Subcapítulo 7.4: Prisão arbitrária, tortura e maus
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Subcapítulo 7.4: Prisão arbitrária, tortura e maus
Subcapítulo 7.4: Prisão arbitrária, tortura e maus-tratos 7.4.1 Introdução A prisão arbitrária, também conhecida como privação arbitrária da liberdade, foi a violação mais sofrida pelo povo timorense de entre aquelas que foram registadas pela Comissão, tendo ocorrido ao longo de todo o período de conflito em Timor-Leste, quer durante o conflito interno armado, quer durante o conflito com a Indonésia, e em todos os distritos. Embora todas as partes do conflito tenham detido pessoas de forma arbitrária, os membros das forças de segurança indonésias foram responsáveis pela grande maioria dos casos documentados pela Comissão. A prisão arbitrária é um factor importante a ter em conta, não só por constituir uma violação em si, como por ter exposto as vítimas a muitas outras violações. Os maus-tratos e a tortura (respectivamente, a terceira e quarta violações mais frequentes) ocorreram maioritariamente enquanto as vítimas estavam presas. Outros capítulos deste relatório também concluem que a violência sexual, as execuções e desaparecimentos, o recrutamento forçado, o trabalho forçado, o saque de bens, a privação de alimentos e a deslocação forçada ocorreram com frequência enquanto as vítimas se encontravam sob regime de prisão e, consequentemente, sob a tutela dos perpetradores. A extensão das detenções e dos abusos físicos praticados contra o povo de Timor-Leste reflecte um período de 24 anos de brutalidade e de uso contínuo de violência para aniquilar a oposição política, que culminou na violência e destruição de 1999. O Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura concluiu, no seu relatório de Janeiro de 1992, que a tortura era prática comum em * Timor Leste. Como se demonstra neste subcapítulo, estas violações foram frequentemente aceites, ignoradas ou até perpetradas por aqueles que se encontravam no poder em cada fase do conflito. A impunidade em relação à perpetração de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos era comum. O presente capítulo examina a natureza e a extensão da prisão arbitrária, da tortura e dos maus† tratos ao longo do período entre 1975 e 1999. Em 1974, o início do período do mandato, foram relatados muito poucos casos. Espera-se que, ao examinar estes padrões e as estruturas e estratégias subjacentes, o povo de Timor-Leste possa compreender como estas violações puderam ocorrer e o que pode ser feito para impedir que se repitam. Definições e princípios jurídicos Prisão arbitrária O direito internacional dos direitos humanos garante a todas as pessoas o direito à liberdade e a 1 não serem presas ou detidas de forma arbitrária pelo Estado. * O Relator Especial da ONU apresentou 11 recomendações para serem implementadas pelas autoridades indonésias e pôr fim à tortura. Só duas destas recomendações foram implementadas, nomeadamente a criação de uma Comissão Nacional de Direitos Humanos e a adesão à Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Esta última só ocorreu em 1998. † Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, relatos sobre mortes e desaparecimentos sob regime de prisão. -1- Detenção: No presente Relatório, a Comissão utilizou a palavra “detenção” para descrever de maneira geral o processo pelo qual uma pessoa é detida, independentemente de esse processo ser levado a efeito por autoridades competentes, agindo dentro da lei ou fora dela. Prisão: A palavra “prisão” foi utilizada para fazer referência a qualquer forma forçada de privação da liberdade, fosse num ambiente prisional formal ou noutro local. Por conseguinte, prisão é qualquer situação em que uma pessoa é mantida numa área confinada contra a sua vontade. De acordo com o direito internacional, a prisão é arbitrária quando se verifica uma das seguintes circunstâncias: • Não há base jurídica que a justifique • A prisão surge na sequência do exercício legítimo de direitos fundamentais (por exemplo, a liberdade de expressão ou de opinião) • A situação implica violações dos direitos humanos de tal gravidade que a prisão pode ser considerada arbitrária (por exemplo, na ausência de instrução correcta do processo 2 ou de um julgamento justo). Num conflito armado, é permitido capturar combatentes inimigos e prendê-los como prisioneiros de guerra. No entanto, de acordo com o direito penal nacional, os civis não devem ser presos sem uma razão legítima. Quando um civil ou combatente ilegal é preso e acusado de um crime, deve ser rapidamente 3 apresentado (no prazo de poucos dias) a um juiz, e ser julgado num prazo razoável ou ser 4 libertado. Se isso não acontecer, a prisão pode ser considerada arbitrária. A Comissão faz notar que estas normas só foram utilizadas como directrizes para a sua investigação, não representando uma conclusão sobre a natureza arbitrária ou não da prisão em cada caso. * Segundo o direito indonésio, era proibido raptar ou privar uma pessoa da sua liberdade. Estas infracções também eram aplicáveis a funcionários do Estado, incluindo membros das Forças Armadas indonésias, e as sentenças eram mais graves caso o funcionário tivesse utilizado o seu † poder para cometer uma infracção. O direito penal português proibia prender, deter ou restringir ‡ ilegalmente uma pessoa. Tortura A tortura é considerada uma violação grave dos direitos humanos e é absolutamente proibida em 5 todas as circunstâncias. Segundo o direito internacional, “tortura” implica infligir intencionalmente dor ou sofrimento intenso, geralmente com o objectivo de punir, intimidar, coagir, obter informações ou uma 6 confissão, ou por qualquer razão relacionada com algum tipo de discriminação. Embora esta definição também implique a participação do Estado na prática do acto de tortura, a Comissão * Artigos nºs 328º e 333º do KUHP (Kitab undang-undang Hukum Pidana, Código Penal indonésio). Artigos nºs 421º, 52º do KUHP. ‡ Artigo 330º do Código Penal português. † -2- entende que, à luz das definições de outros órgãos internacionais e ao abrigo do direito consuetudinário, os actos praticados por intervenientes não estatais e sem a concordância do 7 Estado também podem constituir tortura. Tratamento cruel, desumano ou degradante (maus-tratos) Quando um acto não chega a ser de tortura, por não ser suficientemente grave, ou por não ser claramente praticado por uma das razões referidas, pode ainda assim ser um tratamento cruel, desumano ou degradante (geralmente referido como maus-tratos). Esta categoria abrange, por 8 9 exemplo, prisão solitária, privação de sono, imobilização de uma pessoa em posições 10 11 dolorosas, manter uma pessoa com a cabeça encapuçada e sujeitar uma pessoa a ameaças 12 de morte. Os maus-tratos também são proibidos, sob quaisquer circunstâncias, pelo direito 13 internacional. Quando as condições em que uma pessoa se encontra presa não satisfazem os requisitos mínimos estabelecidos pelo direito internacional, pode considerar-se que existe uma situação de 14 tratamento cruel, desumano ou degradante, ou de punição. O direito internacional requer que 15 todos os presos sejam tratados de maneira humana. Não devem ser sujeitos a privações nem a restrições além daquelas resultantes da privação da liberdade e devem usufruir de todos os direitos humanos possíveis, com as restrições inevitáveis que resultam de estarem num 16 ambiente fechado. Os períodos prolongados de prisão solitária ou de prisão sem possibilidade 17 de comunicação, em particular, podem violar estas normas. Existem normas mais específicas em instrumentos internacionais como o Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão; Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos e Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. Estas normas afirmam que os prisioneiros devem receber: • Alojamento que cumpra todos os requisitos de saúde, levando em conta condições climatéricas, quantidade cúbica de ar, espaço mínimo de solo, iluminação e ventilação • Janelas e luz artificial para permitirem uma ventilação e iluminação suficientes • Instalações sanitárias que possam ser utilizadas de uma maneira higiénica e decente • Instalações para tomar banho adequadas • Uma cama individual e limpa para cada prisioneiro • Alimentação de qualidade suficiente e em quantidade adequada para garantir a saúde e o vigor • Água potável sempre que for necessária • Oportunidades frequentes de praticar exercício • Acesso a cuidados de saúde • Oportunidades para comunicar com amigos e familiares por correspondência e receber visitas • Acesso a livros, jornais e outras fontes de informação • Possibilidade de satisfazer, tanto quanto possível, as exigências da sua fé religiosa. Nem todos estes requisitos são obrigatórios, mas fornecem normas que ajudam a determinar o incumprimento da obrigação geral de tratar os prisioneiros com humanidade e respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. -3- Distinção entre maus-tratos e tortura A Comissão faz notar que a distinção entre tortura e maus-tratos costuma ser difícil, pois implica questões de facto e de grau. Atendendo sobretudo a factores de ordem linguística — o termo indonésio para “tortura” é frequentemente utilizado para abranger várias formas de maus-tratos, desde maus-tratos ligeiros a tortura grave — nem sempre foi fácil para a Comissão determinar qual a violação ocorrida num determinado caso de abuso físico ou emocional. Além disso, como as vítimas não estavam muitas vezes cientes destas subtis distinções jurídicas, nem sempre descrevem aquilo que sofreram com pormenores suficientes para que a sua experiência possa ser classificada ao abrigo do direito internacional. Como a Comissão não é um tribunal, não era fundamental que tirasse conclusões sobre a natureza legal da experiência da vítima. A menos que o tratamento se enquadrasse claramente numa ou noutra categoria, a Comissão não o classificou por categorias, preferindo explicar os actos específicos de abuso físico ou emocional sofridos pela vítima. Nos casos em que a vítima não mencionou as formas específicas de abuso, limitando-se a descrever a sua experiência como “tortura”, essa descrição foi aceite para efeitos estatísticos. Proibições ao abrigo do direito nacional sobre agressões e maus-tratos Além das normas internacionais relativas a tortura e maus-tratos, também eram aplicáveis leis nacionais proibindo várias formas de agressões e maus-tratos e criminalizando esse tipo de conduta. Segundo o direito penal indonésio, infligir “maus-tratos” a uma pessoa constituía acto criminal, sendo aplicada uma pena mais severa nos casos em que os maus-tratos tivessem * provocado ferimentos físicos graves ou morte, ou tivesse havido premeditação. Também era † considerado crime provocar deliberadamente ferimentos físicos graves a outra pessoa. Estas infracções também eram aplicáveis a funcionários do Estado, incluindo membros das Forças Armadas indonésias, e as sentenças eram maiores caso um oficial utilizasse o seu poder para ‡ cometer uma infracção. Além disso, certas condutas estavam especificamente vedadas aos oficiais, como o uso indevido do poder para forçar alguém a fazer, não fazer, ou tolerar alguma § ** coisa, e o uso de coerção para induzir uma confissão ou declaração num caso penal. O direito penal português também proibia as agressões, sobretudo em casos que originassem doença, †† ferimentos e danos psicológicos, ou que levassem à morte. Padrões de prisão, maus-tratos e tortura durante o período do mandato Tal como foi acima mencionado, a prisão, a tortura e os maus-tratos encontram-se entre as violações relatadas com mais frequência durante todo o período do mandato. De todas as violações não fatais relatadas à Comissão, 42,3% (25.347/59.972) foram prisões, 18,5% ‡‡ (11.123/59.972) foram actos de tortura e 14,1% (8.436/59.972) foram actos de maus-tratos. Quase 67%, ou dois terços, das vítimas de violações não fatais relataram ter sido presas a dada altura. A maioria dos actos de tortura e maus-tratos ocorreram sob regime de prisão. * Artigos 351º-353º do KUHP. Artigos 354º-355º do KUHP; ‡ Artigos 421º, 52º do KUHP. § Artigo 421º do KUHP. ** Artigo 422º do KUHP. †† Artigos 359º, 360º e 361º do Código Penal português. ‡‡ Estes valores não representam, de modo algum, o total dos casos de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos ocorridos em Timor-Leste durante este período. São o resultado dos testemunhos de cerca de apenas 1% da população e, como não foram “comparados” estatisticamente, dois testemunhos diferentes podem referir-se ao mesmo incidente de prisão, tortura ou maus-tratos [ver Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos]. † -4- Padrões ao longo do tempo A incidência de prisão arbitrária durante o período não foi uniforme. O gráfico abaixo apresenta o padrão dos casos de prisão, tortura e maus-tratos reportados ao longo do tempo. [INSERIR Número <g122Mhrvd8888.pdf> por aqui] O gráfico revela que as três violações seguiram padrões semelhantes e que se verificaram dois picos nos níveis de tais violações: em 1975, durante o conflito interno armado e a invasão indonésia do território, e em 1999, quando a população de Timor-Leste votou a favor da independência e os militares indonésios se retiraram. No entanto, durante todo o período entre 1976 e 1984, quando tiveram lugar operações militares indonésias em larga escala para conquistar Timor-Leste e destruir a Resistência, verificaram-se níveis elevados de prisão, tortura e maus-tratos. Durante o período de 14 anos decorrido entre 1985 e 1998, quando Timor-Leste era, supostamente, mais uma província da Indonésia, continuaram a ser relatados casos de prisão arbitrária e de tortura todos os anos, sob a forma de violência esporádica de baixa intensidade. Este padrão é consistente com o padrão de violações fatais: nas alturas em que mais pessoas eram presas de forma arbitrária e sofriam abusos físicos, o número de assassinatos também era superior [ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. Padrões no espaço Os padrões espaciais não são consistentes ao longo dos períodos de conflito. Nos primeiros anos do período do mandato, os números mais elevados de casos de prisão, tortura e maustratos verificaram-se nos distritos ocidentais. Por volta de 1980, a situação transferira-se claramente para os distritos orientais, onde estava baseada a Resistência e ocorria a maior actividade de resistência, assim permanecendo até 1984. Entre 1985 e 1998, houve violência esporádica a níveis semelhantes em todas as regiões do território, mas não em todos os distritos, nem em todos os anos. Em 1999, os distritos mais próximos da fronteira — Bobonaro, Covalima e Liquiça — foram palco da maior parte da violência. No geral, o número mais elevado de prisões durante o período do mandato (18% do total de relatos) ocorreu em Díli, seguido de Lautém, Viqueque e Baucau (a região oriental). O menor * número de casos documentados veio de Oecusse (0,8%), seguido pelos distritos de Covalima e de Liquiça. Quanto aos casos de tortura e maus-tratos, embora tenham apresentado os valores mais elevados em Díli (respectivamente 12% e 13% do total de casos relatados), ocorreram com mais frequência nos distritos de Ermera e de Manufahi. [Inserir gráfico gVtypeDisthrvd4006001000] As vítimas O processo de recolha de testemunhos da Comissão identificou 17.169 vítimas de prisão arbitrária, 8.508 vítimas de tortura e 6.872 vítimas de maus-tratos. Estes casos permitiram verificar que a maioria das violações foram sofridas por homens jovens em idade militar ligados à Fretilin/Falintil ou a outros grupos que resistiam à ocupação indonésia. Inserir gráfico g11210400 * Até 1999, quase não houve casos de prisão, tortura e maus-tratos no enclave de Oecusse, exceptuando os ocorridos em 1975. Esta situação alterou-se em 1999, quando a violência das milícias alvejou esta área. -5- Inserir gráfico g11210600 Género No geral, as mulheres representaram 13,9% das vítimas nos casos de prisão arbitrária, 12,3% nos casos de tortura e 7,7% nos casos de maus-tratos. Este enviesamento dos dados no que se refere ao género reflecte o facto dos homens estavam na linha da frente do conflito, lutando no conflito interno armado e integrando a Resistência armada ou as redes clandestinas durante a ocupação, e que o número de mulheres que deu testemunhos foi inferior ao de homens. Só 21% dos testemunhos recolhidos no processo de recolha de testemunhos da Comissão foram dados por mulheres. Filiação As vítimas de prisão, tortura e maus-tratos foram sobretudo membros da Resistência e das redes clandestinas, mas também estudantes e outros apoiantes da independência, ou pessoas suspeitas de o serem. Também foram presas e torturadas muitas pessoas apenas indirectamente envolvidas na luta. Foram presos amigos e familiares de alegados insurgentes e membros de redes clandestinos, frequentemente com o objectivo de isolar os alegados membros da Resistência armada ou clandestina das suas redes de apoio e assim obrigá-los a render-se. Familiares e companheiros também foram presos, torturados e maltratados, com o intuito de lhes ser extraída informação sobre o paradeiro e as actividades de familiares ou companheiros suspeitos. Exemplo disto são as centenas de famílias enviadas pelas autoridades indonésias para Ataúro no início da década de 1980, por terem familiares na Resistência ou serem provenientes de áreas onde a resistência era forte. Isto significa que pouquíssimas prisões, ou casos de tortura e maus-tratos relatados à Comissão, foram ataques aleatórios contra civis sem qualquer motivação política. Os timorenses que colaboravam com a Indonésia representam um número muito pequeno das vítimas. Dimensão dos grupos A maioria das vítimas era presa individualmente, o que sugere que eram alvos específicos do perpetrador. Contudo, este número é seguido de perto pelo de vítimas que relataram ter sido presas em grupos de 98 ou mais pessoas. A prisão de indivíduos e de grupos está estreitamente relacionada: quando eram presas mais pessoas individualmente, também eram presas mais pessoas em grupo. Os padrões foram mudando ao longo do tempo: em todos os anos entre 1975 e 1984, excepto 1983, o número de pessoas presas em grupos grandes excedeu o de prisões individuais; entre 1985 e 1998, o número de prisões individuais excedeu o de pessoas presas em grupos grandes. Isto indica que, nos anos finais da ocupação, as detenções efectuadas pelas forças de segurança indonésias tornaram-se mais específicas e estratégicas relativamente a pessoas individuais. Inserir Número <gp_Tsgroupindiv400.pdf> Inserir Número <gp_Tsgroupindiv600.pdf> Como é óbvio, a tortura e os maus-tratos atingiram mais as vítimas individuais do que as que integravam um grupo. No entanto, a categoria “grupos de 98 ou mais pessoas” foi a segunda mais elevada nos relatos de pessoas que sofreram tortura e maus-tratos e, em dois anos — 1975 e 1982 — o número de relatos de pessoas torturadas em grupo foi superior ao de pessoas torturadas individualmente. Exemplos de tortura e maus-tratos de grupos incluem a prisão de grande grupos de pessoas, posteriormente espancadas pelos seus captores e mantidas em condições terríveis — resultando em tratamento desumano. -6- Perpetradores institucionais Os perpetradores mais frequentes de prisão arbitrária, maus-tratos e tortura foram, de longe, os militares e polícia indonésios, juntamente com os seus grupos coadjuvantes. Em conjunto, foram referidos como tendo participado directamente em 82,2% (20.867/25.383) dos casos de prisão arbitrária e em 82,4% (16.135/19.578) dos casos de tortura e maus-tratos. Se este número for desagregado, torna-se evidente que os membros dos militares e polícia indonésios agindo por conta própria representam o maior número de perpetradores. As vítimas atribuíram 48,1% (12.212/25.383) dos incidentes de prisão arbitrária e 45,5% (8.890/19.578) dos casos de tortura e maus-tratos a membros das Forças Armadas indonésias agindo sozinhos. Diferentes organizações das Forças Armadas indonésias foram responsabilizadas pelos actos em diferentes ocasiões. Relativamente aos primeiros anos, os batalhões e seus respectivos comandantes foram referidos como responsáveis na maioria dos casos de prisão, tortura e maus-tratos porque estes se verificaram durante operações militares. Relativamente ao final da década de 1970, as referências mais frequentes apontam para as unidades que integravam a estrutura territorial, como os comandos militares distritais e subdistritais (Kodim e Koramil). A Polícia tornou-se mais activa na fase final da ocupação, quando os procedimentos de prisão na província foram normalizados. O facto de várias organizações de serviços de informação e as Forças Especiais (Kopassandha/Kopassus) terem praticado com frequência actos de prisão, detenção, tortura