Devem as baleias ser abatidas para aumentar a produção pesqueira?

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Devem as baleias ser abatidas para aumentar a produção pesqueira?
FÓRUM SOBRE POLÍTICAS
ECOLOGY
Devem as baleias ser abatidas para aumentar a produção pesqueira?
Leah R. Gerber,1* Lyne Morissette,1,2 Kristin Kaschner,3,1 Daniel Pauly4
Evidências científicas indicam que a indústria pesqueira não está a ser influenciada negativamente pelas baleias, nas
zonas tropicais de reprodução.
A ciência e a política internacional
desempenham papéis delicados no
campo global da conservação das
baleias e na gestão dos recursos dos
oceanos a nível mundial. A Comissão
Baleeira Internacional (IWC, sigla em
inglês), responsável pela conservação
das baleias e da gestão da baleação a
nível mundial, introduziu, em 1986,
uma moratória sobre a caça comercial
às baleias, devido à depleção
generalizada das suas espécies e
mananciais (ou stocks). Apesar da falta
de informação científica que indique
que muitos dos mananciais de baleias
tenham recuperado, todos os anos,
durante a reunião da IWC, assiste-se a
uma discussão acesa sobre o futuro da
baleação comercial. Recentemente, os
países pró-baleação introduziram um
novo argumento para defender a
reactivação desta actividade, ao culpar
as populações de baleias pela queda
nos manaciais de peixes de interesse
comercial.
Tendo por base argumentos de “gestão
de ecossistemas”, os países baleeiros,
incluindo o Japão, defendem o abate
selectivo de baleias como uma solução
para a recuperação dos mananciais de
peixes sobre-explorados e o aumento
da produção pesqueira (1, 2). Alguns
países em vias de desenvolvimento,
que poderam beneficiar económica e
politicamente do apoio às nações prócaça à baleia na IWC (3-7), apoiaram
também a o argumento de que “as
baleias comem peixes”. A Declaração
de St. Kitts, impulsionada pelo Caribe
por ocasião da 58ª Convenção Anual
da IWC, expressa que: “a investigação
científica demonstrou que as baleias
consomem grandes quantidades de
peixes, criando um problema de
segurança alimentar para as nações
costeiras” (6). Este assunto, foi
também considerado de interesse
global durante o simpósio dos
membros da IWC da região noroeste
da África, que decorreu em 2008 (8).
Quando a informação científica, sobre
o papel que as baleias desempenham
nos ecosistemas marinhos e na
economia das nações em vias de
desenvolvimento é tido em
consideração, torna-se claro que os
representantes dos países em vias de
desenvolvimento que apoiam as
nações pró-caça à baleia no seio IWC,
na realidade, podem estar a agir contra
os melhores interesses dos seus países.
A caça à baleia não proporciona um
benefício directo à indústria pesqueira,
da qual tais países dependem tanto (9).
Pelo contrário, conduz à perda de
espécies que são importantes para a
integridade estrutural dos seus
ecossistemas (10-12). Por outro lado,
as baleias no seu habitate natural
podem, na realidade, representar uma
fonte alternativa de rendimento através
de actividades de observação de
baleias (13-14).
Os princípios que estabelecem a caça à
baleia como a solução para os recursos
pesqueiros depauperados, tem sido
questionada por muitos membros da
comunidade científica por três razões
principais: a sobre-pesca que tem sido
documentada mundialmente nos
oceanos (15), a inexistência de uma
sobreposição espacial clara entre a
exploração dos recursos pesqueira e a
ocorrência de baleias (2), e as
consequências imprevisíveis do seu
abate para controlo populacional (16,
17). Tendo por base a análise de
conteúdos estomacais de baleias
capturadas durante o programa
científico japonês de caça à baleia e a
informação disponível sobre a
abundância destas espécies, os
cientistas japoneses calculam que as
baleias consomem alimento em
quantidades muitas vezes superiores ao
total da pesca mundial dos últimos
anos (18). Contudo, a metodologia
utilizada pelos investigadores
japoneses para justificar que o
consumo de peixes pelas baleias é uma
componente importante na diminuição
de recursos pesqueiros, tem sido
repetidamente criticada (19-22).
