Modelo ACP - MPTO - Criação de Centro de Referência

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Modelo ACP - MPTO - Criação de Centro de Referência
11ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ARAGUAÍNA – TO
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ___VARA
DOS
FEITOS DA FAZENDA E REGISTROS PÚBLICOS DA COMARCA DE ARAGUAÍNA ESTADO DO TOCANTINS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS, por
seu Promotor de Justiça ao final assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e
legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 127, caput, e 129, III, CF/88
e 5º, caput da Lei n. 7.347/85, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA,
em desfavor de:
ESTADO DO TOCANTINS, pessoa jurídica de direito público interno, com sede
na Praça dos Girassóis, s/nº, em Palmas/TO, devendo ser citado na pessoa do Sr.
Procurador-Geral do Estado, que pode ser encontrado neste mesmo endereço;
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Av. Neif Murad, Chácara 47-A, Setor Noroeste, em Araguaína/TO, CEP: 77.800-000.
Tel.(Fax): (63) 3414 8509.
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MUNICÍPIO DE ARAGUAÍNA/TO, pessoa jurídica de direito público interno,
inscrito no CNPJ sob o n. 01.830.793/0001-39, representado pelo Prefeito Municipal,
podendo ser encontrado na sede da Prefeitura do Município (Palácio Tancredo
Neves), localizada na Rua 25 de Dezembro, n.° 265, centro, em Araguaína/TO;
Em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:
I- DOS FATOS
Diante da ausência de uma rede atendimento às mulheres vítimas de
violência, o Ministério Público instaurou o inquérito civil público n. 001/2012 (documento
anexo), através da Portaria 001/2012 da 11ª Promotoria de Justiça de Araguaína, para apurar a
omissão do Poder Público quanto a criação e funcionamento de Centro de Referência e Abrigo
públicos, em Araguaína/TO, para atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e
familiar.
O Município de Araguaína possui aproximadamente 150.000 (cento e
cinquenta mil) habitantes e tramitam mais de 2.000 (dois mil) feitos na Vara Especializada no
Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (certidão anexa), abrangendo
inquéritos policiais, ações penais e medidas protetivas de urgência.
A Delegada de Polícia titular da Delegacia Especializada no Atendimento
à Mulher em Araguaína/TO, Dr.ª Celina De Bonis, informou ao Ministério Público que “os
Centros de Referência e Abrigos Públicos se fazem absolutamente necessários nesta cidade,
pois estas, muitas vezes se veem em situação de risco ao voltar à seus lares diante da constante
ameaça à sua integridade física, se tornando um grande problema que é por muitas vezes sem
solução, pois muitas não tem onde ficar, sendo obrigadas à retornar e permanecer ao local
onde ocorreu a referida agressão e sem nenhuma proteção imediata”.
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A Coordenadora da equipe multidisciplinar na Vara Especializada no
Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Sr.ª Edna Régia Martins Leite
Teixeira, informou ao Ministério Público que “atende com frequência, Mulheres Vítimas de
Violência Doméstica e Familiar, as quais no momento do episódio, não dispõem de um local
especializado para abrigar-se após registrar o boletim de ocorrência”.
A gerente do CAPS-II (Centro de Atenção Psicossocial) de Araguaína/TO,
Dr.ª Ana Cláudia B. Pinheiro, comunicou que “Dentre as mulheres em atendimento psiquiátrico
no CAPS II de Araguaína, muitas são vítimas de violência doméstica, percebendo-se a
necessidade de Centro de Referência e Abrigo público, para acolhê-las neste momento de suas
vidas”. Em seguida, explicita a consequência da omissão dos réus: “Observa-se que, devido a
situação de extrema vulnerabilidade social, algumas mulheres acabam voltando para os
maridos ou agressores, pois não tem para onde ir, não trabalham e não tem como se sustentar”.
Segundo informações do Secretário Municipal de Desenvolvimento Social
e Habitação, Sr. Carlos Júnior Spegiorin Silveira, no ano de 2008 o Município de Araguaína
dispunha de “Centro de Referência e Atendimento à Mulher”, mas foi extinto sob o argumento
de que os atendimentos deveriam ser realizados pelo Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS). Naquele ano foi elaborado um “projeto para implementação da
“casa-abrigo para mulher” em Araguaína/TO”, que previa a capacidade de abrigamento de 15
(quinze) mulheres e 30 (trinta) crianças, lembrando que naquela oportunidade o Município
possuía aproximadamente 115.000 (cento e quinze mil) habitantes. Todavia, o projeto não foi
colocado em prática. Observa-se, portanto, que houve um retrocesso em Araguaína/TO quanto
ao atendimento especializado de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Esta
situação está em franca contradição com as diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento da
Violência contra a Mulher, coordenada pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para
Mulheres, da Presidência da República.