e maus-tratos reflecte a circunstância dos principais alvos do aparelho de segurança durante a ocupação serem os membros da Resistência armada e clandestina. Estas violações foram perpetradas de forma directa e indirecta — por exemplo, ordenando ou incentivando os grupos coadjuvantes timorenses, como a Hansip ou grupos de milícias, a perpetrar violações. Inserir Número <gpol400x600.pdf> Os timorenses que trabalhavam com as forças de segurança indonésias (como os elementos da defesa civil, administradores locais, oficiais de “orientação de aldeia” e grupos paramilitares e de milícias) actuando por conta própria foram referidos em apenas 12,3% (3.126/25.383) dos casos de prisão e em 22,4% (4.380/19.578) dos casos de tortura e maus-tratos. No quadro seguinte apresenta-se a participação dos militares relativamente à participação de timorenses que desempenhavam papéis auxiliares, apenas para os casos de prisão. Torna-se evidente que os militares indonésios foram o principal perpetrador institucional em todos os anos, excepto em 1999. Inserir Número <g1stlM5000indtim.pdf> O movimento da Resistência foi identificado como perpetrador institucional em 13% dos casos de prisão, 11% dos casos de tortura e 13% dos casos de maus-tratos. A maioria destes casos ocorreram em 1975, durante o período do conflito interno armado, e entre 1976 e 1979, quando as divisões no interior da Fretilin atingiram o auge. Quadro 1 Tipo de violação Violações por grupo institucional perpetrador Praticada Praticada só apenas por pelas coadjuvantes ABRI/TNI timorenses * Praticada pelas Praticada Praticada ABRI/TNI e pela Praticad pela coadjuvantes Fretilin/Re a pela População timorenses sistência UDT Civil * Praticada por grupos Casos não Contagem próreportados de autonomia † Violações Observe-se que a contagem de violações não representa um total dos números do quadro, pois, em muitos casos, foi identificado mais do que um perpetrador institucional pela pessoa que deu o testemunho [ver Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos]. † Casos em que a pessoa que deu o testemunho não identificou a filiação institucional do perpetrador no seu testemunho. -7- 12.212 Prisão (48,1%) Tortura e 8.890 maus-tratos (45,4%) 5.557 3.126 (12,3%) (21,9%) 2.880 4.380 (22,4%) (14,7%) 3.309 (13%) 2.250 (11,5%) 984 (3,9%) 772 (3%) 747 (3,8%) 509 (2,6%) 222 (0,9%) 157 (0,8%) 14 (0,1%) 25.383 27 (0,1%) 19.578 Onde foram detidas as pessoas O processo de análise de dados da Comissão não analisou o tipo de locais onde foram detidas as vítimas. No entanto, a análise qualitativa dos testemunhos das vítimas e da informação obtida através de entrevistas e de Perfis Comunitários revelou alguns padrões. Em primeiro lugar, os prisioneiros eram detidos numa grande variedade de locais. Durante o conflito interno armado e o período da administração da Fretilin, tanto a UDT como a Fretilin utilizaram quaisquer locais a que tivessem acesso. Em alguns casos, eram grandes edifícios, como armazéns, casernas militares ou pavilhões escolares; noutros eram locais que se assemelhavam a galinheiros, cabanas de bambu ou buracos no chão. Os militares indonésios deram continuidade a este padrão depois de invadirem Timor-Leste em 1975 e antes de construírem estruturas militares próprias. Em meados de 1976, as os militares indonésios tinham criado comandos militares e esquadras de polícia e começado a utilizar estes e outros edifícios militares, como casernas e salas de messe, para prender e torturar vítimas. Muitas vítimas foram várias vezes deslocadas entre centros de detenção e milhares foram enviadas para longe das suas famílias e amigos, para outras zonas de Timor-Leste, incluindo a Ilha de Ataúro ou locais na Indonésia. Os Anexos do presente relatório incluem uma lista de todos os centros de detenção em todos os distritos, mencionados em testemunhos. Não é exaustivo, mas dá uma ideia da quantidade e variedade de locais utilizados. Em segundo lugar, as condições de prisão serem frequentemente inferiores às definidas pelas normas mínimas internacionalmente aceites ao longo de todo o período do mandato, mas sobretudo nos primeiros anos e em 1999. Vítimas detidas por ambos os partidos políticos (UDT e Fretilin) e por forças de segurança indonésias e suas organizações dependentes relataram com frequência terem sido sujeitas a privação de víveres, condições sanitárias e de ventilação inadequadas, sobrelotação e períodos longos de prisão solitária. Os espancamentos e outras formas de abuso físico eram frequentes. Muitas pessoas morreram sob regime de prisão, ou foram feridas com tal gravidade que nunca mais puderam viver de maneira normal. No entanto, as autoridades indonésias são manifestamente as mais culpadas, como é visível pelo número de pessoas que sofreram, a natureza sistemática dos abusos e o período de tempo ao longo do qual estes abusos se verificaram. Estrutura do capítulo e conclusões principais O presente capítulo encontra-se organizado segundo períodos de tempo e perpetradores. Dado o elevado número de casos de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos relatados, era impossível apresentar todos os depoimentos neste capítulo. Isto não significa que um certo depoimento fosse mais ou menos valioso que outro, apenas que, devido às restrições de espaço, era preciso citar casos que exemplificassem padrões gerais. A Comissão examinou padrões relacionados com quem sofreu estas violações, quem as praticou e quais as estratégias ou políticas (ou ausência delas) levaram à sua ocorrência. Este processo nem sempre foi simples. Os deponentes descreviam o que lhes tinha acontecido segundo a sua perspectiva. Muitas vítimas nem sequer sabiam quem estava a cometer a violação, quanto mais quem a tinha ordenado ou a política por trás dela. Mesmo assim, ao analisar muitos milhares de depoimentos, podem ser detectados certos padrões claros e serem atribuídas responsabilidades. -8- As experiências das vítimas foram recolhidas não só através de testemunhos, mas também de numerosas entrevistas realizadas pela equipa de investigação da Comissão entre 2002 e 2004. As experiências das comunidades como um todo, tal como são apresentadas nos Perfis Comunitários, também foram uma ferramenta de investigação valiosa. 7.4.2: Prisão, tortura e maus-tratos por parte da UDT, em 1975 A primeira secção examina a natureza e a dimensão dos casos de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos perpetrados pela UDT no seu movimento armado de Agosto de 1975, levado a efeito entre 11 e 20 de Agosto de 1975, examinando as razões para as prisões e, posteriormente, os padrões de prisão, maus-tratos e tortura distrito a distrito. A Comissão concluiu que a prisão de líderes e membros comuns do principal partido da oposição, a Fretilin, era uma estratégia fundamental do movimento armado da UDT. A Comissão recebeu depoimentos sobre prisão arbitrária de pessoas em todos os distritos de Timor-Leste, excepto no enclave de Oecusse, mas as maiores concentrações de prisioneiros verificaram-se nos distritos de Díli, Ermera e Manufahi. A maioria das pessoas presas pela UDT foi mantida em condições tão más, frequentemente sem qualquer alimentação ou água, que algumas morreram sob o regime de prisão. Espancamentos e outras formas de abuso físico ocorreram de forma generalizada, mas os incidentes de tortura foram isolados e a tortura não era perpetrada de forma sistemática. Como o movimento armado da UDT teve curta duração, o mesmo aconteceu com a maioria das prisões. 7.4.3: Prisão, tortura e maus-tratos por parte da Fretilin, em 1975 As forças da Fretilin declararam uma insurreição geral armada, ou “acção armada”, a 15 de Agosto de 1975, reagindo com ferocidade às violações perpetradas pela UDT, prendendo muitas centenas de líderes e apoiantes da UDT. À medida que a ameaça de invasão indonésia se tornava mais real, os líderes e membros da Apodeti também foram considerados alvos de prisão. Muitos antigos prisioneiros da Fretilin relatam ter sido gravemente espancados e, em alguns casos, torturados. A Fretilin também se diferenciou da UDT ao fazer a população civil participar activamente na punição de membros da UDT. Muitos presos morreram ou foram mortos sob regime de prisão. Depois da invasão indonésia, a Fretilin manteve vários milhares de pessoas presas, privando-as de alimentação e água e obrigando-as a trabalhos forçados, como carregar objectos pesados. Alguns prisioneiros morreram nestas condições e outros foram executados. 7.4.4: Prisão, tortura e maus-tratos por parte da Fretilin/Falintil, em 1977 e 1979 A Indonésia só alcançou o controlo completo sobre o território no início de 1979. Até lá, a Fretilin controlava grande parte da população civil. A Fretilin montou um processo de justiça rudimentar nas zonas por si controladas. Esta secção descreve, em linhas gerais, o processo de justiça, as razões pelas quais que as pessoas eram presas ao abrigo deste processo e o tratamento dos prisioneiros e vários distritos. A Comissão conclui que a prisão arbitrária era generalizada e não era mitigada pelas práticas de justiça da Fretilin. Os maus-tratos e a tortura também eram generalizados, ou sistemáticos em algumas áreas, ocorrendo durante o interrogatório e para punir o prisioneiro. Este tratamento pode ser parcialmente explicado pela escassez crónica de víveres em zonas controladas pela Fretilin — devido à necessidade constante de fugir das forças indonésias e ao facto de as culturas serem queimadas pelos militares indonésios. 7.4.5: Prisão, tortura e maus-tratos por parte das forças de segurança indonésias e seus auxiliares timorenses, entre 1975 e 1979 Os dados da Comissão revelam que os anos de maior incidência de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos foram os primeiros anos após a invasão indonésia de Timor-Leste. Esta secção -9- examina estas violações: na altura das incursões indonésias ao longo da fronteira; durante e imediatamente depois da invasão de Díli e outros grandes centros populacionais; quando as pessoas se renderam; ou quando foram capturadas em grande número durante operações militares destinadas a destruir a Resistência e colocar toda a população sob controlo indonésio. A Comissão conclui que a prisão específica de timorenses identificados pelas forças de segurança indonésias como membros da Fretilin ocorreu desde o dia da invasão de Díli. Ao longo deste período, além de prisões específicas também ocorreram com frequência prisões em massa de comunidades, que se rendiam ou eram capturadas. 7.4.6: Prisão, tortura e maus-tratos por parte das forças de segurança indonésias e seus auxiliares timorenses, entre 1980 e 1984 Entre 1980 e 1984, foram novamente realizadas grandes operações militares para destruir o que restava da Resistência e a sua nova base de apoio nas cidades e aldeias. Esta secção é cronológica e examina a reacção táctica militar à Resistência reformada. Começa pelo primeiro grande ataque da Resistência depois da sua aparente derrota à estação emissora de Marabia, seguido pela Operação Segurança e a transferência de milhares de pessoas para a Ilha de Ataúro, a repressão que se seguiu aos levantamentos do monte Kablaki, o cessar-fogo e as suas consequências trágicas em 1983 — o ano em que as prisões e a tortura atingiram o auge durante este período — e, por último, o declínio das prisões em 1984. Embora os militares ainda representassem um papel principal neste período, os grupos coadjuvantes timorenses, como a defesa civil (Hansip), participaram consideravelmente na prisão e tortura de suspeitos. Este período também é tristemente célebre pelo número de prisões em massa que se seguiram aos acontecimentos que demonstraram que a Resistência ainda estava activa. Famílias inteiras foram presas durante vários anos em Ataúro ou em aldeias de reinstalação. O número de pessoas torturadas aumentou relativamente ao número de presos após 1983 e esta tendência continuou a verificar-se ao longo do restante período de ocupação. 7.4.7: Prisão, tortura e maus-tratos por parte das forças de segurança indonésias e os grupos coadjuvantes timorenses, entre 1985 e 1998 Esta secção examina a natureza e a dimensão dos casos de prisão, tortura e maus-tratos durante o longo período de “normalização” em Timor-Leste. A decisão da Indonésia de “abrir” Timor-Leste a partir do final de 1988, juntamente com o maior escrutínio internacional que se seguiu ao Massacre de Santa Cruz e à crescente importância da actividade clandestina e diplomática na luta da Resistência, resultou em novos padrões de prisão e detenção em finais da década de 1980 e na de 1990. Durante este período, houve menos prisões e detenções, mas mais específicas. Também se fizeram detenções preventivas, nomeadamente antes de visitas de delegações internacionais. A crescente mobilização da juventude de ambos os lados conduziu a vários choques espontâneos e a explosões violentas relativamente a questões religiosas, económicas e políticas. O número de incidentes de prisão, tortura e maus-tratos começou a aumentar substancialmente a partir de 1997. 7.4.8: Prisão, tortura e maus-tratos por parte das forças de segurança indonésias e grupos coadjuvantes timorenses, em 1999 O ano de 1999 é considerado em separado devido às suas características singulares. O anúncio de uma Consulta Popular e a sua preparação levaram os militares a tomarem medidas drásticas para influenciar o resultado. Este capítulo examina os principais perpetradores e as principais vítimas de violência não fatal, as razões que motivaram a prisão, a tortura e os maus-tratos e respectivos padrões ao longo do espaço e do tempo e as formas de prisão e tortura que surgiram em 1999 e foram exclusivas deste período. - 10 - 7.4.2 Prisão e tortura por parte da UDT, em 1975 Introdução A primeira grande vaga de prisões, tortura e maus-tratos foi levada a efeito pelo partido político União Democrática Timorense (UDT), aquando do início do movimento armado, em Agosto de 1975. Este acto é comummente conhecido como “movimento armado” ou movimento anticomunista [ver Capítulo 3: História do Conflito]. Nos primeiros dias do movimento armado, apoiantes da UDT atacaram e queimaram sucos onde houvesse um forte apoio à Fretilin e detiveram membros da Fretilin e membros do Comité Central da Fretilin (CCF). Na manhã de 11 de Agosto, emissoras de rádio de Díli incitaram os apoiantes da UDT nos distritos a pegar em armas contra os “comunistas” da Fretilin, incentivando a violência e o conflito interpartidário em todas as áreas, excepto no distrito de * Oecusse. A acção armada da UDT durou até 20 de Agosto de 1975, quando a Fretilin lançou a sua insurreição geral armada. Os presos foram libertados depois de a Fretilin ganhar controlo sobre o território, em Setembro de 1975. Por conseguinte, os períodos de prisão não foram superiores a um mês; na maioria dos 18 casos, duraram menos de duas semanas. Embora o movimento armado da UDT fosse liderado a partir de Díli, era coordenado por líderes a nível distrital em cada distrito. Os padrões estatísticos globais, bem como as razões que motivaram as prisões perpetradas pela UDT, e o tratamento dado aos prisioneiros em sete distritos de Timor-Leste são examinados abaixo. Padrões estatísticos A Comissão concluiu que o nível de violência relacionado com o movimento variou entre distritos. O gráfico abaixo revela o número de relatos de prisão arbitrária perpetrada pela UDT † em cada distrito. É evidente que a violência estava concentrada no distrito de Ermera, seguido de Díli—onde se situava o quartel-general da UDT—, Bobonaro e Manufahi. Não foram relatadas prisões em Oecusse e os números foram baixos nos distritos de Lautém, Viqueque e Covalima. [Inserir gráfico g2025004001 por aqui] Existe em Timor-Leste a ideia de que o movimento da UDT não foi particularmente violento e de que os prisioneiros foram bem tratados, sobretudo em comparação com o tratamento que a Fretilin deu aos seus prisioneiros. Exemplo disso é o que José Ramos-Horta escreveu em tempos: * Segundo o Relatório da Comissão de Análise e Esclarecimento do Processo de Descolonização de Timor, não se verificaram alterações na situação em Oecusse a 11 de Agosto. Oecusse permaneceu sossegado a 12 e 13 de Agosto. Na noite de 13 para 14 de Agosto, altura em que o governador informou os representantes das unidades de Díli sobre o estado da situação e lhes pediu para encontrarem uma solução, a Companhia de Cavalaria de Oecusse disse que se submeteria a quaisquer decisões tomadas pelos representantes das unidades de Díli. A vila de Aileu estava sob controlo do que restava da unidade Metropolitano (Polícia metropolitana portuguesa) e a maioria dos membros do Comité Central da Fretilin ficaram sedeados em Aisirimou (Aileu) até 15 de Agosto. Por conseguinte, segundo as informações, a UDT não entrou na área. No entanto, foram relatadas prisões noutras partes de Aileu — como a detenção conjunta da UDT e da Apodeti de dois membros da Fretilin, a 11 de Agosto, em Seloi Malere. [HRVD, Testemunho nº 3256]. † Embora o período temporal do gráfico seja 1975/1979, a primeira fase dos conflitos, deve notar-se que a grande maioria destes casos ocorreu em 1975. - 11 - Os líderes da UDT agiram com mais sensibilidade e humanidade do que os líderes da Fretilin…nenhum líder da Fretilin preso pela UDT declarou ter sido torturado pela UDT. O mesmo não se pode dizer sobre a conduta de 19 alguns líderes da Fretilin. No entanto, a investigação da Comissão concluiu que muitos presos relataram ter sofrido tortura e maus-tratos. Uma análise qualitativa dos testemunhos revela que, na maioria dos casos, as violações relatadas pelos presos eram mais próximas de maus-tratos do que de tortura. As violações mais comuns eram espancamento, pontapés e bofetadas. Os presos eram detidos durante longos períodos de tempo, sem alimentação ou água e em más condições sanitárias e também eram utilizados como mão-de-obra forçada. Em muitos casos, estas acções resultaram em tratamento cruel e desumano. Muitas destas violações foram perpetradas pelos próprios líderes da UDT. No subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados é feita uma análise das mortes ocorridas entre pessoas mantidas prisioneiras pela UDT. Vítimas Quase todas as vítimas de prisão arbitrária perpetrada pela UDT de que a Comissão tomou conhecimento eram líderes, membros e simpatizantes da Fretilin, reais ou suspeitos de o serem. De facto, 81,1% (673/830) das prisões atribuídas à UDT e relatadas à Comissão foram de vítimas filiadas na Fretilin; segundo as informações, 7,7% (64/830) das vítimas eram civis e 3,7% (31/830) eram “outras”. Os próprios membros da UDT representavam 7,6% (64/830) das vítimas. Estes valores confirmam a investigação qualitativa da Comissão, segundo a qual a UDT teve por alvo os membros da Fretilin quando realizou o seu movimento de 11 de Agosto. A Apodeti manteve uma posição neutra durante o movimento da UDT e os seus membros não 20 foram perseguidos pela UDT. Só 0,2% (2/830) das vítimas dos casos de prisão atribuídos à UDT eram membros da Apodeti. Alguns membros da Fretilin esconderam-se alegadamente nas 21 casas de apoiantes da Apodeti durante o movimento armado. Outros membros da Fretilin fugiram da luta e muitos procuraram refúgio em Díli, nomeadamente no Gabinete do * Departamento de Serviços Sociais (Assistência). Paulo Freitas, presidente do partido Trabalhista na altura, disse que o partido tinha “colaborado verbalmente com o movimento anticomunista da UDT”, mas não se juntou à UDT quando esta iniciou o seu movimento armado. No entanto, ele foi colocado sob prisão domiciliária pela UDT em Ossu (Viqueque) durante o movimento: A UDT fez o golpe e aprisionou-me…o que tinha eu feito de mal para ser aprisionado? Eles levaram-me e o nosso liurai Gaspar…segurou numa pistola e ameaçou-nos aos dois: “Vocês os dois, daqui em diante mantenham-se longe. Não se aproximem do povo. Agora sou eu que controlo o povo…Vão para vossas casas e fiquem lá e [fiquem em] silêncio. Terão de o suportar como se fosse uma prisão.” Nós ficámos pasmados e permanecemos nas 22 nossas casas. * O Gabinete do Departamento de Serviços Sociais era em Caicoli (Díli). Este edifício é actualmente utilizado pela Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL). - 12 - Prisão arbitrária A Comissão ouviu depoimentos segundo os quais as ordens para a prisão de membros da Fretilin nos distritos vieram da liderança da UDT, em Díli. Francisco Xavier do Amaral, o primeiro presidente da Fretilin, descreveu a maneira como ouviu a UDT dar ordens através da rádio: A Rádio Díli mandou a UDT atacar Bucoli. Disseram: “Prendam os Fretilin! Vão e prendam-nos em Cairui, vão e prendam os comunistas.” Eu pensei, “Que comunistas? Não me digam que os membros da Fretilin são todos comunistas”. Eles estavam a dizer que toda a Fretilin era comunista…Eu ouvi o rádio o tempo inteiro; não o desliguei nem durante uma hora. Ouvi que tinham atacado em Aileu, em Ermera, em Letefoho e que os de Atsabe [Ermera] tinham atacado o Comité Central, em Aileu. Eles vieram de Turiscai [Manufahi], Funar, Fatumakerek, Laclubar [Viqueque], Soibada [Manatuto], Barique e formaram uma cruzada. Disseram: “Esta guerra é uma cruzada, uma cruzada contra o comunismo”. Isto teve a bênção dos padres. Os padres rezaram com eles numa 23 grande missa e abençoaram-nos. João Carrascalão, o líder militar do partido UDT na altura do movimento armado, negou que a liderança da UDT em Díli tivesse ordenado as detenções. Carrascalão disse à Comissão: Não havia ordens para deter membros da Fretilin e leválos para a prisão. De repente, ficámos surpreendidos por ver a prisão cheia. Não havia ordens do Comité Central. A acção empreendida foi espontânea…e muitas pessoas agiram por razões pessoais, de anos anteriores, e agarraram a oportunidade de prender as pessoas de forma arbitrária…Eu ia todos os dias às prisões da UDT e 24 libertava 50 a 60 pessoas. Os dados sugerem que líderes locais a nível distrital e subdistrital identificaram membros e apoiantes da Fretilin na área e os detiveram pessoalmente, ou mandaram outros membros da UDT fazer as detenções. As vítimas eram levadas independentemente de onde fossem encontradas — em alguns casos, estavam em casa, na rua ou no local de trabalho. Dois enfermeiros foram detidos enquanto estavam de serviço e continuavam com os uniformes * vestidos no centro de detenção. Outras pessoas foram capturadas por apoiantes armados da UDT enquanto tentavam fugir dos seus sucos. As suas habitações foram queimadas e os seus pertences foram saqueados pelos seus captores. Por exemplo, a UDT capturou o líder da Fretilin Vicente Reis (Sa’he), o seu irmão Marito Reis e 11 outros apoiantes da Fretilin em Laleia (Manatuto) depois de eles escaparem do ataque da UDT ao suco de Bucoli (Baucau). Marito Reis descreveu a maneira como os apoiantes da UDT lhes gritaram insultos quando pararam em Manatuto: * O enfermeiro José Espírito Santo foi detido no hospital de Lahane, em Díli. Agustinho Freitas disse que Guido Valadares e José Espírito Santo ainda tinham os uniformes do hospital vestidos quando foram detidos e presos em Palapaço. [Entrevistas da CAVR a Maria José Fátima Ximenes, ex-mulher do enfermeiro José Espírito Santo, cidade de Baucau, Baucau, 2003; Agustinho Freitas, suco de Carabau, Bobonaro, 12 de Junho 2003]. - 13 - Eles rodearam o nosso carro e gritaram coisas como: “Matem os simpatizantes comunistas!