Ingestão de resíduos sólidos por juvenis de
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Ingestão de resíduos sólidos por juvenis de
Fundação Universidade Federal do Rio Grande Departamento de Oceanografia Laboratório de Microcontaminantes Orgânicos e Ecotoxicologia Aquática Ingestão de resíduos sólidos por juvenis de tartaruga-verde (Chelonia mydas) na costa do Rio Grande do Sul, Brasil Paula da Silva Tourinho Monografia apresentada à Fundação Universidade Federal do Rio Grande como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de graduado em Oceanologia. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Fillmann Co-orientador: Oc. Juliana A. Ivar do Sul Rio Grande, Novembro de 2007 Agradecimentos Primeiramente, quero agradecer aos meus pais e a toda minha família que sempre me apoiaram em todos os momentos, independente da distância. Pela orientação e pelos ensinamentos, agradeço ao Gilberto Fillmann cuja convivência foi fundamental para minha formação profissional e acadêmica. Agradecimentos especiais a minha co-orientadora, Juliana do Sul, pelo intenso envolvimento e interesse no trabalho. Valeu por tudo, Ju. Agradeço também a Mônica Wallner por participar da banca examinadora e pelas críticas, sugestões e observações. Ao Nema, por toda ajuda nas saídas e necropsias. Ju Barros, Dani, Serginho, e todos outros que estiveram envolvidos. Ao Museu Oceanográfico, principalmente à Alice e à Andréia. Aos funcionários da Furg, especialmente os motoristas (Candinho, Giba, Valdir, Paulo). Aos meus colegas de casa - Lanari, Ileini, Priscilla, Theo, Salame – obrigada pelo apoio, pela amizade, pelas risadas, pelos finais de semana de chuva em casa, por agüentarem minhas amostras fedorentas, enfim, por tudo! E também a todos agregados e ex-moradores - Noca, Nana, Claudinha, Lolo, Amália, Roro - valeu pela companhia e apoio de vocês. À todos meus amigos do Cassinão. Sou muito feliz por ter cada um de vocês na minha vida! Agradecimento especial à Bel, por ter sido a primeira pessoa a me ajudar quando este trabalho ainda era um pré-projeto. Agradeço também a Julia Reisser por me ensinar (em campo!) sobre las tortugas e pelas sugestões. Aos colegas do CONECO que sempre me ajudaram. Além da convivência, agradeço pela força e companheirismo – Boris, Koike, Bianca, Patrícia, Ítalo, Gabi, Grasi, Nilson, Fernando, Bárbara, Gabi Kolb, Luciara, Pri. Às gurias de Recife – Mônica, Cris, Jaqueline, Ângela, Scheilinha – obrigada pelo acolhimento e pela ajuda! Ao todo mundo que de alguma forma contribuiu para a iniciação, desenvolvimento, conclusão ou melhoria do trabalho. Muito obrigada! ii Índice Lista de Figuras e Tabelas...............................................................................iv Resumo.............................................................................................................v 1. Introdução .................................................................................................. 1 1.1. Resíduos sólidos....................................................................................... 1 1.2. Tartarugas Marinhas ................................................................................. 5 1.3. Interação das tartarugas marinhas com os resíduos sólidos .................... 7 2. Objetivos .................................................................................................... 9 3. Material e métodos .................................................................................. 10 3.1. Área de estudo........................................................................................ 10 3.2. Coleta e análise das amostras ................................................................ 11 4. Resultados ............................................................................................... 14 4.1. Dados biológicos e número e peso dos itens ingeridos .......................... 14 4.2. Composição e coloração dos itens ingeridos.......................................... 17 4.3. Distribuição dos itens no trato gastrointestinal........................................ 21 5. Discussão ................................................................................................ 23 5.1. Estudos com C. mydas ........................................................................... 23 5.2. Resíduos sólidos ingeridos ..................................................................... 24 5.3. Relação das tartarugas marinhas com os resíduos sólidos ingeridos..... 27 5.4. Compartimentos do trato gastrointestinal................................................ 28 6. Conclusão ................................................................................................ 30 7. Referências bibliográficas ........................................................................ 31 iii Lista de Figuras e Tabelas Figura 1: Estimativa da população mundial até 2050. Fonte: U.S. Census Bureau............................................................................................................. 1 Figura 2: Área de estudo............................................................................... 11 Figura 3: Número de itens ingeridos por cada tartaruga amostrada em ordem crescente de CCC (n=29).............................................................................. 16 Figura 4: Peso dos itens ingeridos por cada tartaruga em ordem crescente de CCC. ............................................................................................................. 16 Figura 5: Freqüência de incidência (F.I.) dos tipos de itens. ......................... 19 Figura 6: Freqüência de ocorrência (F.O.) em porcentagem das categorias por cada indivíduo. ........................................................................................ 19 Figura 7: Diferentes cores dos itens amostrados e suas porcentagens. ....... 20 Figura 8: Número de itens ingeridos em cada compartimento do trato gastrointestinal. ............................................................................................. 21 Figura 9: Peso dos itens ingeridos por compartimento do trato gastrointestinal. ............................................................................................. 22 Figura 10: Número de fragmentos originados por cada item ingerido........... 22 Tabela 1: Classificação e exemplos das categorias..............................................12 Tabela 2: Data das saídas de campo, CCC e peso das tartarugas amostradas. .................................................................................................. 14 Tabela 3: Número total e porcentagem dos tipos de itens encontrados........ 