Soraya Farias Aquino - PPG
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Soraya Farias Aquino - PPG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MULHER, TRABALHO INFORMAL E VIDA COTIDIANA NA FEIRA MODELO DA COMPENSA SORAYA FARIAS AQUINO Manaus, Amazonas Mai./2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA SORAYA FARIAS AQUINO MULHER, TRABALHO INFORMAL E VIDA COTIDIANA NA FEIRA MODELO DA COMPENSA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Sociologia pela Universidade Federal do Amazonas, como requisito obrigatório para a obtenção do título de Mestre em Sociologia. Linha de Pesquisa: Sociedade, Meio Ambiente e Trabalho Orientadora: Profª. Dra. Maria Izabel de Medeiros Valle Manaus – AM Mai./2010 2 BANCA EXAMINADORA Prof. Dra. MARIA IZABEL DE MEDEIROS VALLE (Presidente) Assinatura:_____________________________________________________________ Prof. Dra. ELENISE FARIA SCHERER (Membro Externo) Assinatura:_____________________________________________________________ Prof. Dr. ERNESTO RENAN MELO DE FREITAS PINTO (Membro Interno) Assinatura:_____________________________________________________________ Dissertação apresentada e aprovada em 27/05/2010. 3 ABREVIATURAS SEMPAB – Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento GEMEF – Gerência de Mercados e Feiras FMC – Feira Modelo da Compensa SEMEF – Secretaria Municipal de Economia e Finanças OIT – Organização Internacional do Trabalho PAC – Pronto Atendimento ao Cidadão CAIC – Cento de Atenção Integral à Criança CAIMI – Centro de Atenção Integrada à Melhor Idade CICOM – Companhia Independente Comunitária INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social ISS – Imposto Sobre Serviços CBO – Classificação Brasileira de Ocupações ZFM – Zona Franca de Manaus CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços 4 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Quantidade de feiras por Zona, p.21 Quadro 2 – Distribuição dos boxes/bancas por mulher, p. 27 Quadro 3 – Distribuição dos feirantes por atividade, p. 29 Quadro 4 – Distribuição das atividades comerciais entre os autônomos, p. 32 Quadro 5 – Os arranjos familiares, p. 94 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Divisão de Manaus por Zonas, p. 20 Figura 2 – Localização do bairro da Compensa em Manaus, p. 23 Figura 3 – Localização da FMC no bairro da Compensa, p. 25 Figura 4 – Entrada principal da FMC, p. 26 Figura 5 – Corredor de boxes, p. 31 Figura 6 – Corredor principal das bancas, p. 35 Figura 7 – Corredor de confecções e armarinhos, p. 37 Figura 8 – Área dos restaurantes. P. 39 Figura 9 - A FMC e seu entorno, p. 40 Figura 10 – o movimento de fregueses, p. 41 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por mais essa oportunidade. À professora Izabel Valle, que pela significativa orientação, me auxiliou na construção do percurso que ora apresentamos como produto. Sua firmeza, apoio e incentivo funcionaram como mola impulsionadora durante todo o desenvolvimento deste trabalho. Aos professores do PPGS, fundamentais para a ampliação de muitos dos conceitos que permitiram a realização dessa dissertação, assim como ao corpo administrativo do Programa. À professora Elenise Faria Scherer e ao professor Jacob Carlos Lima, com seus comentários imprescindíveis durante o exame de qualificação, o que permitiu melhorar o foco da pesquisa, tornando sua realização mais tranqüila. Ao senhor Stenilson T. Pontes, Diretor do Departamento de Mercados e Feiras, assim como à senhora Rosemary Gomes, gerente de Mercados e Feiras da SEMPAB, que sem criar obstáculos, autorizaram a pesquisa na FMC e forneceram informações valiosas para a compreensão do funcionamento das feiras em Manaus. Ao administrador da FMC, fiscais e feirantes, especialmente às mulheres que se dispuseram a ceder parte de seu tempo para as entrevistas, sem a qual não teria sido possível a realização deste trabalho. Aos colegas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM, pelo incentivo e apoio durante esta caminhada, especialmente ao prof. Raul de Souza Nogueira Filho pela correção de língua inglesa e à professora Ana Ely de Oliveira Souza pela revisão geral do texto. E finalmente e não menos importante, à minha família e amigos por compreenderem as ausências e a quase necessidade reclusão durante a construção desta dissertação. 6 RESUMO Este trabalho apresenta o resultado dos estudos e pesquisas realizados nos últimos dois anos sobre mercado informal e trabalho feminino, onde buscamos ressaltar aspectos das relações sociais desenvolvidas no âmbito de uma feira. Apesar de enfatizarmos o papel da mulher, desenvolvemos discussões sobre as questões de gênero, percebendo como homens e mulheres se relacionam nesse contexto. Dessa forma, no percurso das discussões, destacamos categorias que consideramos fundamental para o que se encontra aqui exposto, como o que tem sido discutido sobre a inserção feminina no mundo do trabalho e de como isso tem se dado, o aumento da informalidade como estratégia de sobrevivência e os mitos que perpassam a construção das relações sociais entre homens e mulheres. Foi tentando entender o universo feminino na informalidade de suas práticas profissionais e no cotidiano, onde também se insere a vida familiar, que desenvolvemos esta investigação, tendo como finalidade, compreender como se dá essa inserção e suas conseqüências na vida das mulheres entrevistadas. É assim que apontamos entre os resultados o fato de que as relações sociais que se estabelecem na vida das mulheres feirantes encontram-se condicionadas às necessidades de sobrevivência, tendo sua centralidade no espaço público aqui representado pelo ambiente de trabalho e mais especificamente na atividade econômica realizada por elas na feira. Palavras-chave: Trabalho informal, gênero, relações sociais, cotidiano. 7 ABSTRACT This dissertation presents the results of studies and research conducted over the past two years on the informal market and female labor, where we try to emphasize aspects of social relations developed in a street market. Although we emphasize the role of women, we develop discussions on gender issues, noting how men and women relate to each other in this context. Thus, in the course of discussions, we highlight the categories that we consider fundamental to what is exposed here, as what has been discussed about the participation of women in the workplace as marketer and how this has occurred, increasing informality as a strategy for survival and the myths that permeates the construction of social relations between men and women. Trying to understand the feminine universe at informality of their professional practices and everyday life, where also fits a family life, we developed this research, and aims to understand how this integration and its consequences on the lives of the interviewed women. This is how we point among the results from the fact that social relationships that are established in the lives of women on a street market are conditioned to the needs of survival, and its centrality in the public space represented here by the working environment and more specifically in economic activity performed by them in the street market. Keywords: Informal job, gender, social relations, everyday life. 8 Não ignorar a vida cotidiana é o ponto de partida para decifrar sociologicamente o possível. José de Souza Martins 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 12 Capítulo I – MERCADOS E FEIRAS - Entendendo o espaço da Feira................................................................................ 16 - A Feira Modelo da Compensa................................................................................ 22 - O trabalho na Feira Modelo da Compensa............................................................. 27 - A ambiência............................................................................................................ 33 - Os atores................................................................................................................. 40 - Entendendo o trabalho informal............................................................................. 42 - O formal e o informal no mundo do trabalho......................................................... 43 - A informalidade em Manaus.................................................................................. 46 - A mulher e o trabalho informal.............................................................................. 49 - Questões entre trabalho e gênero – Definindo gênero........................................... 51 - Um pouco de história sobre o trabalho feminino.................................................... 53 Capítulo II – TRABALHO E COTIDIANO - A pesquisa de campo.............................................................................................. 58 - O trabalho no cotidiano.......................................................................................... 61 - Compreendendo o mito.......................................................................................... 69 - O patriarcalismo como imposição da superioridade masculina............................. 74 - A dupla jornada...................................................................................................... 81 - A hierarquia de status............................................................................................. 85 10 Capítulo III – A VIDA NO COTIDIANO - Os limites entre vida cotidiana e vida privada....................................................... 90 - Formas de organização das famílias...................................................................... 93 - A interiorização da divisão sexual do trabalho e o convívio familiar.....................98 - As despesas familiares...........................................................................................103 - Espaços e tempos dedicados ao descanso e lazer..................................................108 - Discutindo o significado de felicidade..................................................................110 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................117 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................122 ANEXOS..................................................................................................................129 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho teve como objetivo, conhecer e investigar a mulher feirante da Feira Modelo da Compensa na cidade de Manaus, e ainda, compreender como as relações sociais no exercício do trabalho influenciam a vida produtiva da mulher feirante, assim como seu cotidiano. Utilizamos para a realização da pesquisa o método etnográfico com a finalidade de estabelecer os padrões que se constituem dentro das relações sociais, e para isso tornou-se fundamental, além da observação participante, as entrevistas realizadas com oito mulheres que ali trabalham com o comércio de frutas e verduras, priorizando aquelas que se encontram em idade economicamente ativa, variando entre 25 e 50 anos. Apesar de a proposta ter se limitado a essa faixa etária, tivemos a necessidade de, em duas situações, entrevistar uma mulher de 23 anos e outra de 62. Isso se deveu à pequena quantidade de mulheres que têm autorização para comercializar os produtos indicados, além da recusa de outras em participar da pesquisa. As negativas recebidas se deveram ao fato de algumas delas se sentirem inseguras com relação ao que seria levantado como questionamento, podendo comprometê-las, o que desde o início deixamos claro que não aconteceria. Algumas recusas foram muito incisivas, demonstrando a falta de interesse em manter o diálogo, mesmo enquanto tentávamos explicar a finalidade da pesquisa em questão. Entretanto, como nossa proposta tem base qualitativa, a quantidade de mulheres entrevistadas não teve interferência direta nos resultados, já que estávamos em busca de um padrão de comportamento para a análise de categorias mais gerais que nos permitissem uma compreensão do trabalho realizado naquele espaço. A pesquisa exploratória teve início em março de 2009, por meio de uma sondagem do ambiente, o que nos permitiu levantar problematizações para concretizar o trabalho. Após a autorização da Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento – SEMPAB para realizar a pesquisa, e com a anuência do Comitê de Ética em Pesquisa da UFAM, iniciamos o trabalho de campo, que se estendeu até janeiro de 2010. Partindo do tema “Mulher, trabalho informal e vida cotidiana na Feira Modelo da Compensa”, procuramos compreender como ocorre à inserção da mulher no mercado de trabalho informal e em que circunstâncias esse trabalho interfere na vida cotidiana, ou seja, como tal inserção se estabelece na vida prática. Ao nosso objeto de investigação inserimos 12 algumas questões que o fundamentam, como alguns estudos realizados no âmbito das relações de gênero. Tendo por base análises realizadas sobre tais relações e as mudanças ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1970, quando passou a existir uma crescente inserção do número de mulheres no mercado de trabalho1, percebemos que os principais fatores deste ingresso se deram principalmente quanto à necessidade de incremento da renda familiar e a possibilidade de aumento do consumo. (BRUSCHINI, 1994, p. 179). Este e outros estudos ainda apontam que nos últimos 50 anos, as mulheres têm despontado significativamente como população economicamente ativa e que esta participação gira hoje em torno da metade da população feminina. Entretanto, isso se faz perceptível principalmente dentro do mercado informal, do mercado não remunerado e nos serviços domésticos. Estudos também têm demonstrado que o percentual de participação oficial no mundo do trabalho cai à medida que se considera a cor da pele, refletindo uma dupla discriminação: por ser mulher e por ser negra. Podemos também acrescentar a esse dado, o forte preconceito que em geral se estabelece ao também ser considerada sua condição socioeconômica. Em busca de compreender como a mulher, ao se inserir no mercado de trabalho, lida com seus iguais, é que nos propomos a investigá-la como feirante, como uma parcela da representação feminina no mundo do trabalho e mais especificamente no mundo do trabalho informal. Esta escolha se dá por nos permitir a apreensão do universo feminino dentro de uma atividade produtiva que foge aos padrões formais, além de nos oferecer dados para inserir as características do trabalho realizado em suas relações sociais. Nossa compreensão teve apoio na busca em identificar como essas relações sociais condicionam o trabalho da feirante e como os modos predominantes de contatos e trocas entre pessoas e grupos (as relações sociais) se apresentam. Tivemos como locus de investigação a Feira Modelo da Compensa – FMC, motivados pela idéia de que as mulheres que ali trabalham desenvolvem suas atividades produtivas acumulando outros papéis, como os de donas de casa, mães, esposas e trabalhadoras, além de estabelecerem diversas formas de relações sociais. As questões levantadas para o início da pesquisa se deram em busca das relações que condicionam o trabalho da feirante, assim como em que moldes se estruturam essas relações. 1 Por mercado de trabalho entendemos a relação existente entre quem procura e quem oferece emprego, ou seja, é a “articulação entre produção e reprodução social” (SILVA, 2003, p. 152). 13 Ao apontarmos como proposta de investigação a busca em compreender como as relações sociais interferem na vida das mulheres feirantes da Compensa, é que definimos como objetivo geral de nossa investigação, compreender como as relações sociais estabelecidas no exercício de suas atividades condicionam o trabalho da feirante, tendo ainda como objetivo específico, perceber os modelos de estruturação dessas relações. Para tanto, partimos em busca da resposta à seguinte questão: em que sentido as relações sociais presentes no trabalho da feirante interferem no seu dia a dia? Sabendo que a realidade social toma formas diversas de acordo com as situações e relações sociais que os atores estabelecem entre si, procuramos por meio desta investigação sair em busca de compreender o trabalho informal para assim poder contribuir para a compreensão do significado desse tipo de atividade, a partir do trabalho realizado pelas feirantes. Nesse sentido, tivemos a intenção de realizar uma análise voltada para a questão gênero, tentando compreender as relações sociais que se estabelecem na realização do trabalho da mulher. Inicialmente, presumimos que as relações sociais mantidas no exercício de uma atividade profissional conduzem à ampliação da reciprocidade e favorecem a construção das relações que se estabelecem no ambiente de trabalho. Para o trabalho de campo, partimos da idéia de que apesar de serem diversas as críticas feitas aos métodos usuais utilizados em pesquisas realizadas na relação entre pobreza e gênero, o que tem permitido outros procedimentos de análise que incluem além de dados quantitativos um estudo que enfatiza outras dimensões qualitativas como importante fonte de informação que encaminha a um aprofundamento dessas questões (SALLES e TUIRÁN, 1998, p.100), procuramos desenvolver uma investigação fundada na pesquisa etnográfica, em busca de perceber como as relações sociais no trabalho se apresentam em seus diversos aspectos. Além das entrevistas e observações, utilizamos como fonte de consulta, documentos oficiais como o Estatuto dos Mercados e Feiras, os documentos fornecidos pela Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento - SEMPAB e mais especificamente pela Gerência de Mercados e Feiras – GEMEF, além das informações que foram obtidas com os trabalhadores locais que pudessem contribuir para a compreensão do objeto aqui proposto, visando à construção de uma realidade com bases atualizadas e oficialmente fundamentadas, dando um caráter prático às informações colhidas. No primeiro capítulo, iniciamos o trabalho discutindo a definição de feira, o comércio informal presente nesses eventos e a especificidade da Feira Modelo da Compensa. 14 Incluímos aqui também uma breve apresentação do bairro onde a feira encontra-se localizada, além do ambiente e dos atores que interferem e tornam possível o trabalho da feirante. Consideramos também importante discutir ainda neste primeiro capítulo o conceito de trabalho informal como fundamento para a compreensão das categorias que são discutidas nos capítulos seguintes, os quais informarão sobre o trabalho da mulher na feira. No segundo capítulo, que identificamos como “Trabalho e cotidiano”, discutimos os dados da pesquisa, construindo as categorias de análise. Inicialmente, são elas, trabalho e cotidiano e as relações sociais presentes no trabalho na feira. Neste sentido destacamos a situação da mulher no ambiente de trabalho, suas representações, a participação nas decisões tomadas no local, as relações de gênero e os mitos que as envolvem, como o patriarcalismo, a dupla jornada, além da hierarquia de status presente no local de trabalho. No terceiro capítulo, intitulado “A vida no cotidiano”, inserimos a análise da relação entre trabalho e família, que em sua totalidade resulta no cotidiano dessas mulheres. Iniciamos, portanto, com a definição dos limites entre vida cotidiana e vida privada. Na sequência, discutimos a interiorização da divisão sexual do trabalho dentro da família, assim como os arranjos voltados para a administração das despesas familiares. Na continuidade, trabalhamos com os espaços e tempos dedicados ao descanso e lazer, em que ressaltamos a precariedade destes e fechamos com o convívio familiar, discutindo os conflitos e tensões presentes neste âmbito. Nesta parte do trabalho também inserimos a discussão sobre o significado de felicidade, muito presente nas falas das mulheres, tema que finaliza o capítulo. Por fim, fazemos as considerações finais, apresentando os resultados da discussão geral, em torno da estrutura das relações sociais, dos padrões predominantes de contatos e trocas entre pessoas e grupos na Feira Modelo da Compensa e os condicionantes destas relações. 15 Capítulo I MERCADOS E FEIRAS Entendendo o espaço da feira Os mercados e as feiras são espaços de comércio tradicional que têm ultrapassado os séculos, sendo entendido ao longo do tempo como importantes pontos de encontro para a troca de mercadorias e de relações sociais. Esse espaço abrange uma possibilidade de investigação interdisciplinar, possibilitando aos pesquisadores das diversas áreas do conhecimento uma busca de respostas que unam, ao mesmo tempo, questões ligadas à antropologia, economia, geografia, psicologia social, história e sociologia entre outras (MOTT, 2000, p. 14). Foi neste locus rico em possibilidades que traçamos um roteiro de investigação em busca do entendimento das relações sociais as quais se estabelecem no local. As feiras são eventos que ocorrem em todas as cidades do mundo, incluindo aí povoados, aldeias ou pequenas comunidades, podendo ser elas urbanas ou rurais. Apesar de ser um espaço de troca/venda de mercadorias, nele está contido um ambiente potencial de possibilidades de análises incluindo o fato de como esta troca/venda se insere no contexto das relações sociais, permitindo uma ampliação de um espaço que pode ser compreendido a princípio, como meramente econômico, a partir do contato primário e da própria negociação do preço que ela possibilita. Ela representa mais uma alternativa profissional e um meio de prover as necessidades tanto dos que ali trabalham quanto dos que a procuram em busca de melhores preços, sendo ela uma alternativa de consumo que de certa forma concorre com os supermercados e seus funcionários tão imparciais. Apesar de serem realizadas desde a antiguidade, as feiras nos dias de hoje apresentam uma característica que as colocam em uma posição singular dentro de um mundo capitalista, uma vez que após a criação dos novos termos em 1972, pela Organização Internacional do Trabalho – OIT diferenciando o trabalho formal do informal, esses espaços são identificados como locais de realização do comércio informal, não sendo o que 16 necessariamente identificamos como trabalho ambulante2. O que estamos considerando é a diferença que esse tipo de atividade apresenta com relação ao comércio formal, que obedece a critérios oficiais de constituição e formalização de uma empresa. É nesse sentido que entenderemos a partir de agora estes eventos, ou seja, como um local onde prioritariamente se desenvolve a informalidade do trabalho, nos termos que conhecemos hoje3. Ao procurarmos dados sobre as primeiras feiras no Brasil, podemos perceber que a feira foi introduzida pelo colonizador português, pois nossos índios “não produziam excedentes que justificassem transações comerciais nem dentro nem fora da aldeia” (MOTT, 2000, p. 21). Apesar de termos conhecimento sobre sua existência desde a Antiguidade, e mesmo em regiões próximas a nós, as feiras só chegaram aqui com a implantação do mercantilismo e a efetiva colonização desenvolvida por Portugal, no século XVI. Mesmo assim, elas basicamente só existiam “nos centros urbanos, geralmente circundando o prédio do mercado” (op. cit., 2000, p. 22). É no âmbito dessas primeiras informações que precisamos entender a diferença entre feira e mercado. É também em Mott (2000) que buscaremos uma primeira compreensão. Ele define feiras e mercados como instituições que se inserem no sistema econômico e que “se baseiam na produção, distribuição e consumo de bens e mercadorias”, além de representarem uma alternativa profissional para homens e mulheres, (op. cit. 2000, p. 24). Para ele, estes espaços permitem o escoamento de gêneros agrícolas (geralmente hortaliças) produzidas por pequenos sitiantes do cinturão verde das cidades e capitais, além dos produtos vendidos por pequenos extrativistas, de frutas silvestres, crustáceos, artesanatos, bens que dificilmente chegam às redes atacadistas dos supermercados (MOTT, 2000, p.33-34). Para Ferretti (2000), apesar das feiras e mercados serem 2 A Lei Federal de Nº 6.586, de 06 de novembro de 1978, em seu Artigo 1º, classifica o comerciante ambulante como “aquele que, pessoalmente, por conta própria e a seus riscos, exercer pequena atividade comercial em via pública, ou de porta em porta”. 3 A compreensão atual tem como referência os parâmetros definidos pela Organização Internacional do Trabalho – OIT em 1972, e que identifica esse tipo de trabalho como não pressupondo vínculo empregatício nem garantias sociais por não pagar impostos nem ser cadastrado na Junta Comercial ou Delegacia Regional do Trabalho. 17 locais onde se comercializam gêneros alimentícios e outras mercadorias e tenham muitas semelhanças, tanto na sua estrutura como na sua função, apresentam muitas diferenças (...) o termo feira em Portugal designa uma grande reunião comercial regional, realizada via de regra com grandes intervalos de tempo, enquanto mercado designa local destinado a abastecimento local realizado mais amiúde ” (Ferretti apud Mott, 2000, p. 39). No caso brasileiro, as feiras podem ocorrer semanalmente de forma itinerante ao ar livre, assim como em construções especialmente reservadas para isso. Nas feiras localizadas em prédios próprios para esse comércio, em alguns momentos essas aglomerações se aproximam muito mais do que o autor referido cita como sendo características de um mercado do que das feiras que ocorrem em outros países europeus, como citado, tendo ainda grandes variações, o que torna mais difícil sua distinção (FERRETTI, 2000, p.39-40). Ferretti (2000) ainda ressalta que o mercado é um local coberto, em geral construído ou administrado pela prefeitura e que tende a funcionar diariamente, sendo encontrado em núcleos urbanos mais populosos, enquanto as feiras são “reuniões comerciais” periódicas, realizadas em local descoberto e em geral próximo dos mercados, e sendo seus comerciantes ambulantes, por não terem local fixo para a comercialização (op. cit., 2000, p. 40-41). É neste sentido que o acima descrito não corresponde à definição que encontramos na Lei 123/2004, pois o que Ferretti (2000) chama de feira, neste documento é apresentado como “feira livre”, diferenciando-se da feira coberta objeto do presente estudo. Temos assim as seguintes definições, de acordo com a Lei nº. 123, de 25 de novembro de 2004, elaborada com base na Lei Orgânica do Município de Manaus, que “Dispõe sobre a organização e o funcionamento dos Mercados e Feiras no Município de Manaus...”, em seu Capítulo I – Disposições Preliminares, Art. 3º, inciso I, diz que “mercado: é o imóvel do patrimônio municipal dotado de divisões físicas onde se pratica o comércio varejista dos gêneros e mercadorias mencionadas no art. 1º.” 4. No inciso II, “feira livre: lugar público administrado pelo Município e desprovido de divisões físicas onde, em determinados dias da semana e em horários preestabelecidos pratica-se o comércio varejista de gêneros e mercadorias mencionados no artigo 1º”. Já no inciso III, define assim uma “feira coberta: 4 Os gêneros e mercadorias citados neste artigo se referem a “gêneros alimentícios, produtos agrícolas e hortigranjeiros, doces e salgados, peças do vestuário, artigos de armarinho, cama, mesa, banho e cozinha, de limpeza doméstica e higiene pessoal, secos e molhados, estivas em geral e congêneres” (MANAUS. Lei nº 123/2004). 18 imóvel do patrimônio municipal desprovido de divisões físicas onde diariamente se pratica o comércio varejista de gêneros e mercadorias mencionados no art. 1º.” Ou seja, a única diferença que se estabelece entre as três situações é o fato de a primeira, o mercado, apresentar “divisões físicas”, o que as outras duas não apresentam. Por outro lado, a feira livre se diferencia da feira coberta por esta se instalar em um imóvel e por ter comércio diário. É essa definição de feira coberta que utilizaremos como parâmetro para a nossa investigação a partir de agora. De acordo com informações obtidas junto à Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento - SEMPAB, a cidade de Manaus possui 08 Mercados Municipais, 35 Feiras Municipais, 02 Feiras Municipais Volantes e 48 Feiras Comunitárias. Os Mercados Municipais se enquadram no modelo descrito pelo documento da Prefeitura por ter uma estrutura com subdivisões internas. As Feiras, apesar de não estarem previstas subdivisões físicas (boxes), podem apresentar estas divisões em alvenaria ou madeira, nestes casos, apresentando portas e balcões. As Feiras Volantes, por se encontrarem em locais abertos e se deslocarem semanalmente, são compostas apenas por bancas que são montadas no momento de sua realização. Normalmente funcionam em ruas que são disponibilizadas especialmente para isso em alguns dias da semana. Já as Feiras Comunitárias são criadas pelos moradores de uma comunidade sem que isso se dê com a autorização antecipada da Prefeitura Municipal, apesar do documento prever isso. Elas surgem em decorrência da necessidade da população para obter uma renda, que muitas vezes, por falta de uma formação profissional, ocorre como alternativa de sobrevivência, que costumeiramente se dá através da informalidade, onde pequenos empreendedores se aglomeram para comercializar produtos de pequeno valor, cabendo à Prefeitura apenas fazer o acompanhamento de seu funcionamento. Em Manaus, as feiras são encontradas em várias regiões da cidade e se distribuem dependendo da população e do tamanho dos bairros, por Zona. Ainda de acordo com a Lei nº. 123/2004, os mercados e feiras cobertas e livres deverão ser criados por iniciativa da Prefeitura Municipal, considerando a densidade da população na área circunvizinha, fácil acesso aos consumidores, satisfação da comunidade e infraestrutura adequada (Manaus, 2004, Art.5º). Apesar dessa disposição, não é o que observamos na prática, ao considerarmos a quantidade de Feiras Comunitárias que se espalham pela cidade, criadas aleatoriamente. Isso pressupõe uma imensa necessidade de sobrevivência de uma população que cresce a olhos vistos e se espalha por toda a periferia da cidade. 19 Manaus é uma cidade que se encontra dividida administrativamente em Zonas. A Zona Oeste é constituída por 12 bairros, estando eles próximos ao Rio Negro e ocupando uma área de aproximadamente 2.000 Km do município. Observamos então o mapa do município de Manaus, a partir de algumas alterações realizadas na fonte original: Figura 1 – Divisão de Manaus por Zonas 1 2 6 5 4 3 Fonte: http://www.manausonline.com/serv_trans_rodo_lurbana.asp LEGENDA 1. 2. 3. 4. 5. 6. Zona Norte Zona Oeste Zona Sul Zona Centro-Sul Zona Leste Zona Centro-Oeste Tendo por base o mapa da cidade de Manaus, observamos que a Zona Oeste divide com a Zona Leste as maiores áreas da cidade, o que tornaria natural uma maior quantidade destes eventos. Apesar disso, é a Zona Sul que possui uma maior quantidade de feiras, distribuídas entre os 17 bairros que nela se inserem, e que se localiza na região mais central 20 do município, considerando que foi nessa região que construíram a Fortaleza de São José do Rio Negro5, onde teve início a cidade de Manaus. Temos então a seguinte distribuição de feiras por Zona, em ordem decrescente: Quadro 1 – Quantidade de feiras por Zona Zona Quantidade de Feiras Sul 11 Leste 07 Oeste 06 Centro-Oeste 04 Norte 02 Centro-Sul 01 Total 31 Fonte: Gemef/ Sempab, com a elaboração do quadro pela autora. Acrescentem-se a este total, 02 (duas) Feiras Volantes: a Feira Municipal Prefeito I na Zona Sul, que funciona de terça-feira a sábado nos bairros de Aparecida, Centro, Praça 14, ao lado do Cemitério São João Batista e Cachoeirinha, nessa ordem, e a Feira Municipal Prefeito II, que funciona nas Zonas Centro Sul e Centro Oeste, ocorrendo de quarta-feira a sexta-feira, no Conjunto Eldorado, Centro Comercial Campos Elíseos e na Bola do Parque 10 de Novembro, também nessa ordem, e também administradas pela Prefeitura. Temos ainda a Feira do Produtor Zona Leste e a Feira do Produtor Santo Antônio, o que perfaz o total de 35 feiras na capital do Amazonas. Existem ainda como já citado, 48 Feiras Comunitárias, que são acompanhadas, mas sem administração direta da Prefeitura Municipal. Isso ocorre porque o número crescente de feiras tem uma demanda de fiscais que a própria administração municipal não consegue dar conta. Dessa forma, elas têm cadastro na Prefeitura, porém não se inserem no controle, por não serem passíveis de fiscalização ostensiva, como acontece com as Feiras oficialmente acompanhadas, que em geral têm administradores fixos no local. 