2 Vol XV 2006 - Revista Nascer e Crescer

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2 Vol XV 2006 - Revista Nascer e Crescer
NASCER E CRESCER
Vol. 15, nº 2, Junho 2006
15
2
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia
Ano | 2006 Volume | XV Número | 02
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2006, vol XV, n.º 2
número2.vol.XV
63 Editorial
Sílvia Álvares
65 Artigos Originais
Perfil Lipídico, Prevalência de Obesidade e Hábitos Alimentares
de uma População de Adolescentes
Claudia Ferraz, Georgeta Oliveira, Sérgia Soares,
Elizabeth Marques, Miguel Costa, Teresa Neto
71
Técnicas dialíticas na insuficiência renal aguda
Sandra Rocha, Antonio Aguilar, Conceição Mota, M. Sameiro Faria,
Teresa Costa, Carmen Carvalho, Fernanda Marcelino,
Céu Mota, Paula Rocha, Elói Pereira, Carlos Duarte
77 Artigo Recomendado
Tojal Monteiro
80 Perspectivas Actuais em Bioética
Liberdade e Responsabilidade na Procriação Medicamente Assistida
Helena Maria Vieira de Sá Figueiredo
de Pediatria Inter Hospitalar
85 Ciclo
do Norte
Hiperplasia da Supra-renal complicada de Puberdade Precoce Central
– caso clínico
Anabela Bandeira, Helena Cardoso, Teresa Borges
88
Osteomielite Aguda Neonatal - localização rara
Cecília Martins, Raquel Guedes, Nise Miranda, Rui Pinto, Conceição Quintas
91
Pseudo-Obstrução Intestinal – caso clínico
Carla Teixeira, Rosa Lima, Helena Ferreira, Mónica Recaman,
Esmeralda Martins,Ana Ramos, Luisa Oliveira, Herculano Rocha
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ano 2006, vol XV, n.º 2
97
Qual o seu Diagnóstico?
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
99
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
101
Imagens
Filipe Macedo
103
Genes, Crianças e Pediatras
C. Dias, M. Mota-Freitas, Alberto Costa, M. Reis-Lima
105
Pequenas Histórias
Um Bolo Amaldiçoado
Margarida Guedes
106
A Criança, A Família e a Comunidade
Memórias… de há vinte anos
Elizabete Borges
110
XVIII Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia - Programa
IX Jornadas de Cardiologia Pediátrica - Programa
Notícias
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revista do hospital de crianças maria pia
summary
ano 2006, vol XV, n.º 2
number2.vol.XV
63
Editorial
Sílvia Álvares
65
Original Articles
Lipide Profile, Prevalence of obesity and Dietary Habits
– Population of Adolescents
Claudia Ferraz, Georgeta Oliveira, Sérgia Soares,
Elizabeth Marques, Miguel Costa, Teresa Neto
71
Dialysis Therapy in Acute Renal Failure
Sandra Rocha, Antonio Aguilar, Conceição Mota, M. Sameiro Faria,
Teresa Costa, Carmen Carvalho, Fernanda Marcelino,
Céu Mota, Paula Rocha, Elói Pereira, Carlos Duarte
77
Recommended Article
Tojal Monteiro
80
Current Perspectives in Bioethics
Liberty and responsibility in Medically Assisted Procreation
Helena Maria Vieira de Sá Figueiredo
85
Congenital Adrenal Hyperplasia Complicated by Central Precocious Puberty
– clinical case
Anabela Bandeira, Helena Cardoso, Teresa Borges
88
Newborn Osteomyelitis – a rare localisation
Cecília Martins, Raquel Guedes, Nise Miranda, Rui Pinto, Conceição Quintas
91
Chronic Intestinal Pseudo-Obstruction – case report
Carla Teixeira, Rosa Lima, Helena Ferreira, Mónica Recaman,
Esmeralda Martins,Ana Ramos, Luisa Oliveira, Herculano Rocha
Paediatric Inter-Hospital Meeting
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97 What is your diagnosis?
Endoscopic case
Fernando Pereira
99
Images
Filipe Macedo
101
Oral Pathology case
José M. S. Amorim
103
Genes, Children and Paediatricians
C. Dias, M. Mota-Freitas, Alberto Costa, M. Reis-Lima
105 Short Stories
A Cursed Cake
Margarida Guedes
Child, the Family and the
106 The
Community
From… of twenty years ago
Elizabete Borges
110 News
XVIII Meeting of Children’s Hospital Maria Pia - Program
IX Meeting of Paediatric Cardiology - Program
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ano 2006, vol XV, n.º 2
editorial
No dia 20 de Junho de 2006 foi apresentado o 6º Relatório da Primavera do
Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). O OPSS é uma parceria entre
a Escola Nacional de Saúde Pública, a Faculdade de Economia de Coimbra – Centro de
Estudos e Investigação da Saúde da Universidade de Coimbra e o Instituto Superior de
Serviço Social do Porto. Integra uma rede de investigadores dedicados ao estudo dos
sistemas de saúde, englobando competências de variadas áreas, numa abordagem pluridisciplinar. Tem como objectivos principais a análise da evolução do sistema de saúde
português e a divulgação da mesma, numa perspectiva objectiva e independente. Actualmente coordenado pelo Professor Doutor Pedro Lopes Ferreira, a sua fundação está
ligada ao Professor Doutor Constantino Sakellarides, que desde sempre se empenhou
em estabelecer um dispositivo observacional adequado, uma fonte de conhecimento
sobre a gestão da saúde, em ligação com outras instituições e projectos Europeus semelhantes, nomeadamente o Observatório Europeu de Sistemas de Saúde.
Este Relatório está dividido em 4 partes: Governação e Contexto, Uma análise da
Governação em saúde, Análise da Imprensa e Considerações Finais.
Um dos temas abordados na segunda parte do relatório é relativo à saúde materna
e neonatal: Nascer com qualidade. Não há dúvida de que a saúde materna e infantil evoluiu extraordinariamente nas últimas décadas, tendo-se reduzido a taxa de mortalidade
infantil para valores inferiores aos da média da OCDE (figura 1).
Figura 1- Evolução da mortalidade infantil
editorial
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A Comissão Nacional de Saúde da Mulher e da Criança (CNSMI), criada em 1989,
teve um papel preponderante nesta melhoria dos cuidados de saúde da criança. Elaborou um programa nacional a ser cumprido em 9 anos, com 3 fases de 3 anos, e início em
1990, do qual salientamos alguns aspectos fundamentais: o encerramento de maternidades com um número de partos inferior a 1500/ano; a hierarquização dos hospitais em
Hospitais de Apoio Perinatal (HAP) e Hospitais de Apoio Perinatal Diferenciado (HAPD),
definindo as suas competências, funções, e necessidades em termos de equipamentos
e recursos humanos; a criação de Unidades Coordenadoras Funcionais (UCFs) que
tinham como objectivo principal a integração dos serviços e a articulação entre os cuidados primários de saúde e os cuidados hospitalares; o reconhecimento e divulgação de
que o melhor meio de transporte para o “recém-nascido” é o útero materno, privilegiando
o transporte in útero; a criação de um transporte especificamente destinado ao RN, integrado no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) mas autónomo, dependente
dos pediatras e com sistema de centralização de informação.
A CNSMI coordenou, entre 1989 e 1994, um plano de investimentos importantes,
que englobou a melhoria das instalações e dos recursos técnicos e humanos dos serviços de obstetrícia e neonatologia, bem como do equipamento dos centros de saúde
referente às acções de vigilância da gravidez e do puerpério, planeamento familiar e
saúde infantil. Foram encerradas 150 maternidades com condições deficientes de funcionamento, tendo-se conseguido uma redução drástica da mortalidade neonatal.
A necessidade de reavaliar a Rede de Referenciação Materno Infantil já se vinha a
impor desde há alguns anos. O decréscimo da taxa de natalidade (11,4 em 1999 e 10,8
em 2005), sobretudo nas regiões do interior que, mercê de circunstâncias várias, têm
vindo a sofrer uma desertificação, a criação de novas unidades hospitalares, sem que
tal obedeça, aparentemente, a um planeamento da rede de cuidados em função das necessidades das populações, o desenvolvimento de uma rede viária que facilita a acessibilidade aos serviços, a falta de recursos humanos nas unidades de saúde que permitam
uma assistência a grávida e recém-nascido obedecendo a critérios actuais de garantia
de qualidade e segurança assistencial, o número crescente de hospitais com menos
de 1500 partos ano (23 instituições, das quais 17 com menos de 1000 partos ano), são
factos objectivos que obrigavam a uma tomada de decisão. O encerramento dos blocos
de parto posto em prática pelo Ministério, segundo as recomendações da Comissão
Nacional de Saúde da Mulher e da Criança, não pode ser encarado como uma medida
economicista, mas numa perspectiva de que a centralização de serviços permite uma
maior segurança, eficácia e eficiência dos mesmos. É evidente que o encerramento de
serviços é normalmente visto como algo de desprestigiante para os hospitais e muito
mal aceite pelas populações, sendo sempre uma decisão política difícil.
Muito provavelmente, como refere o Relatório, o processo poderia ter sido conduzido de uma forma diferente, com maior envolvimento dos profissionais e da comunidade
e uma informação mais clara às populações sobre as alternativas criadas para o nascimento dos seus filhos com segurança e qualidade.
A necessidade de uma maior racionalidade na distribuição dos recursos médicos
(obstetras e pediatras) e de contenção dos gastos em saúde, implica uma estratégia de
integração e reorganização dos serviços no sentido de uma maior eficácia, funcionalidade e rentabilidade dos recursos existentes. Também não menos importante é o facto
de um número reduzido de partos não garantir a qualidade dos serviços prestados. A
rede de referenciação materno-infantil terá de ser configurada sobretudo em função das
necessidades em saúde, evolução demográfica, acessibilidade dos serviços e recursos
existentes ou previsíveis.
Sílvia Álvares
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editorial
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Perfil Lipídico, Prevalência de Obesidade e Hábitos
Alimentares de uma População de Adolescentes
Cláudia Ferraz1, Georgeta Oliveira2, Sérgia Soares2, Elizabeth Marques3, Miguel Costa4, Teresa Neto5
RESUMO
Introdução: A aterosclerose tem
início na infância e progride durante a
adolescência. Nas últimas décadas verifica-se uma tendência para o aumento da
adiposidade corporal e distúrbios metabólicos associados. A sua prevenção, detecção e correcção precoces podem reduzir
a incidência de doença cardiovascular na
idade adulta. As recomendações actuais
para o rastreio de dislipidémia apontam
para um rastreio selectivo baseado na
identificação de vários factores de risco.
Objectivo: Conhecer o perfil lipídico, a prevalência de sobrepeso e obesidade, a história familiar de doença cardiovascular e os hábitos alimentares entre 88 adolescentes, observados durante
exame global de saúde dos 11-13 anos,
no Centro de Saúde da Sr.ª da Hora - Matosinhos.
Material e Métodos: O IMC foi avaliado e classificado segundo as curvas de
crescimento do CDC- Centres of disease
control- National Centrer for Health Statistics dos Estados Unidos. A classificação do perfil lipídico baseou-se nos critérios do National Cholesterol Education
Program (NCEP) para o Colesterol Total
e Colesterol LDL e do Lipid Research Clinics Prevalence Study (LRC) para os triglicerideos e colesterol HDL. Os hábitos
__________
1
Interna Complementar de Pediatria, Departamento de Pediatria do Hospital Pedro Hispano,
Matosinhos, Portugal
2
Departamento de Pediatria do Hospital Pedro
Hispano, Matosinhos
3
Consulta de Nutrição Pediátrica do Hospital
de São Miguel-Oliveira de Azeméis
4
Serviço de Pediatria do Hospital São Miguel e
Consulta de Nutrição Pediátrica do Hospital de
São Miguel - Oliveira de Azeméis
5
Centro de Saúde da Srª da Hora – Unidade
Local de Saúde de Matosinhos SA
alimentares foram avaliados através da
aplicação de um inquérito de frequência
alimentar. A análise estatística dos dados
foi efectuada através do teste do Fisher,
tendo sido considerados significativos valores de p<0,05.
Resultados: A prevalência global de
obesidade e sobrepeso foi de 11% e 23%,
respectivamente, tendo sido encontrada
uma prevalência maior no sexo feminino.
Verificaram-se alterações do perfil lipidico
em 26% dos adolescentes e valores border-line em 16%. Não foram encontradas
diferenças, com significado estatístico,
entre a existência de obesidade ou de
hiperLDLcolesterolémia e as frequências
alimentares. A prevalência de história parental positiva para dislipidemia nos adolescentes, com alterações do perfil lipidico
(26%), foi igual à prevalência global.
Comentário: A elevada prevalência
de obesidade e dislipidemia encontrada
nesta população, constitui um dado particularmente preocupante, uma vez que a
prevalência de obesidade na adolescência é fortemente preditiva de obesidade
e factores de risco cardiovasculares associados na idade adulta, realçando-se
a necessidade de instituição precoce
de medidas preventivas e de hábitos de
vida saudáveis. Em relação aos hábitos
alimentares destacam-se uma baixa ingestão de legumes e peixe e um elevado
consumo diário de produtos de pastelaria/confeitaria e refrigerantes e sumos,
constando-se globalmente, uma dieta
que se afasta da dieta mediterrânica, que
nos caracterizava no passado.
Em relação à história familiar dos
adolescentes com dislipidemia, os dados
obtidos estão de acordo com resultados
de estudos anteriores que concluem que
os critérios de rastreio de dislipidémia,
baseados na história parental não ofe-
recem vantagem em relação ao rastreio
aleatório na identificação de jovens com
hipercolesterolémia, o que parece pôr em
causa a estratégia baseada no risco recomendada pelo NCEP e AAP. Assim, o rastreio de dislipidémia deve ser fortemente
considerado em todos os adolescentes.
Palavras-Chave: Adolescentes, perfil lipidico, obesidade, doença cardiovascular
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 65-70
INTRODUÇÃO
A aterosclerose tem início na infância e progride durante a adolescência(1). À
medida que se assiste à ocidentalização
do padrão alimentar, verifica-se uma tendência para o aumento da adiposidade
corporal e uma maior prevalência de dislipidémia e outros distúrbios metabólicos,
que podem ter início na infância e são,
frequentemente, assintomáticos(2,3).
Nos Estados Unidos (EUA), estatísticas recentes demonstram que 65% dos
adultos e 30% das crianças e adolescentes, entre 6 e 19 anos, têm excesso de
peso ou obesidade, tendo a prevalência
de obesidade nesta faixa etária duplicado
nas últimas duas décadas(4,5,6). Em Portugal dados de 2003/2004 apontam para
uma prevalência de excesso de peso
de 20,3% e de obesidade entre 6,7% a
11,3%, em crianças e adolescentes(7,8).
A obesidade e morbilidades associadas, como dislipidémia, HTA e resistência à insulina, constituem factores
de risco cardiovascular cumulativos. O
Bogalusa Heart Study, estudo realizado
nos EUA, que relaciona o excesso de
peso em crianças e adolescentes e estes
factores de risco, constitui uma das mais
firmes evidências desta relação(9).
artigos originais
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ano 2006, vol XV, n.º 2
Há uma correlação directa entre os
níveis de colesterol, particularmente lipoproteinas de baixa densidade (c-LDL)
e aterosclerose. Em relação ao colesterol de lipoproteinas de alta densidade
(c-HDL), parece existir uma relação inversa, ou seja, níveis baixos aumentam
o risco de aterosclerose(3). É importante
prevenir, detectar e corrigir precocemente a presença destes factores de risco
na infância e adolescência, pelo possível impacto no desenvolvimento de aterosclerose e redução da incidência de
doença cardiovascular em adultos(10).
As recomendações actuais para
o rastreio de dislipidémia da Academia
Americana de Pediatria e American Heart Association (AAP/AHA) apontam para
um rastreio selectivo, envolvendo a identificação de vários factores de risco cardiovascular(2,10).
Os Quadros I e II sintetizam as recomendações para o rastreio e estratificação do risco, segundo o National Choles-
terol Education Program Expert Panel on
Blood Cholesterol Levels in Children and
adolescents dos EUA (NCEP-EP), a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a
American Heart Association (AHA)(2,3,10).
Uma vez que os níveis de colesterol
obtidos na adolescência são preditivos
dos niveis de colesterol na idade adulta,
o rastreio deve ser considerado em todos
os adolescentes(2).
OBJECTIVO
O objectivo do estudo foi conhecer o
perfil lipídico, a prevalência de sobrepeso
e obesidade, a história familiar e os hábitos alimentares de uma população de
adolescentes.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado em adolescentes, dos observados durante exame
global de saúde dos 11-13 anos, na Unidade do Farol do Centro de Saúde da Sr.ª
da Hora – Matosinhos. Foram convocados
Quadro I - Recomendações para Rastreio Selectivo de dislipidemia (2,3,10)
♦ Crianças e adolescentes cujos pais, avós ou tios directos com idade ≤ 55 anos, tenham
aterosclerose ou suas sequelas, ou seja, doença cardiovascular prematura:
aterosclerose coronária, enfarte agudo do miocárdio, angina Pectoris, HTA, doença vascular periférica, doença cerebrovascular, morte súbita;
♦ Pais com Colesterol total superior a 240 mg/dL;
♦ História familiar desconhecida;
♦ Crianças e Adolescentes com outros factores de risco:
Estilo de vida sedentário, falta de exercício físico regular;
História dietética rica em gorduras particularmente saturadas;
Obesidade;
Tensão arterial elevada;
Tabagismo;
Ingestão de álcool;
Medicações e patologias associadas a hiperlipidemia (por exemplo: diabetes mellitus, síndrome nefrótico, anticonvulsivantes, ácido retinoico, contraceptivos orais, corticosteroides).
Quadro II - Estratificação do Risco (2,10)
66
Aceitável
“Border-line”
Risco Elevado
CT (mg/dl)
<170
170-199
≥ 200
C- LDL (mg/dl)
<110
110-129
≥130
artigos originais
208 adolescentes, inscritos em médico de
família, que completavam 13 anos no ano
do estudo . Compareceram ao exame global de saúde 140 adolescentes.
Dos adolescentes avaliados, 88
foram incluídos neste estudo, sendo
50% do sexo masculino. Os critérios de
exclusão foram: insuficiência de dados
relativos ao inquérito alimentar e história
familiar, adolescentes portadores de patologia crónica passível de influenciar os
hábitos alimentares ou antropometria ou
que condicione medicação crónica susceptível de alterar os resultados do perfil
lipídico.
Foram analisados os seguintes parâmetros:
História familiar
Foi inquirida a existência de Obesidade, Dislipidémia, Diabetes, Hipertensão
arterial, Enfarte agudo do miocárdio, Angina pectoris e Acidente vascular cerebral
nos familiares directos (pais avós, tios e
irmãos) dos adolescentes avaliados.
Hábitos alimentares
Foi aplicado um inquérito de frequência alimentar, usado na Consulta de
Nutrição Pediátrica do Hospital de S. Miguel – Oliveira de Azeméis, avaliando a
frequência de consumo de vários alimentos e tipos de confecção culinária:
Leite, Iogurtes, Queijo, Carne de
Vaca, Porco, Aves e coelho, Peixes gordos e magros, Marisco, moluscos e crustáceos, Ovos, Produtos de pastelaria,
confeitaria e doçarias, Refrigerantes e
sumos, Bebidas alcoolicas, Grelhados,
Cozidos, Estufados, Assados e Fritos.
Foram ainda avaliadas a ingestão e
constituição do pequeno-almoço, merendas, almoço e jantar, e a inclusão de fruta, sopa e vegetais nestas refeições.
O questionário requeria a identificação, tendo sido preenchido pelos adolescentes, no domicilio, quando possível
com a ajuda dos pais.
Antropometria
O Indice de Massa Corporal (IMC)
ou Índice de Quetelet (peso em kilogramas dividido pelo quadrado da altura em
metros) foi usado como medida de adiposidade.
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O IMC foi classificado segundo as
curvas de crescimento do CDC – Centers
of disease control – National Center for
Health Statistics dos EUA.
Considerou-se:
Sobrepeso: IMC ≥ percentil 85
<percentil 95 para sexo e idade.
Obesidade: IMC ≥ percentil 95 para
sexo e idade.
Perfil Lipidico
O perfil lipídico inclui o doseamento
de colesterol total (CT), colesterol HDL
(c-HDL) e triglicerídeos (TG). Foi efectuado após 12 horas de jejum tendo sido
realizado em laboratórios no ambulatório.
O valor do colesterol LDL (c-LDL) foi calculado usando a fórmula de Friedewald:
c-LDL=CT- [c-HDL+(TG/5]
A classificação do perfil lipídico baseou-se nos critérios do National Cholesterol Education Program (NCEP), para o
CT e c-LDL e do Lipid Research Clinics
Prevalence Study (LRC), para os TG e
c-HDL.
O Risco foi estratificado segundo o
quadro II considerando-se:
• Hipercolesterolémia: CT ≥ 200 mg/dl
• CT “border-line”/elevado: CT ≥ 170
mg/dl
• HiperLDL-colesterolémia: c-LDL ≥
130 mg/dl
• c-LDL
• border-line: c-LDL ≥ 110 mg/dl
• Hipertrigliceridémia: TG superior ao
percentil 95 para idade e sexo.
• HipoHDL-colesterolémia: c-HDL inferior ao percentil 5 para idade e sexo.
Os adolescentes com colesterol total border-line e c-HDL acima deste valor
foram considerados de baixo risco.
A análise estatística dos dados foi
efectuada através do teste do fisher, tendo sido considerados significativos valores de p<0,05.