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O Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres prevê
a ampliação dos serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de
violência, o que inclui os Centros de Referência de Atendimento à Mulher e as Casas Abrigo.
Não obstante o Estado do Tocantins tenha assinado referido pacto em 02
de dezembro de 2008 e apontado Araguaína como Município polo, apenas o Município de
Palmas dispõe de Centro de Referência e Atendimento à Mulher e Casa abrigo, localizando-se há
aproximadamente 400 (quatrocentos) quilômetros desta cidade.
O Ministério Público buscou resolver a questão extrajudicialmente.
Inicialmente, oficiou os réus para atendimento da demanda em questão. O MUNICÍPIO DE
ARAGUAÍNA, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação, ignorando o que
determina a legislação pátria, informou que “...não tem condições legais de aderir tal
ajustamento porque o município abrange ações da gestão básica, e para realizar ajustamento
como o supra citado, seria necessário que Araguaína estivesse em Gestão Plena”. O ESTADO
DO TOCANTINS, por sua vez, informou que somente poderia implantar a rede de atendimento
com a parceria do MUNICÍPIO (documento anexo).
Em seguida, o Parquet designou duas reuniões para discussão sobre a
criação e implantação de Centro de Referência e Atendimento Especializado e Casa-abrigo para
mulheres em situação de violência doméstica. Ambas restaram infrutíferas (documentos anexos).
Por fim, alegando questões orçamentárias, o ESTADO DO TOCANTINS comunicou ao
Ministério Público que “...resta cabalmente demonstrado a inviabilidade, diante das
circunstâncias narradas, de pactuar ajuste de conduta, ante a ausência de recursos oriundos de
tesouro estadual e de convênios federais, bem como em virtude do aguardo da conclusão do
concurso público em andamento”.
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Ficou patente, portanto, durante a instrução do inquérito civil, que os réus
pretendem perpetuar a omissão ilícita quanto a criação e implantação de Centro de Referência e
Atendimento Especializado e Casa-abrigo, para mulheres vítimas de violência doméstica, não
restando ao Ministério Público outra alternativa senão buscar a devida tutela jurisdicional.
De fato, atualmente, as inúmeras mulheres vítimas de violência doméstica
e familiar em Araguaína/TO não estão sendo acolhidas para atendimento psicológico e social em
razão da ausência de um Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher.
Conforme já reconhecido pela própria gerência do CAPS-II, este não faz tal trabalho de forma
especializada. A equipe multidisciplinar, por sua vez, não assiste às ofendidas psicológica e
socialmente, pois seu trabalho se restringe a fazer um atendimento, vislumbrando a elaboração de
relatório para subsidiar os processos criminais que tramitam na Vara Especializada.
Da mesma forma, aquelas mulheres em estado de vulnerabilidade e que
correm risco de morte não estão sendo devidamente amparadas, diante da ausência de Casaabrigo em Araguaína/TO.
II- DO DIREITO
II.1- Do dever de proteção às Mulheres vítimas de violência doméstica.
A Lei n.° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) visa coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do artigo 226, da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, e
estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar.
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Nesse contexto, a Lei Maria Penha determinou que os Estados e
Municípios poderão criar e promover “centros de atendimento integral e multidisciplinar
para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar” e
“casas abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência
doméstica e familiar” (artigo 35);
A norma do artigo 35 do diploma legal supracitado deve ser entendida em
consonância com o § 1°, do artigo 3°, da mesma lei, que determina que “o poder público
desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das
relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, imprimindo, pois, o poderdever de promoção de políticas públicas voltadas à efetivação dos direitos humanos das
mulheres em situação de violência doméstica. Não se trata, desta feita, de uma faculdade, mas
um dever do Poder Público.