Apesar de tais discussões terem sido
bastante elucidativas, não conseguiram
criar um movimento dentro da IWC
que permitisse sair do impasse actual. CRÉDIT : Leah Gerber Um dos principais problemas dos
estudos científicos sobre baleias é a
existência de poucos dados e modelos
para apoiar as discussões políticas. Isto
é particularmente verdadeiro nas águas
tropicais que banham muitos dos
países em vias de desenvolvimento e
que apoiam o reatamento da caça à
baleia com fins comerciais, ainda que
se saiba que estas áreas são
principalmente áreas de reprodução
(não de alimentação) das baleias de
barbas (23-27). Efectuámos,
recentemente, uma revisão exaustiva
da literatura, no intuito de compilar e
utilizar toda a informação disponível
para criar um ponto de partida
científico para a discussão do
problema (9). Procuramos, também,
envolver activamente os assessores
científicos dos delegados que apoiam a
posição do Japão nas convenções da
IWC e impulsionar a colaboração
regional e a divulgação dos nossos
resultados por forma a apoiar as
discussões, nas comunidades locais,
entre cientistas, gestores e outros
especialistas locais (como por
exemplo, os workshops regionais "As
baleias comem peixes” realizadas em
2008 no Senegal e em Barbados,
http://lenfestocean.org/whales_fisherie
s.html).
Utilizando a informação disponível em
publicações científicas, no projecto O
Mar que nos Rodeia (the Sea Around
Us) (www.seaaroundus.org) e a
informação obtida durante os
workshops regionais de utilizadores e
outros interessados, desenvolvemos
modelos de ecossistemas para estimar
o aumento potencial na biomassa de
peixes comerciais resultante de uma
redução na abundância de baleias nos
ecossistemas do noroeste Africano e
do Caribe (9). Qualquer discussão
sobre as interacções entre baleias e a
indústria pesqueira deverá ser
considerada dentro do contexto dos
ecossistemas, permitindo assim
investigar os complexos efeitos
indirectos das relações tróficas, que de
outra maneira seria muito difícil de
estudar. Apesar do Comité Científico
da IWC sustentar que “a modelação de
ecossistemas não pode ser utilizada
para prever as interacções entre
mamíferos marinhos e peixes” (28-30),
outros estudos fornecem evidência do
contrário, suportando a ideia que os
mamíferos marinhos e as pescas
podem ser estudados com estas
ferramentas (31-32).
A nossa forma de abordar as incertezas
científicas, foi a de efectuar uma
análise de sensibilidade exaustiva por
forma a explorar os resultados
emergentes de uma variedade de
suposições sobre a estrutura do
ecossistema e a qualidade dos dados
iniciais (tabla S2). Para uma ampla
variedade de suposições sobre a
abundância de baleias, taxa de
alimentação, e de biomassa de peixes,
incluindo uma completa erradicação de
baleias de barbas nestas áreas
tropicais, não foram observados
aumentos apreciável na biomassa de
peixes explorados com fins
comerciais. Em contraste, apenas
pequenas mudanças nas taxas de pesca
levam a aumentos consideráveis da
biomassa de peixes (ver figura, p.
880). Encontramos pouca sobreposição
entre a pesca e as presas preferencias
de baleias, e descobrimos, também,
que a indústria pesqueira retira muito
mais biomassa de peixes do que a que
é consumida por estes animais
marinhos (9). Mais, devido ao facto de
que algumas espécies de presas de
baleias competirem com os peixes de
interesse comercial, pelo plâncton e
outras presa de níveis tróficos
inferiores, é possível que retirando as
baleias dos ecossistemas marinhos
possa resultar numa menor
disponibilidade de peixes para a
indústria pesqueira (9).
Hoje em dia, a maioria dos mananciais
de peixe (33) e muitas populações de
baleias (34) estão gravemente
reduzidas. Contudo, a maioria das
evidências indica que a raiz do
problema está na sobre-exploração de
origem antropogénica. Quando os
países tropicais em vias de
desenvolvimento são encorajados a
concentrar-se na ideia de que “as
baleias comem peixes”, correm o risco
de serem desviados da abordagem dos
problemas reais que as suas próprias
indústrias pesqueiras enfrentam,
principalmente, a sobre-exploração dos
seus recursos marinhos pelas frotas
longínquas (35).
Neste sentido, sugerimos uma série de
recomendações para uma tomada de
decisão racional, aplicando
efectivamente os conceitos de gestão
de ecossistemas na gestão de baleias.
