O TRIUNFO DE PROMETEU ? – A “NOVA HUMANIDADE” E A

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O TRIUNFO DE PROMETEU ? – A “NOVA HUMANIDADE” E A
IDEIAS À SOLTA
RANDOM THOUGHTS
IDEIAS À SOLTA
RANDOM THOUGHTS
O TRIUNFO DE PROMETEU ?
– A “NOVA HUMANIDADE”
E A UNIVERSIDADE DA SINGULARIDADE
LUÍS SÁ CUNHA
Ninguém tem hoje dúvidas de que
estamos na rampa de acesso a uma
nova Era da humanidade, e todos
os dias somos surpreendidos com
notícias em avalanche vertiginosa
de novas descobertas, invenções,
progressos e conquistas nas áreas
da ciência em geral e das inovações
tecnológicas. Por vezes aflora à nossa
consciência o cenário de estarmos
imersos num mundo transformado num
gigantesco laboratório, onde gurus do
esplendoroso futuro não só nucleiam
equipas transdisciplinares
de arrojadas inovações, mas, mais
ainda, sopram as trombetas da
concretização final de profecias
ou possibilidades utópicas antes
imaginadas ou prometidas em mitos ou
mitemas do património espiritual
da humanidade.
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Nos mitos mais marcantes da memória
ocidental, na saga de Prometeu
ou na narrativa da queda de Adão
e Eva do Génesis, o Homem, moldado
em barro e água, roubou o fogo
da mais alta potência divina, mas
agrilhoou-se ao destino de padecer a
pulsão satânica que o moveu. Eis
então a sua condenação: escravizado,
ei-lo na busca de remédios e vias
de libertação do trabalho, do erro
e da doença, para em interminável
périplo caminhar da inocência nocente
à “nocência” inocente, enfim libertado
e reintegrado no Paraíso, cumprindo
a promessa serpentina de “vós sereis
deuses”. Eis o que se anuncia para
os tempos próximos futuros, entre o
polemikos dos entusiastas, possibilistas
e cépticos e contraditores, tudo
centrado na ciência ou conhecimento
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e nas instituições vocacionadas para
as operações “adunativas”
das variedades disciplinares:
as Universidades. Eis a Universidade
de novo no esplendor da sua mais
essente vocação, e não será por acaso
que o desbravamento e pioneirismo
de novos caminhos vem cabendo
simbolicamente à Universidade da
Singularidade (US) que, de qualquer
forma, ficará na História como
referência desta etapa da revolução do
conhecimento humano, e que convém
ter presente, não forçosamente como
modelo de universidade a reproduzir,
mas como farol de sinalizações,
tratando-se da ponta de cume de uma
pirâmide cujas pedras básicas são
todos os centros de investigação
e laboratórios e universidades
a progredir em todo o mundo.
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IDEIAS À SOLTA
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Singularidade é palavra já consagrada
que figurará crescentemente nos
tomos de todas as enciclopédias,
referida a esta fase dos progressos
do conhecimento e associada às
noções de extraordinário, especial,
desconhecido, contidas nos “buracos
negros” dos parâmetros de tudo
o que é cognoscível até ao presente.
Anda em geral acoplada à palavra
tecnologia, porque se trata
em concreto da hipotética criação
de tecnologias de uma ordem superior,
capazes de abrir um corredor
de inteligências artificiais,
ou supra-inteligências, estas mesmas
com potencialidade de exponenciação
progressiva da inteligência. Isto é,
criar inteligências artificiais superiores
à humana, inaugurando uma era
de “transumanidade”.
IDEIAS À SOLTA
Segundo Alexandre Lacroix
(Singularité en Californie), o conceito
de singularidade tecnológica foi
lançado numa famosa comunicação
de Vernor Vinge, matemático e autor
de ficção científica, durante um
colóquio organizado pela NASA
em 1993: “The coming Singularity:
How to Survive in the Post-Human
Era”. Fazendo analogia com a teoria
da relatividade geral, que designa os
buracos negros como singularidades
gravitacionais, quer dizer objectos de
uma densidade infinita na proximidade
dos quais as leis da física tradicionais
são abolidas, Vinge considera que irá
surgir em breve um acontecimento
de maior escala, a singularidade
tecnológica e que a partir de aí todas
as leis da História Humana vão ser
alteradas. Em que consiste este
evento, “duma importância comparável
à aparição da vida humana?” Os
humanos vão de forma iminente
– isto é antes de 2030, a crer em Vinge
– “criar através da tecnologia uma
entidade mais poderosa do que
a inteligência humana”.
Mas o início ou embrião desta
proposta de singularidade radica na
probabilidade de evolução exponencial
da tecnologia, apresentada numa
“histocarta da evolução” por John B.
Sparks em 1932 e retomada por um
dos principais gurus da exponenciação
e pedra basilar da Universidade da
Singularidade, Ray Kurzweil, estribado
em gráficos algorítmicos de listas
diferentes de acontecimentos da
história humana que punham em
evidência a tendência exponencial
(listas preparadas por Carl Sagan,
Paul D. Boyer, Enciclopedia Britância,
American Museum of Natural History,
etc.). Kurzweil escreve que em razão da
mudança de paradigma, a tendência
do crescimento exponencial abrange
os circuitos integrados até aos
recentes transístores, retransmissões
radiofónicas, computadores
electromecânicos etc..
