análise do grau de incapacidade em Campina Grande
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análise do grau de incapacidade em Campina Grande
Avaliação de incapacidades em pessoas vivendo com hanseníase: análise do grau de incapacidade em Campina Grande, Paraíba Assessment of impairment in people living with Hansen’s disease: analysis by the disability grading in Campina Grande, Paraíba Marcos Túlio Raposo1, Ana Virgínia Caminha Raposo2, Miguel Angel SanchezGonzález3, Jovany Lius Alves de Medeiros4, Maria Ines Battistella Nemes5 Resumo Dano neural é a principal causa de incapacidades físicas, com conseqüente limitação de atividades e participação social das pessoas afetadas pela hanseníase. Em 1960, a OMS recomendou a utilização de uma escala para classificar as incapacidades físicas em pessoas com hanseníase, denominada “Grau de Incapacidade” (GI). A escala atualmente adotada foi recomendada em 1997. Este estudo objetivou avaliar o grau de incapacidade física por meio do sistema de mensuração do GI. Este estudo, do tipo transversal, foi composto por 61 sujeitos, com média de idade 41 + 21 anos, submetidos à poliquimioterapia (PQT), residentes em Campina Grande – Paraíba – Brasil, independentemente do sexo, idade ou classificação operacional. Os dados foram analisados utilizando o programa EpiInfo™, versão 3.3; foi empregado o teste do qui-quadrado (χ2) e estabelecido o nível de significância de 5%. Dos examinados, 32 (52,5%) eram mulheres e 35 (57,4%), MB; incapacidades foram detectadas em 41% dos casos, sendo 23% com GI 1 e 18% com GI 2. No grupo, formas clínicas MB, sexo masculino e idade superior a 40 anos foram fatores de risco para incapacidades. A maioria dos pacientes tinha, pelo menos, dois segmentos afetados. Os resultados indicam predominância de problemas graves como diagnóstico tardio e, provavelmente, endemia oculta. Palavras-chave Hanseníase, incapacidade, avaliação de deficiência, epidemiologia Abstract Neural damage is the main cause of physical impairment which can lead to physical and social limitations in people affected by Hansen´s disease. In 1960, the WHO recommended the use of a scale to classify physical impairments in individuals with leprosy, namely “disability grading” (DG). The scale currently adopted was recommended by the WHO in 1997. This study sought to analyze the extent of impairment in leprosy patients, through the DG system. The study was transversal in it´s nature, composed by 61 patients who were aged 8 to 85 years old, the average being 41+ 21 years old, undergoing multi-drug therapy (MDT) for leprosy, living in Campina 1 Doutorando em Medicina Preventiva. Professor Assistente do Departamento de Saúde – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Av. José Moreira Sobrinho, s/n, Depto de Saúde, Bairro Jequiezinho - Jequié-BA. CEP 45.206-510 E-mail: [email protected] 2 Mestre em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento de Saúde – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia 3 Doutor em Medicina. Professor Titular da Faculdade de Medicina – Universidad Complutense de Madrid – Espanha 4 Doutor em Medicina. Professor Adjunto do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde - Universidade Estadual da Paraíba 5 Doutora em Medicina Preventiva. Professora da Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 – 221 M a rc o s T ú l i o R a p o s o , A n a V i r g í n i a C a m i n h a R a p o s o , M i g u e l A n g e l S a n c h e z - G o n z á l e z , Jovany Lius Alves de Medeiros, Maria Ines Battistella Nemes Grande – Paraíba – Brazil, independently of gender, age or clinical classification. The data were analyzed using the EpiInfo™ software version 3.3, tested with the Chi Squared test (χ2) and it was established the level of significance of 5%. From those examined, 32 (52.5%) were women and 35 (57.4%) were MB; impairments were detected in 41% of the subjects. A total of 23% of patients scored IG 1 while 18%, IG 2. In the group studied, risk factors for developing disabilities were: having the MB form of the disease, being male and aged over 40 years. Most of the patients had, at least, two affected limbs. The results obtained in the sample show the predominance of serious problems, such as late diagnosis and a probable hidden endemy. Key words Hansen’s disease, impairment, disability evaluation, epidemiology 1. Introdução A hanseníase causa frequentemente prejuízo na função nervosa autonômica, sensitiva e motora (Job, 1989). Mecanismos neurogênicos e inflamatórios estão envolvidos na gênese das incapacidades (Brasil, 2001), o que determina, frequentemente, incapacidades secundárias ou deformidades em olhos, face, mãos e pés. Essas incapacidades e deformidades podem se tornar irreversíveis se a pessoa afetada não receber o tratamento apropriado, e causar limitação da atividade e restrição de participação (Van Brakel et al., 1999). Desde 1960 a OMS defendeu o uso de um esquema de “classificação de incapacidades” para a hanseníase, o “grau de incapacidade” (GI) (Brandsma et al., 2004; 2003; WHO, 1960). Posteriormente, duas outras versões desse sistema de classificação foram publicadas (WHO, 1970; 1988) com o objetivo de facilitar as atividades de campo (Brandsma et al., 2003). Os graus são atribuídos para cada olho, mão e pé; o maior valor atribuído, desses seis graus, representa o “maior grau de incapacidade” do indivíduo e é usado como indicador de severidade da incapacidade (WHO, 1988). A escala atualmente referendada pela OMS é simplificada em três graus (0, 1 e 2). O GI 0 é atribuído para os casos em que não existem, nos sítios examinados, comprometimentos devido à hanseníase. O GI 1 é empregado para os casos em que são detectadas diminuição ou ausência de sensibilidade para qualquer dos sítios referidos anteriormente. Para o GI 2, os segmentos podem exibir comprometimentos específicos como: considerando o segmento “olho”, lagoftalmo, iridociclite, opacidade corneana e acuidade visual menor que 0,1 ou não contar dedos a 6 metros; em “mãos”, referem-se a lesões tróficas e/ou lesões traumáticas, garras, reabsorção e mão caída; para os “pés”, o GI 2 referem-se a lesões tróficas e/ou lesões traumáticas, garras, reabsorção, pé caído ou contratura de tornozelo (WHO, 1998; Brandsma et al., 2003). O GI é empregado como um 222 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 Avaliação d e i n c a p a c i d a d e s e m p e ss o a s v i v e n d o c o m h a n s e n í a s e : a n á l i s e d o g r a u d e incapacidade em Campina Grande, Paraíba indicador epidemiológico para avaliar o programa de hanseníase, determinar a precocidade do diagnóstico e monitorar o acompanhamento do paciente no serviço, durante o curso do tratamento (Brasil 2001). Os dados disponíveis sobre incapacidades físicas decorrentes de hanseníase apresentam grande diversidade; contudo, a OMS estima que aproximadamente 25% das pessoas com hanseníase possuam incapacidades físicas (WHO, 1998). Em 1997, calculava-se que podiam existir, mundialmente, cerca de três milhões de pessoas com incapacidades ou deficiências determinadas pela hanseníase, destas, 2/3 com incapacidades grau 2 (WHO, 1998). Dados recentes apontam que a proporção de casos novos com GI 2 entre os casos novos varia amplamente entre as diferentes regiões do mundo e alcança taxas de 1% até 21% (WHO, 2006). No Brasil, no ano de 2006, de 44.436 casos novos de hanseníase, 2.106 apresentavam GI 2 no momento do diagnóstico, o que corresponde a 4,73% (WHO, 2007). Grande parte das incapacidades ocorre por falhas dos programas de controle de hanseníase, no tocante ao diagnóstico e tratamento adequados. A sua presença no momento do diagnóstico pode indicar diagnóstico tardio e, consequentemente, controle ineficaz da doença, porque elas só se desenvolvem mais tardiamente (Costa & Patrus, 1992). Apesar da gravidade dos danos físicos e suas consequências, trabalhos científicos que abordam os sistemas de avaliação e classificação de incapacidade são pouco numerosos. O Relatório do Fórum Técnico da International Leprosy Association (ILA), realizado em 2002, reconhece a magnitude das incapacidades no campo da hanseníase e, em suas recomendações, aponta como prioritárias as medidas e pesquisas voltadas para ações de prevenção de incapacidades e reabilitação (ILA, 2002). Frente à importância do tema no campo das incapacidades, deficiências e das doenças transmissíveis, este estudo objetivou descrever o grau de incapacidade física, em pessoas com hanseníase, sob tratamento poliquimioterápico (PQT) na cidade de Campina Grande – Paraíba. 