RESULTADOS
Nesta população de adolescentes
(n=88), a prevalência global de obesidade e sobrepeso foi de 11% e 23%, respectivamente. Um adolescente apresentava magreza, ou seja, IMC inferior ao
percentil 3. (Figura 1)
Constatou-se uma diferença entre
sexos: a prevalência de sobrepeso e
obesidade foi de 20,5% e 6,8%, respectivamente, no sexo masculino e, 25% e
15,9%, no sexo feminino. Estas diferenças, contudo, não se revelaram estatisticamente significativas (Figura 2).
Verificaram-se alterações do perfil lipidico em 26% dos adolescentes e
valores de CT e /ou C-LDL “border-line”
em 16%. Entre os adolescentes com
dislipidemia 3,4% apresentaram hiperLDL-colesterolémia (Hiper c-LDL); 11,4%
hipoHDL-colesterolémia (Hipo c-HDL)
e 14,8%, hipertrigliceridémia. (Figura 3)
Segundo a classificação utilizada (Quadro II) apenas 58% dos adolescentes
apresentavam valores aceitáveis ou de
baixo risco de CT e C-LDL.
A prevalência de dislipidemia entre
os adolescentes com sobrepeso e obesidade foi de 48% e 50%, respectivamente.
A prevalência de uma história familiar positiva para diabetes, obesidade,
dislipidemia, HTA e doença cardiovascular está apresentada na figura 4.
De realçar que quase metade (49%)
dos adolescentes apresenta história familiar de dislipidemia e 26% uma história
parental positiva.
Quando comparamos as prevalências de história familiar positiva para as
Figura 1 - Percentil de IMC
Figura 2 - Distribuição dos percentis de IMC por sexos
Figura 3 - Perfil Lipídico
artigos originais
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patologias referidas, nos adolescentes
com obesidade, dislipidemia e um subgrupo com Hipo c-HDL em relação ao
total, constatamos que:
A prevalência de história familar positiva para doença cardiovascular, HTA
e diabetes foi maior nos adolescentes
com obesidade e Hipo c-HDL comparativamente à população não obesa e sem
hipo c-HDL. Os adolescentes com obesidade apresentavam maior prevalência de
familiares obesos. Estas diferenças, contudo, não se revelaram estatisticamente
significativas.
Os adolescentes com dislipidemia
não apresentavam diferenças com significado estatístico na prevalência de história familar positiva para as patologias
inquiridas, nomeadamente dislipidemia.
A prevalência de história parental de dis-
lipidemia positiva foi igual à prevalência
global (26%) (figura 5).
Em relação ao inquérito de frequência de consumo alimentar os resultados
são apresentados nos quadros III e IV.
Diariamente 90% dos adolescentes
bebiam leite, na sua maioria (91%) leite
meio-gordo. Em relação aos derivados,
74% e 45% ingeriam iogurtes e queijo
mais de 3 vezes por semana. Destes,
59% e 52% optavam por iogurtes e queijos magros ou pouco gordos.
Os alimentos, como carne de vaca,
porco, aves e ovos, eram ingeridos com
regularidade, entre uma e 3 vezes por semana, na maioria dos casos. Referiram
ingerir carne de vaca ou porco, diariamente, 13% dos adolescentes. Apenas
9% consomem peixe diariamente, encontrando-se, uma parcela significativa de
Quadro III - Frequência (%) de ingestão de diferentes grupos de alimentos
Nunca
Raro
1x/sem
2x/sem
3x/sem
Diario
Leite
1
3
0
0
5
90
Iogurtes
0
13
3
10
30
44
Queijo
9
24
11
11
22
23
Vaca
1
9
23
31
27
9
Porco
1
8
28
33
24
6
Aves e coelho
2
14
18
36
27
3
Peixes gordos
3
35
24
20
10
8
Peixes magros
2
17
23
30
20
8
Marisco, moluscos e crustáceos
15
73
11
1
0
0
Ovos
1
10
31
34
18
6
Pastelaria, confeitaria e doçarias
0
15
20
20
19
26
Refrigerantes e sumos
3
13
16
8
11
49
Bebidas alcoólicas
97
3
0
0
0
0
Quadro IV - Frequência (%) de confecção culinária
68
Nunca
Raro
1x/sem
2x/sem
3x/sem
Diário
Cozidos
0
14
19
35
22
10
Grelhados
0
11
15
30
28
16
Estufados
0
11
27
40
16
6
Assados
0
9
50
30
6
5
Fritos
1
24
22
24
23
6
artigos originais
adolescentes que nunca, ou raramente,
o ingeriam: 38% no caso dos peixes gordos, e 19%, no caso dos peixes magros.
A ingestão de moluscos, mariscos e crustáceos foi reduzida.
Em relação aos produtos de pastelaria, confeitaria e doçarias, um quarto
dos adolescentes referia consumir estes
produtos diariamente, e 40% de duas a
três vezes por semana. Os refrigerantes e sumos também são ingeridos com
muita frequência: 49% dos adolescentes
consomem-nos diariamente. Todos os
adolescentes avaliados negaram o consumo regular de bebidas alcoólicas.
Em relação à confecção culinária
(quadro IV), constatámos uma maior opção por grelhados, estufados e cozidos.
Apenas 6 e 5% dos adolescentes referiam ingerir diariamente fritos e assados.
No que diz respeito aos constituintes importantes das principais refeições,
como sopa, vegetais/ legumes no prato e
fruta, constatámos que: 45% dos adolescentes ingeriam, diariamente sopa, dos
quais 30%, ao almoço e jantar, mas 11%
referiam nunca o fazer.
Estas percentagens são menores
em relação aos vegetais e legumes:
apenas 26% ingerem diariamente este
acompanhamento, e 14% nunca o faz. Ingeriam diariamente fruta 59% dos casos:
53% como sobremesa, dos quais 43% ao
almoço e ao jantar e 16%, às merendas.
(Figura 6)
O grupo de adolescentes com sobrepeso ou obesidade apresentava uma
menor percentagem de individuos que
comiam diariamente sopa e fruta: 29 % e
32%, respectivamente.
Também o grupo de adolescentes
com dislipidemia apresentava um menor
consumo diário destes alimentos: 22 e
43%. Estas diferenças não se revelaram
no entanto com significado estatístico.
Em relação à constituição do pequeno-almoço verificámos que o leite e
derivados, em conjunto com cereais e
derivados, entravam na constituição de
84% dos pequenos almoços. Em 15%,
este era constituído apenas por leite e
derivados e em 1% por cereais. Apenas
dois casos incluiam a fruta ou sumo natural. Dos cereais, os preferidos eram os
cereais de pequeno almoço (47%), segui-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
dos do tradicional pão (39%) com manteiga, fiambre ou compota. (Figura 7)
Não foram encontradas diferenças, estatisticamente significativas, nas
frequências alimentares e de confecção
alimentar no grupo de adolescentes com
sobrepeso e obesidade. Também os adolescentes com dislipidemia não apresentavam diferenças com significado estatístico no consumo de ovos, moluscos e
mariscos, carnes, peixe, leite gordo, fritos
e assados e no caso das hipertriglicerídemias, de produtos de pastelaria e confeitaria, refrigerantes ou outras bebidas
açucaradas.
DISCUSSÃO
Nesta população de adolescentes,
a prevalência de sobrepeso e obesidade
foi de 20,5% e 6,8%, no sexo masculino e
25% e 15,9%, no sexo feminino. A prevalência global de obesidade e sobrepeso
foi de 11% e 23%, respectivamente. Esta
prevalência é concordante com estudos
recentes nacionais na população pediátrica(7,8) e inferior aos valores encontrados
na população americana (NHANES IV:
1999-2000)(6).
A prevalência de obesidade e sobrepeso foi maior no sexo feminino:
40,9% das raparigas e 27,3% rapazes
apresentavam sobrepeso ou obesidade.
Embora esta diferença não atinga significado estatístico nesta amostra, está de
acordo com outros estudos publicados
em Portugal. Dados de Inglaterra e Espanha, apontam igualmente para uma
maior prevalência entre raparigas, mas,
em outros paises, como a Itália, a prevalência é maior nos rapazes(8,12).
A prevalência de dislipidemia (CT,
LDL, Hipo-HDL) foi mais baixa que a
encontrada no Bogalusa Heart Study,
no grupo de 11-17 anos, faixa etária que
mais se aproxima da estudada(9). Curiosamente, a prevalência de hipertrigliceridemia foi ligeiramente superior (14,8%
versus 8%), facto que pode estar relacionado com o excesso de hidratos de
carbono simples, ingerido por esta população (refrigerantes, produtos de pastelaria, cereais de pequeno-almoço, nu-
tricionalmente desiquilibrados e com alto
teor de açúcares de absorção rápida),
baixa ingestão de peixe e acidos gordos
ómega3. O significado de um valor elevado de triglicerídeos na infância e o risco
cardiovascular em adulto não é claro mas
estas alterações têm uma boa resposta
à diminuição de peso e às modificações
dietéticas(10).
A prevalência de história familiar positiva para dislipidemia, nos adolescentes
com dislipidemia, foi de 26%, igual à prevalência total. Este dado está de acordo
com um estudo semelhante públicado na
Pediatrics, em 2004(13), que conclui que
os critérios baseados no rastreio da história parental não oferecem vantagem em
relação ao rastreio aleatório na identificação de jovens com hipercolesterolémia, o
que parece pôr em causa a estratégia baseada no risco recomendada pelo NCEP
e AAP.
Os dados encontrados apoiam a
recomendação do rastreio universal das
alterações do perfil lipídico na população
adolescente.
Figura 4 - História Familiar
Figura 5 - História Familiar
Figura 6 - Consumo de Sopa, Vegetais e Fruta
Figura 7 - Constituição do pequeno almoço: consumo de cereais e derivados
artigos originais
69
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
LIPID PROFILE, PREVALENCE OF
OBESITY AND DIETARY HABITS IN A
POPULATION OF ADOLESCENTS
ABSTRACT
Introduction: A t h e r o s c l e r o s i s
begins in childhood and progresses
through adolescence and adulthood. In
the last decades there has been a trend
for increase of adiposity and prevalence
of cardiovascular disease with associated
metabolic disturbances. Prevention, early
detection with treatment of these risk
factors can prevent the latter development
of cardiovascular disease.
There are specific recommendations
for selective screening involving the
identification of various cardiovascular
risk factors.
Objective: This study was conducted
to evaluate lipid profile, prevalence of
overweight and obesity, family history of
cardiovascular risk factors and dietary
habits among 88 adolescents observed
during a global health visit, in Srª da Hora
Health Centre-Matosinhos.
Methods and Procedures: Body
Mass Index (BMI) classification was
based on CDC Growth Charts- Centres
of disease control- National Centre
for Health Statistics dos EUA. Total
cholesterol and Low-density lipoproteins
cholesterol (LDL-C) classification was
based on National Cholesterol Education
Program (NCEP) criteria. Triglycerides
and Hight-density lipoproteins cholesterol
(HDL-C) classification was based on
Lipid Research Clinics Prevalence Study.
The dietary habits were evaluated by a
frequency questionnaire.
Statistical analisys included Fisher
test. The value of significance was
considered for p<0,05.
Results:
Global
prevalence
of obesity and overweight was 11%
and 23% respectively, with greater
prevalence of female gender. Lipid profile
was abnormal in 26% adolescents and
16% presented borderline values. There
were no differences on the frequency
of ingestion of the foods inquired. The
prevalence of a positive family history
of abnormal lipid profile was the same
among patients with hyperlipidemia and
total population.
70
artigos originais
Discussion: The high prevalence
of overweight, obesity and abnormal
lipid profile in this population is particular
worrisome since adolescent obesity
strongly predicts obesity in adulthood
and associated cardiovascular risk
factors, enhancing the needs for
prevention. In the dietary habits we
found a low ingestion of vegetables and
fish and high ingestion of bakery and
sweet foods and beverages, a diet that is
globally different from the Mediterranean
diet that used to characterize us.
The results obtained are concordant
with previous studies concluding that
criteria for screening based on parental
history seem to offer no advantage over
random screening in the identification of
young people with abnormal lipid profile
therefore not supporting the risk based
strategy recommended by NCEP and
American Academy of Pediatrics.
Lipid profile screening should be
considered among all adolescents.
Keywords:
Adolescents, lipid
profile, obesity, cardiovascular disease
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 65-70
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1723-1727
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Técnicas Dialíticas na Insuficiência Renal Aguda
Sandra Rocha1, Antonio Aguilar1, Conceição Mota1, M. Sameiro Faria1, Teresa Costa1, Carmen Carvalho2,
Fernanda Marcelino2, Céu Mota2, Paula Rocha2, Elói Pereira1, Carlos Duarte2
RESUMO
A insuficiência renal aguda (IRA) é
uma situação rara em idade pediátrica,
podendo surgir aliada a variadas condições clínicas. Quando as medidas de
suporte não são suficientes para o controlo da IRA, torna-se necessário o início
de terapêutica de substituição da função
renal.
Objectivo: Analisar as indicações e
complicações dos diferentes métodos de
diálise aguda nos doentes internados na
Unidade de Cuidados Intensivos e/ou no
Serviço de Nefrologia Pediátrica do Hospital Maria Pia.
Doentes e métodos: Foi efectuado um estudo retrospectivo dos doentes
com IRA que necessitaram de tratamento
substitutivo da função renal entre Janeiro
de 1990 e Dezembro de 2004. Analisaram-se aspectos clínicos e laboratoriais,
indicações e complicações do procedimento dialítico e evolução dos doentes.
Foi analisado também, o número anual
de doentes tratados com diálise aguda
no Hospital.
Resultados. O estudo incluiu 29
crianças com idades comprendidas entre 1 e 15 anos, dos quais onze (37,9%)
tinham menos de 12 meses de idade (6
recém nascidos).
A sépsis foi a condição subjacente
à IRA em 11 (37,9%) doentes, sendo predominante no grupo de recém nascidos.
O síndrome hemolítico urémico foi a etiologia de IRA em 10 (34,5%) lactentes e
crianças.
__________
1
Serviço de Nefrologia Pediátrica – Hospital
de Crianças Maria Pia, Porto
2
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e
Pediátricos – Hospital de Crianças Maria Pia,
Porto
A diálise peritoneal foi a modalidade dialítica mais frequentemente utilizada (65,5%), seguida da hemodiálise
intermitente (31%) e hemodiafiltração
venovenosa contínua (3,4%). As técnicas
dialíticas mostraram-se seguras e eficazes, embora com algumas complicações
inerentes ao método dialítico, as quais
foram resolvidas com sucesso. A mortalidade dos doentes foi de 17,2%, o que é
um resultado bastante satisfatório quando comparada a outras séries.
A evolução através dos anos do
número de doentes submetidos a diálise
aguda caracterizou-se por um aumento do número de casos. Nos últimos 5
anos foram tratados 16 dos 29 doentes,
observando-se um investimento recente
destas técnicas em recém-nascidos, incluindo prematuros de baixo peso.
Conclusões: Verifica-se um aumento crescente de técnicas diáliticas
nos doentes com IRA, as quais se têm
mostrado eficazes e seguras. Destaca-se
o seu uso em recém nascidos e prematuros de baixo peso com bons resultados.
A diálise peritoneal permanece a técnica
mais utilizada entre nós, contudo reconhecemos as vantagens das técnicas
dialíticas extracorporais contínuas o que
tem motivado um investimento recente
neste tipo de tratamento dialítico.
Palavras-chave: Insuficiência renal
aguda, diálise, criança
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 71-76
INTRODUÇÃO
A incidência da IRA na infância é
difícil de determinar. No período neonatal pode ser uma situação clínica
subvalorizada, em virtude de uma retenção azotada significativa poder coe-
xistir com uma diurese adequada. Nos
restantes grupos etários é uma situação
pouco frequente(1,2). A IRA pode ocorrer
como condição isolada ou associada a
falência multiorgânica(1). É caracterizada
pelo rápido declínio da taxa de filtração
glomerular (TFG) num período de horas
ou dias, com retenção plasmática de
ureia e creatinina e alteração do equilíbrio hidro-electrolítico e ácido-base.
Dependendo da gravidade da redução
da TFG e do grau de reabsorção tubular,
a IRA pode ser oligúrica ou não oligúrica. De acordo com o seu mecanismo
de formação, a IRA é tradicionalmente
categorizada nas formas pré-renal, renal intrínseca, ou pós-renal (obstrutiva),
existindo diferenças, em termos de etiologia, entre recém-nascidos e crianças
mais velhas(2-4). A IRA na infância é habitualmente reversível, com recuperação
da função renal(5). Quando as medidas
conservadoras não são suficientes para
o controlo da IRA, é inevitável o início de
uma terapêutica substitutiva da função
renal por métodos dialíticos. Os mais
utilizados são a diálise peritoneal aguda
(DP), a hemodiálise intermitente (HD)
e as técnicas dialíticas extra-corporais
contínuas, nomeadamente a hemofiltração venovenosa contínua (HVVC) e a
hemodiafiltração venovenosa contínua
(HDFVVC)(1,6-8). A escolha da modalidade dialítica a utilizar depende principalmente do tipo e gravidade da patologia,
da experiência no manuseamento das
diferentes técnicas dialíticas, assim
como das suas vantagens ou desvantagens, face a situações clínicas particulares. A DP é habitualmente considerada
uma técnica simples, que não necessita
de equipamento sofisticado nem de uma
equipa especializada para a sua execução. A sua maior vantagem é não ne-
artigos originais
71
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
cessitar nem de anticoagulação, nem de
acesso vascular, podendo ser utilizada
em doentes hemodinamicamente instáveis(3,9). É uma técnica efectiva em todas
as idades, incluindo nos recém-nascidos(10-13). A HD é uma técnica caracterizada pela rápida remoção de toxinas
urémicas e ultrafiltração eficaz. É, no
entanto, de difícil aplicação em doentes
hemodinamicamente muito instáveis e é
tecnicamente complexa em recém nascidos e crianças pequenas(3,4,14). A HVVC
e a HDFVVC são técnicas contínuas que
permitem um melhor controlo metabólico e de volume. São modalidades ideais
para doentes com instabilidade vascular
e hipotensão tendo a sua popularidade
aumentado nas unidades de cuidados
intensivos pediátricos(3,4,6). Nos doentes
com sépsis ou falência multiorgânica
este tipo de tratamento apresenta como
vantagem adicional a remoção de citoquinas. Além disso, com a ultrafiltração
contínua de líquidos, a restrição hídrica
pode ser evitada, permitindo maior aporte de fluidos para suporte nutricional
entérico ou parentérico. Como contrapartida, tal como na HD, são fundamentais os cateteres vasculares com lúmen
adequado para a obtenção de um débito
sanguíneo eficaz e a anticoagulação do
circuito sanguíneo extracorporal. Para o
sucesso deste tipo de técnicas, é imprescindível uma equipa médica e de enfermagem preparada e experiente(6,14).
Neste estudo foi efectuada a análise
das crianças com IRA, internadas na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais
e Pediátricos e/ou Serviço de Nefrologia
Pediátrica do Hospital de Crianças Maria
Pia submetidos a diálise aguda. Foram
avaliados parâmetros clínicos e laboratoriais que motivaram o início da diálise,
complicações do tratamento dialtico e
evolução dos doentes.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo constou da avaliação
retrospectiva de doentes com IRA que
necessitaram de tratamento substitutivo
da função renal, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1990 e 31
de Dezembro de 2004. Os dados foram
obtidos pela consulta dos processos clínicos e obedecendo ao preenchimento
72
artigos originais
de um protocolo detalhado, onde foram registadas as seguintes variáveis:
aspectos demográficos e antropométricos como identificação do doente,
sexo, idade, raça, proveniência, peso;
aspectos clínicos como débito urinário
(oligúria definida como débito urináro
<1 ml/Kg/hora), tensão arterial avaliada
em função dos percentis para sexo, idade e estatura (hipotensão arterial P<P5,
hipertensão arterial P≥P95), condições
clínicas subjacentes à IRA e evolução
clínica; parâmetros laboratoriais tais
como creatinina, ureia, sódio, potássio,
cálcio, bicarbonato e pH sanguíneos;
necessidade de suporte ventilatório e de
drogas vasopressoras; indicação para
diálise aguda (azotemia, oligúria, acidose metabólica intratável, hipercaliemia
e sobrecarga de volume); modalidade
dialítica utilizada; tipo de cateter peritoneal ou cateter venoso central (CVC)
utilizado; duração do tratamento substitutivo e complicações relacionadas com
a técnica dialítica (infecciosas, trombóticas ou hemorrágicas e complicações
mecânicas decorrentes de obstrução ou
disfunção do cateter).
Foi avaliada, também, a evolução
através dos anos do número de doentes
tratados com diálise aguda no Hospital,
tendo sido os doentes subdivididos em 2
grupos: os que apresentaram idade inferior ou igual a 12 meses e os que tinham
idade superior a 12 meses na data do
episódio de IRA.
RESULTADOS
Das 29 crianças estudadas, 6
(20,7%) eram recém-nascidos, 5 dos
quais prematuros (destes, 2 apresentavam extremo baixo peso). No Quadro I
descrevem-se algumas características
dos doentes submetidos a terapêutica
dialítica, incluindo proveniência, sexo,
idade e peso. A maioria das crianças que
efectuaram diálise aguda foi procedente de outros hospitais, alguns dos quais
tinham sido transferidos para o Hospital Maria Pia por IRA com necessidade
eventual de tratamento substitutivo. A
mediana da idade foi de 35 meses (intervalo: 1 dia a 15 anos) e a mediana do
peso foi de 18 kg (intervalo: 530 g a 58,2
kg). Das crianças observadas 27 (93,1%)
eram de raça caucasiana e 2 (6.9%) de
raça negra.
