculo, e até escolher o material a ser utilizado. Em uma vivência dirigida, deve-se levar em conta os objetivos propostos, utilizando a técnica adequada ao indivíduo ou ao grupo, e quando for uma vivência livre, dá-se a oportunidade do material ser escolhido. 3.1 - O CAMINHO ENCONTRADO – TÉCNICAS ARTETERAPÊUTICAS DE SE FAZER MANDALAS. 3.1.1- Pintura Pintar mandalas tem por objetivo trabalhar o universo interior e desta forma, oportuniza-se ao indivíduo a transformação de tensões e medos em um momento tranqüilizante, fazendo a mente entrar em um estado de relaxamento. Segundo Arcuri (2004, p. 81), ”pintar mandala possibilita nos aproximarmos do símbolo que contém tudo: os dois lados da polaridade – ele não exclui nada, pelo contrário, inclui”. De acordo com Pain (1996) a forma está ligada ao movimento, enquanto a cor é somente sensação. A forma apela à abstração, ao reconhecimento do objeto, enquanto a cor provoca a sensibilidade e a intuição. A forma evoca o gesto. A cor traduz a emoção. A pintura utilizada em Arteterapia permite ao indivíduo exercitar novas maneiras de olhar a si mesmo e a tudo que o rodeia. É um dos caminhos mais interessantes para organizar e transformar sentimentos. Segundo Bello (1996), a pintura oferece a possibilidade de entrar em harmonia com uma ordem maior, criando uma certa fluidez nos sentimentos. O importante é que a pessoa deixe a emoção surgir através das cores. 25 A fluidez da tinta aquarelável, anilina com álcool induz, com a sua função liberadora, o movimento de soltura, de expansão, e assim, pode-se trabalhar o relaxamento dos mecanismos defensivos de controle. As cores quentes como o amarelo e o vermelho, ativas e dinâmicas, aceleram o metabolismo, enquanto que as cores frias , o verde e o azul , com característica balsâmica, acalmam. De acordo com Urrutigaray (2003), a pintura é uma das técnicas onde as emoções e sentimentos fluem com maior facilidade. É indicada para indivíduos mais racionais, controladores e contra-indicada para pessoas deprimidas quando a técnica utiliza uma tinta mais aguada. Com a tinta mais espessa, o controle dos movimentos é mais fácil. Quando utiliza-se a tinta líquida na pintura, pode-se uma produzir uma dificuldade de controle e, assim, provocar no indivíduo, situações que variam da tensão à satisfação. 3.1.2 – Desenho O desenho trabalha a coordenação motora fina, possibilitando uma reestruturação do mundo interno, pois trabalha a concretude, a percepção, o caminhar de um ponto até transformar em linhas. Pode ser realizado com lápis, caneta hidrográfica, pincel atômico, com giz de cera, pastel oleoso ou seco, carvão, tinta etc. De acordo com Machado, Para a Psicologia Analítica, essa forma de linguagem não verbal (...) pode ser útil principalmente se pensarmos em desenho. Nesta abordagem utiliza-se de vários meios para chegar a resolução do conflito e, o desenho pode dar ao terapeuta uma visão da dinâmica inconsciente do paciente. (MACHADO, 2001, p. 8). 26 Como descrito por Ciornai (1994), nos desenhos propriamente ditos, a relação figura – fundo, 6 começa a emergir e a se elaborar. Os espaços são preenchidos com ricos detalhes e as partes integram-se umas às outras, de tal forma que o trabalho, como um todo, forma uma gestalt7 unificada. É importante adicionar a mobilização como uma das qualidades do trabalho artístico. No instante da atividade artística, altera o estado de consciência, ajudando a enfocar o mundo interior, adentrando em um canal mais intuitivo e mágico, onde surpreende com as produções e com os significados que lhes atribuí. De acordo com Fiovarante, O desenho de uma mandala tem quase sempre uma estrutura geométrica, que divide o espaço em porções simétricas. A numerologia e a geometria são analisadas numa mandala de acordo com suas simbologias [...] Esses dois fatores determinam a chamada “vibração da mandala”. [...] Essa emanação vibracional tem muito a ver com as cores usadas, pois desenho e cor são inseparáveis numa mandala. (FIORAVANTE, 2003, p. 8), 3.1.3 – Mosaico É uma técnica simples que exige organização e paciência, permitindo o uso de diversos materiais, como sementes, conchinhas, madeira, emborrachado, botões, azulejos, casca de ovo e outros. A arte do mosaico dá oportunidade ao indivíduo de escolher, compor, dividir, juntar, criar. Na Arteterapia, entende-se que trabalhar com pedaços separados, dá 6 Figura-Fundo: segundo Ribeiro (1985.p. 258), os gestaltistas, existe uma reversibilidade, isto é, a Figura vira Fundo e o Fundo vira Figura, mas o que é percebido é o Figural. 