18 Tabela 4: Número de C. mydas amostradas (N), freqüência de ingestão, comprimento de carapaça (CCC) em centímetros e estágio de maturação em diferentes estudos. ........................................................................................ 24 Tabela 5: Tipos de item e suas prováveis fontes .......................................... 27 iv Resumo Os resíduos sólidos são materiais de origem antrópica e, em grande parte, são compostos por materiais sintéticos tais como os plásticos. A contaminação por resíduos sólidos se agravou nas últimas décadas devido à alta persistência destes materiais no ambiente. Provenientes de diversas fontes, os resíduos sólidos estão amplamente distribuídos no ambiente marinho e costeiro, estando disponíveis para interação com a biota. Um dos principais tipos de interação é a ingestão dos resíduos sólidos que ocorre intencionalmente quando confundidos com os alimentos naturais, ou acidentalmente quando o resíduo é ingerido juntamente com o alimento. Tartarugas marinhas estão sujeitas ao contato com os resíduos sólidos, uma vez que habitam os mais diversos ambientes marinhos durante os diferentes estágios de seu desenvolvimento. Os tratos gastrointestinais de 29 juvenis de tartarugas-verdes (Chelonia mydas) foram analisados para avaliar a ingestão de resíduos sólidos no litoral do Rio Grande do Sul. Todos os tratos gastrointestinais analisados continham resíduos sólidos, ou seja, 100% dos animais estavam contaminados. No total foram encontrados 1.271 itens, dos quais 73,7% eram representados por itens da categoria Plástico. Esta categoria foi dominada por itens plásticos moles, seguidos de itens plásticos rígidos, e em menores quantidades ocorreram esférulas plásticas, borrachas, balões de festa e canudos. A segunda categoria mais abundante foi composta por itens relacionados à atividade pesqueira (21,5%) constituída por linhas, cordas, isopor e redes de pesca. Outros resíduos representaram 4,8% dos itens ingeridos, entre eles: espuma, carvão, tecido, ponta de cigarro, papel, vela, barbante e metal. Apesar de itens plásticos moles terem sido os mais abundantes (36,5% do total de itens ingeridos), não houve diferença significativa entre o número de plásticos moles ingeridos e o número de plásticos rígidos (28,5%), linhas de pesca (11%) e cordas de pesca (6,5%). Quanto à coloração dos itens, houve predominância das cores branca (33%) e transparente (26%), apesar de não ter sido encontrada diferença significativa na quantidade de itens ingeridos em cores claras e v escuras. A maior quantidade de resíduos sólidos foi encontrada no intestino (62% do total), seguido do estômago (33,3%) e esôfago (3,9%). Os itens tendem a passar pelo trato gastrointestinal, podendo ser expelidos, e durante este percurso sofrem fragmentação. A passagem e a fragmentação dos itens dentro do trato gastrointestinal sugerem que a ingestão de resíduos sólidos tenha causado preferencialmente efeitos subletais nos animais analisados. Entretanto, a morte de 3 tartarugas ficou evidenciada pela completa obstrução do trato gastrointestinal. vi 1. Introdução 1.1. Resíduos sólidos A população mundial cresceu em ritmo acelerado durante o último século, atingindo atualmente 6,6 bilhões de pessoas (U.S. Census Bureau, 2007). O crescimento ocorreu de forma desordenada e foi acompanhado do surgimento de uma sociedade moderna com perfil consumista e da produção de bens em larga escala. Os produtos passaram a ser manufaturados a partir de novos materiais sintéticos, como os plásticos, que possuem alto tempo de persistência no ambiente. A falta de planejamento urbano, o aumento na produção de bens e a menor capacidade de decomposição dos materiais, resultaram no aumento do volume dos dejetos produzidos pelas atividades humanas. Irregularidades na disposição destes dejetos resultaram na presença destes nos ambientes costeiros, surgindo em escala global um novo tipo de contaminante marinho: os resíduos sólidos. Observando as projeções do crescimento populacional para as próximas décadas (Figura 1), e sabendo que a geração per capita destes resíduos é grande (Coe & Rogers, 1997), pode-se considerar este tipo de contaminação como um dos principais problemas do século XXI (Goldberg, 1995; Clark, 1999). Figura 1: Estimativa da população mundial até 2050. Fonte: U.S. Census Bureau (2007). 1 Por definição, os resíduos sólidos são quaisquer materiais sólidos de origem antrópica encontrados no ambiente. A maioria é composta por produtos manufaturados, podendo ser divididos em categorias como plástico, papel, metal, madeira, vidro, entre outros (IOC/FAO/UNEP, 1989). A origem destes resíduos no ambiente pode ser dividida em terrestre ou marinha, implicando em fontes baseadas no continente ou no mar, respectivamente. As fontes terrestres (ou continentais) de resíduos sólidos são os aterros sanitários e esgotos (doméstico ou industrial) de cidades costeiras, a atividade turística, a drenagem dos rios e o escoamento superficial terrestre. Fontes terrestres estão principalmente associadas a disposições inadequadas dos resíduos sólidos (Nolkaemper, 1997). As fontes marinhas são os despejos de embarcações (que podem ser intencionais ou acidentais), que inclui as atividades pesqueiras, e as atividades de plataformas de óleo e gás. Os resíduos sólidos de fontes marinhas são facilmente identificados (Coe & Rogers, 1997), pois resíduos oriundo de atividades pesqueiras são bem característicos, além dos produtos de embalagens internacionais ou resíduos incrustados por organismos marinhos, que necessariamente implicam no transporte oceânico. A importância dos resíduos de fontes marinhas foi reconhecida em 1978, na Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Marinha por Navios (MARPOL 73/78), através do Anexo V, que controlava os despejos de resíduos sólidos em alto-mar por todos os tipos de embarcações. A partir do Anexo V tornou-se ilegal o lançamento de resíduos sintéticos em qualquer local do oceano, estando permitido o lançamento, a uma distancia mínima de 12 milhas da costa, para outros materiais (papel, vidro, metal). O Anexo V da MARPOL também obrigou portos e terminais marítimos a possuírem instalações adequadas para o recebimento dos resíduos sólidos produzidos pelas embarcações. A aderência do Anexo V passou a ser efetivo em Dezembro de 1988, e hoje possui a ratificação de mais de 130 países (IMO, 2007). 