A condição subjacente à IRA mais
frequente foi a sépsis em 37,9%, seguida do síndrome hemolítico urémico em
34,5% dos casos. A sepsis foi mais frequentemente associada à IRA em recém
nascidos (83,3% dos recém nascidos),
enquanto o síndrome hemolítico urémico
foi uma etiologia frequente de IRA nas
crianças e lactentes. O diagnóstico subjacente à IRA, algumas características clínicas associadas (débito urinário, tensão
arterial, necessidade de agentes vasoactivos, ventilação mecânica), número de
indicações de diálise e sua relação com
a sobrevida dos doentes estão representados no Quadro II.
Quadro I – Características dos pacientes submetidos a tratamento dialítico.
Características
n
(%)
Proveniência
Hospitais distritais
Hospitais centrais
Hospital Maria Pia
Hospital de Bissau
14
9
5
1
48,3
31,0
17,2
3,4
Sexo
Masculino
Feminino
16
13
55,2
44,8
Idade
<1 m
≥1<12 m
≥12<60 m
≥60 m
6
5
8
10
20,7
17,2
27,6
34,5
Peso
<10 Kg
≥10<20 Kg
≥20 Kg
9
6
14
31,0
20,7
48,3
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Quadro II - Diagnósticos e condições associadas e a sua relação com a sobrevida
dos pacientes submetidos a tratamento dialítico.
n
(%)
Sobrevida n
(%)
Diagnóstico
Sépsis
Síndrome hemolítico urémico
Doenças glomerulares
Cardiopatia congénita
Intoxicação medicamentosa
Mordedura de víbora
Miosite/rabdomiólise
11
10
3
2
1
1
1
37,9
34,5
10,3
6,9
3,4
3,4
3,4
8
9
3
1
1
1
1
72,7
91,0
100,0
50,0
100,0
100,0
100,0
Débito urinário
Oligúria
Normal
24
5
82,8
17,2
19
5
79,2
100,0
Tensão arterial
Hipotensão
Normal
Hipertensão
12
7
10
41,4
24,1
34,5
7
7
10
58,3
100,0
100,0
Suporte ventilatório
Sim
Não
12
17
41,4
58,6
9
15
75,0
88,2
Agentes vasoactivos
Sim
Não
15
14
51,7
48,3
11
13
73,3
92,9
Nº de Indicações
para diálise
1
2
≥3
1
10
18
3,4
34,5
62,1
1
9
14
100,0
90,0
77,7
Caracteristicas
A média da creatinina e ureia
plasmática previamente à instituição
do primeiro tratamento dialítico foi de
382,5±105,6 μmol/l e 31,4 ±19,8 mmol/l
respectivamente. A hipercaliemia estava
presente em 10 crianças (34,5%) e a
hiponatremia em 14 (48,3%). A acidose
metabólica de difícil tratamento foi constatada em 20 (69%) dos casos e a maioria dos doentes apresentava valores
normais de cálcio sérico (93,1%). Em
relação às técnicas dialiticas usadas,
a DP foi o tipo de diálise aguda inicialmente utilizado em 19 crianças (65,5%).
A HD foi a técnica eleita em nove (31%)
dos casos. Uma das crianças efectuou
como primeira terapêutica substitutiva
HDFVVC (3,4%). Houve necessidade
de alterar a técnica dialítica em 6 doentes (20,7%). Três doentes submetidos a
HD iniciaram posteriormente DP, e outros 3 doentes, cuja técnica inicial tinha
sido DP, alteraram 1 para HD e 2 para
HVVC.
Em todos os doentes que efectuaram DP foi utilizado o cateter de Tenckhoff, excepto em 2 recém nascidos de muito
baixo peso em que foi utilizado num deles
um cateter de estilete e em outro um dreno de Jolly adaptado.
O acesso venoso central para realização das técnicas dialíticas extracorporais foi, em todos os doentes, o CVC,
sendo o local mais frequentemente utilizado a veia subclávia (n = 8), seguido
da veia femural (n = 4) e da jugular interna (n = 3). Três cateteres tiveram de ser
substituídos por obstrução, e um outro
por infecção no local de implantação. A
duração do tratamento dialítico foi inferior a dez dias em 16 crianças (55,2%).
A distribuição das complicações associadas à técnica dialítica está representada
no Figura 1, sendo as complicações mecânicas relacionadas com o cateter peritoneal e o CVC as mais frequentemente
encontradas. Apesar de um número relativamente alto de complicações, todas
elas foram resolvidas com sucesso, não
havendo mortalidade associada à técnica dialítica.
Seis doentes evoluíram para insuficiência renal crónica (IRC), quatro dos
quais ficaram em estádio V de IRC (taxa
de filtração glomerular inferior a 15 ml/
min/1,73 m2). Em 17 doentes (58,6%)
verificou-se recuperação completa da
função renal.
Morreram 5 doentes. Três eram recém-nascidos, com pesos ao nascimento respectivamente de 530 gramas, 780
gramas e 1170 gramas, tendo ocorrido
falência multiorgânica em todos eles.
Os outros dois falecimentos ocorreram
respectivamente em contexto de sépsis
associada a síndrome nefrótico e síndrome hemolítico urémico complicado por
hemorragia pulmonar maciça. Todos estes doentes fizeram DP como tratamento
substitutivo, à excepção da criança com
síndrome nefrótico em anasarca, que
fez inicialmente HD e posteriormente
HVVC.
Figura 1 - Complicações da técnica dialítica nas várias modalidades. DP – Diálise
peritoneal; HD – Hemodiálise; HF – Hemofiltração venovenosa contínua.
artigos originais
73
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Para observarmos a evolução do tratamento dialitico agudo em doentes com
IRA no Hospital Maria Pia, foi dividido o
período total estudado em 3 intervalos:
anos de 1990-94 ; 1995-99 ; 2000-2004.
A distribuição do número de doentes e a
divisão por idades ≤12 meses e > 12 meses está representado na figura 2.
DISCUSSÃO
A IRA é uma situação pouco frequente na criança. Com o aumento do
número de crianças com falência multiorgânica a serem tratadas em unidades
de cuidados intensivos a sua incidência
pode estar a aumentar, sendo variadas
as modalidades de tratamento disponíveis(1,3).
Vários estudos fazem referência à
maior incidência de IRA no primeiro ano
de vida(7,15). Na nossa série, das 29 crianças estudadas, 37,9% estavam nesta faixa etária.
Na IRA distinguem-se as causas
relacionadas com a inadequada perfusão
renal, as associadas à presença de doença renal e as de natureza obstrutiva(2,4,16).
Tal como descrito noutros estudos(9,10,14,17)
a sépsis foi a etiologia mais frequentemente associada a IRA no período neonatal e o síndrome hemolítico urémico
nas crianças.
A IRA oligúrica predominou na
nossa casuística. A forma não oligúrica
ocorreu em cinco doentes cujas etiologias foram a nefrotoxicidade associada
a hemoglobinúria (mordedura de víbora), doenças glomerulares crescênticas
e síndrome hemolítico urémico (SHU).
Embora não seja consensual a afirmação de que a IRA não oligúrica representa uma forma de insuficiência renal de
menor gravidade, com melhor prognóstico(1,7,18,19), no nosso estudo esteve associado a menor mortalidade. Tal como
noutros estudos já publicados(14,17),na
nossa casuística crianças com perfil
tensional hipotensivo e necessidade de
suporte vasoactivo apresentaram menor
sobrevida.
Não existem evidências quanto ao
valor da função renal ideal para o início
da terapêutica substitutiva(3). Alguns autores sugerem que a introdução precoce
da diálise pode melhorar o prognóstico
dos doentes com IRA(3,14,20,22). Na nossa
opinião, as crianças com rápida deterioração da função renal, requerendo tratamento dialítico deverão ser orientadas
precocemente para um centro de referência para que sejam instituídas medidas
adequadas.
No presente trabalho a terapêutica
dialítica foi iniciada com valores de função renal bastante divergentes. Estes valores não devem ser interpretados isoladamente, mas contextualizados com a situação clínica do doente(2). As indicações
Figura 2 - Distribuição do número de doentes com IRA submetidos a diálise aguda,
através dos anos em estudo.
74
artigos originais
para o início da diálise não são absolutas,
são antes dependentes da progressão e
da gravidade da doença, sendo habitualmente multifactoriais(4,7). Indicações
uniformemente aceites incluem hipercaliémia, acidose metabólica refractária ao
tratamento clínico, sobrecarga de volume
e azotemia. A indicação para início de
dialise na maioria dos doentes da nossa
casuística foi multifactorial, tendo predominado os doentes com três ou mais indicações, verificando-se, neste grupo, uma
maior mortalidade.
Alguns erros inatos do metabolismo
e certas intoxicações (litium, salicilatos)
são também consideradas indicações
para diálise aguda(4,20). No Hospital Maria
Pia temos tido bons resultados com a realização de DP e HVVC em doentes com
erros inatos de metabolismo, nomeadamente na leucinose e doenças do ciclo
da ureia.
Também não existe consenso quanto à modalidade dialítica de eleição(1,4). Na
nossa casuística a DP foi a técnica inicial
mais utilizada. As crianças submetidas a
HD apresentaram resultados ligeiramente melhores em termos de sobrevivência
(HD=88,9% v.s. DP=78,9%), o que está
de acordo com outras séries(3,4,14). Uma
das explicações poderá residir no facto
dos doentes seleccionados para esta
técnica estarem clinicamente mais estáveis, que os submetidos a técnicas dialíticas contínuas. Quando comparamos
a sobrevivência entre as diversas técnicas, há que ter em atenção que esta está
calculada para o tratamento inicialmente
imposto, o que pode falsear os dados, em
virtude de alguns doentes terem alterado
a técnica.
Na bibliografia o uso do cateter
rígido com estilete foi largamente substituído pelo cateter de Tenckoff, ao qual
é atribuído um menor número de complicações(3). Contudo outros cateteres
de pequenas dimensões, para o acesso
abdominal, podem ser usados quando é
necessário instituir DP urgente, especialmente em recém-nascidos(3,17). Utilizamos
maioritariamente o cateter de Tenckoff e
registamos, mesmo assim, algumas complicações mecânicas de natureza obstrutiva, que levaram à sua substituição, ou
mudança de técnica dialítica.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Seis dos doentes tratados evoluíram para IRC, quatro dos quais com
necessidade de tratamento dialítico
regular. A etiologia da IRA com maior
probabilidade de conduzir a doença renal crónica, é a glomerulonefrite rapidamente progressiva, a trombose vascular
renal e a necrose cortical(20). Os diagnósticos apresentados pelos 4 doentes da
nossa casuística, foram em 2 crianças
síndrome hemolítico urémico e as outras
2 tinham doenças glomerulares crescênticas (síndrome de Goodpasture e nefropatia de IgA).
A mortalidade esteve na dependência da doença subjacente e não directamente relacionadas com a terapêutica
dialítica, tal como está relatado em outros trabalhos publicados(21). A mortalidade nestes doentes varia, segundo
alguns autores, entre 41,5 e 52%(7). Valores muito discrepantes da mortalidade
apresentados nalgumas séries(1,3,14,23) são
justificados pela situação clínica do doente. Assim, a mortalidade nos doentes
com IRA submetidos a correcção cirúrgica de malformações cardíaca congénitas
é de 51% enquanto nos doentes com
síndrome hemolítico urémico (incluindo crianças com e sem necessidade de
diálise aguda) é de apenas 3 a 6%. Na
nossa casuística a mortalidade global foi
de 17,2%, o que se pode considerar um
resultado muito satisfatório. Embora tivéssemos na nossa casuística um grupo
grande de doentes com síndrome hemolítico urémico, tivemos também doentes
críticos em que a IRA esteve associada a
falência multiorgânica, situação esta, em
que mortalidade é extraordinariamente
elevada.
Verificou-se nos últimos 5 anos
um aumento da incidência de doentes
com IRA submetidos a diálise aguda no
Hospital Maria Pia, observando-se um
investimento recente destas técnicas em
recém-nascidos, incluindo prematuros de
baixo peso.
Estamos cientes, que dadas as
vantagens das técnicas contínuas extracorporais em doentes críticos e da sua
crescente utilização nas Unidades de
Cuidados Intensivos Pediátricos, é justificável um maior investimento técnico
nestas modalidades no futuro.
Estes resultados contudo, revelam
a evolução e segurança das terapêuticas
dialíticas nos doentes com IRA no Hospital Maria Pia, estimulando a continuidade
do trabalho desenvolvido pela equipa clínica e técnica na prestação de cuidados
a estes doentes.
DIALYSIS THERAPY IN ACUTE RENAL
FAILURE
ABSTRACT
Acute Renal Failure (ARF) is an
uncommon disease in paediatric age, and
may occur associated to several clinical
conditions. When the support measures
are not enough to control ARF, substitution
therapeutics become necessary.
Objective: To analyse the indications
and complications of the different dialysis
modalities at the Intensive Care Unit and/
or Paediatrics Nephrology Department in
Maria Pia Hospital.
Patients and methods: The authors
present a retrospective study of ARF
patients who needed substitutive treatment
of renal function between January 1990
and December 2004. We analysed the
following: clinical and laboratorial data,
indications and complications of dialysis
and patients’ evolution. We was also
analysed the evolution of the dialytic
treatment in our hospital.
Results: The study included 29
children with ARF treated with dialytic
therapies, aged 1 day to 15 years. Eleven
(37,9%) were 12 months or younger (6
newborns). Sepsis was the subjacent
condition to ARF in 11 (37,9%) patients,
the majority newborns. The uraemic
haemolytic syndrome was the aetiology
of ARF in 10 (34,5%) infants and children.
The peritoneal dialysis was the most used
dialytic modality (65.5%), followed by the
intermittent haemodialysis (31%) and
continuous venovenous haemodiafiltration
(3,4%). The dialytic therapy proved to
be safe and efficient, although carrying
some inherent complications to the
dialytic method, that were resolved with
success. Mortality was 17,2%, which is a
rather satisfactory result when compared
with other series. The number of patients
submitted to dialysis in our hospital has
been increasing, through the years (16
patients out of 29 were treated after
1999), specially newborns and low birth
weight newborns.
Conclusion: We verified an
increasing use of dialytic techniques in
patients with ARF, which are safe and
efficient. We emphasize the good results
in newborn including the low birth weight.
Peritoneal dialysis remains the most
used technique in our hospital, however
nowadays, we are investing in the
continuous extracorporeal dialysis as we
recognize the advantages of this method
in critical patients.
Key-words: Acute Renal Failure,
dialysis, children
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 71-76
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CORRESPONDÊNCIA
Sandra Rocha
Tel.: 919 890 319
E-mail: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Efficacy and safety of acetaminophen vs ibuprofen
for treating children’s pain or fever
A Meta – analysis
David A. Perrot; Tiina Piira ; Belinda Goodenough; David Champion
Arch Pediatr Adolesc Med. 2004;158: 421 – 526
Objective: To summarize studies
testing the efficacy and safety of single
- dose acetaminophen and ibuprofen for
treating children’s pain or fever.
Data Sources: reports were gathered by searching computerized databases (for their inception through May 2002)
and registries, relevant journals and bibliographies of Key articles.
Study selection: Seventeen blinded, randomized controlled trials with children « 18 years) receiving either drug to
treat fever or moderate to severe pain.
Data Extraction: Under a fixed
– effects model, outcome measures for
a initial single dose of ibuprofen vs acetaminophen were the risk ratio for achieving more than 50% of maximum pain
relief, effect size for febrile temperature
temperature reduction, and risk ratio for
minor and major harm.
Data Synthesis: Ibuprofen (4 – 10
mg/Kg) and acetaminophen (7 – 15 mg/
kg) showed comparable efficacy (3 pain
relief trials; 186 children). The risk ratio
point – estimates was 1.14 (95% confidence interval [CI], 0.82 – 1.58) at 2 hours
after receiving the dose, and 1.11 (95%
CI, 0.89 – 1.38) at 4 hours. Ibuprofen (5
– 10 mg/Kg) reduced temperature more
than acetaminophen (10 – 15 mg/Kg) at
2, 4, and 6 hours after treatment (respective weighted – effect sizes: 0.19 [95% CI,
0.05 – 0.33], 0.31 [ 95% CI, 0.19 – 0.44],
and 0.33 [95% CI, 0.19 – 0.47] (9 fever
trials; 1078 children). For Ibuprofen 10
mg/Kg (acetaminophen, 10 – 15 mg/Kg),
corresponding effect sizes were 0.34
(95% CI, 0.12 – 0.56), 0.81 (95% CI, 0.56
– 1.03), and 0.66(95% CI, 0.44 – 0.87).
There was no evidence the drugs differed
from each other (or placebo) in incidence
of minor or major harm (17 safety trials;
1820 children).
Conclusions: In children, single
dose of ibuprofen (4 – 10 mg/kg) and acetaminophen (7 – 15 mg/Kg) have similar
effects for relieving moderate to severe
pain, and similar safety as analgesics or
antipyretics. Ibuprofen (5 – 10 mg/Kg)
was a more effective antipyretic than acetaminophen (10 – 15 mg/Kg) at 2, 4, and
6 hours post – treatment.
COMENTÁRIO
A febre constitui uma adaptação à
patologia que a provoca, infecciosa ou
não. Resulta do reacerto do termóstato
hipotalâmico como resposta a pirogénios
endógenos, produzidos por linfócitos e
macrófagos, entre outras células. São citoquinas, tais como as interleucinas 1 e
6, o factor de necrose tumoral alfa e os
interferões beta e gama, e mediadores
lipídicos como a prostaglandina E2. Os
micro organismos, suas toxinas, particularmente a endotoxina, e outros produtos
constituem os pirogénios exógenos que
vão levar à síntese dos pirogénios endógenos e assim originar a subida térmica.
A febre pode ter outra etiologia que não
a infecção, como as vacinas, lesões tecidulares (injecções intra musculares),
neoplasias, doenças inflamatórias, imunológicas (artrite reumatóide, febre reumática), endócrinas e metabólicas (1).
A febre é um dos sinais vitais e
como tal avalia-la é um dado importante,
particularmente em determinadas situações. Febre numa criança neutropénica
em consequência de tratamento neoplásico, pode por si só determinar o internamento e administração de poderosos
esquemas antibióticos. O mesmo pode
acontecer quando estamos perante um
lactente de idade inferior a 2 a 3 meses.
Uma convulsão só poderá ser rotulada de
febril se, obviamente, existir febre, caso
contrário, terá outro significado. O valor
da febre também pode dar achegas importantes ao diagnóstico pois um valor à
volta de 40ºC sugere infecção bacteriana
potencialmente letal. Um valor superior a
41 é raramente atingido: cerca de 0.05%
dos episódios febris (2). O gráfico da febre pode dar informações importantes,
assim como a dissociação com o pulso
(febre tifóide, e atingimento cardíaco,
por exemplo). Uma temperatura superior
a 42 ºC sugere hipertermia e não febre o
que é importante distinguir, pois não cede
ao tratamento farmacológico, uma vez que
sendo de causa externa, não houve um reajustamento do termóstato talâmico, como
na febre. Por outro lado, a constatação de
hipotermia («35ºC) é importante: obriga
ao internamento de um recém-nascido por
suspeita de sépsis ou hipotermia de causa
externa, igualmente grave, pode sugerir
uma sépsis gravíssima, ser consequência
do uso exagerado de antipiréticos e num
afogamento agrava o prognóstico, por
exemplo (1,3). Podemos avaliar a temperatura na pele, na axila, na boca, no
ouvido ou no recto. A temperatura cutânea
só é fiável no recém – nascido quando há
estabilidade térmica ambiental. A avaliação
axilar pode dar falsos negativos tanto na
subida (vasoconstrição), como na estabilização ou descida térmica (sudação). A oral
só pode ser obtida depois dos 5 anos
(colaboração) e a rectal pode causar incómodo. Parece então que o local ideal
para se avaliar a febre seja o tímpano
(radiação infra-vermelha), considerandose febre acima de 37.6ºC (3).
artigo recomendado
77
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Os efeitos “laterais” da febre são
geralmente discretos: taquicardia, taquipneia, e aumento do consumo de oxigénio
e das perdas hídricas. Por outro lado,
sendo a febre uma adaptação fisiológica
do organismo e constituindo mesmo um
dos mecanismos inespecíficos de defesa
à infecção, por si só, e de um modo geral,
não deve ser combatida. Temperaturas
até 39 ºC são bem toleradas. Crianças
com patologia pulmonar, cardíaca, hematológica ou metabólica requererão uma
atenção especial (1). A consequência mais
aparatosa, mas benigna, são as convulsões febris, simples ou complicadas. Recordemos: serão simples, as convulsões
tónicas – clónicas generalizadas, não
recorrentes nas 24 horas subsequentes
e de resolução espontânea em menos
de 10 minutos; complicadas (10 a 35%)
são as que têm uma ou mais das seguintes características, focais, prolongadas,
recorrentes nas 24 horas seguintes ou
durante o mesmo episódio febril. A sua
incidência é de cerca de 2 a 5%, ocorrem
habitualmente entre os 6 e os 36 meses
atingindo – se o pico máximo pelos 18. Cerca de 6 a 15 % ocorrem depois dos 4 anos
e são raríssimas a partir dos 6. Há alguns
factores de risco identificados: história
familiar, história de prematuridade ou
outros problemas neo – natais e atraso
do desenvolvimento. Em cerca de 50%
não há factores de risco. Recorrem num
terço dos casos, sendo factores de recorrência as idades mais jovens, história
familiar, serem despertadas com valores
mais baixos da febre e as complicadas.