2. Material e métodos Este estudo foi caracterizado como transversal. A amostra foi composta por 61 pessoas acometidas pela hanseníase. Os sujeitos foram convidados a participar voluntariamente da pesquisa. Os critérios de inclusão compreendiam: residir em Campina Grande – Paraíba – Brasil e estar em tratamento poliquimioterápico específico para hanseníase, independente de sexo, forma clínica ou idade. Foram excluídos pacientes que apresentavam outras enfermidades associadas com sequelas capazes de comprometer o sistema nervoso periférico ou cursar com incapacidades Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 – 223 M a rc o s T ú l i o R a p o s o , A n a V i r g í n i a C a m i n h a R a p o s o , M i g u e l A n g e l S a n c h e z - G o n z á l e z , Jovany Lius Alves de Medeiros, Maria Ines Battistella Nemes semelhantes às determinadas pela hanseníase. Os dados foram coletados de novembro de 2003 até janeiro de 2005. Nesse período, foram diagnosticados 180 casos de hanseníase. Coleta de dados, anamneses e avaliações físico-funcionais foram realizadas pelo mesmo pesquisador. As informações foram registradas num modelo adaptado do protocolo de Avaliação Simplificada das Funções Neurais e Complicações, adotado pelo Ministério da Saúde do Brasil (Brasil, 2002), acrescido de informações sociodemográficas e clínicas. O grau de incapacidade (GI) foi classificado segundo o instrumento padronizado pela OMS (WHO, 1988), atualizado em 1998 (Brasil, 2002). A análise estatística foi realizada no programa EpiInfo™, versão 3.3, do Centers for Disease Control and Prevention – CDC, de outubro de 2004; estabeleceu-se o nível de significância de 5% (p < 0,05); as distribuições de frequências foram comparadas usando o teste do qui-quadrado (χ2) O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, sob o protocolo no 164/03. Todos os participantes ou seus responsáveis legais assinaram o termo de consentimento informado. 3. Resultados No período de novembro de 2003 até janeiro de 2005, foram diagnosticados 180 portadores de hanseníase, residentes em Campina Grande – Paraíba – Brasil. A amostra deste estudo foi composta por 61 sujeitos, dos quais 32 (52,5%) eram mulheres. A média da idade foi de 41+21 anos, com uma amplitude de 8 a 85 anos. A distribuição da doença, segundo a classificação clínica, grupo etário e sexo, é apresentada na Tabela 1. De acordo com a classificação operacional, 26 casos (42,6%) foram considerados PB e 35 (57,4%) MB. Tabela 1 Distribuição dos casos segundo a forma clínica, faixa etária e sexo Forma clínica HI HT HD HV ignorada Total 0-14 anos Masc Fem 1 0 2 2 2 0 0 1 0 0 5 3 > 15 anos Masc Fem 2 1 4 14 10 8 7 6 1 0 24 29 HI – hanseníase indeterminada; HT – hanseníase tuberculoide; HD – hanseníase dimorfa; HV – hanseníase virchowiana. 224 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 Total n 4 22 20 14 1 61 % 6,6 36,1 32,8 23,0 1,6 100,0 Avaliação d e i n c a p a c i d a d e s e m p e ss o a s v i v e n d o c o m h a n s e n í a s e : a n á l i s e d o g r a u d e incapacidade em Campina Grande, Paraíba A constatação de GI 1 ou 2 configurava presença de incapacidades. As frequências de grau de incapacidade, de acordo com o sexo, são mostradas na Tabela 2. Ser portador de formas multibacilares esteve associado à determinação de incapacidades físicas (p < 0,001); a Tabela 3 expõe esses dados. Tabela 2 Comparação do GI segundo o sexo Sexo Grau de incapacidade 0 1 2 Total Feminino 22 4 6 32 Masculino 14 10 5 29 Total 36 14 11 61 Tabela 3 Distribuição do grau