5 Fonte: http://www.brasilturismo.com/am/manaus/historia.php 21 A Lei Municipal nº. 123/2004 destaca ainda em seu Art. 24, que “cada mercado ou feira será dirigido por um administrador, de livre escolha do Secretário da SEMAF [atual SEMPAB], selecionado entre os servidores públicos municipais detentores de reconhecida experiência na área do comércio e da administração pública, subordinado sempre à orientação e ao controle do titular da pasta.” O administrador passa a fazer então o papel de mediador entre a SEMPAB e a feira, sendo o responsável por tudo o que acontece no local, mantendo atualizados os cadastros dos permissionários, podendo inclusive adotar medidas administrativas. O mesmo documento ainda dispõe entre outros, das Comissões Gestoras, que estão presentes em cada mercado ou feira, e que deve ser “composta por um presidente, um vicepresidente e até três membros”, escolhidos em eleição direta e secreta pelos permissionários e que tem a função de auxiliar o administrador, arrecadar o valor pecuniário para a vigilância, limpeza e manutenção do local, devendo prestar contas mensalmente à Gerência de Mercados e Feiras – GEMEF/SEMPAB (Manaus, 2004, Capítulo IV). Para obter a permissão para trabalhar em uma feira ou mercado, o candidato deve ser encaminhado pelo administrador da feira, onde entrará em uma lista de espera separada por feira, podendo o candidato receber a permissão caso exista algum box desocupado. Para isso a pessoa deverá preencher uma ficha de cadastro, que será acompanhada pelas cópias do RG, CPF, título eleitoral e certidão negativa. A mesma coisa deve ocorrer no momento da desistência do espaço. Os critérios de permissão são definidos pela SEMPAB. Especificamente para a Zona Oeste no ano de 2009, encontravam-se disponibilizadas pela SEMPAB, 1.067 (um mil e sessenta e sete) permissões, distribuídas entre seis feiras, um mercado municipal e um mini-shopping, todos localizados naquela região. Como nosso referencial de pesquisa se restringe à Feira Modelo da Compensa, é dela que trataremos a partir de agora. A Feira Modelo da Compensa A Feira Modelo da Compensa - FMC encontra-se localizada na Zona Oeste, em um dos mais populosos e antigos bairros periféricos de Manaus, que tem em torno de quarenta anos de existência e aproximadamente 73 mil habitantes6. 6 Fonte: http://diariodacompensa.blogspot.com/2007_11_01_archive.html 22 Figura 2 – Localização do bairro da Compensa em Manaus Compensa Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/compensa Como Manaus é uma cidade que cresceu assombrosamente em virtude das frequentes “invasões”, o bairro da Compensa se mostra como um bom exemplo desta situação, representando aqui o que ocorreu com a maioria dos bairros localizados na periferia da cidade, a qual cresceu rapidamente em virtude dos constantes processos migratórios. Para Valle (2007), O processo migratório para Manaus intensificado com a criação da Zona Franca manauara caracteriza dois movimentos combinados: esvaziamento do interior amazonense e „inchaço‟ populacional da capital do Estado. (...) A intensificação do fluxo migratório teve como conseqüência, (...) o inchamento da cidade, a proliferação de favelas, o aumento da criminalidade, da prostituição e do número de menores carentes, o crescimento do desemprego e do subemprego, a elevação do custo de vida, etc.” (Valle, 2007, p. 134-135). É difícil encontrar dados sobre o surgimento dos bairros mais antigos de Manaus, mas de acordo com o Jornal do Comércio (12/01/2006), o bairro da Compensa foi uma área 23 invadida na década de 60 por famílias removidas da Cidade Flutuante7, chamada assim por serem as casas erguidas sobre balsas flutuantes na orla do Rio Negro, localizada ao sul do bairro, ainda no governo de Arthur César Ferreira Reis. A invasão não ocorreu de forma pacífica, pois a área pertencia à família Borel e tinha sido antiga propriedade de alemães. O que hoje é o bairro recebeu inicialmente o nome de Vila Sapé, depois de Cidade das Palhas e finalmente “o atual nome de Compensa, referência a uma antiga serraria que produzia lâminas de compensado” (Jornal do Comércio, 12/01/2006). Desde então o bairro da Compensa cresceu muito e hoje abriga além da sede da Prefeitura Municipal de Manaus, a do Governo do Estado. Apesar de ser um bairro urbanizado, percebemos que as grandes benfeitorias se deram ao longo de sua principal via, a Av. Brasil. É nela que podemos encontrar além das sedes dos Governos municipal e estadual, o Pronto Atendimento ao Cidadão - PAC, Centro de Atenção Integral à Criança – CAIC, Unidade Básica de Saúde, Centro de Atenção Integral à Melhor Idade – CAIMI, 8º Distrito Policial (Polícia Civil) e a Companhia Independente Comunitária da Polícia Militar – 8ª CICOM, escolas estaduais e municipais, Centro Social Urbano, bancos diversos e um comércio que varia de pequenos estabelecimentos comerciais a consultórios médicos e dentários entre outros. É também por esta avenida que em breve se dará o acesso à Ponte sobre o Rio Negro que ligará Manaus à Iranduba, município que se encontra na outra margem do Rio. (Jornal do Comércio, 12/01/2006). A Feira Modelo da Compensa funciona em uma rua perpendicular à Avenida Brasil, em um prédio construído pela Prefeitura Municipal de Manaus, que em março de 2010 completou 16 anos de existência. Apesar de não existir oficialmente nenhum documento que dê conta de sua criação, foi através de um antigo feirante que obtivemos um relato que nos propiciou uma breve reconstrução de sua história, conforme aqui exposto. A Feira Modelo da Compensa foi criada no final da década de 70 por iniciativa e necessidade da própria comunidade do bairro, funcionando inicialmente como Feira da Índia, onde hoje se encontra a Escola Estadual João Bosco (Compensa I). Ao serem expulsos do local, mudaram-se para o final da Rua Amazonas e passaram a funcionar como Feira do Bagaço. Expulsos mais uma vez, instalaram-se na Av. Brasil, em um terreno onde hoje se 7 Para Salazar (1985), a Cidade Flutuante situada na orla do rio Negro passou a ser uma alternativa de moradia para as pessoas que não tinham condições de morar em terra, sendo o resultado de dois problemas: “inexistência de emprego e de habitação em Manaus e o êxodo rural causado pelo ‘débâcle’ da borracha.” (SALAZAR, 1985, p. 59). 24 encontra uma loja de materiais de construção. Após muitas negociações, a Prefeitura Municipal cedeu um terreno no lado oposto da avenida, onde ela se encontra até hoje (Compensa II). A primeira construção foi feita pelos próprios feirantes no ano de 1980. Em 1993 ela sofreu uma reforma, passando a ficar sob a responsabilidade e administração da Prefeitura de Manaus. Ao ser inaugurada em 1994, passou a ser chamada de Feira Modelo da Compensa. Este nome se dá pelo fato de a mesma ser então a maior feira da cidade, devendo sua arquitetura servir como modelo a todas as outras que fossem construídas em Manaus a partir de então. Ela encontra-se localizada na Rua São Pedro, s/n, Compensa II e, oficialmente está cadastrada na SEMPAB como Feira Municipal Compensa II. Entretanto, continuaremos utilizando a denominação Feira Modelo da Compensa - FMC, por ser esta a sua identificação (fachada) e o nome pelo qual a mesma é conhecida na localidade. Figura 3 – Localização da FMC no bairro da Compensa Fonte: http://maps.google.com.br A FMC é composta por permissionários residentes em diversos bairros da cidade, mas predominam os moradores do próprio bairro da Compensa, sendo eles 209 dos 329 25 permissionados. Encontramos também muitos moradores de bairros vizinhos e até de bairros localizados no lado oposto da cidade. Segundo o antigo administrador da FMC, ela ocupa o status de 4ª maior feira de Manaus, entretanto, consultando o relatório da GEMEF/SEMPAB do ano de 2009, percebemos que a mesma encontra-se na 3ª colocação em relação ao número de permissionários e em 2ª em relação ao número de boxes. Temos assim, a Feira da Manaus Moderna com 961 permissionários, 704 boxes e 240 bancas; a Feira da Panair com 754 permissionários, 194 boxes e 500 bancas e a Feira Modelo da Compensa com 329 permissionários, 232 boxes e 97 bancas. Com relação ao movimento nessas feiras, não existem informações oficiais e talvez nesse sentido ela seja considerada a 4ª maior de Manaus. Figura 4 – Entrada principal da Feira Modelo da Compensa Entrada principal da FMC pela Rua São Pedro. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. Do total de 329 permissionários da FMC, cerca de 127 são mulheres, sendo que são elas também que ocupam e são permissionárias de 172 dos espaços destinados à comercialização dos produtos e definidos como boxes e bancas lá existentes (tendo algumas delas mais de um box ou banca), totalizando 172 permissões e significando que mais da metade do espaço da feira é ocupado por elas. Uma outra observação a ser feita é que o uso de 26 cada box ou banca corresponde a uma permissão individual, o que com base nos mesmos relatórios da GEMEF/SEMPAB, nos permitiram a elaboração do seguinte quadro: Quadro 2 – Distribuição dos boxes/bancas por mulher Quantidade de box/ Mulheres Total 1 89 89 2 34 68 Mais de 2 04 15 banca Total geral 172 Fonte: Dados fornecidos pela Gemef/ Sempab 2009, com a elaboração do quadro pela autora. Percebemos então que 89 mulheres têm permissão para o uso de apenas 1 (uma) banca cada, 34 têm 2 permissões cada e 4 delas possuem mais de duas permissões, ocorrendo situações em que uma mesma mulher tem até 4 permissões de uso de Box ou banca. Perguntado sobre os critérios utilizados para a obtenção de mais de uma permissão, o administrador informou que isso é competência única da própria SEMPAB, pois é lá que são feitos os registros e listas de espera para a permissão. O trabalho na Feira Modelo da Compensa A FMC tem o seu funcionamento iniciado às 04h da manhã, se estendendo por todo o dia até as 21h, de domingo a domingo. Algumas situações são muito específicas, pois dependendo do tipo de produto a ser comercializado, seu início pode ocorrer por volta das 8h ou encerrar em torno das 17h. Essa flexibilidade no horário de funcionamento busca atender às especificidades de cada atividade comercial ali desenvolvida. Entretanto, para alguns, chegar à feira às 4h significa ter que acordar por volta das 2h da madrugada, principalmente no caso dos que trabalham com peixes ou os que trabalham com frutas e verduras. Este é um lugar onde é estabelecida a livre concorrência, onde cada feirante define seu preço de acordo com o que achar que vale o produto a ser comercializado, embora seja levada em consideração a oferta e a procura, a qualidade do que é oferecido, a procedência, safra e 27 entresafra e a própria aceitação do produto. O propósito é deixar que o mercado regule a comercialização do que é oferecido na feira, sem a interferência do poder público. Assim, o preço do produto é estabelecido levando-se em conta o transporte da mercadoria, o preço de aquisição e a força de trabalho, sem deixar de lado, porém, os outros critérios mencionados. Existem na Feira situações bem divergentes em que de um lado, podemos encontrar alguns “autônomos”, como eles mesmos se autodefinem, bem sucedidos e com empresas constituídas (uma pequena quantidade), por outro lado, encontramos a grande maioria que vive com cerca de 02 salários mínimos/mês, segundo um dos representantes dos feirantes. Muitos revendem produtos perecíveis que acabam por dificultar a obtenção de algum tipo de lucro significativo, pois se não ocorre à venda no dia, o produto perde a qualidade. Aqui também não encontramos nenhum tipo de produtor. Entre as atividades comerciais desenvolvidas na FMC e com base nos dados fornecidos pela GEMEF/SEMPAB, construímos o quadro a seguir que demonstra a distribuição dos produtos comercializados. Nele começaremos a destacar a situação da mulher na FMC, visualizando a totalidade dos espaços ocupados por elas e o comércio com cada tipo de produto. Para dar destaque à posição da mulher, portanto, criamos uma coluna que nos permite entender o quantitativo delas, além de deixar claro sua predominância em determinadas áreas. Para tanto, encontramos a seguinte distribuição em ordem decrescente, na qual classificamos os espaços mais ocupados por atividade, acompanhada pela referida quantidade de boxes/ bancas utilizados por elas: 28 Quadro 3 – Distribuição dos feirantes por atividade Atividade Quantidade total de boxes/bancas Boxes/ bancas com mulheres Lanche 71 41 Estivas 35 20 Bazar 31 16 Frutas/verduras 29 15 Peixe 27 03 Confecções 21 21 Produtos regionais 16 06 Carne 09 01 Doces 08 05 Armarinho 07 06 Frango 07 06 Miúdos 06 - Laticínios 06 01 Distribuidora 06 - Café da manhã 06 06 Embalagens 04 02 Restaurante 04 04 Artigos religiosos 03 - Frutas 03 01 Ourivesaria 02 - Polpas 02 01 Sorveteria 02 02 Protético 02 - Temperos 02 - Panificadora 02 01 Salão 01 01 Calçados 01 - Relojoaria 01 - Jornaleiro 01 01 Total 315 160 Fonte: Gemef/ Sempab, com a elaboração do quadro pela autora. 29 Como podemos observar, os espaços ocupados na feira estão prioritariamente reservados ao comércio de produtos alimentícios, sendo o comércio de frutas/verduras, peixe, produtos regionais, carne, frango, miúdos, polpas ou somente frutas (em geral frutas mais caras), o que corresponde a 98 bancas/boxes, seguido pelo comércio de alimentos prontos para o consumo, que se distribui entre lanches, doces, café da manhã, restaurantes, sorveteria e panificadora, somando 91 bancas/boxes e totalizando 189 espaços dedicados apenas ao comércio de alimentos. Os boxes restantes, ou seja, 140 boxes/bancas comercializam produtos não perecíveis ou de maior durabilidade. Vale ressaltar que no comércio de produtos alimentícios, 33 boxes/bancas são ocupados por mulheres, e no comércio de alimentos prontos para o consumo, 57 desses espaços estão sob sua responsabilidade. Isso não significa que os 34 boxes/bancas restantes, mesmo com a permissão de trabalho dada aos homens, sejam eles os preparadores de tais produtos. Em geral, a elaboração dos alimentos fica por conta das mulheres, ficando o homem apenas com a venda dos mesmos. Portanto, nas atividades realizadas, as mulheres predominam nos setores de alimentos, armarinho, confecções, frutas e verduras e praticamente não são encontradas no setor de venda de carnes (01 para 09) e peixes (03 para 19), onde a predominância é masculina. Na venda de frango encontramos 05 mulheres para 06 homens, significando que na venda deste tipo de produto não são percebidas muitas diferenças, solidificando a ideia de que elas mantêm suas áreas de atuação próximas às atividades consideradas tradicionalmente femininas. Observamos ainda pelos documentos fornecidos, que existe uma predominância de mulheres no comércio de alimentos (lanche, doce, café da manhã e restaurante). Além disso, dos 71 boxes de lanche, 40 são ocupados por mulheres; na venda de doces encontramos 05, sendo o café da manhã serviço exclusivo delas, assim como a permissão para o trabalho com os restaurantes. Percebemos também que a área de confecções é exclusiva delas. Por outro lado, também observamos que elas se encontram presentes em grande quantidade na venda de frutas/verduras, onde das 29 pessoas 15 são mulheres, e das 31 que trabalham com bazar, elas estão presentes em 16. Apenas 01 homem trabalha com armarinho, e um dado interessante a ser destacado é que das 35 pessoas que trabalham com estivas, ocupação tradicionalmente considerada masculina, 20 são mulheres. 30 Além dos boxes acima descritos, temos também 01 box utilizado pela comissão 8 gestora , 01 para trabalho de mídia (1 homem) e 02 para voz (1 homem e 1 mulher). Podemos também identificar que existem 08 permissões sem atividade definida (2 homens e 3 mulheres, alguns com mais de uma permissão), e 02 boxes identificados como inexistentes. A somatória corresponde aos 329 boxes/bancas, das quais 160 deles com a permissão de uso para mulheres como já citado, e cinco que se distribuem entre inexistente e sem atividade definida, também delas, totalizando 165 permissões, o que corresponde à metade mais 01 das permissões concedidas pela SEMPAB. Figura 5 – Corredor de boxes Aqui encontramos um dos corredores da FMC reservado exclusivamente aos boxes. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. É importante ressaltar que 19 das permissões concedidas têm seu espaço utilizado como depósito e que as 08 permissões sem atividade definida constam no documento como ativo, significando que o permissionário trabalha no local mesmo sem identificação do produto que comercializa. 8 Esta comissão é composta por “um presidente, um vice-presidente e até três membros, todos escolhidos por maioria absoluta dos permissionários, dentre os feirantes através de eleições diretas secretas com mandato de dois anos, sem qualquer vínculo empregatício com o Município.” (MANAUS, Art. 28 da Lei 123 de 25/11/2004). 31 As bancas têm sua disposição principalmente ao longo do corredor principal, o qual se encontra localizado ao lado direito da entrada da feira, e nos arredores do espaço interno, sendo identificadas no documento fornecido pela GEMEF/SEMPAB, como BC. É nesses espaços que observamos principalmente o comércio de peixes, carnes, frutas/ verduras, café da manhã e temperos. Quando se trata da situação dos permissionários a qual indica se eles são ativos ou não no trabalho na feira, percebemos que dos 329, 19 são denominados de autônomos sendo que destes, 08 são mulheres e 05 são homens, um deles tendo duas permissões. Por outro lado, os homens só são encontrados como autônomos quando são vendedores de lanches, tendo ainda 01 que realiza trabalho como protético. Todos os autônomos ocupam boxes, sendo inexistente o uso de bancas por estas pessoas. Podemos identificar o tipo de atividade em que os autônomos se distribuem no quadro a seguir: Quadro 4 – Distribuição das atividades comerciais entre os autônomos. Atividade Total de permissões Permissões para mulheres Quantidade de mulheres para autônomos autônomas Lanche 09 03 02 Estivas 03 03 02 Bazar 04 04 03 Confecções 02 02 01 Protético 01 - - Total 19 12 08 Fonte: Gemef/ Sempab, com a elaboração do quadro pela autora. A busca de esclarecimentos para o fato de algumas pessoas se identificarem como autônomas não existe oficialmente, mas percebemos que essas situações se encontram muito próximas daquilo que poderia ser denominado micro ou pequeno empresário, descaracterizando o papel e a própria função social da feira, que não exige criação oficial de uma empresa. E mesmo no caso de se autodenominarem empresários, a situação oficial de constituição de uma empresa não é observada. Mas grande parte dos trabalhadores da feira se auto-define mesmo como feirante, sempre enfatizando que ser feirante não o diminui em 32 nada, já que realizam um trabalho honesto. Essa é uma forma muito peculiar de tentar não se sentir diminuído pelo status dado ao autônomo, que pressupõe uma posição de superioridade em relação aos demais. Assumir-se autônomo dá uma idéia de mais poder, justificando uma clara renúncia a ser identificado como feirante. O autônomo é o profissional que exerce sua atividade econômica de forma não organizada, ou seja, sem estrutura física ou estabelecimento para exercer suas atividades. Esse é o caso do ambulante e como já vimos, de alguns feirantes que se identificam como tal. Mesmo nesse caso, o autônomo não está livre de impostos, pois, ao se registrar como tal, a carga tributária que incide sobre esse tipo de atividade são o Imposto de Renda sobre Pessoa Física - IRPF, o seguro social presente no pagamento do INSS e o Imposto Sobre Serviços ISS9. No caso da feira, com apenas uma exceção, todos os outros que se declaram autônomos acabam por não ter o registro oficial e muito menos pagam os impostos devidos, significando que de fato essa realidade foge à regra. A diferença que se estabelece entre os que se consideram autônomos e os que se identificam apenas como feirantes cria um certo mal-estar que gera uma possibilidade de hierarquização do status, assunto que discutiremos no segundo capítulo. A ambiência Nesta parte do trabalho iremos discutir mais amiúde o ambiente em que ocorre o trabalho dos feirantes. Este ponto da pesquisa é referente à fase de observação, na qual fazemos o uso de todos os sentidos para a descrição do local, enfatizando aspectos que em geral passam despercebidos, a não ser nos casos em que pela rotina da observação, treinamos o olhar para isso, ou seja, quando existe uma intencionalidade. Para Martins (2006, p.86), a ambiência está ligada à preocupação ambiental que teve início na década de 70 e se intensificou nas décadas seguintes. Este é um conceito que trabalha as qualidades do ambiente relacionadas à luz, som, odores e as percepções em geral nas quais o ambiente passa a se relacionar com o espaço e o tempo, estabelecendo uma troca, uma circulação construtiva entre o dado e o configurado, o sentido e a ação, o percebido e o representado: ela é a configuração sensível situada num local; 9 Fonte: http://www.sebraesp.com.br/faq/criacao_empresa/empreendedor/autonomo_empresa 33 ela é a expressão de uma cultura que alia função, arte e técnica; ela é a expressão recepção de uma cultura por parte dos habitantes/usuários; ela é uma globalidade perceptiva que une elementos objetivos e subjetivos representados como uma atmosfera, um clima, um meio físico e humano e também um dispositivo técnico ligado às formas construtivas. (Martins, 2006, p. 87). A FMC é um espaço urbano onde predomina a circulação de produtos e pessoas, sendo sua ambiência representada por um aglomerado de divisões denominadas setores, com subdivisões em blocos que se distribuem de A a O. Temos ainda o setor de frente, o setor extra e dois estacionamentos, um localizado na frente da feira e outro na parte de trás, que é coberto. A entrada ao interior da FMC pela frente, se dá por três escadas, duas laterais e uma central, sendo duas mais íngremes à esquerda e no centro e outra mais ampla, ladeada por uma rampa à direita, que dá acesso à passagem principal. O espaço interno apresenta passagem mais larga nos três corredores que cortam a feira da frente até próximo ao estacionamento que fica na parte de atrás e que também permite a entrada dos consumidores. Entre os blocos há espaços que não apresentam mais de 1,5m, utilizados como via de deslocamento pelos transeuntes entre um bloco e outro. Não percebemos espaços vazios nas passagens principais, sendo em geral todos eles ocupados por bancas para a venda de produtos diversos. No último bloco são visíveis alguns boxes fechados, localizados próximos aos banheiros coletivos, deixando claro que estes são espaços desqualificados. A desqualificação do espaço é percebida pelo posicionamento que este ocupa, sendo mais valorizados aqueles que se encontram mais na frente, próximo à entrada principal da feira, ou aqueles que se encontram nos corredores mais movimentados. De acordo com o atual presidente da feira (Comitê Gestor), a distribuição dos espaços encontra-se fora dos padrões, pois segundo ele, o correto seria ter na área frontal a venda de produtos considerados prioritários para o comércio na feira, como frutas, verduras, carnes, peixes, e não os armarinhos, bazares e distribuidoras, como ocorre no momento. Outro ponto a ser considerado é o fato de que, para ter acesso aos produtos o cliente precisa subir escadas, o que, segundo alguns, dificulta a movimentação dos possíveis compradores. Para estes, o correto seria a feira se encontrar no nível da rua. Os boxes têm tamanhos diferenciados e seguem a lógica do produto vendido. Temos os maiores que medem em torno de 4m2 que são usados para o comércio de estivas, distribuidoras e restaurantes e estão localizados na frente e parte central da feira. Já os que 34 medem 2m2 são usados para a venda de frutas e o comércio de quinquilharias, tendo sua localização mais à frente. Algumas armações são feitas de madeira e no caso das bancas de confecções, todos os espaços são ocupados por produtos expostos. Os balcões de peixes, carnes e frangos, expõem seus produtos para a apreciação pública e são dispostos em série em um corredor largo localizado à direita da entrada principal (aqui considerada aquela que dá acesso pela escada e pela rampa). As bancas de frutas e verduras encontram-se sempre próximas aos balcões de carnes, peixes e frangos, sugerindo que estes produtos devem ser acompanhados pelas verduras expostas. Ocorre dessa maneira uma perfeita união entre o objetivo e o subjetivo, o observado e o velado ao tornar natural a necessidade de acompanhamento de um para o outro. Figura 6 – Corredor principal das bancas Corredor localizado à direita da entrada principal e disponibilizado principalmente às bancas de verduras e frutas, venda de frango e peixes. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. A aparente desordem da feira esconde uma ordem imperceptível para os menos sensíveis, para os que chegam com pressa ou estão só de passagem e acabam por perder a oportunidade de perceber que aquele é um espaço onde novas culturas e novas representações sociais se estabelecem, tornando necessário um olhar diferenciado para captar o sentido do 35 espaço recriado pelas pessoas que ali trabalham. Buscaremos a partir de agora descrever o ambiente que nos permitirá compreender melhor as condições físicas, palco do trabalho dos feirantes. A luz A iluminação natural predomina apenas nas áreas mais próximas da entrada, enquanto na parte interna, o uso de iluminação artificial é imprescindível. Apesar de existirem algumas telhas transparentes que permitiriam uma iluminação natural mais intensa, a falta de limpeza e o acúmulo de sujeira não permitem a entrada da luz natural de forma eficaz. É isso que propicia o fato de alguns ambientes parecerem escuros, principalmente, os que se encontram na parte mais central da feira. Neste caso, o uso de luzes artificiais torna-se necessário, sendo então, este, um fator relevante para a valorização do espaço. A térmica Considerando o calor do verão amazonense, percebemos que nas áreas mais centrais não ocorre ventilação natural, sendo necessário o uso de ventiladores. O projeto arquitetônico da feira não permite que o ar circule, sendo insuportável o calor nos horários de sol mais forte. Além disso, a cobertura com telhas galvanizadas e a estrutura de ferro que as suporta é baixo para permitir que o vento circule internamente. Os sons Os ruídos perceptíveis se dão em torno tanto do movimento de carros e ônibus que transitam na rua em que a feira se encontra localizada, como internamente, onde podemos ouvir um burburinho de sons que giram em torno das relações sociais que se estabelecem entre os feirantes e os fregueses, nas negociações e nas ofertas que ocasionalmente são utilizadas para chamar a atenção dos possíveis compradores. Também percebemos o barulho de música que vem dos rádios e TVs que algumas vezes encontramos em alguns boxes, nas conversas que ocorrem entre vizinhos de bancas, e do alto falante que chama por alguém ou indica as ofertas do dia. O barulho fica mais intenso nos finais de semana, quando a quantidade de pessoas aumenta significativamente e o entra e sai de fregueses aquece a economia da feira. 36 Os odores Os odores se confundem em alguns momentos, o que torna difícil uma identificação isolada. A cada bloco podemos identificar cheiros que variam entre ervas, frutas, peixes e carnes, demonstrando que o cheiro que prevalece caracteriza os setores de venda. Sentimos também em algumas áreas um mau cheiro que é proveniente principalmente dos banheiros, da lixeira pública, dos esgotos e poças d‟água que se acumulam nos dias de chuva ao longo da rua onde a feira está localizada. As cores Uma infinidade de cores se espalha pelas bancas. São cores que alegram o local e chamam a atenção para as compras, sendo percebidas principalmente nas bancas de frutas/ verduras e de confecções, que se espalham ao longo da entrada da feira. A entrada funciona como um destaque pelo colorido que proporciona aos que se encontram de passagem nas proximidades. Figura 7 – Corredor de confecções e armarinhos Corredor inicial localizado paralelamente à entrada da FMC. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. 37 Manutenção e limpeza A manutenção da feira encontra-se comprometida. Algumas telhas apresentam rachaduras e furos e o piso de cimento se encontra necessitando de reparos, colunas de ferro que apresentam sinais de ferrugem e desgaste, etc. De acordo com alguns feirantes, esse é um problema de gestão, pois o comitê responsável pela manutenção, não tem dado a atenção necessária para alguns detalhes que poderiam fazer a diferença. No que se refere à limpeza, observamos uma grande quantidade de teias de aranha na cobertura, o piso sempre úmido na área de venda dos peixes e lixo na calçada de entrada (provavelmente jogado pelos transeuntes). Internamente não observamos grande quantidade de sujeira, pelo menos no que se refere a lixo espalhado pelo chão, a não ser nos dias de intenso movimento. Segurança Internamente não observamos nenhuma situação que prejudique a segurança, mas como a feira encontra-se localizada em um bairro considerado violento, a cautela nos dias de muito movimento é fundamental, principalmente na entrada e na saída do local. Os feirantes afirmam que o ambiente interno é seguro, todavia a saída requer cuidados, pois já ocorreram situações de roubos e pequenos furtos nas proximidades. Os espaços de “lazer” e alimentação Estes locais são os destinados à venda de alimentos e bebidas. É nos restaurantes e lanches que os feirantes se reúnem nos intervalos ou no final da tarde para conversar descontraidamente, almoçar, fazer pequenos lanches ou tomar diversos tipos de bebidas, incluindo as alcoólicas. A administração informou que a venda de bebidas alcoólicas somente é permitida a partir das 10h da manhã para controlar o seu consumo, pois a venda iniciada mais cedo propiciava a geração de tumultos durante o horário de trabalho. Fomos informados que algumas pessoas depois de beberem demais, acabam dormindo no estacionamento, incapazes de retornar para suas casas. Algumas delas já são conhecidas por todos que trabalham no local, pelas repetições das mesmas situações, e nesse caso pode ser incluída até uma mulher que já foi identificada como moradora do bairro, mas não funcionária do local. 38 Figura 8 – Área dos restaurantes e lanchonetes Funciona como uma praça de alimentação onde podem ser encontrados restaurantes, lanchonetes e pequenas mercearias. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. O entorno No entorno da feira podemos encontrar uma grande quantidade de ambulantes, que aproveitam o movimento da feira para vender seus produtos. Alguns carregam armações de ferro e se instalam nos muros próximos à espera de compradores, outros empurram uma espécie de carro de mão adaptado, e seguem pela extensão das ruas para expor e vender suas mercadorias. Encontramos também pedintes idosos e crianças, flanelinhas que se colocam na rua para cuidar e lavar os carros enquanto as pessoas fazem compras, e carregadores para ajudar a levar as sacolas até o carro (em geral crianças e jovens). Apesar de não terem a segurança obtida com a permissão, estes acabam sendo beneficiados pelo movimento naquele local. O entorno encontra-se diretamente relacionado com a segurança, pois é do lado de fora que se encontram a maioria dos problemas que aquele ambiente apresenta, e que pode em algumas situações afastar os clientes. Por outro lado, a administração da feira não se responsabiliza por nada do que acontece fora dali, priorizando apenas a segurança interna. 39 Figura 9 – A FMC e seu entorno A FMC e seu entorno que oferece oportunidades para a compra de variados produtos. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. Os atores Encontramos entre os feirantes pessoas que vieram de diversas localidades do país, principalmente nordestinos. Muitos deles aqui chegaram com a migração ocorrida durante a criação da Zona Franca de Manaus e dizem com orgulho que através da feira conseguiram educar seus filhos e manter o sustento da família. Outros são pessoas que chegaram mais recentemente, no final da década de 1980, e encontraram no trabalho da feira uma estratégia de sobrevivência viável para a superação dos obstáculos causados pela falta de qualificação e até mesmo pela diminuição da oferta de emprego no Distrito Industrial de Manaus, nossa maior fonte de postos de trabalho na cidade. Alguns são originários de lá e encontraram na feira uma alternativa de vida após a demissão. Para ser feirante não é necessária uma qualificação formal, nem existe nenhum tipo de formação especial. Pela Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, o feirante se enquadra no código 5242-05, estando entre os vendedores em bancas, quiosques e barracas e tendo como principais características de sua descrição o fato de venderem “mercadorias nas vias públicas, em pontos fixos, sob permissão governamental; compram e preparam mercadorias para venda; organizam o local de trabalho, dispondo as mercadorias em feiras 40 livres, bancas, quiosques e barracas, para atender os compradores que procuram esse tipo de mercado. Comunicam-se, apregoando a qualidade e o preço do produto.” 