2 A importância das diferentes fontes dos resíduos sólidos, entretanto, variou com o tempo. Atualmente sabe-se que fontes terrestres originam a maior parte dos resíduos sólidos (Gregory & Ryan, 1997), estando concentradas nos grandes centros urbanos. De acordo com o tipo de material, os resíduos sólidos são predominados por resíduos plásticos (Derraik, 2002), que podem constituir entre 60% a 80% dos resíduos sólidos (Gregory & Ryan, 1997). Estudos realizados nos anos 80 já apontavam o plástico como item mais abundante no ambiente marinho (Pruter, 1987; Gabrielides et al., 1991). Além do baixo preço, o plástico apresenta características físicas que o tornam muito utilizado: alta resistência, baixa densidade, durabilidade. Estas características são responsáveis pela grande quantidade e distribuição de plásticos no ambiente (Derraik, 2002). No processo industrial, o plástico é sintetizado na forma de pequenas esférulas plásticas, também conhecidas como nibs. Estas esférulas possuem alguns milímetros de diâmetro e são, posteriormente, comercializadas às indústrias que transformam o plástico bruto nos mais diversos objetos. Durante o manuseio industrial e os transportes marinho e terrestre ocorrem perdas acidentais, e por isso as esférulas são encontradas nos ambientes marinho e costeiro há décadas (Gregory, 1978; Shiber, 1979), inclusive na costa brasileira (Gomes, 1973). À deriva no oceano, as esférulas podem flutuar, afundar ou ficar suspensas na coluna d’água, e são sujeitas a processos hidrodinâmicos que afetam sua flutuabilidade (Redford et al., 1997). Também transportadas pelas correntes, as esférulas plásticas são encontradas abundantemente na costa (Moore et al., 2001b). Os resíduos sólidos flutuantes no ambiente marinho podem ser redistribuídos e depositados em costas distantes de suas origens ou podem afundar acomodando no fundo oceânico (Uneputty & Evans, 1997). O transporte de resíduos sólidos pelos oceanos pode ser comprovado pela contaminação já constatada em locais remotos (Benton, 1995; Edyvane et 3 al., 2004), como no Alasca (Merrell, 1980) e na Antártica (Walker et al., 1997). A ampla distribuição dos resíduos sólidos nos mais diversos ambientes causa inúmeros problemas. O primeiro impacto a ser percebido é o visual, como a deposição dos resíduos nas praias, comprometendo a estética do local (Abu-Hilal & Al Najjar, 2004). Assim, pode ocorrer a diminuição da atividade turística, o que pode causar prejuízos sócio-econômicos, visto que muitas cidades costeiras têm sua economia dependente do turismo. Os resíduos sólidos nas praias podem ser perigosos para saúde humana quando causam cortes e ferimentos, ou quando são possíveis vetores de doenças (Suess, 1992). Também ocorrem gastos para realização de limpezas de praia, uma medida simplesmente temporária (Kirkley & McConnel, 1997). Os prejuízos causados pela contaminação por resíduo sólido não são restritos ao ambiente costeiro, mas ocorrem também no ambiente marinho. Redes perdidas durante a atividade de pesca ficam a deriva das correntes oceânicas e podem capturar espécies de valor comercial (Edyvane et al., 2004). Os resíduos sólidos podem se enredar em embarcações, aumentando gastos com manutenções e atrapalhando o tráfego marítimo (Kirkley & McConnell, 1997; Ballance et al., 2000). Os resíduos sólidos estão ainda disponíveis para interagir com a biota marinha. Os três principais tipos de interação são o enredamento, a ingestão e a incrustação. Relatos de enredamentos são comuns para mamíferos marinhos (Stewart & Yochem, 1987; Fowler, 1987; Arnould & Croxall, 1995; Hanni & Pyle, 2000; Page et al., 2004; Greg Hofmeyr et al., 2006), aves (Degange & Day, 1991; Baker et al., 2002), tartarugas (Seminoff et al., 2003; James et al., 2005) e peixes (Anon, 1975; Sazima et al., 2002). O enredamento ocorre quando o resíduo sólido possui tamanho suficiente para aprisionar os animais, sendo muito deles de formas circulares ou curvadas ou com aberturas (Laist, 1997). Quaisquer resíduos sólidos no ambiente podem ser ingeridos, independentes do tamanho ou formato. Há registro de ingestão para inúmero 4 grupos de animais marinhos, entre eles mamíferos (Secchi & Zarzur, 1999), aves (Azzarello & Van Vleet, 1987; Ryan, 1987; Zarzur, 1995; Vlietstra & Parga, 2002; Mallory et al., 2006), tartarugas (Bjorndal et al., 1994; Barreiros & Barcelos, 2001; Bugoni et al., 2001; Seminoff et al., 2002; Tomas et al., 2002; Mascarenhas et al., 2004; Kaplan, 2005; Ozdilek et al., 2006), peixes (Anon, 1975) e invertebrados (Uneputty & Evans, 1997; Moore et al., 2001a). Além disso, os resíduos sólidos podem introduzir espécies exóticas quando percorrem grandes distâncias e atingem novos ambientes com organismos incrustados (Minchin, 1996). Outras formas de impacto são ainda identificadas, como o uso dos plásticos na construção de ninhos pelas gaivotas da espécie Rissa tridactyla (Hartwig et al., 2007). 1.2. Tartarugas Marinhas Tartarugas marinhas compreendem 7 espécies distribuídas em duas famílias. A família Dermochelydae inclui apenas uma espécie vivente, a Dermochelys coriacea ou tartaruga de couro. A família Cheloniidae inclui as outras 6 espécies que são Chelonia mydas (tartaruga-verde), Caretta caretta (tartaruga-cabeçuda), Eretmochelys imbricata (tartaruga-de-pente), Lepidochelys kempii (tartaruga lora), Lepidochelys olivacea (tartaruga-oliva) e Natator depressus (tartaruga flatback). Tartarugas marinhas habitam os três oceanos tropicais (Pritchard, 1997), com exceção da D. coriacea, espécie que habita somente águas temperadas. No Brasil, 5 espécies (D. coriacea, C. mydas, C. caretta, E. imbricata e L. olivacea) utilizam a costa para reprodução e alimentação (Marcovaldi & Marcovaldi, 1999). São animais de baixa diversidade e apresentam crescimento, tanto populacional quanto individual, lento. Seis espécies (C. mydas, C. caretta, E. imbricata, L. kempii e L. olivacea) estão ameaçadas de extinção (IUCN, 2007) e muitas populações que já foram abundantes, hoje estão em declínio (WWF, 2000). 5 A espécie C. mydas é encontrada nos oceanos tropicais e temperados, apresentando uma distribuição circunglobal. Populações foram extintas devido à exploração comercial e as populações restantes estão em declínio, tanto para esta como as demais espécies (King, 1995). Nos primeiros estágios da vida, C. mydas são preferencialmente carnívoras e se alimentam em áreas de convergência no ambiente pelágico. Quando juvenis tem uma alimentação mais variada já que passam a se alimentar também no ambiente bentônico. Na fase adulta, tartarugas-verdes representam a única espécie de tartaruga marinha herbívora. Assim, são fundamentais na ciclagem de nutrientes e alteram a estrutura da comunidade de plantas aquáticas nas áreas de alimentação (Bjordnal, 1997). A pastagem da C. mydas exerce influência sobre pradarias, podendo mudar a sucessão de espécies, a densidade da fauna e as relações presa-predador do ambiente (Bjordnal, 1997). Além da forma de alimentação, o habitat da C. mydas também é modificado durante seu ciclo de vida. Os indivíduos recém-nascidos habitam os ambientes pelágicos oceânicos, passando ao ambiente nerítico na fase juvenil (Musick & Limpus, 1997). Quando adultos realizam migrações entre as áreas de alimentação e de reprodução, freqüentemente com distâncias maiores que 1500 km (Pough, 1993). Desta forma, estas tartarugas dependem de todos os ambientes marinhos durante os diferentes estágios de seu desenvolvimento, inclusive do ambiente costeiro, local onde as fêmeas realizam a postura dos ovos. Juvenis de tartarugas-verdes utilizam áreas continentais para alimentação em latitudes temperadas no verão, mas retornam às menores latitudes no inverno para evitar o contato com águas frias (Musick & Limpus, 1997). A costa do Rio Grande do Sul é uma importante área de desenvolvimento e alimentação desta espécie (Bugoni, 2003), principalmente no verão e na primavera austral (Soto & Beheregaray, 1997). 