7 Gestalt: conforme Ribeiro (1985. p 158), é uma teoria de personalidade e de psicoterapia que vem sendo continuamente desenvolvida por autores contemporâneos. O ser humano é um ser de relação (relação consigo mesmo, com o mundo, com os outros); totalidade, integração (a pessoa como uma unidade psique – corpo – espírito). 27 oportunidade ao indivíduo de poder juntar e construir um novo momento. A princípio provoca uma desestruturação, portanto deve ter cuidado ao usá-lo como técnica. De acordo com Pain (1996) essa técnica deve ser proposta não com o objetivo de fragmentar uma imagem, mas de buscar as vibrações coloridas. O mosaico é uma técnica para o indivíduo colar, organizar e assim, os seus conteúdos internos se reestruturaram, por isso é indicado principalmente para quem tem dificuldade de juntar e associar. 3.1.4 - Colagem Em confecção de mandalas, pode-se utilizar a técnica da colagem com diversas texturas de papéis, tecidos, materiais orgânicos, inorgânicos e outros. Ela permite a integração, a organização e é uma atividade estruturante. A colagem é uma atividade multiplicadora. Quando se trabalha com figuras previamente recortadas entra-se em contato com uma infinidade de símbolos muitas vezes sem consciência do seu significado. Colar é ligar uma coisa à outra. Estabelecer vínculo. Simbolicamente o ato de recortar ou rasgar os papéis e posteriormente reunilos, colá-los, recompondo-os, corresponde subjetivamente à vivência de cortes, rupturas, reparação, reorganização e estruturação. A colagem favorece a organização de estruturas pela junção e a articulação de formas prontas. Ao separar papéis, gravuras, sementes, contas que estão misturadas, oportuniza-se ao indivíduo escolher, discernir, reconhecer o que é dele e o que não 28 é, dando a chance de agrupar de acordo com a qualidade e assim, transformar o que está posto. 3.1.5 – Sucatas De acordo com a teoria de Urrutigaray (2003) as sucatas são materiais fáceis de conseguir e induzir à imaginação. Botões, caixas diversas, pregos, tampinhas, retalhos de tecidos, vidros quebrados, etc, podem provocar a criatividade e a satisfação de transformar e construir sem destruir. A técnica com o uso de sucata é um exercício lúdico de montagem, criação e inovação de algo já criado com configuração diferente. 3.1.6 – Barro Entrar em contato com o barro pode se transformar em uma técnica prazerosa que amplia as possibilidades criativas. É um material que coloca o indivíduo em contato com a natureza e com os quatros elementos – terra, água, ar e fogo. Chiesa (2004) afirma que o contato com o barro (argila) desperta a sensibilidade, alivia as tensões e satisfaz os mais profundos e primitivos instintos humanos da natureza criativa. Assim, para Ferretti (1994) quando esta porta se abre, o colorido do mundo se modifica e, ao entrar em contato com esta realidade, o indivíduo descobre o caminho da autocura e do mundo. Chiesa (2004) contribui afirmando que: 29 Da natureza secreta do barro percebe-se também um revelar e esconder – A concretude do barro desperta a psique de quem o manuseia e algo do próprio existencial do indivíduo acaba por revelar-se sem que agrida o seu silêncio, sem expor sua alma, seus medos. A revelação se dá no processo, o brilho cresce ao aproximar-se do centro da alma e só verão aqueles que tiverem olhos para ver. (GOUVÊA, apud CHIESA, 2004, p. 54). 30 4 - ARTETERAPIA - UM CAMINHO Margaret Naumburg e sua irmã Florence Cane são consideradas as precursoras da Arteterapia e da arte educação como método de psicoterapias e pedagogia. Andrade (2002) ao referir-se ao trabalho de Naumburg, demonstra que a auto-expressão criativa deveria ser priorizada por um currículo escolar, enfatizando as artes. De acordo com Urrutigaray (2003 p. 21), “Jung considerava o valor da utilização de técnicas expressivas como elemento propiciador do resgate do sentido de viver”. A mesma autora cita ainda que: No Brasil, Nise da Silveira se embasou teoricamente em Jung e trabalhou com oficinas expressivas, onde eram tratados pacientes esquizofrênicos, proporcionando oportunidades de expressarem seus desejos e suas emoções. (URRUTIGARAY, p. 23). A Arteterapia é o uso da arte como terapia. Embora seja uma atividade milenar, se desenvolveu há cerca de 60 anos. A Arteterapia consiste em um elemento terapêutico que facilita o acesso a todos os sentidos do ser humano dentro de diferentes níveis de consciência. Com técnicas apropriadas oportuniza-se a expressão de emoções e sentimentos através de imagens e símbolos, sem preocupação estética. O trabalho em Arteterapia propicia um canal de comunicação, claro e seguro que possibilita identificar os sentimentos, os bloqueios, melhorar a auto-estima, resgatar confiança e ajudar nos processos de transformação das pessoas. O homem moderno já se esqueceu há muito tempo, como expressar seu mundo interno. Quase todos dizem: “Eu não sei desenhar direito! Não tenho talento!” 