10 Figura 10 – O movimento de fregueses A venda de peixes em um dia de domingo. Fonte: arquivo da autora; jan./2010. Observamos, dessa forma, que ao feirante é necessária uma maneira especial para lidar com o público que somente é adquirida com a prática do trabalho realizado, principalmente porque é isso que permitirá a fidelização do cliente. Assim faz-se proeminente a troca de gentilezas entre o feirante e o consumidor, em busca do estabelecimento de uma profícua relação, determinando as preferências dos fregueses, que muitas vezes se deslocam até a parte posterior da feira para comprar dos seus feirantes preferidos. Nessa tática também podemos encontrar as negociações, os descontos e o fiado, sendo esta última prática permitida somente para os fregueses preferenciais mais antigos. Observamos também que é nessa prática de negociação que o feirante desempenha um papel, representando o que o freguês espera dele, cedendo na negociação ou insistindo na valorização do produto a ser vendido para que a compra seja efetuada. Mas o freguês também representa muitas vezes, tentando convencer o feirante a diminuir o preço, a oferecer descontos, pechinchando, mesmo sabendo muitas vezes que a compra será realizada independente do resultado da negociação. Aliás, a possibilidade de negociação direta é uma 10 Fonte: www.cbo.gov.br 41 característica própria das atividades que são exercidas no âmbito de uma relação social primária, onde o contato direto entre o vendedor e o comprador forma a base da interação social. Isso torna as feiras e os mercados ambientes que resistem ao tempo, principalmente quando vemos aumentadas as relações impessoais nos grandes centros urbanos. Como um ator atuando em um filme ou novela, a representação aqui ocorre como parte estruturante da organização social presente no trabalho na feira, encontrando-se presente em todos os momentos vivenciados naquele local, que, tomando por base Goffman (2007) em “As representações do eu na vida cotidiana”, pode ser entendido como o cenário da atuação. Mas trataremos mais sobre o assunto nas páginas posteriores, mais especificamente no segundo capítulo. Por ora, precisamos esclarecer alguns pontos chave para a compreensão sobre o trabalho na feira, incluindo aí as amplas discussões travadas em torno da formalidade e informalidade do trabalho, questões que se encontram na tônica do dia e que fazem parte da preocupação dos mais influentes governantes e de todos aqueles que se inquietam com as questões sociais na atualidade. Entendendo o trabalho informal Diante da discussão realizada até o momento, identificamos o feirante como um trabalhador informal. Apesar de não considerarmos que este trabalhador seja necessariamente um desempregado pela crise desencadeada pela reestruturação produtiva11, podemos afirmar que sua situação se insere no contexto dessa crise, ao analisarmos as transformações pelas quais tem passado o mercado de trabalho, que tem permitido o florescimento de antigas formas de produção e “O rápido crescimento de economias „negras‟, „informais‟ ou „subterrâneas”, indicando no nosso caso, o “surgimento de novas estratégias de sobrevivência para os desempregados ou pessoas totalmente discriminadas” (Harvey, 2004, p. 145). Excetuando-se os casos em que as pessoas seguem uma tradição familiar de trabalho na feira, temos observado que a maioria das pessoas que nela ingressam o faz em decorrência da necessidade de desenvolver um trabalho produtivo que incremente a renda familiar ou que permita a própria sobrevivência individual ou familiar. 11 A reestruturação produtiva trouxe em seu bojo novos métodos de gestão, inovações tecnológicas, a terceirização, mudanças no mercado e nas relações de trabalho, causando a diminuição de postos de trabalho e em conseqüência o aumento do nível de desemprego. (VALLE, 2007, p. 81-93). 42 Ao desenvolver uma noção ampliada de classe trabalhadora e incluir nela todos os que “vendem sua força de trabalho em troca de salário”, Ricardo Antunes (2007, p. 103) insere “os trabalhadores assalariados da chamada „economia informal‟ (...) [que são] indiretamente subordinados ao capital”. Nesse sentido ele explica que sua compreensão de “economia informal” se dá “basicamente nos trabalhadores assalariados sem carteira de trabalho, em enorme expansão no capitalismo contemporâneo, e também dos trabalhadores individuais por conta própria...” (op. cit., 2007, p. 103). É essa a compreensão que também temos ao caracterizar a atividade do feirante como informal. O formal e o informal no mundo do trabalho É no cerne da reestruturação produtiva que podemos encontrar o trabalho informal como um “problema”, dentro da atual perspectiva do mercado de trabalho. O trabalho informal, na compreensão que temos atualmente, tem sua origem em uma “categoria remanescente de séculos passados que conseguiu sobreviver mesmo com a implantação do modo de produção capitalista no século XVIII, dando origem a uma forma modificada de produção material” (ALVES e TAVARES, 2006, p. 425). Com o advento do capitalismo, essas formas de produção independentes estiveram subordinadas ao sistema e passaram a ser entendidas como as causas do subdesenvolvimento pelos teóricos da marginalidade. Foi em 1972, que a Organização Internacional do Trabalho – OIT diferenciou o trabalho formal do informal, quando o primeiro passou a ser caracterizado como unidades produtivas organizadas e o segundo como unidades produtivas não organizadas. Nos anos 80, este tipo de atividade passou a ser vista como intersticial dentro do sistema capitalista, tendo como principais características (ALVES e TAVARES apud CACCIAMALI, 2006, p.427): - o trabalhador que vive de sua própria força de trabalho, e que algumas vezes se utiliza do trabalho familiar ou subcontratando ajudantes; - objetiva a renda para consumo individual e familiar, e a manutenção de sua atividade; - domínio sobre a totalidade das etapas de produção. Esta atividade assim caracterizada, não pressupõe a possibilidade de acúmulo de capital em conseqüência dos baixos investimentos realizados, assim como do baixo retorno financeiro que em geral se obtém. Todas essas características podem ser percebidas no 43 trabalho do feirante, seja no trabalho familiar, na renda para o consumo familiar e da atividade, o conhecimento das etapas da produção e a impossibilidade de acúmulo de capital. Nos anos 90, ocorreu um aumento da economia informal e “o crescimento de outras formas de trabalho não regulamentadas pela legislação trabalhista” (ALVES e TAVARES, 2006, p. 428), como conseqüência da precarização do trabalho, e podemos incluir aqui o incremento de atividades produtivas tradicionais, incluindo o trabalho na feira. Hoje, esta força de trabalho se mostra heterogênea, dificultando uma precisão em seu conceito. Nessas tentativas de conceituá-lo, podemos entender que este tipo de trabalho ... abrange uma grande diversidade de situações que inclui tanto atividades informais tradicionais quanto as novas formas de trabalho precário. Os trabalhadores informais tradicionais estão inseridos nas atividades que requerem baixa capitalização, buscando obter uma renda para consumo individual e familiar. Nessa atividade, vivem da sua força de trabalho, podendo se utilizar do auxílio de trabalho familiar ou de ajudantes temporários... (ALVES e TAVARES, 2006, p.431). Alves e Tavares (2006, p. 430-434) também apontam as principais características da informalidade que podem ser assim resumidas: - a categoria dos trabalhadores informais tradicionais, na qual se inserem os trabalhadores menos instáveis, que realizam atividades com algum conhecimento profissional, os instáveis, que recebem por peça ou trabalho realizado e os ocasionais ou temporários, que aguardam o retorno à inserção formal. O retorno financeiro dessas atividades depende do que é oferecido e da clientela que adquire esses produtos e serviços; - os assalariados sem registro, que não têm acesso às garantias sociais básicas e geralmente apresentam um baixo nível de instrução e em consequência, obtêm salários muito baixos; - os que trabalham por conta própria, em atividades artesanais, pequenos ofícios, pequenos comércios e outras atividades ocasionais, que eventualmente prestam serviços a empresas maiores ligadas ao comércio ou à indústria. Entretanto, independente da maneira como a informalidade é compreendida, o fato é que ela foge ao padrão convencional de ocupação, por em geral, não admitir carteira assinada, coberturas sociais, além de presumir perda de direitos tanto sociais, quanto políticos. Baseados nas análises sobre a atual conjuntura, Santana e Ramalho (2003, p. 19) afirmam que 44 “... a economia informal não minimiza ou reduz a exploração, mas tem combinado flexibilidade e exploração, produtividade e abuso, empresários agressivos e trabalhadores desprotegidos”. Em geral, pela instabilidade que esse tipo de ocupação proporciona, as pessoas são levadas a essa situação, principalmente pela necessidade de sobreviver e pela falta de opção por outro tipo de trabalho que os auxiliem na manutenção da própria vida. Para Scherer (2004), ... o mercado informal é o desaguadouro de quase toda a força de trabalho que sai à procura de emprego, tentando ganhar a vida de qualquer jeito. Muitas vezes os trabalhadores desempregados desistem de procurar emprego no setor formal por falta de condições financeiras para custear o transporte, lanche, etc. Na informalidade caracterizam-se a um só tempo pela insegurança e aleatoriedade, mas, por outro lado, inauguram formas alternativas de sociabilidade... (SCHERER, 2004, p. 139). É dessa maneira que a informalidade aos poucos vai adquirindo o status de trabalho, muitas vezes, mesmo sem o reconhecimento oficial, que percebendo seu aumento, tem tentado através de algumas políticas públicas regularizá-lo e reconhecê-lo, criando créditos para as micro e pequenas empresas, o acesso a pequenos empréstimos, instituindo programas de qualificação profissional, alterando a lei para oficializá-lo dentro das pequenas atividades caseiras como as costureiras, as doceiras, etc. Mas vale ressaltar que este “auxílio” vem na maioria das vezes, carregado pela preocupação com a formalização do trabalho em toda a sua extensão: inscrição nas Juntas comerciais, pagamento dos impostos, criação de cooperativas e associações, etc., demonstrando a necessidade de seu reconhecimento junto aos órgãos oficiais. O trabalho informal diante da nova realidade vem conquistando seu espaço, pois passa a ser visto como um problema estrutural face às novas necessidades do mundo globalizado. Observamos que nele se encontram tanto trabalhadores desqualificados e com baixa escolaridade (em sua maioria), quanto trabalhadores qualificados, que diante da diminuição dos postos de trabalho ficam à margem, à espera de novas oportunidades. Nesse caso, muitas vezes dois extremos se apresentam: de um lado, os jovens, sem experiência profissional e muitas vezes sem qualificação, o que diminui suas chances de inserção, e de outro, os mais velhos, também sem qualificação, ou com alguma experiência formal, mas que 45 em uma cultura que supervaloriza a juventude percebe o peso da idade como fator obstacularizante. Esses e outros impasses são observados no país como um todo, e Manaus não foge a isso. A informalidade em Manaus Manaus, assim como outras capitais do Brasil tem apresentado nos últimos anos, alto índice de informalidade, também como consequência da reestruturação produtiva. Como existe um movimento global, seus reflexos também incidem nas decisões que são tomadas em nível local, principalmente se entendemos que a Zona Franca de Manaus e em especial o seu pólo industrial, é constituído em sua grande maioria, por empresas transnacionais. Não podemos entender a modernidade sem nos inserirmos nela, pois vivemos em uma área do planeta ansiada pelo mundo e considerada como uma região com grandes possibilidades de desenvolvimento ainda latentes. É importante percebermos como a transformação da base produtiva se dá, a partir das novas exigências nacionais e internacionais, através de um modelo de desenvolvimento externo às exigências locais. Não faremos aqui um grande histórico sobre a criação da ZFM, apenas pretendemos situá-la para compreender a situação atual dos trabalhadores na cidade de Manaus. A ZFM foi criada dentro do modelo de substituição de importações e, segundo Valle (2007), teve sua implantação efetivada com a associação do capital internacional com vistas ao desenvolvimento regional. O Pólo Industrial de Manaus, desde a criação e instalação de suas fábricas na década de 70, tem sido costumeiramente um dos maiores absorvedores de mão de obra local e regional. Sua instalação intensificou o processo migratório que “esvaziou” o interior do estado e “inchou” a capital, provocando invasões de terras na periferia da cidade e sua favelização, sendo acompanhada pelo aumento da criminalidade, da prostituição e pelo desemprego e subemprego crescentes. A proeminência da indústria como grande geradora de novos postos de trabalho deve-se às próprias características do setor moderno: montagem de produtos mediante utilização de força de trabalho não especializada. O operariado do DI de Manaus, em formação, emerge no processo de industrialização que, embora tardio, é moderno do ponto de vista da fragmentação do processo de produção, o que permite utilizar um grande contingente de trabalhadores sem qualificação e 46 formação profissional, porém capacitado para a execução da tarefa de montagem de peças e componentes. (VALLE, 2007, p. 136) Mas o desenvolvimento industrial, mesmo em seus momentos mais produtivos, não acompanhou a expansão dos salários pagos ao trabalhador, o que repercutiu em sua baixa qualidade de vida. Isso se mostrava ainda mais incisivo no que se refere ao trabalho feminino que costumeiramente concentrou-se nas tarefas de mais baixa qualificação e remuneração, demonstrando o baixo valor econômico das atividades realizadas e as relações de poder que aí se estabelecem. (Valle, 2007). Nos últimos anos, o Pólo Industrial de Manaus também tem sofrido as consequências globais, e seus trabalhadores têm sentido o peso das mudanças estruturais sofridas no mercado de trabalho, com a diminuição no número de empregos, as férias coletivas, as demissões e a diminuição dos empregos com carteira assinada. O que vemos é o recrudescimento da “expansão do emprego assalariado sem carteira assinada e dos trabalhadores por conta própria”. (Valle, 2007). Como consequência da falta de empregos, cresce o número de pais e mães de família vivendo do subemprego, do “bico”, do trabalho pesado e mal remunerado. O incremento dessa informalidade do trabalho pode ser constatado através do expressivo aumento do número de camelôs, de bancas de churrasquinhos e pequenas lanchonetes presentes nas ruas da cidade, além dos costumeiros problemas sociais que acompanham esse tipo de situação. Entre os trabalhadores da FMC, alguns são peças descartadas do grande quebracabeça formado pela Zona Franca de Manaus e principalmente do seu Pólo Industrial. Não representam a maioria, talvez nem a metade, mas de certa forma se encaixam na grande mudança que o mundo tem passado nos últimos anos. Como as feiras tradicionalmente apresentam um quantitativo de pessoas com baixa escolaridade e sem formação profissional, percebemos que bem poucos feirantes têm nesse tipo de atividade uma consequência ou o resultado direto da reestruturação produtiva. Por outro lado, para minimizar os prejuízos e os problemas causados pelo aumento da informalidade em Manaus, em 2009 a Prefeitura de Manaus por intermédio da Secretaria Municipal de Economia e Finanças – SEMEF, “aderiu ao programa „Empreendedor Individual‟, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE/AM), criado com base na lei nº. 128/08, que prevê a legalização de trabalhadores informais com 47 ganhos anuais de até R$36.000,00.” A idéia é permitir que os trabalhadores identificados como autônomos tenham acesso a alguns benefícios sociais “como aposentadoria, auxílio– doença, salário maternidade, pensão por morte e até CNPJ (para emitir notas fiscais) e ter acesso facilitado a linhas de crédito”, e regularizando a situação de cerca de 200 mil trabalhadores que vivem na informalidade no estado do Amazonas.12 Essa e outras ações são tentativas de reconhecer e oficializar um tipo de trabalho que tem crescido espantosamente e que se por um lado, permite o sustento de centenas de famílias, por outro, pressiona a economia formal, com o aumento da carga tributária e a tendência em ampliar a sonegação. Mas a informalidade do trabalho também tem seus reflexos no dia a dia das famílias. Sobre isso, podemos de certa maneira compará-lo ao trabalho rural mais simples, voltado para o regime de subsistência, pois o trabalhador que já foi engajado no trabalho formal vê aos poucos o seu provento familiar, que em algumas vezes era regulado pelo mês ou pela quinzena, passar a ser regulado pelo dia ou pelas horas de trabalho realizadas. O trabalhador passa a ter um ritmo de vida determinado pelo dia, que também delimita suas alternativas de esforço e repouso. Tudo isso sempre cercado por uma instabilidade com relação ao dia seguinte, ao suprimento das necessidades da vida e ao próprio futuro. O pior ocorre no caso da informalidade que passa de pai para filho, o que é percebido em muitas situações. Quando isso acontece, vemos apenas ocasionalmente esse ciclo de vida familiar quebrado, pois nas famílias em que a situação formal nunca existiu, a possibilidade de reprodução dessas atividades tenderá a se repetir, por ser esse tipo de realidade em geral, permeada por um baixo nível de escolaridade, que em detrimento da própria necessidade de sobrevivência, encaminha esses indivíduos ainda muito jovens para o processo de incremento da renda familiar, gerando um ciclo difícil de ser destruído. Vemos então que a otimização do tempo, a reestruturação produtiva e o novo panorama mundial aprofundou a exclusão, ao mesmo tempo em que ampliou as formas de inserção precária, trazendo outros problemas referentes às relações sociais, às políticas implementadas pelos governos, o acirramento do individualismo competitivo, entre outros. Nesse contexto, tudo isso propicia um retorno às antigas regras de modelo de trabalho, onde a autonomia e o desenvolvimento de uma cultura empreendedora têm sido reforçados como 12 Fonte: http://www.pmm.am.gov.br/noticias/empreendedor-individual/ 48 uma das maneiras de minimizar as consequências desse processo. Por outro lado, vemos aumentar a informalidade como estratégia de sobrevivência que na maioria das vezes demonstra e evidencia o lado perverso do capitalismo em curso. Se o que foi apontado acima é uma realidade para os homens, as mulheres sofrem mais ainda nesse processo de inserção. Para Dupas (1999, p. 188), “as mulheres representam uma fração majoritária no setor informal, devido à flexibilidade desse setor e a ausência de oportunidades nas atividades formais da economia”. Mas essa é uma observação histórica, se considerarmos que vivemos em uma cultura onde o homem sempre teve privilégios, principalmente no que se refere aos postos de trabalho, ou seja, se para os homens a inserção se mostra difícil, para as mulheres esta dificuldade aumenta em detrimento das características que a própria realidade apresenta. A mulher e o trabalho informal Apesar de não podermos afirmar com convicção que a informalidade do trabalho se apresente em todos os momentos como algo negativo, podemos, entretanto afirmar que alguns elementos como a instabilidade e a incerteza podem contribuir para sua falta de capacidade em se afirmar como uma atividade econômica e socialmente aceita ou desejável. Isso se dá pelo fato de que, em uma sociedade na qual o trabalho, durante muito, tempo significou possibilidade de planejar o futuro em longo prazo, permitindo o acesso a uma renda, um estatuto e consequentemente a uma proteção social, significando uma “vitória sobre a precariedade”, foi modificada. Esses direitos e segurança foram aos poucos sendo limitados por sua desregulamentação, no bojo da crise da relação salarial, desestabilizando os que tinham carreiras estáveis, instalando a precariedade e por vezes a falta de trabalho, e finalmente a incerteza com relação ao futuro (CASTEL, 1998, p.150-153). É em meio a esse contexto que em geral cresce e se estabelece a informalidade. Para Sena (2002, p.44-45), o setor informal encontra-se subordinado ao setor formal e ao ocorrerem alterações no segundo, estas podem causar mudanças no primeiro. Nesse sentido, as atividades informais estão ligadas diretamente à lógica de acumulação capitalista, sendo uma estratégia a mais de reprodução e expansão do capital. 49 No relatório de 2006 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA que trata do desempenho do mercado de trabalho brasileiro naquele ano, encontra-se registrado que a informalidade Não obstante as muitas críticas e polêmicas que o conceito ainda carrega, ele corresponde a uma inovação ao superar a visão dicotômica que antes prevalecia. O segmento inserido no setor informal seria também composto por trabalhadores que, ao não conseguirem se empregar no setor formal, dinâmico e protegido da economia – e não dispondo de um seguro desemprego nos padrões dos países da Europa Ocidental -, encontrariam nessas atividades uma alternativa de subsistência. (BRASIL, 2006, p.310). Apesar de fazer parte da lógica capitalista, a informalidade apresenta seu lado negativo ao significar exclusão ou a inserção precária para muitos. Esse lado excludente do sistema empurra os mais fragilizados, seja pela idade, pela baixa qualificação e até pelo sexo, para a busca de estratégias de sobrevivência que em geral são encontradas no setor informal. Dessa forma, o relatório do Ipea (2006) aponta como um dos grandes “malefícios da informalidade” o fato de ela gerar empregos de baixa qualidade, remunerações insignificantes e ineficiência e custos econômicos adicionais que devem ser combatidos. Dentro de uma concepção econômica, a informalidade gera evasão de recursos pelo descumprimento da lei (como os encargos trabalhistas e a contribuição previdenciária), além da Agravante de que um menor grau de formalização reduz a base para a taxação, induzindo maiores tributos e criando, como resultado, maior penalização para as firmas mais produtivas – daí gerando incentivos para incremento da própria informalidade, e assim por diante. (BRASIL, 2006, p.337). Analisando a situação do mercado de trabalho brasileiro, o mesmo documento afirma que, A informalidade contribui, também, para fomentar uma cultura de sonegação e desrespeito às normas legais, que é, em última análise, a razão de ser de sua existência. A difusão desse processo acarreta a banalização de princípios e valores, o que esgarça o tecido social, gera perda de credibilidade das instituições, propicia o alastramento da marginalidade, e até mesmo alguma tolerância em relação a ela. (op.cit., 2006, p.337). 50 Para a região Norte, o documento (BRASIL, 2006, p.340) também aponta um índice de 59,9% de trabalhadores vivendo da informalidade em 2004. Como a análise é feita em um conjunto do mercado de trabalho, as informações sobre os trabalhadores ocupados assim como os devidos rendimentos, não diferenciam homens e mulheres que ocupam este setor, não sendo possível por este documento esclarecer o percentual do trabalho feminino na informalidade, apesar de ficar claro o seu crescimento de maneira geral entre 1992 e 2004, período de análise do relatório. Em busca da minimização dos problemas causados pelo aumento do trabalho informal e pela precariedade da inserção feminina, assim como de outros atores sociais excluídos no mercado de trabalho, governos e ONG‟s têm acenado para a criação de alternativas de inclusão social através de políticas públicas. É nesse conjunto formado pelas ações públicas e a sociedade organizada que cresce o debate e se inserem as questões ligadas ao gênero, como uma necessidade de se repensar a realidade. Jussara Prá (2004, p. 52) considera como fundamental para se conquistar a igualdade de gênero, a redefinição do público e do privado. Já Blay (2004, p.29-30) chama a atenção para a distância entre o que foi conquistado na legislação e a vida cotidiana, sugerindo que “mudanças quantitativas não expressam mudanças nas relações sociais de gênero e que as mudanças ocorridas não foram suficientes para alterar essas relações”. Discutiremos a seguir como estas questões têm sido colocadas em debate e o que tem sido feito para a minimização das diferenças existentes nas relações de trabalho entre homens e mulheres. Questões entre trabalho e gênero Falar das questões que se encontram presentes nas relações entre trabalho e gênero não é tarefa fácil. Entretanto, nos propomos a discutir aqui os principais pontos que se encontram presentes nessas relações, procurando conhecer e assim contribuir para o debate em busca da elucidação de alguns problemas que se apresentam. Para tanto, começaremos definindo gênero, passando por uma breve história da compreensão do trabalho feminino, chegando até as propostas, programas e políticas voltadas para a inserção digna da mulher no mercado de trabalho, analisando se as mudanças ocorridas têm sido benéficas para a atuação da mulher como força produtiva. 51 Definindo gênero Por gênero podemos entender uma categoria de análise histórica que explicita as diferenças sociais entre os sexos, sendo constitutivo das relações sociais. É um conceito relacional, que compreende “a idéia de que não é possível analisar homens e mulheres em separado, já que um se define em relação ao outro” (COULOURIS, 2004, p. 61). Seu emprego também é usado “para identificar os fundamentos biológicos e as construções culturais que hierarquizam a cidadania, impõem códigos de conduta e geram dominação, desigualdades e exclusões sociais” (PRÁ, 2004, p.45). A mesma autora nos diz que O gênero enquanto variável sócio-cultural ligada às noções de classe social, raça/ etnia, idade ou crença religiosa é relevante para examinar perspectivas e comportamentos e identificar as redes de relações sociais e políticas estabelecidas por e entre gêneros. Portanto, o gênero como categoria de análise permite dimensionar como valores atribuídos a atividades, a competências e às relações de gênero interagem no espaço público com condicionantes sociais, culturais, políticos e econômicos (PRÁ apud SILVEIRA, 2004, p. 45-46). As relações de gênero ao se estabelecerem nas relações sociais reproduzem ideologias e práticas e dão lugar a construções sociais que são assimiladas diferentemente por ambos os sexos. Assim, “os sujeitos vão construindo suas identidades em relações sociais atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas” (COULOURIS, 2004, p. 68), e esses sujeitos, ao mesmo tempo em que as constitui, constituem-se dentro dessas práticas. Dentro da divisão sexual do trabalho, o sistema de gênero estabelece competências diversas para os dois sexos, cabendo à mulher a influência no âmbito doméstico e privado, enquanto ao homem cabe o espaço público. Isso valoriza diferenciadamente as responsabilidades, escolhas, hábitos e comportamentos, delimitando pelo sexo a inclusão ou exclusão da cidadania e os espaços sociais a serem ocupados, ao promover uma dificuldade de inserção feminina na esfera pública. Entretanto, apesar de todas as dificuldades observadas, muito já foi conquistado e mais ainda precisa ser superado no sentido de reverter a “discriminação e a exclusão histórica a que muitas mulheres continuam sendo submetidas”, pois “não foram eliminadas as tensões e as exclusões que acompanham a participação das mulheres em sociedade”. (PRÁ, 2004, p. 47-51). 52 Um pouco de história sobre o trabalho feminino O trabalho é uma necessidade humana, questão de sobrevivência, apesar de sua forma de realização não ter sido a mesma nos diversos períodos da história da humanidade. O próprio trabalho realizado pela mulher sofreu alterações, indo exclusivamente do trabalho domiciliar relacionado aos cuidados com a família e com a casa, passando por pequenas atividades produtivas ainda dentro do espaço privado, até que por volta dos séculos XVI e XVII, ocorreu uma forma de trabalho industrial em domicílio, permitindo uma íntima ligação entre este e a vida familiar. Entretanto, esse tipo de trabalho foi aos poucos diminuindo, dando espaço ao trabalho nas fábricas e fazendo com que no século XIX, passasse a ser executado prioritariamente por mulheres, imigrantes ou por minorias étnicas. Sua realização se dava principalmente pela produção de artigos baratos e pela concorrência com produtos de baixo preço, levando à sua deterioração, posto que naquele momento passou a ser visto como uma forma degradada de trabalho. Seu retorno somente se deu de forma mais significativa no bojo da reestruturação produtiva, representando uma alternativa no setor de serviços. (ABREU e SORJ, 1993, p.11-12). Para Lasch (1999, p.113-134) é possível dividir a história recente das mulheres em dois momentos distintos: no primeiro, em que a vida da mulher girava em torno do trabalho doméstico e dos filhos e, no segundo, após 1960, quando “elas passaram a fazer parte da mão de obra, passaram a controlar seu corpo e desafiaram a supremacia masculina em todas as suas formas – política, econômica e ideológica”. Para o autor, sempre existiu distinção entre o trabalho masculino e o feminino, mas a separação entre a vida doméstica e o mundo do trabalho só ocorreu no século XIX, (como já mencionado) quando houve um declínio da produção doméstica e a intensificação do trabalho assalariado. O autor ainda observa que mesmo com as qualidades femininas diferenciadas, por serem mais passíveis à cooperação, não ocorreu uma diminuição do impulso masculino pela competição, nem alterou o processo de produção capitalista, pois nesse sistema, o valor de troca sempre será superior ao valor de uso, independente de quem produz. Mais recentemente, a reestruturação produtiva estabeleceu “um novo modo de produzir, e, portanto, novas formas de criação de riqueza” (VALLE, 2007, p.45), atingindo todas as camadas sociais. Seu impacto abarcou indistintamente homens e mulheres, estabelecendo mudanças estruturais no mercado de trabalho e trazendo como uma de suas 53 maiores consequências o aumento da informalização do trabalho, além de trazer em seu bojo um pesado custo social representado pela exclusão social gerada pela sensível redução do nível de emprego industrial, setor em que a oferta de postos de trabalho apresenta maior qualidade (postos protegidos pela legislação trabalhista, melhores níveis de remuneração, oportunidades de treinamento)... (VALLE, 2007, p.213). A redução do nível de emprego protegido dessa forma acabou por provocar um aumento de empregos de baixa qualidade, assim como a precarização das condições de trabalho. É em meio a esse contexto que observamos nas duas últimas décadas um crescimento significativo do emprego feminino, o qual tem sido denominado de feminização do trabalho. Nogueira (2004, p. 67-74) também ressalta que entre as particularidades que se estabelecem na divisão sexual do trabalho no Brasil, o valor pago às mulheres é em geral inferior ao dos homens, a precarização do emprego atinge muito mais a elas, e a duração da jornada de trabalho, que quanto menor for maior será sua presença, acaba por justificar a menor remuneração, fazendo com que seja acentuado ainda mais a desigualdade de gênero. Nas formas de trabalho emergentes no processo de reestruturação produtiva, em geral precarizados em suas distintas formas, incluindo o trabalho no setor informal, percebese a predominância de mulheres na ocupação desses postos, o que reafirma a desigualdade da divisão sexual do trabalho. Para Verônica Ferreira (2005, p.34), as mulheres já entram em desvantagem porque sempre estiveram alijadas do acesso às tecnologias. Para a mesma autora, A vulnerabilidade e a precariedade são características do trabalho das mulheres no capitalismo e antes dele, assim como a desvalorização social do trabalho reprodutivo e, neste âmbito, a “invisibilidade” do trabalho doméstico realizado pelas mulheres, seja nas zonas urbanas como nas zonas rurais. Com a reestruturação produtiva, essa precariedade se acirra. Por um lado cresce a participação das mulheres no mercado de trabalho, mas cresce justamente nos setores e postos de trabalho mais precários. (FERREIRA, 2005, p. 34). 