Parece que o tratamento com midazolan
bucal é mais eficaz que o diazepan rectal(4). Há que distinguir convulsões febris
de arrepio, síncope, espasmos do choro
e convulsões reflexas anóxicas. A realização sistemática de punção lombar nas
crianças de idade superior a 2 anos não é
recomendada e antes desta idade sê-lo-á
num das seguintes circunstâncias: irritabilidade ou letargia, convulsão complicada,
presença de algum sinal meníngeo, perda
prolongada da consciência ou sinais neurológicos focais pós ictais e prévia antibioticoterapia. A indicação de EEG é rara e
a neuro – imagem (Ressonância) quando
houver micro ou macrocefalia, sindomes
neuro – cutâneos, défices neurológicos
78
artigo recomendado
pós – ictais durante horas e convulsões
complexas recorrentes. Quanto à profilaxia, parece haver bons resultados com
diazepan administrado durante episódios
febris nas crianças com facilidade em
convulsivar, mas os efeitos laterais como
a sonolência e a ataxia podem impedir
a apreciação adequada da evolução do
quadro febril e por isso não se recomenda. O uso contínuo da medicação antipirética não previne as convulsões. Ou
seja, a febre associa – se mas não está
na origem das convulsões. O prognóstico
é bom. 2 a 4% das crianças vêm a ter
epilepsia, sendo factores de risco a história familiar, convulsões complicadas e
a existência de anomalias precoces do
desenvolvimento psico – motor. A associação de convulsões febris a epilepsia
temporal é polémica (5).
Do acabado de expor, podemos concluir que não há que temer a existência de
convulsões febris e que não vale a pena
correr risco de sobre dosagens de antipiréticos em busca da sua prevenção.
Paracetamol e ibuprofeno são os
fármacos mais utilizados em crianças
com febre ou dor. O seu mecanismo de
actuação reside na inibição da síntese
da prostaglandina E 2, por bloqueio da
ciclooxigenase talâmica. A sua eficácia
e segurança têm sido muito discutida e
não há uma clara sugestão de qual deles
seja o de eleição, embora o paracetamol
pareça merecer preferência, tendo em
conta, nomeadamente a boa tolerância.
Com efeito, o paracetamol na dose de
10 – 15 mg/kg, via oral, cada 4 h, não
se associa a significativos efeitos adversos, embora o seu uso prolongado possa causar nefrite (1). A ingestão de doses
elevadas, 120 – 150 mg/Kg pode originar
falência hepática, potencialmente letal.
A intoxicação evolui, recorde–se, em
4 fases. A primeira, muita inespecífica,
acompanha–se de anorexia, vómitos,
mal-estar e sudação, o que pode confundir – se com manifestações da doença
de base e levar a mais administração
de paracetamol. Na segunda fase, estas
manifestações resolvem – se e surge hepatalgia, hepatomegalia e alterações da
função hepática. Na terceira fase, pelos 3
a 5 dias, voltam as manifestações da primeira, acompanhadas de sintomatologia
de falência hepática (icterícia, hipoglicemia, coagulo e encefalopatia) e eventualmente falência renal e cardiomiopatia.
A quarta fase traz a recuperação ou a
morte por falência hepática. O risco de
toxicidade aumenta em determinadas situações: diabetes, obesidade, desnutrição, jejum prolongado e concomitantes
infecções víricas. O tratamento da intoxicação consiste essencialmente na administração precoce de N – acetilcisteína (6).
O ibuprofeno na dose de 5 – 10 mg/Kg,
oral, cada 6 – 8 h pode causar dispepsia,
hemorragia intestinal, redução da perfusão renal e raramente meningite asséptica, toxicidade hepática, anemia aplástica ou lesões graves por sobredosagem
(1)
. Parece então razoável deduzir - se a
preferência pelo paracetamol. A presente
meta – análise não revelou contudo diferença na segurança, nem no efeito analgésico; já no efeito antipirético, o ibuprofeno é superior. A ser assim, poderemos
concluir que como analgésico se use o
paracetamol e como antipirético o ibuprofeno? Mas um outro trabalho mostrou
que o paracetamol é mais eficaz como
antipirético se utilizarmos uma dose de
carga de 30 mg/Kg de peso, não havendo aumento de efeitos laterais (7).
Outra atitude perante a febre é o
uso alternado de paracetamol e ibupropeno, esquema apoiado por uns(8) e rejeitado por outros (9).
Ainda que estes fármacos sejam
seguros, o importante é que se usem
criteriosamente, pelo que é necessário desdramatizar perante as famílias
o significado da febre. Há uma fobia da
febre, referida por Schmitt em 1982 (10),
confirmada 20 anos depois (11), verificada
também entre nós (12) e sentida na prática clínica diária. Ora o uso alternado de
ibuprofen e paracetamol revela uma tentativa desesperada de manter a criança
permanentemente em apirexia, como se
isto fosse uma absoluta necessidade.
O trabalho comentado, ao provar
que tanto o paracetamol como o ibuprofeno são bem tolerados, deixa - nos à
vontade na escolha como analgésicos.
Já como antipiréticos, o ibuprofen leva
vantagens. Mas o que é importante é que
utilizemos um ou outro e não os dois em
simultâneo.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
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Tojal Monteiro1
__________
1
Professor de Pediatria, ICBAS/HGSA
artigo recomendado
79
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Liberdade e Responsabilidade
na Procriação Medicamente Assistida
Helena Maria Vieira de Sá Figueiredo1
RESUMO
Este artigo propõe uma reflexão
sobre o tema da liberdade e responsabilidade, como princípios capazes de
sustentar o comprometimento do respeito pela vida, tanto das presentes, como
das futuras gerações, sendo necessário, doravante, pensá-lo na dimensão
de uma profunda temporalidade. É isso
que se nos apresenta como um desafio à
bioética, enquanto uma ética da vida, na
medida em que o poder de interferência
e manipulação de seres humanos se tem
tornado, com os avanços técnico-científicos, cada vez mais intenso e real.
Palavras-chave: responsabilidade,
temporalidade, vida, respeito, bioética.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 80-84
INTRODUÇÃO
Vários são os ramos do conhecimento que convergem na tentativa de
compreender aquilo que ao longo da História da Humanidade foi tido como uma
verdadeira inquietação. Perceber o ser
humano no mistério da sua própria génese e existência.
Em 1865 Mendel propôs as leis da
hereditariedade designando os elementos celulares responsáveis pela transmissão da informação entre as gerações
como “factores” e definiu a natureza dominante e recessiva dos caracteres. Em
1903 Stutton e Boveri estabeleceram que
os “factores” de Mendel, envolvidos na
transmissão das características hereditárias, se localizam nos cromossomas.
Alguns anos mais tarde, em 1909, Mor-
__________
1
Assessora, ramo de Laboratório; Mestre em
Bioética e Ética Médica
80
gan adoptou a palavra gene para definir a
unidade básica da hereditariedade.
Muito rapidamente se foi desenvolvendo a ciência genética, mas depois da
Segunda Guerra Mundial surge a genética molecular, com Watson e Crick descrevendo em 1953 a estrutura em dupla
hélice do ADN. As particularidades do
ADN de cada indivíduo são responsáveis pelas características que ele recebe
na fecundação e que fazem dele um ser
único.
Paralelamente a todas estas investigações, os médicos interrogavam-se sobre as causas orgânicas da infertilidade
e acerca dos meios para as resolver, o
que fez com que surgissem as técnicas
de Procriação Medicamente Assistida
(PMA). Estas técnicas têm vindo a ser
utilizadas nos últimos vinte e cinco anos
como um novo domínio de intervenção
médica capaz de resolver o drama que
constitui para muitos casais a impossibilidade de procriar. As técnicas de PMA não
devem ser em princípio consideradas um
método alternativo, mas sim subsidiário à
reprodução natural, só devendo ser utilizadas quando esgotadas todas as formas
e meios de se conseguir uma reprodução
natural. Em algumas excepções, continuam a ser a terapia de último recurso
em muitas circunstâncias. As excepções,
contudo, são importantes.
O nascimento de Louise Brown
aconteceu em 1978, em Inglaterra, após
largos anos de experimentação em animais, e foi o primeiro ser humano nascido
após uma intervenção médica do biologista Robert Edwards e do ginecologista
Patrick Steptoe, o que veio facilitar ou
promover a criação de seres humanos
em laboratório(1).
Mas o grande ponto de viragem na
PMA surgiu em 1992 quando, acidental-
perspectivas actuais em bioética
mente, Palermo e colaboradores(2) obtiveram a primeira gravidez e nascimento
com a injecção intracitoplasmática de
espermatozóide no ovócito (ICSI), que
se tornou desde então indicação para casais com infertilidade masculina ou casos
de ausência de fecundação em ciclos anteriores. Até agora numerosas crianças
têm nascido com estas técnicas.
A escolha deste tema propõe uma
reflexão sobre o tema da liberdade e responsabilidade, como princípios capazes
de sustentar o comprometimento do respeito pela vida, tanto dos presentes como
das gerações futuras, e numa perspectiva ético-filosófica pela área profissional
em que os biólogos estão envolvidos no
seu quotidiano.
O papel dos biólogos na PMA pode
ser encarado em múltiplas vertentes,
mas a reflexão sobre a sua liberdade e
responsabilidade, como detentor de uma
ciência em que o peso de maior relevo
assenta em componentes de natureza
técnica foi preponderante.
Noção de Fertilidade /Infertilidade
A reprodução animal é um fenómeno fundamentalmente biológico que,
regido por impulsos instintivos, conduz à
transmissão da vida e à perpetuidade de
cada espécie(3).
No caso do ser humano, porém,
este fenómeno biológico adquire outras
dimensões que caracterizam a nossa
espécie. Assim é com o amor, fenómeno
singular e exclusivo do ser humano, que
transmite à reprodução um enquadramento único. Por isso, a dimensão humana da reprodução não é redutível aos
seus aspectos biológicos. Trata-se de um
mistério, sempre único e irrepetível, pelo
qual uma história de amor interpessoal
pode dar origem a uma nova vida.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Sabemos que a Filosofia não se debruça especificamente sobre a fertilidade,
mas sobre a vida, a sua origem e a procura da sua finalidade. Diremos, então,
que a Filosofia procura o conhecimento
profundo da realidade que envolve o homem e o sentido da sua vida. Filosofia
significa desejo de saber, algo característico e próprio do ser humano, como ser
aberto, dotado de sensibilidade especial
que coage com a vida e formula porquês.
A Filosofia é radical, isto é, a interrogação
filosófica chega à radicalidade porque
procura uma resposta para os porquês
últimos, interessa-se pelas primeiras causas e princípios, pela natureza íntima das
coisas e do ser humano.
A Filosofia é necessária para a correcta realização do ser humano. A unidade do ser humano, isto é, o íntimo do
seu “eu”, que permanece invariável na
pluralidade das suas actividades, é incompatível com uma compartimentação
do seu ser.
Para a Biologia, o valor da Filosofia é importante enquanto instrumento de
reflexão, utilizando-a para avaliação dos
fundamentos da ciência, do valor e limites da técnica, enquanto meios de produção de beneficência dirigida ao outro na
busca da sua realização.
Da grande maioria dos casamentos,
emerge o desejo de procriação assente
na necessidade de realização da própria
natureza humana. O casamento e a procriação fazem parte dessa realização,
como acto humano, onde a intenção,
deliberação e consentimento, são vividos
como vectores de equilíbrio entre a vontade e a razão.
Numa visão existencialista cada ser
humano tem um modo próprio de estar
e de se realizar. O casal escolhe a sua
própria vivência, que lhe determina singularidade e autonomia, conferindo-lhe
liberdade de escolha do que lhe parece
melhor para a sua felicidade e para alcançar equilíbrio social e pessoal. Esta
realidade, impregnada de consciência
moral, individual e universal, em que o
casal realiza o desejo de família alicerçado em valores onde se realiza o “eu
quero”, confere-lhe uma nova dimensão
para se sentir realizado consigo, com os
outros e com o mundo.
A fertilidade é então vista pela humanidade como valor máximo, sendo
que a falência do processo reprodutivo
(infertilidade/esterilidade) põe em causa
o projecto existencial e de auto-realização do casal (maternidade/paternidade),
com a consequente frustração pessoal e
social.
Percebe-se, assim, que o ser humano, neste caso o casal, num plano filosófico, conceba o “fazer-se”, a “realizar-se”.
É o casal, com o seu projecto reprodutivo, que dá sentido à vida e à existência,
o que significa que a não procriação põe
em causa a sua natureza humana abrindo espaço ao eventual conflito.
Desde a antiguidade que é dada
enorme importância à reprodução humana. As dimensões éticas resumem-se a
valores fundamentais: fecundidade, vida,
conjugalidade e sexualidade(4). A fecundidade introduz no nosso processo individual de crescimento o apelo à relação, à
criatividade, à continuidade, à implicação
no mundo(5). Ter filhos será não a única,
mas uma maneira de cultivar e expressar
a fecundidade. A primeira desmistificação sobre esta matéria surge, já na contemporaneidade, com a compreensão
universal (particularmente do Ocidente)
de que a infertilidade/esterilidade não é
só feminina, mas também masculina, e
de que a falência da reprodução não é
“pecado” nem “vergonha”, mas tem de
ser encarada como deficiência biológica
enquadrável no âmbito dos problemas de
saúde.
Foi no início dos anos quarenta que
se começaram a definir os critérios de
fertilidade, baseados no espermograma
e na biópsia do testículo que permitiram,
com rigor científico, o estudo fecundante
do homem. Facilmente se confunde fecundidade com fertilidade. “A fecundidade é o valor, a infertilidade é só a (uma,
mas não a única) sua expressão”4. Por
exemplo, um casal com um número significativo de filhos, porque o marido chegava a casa ébrio não é um casal fecundo,
mas um casal que se reproduziu muitas
vezes. Reciprocamente, um casal que
queira muito ter um filho e que por razões
diversas não o consiga pode ser fecundo.
Assim, ao existirem filhos, pode ter havido reprodução, mas não fecundidade. No
caso das técnicas de PMA, por exemplo,
um casal pode ser fecundo, mas existirem razões várias que não permitem a
existência de filhos.
Por técnicas de PMA “se entendem
as técnicas médicas e biológicas que permitem a procriação, excluindo os processos naturais”(6), ou seja, um casal pode
ser fecundo, mas existirem razões várias
que não permitem a existência de filhos.
A fecundidade era vista como um
dom da mulher, pelo qual tanto era idolatrada, inclusive com manifestações
artísticas que evidenciavam os órgãos
relacionados com a reprodução, como
severamente castigada quando infértil
por violação de um princípio sagrado.
Importa então definir com clareza o
que é a infertilidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a “infertilidade é a ausência de concepção após
doze meses de relações sexuais não protegidas”(7). Esta definição foi e é importante para conferir um padrão universal com
rigor científico e para permitir a reflexão
filosófica à luz do existencialismo, não
esquecendo o Homem nas suas dimensões de temporalidade e historicidade.
A modernidade é fortemente marcada por uma nova concepção de razão
como faculdade universal do conhecimento e realidade. Com o surgir da racionalidade reflexa e da capacidade inventiva, surgem novas modalidades de
interferência na actividade reprodutora e
na sua regulação. Com a existência de
valores, a racionalidade humana faz uma
crítica valorativa sobre as alternativas
possíveis.
Hoje, no Século XXI, a sociedade
em geral e o casal em particular, sabem
que podem e devem procurar ajuda para
resolução da infertilidade, em liberdade(8),
autonomia(9) e responsabilidade(10).
Consciente destes valores, o casal
passa a dispor de duas opções: uma
médica e outra social, a adopção. Se por
um lado a adopção, como meio legal de
solucionar a infertilidade, vem sendo uma
prática frequente, não é menos verdade
que é, legislativa e burocraticamente, um
meio moroso e complicado. Por outro
lado, não soluciona a questão psicológica fundamental, o desejo de o casal ter o
seu próprio filho que, nos sentidos bioló-
perspectivas actuais em bioética
81
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
gico e filosófico, transporta em si toda a
vontade de repetição e perpetuação do
património genético(11).
É neste contexto de importância,
que a sociedade em geral e os casais
em particular vêem a problemática da
fertilidade/infertilidade e das técnicas de
PMA.
O biólogo e a PMA
Toda a ontogenia do ser humano,
desde os estádios precoces da vida embrionária, se dirige para a formação de
um animal cultural, que faz a sua história,
decide a sua vida, constrói o seu mundo. O ser humano desenvolve-se para o
mundo existente e para novos mundos
que concebe e cria(12).
Quando o casal procura ajuda externa para a sua dificuldade de procriação, o
médico é o eleito de primeira instância.
Partindo do pressuposto inicial de
que o casal procura na reprodução a representação máxima do seu amor – natureza humana – não a dissociando à partida do acto sexual, pode pôr-se em causa
se este acto de amor se verá representado nas técnicas de PMA, pois estas, não
separando a procriação da sexualidade,
afastam-se momentaneamente do coito.
A maioria das correntes éticas (laicas e religiosas) julga que na PMA essa
relação de amor se mantém e porventura se reforça, já que poucos filhos são
tão desejados como os alcançados com
estas técnicas, pois são exigidos, entre
outros, elevados sacrifícios físicos e psíquicos.
Assim, adopta-se uma perspectiva
personalista e não biologicista da ética,
segundo a qual a pessoa humana subsiste na natureza biológica mas não recebe
dela qualquer norma intocável de moralidade. Nesta perspectiva, o fundamental
é a união entre o amor inter-pessoal do
casal e a procriação, e não necessariamente entre esta e o coito. No entanto,
a PMA constituirá sempre um mal necessário, devendo ser considerada como um
método complementar da reprodução natural e como solução de último recurso,
a utilizar apenas quando todos os outros
métodos se revelaram infrutíferos.
Assim sendo, é imprescindível uma
avaliação prévia das condições sociais,
82
culturais, afectivas e económicas do casal, efectuada pelo médico, neste caso
por uma equipa constituída por ginecologista/obstetra e psicólogo/psiquiatra
entre outros.
Neste contexto, o biólogo tem um
papel à posteriori, que é importante
descrever, ainda que sumariamente, no
sentido de contextualizar a sua acção. O
biólogo é um profissional que está preparado para estudar os seres vivos, pretendendo chegar ao conhecimento das leis
que regem a vida em todas as suas manifestações.
O biólogo, no contexto da PMA,
é sobretudo um analista de factos e circunstâncias biológicas e um preparador
dos componentes essenciais à fecundação, em casais que, por deficiência e/ou
disfunção, a não conseguem espontaneamente.
Na maioria das situações o biólogo é único in labor, enclausurado numa
tríade hermética constituída por ele, o
microscópio e a célula, conferindo-lhe a
singularidade de praticamente sem partilha do acto per se, caber-lhe comunicar
ao médico e ao casal o que visualizou,
analisou e conseguiu.
No laboratório de PMA, o biólogo
analisa e estuda diversas características
de avaliação morfo-funcional dos ovócitos e espermatozóides, conferindo-lhes
valor prognóstico; colabora com o clínico na decisão sobre a escolha da técnica a utilizar em cada situação; prepara
o material biológico através de meios e
condições que permitam alcançar a fertilização; quando necessário, promove
directamente a fecundação interagindo
ao nível micro cirúrgico com os gâmetas;
para além de acompanhar e monitorizar a
evolução embrionária, assiste e promove
o desenvolvimento dos embriões, assegurando as condições necessárias à sua
viabilidade.
Fica então claro que, num laboratório de PMA, o biólogo intervém e colabora
directamente no processo de procriação,
por intermédio de procedimentos eminentemente técnicos que têm como principal
missão criar vida.
Neste tipo de prática, investida de
tão grande poder de deliberação e decisão, ao nível dos mais importantes e
perspectivas actuais em bioética
mais bem escondidos segredos da vida
biológica, tem de existir uma profunda
noção de responsabilidade que module a
liberdade e autonomia éticas.
Importa assim ao biólogo, a par
de um amplo conhecimento científico e
técnico sobre PMA, não esquecer que a
problemática central girará sempre à volta da pessoa, envolvendo por isso a sua
dignidade e liberdade.
Liberdade e Responsabilidade do
biólogo
O tema da liberdade e responsabilidade deve estar na base da eticidade
contemporânea, pelo expressivo poder
adquirido pelo homem para intervir e modificar a vida, inclusive em escala planetária10.
Liberdade ética não significa escolha arbitrária, permissividade ou relativismo moral. Significa sim, a possibilidade
de realização de todas as potencialidades da pessoa humana(13). Exige libertação de pressões interiores como as que
surgem de interesses científicos, económicos ou políticos, bem como as que são
baseadas em preconceitos culturais ou
religiosos.
A prestação geral de cuidados de
saúde pelo biólogo e o sistema que a
sustenta, não podem escapar à realidade
existente que é o direito de cada cidadão
à sua autodeterminação. De acordo com
os princípios referidos e formulados por
Beauchamp e Childress9, estes conferem
uma prevalência da autodeterminação
individual sobre os outros valores humanos fundamentais, como a responsabilidade social ou a solidariedade humana,
podendo a autonomia profissional ser
prevista através da objecção de consciência(14).