31 Ou então: “isto está horrível”. Ficou para o homem moderno a impressão de que não é capaz de desenhar. “Isto é coisa para artista!” Sente-se tão bloqueado, devido às facilidades da tecnologia, que esquece como é riscar uma linha no papel. A Arteterapia trabalha primordialmente com o fazer artístico, (como desenhar, pintar espontâneo, sem julgamento.) em toda sua abrangência, e cuja expressão se dá através de imagens e símbolos, conforme explica Andrade: Ao dar livre curso as expressões das imagens internas, o indivíduo, ao mesmo tempo, em que as modela, transforma a si mesmo.Ao conhecer aspectos próprios se recria, se educa e, sobretudo pode experimentar, inserir-se na realidade de uma maneira nova. A pintura, o desenho e toda expressão gráfica ou plástica, bem como a música, a dança, a expressão corporal e dramática formam um instrumental valioso para o indivíduo reorganizar sua ordem interna, ao mesmo tempo reconstruir a realidade. (ANDRADE, 1993, p. 123) Mediante a concretização dos conteúdos internos através da arte, o indivíduo transcende à sua percepção consciente e através dos elementos simbólicos compreende seu inconsciente. Esse movimento estimula a experimentação de novas possibilidades e interesses, abrindo-lhe novos horizontes. As expressões artísticas refletem a maneira pessoal de relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo. Em empresas e instituições, o trabalho expressivo visa o desenvolvimento da criatividade, desenvolvendo o potencial pessoal e a diminuição do stresse dos indivíduos. Em escolas, a Arteterapia é empregada através do processo criativo, cujo desenvolvimento trabalha o medo da expressão, do julgamento, ansiedade, autoestima, segurança em grupo. 32 4.1 - O Atelier Terapêutico O atelier terapêutico ou setting terapêutico é um ambiente apropriado, acolhedor e continente, equipado com os devidos recursos e materiais que possibilitam a prática da arteterapia, facilitando que imagens possam se materializar através do fazer artístico. Trabalha-se o desenvolvimento da criatividade e o produto da expressão, entendendo melhor o paciente e ajudando-o no processo de busca do equilíbrio e de integração de si mesmo. De acordo com Chiesa, O trabalho em atelier terapêutico facilita que imagens internas carregadas de emoção possam emergir, tornar forma corporificando. Segundo Ciornai (1994) essas imagens ganham concretude e aquilo que parecia intocável pode ser tocado. Philippini (2002) acrescenta que a cada encontro arteterapêutico o processo criativo é fortalecido e imagens, sensações e sentimentos se materializam tornando visível aquilo que estava difuso. (CHIESA, 2004, p. 40). Na Arteterapia não existe barreira quanto à faixa ou idade cronológica, sexo, podendo atender crianças, adolescentes, adultos, terceira idade, portadores de deficiência e especiais em geral - individuais ou em grupo. Allessandrini (1996) refere-se à arte como uma facilitadora do processo que promove transformações e re-significações. Através da arte, descortina - se as sensações, as imagens, integram-se aspectos do eu mais profundo e explodem mudanças nos padrões mentais, conscientes e inconscientes. Além disso, ajuda o indivíduo a descobrir o universo de habilidades intelectuais existentes no potencial cognitivo que se apresenta através da linguagem não- verbal. Para possibilitar ao indivíduo a concretização de sua imagem interna e de modo significativo, é preciso que tenha à disposição um facilitador que use o recurso 33 da arte e um espaço que favoreça o desenvolvimento desse potencial criativo: o arteterapeuta e o atelier terapêutico. O arteterapeuta é um cuidador do outro que, com um olhar atento e observador estabelece uma relação amorosa com o grupo ou o indivíduo, como também é o facilitador que auxilia na escolha do material, acolhe e escuta as queixas da pessoa, sem julgá-la. Em um ambiente seguro e acolhedor o