54 Somando-se a isso, podemos incluir o fato de que o trabalho realizado por mulheres é muitas vezes considerado como uma atividade que não produz riqueza, como é o caso do trabalho doméstico. A contradição se dá no fato de que ao mesmo tempo em que os afazeres domésticos são considerados “trabalho de mulher”, quando se observa pelo ponto de vista produtivo, o mesmo não é considerado trabalho. Essa é uma forma de visão que ainda não foi alterada. Ferreira (2005, p.37) também aponta que, para estudar ou trabalhar, as mulheres que têm condições financeiras melhores, delegam os afazeres domésticos e os cuidados com as crianças a outras mulheres pobres. Estas, por sua vez, precisam dividir seu tempo entre o trabalho que realizam e os próprios afazeres, gerando um processo de dupla jornada. Assim, elas liberam o tempo umas das outras, e isso gera outra forma de supressão de convivência familiar e pessoal. Isso se mostra como uma bipolarização: “por um lado, uma pequena elite de mulheres ocupando postos extremamente qualificados e valorizados, e de outro, mulheres que ocupam postos informais, precários quanto às relações e condições de trabalho, desvalorizados”. Percebemos assim que o re-emprego de formas antigas de exploração do trabalho e de suas relações de opressão são instrumentais à reprodução do capital, assim como a desigualdade entre homens e mulheres. (op.cit. 2005, p.38). O trabalho reprodutivo realizado basicamente pelas mulheres no interior de suas casas demonstra claramente a ausência de responsabilidade social por parte do Estado e do empresariado, mesmo estando explícito que o “sobretrabalho realizado pelas mulheres é funcional ao capitalismo e colabora para o crescimento de sua lucratividade”. Isso torna necessária uma reflexão sobre como a percepção social das diferenças de gênero influenciam nas desigualdades que geram prejuízos às mulheres. Essas relações de poder dão forma a uma elaboração social hegemônica e histórica ao imprimir como espaço restrito da mulher o âmbito privado, mesmo que mais recentemente ela tenha galgado o espaço público. Essas relações acabam por se tornarem estruturadoras do modo de vida social. (SILVA, 2005, p. 4145). É também nas últimas décadas que temos observado o crescimento de atividades secundárias dentro do processo produtivo, algumas vezes terceirizadas por empresas de grande porte, o que reforçou a fragilidade da economia. Como “o aumento da ocupação feminina ocorreu predominantemente nessas atividades”, percebemos uma fragilidade na manutenção dos empregos, que em geral não representam a formalização de inserção 55 profissional. Vemos então o desemprego como uma situação recorrente na vida da mulher, ao mesmo tempo em que cresce seu papel enquanto membro responsável por boa parte dos rendimentos no núcleo familiar. Esta situação se apresenta de forma mais explícita à medida que nos afastamos dos grandes centros produtivos. Por outro lado, sua crescente contribuição monetária para a manutenção da família demonstra que sua importância tem crescido em termos de determinação da renda familiar, representando que “a estratégia de sobrevivência da família tende a estar crescentemente centrada no desempenho das cônjuges.” (MONTAGNER, 2000, p. 164-165). Tendo por base o que tem sido apontado, podemos aqui levantar os seguintes questionamentos: se a desigualdade de gênero no mercado de trabalho é um fato, o que a reproduz? Que relações sociais as configuram e condicionam? Que mecanismos reproduzem as diferenciações entre o trabalho do homem e o trabalho da mulher? Para Abramo (2007, p. 06-07), alguns fatores evidenciam essas questões. Entre eles estão presentes situações de ordem estrutural, intimamente ligada à ordem de gênero, fatores ligados a divisão sexual e uma forte subvaloração econômica e social do trabalho feminino e do seu papel na sociedade. Tudo isso tem a ver com os estereótipos que são criados, e por consequência a imagem da mulher passa a representar força de trabalho secundária. Essas imagens de gênero são representações construídas social e culturalmente e acabam por determinar sua inserção, constituindo a ordem de gênero que abarca todas as esferas da vida social. Por ser o trabalho um locus significativo de reprodução, a noção de trabalho da mulher como força secundária, encontra-se intimamente ligada aos papéis por ela desempenhados na esfera doméstica e sua entrada no mercado de trabalho só ocorre prioritariamente quando o homem, provedor oficial, não consegue suprir todas as necessidades da família, sendo esse o motivo de sua inserção ocorrer de forma eventual, instável e secundária, tendendo ela a bater em retirada no momento em que a situação retorna ao seu curso “normal”, reforçando a tese de que ela não necessita tanto do trabalho, posto que existe um cônjuge que mantém a família. Mas essa situação tem sido alterada e isso se faz presente ao observarmos o crescimento de mulheres “chefes de família”, sendo elas muitas vezes as únicas provedoras do sustento familiar, o que faz cair por terra à ideia de força secundária, em que o trabalho seria apenas um interesse marginal em suas vidas. (ABRAMO, 2007, p. 13-14). 56 Outro ponto que pode ser destacado na inserção feminina no mercado de trabalho é que sua incorporação continua subordinada ao poder masculino (MELO, 2002, p.69). Isso mais uma vez reforça o já comentado fato de que a mulher não foi libertada completamente, continua sendo uma cidadã incompleta, ao permanecer classificada como inferior ao homem, vivendo em uma sociedade que segue a linha da dominação e da opressão mediada por uma estrutura patriarcal. Nesse caso, sua subserviência contribui para a continuidade de sua exploração. Por outro ponto de vista, alguns dados13 têm contribuído para afirmar o crescimento das famílias chefiadas por mulheres e que estas tendem a ser quantitativamente mais pobres, nos fazendo questionar se existem outras identidades que possam se apresentar de maneira mais forte que a de gênero. A partir do que tem sido discutido, e dos detalhes sobre o espaço produtivo aqui ressaltado, passaremos agora ao âmbito da nossa pesquisa propriamente dita, dando destaque às entrevistas e às conversas realizadas com as mulheres feirantes que trabalham com frutas e verduras, analisando alguns aspectos que definimos como categorias de análise – o trabalho da mulher feirante, as relações sociais e a vida cotidiana. 13 A Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios – PNAD demonstra que “... embora a participação no mercado de trabalho represente possibilidades de maior autonomia e emancipação para as mulheres, o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres nas quais somente elas são as responsáveis pelo sustento da casa e dos filhos deve ser lido com cuidado. Tal aumento pode estar relacionado tanto ao aumento da precarização da vida quanto do trabalho dessas mulheres”. (BRASIL, 2008, p. 20). 57 Capítulo II TRABALHO E COTIDIANO A pesquisa de campo Para a presente pesquisa de base qualitativa, partimos de uma etnografia da Feira Modelo da Compensa, com o intuito de termos uma visão mais abrangente do trabalho naquele local e nele inserir a particularidade do trabalho da mulher. Para tanto, entrevistamos oito mulheres priorizando aquelas com idade entre 25 e 50 que lá trabalham, com a venda de frutas e verduras. De acordo com o levantamento realizado (Quadro 3, pág. 29), temos um total de 29 box/bancas de frutas/verduras, sendo 15 deles utilizados por mulheres. As frutas e verduras ali comercializadas em geral são as mais usadas pela população local, tendo como principais artigos, tomate, pimentão, cebola, cheiro verde, pimenta de cheiro, alface, abóbora, batata portuguesa e batata doce, banana prata, banana maçã e banana pacovã, limão, mamão, abacate, laranja, melancia, pimentas diversas, etc. Boa parte dos produtos são oriundos da própria região, vindos do interior do Amazonas ou de estados vizinhos, e por isso, temos a predominância de frutas e verduras regionais, ocorrendo, entretanto a venda de frutas de outras localidades do país e do exterior, de forma muito específica, podendo o comércio destas variar no decorrer do ano, como por exemplo, a venda de uvas, maçãs, peras e outras frutas que não são regionais, ocorre ocasionalmente e principalmente nas festas de fim de ano, e mesmo nesse período não se encontram presentes em todas as bancas. Do total das entrevistadas, apenas uma tinha permissão para o uso de um box, que somado ao do marido, totaliza dois boxes para a venda exclusiva de frutas, tendo todas as outras permissões para o uso de bancas. Como já foi mencionado, a diferença entre o box e a banca ocorre pelo fato de o primeiro ser um ambiente reservado, podendo ter inclusive portas, o que se encontra ausente nas bancas distribuídas ao longo dos corredores e que no horário noturno são cobertas por lonas ou plásticos para a proteção da mercadoria. As 15 bancas destinadas à venda de frutas e verduras se referem especificamente àquelas que são licenciadas para as mulheres, ocorrendo situações em que a permissão se encontra em nome de homens (em geral maridos ou parentes próximos), mas utilizadas por mulheres (estes casos não fizeram parte direta de nossa investigação). A realização das entrevistas ocorreu durante o horário de trabalho, e nesse sentido procuramos causar o 58 mínimo de transtornos, de forma a não atrapalhar a realização das atividades ao priorizarmos os horários de menor movimento – após as 10 horas da manhã e no período da tarde. Logo no início da abordagem, quando nos identificávamos como pesquisadora, sentíamos certo receio e desconfiança por parte delas, que se colocavam na retaguarda, com medo de se comprometerem. Em alguns casos percebemos até certa agressividade na negação das informações, mesmo explicando qual a finalidade da pesquisa. Em geral, com poucas exceções, após as explicações iniciais, elas acabavam cedendo e colaborando sem grandes resistências. Deixávamos sempre claro que nenhuma das informações por elas emitidas traria comprometimento individual, já que as mesmas não seriam identificadas nominalmente14. Isso acabava por diminuir a resistência inicial, o que permitiu a realização da investigação. Esclarecemos também, que a manutenção de um posicionamento aberto e de empatia por parte da pesquisadora, acabou por surtir efeitos favoráveis, posto que após as primeiras perguntas elas já se sentiam mais à vontade para responder às questões, acrescentando em alguns casos informações que nem foram levantadas, mas que acabaram por ter imensa relevância para a análise dos dados. Isso se deu pelo fato de termos percebido a necessidade de valorizar determinadas questões que não estavam previstas, mas que acabariam por ter um significado importante, ao deixá-las à vontade para expressar suas opiniões e anseios. Outro ponto importante se refere à disponibilidade de tempo, pois em alguns casos, para a realização de apenas uma entrevista utilizávamos uma manhã ou tarde inteira, pois tínhamos que ser flexíveis, considerando que elas se dividiam entre o atendimento aos fregueses, outras ocupações e a resposta às indagações feitas pela pesquisadora, mesmo nos horários de pequeno movimento. Nesse caso, demonstrar não ter pressa também tinha sua importância, pois o contrário significaria um trabalho de campo superficial e incompleto. Todas as mulheres entrevistadas são detentoras de permissão para o uso de bancas, não ocorrendo com nenhuma delas a permissão para o uso de mais de duas bancas. A escolha pelas vendedoras de verduras se deu pela necessidade em compreender as dificuldades encontradas por elas para o equilíbrio da renda familiar, já que a venda deste tipo de produto pressupõe baixo rendimento mensal, em comparação com outros que pressupomos serem mais lucrativos. Para isso, também optamos por valorizar as menores bancas, apesar de não termos muita escolha, pela pequena quantidade de mulheres envolvidas com esse trabalho (apenas 15) e a recusa de algumas delas em participar da pesquisa. 14 Ver Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCE, nos Anexos. 59 Apesar dos critérios iniciais impostos como limite de idade entre 25 e 50 anos, foi necessário abrir exceção desse limite pela dificuldade em ter mulheres dispostas a ceder o tempo para a entrevista. Dessa forma, entre as entrevistadas, temos uma com 23 anos, sendo esta a mais nova, e outra com 63 anos, a mais velha, estando todas as outras no limite de idade estabelecido antecipadamente. As entrevistas ocorreram nos meses de dezembro de 2009 e janeiro de 2010, ora no horário da manhã ora no da tarde, sempre em dias úteis, considerando que nos fins de semana e feriados sempre apresentavam um grande movimento no local da pesquisa, tornando ainda mais difícil sua realização. Outra ressalva é a segunda-feira, dia usado por alguns feirantes para o descanso semanal, e para que a entrevista ocorresse nesse dia, o horário era combinado antecipadamente. Além das mulheres entrevistadas, mantivemos também conversas informais para o esclarecimento de dúvidas com outros feirantes, fiscais da prefeitura, o administrador da feira, o presidente do comitê gestor e outros funcionários da SEMPAB. Em geral, esses esclarecimentos tiveram caráter mais abrangente em termos do funcionamento da feira e da participação dos permissionários. Contando todo o período utilizado para a realização da pesquisa, podemos esclarecer que ela teve início com a pesquisa exploratória, iniciada em março de 2009, sendo suspensa durante a avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFAM no período de agosto a outubro, e tendo sua continuidade na segunda quinzena deste último mês, com as observações e fotos do local. Iniciamos as entrevistas em dezembro, fazendo uma parada no período das festas do fim de ano por motivos práticos e pelo excesso de movimento na feira. Reiniciamos as entrevistas no mês de janeiro de 2010. Paralelo às entrevistas, tivemos acesso a documentos sobre o local disponibilizados pela GEMEF/SEMPAB, incluindo relação de permissionários, regulamento, mapa da feira e a seguir demos início à análise dos dados coletados, estabelecendo relações com as categorias de análise. A partir deste momento, iremos nos deter às principais categorias de análise propostas, iniciando com a relação entre trabalho e cotidiano. Para isso, destacamos algumas questões levantadas nas entrevistas, nas conversas informais e nas observações. Para a identificação das mulheres em seus depoimentos, utilizaremos a numeração da ordem obedecida durante a entrevista, realizando para tanto, a transcrição literal das falas. 60 O trabalho no cotidiano Sendo o trabalho atividade básica da vida humana, ele se encontra presente no cotidiano de todas as pessoas de diversas formas. Ele pode ser percebido no tempo que um aluno dedica aos estudos, nas atividades rotineiras da dona de casa, assim como nas atividades remuneradas que permitem a sobrevivência das pessoas. Costumeiramente, chamamos de trabalho toda atividade humana de transformação da natureza, tanto do ponto de vista humano quanto material. O desenvolvimento do mundo capitalista tem enfatizado o papel do trabalho como forma de obtenção de rendimentos que permitem o consumo e consequentemente sua perpetuação. É por isso que por vezes a compreensão do termo trabalho passa a ter um sentido equivocado, quando percebido apenas como aquela atividade que gera renda. Para Antunes (2007, p.167), “a importância da categoria trabalho está em que ela se constitui como fonte originária, primária de realização do ser social, protoforma da atividade humana, fundamento ontológico básico da omnilateralidade humana”. Sendo assim, apesar de não se apresentar como uma ação livre, o trabalho produz o gênero humano. Entretanto, torna-se necessário uma integração entre as exigências sociais e a possibilidade de emancipação humana, pois, sem isso, não ocorrerá à práxis15, ou seja, a relação entre teoria e prática, posto que o trabalho como protoforma é o fundamento da compreensão do processo de humanização. Tão inseparável da vida, o trabalho se encontra presente no cotidiano, e é somente na vivência diária que podemos encontrar sua articulação na forma de trabalho-práxis, sendo isso possível somente no momento em que este se torna consciente. Tornar o trabalho consciente significa compreendê-lo como algo indispensável para a própria sobrevivência e é nesse sentido que ele passa a ocupar um papel tão importante quanto todas as outras atividades humanas, ao inserir-se no cotidiano. Para Heller (1992), A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa da vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela colocam-se em „funcionamento‟ todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias (HELLER, 1992, p.17). 15 Em Marx, a práxis como um conjunto de práticas, permite “que o homem transforme a natureza por intermédio de seu trabalho transformando-se a si mesmo numa relação dialética. No marxismo, teoria e prática são inseparáveis: os verdadeiros problemas que se colocam ao homem são de ordem prática, e todas as teorias encontram sua explicação na práxis humana.” (DUROZOI e ROUSSEL, 1993, P.377). 61 Percebemos então que é na vida cotidiana que o trabalho se manifesta em sua completude, sendo amadurecido na mediação entre os grupos e os indivíduos. É somente nessa totalidade de compreensão do significado da palavra trabalho que podemos visualizar a amplitude de seu sentido, depreendendo que o seu ideal não é um deslocamento como parte do dia a dia e sim algo que junto com tantas outras situações valoriza esse cotidiano e se insere no conjunto das relações sociais, estabelecendo a capacidade de ser humano. Somente quando todos os sentidos da existência se inter-relacionam dando unidade ao vivido é que podemos compreender o cotidiano, porque ele não se dá por partes, dividindo o dia para esta ou aquela atividade, para este ou aquele afazer. A cotidianidade se dá no todo do fazer humano. O cotidiano das mulheres feirantes, sob o ponto de vista delas, tem como referência central a realização do trabalho na feira. Apesar de praticamente resumirem seu dia a dia na realização de suas atividades produtivas e nos afazeres domésticos, só com a compreensão do todo que representa esse cotidiano é que podemos percebê-lo, pois isso não é perceptível sem um olhar mais aguçado e proposital. É nessa percepção que encontramos a riqueza presente em sua lida diária, nas trocas sociais que ocorrem durante a realização do seu trabalho, nas preocupações com a vida familiar, nos sentimentos de prazer ao realizarem uma transação comercial, no bate-papo com a vizinha de banca, nas discussões sobre o último capítulo da novela, no sorriso espontâneo quando um possível comprador se aproxima, no olhar comovido ao falar dos filhos ou netos, no cansaço demonstrado por mais um dia de trabalho, no pensamento preso aos afazeres domésticos que as esperam em casa, na maneira como se vestem, na simplicidade de suas palavras, no desejo de “melhorar de vida”, no suspiro incontido de quando falam sobre a falta de tempo para o lazer ou para cuidar de si mesmas. Muitas vezes seus olhos e suas ações denunciam suas angústias, medos e esperanças sem a necessidade de expressar isso em palavras. Por trabalharem muitas horas diárias (no mínimo 8 horas), e boa parte dessas horas em pé, de domingo a domingo, em um espaço limitado, sem conforto, barulhento e apesar de serem elas as próprias responsáveis por seu ritmo de trabalho, sabem que suas despesas diárias dependem da dedicação a este, portanto, passando a ser significativas as horas a ele desprendidas para o sustento da família. Elas são categóricas em afirmar que o seu dia a dia se resume basicamente ao trabalho na feira, sendo algumas enfáticas ao lembrar que em geral dedicam as horas de folga ao descanso, após a realização do trabalho doméstico. Elas 62 dormem, mas não tanto, reservando para isso apenas o tempo suficiente para repor a energia gasta durante o dia. Diante de suas afirmações, isso significa que suas vidas têm sido limitadas basicamente ao trabalho, perdendo assim aquela conotação de vida em seu sentido mais amplo. Ao analisarmos o significado de vida para elas, podemos perceber que a ênfase tem sido dada a produzir para ter, para sobreviver, sendo essa a finalidade primordial do trabalho. Ressaltamos ainda que este “ter” é cercado por limitações que são determinadas pelo poder de compra, sendo que a capacidade de consumir fica presa ao necessário e básico para a manutenção da vida, tendo entre elas raríssimas exceções. Se o cotidiano delas é a execução do trabalho na feira, ele é também todas as experiências que estão envolvidas na realização desse trabalho. Para Heller (1992, p.18-21), a vida cotidiana se apresenta de forma heterogênea e hierárquica. Em sua heterogeneidade se inserem “a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres, o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação”, mas em termos de hierarquia, a estruturação do cotidiano sofre modificações que atendem a diferentes estruturas econômicas e sociais e nesse sentido, percebemos o lugar prioritário que o trabalho ocupa na vida dessas mulheres, sendo ele o responsável, centralizador e determinante de todas as outras atividades. É por isso que a vida cotidiana torna-se a essência da vida social, pois ao ter em sua base a vida individual, esta se reflete na vida social, por ser o indivíduo simultaneamente particular e genérico, indivíduo e ser social. Ao mesmo tempo em que o genérico apresenta motivos particulares, o particular torna-se a manifestação do genérico. É pelo fato de a cotidianidade ser concomitantemente uma junção do particular e do genérico que ela se encontra predisposta a alienação, ao se manifestar como uma atividade não consciente, pois ...Na coexistência e sucessão heterogêneas das atividades cotidianas, não há por que revelar-se nenhuma individualidade unitária; o homem devorado por seus “papéis” pode orientar-se na cotidianidade através do simples cumprimento adequado desses “papéis”. (HELLER, 1992, p. 38) O “simples cumprimento adequado desses papéis” corre o risco de transformar a cotidianidade em conformismo, tendo este um sentido alienador. Essa alienação se dá “quando ocorre um abismo entre o desenvolvimento humano-genérico e as possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos humanos, entre a produção humano-genérica e a participação consciente do indivíduo nessa produção.” (op. cit. 1992, p. 38). Esse conformismo foi 63 observado em alguns casos em que a resignação ao “destino” se mostrou presente nos discursos quando, ao falarem da atividade desempenhada, demonstravam ser suas atividades cercadas de uma monotonia sem esperanças de melhora sendo o futuro incerto, não podendo ser feito nada para mudar o curso de suas vidas: Eu nunca tive oportunidade de estudar porque comecei a trabalhar muito cedo e tive que parar os estudos na 3ª série primária.16 Por não ter estudo, o jeito foi trabalhar na feira como meus pais. Hoje estou conformada com isso e acho que não preciso de mais nada. (feirante 4) Estou aqui porque não tem outro jeito, não estudei e por isso não posso fazer outra coisa. Aqui pelo menos temos segurança, pois os fiscais não mexem com a gente. (feirante 5) Outra mulher, que teve a oportunidade de estudar um pouco mais, se ressente do trabalho no local, por achar que já viveu melhor e que sua vida hoje não permite mais novas perspectivas: Eu terminei o ginasial17, já tive emprego com carteira, já trabalhei no Distrito, mas agora, tenho que trabalhar aqui. Não tem outro jeito de viver. (feirante 2). Observamos nesses depoimentos o conformismo na falta de uma melhor maneira de viver e no último caso, por falta de oportunidade de trabalho com carteira assinada, já que sua idade (50 anos) dificulta ainda mais sua inserção no trabalho formal. O cotidiano é determinado fortemente pela exterioridade, mas, ainda para Heller (1992), apesar da hierarquia do cotidiano ter diversas determinações, esta é passível de ser alterada por meio da “condução da vida”, que mesmo mantendo-se sua estrutura, consegue-se impor uma marca individual tornando esta condução um desafio à desumanização (idem, 1992, 40-41) e ao conformismo resignado, possibilidade esta não consciente nem presente na vida de algumas dessas mulheres. 16 17 Hoje, após revisão do ensino brasileiro, corresponde ao 4º ano do Ensino Fundamental. Aqui ela se refere ao Ensino Médio completo. 64 É no cotidiano que nós também representamos os nossos papéis. Nessa representação as mulheres seguem os modelos estabelecidos socialmente de mães, filhas, esposas ou companheiras, feirantes, amigas ou irmãs e são condicionadas a eles. Entretanto o ser humano É mais do que o conjunto de seus papéis, antes de mais nada porque esses são simplesmente as formas de suas relações sociais, estereotipada em clichês, e posteriormente porque os papéis jamais esgotam o comportamento humano em sua totalidade. Assim como não existe nenhuma relação social inteiramente alienada, tampouco há comportamentos humanos que se tenham cristalizado completamente em papéis (HELLER, 1992, p. 106). Por serem condicionados, os papéis sociais podem produzir comportamentos contraditórios e isso foi observado em algumas atitudes, como por exemplo, quando nos aproximamos de uma das mulheres, ela nos recebeu de forma carinhosa, oferecendo-nos sua mercadoria; entretanto, ao ser informada de que se tratava de uma pesquisa, seu semblante mudou: desfez o sorriso, tornando-se pouco receptiva e ressabiada. Ela usou da cordialidade no exercício da profissão, como é de praxe, consolidando o objeto da função da linguagem publicitária: usar de todos os artifícios persuasivos para vender um produto e esse interesse se esvai no momento em que muda o foco da mensagem. Observamos ainda que tal comportamento também é oscilante quando essas mulheres desempenham seu papel de mãe ou esposa no local de trabalho, ou seja, ora carinhoso ora agressivo com os filhos (muitas vezes adolescentes), em outras ocasiões, uma clara submissão em relação ao companheiro, às vezes na tentativa de evitar desconforto público. Constatamos que o comportamento humano pode alterar-se subitamente de acordo com a situação em que a pessoa se encontra para desempenhar o seu papel social, de acordo com sua conveniência. Goffman (2007, p.25) nos diz que na representação do seu papel, o indivíduo “dá seu espetáculo” estando ou não compenetrado em sua atuação, podendo naquele momento ter um comportamento cínico ou sincero18, de acordo com a crença em sua própria representação, tendo em alguns casos um interesse pessoal. No exemplo citado, ambas as situações se 18 O cínico e o sincero para Goffman se referem ao fato de o ator estar ou não “compenetrado de seu próprio número”, ou seja, “convencido de que a impressão de realidade que encena é a verdadeira realidade.”(GOFFMAN, 2007, p.25) 65 mostraram presente, tanto no comportamento inicial de acolhimento, quanto no posterior de rejeição, sendo essa rejeição mais sincera e visível por ter o indivíduo convicção de sua representação. Para o mesmo autor (2007, p. 29), representação é “toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre este alguma influência”. Nesse sentido, podemos distinguir no âmbito dessa representação uma fachada enquanto expressão inconsciente (desempenho observado) e o cenário (local onde ocorre a representação). No caso da feira, observamos um padrão de comportamento, mantendo uma fachada que esconde conflitos latentes. Esses conflitos não são revelados publicamente, pois a fachada da representação não o permite, mas é só permanecer um pouco mais de tempo no local e observar as atitudes e comentários para que isso se torne visível. A manutenção da fachada é uma exigência, pois percebemos que existe um código de conduta que deve ser aceito e exercido por todos os feirantes. Este documento (anexo da Lei 123/2004) que é entregue a todos os feirantes disponibiliza os comportamentos esperados, indicando para isso os “cuidados básicos” a serem respeitados no exercício profissional, estando entre eles: o uso do uniforme, o cuidado com a aparência pessoal, a limpeza da banca, tratamento adequado ao consumidor e a exposição de produtos de boa qualidade. Essas indicações são referentes tanto à fachada pessoal quanto ao cenário onde a representação ocorre. A fachada pessoal do feirante também pressupõe o uso de uma bata branca durante a realização do trabalho, segundo o presidente do Comitê Gestor. Isso permitiria credibilidade em relação à própria atuação profissional, mas seu uso só é observado principalmente entre os vendedores de carnes e peixes e a explicação para isso é a sujeira que o corte desses alimentos provoca na roupa, justificando seu uso. Os demais feirantes não a utilizam. Quanto ao cenário, as bancas e boxes disponibilizam os produtos, obedecendo a uma organização com base nas prioridades. Nas bancas, as frutas, sempre que possível são penduradas em pequenas redes ao longo da estrutura de madeira que as cercam, enquanto as verduras em geral são expostas em cima da própria banca, tendo algumas delas um leve declive em direção ao lado do comprador. Este declive permite que os produtos fiquem mais acessíveis ao cliente, ao mesmo tempo em que permite uma maior visibilidade do vendedor que se encontra do lado oposto, que algumas vezes também se encontra em cima de um tablado, tendo uma visão privilegiada de seus produtos. 66 Outra situação que a fachada esconde é a que denota a ocultação dos conflitos, principalmente aqueles ligados à concorrência. Como as bancas vendem praticamente os mesmos produtos, a concorrência é forte e em alguns momentos, segundo algumas mulheres, desleal por significar falta de respeito principalmente com as pessoas que possuem bancas menores e mais afastadas da entrada da feira e do corredor principal. Apesar disso, é terminantemente proibido o assédio aos clientes na área dos corredores, sendo permitido apenas “chamar o freguês” de dentro da própria banca. Esse é o padrão que garante a fachada social e que deve ser mantido sob pena de advertência ou suspensão temporária das atividades como forma de punição. Por outro lado, também nos foi possível observar a conduta dos bastidores que Goffman (2007, p. 121) define como “aquela que admite pequenos atos, que podem facilmente ser tomados como símbolos de intimidade e desrespeito pelos outros...” Esses atos estiveram presentes nos momentos de informalidade, quando os fregueses não se encontravam por perto ou não estavam potencialmente dispostos à compra. Nesses casos, presenciamos palavrões, agravos e falta de respeito. As conversas e atitudes de bastidores são significativas na demonstração de que a representação no ambiente de trabalho se mantém de uma forma geral controlada apenas naqueles momentos de maior movimento quando os possíveis fregueses poderiam encontrar ali um ambiente pouco acolhedor e propício às compras. Além disso, outros comportamentos também são típicos dos bastidores, como se distrair com outras atividades, sair no horário de trabalho ou afastar-se da banca por alguns minutos. Em várias ocasiões, nos horários de pouco movimento, ouvimos gargalhadas, resultado de conversas pouco delicadas, algumas vezes envolvendo o comportamento feminino e até mesmo sobre os atributos físicos de mulheres. Esse tipo de comportamento também se insere no que José de Souza Martins designa como uma “forte precariedade da vida privada”, pois as pessoas têm em público os mesmo comportamentos que teriam em suas casas, ao confundirem o público e o privado, estando isso muito presente no caso brasileiro (MARTINS, 2008, p. 86-87). E na feira, apesar de combatidas, essas situações sempre se fazem presente. Mesmo sendo considerado pelas mulheres entrevistadas como um ambiente de respeito mútuo, não havendo discriminação ou preconceito entre homens e mulheres, deve-se avaliar o que é por elas considerado respeito/desrespeito. Para elas, faltar com o respeito é utilizar palavras de baixo calão ao se dirigirem a uma mulher, mas dependendo da pessoa ou 67 da situação isso pode ser entendido como elogio, principalmente entre as solteiras ou separadas (na visão dos próprios homens), o que demonstra pouco respeito com relação às mulheres e a reafirmação do machismo e da discriminação feita a elas. Nessa afirmação podemos entender que o “desrespeito” pode ser consentido e somente no caso contrário será ou poderá ser denunciado à Comissão Gestora ou à administração, colocando o infrator em situação de punição ou suspensão. Mas isso só ocorre em casos extremos, pois caso contrário poderá transformar a vítima em refém de uma situação desconfortável no ambiente de trabalho, pois mesmo sendo maioria na feira, muitas das mulheres ainda aceitam o papel de responsáveis pelas incursões masculinas, reforçando esses comportamentos machistas, autoritários e desrespeitosos, acreditando que nada podem fazer contra isso. Já com relação à diferença de tratamento entre homens e mulheres na feira, cinco delas afirmaram que não existem diferenças e que todos são tratados igualmente, com a ênfase no fato de que as mulheres são maioria no local. As outras afirmam a necessidade de a mulher se impor para obter respeito, o que uma delas categoricamente definiu como “botar moral”. Neste caso se encontram prioritariamente as mulheres solteiras, separadas ou em situações em que o companheiro não trabalha na feira. Comparando o dito e o observado, podemos afirmar que em geral a discriminação contra a mulher pode aparecer de forma direta ou velada, sendo que na segunda situação muitas vezes elas não têm consciência disso. Aceitar como natural atitudes, comportamentos e opiniões que ferem os preceitos de igualdade também reforçam o mito da supremacia masculina. Alguns mitos que naturalizam a distinção entre os sexos se fazem persistentes, demonstrando a dificuldade de sua superação e se encontram presentes no dia a dia do trabalho feminino. Mas ao compreendermos que estes mitos são construídos socialmente, passamos a perceber que os mesmos são perfeitamente passíveis de modificações e que dependem significativamente de ações e estratégias de enfrentamento. Ao percebê-los cristalizados em nossa vida cotidiana, reproduzimos muitas vezes inconscientemente discursos que os fortalecem. É nesse sentido que nos propomos a levantar questões sobre alguns desses mitos e seus desdobramentos, principalmente no que se refere à participação da mulher no espaço público. 