…Como tu, Vicente 25 Reis! Podes governar Timor?” Nós ficámos calados porque, naquela situação, éramos incapazes de falar.” Outras pessoas foram presas quando se descobriu que tinham cartão de membro da Fretilin. João Lopes, do suco de Memo (Maliana, Bobonaro), disse à Comissão que foi preso por um líder da UDT no suco de Asumali por ter cartão de membro da Fretilin, tendo sido amarrado, 26 espancado e preso. Num outro caso, ocorrido no subdistrito de Maliana, António da Costa Guterres, disse à Comissão que foi preso a 2 de Setembro de 1975, na aldeia de Odomau (Maliana) com um homem chamado Carlos, porque tinham cartões de membro da Fretilin. Os seus captores eram o líder da UDT de Bobonaro, T1, e os seus homens T2, T3 e T4. Ambos os 27 prisioneiros foram amarrados, espancados e ameaçados de morte. A Comissão também tomou conhecimento de casos em que vítimas foram presas quando apanhadas no caos e violência geral da altura, sem ser por razões especificamente relacionadas com sua filiação partidária. Lúcio Dinis Marques, por exemplo, descreveu a sua detenção com oito dos seus amigos, em Díli: A 11 de Agosto, vivíamos em Rosa Lay [uma loja no Bairro dos Grilos, em Díli Oriental]. Eu tinha 19 anos e trabalhava na diocese de Díli. Os meus irmãos e irmãs mais novos…e eu estávamos a ver os homens da UDT a marcharem com as suas armas. Depois, os homens começaram a disparar esporadicamente na nossa direcção. Corremos para dentro de casa e ninguém se atreveu a sair porque o tiroteio se ouvia em toda a cidade de Díli. Por volta das 3 da tarde, os mesmos homens da UDT voltaram de carro, armados com Mausers e G3s. Eles arrombaram a nossa casa e disseram-nos para irmos para a rua. Levaram-nos, aos nove, para Palapaço [local do quartel-general da Polícia Militar portuguesa] numa carrinha pick-up. Já lá estavam muitas pessoas detidas. Não tínhamos a certeza de sermos prisioneiros. Eles só nos disseram para nos juntarmos aos outros presos nas [casernas]…Não fomos espancados enquanto estivemos 28 presos. Centros de detenção e casos de violações de direitos humanos Centros de detenção A UDT criou centros de detenção em vários distritos de Timor-Leste. Regra geral, estas instalações eram temporárias, para satisfazer a necessidade imediata de prender grandes grupos de pessoas. A Comissão tomou conhecimento de que escolas, complexos militares, armazéns e outros edifícios grandes foram utilizados como centros de detenção da UDT. Na maioria dos distritos, foram eram criados um ou dois centros de detenção principais e outros locais mais pequenos foram utilizados consoante as necessidades noutras partes do distrito. Os centros principais de cada distrito eram os seguintes: Distrito Díli Ermera Manufahi Centros de Detenção Principais Palapaço, casernas da Polícia Militar portuguesa Prisão de Ermera Aifu, um armazém de café Antiga prisão portuguesa em Same - 14 - Liquiça Maliana, Bobonaro Lautém Baucau “Galinheiro” em Wedauberek, Alas Escola primária de Liquiça Escola primária de Maubara Corluli, um armazém de arroz Casernas militares da Companhia dos Caçadores 14 Pousada Baucau, um antigo Descascadeira, uma fábrica de arroz em Bahú, Baucau Muitos prisioneiros disseram à Comissão ter sofrido violações de direitos humanos, incluindo tortura e maus-tratos enquanto estiveram detidos pela UDT. Muitos também falaram sobre serem detidos em más condições, com pouca alimentação ou água. Díli Na manhã de 11 de Agosto, a UDT apoderou-se de pontos-chave em redor de Díli, incluindo as casernas da Polícia Militar portuguesa — a Caserna Palapaço (Palapaço). Além de fornecer uma considerável provisão de armas às forças da UDT, tornou-se o quartel-general da UDT e o seu 29 principal centro de detenção em Díli. Além dos presos de Díli, a Comissão também tomou conhecimento de pessoas detidas nos distritos de Manatuto e Baucau serem levadas e presas * em Palapaço. Líderes da Fretilin, como Vicente Reis, Guido Valadares e José Siqueira, foram presos em Palapaço. Entre os restantes presos, encontravam-se membros e simpatizantes da Fretilin e civis suspeitos de a apoiarem. Mário Carrascalão descreveu a sua visita a Palapaço por volta do dia 14 de Agosto de 1975, depois de estar nos distritos de Timor-Leste: Em Palapaço, encontrei velhos, jovens e rapazes…miúdos com 12 anos armados. Vi o filho de um amigo meu, com 30 12 ou 13 anos, armado com uma G3. Através dos depoimentos e das entrevistas das vítimas, a Comissão tomou conhecimento de que a estimativa do número de membros e apoiantes da Fretilin detidos pela UDT em Palapaço † ronda 100 a 200 pessoas. A sala onde as pessoas foram presas estava tão cheia que os 31 guardas tinham de ficar do lado de fora. Guardas do sexo feminino traziam a comida e alimentavam os presos com colheres de plástico. Cada preso tinha direito a uma colher cheia de 32 33 papa de aveia duas vezes por dia. O guarda utilizava a mesma colher para todos os presos. Testemunhas disseram à Comissão que os prisioneiros de Palapaço sofreram maus-tratos às mãos de membros da UDT e de guardas. À porta da prisão, os guardas batiam nos presos que tinham de ir à casa de banho, fazendo com que muitos optassem por urinar nas celas. Segundo ‡ as informações, vários presos foram mortos a tiro por guardas prisionais, um deles por acidente. Alguns presos também sofreram tortura, tal como se pode verificar no seguinte testemunho de Luís de Jesus Guterres à Comissão: * Vicente Reis e vários outros membros da Fretilin de Bucoli (Baucau) foram presos e levados para Palapaço, em Díli, para serem presos. Domingos Gusmão, um membro da Fretilin, foi detido por soldados da UDT em Gariuai (Baucau) e também foi levado para Díli para ser preso em Palapaço. [Entrevista da CAVR a Agustinho Boavida Ximenes (Sera Malik), Soe, Timor Ocidental (Indonésia), 28 de Agosto de 2004]. † † Segundo Vicente Araújo, havia cerca de 200 membros da Fretilin presos em Palapaço. ‡ Marito Reis disse à Comissão que um guarda matou acidentalmente José Espírito Santo em Palapaço, quando a sua arma disparou involuntariamente, e que José Sequeira foi morto por um guarda quando estava doente e gritou. [ver entrevista da CAVR a Marito Reis, Díli, 27 de Julho de 2003]. - 15 - A 11 de Agosto de 1975, em Ailok Laran, Díli, eu e os meus filhos, a minha mulher e alguns dos nossos vizinhos (éramos 12, no total) fomos levados à força por dez pessoas do partido UDT que não reconheci. Eles obrigaram-nos andar até à prisão de Palapaço. Quando chegámos, fomos separados das nossas mulheres e filhos. Eles foram levados para Liquiça e os homens foram mantidos juntos em Palapaço. Nós [os homens] fomos interrogados por dois membros da UDT, T5 e T6. Depois, bateram-nos com um cinto de cabedal até termos o corpo todo a sangrar e a tortura durou dois dias…Fomos obrigados a cozinhar para os outros presos durante oito dias. Depois disso, fomos libertados pelos líderes da UDT que estavam em Palapaço, João Carrascalão e Manuel Carrascalão e fomos para Liquiça, para nos encontrarmos 34 com as nossas famílias. Os membros do CCF não escaparam aos maus-tratos enquanto estiveram presos. Vicente Reis (Sa’he) sofreu espancamentos e abusos verbais depois de ser levado para Palapaço e * interrogado por um membro da UDT, T7. O irmão de Vicente Reis, Marito Nicolau dos Reis, forneceu o seguinte relato sobre a detenção de ambos em Palapaço. Primeiro, entrámos…depois [T7] chamou S a ’ h e : “Trouxeste o comunismo de Portugal. Vem cá!” Ele esbofeteou-o, pontapeou-o e bateu-lhe na cara. [Sa’he] caiu e ajoelhou-se, com as mãos no chão. T7 foi buscar a baioneta da Mauser e apontou-a a Sa’he, mas um agente da polícia, T8, que colaborava com a UDT, tirou-lhe rapidamente a baioneta e disse-lhe em português: “Não faz isso”. Quando o espancamento terminou, mandaram Sa’he sentar-se. Lembro-me de quando eles nos bateram e nos deram pontapés, talvez só a nós dois. Depois, mandaram-nos sentar junto à porta e disseram: “Vocês † 35 são da Unetim, vocês são os comunistas de Baucau.” Xanana Gusmão, detido e preso pela UDT em Palapaço, também se lembrava da detenção e tortura de Vicente Reis: “Comunista”, era o próprio eco dos já incontrolados murros e pontapés que faziam rodar o corpo de Sa’he...sob o silêncio de todos! Foi um ‘UDT’ explicar-nos que estávamos ali porque éramos comunistas. Sa’he perguntou-lhe o que era o comunismo. “Comunismo 36 é...bem, eu próprio não sei...” e saiu. A Comissão também recebeu depoimentos que indicam que alguns presos sofreram abusos físicos antes de chegarem a Palapaço. * T7 era membro da UDT. Foi morto por T9 e T69 da Fretilin, em Holarua (Same, Manufahi) a 28 de Janeiro de 1976, um dia depois de fugir do massacre do grupo de José Osório, em Hat Nipah, suco de Holarua (Same, Manufahi) [ver subcapítulo7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. † A União dos Estudantes de Timor (Unetim) era uma organização de estudantes filiada na Fretilin. - 16 - Manuel Agustinho Freitas, preso em Palapaço Manuel Freitas era um delegado da Fretilin do suco de Lepo, em Zumalai, no distrito de Covalima. A UDT deteve-o em Mota Maloa, Díli, a 11 de Agosto de 1975. Ele descreveu a sua detenção e prisão em Palapaço: Na manhã de segunda-feira, 11 de Agosto de 1975, a UDT deteve-me em Mota Maloa, Díli. Fomos os quatro detidos e levados para Aitarak Laran (Díli) num jipe. Na ponte, apoiantes da UDT bateram-nos com madeira. Depois disseram: “Levem-nos para o porto e atirem-nos ao mar.” Por qualquer razão, decidiram não nos levar para o porto. Em vez disso, levaram-nos para * Mandarin. Lá, vi pessoas a marchar na rua. Elas pararam o nosso carro e começaram a baternos…Depois, levaram-nos para Palapaço. Quando saímos do carro, apoiantes da UDT bateramnos e atiraram-nos pedras. Fomos colocados num complexo militar às 6 da manhã. Lá, vi enfermeiros, como Guido [Valadares] e José Espírito Santo, de Baucau, que ainda tinham os uniformes do hospital vestidos. A 14 de Agosto, tentei falar com T10, um líder da UDT, e disse-lhe: “Por que não capturam apenas os líderes, por que [nos capturam] a nós, arraia-miúda?” Perguntámos se ele podia conseguir a nossa libertação. Ele recusou-se e disse que não conseguiria dormir até a UDT capturar Francisco do Amaral e Nicolau Lobato. Por isso, nós tínhamos de morrer. Eles arrastaram-nos de volta para a cela. Na noite de 15 de Agosto, fomos visitados pelo senhor Artur. Eu não o conhecia, só ouvi pessoas a chamarem-lhe senhor Artur. Ele entrou na nossa cela e quis libertar-nos nessa noite…mas o enfermeiro José Espírito Santo levantou as mãos e aconselhou-o a não nos soltar naquela noite. Ele tinha medo que outros membros da UDT pensassem que estávamos a fugir. Ele sugeriu que fossemos libertados de manhã. Na manhã seguinte, às 7, o chefe da polícia, T11, entrou na prisão e gritou, zangado: “Vocês esperam até morrer. Vocês, comunistas, não podem sair.” Fomos amarrados e atirados e pisados contra o chão. † A 17 de Agosto fomos visitados por um malae , T12, e um agente policial, T13, o sogro de Lúcio Marques, que estava preso connosco na nossa cela. Empunhando uma Mauser, ele ficou à porta da prisão e disse, “Levantem as mãos se forem parentes de Albano.” Belisquei Lúcio para ‡ 37 também me incluir. Levantámos as nossas mãos e fizemos o sinal “V” e fomos libertados. Os relatórios obtidos pela Comissão revelam que embora a violência política fosse generalizada no início do movimento armado da UDT, a UDT continuou a deter pessoas até a Fretilin iniciar uma reacção armada em Díli, a 20 de Agosto de 1975. Os seguintes relatórios obtidos pela Comissão descrevem a detenção e prisão de apoiantes da Fretilin em Díli: Depoente Matias de Jesus Soares38 Data e local da detenção 11 de Agosto de 1975, detido por dez membros da UDT. Prisão Tortura Preso em Palapaço durante seis dias Não mencionada pelo depoente. A 16 de Agosto, Matias e Félix Fátima, um condutor da UDT, fugiram de Palapaço de carro. T7, um membro da UDT, disparou contra eles, mas falhou. Vicente 11 de Agosto, em Levado para Quando chegou à porta da prisão, foi Araújo39 Camea (Díli) Palapaço. agredido nas costas com uma espingarda, espancado e pontapeado. Domingos 11 de Agosto, detido Colocado dentro Foi esbofeteado duas vezes no momento Carvalho40 por membros da UDT de um carro com da detenção. Foi espancado durante três em Becora (Díli). oito outras dias enquanto esteve preso e vigiado de pessoas e levado perto por membros da UDT de Ermera, * Mandarin é uma área em Díli, perto de Farol e Palapaço. para Palapaço armados com espadas, facas e setas. † Uma expressão utilizada em Timor-Leste para descrever um estrangeiro ou forasteiro, neste caso um português. ‡ Os dedos deles fizeram um sinal em forma de V, um sinal da UDT. - 17 - em Becora (Díli). Alexandrino da Silva41 11 de Agosto, os membros da UDT T14 e T15 atacaram a casa do depoente, no campo aéreo de Bairro Pite, no oeste de Díli, e detiveram-no. Moisés Soares Pereira42 18 de Agosto, detido por tropas da UDT, em Audian, Díli. 18 de Agosto; o depoente foi mandado parar por um membro da UDT armado que lhe pediu para mostrar o cartão da UDT, mas Manuel do Rêgo não tinha um. Manuel do Rêgo43 oito outras pessoas e levado para Palapaço O depoente foi amarrado a outras vítimas, Suriano e José. Foram levados de jipe para Palapaço. Amarrado e levado de carro para Palapaço. Pouco depois, chegou um jipe que levou o depoente para Palapaço. dias enquanto esteve preso e vigiado de perto por membros da UDT de Ermera, armados com espadas, facas e setas. João Carrascalão estava de pé junto à porta; eles foram desamarrados e presos juntamente com Guido Valadares, José Alexandre Gusmão (Xanana Gusmão), Cornélio, Pontelião, José Siqueira, José Espírito Santo, Domingos Conceição, Alberto da Costa e Manuel Freitas. Davamlhes víveres sujos, uma vez por dia; os restantes presos de Ermera e de Maubisse (Ainaro) que iam à casa de banho eram espancados. Foi colocado numa cela onde já estavam cerca de 250 pessoas. Enquanto esteve preso, foi obrigado a limpar a cela. À chegada, os membros da UDT T7 e T16 bateram no depoente, em Mário Sousa, Acácio Carvalho e Moisés, com metralhadoras G3 até as armas se partirem. O depoente recebeu ordens para reparar os canos da água e as outras vítimas foram mandadas limpar a casa de banho. Ermera Ermera também era um bastião da UDT e o maior número de relatórios de prisão arbitrária perpetrada pela UDT recebidos pela Comissão refere-se ao distrito de Ermera, num total de * 626. Ermera era uma zona de cultivo de café e um dos donos das plantações em Aifu, Ermera, 44 T17, era o chefe do Comité Regional da UDT em Ermera. Ele foi referido à Comissão como † participante directo em vários casos de detenção e prisão no distrito de Ermera. A UDT criou dois centros de detenção principais no distrito de Ermera, em Aifu e na Prisão de Ermera. Outros centros de detenção mais pequenos foram criados por todo o distrito. Quando a Fretilin iniciou a sua reacção armada, a UDT transferiu todos os prisioneiros de Aifu para a Prisão de Ermera. A UDT obrigou cerca de 70 a 75 prisioneiros da Fretilin a entrar numa cela pequena, com má ventilação, dificultando-lhes a respiração. As condições desta prisão eram más. Os prisioneiros eram privados de alimentação e não havia casa de banho na cela — os guardas davam tambores aos prisioneiros, para que fizessem neles as necessidades fisiológicas. A 1 de Setembro de 1975, guardas da UDT começaram a levar os prisioneiros para fora da 45 prisão. Alguns foram executados e outros libertados. [ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. Duas mulheres de Ermera descreveram actos de prisão e tortura ocorridos em Aifu e na prisão de Ermera. Eufrásia de Jesus Soares, de Poetete (Ermera, Ermera) era casada com Daniel Carvalho, o secretário regional da Apodeti no distrito de Ermera. Eufrásia Soares disse à Comissão: * † Este valor não representa 626 prisões separadas; alguns depoentes podem ter descrito o mesmo incidente. HRVD, Testemunhos nºs 1061; 4540; 6156; 8341; 6203; 8304 e 6421. - 18 - Depois do golpe de Estado, a UDT começou a tornar-se violenta em várias áreas, de Ermera a Railaco…Eu acompanhei todos os desenvolvimentos em Ermera…No início, eles não matavam, só espancavam e prendiam e praticavam outras actividades desumanas, o que fez com que muitos procurassem a nossa protecção. Naquela altura, nós vivíamos em Railaco. Mas os actos de violência ocorreram em muitos lugares. Pessoas foram capturadas, 46 espancadas e mortas em Aifu. Maria Cecília de Jesus disse à Comissão que tropas da UDT detiveram o seu marido, Virgílio Agustinho Exposto Monteiro, com o seu amigo Luís da Costa, no cruzamento de Humboe (subdistrito de Ermera, Ermera) a 11 de Agosto. A prisão foi ordenada pelos líderes da UDT T18 e T19. Ambas as vítimas foram presas na Prisão de Ermera durante dois dias e, a 13 de Agosto, António Casimiro libertou-os. Porém, a 20 de Agosto, Virgílio Monteiro foi novamente detido em Humboe pela UDT, juntamente com o pai de Cecília Jesus e foram presos na Prisão de Ermera. Como Cecília Jesus ainda não estava legalmente casada com Virgílio Monteiro, foi à prisão de Ermera com o padre José Maria Barbosa e casou com ele. O padre Barbosa foi ameaçado e expulso da prisão de Ermera por T18. Cecília Jesus disse que viu 72 pessoas presas na prisão 47 de Ermera. Adelino Soares descreveu a sua detenção em Sakoko (Ermera) e a sua prisão em Aifu: A 11 de Agosto, apoiantes armados da UDT chegaram a Sakoko, Ermera. Eles vieram primeiro a Sakoko porque pensavam que era um bastião da Fretilin. Vieram com um major e armas como Mausers e G3. Os aldeões entraram em pânico quando os apoiantes armados abriram fogo, disparando de forma aleatória. As pessoas correram em todas as direcções. Os apoiantes detiveram dez de nós, que não conseguiram fugir, e levaram-nos para Aifu. T20, * um comandante da UDT, e T17 estavam à nossa espera. [T20] perguntou: “És o delegado [da Fretilin] em Sakoko?” Eu respondi: “Sim, sou”, embora fosse apenas um membro comum. Então [T130] disse: “Podes ir para casa agora, mas amanhã tens de cá voltar com as tuas lanças, setas, catanas e quaisquer outras armas afiadas que consigas encontrar.” Às 6 da manhã fomos levados de volta para Aifu [e] eles levaram as nossas armas. Disseram-nos: “Agora vão à procura dos vossos amigos