O Nosso Senhor (do) Bomfim O ano de 2005 terminou com uma
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O Nosso Senhor (do) Bomfim O ano de 2005 terminou com uma
O Nosso Senhor (do) Bomfim O ano de 2005 terminou com uma baixa para o design brasileiro. Não contamos mais com a reflexão, os textos primorosos, a presença altiva e o humor refinado e irônico (as vezes sarcástico) de Gustavo Amarante Bomfim. Na verdade, contaremos sempre. Quem assistiu a uma de suas aulas, ou presenciou suas falas em congressos, certamente não há de esquecer. Seus textos hão de estar sempre presentes nas mais diversas referências bibliográficas da área. Nos últimos anos era professor da graduação e da pós-graduação da PUC-Rio, tendo antes lecionado nas universidades federais de Campina Grande e do Recife. Sua área de concentração era a Estética, e sua reflexão estava voltada para a possibilidade de se constituir uma Teoria do Design. Por ter vivido a prática de projeto, antes de se tornar um teórico, Gustavo via com clareza que a praxis (o específico) fornece a crítica para a teoria (o geral). E a teoria, fornece a fundamentação para a prática, numa troca cíclica de indução e dedução. A interpretação teórica e crítica da realidade é um processo certamente tão antigo quanto a capacidade do homem em agir e refletir sobre seu meio, o que caracteriza o próprio surgimento da espécie humana. Uma vez formulada, uma teoria também passa a fazer parte da realidade, ou seja, significado (teoria) e significante (realidade) têm, em última instância, o mesmo estatuto, são construção do ser, e assim, demandam outro discurso que as legitime ou as conteste. (Bomfim: apontamentos da cadeira de Teoria e Crítica do Design. PUC-Rio, 2002) Graduado pela Escola Superior de Desenho Industrial - ESDI, 1975, Gustavo foi dos primeiros designers a fazer o mestrado (1978), e dos primeiríssimos a obter o grau de doutor. Aliás, o genuíno Ph.D: philosophiae doctor. Ainda mais genuíno, por ter sido na Alemanha (Bergische Universität Wuppertal) e, como disse Caetano, com total concordância de Gustavo: “só é possível filosofar em alemão”… Mesmo assim, encontrava palavras simples para falar do imponderável e do subjetivo: Poucos se referem a Estética enquanto campo do saber, mas todos encontrarão algo a que se possa atribuir uma qualidade estética. A Estética, enquanto ciência, se vale de procedimentos dedutivos e indutivos para enunciar leis, princípios, normas, critérios e valores, embora esses enunciados não possam ser mostrados (como na física) ou demonstrados (como na matemática), ou seja, sobre eles pode haver apenas assentimento ou consenso. (Bomfim: apontamentos da cadeira A Estética da Sociedade Industrial. PUC-Rio, 2002) Desde a sua dissertação do mestrado em Engenharia de Produção na COPPE/UFRJ, com o tema Desenho industrial: proposta para reformulação do currículo mínimo, Gustavo passou a tomar parte de todas as discussões relevantes sobre o ensino de design no país, chegando a ser avaliador, pela Capes, das escolas de design brasileiras. Seu mestrado resultou também , em parceria com a designer Lia Mônica Rossi, na apostila de Metologia de Projeto que foi, seguramente, a primeira publicação didática brasileira para a área de design. Comprei tal apostila no meu segundo ano da ESDI (1980). Desde então seu nome passou a ser uma referência para mim. Lembro de sua presença em vários congressos e principalmente de uma certa emoção por dividir com ele, em 1988, a mesa final do 5º ENDI (Encontro Nacional de Desenhistas Industriais), cujo tema era “Caos – A discussão da criação”. A seguir, nossos textos dividiram, também, o mesmo espaço da Revista Design & Interiores. Gustavo foi, então, minha escolha imediata como orientador no Mestrado em Design da PUC. Nas páginas iniciais da dissertação, agradeço àquele que era meu modelo acadêmico, muito antes de ser meu professor, pelos momentos de cumplicidade, ao longo do curso, e pela flexibilidade com que me permitiu usar uma linguagem pouco acadêmica no trabalho. No volume que o entreguei, em manuscrito lhe agradeci por ter me permitido ser “abusada”. Era assim que se referia a mim… Ser abusada significava, eu acho, não seguir à risca as suas recomendações. Se ele não gostava, respeitava a minha attude, pois na minha defesa, citando tal agradecimento, também me agradeceu por ser abusada. Assim ele me permitiu crescer. Vista agora, o valor desta convivência tornou-se precioso. Que os caminhos que você abriu tenham cada vez mais seguidores. Abusados. Olhai por nós, Senhor Bomfim! Isabella Perrotta