68 Compreendendo o mito Antes de iniciarmos nossa discussão, faz-se necessário compreender o significado de mito. Toda sociedade tem seus mitos e sua compreensão sempre se encontra atrelada à cultura de um determinado povo. Para Eliade (1977, p.27), o mito “enuncia um acontecimento (...) um precedente exemplar para todas as ações e „situações‟ que, depois, repetirão este acontecimento”. Já para Lima e Franco (2001, p.85), os mitos “são sistemas” que explicam o mundo e a natureza humana sob a forma de representações coletivas que são transmitidas de uma geração a outra. Ou seja, o mito estabelece um modelo de ação, de comportamentos a serem seguidos e reproduzidos e desse modo são estabelecidas as construções identitárias do masculino e do feminino. Ao definir essas identidades juntamente com os seus modelos, são criados mitos que geram um espaço próprio de cada gênero. É assim que é definido o modelo patriarcal como mediador das relações familiares, os afazeres domésticos como função primordialmente feminina, a beleza e a juventude como valores indispensáveis principalmente na mulher, com os padrões impostos para que se dê uma aceitação social, enfim, o mito da oposição entre o masculino e o feminino. Nesse contexto, podemos perceber como estamos rodeadas de padrões de comportamento que estabelecem o que é tipicamente feminino, diferenciando-se das ações que são reservadas aos homens, ou aos padrões tipicamente masculinos. Roger Chartier (1995) em seu texto “Diferenças entre os sexos e dominação simbólica”, levanta três principais questões sobre essas diferenças: - O que valida os critérios de oposição entre os sexos; - As representações femininas que consentem a violência e a diferença; - Como se define a temporalidade da relação entre os sexos. Considerando as questões levantadas, ele discute a idéia de que se deve ter cuidado em não reproduzir “algumas simplificações da antiga história social”, ou seja, o cuidado em não fazer generalizações que reafirmem as diferenças como universais e sim como construções sociais, pois, é nestas construções que a dominação é incorporada e afirmada como uma diferença de natureza, imposta e representada pela divisão social, estabelecendo papéis e funções diferenciadas. São esses discursos que produzem as diferenças sexuais e a oposição “entre atividade doméstica e atividade assalariada, entre função reprodutora e trabalho produtivo, entre o lar e a fábrica” (CHARTIER, 1995, p.43). 69 Fica claro então, que precisamos ficar atentos às práticas discursivas e ao que é falado para a demonstração de poder, pois a linguagem pode assumir diferentes significados, posto que ela é uma interpretação e como tal precisa ser analisada, já que a experiência perpassa o discurso, e toma formas históricas de organização social que dão margem às questões de gênero. Entretanto, apesar de entendermos que comportamentos e opiniões cristalizadas e reforçadas socialmente não podem ser desconsideradas, pois, enquanto à mulher foi reservado o espaço privado, o ambiente familiar, as atividades domésticas e o comportamento submisso - primeiro ao pai e ao irmão mais velho e depois ao marido, ao homem foi reservado o espaço público, o trabalho fora do lar, à responsabilidade pelo sustento da família, a palavra final. Essa idéia perdurou por séculos, mesmo que ocasionalmente tenha sido questionada, e permanece no senso comum e em nossos comportamentos ainda nos dias de hoje. O poder da mulher se manteve na maioria das vezes restrito ao espaço familiar, tornando necessário em sua revisão a possibilidade de um empoderamento individual e coletivo em busca da equidade de gênero. O empoderamento aqui é entendido como o “processo de aquisição de controle sobre a própria vida, de desenvolvimento de habilidades de fazer coisas e definir suas próprias agendas de mudança social, de organizar-se coletivamente e colocar demandas ao Estado”. Mas, para que esse empoderamento se dê é de extrema relevância um aprendizado sobre como o poder se estabelece e se mantém, dentro de uma visão crítica da realidade, de modo a se manter a possibilidade de sua transformação (CARVALHO e RABAY, 2001, p.131), ou seja, é exatamente ao analisarmos a necessidade de empoderamento das mulheres que fica claro o seu importante papel no sentido de rever o poder destinado ao homem, que tem sua origem no patriarcalismo19. Ao se encontrar imerso na maioria das noções e ações que reproduzimos a todo o momento, o patriarcalismo cumpre o papel de manutenção das estruturas de poder. Partindo desse princípio podemos inferir que aí se encontra presente o mito da superioridade do homem sobre a mulher, mito este que é reforçado pela suposta necessidade de proteção que a mulher muitas vezes sem querer ou sem se dar conta, cobra do homem. Por outro lado, “sem tempo” para se dedicar a outras atividades, começando por uma participação mais efetiva nas decisões que são tomadas em seu local de trabalho, aliada a outras formas de participação política, torna-se difícil conquistar o empoderamento necessário 19 Patriarcalismo é a forma como se estrutura e organiza a vida coletiva, baseado no poder do pai, passando a ter prevalência as relações masculinas sobre as femininas (XAVIER, 1998). 70 para lidar com o patriarcalismo enraizado. A participação dessas mulheres como sindicalizadas ou nas reuniões organizadas pelo Comitê Gestor, em geral é muito pequena, elas mesmas se fazendo ausentes, demonstrando a pouca capacidade ou interesse em discutir assuntos “de homem” (mais um mito), como se fazer política fosse exclusividade deles. É por isso que entre as entrevistadas, apenas uma é sindicalizada, já tendo inclusive se candidatado ao Comitê Gestor, sem conseguir lograr êxito. De qualquer forma, em um ambiente predominantemente masculino (sindicato e Comitês Gestores), seria difícil uma mulher ter apoio exclusivo dos homens, afinal, considerando a baixa participação delas nas decisões tomadas nesses ambientes, fica ainda mais complicado estabelecer naqueles, um espaço de efetiva participação feminina. Quando perguntamos o motivo da não participação nas reuniões do Comitê Gestor ou no sindicato, obtivemos as seguintes respostas: Não sou sindicalizada porque o sindicato não é ativo, e na feira, é o meu marido que participa das reuniões e resolve tudo por lá. Enquanto isso, eu fico aqui trabalhando! (feirante 1) Saí do sindicato porque não vi vantagem de estar ali, mas algumas vezes participo das reuniões do Comitê Gestor. (feirante 3) Não sou sindicalizada nem participo das reuniões na feira, pois não quero me envolver com essas coisas. Prefiro trabalhar para não perder tempo. (feirante 4) Já fui sindicalizada, mas deixei de pagar, pois eles não fazem nada por nós, você só gasta dinheiro e nada! E na feira, ultimamente não tem acontecido nada, nem reuniões! (feirante 5) Só participo das reuniões se tiver votação. Fora isso, fico por aqui mesmo. (feirante 6) É perceptível que a maior preocupação delas é o sustento da família, não dando grande importância a outras situações que as tirem do foco da venda de seus produtos nem de seus outros afazeres, pois como já foi afirmado, a centralidade de suas vidas encontra-se no trabalho. Por outro lado, a apatia relativa à participação e representação política confirma a idéia de que, 71 As mulheres, enquanto grupo em oposição de desigualdade estrutural, não têm as mesmas condições de acesso às arenas políticas e aos canais de poder que os homens, devido aos limites impostos pelo seu papel social. Por sua vez, as arenas políticas e canais de poder (construídas por homens) nas instituições corporativas de representação de interesses, com normas próprias de recrutamento e treinamento político. Além disso, diferentemente do homem, os ciclos de vida da mulher segmentam sua vida, particularmente com a maternidade. Finalmente, para as mulheres a relação custo-benefício é diferente daquela que se coloca para os homens, já que elas, historicamente, têm obtido menos bens políticos. (CARVALHO e RABAY apud AVELAR, 2001, p. 125) Para a falta de interesse e o menor envolvimento da mulher na política, devemos considerar tanto os aspectos institucionais quanto os atitudinais e os estruturais. No primeiro caso temos a forma do sistema político que assimila apenas “grupos já legitimados” pelos interesses de representação e de reprodução do sexismo, no segundo caso, a falta de preparo da mulher para a competição, e no terceiro caso, a frequente segregação da mulher no âmbito privado. (CARVALHO e RABAY apud Avelar, 2001, p. 125-126). Neste sentido, observamos que o exercício da cidadania tem muitas limitações que são determinadas pelo patriarcalismo, exigindo que a participação das mulheres se enquadre no modelo masculino. Para Costa (2002), Esse modelo liberal de cidadania independente, que pressupõe a existência de cidadãos livres capazes de exercer seus direitos civis e políticos, não considera a condição de subordinação e opressão a que, ainda hoje, as mulheres são submetidas. Não leva em conta que sua condição de gênero oprimido as impede e obstaculariza o exercício pleno de sua cidadania. (COSTA, 2002, p. 74) É essa condição de subordinação que, ao se aliar ao modelo de cidadania liberal, mantém a “exclusão feminina das instâncias de decisão e em especial das estruturas do poder formal” (op. cit. 2002, p. 75), mantendo-as também fortemente ligadas ao âmbito doméstico. Mesmo quando saem de casa para trabalhar, em geral, as condições também não se mostram favoráveis, principalmente entre as mulheres com pouca escolaridade, que são predominantes nas camadas mais baixas, tendendo a se submeterem também à ausência de vínculos que a formalidade pressupõe. Isso também se relaciona com a procura por atividades 72 que permitam a flexibilidade, e assim possam conciliar o trabalho remunerado e o trabalho doméstico. Quando tratarmos do significado da palavra “trabalho” entre as feirantes, seu alcance se restringiu à possibilidade do consumo básico necessário para a manutenção da vida, tendo ênfase o pagamento das contas e o sustento da família. Eu trabalho porque preciso, mas se pudesse não trabalharia, pois já me sinto cansada. Comecei a trabalhar muito cedo e não sei quando vou poder parar, pois tenho minha mãe para sustentar e ela já está muito velha. Gostaria de ter outros meios para viver, sem precisar estar aqui todos os dias, o dia inteiro. (feirante 2). É com o trabalho na feira que sustento meus filhos e pago as minhas contas. O trabalho me dá dignidade. (feirante 3) O trabalho me faz bem em todos os sentidos: comer, ajudar a família, poder criar meus netos. Já estou cansada, mais quero poder trabalhar até o fim da minha vida, que não está tão longe, pois já tenho 63 e não posso parar. (feirante 4). As respostas dadas corroboram o que já foi exposto, isto é, o trabalho na feira é a única alternativa de sobrevivência e a dignidade que ele representa se refere a ter acesso aos bens de consumo fundamentais para a manutenção da família. Nesse caso, o trabalho tem um valor objetivo, voltado apenas para a subsistência material. Apesar de se sentirem agradecidas por terem este espaço de trabalho seguro, são conscientes de que suas situações são o resultado da falta de qualificação para o exercício de outra atividade, e que por falta de outras opções ali permanecem. Não consideram o trabalho na feira ruim, mas também não acreditam que seja o melhor para elas, pois consideram-no duro e de baixo retorno financeiro. É pensando dessa forma que elas insistem em dizer que não é isso o que querem para seus filhos, já que no caso delas, essa foi a única opção para conseguir sobreviver, uma vez que não tiveram outra escolha. É dessa maneira que essa preocupação em sobreviver se reflete também na baixa participação na tomada de decisões. Como não se sentem à vontade para tratar das questões políticas, desacreditam na força do sindicato e até do próprio Comitê Gestor que elas ajudaram a eleger, (algumas não sabem sequer o nome do atual presidente do Comitê, que 73 trabalha com elas ali) demonstrando total apatia e falta de compromisso com as discussões que dizem respeito às suas próprias vidas e que poderiam ajudar a mudar o rumo delas. Ainda sobre essa ausência política, parte da situação se insere em questões mais amplas, relativas ao próprio processo de inserção nessas discussões e basicamente na idéia de patriarcalismo muito presente na vida de todas elas. O patriarcalismo como imposição da superioridade masculina O patriarcalismo se estabelece como uma forma de estruturação e organização social que tem como pressuposto o poder do pai e se reproduz com base no poder masculino sobre o feminino. Essa concepção acabou por gerar uma série de elementos tanto sociais quanto culturais que reafirmam a todo o momento a superioridade masculina. É nesse sentido que, com base nos valores patriarcais, a mulher passa a ser vista como frágil, necessitando de um homem para mantê-la e protegê-la, levando à visão equivocada da posse. E por ser o patriarcalismo uma instituição anterior ao capitalismo, a apropriação do espaço doméstico passou a ser assumido pelo poder patriarcal como forma de controle. Ao partir de um conceito com base em visões teóricas a respeito do público e do privado no âmbito da dominação e da transformação política, o patriarcado se apoderou das verdades que passaram a ser aceitas socialmente, sendo, portanto o resultado de uma produção social e tendo por trás de si ganhos que se restringem e beneficiam apenas a um determinado grupo, nesse caso, os homens. É nesse sentido que a visão patriarcal de sociedade manteve a mulher afastada das decisões na esfera pública, restringindo inclusive sua participação política. Aliás, é muito recente em nosso país essa inserção, sendo que em geral ela ainda se encontra muito dependente da figura masculina. Para Carvalho e Rabay (2001, p.127), “a prática política das mulheres se caracteriza pelo tradicionalismo e pela maternagem, restringindo-se ao âmbito dos interesses do grupo ao qual pertencem.” Para as mesmas autoras, Se o Estado liberal-democrático e a cultura política vigentes são uma construção masculina (baseada na separação público-privado), e se a cidadania é um conceito e uma prática masculina (sustentada por um domicílio patriarcal funcional), um novo projeto democrático requer a reconstrução do sistema, das instituições e das práticas políticas. (CARVALHO e RABAY, 2001, p. 127). 74 Na verdade, essa mudança requer transformações tanto culturais quanto identitárias, sendo as mulheres as principais responsáveis pela reversão da ordem patriarcal e oligárquica. Para isso é necessário, entretanto, que elas sejam liberadas “dos obstáculos inerentes ao papel tradicional tanto no âmbito privado (liberação dos encargos domésticos e familiares) como no público (enfrentamento do sexismo).” (CARVALHO e RABAY, 2001, p. 128). No primeiro caso, quando se fala de liberação dos encargos domésticos e familiares, não queremos apenas justificar a ausência e sim a necessidade da ausência, o que acaba por reafirmar a responsabilidade do casal no que se refere às atividades domésticas e criação dos filhos. Apesar de seis das mulheres entrevistadas serem casadas ou manterem uma união estável com seus companheiros, todas foram unânimes em afirmar que o trabalho lhes dava dignidade e certa autonomia em relação ao marido, mesmo sendo algumas vezes essa autonomia relativa, pois a situação de submissão a ele se mostrou patente em algumas situações, como no caso em que uma delas, sendo entrevistada na presença do marido, quase não respondeu sem a interferência do companheiro, sendo que para a maioria das respostas ela se referia primeiro a ele para só então fazer suas afirmações. Também pudemos vivenciar uma situação contrária que poderíamos definir como aquela em que a mulher demonstra ter mais poder sobre o homem. Neste caso, tratava-se de uma mulher com mais idade e aparentemente muito autoritária com o marido, dando a entender que ela é o lado mais forte da relação. Casos como esse só chamam a atenção por fugir do padrão social predominante, que frequentemente coloca o homem como mais forte e dominante. Isso se deve aos mitos que foram criados socialmente e que acabaram impondo à mulher um papel de submissão. Trabalhar na feira para elas tem um significado especial, ao fazê-las pessoalmente se sentirem úteis e produtivas. Por outro lado também significa sair do espaço doméstico, conhecer outras pessoas, outras experiências, poder estabelecer objetivos, sentir-se “viva” como disse uma delas, além de significar a conquista da “dignidade” como disse outra, pois denota a divisão das despesas de casa e a consequente independência com relação ao marido ou a capacidade de agir em busca de um futuro melhor. Uma delas enfatizou que só em não ter que pedir do companheiro o que precisa, lhe dá uma autonomia que compensa todo o esforço dedicado a esta atividade, mesmo isso tomando grande parte do seu tempo diário. Quando tratamos da colaboração entre homens e mulheres e dos vizinhos de banca, obtivemos a resposta que a grande maioria para obter ajuda precisa pagar. Com raríssimas exceções, não existem favores prestados sem retorno, em geral financeiro. Ocasionalmente, 75 em casos de extrema necessidade, pode acontecer de se obter alguma colaboração, mas isso em casos raros, principalmente quando existem bancas de parentes por perto, o que facilita a troca de gentilezas e favores. Concluímos que o fato de ser mulher não oferece vantagens com relação ao homem, e aquela idéia de solidariedade que a princípio pode rondar o imaginário popular, está descartado, pois naquele ambiente é cada um por si. Encontramos motivações diversas na escolha das mulheres pelo trabalho na feira, a mais significativa foi a necessidade do sustento familiar. Algumas assumem o trabalho na feira como falta de opção devido ao baixo nível de escolaridade, outras como consequência da falta de emprego. Mesmo entre as que tiveram outras experiências profissionais, teve destaque entre elas, o fato de que poucas trabalharam com carteira assinada. Algumas anteriormente realizaram atividades como domésticas, trabalho ambulante com venda de churrasquinho, doces e salgados. Duas nunca tiveram experiências profissionais anteriores, sendo que uma delas trabalhou a vida inteira como feirante, desde os 16 anos, quando acompanhava o pai e por isso não teve tempo para os estudos (tem o fundamental incompleto). Hoje ela está com 63 anos e não tem perspectiva de aposentadoria ou de um dia parar de trabalhar. Apenas duas mulheres tiveram alguma experiência com carteira assinada. Uma trabalhou como cozinheira e saiu do emprego devido ao baixo rendimento e ao tempo dedicado ao trabalho que acabava por não compensar financeiramente. Outra trabalhou em um supermercado como açougueira, e depois como montadora no Distrito Industrial até 1997. O desemprego a fez recorrer alguns anos depois (2002), ao trabalho na feira. Todas as entrevistadas vivem da renda gerada pelo seu trabalho no local, mesmo que encontremos em algumas delas o auxílio do companheiro para as despesas familiares. A necessidade de a mulher exercer uma atividade que gere renda como complemento às exigências de manutenção da família, tem sido uma constante no dia a dia feminino. Isso ocorre tanto pela incapacidade de seus companheiros em suprir todas as demandas familiares, quanto pela vontade em sentir-se útil realizando uma atividade produtiva, o que tem aumentado seu ingresso no mundo do trabalho. Para Bruschini (1994, p.180), a participação feminina no Brasil marca profundas transformações sociais a partir da década de 70, passando a ser uma necessidade econômica acirrada pela deterioração dos salários, o incremento da renda familiar, o aumento da expectativa de consumo, a queda da fecundidade, a expansão da escolaridade, entre outros aspectos. 76 “... Contudo, entender os movimentos de inserção das trabalhadoras no contexto mais global do mercado de trabalho não significa deixar de lado as especificidades do trabalho feminino, que não pode ser analisado sem se levar em conta o papel que as mulheres ocupam na reprodução. Os primeiros estudos sobre o tema, preocupados em analisar a presença ou ausência das mulheres do mercado sob o impacto dos fatores econômicos, não levaram em conta o papel fundamental que a mulher exerce na família, onde se dá a reprodução, limitando o âmbito de seus resultados. Mas atualmente existe consenso de que a necessidade e as possibilidades que a mulher tem de trabalhar fora de casa dependem tanto de fatores econômicos quanto da posição que ela ocupa na unidade familiar. (BRUSCHINI, 1994, p.182). Aliado a isso, temos as crises constantes do modo de produção capitalista, que afetam todas as áreas relativas ao desenvolvimento humano, interferindo na qualidade de vida, no padrão de consumo e na oferta de empregos pela diminuição dos postos de trabalho. A principal consequência da falta de emprego é a precarização do trabalho, que traz em seu bojo o acirramento da falta de condições para a geração de renda, desencadeando um processo de informalização da economia e das condições de vida da população. Nesse sentido, cresce o número de pessoas vivendo do subemprego e do trabalho insalubre e mal remunerado, o que provoca ao mesmo tempo profundas alterações nas relações do homem com a natureza, consigo mesmo e com os outros indivíduos, contribuindo para o aumento de inúmeros problemas sociais, incluindo aí a pobreza. A pobreza assim apresenta uma dupla dimensão, tanto com relação aos baixos ingressos no processo produtivo formal quanto com relação à impossibilidade de satisfação das necessidades básicas, consolidando dessa forma a exclusão e sua reprodução. (SALLES e TUIRÁN, 1998, p.99). Outro ponto a ser observado é que as mudanças operadas no mundo do trabalho têm alterado a concepção de cidadania, pois a capacidade de se inserir socialmente passou a ser condicionada à inserção produtiva, a ter emprego e a ser consumidor, passando a ser esta uma forma determinante da inclusão. Nas condições atuais, os limites se estabelecem em face das altas taxas de desemprego e do aumento da precariedade do trabalho. E a precariedade do trabalho é patente em muitos dos casos observados. Além da permissão para o trabalho no local, que garante a isenção de impostos como o ICMS e ISS entre outros, que normalmente são pagos por micro e pequenos empresários, o feirante não paga aluguel pelo uso do espaço, o que os coloca em posição de vantagem em 77 relação a outros tipos de comerciantes, ao realizarem o comércio informal com o aval da Prefeitura. A permissão para atuar na informalidade funciona como um mecanismo que ao mesmo tempo em que procura aliviar as tensões causadas pelo alto índice de desemprego, também serve para manter o controle do Estado sobre os supostos desempregados. Isso cria um equilíbrio aparente de manutenção da ordem, mantendo os conflitos latentes e gerando um suposto direito de manutenção da situação, direito esse que é reivindicado pelo permissionário sempre que ele corre o risco de ter suspensa a permissão. Quando perguntadas sobre as vantagens da permissão para a realização do trabalho, fica claro a tranquilidade de poder trabalhar com a autorização, mesmo tendo para isso que se submeterem às taxas e às regras estabelecidas pela administração. A garantia de permanência no local, a princípio somente será quebrada com o abandono do mesmo ou alguma falta muito grave. Além disso, ter um lugar certo para ficar representa a segurança que acaba por compensar a falta de estabilidade financeira provocada pela inconstância dos rendimentos. As vantagens de ter a permissão para trabalhar assim se resumem nas falas de algumas delas: O bom de ter a permissão é que a administração não incomoda. Aqui trabalhamos sossegadas. (Feirante 1) É melhor ter permissão pela segurança que ela me dá. Aí eu não preciso sair correndo para fugir dos fiscais. (Feirante 2) Aqui eu tenho sossego de não ser incomodada pelos fiscais. Eles passam, olham, veem que estamos trabalhando e vão embora. (Feirante 7) Aqui na feira eu tenho sossego para trabalhar sem me preocupar com a fiscalização. Eles não incomodam e eu trabalho tranqüila. (Feirante 8). Analisando a renda, observamos que elas têm dificuldade em estabelecer um parâmetro de ganho mensal devido à inconstância do que é vendido. Entretanto, contando com os dias de mais movimento (sábado e domingo), afirmam que semanalmente podem ter um ganho de até R$ 400,00 bruto, ocorrendo situações em que esta renda é inferior. No caso em que esta renda semanal é maior, ocorreu apenas com uma delas que por trabalhar com frutas mais caras (uvas, maças, pêssegos, morangos, etc.), pode ganhar em uma semana até R$ 700,00 bruto. É claro que isso pode variar tanto de acordo com o dia da semana, a localização da banca, ou o período do mês e até do ano. Devem ser considerados também outros fatores que podem interferir nas vendas/lucro, como a questão estrutural da economia e 78 os períodos de safra e entresafra que determinam simultaneamente o poder de compra e o preço dos produtos. Quando o casal trabalha junto na banca, as tarefas são divididas, sendo que é ele o responsável pela compra dos produtos a serem vendidos, enquanto ela fica responsável pela venda durante o dia. Alguns maridos realizam atividades de ambulante nos arredores, enquanto a mulher fica na feira. O fato de as compras serem realizadas duas a três vezes por semana na Feira Cel. Jorge Teixeira (Manaus Moderna), sendo para isso necessário sair de casa por volta das duas horas da manhã, é considerado papel masculino. Em apenas um caso, especificamente o da única mulher solteira que mora com a mãe, é ela mesma que realiza esta atividade. Para outras duas, que moram apenas com os filhos, a compra é feita pelos atravessadores da FMC, por não ter condições de se dirigir ao local das compras e, portanto, compra mais caro e em menor quantidade, consequentemente tendo que perder um pouco nas vendas para compensar o preço em relação às bancas concorrentes. Todas pagam pelo transporte da mercadoria, por não terem carro próprio para o deslocamento do produto. Em cinco casos, são as mulheres as principais provedoras, seja por ser solteira, separada ou ter seus maridos com muito mais idade que elas, ou ainda pela condição de trabalho dele ser ainda mais precária que a dela, fora da feira, cabendo a estas a maior responsabilidade pelo sustento da família. As três restantes têm o auxílio dos maridos que em todos os casos trabalham com elas, mas são tidos como os principais provedores, mesmo que elas também tenham as mesmas responsabilidades financeiras pela família. Nesse caso, apenas uma citou o casal como provedor. Algumas também citaram os irmãos ou filhos no auxílio com as despesas familiares, realizando todos eles atividades pelas quais percebem baixa renda. As mulheres que têm filhos maiores de idade veem nestes o auxílio financeiro fundamental para as despesas com a família, sendo que algumas vezes os filhos trabalham nas bancas com as mães, mesmo que seja apenas nos fins de semana ou no período das férias escolares, no caso dos menores de idade. Nesses casos, as mulheres são enfáticas em afirmar que a situação dos filhos é provisória e que elas não desejam para seus filhos o trabalho na feira por ser esta uma atividade pouco valorizada. Elas desejam que seus filhos estudem e mudem seus próprios destinos. De qualquer forma, temos percebido que o trabalho na feira tem algo de perpetuação familiar, pois observamos casos de uma terceira geração trabalhando 79 neste local. É o caso da neta que manteve a licença do avô já falecido. Neste caso, os filhos trabalharam com o pai e posteriormente, a neta assumiu o trabalho no local. Essa permanência da permissão de uso do espaço dentro da própria família é apenas um dos casos que devem ser observados na licença, pois os boxes/bancas são comercializados, mesmo sem o conhecimento dos órgãos competentes, prática essa comum entre os feirantes. Outra irregularidade percebida é o acúmulo de espaços, pois de acordo com a Lei 123, art. 3º, incisos IV e V, que permite o uso “de um único núcleo comercial”, onde cada permissionário deveria ter a licença para o uso de apenas um (01) box/ banca, o que não ocorre, como já demonstrado. O uso dos espaços desta forma tem levado a uma compreensão equivocada do seu uso. As pessoas que ali permanecem há mais tempo, têm a idéia de que são detentoras do espaço, quando na verdade, têm apenas a licença de uso do mesmo que pode ser revogada a qualquer momento, de acordo com a legislação. Dessa forma, não cabe a idéia de hereditariedade na prática de mudança da concessão. Como a administração pública não interfere nos preços, reina a livre concorrência. É nesse sentido que a localização das bancas passa a ser imprescindível. Segundo algumas mulheres, a concorrência é acirrada e quando uma banca tem a possibilidade de vender o mesmo produto com preços mais baixos, acaba trazendo prejuízos às outras. Aqui, cada um faz o que pode, mas as bancas maiores vendem mais. Além disso, as pessoas que estão aqui há mais tempo, têm fregueses mais antigos que não compram da gente de jeito nenhum! (feirante 6) Aqui a concorrência é cruel! Todos brigam pelo freguês, e a briga começa na entrada da feira. Como o meu Box fica aqui atrás, eu fico com o que sobra. O jeito é ser simpática para conquistar a freguesia. ( feirante 3). Aqui a concorrência é acirrada! Os preços variam muito, e eu compro os produtos de um vendedor aqui da feira, porque não tenho como ir comprar na Manaus Moderna, aí não dá pra baixar o preço, pois já compro caro. (feirante 2). Entendemos então que, apesar de em geral todos comprarem basicamente no mesmo local, o que pressupõe preços iguais, existe uma variação tanto na quantidade quanto na forma de aquisição o que pode facilitar na hora da negociação. Outro fator é o espaço para a exposição dos produtos. As bancas maiores (duas) têm esse espaço dobrado o que permite 80 uma maior visualização do que está sendo vendido. Fomos informados ainda sobre a natureza e implicações das faltas a serem cometidas pelos feirantes. São infrações graves, por exemplo, deixar as bancas sem atividade, assim como trabalhar alcoolizado o que pode acarretar a perda da permissão para o trabalho local. Convém registrar que chamar, de dentro da banca, um cliente para comprar não é considerado falta, entretanto, se o feirante estiver fora da banca e se assim o fizer, poderá ser suspenso. Para dar continuidade a essa discussão, consideramos fundamental abrir um espaço para compreender ainda, o mito que justifica a dupla jornada de trabalho da mulher e suas conseqüências em termos de participação social. Isso se faz necessário ao considerarmos a unanimidade de afirmações sobre a responsabilidade que elas têm pelos encargos domésticos. Neste caso, iniciaremos a questão com algumas discussões feitas sobre o assunto. A dupla jornada A dupla jornada de trabalho ou jornada estendida é uma especificidade feminina, já que elas, historicamente têm assumido a responsabilidade com os afazeres domésticos, e quando se inserem no mundo produtivo acumulam além do papel de dona de casa na realização do trabalho reprodutivo, o trabalho produtivo remunerado. Com isso reforçam-se os mitos que insistem em colocar a mulher em posições subalternas e a tendência é sobrecarregá-las uma vez que ela acumula o trabalho produtivo e as atividades domésticas e isso tem dificultado sua participação integral e a possível igualdade de condições. Esses fatores só vêm contribuir para a manutenção da supremacia masculina nos setores produtivos e em especial, nos postos de comando, ao mesmo tempo em que coloca a mulher em uma situação de sobrecarga, além de ocupar postos menos valorizados e excludentes. Sobre isso, Vieira (2002) nos diz que, A mulher que conquistou [no final do século XX] maior visibilidade no mercado de trabalho é a mesma a ser convocada a dar respostas múltiplas a uma série de atribuições (...) Um outro fato que emerge nesta realidade é o de que mulheres e homens estão diante de um desafio ameaçador não mais do gênero e sim da espécie que é a feminização da pobreza e esta tem raízes diretamente vinculadas ao modelo excludente tão bem realizado pelas sociedades ocidentais (VIEIRA, 2002, p.61). 