licenciatura em direito canónico relações igreja

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licenciatura em direito canónico relações igreja
LICENCIATURA EM DIREITO CANÓNICO
Ano Lectivo 2012-2013
Semestre de Inverno
RELAÇÕES IGREJA-ESTADO
PROGRAMA
I. INTRODUÇÃO
1. A distinção e separação da Religião e Politica, com a consequente
dessacralização desta última como dado estruturante e fundamental da Revelação
evangélica (cf. Mt 22, 15-22; Mc 12, 13-17; Lc 20, 20-26).
2. As referências mais significativas desta distinção na instrução parenética da
Igreja Apostólica (cf. Rm 13, 1-7; I Tm 2, 1-4; I Pd 2, 13-15) e Patrística até ao Edito
de Milão (313).
3. Duas interpretações sobre o alcance deste dado cultural cristão: L. Sturzo
(Chiesa e Stato, Bolonha 1958); e K. U. Shelk (Teologia del Nuevo Testamento IV,
Barcelona 1978).
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II. A LIBERDADE CONCEDIDA À IGREJA PELO ÉDITO DE MILÃO (313)
As consequências deste monumento jurídico: o cesararopapismo bizantino e as
reacções no campo católico. A primeira tentativa sistemática da definição das relações
Igreja-Estado pelo Papa Gelásio I (+ 494) assinalada na História com a designação de
“Teoria Gelasiana”, defensora da diarquia de poderes: Sacerdócio e Império.
III. O
PERÍODO DA CRISTANDADE CONSEQUENTE À EVANGELIZAÇÃO DOS
POVOS BÁRBAROS.
BREVE SÍNTESE PARA A COMPREENSÃO DA REFORMA MEDIEVAL
INICIADA POR GREGÓRIO VII.
1. A inauguração da Cristandade com a coroação papal de Carlos Magno no
Natal de 800. A sua fase levada às últimas consequências com a Renovatio Imperii
por Otão III estabelecida sobre a regra definidora da sua vigência: Qui hostis est
Ecclesiae, Civitatis quoque hostis est, qui Civitatis, Ecclesiae (Quem é inimigo da
Igreja é também inimigo da Cidade (Sociedade) e quem é inimigo da Cidade é
inimigo da Igreja), o que vai conduzir a uma intromissão abusiva do poder secular na
vida interna da Igreja.
O desenvolvimento da Cristandade com a formação do Sacro Império RomanoGermânico por Otão III.
2. A luta pela liberdade da Igreja iniciada por Gregório VII (1973-1085). Uma
nova perspectiva sobre as relações Igreja-Estado elaborada por este Papa: o poder
espiritual da Igreja, consideradas a sua origem e constituição, é o poder mais
excelente no mundo porque é concedido directamente por Deus. Argumentos
teológicos e jurídicos que sustentam esta tese de Gregório VII:
Com a autoridade de “ligar e desligar” concedido por Jesus Cristo aos Apóstolos
(cf. Mt 18, 18), foi concedido aos Apóstolos o poder de julgar quer os fiéis, quer os
príncipes e os reis, os quais relativamente à ordem espiritual, não podem considerarse independentes.
Tal poder foi concedido particularmente a Pedro e aos seus Sucessores (Mt 16, 18),
a quem compete julgar as “realidades mais importantes e as principais questões de
toda a Igreja” sem possibilidade do deu juízo poder ser refutado, como atesta a
tradição unânime da Igreja.
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A versão de Inocêncio III: o poder temporal deriva, quanto à sua eficácia, do poder
espiritual, “como a lua recebe do sol a sua luz” e, por isso, ao poder da Igreja cumpre
o dever universal de julgar ratione peccati (Cf. Decreto Novit ille, 1196, e a Bula
Sicut universitatis, 1198).
3. A versão de Bonifácio VIII: a Teoria das “Duas Espadas” (Bula Unam
Sanctam, 18-11-1302). A tese fundamental: “Sabemos pelas palavras do Evangelho
que, nesta Igreja e em seu poder, existem duas espadas, uma espiritual e outra
temporal, porque quando os Apóstolos disseram: Eis aqui duas espadas (cf. Lc 22, 34)
– e sendo os Apóstolos a falar referiam-se à Igreja – o Senhor não respondeu que
eram demasiadas, mas que eram suficientes. E quem nega que a espada temporal
pertence a Pedro interpretou mal as palavras do Senhor mete a tua espada na bainha
(cf. Lc 22, 35)...” (Bula Unam Sanctam).
IV. REACÇÕES
À DOUTRINA DA CRISTANDADE SOBRE RELAÇÕES IGREJA E
COMUNIDADE POLÍTICA
1. O Sistema Cesaropapista de Marsílio de Pádua defendido na sua obra
Defensor Pacis: a defesa do Estado laico, instituição suprema da Comunidade Politica
criada por vontade popular da qual se origina a relação essencial que une todos os
cidadãos com vista à obtenção do bem comum; a explicação da Igreja como
continuadora da missão de Jesus Cristo, mediante o Sacerdócio e cujo poder se
concretiza em ensinar a Revelação, consagrar e exercer o “poder das chaves”; uma
vez que este poder eclesial não tem qualquer força coactiva, a Igreja deve acolher-se à
protecção do poder do Estado.