Os dispositivos da Lei Maria da Penha são corolário da norma do § 8°, do
artigo 226, da Constituição da República, pelo que o dever dos requeridos possui status
constitucional. Vale a transcrição: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações”.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher (1994), denominada Convenção de Belém do Pará, adotada pela Assembleia
Geral da Organização dos Estados Americanos em 06/06/1994, ratificada pelo Brasil em
27/11/1995, e promulgada pelo Decreto 1.973, de 01/08/1996, é expressa quanto ao dever de
proteção do Poder Público, notadamente quanto as políticas públicas em comento na presente
ação:
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“Artigo 8. Os Estados-Partes concordam em adotar, em forma progressiva,
medidas específicas, inclusive programas para:
…
d) aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento
necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos setores
público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda a
família, quando for o caso, e cuidado e custódia dos menores afetados;
…”
Vale mencionar que os tratados que versam sobre direitos humanos e não
foram submetidos ao procedimento do artigo 5°, §3°, da Constituição Federal, possuem status
supralegal na ordem jurídica brasileira, em consonância com o entendimento firmado pelo
Supremo Tribunal Federal no HC 90.172/SP.
Sendo assim, uma vez constatada a necessidade de Centro de
Atendimento Especializado e Abrigo para as mulheres vítimas de violência, o Poder Público
possui o dever de criar e fazer funcionar as políticas públicas mencionadas e, desta feita, garantir
a efetividade dos direitos humanos das mulheres.
Com efeito, a violência doméstica contra a mulher é considerada uma das
formas de violação dos direitos humanos, pelo que a presente ação não está tratando de apenas
mais alguns serviços públicos relevantes, mas da implementação de direitos humanos e
compromissos firmados pelo Brasil junto a comunidade internacional. É o que consta do artigo 6°
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica acima
citada: “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de
violação dos direitos humanos”. Daí a imposição da Lei Maria da Penha concernente à
implementação de políticas públicas (art. 3°, §1°, acima citado).
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Sobre o tema, ensina Maria Berenice Dias:
“A violência frequentemente está ligada ao uso da força física, psicológica ou
intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não quer. Constranger,
impedir que outro manifeste sua vontade, tolhendo sua liberdade, é uma forma
de violação dos direitos essenciais do ser humano. A relação de desigualdade
entre o homem e a mulher, realidade milenar que sempre colocou a mulher em
situação de inferioridade lhe impondo a obediência e a submissão, é terreno
fértil à afronta ao direito à liberdade. A liberdade é reconhecida como a
primeira geração dos direitos humanos, direito que é violado quando o homem
submete a mulher ao seu domínio. Também não há como deixar de reconhecer
nesta postura afronta aos direitos humanos de segunda geração, que consagra o
direito à liberdade. De outro lado, quando se fala nas questões de gênero, ainda
marcadas pela verticalização, é flagrante a afronta à terceira geração dos
direitos humanos, que tem por tônica a solidariedade”.1
Cabe salientar que o estágio atual da teoria da Constituição, concebido
como neoconstitucionalismo, tem como um de seus pilares a dimensão objetiva dos direitos
fundamentais, corolário do Estado Social e Democrático de Direito.
Assim, mesmo os direitos fundamentais de primeira geração exigem do
Poder Público ações positivas (e não apenas abstenção) para a sua efetivação, diante dos deveres
de proteção que possui perante os indivíduos, sempre vislumbrando a dignidade da pessoa
humana. Imprescindível lembrar que a Constituição da República elegeu a dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos da República.
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DIAS, Maria Berenice. A lei maria da penha na justiça. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 32.
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Também como fundamento da República, consta da Constituição
brasileira, a cidadania. Como é cediço, a cidadania não é apenas concebida atualmente como a
garantia dos direitos políticos, mas está intrinsecamente ligada à efetivação dos direitos
fundamentais.
Assim delineada a questão, não pode o Poder Judiciário ficar inerte diante
da situação atual de descaso quanto aos direitos humanos das mulheres. Por oportuno, diante da
magnitude do problema, que versa sobre a possibilidade a atuação do Judiciário na formulação de
políticas públicas voltadas à preservação de direitos da cidadania, conveniente citar os seguintes
precedentes do egrégio Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO
DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA
CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO
PROGRAMÁTICAS.
EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS
CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério
Público do Estado de Santa Catarina tendo vista a violação do direito à saúde de mais de 6.000
(seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e
deficiente em hospital infantil daquele Estado.
2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e
do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto
da Criança e do Adolescente: "Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e
à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. " "Art. 11. É
assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde,
garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde." 3. Violação de lei federal.
4. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida
mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que
cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no
papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares,
Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos
consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação
sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo,
porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse,
foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do
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adolescente é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se
define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
5. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo
da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição
consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo
certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse
direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco
enseja a propositura da ação civil pública.
6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do
judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador
frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é
vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a
proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da
República, não pode relegar o direito à saúde das crianças a um plano diverso daquele que o
coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar
resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.
Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância
revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a
normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito
consagrado no preceito educacional.
9. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas
de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da
oportunidade de sua implementação.
10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma
infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para
isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.
11. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e
atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no
estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim,
a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que
cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.
12. O direito do menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a
desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de
espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio
da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de
ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana.
13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público,
prosseguir-se no processo até o julgamento do mérito.
(REsp 577.836/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2004,
DJ 28/02/2005 p. 200)
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE, AOS MENORES
DE ZERO A SEIS ANOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO.
PRECEDENTES DESTA CORTE E DO COLENDO STF.
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1. O acórdão embargado reconheceu, ex officio, a ilegitimidade do Ministério Público para, via
ação civil pública, defender interesse individual de menor, visto que, na referida ação, atua o
Parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas
as crianças do Município para terem assistência educacional, configurando a ilegitimidade
quando a escolha se dá na proteção de um único menor.
2. “Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e
ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder
Judiciário” (AgReg no RE nº 463210/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de
03/02/2006).
3. “A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às
crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa
do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208,
IV). Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta
significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar
condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças de zero a seis
anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de préescola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar,
injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal
que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se
como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a
avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de
puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino
fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato
constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei
Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade políticoadministrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em
creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo
de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole
social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de
formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário,
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas
definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos
que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão
pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina.” (AgReg no RE nº 410715/SP, 2ª Turma, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, DJ de 03/02/2006) 4. Legitimidade ativa do Ministério Público
reconhecida.
5. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.
6. Embargos de divergência conhecidos e providos.
(EREsp 485.969/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
23.08.2006, DJ 11.09.2006 p. 220)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO. SERVIÇO
ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA. PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA.
DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTOEXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR.
INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.
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1. Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço essencial, imprescindível à
manutenção da saúde pública, o que o torna submisso à regra da continuidade. Sua
interrupção, ou ainda, a sua prestação de forma descontinuada, extrapola os limites da
legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão
necessita utilizar-se desse serviço público, indispensável à sua vida em comunidade.
2. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida
mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso
cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no
papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares,
Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos
consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação
sejam relegados a segundo plano. Trata-se de direito com normatividade mais do que
suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
3. Em função do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a todo direito
corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todos os cidadãos residentes em
Cambuquira encartam-se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e
transindividualidade do mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública.
4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do
judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador
frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é
vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
5. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a
proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da
República, não pode relegar a saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como
uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
6. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar
resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.
7. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas
de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da
oportunidade de sua implementação.
8. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma
infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para
isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.
9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e
atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no
estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim,
a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que
cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.
10. "A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde pública e o meio ambiente."
Ademais, "A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados como
serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência do grupo social e do próprio
Estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da comunidade, conforme
estabelecem os arts. 10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta
natureza são regidos pelo PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE." 11. Recurso especial provido.
(REsp 575.998/MG, Rel. Ministro
LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em
07/10/2004, DJ 16/11/2004 p. 191)
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Na mesma linha adotada pelo STJ, o Supremo Tribunal Federal,
guardião da Constituição da República e, por conseguinte, dos Direitos da Cidadania, decidiu
que o Poder Judiciário, nos casos de omissão inconstitucional dos Poderes Executivo e
Legislativo, pode formular políticas públicas de proteção aos direitos fundamentais, senão
vejamos:
CONSTITUCIONAL. ATENDIMENTO EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA.
I. - Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e
ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder
Judiciário.
II. - Agravo não provido.”
(AgReg no RE nº 463210⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 03⁄02⁄2006)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO
ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER
JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO
MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO.
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às
crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa
do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208,
IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação
social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições
objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de
idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola,
sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente,
por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o
próprio texto da Constituição Federal.
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se
expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da
Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.
- Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil
(CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que
representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes
municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208,
IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples
conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
- Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de
formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário,
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas
definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos
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que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão
pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina.”
(AgReg no RE nº 410715⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 03⁄02⁄2006)
Em arremate, cabe destacar a emblemática Argüição de Descumprimento
de Preceito Fundamental n.º 45, relatada pelo Ministro Celso de Mello, ocasião em que a
Suprema Corte discorreu sobre os contornos políticos da jurisdição constitucional na
implementação de políticas públicas tendentes a concretizar direitos sociais (liberdades
positivas), concluindo, ao final, que é dever do Judiciário tutelar os direitos fundamentais
não efetivados primariamente pelo Executivo e Legislativo, quando restar configurado o
abuso estatal.