arteterapeuta convida o indivíduo a entrar em contato com seus sentimentos, usando como ferramenta a arte e suas diversas formas de expressão, gerando um produto final. Conforme Saviane: O atelier terapêutico integra a linguagem, a história da arte, o material, a técnica, os instrumentos, o processo e ao produto. O foco está no desenvolvimento criativo na arte fazendo ponte para o criativo na vida do indivíduo. (SAVIANE, 1997, p.17) O produto final serve como um registro para reflexão junto ao paciente sobre suas questões que eventualmente passa a compreender com maior clareza. Para Chiesa: Dentro de um atelier terapêutico, tudo é importante, o som, as sensações, os sentimentos, os pensamentos responsáveis para despertar o ato criador de cada um, e dessa maneira, proporciona um viver de forma mais criativa. (CHIESA 2004, p. 48). Em conformidade com a mesma autora (2004), o combustível do atelier terapêutico é a criatividade. O atelier terapêutico é um espaço consagrado à criação, um laboratório de experiências, um lugar acolhedor que possibilita a expressão, a comunicação e a construção. 34 Também favorece a criação através de diferentes materiais como: argila, gesso, lápis de cor, tintas variadas, madeira, tecido, papéis diversos, massa de modelar, sementes, etc, e dá-se à oportunidade de utilização de técnicas como : criação de desenhos, modelagens, pinturas, recortes, colagens, maquetes, confecção de mandalas, poesias, histórias e dramatizações, etc. É importante salientar que a escolha e o estudo detalhado do material e da técnica é essencial, pois cada um em particular, tem propriedades que mobilizam emoções e sentimentos de maneiras diversificadas em cada indivíduo. O arteterapeuta coloca à disposição ou oferece o material e escolhe a técnica de acordo com a necessidade de seu cliente, despertando as potencialidades que cada um traz. Allessandrini (1996) criou uma metodologia para trabalhar no contexto de atelier terapêutico que chamou de Oficinas Criativas® e diz que esse espaço favorece a criação, onde o imaginário cria forma, adquire cor, aproximando-se de um real personalizado, sentido e vivido com alegria. O trabalho desenvolvido pelos arteterapeutas é o de estimular o fazer artístico, observando durante a execução do trabalho, a linguagem verbal e corporal, sem o compromisso com a estética. O fazer artístico abre um canal mais intuitivo e perceptivo, amplia a consciência, transforma, pois no momento da criação, permitese que elementos assustadores da personalidade – medos e angústias – sejam expressos no desenho, na pintura, na argila, na poesia, na dança, na colagem, sendo essas, ações de libertação. Sob esse ponto de vista, afirma Ciornai: 35 A arteterapia facilita este entrar em contato com o poder criador de cada um; ao criar o belo, a pessoa entra em contato com o belo em si; ao expressar raiva, revolta, indignação, a pessoa percebe a força do seu poder pessoal. (CIORNAI, 2000, p.10). O fazer criativo aponta novos caminhos para que a pessoa possa associar o prazer àquilo que criou, é uma forma da pessoa dar concretude a sentimentos, os quais, muitas vezes não são expressos verbalmente e sim, através de imagens, símbolos, etc. O homem tem em sua essência a consciência e a sensibilidade, seja qual for o seu contexto cultural. Quer dizer, a consciência e a sensibilidade das pessoas fazem parte de sua herança biológica, são qualidades comportamentais inatas, ao passo que a cultura representa o desenvolvimento social do homem; configura as formas de convívio entre as pessoas. Nesta perspectiva, afirma Canclini, A arte é uma atividade de expressão que evoca o criativo e abrange todas aquelas atividades ou aqueles aspectos de atividade de uma cultura em que se trabalha o sensível e o imaginário, com o objetivo de alcançar o prazer e desenvolver a identidade simbólica de um povo ou uma classe social, em função de uma práxis transformadora. (CANCLINI, 1984, p. 207). Para Ostrower (1987), é inato no homem o criar; o fazer espontâneo, entrar em contato com o mundo que o cerca através do canal da sensibilidade. Todos somos capazes de relacionar, de ordenar e de dar significados. O criar é um fator interno que dá ao homem a oportunidade de se relacionar com o outro e expressar sua alma com o mundo. Conforme a mesma autora: 36 Ao criar, o artista não precisa teorizar a respeito de suas vivências, traduzir os pensamentos e as emoções em palavras. Ele tem mesmo que viver a experiência