81 O que Vieira (2002) chama de “feminização da pobreza” é uma conseqüência das condições em que a inserção produtiva se dá, em geral ocorrendo por conta da baixa qualificação que gera baixos salários, produto também da desigualdade percebida em relação aos homens que também ganham mais, mesmo ocupando os mesmos postos que as mulheres. Podemos também inferir que, “no caso das mulheres, a ocupação dos postos de trabalho continua vinculada às chamadas qualidades femininas, nunca qualificações. Daí a desvalorização do seu trabalho” (FERREIRA, 2005, p.35). Essa constatação é feita quando confirmamos um pressuposto inicial de baixa escolarização entre os feirantes. Apenas duas das mulheres têm o Ensino Médio completo, duas o Ensino Médio incompleto, três o Fundamental completo e uma o Fundamental incompleto. Todas então freqüentaram a escola sem exceção, mesmo não tendo concluído os estudos, o que significa que não existem casos de analfabetismo. Em compensação, aliado à baixa escolaridade, temos também a falta de experiência profissional que acaba impulsionando essas mulheres para a realização de atividades que não exijam qualificação e que se encontram em geral, próxima ao que Ferreira (2005) chamou de qualidades femininas (observar mais uma vez o Quadro 3, p.29). Considerando a necessidade que todas elas tem em exercer uma atividade que gere renda, principalmente quando esta ocorre fora do ambiente familiar, faz com que isso passe a representar um peso extra, fazendo com que elas muitas vezes se sintam culpadas. É nesse sentido que o trabalho feminino passa a ter um efeito negativo, tanto ao afastá-la da família, quando pelo fato de representar um acúmulo de funções e até mesmo na diminuição de tempo para o descanso ou o lazer, perdendo a mulher, qualidade de vida e adquirindo doenças que há pouco tempo atingiam prioritariamente os homens. Ocasionalmente, elas parecem até envergonhadas em assumir que seu ideal de vida seria não precisar trabalhar fora de casa, tamanha a pressão que se estabelece entre elas, afinal, em pleno século XXI as conquistas não podem ser esquecidas e o seu lugar no mundo do trabalho precisa ser preservado. Por outro lado, o quanto de “vida familiar” se perdeu dentro dessas conquistas? Algumas mulheres entrevistadas confidenciam que se tivessem escolha não trabalhariam, nem teriam os problemas que esse tipo de atividade determina, como por exemplo, a responsabilidade de suprir financeiramente as necessidades da família, pois isso em muitos casos gera preocupações que as fazem “perder o sono”. 82 Temos ainda as mais variadas explicações biológicas para o papel da mulher que têm reforçado o peso de sua responsabilidade como mãe e como esposa para manutenção de um modelo de família ansiado socialmente. Isso tem sido tão forte que muitas delas sentem culpa por não terem mais tempo de educarem seus filhos, como se a responsabilidade fosse apenas delas e não também do pai. Aliado a isso encontramos também o acúmulo de papéis que recai sobre elas, mesmo quando trabalham fora, e principalmente sobre as responsabilidades com os afazeres domésticos, onde fica claro que “a persistência de um modelo de família no qual cabem à mulher as responsabilidades domésticas e socializadoras determina a necessidade de uma constante articulação entre papéis familiares e profissionais...” (BRUSCHINI, 1994, p. 182). Entre as feirantes, todas relataram que aproveitam as horas de folga para realizarem trabalhos domésticos, tendo pouca ou nenhuma ajuda do companheiro e ocasionalmente das filhas, principalmente quando estas são pequenas. Todas dedicam boa parte do dia ao trabalho na feira, não sobrando muito tempo para elas mesmas, e praticamente não têm opção de lazer, resumindo-se este em geral a assistir à televisão. Outra constatação é que a ajuda em casa sempre recai sobre as filhas mulheres, ficando os filhos homens liberados dessas atividades. Elas reforçam na educação dos filhos os conceitos e práticas correntes estabelecidas pela sociedade patriarcal, não fazendo praticamente nada para mudar esse curso. O resultado provável é que essas filhas e filhos reproduzirão essas práticas com seus maridos, esposas e filhos, criando um ciclo de resistência às mudanças. O ritmo de trabalho apesar de sua intensidade reservar alguns momentos de calmaria, é cansativo por exigir muitas horas no local. Apesar das horas de trabalho serem definidas por elas mesmas, não podemos esquecer que isso representa o sustento de todas elas, não permitindo muito tempo para o descanso, ou seja, a quantidade de horas trabalhadas é decisiva para garantir o suprimento de suas necessidades. Algumas permanecem das 6h da manhã às 19 ou 20h e quando chegam a casa, precisam realizar todas as atividades domésticas. Quando têm ajuda para dividir o horário na feira, com um filho ou filha (sendo em geral a filha), tiram um tempo (entre 2 ou 3 horas diárias) para a realização dessas atividades. Fica então claro que, levando-se em conta as especificidades de cada situação, todas elas realizam dupla jornada. É fato que a divisão sexual do trabalho é uma construção histórica e que nessa construção houve perdas e ganhos. Entretanto, Hirata (2003), assim analisa essa questão, ao 83 lembrar que “a divisão do trabalho entre os sexos é o que está em jogo nas relações sociais de sexo” (HIRATA, 2003, p. 114). Para ela, A divisão sexual do trabalho é o suporte empírico que permite a mediação entre relações sociais (abstratas) e práticas sociais (concretas) e a elaboração de hipóteses de médio alcance. Em outros termos: suprima-se a imputação do trabalho doméstico ao grupo social das mulheres e são as relações sociais que desmoronam, junto com as relações de força, a dominação, a violência real ou simbólica, o antagonismo que elas carregam. A divisão sexual do trabalho está no âmago do poder que os homens exercem sobre as mulheres. (HIRATA, 2003, p. 114) É neste sentido que as relações e práticas sociais estabelecem uma hierarquia que atribui valores diferenciados ao trabalho do homem e da mulher e ao trabalho produtivo e reprodutivo, reafirmando as condições de opressão e dominação existentes na divisão sexual do trabalho. Foi também em Hirata (1997) que buscamos subsídios para entender como essa hierarquia social se estabelece no interior da reestruturação produtiva. Partindo de uma pesquisa realizada em três países – Brasil, Japão e França, Hirata (1997, p.11) ressalta que o emprego destinado a homens e mulheres dentro do processo de reestruturação produtiva, tem sido dividido de acordo com o tipo de máquina utilizada, o tipo de trabalho e de organização do trabalho, sendo em geral o trabalho manual e repetitivo destinado às mulheres e, o que requer conhecimento técnico, destinado aos homens. Ela destaca ainda que apesar de os empregadores reconhecerem a importância do trabalho da mulher, não o compreendem como um trabalho que requer qualificação profissional. No caso brasileiro, a divisão do trabalho é percebida de maneira mais enfática, e ela ainda aponta que apesar de ter ocorrido uma integração maior das mulheres nos processos de inovação organizacional [isso] não parece ter conduzido a mudanças sensíveis em termos de aumento de qualificação [enquanto que a] precarização da força de trabalho (...) parece ter reforçado a polarização das qualificações segundo o sexo... (HIRATA, 1997, p.13-14). Mas, fatores como idade, estado civil e qualificação também são variáveis de um país para o outro, além das práticas discriminatórias que são persistentes em algumas situações. Percebemos assim que existe uma divisão social do trabalho que ultrapassa a compreensão de 84 força física e que se insere em um plano ideológico, disseminando e reforçando as diferenças, e nela impondo os papéis que serão destinados a cada sexo e nesse caso, estabelecendo que a mulher, independente das circunstâncias que a impulsionou a circular pelo espaço público, deve carregar como ônus, a obrigatoriedade das atividades domésticas que historicamente tem sido destinada a ela, ou seja, a manutenção da dupla jornada. Na feira, campo de nossa investigação, essas questões também fazem parte da vida diária da grande maioria das mulheres. Seis das entrevistadas são mulheres com mais de 40 anos e quatro delas iniciaram sua vida profissional após a separação dos maridos. A necessidade de sustento familiar após a separação foi primordial para a saída da exclusividade do âmbito doméstico. Isso em geral ocorre porque os ex-maridos percebem baixos rendimentos além da inconstância destes, o que força essas mulheres, mesmo sem nenhuma qualificação, a buscar meios de inserção profissional e assim garantir, mesmo que precariamente as despesas familiares Em geral a entrada da mulher na vida pública é obstacularizada tanto pela falta de qualificação, quanto pela imposição do marido, além da necessidade de criação dos filhos, ou seja, a arbitragem da vida profissional das mulheres ocorre prioritariamente no lar. Entre as entrevistadas que se inseriram mais tardiamente no mundo do trabalho, todas são mães de no mínimo três filhos, algumas delas ainda com filhos pequenos, como é o caso de duas que têm filhos de 10 e 12 anos. Quando perguntadas sobre o que fazem para não deixar os filhos menores sozinhos em casa, elas responderam que recorrem à ajuda dos filhos maiores, a outros familiares e ocasionalmente aos vizinhos. Na feira também encontramos outros elementos que não são exclusividade das mulheres. Identificamos uma discriminação latente que se apresenta sob forma de hierarquização no ambiente de trabalho, onde algumas pessoas estabelecem uma separação, e ocupam posições que determinam condutas diferenciadas no exercício de seus papéis sociais. Sobre isso teceremos algumas considerações. A hierarquia de status Abrimos um parêntese aqui para expressar que em nossas observações, o que aparentemente pode ser identificado como um grupo comunitário homogêneo percebe-se uma 85 situação onde alguns grupos se diferenciam. Tomamos aqui a categoria hierarquia de status20 utilizado por Elias e Scotson (2000) que ajuda a esclarecer essa noção de diferenciação entre os grupos e pessoas. A base das relações sociais na feira apresenta de certa maneira, uma hierarquização que define o status de uns em relação a outros. Temos assim um primeiro grupo onde podemos incluir os autônomos, os mais antigos feirantes, os que possuem mais de um box/banca, os que vendem produtos de maior valor econômico e os que apresentam uma situação financeira definida, além de terem a fidelização dos clientes. Já no segundo grupo podemos apontar os que se assumem como feirantes, os que se encontram na feira há menos tempo, os que têm apenas um box/banca, os que vendem produtos de baixo valor econômico, os que dependem do “fiado” para a manutenção do negócio e os que ainda não conseguiram manter uma clientela assídua. Sabemos que as diferenças sociais são estruturadas pela própria divisão da sociedade de classes, mas quando existe uma distribuição desigual dos espaços concedidos, percebemos que isso contribui para aprofundar as diferenças e a igualdade de condições. É nesse sentido que encontramos na FMC uma hierarquia de status, que se encontra presente nos bastidores. Isso também se dá tanto em relação ao posicionamento da banca/box, quanto com relação aos produtos comercializados. É claro que aparentemente isso não é percebido, mas o fato é que do ponto de vista econômico, ambas as situações colocam algumas pessoas em desvantagem, criando uma forma distinta de estratificação social. As bancas que se encontram mais próximas da entrada principal são beneficiadas com vendas melhores, em detrimento das que ficam localizadas mais ao fundo, assim como as que estão localizadas no corredor principal se sobrepõem às que se localizam nos corredores adjacentes. Outros aspectos que podem reforçar essa hierarquia se referem tanto ao tempo de trabalho na feira, assim como a relação aos grupos familiares que ali se formam. No primeiro caso, o status adquirido com o tempo permite alguns privilégios em termos de reconhecimento e respeito. Nessa situação se encontra um antigo feirante do local que se orgulha de ter ajudado a construir a feira, sendo reconhecido por todos como alguém com forte influência nas negociações e resolução de problemas. Falante, ele sabe tudo sobre o que acontece ali, podendo responder qualquer questionamento feito sobre o trabalho na feira. No 20 Em Elias e Scotson (2000), a hierarquia de status se refere às relações de poder presentes nas relações sociais, determinando o lugar ou posições dos demais membros de um grupo na estrutura social. 86 segundo caso, as redes familiares compostas por pais e filhos, irmãos, maridos/esposas, também fortalecem os grupos. Há casos de encontrarmos permissão para o uso de bancas/boxes para irmãos de uma família inteira, enquanto outros, sozinhos, se sentem deslocados e excluídos das decisões, o que pode ser considerada como uma situação de exclusão com relação aos demais. Isso ocorre, como dizem Elias e Scotson (2000), quando “um grupo tem um índice de coesão mais alto do que o outro e essa integração diferencial contribui substancialmente para seu excedente de poder” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 22). Fica claro então que este sentimento de exclusão aliado à falta de participação nas decisões reforça um modelo que fortalece ainda mais a hierarquia de status, gerando mais insatisfações. Elias e Scotson (2000) ainda destacam que Embora possa variar muito a natureza das fontes de poder em que se fundamentam a superioridade social e o sentimento de superioridade humana do grupo estabelecido em relação a um grupo de fora, a própria figuração estabelecidos-outsiders mostra, em muitos contextos diferentes, características comuns e constantes (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 22). A estas características comuns e constantes, muito presentes nas relações sociais, Elias e Scotson (2000) chamam de constantes estruturais. É nelas que se diferenciam as características de uns e de outros: melhores - piores, bons - ruins, apáticos – participativos, etc. Esta oposição “faculta ao grupo estabelecido provar suas afirmações a si mesmo e aos outros; há sempre algum fato para provar que o próprio grupo é „bom‟ e que o outro é „ruim” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p.23). A hierarquia de status também se apresenta na divisão encontrada entre os que se definem como feirante e os que se autodenominam autônomos. Isso se deve ao fato de ser feirante significar uma posição de inferioridade, de acordo com uns poucos que não querem ser chamados assim. Ser autônomo significa ter uma posição privilegiada com relação aos demais, mesmo que aparente. Mas, como já citado, a maior parte dos trabalhadores dali se identificam mesmo como feirante, quase como uma forma de não negar o que lhes dá sustento. Reconhecer as próprias limitações com relação ao poder de se diferenciar também gera uma certa empatia entre os que se assumem feirantes, mesmo que não exatamente uma aproximação, criando uma maior possibilidade de constituição de um grupo, afinal, dividir o 87 que já está disperso pode acarretar problemas de aceitação, principalmente entre os que se encontram no local há mais tempo, e que por isso se sentem na responsabilidade de manter as coisas como estão, evitando outros conflitos. É visível também a formação de pequenos grupos que colaboram entre si visando ao poder sobre os demais. Esses pequenos grupos se beneficiam da falta de participação da maioria que se mantém alheia ao que é discutido e decidido. Prova disso é a baixa participação nas reuniões e a adesão ao sindicato, que também contribui para isolar ainda mais aqueles os quais se sentem deslocados. Outro ponto que deve ser ressaltado se refere à posição da mulher com relação ao homem. Observamos que as mulheres “sem marido” ou nos casos quando o marido não se encontra diretamente em seu local de trabalho, passaram uma idéia de desprotegidas. Para elas, as mulheres que trabalham com os companheiros ali têm inúmeras vantagens, que vão desde o auxílio nas compras realizadas de madrugada, quanto com relação ao próprio trabalho que passa a ser dividido. Aliado a isso se encontra a proteção contra os maus tratos recebidos por alguns homens que se consideram superiores, colocando principalmente estas mulheres em situação de inferioridade. Mas essa é uma crítica consciente que elas relatam e assumem como não natural. Nesse caso também se torna visível a hierarquia de status que se impõe com relação ao gênero. Sobre essa imposição que confronta grupos diferenciados, Elias e Scotson (2000) se perguntam: Como se processa isso? De que modo os membros de um grupo mantêm entre si a crença de que são não apenas mais poderosos, mas também seres humanos melhores que os outros? Que meios utilizam eles para impor a crença em sua superioridade humana aos que são menos poderosos? (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 20) Para eles, esse elemento diferenciador nas relações sociais indica uma “constante universal” em qualquer situação em que exista o predomínio de um grupo sobre outro, gerando exclusão, controle social, estigmatização e preconceito. Nos relatos e observações também sentimos isso como uma constante no trabalho na feira, já tendo sido feitas indicações desse fato, e podendo ser acrescido de outros exemplos práticos, como os apelidos, os estigmas persistentes, o isolamento provocado, o preconceito declarado, os boatos e as fofocas. Os apelidos em geral, são aceitos, já que os que os têm, atendem por eles, não parecendo constrangedor o fato de tê-los. Em uma ocasião, a própria 88 pessoa se apresentou pelo apelido. Mas o que nos parece mais incômodo são os estigmas, o isolamento provocado e o preconceito. Isso porque não são situações aceitas pelas pessoas que o sofrem, assim como fortalece a ideia de inferioridade atribuída por meio dessas ações. Ser estigmatizado como bêbado ou mulher velha são simultaneamente estigmas atribuídos a alguns homens e a algumas mulheres. Mas o que se encontra por trás do estigma de mulher velha não é apenas o fato da velhice em si, já que ser velho deve a princípio, impor uma condição de respeito. O problema se encontra no fato deste carregar junto a ideia de mulher “mal amada”, sozinha, incapaz de manter uma família. Atrelado a isso, sempre se encontra o isolamento imposto, em que pela própria situação, a mulher se fecha, não se sentindo aceita e, portanto tornando seus dias de trabalho mais difíceis. No referente aos boatos e fofocas, estes sempre se encontram presentes nos espaços de convivência de grupos e dificilmente são possíveis de serem evitados. Mas este não é privilégio da FMC, pois esse tipo de situação ocorre com frequência em ambientes que como esse, se encontram diariamente homens e mulheres com diferentes concepções de vida e de mundo. No caso da feira, isso ocorre principalmente nas horas de baixo movimento, quando as conversas são inevitáveis para passar o tempo. É assim que, especificamente na falta do que fazer, as histórias são criadas, aumentadas ou espalhadas dentro do grupo, sempre causando mal estar aos atingidos e muitos vezes gerando conflitos e até confrontos pessoais. 89 Capítulo III A VIDA NO COTIDIANO Após analisarmos as questões ligadas às relações sociais no ambiente de trabalho das mulheres entrevistadas, priorizaremos agora as questões que dizem respeito ao ambiente familiar, tentando estabelecer relações com o trabalho e com os mecanismos que se ocultam e se revelam no decorrer da vida cotidiana. Para isso procuraremos inserir o outro lado da vida da mulher feirante que algumas vezes se manifesta no ambiente de trabalho e que é também determinado por ele. Iniciaremos com a discussão feita por Martins (2008), que coloca as dificuldades estabelecidas na compreensão e distinção entre vida cotidiana e vida privada. Os limites entre vida cotidiana e vida privada Quais os limites que se estabelecem entre a vida cotidiana e a vida privada21? Encontramos em Martins (2008), esclarecimentos fundamentais para o entendimento destas relações. Para ele, “Vida privada e vida cotidiana, como objetos de conhecimento científico, são temas da atualidade, são temas da consciência social contemporânea e o são porque de algum modo são problemas para a sociedade.” (MARTINS, 2008, p.84). Ele ainda levanta um problema com relação à confusão estabelecida nas concepções de vida cotidiana e vida privada, que na historiografia nacional22 se apresentam como equivalentes, sendo reduzidos à categoria de conceitos. Ressalta ainda que o Brasil apresenta uma especificidade cultural que “não favorece o desenvolvimento amplo e profundo da vida privada” ou pelo menos, não como um “estilo dominante de viver” (op. cit. 2008, p. 85), e isso se dá pela sutileza dos comportamentos que não se diferenciam na rua e em casa, demonstrando pouco cuidado com a separação entre o público e o privado. A dificuldade no estabelecimento de situações bem definidas também se encontra presente no próprio modo de viver, no qual a precariedade das habitações não permite a delimitação de “aposentos bem definidos em suas funções e relacionamentos” (MARTINS, 2008, p. 86). 21 A vida privada seria a contraposição da vida pública, ambas presentes na vida cotidiana. (MARTINS, 2008, p. 95) 22 Nesse caso, ele cita especialmente Ronaldo Vainfas que segundo ele, parte de uma idéia de cotidiano visto pela ótica do senso comum, reduzindo sua concepção ao ambiente da casa e à vida do dia-a-dia alheios à história. (MARTINS, 2008, p. 88) 90 Essas observações tornaram pertinentes a análise do modo de vida das entrevistadas, no que se refere à moradia, observamos uma ausência da vida privada, e, principalmente um comprometimento da intimidade, na vida das mulheres entrevistadas, sendo esta uma exceção em apenas um caso (o da mulher sem filhos). Todas as mulheres entrevistadas moram na Compensa, ou seja, trabalham perto de casa, o que pressupõe uma economia em termos de gastos com transporte para sua locomoção, e apenas uma mora em casa alugada, tendo todas as outras casas próprias. As casas das entrevistadas têm entre três e seis cômodos, que são usados por todos da família, sendo que em algumas situações, encontramos a ausência de delimitação de espaço para todos dormirem, sendo necessário em alguns casos, recorrer aos espaços comuns, entre eles a sala. Contando com os ambientes indispensáveis como a cozinha e o banheiro, algumas casas têm apenas um quarto, onde dormem mãe e filhos. Apenas uma delas tem três quartos, sendo esta ocupada por dez pessoas – o casal, quatro filhos e quatro netos, todos eles abandonados pelas mães, ex-namoradas dos filhos (os filhos após engravidarem as namoradas, levam as crianças para a mãe cuidar). Uma mulher solteira mora com a mãe de 84 anos em uma casa de dois pisos, sendo que no piso superior estão seus três irmãos com os devidos companheiros e companheiras e no térreo, ela divide o espaço com a mãe. Neste caso, a casa tem seis cômodos, sendo dois o número de quartos. As demais são famílias compostas pelo casal, tendo eles entre quatro a sete filhos, que moram em casas de dois quartos e no máximo cinco cômodos. A tradicional separação de quarto para as meninas e quartos para os meninos, possível nas classes com melhor poder aquisitivo, aqui não se encontra presente, até porque outras prioridades são colocadas para as famílias e um quarto a mais significaria despesa e muitas vezes necessidade de um espaço que o terreno em que a casa se encontra não tem. É por isso que é comum os irmãos adolescentes dormirem no mesmo quarto que as irmãs pela falta de espaço. Em algumas situações, além dos filhos ainda temos agregada à família, a nora, que carrega com ela um filho pequeno e que também vai dividir um espaço já diminuto para os que ali moram. Apenas nesses casos é colocado como necessário a criação de um cômodo a mais para o acolhimento da nova família, sendo este em geral, apenas um pequeno quarto. Vejamos os relatos: 91 Temos dois quartos em casa. Um é meu e o outro é dos meus quatro filhos. Como estou separada, às vezes a filha menor dorme comigo. Fico com pena porque o quarto que eles dormem é pequeno para tanta coisa e tanta gente. (feirante 3) Não tem como ter quarto para todo mundo. Lá em casa somos dez pessoas, somos quatro filhos e quatro netos, mais eu e meu marido. No máximo o que dá para fazer é colocar os netos em um quarto, os filhos em outro e eu e meu marido no quarto de trás. Ainda temos sorte, imagina se casa tivesse só dois quartos? (feirante 4) Lá em casa tem dois quartos. Em um eu durmo com o meu marido e no outro ficam os meus filhos (um garoto e três filhas já adolescentes). Não tem como separar, a não ser que o menino vá dormir na sala, e eu não quero isso, porque senão ele assiste televisão à noite inteira. (feirante 5) Como vemos, a falta de espaços adequados para a distribuição da família não garante um adequado desenvolvimento de comportamentos que sugiram uma vida mais reservada, tornando-se a vida privada comprometida pela precariedade das condições a ela impostas. É exatamente nesta dissociação entre o privado e o íntimo que devemos perceber os momentos cotidianos da vida, que para Martins (2008) é encontrado “no público e no privado. Em casa, mas também na rua e no local de trabalho: nos lugares em que o homem está desencontrado em relação a si mesmo. Na casa sim, mas na intimidade, não...” (MARTINS, 2008, p. 88). Isso nos leva a refletir que, pelas condições de moradia das entrevistadas, seja provável que os momentos íntimos muitas vezes se encontrem comprometidos pela falta de delimitação dos espaços reservados para isso. É nesse âmbito que o público se confunde com o privado, tendo seus reflexos na vida cotidiana, que mantém o seu curso através do vivido e nas experiências que a configuram. Falar do cotidiano é também falar do vivido e é por isso que abrimos um parêntese aqui para compreender o significado do vivido através de uma aproximação com a palavra vivência23. Para Gadamer (2008), A vivência possui uma imediaticidade bem característica, que se subtrai a todas as opiniões sobre o seu significado. O vivenciado é sempre a vivência que alguém faz de si mesmo, e o que ajuda a constituir seu significado é o fato de ele fazer parte da 23 Vivência “se trata aqui de uma formação secundária da palavra ‘vivenciar’. (...) significa, de início, ‘ainda estar vivo, quando algo acontece”. (GADAMER, 2008, p. 105) 92 unidade desse si mesmo e conter uma referência inconfundível e insubstituível com o todo dessa vida una. (GADAMER, 2008, p. 113) E ainda completa, O modo de ser da vivência é tão determinado que não se esgota. Nietzche diz: “Nos homens profundos as vivências duram longo tempo”. Com isso, quer dizer que elas não são esquecidas rapidamente, sua elaboração é um longo processo e justamente nisso reside seu ser específico e seu significado e não somente no conteúdo experimentado originalmente (GADAMER, 2008, p. 113). É desse modo que a vivência tem uma relação direta com a idéia de vida e é na vida que esta vivência se exprime em sua concretude. Aqui nos referimos às experiências que são travadas no interior da cotidianidade e que se expressam de forma indiscutível nos comportamentos, nas falas, nos sentimentos e nos sonhos de cada uma das mulheres entrevistadas. Por outro lado, é também com base nas próprias experiências que elas estabelecem seus padrões de referência para definir suas vidas e nelas inserir os conceitos e significados que foram construídos no decorrer dessa vivência. É nesse contexto que nos referimos à vida privada como o lado oposto da vida pública, considerando as peculiaridades que são próprias ao estilo de vida das entrevistadas e que se expressa tanto no ambiente de trabalho quanto na vida familiar. Dessa forma, abriremos agora um espaço para compreender a forma como estas famílias se organizam, convivem e distribuem os papéis entre seus membros. Formas de organização das famílias Entre as feirantes entrevistadas encontramos uma diversidade de arranjos familiares, como um casal sem filhos, uma filha que mora com a mãe, uma mulher separada que mora somente com os filhos, constituindo o tipo de família monoparental, outra mulher separada que mora com os filhos e um novo companheiro – família reconstituída24. Tirando essas 24 Em TEIXEIRA e RODRIGUES (2009, p.36) encontramos a família reconstituída como “a estrutura familiar originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm filho ou filhos de um vínculo anterior”. 93 situações, todas as outras seguem o padrão predominante de família nuclear, formada pelo pai, a mãe e os filhos. Visualizando o quadro a seguir, podemos distinguir os principais tipos de entidades familiares encontradas entre as mulheres entrevistadas: Quadro 5 – Os arranjos familiares Tipo de família Quantidade Nuclear 03 Monoparental 02 Reconstituída 01 Quadro elaborado pela autora. Como já comentado, duas mulheres não se enquadram em nenhum desses modelos familiares - uma por ser solteira e morar com a mãe e outra por estar em uma união estável, mas não ter filhos. Nas famílias nucleares encontramos ainda uma família que agregou os netos, outra que agregou um sobrinho à composição familiar, além da situação onde passou a fazer parte da família e a morar na mesma casa, a nora e o neto. Temos também no caso da única família reconstituída, uma mulher com dois filhos do casamento anterior e um filho do novo companheiro. Para Bruschini (1990), família pode ser definida como um grupo de indivíduos ligados por elos de sangue (consanguinidade), adoção ou aliança (casamento) socialmente reconhecidos e organizados em núcleos de reprodução social. Famílias são grupos de procriação e de consumo, lugar privilegiado onde incide a divisão sexual do trabalho, em função da qual determinase o grau de autonomia ou subordinação das mulheres (BRUSCHINI, 1990, p. 32). Ainda para Bruschini (1990), o grupo conjugal que constitui a base elementar da família tem nos permitido uma visão que se volta para a divisão de papéis como algo natural, mas isso deve ser percebido como uma construção cultural mutável, devendo, portanto, ser 94 concebido como natural se for o caso, apenas a mulher e sua prole. (BRUSCHINI, 1990, p. 31). Em Roudinesco (2003), podemos encontrar o que é definido como evolução da família, distribuída em três grandes períodos: em um primeiro momento, encontramos a família “tradicional” que tem a finalidade de “assegurar a transmissão de um patrimônio”, com casamentos arranjados, dentro de uma ordem imutável e sendo a mulher submetida a uma autoridade patriarcal; no segundo momento, encontramos a família “moderna”, fundada no amor e no casamento e valorizando a divisão do trabalho entre os esposos, além de ter inserida nessa relação o papel do Estado como responsável pela educação do filho, abrindo espaço para uma divisão que se estabelece entre Estado e pais, pais e mães; no terceiro momento, a partir dos anos 1960, encontramos a família “contemporânea” ou “pós-moderna”, com duração relativa e na qual “a transmissão da autoridade vai se tornando cada vez mais problemática à medida que divórcios, separações e recomposições conjugais aumentam”. (ROUDINESCO, 2003, P. 19). Dentro do que é definido como família pós-moderna, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 226), prevê como tipos de família o casamento, a união estável (formada pelo casal com ou sem filhos, mas sem a oficialização da relação) e as famílias monoparentais, mas também abrindo espaço para outras formas de arranjos familiares, como as famílias formadas por avós e netos, a família que agrega parentes ou outros indivíduos (como a nora ou o genro) e as famílias reconstituídas. Temos então entre as mulheres entrevistadas, famílias constituídas através do casamento e pela união estável. Isso nos permite uma gama de suposições que podem enriquecer nossa discussão, começando pelas respostas dadas à pergunta feita sobre o estado civil das entrevistadas. Temos então: Sou solteira, mas tenho um companheiro. Ainda não quis ter filhos porque trabalho demais e não teria tempo para cuidar deles. (feirante 1) Sou solteira e hoje moro com minha mãe. Vivi com um homem por algum tempo, mas separei porque não agüentei os maus tratos. Se for para viver apanhando, é melhor ficar só. (feirante 2) 95 Sou casada, mas no momento estou separada. Moro com os meus cinco filhos. (feirante 3) Sou casada há muitos anos com o mesmo marido e moro com quatro filhos e quatro netos. Eu cuido das crianças porque as mães não quiseram saber delas e deixaram lá em casa. (feirante 4) Sou solteira, mas estou “casada” (vivendo com o companheiro) há 16 anos. Nós temos quatro filhos que moram com a gente. (feirante 5) Sou casada e moro com o meu marido, três filhos e um sobrinho que minha irmã não quis criar. Ele está comigo desde pequenininho. (feirante 6) Hoje vivo com os meus quatro filhos porque separei do meu marido. Um dos meus filhos está casado e tem um filhinho. Todos moram lá em casa. A gente se aperta um pouquinho, mas tudo bem, pois ela é uma boa moça e me ajuda muito. (feirante 7) Continuo casada, mas no momento estou “amigada” com outro homem. Moro com três filhos. Tenho um menino e uma menina do primeiro casamento e um filho de 10 anos do meu companheiro. Não queria ter mais filho não, mas Deus mandou... (feirante 8) Observamos então, que na diversidade das formações familiares, são as mulheres as principais responsáveis pela prole. No caso de um novo casamento, é com ela que os filhos permanecem. Podemos destacar, ainda, que dentro dos arranjos familiares, os agregados (netos, sobrinhos, irmãos), assim como os idosos, também passam a ser responsabilidade delas. Diversos estudos25 definem a família como aquele tipo de instituição que tem entre seus papéis uma função econômica, ao transformar a produção social em produção de uso (prestação de serviços domésticos), é um espaço de repressão sexual e de autoridade, mas é também um espaço de socialização e reprodução ideológica que transmite e reafirma