da Fretilin!” Nós obedecemos e fomos à procura dos nossos amigos, mas quando voltámos, às 10 da manhã, eles amarraram as nossas mãos e os nossos pés. Ficámos amarradas durante uma semana. Eles espancaram outros prisioneiros, mas não bateram em pessoas de Sakoko… Fizeram-nos passar fome durante uma semana. As nossas mãos e os nossos pés estavam amarrados de manhã até à noite. Muitos amigos nossos gritavam devido 48 ao sofrimento insuportável. Alguns morreram de fome. * T17 era um líder da UDT, dono de uma plantação de café em Aifu e de uma casa em Aifu. A 1 de Setembro, guardas da UDT levaram prisioneiros de Ermera para casa dele e executaram-nos [ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. - 19 - O irmão mais velho de Adriano Ximenes encontrava-se entre os que foram presos em Aifu. Adriano Ximenes relatou que um comandante da UDT, T21, foi para Lekesi, no suco de Poetete (Ermera, Ermera) e ameaçou matar o seu irmão mais velho, Alexandrino Mau Soko. Como Alexandrino se ajoelhou aos pés de T21, não foi morto, mas aprisionado em Aifu. Quando eles chegaram, Alexandrino Mau Soko tinha sido cortado nas costas com um catana e obrigado a 49 fazer limpezas e a cozinhar para os membros da UDT. Manuel Duarte — aprisionado em Aifu Manuel Duarte conseguiu escapar de um grupo cujos membros acabaram por ser mortos pela UDT no início de Setembro. Ele descreveu o seu aprisionamento pela UDT em Ermera e em Aifu na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Interno entre Partidos de 1974/76, realizada em Díli, de 15 a 18 de Dezembro de 2003: A 9 de Agosto, cheguei a Díli, vindo da minha casa, em Ermera. A 11 de Agosto, eu estava na casa de Zeca Brás quando T22, da UDT, me capturou e me levou para Uma Kleuk. Em Uma Kleuk, eles trocaram o meu cartão da Fretilin por um cartão da UDT e depois libertaram-me. No dia seguinte, 12 de Agosto, T22 e quatro outros homens voltaram a capturar-me e levaramme para Aifu, onde havia muito prisioneiros. Eles amarraram-nos e obrigaram-nos a ficar deitados no chão como porcos. Ficámos lá detidos durante mais de duas semanas. A 20 de Agosto, como reacção ao contragolpe em Díli, a UDT fugiu para Ermera. T18 deslocou-nos da prisão de Aifu para a prisão de Ermera. Ficámos lá durante cinco dias. A casa de banho era um simples tambor no meio da cela. A 1 de Setembro, T69 mandou os apoiantes armados da UDT levarem Lourenço dos Santos, Armando Barros, Miguel Salsina, Vicente e a mim para Aifu, para serem mortos. Antes de chegarmos a Aifu, encontrámos forças da UDT e um comandante que vinha da direcção de Aifu e mandaram-nos ir para Claetreman [um local no suco de Duhoho, suco de Katrai-Leten (Letefoho Ermera)]. Lá, tiraram-nos os relógios e o dinheiro e nós pensámos que íamos ser mortos. Encontrámos um segundo grupo de prisioneiros, mas não falámos uns com os outros, só 50 rezámos. Os prisioneiros da Fretilin também eram mantidos em centros de detenção mais pequenos espalhados por Ermera. A Comissão ouviu depoimentos sobre prisioneiros da UDT detidos no subdistrito de Hatulia, em Nunsloet, em Lemia Sorin Balu, em Boatu e em Koliate (todos no 51 52 subdistrito de Hatulia, Ermera) Leotela; no subdistrito de Letefoho, na escola primária de Lihu 53 e noutros locais no subdistrito de Railaco; numa casa particular no suco de Poetete e numa 54 prisão improvisada no suco de Maudiu, no subdistrito de Ermera. Os presos destes centros de detenção mais pequenos também sofreram tortura e maus-tratos. Os seguintes casos ocorreram no dia no movimento armado, 11 de Agosto de 1975: - 20 - • Dinis da Costa Pereira, de Gomhei, no distrito de Riheu (Ermera, Ermera) disse à Comissão que, a 11 de Agosto de 1975, foi detido na sua casa por 12 apoiantes armados da UDT, liderados por T25 e agindo sob as ordens de T18 e T19. Dinis Pereira foi levado para uma prisão provisória no suco de Maudiu, Riheu (Ermera, Ermera) onde viu cinco outras pessoas que tinham sido presas naquele dia, nomeadamente Nicolau, Mau-Hatu, Viegas, Mau-Usi e Francisco. Os prisioneiros foram despidos, violentamente espancados, pontapeados e esmurrados. Não receberam alimentação nem água enquanto estiveram presos. Fugiram no dia 20 de Agosto, quando a Fretilin iniciou a sua 55 reacção armada. • Igualmente a 11 de Agosto, um representante local da UDT, T26, pediu ao chefe do suco de Dukurai (Letefoho, Ermera), T27, e a T28 para deterem cinco membros da Fretilin. As vítimas foram detidas no suco de Haufu (Letefoho, Ermera) e levadas para a Companhia (o quartel-general dos militares portugueses) em Dinhati (Letefoho). Enquanto estiveram 56 presos, foram torturados e sujeitos a tratamento desumano • Luciano Salsinha Ximenes descreveu como as forças da UDT, incluindo os membros da UDT T29 e T30, o detiveram no suco de Railaco Kraik (Railaco) a 11 de Agosto: amarraram-lhe as mãos, espancaram-no com uma barra de ferro e madeira até o sangue correr sobre todo o seu corpo e levaram-no para a cidade de Railaco, para o chefe da UDT daquela área, T31. Em Railaco, Luciano Ximenes foi colocado numa cela com quatro outras pessoas, incluindo o liurai Napoleão, de Taraso (Railaco, Ermera), 57 Mau Tero e Mau Lere, de Lihu, e José Tilman, de Aileu. A 13 de Agosto, foram novamente espancados e levados para Aifu (Ermera). • Abel de Oliveira Pinto disse à Comissão que foi detido pelo líder da UDT T17, a 11 de Agosto, em Eratoi (Letefoho, Ermera), por ser apoiante da Fretilin. T17 amarrou as mãos de Abel Pinto e espancou-o, antes de o levar para Letefoho, onde foi detido juntamente com outros 25 prisioneiros da Fretilin. A sua casa foi queimada por apoiantes da UDT. Abel Pinto descreveu como, a 20 de Agosto, líderes da UDT, incluindo T18, T19, T32 e T33 foram a Letefoho ver os prisioneiros — os líderes da UDT ameaçaram Abel Pinto de 58 morte, mas em vez de o matarem, cortaram-no com uma faca. As prisões continuaram a 12 de Agosto: Paulino de Deus Araújo descreveu como, a 12 de Agosto de 1975, em Lauana (Letefoho, Ermera), foi obrigado a juntar-se à UDT por membros do partido. No mesmo dia, foi preso e levado para Letefoho. No dia seguinte, Paulino Araújo e outro preso, chamado Victor, foram amarrados e espancados por três apoiantes da UDT, chamados 59 T34, T19 e T32. Serafim de Jesus Martins testemunhou sobre a sua prisão e do seu pai durante o movimento armado da UDT. No seu testemunho, relatou que, tinha 16 anos e era apoiante da Fretilin quando os membros da UDT T35, T36 e T37 foram a sua casa, em Manusae (Hatulia, Ermera), para o capturar, no dia 12 de Agosto. Como não encontraram Serafim, levaram o seu pai, Besi Leto, e prenderam-no no quartel-general da UDT de Hatulia, em Nunsloet, no suco de Ailelo (Hatulia, Ermera) durante dois dias. A 13 de Agosto, os três membros da UDT regressaram e, como continuavam a não encontrar Serafim, insultaram a sua mãe e a sua irmã. A 15 de Agosto, Serafim e o seu irmão, Cipriano Guterres, foram a Nunsloet, Ailelo (Hatulia, Ermera) para falar com líderes da UDT sobre a prisão do seu pai: - 21 - Quando chegámos, os membros da UDT detiveram-me imediatamente. Bateram-me em todo o corpo com uma barra de ferro e um pedaço de madeira. Alguns deles bateram-me com uma pedra até a minha cabeça estar ferida, a minha mão direita partida e o meu joelho sangrar. Alguém usou um catana e golpeou as minhas pernas, a esquerda e a direita. Depois, queimaram-me com fogo e deram-me socos e pontapés. Havia muitas pessoas [a 60 bater-me] mas eu só conhecia T38, T39, T40, T41 e T42. Serafim partilhou uma cela com quatro outros prisioneiros da Fretilin, nomeadamente Rui Fernandes, Manuel da Silva, Damião de Oliveira e Gaspar de Oliveira, todos detidos em Urahou (Hatulia, Ermera). Passados alguns dias, os quatro foram retirados da cela e executados. Serafim ficou preso durante oito dias, no total, depois foi transferido para a Prisão de Hatulia e foi libertado por um membro da Polícia de Segurança Pública. A 25 de Agosto, membros da UDT detiveram novamente Serafim e levaram-no para Nunsloet. Desta vez, ele não foi colocado numa cela, mas obrigado a dormir em cima de gravilha durante * quarto dias. Um capitão de Segunda Linha , T43, planeava florestar Serafim quando a bandeira da UDT fosse baixada. Dois outros apoiantes da UDT, Augusto Marçal Lemos e Hilário Soares, descobriram o plano e alertaram Serafim. Serafim fugiu e permaneceu escondido até os 61 soldados da Fretilin entrarem em Raimerhei (Ermera, Ermera). Bobonaro As detenções da UDT no distrito de Bobonaro também começaram a 11 de Agosto de 1975, sobretudo em Maliana, e foram lideradas pelos comandantes da UDT T1 e T44. O principal centro de detenção da UDT para pessoas capturadas no subdistrito de Maliana era um celeiro de 62 arroz em Corluli, suco de Ritabou (Maliana, Bobonaro). A Comissão tomou conhecimento que 70 membros da Fretilin foram aqui presos, embora vários tenham sido deslocados para outros 63 locais de detenção no subdistrito de Maliana. T45 era o director da prisão, tinha uma espingarda Mauser e tratava os prisioneiros de uma forma extremamente dura. Martinho Lopes e João Godinho contaram à Comissão que os prisioneiros não receberam alimentação nem água e 64 que um ou dois morreram de fome. João Godinho foi um dos 70 membros da Fretilin presos em Corluli. Disse à Comissão que, a 11 de Agosto, militantes da UDT detiveram vários apoiantes da Fretilin em Maliana. Ele foi detido a caminho do trabalho e levado para o secretariado da UDT. De tarde, a UDT transferiu as pessoas que tinha capturado para os Acampamentos de Obras Públicas, em Maliana. Nesse local, guardas da UDT deram um rádio aos prisioneiros, para que ouvissem as emissões da UDT, dizendo aos prisioneiros: “Ouçam isto! A Fretilin rendeu-se!” Mas passados alguns dias, os guardas levaram o rádio. Sempre que havia oportunidade, os guardas ameaçavam “dar banho” † aos prisioneiros, que não percebiam o que isso significava. Os prisioneiros foram então transferidos para Corluli. João Godinho disse à Comissão: * Segunda Linha era a segunda linha ou reserva de forças militares portuguesas. Geralmente, eram forças tradicionais que tinham sido aliadas de determinados reis locais (liurai) e que foram agregadas à estrutura militar portuguesa e receberam postos militares portugueses. † “Dar banho” era um eufemismo para “matar”. Foi utilizada a mesma expressão durante a ocupação indonésia, ou seja, “dar um banho no mar” (mandi laut) significava “matar”. - 22 - Certa tarde, disseram-nos para nos pormos em linha e não trazermos roupas nem cobertores. Disseram: “Entrem no carro!” Alguns foram atirados para o camião. Não sabíamos para onde estavam a levar-nos [até] chegarmos a Corluli…[forças da UDT] formaram duas filas e estavam armadas com lanças, catanas e setas. Empurraram-nos entre eles para entrarmos na prisão. Desde então, nunca mais comemos…Só lá ficámos até 2 de Setembro de 1975. Quando o tiroteio começou, pensámos que a UDT estava a disparar. Mas, pouco depois, a filha de Felisberto, um dos presos, levantou-se junto à janela e disse: “Pai, pai, vamos fugir. Bobonaro está a atacar!”…Um dos presos, António Valente, já estava fraco e João tinha morrido na outra cela. Pouco depois, seis mulheres — Ernestina Moniz, Florência Maia, Flora de Jesus Moniz, Anita Amaral, Luísa da Gama e Leonita — vieram à nossa procura…abriram a porta da prisão…Também levámos António Valente para fora, mas ele já estava demasiado fraco para se aguentar em pé e ficou lá deitado, por isso pusemo-lo novamente na sala, fechámos a porta e viemos embora. Mais tarde, ouvimos que as tropas de Bobonaro o 65 encontraram quando chegaram e o enterraram. José Guterres também foi um dos presos de Corluli e falou à Comissão sobre a sua experiência. Guterres foi capturado com outros apoiantes da Fretilin a 11 de Agosto de 1975, por ordem dos líderes da UDT de Maliana, incluindo T3, T47, T48, T49 e T50, de Odomau (Maliana, Bobonaro). Guterres e os outros foram levados para Corluli: No camião, a caminho de Corluli, eles deram-nos pontapés e bofetadas. Eles espancaram-nos na prisão e não nos deram comida. As nossas mulheres traziam-nos comida à prisão, mas eles sujavam-na antes de no-la darem. Não comemos ou bebemos durante nove dias na prisão de Corluli. Se pedíssemos água, traziam-nos água suja e entornavam-na no chão para que tivéssemos de a lamber. Alguns amigos nossos já não suportavam a sede e [bebiam] o seu próprio suor e urina. Éramos 70 presos 66 em Corluli. Testemunhos dados à Comissão confirmam o tratamento desumano dos prisioneiros em Corluli. Vários testemunhos descrevem como os guardas sujeitaram os prisioneiros a uma carência extrema de alimentação e água, levando à morte de dois ou três deles. Mais ainda, declaram que os guardas batiam nos prisioneiros que se atrevessem a pedir autorização para ir à casa de 67 banho. José Pinto Guterres descreveu como a orelha do seu sobrinho, Anus Alesu, foi cortada 68 em Corluli por um membro da UDT. António da Costa Guterres, detido em Corluli por ter cartão de Fretilin (ver caso acima), disse à Comissão que ele e alguns prisioneiros foram, obrigados a fugir para Turiscai (um suco de Timor Ocidental, fronteiro dos subdistritos de Suai e Maliana) com a UDT a 12 de Setembro. Daí, foi levado com a UDT para um campo de refúgio em 69 Atambua, Timor Ocidental, Indonésia. Continuaram a fazer-se detenções em Bobonaro durante diversas semanas. Foram criados outros centros de detenção mais pequenos no subdistrito de Maliana, incluindo em Santa Cruz, na cidade de Maliana, no quartel-general da UDT no suco de Ritabou, no centro de detenção de Maliana, chamado “Secção” ou quartel Maliana, em Maumali e na casa do liurai local, Guilherme - 23 - dos Santos, em Memo Leten. Em outros subdistritos, os presos foram levados para a capital do subdistrito e presos. A Comissão tomou conhecimento de prisioneiros do subdistrito de Cailaco serem detidos na cidade de Cailaco e de prisioneiros do subdistrito de Lolotoe serem presos na 70 cidade de Lolotoe. Seguem-se depoimentos da tortura e tratamento desumano que os prisioneiros sofreram em vários centros de detenção no distrito de Bobonaro. • Hermenegildo Fernandes descreveu como, a 11 de Agosto, o líder da UDT T1 e os seus homens T51 e T52 detiveram líderes da Fretilin, delegados e membros da OPMT em Maliana. As vítimas foram presas no gabinete da UDT em Maliana e transferidas para 71 Maumali, no suco de Ritabou (Maliana, Bobonaro). Um dos presos morreu de fome. • Florindo Gonçalves, membro da Fretilin na altura, contou como, em Agosto de 1975 (dia não especificado) ele e dez amigos, chamados José Gouveia, António Valente, António Nascimento, Daniel Caldas, Avelino Moniz, João Gonçalves, Filomeno da Costa, Rosário, Moisés Nunes e Guilherme Moniz, foram detidos na aldeia de Oeceli, no subdistrito de Lolotoe, por um grupo de soldados da UDT liderado por T53 e T54. As vítimas foram colocadas numa sala, onde permaneceram durante três dias, durante os quais não receberam alimentação nem água. Os presos foram depois transferidos de camião para uma casa em Lolotoe, onde ficaram detidos durante cerca de uma 72 semana. • Adriano João disse à Comissão que era o representante da Fretilin no subdistrito de Cailaco em 1975. Por volta das 4H30 da tarde de quarta-feira, 13 de Agosto de 1975, membros da UDT liderados por T55 detiveram-no, amarraram-no e espancaram-no violentamente. Adriano João foi preso em Cailaco durante uma semana com outros 73 membros da Fretilin, incluindo José Martins, José Barros e Marcelino Borges. Durante o período do movimento armado da UDT, Adriano João também sofreu abusos por parte * de um membro da Apodeti, T56. T56 atacou-o depois de ele chegar a casa com a mulher, vindos de uma consulta médica na cidade de Cailaco. Adriano João foi violentamente espancado, pisado e as suas orelhas foram cortadas com uma catana. Além, dos abusos físicos, Adriano João disse à Comissão também ter sofrido traumas depois de o seu gado — cabras, porcos e vacas — ter sido confiscado pela UDT. No suco de Guda, em Lolotoe, a Comissão tomou conhecimento de duas detenções em grupo. Sebastião Amaral disse à Comissão que três jovens membros da Fretilin (ele próprio, Amaro Moniz e Cândido Daniel da Silva) foram presos por membros da UDT a 14 de Agosto. Sebastião Amaral disse que foram levados para a casa do líder da UDT T1, onde foram violentamente espancados. Os membros da UDT ameaçaram matá-los com setas. Passadas cinco horas, os presos foram levados para o “quartel” Maliana (a estação emissora de rádio de Maliana), onde ficaram detidos por uma semana. As vítimas não receberam alimentação enquanto estiveram 74 presas. A comunidade de Guda descreveu como, quase duas semanas depois, a 28 de Agosto de 1975, quatro militantes da UDT com o posto de tenente (alferes na Segunda Linha) detiveram os delegados da Fretilin e 14 rapazes no suco. Os prisioneiros foram levados para Lolotoe e entregues a T54, sob a acusação de serem comunistas. T54 tentou obrigá-los a aceitar cartões da UDT, mas eles recusaram-se. T54 manteve-os numa casa de banho durante a noite e, no dia, seguinte, ordenou que fossem amarrados e levados para Maliana. Os soldados da UDT 75 pontapearam e pisaram os jovens, até as caras deles ficaram praticamente irreconhecíveis. * T56 era membro da Apodeti. Era filho do liurai de Atsabe, um dos líderes da Apodeti. Era o irmão mais novo de um antigo partidário da Apodeti. Os motivos que terão levado T56 a perpetrar esta tortura não são claros [ver entrevista da CAVR a Ermínio da Costa da Silva, Jacarta, Indonésia, 9 de Agosto de 2004]. - 24 - Manufahi O terceiro maior número de prisões perpetradas pela UDT relatado à Comissão ocorreu no distrito de Manufahi. O centro de detenção principal de Manufahi era uma prisão no subdistrito de Same, construída pela administração portuguesa. Testemunhos dados à Comissão fornecem uma estimativa de entre 100 e 300 presos da Fretilin terem sido ali detidos durante o movimento 76 armado da UDT. Também revelam que os prisioneiros da Fretilin em centros de detenção da UDT no distrito de Manufahi sofreram tortura e outras formas de tratamento desumano. Leonardo Paicheco, um antigo delegado da Fretilin, foi um dos detidos na prisão de Same. Ele disse à Comissão que, a 11 de Agosto, foi detido pelo major da Segunda Linha, T57, e T58, os líderes da UDT em Same, acompanhados por vários solados da UDT. Ele foi inicialmente levado para a região de Orema, em Holarua (Same, Manufahi), onde o major T57 lhe bateu e o esbofeteou, agredindo-o de seguida com a coronha da sua espingarda. Depois, o major T57 ordenou aos seus homens que amarrassem Leonardo e o levassem para a prisão de Same. Lá, o major T57 e T59 agrediram repetidamente Leonardo e outros com a coronha de uma espingarda. Os prisioneiros não puderam sair das celas durante 14 dias, tendo de fazer as 77 necessidades fisiológicas na cela e de viver entre a sua própria urina e fezes. Mateus Alves descreveu em testemunho a sua detenção pelo líder da UDT T58 e os homens deste, T68, T69 e T70 na aldeia de Deunai, no suco de Holarua (subdistrito de Same). Na altura da detenção, T72 e outro membro da UDT pontapearam e esmurraram Mateus Alves. Depois, T73 amarrou-o e levou-o ao encontro dos líderes da UDT, o major T57 e T74. O major T57 açoitou Mateus com um chicote até ele desmaiar. Depois, atiraram-no para um camião juntamente com outros presos e levaram o grupo para a casa de T75, outro líder da UDT do suco de Faraiudo, Same. Mateus Alves foi posteriormente levado para a prisão do posto de Same, onde ficou preso durante uma semana, sem alimentação, juntamente com outros 78 presos. Relatos indicam que a UDT também prendeu prisioneiros da Fretilin em centros de detenção mais pequenos no distrito Manufahi, onde também sofreram tratamento desumano. Por exemplo, dois homens de um suco no subdistrito de Alas foram detidos pela UDT e levados para o suco de Wedauberek, em Alas, onde foram sujeitos a trabalhos forçados e a condições de vida 79 desumanas pelo comandante da UDT em Alas, T60. Baucau * Em Baucau, a UDT tinha dois centros de detenção em funcionamento: a Pousada Baucau e a † Descascadeira , em Bairo Central Bahú, Baucau. Na maioria dos casos, os prisioneiros eram mantidos no Hotel Pousada durante os primeiros dias, onde eram interrogados pelo líder da UDT em Baucau e pelo vice-presidente do partido, T62, antes de serem transferidos para a Descascadeira. A Comissão tomou conhecimento de que cerca de 30 membros da Fretilin, provenientes de Baucau, Lautém e Viqueque, foram detidos na Descascadeira. Antigos prisioneiros relataram ter sofrido maus-tratos e tortura — nomeadamente serem açoitados com 80 um chicote, pontapeados e esmurrados. Libório Maria disse à Comissão que, a 11 de Agosto de 1975, ele e Faustino dos Santos, ambos jovens membros da Fretilin, foram detidos por T61 da UDT no suco de Bahú (Baucau, Baucau). As