e incorporá-la ao seu ser sensível, conhecê-la por dentro. Daí, espontaneamente, lhe virá a capacidade de chegar a uma síntese dos sentimentos, naquilo que a experiência contém de mais pessoal e universal, e de transpor esta síntese para uma síntese de linguagem, adequando formas ao conteúdos. (OSTROWER, 1995, p. 17). Sob esse ponto de vista, Ostrower (1995), sugere que a linguagem da arte é a linguagem sentida e vivenciada sensorialmente, através dos traços, linhas, movimentos, gestos, cores, sons, cheiros. Segundo Chiesa, (2000) o processo criativo gera experiências criativas em rede, o que inspira, liberta e fortalece a construção da afetividade do indivíduo. Essa mesma autora afirma que: Um processo criativo que se ativa pode vir a libertar movimentos expressivos que fazem nascer outros gestos criativos. Esses podem nascer de simples manchas coloridas, mas que podem despertar uma sensação do arco-íris, que traz a vontade de cantar. E o canto pode abrir a porta para o afeto represado, que ao se soltar, traz junto à palavra não dita, que assim, já pode virar poema. Um poema pode inspirar os traços, que firmes podem configurar um projeto. E assim se ordenam os fios dos afetos que tramam a urdidura, que fortalece a rede de criatividade. E com cada experiência aumenta seu campo de ação, gerando outras redes, que gerarão outras e outras mais. E nessa grande teia, das artes da esperança e da vida, cada vez que criamos podemos renascer e celebrar, sem medo de sermos felizes. (PHILIPPINI apud CHIESA, 2000, p. 75). 4.1.2 - ETC –Continuum das Terapias Expressivas 37 Ao criar o artista modifica o seu estado interno, interagindo com os materiais e vivências. Experimentar diversos materiais expressivos facilita o despertar para os níveis: sensório - motor, perceptual - afetivo e cognitivo – simbólico, como também o criativo, o qual está presente em todos os níveis. Esses níveis citados representam os quatros tipos de interação com os materiais, estudados por Kagin e Lusebrink (1978) no Continuum das Terapias Expressivas (ETC). No nível sensório / motor, através do movimento corporal, o indivíduo cria a oportunidade de se desinibir pela ação. Toda a expressão utilizada é a gestual. Nesta expressão todo o corpo se envolve na ação, pode haver um relaxamento que possivelmente desencadeará em experiência curativa. A exploração de materiais artísticos permite a internalização de imagens e o melhoramento da percepção de sensações internas. Dessa forma, na interação com o material, tal vivência poderá levar ao nível seguinte. Nesse processo, o nível perceptual - afetivo, possibilita o indivíduo perceber a forma, a configuração e associar afeto. A qualidade estrutural da expressão é focalizada, tal como a definição de limites e a diferenciação de formas. Pode-se citar como exemplo, a confecção do mosaico que ajuda a buscar uma maior organização interna no indivíduo. O nível cognitivo - simbólico aborda a formação de conceitos, sequenciamento, relações espaciais e mapas mentais, abstrações, bem como a interação recíproca da verbalização e formação de imagens. Ao elaborar um texto e verbalizá-lo, o indivíduo está realizando atividades do nível cognitivo. Já o nível criativo pode estar presente em qualquer um dos níveis anteriores. É possível haver uma síntese entre a experiência interior e a realidade externa, bem 38 como o indivíduo, realizar-se e, assim, ter uma experiência curadora, bem como um melhor funcionamento emocional. Jung relata: Na medida em que conseguia traduzir as emoções em imagens, isto é, ao encontrar as imagens que se ocultavam nas emoções, eu readquiria a paz interior. Se tivesse permanecido no plano da emoção, possivelmente eu teria sido dilacerado pelos conteúdos do inconsciente. Ou, talvez, se os tivesse reprimido, seria fatalmente vítima de uma neurose e os conteúdos do inconsciente destruir-meiam do mesmo modo. Minha experiência ensinou-me o quanto é salutar, do ponto de vista terapêutico, tornar conscientes as imagens que residem por detrás das emoções. (JUNG, 1975, p.158). Vê-se aqui, ressaltada por Jung, a importância do indivíduo expressar através da arte seus conteúdos internos, usando recursos expressivos e artísticos, traçando o caminho do inconsciente para tornar-se consciente. É considerado fundamental, que emoções escondidas se apresentem através das imagens, e que imagens apareçam através das emoções. O homem pode, por intermédio do fazer artístico, revelar um universo desconhecido. 