6 1.3. Interação das tartarugas marinhas com os resíduos sólidos As atividades antrópicas estão causando o declínio nas populações de tartarugas marinhas (Lutcavage et al., 1997), e a contaminação do meio marinho é responsável por afetar um grande número de indivíduos (Gramentz, 1988). As tartarugas estão sujeitas a dois tipos de interações com os resíduos sólidos marinhos: enredamento e ingestão. As tartarugas podem se enredar nos resíduos sólidos, impedindo a mobilidade dos animais, e podendo causar dificuldades na captura de presas e fuga de predadores, e até mesmo, a morte por afogamento. A ingestão dos resíduos sólidos ocorre intencionalmente quando confundidos com os alimentos naturais, ou acidentalmente quando o resíduo é ingerido juntamente com o alimento (Laist, 1987). Os efeitos causados pela ingestão de resíduos sólidos podem ser letais, causando diretamente a morte do animal, ou subletais, quando são indiretamente responsáveis pelas mortes. Sabe-se que a morte diretamente causada pela presença do resíduo sólido acontece com a obstrução do trato gastrointestinal mesmo quando pequenas quantidades são ingeridas (Bjordnal, 1997). Efeitos subletais podem ser mais prejudiciais às populações de tartarugas marinhas, pois estão relacionados à diminuição do crescimento e da reprodução destes animais (Bjordnal,1997). Os efeitos subletais estão relacionados primeiramente a danos nas paredes do trato gastrointestinal, como necroses e ulcerações (Bjordnal, 1997), que podem afetar a fisiologia do animal, reduzindo o ganho nutricional (diluição nutricional) (McCauley & Bjorndal, 1999) e interferindo no metabolismo dos lipídios (George,1997). A presença de resíduos pode causar o aumento do tempo dos alimentos nos compartimento do trato e acúmulo de gases no intestino, e até a perda do controle sobre a flutuabilidade (George, 1997). Os resíduos sólidos no trato gastrointestinal causam falsa saciedade nos animais, resultando na diminuição pela procurar de alimento. As tartarugas 7 marinhas também ficam expostas aos possíveis contaminantes (i.e. PCB e pesticidas) que podem estar adsorvidos aos resíduos sólidos (Mato et al., 2001). 8 2. Objetivos O objetivo geral do presente estudo é avaliar a ingestão dos resíduos sólidos pelas tartarugas C. mydas encontradas no litoral do Rio Grande do Sul. Os objetivos específicos do estudo são: -determinar a freqüência de ingestão dos resíduos; -estimar as quantidades e os tipos de resíduos sólidos ingeridos por estas tartarugas; -verificar se há algum tipo de padronização dos itens; -relacionar os dados biométricos com as quantidades de itens ingeridos; -observar a distribuição e o comportamento dos resíduos sólidos dentro do trato gastrointestinal. 9 3. Material e métodos 3.1. Área de estudo O presente estudo foi realizado no estado do Rio Grande do Sul entre a Barra da Lagoa do Peixe (31°19’S/50°58’W) e o Arroio Chuí (33°45'S/53°23'W), abrangendo 350 km de extensão (Figura 2). A costa, orientada na direção NE-SW, apresenta regime de micromaré semidiurno associado a praias expostas com características predominantes dissipativas e intermediárias (Dillenburg et al., 2004). Ondas de média energia dominam os processos hidrodinâmicos no local, e os ventos (associados ao anticiclone semifixo do Atlântico Sul e ao anticiclone polar) possuem padrão predominante do quadrante Nordeste, apresentando variações sazonais com ventos do quadrante Sudoeste mais comuns nos meses de inverno e outono (Calliari & Klein, 1993). Os ventos provenientes do Sul são responsáveis por causar marés meteorológicas caracterizadas pelas principais variações do nível de água (Calliari & Klein, 1993) e as maiores alturas de ondas na costa do Rio Grande do Sul (Esteves et al., 2003). Por conseqüência das más condições do tempo durante o inverno (baixas temperaturas, ventos fortes e constantes, águas frias e turvas) para fins de recreativos (Esteves et al., 2003), as praias do local de estudo são freqüentadas nos meses de verão entre Dezembro e Março (Esteves et al., 2004). A região costeira do Rio Grande do Sul apresenta baixa densidade populacional (representando menos que 5% da população do estado) e é considerada uma região de baixo desenvolvimento. Entretanto a população da zona costeira apresenta crescimento mais rápido que a média do estado do Rio Grande do Sul desde 1990 (Esteves et al., 2003). 10 Figura 2: Área de estudo compreendida entre a Lagoa do Peixe e o Arroio Chuí. 3.2. Coleta e análise das amostras O estudo foi realizado em conjunto com o Projeto ‘Tartarugas Marinhas do Rio Grande do Sul’ desenvolvido pelo Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (NEMA). No total, foram realizadas 18 saídas de campo entre Novembro de 2006 e Abril de 2007, sendo coletadas 29 tartarugas-verdes (Chelonia mydas). A costa foi percorrida utilizando uma viatura com velocidade suficiente para avistar animais mortos na praia. No momento em que alguma tartaruga-verde era identificada, o grau de decomposição e o comprimento curvilíneo de carapaça (CCC) eram anotados. Quando os exemplares estavam em avançado estado de decomposição, os tratos gastrointestinais eram retirados em campo e levados ao laboratório. Enquanto, animais em estágio inicial de decomposição eram coletados na integra e levados ao laboratório onde seus pesos eram medidos. Na abertura dos tratos gastrointestinais, os órgãos (ou compartimentos) foram analisados separadamente (esôfago, estômago e intestino). Todos os órgãos foram incluídos, pois somente a análise do esôfago e estômago 11 (comum em estudos que visam examinar os hábitos alimentares) subestima os resultados. Os resíduos sólidos foram distinguidos e separados dos itens alimentares. Depois de lavados, os itens estavam prontos para quantificação e classificação. A quantificação