A ideia de singularidade tecnológica
foi também perspectivada por John
Von Neumann nos anos 50, como
relata Stanislaw Ulam: “Uma das
conversas tinha por tema a aceleração
constante do progresso tecnológico,
as mudanças do modo de vida
humano, que parece reaproximar-nos
duma singularidade fundamental da
história da evolução da espécie, para
além da qual a actividade humana,
tal como a conhecemos, não poderia
prosseguir”. Ray Kurzweil inspirou-se
aí para delinear um gráfico progressivo
onde um supercomputador será mais
potente do que um cérebro humano,
podendo simulá-lo a partir daí em
inteligência artificial.
Também, para dar mais um exemplo,
Irving John Good descrevia em
1965 um conceito de singularidade
confluente com o referido da actual
acepção: “Suponhamos que uma
máquina superinteligente seja capaz
em todos os domínios das actividades
intelectuais de ultrapassar um humano,
o mais brilhante que ele seja. Como
a concepção de tais máquinas é uma
destas actividades intelectuais,
uma máquina superinteligente
poderia conceber máquinas ainda
mais potentes; haveria então sem
dúvida uma explosão de inteligência
sendo a inteligência humana
rapidamente ultrapassada. Assim,
a invenção da primeira máquina
superinteligente é a última invenção
que o Homem tem necessidade
de realizar”.
Temos vindo a concentrar a perspectiva
neste aspecto, uma vez que nele
reside sobretudo o cerne das grandes
potencialidades da singularidade,
incluídas as possibilidades de
actualização da transumanidade
e, consequentemente, do alcance
do prolongamento da vida humana
sem limite calculável. É aqui que
toda a teorética do optimismo
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singularista é posta em questão e
contestada. Enquanto os futurólogos
transumanistas projectam os cálculos
de concretização da inteligência
artificial para os anos 30 deste século,
outros criticam a sua falta de solidez
científica catalogando-os no campo da
ficção utópica, divergências opiniosas
que veremos na continuação desta
abordagem.
LIBERDADE, DESIGUALDADE,
IMORTALIDADE
Eis a nova trilogia revolucionária
proposta já para a grande onda da
inovação tecnológica sob o ideal
transumanista cultivado em Silicon
Valley, campus da Universidade da
Singularidade e cuja singularidade nos
causa um épico arrepio. Porque se não
estamos já nos umbrais de uma nova
Humanidade, estamos certamente
na rampa prometeica ou genesíaca
da libertação do trabalho, isto é,
da escravatura, e da dor e
da doença, de serviços tecnológicos
de execução das tarefas
do dia-a-dia, de concretização de
inteligência artificial e do corpo artificial,
de deflagração de incalculáveis
potencialidades lúdicas e culturais.
“Na Universidade da Singularidade nós
ajudamos a criar o futuro” - será talvez
o mais realista e positivo slogan da
instituição, mas que inclui dimensões
perturbantes. Animada do projecto
utópico de uma confusão crescente
entre a máquina e o homem, a US
busca melhorar progressivamente as
gerais condições da Humanidade. Este
movimento, que tem tido visibilidade e
consideração crescente, protagonizado
por Ray Kurzweil, autor de “The Age
of Spirirual Machines”, hoje director
de engenharia da Google e por
Peter Diamandis, físico, fundador
da International Space University,
visa a conjugação transdisciplinar
das mais avançadas tecnologias já
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RANDOM THOUGHTS
referidas como NBIC – Nanotecnologia,
Biotecnologia, Informática (inteligência
artificial) e Ciências Cognitivas, para
salvar o mundo e salvar os homens.
Nos seus objectivos cabe tudo o que
encerra a imaginação e as aspirações
do Homem. O futuro de um mundo
de robots e a “morte da morte”
ou prolongar-nos a vida tanto que
queiramos matar o tédio de sermos
robots imortais, na morte. Automóveis
sem condutores (da Google, já à
vista), solução da escassez da água
potável no planeta, desenhos de
casas impressas a três dimensões
construíveis em dois dias, ou de órgãos
a implantar no corpo humano, nano
partículas de detecção de células
cancerígenas em estado precoce, a
solução para todas as necessidades
de energia através da energia solar,
retardamento do envelhecimento
celular, etc.. Eis uma cornucópia de
benesses prestes a serem esbanjadas
sobre uma humanidade expectante.
De uma coisa estaremos desde já
certos: no ventre deste futuro próximo
vertiginoso e fascinante está em
geração um homem novo, uma nova
sociedade, uma nova organização
social, novas políticas, novos códigos
de ética. É para este admirável mundo
novo que as novas, diria já, as actuais
gerações têm que ser preparadas,
agentes passivos ou líderes dos
novos jogos políticos e económicos,
é para esta realidade nova que as
universidades têm que perspectivar
novas visões e esboçar respostas,
porque o futuro pertence sempre
a quem o sabe prever e antecipar.
Mesmo recentemente inovado,
todo o ensino será, em breve,
tradicional. E o modelo será
a originalidade de cada escola,
a singularizar-se.
•
(Iremos a aprofundar alguns destes
temas em continuação)
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