comodato e aquisição da propriedade imóvel por usucapião

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comodato e aquisição da propriedade imóvel por usucapião
COMODATO E AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL POR
USUCAPIÃO
RODRIGO TOSCANO DE BRITO
Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, professor de
Direito Civil da UFPB nos cursos de graduação e pósgraduação, professor de Direito Civil da Escola Superior da
Magistratura, professor convidado para ministrar cursos de pós
graduação em diversas instituições e advogado. E-mail:
[email protected]
Não raro acontece das pessoas perguntarem se um bem objeto de contrato de comodato
pode ser adquirido, por usucapião, pelo comodatário caso ele ali se fixe durante um prazo
muito largo de tempo. É justamente em face dessa dúvida freqüente, que elegemos o tema
aqui discutido.
Primeiro, é preciso ter presente o sentido do contrato de comodato. Na verdade, existem
duas espécies de contrato de empréstimo entre nós, quais sejam, o mútuo e o comodato. O
mútuo é o contrato por meio do qual uma parte, chamada de mutuária, convenciona com a
outra, mutuante, a transferência, em caráter provisório, de um bem fungível e consumível. Por
outro lado, o comodato é o contrato através do qual uma das partes, o comodatário, obtém da
outra, comodante, a transferência provisória de um bem infungível ou inconsumível para uso.
Deve-se observar que o que diferencia uma espécie da outra é a fungibilidade, ou não, do
bem. Para os artigos 85 e 86 do Código Civil, são fungíveis os móveis que podem substituirse por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade; e consumíveis os bens móveis cujo
uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os
destinados à alienação.
Em segundo lugar, é também importante observar o conceito de usucapião. Em regra, a
doutrina pátria diz que o usucapião é um modo de aquisição da propriedade e de outros
direitos reais que se dá pela conjunção da posse exercida sobre um determinado bem e o
tempo exigido por lei, além de outros requisitos, dependendo da espécie de usucapião.
Diante desses conceitos fundamentais, é possível se analisar o fato pretendido. Ou seja,
se uma pessoa (comodante) faz, por exemplo, um contrato de empréstimo de uma fazenda –
bem infungível – com outra (comodatário), estará realizando um contrato de comodato,
conforme visto. Se o contrato de comodato não tiver prazo determinado, o comodante pode
notificar o comodatário e pedir para que saia do imóvel, desde que lhe dê um prazo para tanto,
normalmente de 30 dias, além de ter de observar se o prazo já foi suficiente para o uso
outorgado. Caso o contrato tenha termo final, o comodatário só é obrigado a deixar o bem
após o alcance do prazo convencionado. O que preocupa as pessoas, de uma forma geral, é o
fato de ter emprestado o bem imóvel e o comodatário demorar longamente na posse desse
bem. Assim, é muito comum se perguntar: se o comodatário ficar durante 15 anos, por
exemplo, na posse do imóvel, pode ele pedir a aquisição da propriedade através de usucapião?
A questão passa necessariamente pela discussão possessória. Para que se adquira um
bem por usucapião, a posse exercida pelo interessado deve ser justa, mansa, pacífica,
contínua, exercida com “animus domini”. Interessa-nos aqui o primeiro requisito: a posse
deve ser justa. O Código Civil, em seu artigo 1.200, diz que é justa a posse que não for
violenta, clandestina ou precária. A violência, a clandestinidade e a precariedade referida no
dispositivo que dá ensejo ao conceito de posse justa, perfazem os chamados vícios da posse.
Vamos nos ater apenas à posse precária, que nos interessa diretamente para o caso em análise.
É precária a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la, indevidamente
a retém, quando a mesma lhe é pedida ou solicitada. Assim, a partir do momento em que o
comodante tiver direito de pedir o imóvel de volta e assim o faça, o comodatário é obrigado a
entregá-lo. Caso não o entregue, a posse exercida pelo comodatário, como visto, é uma posse
precária. Se a posse é precária, então é também injusta e, se é injusta, não poderá ser objeto de
aquisição por parte do interessado (o comodatário), através de usucapião.
É importante lembrar que dentre os vícios possessórios supra indicados, o único que não
convalesce é o da precariedade, de forma que o comodatário, depois que é interpelado para
devolver o bem, se não o fizer terá posse precária e, portanto, injusta, e por mais tempo que a
exerça indevidamente, não poderá adquirir o bem por usucapião.

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