Diante da magnitude que o julgamento da ADPF n. 45 representa para a
história constitucional brasileira, vale citar a ementa redigida pelo Ministro Celso de Mello:
“EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A
QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA
INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE
GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO
ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E
CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO
LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO
POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA
INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO
“MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES
POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)”.
Celso de Mello, na ADPF n.º 45, adverte que o Judiciário “não pode
demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e
culturais – que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades
positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena
de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de
modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional”.
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Por derradeiro, vale trazer à baila a admoestação conclusiva do Ministro
Celso de Mello:
“Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas
a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo,
cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação
do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara
intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e
culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um
abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um
conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à
própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já
enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a
possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso
aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”.
Todo esse arcabouço principiológico respalda a tutela jurisdicional
buscada nesta ação.
II.2- Da solidariedade legal dos réus.
No ordenamento jurídico brasileiro a solidariedade decorre da lei ou da
vontade das partes. É o que consta do artigo 265, do Código Civil: “A solidariedade não se
presume resulta da lei ou da vontade das partes”.
No caso presente, ou seja, a obrigação de criação e implementação de
políticas públicas para atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica, especialmente
um Centro de Referência e Atendimento à Mulher e Casa-abrigo, a solidariedade entre o
MUNICÍPIO e o ESTADO decorre da lei. É o texto expresso do artigo 35, da Lei n.º
11.340/2006:
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“Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar
e promover, no limite das respectivas competências:
I- centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e
respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II- casas abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação
de violência doméstica e familiar;
...”
A União vem fazendo a sua parte, visto que criou, ligada à Presidência da
República e com status de Ministério, uma Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres,
desenvolveu um Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e o Pacto Nacional pelo
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Assim, recursos públicos e orientação técnica
estão disponíveis, bastando os entes federados firmarem os convênios respectivos.
Ocorre que os réus, ESTADO e MUNICÍPIO, na esfera de suas
competências, sequer estão dispostos a arcar com os custos de manutenção e recursos humanos
para a implementação das políticas públicas, omitindo-se ilicitamente.
II.3- Da competência da Vara dos Feitos da Fazenda Pública.
A Vara dos Feitos da Fazenda Pública é a competente para o processo e
julgamento da presente demanda. Com efeito, dispõe a Lei Complementar Estadual n.° 10, de 11
de janeiro de 1996 (Lei de Organização Judiciária do Tocantins):
“Art. 25. Integram as comarcas as seguintes varas judiciárias, juizados e diretorias:
…
§ 2º. Na Comarca de Araguaína:
…
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VII - duas varas dos feitos das fazendas e registros públicos;
…
Art. 41. Compete ao juiz de direito ou ao seu substituto:
…
II - no juízo da Fazenda Pública Estadual e Municipal, processar e julgar: a) as
causas cíveis de jurisdição contenciosa ou voluntária, ações populares, inclusive
as trabalhistas onde não houver Junta de Conciliação e Julgamento, em que o
Estado do Tocantins ou Município, suas autarquias, empresas públicas e
fundações por eles instituídas forem autoras, réus, assistentes ou terceiros
intervenientes, e as que lhes forem conexas ou acessórias;”
A Lei n.° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não alterou a competência
das Varas da Fazenda Pública, prevista na Lei Orgânica do Poder Judiciário, o que representaria
interferência indevida na esfera de poder do Estado, ofendendo a separação de poderes e o pacto
federativo.
Além disso, a presente causa não decorre da prática de violência
doméstica e familiar contra a mulher, mas sim da omissão ilícita dos réus na efetivação de
políticas públicas tendentes a resguardar os direitos fundamentais das mulheres vítimas de
violência doméstica, pelo que não incide o artigo 14, da Lei Maria da Penha.
A competência seria da Vara Especializada no Combate à Violência
Doméstica e Familiar contra Mulher somente mediante a existência de lei estadual de iniciativa
do Poder Judiciário do Estado do Tocantins atribuindo a ela o processo e julgamento de ações
para a defesa dos interesses e direitos transindividuais das mulheres.
III- DA TUTELA ANTECIPADA
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Na hipótese presente estão caracterizados os requisitos para o deferimento da tutela antecipada, nos termos do artigo 273, do Código de Processo Civil.