A responsabilidade foi o tema que
um dos pensadores como Hans Jonas se
dedicou a discutir na era de uma civilização tecnológica. Para ele, o pensamento
ético recente pouco se preocupou com a
questão de uma responsabilidade compatível com esses novos tempos. Tanto
assim que não deixou de assinalar o seguinte: “Não comprometas as condições
de uma continuação indefinida da humanidade sobre a terra” e prossegue referindo que “É óbvio que a violação deste
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
tipo de imperativo não implica qualquer
contradição racional. Eu posso desejar
o bem presente com o sacrifício do bem
futuro”10. Hans Jonas resgatou aquele
princípio da responsabilidade. Enfatizou
a sua importância no mundo tecnológico
contemporâneo.
Na sua prática quotidiana, o biólogo
tem uma acção técnica, mas esta só faz
sentido se for exercida e desenvolvida à
luz de valores e princípios filosóficos e
éticos.
Em todo o mundo as técnicas de
PMA têm levantado uma multiplicidade
de interrogações. A grande preocupação
reside na preservação da natureza e dignidade humana, no presente e no futuro,
e sobre eventuais limites a impor aos novos poderes adquiridos pela ciência.
A verdade é que o biólogo tem espaço, tempo e meios, para eventualmente utilizar o seu poder técnico de forma
negativa, para subverter a análise ou visualização in loco, para manipular e ou
experimentar sobre o material biológico
de que dispõe, para transformar um acto
de criação de vida num acto de instrumentalização da pessoa.
Se inicialmente a técnica começou
por ser excluída do horizonte reflexivo da
Filosofia, a preocupação actual de vários
autores é a de ponderação da possibilidade do ser humano subverter os objectivos das técnicas por ele criadas e resvalar para uma progressiva alienação de
si próprio e instrumentalização do outro.
Então, do humanismo e técnica, a Filosofia passa para a ética da técnica.
Hans Jonas é pois um dos autores
que maior contributo prestou à reflexão
filosófica sobre a técnica. O ser humano, sujeito da técnica, é agora também
o seu objecto, transformando a essência
do agir humano. Este autor interroga-se
sobre o que deve ser uma ética preocupada com o respeito pelo ser humano do
nosso tempo. Não se trata de preocupações formais, mas de um “pressuposto
real”: a humanidade está em perigo. “Vivemos uma situação apocalíptica, isto é,
na iminência de uma catástrofe universal,
se deixarmos as coisas actuais prosseguirem o seu curso”(15). A ética tradicional
é aqui ultrapassada. Esta apenas diz respeito ao agora, mas é com o futuro que
temos de nos preocupar. Ela apenas nos
quer virtuosos quando o que temos de
aprender é a ser responsáveis.
Segundo Jonas, “O próprio respeito
já não é suficiente”, pois pode ser “totalmente inoperante”: “só o sentimento de
responsabilidade que se lhe acrescenta”
(ao procedimento técnico) pode constituir
a eficácia ética do futuro – já não só a
responsabilidade passiva por aquilo que
foi feito, mas a que se assume de forma
activa na “determinação do que há a fazer”. Um novo imperativo, que se poderia
enunciar: “Age de tal modo que os efeitos
da tua acção sejam compatíveis com a
permanência de uma vida verdadeiramente humana sobre a terra”15. A responsabilidade explicita-se como consequência da liberdade da pessoa.
Para Jonas, é o poder da técnica
que implica o dever. Este autor sublinhará que aquele que detém mais poder tecnológico é o que mais deve, e também o
que detém maior responsabilidade.
São estes valores que, no quotidiano, dão sentido ao trabalho técnico
do biólogo. Quando tem de descrever e
registar o que viu no microscópio, não
se pode restringir apenas à descrição
dos factos produzidos pela técnica mas
deve, em verdade, não só esgotar todas
as perspectivas do conhecimento adquirido, como produzir um instrumento de
confiança para o clínico que com ele trabalha.
Neste tipo de actividade, a confiança tem uma importância fundamental
na determinação, num plano do dever
ou plano ético, do futuro da escolha da
melhor finalidade em liberdade, responsabilidade e autonomia. Se é importante
para o biólogo confiar em toda a informação fornecida pelo clínico, sobre as
características e condições do casal, é
igualmente importante para este confiar
em absoluto na informação ou parecer do
biólogo, como forma de obrigação de um
agir ético de que nenhum se exclui.
Tem-se assistido a uma impressionante multiplicação das perspectivas de
análise ética. A intencionalidade do biólogo na PMA assenta na autonomia da
consciência que tem sobre a essência
do seu próprio acto – criar vida – e pelo
respeito pela pessoa alheia, sem o qual
a pessoa do outro é reduzida ao nível
de um puro objecto material ou animado
sem finalidade intrínseca.
A sensibilidade para estas questões
é o maior desafio ético do biólogo.
Reflexões finais
A questão da fertilidade/infertilidade
é encarada como muito importante pela
humanidade em geral e pelo casal em
particular.
A PMA tornou-se tão importante,
que a sua procura reflecte uma significativa evolução, por exemplo na aceitação
de que é natural o recurso a outras formas de assegurar a procriação, desde
que permitam ultrapassar o importante
problema da infertilidade.
É por essa importância que, por um
lado, é valorizada e, por outro, questionado o papel dos técnicos desta área.
Foram as reflexões filosóficas que
permitiram elevar o seu nível técnico a
um nível preferencialmente ético, capaz
de lhe conferir os comportamentos que
visam promover e respeitar a realização
do ser humano, assentando no que de
mais importante tem a sua natureza e
existência.
A liberdade ética atribuída ao biólogo, bem como ao casal, não significa
escolha arbitrária, permissividade ou
relativismo moral. Significa, sim, a possibilidade de realização de todas as potencialidades da pessoa humana, no quadro
de instituições justas e na relação constitutiva para e com os outros.
Só consciencializando o valor que
tem a dignidade e a natureza humana,
bem como o poder de beneficência que
deve estar sempre presente em qualquer
técnica que trabalhe com o ser humano,
se pode afinar a consciência moral e
ética dando significado a uma liberdade
responsável.
Depois desta abordagem, estaremos mais sensibilizados e despertos para
lidar com os vários “dilemas” das técnicas
de PMA, tendo em conta que: seremos
tanto mais livres quanto mais conhecermos; quanto mais conhecermos em liberdade, maior será a autonomia; quanto
maior for o conhecimento, a liberdade e
a autonomia maior será o poder e quanto
maiores forem estas circunstâncias maior
perspectivas actuais em bioética
83
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
será a nossa responsabilidade no exercício da profissão e para com a sociedade
que dela beneficiar.
LIBERTY AND RESPONSIBILITY IN
MEDICALLY ASSISTED PROCREATION
ABSTRACT
This article offers some reflections
on the themes of freedom and responsibility. These principles must be able to
support commitment to respect for life,
both in the present and in future generations. It will be necessary from now on to
think of these in terms of temporal evolution. This presents increasingly real and
intense challenges in the ethics of life,
since scientific and technical advancements have given the power and perhaps
the will to interfere and manipulate the human being.
Key-words: responsibility, temporal
evolution, life, respect, bioethics.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 80-84
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Unidade de Medicina da Reprodução
Praçeta Dr. Francisco Sá Carneiro
4400-129 Vila Nova de Gaia
PORTUGAL
Telf: 226162518
Email: hmfi[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Hiperplasia da Supra-renal Complicada de
Puberdade Precoce Central – Caso Clínico
Anabela Bandeira1, Helena Cardoso2, Teresa Borges3
RESUMO
Algumas crianças com hiperplasia
da supra-renal com instituição tardia da
terapêutica e/ou má aderência ao tratamento desenvolvem puberdade precoce
central por maturação precoce do eixo
hipotálamo-hipófise.
Os autores apresentam um caso clínico de uma criança, do sexo masculino,
com 5 anos e 9 meses de idade, que é
referenciada à consulta por pubarca precoce. O estudo efectuado revelou tratarse de uma hiperplasia da supra-renal,
forma não clássica, pelo que iniciou tratamento com hidrocortisona e mineralocorticóide. Cerca de um ano após início
da terapêutica, desencadeou puberdade
precoce central, com aumento do volume
testicular e aumento nos níveis de FSH
e LH, pelo que foi associada à terapêutica o análogo da hormona libertadora das
gonadotrofinas (GnRH).
Os autores pretendem com este
caso clínico alertar para a necessidade
do diagnóstico atempado e orientação da
puberdade precoce, uma vez que a instituição rápida de terapêutica permite uma
evolução mais favorável, menor comprometimento da estatura final e menor incidência de morbilidade associada.
Palavras-chave: hiperplasia da
supra-renal, puberdade precoce central,
análogo da hormona libertadora das gonadotrofinas.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 85-87
__________
1
Interna Complementar de Pediatria do
HGSA EPE
2
Assistente Hospitalar Graduada de Endocrinologia do HGSA EPE
3
Assistente Hospitalar de Pediatria do
HGSA EPE
INTRODUÇÃO
A puberdade precoce é definida
pelo aparecimento de caracteres sexuais
secundários antes dos 9 anos no rapaz,
antes dos 7 anos na rapariga de raça
caucasiana e antes dos 6 anos na rapariga de raça negra. A puberdade precoce
pode ter uma causa central, dependente da secreção das gonadotrofinas, ou
periférica, sem activação do eixo hipotalamo-hipofise-gonadal. A hiperplasia
da supra-renal é uma das causas mais
frequentes de puberdade precoce periférica, descrevendo um grupo de doenças,
autossómicas recessivas, por deficiência
enzimática na síntese do cortisol. Esta
deficiência enzimática provoca um aumento na secreção de ACTH (hormona
adrenocorticotrófica) com consequente
hiperplasia da glândula supra-renal e aumento da síntese dos esteróides adrenais
a montante do bloqueio enzimático.
O bloqueio enzimático mais frequente ocorre a nível da 21-hidroxilase, sendo
responsável por 95% dos casos, com
uma incidência de 1/15.000 nados vivos,
na forma clássica(1). A frequência da heterozigotia é de cerca de uma em cada 60
pessoas. A apresentação clínica é muito
variável. A forma clássica caracteriza-se
por virilização do recém-nascido do sexo
feminino, ambiguidade sexual, hiperpigmentação dos genitais, crise perdedora
de sal na 2º semana de vida ou virilização
pura sem perda de sal. Nas formas não
clássicas, não existe clínica ao nascimento, o hiperandrogenismo tardio causa acne severo, hirsutismo, amenorreia,
excesso de peso e hiperinsulinismo.
O diagnóstico é clínico e analítico.
O estudo endócrino revela aumento dos
androgénios da supra-renal e da progesterona. O diagnóstico da forma clássica
pode ser feito através de valores de 17-
hidroxiprogesterona acima dos 5.000 a
50.000 ng/dl. Nas formas não clássicas
é necessária a realização da prova de
ACTH, com doseamento basal e após
estimulação com ACTH dos níveis de 17hidroxiprogesterona e comparação com o
normograma. O aumento da renina plasmática é indicador de deficiência mineralocorticoide.
O tratamento consiste no bloqueio
da actividade da glândula supra-renal
através do uso de hidrocortisona. A dose
adequada é ajustada pelos dados objectivos do crescimento e maturação óssea
e pela frenação da esteroidogenese da
supra-renal (doseamento dos esteroides
da supra-renal). Na presença de deficiência mineralocorticoide, o tratamento
de substituição consiste na 9α fludrocortisona. Nos casos de ambiguidade sexual
pode ser necessário o recurso a cirurgia
correctiva.
CASO CLÍNICO
Trata-se de uma criança, do sexo
masculino, actualmente com 7 anos e
meio de idade, que foi referenciada à
consulta externa de Endocrinologia Pediátrica, aos 5 anos e 9 meses, por pubarca
precoce.
Não apresentava antecedentes familiares relevantes; a estatura do pai era
de 160 cm e da mãe era de 156 cm, com
uma altura alvo 164,5 cm (percentil 5).
Fruto de uma primeira gravidez mal vigiada, com serologias do terceiro trimestre
normais. Parto hospitalar, distócico às 38
semanas de gestação, com Apgar 9/10.
Somatometria ao nascimento com peso
2060 g, comprimento 46 cm e perímetro
cefálico 32 cm compatível com atraso de
crescimento intra-uterino simétrico.
Apresentava uma má evolução estaturo-ponderal com peso, comprimento
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
85
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
e perímetro cefálico abaixo do percentil 5
até aos 19 meses; sem registos posteriores no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil. Na sequência da investigação da má
evolução ponderal efectuou hemograma,
bioquímica alargada, estudo imunológico,
rastreio da doença celíaca, exame sumário de urina, urocultura, estudo do grau de
digestibilidade das fezes e teste de suor
que foram normais.
Foi referenciado à consulta externa,
aos 5 anos e 9 meses, por aparecimento
de pêlo púbico com um ano de evolução,
sem noção de aparecimento de outros caracteres sexuais secundários. Ao exame
físico: tensão arterial 100/54 mmHg (percentil 50); peso 21,1 kg (percentil 50-75);
estatura 122 cm (percentil 95, SDS 1,44).
Apresentava um estádio pubertário P 3 A
1 com testículos pré-puberes (volume testicular inferior a 4 ml) e pénis aumentado
em comprimento (7,5 cm) e diâmetro.
Perante um quadro clínico de puberdade precoce periférica isossexual,
procedeu-se ao estudo das possíveis
etiologias (Quadro I).
Quadro I – Possíveis etiologias de puberdade
precoce periférica isossexual masculino
Hiperplasia da supra-renal congénita forma
não clássica
Tumor virilizante da supra-renal ou
testicular
Tumor secretor da hormona gonadotrófica
Hipotiroidismo
Testotoxicose
A radiografia da mão e punho não
dominantes revelou uma idade óssea de
11 anos e 6 meses, portanto uma aceleração de 6 anos. A TAC abdominal com visualização das supra-renais e a ecografia
testicular foram normais. O doseamento
da alfa-fetoprotéina, β HCG, cortisol, prolactina e função tiroidea foram normais.
O estudo endócrino basal da suprarenal revelou aumento da 17-OH-progesterona, dihidroepiandrostenediona sulfato,
∆ 4 androstenediona, testosterona e da
renina. A FSH e LH apresentavam niveis
pré-puberes (Quadro II). Perante estes
resultados conclui tratar-se de uma hiperplasia da supra-renal por bloqueio da 21hidroxilase. Iniciou então terapêutica com
86
hidrocortisona (18 mg/m2 superfície corporal) e 9 α-fludrocortisona (50 μg/dia).
Aos 6 anos e 3 meses de idade, no
seguimento clínico, apresentava tensão
arterial 99/57 mmHg (percentil 50), peso
25 kg (percentil 75-90), altura 123,7 cm
(percentil 92). A velocidade de crescimento era de 5,2 cm por ano (percentil 10-25).
O estádio pubertário era sobreponível ao
da primeira consulta. O estudo hormonal
mantinha o aumento dos androgénios da
supra-renal e da testosterona, ou seja,
sem frenação da esteroidogenese da supra-renal. Após confirmação do cumprimento da terapêutica, foi ajustada a dose
da hidrocortisona (18,7 mg/m2 superfície
corporal). Posteriormente foi aumentada
a dose de 9 α-fludrocortisona mantendose a situação sobreponível.
Aos 6 anos e meio, a velocidade
de crescimento mantinha-se (5,3 cm por
ano, percentil 25), mas os testículos au-
mentaram de volume (4 ml). Repetiu o
estudo hormonal (Quadro III) que revelou
aumento dos níveis de LH e FSH, pelo
que iniciou tratamento com análogo da
GnRH (3,75 mg, intramuscular, cada 28
dias) por ter desencadeado puberdade
precoce central.
Aos 7 anos de idade apresentava
estádio pubertário P3-4 A 1, com testículos púberes (4-5 ml) e pénis aumentado
de tamanho e diâmetro. O estudo hormonal nesta data revelou frenação da esteroidogenese da supra-renal (Quadro IV).
Mantém seguimento na consulta
externa, com vigilância clínica e analítica
regular. Vai manter a terapêutica instituída, hidrocortisona e 9 α-fludrocortisona
para o resto da vida; o análogo da GnRH
irá manter até idade óssea de 14 anos.
O estudo molecular do gene cyp 21 está
em curso, para posterior aconselhamento
genético.
Quadro II – Resultados analíticos do estudo hormonal
5 anos e 9 meses
22,0 ⇑⇑
153 ⇑⇑
3,2 ⇑⇑
3,17
0,6
142 ⇑⇑
165 ⇑
17-OH-progesterona (ng/ml)
DEHAS (μg/dl)
Δ 4 androstenediona (ng/ml)
FSH (mUI/ml)
LH (mUI/ml)
Testosterona (ng/dl)
Renina (pg/ml)
Normais
0,1-0,8
14,8-22.2
0.06-0.2
0.6-2,7
0.8-2,9
2.9-15.5
Quadro III – Resultados analíticos do estudo hormonal no seguimento na consulta
11 desoxicortisol (ng/ml)
17-OH-progesterona (ng/ml)
DEHAS (μg/dl)
Δ 4 androstenediona (ng/ml)
FSH (mUI/ml)
LH (mUI/ml)
Testosterona (ng/dl)
6 anos e 3 meses
3,3
45,4 ⇑⇑
36 ⇑
3,4 ⇑
5,68
2,6
212
6 anos e meio
1,7
23,0 ⇑⇑
52 ⇑
2,8 ⇑
5,44 ⇑
3,4 ⇑
113
Normais
< 8.0
0,1-0,8
14,8-22.2
0.06-0.2
0.6-2,7
0.8-2,9
2.9-15.5
Quadro IV – Resultados analíticos após instituição do análogo GnRH
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
17-OH-progest. ng/ml
DEHAS (μg/dl)
Δ 4 androstenediona (ng/ml)
FSH ( mUI/ml)
LH (mUI/ml)
Testosterona (ng/dl)
7 anos
2,8
< 15
0
0,26
0,6
<8
Normais
0,1-0,8
14,8-22.2
0.06-0.2
0.6-2,7
0.8-2,9
2.9-15.5
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
DISCUSSÃO
Algumas crianças com condições
virilizantes presentes por muitos anos
sem instituição de terapêutica apropriada
ou quando existe um má adesão à terapêutica desenvolvem uma puberdade
precoce central por maturação precoce
do eixo hipotálamo-hipófise. Estas situações conduzem a um hiperandrogenismo
crónico ou intermitente que está associado a aceleração da maturidade óssea e
comprometimento da altura final.
O mecanismo exacto através do
qual se desenvolve a puberdade precoce
central é desconhecido. Alguns autores
sugerem que níveis cronicamente elevados de esteroides exercem uma acção
directa sobre a maturação do eixo hipotálamo-hipófise; ou que a idade óssea
avançada indicia um grau de maturação
somática que desencadeia uma puberdade fisiológica ou que a descida rápida
dos esteroides devido ao tratamento com
corticoides pode suprimir a inibição exercida pelas gonadotrofinas sobre o eixo
hipotálamo-hipófise(2).
O tratamento da puberdade precoce
central com análogo da GnRH é eficaz
e seguro. Este análogo, estimulando de
forma permanente a produção de gonadrotrofinas induz a dessensibilização da
hipófise às hormonas hipotalâmicas. Estudos demonstram que a utilização do
análogo da GnRH conduz a um atraso nas
manifestações de puberdade, uma desaceleração da velocidade de crescimento e
uma aproximação da altura-alvo(3).
O enorme atraso no diagnóstico de
puberdade precoce nesta criança pode
ter sido devido ao não reconhecimento
da aceleração do crescimento, pela falta de registos a partir dos 19 meses de
idade. O aumento do tamanho do pénis
não foi valorizado e só o aparecimento de
pêlos púbicos conduziu à referência para
uma consulta de especialidade.
A grande discrepância entre a idade
cronológica e a idade óssea anteciparam
logo de início um mau prognóstico em
termos de comprometimento da estatura
final. Posteriormente, a dificuldade na frenação da esteroidogenese da supra-renal, após exclusão do não cumprimento
da terapêutica e ajuste sucessivo das doses de hidrocortisona, com manutenção
da aceleração do crescimento e aumento
do volume testicular, levou à suspeita de
complicação da hiperplasia da supra-renal com puberdade precoce central.
Os autores pretendem alertar para
a necessidade de diagnóstico precoce
das situações de puberdade precoce por
hiperplasia da supra-renal de início tardio
porque, a instituição precoce da terapêutica e a boa aderência ao tratamento,
permitem uma evolução mais favorável,
tanto a nível psicológico como na altura
final prevista e menor incidência de morbilidade associada.
2.
3.
4.
CONGENITAL ADRENAL HYPERPLASIA COMPLICATED BY CENTRAL PRECOCIOUS PUBERTY – CLINICAL CASE
ABSTRACT
Some children with congenital
adrenal hyperplasia, with late initiation
of corticosteroid treatment and/or poor
compliance, develop central precocious
puberty because of early maturation of
the hypothalamic-pituitary-gonadal axis.
The authors report a case of a boy
aged 5 years and 9 months, referred to
Endocrinologist Consultation because of
precocious puberty. The initial study established a non-classic form of adrenal
hyperplasia, and started treatment with
hydrocortisone and mineralo-corticoid.
After one year of follow-up he developed
true precocious puberty, with rise in testicular size and FSH and LH levels. He
started treatment with gonadotropin-releasing hormone agonist (GnRHa).
The authors focus the importance of
early diagnosis of precocious puberty and
the need of rapid institution of treatment
if necessary, to improve final height and
prevent morbidity.
Key-words: congenital adrenal
hyperplasia, central precocious puberty,
gonadotropin-releasing hormone analog.
5.
6.
7.