de incapacidade de acordo com a classificação operacional MB PB Grau de incapacidade n % Graus 1 e 2* 22 Grau 0 13 Total 35 Total n % n % 62,9 3 11,5 14 41 37,1 23 88,5 36 59 100,0 26 100,0 61 100,0 * Para efeito de cálculo estatístico, compararam-se os pacientes com incapacidade (GI 1 e 2) com aqueles sem incapacidade (GI 0), p< 0,001 Dos 61 sujeitos examinados, incapacidades foram observadas em 25 casos (41%) e apenas no subgrupo de maiores de 15 anos. Nesse grupo composto por 25 pacientes com incapacidades, 15 (60%) eram homens, com diferença estatisticamente significante para o sexo masculino (p = 0,041), como se vê na Tabela 4. Tabela 4 Distribuição dos casos de incapacidades entre os maiores de 15 anos, segundo o sexo Maiores de 15 anos Sexo Com incapacidade n % Masculino* 15 Feminino 10 Total 25 Total Sem incapacidade n % n % 60 9 32,1 24 45,3 40 19 67,9 29 54,7 100 28 100,0 53 100,0 *p = 0,041. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 – 225 M a rc o s T ú l i o R a p o s o , A n a V i r g í n i a C a m i n h a R a p o s o , M i g u e l A n g e l S a n c h e z - G o n z á l e z , Jovany Lius Alves de Medeiros, Maria Ines Battistella Nemes Na amostra, a ocorrência de incapacidades físicas foi maior nos pacientes com idade igual ou superior a 40 anos (n = 19, p = 0,024). Em 36 (59%) sujeitos da amostra, o grau de incapacidade mensurado foi igual a 0 (zero), demonstrando ausência de incapacidade. Os GI 1 e GI 2 foram constatados em 14 (23%) e 11 (18%) usuários, respectivamente, e indicam a gravidade dos casos e diagnóstico tardio. A Figura 1 detalha o grau de incapacidade atribuído a cada segmento examinado. Insensibilidade foi o dano mais verificado, comprometendo principalmente os membros inferiores. Figura 1 Distribuição do grau de incapacidade atribuído por segmento examinado A Tabela 5 mostra, no grupo de portadores de incapacidades (n = 25), o número de segmentos comprometidos, de acordo com o grau de incapacidade. Percebe-se que, de 14 pacientes com grau de incapacidade 1, 10 (71,4%) deles tiveram até dois segmentos envolvidos e que, de 11 sujeitos com GI 2, oito (72,7%) tiveram três ou mais estruturas comprometidas. Embora o presente estudo não objetivasse avaliar a presença de incapacidades no momento do diagnóstico, sete (38,9%) dos 18 pacientes que estavam na primeira dose de PQT já apresentavam incapacidades. Um deles era PB e seis eram MB. 226 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 Avaliação d e i n c a p a c i d a d e s e m p e ss o a s v i v e n d o c o m h a n s e n í a s e : a n á l i s e d o g r a u d e incapacidade em Campina Grande, Paraíba Tabela 5 Número de segmentos comprometidos, entre os casos com incapacidades, segundo o grau de incapacidade (n = 25) GI Número de segmentos 1 1 2 3 2 Total 2 3 5 8 — 8 2 1 3 4 2 4 6 5 — 2 2 6 — 1 1 Total 14 11 25 4. Discussão O perfil da hanseníase, assim como o das incapacidades por ela determinadas, varia entre as diferentes regiões do mundo e entre os países onde a doença ainda persiste (WHO, 2006). Com relação ao sexo, na presente casuística houve predomínio de mulheres, porém, sem significância estatística. No entanto, em estudos anteriores como as séries publicadas por Hinrichsen et al. (2004), Barro (2004), Peters e Eshiet (2002), Lastória et al. (2003), Santos e Rabay (2001) e Goulart et al. (2002), houve maior acometimento em homens. Nos casos aqui estudados, a média de idade foi de 41 (+21) anos e tem valor aproximado à média de outros estudos brasileiros (Santos & Rabay, 2001; Raposo et al., 2005). Contudo, Pioto (1996) observou média de idade de 53,9 anos. A amplitude da idade da amostra mostrou-se semelhante à descrita por Lastória et al. (2003). A maioria dos doentes (57%) foi classificada como portadora de formas MB. Este dado é compatível com outros desenvolvidos no Brasil (Lastória et al., 2003; Lana et al., 2002; Santos & Rabay, 2001; Goulart et al., 2002; Helene et al., 2001; Lana et al., 2000) e permite inferir que, para este grupo, o diagnóstico ocorreu tardiamente (The International Federation of Anti-Leprosy Association, 2001). Dos 61 pacientes avaliados, 41% deles apresentavam incapacidades físicas. Os dados disponíveis na bibliografia consultada apresentam grande diversidade. A OMS estima que aproximadamente 25% das pessoas com hanseníase possuam incapacidades físicas (WHO, 1998). Estudos sobre a prevalência de incapacidades realizados no Brasil, no momento do diagnóstico, expressam proporções que oscilam Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 – 227 M a rc o s T ú l i o R a p o s o , A n a V i r g í n i a C a m i n h a R a p o s o , M i g u e l A n g e l S a n c h e z - G o n z á l e z , Jovany Lius Alves de Medeiros, Maria Ines Battistella Nemes de 14%, como a descrita por Lana et al. (2002), até 47,8%, encontrada por Oliveira et al. (1996). Outras estimativas da ordem de 24% e 34% foram descritas por Goulart et al. (2002) e Costa (2002), respectivamente. No cenário internacional, percebe-se variação semelhante. Nas casuísticas de Peters et al. (2002) e Saunderson (2000), as proporções foram, respectivamente, de 19% na Nigéria e 55% na Etiópia. Neste estudo, insensibilidade foi a incapacidade mais diagnosticada. Isto é similar aos estudos de Meima et al. (1999), Kalla et al. (2000) e Singhi et al. (2004), que constataram predominância do GI 1 em suas amostras; entretanto, difere dos de Helene et al. (2001), que encontraram GI 2 em maior frequência. O alto percentual de incapacidades GI 1 e GI 2 constatadas corrobora a existência de prevalência oculta, conforme enunciado por Suárez e Lombardi (1997) e também detecção tardia. Os trabalhos de Pioto (1996) e Meima et al. (1999) evidenciam o aumento de incapacidades continuamente com a idade. Na presente casuística, as incapacidades foram mais frequentes em doentes com mais de 40 anos. Pesquisas outras apontam maior proporção de incapacidades na faixa etária superior a 45 anos (Roquete et al., 1997) e 60 anos (Kalla et al., 2000; Singhi et al., 2004). Em relação ao sexo, verificou-se que o percentual de homens com incapacidades foi maior que o de mulheres. Esse é um achado comum aos trabalhos que abordam as incapacidades físicas em pessoas com hanseníase (Lana et al., 2002; Pioto, 1996; Helene et al., 2001; Lana et al., 2000; Oliveira et al., 1996; Kala et al., 2000; Singhi et al., 2004; Roquete et al., 1997; Góes et al., 2004). Casos MB tem maior risco de desenvolver incapacidades quando comparados aos PB (WHO, 1998; Croft et al., 1999; Richardus et al., 1996). Nesta pesquisa os casos MB determinaram, significativamente, mais incapacidades, como verificado em outros trabalhos (Helene, 2001; Kalla et al., 2000; Carvalho & Alvarez, 2000). Em geral quase todos os estudos mostram que o risco de desenvolver incapacidades é maior para homens e também para pacientes MB, e que o risco aumenta com a idade e duração da doença (WHO, 2006). Em um estudo sobre a progressão do escore de incapacidades em pessoas com hanseníase MB, Reed et al. (1997) concluíram que o risco de desenvolver nova incapacidade dobrou para os pacientes que já possuíam alguma incapacidade (GI 1 ou 2) ao diagnóstico, comparado com aqueles que não tiveram nenhuma incapacidade. 5. Conclusões No presente estudo, incapacidades foram diagnosticadas em 41% dos sujeitos. Os GI 1 e 2 foram atribuídos, respectivamente, para 23% e 18% deles. A maioria 228 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 221 - 233, 2009 Avaliação d e i n c a p a c i d a d e s e m p e ss o a s v i v e n d o c o m h a n s e n í a s e : a n á l i s e d o g r a u d e incapacidade em Campina Grande, Paraíba das pessoas com incapacidades possuía, pelo menos, dois sítios afetados. Ser portador de formas clínicas MB, sexo masculino, idade superior a 40 anos constituíram fatores de risco para a instalação de incapacidades, no grupo examinado. Os resultados obtidos, na amostra, indicam a predominância de problemas graves, tais como o diagnóstico tardio e, provavelmente, endemia oculta. 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