5 - ENCONTRO COM O CRIATIVO 39 O objetivo deste capítulo é registrar e relatar a presente pesquisa que foi desenvolvida em uma empresa de transporte rodoviário de passageiros, cujo público alvo foi um grupo aberto constituído de motoristas e cobradores, do sexo masculino, com a faixa etária de 22 a 60 anos, e 2º grau completo. Trata-se de um grupo de funcionários que recebem, com uma certa freqüência, recursos e treinamentos pela empresa, uma vez que lidam diretamente com o cliente. O grupo denomina-se um grupo aberto porque sua constituição e duração são pré-determinados. Desde o início havia o conhecimento que não estariam presentes os mesmos participantes, devido à escala de trabalho de cada um dentro da empresa. A média de presença foi de 15 participantes e mantiveram-se constantes, 8 a 10 participantes, em todos os encontros. O planejamento ficou definido em doze encontros, sendo duas vezes por semana com duração de uma hora e meia. O foco desse trabalho com o grupo foi registrar que, através da confecção de mandalas, usando alguns recursos expressivos da arteterapia, o indivíduo libera emoções, expressa seus conflitos internos, entra em contato com suas ansiedades, medos, desenvolve o potencial criativo, colabora no processo de individuação e busca o equilíbrio físico, mental, espiritual e a cura através das mandalas. No primeiro contato com o grupo, houve o cuidado em organizar um espaço físico acolhedor e propício para desenvolver as atividades. Preparar o espaço físico, assemelhou-se à construção de um vaso alquímico, como se fosse uma grande panela onde os ingredientes seriam depositados, cozidos, e transformados em alimentos para todos. Iniciou-se o trabalho, com uma dinâmica a Viagem, onde os 24 participantes foram convidados a fazer uma viagem imaginária. Perguntou-se ao grupo se cada um havia trazido sua mala com seus pertences, pois a mala do motorista – 40 arteterapeuta já estava pronta e era uma mala enorme, que continha os materiais artísticos que seriam conhecidos e utilizados durante os encontros. Indagou-se sobre a arrumação de uma mala para viagem, as expectativas em relação aos companheiros de jornada e o tempo de duração; os imprevistos que podem ocorrer, o retorno a ponto de partida e se a viagem acrescentaria conhecimentos positivos ou negativos. Ao final, após brincar e descontrair, fez-se uma analogia da viagem entre os próprios participantes do encontro: a viagem para dentro de si mesmo. Em seguida, abriu-se a mala para mostrar o seu conteúdo, satisfazendo a curiosidade de todos. Posteriormente, fez-se uma atividade com colagens de gravuras ressaltando as expectativas de cada um em relação ao novo encontro que se iniciaria, à família, ao lazer, trabalho e crescimento pessoal. Após a conclusão, cada participante fez o relato de sua produção artística para o grupo. Essa troca favoreceu a seguinte aprendizagem: a pessoa mais tímida aprendeu o caminho de se colocar com mais segurança, em relação ao mais desinibido, e assim, vice e versa. Nessa expectativa cabe a responsabilidade do arteterapeuta facilitar e promover a troca dessas diferenças. Existem momentos em que o trabalho criativo é extremamente individual, há um relacionamento amoroso com o material e com o que está sendo realizado e existem momentos em que é imprescindível o diálogo com o outro. O Eu e o Outro estão construindo juntos e, é como se estivessem “misturados” na panela e, aos poucos, vão se diferenciando do outro, passam a ser espelho onde enxerga-se aspectos de si próprio. É importante que cada um “retire” dessa vivência, o que necessita para seu autoconhecimento. O grupo demonstrou muito interesse, disponibilibilidade e curiosidade. Segundo alguns relatos, no início pensaram que se tratava de mais um treinamento 41 oferecido pela empresa, pelo contrário, perceberam que a proposta arteterapêutica era diferente das demais oferecidas pela empresa e que focava o bem-estar de cada um, onde era permitido expor sentimentos e emoções, buscando o autoconhecimento. Falou-se ao grupo, que em todos os encontros haveria um círculo, denominado de “circulo mágico”, sobre o qual seriam dispostos todos os participantes. Esse círculo foi usado nas conversas, nas sensibilizações, nos relaxamento, na dança, e uma palavra ou uma frase expressava o sentimento despertado pela atividade proposta. Assim, o “círculo mágico” foi de grande importância para o fechamento do encontro. Pois, é