valores. Esses papéis que têm sido ressaltados nesses estudos, mesmo nos casos de um ou outro terem maior destaque, não significa especificamente o descarte dos outros, já que todos eles se encontram presentes nos estudos sobre a família (BRUSCHINI, 1990, p.40-41). Seja através 25 Aqui, Bruschini (1990) se refere às abordagens diversificadas presentes nos estudos sobre as atividades desempenhadas pela família ou na família. (BRUSCHINI, 1990, p. 40) 96 de sua função econômica, como espaço de repressão e autoridade ou como âmbito de socialização e reprodução ideológica, a família tem resistido no tempo para a manutenção de suas funções. É em cima dessas considerações que destacaremos agora o cumprimento desses papéis no interior das famílias das mulheres entrevistadas. A mulher ocupa uma posição fundamental dentro da família e é de conhecimento geral que o papel ideológico desempenhado por ela por meio da maternidade, contribui tanto para “a estruturação da personalidade da nova geração, como também para a reprodução da assimetria sexual e da organização social dos gêneros”. (BRUSCHINI, 1990, p. 57). É no exercício desta posição que o poder exercido pela mulher dentro da família se constitui, tendo como base o desenrolar da vida cotidiana. É na vida cotidiana que se centra o âmbito ideológico, pois “é no „fazer‟ de todos os dias que surgem e se modificam ou desaparecem idéias, atos e relações”, ou seja, é em casa que se originam os pressupostos ideológicos de reprodução social. (op. cit. 1990, p. 59). Os sentimentos, hábitos, capacidades e atividades que compõem a heterogeneidade da vida cotidiana são ordenados e hierarquizados pelo sistema social, mas é a mulher que faz com que se viva e se respeite esta hierarquia. Ela é a “fiscal” da interiorização dos elementos ideológicos transmitidos na cotidianidade. É ela quem guia a interiorização dos papéis sociais e sexuais de cada membro da família. Este é o poder e a grande riqueza do papel da mulher no âmbito familiar, no exercício de sua função socializadora. (BRUSCHINI apud CALVO, 1990, p. 61). A despeito de a vida cotidiana ser o âmbito primeiro da interiorização ideológica, é nela também que se torna possível a capacidade de transformação pessoal e social que não ocorre de forma imediata, mas que, “apesar de lenta e gradativa, (...) esta transformação nas relações „miúdas‟, aparentemente triviais da vida cotidiana, provoca mudanças em todos os níveis da sociedade.” (BRUSCHINI, 1990, p.60). É nela que se encontra o lugar primeiro para as transformações que nossa sociedade necessita e é no homem e na mulher comuns que se encontra esta possibilidade. Assumir o papel de educar e inserir os filhos na vida social, assim como distribuir as funções que cabem a cada membro da família, passam a ser elementos diferenciais que compõem as responsabilidades femininas. Ao conduzir a interiorização dos papéis sociais, a mulher também reafirma comportamentos, atitudes e relações. É então na cotidianidade da vida que se explicitam mudanças e permanências, conflitos, tensões e transformações que 97 passam a se inserir principalmente no campo de ação das relações sociais em geral e do ambiente familiar em particular. Veremos a partir de agora como na vida familiar, que aqui nos propusemos inserir na discussão da vida cotidiana, se configuram essas mudanças e permanências. A interiorização da divisão sexual do trabalho e o convívio familiar A forma diferenciada de educar meninos e meninas tem sido recorrente e pode ser apontada como uma das mais fortes causas de resistência às mudanças que se referem à divisão sexual do trabalho. Entre as feirantes, não percebemos um padrão único26 com relação a isso, mas prevalece à distinção entre os papéis sociais que são destinados aos meninos e os que são destinados às meninas. É na menina que a mãe costumeiramente confia o auxílio nas atividades domésticas, e é a elas que também é atribuída a função de cuidar dos filhos menores, enquanto aos meninos é destinada a prioridade de sair em busca de emprego quando a necessidade é premente, ficando para eles pouco ou quase nada das responsabilidades domésticas, mesmo quando não trabalham. Os maridos e companheiros também mantêm o mesmo padrão de ausência nos afazeres domésticos, pois seu trabalho é fora do lar. Meu filho trabalha para ajudar nas despesas da casa e minhas filhas me ajudam nas coisas de casa enquanto estou trabalhando na feira. À tarde elas vão para a escola e eu faço o que faltar, pois só retorno para a feira às 15 horas. (Feirante 3) Somos dez morando na mesma casa e como só tenho filhos homens, ninguém me ajuda com as coisas. Sou eu que preciso fazer tudo, comida, lavar a roupa, cuidar dos netos. Eu faço tudo sozinha. (Feirante 4) É por isso que quando perguntadas sobre quem as auxiliava nos afazeres domésticos, quatro mulheres afirmaram que têm nas filhas o apoio necessário para a realização dessas atividades, mesmo quando estas se encontram ainda com pouca idade 27 . Três mulheres não recebem ajuda de ninguém, ainda no caso da família ser composta por muitas pessoas, e 26 O padrão pode variar entre o auxílio exclusivo das filhas, ou a inclusão dos filhos, do marido e de outros parentes ou agregados à família. 27 Uma delas afirmou que recebe algumas vezes, apenas nos casos de extrema necessidade, o auxílio de uma filha de 12 anos, que se encarrega das atividades domésticas enquanto ela trabalha na feira. 98 apenas uma afirmou que todos auxiliam nas atividades de casa, inclusive o marido, que quando necessário “varre a casa, cozinha, faz o que for preciso”, mas isso apenas quando não tem outra pessoa para fazer, como por exemplo, quando ela está ocupada com outras coisas. Ou seja, mesmo quando o marido ou filhos auxiliam nas atividades domésticas esse auxílio é configurado apenas como ajuda e não como divisão de tarefas de fato, já que ocorre de maneira ocasional, ficando sempre com a mulher a responsabilidade maior. Eventualmente, a ajuda pode vir ainda de parentes próximos e raramente da vizinhança. Isso ocorre porque existe uma grande preocupação em não perturbar outras pessoas com os problemas da família, além de que parentes e vizinhos também precisam cuidar da própria vida. Quando ocorre a ajuda de parentes, normalmente moças, essa ajuda costuma ser gratificada com alguns “trocados” ou pequenos agrados. Isso ocorre em virtude de se tentar manter a ajuda em casos de novas necessidades Para Bruschini (1990), A manutenção da rede de parentesco e de amizade, através de visitas, telefonemas e troca de presentes ou de pequenos favores, que reforçam laços de solidariedade e de convivência, são fundamentais para o bem-estar físico e emocional de seus membros... (BRUSCHINI, 1990, p. 110). A estratégia de compensar de alguma forma o auxílio prestado e a manutenção do contato com os parentes é a garantia da permanência da ajuda sempre que preciso. Por outro lado, a ajuda do parente ou agregado ocorre mais frequentemente quando este se encontra na mesma casa, como é o caso de uma das entrevistadas que mora com a mãe idosa: Eu tenho que fazer tudo em casa, mas quando venho trabalhar, tenho a ajuda dos irmãos, quando não estão trabalhando, e de uma cunhada, que cuida da minha mãe enquanto estou aqui. Mas o resto eu tenho que fazer tudo sozinha. (Feirante 2) Mais uma vez fica evidenciado o padrão doméstico que existe nas atribuições do papel feminino, que nos casos de necessidade de auxílio são sempre as primeiras a serem chamadas, ficando os homens sempre com os auxílios mais esporádicos e ocasionais. Sabemos que os afazeres domésticos são inúmeros, não se limitando apenas aos cuidados básicos com a casa. Podemos inserir também no âmbito destas atividades, a preocupação com a compra dos produtos destinados à alimentação e higiene da família, além da administração das despesas em geral e dos pagamentos em particular. Para Bruschini 99 (1990), “a administração ou gerência do lar engloba todas as demais atividades, sendo tanto mais eficiente quanto mais bem integrados estiverem os demais afazeres domésticos”. (BRUSCHINI, 1990, p. 110). Nas responsabilidades costumeiramente destinadas às mulheres dentro de casa, podemos encontrar, além das atividades rotineiras de cozinhar e lavar louça, que em geral são atividades que exigem muito tempo e que se estendem pelo dia inteiro em sua repetição, também as tarefas de lavar e passar roupas e fazer pequenos reparos em roupas usadas de toda a família. Mas o trabalho não para aí, pois é ela que também assume o cuidado com as crianças menores, ouve as queixas dos filhos e marido, é em geral a responsável pela mediação dos desentendimentos familiares, de cuidar dos idosos ou de outro familiar quando estes adoecem, acompanhar tarefas escolares dos filhos e assistir às reuniões de pais e mestres na escola. A preocupação com as compras ligadas à alimentação e higiene é outra tarefa destinada à mulher. Isso exige idas ao supermercado e feira, o que em geral também requer atenção redobrada com o produto que será adquirido. Abarcando tudo isso, encontramos as preocupações com as despesas, o pagamento das contas e a atenção com os gastos. É ela que precisa “dar um jeitinho” quando o dinheiro acaba, buscando alternativas entre as opções disponíveis para a alimentação da família, fazendo arranjos, muitas vezes criativos na elaboração dos alimentos que serão consumidos pelos familiares. Nessa infinidade de tarefas realizadas muitas vezes apenas pela mulher, é que podemos entender que o tempo gasto nas atividades domésticas que são realizadas pela mulher trabalhadora é extremamente fragmentado e é assim que Nogueira (2006) o descreve. A quantidade de tempo gasto no espaço doméstico pelas mulheres (...) introduz diferentes dificuldades na organização espaço/temporal do trabalho na esfera reprodutiva. Esse tempo das mulheres trabalhadoras modelado pelas suas atividades e pela dependência das atividades e do tempo dos outros (companheiro, filhos, etc.) se apresenta marcado pela fragmentação e pela superposição de tarefas. (NOGUEIRA, 2006, p. 114) É assim que esse tempo destinado ao trabalho reprodutivo algumas vezes torna esse trabalho oculto ou invisível aos olhos dos familiares, ao ser fragmentado e distribuído, nas horas que deveriam ser destinadas ao descanso, de acordo com as necessidades da família. 100 As atividades realizadas no âmbito do trabalho reprodutivo muitas vezes são superiores às realizadas dentro do trabalho produtivo e neste caso, o tempo gasto para ambos pode ou não ter equivalência em horas, significando, entretanto, que as duas situações são determinadas por tempos distintos. Mas, o que é o tempo? Para Elias (1998), o tempo designa simbolicamente a relação que um grupo humano, ou qualquer grupo de seres vivos dotado de uma capacidade biológica de memória e de síntese, estabelece entre dois ou mais processos, um dos quais é padronizado para servir aos outros como quadro de referência e padrão de medida. (ELIAS, 1998, p. 33) Dessa forma, o tempo só existe enquanto símbolo social utilizado pelas diversas sociedades, tornando-se uma segunda natureza ao proporcionar uma forma de regulação social que foi aperfeiçoado ao longo de séculos e se adequando em cada momento histórico e a cada sociedade, de acordo com suas necessidades de uso. Ou seja, “o que chamamos de „tempo‟ nada mais é do que o elemento comum a essa diversidade de processos específicos que os homens procuram marcar com a ajuda de relógios ou calendários” (ELIAS, 1998, p.84), constituindo um aspecto do desenvolvimento da sociedade, que não foi planejado nem produzido por ninguém, mas que é socialmente adquirido e internalizado. É aqui que se explicita o fato de que a fragmentação presente no trabalho reprodutivo dificulta o estabelecimento do tempo cronológico em sua realização, coisa que não acontece no trabalho produtivo, que em geral é bem delimitado. Outro fator também interfere no tempo dedicado ao trabalho doméstico e isso se refere especificamente ao uso da tecnologia que poderia abrir caminho para uma melhor distribuição das tarefas, mas o uso de meios tecnológicos para o auxílio das atividades entre as entrevistadas é muito baixo. Apenas uma tem máquina de lavar, sendo que todas as outras têm que fazer a lavagem da roupa em tanques e principalmente no jirau28 improvisado. O trabalho é sempre realizado pela mãe ou as filhas e nela estão incluídas roupas de todos os membros da família. Neste caso, os homens sempre têm suas roupas lavadas e passadas por uma delas. Nenhuma das mulheres se referiu ao uso do forno de microondas e nem mesmo à cafeteira elétrica, que são objetos considerados de “luxo” por elas, mesmo tendo estes, preços relativamente acessíveis. Já o uso do ferro elétrico para passar roupa e do liquidificador são imprescindíveis. Como a prioridade é a alimentação da família, máquinas que auxiliem e 28 Estrado de madeira, que em geral é colocado na janela da cozinha para a lavagem de louças e roupas. O jirau é muito utilizado em nossa região, substituindo o uso de pias, principalmente entre as famílias de baixa renda, que vivem em condições precárias. 101 facilitem o trabalho não são consideradas prioridades dentro dos gastos familiares, mesmo estes tenham em seu significado a idéia de poupar tempo. Como a grande maioria delas estudou pouco, além de terem sido criadas para a realização da lida doméstica, pois também foram o principal auxílio para suas mães, é assim que elas também criam suas filhas mulheres, ensinando-as e inserindo-as nestas atividades. Assim elas continuam reproduzindo os papéis sociais destinados às mulheres, contribuindo para a manutenção da participação feminina das camadas sociais mais baixas, prioritariamente na esfera doméstica. Aliada às tarefas domésticas, as horas em companhia da família em geral são restritas aos momentos de algumas das refeições diárias – almoço e jantar quando possível, concorrendo ainda, com o tempo gasto na frente da televisão. Poucas são as ocasiões destinadas às conversas, resumindo-se estas na maioria das vezes, à resolução de problemas familiares. Aliás, a preocupação com os filhos é uma constante, não tendo elas tempo suficiente para o acompanhamento dos mesmos, principalmente os menores e os adolescentes, que são os que necessitam de uma vigilância mais próxima. Em geral são as mães que recebem toda a carga de exigências sobre o comportamento dos filhos, estabelecidas, principalmente, pela divisão dos papéis entre os cônjuges. Neste caso, algumas decisões são tomadas conjuntamente, enquanto outras ficam sob a responsabilidade dela. Quando a mulher cria os filhos sozinha, toda a responsabilidade recai sobre elas mesmas, não tendo com quem dividir suas preocupações já que a separação do pai das crianças, em geral está permeada pela total ausência do mesmo que com freqüência constrói outra família, deixando para trás os filhos do casamento anterior. Meu filho mais velho (17 anos) tem muitos problemas com o pai. Ele nunca aceitou nossa separação e por isso me dá muito trabalho e preocupação. O pai nem aparece para saber como eles estão. Mas também, agora que casou de novo, esqueceu que tem filhos e só quer saber da filha da mulher que mora com eles. No caso de um novo companheiro ser agregado à família, permanece a responsabilidade com a mãe, não sendo ao parceiro permitida a interferência sobre a criação dos filhos principalmente entre os adolescentes e adultos, que não aceitam intromissões de terceiros. Isso contribui para a geração de atritos familiares e conjugais, tornando a convivência familiar difícil. 102 Minha filha (16 anos) é rebelde e não aceita o padrasto. Ela diz que ele quer se meter na vida dela, mas ele não é o pai e por isso ela não deixa. Ele fica furioso e algumas vezes brigam. É um inferno. Eu já disse para ele deixar de se meter com ela, mas não tem jeito, ele quer botar ela no cabresto a todo custo. (feirante 8) As divergências relacionadas à criação dos filhos legítimos tendem a ser solucionadas pelo próprio casal, coisa mais difícil de resolver no caso de famílias reconstituídas, apesar de ser possível que o novo parceiro assuma os deveres de pai, sendo sua aceitação facilitada principalmente quando sua entrada na família ocorre com os filhos ainda pequenos. Desta feita, o relacionamento entre pais, filhos, enteados, netos e outros familiares, dependendo da situação, pode ser equilibrado ou comprometido por fatores inerentes à própria composição familiar. A voz ativa da mãe em qualquer situação é constante, principalmente devido à contribuição financeira que elas imprimem nas despesas familiares. Isso representa que o fato de trabalharem fora de casa lhes permite uma posição determinante nas decisões tomadas dentro de casa, mesmo nos casos em que os maridos são mais autoritários. O trabalho dessa forma permite a ampliação das possibilidades de participação mais efetiva nas decisões familiares, mais especificamente no que se refere à criação dada aos filhos, impondo limites na interferência de terceiros, incluindo aí o novo companheiro ou outros familiares que porventura queiram dar palpites na educação e na sua forma de relacionamento com a prole. No que diz respeito à criação dos filhos então, a mãe se torna a maior responsável, sendo cobrada a cada vez que algo sai errado, principalmente pelo parceiro, que muitas vezes cobra, mas não assume o seu papel, eximindo-se da obrigação de dividir com a mulher a criação dos filhos. As despesas familiares As despesas domésticas são no máximo responsabilidade do casal, no caso da existência do marido ou companheiro. Os filhos quando trabalham passam a significar uma preocupação a menos e por isso não há grandes exigências na divisão da despesa, até porque em geral quando isso ocorre, ele logo “arranja mais uma boca para sustentar” (feirante 4), casando ou engravidando uma moça, passando nesses casos, a responsabilidade a ser dele, e 103 ao mesmo tempo da família inteira, quando ele a leva para morar na casa dos pais. Aliás, segundo relatos, os relacionamentos dos filhos duram pouco, ficando geralmente para a mãe do filho ou da filha a responsabilidade da criação do rebento gerado por eles. É com a avó que muitas vezes os netos ficam quando o relacionamento acaba, pois a mãe, em geral jovem, precisa trabalhar e muitas vezes terminar os estudos. Nestes casos, a família precisa ser reorganizada em suas tarefas para a acolhida de mais um ente. É nesse sentido que o aumento inesperado da família nuclear também é apontado como uma agravante das condições de vida, principalmente, quando se trata de mais uma criança em seu seio, representando despesas, responsabilidades e preocupações a mais. Não teve jeito, eu tive que ficar com os meus netos porque as mães não quiseram ficar com eles. Eu não posso deixar meus netos por aí, sendo criados de qualquer jeito, por isso nós resolvemos ficar com eles. Os pais não ajudam muito, eles dão trabalho, e como eu já estou velha, precisava de mais sossego, mas Deus mandou, fazer o quê? (Feirante 4) Esse depoimento nos revela mais uma vez a responsabilidade das mulheres com relação aos filhos e muitas vezes também aos netos e, neste caso, ficando o homem com uma participação limitada, ao passar para a avó a principal responsabilidade pela criação de seus filhos. Quando a família aumenta, todos os moradores da casa são afetados, isso sem contar com a ampliação dos gastos, principalmente quando se trata de crianças. Para a mesma mulher (Feirante 4), a dificuldade foi assim relatada: “Nunca sobra dinheiro”, sendo esta afirmação significativa para a compreensão desse fato. Isso representa que a renda, mesmo com a ajuda de dois filhos e do marido, não tem sido suficiente para atender a todas as necessidades da família, até porque três deles dependem do tempo dedicado ao trabalho, que pode ser variável - um dos filhos realiza trabalhos ocasionais, ela e o marido dependem das vendas realizadas no dia. Apenas um filho tem emprego de vendedor em uma pequena loja do bairro, onde recebe em torno de um salário mínimo/mês. A constituição de uma renda mínima fica então sob a responsabilidade do casal, que tenta manter os gastos sob controle, priorizando a alimentação e o bem-estar das crianças. A maioria das entrevistadas (sete), se referindo à relação ganho diário X gastos familiares dizem que o ganho diário tem um gasto quase imediato, significando isso que 104 praticamente tudo que ganham é gasto nas necessidades mais básicas da família. Outros gastos, como as compras do que é preciso para a casa, como móveis ou outros bens, exigem um planejamento a prazos mais longos, já que não são realizados com frequência. Algumas vezes, eles recorrem a compras de “segunda mão”, coisas já usadas, pois têm um preço melhor, principalmente para coisas que têm urgência e somente se for possível o pagamento parcelado. Quase nada pode ser comprado à vista, pois nunca existe dinheiro disponível para isso. Como o resultado do trabalho diário pressupõe um gasto quase imediato, não nos foi relatado o hábito de compras no supermercado em grande quantidade (para o mês, a quinzena ou a semana). Em geral, as compras são realizadas de forma esparsa, atendendo as necessidades diárias. Isso denota a indisponibilidade de recursos financeiros próprios para essa finalidade, também demonstrando que as despesas estão intimamente relacionadas ao ganho, resultado do tipo de atividade profissional por elas desempenhadas, que depende das vendas diárias, do reinvestimento das compras para abastecer a banca e do lucro advindo disso, que segundo elas, é muito baixo. Nunca fiz supermercado para o mês. Eu compro mesmo é no “seu Zé”, que me vende fiado quando preciso e aí, quando tenho dinheiro eu pago. Mas eu sempre fico devendo. A conta nunca acaba porque quando eu pago uma coisa, já tenho que tirar fiado outra e aí começa tudo de novo... (Feirante 3) Com tanta gente para sustentar é difícil comprar tudo que é preciso. Todo dia um precisa de uma coisa. A gente vai se arrumando, um dia come melhor, no outro não tanto, mas a gente vai levando a vida. (Feirante 4) Às vezes, é o jeito fazer sopa de legumes no almoço, mas meus filhos não gostam muito. Eles querem é comer todo dia arroz, feijão, carne, mas não dá. Eu praticamente só trabalho para comer, pois tudo o que ganho vai para o sustento da casa. (Feirante 5) Como eu recebo por dia, nunca tenho dinheiro para comprar mais do que o necessário, e isso quando tem como comprar! (Feirante 6) A vida é dura, pois tenho que sustentar meus filhos e nesse caso, o mais importante é comer. Tem que ter comida todo dia e a gente não vive sem isso, e comida é cara. 105 Não comemos carne todo dia, em geral a gente come muito ovo e às vezes frango que é mais barato e rende mais. (Feirante 7) As compras para casa são feitas na hora da necessidade, quando tem dinheiro. Quando não tem, a gente se arruma do jeito que pode. (Feirante 8) A vida difícil e a inconstância dos rendimentos determinam as estratégias de sobrevivência, e as amizades no local de trabalho e na vizinhança colaboram com a satisfação das necessidades da vida cotidiana, fortalecendo os contatos primários, assim como os laços comunitários presentes nestas relações. Em casos de urgência e na falta de outros recursos, é a estes que elas recorrem – compra “fiado” do frango, da carne, de ovos ou de outros produtos. As privações são supridas temporariamente pelos conhecidos e assim, a rede social passa a ter um papel fundamental. Entre as entrevistadas, por trabalharem com venda de frutas e verduras, em geral os apertos financeiros não comprometem totalmente a alimentação da família. Os produtos que perdem a qualidade para a venda são consumidos pela família (aqui, é claro, não se inserem os produtos estragados). Mas levar frutas e verduras para casa não pode ser feito diariamente, sob pena de comprometer o próprio negócio, como uma delas explicou. Em períodos de vendas fracas, aumentos do preço dos produtos ou no caso de despesas extras, quando se torna necessária a ampliação dos recursos financeiros, a maioria delas disse que não há o que fazer porque a feira e as atividades domésticas tomam muito do seu tempo. Algumas mulheres, em casos extremos, recorrem à venda em casa de bolos e churrasquinhos, mas isso também exige investimento inicial que em um momento de dificuldade torna difícil sua realização. Além disso, se o negócio for ocasional, também impede que as vendas ocorram de modo satisfatório, gerando mais prejuízo que lucro. Nos casos em que existe um marido ou companheiro, é ele que passa a ter o importante papel de suprir as necessidades familiares, mas não ficando a mulher livre da grande pressão que recai sobre ela, por socialmente ser aquela que mais se responsabiliza e se preocupa mais com a prole e seus dependentes. Nesse caso, analisando as dificuldades observadas no que se refere à sobrevivência das famílias em questão, nos perguntamos sobre a importância do trabalho produtivo feminino para a reprodução da família e de suas necessidades. No caso das mulheres feirantes, ele é primordial ou complementar? Todas as entrevistadas têm participação ativa na renda 106 familiar, mesmo tendo auxílio do companheiro, filhos ou outros parentes, significando que o ganho diário tem papel fundamental para a subsistência da família, não podendo ser considerado apenas como complementar. Mas isso não é uma prerrogativa desse caso específico, pois ocorre com um grande número de mulheres. Sobre isso, Nogueira (2006) assim o identifica O dito valor “complementar” do salário feminino é, na grande maioria das vezes, imprescindível para o equilíbrio do orçamento familiar, especialmente no universo do proletariado. (...) [Isso significa que] a questão da inserção da mulher no mundo do trabalho produtivo não se dá unicamente pela sua necessidade de emancipação, mas também pelo primado da necessidade, para a busca da sobrevivência e reprodução. (NOGUEIRA, 2006, p. 124-125) Percebemos que é prioritariamente pela impossibilidade do companheiro (quando é o caso) suprir todas as necessidades da família, ou mesmo pela ausência de outra forma de obtenção de renda, que as mulheres entrevistadas foram inseridas no mundo do trabalho. O trabalho, a partir dessa inserção, passou a ter uma relevância significativa em suas vidas, mas elas se queixam sobre o cumprimento da dupla jornada. O maior problema que encontramos nessa situação se refere ao fato de elas terem que trabalhar fora de casa e ainda realizar as atividades domésticas. Aliás, sobre isso algumas delas afirmam (quatro), que mesmo tendo sido criadas para serem mães e donas de casa, o trabalho doméstico não é um tipo de atividade que gere satisfação pessoal, até porque na maioria das vezes, ele entra como uma obrigação para elas. Para Nogueira (2006), Fica claro o quanto que os papéis e referências de gênero aparecem denunciando as desigualdades presentes na divisão sexual do trabalho no espaço reprodutivo, gerando uma tensão, mesmo que encoberta, nas relações sociais de sexo, inserida na estrutura da família patriarcal. A imposição de um excesso de responsabilidade com o trabalho doméstico e com a vida familiar à mulher indica o quanto essa divisão sexual do trabalho ainda permanece impregnada de estruturas de dominação de gênero. (NOGUEIRA, 2006, p. 127-128) Vemos então que o trabalho reprodutivo determinado pela divisão sexual sobrecarrega a mulher através dos inúmeros afazeres e preocupações que se encontram presentes em seu cotidiano e que no caso das feirantes, assim como de tantas outras mulheres, 107 este cotidiano tem uma carga de tarefas que as sobrecarregam, muitas vezes sendo complicadamente ampliada no contexto da preocupação com os filhos e filhas, deixando pouco tempo para a preocupação e o cuidado com elas mesmas. É por isso que elas também não têm grandes vaidades. Aliás, ter tempo para si mesmo é algo que poucas vezes acontece, ficando esse tempo restrito essencialmente aos cuidados pessoais básicos. Espaços e tempo dedicados ao descanso e lazer A falta de tempo para os cuidados pessoais também se estende para os momentos de descanso e lazer. Entre as mulheres entrevistadas, os horários considerados de descanso são utilizados para a realização dos afazeres domésticos e quanto ao lazer, não foi citado mais do que assistir televisão e principalmente as novelas, que se apresentam como um momento de integração familiar. Devemos considerar que isso se refere ao fato de que, como a preocupação fundamental se encontra no sustento da família e principalmente na alimentação, praticamente nada sobra das despesas que possam ser disponibilizadas para os momentos de lazer com a família. Elas assim se referem a isso: Nas horas de descanso eu aproveito para cuidar da casa. As meninas não fazem as coisas direito e eu tenho que ficar em cima! À noite, sentamos na sala para assistir à novela. (Feirante 3) O que eu faço nos momentos de descanso? Eu não descanso, pois tenho que fazer as coisas de casa e cuidar dos meus netos. Às vezes assisto à novela à noite... (Feirante 4) As falas citadas são recorrentes. Todas as mulheres trabalham nos afazeres domésticos nas horas que deveriam ser dedicadas ao descanso e ao lazer, não têm mais do que a televisão para assistir. Uma delas assim explicou o fato: Eu não costumo sair, pois só chego a casa depois das oito da noite, muito cansada. Como tenho ainda as coisas de casa para fazer, faço com a televisão ligada. Às vezes dá para sentar um pouquinho e assistir à novela. No dia que dá, vou para casa na hora do almoço e meu marido fica na banca. Esse tempo eu aproveito para adiantar 108 as coisas de casa e às vezes até durmo um pouquinho, mas não é todo dia. (feirante 5) É na falta de tempo e de recursos para o lazer que a televisão se apresenta como um meio de distração barato e acessível, pois a conta só chega ao final do mês embutida nas despesas de energia elétrica, o que facilita seu uso. Ela funciona como um instrumento de distração para adultos, adolescentes e crianças. Por outro lado, disponibilizar recursos para ir ao cinema ou assistir um show, está fora de suas possibilidades, pois isso significaria gasto desnecessário. Outras alternativas ocasionais de lazer aparecem, de forma mais esporádica, como o aniversário de algum familiar ou amigo, e este se apresenta como um momento que abre espaço para conversas com outras pessoas, além da possibilidade de “botar as fofocas em dia” (feirante 2), sendo este um importante momento de socialização. Para Elias (2000, p. 121), a fofoca “não é um fenômeno independente. O que é digno dele depende das normas e crenças coletivas e das relações comunitárias.” Em geral, este fenômeno carrega em si informações que tanto podem ser depreciativas quanto elogiosas sobre terceiros, sendo apenas uma meia verdade que ela tenha uma função integradora, pois na verdade ela também tem “a função de excluir pessoas e cortar relações”, em um momento de disputa por atenção e de rivalidade de status entre grupos (ELIAS, 2000, p. 125). Dessa forma, mesmo nesses momentos de socialização, existe a possibilidade de um afastamento ainda maior entre os grupos que pode ser causado pela fofoca, limitando ainda mais as possibilidades de integração e lazer. As viagens ao interior para rever familiares são alternativas ainda mais raras, considerando que as feirantes não têm direito garantido a férias. Isso apenas ocorre em casos de extrema necessidade, quando da morte, por exemplo, de algum ente muito querido ou para a resolução de algum problema muito importante que não possa ser resolvido por outra pessoa. Férias ou mesmo viagem de férias, nesse caso, encontra-se praticamente ausente da vida dessas mulheres, se configurando em uma possibilidade remota. Eu nunca soube o que é férias. Não dá para tirar, pois se parar de trabalhar, cadê o dinheiro para pagar as contas? Eu quase nem consigo tirar um dia inteiro de folga por semana... (feirante 6) Eu só fiz uma viagem para o interior, depois que vim embora para Manaus. Minha família mora em Eirunepé e estive lá para o enterro de uma tia que me criou até 109 grandinha. Quando casei, vim embora para cá e nunca mais encontrei meus parentes de lá. Foi um momento triste, mas pude rever parentes e amigos de infância. (feirante 8). Mas os filhos das feirantes, principalmente os adolescentes e adultos, têm outras opções de lazer, representadas principalmente pelas festas populares oferecidas pelo Governo do Estado ou pela Prefeitura, além de terem maior liberdade em frequentar pequenas casas de shows presentes no próprio bairro e que proporcionam festas nos fins de semana a preços acessíveis. Apesar de serem locais muito frequentados, também são neles que as mães depositam as maiores preocupações com o bem-estar e segurança de seus filhos, já que estamos falando de um bairro que tem sido costumeiramente considerado um dos mais violentos de Manaus. Temos então entre as feirantes entrevistadas uma ausência de momentos para o lazer, seguido de pouco tempo para o descanso e o convívio familiar, que também se encontra comprometido, restringindo-se estes curtos espaços de tempo, principalmente a algumas poucas horas da noite durante a semana, já que as feirantes trabalham também aos sábados e domingos, dias considerados os mais movimentados na feira. É assim que é constituído o cotidiano dessas mulheres, em uma constante alternância entre o trabalho e a vida familiar, passando estas experiências a ter repercussão em todos os aspectos da vida, dando sentido ao fazer diário ao construir significados sobre suas vivências e experiências. É na construção desses significados que analisaremos agora a noção de felicidade para elas. Discutindo o significado de felicidade Mesmo sem ter sido diretamente parte dos questionamentos feitos na entrevista, inserimos esta discussão apenas como complementar e sem intenção de grandes aprofundamentos, já que esta foi uma palavra recorrente e que se fez presente em algumas das respostas, quando pedíamos que fossem acrescentados outros comentários. As mulheres entrevistadas sempre iniciavam suas considerações dizendo que eram felizes por trabalharem naquele local (na Feira), mesmo tendo uma vida de dificuldades, principalmente com as preocupações e incertezas em relação ao atendimento das necessidades básicas da família. Isso foi uma constante, especialmente ao enfatizarem o fato de trabalharem e se sentirem 110 úteis, além de não dependerem exclusivamente de seus parceiros. É muito provável que o fato de elas se definirem como felizes tenha a ver com suas vivências e experiências anteriores que lhes permitiram criar um parâmetro, a fim de comparar momentos felizes e infelizes, felicidade e infelicidade. Para a discussão sobre o significado de “felicidade” recorremos a Bauman (2009), que coloca seu debate no contexto da sociedade pós-moderna, questionando a crença de que a crescimento econômico e felicidade andam sempre juntos. Para ele, baseando-se em relatórios de pesquisas realizadas nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, nem sempre as melhoras nos padrões de vida estão associadas ao bem-estar subjetivo e embora os índices de satisfação com a vida declarados cresçam amplamente em paralelo com o nível do PNB29, eles só crescem de modo significativo até o ponto em que carência e pobreza dão lugar à satisfação das necessidades essenciais, “de sobrevivência” – e param de subir, ou tendem a decrescer drasticamente, com novos incrementos em termos de riqueza. (BAUMAN, 2009, p. 8-9) É considerando isso que Bauman (2009) se pergunta: “o que há de errado com a felicidade?” A felicidade encontra-se na ausência de erro, na riqueza, na melhoria do padrão de vida? Já que estudos têm comprovado que as melhoras nos padrões de vida resultam em um “ligeiro declínio do bem-estar subjetivo” e indicadores apontam que juntamente com o nível de riqueza, cresce também a taxa de criminalidade e o aumento da incerteza, demonstrando que “a busca da felicidade como tal, reconhecida como atividade absorvente, consumidora de energia, enervante e repleta de riscos, provoca maior incidência de depressão psicológica...” É provável que o problema se encontre no que o mesmo autor aponta: as estatísticas medem muitas coisas, mas não medem “o que faz a vida valer à pena” (BAUMAN, 2009, p. 7-10). É Bauman (2009) que também vai à busca de outros autores para a compreensão do termo em diferentes contextos históricos. Em Kant, ele encontra o fato de que “o conceito de felicidade (...) é de tal modo indeterminado que, embora todos desejem atingi-la, não podem, contudo, afirmar de modo definitivo e consistente aquilo que realmente desejam e pretendem.” Aristóteles “concordava que a felicidade pode ser definida como uma série de maneiras...” compostas principalmente por desejos. Já Blaise Pascal diz que a felicidade é 29 Produto Nacional Bruto. 