vítimas foram levadas para a Pousada Baucau, onde foram interrogadas por T62, o chefe da UDT em Baucau. Outro membro da UDT, T63, levou Libório, Faustino e 30 outros presos para a 81 Descascadeira. * † O Hotel Pousada Baucau tornou-se conhecido como Hotel Flamboyan durante a ocupação indonésia. A Descascadeira era um edifício utilizado para moer arroz, descascar cocos e processos semelhantes. - 25 - Domingos de Sousa Freitas disse à Comissão que foi detido por dois membros da UDT na casa do chefe da aldeia, T64, em Bacaiwa, aldeia de Adagoa, no suco de Uailili (Baucau, Baucau). Domingos Freitas não mencionou a data da sua detenção. Outro membro da UDT amarrou-o e espancou-o, depois levou-o para a lavandaria em Gariuai (Baucau, Baucau), onde ele ficou detido durante cinco dias. O chefe do suco de Uailili, T47, juntamente com 20 outros membros da UDT, levou Domingos de Sousa Freitas para a Pousada Baucau. Domingos de Sousa Freitas foi espancado por T62 enquanto esteve na Pousada e fugiu depois de a Fretilin iniciar a sua 82 reacção armada. Segundo o testemunho de Diamantino da Costa, às 9 da manhã de 11 de Agosto, ele e quatro outros membros da Fretilin que tinham sido acusados de organizar a comunidade do suco de Ostico (Vemasse, Baucau) foram detidos em Ostico pelo líder da UDT T46, os seus homens T48 e T79, e dez outros membros da UDT. Os prisioneiros foram levados para a Pousada Baucau. Às 10 da manhã, T62 interrogou-os. Durante o interrogatório, T62 acusou-os de serem escravizados por Vicente Reis (Sa’he). Eles ficaram detidos da Pousada durante quatro dias e, a 16 de Agosto de 1975, foram transferidos para a Descascadeira. Foram libertados a 29 de 83 Agosto, depois de a Fretilin iniciar a sua reacção armada na área. Liquiça O distrito de Liquiça era o lar da terceira base da UDT, no subdistrito de Maubara. A UDT tinha dois centros de detenção em funcionamento no distrito de Liquiça, um na escola primária de Liquiça e outro na escola primária de Maubara. A Comissão tomou conhecimento de que cerca de 75 membros da Fretilin foram detidos na escola primária de Liquiça. Estes presos foram 84 transferidos para a escola primária de Maubara por volta de 1 de Setembro e ficaram detidos em Maubara durante quase um mês. Não existe qualquer estimativa do número de presos em Maubara. A Comissão tomou conhecimento de que quando a Fretilin iniciou a sua insurreição armada, a primeira cidade a ser capturada no distrito de Liquiça foi a cidade de Liquiça. Este acontecimento provocou tensões em Maubara e os presos aproveitaram a oportunidade para derrubar a porta da prisão e fugir. Não há relatos que indiquem maus-tratos de presos noutros centros, nem de mortes ocorridas nos centros de detenção. No entanto, a Comissão encontrou provas de presos sofrerem maustratos no exterior, antes de chegarem a um centro de detenção. Albino da Costa Mouzinho, um antigo vice-delegado da Fretilin no suco de Leotela (Liquiça, Liquiça), prestou o seguinte depoimento: A 12 de Agosto de 1975, o delegado da UDT T65 e os seus homens detiveram-me nos campos de arroz de Pabo na aldeia de Kaimegoluli, no suco de Leotela. Fui imediatamente espancado; depois eles esmurraram-me seis vezes com os punhos nas orelhas até os meus ouvidos sangrarem e eu não conseguir ouvir. Depois disso, outro delegado da UDT, T66, mandou-me ir à procura de Maubroke e de Asuloe (membros da Fretilin) na aldeia de Paulara [suco de Leotela]…por isso, eu fui, juntamente com T66 e os homens dele, deter Maubroke e Asuloe, que foram levados para Nunloi, suco de Fatumasi, para a casa do chefe do suco, T65. Lá, vi [um membro da chamado Fretilin] Maudasi deitado no chão, gravemente 85 ferido e a gritar. Fui mandado para casa. Marcelino Soares descreveu como foi detido por apoiantes da UDT a 13 de Agosto, em Vatuvou (Maubara, Liquiça), juntamente com cinco familiares seus, e foram espancados violentamente. - 26 - As cabeças das vítimas foram rapadas e elas foram amarradas e levadas para Maubara, onde 86 ficaram detidas durante 27 dias, até a Fretilin atacar Maubara e conseguirem fugir. Daniel Pereira Martins disse no seu testemunho que foi detido por um membro da UDT na aldeia de Kota Lara, no suco de Loidahar (Liquiça, Liquiça), a 14 de Agosto de 1975, e levado para o edifício do Conselho de Liquiça. Quando chegaram, outro membro da UDT ameaçou matar Daniel Martins. Em vez disso, Daniel Martins foi levado para a escola primária de Liquiça, onde ficou detido durante mais de duas semanas. A 1 de Setembro de 1975, Daniel e 67 outros presos foram transferidos para a escola primária de Maubara, onde ficaram quase um mês detidos. Daniel disse à Comissão que, em Maubara, um membro da UDT chamado T66 87 esbofeteava os presos sempre que lhes dava de comer. Lautém Quando o movimento armado da UDT deflagrou no distrito de Lautém, o capitão Lino da Silva, oficial português e comandante da Companhia de Caçadores 14, deslocou-se ao subdistrito de Moro e colocou o comandante da Segunda Linha, Edmundo da Conceição Silva sob prisão domiciliária, confiscando 150 armas de fogo pertencentes à Segunda Linha, que levou para Díli e 88 entregou à UDT. Além disso, apoiantes da UDT detiveram vários membros da Fretilin e prenderam-nos nas * casernas militares da Companhia de Caçadores 14. Os prisioneiros aí detidos não sofreram maus-tratos e foram alimentados. A Comissão tomou conhecimento de pessoas presas no quartel-general da Companhia durante duas semanas ou menos. Outros apoiantes da Fretilin foram chamados ao quartel-general para serem interrogados pela UDT e posteriormente mandados para casa. Segundo José Conceição, alguns líderes da Fretilin no distrito de Lautém, como Afonso Sávio, 89 Felipe Dias Quintas e outros, foram levados para Baucau e presos na Pousada. Trabalhos forçados A Comissão tomou conhecimento de que, além de os prisioneiros sofrerem abusos físicos e maus-tratos às mãos da UDT, muitos eram obrigados a trabalhar para o partido. A Comissão recebeu testemunhos que descrevem como os prisioneiros eram obrigados a construir estradas, erguer pedras, escavar gravilha e cozinhar para as forças da UDT e para os presos, sem direito a qualquer tipo de remuneração. A Comissão tomou conhecimento, por exemplo, que, a 15 de Agosto de 1975, cerca de 500 pessoas foram presas em Same e obrigadas a trabalhar, 90 construindo estradas durante todo o dia, sem sequer serem alimentadas. Adriano João declarou que os prisioneiros de Cailaco (Bobonaro) foram obrigados a construir uma estrada durante uma semana, ligando a cidade de Cailaco ao suco de Bilimau, na fronteira com Hatulia, Ermera. A UDT libertou os prisioneiros a 4 de Setembro de 1975, quando a estrada ficou 91 pronta. O mesmo se verificou em Maubara (Liquiça), onde Marcelino Soares e a sua família (ver acima) foram obrigados a transportar pedras e areia para reparar a estrada entre Maubara e 92 Mauboke. As mulheres também eram utilizadas como mão-de-obra forçada. Por exemplo, a Comissão tomou conhecimento de que, aquando do início do movimento armado da UDT, os apoiantes da Fretilin do sexo masculino de Mauchiga (Hatu Builico, Ainaro) deixaram as suas famílias para trás e fugiram, escondendo-se na floresta. Apoiantes da UDT capturaram Antoneta Cortereal e outras mulheres e lavaram-nas para Lesuata (Ainaro), onde as obrigaram a cozinhar para os * As forças de ocupação indonésia utilizaram a C-Casa 14 como base militar ( TNI). Apelidaram-na de “Quartel-general do Batalhão de Infantaria 745, Companhia A”. - 27 - soldados da UDT durante uma semana. Antoneta Cortereal e as restantes mulheres fugiram 93 quando a Fretilin atacou a base da UDT em Lesuata. No suco de Ossu de Cima (Ossu, Viqueque), Seferina Freitas, o seu irmão mais velho, Adelino da Silva, e o delegado da Fretilin em Ossu, João da Rocha, foram detidos pela UDT. T71 e os seus homens detiveram os três prisioneiros durante uma semana. Durante esse período, os prisioneiros foram obrigados a transportar rochas e madeira para construir uma estrada e foram espancados, esbofeteados e pontapeados. - 28 - 7.4.3 Prisão e tortura por parte da Fretilin, Agosto de 1975 a Fevereiro de 1976 Introdução A 15 de Agosto de 1975, quatro dias após o início do movimento armado da UDT de 11 de Agosto, o Comité Central da Fretilin (CCF) declarou uma Insurreição Geral Armada a partir da base da Fretilin em Aisirimou (Aileu). A declaração incitou as pessoas a resistir ao movimento * armado. O conflito interno entre a UDT e a Fretilin rebentou poucos dias depois. Durante o conflito interno armado, a Fretilin imitou a prática da UDT de prender adversários políticos de forma arbitrária. Alguns dos presos eram combatentes da UDT, mas muitos outros eram membros comuns ou apoiantes da UDT, membros de outros partidos políticos, ou familiares — civis que deveriam estar protegidos pelo direito humanitário internacional. A Comissão não diferenciou combatentes de civis no presente relatório porque todos os presos têm o direito a ser tratados com humanidade e a não ser sujeitos a tortura, ou a outros tipos de tratamento cruel ou degradante. Além disso, em muitos dos testemunhos recebidos pela Comissão, pessoas que se identificaram como combatentes foram frequentemente presas nas suas habitações ou aldeias, sem ser em situações de combate. A Comissão concluiu que a Fretilin praticou prisões generalizadas, incluindo a prisão arbitrária de civis. O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) calculou que tenha havido cerca de 2.000 prisioneiros nos centros de detenção da Fretilin após a sua reacção ao movimento armado da 94 UDT. Através do seu processo narrativo de recolha de testemunhos, a Comissão documentou 1.369 casos de prisão arbitrária perpetrados pela Fretilin em 1975. Dos 64,3% (880/1369) de casos que indicavam o mês exacto em que a violação ocorreu, 95,2% (838/880) referiam-se ao período entre Agosto e Dezembro, como pode ser verificado na Figura <gFret4001975.pdf>. Além disso, 58,8% (517/880) das vítimas foram identificadas como sendo filiadas na UDT. As prisões arbitrárias de membros da UDT atribuídas à Fretilin encontram-se esmagadoramente concentradas em Agosto e Setembro de 1975, como se pode verificar na Figura <gFret4001975.pdf>. [Inserir figura <gFret4001975.pdf>] Provas qualitativas recebidas pela Comissão indicam que as pessoas detidas pela Fretilin costumavam receber alimentação adequada, mas encontravam-se detidos em más condições sanitárias e em locais sobrelotados. Foram relatados bastantes abusos físicos e, por vezes, tortura. A investigação estatística da Comissão revela que, em 1975, a esmagadora maioria das prisões praticadas pela Fretilin ocorreram nos distritos centrais, sobretudo em Díli, Aileu, Manufahi e † Ermera, como mostra a Figura <t400Fret1975.rtf>. A investigação qualitativa da Comissão, realizada através de entrevistas e Perfis Comunitários, indica que Díli também foi um dos principais locais de detenção durante o conflito interno armado. Esta informação é compatível com a opinião da Comissão, segundo a qual a prisão arbitrária foi utilizada como ferramenta do conflito e verificou-se de forma concentrada nas áreas em que o conflito foi mais intenso. * Entrevista da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004. A declaração da Fretilin em Aileu foi tornada pública pela primeira vez no seu testemunho a 13 de Setembro de 1975, segundo o qual “às 3h45 da tarde do dia 15 de Agosto, o Comité Central da Fretilin ficou ciente de que não iria haver uma solução pacífica, incitando à resistência armada em todo o país.” [ver Helen Hill, Stirrings of Nationalism in East Timor: Fretilin 1974-1978, Otford Press, Sydney, 2002, p. 142]. † 58,9% (806/1.369) das prisões relatadas ocorreram nos distritos centrais; 23,5% (321/1.369) nos distritos ocidentais e 16,4% (2.25/1369) nos distritos orientais. - 29 - [Inserir Figura <t400Fret1975.rtf> por aqui] A Fretilin continuou a prender pessoas após a invasão indonésia, nos primeiros meses de 1976, mas a uma escala muito inferior — foram relatados 150 casos ocorridos em Janeiro e Fevereiro de 1976. Contrastando com meses anteriores, estes casos ocorreram sobretudo nos distritos orientais: 64,7% (97/150), como mostra a Figura <t400Fret1976JanFeb.rtf>. [Inserir Figura <t400Fret1975.rtf> por aqui] A reacção armada da Fretilin A Insurreição Geral Armada Rogério Lobato recebeu uma mensagem codificada da Fretilin de Aileu em Díli na noite de 15 de * 95 Agosto, assinalando o início da Insurreição. Rogério Lobato disse à Comissão: Na noite de 15 de Agosto, a unidade de transmissão ligoume [e eu ouvi a mensagem codificada]. Eu sabia que tinham iniciado o “contragolpe” em Aileu. Depois, preparei o “contragolpe” em Díli. Liguei ao comandante João Branco, a Adão Cristovão e aos outros e fizemos um plano † na sala da messe dos soldados. A 17 de Agosto, a Fretilin tomou posse das casernas militares portuguesas em Aileu e prendeu oficiais e soldados portugueses. Na noite de 17 de Agosto, 44 membros da Fretilin deslocaramse para cercar as tropas portuguesas em Aileu. Lucas da Costa disse à Comissão: [Todas] as tropas estavam a juntar-se para uma reunião. Começámos a rodeá-las e escondemo-nos nos esgotos Nicolau Lobato, Abel Larisina e Alarico Fernandes foram os primeiros a aproximar-se do portão. Quando a reunião terminou, o comandante saiu pelo portão e Nicolau saltou para fora do esgoto. Apontou a pistola ao comandante e pediu-lhe para ficar calado. Nicolau disse ao capitão para ‡ entregar as tropas de Aileu ao sargento José da Silva. Havia 11 soldados portugueses, cinco oficiais e alguns sargentos e cabos. Esses soldados tornaram-se 96 prisioneiros. O início da reacção amada da Fretilin em Díli também começou com a prisão de militares portugueses. À 1 da manhã de 20 de Agosto, Rogério Lobato, o sargento Hermenegildo Alves e soldados timorenses que já se tinham juntado à Fretilin, detiveram o vice-chefe do Estado-Maior português, igualmente comandante do quartel-general, no qual residia. Nessa mesma manhã, 97 soldados timorenses desarmaram 50 a 60 soldados portugueses. * Rogério Lobato e outros membros do CCF de Aileu concordaram em utilizar o código quando Rogério Lobato foi a Aisirimou, em nome de Lemos Pires, para negociar com membros do CCF de Aileu, a 15 de Agosto de 1975. A mensagem dizia “A minha mulher já está em Aileu, chegou bem”. Rogério Lobato inventou esta mensagem quando estava prestes a partir para Díli de helicóptero. Ele criou a mensagem codificada quando pensou na sua mulher, que se encontrava em Díli e revelou-a ao comandante Gil, a António Gonçalves e a José da Silva [Entrevista da CAVR a Rogério Lobato, Díli, 26 de Agosto de 2003]. † Segundo Rogério Lobato, a sala dos soldados era uma espécie de bar criado para os soldados portugueses, onde podiam pedir comida e bebida. Entrevista da CAVR a Rogério Lobato, 26 de Agosto de 2003. ‡ O nome do capitão era Horta. ”O meu irmão [Nicolau Lobato] desarmou Horta” [Entrevista da CAVR a Rogério Lobato, Díli, 26 de Agosto de 2003]. - 30 - Razões para a prisão arbitrária Alguns líderes do movimento da UDT de 11 de Agosto foram detidos e presos pela Fretilin, nomeadamente o seu vice-presidente, César Mouzinho, de Baucau, Francisco Oliveira e Mário Jaorez, de Díli, e alguns líderes distritais da UDT. O chefe da Polícia portuguesa, o tenente* coronel Maggiolo Gouveia, também foi preso. A Comissão foi informada de que alguns membros da Fretilin que prenderam membros da UDT foram motivados pela vingança em reacção à † violência cometida por membros da UDT aquando o movimento armado. À medida que as incursões indonésias nos distritos ocidentais se intensificavam, a Fretilin virou a sua atenção para o partido pró-integração Apodeti. Filomeno Cabral explicou que membros da Apodeti foram presos devido à intensificação dos ataques na região de fronteira pelos militares indonésios e por exilados timorenses, que tinham formado uma força designada os 98 “Partidários.” Lucas da Costa declarou: Era uma lógica simples; nesta guerra (em Timor-Leste), algumas pessoas conspiravam com o inimigo para empreender a guerra. Os conspiradores eram, evidentemente, pessoas da UDT e da Apodeti…A Fretilin tinha de resistir a incursões na fronteira. Os nossos soldados começaram a morrer [e] os jornalistas australianos [também foram mortos]…Assim, as figuras de 99 liderança da UDT e da Apodeti foram todas presas. No seu depoimento à Comissão, Mari Alkatiri declarou ter dado ordens para deter líderes da Apodeti a 4 e 5 de Outubro de 1975, depois de receber informações secretas, segundo as quais eles estariam a planear uma tentativa de golpe contra a Fretilin. Quando foi informado de que membros da Apodeti estavam a planear iniciar o movimento armado atirando uma granada para uma reunião do Comité Central da Fretilin, Alkatiri disse ter feito o seguinte: Chamei o sargento Carmo e disse: “Trata desta operação. Vai apanhá-los todos.” Apanhámos muitas pessoas da Apodeti, quase todas. O sargento colocou a Polícia naquilo que é agora a Until [edifício da Universidade de ‡ Díli]. Os líderes do partido KOTA e do partido Trabalhista também foram presos, mas não os 100 membros normais. A nível individual, vítimas relataram ter sido presas por serem líderes ou apoiantes conhecidos da UDT ou da Apodeti, por serem originárias de sucos filiados na UDT ou na Apodeti, por terem 101 cartões de membro da UDT, ou por serem suspeitos de espiar para a UDT ou para a Apodeti. * Mário Carrascalão disse à Comissão que Maggiolo Gouveia foi libertado da custódia da UDT pouco depois do movimento armado de 11 de Agosto de 1975 “porque declarou politicamente a sua adesão ao movimento da UDT.” Mário Carrascalão disse que Maggiolo Gouveia foi falar com membros da Fretilin após a sua libertação, mas foi detido pela Fretilin e desapareceu posteriormente [Depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. Ver também: Mário Lemos Pires, Descolonização de Timor. “O Golpe da UDT”]. † Xanana Gusmão, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. ‡ Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. - 31 - Locais de prisão Díli O QG, o quartel-general do Exército português em Taibessi, Díli, foi o primeiro edifício a ser ocupado pela Fretilin, a 20 de Agosto. A maioria dos líderes e membros da UDT capturados durante a acção armada foram presos neste local, incluindo César Mouzinho, Francisco Oliveira e o antigo chefe da Polícia portuguesa, o tenente-coronel Maggiolo Gouveia. João Oliveira era o 102 superintendente da Fretilin no QG. Rogério Lobato, comandante das Forças Armadas da Fretilin na altura, disse à Comissão que cerca de 1.000 apoiantes da Fretilin, muitos deles empunhando armas, se reuniram no QG para ver os líderes da UDT detidos e espancaram o líder da UDT, César Mouzinho. Ao perderem o controlo, um outro prisioneiro que estava a ser 103 conduzido às celas, Mateus Ferreira, de Same, morreu esmagado pela multidão. Depoimentos e testemunhos prestados à Comissão indicam que os prisioneiros no QG sofreram vários tipos de abuso, tortura e outras formas de tratamento cruel ou desumano. A Fretilin reconheceu ter havido casos de violência física desenfreada contra os prisioneiros. Rogério Lobato disse que membros da Fretilin começaram a abusar do seu poder e a cometer violações contra os prisioneiros, acrescentando que, enquanto organização, a Fretilin “nunca deu uma instrução directa para fazer maldades às pessoas. Contudo, membros da Fretilin agindo a título individual abusaram do seu poder e cometeram violações dos direitos humanos”. Ele afirmou à Comissão: Por vezes, eles entravam na prisão, chamavam os prisioneiros e espancavam-nos. Por vezes, não era por terem um problema com eles devido à situação [política], mas por problemas antigos. Sei que houve ocasiões em que foi por alguém lhes ter roubado a namorada e razões do género, por isso agora eles aproveitavam a oportunidade para espancarem essa pessoa. Sei isto. As pessoas tiravam partido da guerra para espancarem outras e para fazerem justiça pelas próprias mãos. Mas algumas espancavam-nas por estarem zangadas por causa da guerra. Eles espancaram Maggiolo e outros…Quero dizer uma coisa sobre Maggiolo Gouveia. Muitos colegas da Fretilin e das Falintil entraram na cela dele e espancaram-no. O superintendente da prisão, o sargento João Oliveira, veio ter comigo e falou-me sobre o comportamento desenfreado desses colegas. Eles iam lá só para espancarem Maggiolo Gouveia. [Eu disse]: “Por que não trazem Maggiolo até cá?”