nesse momento, cada um expressou a sua produção, apontou aspectos que chamou sua atenção, ou relatou algo que o mobilizou de alguma forma durante a atividade. Todos ouviram as colocações dos colegas e, posteriormente observaram os trabalhos uns dos outros. O grupo sempre foi muito receptivo às atividades que eram propostas, visto que, muitas vezes por se tratar de um grupo com elementos do sexo masculino, supôs-se que se negariam a participar e surpreendentemente isso não aconteceu. Nestes encontros, foram realizadas várias atividades, sempre destacando os valores: confiança, desafio, desapego, flexibilidade, respeito, limite, união, gentileza, persistência, conflito, perdão, busca de identidade e auto-estima. Vários depoimentos referentes a mandala se destacaram, para a efetivação e confirmação desta pesquisa. Sobretudo uma oficina livre onde se dispôs de vários materiais para que cada um pudesse escolher e fazer uma mandala. Ao realizar a atividade, todos trabalharam em silêncio com muita concentração e serenidade. Após a conclusão fizeram os seguintes comentários. 42 G. desenhou o lado de dentro de um balão inflável, com se estivesse olhando para cima. “Eu comecei a desenhar uma estrela e começou a aparecer o Leste, Oeste, Norte e Sul. Aí, lembrei da minha adolescência, 27 anos atrás, eu e meus irmãos. Eu nem pensei em lembrar disto. Há tanto tempo que eu não lembrava:” Foi uma alegria lembrar deste balão. Hoje eu posso fazer de novo, mas com responsabilidade “ E. emocionou-se ao falar de sua produção artística que trouxe a tona recordações da sua infância que estavam adormecidas. Ao começar traçando as linhas dos quatro pontos cardeais. E experimentou o equilíbrio, a harmonia e a ordem. F. relatou que utilizou “também” quatro pontos cardeais: Leste, Oeste, Norte e Sul, porque quero buscar meu objetivo na vida, buscar alternativas, ser o melhor em tudo “. R. ao falar de seu trabalho fez o seguinte comentário: “ Acho que a gente é o centro, o resto em volta é o que a gente distribui com a família, lazer, trabalho e etc”. C. fez um comentário muito engraçado sobre fazer mandala: “Oooooô! Ajudou bastante. Acabou o stress... Quando to fazendo, a gente acaba lembrando de alguma coisa”. W. repartiu o círculo em várias partes, partindo do centro e comentou: “Eu aprendi a repartir o meu tempo. Aprendi a separar família, lazer, trabalho, tudo o que eu coloquei aqui. Estou procurando me agradar. Se eu agradar a mim, eu estou te agradando. Eu também tenho metas e tenho que trabalhar para dar certo o que a gente sonha. Estou buscando expansão”. S. contribuiu dizendo que “gosta de usar é muitas cores. Seu mundo fica mais colorido e relaxa!”. 43 L. relatou que buscou uma criança dentro dele. “Lá em casa, a gente não tem tempo de se expor”. Através da análise feita dos relatos com tanta simplicidade, inquestionavelmente a confecção de mandala serviu para produzir uma ordem interna, expressar sempre a idéia da busca de integração. Ao desenhar mandalas facilitou o desbloqueio, estimulou a criatividade e emergiu sentimentos e lembranças, que certamente estavam esquecidas. À medida que se familiarizavam com os materiais e estavam sendo apresentados a cada oficina, as produções tornavam-se cada vez mais estruturadas e ricas em formas e cores. Em outros encontros, proporcionou-se ao grupo a utilização de grãos e sementes variadas, colagens com cordões, pinturas e colagens. Sempre nos relatos, os participantes enfocaram palavras que demonstraram o quanto era prazeroso fazer mandalas.”Relaxa um pouco... a gente esquece as coisas ruins para trás e só lembra as boas”. É uma forma muito bonita, que, não tem definição ““.Foi um relaxamento, esqueço de tudo... É uma forma de brincar. É “bão”. É bom, a gente “distrai”. “É muito bom colorir e depois procurar a forma, a imagem”. “Sinto que o mundo esta me olhando e eu olhando ele”. Dessa maneira, com o trabalho efetuado, o diálogo com as produções artísticas era estimulado, sem a preocupação em interpretar imagens ou olhar a estética do trabalho, apenas o fluir do prazer do relato. A segurança e a confiança para expressar o que sentiam foi facilitado pela produção artística. No trabalho de grupo aberto o vínculo afetivo fortaleceu um pouco mais com aqueles indivíduos que sempre estavam presentes nos encontros. Aos poucos o arteterapeuta reconhece as preferências e as diferentes reações de cada um de 44 acordo com o material usado.O grupo demonstrou