8.
in children with congenital adrenal
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Nascer e Crescer 2006; 15(2): 85-87
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Anabela Bandeira
Serviço de Pediatria – Hospital Geral de
Santo António, EPE
Largo do Prof. Abel Salazar,
4099-001 Porto
Telefone: 222 077 500
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
87
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Osteomielite Aguda Neonatal - Localização Rara
Cecília Martins1, Raquel Guedes1, Nise Miranda2, Rui Pinto2, Conceição Quintas2
RESUMO
A osteomielite aguda é uma situação rara no período neonatal. Esta infecção óssea é mais comum nos ossos
longos, como o fémur e o úmero. Quanto
à etiologia, o Staphylococcus aureus é
o agente mais habitualmente implicado.
Clinicamente manifesta-se sob a forma
aguda de sépsis ou sob a forma insidiosa. O tratamento é normalmente conservador.
Os autores apresentam o caso clínico de um recém-nascido (RN), fruto de
gestação tripla, cujo parto ocorreu às trinta e uma semanas gestacionais e a quem
é diagnosticado osteomielite aguda do
ilíaco direito a Staphylococcus aureus.
O elevado índice de suspeição para o
diagnóstico é essencial, porque o início
precoce de antibioterapia reduz a possibilidade de complicações e de lesões
sequelares graves.
Palavras-chave: recém-nascido,
osteomielite aguda, ilíaco, Staphylococcus aureus
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 88-90
forma insidiosa, com manifestações mais
frustres, como irritabilidade, diminuição
da mobilidade do membro afectado, sabendo que em cerca de 50% dos casos
não há história de febre(3).
Os agentes mais frequentemente envolvidos neste grupo etário são o
Staphylococcus aureus, o Streptococcus beta-hemolítico do grupo B e a E.
coli(3,4,5).
As metáfises dos ossos longos são
habitualmente os mais afectados. O atingimento do ilíaco mais raro (1).
Um elevado índice de suspeição
para o seu diagnóstico atempado é essencial, pois o início imediato de antibioterapia reduz a possibilidade de lesão
permanente. O prognóstico é variável,
dependendo essencialmente destes dois
pressupostos.
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam o caso clínico de um recém-nascido (RN), sexo
masculino, raça caucasiana, fruto de
uma gestação tripla, vigiada, complicada
de Ameaça de Trabalho de Parto Pré-termo (ATPPT) às 31 semanas e dois dias
que culminou numa cesariana após ciclo
completo de betametasona com serologias do terceiro trimestre negativas e as
ecografias fetais sem alterações. O RN
nasceu bem e foi internado na Unidade
de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN)
por prematuridade. Na admissão, apresentava antropometria adequada à idade
gestacional, sem dismorfias aparentes,
encontrando-se em ventilação espontânea e hemodinamicamente estável. O
restante exame objectivo era irrelevante.
O rastreio séptico nos dois primeiros dias
(hemograma e PCR) foi normal e iniciou
alimentação entérica ao segundo dia .
Esteve clinicamente bem até ao
quinto dia , altura em que iniciou apneias,
com necessidade de oxigenoterapia suplementar e agravamento do estado geral, hiporreactividade, má perfusão periférica e distensão abdominal.
Os exames subsidiários demostraram: trombocitopenia, hiperglicemia e
Proteína C Reactiva (PCR) de 8,53 mg/
dl. A radiografia abdominal simples revelou distensão abdominal moderada (Fig.
1). Dado o quadro de sépsis tardia iniciou
antibioterapia empírica com vancomicina
INTRODUÇÃO
A osteomielite aguda é a infecção
do tecido ósseo. Na criança resulta, na
maioria dos casos da disseminação hematogénea de uma infecção localizada
noutra área(1,2). É frequente a história de
traumatismo(1). É uma situação rara no
período neonatal e, pode manifestar-se
sob a forma inespecífica de sépsis , ou de
__________
1
Internas complementares do Serviço de
Pediatria do CHVNG
2
Assistentes Hospitalares do Serviço de
Neonatologia do CHVNG
88
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
Fig. 1 - Telerradiografia do abdómen e bacia em D5
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
e amicacina. Necessitou de transfusão
de plaquetas ao 6º e 8º dia , por agravamento da trombocitopenia. Na hemocultura foi isolado Staphyloccocus aureus
meticilino-sensível e o exame microbiológico do Líquido Cefalo-raquidiano (LCR)
foi estéril.
Ao décimo dia de vida , apesar da
melhoria franca do estado geral, iniciou
edemas mais localizados ao nível dos
membros inferiores e região pélvica
(Fig. 2). Foi efectuada transfusão de albumina por hipoalbuminémia. A radiografia da bacia e membros inferiores mostrou aumento da densidade das partes
moles em especial ao nível das coxas e
a avaliação dos ossos ilíacos foi muito
prejudicada pela presença constante de
aerocolia.
Entre o 10º e 20º dia , surgiu agravamento dos edemas ao nível da região
pélvica com posterior generalização e
desconforto à manipulação dos membros
inferiores. O rastreio séptico nesta altura
foi negativo, apesar de uma Velocidade
de Sedimentação (VS) de 22mm.
Por se tratar de uma sépsis a S. aureus, e na tentativa de investigar focos de
infecção osteoarticular, realizou cintilograma ósseo ao vigéssimo dia do internamento que mostrou foco de hiperfixação
ao nível do ilíaco direito compatível com
osteomielite (Fig. 3). Por manter edemas
pélvicos marcados, apesar da terapêutica antibiótica e no sentido de excluir complicações da infecção local, foi pedida
Ressonância Magnética Nuclear (RMN)
Fig. 2 - Edemas dos membros inferiores
pélvica que confirmou osteomielite do ilíaco direito com atingimento sacro-ilíaco,
sem outras complicações (Fig. 4).
Após completar 14 dias de antibioterapia de largo espectro, iniciou terapêutica com flucloxacilina que manteve por
21 dias. Evolução para a resolução dos
edemas e do desconforto à manipulação
dos membros inferiores.
Analiticamente, a PCR negativou a
partir do 22º dia e ao 45 º dia , data da
alta, apresentava VS de 5mm. Foi orientado para as consultas de Neonatologia e
Ortopedia Pediátrica.
Actualmente aos quatro meses, o
lactente encontra-se assintomático, sem
qualquer limitação dos movimentos da
anca. Radiologicamente, apresenta hiperdensidade discreta ao nível do ilíaco
direito, bem como irregularidade do bordo do acetábulo homolateral.
DISCUSSÃO
A osteomielite aguda é rara no período neonatal, variando a sua incidência
entre 1/5000 a 1/20000 (3,5). Atinge, mais
frequentemente, as metáfises dos ossos
longos (tíbia, fémur e úmero), sendo o
atingimento pélvico raro, representando
até 6,8 % dos casos de osteomielite na
idade pediátrica(1). Em 40% dos casos é
multifocal (5).
A osteomielite é mais frequente no
RN pré-termo, pelas suas características
de imaturidade imunológica e pelas técnicas invasivas a que está mais vezes
sujeito (5).
Relativamente à forma de apresentação, divide-se a classificação em forma
benigna, quando as manifestações sistémicas estão ausentes, sendo as manifestações locais mais exuberantes e a forma
maligna, em que a sépsis precede o aparecimento dos sinais locais (7). A infecção
pode propagar-se por disseminação hematogénea, por inoculação directa, por
infecção transplacentar ou após traumatismo local.
O Staphylococcus aureus, o Streptococcus do grupo B e as bactérias gram
negativas são os microorganismos mais
frequentemente envolvidos no período
neonatal (3,4,5), sendo o primeiro, o mais
frequentemente envolvido no caso de infecção nosocomial.
O diagnóstico é essencialmente clínico, apoiando-se no estudo analítico e
na imagiologia (6,8). Os parâmetros analíticos mais importantes, de diagnóstico e
de monitorização terapêutica são a PCR
e a VS. A hemocultura permite identificar
o microorganismo em cerca de 50 a 60%
dos casos (3,9) e o exame bacteriológico
de pus aumenta a sensibilidade. Sob o
ponto de vista imagiológico, a radiografia
é pouco útil nos primeiros dias, uma vez
que as alterações radiológicas surgem
por volta do 7º-14º dia (3,6). O cintilograma ósseo no período neonatal tem uma
sensibilidade de 87% (10) e comparativamente à radiografia, revela mais precocemente alterações. Os exames auxiliares
mais sensíveis no período neonatal são
a TAC e a RMN, sendo esta mais útil no
Fig. 3 - Cintilograma ósseo: osteomielite do
ilíaco direito
Fig. 4 - RMN pélvica: osteomielite do ilíaco
direito com atingimento sacro-ilíaco
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
89
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
diagnóstico de complicações locais (6). A
ecografia tem um papel mais limitado,
excepto no caso de haver artrite séptica
concomitante, permitindo detecção de
derrame articular.
Os diagnósticos diferenciais fazemse com a artrite séptica, celulite, tromboflebite, não esquecendo também a neoplasia.
A terapêutica inicial deve ser empírica e de largo espectro, posteriormente
após conhecimento do agente envolvido,
deve ser o mais dirigido possível. A duração do tratamento depende da evolução clínica e analítica, mas deverá ser
prolongada por três a seis semanas(1,3).
A drenagem cirúrgica está indicada nos
casos em que há falência da terapêutica médica ou em caso de complicação,
nomeadamente formação de abcesso ou
artrite séptica da anca. O prognóstico é
favorável quando a antibioterapia é iniciada precocemente. O seguimento a longo
prazo é importante para detectar e tratar
precocemente sequelas que possam surgir (7).
No nosso caso, a prematuridade
foi um factor predisponente importante
e que prejudicou a rapidez do diagnóstico. A presença de edemas, a diminuição
da mobilidade do membro inferior direito
e principalmente o desconforto à manipulação fizeram prever o possível envolvimento osteoarticular, associado ao
conhecimento do agente envolvido. As
radiografias foram sempre de difícil visualização no que diz respeito aos ossos ilíacos pela sobreposição de gás intestinal,
pelo que não foram úteis. O cintilograma
foi essencial para o diagnóstico, bem
como a RMN que mostraram envolvimento do ilíaco. O tratamento antibiótico da
sépsis nosocomial foi iniciado de acordo
com o protocolo do Serviço. O isolamento
do agente responsável permitiu a continuação dirigida com flucloxacilina.
Apesar de tudo, o atingimento único
do ilíaco direito e a terapêutica atempada
fazem prever um bom prognóstico.
90
CONCLUSÃO
Em presença de sépsis a S. aureus no período neonatal, é mandatória
a investigação de focos de infecção osteoarticular. O início precoce, bem como
a duração adequada do tratamento são
fundamentais para prevenir sequelas. A
evolução clínica favorável não dispensa
o seguimento da criança a longo prazo,
de modo a identificar eventuais sequelas
tardias, evidentes apenas com a maturação esquelética.
NEWBORN OSTEOMYELITIS
– A RARE LOCALISATION
ABSTRACT
Acute osteomyelitis is a rare situation in the neonatal period. This kind of
infection is common in long bones, like
femur and humerus; Staphylococcus aureus is the most frequent agent. Clinical
manifestations vary from acute onset with
sepsis to indolent course. Treatment is
conservative.
The authors present the case of a
preterm newborn of 31 weeks of gestation (triple pregnancy), who developed
acute osteomyelitis of the right iliac due
to Staphylococcus aureus. A great index
of suspicion is needed to establish the
diagnosis in order to begin precociously
the treatment, the only way to prevent
lifelong complications.
Key-words: newborn, acute osteomyelitis, iliac, Staphylococcus aureus
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Nascer e Crescer 2006; 15(2): 88-90
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Cecília de Sousa Pinto Martins
Travessa da Rasa, 161
Apartado 83
4400-275 Vila Nova de Gaia
Tlm: 918 532 812
[email protected]
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Pseudo-obstrução Intestinal – Caso Clínico
Carla Teixeira1, Rosa Lima1, Helena Ferreira1, Monica Recamen2,
Esmeralda Martins1,Ana Ramos1, Luísa Oliveira2, Herculano Rocha1
RESUMO
A Pseudo-obstrução intestinal é
uma doença rara, causadora de grande
morbilidade, definida pela presença de
sinais e sintomas de oclusão intestinal,
na ausência de obstrução mecânica. O
prognóstico é muito variável, estando em
parte relacionado com a doença subjacente.
Os autores apresentam um caso de
um lactente com pseudo-obstrução intestinal crónica de etiologia não esclarecida,
com melhoria lenta mas progressiva da
sintomatologia após realização de ileostomia e instituição de medicação procinética intestinal, tendo necessitado de
nutrição parentérica total.
Salienta-se deste caso a raridade da
patologia, a dificuldade do seu diagnóstico, e a não existência de terapêuticas definidas como curativas, usando-se muitas
vezes apenas tratamento conservador,
com o intuito de diminuir a sintomatologia
e promover o trânsito intestinal.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 91-96
INTRODUÇÃO
A Pseudo-obstrução Intestinal Crónica (POIC) é uma doença rara e debilitante, caracterizada por episódios repetidos ou sinais e sintomas contínuos de
obstrução intestinal, na ausência de uma
lesão anatómica causadora de obstrução
mecânica(1,2,3).
O intestino delgado está sempre
envolvido, podendo também estar afectados o esófago, estômago e cólon(1,2).
__________
1
2
Serviço de Pediatria Médica do HCMP
Serviço de Cirurgia Pediátrica do HCMP
Os sintomas dependem do local de
envolvimento do tracto gastrointestinal e
incluem náuseas, anorexia, disfagia, vómitos, distensão, dor abdominal, e obstipação. Podem surgir outros sintomas
relacionados com complicações secundárias tais como diarreia e/ou sepsis por
crescimento bacteriano, ou por envolvimento de outros sistemas do organismo,
como por exemplo o tracto urinário(1,2,3).
A POIC representa um amplo espectro de condições patológicas, que são
consideradas como primárias e secundárias. Dentro das primárias há a realçar as miopatias viscerais e neuropatias
viscerais (incluindo a doença de Hirschsprung). As causas secundárias são
inúmeras e incluem, entre outras, atingimento do sistema nervoso após infecções víricas, nomeadamente por Citomegalovírus (CMV), vírus de Epstein-Barr
(EBV), Herpes Zoster ou Rotavírus; doenças endócrinas, como o hipotiroidismo,
hipoparatiroidismo ou feocromocitoma;
doenças metabólicas (uremia, citopatia
mitocondrial ou alterações hidroelectrolíticas graves – K+, Ca2+, Mg2+) ou outras
doenças como a doença de Kawasaki,
gastroenterite eosinofílica, peritonite tuberculosa, doença de Crohn, e vários
fármacos incluindo antidepressivos, ansiolíticos ou opiáceos. Quando a doença
não está incluída num síndrome genético
conhecido, se foram excluídas as causas
secundárias e o exame anatomo-patológico do intestino é normal, considera-se
que a POIC é idiopática(1,4).
É considerada crónica quando é
congénita e persiste durante os dois primeiros meses de vida, ou é adquirida e
persiste por um período superior a seis
meses(1,3).
O diagnóstico é baseado na presença de sintomas compatíveis com oclusão
intestinal na ausência de obstrução mecânica(1,2,3,4,5). Radiografias (Rx) abdominais simples demonstram a presença
de distensão de ansas muito marcada e
níveis hidroaéreos no delgado. Estudos
contrastados demonstram passagem lenta do produto. Outros estudos (nomeadamente hemograma, electrólitos, pesquisa
de drogas, entre outros) são efectuados
para excluir causas secundárias.
Deve ser sempre efectuado o tratamento das doenças associadas, caso
existam. O tratamento passa em primeiro lugar pela optimização da nutrição,
podendo eventualmente ser necessária
nutrição parentérica. Neste caso devem
ser administradas pelo menos pequenas
quantidades de alimentação entérica para
acção trófica intestinal e para prevenção
de colestase hepática. A proliferação bacteriana é uma complicação frequente,
pelo que está indicado o tratamento intermitente com antibióticos para evitar complicações hepatobiliares e sépticas. Pode
ser efectuado um teste com terapêutica
farmacológica com procinéticos intestinais
(cisapride, eritromicina, metoclopramida
e domperidona) e octeotrídeo. Para alívio
sintomático deverá ser efectuada sondagem nasogástrica e aspiração. Quando a
distensão é crónica ou as exacerbações
muito frequentes pode ser ponderada
uma enterostomia. A enterectomia subtotal está indicada para os casos em que
ocorrem episódios sépticos. Por último, o
transplante intestinal pode ser ponderado
em caso de doença grave com dilatação
intestinal proeminente e episódios sépticos recorrentes, ou em caso de complicações da nutrição parentérica como a
falência hepática ou impossibilidade de
obter acesso venoso central(1,2,6-11).
O prognóstico é variável e depende da etiologia da POIC. Nos casos em
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
91
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
que a doença é congénita, verifica-se
que existe melhoria ao longo do tempo.
Quando a doença se apresenta na infância tardia ou na idade adulta, o curso é
mais difícil de estabelecer, podendo existir tanto a melhoria como o agravamento
dos sintomas(1,4,9).
CASO CLÍNICO
Os autores descrevem um caso de
um lactente do sexo masculino, com POI
congénita idiopática.
Trata-se de um lactente do sexo
masculino transferido aos 16 dias de vida
do Hospital da área de residência para
o Hospital Maria Pia por quadro de suboclusão intestinal.
Os pais não consanguíneos e os
antecedentes familiares eram irrelevantes. Primeira gestação de termo, vigiada,
sem alterações serológicas e sem intercorrências. O parto foi distócico (ocorreu por cesariana por incompatibilidade
feto-placentária), com Índice de Apgar
9/10 (1º e 5º minutos, respectivamente),
somatometria ao nascimento adequada à
idade gestacional. Eliminou mecónio nas
primeiras 24h de vida. Iniciou alimentação com aleitamento materno exclusivo,
com recuperação do peso neonatal nas
primeiras duas semanas.
Aos 15 dias de vida foi avaliado por
Pediatra Assistente tendo sido constatada a presença de distensão abdominal
marcada já observada pela mãe nos dias
precedentes. Não existiam alterações
dos hábitos alimentares. O trânsito intestinal era normal com uma dejecção após
cada refeição. A mãe referia ter havido
um vómito alimentar por dia nos três dias
precedentes. Face ao quadro apresentado foi enviado para o Hospital da área de
residência onde foi colocado em pausa
alimentar com sonda nasogástrica (SNG)
em drenagem livre durante cerca de 24
horas. No entanto, mantinha distensão
abdominal marcada, pelo que foi transferido para o Serviço de Cirurgia Pediátrica
do nosso hospital.
À entrada apresentava bom estado
geral e vitalidade normal. Estava apirético
e sem sinais de dificuldade respiratória.
O abdómen era marcadamente distendido e timpanizado. O restante exame era
irrelevante.
92
Manteve pausa alimentar, tendo
reiniciado alimentação com leite materno no segundo dia (D2) de internamento, com boa tolerância. Continuava com
distensão abdominal embora mantivesse
trânsito intestinal diário. Em D6 foi observado um rash cutâneo que apareceu um
dia após uma primeira refeição isolada
com leite adaptado, tendo sido colocada
a hipótese de existir uma intolerância às
proteínas do leite de vaca.
Dado manter a distensão abdominal marcada foram efectuados exames
na tentativa de esclarecer a etiologia. O
hemograma, ionograma, K+, Ca2+, Mg2+,
ureia, creatinina, sedimento urinário e urina tipo 2 eram normais, e a PCR negativa. O Rx abdominal simples de pé (Fig.1)
mostrou distensão marcada das ansas
do delgado e cólon, sem edema da parede, sem áreas de pneumatose, com ar
homogeneamente distribuído até ao recto, sem níveis hidroaéreos. Foi efectuado
um clister opaco, que apresentava um
cólon rodado normalmente, salientandose apenas a distensão aérea do delgado.
O trânsito do delgado (Fig.2) evidenciou
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
a presença de dilatação de todas as ansas intestinais e atraso na progressão do
contraste, pelo que foi colocada a hipótese de se tratar de uma forma rara de
malrotação intestinal.
Na sequência desse achado foi
efectuada uma laparotomia exploradora
em D7, que não revelou malformações
anatómicas ou zonas de estreitamento,
mas dilatação global de todo o tubo digestivo. Reiniciou alimentação entérica
em D3 pós-operatório, apresentando vómitos frequentes e diminuição do trânsito
intestinal, mantendo a distensão abdominal marcada, pelo que foi repetido no
dia seguinte o trânsito do delgado (Fig.3).
Observou-se novamente distensão do
duodeno e outras ansas intestinais e atraso na progressão do contraste, mas sem
imagens compatíveis com obstáculo.
Entretanto fez quadro clínico de
sepsis com rastreio analítico sugestivo e
alterações electrolíticas (hipocalcemia e
hipocaliemia) que foram corrigidas, tendo
iniciado antibioterapia com flucloxacilina
e gentamicina, com melhoria posterior.
Foi isolado S. aureus em hemocultura.
Figura 1 – Rx abdominal simples de pé
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Por manter o quadro de vómitos,
diminuição do trânsito e distensão abdominal foi repetido Rx abdominal simples
de pé (efectuado 5 dias após o trânsito
do delgado), que evidenciava a distensão
marcada de várias ansas intestinais, com
níveis hidroaéreos, apresentando retenção de contraste (Fig.4). Face ao quadro
aparente de oclusão intestinal, foi submetido a nova laparotomia 11 dias após
a primeira, com realização de ileostomia,
tendo sido observada distensão marca-
0h
da de todo o intestino delgado e cólon.