visou avaliar o número de resíduos sólidos ingeridos pelas tartarugas e não o número de itens presentes conseqüentes da fragmentação ocorrida dentro do trato do animal. Deste modo, quando foram observados fragmentos pertencentes a um mesmo resíduo, estes foram quantificados como um único resíduo. Os itens foram classificados em categorias como plástico, materiais de pesca e diversos, conforme sua composição e/ou origem. Os itens oriundos de atividades pesqueiras, por serem facilmente identificados, foram separados em uma categoria. As categorias foram subdivididas pelo tipo de item amostrado (Tabela 1). Tabela 1: Classificação e exemplos das categorias. Categorias Tipo de item Exemplo Plásticos Plástico Mole Fragmentos de sacolas de supermercado, balas; canudos Plástico Rígido Fragmentos de embalagens de limpeza e higiene pessoal, tampinhas, brinquedos Borracha e espuma Fragmentos de borracha, espumas, balões de festa Esférula plástica - Ponta de cigarro - 12 Atividades Linha Fragmentos de pesqueiras linhas de nylon Isopor Bóias Corda Fragmentos de cordas de nylon Rede Fragmentos de redes Diversos Carvão - Tecido Roupas, linhas Outros Barbantes, pontas de cigarro, papel, fragmentos de metal e velas Os itens também foram classificados quanto à coloração dominante. Primeiramente foram classificados pela cor específica e depois estas cores foram unidas em duas classes: cores claras e cores escuras. Em seguida, os itens foram pesados utilizando uma balança digital de precisão (0,01g) e, posteriormente, fotografados. As variáveis que não apresentaram distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov foram normalizadas através da transformação logarítmica neperiana (Ln). Correlações entre os dados biométricos do animal (CCC e peso) e a quantidade (em número e peso) dos itens ingeridos foram analisadas utilizando a Correlação Linear de Pearson. Para a análise da composição (tipos de itens e coloração) e da distribuição dos itens no trato gastrointestinal foi feita a Análise de Variância (ANOVA) bifatorial e, quando necessário, o teste a posteriori de Tukey também foi aplicado. 13 4. Resultados Todos os 29 tratos gastrointestinais analisados continham resíduos sólidos, ou seja, 100% dos animais estavam contaminados. No total foram encontrados 1.271 itens. 4.1. Dados biológicos e número e peso dos itens ingeridos O comprimento curvilíneo de carapaça (CCC) destes animais variou entre 32,5 e 56 cm (Tabela 2), com uma média de 40,06 ± 6,34 cm. O peso, obtido para 17 dos 29 exemplares, e variou entre 2,5 e 9,25 kg, com uma média de 5,29 ± 1,61 kg. Tabela 2: Data das saídas de campo, CCC e peso das tartarugas amostradas. Data da CCC Peso coleta (cm) (kg) 1 6/4/2007 31,5 - 2 21/1/2007 32,5 2,5 3 29/1/2007 33 3,05 31°52'37.7''S/51°45'43.2''W 4 26/2/2007 33 3,5 32°33'31.5''S/52°23'55.6''W 5 7/12/2006 34 4,65 6 24/1/2007 34,5 - 7 20/11/2006 34,5 5,1 8 4/3/2007 35 - 9 25/1/2007 36 4,4 10 13/11/2006 37 6 11 15/2/2007 37 5,05 12 20/2/2007 37,5 6,2 13 7/3/2007 37,5 5,5 14 26/2/2007 38 - 32°56'43.4''S/52°32'19.5''W 15 16/11/2006 38 4,4 32°48'48.4''S/52°28'25.2''W 16 17/1/2007 38,5 - 33°06'20.7''S/52°37'31.0''W 17 16/11/2006 41 5,1 33°28'07.4''S/53°00'29.1''W 18 15/2/2007 41 5,6 31°32'57.6''S/51°13'57.6''W 19 29/1/2007 42 7,4 31°31'58.6''S/51°12'52.5''W 20 29/1/2007 42 6 31°40'07.0''S/51°23'26.7''W Amostra 14 Localização 32°44'47.1''S/52°27'06.8''W 31°44'48.6''S/51°30'38.6''W 21 7/11/2006 43 9,25 22 15/2/2007 43 6,3 32°05'33.8''S/52°01'45.7''W 23 19/12/2006 44 - 33°33'51.3''S/53°07'35.2''W 24 19/12/2006 44,6 - 33°01'09.0''S/52°34'41.3''W 25 22/11/2006 48 - 31°22'07.2''S/51°02'58.2''W 26 29/3/2007 48 - 31°24'14.0''S/51°05'10.0''W 27 15/3/2007 49,5 - 33°17'43.9''S/52°47'30.3''W 28 26/2/2007 51 - 32°37'15.3''S/52°25'14.7''W 29 29/1/2007 56 - 31°32'26.1''S/51°13'24.2''W A quantidade de itens ingeridos por organismo variou entre 3 e 134, com uma média de 43,8 ± 31,5 itens (Figura 3). Foi encontrada correlação positiva entre o tamanho da carapaça (CCC) e o número de itens ingeridos pelas tartarugas amostradas (Figura 3). O peso total dos itens amostrados nos tratos gastrointestinais foi de 310,5 g, variando entre 0,36 e 68,6 g/indivíduo, com média de 10,7 ± 13,16 g/indivíduo (Figura 4). Também foi encontrada correlação positiva entre o CCC e o peso dos itens ingeridos. Para verificar possíveis variações temporais, as quantidades de itens ingeridos pelas tartarugas em 2006 e 2007 foram comparadas. Não houve diferença significativa em número de itens ingeridos (ANOVA, F=1,5403, p>0,05) e em peso dos itens ingeridos (ANOVA, F=1,6438, p>0,05) entre os indivíduos coletados em 2006 e 2007. 15 160 y = 0,9985x + 28,85 140 2 R = 0,1346 Número de itens 120 100 80 60 40 20 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 Indivíduos Figura 3: Número de itens ingeridos por cada tartaruga amostrada em ordem crescente de tamanho de carapaça (n=29). No gráfico estão representados a reta de regressão e coeficiente de correlação de Pearson (R²). 80 y = 0,6547x + 0,8853 70 R2 = 0,2297 Peso dos itens 60 50 40 30 20 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 Indivíduos Figura 4: Peso dos itens ingeridos por cada tartaruga em ordem crescente de CCC. No gráfico estão representados a reta de regressão e coeficiente de correlação de Pearson. 16 4.2. Composição e coloração dos itens ingeridos A grande maioria dos itens ingeridos pertenceu à categoria dos plásticos (73,7%). Enquanto que os itens relacionados à atividade de pesca representaram 21,5%. A categoria Diversos obteve 3,1% do total (Tabela 3). Dentro da categoria Plásticos, itens de plásticos moles foram o tipo de item mais abundantes com 464 itens (36,5% do total), seguido pelos itens plásticos rígidos com 362 itens (28,5% do total). Somente estes dois tipos de itens contabilizaram 65% do total dos resíduos amostrados. Outros tipos de itens desta categoria, que ocorreram em menor proporção, foram esférulas plásticas (2,8%), fragmentos de borracha (2,6%), balões de festa (1,7%) e canudos (1,6%). Os resíduos oriundos de atividades pesqueiras foram compostos por linhas (11%), cordas (6,5%), fragmentos de isopor (3,5%) e fragmentos de rede (0,4%). Na categoria Diversos foram encontrados pedaços de espuma (1,6%), carvão (1,1%), tecido (0,7%), além de outros itens como ponta de cigarro, papel, vela, barbante e metal (1%). Em número de itens ingeridos, os plásticos moles foram significativamente mais abundantes que os demais itens, com exceção dos plásticos rígidos, linhas e cordas de pesca (ANOVA, F=73,3557, p<0,05). Em peso, os itens não apresentaram diferença significativa. 