indicativos de mudança, que foram notados através da maneira de agir e falar durante as propostas vivenciadas.Percebeu-se a valorização como pessoas, o reconhecimento da importância da função exercida e a qualidade do relacionamento entre eles afirmado através desse relato escrito por W. no último encontro: “É pra mim, um projeto muito bom, para que possamos ser mais interessados em nós mesmos, e descobrirmos os nossos potenciais, coisa que a gente esquece. Pra mim foi super produtivo, pois aumentei a minha alto estima, aprendi a repartir o meu tempo... A respeitar e ser respeitado. Aprendi também a ter metas, fazer metas e levantar quando algum tropeço acontecer. Só tenho que agradecer a você por ter paciência, coisa que aprendi também com você e dizer em nome de todos que sentiremos de alguma forma. Falta de você! Desta forma fica registrado o quanto o trabalho arteterapêutico enriquece, promove transformações, descortina novos olhares, integra aspectos do eu e proporciona mudanças no ser humano. 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Arteterapia é uma modalidade terapêutica que facilita o acesso a todos os sentidos do ser humano dentro de diferentes níveis de consciência. Através de técnicas apropriadas oportuniza-se a expressão de emoções e, sentimentos por meio de imagens e símbolos. Este trabalho realizado permite confirmar através de observação, estudo e pesquisa a eficácia do trabalho arteterapêutico, tendo como caminho de cura, a mandala, “círculo mágico”, que representa, a unidade e totalidade da psique. Confirma-se o poder da mandala, como símbolo, ligada à história do homem, as imagens arquetípicas que estão presentes no inconsciente coletivo da humanidade. Assim, nos atendimentos arteterapêuticos, através da expressão artística, manifestou-se todo o potencial criativo de cada participante do grupo de motoristas e cobradores e percebeu-se uma transformação interna, resultado do esforço de cada um em acreditar que é capaz. Com a Arteterapia o grupo deixou que a criança adormecida viesse à tona espontaneamente, confirmando através das atividades artísticas que não existe o “feio” e o “errado”, apenas a pureza de expressão com os traçados e as cores, as danças e a simplicidade de expor e analisar-se. A impressão inicial, demonstrada nos primeiros encontros, da incapacidade de desenhar, colorir, pintar, dançar foi aos poucos sendo substituída pela coragem de enfrentar novos desafios, sem medo de errar ou ser criticado pelos companheiros. Considerando os pontos relevantes que foram anteriormente apresentados neste trabalho, desde a expressão artística em forma circular e todas as afirmações 46 que envolvem a mandala como fonte de cura, os indicadores de mudanças apresentados nos encontros arteterapêuticos realizados, os inúmeros estudos que enriqueceram para que a hipótese desta pesquisa fosse confirmada, pois através de relatos e produções artísticas a mandala afirmou ser um recurso arteterapêutico eficaz na busca do autoconhecimento e tem a poderosa força de ser um instrumento curativo . 7. ANEXOS : Figura 1/2 - G. desenhando o lado de dentro de um balão inflável como se estivesse olhando para cima. Figura 3/4 – E. disse que experimentou o equilíbrio, a harmonia e a ordem. 47 Figura 5/6-F. fez os quatro pontos cardeais. Seu objetivo na vida, buscar alternativas, ser o melhor em tudo. Figura 7/8- R. considera que ele é o centro e distribui com a família , lazer, trabalho, etc. Figura 9/10- C. comentou que o stress acaba e ajuda a lembrar de alguma coisa. 48 Figura 11/12- W. repartiu o círculo em várias partes e comentou que aprendeu a repartir o seu tempo. Figura 13/14- S. gosta de usar muitas cores e diz que o seu mundo fica mais colorido e relaxa. Figura 15/16- L. relatou que buscou uma criança dentro dele. 49 Todas as mandalas acima em forma de uma grande mandala. 50 Grupo confeccionando mandalas com grãos. Resultado do trabalho feito com grãos. 51 52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLESSANDRINI, Cristina Dias. Oficinas Criativa e psicopedagógica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. ANDRADE, Liomar Quinto de. Terapias expressivas: uma pesquisa de referências teóricos – práticos. São Paulo: 2000. Dissertação (Doutorado em psicologia Clínica) Universidade de São Paulo. ARCURI. I. G. Memória Corporal. O simbolismo do corpo na trajetória da vida. São Paulo: Vetor, 2004. 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