. Encontrei-me com ele no meu escritório, que tinha sido o dele, e disse-lhe: “Meu caro tenente-coronel, sei o que lhe aconteceu nesta prisão. Vou libertá-lo desta prisão e levá-lo para o hospital.” Então, levei-o para o hospital e entreguei-o à Cruz Vermelha 104 Internacional. José Ramos-Horta era um membro da Fretilin impressionado com o tratamento dado aos membros da UDT no QG. Também lhe desagradava o tratamento que os prisioneiros recebiam no Hospital Militar de Lahane, em Díli. Alguns prisioneiros foram transferidos para o Hospital de Lahane depois de serem gravemente torturados no QG. - 32 - Visitei o hospital militar de Lahane. O vice-presidente da UDT, Mouzinho, e outros membros da UDT já tinham sido transferidos para lá, incluindo Agapito Mariz, Fernando Luz e Chico Oliveira. Mouzinho quase morreu do grave espancamento [que sofreu] quando se rendeu aos soldados da Fretilin em Baucau…Chico Oliveira…perdeu a maioria da sua capacidade de visão devido a * espancamentos graves. A Comissão recebeu alguns relatórios de vítimas que sofreram esse tipo de tratamento. Francisco Gonçalves disse à Comissão que um membro da Fretilin, T80, ordenou aos seus homens que o torturassem enquanto esteve preso no QG. Francisco Gonçalves tinha 17 anos na altura e frequentava o décimo ano de escolaridade no liceu Dr. Francisco Machado, em Díli. Ele estudara em Moçambique e, ao regressar a Timor-Leste, em 1974, tornou-se membro do grupo de juventude da UDT, o Lesval. Francisco Gonçalves não participou no movimento armado da UDT, mas a Fretilin deteve-o na Igreja de Motael a 27 de Agosto e levou-o para o quartelgeneral. A 28 ou 29 de Agosto, T80 foi à prisão e encontrou o nome de Francisco Gonçalves na lista de presos. Quando Francisco Gonçalves foi chamado para sair da cela, ouviu T80 dizer a um guarda: “Este é um p l a y b o y…de Moçambique…dêem-lhe 150 chicotadas.” Francisco 105 Gonçalves desmaiou após 17 ou 18 chicotadas e foi levado para a sua cela. Félix Fátima Ximenes relatou que, a 12 de Setembro de 1975, dois membros da Fretilin, T81 e T82, detiveram-no, juntamente com António Soares, em Maubara (Liquiça) devido aos seus cartões de membro da UDT. Ambos foram levados para Díli e presos no QG durante dois meses. Ao longo do período de prisão, foram espancados pelo membro da Fretilin e antigo sargento do Exército português, T83, que agia sob as ordens de T84 — a pessoa responsável por espancar 106 os prisioneiros. A 19 de Novembro, a Fretilin transferiu-os para a prisão de Balide. Um membro da UDT relatou que, em Setembro de 1975, foi detido pelo comandante T85 da Fretilin, em Díli, e levado para o QG, onde ele e dois outros, incluindo um chefe da polícia, foram açoitados pelo guarda da Fretilin, T84. Depois, foi-lhes ordenado que se deitassem ao sol e se 107 espancassem uns aos outros. A investigação da Comissão indica que, ao contrário da UDT, a Fretilin não privou os presos de alimentação (ver secção sobre Prisão e Tortura por parte da UDT em 1975, supra). Mari Alkatiri disse à Comissão que os membros da Fretilin e os prisioneiros comiam o mesmo: Quanto a comida, lembro-me de comer o que os prisioneiros comessem. Comíamos a mesma comida. 108 Afinal, a comida vinha da mesma cozinha. No seu depoimento à Comissão, Mari Alkatiri disse que a Fretilin também deteve membros do próprio partido no QG, a partir de cerca de Outubro, tendo estes sido detidos pelos excessos 109 cometidos no conflito interno e no seu rescaldo. Comarca de Balide A partir de meados de Setembro, a Fretilin começou a utilizar a prisão portuguesa principal, em 110 Balide (Díli), conhecida como a Comarca. A Fretilin prendeu ali cerca de 390 prisioneiros, incluindo membros da UDT e da Apodeti. * José Ramos-Horta, Timor Leste Amanhã Em Díli, pp. 107-113. No mesmo livro e nas mesmas páginas, Ramos-Horta escreveu que, quando foi almoçar a casa de Nicolau Lobato, lhe disse o que acontecia nas prisões. Disse-lhe que aquela prática tinha de acabar, senão convidaria delegados do CICV e jornalistas estrangeiros para a denunciar. Antes disso, Ramos-Horta soube que o segundo-sargento e o vice-comandante da Fretilin haviam espancado Maggiolo Gouveia e Victor Santa. - 33 - Testemunhos recebidos pela Comissão indicam que os prisioneiros presos na Comarca eram * trazidos de vários distritos, incluindo Díli, Liquiça, Aileu e Ermera. Lamberto Ximenes disse à Comissão que ele e outros civis foram presos por forças da Fretilin em Leimea Leten (Atsabe, Ermera). Foram obrigados a trabalhar, construindo uma estrada durante três dias, e posteriormente enviados para a Comarca, em Díli, onde permaneceram até à invasão indonésia 111 de Díli, a 7 de Dezembro. Um depoimento recebido pela Comissão refere que dois prisioneiros estiveram detidos durante dois meses no QG, antes de serem transferidos para a Comarca, a 19 de Novembro. Lá, juntaram-se a membros responsáveis da Apodeti que tinham previamente estado detidos em Aileu, incluindo Arnaldo dos Reis Araújo, António da Silva, Mahrus Alkatiri, José António dos Reis, José Gastão Melo Araújo, Hermínio da Costa Silva, Ernesto e Frederico Almeida dos 112 Santos. Frederico Almeida dos Santos disse à Comissão que esteve preso no Museu, junto ao Palácio do Governo, em frente ao mar, antes de ser transferido para Aileu com 12 outros, e foi finalmente enviado para a Comarca, em Balide, a 20 de Outubro de 1975, sob as ordens de 113 T86. A Comissão não encontrou prova de abusos, tortura ou outros tipos de tratamento cruel perpetrados contra prisioneiros da Comarca pertencentes à UDT ou à Apodeti. Anselmo dos Santos, um antigo prisioneiro da Comarca, descreveu as condições: Na prisão de Balide estávamos guardados por quatro guardas da Fretilin e um comandante chamado [Filomeno] Gomes, de Atsabe. Ele era um bom homem. Ficámos presos na prisão de Balide entre Setembro e Dezembro [de 1975]. Trabalhávamos todas as manhãs, depois do pequeno-almoço. Varríamos ou fazíamos outros trabalhos, como cavar a terra ou cortar erva em Caicoli [uma área de Díli situada atrás da prisão]. No início, tínhamos batatas doces, pão e café ao pequenoalmoço. Também almoçávamos e jantávamos. Mas à medida que o mês de Novembro avançava, a situação tornou-se desesperante. Os abastecimentos de víveres trazidos de leste secaram e as batatas doces de Ermera acabaram. Ficámos à espera de morrer. De manhã, podíamos beber o café que quiséssemos, mas sem comida. Ao almoço, comíamos apenas legumes e o mesmo ao jantar. Os víveres tinham acabado e esta 114 situação manteve-se até ao final de Novembro. Aileu Aileu era a principal base da Fretilin. Tinha dois centros de detenção principais: a Companhia, em Aisirimou (as casernas militares de que a Fretilin tomou posse), e um grande armazém de café. A Fretilin prendeu os líderes de partidos da oposição na Companhia e enviou os membros 115 comuns do partido para o armazém. Os dois centros de detenção continham prisioneiros provenientes do distrito de Aileu e de outras regiões. A Comissão recebeu relatórios de abusos e maus-tratos dos presos nestes centros. Amélia Mesquita disse à Comissão que ela e oito membros da sua família estiveram entre os primeiros a ser presos do armazém de café de Aileu. Amélia Mesquita e a sua família eram * Entrevista da CAVR a Anselmo dos Santos, no suco de Vaviquina, Maubara, Liquiça, 9 de Março 2004. Anselmo dos Santos foi detido em Maubara e preso inicialmente no QG, sendo depois transferido para Balide. Anselmo dos Santos calcula que 64 dos 390 presos de Balide fossem de Maubara. Todos sobreviveram e regressaram a Liquiça depois de os militares indonésios derrotarem a Fretilin nesse local. - 34 - agricultores do suco de Seloi-Malere, em Aileu. Em Agosto de 1975, um grupo de homens da Fretilin armados com setas e lanças chegaram à sua aldeia e detiveram-na, à sua mãe Lourença da Costa, e ao seu pai, Carlos de Araújo, enquanto estavam na plantação de café da família; também detiveram seis outros parentes de Amélia, dois dos quais mulheres. A Fretilin deteve-os sob a suspeita de esconderem armas, o que o pai de Amélia negou. Foram arrastados pela rua, amarrados e espancados. O tio de Amélia foi amarrado ao poste de uma bandeira e espancado * até sangrar. Rafael Nascimento disse à Comissão que a Fretilin o deteve no seu suco, em Aileu, tendo sido amarrado a outro preso, Martinho, e com ele preso no armazém de Aileu. Afirmou que T87 o † agrediu na cabeça com um capacete, provocando-lhe ferimentos graves e que não recebeu 116 tratamento médico, apesar de ter a cabeça gravemente ferida. Outros locais foram utilizados como centros de detenção ad hoc mais pequenos em Aileu. No subdistrito de Laulara, a Comissão tomou conhecimento de várias pessoas terem sido presas no suco de Unmenlau. Domingos da Silva Soares contou como o seu amigo Afonso Mesquita (um membro da Fretilin) foi detido no suco de Boklelo, a 19 de Agosto por um comandante da Fretilin, T88, juntamente com os seus homens, e levado para o suco de Unmenlau. Ele conseguiu fugir, mas o seu pai, que tinha ido à procura dele, foi preso e morto. Segundo Domingos Soares, todos os membros da comunidade de Boklelo foram então amarrados e caminharam até Unmenlau porque eram suspeitos de esconderem um foragido chamado Marçal. Os membros da 117 comunidade foram libertados depois de serem interrogados. Manufahi Manufahi foi outro distrito que assistiu a choques intensos durante o movimento armado da UDT e novamente durante a reacção armada da Fretilin. A 27 de Agosto de 1975, tropas da Fretilin atacaram e tomaram Same (Manufahi), obrigando tropas da UDT a retirar para a região 118 oriental. A Fretilin capturou e prendeu vários membros da UDT e da Apodeti que não conseguiram fugir. Deteve-os temporariamente na escola primária de Same, antes de os 119 transferir para a prisão de Same. Mais pessoas foram detidas em Same durante Setembro de 1975. A Comissão obteve depoimentos das vítimas afirmando que a Fretilin abusou fisicamente, torturou e tratou os prisioneiros de forma cruel na prisão do subdistrito, em Same. Moniz da Maia foi um dos presos desta prisão e disse à Comissão que a Fretilin o deteve e prendeu temporariamente na escola primária quando tomou Same. Moniz da Maia disse ter sofrido abusos às mãos de soldados da Fretilin na altura da detenção e posteriormente, na prisão do subdistrito, tendo perdido a consciência duas vezes. Disse, em depoimento à Comissão: Quando fomos para a cidade assistir à chegada das tropas da Fretilin, eles [as tropas] disseram: “Olhem para ele.” Depois, vieram todos para junto de mim e espancaram-me até eu desmaiar. Eu conheci um dos soldados, T34, quando estivemos em Díli. Ele levantou-me e levou-me para a escola. Depois, começaram a chegar outros ‡ presos, incluindo Celestino Soares. * Amélia Mesquita disse que os seis parentes eram: Domingas Mendonça, Sara de Araújo, Aleixo, Serkoli, Romaldo e António. † Outros antigos presos, nomeadamente João da Costa e Assis dos Santos, confirmaram que T87 espancava e torturava frequentemente outros presos em Aileu. ‡ Celestino Soares era secretário regional da Apodeti em Same. Um soldado da Fretilin matou-o a tiro [ver Homicídio de Celestino da Silva pela Fretilin, no subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. - 35 - Certo dia, T90, um ministro da Fretilin, visitou a prisão, mandou os prisioneiros saírem e espancou-os, um a um, com um ramo. Ficámos todos feridos e eu desmaiei. No dia seguinte, T91, um membro da CCF, entrou com uma G3 nas mãos e disse aos presos para saírem para serem espancados. Eu recusei-me a sair porque ainda sentia dores do espancamento anterior. Disse a T91: “Por que não me matas? Eu não saio.” Os outros prisioneiros foram levados lá para fora, espancados e depois mandados regressar às suas celas. Então, T92, um amigo de T91, veio à minha cela, agrediu-me com um pilão de arroz e eu desmaiei. T92 pensou que eu estava morto, por isso mandou os guardas largarem o meu corpo numa plantação de café. Depois foi-se embora. Sobrevivi, com a ajuda de Deus. Numa cerimónia de hastear a bandeira, os guardas levaram 11 de nós e disseram-nos que marchássemos rumo à morte. Mas depois Mau Hunu mudou de ideias e disse: “Se os matarmos, quem vamos governar quando formos independentes? Vamos governar árvores e pedras?” Assim, não nos mataram. Em vez disso, puseram-nos novamente na nossa cela… A Fretilin pediu a toda a gente da comunidade local para ir à prisão do subdistrito para uma audiência de Justiça Popular. Depois, ordenaram aos prisioneiros que saíssem das celas um a um. A Fretilin levou os prisioneiros acusados de crimes graves para Aileu. António Cepeda era o líder da Fretilin nessa altura. Era a minha vez de enfrentar a justiça popular. Eu estava inocente, por isso as pessoas ficaram em silêncio. Mas um outro homem provocou-as, dizendo: “Diz-nos que ele te bateu!” Mas as pessoas recusaram-se a fazê-lo, excepto uma que disse: “Ele praguejou contra o meu avô.” Eu levantei as mãos, mas mantive-me em silêncio. Então, levaram-me para 120 Aileu só porque eu tinha praguejado contra o avô dele. A Comissão recebeu depoimentos a descrever detenções praticadas pela Fretilin de membros da UDT que haviam fugido da região oriental de Same. Os prisioneiros foram levados de volta para Same e presos na prisão do subdistrito e, aquando da detenção, sofreram abusos físicos e tortura. Uma vítima, João da Costa, disse à Comissão que tropas da Fretilin abusaram dele e o trataram de maneira cruel, bem como a outros membros da UDT, no caminho entre Venilale (Baucau), onde tinha sido capturado, e Same. João da Costa falou à Comissão sobre o 121 tratamento que a Fretilin dava aos prisioneiros na prisão do subdistrito: - 36 - Na prisão do subdistrito, eles [Fretilin] levam-nos lá para fora de tarde e diziam-nos para nos espancarmos uns nos outros. Os prisioneiros batiam noutros prisioneiros. Primeiro, levaram os meus dois irmãos mais velhos, cortaram ramos de um cafeeiro e disseram-lhes para se espancarem um ao outro. Era como uma luta de galos e todos estavam em redor a assistir. Os ramos partiram-se em pedaços e os guardas espancaram-nos antes de nos levarem de volta para as celas. Eu tive de lutar contra o meu próprio primo, José Tilman. Bati-lhe até ele cair no chão. Depois, os guardas espancaram-nos novamente. Eles espancavam-nos todos os dias. Passámos um mês em Same antes de sermos levados para Aileu. Os que ficaram presos na prisão do subdistrito foram levados para Aisirimou, em Aileu, no início de Outubro de 1975. Ermera O número mais elevado de prisões praticadas pela UDT em 1975 ocorreu no distrito de Ermera. Quando as forças da UDT entraram em Ermera, a Fretilin reagiu da mesma maneira e a Comissão recebeu muitos relatos de prisões levadas a efeito no período entre Agosto e Setembro de 1975, sobretudo nos subdistritos de Railaco e de Ermera. A Fretilin prendeu membros da UDT e da Apodeti em edifícios anteriormente utilizados pela UDT para deter prisioneiros pertencentes à Fretilin, nomeadamente o armazém de Aifu (ver secção “Prisão e tortura por parte da UDT em 1975”, sobre os centros de detenção do distrito de Ermera). Muitos 122 prisioneiros foram directamente transferidos para o distrito vizinho de Aileu. Várias fontes relataram à Comissão que os prisioneiros de Ermera associados à UDT e à Apodeti sofreram maus-tratos às mãos dos soldados da Fretilin que os detiveram e prenderam. Os seguintes relatos apresentados à Comissão são exemplos de abusos físicos e outros tipos de tratamento cruel e desumano de presos: - 37 - • Pedro Madeira, um membro da UDT de Matata (Railaco, Ermera), disse que foi preso a 20 de Agosto pelo membro da Fretilin T94 e levado para Railaco, onde ficou preso durante cerca de três meses. Disse que, enquanto esteve preso, foi pontapeado e espancado com a coronha de uma espingarda. Depois, foi transferido para Aileu, onde 123 ficou durante três dias, antes de ser libertado. • A Comissão tomou conhecimento de que o subdistrito de Adão Ex foi tomado pelos membros da Fretilin T95, T96 e T97, que o espancaram brutalmente e o levaram para Aileu, onde foi interrogado pelo presidente da Fretilin, antes de ser levado de volta para 124 Railaco e preso. • Lamberto Ximenes disse à Comissão que participou no movimento armado da UDT em Díli e depois fugiu para o seu suco, Leimea Leten (Atsabe, Ermera). Disse que, a 20 de Agosto, a Fretilin deteve-o juntamente com muitos civis, que eram membros da UDT, e os obrigou a construir uma estrada durante três dias. Lamberto foi posteriormente 125 transferido para a Comarca, em Díli. • Domingos da Silva, um membro da UDT, falou sobre a prisão de três membros da UDT em Loro Hou, no suco de Lisipat (Letefoho, Ermera) pela Fretilin. Eles foram levados 126 para Tali Koto, onde um foi morto e outros dois, Lino e Maubere Kohe, foram presos. • José Dofan disse no seu testemunho que, em Setembro de 1975, T99, um simpatizante da Fretilin, deteve o seu cunhado Feliciano (não foi mencionado o apelido) e a mãe deste, Soe Leki, em Bernukera, (Railaco, Ermera). Ambos ficaram presos durante uma noite no quartel-general da Fretilin, onde Feliciano foi espancado e depois amarrado e arrastado pelo chão até sangrar. As costas da sua mãe ficaram magoadas. No dia seguinte, foram levados para Maumeta, no suco de Seloi (Aileu), onde foram mortos a 127 tiro. • Um soldado da UDT foi detido e preso por forças da Fretilin sob ordens do Comité Regional de Ermera. Enquanto esteve aprisionado em Ermera, foi espancado por T100 e 128 T101. • Felisberta de Jesus disse à Comissão que, no início de Setembro de 1975, o seu marido, António Ximenes, que era membro da UDT, rendeu-se ao secretário do Comité Regional de Ermera, Florentino de Jesus Martins. António Ximenes rendeu-se em Erusa, no suco de Talimoro (Ermera, Ermera), e a Fretilin levou-o posteriormente para o suco de Humboe (Ermera, Ermera), onde o deteve durante seis dias. Segundo Felisberta de Jesus, durante este tempo, o seu marido foi espancado, pontapeado, atirado para o chão e arrastado até sangrar por três membros da Fretilin, T102, T103 e T104. A 17 de Setembro, António Ximenes foi novamente detido pela Fretilin no suco, juntamente com 129 quatro outros membros da UDT, e desapareceu. António da Silva Barreto, membro da UDT na altura, falou à Comissão sobre a sua detenção, no início de Setembro de 1975: - 38 - Em 1975, eu era militante do partido UDT. Quando o contragolpe ocorreu, a 20 de Agosto, a UDT não conseguiu opor-se e os líderes fugiram todos para Atambua…juntamente com a maioria da população de Poerema, que era da UDT. Eu não fugi. Em Setembro, o líder da Fretilin em Ermera, Pedro Gonçalves Lemos, mandou-me ir a Fatubolu [Hatulia, Ermera] para ir buscar uma arma a Napoleão. Quando cheguei aos degraus da Igreja de Ermera, fui capturado por T105 e por forças da Fretilin de Aileu e Maubisse. Eles amarraram-me as mãos atrás das costas e usaram uma baioneta, mas eu não caí. Depois, deram-me murros e pontapés e espancaram-me, mas eu não caí. Então, eles agarraram num catana e atingiram-me no crânio e eu sangrei muito. Eles iam levarme para longe para me matarem, mas os líderes da Fretilin de Ermera, Manuel Barreto e o comandante Teky, chegaram e salvaram-me. Eles levaram-me para o hospital para tratar a minha cabeça. Quando recuperei, levei a população de Fatubolu até Ermera, para se 130 render. No entanto, este gesto não protegeu António Barreto de mais suspeitas e maus-tratos. Em Setembro de 1975, quando as forças indonésias se infiltraram em Aifu (Ermera, Ermera), António Barreto e os seus amigos Mau Talo, Alberto da Silva e Mau Sama foram detidos pela Fretilin sob suspeita de ajudarem os indonésios. Os quatro foram levados para Fatubesi, onde foram interrogados pelos líderes da Fretilin T106, T107 e T108. Durante o interrogatório, foram brutalmente açoitados com um chicote e depois ficaram presos em Fatubesi durante seis 131 meses. A Comissão tomou conhecimento de vários outros locais utilizados para prender pessoas no distrito de Ermera, incluindo prisões em Raimerhei, em Talimoro e em Raimea (Ermera, Ermera). Pessoas anteriormente presas nesses locais também relataram ter sofrido 132 tratamento cruel às mãos dos seus captores da Fretilin. Ainaro Membros da UDT e da Apodeti presos no distrito de Ainaro ficaram detidos em vários locais e relataram ter sofrido maus-tratos no momento da detenção e enquanto estiveram presos. Os centros de detenção eram, nomeadamente, no suco de Aituto, em Hatu-Builico, nos quartéis133 generais da Fretilin em Maubisse e em Aimegudo (Hatu-Builico). Vários antigos presos do distrito de Ainaro relataram ter sofrido tortura e maus-tratos. Um antigo membro da UDT disse à Comissão ter sido capturado na vila de Ainaro em 1975 (mês desconhecido), por um membro da Fretilin, T109, e os seus homens, sob as ordens de um delegado da Fretilin chamado T110. Disse que foi detido e torturado porque suspeita de ter 134 morto um membro da Fretilin. Baucau Em Baucau, a Fretilin também utilizou os edifícios anteriormente utilizados pela UDT para prender pessoas. A prisão principal era a Descascadeira (um edifício utilizado para descascar 135 coco, café, arroz e outras culturas com grão) em Bahú, na área central da cidade de