17 Tabela 3: Número total e porcentagem dos tipos de itens encontrados. Diversos Pesca Plásticos Categoria Tipo de item Plástico mole Plástico rígido Esférula Borracha Balão Canudo Total Linha Corda Isopor Rede Total Espuma Carvão Outros Tecido Total Total Total de itens 464 362 36 33 22 20 937 140 83 45 5 273 20 14 18 9 % 36,5 28,5 2,8 2,6 1,7 1,6 73,7 11,0 6,5 3,5 0,4 21,5 1,6 1,1 1,4 0,7 61 1271 4,8 100 O tipo de item com maior incidência foram os plásticos moles, presentes em todos os 29 indivíduos analisados. Em seguida, estão os plásticos rígidos e linhas de pesca, presentes em 26 indivíduos (Figura 5). A freqüência da incidência dos tipos de itens não foi diferente significativamente (ANOVA, F=0,4804, p>>0,05). 18 n=29 30 25 F.I. 20 15 10 5 Tecido Outros Carvão Espuma Rede Isopor Corda Linha Canudo Balão Borracha Esférula Plástico rígido Plástico mole 0 Figura 5: Freqüência de incidência (F.I.) dos tipos de itens. A categoria plástico teve, em porcentagem, uma freqüência de ocorrência entre 43,8 e 100% (média de 70,2±11,9%) (Figura 6). Os itens provenientes da atividade de pesca tiveram uma freqüência entre 0 e 50% (com média de 22,8±11,6%). Enquanto que os itens Diversos entre 0 e 22,2% (média de 7±5,4%). 100% 90% 80% F.O.(%) 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1011 12131415161718 19202122232425 26272829 Indivíduos Plástico Pesca Outros Figura 6: Freqüência de ocorrência em porcentagem das categorias por cada indivíduo. 19 Quanto à coloração, os itens ingeridos foram classificados em nove cores diferentes. A cor mais abundante foi a branca, com um total de 410 itens (33%), seguida por itens transparente, com um total de 335 itens (26%). Outras cores identificadas foram preta (11%), azul (11%), verde (6%), marrom (4%), vermelha (3%), outras (4%) e amarela (2%) (Figura 7). Houve diferença significativa entre as cores dos itens ingeridos (ANOVA, F=24,8324, p<0,01), os itens brancos e transparentes foram significativamente mais abundantes que os itens das demais cores. Considerando-se o total de itens ingeridos, 774 (61%) puderam ser classificados em cores claras (branca, transparente e amarela) e 497 itens (39%) em cores escuras (preto, azul, verde, marrom, vermelho, outros). Entretanto, não foi observada a predominância significativa das cores claras sobre as escuras (ANOVA, F=3,2751, p>>0,05). 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0 transparente branco preto azul verde amarelo vermelho marrom outros Figura 7: Diferentes cores dos itens amostrados e suas porcentagens. 20 4.3. Distribuição dos itens no trato gastrointestinal A maior quantidade de itens (799 itens ou 62,8% do total) foi encontrada no intestino, seguido do estômago (423 itens ou 33,3% do total) e esôfago (49 itens,ou 3,9%). A média de itens encontrados foi de 27,6±24,5 itens no intestino, 14,6±14,0 itens no estômago e 1,7±3,0 itens No esôfago por tartaruga amostrada. O número de itens presentes em cada órgão do trato gastrointestinal foram significativamente diferentes (ANOVA, F=73,3557, p<0,01) (Figura 8). Esôfago Estômago Intestino 300 Número de itens 250 200 150 100 50 Tecido Outros Carvão Espuma Rede Isopor Corda Linha Canudo Balão Borracha Esférula Plástico rígido Plástico mole 0 Figura 8: Número de itens ingeridos em cada compartimento do trato gastrointestinal. Somente os itens da categoria Plástico foram pesados separadamente (Figura 9). O peso total de itens encontrados no esôfago foi de 13,48g, com média de 0,5±1,3g por tartaruga. Enquanto que no estômago foi de 95,14g com uma média de 3,3±4,1g, e no intestino, 201,83g com uma média de 7,0±11,3g. Houve diferença significativa entre o peso dos itens no esôfago e intestino (ANOVA, F=32,085, p<0,01), sendo o peso dos itens no intestino significativamente maior. 21 Esôfago 70 Estômago Intestino Peso dos itens 60 50 40 30 20 10 Diversos Pesca Canudos Balão Borracha Esférulas Plástico rígido Plástico mole 0 Figura 9: Peso dos itens ingeridos (g) por compartimento do trato gastrointestinal. Os itens que sofreram fragmentação dentro do trato gastrointestinal dos animais também foram quantificados. Os 1.271 itens ingeridos estavam fragmentados em 3.594 itens. Todos os itens ingeridos sofreram fragmentação, com exceção das esférulas plásticas. Para obter o número de fragmentos gerados por um único item, o número de fragmentos foi dividido pelo número de itens ingeridos (Figura 10). As redes de pesca foram os itens que sofreram mais fragmentação dentro do trato gastrointestinal, em média cada rede de pesca ingerida se fragmentou em 5,4 itens. 6 5 4 3 2 Esférula Tecido Canudo Balão Borracha Plástico rígido Corda Espuma Outros Plástico mole Isopor Linha Carvão Rede 1 Figura 10: Número de fragmentos originados por cada item ingerido. 22 5. Discussão 5.1. Estudos com C. mydas Estudos sobre a ingestão de resíduos sólidos pela biota são escassos na bibliografia internacional e no Brasil, e muitos casos são restritos a indivíduos encontrados acidentalmente. A primeira revisão sobre o tema foi realizada por Balazs (1985), reunindo 79 ocorrências de ingestão feitas por pesquisadores, nas quais muitas foram baseadas em comunicação pessoal com o autor. Estes relatos foram feitos em diversas partes do mundo e envolviam 5 das 7 espécies de tartarugas marinhas (Chelonia mydas, Caretta caretta, Embricata imbricata, Dermochelys coriacea e Lepidochelys kempii). Somente na década seguinte atenção foi dada novamente ao problema com a publicação de outra revisão (Laist, 1997). Além das 5 espécies já registradas, esta publicação registrou a ingestão de resíduos por mais uma espécie (Lepidochelys olivacea). As tartarugas verde e cabeçuda parecem ser as duas espécies mais susceptíveis à ingestão de itens em todas as fases da vida, devido principalmente aos seus habitats e formas de alimentação (Lutcawage et al., 1997). Entretanto, registros de ingestão são mais comuns para tartarugasverdes (Balazs, 1985). Estudos específicos da ingestão de resíduos sólidos por tartarugas C. mydas apresentam altas freqüência de ocorrência, sendo habitual encontrar a ocorrência de ingestão em mais da metade dos animais amostrados (Tabela 4). No entanto, de acordo com as outras pesquisas (Plotkin & Amos, 1990; Bjordnal et al., 1994; Bugoni et al., 2001; Guebert et al., 2004), os resultados de 100% de ingestão encontrados no presente estudo indicam uma elevada taxa de ingestão de resíduos sólidos pelas tartarugas. 