2. O Galicanismo: suas fontes principais que são a Pragmática Sanção de
Bourges (ano de 1438), a obra de P. Pithou De ecclesiastica et politica potestate, e a
Declaração do Clero Galicano.
Teses fundamentais: a superioridade do Concílio sobre o Papa; liberdades
galicanas originadas de concessões da Santa Sé e que se tornaram direitos adquiridos
por força do costume; as decisões da Santa Sé só permanecem imutáveis quando
sancionados pelo consensus da Igreja da França.
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3. Febronianismo, doutrina defendida por Nicolau Von Hontheim (17011790), teólogo da Universidade de Lovaina e exposta na sua obra Iustini Febronii
Iurisconsulti de Statu Ecclesiae deque legitima potestate Romanis Pontificis liber
singularis dissidentes in religione constitutos.
A tese fundamental do Febronianismo defende que o Papa deve ser
reconhecido como centro da unidade da Igreja, tutor dos sagrados cânones, o primeiro
na autoridade, mas não na jurisdição pois esta foi usurpada no século IX com
fundamento nas Decretais Pseudo-Isidorianas.
V. TEORIA LIBERAL OU SEPARATISTA
Ao estudar-se as relações entre a Igreja e a Comunidade Politica, o
Liberalismo apresenta-se diversificado em três correntes:
1. Forma rígida: proclama-se que a prática religiosa é fruto da convicção
pessoal. Por isso, resta abolido o princípio da religião oficial do Estado; este não se
declara ateu, mas, por respeito à consciência religiosa dos seus cidadãos, respeita o
direito de cada um escolher a sua própria fé.
Esta forma inspira a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 e a
Emenda de 1791.
2. Forma moderada: tendo em conta a importância que o catolicismo
apresenta, especialmente em países tradicionalmente cristãos, reserva-se à autoridade
pública o direito de aprovar ou ao menos fiscalizar as suas instituições públicas.
Fórmula inspiradora da Constituição Italiana de 1870.
3. Catolicismo liberal: na exposição desta matéria, socorre-se do método da
tese e da hipótese. Em tese, a Igreja devia ser protegida pelo Estado como verdadeira
Igreja de Cristo; hipótese, mas dado que hoje prevalece uma ruptura na fé cristã
provocada por acidentes históricos, a Igreja Católica deve contentar-se com o estatuto
comum concedido pelo Estado a todas as Igrejas desde que salvaguarde os direitos de
consciência, de culto privado e público, de proclamação da fé, de ensino e de difusão
social.
Esta fórmula foi consagrada no Acto de Emancipação Católica da Grã-Bretanha e
da Irlanda, com data de 1789.
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VI. O IUS PUBLICUM ECCLESIASTICUM
1. Iniciada por Roberto Belarmino e aperfeiçoada por Francisco Suarez, só
para destacar dois nomes importantes, tal sistema tornou-se corrente na Escola
Católica, em seus diversos cambiantes, praticamente até ao Concílio Vaticano II.
Eis os elementos essenciais que estruturam este sistema: a Igreja e o Estado são
sociedades perfeitas, isto é, perseguem um fim supremo na sua ordem (natural ou
sobrenatural); dispõem de uma suficiência de meios para atingir o seu fim; e, por isso,
são autónomas e independentes.
Tudo o que pertence à ordem sobrenatural entra na competência do poder da
Igreja; e tudo o que pertence à ordem natural pertence à competência do poder da
comunidade politica ou Estado.
Acontece, porém, que existem realidades de natureza temporal que se destinam a
um fim espiritual ou apresentam um aspecto espiritual (coisas mistas) e como o fim
da Igreja é mais excelente em virtude de ser um fim espiritual, tais realidades (vg. o
matrimónio dos católicos) pertencem, em razão do aspecto espiritual, ao fim da Igreja.
Era precisamente sobre este aspecto que se tornava polémica a discussão dos
Autores do Ius Publicum Ecclesiasticum: simples preferência fundada numa ordem de
valores? Verdadeira subordição do Estado à Igreja?
2. Após a II Guerra Mundial, em virtude das ideologias reinantes que levaram
a atentados contra a pessoa humana, como o “holocausto nazi”, adquiriu uma nova
premissa na sua formulação: uma vez que o Estado e a Igreja estão ao serviço da
pessoa humana, devem convergir para o progresso da mesma num regime de “sã
cooperação”. Esta fórmula costuma ser designada por “Sistema dos poderes distintos
convergentes”.
VII. NO CONCÍLIO VATICANO II
1. A denúncia, a modo de preâmbulo, contida na GS, 22 de certos ateísmos
militantes que, havendo-se apoderado do poder, provocam uma discriminação a nível
de cidadania entre crentes e não crentes e, deste modo, lesiva dos direitos
fundamentais da pessoa humana.