Baucau. A Comissão também tomou conhecimento de prisioneiros feitos pela Fretilin serem mantidos no 136 quartel-general do partido no subdistrito de Vemasse. A Comissão tomou conhecimento de que membros da Fretilin em Baucau reagiram ao movimento armado da UDT de forma vingativa. A Fretilin atacou a Pousada, que havia sido - 39 - utilizada pela UDT para prender e torturar membros da Fretilin. Depois, prendeu líderes da UDT e da Apodeti na Descascadeira, incluindo os membros da UDT Manuel Belo, Laurentino Gusmão e José Viana Freitas, o líder da Apodeti Maurício de Andrade Freitas, Clementino dos Reis Amaral e o chefe do suco, José Piter. Os presos foram brutalmente esbofeteados e 137 pontapeados. Clementino dos Reis Amaral disse que, depois de assumir o controlo, a Fretilin aprisionou quase todos os chefes de suco e de subdistrito que, na área de Baucau, eram na sua maioria apoiantes da UDT. Clementino Amaral disse à Comissão que a Fretilin o aprisionou juntamente com cerca de 170 pessoas: Fiquei aprisionado durante mais de 100 dias. Na prisão de Baucau existiam mais de 170 pessoas, todas aprisionadas juntas. Havia pessoas importantes de Baucau: o liurai, os chefes dos sucos. As pessoas importantes foram todas presas lá porque, naquela altura, os chefes dos sucos de Baucau eram todos da UDT. Por causa disso, fomos todos aprisionados. Pode-se dizer que algumas pessoas praguejavam, outras espancavam pessoas, tudo isso 138 acontecia. José Viana Freitas falou sobre os maus-tratos que sofreu enquanto esteve preso pela Fretilin no seu depoimento à Comissão: A 20 de Agosto de 1975, em Naulale, no suco de Uatu-Lari [Vemasse, Baucau] eu estava com o meu pai, Pedro Viana Freitas, a minha mãe Ana Maria da Costa, a minha mulher, Helena, e os meus irmãos mais novos, Domingos Viana e Abel Viana [todos membros da Apodeti]. A Fretilin veio e deteve-nos às 6 horas da tarde. Havia sete pessoas da Fretilin…[com espingardas] mas eu só conhecia uma delas, T113. Eles vieram a nossa casa com as suas armas, chamaram-nos e levaram-nos para o quartelgeneral da Fretilin em Baucau. Eles não fizeram nada na viagem. Limitámo-nos a andar até ao Hotel Flamboyan [a Pousada] Baucau, onde chegámos às 11 horas da noite. Lá, um líder mandou-nos dormir. Na manhã seguinte, fomos levados para a Descascadeira. Havia muitas pessoas presas lá, 160, todos homens. Eu só conhecia Clementino dos Reis Amaral. Os líderes não nos espancaram, mas quando se foram embora, outros membros da Fretilin bateram-nos nas costas com bastões de madeira e com armas. Eles espancaram-nos a todos, quer fossemos da Apodeti ou da UDT. Ficamos lá presos durante [quatro] meses e, durante esse tempo, fomos sempre espancados. Mas tínhamos bebida suficiente e comíamos três vezes por dia, incluindo carne 139 de búfalo e feijões encarnados. A Comissão também tomou conhecimento de prisioneiros do distrito de Viqueque serem levados para Baucau e colocados numa “pequena casa de banho” (ver secção sobre Viqueque, 140 adiante). - 40 - Lautém Houve relativamente poucas prisões no distrito de Lautém. As comunidades do distrito relataram vários níveis de violência. Por exemplo, no suco de Mehara (Tutuala, Lautém), que era um suco * afiliado na Fretilin, a situação voltou ao normal quando a Fretilin assumiu o controlo. Outros sucos relataram que os seus habitantes que apoiavam a UDT foram detidos, mas em Díli, para 141 onde tinham ido para participar na luta. A Fretilin tomou o quartel-general da Companhia dos Caçadores 14, que a UDT tinha utilizado para prender os prisioneiros pertencentes à Fretilin, e prendeu lá membros da UDT e da Apodeti. Edmundo da Conceição Silva, o líder da Apodeti no subdistrito Moro, Lautém, disse à Comissão 142 que alguns prisioneiros passaram seis meses no quartel-general da Companhia. Outros prisioneiros foram levados para Díli pela Fretilin, incluindo o sargento Cárceres, Sinanis e Marão, 143 entre outros. Segundo relatos, alguns presos em Lautém foram maltratados. A comunidade de Bauro relatou que os seus membros associados à UDT, incluindo Pedro Amaral e Serafim dos Santos Pinto, foram detidos pela Fretilin. Eles foram brutalmente espancados e obrigados a trabalhar nos 144 campos de arroz. Os presos em Lospalos fugiram depois da ofensiva militar indonésia no início de 1976. Liquiça Os centros de detenção da Fretilin no distrito de Liquiça incluíam os do suco de Leotela, do suco de Leorema, do quartel-general principal da Fretilin em Fatumetafu (Maubara), e em Belavista, e 145 do suco de Gugleur (Maubara). Vários antigos presos destes locais disseram ter sofrido tratamento cruel, incluindo espancamentos brutais, serem despidos e obrigados a dormir na areia durante cinco noites, até estarem cortados e com contusões. Entre os exemplos de maus-tratos, encontra-se o de Cosme da Silva Afonso, do suco de Gugleur (Maubara), que disse no seu depoimento ter sido detido em Agosto de 1975 por um comandante da Fretilin e os seus homens por ser comandante da UDT. Cosme Afonso disse que lhe confiscaram 30 das suas vacas, bem como sacas de arroz, e o levaram para Nunupuroubu, no suco de Gugleur, onde foi interrogado e depois libertado. Pouco depois, dois comandantes da Fretilin e os seus homens detiveram-no novamente, levaram-no para a Base 2, em Kakaegoa, no suco de Leotela, onde o mantiveram durante sete dias. Cosme da Silva ficou preso num buraco com quatro metros de profundidade e todos os dias recebia apenas um pedaço de mandioca para comer. Durante o dia, era obrigado a trabalhar, carregando madeira e recolhendo água. Passada uma semana, foi transferido para um centro de detenção em Cailaco (Bobonaro), onde ficou por mais três meses. Por último, foi levado para Nunulisa, no suco de Gugleur, onde 146 passou a noite num buraco. Não relatou ter sofrido abusos físicos enquanto esteve preso. Marcos Borges, que era membro da UDT e tinha lutado contra a Fretilin em Díli, falou à Comissão sobre a sua prisão em Setembro de 1975. Ele havia fugido de Díli para o distrito de Ermera com um grupo de membros da UDT, incluindo os líderes João Carrascalão e João Bosco. Marcos Borges disse que, depois de ser capturado pela Fretilin, foi brutalmente espancado e que, depois, os seus captores tentaram matá-lo com um catana e uma lança. Ele 147 ficou preso em Leorema durante duas noites. * Perfil Comunitário da CAVR do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de 2002. A comunidade de Barikafa também relatou que o suco era pacífico em 1975, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Barikafa, subdistrito de Luro, distrito de Lautém, 9 de Setembro de 2003. - 41 - 166. Cecílio dos Santos disse à Comissão que tomava conta do rádio na base da Fretilin, mas os comandantes suspeitavam que ele fosse espião. Levaram-no para o quartel-general da 148 Fretilin em Fatumetafu, onde foi brutalmente espancado com um chicote de pele de búfalo. Viqueque Agusto Ximenes descreveu como o comandante da Fretilin Nicolau Lobato liderou a reacção armada da Fretilin no distrito de Viqueque. Agusto Ximenes disse que um comandante da Fretilin, T115, deteve líderes da UDT em Carau-Balu (Viqueque, Viqueque), nomeadamente Mateus Soares, António Pinto, Domingos Sousa e Domingos Lekiloik, entre outros, bem como 149 cerca de 20 outros membros da UDT. Alguns prisioneiros de Viqueque podem ter sido levados para Manatuto e muitos foram levados * para a prisão em Baucau. Entre estes, encontravam-se líderes do partido Apodeti e do partido Trabalhista. Paulo Freitas, o presidente do partido Trabalhista, foi detido na sua casa em Ossu. Paulo Freitas disse à Comissão: De repente, soubemos que tinha havido um contragolpe…As forças da Fretilin chegaram, agarraramnos e levaram-nos para a prisão…Chiquito Osório e Jaime, que já morreu e era o administrador de Viqueque. As tropas (Apodeti) deles eram de Laclubar…Os dois fugiram para Ossu e esconderam-se em minha casa…depois, a Fretilin chegou e deteve-nos. Eles levaram-nos aos três. Levaram-nos de noite para a prisão. Paulo Freitas explicou como os três foram levados para Baucau por tropas da Fretilin, que prenderam cinco ou seis prisioneiros numa pequena casa de banho. Paulo Freitas disse que os prisioneiros que ali estiveram foram trazidos de Ossu (Viqueque), Baucau, Quelicai e Laga 150 (todos subdistritos de Baucau). Manatuto A Comissão recebeu prova de a Fretilin ter prendido membros da UDT e da Apodeti no distrito de Manatuto, durante a reacção ao movimento armado da UDT, incluindo no quartel-general da Fretilin em Manatuto, no suco de Leikala (Lacló, Manatuto), e em Welihumetan (Lacló, 151 Manatuto), no quartel-general da Fretilin em Soibada e em Konte Tatoli (Manatuto, Manatuto). Testemunhos provenientes de Manatuto indicam que a maioria dos presos do distrito não sofreram abusos físicos, mas eram frequentemente utilizados como mão de obra forçada. O quartel-general da Fretilin situava-se na cidade de Manatuto. Sebastião Almeida disse à Comissão que foi preso lá em 1975 por suspeita de ser membro da UDT e que viu muitos presos, mas apenas reconheceu João Batista Braz, Luís Pereira e Domingos Sousa. Eles ficaram presos até os militares indonésios invadirem Manatuto, no início de 1976, e Sebastião Almeida fugiu com as Falintil. Disse que não foi maltratado, mas teve de trabalhar todos os dias, 152 cultivando a terra. O subdistrito de Lacló foi palco de violentos confrontos entre a Fretilin e a UDT no início de Setembro de 1975, levando a mais mortes do que prisões. Manuel Nunes Soares, membro da UDT em Lacló, disse à Comissão que, no final de Agosto, tomou conhecimento de forças da Fretilin em Remexio (Aileu) estarem a caminho para o capturar e a Pascoal Bernardo, outro membro da UDT. Ambos fugiram e, enquanto estiveram ausentes, todos os seus bens, incluindo * O testemunho nº 6502 da HRVD menciona Domingos Soares em Manatuto. - 42 - o seu gado, foram roubados por membros da Fretilin. Manuel Nunes Soares disse que, a 5 de Setembro, depois de várias mortes na área, Pascoal Bernardo apresentou-se no posto de comando da Fretilin em Fatu Butik e foi preso. Dois dias depois, foi morto. Manuel Nunes Soares foi capturado com um comandante da Fretilin a 12 de Outubro. O comandante da Fretilin T117 manteve-o preso na lavandaria (Lacló) até 28 de Outubro. Durante esse período, foi espancado 153 e pontapeado. Bobonaro Em algumas áreas de Bobonaro, como o suco de Lourba (Bobonaro, Bobonaro), as comunidade relataram não ter havido conflito partidário. Em Setembro, a Fretilin estava preocupada em 154 defender os sucos de ataques militares indonésios. Contudo, a Comissão tomou conhecimento de um centro de detenção na cidade de Bobonaro, onde várias pessoas foram presas depois de serem capturadas em vários locais em redor do distrito. Um membro da UDT forneceu um relato da ocasião em que foi preso por um membro da Fretilin, T121, em Ritabou (Maliana, Bobonaro), dizendo que T121 o espancou com uma espingarda Mauser, o amarrou com corda e o levou para o subdistrito de Bobonaro, onde ficou 155 preso durante dois meses, tendo sido libertado depois da invasão militar indonésia. Um capitão da Segunda Linha, que também era soldado da UDT, foi capturado pela Fretilin no subdistrito de Cailaco (Bobonaro) enquanto tentava fugir de Ermera para Timor Ocidental, durante o mês de Setembro. Foi levado para Bobonaro e preso durante duas noites, antes de ser 156 levado novamente para o distrito de Ermera. Também se verificaram algumas prisões no subdistrito de Lolotoe. Joana Afonso relatou a captura do seu marido, João Pereira, quando a Fretilin atacou a cidade de Lolotoe. Segundo Joana Afonso, ele foi levado para a sede do suco, em Lontas (Lolotoe), por membros da Fretilin 157 e nunca mais voltou. No seu depoimento, Mariano Leite disse que, em 1975 (mês desconhecido) o seu tio, Rafael Maria, e dois dos seus amigos, Geraldo Pereira e Mariano, de Lolotoe, foram detidos pela Fretilin sob suspeita de serem espiões da UDT, tendo sido levados pelos soldados para Mapeo, no suco de Sibuni (Lolotoe), onde foram amarrados e espancados; dois soldados da Fretilin cortaram a orelha direita de Rafael Maria. Acrescentou ainda que a Fretilin manteve os três presos no posto de comando de Manil Molop e obrigou-os a cozinhar e a 158 servir comida aos soldados da Fretilin durante quase um ano. Armania Borges disse à Comissão como o seu irmão, Santano Berlelo, e o seu filho, Angelino Botu-Mail, foram detidos em sua casa e levados para o suco de Genulai. Só Angelino regressou, 159 depois de fugir da prisão. Entre os centros de detenção da Fretilin no distrito de Bobonaro encontrava-se a prisão de Maliana, a sede do suco de Lontas (Lolotoe), Tapp-Dirihun (Atabae) e o posto de comando de 160 Manil Molop. Período da administração Fretilin A partir de finais de Setembro de 1975, a Fretilin assumiu o controlo sobre o território de TimorLeste e começou a criar uma administração, ao mesmo tempo que procurava conseguir que a administração colonial portuguesa regressasse da Ilha de Ataúro. Muitos líderes e apoiantes da UDT fugiram para a Indonésia. A Fretilin prendeu os membros da UDT que tinha capturado na luta e continuou a deter adversários. No início de Outubro, a Apodeti também se tornou alvo das detenções da Fretilin em Díli. As violações dos direitos humanos, incluindo tortura e maus-tratos, continuaram. Membros da Fretilin que haviam sido detidos sob suspeita de espiarem, ou de cometerem outras infracções, também foram presos. - 43 - Contudo, Mari Alkatiri disse à Comissão que a Fretilin se preocupava com o bem-estar dos seus prisioneiros e que o Comité Central formou uma comissão especial para reflectir sobre a situação dos que se encontravam presos nas prisões da Fretilin, enfatizando que a Fretilin autorizou o acesso total do Comité Internacional da Cruz Vermelha às suas prisões e que começou a libertar 161 presos no início de Outubro. Detenção contínua de apoiantes da UDT Assim que começou a controlar o território, a Fretilin continuou a deter e a prender adversários políticos. Alguns exemplos desde período incluem: • Anacleto do Nascimento falou sobre a sua captura no suco de Matai (Maukatar, Covalima), a 14 de Outubro de 1975, pelos membros da Fretilin T801, T802, T803, T804 e T805, por ser membro da UDT. Foi amarrado a um pedaço de maneira durante uma noite e, na manhã seguinte, foi levado para o escritório da Fretilin em Matai, onde foi socado no peito com a coronha de uma espingarda e esfaqueado. Ficou com ossos 162 partidos e vomitou sangue. Ficou preso durante três meses. • Alguns antigos prisioneiros da Fretilin no distrito de Manatuto relataram ter sofrido maustratos. Saturnino Sarmento, por exemplo, que se descreveu como civil (não filiado), contou como ele e os seus filhos, Cristiano, Óscar e Armindo, foram presos em Leikala (Lacló, Manatuto) em 1975 (mês desconhecido) por um membro da Fretilin chamado T806, sob ordens do comandante da Fretilin T807. Foram levados para Leikala imediatamente após a sua detenção e interrogados. As suas mãos foram amarradas e eles foram espancados com o ramo de uma árvore de tamarindo. A Fretilin manteve a família presa durante dois meses e amarrava-lhes as mãos todas as noites. Durante o 163 dia, eles eram obrigados a cortar palmeiras de sagu e transportá-las para Leikala. • A Comissão ouviu Rubi Metan e tomou conhecimento de que, em Outubro de 1975, ele e a sua mulher Biliba, o filho de ambos, António, e os seus irmãos mais novos, Masanak e Mahare (que se descreviam como civis não filiados) foram capturados e levados para Konte Tatoli, em Iliheu (Manatuto, Manatuto). Durante o período da sua prisão, Rubi Metan foi espancado com madeira por T808, T809, T810, T811 e T812, por turnos, durante uma hora. Biliba, António e Masanak acabaram por ser enviados para Remexio, em Aileu, e nunca regressaram. Mahare foi esfaqueado no plexo solar por T812 e morreu. Rubi Metan ficou preso por mais dois anos com outros presos que eram membros da Fretilin, incluindo Sico Loi e João Manrui, e eram obrigados a trabalhar 164 todos os dias, nomeadamente em campos de arroz ou a cortar palmeiras de sagu. A Comissão ouviu um membro da UDT que foi detido depois de voltar de Timor Ocidental, para onde tinha fugido durante o conflito interno. No seu depoimento, Rafael de Araújo disse que regressou para sua casa, no suco de Ritabou (Maliana, Bobonaro) no final de 1975. Foi detido por soldados da Fretilin, incluindo T121, e espancado com uma espingarda, tendo sido posteriormente amarrado e levado para a cidade de Bobonaro (Bobonaro, Bobonaro), onde ficou 165 preso durante dois meses. Foi libertado quando as forças indonésias entraram em Bobonaro. A prisão de apoiantes e membros da Apodeti Durante o período do conflito interno armado, líderes da Fretilin de algumas áreas perseguiram membros e simpatizantes do partido Apodeti, bem como da UDT. Por exemplo, grupos de 166 membros da Apodeti foram detidos em Baucau a 20 de Agosto, em Manufahi a 27 de 167 168 Agosto e em Lautém em Setembro de 1975. A 4 de Outubro, as operações indonésias na região ocidental aumentaram. A Fretilin levou a feito 169 detenções em massa de membros e simpatizantes da Apodeti no território. Os presos 170 incluíram o presidente do partido, Arnaldo de Araújo e o secretário-geral, José Osório Soares. - 44 - No seu depoimento à Comissão, Mari Alkatiri disse ter ordenado estas detenções depois de 171 tomar conhecimento de um “golpe” da Apodeti para derrubar a Fretilin. O distrito de Oecusse havia permanecido relativamente calmo durante o movimento armado da UDT, embora testemunhas descrevam o aparecimento de tensões entre partidos políticos no 172 início de 1975. Após a reacção armada da Fretilin e com o aumento das incursões da Indonésia nas regiões ocidentais, começaram a ocorrer choques entre a Fretilin e a Apodeti. Por exemplo, em Tumin, no suco de Bobometo (Oesilo), em 1975 (mês desconhecido), Francisco Enas Tebbes, um apoiante da Apodeti, foi detido por uma força da Fretilin liderada por T118, tendo sido amarrado e espancado brutalmente e posteriormente levado para Oesilo, onde ficou temporariamente detido até ser transferido para a cidade de Oecusse e foi preso por mais três dias. No seu depoimento, Francisco Enas Tebbes disse que, enquanto esteve preso, foi ameaçado por T119, um soldado da Fretilin, esteve sempre amarrado, não recebeu qualquer alimentação e sofreu abusos físicos contínuos às mãos de dois membros da Fretilin. Francisco Tebbes conseguiu fugir durante pouco tempo, mas foi apanhado e preso durante muitos mais * dias antes de ser libertado. Arnaldo Sombiko descreveu tensões semelhantes no subdistrito de Pante Makassar, em Oecusse, em 1975 (mês desconhecido), dizendo que quatro membros da Apodeti chamados António Lalus Sila, Oki Neno, Lelan Coi e Cobo Coi foram capturados no suco da Costa pela Fretilin e levados para o suco de Naimeko, onde ficaram presos durante um mês e foram 173 obrigados a cortar erva todos os dias. Outros relatos de prisões de apoiantes da Apodeti apresentados à Comissão incluem: • Carolino Bere, de Samara (Hatulia, Ermera), contou como se juntou à Apodeti em Agosto de 1975 e acabou por ser preso pela Fretilin em Novembro de 1975, tendo ficado preso durante sete meses com cerca de 70 outras pessoas na prisão de Hatulia. Foi 174 libertado depois de a sua família prometer trazer porcos, ovos e cabras. • No seu depoimento, José Soares disse que, em Dezembro de 1975, quando era membro da Apodeti, encontrava-se em Maubisse (Hatu-Builico, Ainaro) quando forças da Fretilin lideradas por T120 atacaram e prenderam 150 pessoas, que foram colocadas num armazém de café vazio no suco de Aitule, onde foram espancadas com madeira e armas e obrigadas a construir uma estrada. José Soares disse que não lhes foi dada 175 alimentação nem água. Em Díli, um pequeno número de presos pertencentes à Apodeti foram mantidos no QG, em † Taibessi. Muitos outros ficaram presos na Comarca e a Fretilin também tomou posse do Museu a 4 de Outubro de 1975, com o objectivo específico de lá manter prisioneiros pertencentes à Apodeti. Segundo Luís António de Aquino Caldas, os prisioneiros do Museu incluíam Fernando José Osório Soares, o secretário-geral da Apodeti, que foi capturado com sete dos seus homens 176 junto à praia de Areia Branca quando regressava de um piquenique. Frederico Almeida Santos, outro membro da Apodeti preso pela Fretilin, recordou: Primeiro, levaram-nos para o Museu. A porta ainda estava fechada e T83 abriu-a. Ele mandou-nos entrar e depois a 177 Fretilin deteve outras pessoas. * HRVD, Testemunho nº 9058. Bobometo foi o local de um massacre de apoiantes da Apodeti pela Fretilin em 1975 [ver subcapítulo sobre Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. † Por exemplo, Abílio Amaral disse que era membro da Apodeti e foi detido em Díli a 6 de Outubro de 1975 por uma carrinha da Polícia