Com efeito, os elementos probatórios colhidos na instrução do inquérito
civil demonstram claramente a ocorrência dos fatos apresentados como causa de pedir,
consubstanciando a verossimilhança das alegações. Notadamente, existe a necessidade da criação
e implementação de Centro de Referência e Atendimento à Mulher vítima de violência
doméstica, bem como Casa-abrigo. Entretanto, ESTADO e MUNICÍPIO se omitem fazê-lo.
Também há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, que
impõe a necessidade de deferimento de liminar para resguardar a integridade física e moral das
mulheres vítimas de violência. Diariamente estão sendo praticados crimes em situação de
violência doméstica e familiar contra a mulher e as vítimas precisam ser protegidas pelo Estado.
A situação atual revela-se insustentável. A omissão ilícita dos réus não se perpetuar, mormente
considerando que a Vara Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar desta
Comarca contra com mais de 2.000 (dois mil) feitos (certidão anexa).
IV- DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
Ante o exposto, visando resguardar os direitos fundamentais das
mulheres vítimas de violência doméstica, o MINISTÉRIO PÚBLICO pede:
1) A concessão da TUTELA ANTECIPADA para determinar ao
ESTADO DO TOCANTINS e ao MUNICÍPIO DE ARAGUAÍNA as seguintes obrigações de
fazer, consistentes em, no prazo de 06 (seis) meses, criar e fazer funcionar: 1.1- um Centro de
Referência de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes
em situação de violência doméstica e familiar, com espaço físico, recursos materiais e humanos
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necessários, com no mínimo um(a) psicólogo(a), um(a) assistente social, um(a) assistente
administrativo(a), vislumbrando o acompanhamento psicológico e social das vítimas e 1.2- uma
Casa-abrigo para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência
doméstica e familiar, com espaço físico, recursos materiais, humanos e condições de segurança
necessários, e capacidade de atendimento de no mínimo 15 (quinze) mulheres e 15 (quinze)
crianças, vislumbrando o acolhimento provisório de vítimas que correm risco de morte e se
encontrem em situação de vulnerabilidade;
2) Seja fixada, já na concessão da tutela antecipada, multa diária à base
de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para casa réu, em caso de descumprimento da medida judicial
determinada, e multa diária de R$1.000,00 (um mil reais), que deverá incidir sobre as pessoas
do Governador do Estado, Prefeito Municipal e Secretário Estadual de Justiça e Direitos
Humanos;
3) Ao final, seja julgado procedente o pedido, condenando-se os
requeridos em obrigações de fazer, consistentes em criar e fazer funcionar: 3.1- um Centro de
Referência de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos
dependentes em situação de violência doméstica e familiar, com espaço físico, recursos
materiais e humanos necessários, com no mínimo um(a) psicólogo(a), um(a) assistente
social, um(a) assistente administrativo(a), vislumbrando o acompanhamento psicológico e
social das vítimas e 3.2- uma Casa-abrigo para mulheres e respectivos dependentes
menores em situação de violência doméstica e familiar, com espaço físico, recursos
materiais, humanos e condições de segurança necessários, e capacidade de atendimento de
no mínimo 15 (quinze) mulheres e 15 (quinze) crianças, vislumbrando o acolhimento
provisório de vítimas que correm risco de morte e se encontrem em situação de
vulnerabilidade; sob pena de multa diária à base de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para casa
réu, em caso de descumprimento da medida judicial determinada, e multa diária de
R$1.000,00 (um mil reais), que deverá incidir sobre as pessoas do Governador do Estado,
Prefeito Municipal e Secretário Estadual de Justiça e Direitos Humanos
Para tanto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:
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a) Seja determinada a citação dos requeridos para oferecer resposta no
prazo legal, sob pena de revelia e confissão ficta, imprimindo-se ao feito o rito ordinário previsto
no Código de Processo Civil;
b) Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova em
direito admitidos, requerendo-as, desde já, ad cautelam, notadamente a oitiva de testemunhas,
juntada de novos documentos, perícias e o mais que se fizer necessário à perfeita elucidação dos
fatos;
c) Requer, pois, a juntada dos documentos anexos, tratando-se dos autos
de inquérito civil público n.° 001/2012, com 94 (noventa e quatro) folhas.
Em virtude de expressa previsão legal de dispensa de custas, tanto para o
demandante quanto para o demandado, e da vedação constitucional ao recebimento de
honorários advocatícios por parte do Ministério Público, deixa-se de postular nesse sentido.
Apesar de inestimável, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil
reais).
Nestes termos,
P. Deferimento
Araguaína, 24 de setembro de 2012.
Ricardo Alves Peres
Promotor de Justiça - TO
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