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2. Os princípios programáticos enunciados em GS, 76: autonomia e
independência da Igreja e do Estado com fundamento na própria missão e
competência de cada uma destas entidades; o regime de “sã cooperação”, atentas as
circunstâncias de lugar e de tempo, por razão de ambas se encontrarem ao serviço da
vocação pessoa e social dos mesmos homens; a reivindicação de uma liberdade
necessária e suficiente, mesmo a custo da renúncia a privilégios legitimamente
adquiridos, para a Igreja exercer a sua missão que, por virtude de ser “sinal e
salvaguarda da transcendência da pessoa humana”, comporta também o ensino da sua
doutrina social e o pronunciamento moral em matérias políticas estando em causa a
salvação do homem e os direitos humanos.
3. A reivindicação de a Igreja exercer a nomeação dos seus bispos como
direito próprio, peculiar e, por sua natureza, exclusivo da autoridade eclesiástica (CD,
20), avaliada como critério prático para se ajuizar, em cada situação histórica, se a
mesma Igreja é ou não efectivamente livre.
4. A liberdade da Igreja como direito divino e direito humano à liberdade
religiosa (DH, 13). A sugestão da Declaração conciliar de um modelo de relações
Igreja-Comunidade Política: a liberdade religiosa, “não apenas proclamada por
palavras, mas levada à prática com sinceridade” (DH, 13): os requisitos necessários
para tal modelo permanecer assegurado.
VIII. PARA
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-JURÍDICA DAS RELAÇÕES DA
IGREJA E COMUNIDADE POLÍTICA EM PORTUGAL
1. A situação da Igreja durante o período histórico da I República: uma
avaliação da situação jurídica através da legislação promulgada por este Regime.
2. A Igreja e o Estado Novo: a situação jurídica na Constituição de 1933 e
aquela resultante da Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé.
3. O direito à liberdade religiosa na Constituição da República Portuguesa
actual e sua concretização na Lei da Liberdade Religiosa (Lei nº 16/2001).
4. O regime específico estabelecido com a Igreja Católica, em Portugal,
através da Concordata de 18 de Maio de 2004: uma análise dos preceitos
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concordatários vigentes orientada, em especial, para a verificação se tal diploma se
poderá considerar (ou não) uma “Concordata fiel ao Concílio Vaticano II”.
IX. A IGREJA E A COMUNIDADE INTERNACIONAL
Os princípios gerais das relações entre a Igreja e a Comunidade Internacional:
conceito e personalidade da Igreja católica; conceito e personalidade da Santa Sé; a
soberania territorio-estatal (Estado do Vaticano) como garantia da soberania
espiritual; a presença e actividade da Igreja nas relações internacionais através do ius
legationis e do ius tractandi (e, num ou noutro caso, do ius mediandi) respectivas
implicações na actividade diplomática; a presença da Igreja nas organizações
internacionais.
X. A IGREJA E A EUROPA DAS COMUNIDADES
Os princípios gerais das relações Igreja-Europa: o seu significado; a recíproca
independência e autonomia; os órgãos de cooperação; a mútua colaboração suo modo;
o princípio instrumental do diálogo.
BIBLIOGRAFIA
CAPELLO, Félix, Summa iuris ecclesiastici, Romae, 1954.
GHIRLANDA, Gianfranco, «La Chiesa società nell’economia della Chiesa
sacramento di Salvezza», in Iuri Canonico, Quot sit Chisti ecclesia Felix, Estúdios
canónicos en homenage al Prof. Dr. D. Júlio Manzanares Marijuán, Salamanca, 2002,
101-131.
CULLMAN, O., El Estado en el Nuevo Testamento, Madrid, 1966.
OTTAVIANI, A., Institutiones Iuris Publici Ecclesiastici, 2 vols, Roma, 1958-1960.
LECLER, J., LÉglise et la souverainité de l´État, Paris, 1945.
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CALVO, J., Teoria general del Derecho Público Eclesiástico, Santiago de
Compostela, 1968.
GUIMÉNEZ MARTINEZ DE CARVAJAL, J. CORRAL, Relaciones de la Iglesia y
el Estado, Madrid, 1976.
LOMBARDIA , P., Las relaciones entre la Iglesia y el Estado, Madrid, 1989.
MARTIN MARTINEZ, I., Sobre la Iglesia y el Estado, Madrid, 1989.
PIOLA, A., Stato y Chiesa dopo il Concilio, Milano, 1968.
SPINELLI, L., Problemática attuale nei rapporti tra Chiesa e Stato, Modena, 1970.
HUGO RAHNER, Kirche und Staat im fruhen Christentum, Munchen, 1961. Trata-se
de uma colectânea preciosa que recolhe os textos históricos originais sobre esta
matéria.
CORRAL SALVADOR, C., La relación entre la Iglesia y la Comunidad Politica,
Madrid, 2003. Recomenda-se especialmente esta obra editada pela BAC que servirá
de livro de acompanhamento do curso.
REGIME DE AVALIAÇÃO
A avaliação será o resultado da nota do exame final.
Lisboa, ISDC, 10 de Setembro de 2012.
O Professor
P. Manuel de Pinho Ferreira
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