As biopsias de íleon, cólon ascendente,
transverso e sigmóide, colhidas durante
a cirurgia para microscopia convencional
e electrónica bem como doseamentos
enzimáticos, permitiram excluir a doença neuronal intestinal. Iniciou nutrição
parentérica desde D2 pós-operatório,
que manteve durante 2 meses, e alimentação entérica semi-elementar desde D3, inicialmente contínua, tendo sido
aumentada progressivamente de acordo
com a tolerância. Em D5 iniciou eritromicina como pró-cinético intestinal. Embora mantendo a distensão abdominal não
apresentava vómitos e manteve trânsito
intestinal regular até D12, altura em que
fez novo quadro séptico (febre, gemido,
vómitos e rastreio positivo) por Enterobacter aerogenes, tendo melhorado após
início da antibioterapia instituída (amicacina, metronidazol, imipenem). Em D15
iniciou octreotídeo. Em D28 fez novo episódio séptico tendo iniciado ceftazidima
1:45h
4:45h
Figura 2 – Trânsito do delgado
0:03h
0:30h
Figura 3 – Trânsito do delgado
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
93
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
e amicacina. Foi isolada K. pneumoniae.
Observou-se aumento progressivo da tolerância alimentar posteriormente.
Todos os exames entretanto efectuados na tentativa de esclarecer a etiologia,
nomeadamente doseamento da tripsina imuorreactiva (TIR), função tiroideia,
estudo metabólico, ecografia abdominal
e renopélvica e imunoglobulinas, foram
normais. A serologia para CMV e o RAST
para proteínas do leite de vaca foram negativos.
Face ao quadro prolongado apresentado pelo lactente foi colocado o diagnóstico de Pseudo-obstrução intestinal
crónica.
Teve alta hospitalar aos 3 meses e
meio, a alimentar-se exclusivamente por
via oral com boa tolerância, mantendo
trânsito intestinal regular através da ileostomia. O abdómen mantinha distensão
ligeira. Apresentava evolução ponderal
favorável. Foi medicado para ambulatório
com eritromicina suspensão oral (3 mg/
kg/dose 6/6h) e octreotídeo subcutâneo
(6 mcg/kg/dose 12/12h).
Suspendeu octreotídeo aos 4 meses e eritromicina aos 5 meses e meio,
não apresentando alterações gastrointestinais.
Aos 6 meses foram efectuadas biópsias em cunha da ileostomia (topo distal) e biópsia rectal. O exame histológico
com estudo histoquímico enzimático e
microscopia electrónica foram normais.
Face à cronologia e ausência de etiologia
conhecida da pseudo-obstrução, esta foi
considerada como crónica idiopática.
Manteve boa evolução estaturo-ponderal.
Foi programado novo internamento
aos 7 meses para encerramento da ileostomia. O pós-operatório imediato decorreu sem intercorrências, tendo reiniciado
alimentação entérica em D5 pós-operatório. Em D10 desenvolveu episódio de
sepsis sendo acompanhado por paragem
de emissão de fezes e distensão abdominal progressiva, que melhorou após início
de antibioterapia de largo espectro (vancomicina, metronidazol e ceftazidima).
Reiniciou eritromicina por via oral em D15
Figura 4 – Rx abdominal simples de pé
94
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
e octreotídeo em D17 como coadjuvantes
da motilidade intestinal. O internamento
foi complicado por novo episódio de sepsis (D38 de internamento), não tendo tido
outras intercorrências. Teve alta clinicamente bem, a alimentar-se por via oral na
totalidade e medicado com eritromicina
(3 mg/kg/dose).
DISCUSSÃO
A Pseudo-obstrução intestinal crónica é uma doença rara e causadora de
grande morbilidade, na qual a motilidade
intestinal está afectada.
É muito importante ter um elevado
índice de suspeição para estabelecer
o diagnóstico, de modo a evitar laparotomias repetidas, embora inevitáveis, à
procura de uma possível causa anatómica da obstrução intestinal(6,9,10,11).
O tratamento da pseudo-obstrução
intestinal crónica é normalmente paliativo. O objectivo é controlar os sintomas,
promovendo o suporte nutricional para
um adequado crescimento e desenvolvimento, aumentar a motilidade intestinal e
prevenir as complicações.
Em relação ao tratamento farmacológico existem várias opções terapêuticas
possíveis, todas tendo em vista a promoção da motilidade intestinal.
Demonstrou-se que o uso sequencial de eritromicina e octreotídeo para
promoção da motilidade intestinal foi eficaz em adultos com POIC secundária a
esclerodermia na diminuição das náuseas e dor abdominal. Um estudo posterior
em crianças demonstrou a sua eficácia
neste grupo etário(8).
A eritromicina é um agonista da motilina que induz a fase 3 do complexo motor migratório com origem no antro(4,6,8).
O octreotídeo, um análogo da somatostatina de semi-vida prolongada,
inibe a motilidade do antro e induz fase 3
no duodeno. Este efeito inibitório sobre o
antro desaparece quando é administrado
após a eritromicina(4,7,8).
Assim, a terapêutica combinada
com eritromicina e octreotídeo, estimula a
contracção em locais diferentes do tracto
gastrointestinal, respectivamente do antro e do duodeno, sendo esta a base para
o seu uso no tratamento agudo e crónico
de doenças da motilidade intestinal(1,8).
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Os quadros sépticos que o lactente descrito apresentou durante o internamento, estiveram relacionados com
um agravamento em termos de normal
funcionamento do tracto gastrointestinal,
acompanhando-se de reaparecimento/
agravamento dos sinais apresentados,
como a distensão abdominal, trânsito
intestinal diminuído e diminuição da tolerância alimentar. Com o início de antibioterapia observou-se o desaparecimento
do quadro séptico e simultaneamente
melhoria progressiva das anomalias gastrointestinais descritas acima.
Há autores que defendem a instituição de antibioterapia intermitente para
prevenir a translocação bacteriana e as
complicações sépticas que daí possam
advir(1,3).
O prognóstico em relação ao caso
de Pseudo-obstrução intestinal congénita idiopática apresentado está longe de
estar definido. A doença apesar de ter um
curso imprevisível é relatada por vários
autores como sendo mais grave no período mais precoce da vida, diminuindo de
gravidade desde essa altura ou atingindo um planalto nos primeiros meses de
vida. De qualquer modo é necessário um
acompanhamento estreito por um período
de tempo que se prevê prolongado(1,4,9).
Em conclusão, a Pseudo-obstrução
intestinal é um diagnóstico colocado por
exclusão. Deve ser considerado na presença de uma criança com um quadro
clínico de obstrução intestinal em que
os meios radiológicos, incluindo exames com contraste, não identificaram
obstrução mecânica. Promove-se assim
uma melhor qualidade de vida, quer pela
evicção de manobras invasivas inúteis e
causadoras de sofrimento, quer pela instituição de um tratamento mais precoce,
evitando assim futuras complicações.
CHRONIC INTESTINAL PSEUDO-OBSTRUCTION – REPORT OF ONE
CASE
ABSTRACT
Chronic Intestinal Pseudo-Obstruction is a rare, disabling disorder characterized by signs and symptoms resembling a physical obstruction to luminal
flow, without a true mechanical obstruction. Prognosis is variable, in part related
to the underlying disease, if identified.
The authors present a case of an
infant with chronic intestinal pseudoobstruction of unknown aetiology, who
needed total parenteral nutrition, and
showed slow but consistent improvement
of symptoms after enterostomy and prokinetic medical treatment.
We emphasize the rarity of the disease, the difficulty of the diagnosis, and
the absence of well defined and effective
therapies. It is often used conservative
treatment, to improve symptoms and promote intestinal motility.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 91-96
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ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
95
NASCER E CRESCER
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ano 2006, vol XV, n.º 2
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
A situação que hoje apresentamos
refere-se a uma criança de 12 anos, sexo
feminino com quadro de paralisia cerebral, observada há já alguns anos na
consulta de Gastroenterologia por quadro
dificuldade alimentar, refluxo gastro-esofágico e obstipação crónica. Há cerca de
2 anos a doente foi submetida a cirurgia
anti-refluxo e correcção de hérnia do hiato esofágico associada a colocação de
gastrostomia para alimentação e tera-
pêutica. Desde então tem passado bem
do seu refluxo, alimenta-se adequadamente, mas foi mantendo anemia ligeira,
hipocrómica e microcítica com ferro baixo, obstipação com resposta deficiente
aos laxantes (lactilol, lactulose e leite de
magnésia) e perdas hemáticas frequentes mas de pequeno volume aquando
das dejecções.
Decidimos efectuar rectosigmoidoscopia para esclarecimento do quadro e
observamos ao nível da parede posterior
do recto a imagem que agora reproduzimos sendo normal a restante mucosa do
recto e sigmoide observadas. No contexto da doente qual lhe parece o diagnóstico mais provável.
1 - Colite por laxantes
2 - Infecção por clostridium difficile
3 - Tumor do recto
4 - Lesão traumática da mucosa rectal
Figura 1
__________
1
Serviço de Gastroenterologia do Hospital de
Crianças Maria Pia, Porto
qual o seu diagnóstico
97
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
COMENTÁRIOS
A imagem que mostramos representa uma ulceração da parede posterior do recto com bordos ligeiramente
elevados e friáveis (setas amarelas). As
biópsias efectuadas revelaram tratar-se
de úlcera benigna e o exame microbiológico da mucosa rectal da região atingida
foi negativo para estirpes patogénicas.
Inquirida a família, conseguimos apurar
que para tentar ultrapassar a obstipação era feita diariamente manipulação
digital da ampola rectal para extracção
98
qual o seu diagnóstico
das fezes aí existentes, frequentemente
muito duras nos últimos meses. A doente efectuou tratamento inicialmente com
enemas de 5-ASA de 12 em 12 horas e
depois com supositórios do mesmo medicamento e verificou-se cicatrização da
úlcera.
O aspecto observado não é compatível com colite por laxantes já que este
é um quadro inflamatório difuso e muito
raro com os laxantes que a doente utilizava. A colite pseudomembranosa que
é provocada pelo Clostridium Difficile é
também um quadro inflamatório difuso
associado à presença de membranas
recobrindo a mucosa rectal e está associada ao uso de antibióticos e não corresponde à situação da nossa doente.
A hipótese de tumor do recto, embora
possível é não muito provável considerando a idade da doente e o aspecto da
lesão e foi afastado pelo resultado das
biópsias.
Concluímos estar perante um caso
de úlcera traumática do recto secundária
a manipulação crónica.
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ano 2006, vol XV, n.º 2
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 10 anos de idade que
nos foi enviada devido a persistência dos
dentes decíduos incisivos centrais inferiores.
Não apresentava queixas dolorosas
e referia desagrado pelo aspecto dos
seus dentes.
Exame oral:
Sem cárie dentárias. Sem gengi-
Boa higiene oral (Fig. 1).
vite.
Lesão de atrição de 1.1 e de 4.2.
Marcada destruição coronal dos incisivos centrais inferiores.
Não há sinais de abcessos.
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
Figura 1
__________
1
Assistente Hospitalar
Estomatologia no Hospital de Crianças Maria Pia
qual o seu diagnóstico
99
NASCER E CRESCER
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ano 2006, vol XV, n.º 2
O diagnóstico é fácil de realizar,
tendo em conta que os dentes similares na arcada dentária superior já
erupcionaram. Trata-se de um caso de
agenesia vs inclusão dentária dos dentes referidos. A realização de uma ortopantomografia revelou tratar-se de uma
agenesia dos dentes incisivos centrais
mandibulares.
A etiologia das agenesias já se encontra bastante estudada e foram implicados vários factores:
1 – Alterações embriológicas:
- obstrução física ou interrupção da
lamina dentária
- anomalias funcionais do epitélio
dentário
- falta de espaço
- falta de indução do mesênquima
subjacente
2 – Alterações hereditárias:
- existe transmissão genética de
situações de agenesias dentárias,
embora se discuta ainda em que
modalidade tal processo se desenvolve., sendo geralmente autossómica dominante.
100
qual o seu diagnóstico
3 – Evolução da espécie:
- ainda sem dados bem definidos
pensa-se que o tipo de dieta que é
realizado actualmente pela espécie humana levará ao desaparecimento de vários dentes.
4 – Doenças:
- sabe-se que doenças, durante as
primeiras 6 semanas de gravidez,
como o raquitismo, a sífilis congénita, a rubéola e deficits nutricionais podem ser responsáveis por
agenesias dentárias.
5 – Síndromes:
- existe uma grande variedade de
síndromes que têm as agenesias
dentárias como factor constante.
A frequência de agenesias na dentição permanente varia entre 1,6 e 9,6%,
com uma média de 6%, sendo a frequência mais baixa (0,5%) na dentição decídua. Quando existe agenesia de dentes
decíduos a probabilidade de que essa
ausência se verifique na dentição permanente é de 75%.
As agenesias dentárias mais frequentes ocorrem com os 3º molares,
seguindo-se por ordem de frequência os
incisivos laterais superiores, os segundos pré-molares inferiores, os segundos
pré-molares superiores e finalmente os
incisivos centrais inferiores. No entanto
esta sequência pode variar com a região,
clima ou etnia.
A atitude a tomar depende do tempo que os dentes decíduos persistirem na
boca:
Tentar preservar os dentes decíduos, melhorando a sua estética, até a
criança ter idade para realizar uma reabilitação oral com recurso a implantes.
Se as peças decíduas se perderem
tentar manter o espaço dos dentes com
recurso a uma prótese removível até ter
idade para colocar implantes.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 99-100
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E. Barbería Leache, Odontopediatria,
2ª edición, Masson SA, 2001; 60-63
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ano 2006, vol XV, n.º 2
Imagens
Filipe Macedo1
Criança de 2 anos de idade, com insuficiência
respiratória severa, tendo antecedentes de prematu-
ridade (25 semanas) e ventilação mecânica no período neonatal.
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
TC torácico de alta resolução
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC
Porto
qual o seu diagnóstico
101
NASCER E CRESCER
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ano 2006, vol XV, n.º 2
DIAGNÓSTICO
As imagens de TC mostram as alterações marcadas e generalizadas da
densidade e arquitectura pulmonar, manifestadas por áreas de maior e menor
transparência do parênquima, pequenas
áreas císticas e opacidades reticulares e
em banda de origem intersticial.
O quadro é compatível com sequelas de displasia broncopulmonar.
DISCUSSÃO
A Displasia Broncopulmonar (DBP)
é a causa de doença pulmonar crónica
mais frequente do recém-nascido. É uma
complicação frequente do RN ventilado,
relacionando-se provavelmente com toxicidade intersticial do oxigénio com libertação de radicais livres, barotrauma e efeito
da resposta reparadora do pulmão.
As características clínicas, radiológicas e patológicas da DBP foram inicialmente descritas por Northway e Rosen
em 1967 e 1968(1,2). Nessa altura descreveram-se 4 estadios da doença:
I - quadro clínico e radiológico sobreponível ao SDR, manifestando-se
por edema e necrose da mucosa
pulmonar. Traduz-se radiologicamente por um padrão intersticial
fino (opacidades lineares e indefinição das margens broncovasculares).
II - ocorre entre os 4 e os 10 dias de
vida e manifesta-se por necrose
exsudativa dos alvéolos traduzida
radiograficamente por opacidades
pulmonares.
102
qual o seu diagnóstico
III - ocorre entre os 10 e os 20 dias de
vida e traduz-se radiograficamente por alterações da transparência
pulmonar e padrão bolhoso, em
favo de mel relacionável com alvéolos e ácinos sobredistendidos
e fibrose intersticial.
IV - radiologicamente idêntico ao III mas
ocorrendo após o mês de idade.
Com a evolução terapêutica, o aspecto radiológico mudou e é raro encontrar actualmente a progressão clássica
nos 4 estadios. No entanto, com as novas
técnicas de ventilação, a maior sobrevida dos grandes prematuros levou ao aumento da frequência de BDP(3).
A radiografia simples é o exame de
base para diagnóstico e seguimento dos
casos de DBP. As formas ligeiras de DBP
podem cursar com alterações radiográficas discretas.
A TC com algoritmo de alta resolução, demonstra no entanto de forma mais
completa as sequelas(4). Observam-se
áreas de hiperinsuflação e aspecto multicístico causados por espaços aéreos
sobredistendidos rodeados por septos
alveolares espessados e hipercelulares
(opacidades reticulares e em banda), traduzindo alterações da ventilação – perfusão. Pode haver também redução da
relação diâmetro brônquio – diâmetro
artéria. O derrame pleural é raro.
A criança com BDP é mais susceptível às infecções respiratórias que podem
agravar o risco de doença pulmonar crónica. Os recém nascidos podem desen-
volver hipertensão pulmonar e hiperreactividade brônquica. O prognóstico tem
no entanto melhorado progressivamente.
Mais de 30% dos doentes estão clinicamente bem pelos 3 anos de idade, com
melhoria sucessiva dos achados radiológicos. Há contudo cada vez mais evidência sobre a persistência de problemas
respiratórios até à adolescência.(5)
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 101-102
BIBLIOGRAFIA
1. Northway WHJr, Rosan RC, Porter
DY. Pulmonary disease following
respiratory therapy of hyaline-membrane disease. N Engl J Med 1967;
276:357-368
2. Northway WHJr, Rosan RC. Radiographic features of pulmonary oxygen
toxicity in the newborn: bronchopulmonary displasia. Radiology 1968;
91:49-58
3. Parker RA, Lindstrom DP, Cotton RB.
Improved survival accounts for most
but not all the increase in bronchopulmonary dysplasia. Pediatrics 1992;
90:663-668
4. Oppenheim C, Mamou-Mani T, Saiegh N et al. Bronchopulmonary dysplasia: value of CT in identifying pulmonary sequelae. Am J Roentegol 1994;
163:169-72
5. Northway WHJr, Moss RB, Carlisle
KB, et al. Late pulmonary sequelae of
bronchopulmonary dysplasia. N Engl
J Med 1990; 323:1793-1799
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Genes, Crianças e Pediatras
C. Dias1, M. Mota-Freitas2, Alberto Costa3, M. Reis-Lima1
Criança do sexo masculino, referenciada à Consulta de Genética aos 15
meses de idade por atraso do desenvolvimento psicomotor. Tratava-se do primeiro
e único filho de um casal jovem, saudável
e não consanguíneo. Os antecedentes
familiares eram irrelevantes.
A gestação decorreu sem intercorrências, tendo nascido às 36 semanas
com RCIU simétrico, Apgar 5/7/6 ao 1º,
5º e 10º minuto, respectivamente. A placenta era de grau III, com calcificações.
À data da 1ª observação em consulta, era um menino com atraso do crescimento estaturo-ponderal (peso, comprimento e PC < Pct3) e do desenvolvimen-
Figura 1
to psicomotor, dificuldades da deglutição,
epilepsia (crises tónico-clónicas generalizadas com boa resposta a terapêutica
anti-epilética) e fácies dismórfica. Apresentava trignocefalia, com metópica saliente e bossas frontais, pavilhões auriculares baixos e “simples”, hipertelorismo,
esboço de epicanto bilateral, fendas palpebrais grandes e inclinadas para baixo
e estrabismo divergente; nariz pequeno,
com ponte larga, filtro curto, comissuras
labiais inclinadas para baixo, microretrognatia, hipospádias e hérnia inguinal
esquerda. As mãos eram pequenas, com
prega palmar única à esquerda. Ao exame neurológico, era hipotónico, não se
sentava, tinha fraco sorriso social e não
segurava objectos.
O cariótipo convencional com BAR
foi normal (46,XY). O hemograma, bioquímica, gasimetria capilar, urina tipo II,
estudo metabólico, TAC cerebral e ecocardiograma não revelaram alterações. A
ecografia renopélvica efectuada nos primeiros meses de vida mostrou dilatação
dos bacinetes; aos 6 anos a ecografia foi
normal. Efectuou PEAs que demonstraram perda auditiva moderada (20 a 30
dB) neurosensorial.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 2
__________
1
Unidade de Consulta, Instituto de Genética
Médica
2
Unidade de Citogenética, Instituto de Genética Médica
3
Serviço de Pediatria, Hospital de Guimarães
qual o seu diagnóstico
103
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
No decurso da investigação, foi
colocada a hipótese diagnóstica de Síndrome de Wolf-Hirschhorn (SWH). Foi
pedido estudo de citogenética molecular
(FISH – hibridização de fluorescência in
situ) para a região 4p16.3 que revelou
uma delecção [ish del(4)(p16.3p16.3)]
(Figura 3).
O SWH é causado pela haploinsuficiência da região 4p terminal, causada
por delecção da banda 4p16.3, e caracteriza-se por atraso do crescimento pré
e pós-natal, hipotonia, atraso mental,
microcefalia, dismorfia craniofacial característica (fronte em “capacete grego”
- base do nariz larga, contínua com a
fronte com glabela proeminente, hipertelorismo, epicanto, filtro curto, comissuras labiais inclinadas para baixo, micrognatia e epilepsia ou alterações do EEG.
Menos frequentemente os doentes têm
défices imunitários, alterações dentárias,
anomalias cardíacas e genitourinárias e
alterações estruturais do sistema nervoso central. Estima-se a sua prevalência
em 1: 50.000 nados-vivos.
Cerca de 60 a 70% dos casos são
detectáveis por técnicas de citogenética
clássica. Noutros doentes, como o caso
apresentado, a microdelecção só é detectada por estudos moleculares, como a
FISH. A região crítica para o SWH com-
preende um intervalo de 165 kb que inclui dois genes de função desconhecida,
WHSC1 e WHSCR2. Pensa-se que vários outros genes localizados nas regiões
que flanqueiam a região crítica, como o
FGFR3 e LETM1, desempenham um papel no fenótipo do SWH.