23 Tabela 4: Número de C. mydas amostradas (N), freqüência de ingestão, comprimento de carapaça (CCC) em centímetros e estágio de maturação em diferentes estudos. Local Ano N Freqüência (%) Texas, EUA 1990 15 46,7 Flórida, EUA 1994 43 56 Rio Grande do Sul, Br 2001 38 60,5 Paraná, Br 2004 12 66 2006 1 100 2007 29 100 Paraíba, Br Rio Grande do Sul, Br 5.2. Órgãos amostrados Esôfago, estômago e intestino Esôfago, estômago e intestino Esôfago e estômago Esôfago, estômago e intestino Observação das fezes Esôfago, estômago e intestino CCC Estágio de maturação Estudo - - Plotkin e Amos, 1990 20,6 - 42,7 Juvenil e sub-adulto Bjorndal et al., 1994 28-50 Juvenil Bugoni et al., 2001 30 - 60 Juvenil Guebert et al., 2004 40,5 - Mascarenhas et al., 2004 32,5 - 56 Juvenil Presente estudo Resíduos sólidos ingeridos A predominância dos plásticos é constatada em estudos relacionados à contaminação de resíduos sólidos nos ambientes marinhos e costeiros (Derraik, 2002; Do Sul & Costa, 2007), o que também foi constatado em estudos realizados no estado do Rio Grande do Sul (Wetzel, 1995; Pianowski, 1997; Santos et al., 2006; Do Sul e Costa, 2007). Trabalhos sobre a ingestão de resíduos sólidos por C. mydas também mostram que o plástico é a categoria mais encontrada (Plotkin & Amos, 1990; Bjordnal et al., 1994; Bugoni et al., 2001; Guebert et al., 2004). Embora alguns trabalhos indiquem que há uma seleção de itens por estes serem semelhantes às presas naturais por sua forma e cor (i.e. ingestão de sacolas plásticas confundidas com cnidários gelatinosos), o presente estudo não encontrou um padrão definido nos tipos de itens encontrados. A variedade dos tipos e cores dos itens ingeridos corrobora a hipótese de que existe pouca seletividade dos animais com respeito à ingestão de resíduos sólidos. A amplitude do número de itens em cada indivíduo (entre 3 e 134 itens por indivíduo) indica que a quantidade de resíduo ingerida também é variada. 24 Tartarugas marinhas ingerem uma ampla variedade de itens sintéticos (Balaz, 1985), inclusive sacolas plásticas, como foi observado em diversos estudos (Plotkin & Amos, 1990; Bjordnal et al., 1994; Tomás et al., 2002; Bugoni et al., 2001). Aparentemente, a seleção sacolas plásticas é mais bem definida para Dermochelys coriacea, espécie que tem como principal item alimentar as águas-vivas (Balazs, 1985). Fragmentos moles plásticos foram ingeridos por todas as tartarugas amostradas neste estudo e apresentaram o maior número de itens ingeridos. Contudo, não há evidência do predomínio deste tipo de item, visto que não houve diferença significativa entre o número de plásticos moles ingeridos e o número de plásticos rígidos, linhas e cordas de pesca. Bjordnal et al.(1994) constatou a morte de 2 tartarugas ocasionada por linhas de pesca, que devido ao seu comprimento, interferiu no funcionamento do trato gastrointestinal. Em amostragens realizadas na praia do Cassino nos anos de 2005 e 2006, os resíduos sólidos também foram divididos em categorias. Assim como os resultados deste estudo, os itens plásticos foram dominantes (68% do total) com maiores incidências de itens plásticos moles (25,5% do total) e itens plásticos rígidos (15,5%). Materiais de pesca foram a segunda categoria com 18,5% do total de itens amostrados. A proporção destes itens foi relativamente menor quando comparados aos itens ingeridos pelas tartarugas, provavelmente por causa da presença de pontas de cigarro e matéria orgânica, itens relacionados à atividade turística, que tiveram grande porcentagem no montante de itens amostrado na Praia do Cassino. A semelhança dos itens predominantes no ambiente e no trato gastrointestinal das tartarugas C. mydas pode indicar que quanto maior a quantidade de resíduos presente no ambiente, maior será a probabilidade dos animais ingerirem aquele tipo de item. Este fato é um possível indício de que os animais não possuam preferência por certos tipos de itens, podendo ingerir o que estiver disponível no ambiente. Quanto à coloração dos itens, houve predominância das cores branca (33%) e transparente (26%), apesar de não ter sido encontrada diferença 25 significativa na quantidade de itens ingeridos em cores claras e escuras. Em condições experimentais, foram oferecidos itens coloridos (azul, amarelo e rosa) e itens claros a tartarugas das espécies C. mydas e C. caretta (Lutz, 1990). As tartarugas ingeriram itens de todas as cores, embora as cores claras tenham tido a menor aceitação. Desta forma, a quantidade de cores dos itens ingeridos no presente estudo parece estar mais relacionada à disponibilidade destas cores no ambiente do que há uma possível seleção feita pelas tartarugas. Os resíduos sólidos amostrados nas tartarugas são compostos em sua maioria por itens fragmentados, o que geralmente impossibilita a identificação das prováveis fontes. Pode-se, entretanto, estimar a fonte de tipos específicos de itens, permitindo um diagnóstico aproximado da contribuição de fontes terrestres e marinhas na contaminação de tartarugas de uma região (Tabela 5). Para o presente estudo nenhuma conclusão pode ser tomada, já que os itens amostrados nos tratos gastrointestinais têm tanto fontes terrestres quanto marinhas. Porém acredita-se que, em áreas costeiras próximas a grandes centros urbanos, 80% dos resíduos sólidos tenham origem terrestre (Derraik, 2002). Sendo assim, tartarugas C. mydas estariam expostas não só aos resíduos sólidos produzidos no mar (proveniente das fontes marinhas), mas também aos resíduos sólidos de origem terrestre, uma vez que se alimentam em zonas costeiras, inclusive na Lagoa dos Patos (Soto & Beheregaray, 1997; Bugoni et al., 2003). Praias em épocas de veraneio são importantes fontes terrestres de resíduos sólidos para o meio marinho (Madzena & Lasiak, 1997). No Rio Grande do Sul, a época de veraneio estende-se principalmente entre os meses de dezembro e fevereiro, e o aumento da quantidade de resíduos já foi constado no litoral sul do estado (Wetzel et al., 2004). Para o presente estudo não foi encontrado um aumento no número de itens ingeridos pelas tartarugas após os meses de veraneio, pela análise dos indivíduos encontrados em 2006 e 2007. Isto possivelmente deve-se ao tempo de permanência dos itens no trato gastrointestinal das tartarugas marinhas variar de dias a meses (Lutz, 1990). 