Primeiro, a questão de "quem está a
comer o nosso peixe” deveria ser
considerada num contexto mais
alargado (no que diz respeito às frotas
estrangeiras, ao colapso dos
ecossistemas e às alterações
climáticas). Os benefícios sociais e
económicos indirectos que as baleias
proporcionam nos ecossistemas
tropicais [por exemplo, o turismo (3637)] também deveriam ser
considerados.
Segundo, apesar do complexo
processo político, a ciência deveria ser
uma componente integrante nas
discussões sobre a gestão das
interacções entre as baleias e a
indústria pesqueira. É necessário que
se faça um esforço no sentido de
envolver activamente os cientistas e
gestores dos países que apoiam a
reivindicação do Japão (3-5), para que
investiguem este problema, nas suas
regiões, dentro do contexto dos
ecossistemas. Em muitos casos, os
representantes governamentais do
sector das pescas nas áreas tropicais,
tais como o Caribe, não acreditam
necessariamente no argumento de que
as baleias comem o peixe. Pelo
contrário, os argumentos são
suportados por motivos relacionados
com seu relacionamento de ajuda com
o Japão, particularmente no sector
pesqueiro.
Terceiro, é necessário desenvolver
instrumentos de modelação de
ecossistemas, de modo a que o melhor
conhecimento cientifico seja utilizado
na tomada de decisões políticas sobre a
conservação das baleias. Dever-se-ia,
ainda, apoiar programas de
investigação que aspirem preencher as
lacunas de conhecimento relacionada
com parâmetros biológicos chave
(como por exemplo, abundância, taxa
de consumo, e informação sobre a
dieta dos organismos marinhos).
Por último, é importante reconhecer que
o objectivo da gestão baseada nos
ecossistemas é gerir o sistema como um
todo de modo a alcançar uma
sustentabilidade de longo prazo, e não
modificar níveis tróficos específicos
numa tentativa de maximizar a produção
pesqueira (38). De um modo geral, a
gestão dos ecossistemas pode e deve
aumentar o valor dos ecossistemas, de
maneira que possa proporcionar
benefícios às gerações futuras.
Efeitos insignificantes com o sacrifício seletivo de baleias da biomassa comercial de peixes em relação ao efeito de uma
proibição de pesca. Estimativa do aumento da biomassa de peixes para as melhores estimativas de alimentação das baleias e taxas
de pesca, a estimativa de alimentação das baleias de 5- e 10-vezes menos, e as estimativas de pesca de 1.5 e 2-vezes menos. Para
obter detalhes, veja (9).
1
Ecology, Evolution, and Environmental Science, School of Life Sciences, Arizona State University, Tempe, AZ
85287-4501, USA.
2
Institut des Sciences de la Mer de Rimouski, 310 Allée des Ursulines, Rimouski, QC, G5L 3A1, Canada.
3
Institute of Biology I (Zoology), Evolutionary Biology and Ecology Laboratory, Albert-Ludwigs-University, Freiburg,
Germany.
4
Sea Around Us Project, Fisheries Centre, University of British Columbia, Vancouver, BC, V6T 1Z4, Canada.
* Autor para correspondência. Correio electrónico: [email protected]
A seguinte não é uma tradução oficial (francês/português) realizada pelo pessoal de SCIENCE, e nem está endossada pelo
departamento de SCIENCE quanto à exatidão. Melhor dizendo, esta tradução foi totalmente feita pelo editor, Schreiber Translations,
Inc. Em temas cruciais, por favor, refira-se à versão oficial em inglês originalmente publicada por SCIENCE.
De Ecology: Devem as baleias ser sacrificadas para aumentar a produção pesqueira? Leah R. Gerber, Lyne Morissette, Kristin
Kaschner, e Daniel Pauly (13 de fevereiro de 2009) Science 323 (5916), 880. [DOI: 10.1126/science.1169981]. Traduzido com
autorização de AAAS.
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39. Supported by the Lenfest Ocean Program of
the Pew Charitable Trusts. We thank the
participants of the Dakar and Barbados
workshops for contributing to our ecosystem
models and J. Melgo for assisting with data
management. We also thank M. Bowman and
C. Hudson, past and present Lenfest Ocean
Program Directors and L. Busby, Pew Whale
Conservation Project Coordinator.
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