111 procurada onde não pode ser encontrada e que “A causa única da infelicidade do homem (...) é que ele não sabe como ficar quieto em seu quarto”, sendo isso uma forma de desligamento de si mesmo (op. cit. 2009, p. 40-51). No artigo “Os determinantes empíricos da felicidade no Brasil”, que teve como base, dados retirados da Word Values Survey em cinco países, entre eles o Brasil, Corbi e MenezesFilho (2004), assim pontuam o bem-estar humano, entendido aqui como felicidade: o bem-estar humano é composto por duas dimensões básicas: a dimensão objetiva e a subjetiva. A dimensão objetiva é aquela passível de ser publicamente apurada, observada e medida por fora, e que se reflete nas condições de vida registradas por indicadores numéricos de nutrição, saúde, moradia, criminalidade, etc... A dimensão subjetiva consiste na experiência interna de cada indivíduo, isto é, tudo aquilo que passa em sua mente de forma espontânea, que ele sente e pensa sobre a vida que tem levado (CORBI e MENEZES-FILHO apud GIANETTI, 2004). É nesse ponto de interseção entre o objetivo e o subjetivo que se torna difícil a garantia de confiabilidade nas respostas dadas às perguntas que envolvem questões como o caso da felicidade. É que, ao envolver a subjetividade, essas questões permitem que cada pessoa faça uso de sua própria definição de bem-estar, tornando a comparação interpessoal inviável. Por outro lado, a essência da resposta é comum à maioria das pessoas de diferentes regiões do mundo, consistindo principalmente nas preocupações sobre a vida familiar, saúde, situação financeira e emprego. Dessa forma, mesmo que cada indivíduo tenha a liberdade de definir seu próprio conceito de bem-estar, na prática o teor das respostas varia pouco entre os indivíduos. (CORBI e MENEZES-FILHO, 2004). Isso nos faz acreditar que são muitos os fatores que podem ter relação direta com a idéia de felicidade, incluindo questões pessoais e familiares, sendo que o nível de renda pode ou não ampliar esses níveis de bem-estar pessoal, dependendo de cada situação, e interferir nas respostas de tal proposição. Para o mundo contemporâneo, capitalista e consumista, o que passou a significar felicidade? Ser feliz é apenas ter acesso aos bens materiais? Entre as mulheres investigadas que se declaram felizes, essa afirmação alcança uma dimensão que nos parece estar necessariamente ligada ao grau de satisfação pessoal. Para elas, ser feliz é poder ter o necessário para o sustento da família, não precisando de muito mais para isso, fugindo ao 112 padrão de felicidade30 que muitas vezes somos impelidos e ao mesmo tempo, impedidos de alcançar. Mas, apesar de se declararem felizes, reconhecem que parte dessa felicidade é comprometida em alguns momentos pelo que elas chamam de destino: Eu não tive como mudar meu destino, mas mesmo assim sou feliz, vivendo desse jeito. (feirante 6) Sou feliz porque sou conformada com o meu destino, porque nunca tive muita sorte na vida mesmo. (feirante 4) Sempre acreditei que meu destino seria este: casar, ter filhos e viver sossegada. Não sou sossegada o tempo todo, pois tem a preocupação com os filhos. Mas sou feliz assim mesmo. (feirante 7) Estes depoimentos apontam significativamente para o que podemos identificar como impotência e conformismo frente à realidade. Mas o conformismo aqui também se apresenta como uma forma de ação, ao ter o sentido de se adequar à realidade dentro das limitações geradas pela própria vida. Nesse caso, a felicidade se encontra intimamente ligada ao modo de viver que elas têm atualmente, tomando por base experiências anteriores. Mas, é a felicidade nosso destino? Para Bauman, (2009), “o destino de um indivíduo31 não é sua sorte”, pois o que chamamos de sorte, “não depende de nós” e é “modelado no curso de nossa vida”. Já o destino é modelado individualmente ou em grupo “e só quando ficamos sem os recursos e/ou a determinação para prosseguir na tarefa de modelagem e remodelagem é que ele se transforma em „sorte” (BAUMAN, 2009, p.55). Ele ressalta ainda que ... tendemos a estender nosso destino pessoal na soleira da sorte impessoal não porque nossas escolhas não tenham impacto sobre o itinerário de nossas vidas; nós o fazemos porque, no momento em que causamos esse impacto, não temos consciência (...) nós fazemos a diferença, embora não possamos ter certeza sobre qual é a diferença que fazemos. Tudo que fazemos ou deixamos de fazer fará diferença – não podemos evitá-lo... (BAUMAN, 2009, p. 55) 30 O padrão de felicidade aqui colocado, diz respeito à ampliação da possibilidade do consumo de bens materiais, como exposto em Bauman (2009). 31 Do ponto de vista sociológico, a categoria indivíduo tem aqui um caráter intersubjetivo, sendo compreendido de forma inter-relacionada, partir de sua inserção na sociedade e nos grupos que a constituem. 113 Essa referência se delineia para o que é considerado um padrão de normalidade ou uma forma de naturalização do inquestionável ou inevitável, pois diante de um destino desconhecido, a vida que se tem, passa a ser o padrão de felicidade – já que conhecido e vivido. Então, muitas vezes na afirmação da felicidade se encontra presente a certeza da vida cotidiana, significando a incerteza dessa vida, ou as privações das necessidades, a ausência de felicidade. Por outro lado, ainda para Bauman (2009, p. 63), as ameaças de infelicidade estão mais presente entre as pessoas que se encontram “no meio”, entre a base e o topo da hierarquia social, já que os que se encontram na base dessa hierarquia, praticamente não conseguem alterar sua situação inferior. No caso dos depoimentos citados, a impossibilidade em mudar a vida passa então a ser chamada de destino, sendo este imutável, natural e indiscutível. Podemos incluir aí também a mudança ocorrida na maneira de pensar e conviver com as situações diversificadas que o mundo atual apresenta. Em Bauman (2009), “a „arte da vida‟ significa coisas diferentes para os membros das gerações32 mais velhas e mais novas, mas todos a praticam. As gerações anteriores se deixavam levar sem grandes resistências e os sacrifícios representavam um ganho futuro. Ao fazer uma comparação com os mais jovens, que passam a conviver desde muito cedo com a incerteza, os riscos e desapontamentos, os sacrifícios já não representam certeza, pois a vida é vivida com base no agora, fruto de um “mundo líquido-moderno (...) em revolução permanente, [e onde] os „eventos singulares‟ [constituem] lembranças dos tempos da modernidade sólida” (BAUMAN, 2009, p. 87). Provavelmente, em cima dessa observação o parâmetro de felicidade sofre uma alteração, e é assim que “nos dias de hoje, cada homem e cada mulher é um artista nem tanto por escolha quanto, por assim dizer, por um decreto do destino universal” (op. cit. 2009, p. 76). Muito ligado a idéia de sorte e de destino se encontram os sonhos, não exatamente aquele que se sonha dormindo, mas aquele que se sonha acordado, como um bom presságio, ou como uma espera consciente de futuro. Os sonhos mais freqüentes entre as mulheres entrevistadas se voltam para seus filhos, já que boa parte delas já não acredita que seja possível fazer alguma mudança em suas próprias vidas. Para elas, o futuro dos filhos é o que conta agora, e isso se consolida em suas próprias palavras, 32 A categoria “geração” em Bauman (2009, p. 77-85), tem o “sentido de uma totalidade com traços comuns a todas as suas unidades, mas que não podem ser encontrados fora dela”. Em Mannheim passa a ter o sentido de “sujeito coletivo” (op. cit. 2009, p. 78). 114 Dos meus sete filhos, acredito que dois viverão melhor porque estudam, mas os outros, já têm filhos, têm a vida dura como a minha. Não foi isso que sonhei para eles. (feirante 4) Não quero meus filhos na feira, eles vão estudar para ter outra vida e quem sabe até ser um doutor! (feirante 8) Meus filhos são tudo que eu tenho. Eles precisam estudar para viver diferente, ter mais recursos, trabalhar num bom emprego... (feirante 5) Hoje eu sonho pelos meus filhos, pela felicidade deles, que eles cresçam, trabalhem e vivam melhor que eu. (feirante 6) Percebemos então, que os sonhos não realizados individualmente são transformados em sonhos familiares, depositados no futuro dos filhos e na espera por dias melhores. Boa parte desses sonhos almeja também uma transformação na vida das próprias mulheres, partindo do princípio de que se os filhos tiverem uma vida melhor, elas também serão beneficiadas direta ou indiretamente. Os sonhos desta forma, também encaminham para a felicidade, pois “minha busca da felicidade pode se concentrar na preocupação com meu próprio bem-estar ou na preocupação com o bem-estar de outros.” (BAUMAN, 2009, p.123). Neste caso específico, o sonho depositado no outro constitui a possibilidade da própria felicidade. Para uma feirante que é solteira e sem filhos, seus sonhos se restringem ao que ela identificou como “viver em paz” (feirante 2), aqui entendido como trabalhar e ter o que precisa para viver (comprar o necessário para sua vida – alimentos principalmente, assim como poder incrementar a compra/venda dos produtos para a banca, mantendo-se sem grandes preocupações financeiras). Percebemos especificamente aqui, uma preocupação com a imediatez da vida, já que neste caso, como ela mesma falou, sua vida acaba nela, diferente das mulheres com filhos ou que ainda pensam em tê-los, presume-se então uma continuidade de suas vidas. Esta senhora foi uma das entrevistadas que não se referiu em nenhum momento à palavra “felicidade”, como estado de espírito durante a entrevista, permanecendo séria ou talvez triste (para nós foi difícil de identificar, pois ela manteve um certo distanciamento). Mas Bauman (2009) diz que “é o sujeito que deseja a felicidade. E isso significa cada um de nós, contanto que todos consideremos a busca da felicidade como nosso desafio e tarefa e 115 façamos dela nossa estratégia de vida” (Bauman, 2009, p. 123). Assim, a busca da felicidade torna-se um projeto pessoal, dependendo de cada um, sua busca e seu estabelecimento. Como buscar a felicidade é um projeto pessoal que pode se realizar a partir de nós, mas também do outro, é assim que em termos de perspectiva de futuro vemos a família tornarse o ambiente propício para as mudanças até então não concretizadas na vida das mulheres entrevistadas, assim como para os sonhos não realizados, pois é na família e mais especificamente nos filhos, que são depositados todos os recursos de transformação dessa mesma vida. 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS A trajetória do trabalho realizado, que teve seu início com observações a princípio desinteressadas e movidas por curiosidade pessoal, deu-nos a liberdade de ampliar a visão sobre a forma e o significado do trabalho, especialmente daquele realizado pela mulher. A busca de um diferencial nos permitiu uma investigação voltada para a informalidade, considerando que este tem demonstrado um crescimento significativo nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que os postos de trabalho com carteira assinada têm sofrido quedas expressivas neste mesmo período. Desde o final do século XX, já se discutia as questões relacionadas ao trabalho formal como um grande ponto de interrogação, ao se pensar nas transformações do mundo contemporâneo viabilizadas neste contexto, principalmente no que se refere ao seu futuro. Foi nesse sentido que a pesquisa nos possibilitou uma aproximação maior com o universo do trabalho em uma feira, que tem características muito próprias no que se refere às novas e velhas concepções de trabalho, considerando que ao mesmo tempo em que a feira representa uma alternativa atual de trabalho e inserção profissional mesmo que fora dos padrões convencionais, também representa a permanência de uma atividade que tem atravessado os séculos em sua existência. As discussões que foram travadas no interior da investigação nos proporcionaram a ampliação de conceitos e definições que permeiam a categoria trabalho de forma mais ampla, além de nos oferecer uma aproximação com os mais diversos debates que têm sido desenvolvidos a esse respeito no meio acadêmico. Isso nos permitiu, dentro da especificidade do trabalho da mulher vendedora de frutas e verduras da Feira Modelo da Compensa, relacionar questões mais amplas em um contexto delimitado, o que nos fez perceber que algumas generalizações podem ser aplicadas em situações específicas sem perder suas características. Entre estas generalidades podemos apontar: 1. A condição da mulher que trabalha na feira não a torna diferente de tantas outras mulheres que precisam se dividir e ao mesmo tempo conciliar as necessidades de trabalhar fora e dentro do espaço doméstico. Esta afirmação nos autorizou a levantar pontos a respeito da dupla jornada e posteriormente sobre a manutenção da divisão sexual do trabalho no ambiente familiar, que se reproduz através da criação dos filhos, justificando o trabalho em dobro realizado pela mulher. 117 2. As dificuldades em assumir um posicionamento que permita às mulheres uma inserção igualitária no mundo do trabalho e a luta diária em prol da construção de uma identidade feminina, que lhes garantam o respeito e a dignidade em um mundo edificado no poder patriarcal, que historicamente tem colocado a mulher em posições inferiorizadas e desprivilegiadas. Aqui inserimos as discussões sobre os mitos que instituem como lugar da mulher o ambiente privado e ao homem o espaço público, provocando a condição desprovida de direitos iguais que ela em geral ocupa fora de casa, ao ser encontrada preferencialmente nos postos de trabalho mais precários e menos valorizados. 3. Na feira, o tempo de trabalho está diretamente relacionado com a condição de subsistência do grupo familiar, mesmo no caso da existência de um companheiro que contribua com as despesas, e mesmo nestas condições, observamos uma renda que se encontra aquém de suas próprias necessidades. Isso também é percebido em diversas outras atividades que se encontram fora do padrão formal e mesmo dentro dele (o caso de alguns vendedores de lojas que têm seu ganho mensal baseado nas vendas), sendo que neste caso, temos um salário mínimo de garantia para o mês. 4. A mulher feirante, também não apenas contribui com a renda familiar, sendo sua participação efetivamente necessária para o sustento da família, o que lança por terra a idéia de que o trabalho da mulher entra apenas como complementar ao trabalho do homem, passando a ser uma necessidade imperiosa diante do orçamento restrito, destinado basicamente à manutenção da casa e das pessoas que nela vivem. Quando tratamos do significado do trabalho, por outro lado, percebemos uma diversidade de opiniões no que diz respeito à sua necessidade. Enquanto para umas significava a possibilidade de igualdade de direitos e condições, o sustento dos filhos ou o auxílio necessário à manutenção da família, para outras esse significado se transforma em um fardo, seja pela idade ou pela obrigatoriedade de sua realização, que independe de sua vontade. Neste último caso, o trabalho passa a ser visto apenas como um meio de sobrevivência, perdendo assim seu mais amplo sentido, que pressupõe a possibilidade de interação, de práxis e de desenvolvimento da própria condição humana. Na realização do trabalho produtivo e mais especificamente no ambiente da feira, pudemos identificar situações que aproximam e afastam os feirantes, o que pode algumas 118 vezes comprometer as relações sociais, gerando situações de conflitos latentes. Entre estas situações, podemos apontar: - O ambiente da feira, mesmo mantendo uma aparente igualdade de condições, esconde diferenças sutis, intimamente ligadas à distribuição desigual dos espaços e consequentemente das condições de renda obtida, contribuindo para uma competição também desigual entre os vendedores. O significado disso é que o que poderia ser identificado como um ambiente de solidariedade e camaradagem esconde conflitos que não são explicitados durante o horário de trabalho. - As relações sociais na feira são permeadas por momentos de tranquilidade (horários de menor movimento) e de tensão (horas de grande movimento) que são atribuídas à concorrência, na qual a capacidade de venda se encontra constantemente atrelada à possibilidade de convencer o freguês a comprar o produto exposto. A tensão encontra-se aí presente exatamente pela impossibilidade de uma ação mais agressiva por parte do feirante, visando atender o código de ética, que não permite um comportamento direto de interpelação ao freguês, o que pressupõe uma concorrência respeitosa tanto com relação aos compradores, quanto aos colegas das bancas vizinhas. Mas o que se vê ali não foge ao que é reconhecidamente observado em outros setores e serviços, com uma concorrência acirrada pela luta diária de sobrevivência. - Outro ponto que pode ser destacado sobre as relações sociais no ambiente de trabalho, é a hierarquia de status que se encontra presente, mesmo que parcialmente ocultada pela aparente igualdade de posições. É na hierarquia de status que se mantém as posições diferenciadas de cada feirante, sendo essas posições relativas ao espaço ocupado, localização, opção de se definir como feirante ou autônomo, a oportunidade de ter parentes ou amigos próximos trabalhando no local, e até mesmo a capacidade de ser mais popular ou mais amigável, também presente em outras situações no mundo do trabalho. Já a busca em decifrar no cotidiano da mulher feirante as relações sociais predominantes, percebemos que é nessa interposição entre o trabalho e a vida no lar que este cotidiano tem seu significado mais preciso, e é representado pelas atividades da vida familiar em toda a sua extensão – cuidados com a casa, os filhos ou parentes que delas necessitam. Como vimos, a exterioridade do trabalho no lar não expõe a princípio toda a sua amplitude, 119 que requer uma gama imensa de pequenas atividades durante o dia. E esse dia não se restringe a isso, sendo que este constitui apenas uma parte da lida diária. A vida é tão intensa de afazeres, que resta pouco tempo para o descanso, o cuidado pessoal e o lazer. Na verdade, o trabalho na feira é central, gravitando ao seu redor os cuidados com a família, permanecendo em última posição, e somente o tempo que resta, as preocupações individuais. Foi exatamente entre o ambiente de trabalho e o ambiente familiar que conseguimos identificar os mais variados papéis sociais empreendidos pelas mulheres feirantes no seu fazer cotidiano. Algumas vezes como mulher, mãe, filha, avó, dona de casa, trabalhadora e responsável pela família, entre outros. É no exercício desses papéis desempenhados que elas se encontram realmente como mulheres, abrindo espaço para a libertação e autonomia, que se traduz através do trabalho realizado fora do lar. As relações sociais são assim condicionadas pela vida em família, pelas necessidades diárias, pelos sonhos e angústias, pela incerteza e principalmente na luta pela sobrevivência. Reafirmamos, entretanto que todos estes elementos condicionantes de suas vidas são os mesmos que perpassam a vida de grande parte das mulheres que realizam a dupla jornada e exercem atividades precárias. Aliás, a precariedade encontrada no trabalho dos feirantes nem se aproxima da precariedade do trabalho realizado por tantos homens e mulheres que não têm sequer um espaço garantido para trabalharem, como é o caso dos ambulantes que se encontram no entorno da feira e nas proximidades, que precisam fugir da fiscalização da Prefeitura para conseguir suprir as mínimas necessidades de suas famílias. Os próprios feirantes reconhecem que diante desta situação, são privilegiados por terem garantido pelo menos o espaço para o sustento de seus filhos, tendo em vista as dificuldades encontradas no mundo do trabalho, principalmente entre aqueles que se inserem nas estatísticas que apontam para a baixa escolaridade e a falta de formação profissional. É por isso que as mulheres não se sentem vítimas e pretendem continuar lutando pela sobrevivência, sempre acreditando em dias melhores e com esperanças no futuro. Embora não tenhamos tido a pretensão de esgotar as questões levantadas e nem de apresentar afirmações conclusivas, procuramos conciliar o ambiente produtivo e alguns aspectos da vida familiar para assim podermos perceber que, ao mesmo tempo em que estes universos se opõem, são eles também os responsáveis pelo todo, ambos condicionantes da vida das mulheres entrevistadas. E foi isso que procuramos esclarecer – que o trabalho não se explica por si mesmo, assim como a vida familiar também não o faz sozinha, sendo necessária 120 uma análise desse todo para que seja inserido nele a visão de totalidade do fazer humano, que não se esgota nele mesmo, mas que passa a ser uma permanente construção e reconstrução diária e que se revela na plenitude do cotidiano de cada uma dessas mulheres. 121 BIBLIOGRAFIA ABRAMO, Laís Wendel. 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As pesquisadoras Soraya Farias Aquino e Drª Maria Izabel de Medeiros Valle, responsáveis pelo projeto, pedem autorização para poder entrevistar, tirar foto e fazer gravação audiovisual com sua pessoa. A Sra. foi escolhida pois é permissionária cadastrada na Prefeitura e atua no local pesquisado, a Feira Modelo da Compensa. Esta pesquisa tem a finalidade de entender as relações sociais presentes no trabalho da feirante, utilizando como procedimentos as observações, entrevistas, fotos e gravações audiovisuais. A pesquisa não oferece risco à participante, pois os procedimentos acima podem ser recusados pela entrevistada a qualquer momento. Os benefícios da pesquisa são confirmar ou modificar as antigas informações e levantar informações novas, permitindo uma melhor compreensão sobre o trabalho realizado pela mulher na feira. A Sra. tem toda a liberdade e direito para decidir recusar em participar da pesquisa ou retirar seu consentimento mesmo depois de realizada a entrevista e os procedimentos, não tendo com isso nenhuma despesa ou nenhuma de valor pecuniário. A sua participação é extremamente importante. Informamos ainda que os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mantendo a identidade de todos os participantes em sigilo absoluto. Para qualquer outra informação o (a) Sr. (a) poderá entrar em contato com a pesquisadora pelo telefone (92) 3657-5502 e pelo endereço Av. Gen. Rodrigo Otávio Jordão, 3000, Campus Universitário, setor sul, bloco D, Departamento de Ciências Sociais, bairro Coroado, CEP 69077-000, Manaus, Amazonas. Fui informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não vou ganhar nada e que posso recusar quando quiser. Estou recebendo uma cópia deste documento, assinada, que vou guardar. ________________________________ ou _____/______/______ Assinatura do participante __________________________________ Pesquisador responsável ______/______/______ Impressão do dedo polegar 130 Entrevista nº.:............... Idade:................................ Data:....../........./........... Estado Civil:......................................... Filhos: ( ) sim Quantos:................................ ( ) não Escolaridade: ( ) Fundamental completo ( ) Ensino médio completo ( ) Fundamental incompleto ( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino superior completo ( ) Ensino superior incompleto ( ) Não freqüentou a escola Casa: ( ) própria ( ) alugada cômodos:............................................................................... Bairro:............................................................ Quantos moram na casa?...................................... Além de você, quem mais auxilia na renda familiar?.................................................................... Quem é o principal provedor?....................................................................................................... Profissão:....................................................................................................................................... Tempo de trabalho na feira: .................. meses/anos É a licenciada para o uso da banca: ( ) sim ( ) não Se não, quem é:...................................... Qual a vantagem de se tirar a permissão para trabalhar na feira?................................................ ....................................................................................................................................................... Motivos que a fizeram trabalhar como feirante:........................................................................... ....................................................................................................................................................... Horas de trabalho/ dia:......................... Dias de trabalho/ semana:.................................... Tempo de descanso:............................ O que faz nas horas de descanso?................................... ....................................................................................................................................................... Produtos comercializados:............................................................................................................ Como e onde são obtidos?............................................................................................................ Motivos da escolha do produto:................................................................................................... 131 Tem a ajuda de outras pessoas para a realização do seu trabalho? De quem?............................. ........................................................................................................................................................ Quais os melhores dias para a venda?.Qual o seu faturamento neste dia?................................... ........................................................................................................................................................ O que pensa sobre o trabalho na feira:.......................................................................................... ........................................................................................................................................................ Outras experiências profissionais:.................................................................................................. Atual renda mensal:........................ Renda semanal.................................... É suficiente para o sustento da família?....................................................................................................................... Se necessário, como a renda pode ser complementada?.............................................................. ....................................................................................................................................................... Como conseguiu o dinheiro para iniciar o negócio?...................................................................... ....................................................................................................................................................... Recebe auxílio para os afazeres domésticos? De quem?.............................................................. ....................................................................................................................................................... Como participa das decisões tomadas no local de trabalho?........................................................ ....................................................................................................................................................... É sindicalizada?Quais as vantagens em ser sindicalizada?............................................................ Já se candidatou ao comitê gestor da feira?........................... Se não, por que?.......................... ....................................................................................................................................................... Existe diferença de tratamento entre homens e mulheres na feira? De que tipo?....................... ....................................................................................................................................................... Existe alguma forma de colaboração entre homens e mulheres? De que tipo?........................... ....................................................................................................................................................... Como você vê a concorrência entre os vendedores?.................................................................... ....................................................................................................................................................... 132 Que necessidades poderiam ser supridas para melhorar suas condições de trabalho? ....................................................................................................................................................... Qual o significado do trabalho para você?.................................................................................... ....................................................................................................................................................... ....................................................................................................................................................... Outros Comentários:...................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 133