26 A ingestão de resíduos sólidos está relacionada às condições nutricionais dos indivíduos, quanto mais faminto maior a quantidade de resíduos ingerida pela tartaruga (Lutz, 1990), o que pode indicar que a costa do Rio Grande do Sul tenha carência na disponibilidade de alimentos para as tartarugas-verdes. Tabela 5: Tipos de item e suas prováveis fontes Fontes Tipos de item Fragmentos plásticos moles Fragmentos plásticos rígidos Terrestre Marinha x x x x x Esférulas plásticas x Borracha x x Balão x Canudos Espuma Pontas cigarro x x x x x Linha x Corda x Isopor x Rede x Carvão Outros Tecido x x x x x Papel 5.3. Relação das tartarugas marinhas com os resíduos sólidos ingeridos Os indivíduos amostrados são juvenis, classificados de acordo com o tamanho da carapaça (32,5 a 56 cm). Através do teste da correlação linear de Pearson, foi encontrada uma correlação positiva entre o CCC das tartarugas amostradas e o número de itens ingeridos. Também foi encontrada uma correlação positiva entre o CCC e o peso dos itens. Apesar de positivas, 27 as correlações encontradas foram muito fracas, sendo consideradas insignificantes. Não foi detectada correlações entre o peso dos animais amostrados (p>0,05, n=17) e ambos número e peso de itens ingeridos. Juvenis de tartarugas-verdes apresentam crescimento somático de até 2,5 cm por ano (Balazs & Chaloupka, 2004). Portanto, os indivíduos amostrados neste estudo possuem diferentes idades, e esta diferença não influenciou na quantidade de resíduos sólidos ingerida. No litoral do Rio Grande do Sul, as tartarugas da espécie C. mydas habitam águas costeiras e estudos mostram sua baixa seletividade com relação a sua alimentação (Bugoni et al., 2003), sendo omnívora - de hábitos tanto bentônicos como pelágicos - que é a transição entre a fase carnívora dos primeiros anos de vida com a fase herbívora dos indivíduos adultos. Por se alimentarem nos diferentes estratos do oceano, as tartarugas marinhas podem conseqüentemente ingerir os resíduos sólidos presentes na superfície, na coluna d’água e no fundo marinho (Plotkin & Amos, 1990). Os resíduos sólidos ingeridos pelas tartarugas deste estudo são predominantemente flutuantes (plásticos, materiais de pesca), porém itens flutuantes podem afundar pelo aumento do seu peso, resultante da absorção de água e outras substâncias (Lee et al., 2006). Além disto, itens considerados como flutuantes no meio marinho são comumente encontrados no fundo oceânico (Galil et al., 1995; Hess et al., 1999; Galgani et al., 2000). Desta forma, torna-se difícil concluir em que época a ingestão dos itens ocorreu. 5.4. Compartimentos do trato gastrointestinal Bugoni et al. (2001) reportou a ingestão de resíduos sólidos no esôfago e estômago de 60% das C. mydas analisadas também no estado do Rio Grande do Sul. Porém, é sabido que examinar somente os itens presentes no esôfago e estômago subestima a incidência de ingestão de resíduos sólidos 28 (Bjorndal et al., 1994). Omitindo os dados dos itens encontrados no intestino do presente estudo, a porcentagem de tartarugas com registro de ingestão cairia de 100% para 86% (25 das 29 tartarugas amostradas). Apesar disso, a freqüência de ingestão continuaria sendo maior que a freqüência observada por outros estudos da espécie C. mydas na costa Sul do Brasil (Bugoni et al., 2001; Guebert et al., 2004). A maior quantidade de resíduos sólidos foi encontrada no intestino (62%), assim como foi verificado por Tomás et al. (2002). Já foi registrado que uma vez atingindo o intestino, os itens podem ser excretados (Gramentz, 1988; Mascarenhas et al., 2004). É possível, inclusive, que alguns indivíduos examinados no presente estudo já teriam excretado itens presentes no intestino, uma vez que possuíam itens somente no esôfago e estômago. Em peso, só houve diferença significativa entre o peso dos itens do esôfago e do intestino, provavelmente pela ocorrência de pequenas quantidades de itens com baixa densidade, onde os pesos eram inferiores a 0,01g. Assim sendo, utilizar o peso dos itens para avaliar a ingestão de resíduos sólidos pode subestimar os resultados, sendo preferível utilizar o número de itens. O fato dos resíduos sólidos sofrerem fragmentação pode intensificar os efeitos subletais pelo aumento da superfície de contato dos resíduos com as paredes do trato gastrointestinal. Isto resulta em uma menor capacidade de absorção dos nutrientes pelos animais, ou seja, há aumento da diluição nutricional. Deve-se sempre quantificar o número de itens com cuidado para que não ocorra superestimação dos resultados, já que a fragmentação dos diferentes resíduos foi variada e ocorreu em todo trato desde o esôfago até o intestino. A passagem e a fragmentação dos itens dentro do trato gastrointestinal sugerem que a ingestão de resíduos sólidos tenha causado preferencialmente efeitos subletais nos animais analisados. Entretanto, a morte de 3 tartarugas ficou evidenciada pela completa obstrução do trato gastrointestinal, o que provavelmente provocou diretamente a morte dos animais. 29 6. Conclusão A alta freqüência de ingestão de resíduos sólidos pelas tartarugas analisadas corrobora com a hipótese da vulnerabilidade de indivíduos juvenis. A quantidade de resíduo ingerida também foi grande para a maioria dos indivíduos, resultando em uma alta média de itens ingeridos, embora alguns tivessem ingerido pequenas quantidades. Os itens plásticos foram ingeridos por todas tartarugas amostradas e representaram a maior parte dos itens ingeridos. Apesar do predomínio de itens plásticos (especialmente fragmentos moles), não ficou evidenciada a preferência por um tipo de item especifico. Para coloração também não foi encontrado um padrão definido devido a pouca diferença entre itens claros e escuros ingeridos. Possivelmente, as quantidades dos tipos de itens ingeridos e a suas colorações estejam mais relacionada à disponibilidade destes itens no ambiente. A fragmentação dos resíduos pode implicar na intensificação da diluição nutricional, uma vez que itens fragmentados possuem maior superfície de contato com as paredes dos órgãos e diminuem a absorção de nutrientes. Deste modo, os efeitos subletais podem ser ainda maiores quanto mais fragmentos estiverem presentes no trato gastrointestinal. O tamanho curvilíneo de carapaça (CCC) e o peso foram os dados biométricos retirados das tartarugas amostradas e não apresentaram uma forte correlação com a quantidade de itens ingeridos. Pela dificuldade em se determinar o número de tartarugas mortas por conseqüência da ingestão de resíduos sólidos, estima-se que a grande maioria dos resíduos ingeridos pelos indivíduos analisados tenha causado efeitos subletais. A morte de três tartarugas pode ser observada, mas acredita-se que o número de animais vítimas da contaminação por resíduos sólidos possa ser maior. 30 7. Referências bibliográficas Abu-Hilal, A.H. & Al Najjar, T. (2004). Litter pollution on the Jordanian shores of the Gulf of Aqaba (Red Sea). Marine Environmental Research 58, 39-63. Anon (1975). Plastic cups found in fish. Marine Pollution Bulletin 6, 148. Arnould, J.P.Y. & Croxall, J.P. (1995). Trends in entanglement of antarctic fur seals (arctocephalus- gazella) in man-made debris at South Georgia. Marine Pollution Bulletin 30, 707-712. Azzarello, M.Y. & Van Vleet, E.S. (1987). Marine birds and plastic pollution. Marine Ecology Progress Series 37, 295-303. 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