Este grupo de doentes habitualmente não apresenta malformações graves,
embora a observação de grandes grupos
de doentes sugira que o tamanho da delecção não se correlaciona directamente
com a gravidade do fenótipo.
Embora a maioria dos doentes tenha uma delecção intersticial de novo,
13% resultam de translocações herdadas
de forma desequilibrada. Os doentes e
os pais devem ser referenciados a consulta de Genética para aconselhamento
adequado.
Os diagnósticos diferenciais colocados neste caso são o Síndrome de
Opitz G e o Síndrome de Smith-LemliOpitz (SLO). O Síndrome de Opitz G, ou
Síndrome BBB, é uma doença genética
de hereditariedade ligada ou X dominante, caracterizada por hipertelorismo, hipospádias e dificuldades de deglutição.
Nestes casos, o atraso mental (AM) habitualmente não é muito grave (cerca de
metade não tem AM). Outras características incluem fenda laríngea, do lábio e/ou
palato e ânus inperfurado ou ectópico. O
SLO é uma doença genética autossómica recessiva provocada por mutações no
gene DHCR7 que codifica para a enzima
7-dehidrocolesterol reductase. Caracteriza-se por atraso do crescimento, atraso
mental, microcefalia, anomalias genitourinárias, particularmente hipospádias,
e sindactilia do 2º/3º dedos dos pés. O
diagnóstico bioquímico desta patologia
pode ser efectuado através do doseamento de 7-dehidrocolesterol.
Discussão
O SWH é um diagnóstico clínico,
com confirmação laboratorial. Perante
um estudo citogenético normal, mas
mantendo-se suspeita clínica forte,
deve ser pedido FISH para a região crítica em 4p. O estudo citogenético deve
ser efectuado no doente e nos progenitores. O risco de recorrência é baixo
nos casos de delecção de novo, sendo
possível efectuar o diagnóstico pré-natal específico em futuras gestações do
casal A referenciação a Consulta de
Genética é importante não só pelo diagnóstico diferencial com outras doenças
genéticas, como pela necessidade de
estudo familiar e aconselhamento genético adequado.
Nascer e Crescer 2006; 15(2): 103-104
BIBLIOGRAFIA
Figura 3
104
qual o seu diagnóstico
1. Battaglia A. et al. (Updated 6 April
2004). Wolf-Hirschhorn Syndrome. In:
GeneReviews at Genetests: Medical
Genetics Information Resource (database online). Copyright, Uni. Washington, Seattle. 1997-2006. Available
at http://www.genetests.org. Acessed
2006.
2. Bergemann A et al. The etiology of
Wolf-Hirschhorn syndrome. Trends
Genet 2005; 21(3):188-195.
3. Battaglia A et al. Wolf-Hirschhorn syndrome (WHS): a history in pictures.
Clin Dysmorphol. 2000; 9:25-30.
4. Zollino M et al. Genotype-phenotype
correlations and clinical diagnostic
criteria in wolf-hirschhorn syndrome
2000.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Um Bolo Amaldiçoado
Margarida Guedes
Uma tarde pacata de domingo na aldeia. A avó toma conta do neto de 7 anos,
enquanto os pais resolvem uns assuntos. Ele entretém-se com uma bola no pátio. Ela
faz um bolo de canela para o lanche, o preferido do neto. De repente, uns gritos, um
chiar de travões seguido de um silêncio opressivo. Por uma fracção de segundo recusa
a acreditar, mas quando ouve vozes no pátio, não tem dúvidas.
– Depressa. Chame a ambulância. Ele está mal!
Passaram 4 semanas. Sabe que o neto continua ligado à máquina, mas não o pode
ver. A nora não deixa, mas não era preciso, porque o bolo abandonado na mesa não a
deixa esquecer…
Só que o que ela não sabe é que quando a bola arrastou o neto para fora do pátio,
um condutor atravessava a sua rua como se esta fosse uma via rápida…
Até quando vamos permitir que a falta de civismo dos condutores destrua vidas e
famílias?
pequenas histórias
105
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Memórias... de há vinte anos
Elizabete Borges
106
Ano de 1985. Meados de Dezembro. Concluíamos o Curso de Enfermagem. A passagem pelo Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia enquanto aluna, sensibilizou-nos pelo ambiente familiar que se vivenciava, assim como, pelos cuidados de
enfermagem que se prestavam.
Vinte Anos. A memória leva-nos a inúmeros momentos que hoje, compõem o álbum
do nosso percurso profissional, durante cerca de onze anos. Rostos que ficaram, momentos únicos, lembranças que fazem parte de uma parcela das nossas vidas.
Mas, memórias... Momentos que perduram. Bons e menos bons. Todavia, momentos em que, fundamentalmente, era a relação de ajuda que nos permitia superar os
obstáculos.
Recém – formada... Tantos sonhos, expectativas, vontade de trabalhar. E, as vinte e
poucas crianças numa noite... com uma enfermeira. Perguntam-nos como era possível
prestar cuidados? Um criança em diálise peritonial contínua, e as outras? Porém, o espírito de equipa, a relação de ajuda, um apelo, sem apelo, porque vivíamos uma época em
que tal estava implícito no nosso desempenho. Não era preciso pedir... bastava constatarmos essa necessidade. Não, que não existissem casos pontuais. Seguramente que
sim. Mas, casos pontuais... Nessa primeira noite de uma carreira de há vinte anos fica
na memória, a colega Agostinha, que de um outro serviço mesmo ao lado, soube estar
presente. Momentos de verdadeira partilha que identificam este período como único e
inesquecível
E, o banco em frente ao aquário? Local de passagem para o vestiário e imprescindível para os madrugadores poderem conversar, reflectir. Momentos que ajudavam a
construir verdadeiras amizades, como a da Lucilia que perdura há: vinte anos.
E, as visitas?... Ainda vivemos um aperto de um sentimento de há vinte anos. Essa
emoção de quantos percorriam quilómetros, horas de viagem, de camioneta, comboio,
táxi. Com sol, chuva... Mas, o tempo de visita é para se cumprir! Memórias... Um abraço,
uma lágrima no olhar, um apelo... Contrariar normas em favor da humanização... Fiquem
no corredor, depois voltem. Atitudes que nos penalizavam. Mas, um sorriso num olhar,
por vezes em situações tão condicionadas pela temporalidade, superava todo o desgaste emocional de uma repreensão já esperada, do superior hierárquico, que também
regressava para ver se tudo tinha sido cumprido.
Vinte anos.... Período, em que os internamentos eram prolongados. A alta da criança, por vezes envolta de lágrimas. Lágrimas de profissionais, crianças e pais. O reconhecimento de um trabalho realizado.
Relembro, ainda a ansiedade e angústia após alguns turnos, as voltas na cama
sem conseguir adormecer. Hoje codificado de stresse emocional, físico e espiritual...
As crianças mereceram-nos o esforço, as lutas, e o reconhecimento dos seus direitos...
Vinte anos. Modelos... Anne Casey-Parceria de Cuidados. Humanização. Vinte anos,
humanização, mas, fundamentalmente, muita dedicação.
Vestidos, trancinhas, calções, totós, bibes... brincar. Vivências que nos completaram
enquanto profissionais. Brincar. Também se fazia e, havia tempo!
E, a fêvera? E, o ovo? Memórias de uma ceia que não conseguimos apagar. Comer?
Preferíamos o bacalhau... as delicias... que alguns tão bem confeccionavam. Relembro
a colega Glória.
a criança, a família e a comunidade
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
Os cheiros, os fumos, a taquicardia de um... A estufa, ali ao lado... Vinte anos.
Regressar ao desempenho profissional após a perda de uma filha foi, seguramente,
um dos momentos mais difíceis na história deste percurso. Como cuidar de outros quando acabamos de perder igualmente, um pequeno ser? Relembro... num canto da enfermaria centrar o nosso olhar numa criança, sem qualquer visita e, gerir as emoções...
Duro, sem dúvida que sim. Cuidar de outras crianças, já que da nossa era impossível,
foi uma meta que nos permitiu confrontar as emoções e recomeçar. Ainda, que Alguém,
considerasse que um mês era suficiente para recuperar a perda de um filho. Mas nem
um mês, nem mês e meio, nem uma vida! Como se tal fosse possível!...
Nomes, rostos de crianças, familiares e profissionais que alicerçaram o que somos
hoje. Uma Instituição muito particular. Pequena... Uma pequena família. Memórias que
hoje relembramos com alguma alegria, nostalgia, saudade,...
Crianças que ultrapassaram... crianças que nos deixaram... sim, para um Outro
Lugar...
O tempo, esse não pára. A evolução técnica e científica faz-se acompanhar. O curso
das patologias altera-se. Umas diminuem, mas outras emergem com uma nova dimensão em Pediatria. A estrutura física adequa-se mais às necessidades. A presença dos
pais é permitida.
Vinte anos. O desempenho dos enfermeiros começa a ter maior visibilidade. A ser
reconhecido.
A enfermagem afirma-se. Novos profissionais são admitidos e aos poucos aquela
forte relação vai-se esvanecendo. Mantêm-se pequenos grupos aqui e ali. A evolução
acarreta alterações. Nos percursos profissionais, a competitividade, começa a despontar. Uns entram, outros saem. Algo se vai perdendo, algo se vai ganhando.
Também eu um dia, em 1996, saí. Na memória, restam lembranças, que perduram
há vinte anos.
a criança, a família e a comunidade
107
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
XVIII REUNIÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA
DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS EM PEDIATRIA
6 / 7 / 8 de Novembro de 2006
HOTEL IPANEMA PARK – PORTO
SECRETARIADO
Hospital de Crianças Maria Pia
Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto
Tel: 226 089 988 – Fax: 226 089 910
E-mail: [email protected]
ENVIO DE RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES LIVRES ATÉ 22/09/06
PROGRAMA
6 de Novembro
08.00h - Abertura do Secretariado
09.00h - Mesa Redonda: Dificuldade Respiratória
Moderadores: Augusta Areias (MJDinis)
Carlos Duarte (HCMPia)
09.00h - No Recém Nascido
Elisa Proença (MJDinis)
09.20h - No Lactente e Criança
Paula Rocha (HCMPia)
09.40h - Avaliação da Função Respiratória no Lactente
Nuno Neuparth (HDEstefânia) – Luís Miguel Borrego (HDEstefânia)
10.00h - Discussão
10.30h - Café
11.00h - Mesa Redonda: Criança em Risco
Moderadores: Lourenço Gomes (HCMPia)
Álvaro Aguiar (HSJoão)
11.00h - Como Detectar
Jeni Canha (HPCoimbra)
11.20h - A Perspectiva do Jurista
Norberto Martins (CEJ)
11.40h - Metodologias de Trabalho em Famílias de Risco
Maria José Gambôa (PAFAC)
Posters (Sala Coimbra)
Moderadores: Filomena Araújo (HCMPia)
Oscar Vaz (CHNordeste)
15.00h - Conferência: Vacina do Rotavírus
Presidente: Almeida Santos (HSJoão)
Convidado: Luís Varandas (HDEstefânia)
15.45h - Café
16.00h - Mesa Redonda: Estudos Interinstitucionais
Moderadores: Joana Moura (CHAMinho)
Gonçalves Oliveira (HSJoão de Deus)
16.00h - Criança em Risco
Maria José Vale, Conceição Casanova, Clara Paz Dias,
Camila Gesta, Ana Margarida Alexandrino, Teresa Borges
16.20h - Enurese
Paula Matos, Teresa Costa, Laura Soares,
Paulo Teixeira, João Luís Barreira
16.40h - Gastroenterites
Rosa Lima, Isabel Valente, Ariana Afonso, Ana de Lurdes Aguiar,
Sofia Aroso, Miguel Costa, Elisabete Coelho, Henedina Antunes
Henedina Antunes (HSMarcos), Virgínia Monteiro (HSMiguel),
17.00h - Painel de Discussão
António Vilarinho (CHVNGaia), Jorge Moreira (CHPVarzim/VConde),
Zulmira Correia (HCMPia)
Zulmira Correia (HCMPia)
17.30h - Sessão de Abertura
12.00h - Painel de Discussão
12.30h - Almoço
110
14.00h - Comunicações Orais (Sala Ipanema)
Moderadores: Laura Marques (HCMPia)
Ana Maria Ribeiro (HSMiguel)
notícias
18.00h - Porto de Honra
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2006, vol XV, n.º 2
7 de Novembro
14.00h - Comunicações Orais (Sala Ipanema)
08.30h - Comunicações Orais (Sala Ipanema)
Moderadores: Ermelinda Silva (HCMPia)
Cláudia Tavares (HSOliveira)
Moderadores: Ana Paula Aguiar (HPHispano)
Nilza Ferreira (HVReal/PRégua)
Posters (Sala Coimbra)
Moderadores: Alzira Sarmento (HCMPia)
Arlindo Oliveira (HFrancisco Zagalo)
Posters (Sala Coimbra)
Moderadores: Guimarães Dinis (HCSBento)
10.00h - Conferência: Rastreio Auditivo Neonatal - GRISI
Presidente: Paula Soares (MJDinis)
Convidado: Miguel Coutinho (HCMPia)
Reis Morais (HChaves)
15.30h - Café
10.30h - Café
15.45h - SESSÃO INTERACTIVA
10.45h - Conferência: Segurança do Doente e Análise de Risco:
Experiência Dinamarquesa
Presidente: Silvia Álvares (HCMPia)
Convidado: Beth Lije Petersen (DSFP)
Moderadores: Ana Ramos (HCMPia)
Luís Vale (HGSA)
15.45h - Doença Reumática
11.30h - Mesa Redonda: Segurança do Doente e Análise de Risco
Moderadores: Margarida França (IQS)
Fernando Pereira (HCMPia)
Margarida Guedes (HGSA) – Manuel Salgado (HPCoimbra)
16.15h - Hemoptises
11.30h - Acidentes no Domínio da Saúde
José Fragata (HSMarta)
Virgílio Senra (HCMPia) – Lurdes Morais (HCMPia)
16.45h - Alergia Alimentar
11.50h - Sistemas de Saúde e a Segurança do doente
Paulo Sousa (ESTSL)
Helena Falcão (HCMPia) – Herculano Rocha(HCMPia)
12.10h - Risco Clínico e Segurança do Doente
Isabel Pedroto (HGSA)
17.15h - Síndrome Nefrótico
Conceição Mota (HCMPia)
12.30h - Discussão
17.45h - Discussão
13.00h - Almoço
8 de Novembro
08.30h - Comunicações Orais (Sala Ipanema)
Moderadores: Esmeralda Martins (HCMPia)
Almerinda Pereira (HSMarcos)
CURSO SATÉLITE
Perturbações do Sono
Posters (Sala Coimbra)
Moderadores: Inês Carrilho (HCMPia)
José Gualdino (HSMaria Maior)
Organização: Departamento de Pedopsiquiatria HCMPia
Moderadores: Graça Fernandes (HCMPia)
Tojal Monteiro (HGSA)
10.15h - Conferência: Disfunção Miccional: Da Enurese à Incontinência Urinária
Presidente: Armando Reis (HCMPia)
Convidado: Miguelez Lago Carlos (HCHaya)
10.45h - Café
11.00h - Mesa Redonda: Disfunção Miccional
Moderadores: Eloi Pereira (HCMPia)
Armando Reis (HCMPia)
11.00h - Enurese Nocturna - Fisiopatologia e Tratamento
Teresa Costa (HCMPia)
11.20h - Disfunções Vesico-Esficterianas: Estudo Urodinâmico e Farmacologia
da Disfunção Vesico-Ureteral
Ribeiro de Castro (HCMPia)
11.40h - Reeducação Vesico-Esfincteriana
Rosa Amorim (HCMPia)
12.00h - Discussão
14.30h - Problemas de Sono no Lactente e Criança Pequena
Pedro Caldeira (HDEstefânia)
15.00h - Problemas de Sono na Criança mais velha
Graça Fernandes (HCMPia)
15.30h - Discussão
16.00h - Café
16.30h - Problemas do foro ORL
Miguel Coutinho (HCMPia)
17.00h - Perspectiva da Pediatria
Tojal Monteiro (HGSA)
12.30h - Sessão de Encerramento
Entrega de Prémios
17.30h - Discussão
13.00h - Almoço
18.00h - Encerramento
notícias
111
IX JORNADAS DE CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA
24 e 25 de Novembro de 2006
BIBLIOTECA ALMEIDA GARRETT - PORTO
PROGRAMA
24 de Novembro
25 de Novembro
09.00h - Abertura do Secretariado
09.30h - Mesa Redonda: O RN com Cardiopatia Congénita
Moderadores: Marília Loureiro (HCMPia) – Hercília Guimarães (HSJoão)
09.30h - Abordagem clínica e diagnóstica
Maria João Baptista (HSJoão)
09.00h - Mesa Redonda: Terapêutica da Hipertensão Pulmonar
Moderadores: António Marinho (HUCoimbra) – Graça Castro (HUCoimbra)
09.00h - Introdução
Graça Castro (HUCoimbra)
09.10h - Na UCI neonatal
Farela Neves (HPCoimbra)
09.45h - Ventilação do RN com cardiopatia
Graça Nogueira (HSMarta)
10.00h - Persistência do Canal Arterial no Prematuro: Estratégias de actuação
José Diogo Martins (HSMarta)
10.15h - Persistência do Canal Arterial no Prematuro: Epidemiologia em Portugal
José Peixoto (HPCoimbra)
10.30h - Discussão
11.00h - Café
11.15h - Mesa Redonda: Problemas de Cardiologia Pediátrica no Ambulatório
Moderadores: Conceição Trigo (HSMarta) – António Sá Melo (HUCoimbra)
11.15h - Dor precordial
Graça Ramalheiro (HPCoimbra)
09.30h - No ambulatório
Concepcion Quero (H Ramon y Cajal)
10.00h - Discussão
10.30h - Café
10.45h - Conferência: A Intervenção em Cardiologia Pediátrica
Convidado: Maymone Martins (HSCruz)
Presidente: Sashicanta Kaku (HSMarta)
11.30h - Mesa Redonda: Coarctação da Aorta
Moderadores: Fátima Pinto (HSMarta)– Miguel Abecassis (HSCruz)
11.30h - Tratamento por intervenção
Maarten Witsenburg (Sophia Children’s Hospital)
11.50h - Tratamento cirúrgico
Rodrigues de Sousa (HSJoão)
11.30h - Sincope: abordagem diagnóstica
Diogo Cavaco (HSCruz)
12.10h - Evolução da coarctação tratada
Lídia de Sousa (HSMarta)
11.45h - O adolescente e o desporto
José Alberto Duarte (FADEUPorto)
12.30h - Discussão
13.00h - Almoço
12.00h - A experiência nacional com Palivizumab
Cláudia Moura (HSJoão)
14.00h - Posters
Moderadores: Teresa Vaz (HSJoão) – Anabela Paixão (HSMarta)
12.15h - Discussão
14.45h - Mesa Redonda: A Perspectiva do Médico Geneticista:
Moderadores: Margarida Reis Lima (IGM) – António Vieira (HSJoão)
12.45h - Sessão de Abertura
13.00h - Almoço
14.45h - Diagnóstico em Genética Clínica
Gabriela Soares (IGM)
14.00h - Conferência: O Estado da Arte em Cardiologia Pré-natal
Convidado: Paulo Zielinsky (Univ. Rio Grande do Sul)
Presidente: José Carlos Areias (HSJoão)
15.00h - Diagnóstico em Genética Laboratorial
Jorge Pinto Bastos (IGM)
15.15h - Mesa Redonda: Diagnóstico pré-natal de Cardiopatias:
Estudo multicêntrico
Moderadores: Beatriz Calado (DGSaúde) – António Macedo (HSMarta)
Painel: Isabel Menezes (HSCruz), José Monterroso (HSJoão),
Manuel Ferreira (HCVP), Maria do Céu Rodrigues (MJDinis)
16.00h - Controvérsias: Interrupção da gravidez no coração univentricular
Moderadores: Eduardo Castela (HPCoimbra) – Cristina Cruz (HSJoão)
A favor: Agostinho Borges (HSMaria)
Contra: José Fragata (HSMarta)
16.45h - Café
17.00h - Comunicações livres
Moderadores: Lúcia Ribeiro (HPCoimbra) – Rufino Nascimento (CHFunchal)
15.15h - Aconselhamento Genético e Diagnóstico Pré-natal
Margarida Reis Lima (IGM)
16.00h - Discussão
16.15h - Conferência: O Coração nas Doenças de Sobrecarga
Convidado: François Sassolas (CHU Lyon)
Presidente: Silvia Álvares (HCMPia)
16.45h - Café
17.00h - Casos difíceis
Moderadores: Manuel Pedro Magalhães (HCVP) – Rui Anjos (HSCruz)
Painel: Eduardo Dias da Silva (HSJoão), Jorge Moreira (HSJoão)
Maria Ana Sampaio (HCVP), Rui Ferreira (HSCruz)
19.00h - Encerramento
ENVIO DE RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES LIVRES ATÉ 20/10/06
ORGANIZAÇÃO:
Secção de Cardiologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria
Grupo de Estudos de Cardiopatias Congénitas no Adolescente e Adulto da Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Hospital de Crianças Maria Pia
Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto
Tel: 226 089 988 Fax: 226 089 910
E-mail: [email protected]
SECRETARIADO:
Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Campo Grande, 28 - 13º – 1700 – Lisboa
Tel: 217 817 634/30 Fax: 217 931 095
E-mail: [email protected]

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