Militar (Unimog) na Alfândega (Díli). Ele foi levado para o QG e, no caminho, um dos soldados pontapeou-o e bateu-lhe no estômago com uma carabina até ele estar coberto de sangue. Quando chegaram à prisão, Rogério Lobato mandou os soldados pararem de lhe bater. HRVD, Testemunho nº 03361-01. - 45 - A Comissão recebeu depoimentos a indicar os nomes de quatro outras pessoas que foram presas no Museu pela Fretilin: Armando Suriano, António dos Santos, José dos Santos e Assis dos Santos. Os quatro ficaram presos até à invasão indonésia, excepto José dos Santos, que * ficou doente e foi libertado. Deslocação dos presos entre centros de detenção Durante este período, os presos eram deslocados entre centros de detenção ou libertados. Estas deslocações ocorriam quando a Fretilin levava líderes principais da UDT para grandes centros de detenção em Díli ou em Aileu, ou posteriormente, aquando da retirada da Fretilin face às forças indonésias invasoras. A Fretilin deslocou presos de Ermera, Viqueque e Maubisse para † Aileu. A Comissão tomou conhecimento de que os presos da prisão do subdistrito de Same foram transferidos para Aileu no início de Outubro, embora a razão para esta transferência seja 178 incerta. Bento Reis era prisioneiro em Same e foi transferido para Aileu. Bento Reis disse à Comissão: Fomos transferidos de Same para Aileu e, quando chegámos a Aileu, éramos aguardados por tropas da Fretilin e civis. Saíamos da carrinha um a um. À esquerda e à direita, havia pessoas com pedaços de madeira e outras armas. Elas espancaram-nos quando saímos da carrinha. Alguns de nós caíram no chão com a cabeça partida, feridas ou outras lesões. Elas espancaram-nos durante todo o caminho entre a carrinha e a prisão…Fomos levados directamente para o armazém. Havia muitas pessoas. Elas bateram em todos nós, mas o major Lourenço [Tilman] e o senhor Moniz da Maia sofreram os ferimentos mais graves. Eu vi com os meus próprios olhos. Na manhã seguinte, eles levaram os 179 feridos para o hospital para serem tratados. A Comissão recebeu depoimentos segundo os quais presos de Same (Manufahi) pertencentes à UDT e à Apodeti sofreram abusos físicos enquanto eram transferidos para os centros de detenção de Aileu. Os abusos continuaram em Aileu. Moniz da Maia, um apoiante da UDT de Same, disse em depoimento à Comissão: A 9 de Outubro, partimos para Aileu. Quando chegámos a Maubisse [Ainaro], fomos alinhados num campo e espancados, um a um, com um pau de madeira. Depois de todos serem espancados, fomos para Aileu. Quando chegámos a Aileu, fomos espancados pelos cidadãos 180 locais. João da Costa também foi transferido de Same para Aileu e disse à Comissão que sofreu um tratamento semelhante durante a viagem: * Segundo o testemunho nº 5073 da HRVD, depois de José dos Santos ser libertado pela Fretilin para ir para casa, a 8 de Dezembro, um dia depois da invasão militar indonésia em Díli, José dos Santos e dois outros, Manuel Febu e Duarte dos Santos, foram mortos pelas ABRI no Matadouro (Díli). Liberato dos Reis testemunhou o homicídio. † HRVD, Testemunho nº 2222-01, no qual Eduardo Mau Leto descreveu a maneira como forças da Fretilin de Maubisse detiveram civis dos sucos de Tokoluli, Labudo e Raegoa em Ermera. Os prisioneiros foram amarrados aos pares, mas depois foram libertados, excepto sete indivíduos, membros da UDT e da Apodeti, que foram presos em Aileu. Os sete acabaram por ser levados para Same com a Fretilin e quatro deles nunca mais voltaram. - 46 - [Passado] um mês [na prisão] em Same, [a Fretilin] mandou-nos ir para Aileu. Quando saímos de Same, a carrinha parou em todos os postos da Fretilin para que os guardas pudessem espancar-nos. Ao chegar a Maubisse, eles conduziram-nos para as casernas militares…Eles subiram para a carrinha e espancaram-nos. Alguns prisioneiros foram espancados até ficarem inconscientes. Depois, alguém disse: “Não lhes batam na carrinha. Tiremnos para fora e batam-lhes.” Eles ordenaram aos presos que formassem três filas. Um a um, entrámos na prisão. Os guardas bateram em todos os presos com um pedaço de madeira. Depois, chegou o comandante Soares. Ele era simpático. Disse-nos: “Somos todos pecadores neste mundo. Deus, que é inocente, irá perdoar-nos. Por que é que nós, seres humanos, não nos perdoamos uns aos outros?” Os espancamentos pararam. Mas depois prosseguimos até Aileu. Pelo caminho, mandaram-nos deitar e não levantar as cabeças, pois as crianças que se encontravam ao longo do caminho apontavam setas na nossa direcção. Os guardas continuavam a parar a carrinha em todos os postos e a espancar-nos. Em Aileu, o carro parou em frente ao armazém, ao lado do hospital. Eles espancaramnos um a um, quando saímos do carro. Não me lembro de quantas vezes nos espancaram, quer com um pedaço de madeira quer com uma barra de ferro. O [método de espancamento] mais doloroso era quando nos espancavam com cabos de travão de automóvel. Eu já não sentia a dor quando nos espancavam com uma barra de ferro ou com pregos. Mas era muito doloroso quando nos espancavam com cabos de travão de automóvel. Não era só uma ou duas pessoas que nos espancavam. Eu desmaiei e, depois de outro espancamento, caí no chão. Então, Carlos Ferreira caiu em cima de mim e desmaiou. O meu irmão mais velho levantou-nos a ambos, mas nós respirávamos com dificuldade. Duas pessoas correram na minha direcção e espancaram-me. Eu fiquei sentado sem me mexer porque quase tinha perdido o fôlego. Havia mais de 30 prisioneiros [de Same]. Nessa noite, ficámos na nossa prisão, mas em todas as noites que se seguiram, eles levavam-nos lá para fora. Contudo, 181 nenhum dos que tinha vindo de Same morreu em Aileu. - 47 - A vida em Aisirimou Aisirimou, no distrito montanhoso de Aileu, no centro de Timor-Leste, foi o local onde a Fretilin estabeleceu o seu quartel-general, após o movimento de 11 de Agosto da UDT, e a partir de onde pôs em movimento a sua insurreição armada a 19 de Agosto de 1975. Também era onde localizavam os maiores centros de detenção da Fretilin. No início, os edifícios eram utilizados só para prender os prisioneiros vindos da área de Aileu, mas em breve, outros presos, de Manufahi e de Ainaro, foram levados para Aisirimou. Os líderes eram presos nas antigas casernas militares portuguesas e os outros prisioneiros eram presos num armazém de café. No início de Dezembro, quando a Indonésia invadiu Díli, os prisioneiros feitos pela Fretilin e mantidos no QG, em Taibessi, também foram levados para Aisirimou. Condições em Aisirimou Quando os prisioneiros de áreas exteriores foram levados para Aileu, os centros de detenção começaram a ficar cheios. É difícil determinar o número de pessoas presas em Aisirimou. Clementino Araújo, antigo guarda no quartel-general da Fretilin, disse que havia 200 prisioneiros 182 em Agosto de 1975. Um antigo prisioneiro disse à Comissão que, em Dezembro, havia cerca 183 de 3.000 pessoas presas em Aileu. Eufrázia de Jesus Soares visitou o seu marido, Daniel Carvalho, secretário regional da Apodeti em Ermera, na prisão do armazém. Eufrázia Soares disse à Comissão: O centro de detenção era um armazém. O local estava tão sobrelotado que os prisioneiros não conseguiam sentar-se. Eram como sardinhas numa lata e todos tinham de estar em pé. Eu cheguei lá e não me deixaram entrar. O guarda tentou arranjar maneira de eu falar com o meu 184 marido e eu consegui falar com ele através de uma janela. O armazém não fora construído para alojar grandes quantidades de pessoas. A ausência de instalações sanitárias obrigava os guardas a fornecer recipientes grandes para serem utilizados como casa de banho. Um antigo preso, José Maukabae, falou sobre o centro de detenção. Havia vários recipientes no meio de nós. Os prisioneiros defecavam ou urinavam num deles. De manhã, os prisioneiros competiam entre si para levar os recipientes para lá fora, para poderem 185 sair e sentir o sol quente e lavar as mãos ou a cara com água. Alguns antigos presos disseram que os guardas lhes davam pequeno-almoço e almoço, mas não 186 jantar. Ao pequeno-almoço, os prisioneiros comiam arroz e ao almoço comiam milho. Outros disseram em depoimento que os guardas espancavam os prisioneiros sempre que estes iam buscar a sua alimentação. Um antigo preso, João da Costa, disse à Comissão: Eles espancavam-nos todos os dias, sempre que queríamos a nossa comida. Muitos não se davam ao trabalho de comer porque tinham demasiado medo. Tínhamos de ter cuidado para que a comida não se entornasse enquanto eles nos espancavam. Muitos passaram fome por terem * demasiado medo de comer. “Trabalho forçado” * Entrevista da CAVR a João da Costa, Letefoho, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003. João da Costa era um prisioneiro da prisão do subdistrito de Same. Em Outubro de 1975, ele e outros prisioneiros foram transferidos para Aileu. A 27 de Dezembro de 1975, quando as ABRI se aproximaram de Aileu, a Fretilin transferiu João da Costa e os outros prisioneiros para Maubisse e depois para Same. A 27 de Janeiro de 1976, quando as ABRI entraram em Betano, a Fretilin transferiu João da Costa e os outros prisioneiros para Hola Rua. A Fretilin executou alguns prisioneiros em Holarua e depois transferiu João da Costa e cerca de 40 outros prisioneiros para Same, prendendo-os na escola primária, onde muitos foram massacrados. João da Costa e três outros prisioneiros sobreviveram ao massacre [ver subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados]. - 48 - Para conseguir alimentação para os presos, a Fretilin obrigava-os a trabalhar em arrozais ou em 187 plantações de café que faziam parte de um Campo de Trabalho. Os homens tratavam dos 188 campos e as mulheres trituravam o arroz e cozinhavam para os soldados das Falintil. A Fretilin parecia estar ciente de que este tipo de trabalho se classificava como trabalho forçado, mas considerava-o necessário para fornecer alimentação aos presos. O presidente da Fretilin, 189 Francisco Xavier do Amaral, explicou à Comissão: Acho que havia um elemento de compulsão, mas nós tínhamos de alimentá-los. De que outra maneira poderíamos arranjar comida? Tínhamos de olhar para a situação com que nos confrontávamos: não havia logística, nem ajuda. De que outra maneira poderíamos alimentá-los? No final, eles eram prisioneiros e trabalhavam para eles próprios e para nós. Era essa a regra e era justificável…O Campo de Trabalho era uma política, ou uma medida de emergência implementada pela Fretilin para alimentar as pessoas. Contudo, os víveres continuavam a ser escassos. António Serpa, que tinha sido levado pela Fretilin para Aileu após a invasão de Díli, a 7 de Dezembro, disse à Comissão: Sofremos muito em termos de alimentação devido à situação. Quando íamos buscar comida, podíamos ser levados e mortos. No final, aqueles que tinham realmente fome iam buscar a comida, mas tínhamos medo…A 15 de Dezembro, eu fui escolhido para ser levado e morto. Colocaram-me com o grupo de Aileu. Havia mais de 60 pessoas numa sala pequena…Não nos deram nenhuma comida. Eles alimentaram-nos enquanto estivemos no armazém, mas nesta 190 sala não nos deram nada para comer. António Serpa acabou por sair do armazém e sobreviveu. Tortura e maus-tratos em Aisirimou A Comissão também tomou conhecimento de pessoas serem torturadas e sofrerem outras formas de tratamento cruel e desumano em Aisirimou. João da Costa descreveu a tortura do major Lourenço Tilman, um antigo major da Segunda Linha e comandante da UDT em Same (Manufahi): O major Lourenço foi a pessoa mais gravemente espancada em Aileu por ser um comandante. Eles puseram-no no tejadilho de uma carrinha e conduziram-no por Aileu, gritando: “Viva a Fretilin”. Alguém o apunhalou e ele sangrou. A cara dele estava inchada e ele não conseguia 191 falar. Membros da Fretilin e cidadãos de Aileu participaram nos maus-tratos dos prisioneiros. Moniz da 192 Maia disse à Comissão que “não eram os soldados, mas a comunidade que nos espancava.” Julgamentos de presos pertencentes à Fretilin * Quando os líderes da Fretilin ficaram cientes da natureza arbitrária das prisões e da sobrelotação dos centros de detenção, agiram de modo a absolver e libertar as pessoas inocentes. A administração colonial portuguesa não dava sinais de regressar de Ataúro e, consequentemente, não estava em posição de lidar com a situação. A 30 de Setembro, a Fretilin anunciou a criação de uma comissão para investigar os antecedentes dos presos. Em muitas áreas, esta comissão começou a trabalhar demasiado tarde, muito depois de começaram a ser cometidas as violações dos direitos humanos dos presos, e não estava activa em todas as áreas do território. Com efeito, os depoimentos recebidos pela Comissão indicam que o número de * A Comissão sublinha que os processos de justiça descritos no presente Relatório não se enquadravam no sistema de justiça formal, sendo meras práticas utilizadas por membros da Fretilin durante o período para conseguir algum tipo de justiça para presos e perpetradores. - 49 - presos continuou a aumentar e que os membros individuais da Fretilin nos distritos começaram a tomar decisões e a empreender acções contra os presos por iniciativa própria. Um exemplo de tal medida foi o aparecimento de “julgamentos” de presos em algumas áreas. Estes julgamentos eram uma forma de justiça popular. O prisioneiro era apresentado perante a comunidade reunida, que decidia, por veredicto popular, se ele devia ser punido. A justiça popular não seguia normas de procedimento nem respeitava os direitos humanos do acusado. As decisões eram arbitrárias e frequentemente baseadas em sentimentos e raiva. Neste processo, o perigo de os direitos do acusado serem violados aumentava devido ao clima de tensão crescente e de raiva generalizada entre as vítimas da guerra civil. Pessoas inocentes de qualquer tipo de participação no movimento armado foram punidas e condenadas a espancamentos e prisão. Depois de uma audiência de justiça popular, Luís Godinho, membro da UDT de Lospalos (Lautém), foi condenado a ser vergastado em público até à morte com um chicote reforçado com 193 picos afiados. Um companheiro de prisão de Luís Godinho, Edmundo da Conceição, falou à Comissão sobre o “julgamento” que levou à morte de Luís Godinho: A (cerimónia) de justiça popular decorreu em dois locais. Primeiro, no quartel-general da Companhia Caçadores 14 e, depois do espancamento [dos prisioneiros], levaram-nos para a sede administrativa de Lospalos. Levaram-nos para lá. Após uma cerimónia de hastear a bandeira, espancaram-nos com tanta brutalidade que Luís Godinho morreu junto ao mastro da bandeira. Espancaram-no até à morte. A audiência de justiça popular e o espancamento foram realizados em frente ao escritório do secretariado. * Espancaram-no com um chicote farpado (rusan pahano ) até ele cair, morto, perante os nossos olhos. Foram tantas as pessoas que espancaram Luís Godinho que foi difícil identificá-lo. O membro da Fretilin T122 começou, seguido do membro da Fretilin T123 e, depois, seguiram-se os restantes. Por isso, eu não consegui distinguir os envolvidos. Todos o espancaram. Satisfeitos com a morte de Luís, colocaram o seu corpo num tractor, partiram e enterraram-no. Tudo aconteceu 194 mesmo em frente aos nossos olhos. Dois depoimentos prestados à Comissão descreveram um “julgamento” de justiça popular em Poetete (Ermera), a 25 de Setembro de 1975. Segundo Filomena dos Santos, dois soldados da Fretilin foram à prisão de Ermera e chamaram o seu pai, o capitão Miguel Martins da Segunda Linha e soldado da UDT, que estava preso há uma semana. Miguel Martins foi levado para enfrentar o público e ser julgado. T124 disse ao povo da vila que ali se encontrava reunido: “Se disserem vai para Aileu, significa que ele vive. Se disserem fica em Ermera, significa que ele morre.” A maioria das pessoas gritou: “Fica em Ermera!”. Filomena salientou que, entre a multidão, encontravam-se mulheres cujos maridos tinham sido mortos seis semanas antes pela 195 UDT. Miguel Martins foi morto a tiro. A Comissão tomou conhecimento de um outro caso de justiça popular passado em Ermera. Angelina Barros disse à Comissão como, em Fatubesi (Hatulia, Ermera), em Setembro de 1975, um comandante da Fretilin de Aileu, José Soares, e os seus homens perseguiram um grupo de * Rusan pahano é uma palavra do idioma Fataluko da região em redor do distrito de Lautém. É difícil encontrar uma palavra equivalente, quer em tétum, quer em indonésio, mas o instrumento tem picos. - 50 - membros da UDT até Bobonaro, onde capturaram o comandante da UDT Serafim dos Santos e 11 dos seus homens e os levaram para Fatubesi. Os 12 membros da UDT foram apresentados perante um tribunal popular e foi perguntado às pessoas se deviam viver ou morrer. A resposta das pessoas foi que deviam morrer. Os 12 homens foram então levados para o comando da Fretilin em Fatubesi e presos. Angelina Barros não disse à Comissão qual foi o destino dos 12 196 homens. Depois da invasão indonésia em larga escala A Comissão tomou conhecimento de que, na maioria dos distritos de Timor-Leste, incluindo Bobonaro, Covalima, Baucau, Lautém e Manatuto, os prisioneiros feitos pela Fretilin foram libertados depois de os militares indonésios entrarem nessas áreas. João Viena Freitas disse à Comissão que os 160 prisioneiros da Descascadeira, situada na cidade de Baucau, foram evacuados para Venilale aquando da invasão indonésia. Os prisioneiros passaram uma noite na escola de Venilale (Baucau) e depois foi-lhes dito que tratassem de si próprios. Muitos renderam197 se aos fuzileiros indonésios em Baucau. Alguns dos prisioneiros de Baucau já tinham sido levados para os seus subdistritos natais pela Fretilin antes de as forças indonésias atacarem Baucau e foram também libertados. Paulo Freitas, presidente do partido Trabalhista na altura e prisioneiro da Fretilin, tinha sido levado de Baucau para Uatu-Lari (Viqueque): Quando a Indonésia invadiu, eu pensei que eles [Fretilin] iam mesmo matar-me, que agora estávamos mesmo com problemas e que a situação ia piorar. A invasão foi emitida pela rádio e as crianças que nos traziam comida diziamnos que a Indonésia estava prestes a atacar. Tudo aconteceu muito depressa. Então, eles [Fretilin] disseramnos: “Agora podem ir, porque nós estamos a fugir para a floresta.” Disseram que as pessoas que estivessem na cidade iam ser mortas [pelas ABRI], mas as pessoas que estivessem na floresta ficariam em segurança. Por isso, 198 era melhor para mim fugir para a floresta. Prisioneiros mantidos em Díli e em Aileu, os principais centros de detenção, foram transferidos juntamente com a liderança da Fretilin, na sua fuga para sul. Em meados de Outubro, as ABRI e os seus auxiliares timorenses de leste ocuparam Maliana e as linhas de frente avançaram mais para leste. A 3 ou 4 de Dezembro, a Fretilin transferiu membros da Apodeti presos no Museu, em Díli, para o QG, em Taibessi, para os juntar aos * prisioneiros pertencentes à UDT. Quando os militares indonésios invadiram Díli, a 7 de 199 Dezembro, a Fretilin levou os seus prisioneiros detidos no QG de Díli para Aileu. Xanana Gusmão explicou esta medida no seu depoimento: Os prisioneiros da UDT e da Apodeti foram levados para as montanhas, não com a intenção de serem mortos…mas os pára-quedistas já estavam a aterrar…As tropas indonésias estavam a ocupar Díli, [Eles estavam ] a 200 subir, a subir. * Entrevista da CAVR a Luís António de Aquino Caldas, Palapaço, Díli, 21 de Maio de 2004. [Filomeno Pedro Cabral Fernandes testemunhou que, a 4 ou 5 de Dezembro, a Fretilin transferiu prisioneiros do Museu para o QG, Taibessi, e os manteve presos até 7 de Dezembro]. - 51 - A Fretilin obrigou os prisioneiros a transportar caixas de munições durante a marcha. Um prisioneiro da UDT, José Maukabae, disse à Comissão: A 7 de Dezembro, não comemos nada. Só os que tinham comida é que podiam comer. Ao meio-dia, Nicolau Lobato veio ao QG. Ele ficou em frente [da sala onde estávamos presos] e disse-nos em português: “Camaradas, querem viver ou morrer? E nós dissemos: “Nós, comandante, queremos viver.” [Ele respondeu] “[Se] realmente querem viver, têm três minutos para se alinharem e ajudarem a transportar este equipamento para as montanhas e depois devem voltar para cá. Não levem objectos pessoais. Os vossos pertences ficam aqui. Só podem ir ao depósito das munições e ajudar a levar o equipamento para as montanhas e depois voltar. Se não ajudarem, todos morrerão. É a lei da guerra que o diz. Enquanto as forças enfrentam dificuldades, os prisioneiros devem ajudar as forças. Se não ajudarem as forças, morremos todos.” E nós dissemos: “Comandante, nós queremos ajudar…até morrer.” Depois, num espaço de três minutos, todos saímos para ajudar a transportar o equipamento para as 201 montanhas. Outros recordam que, quando os militares indonésios atacaram Díli, os líderes da Fretilin tiveram uma discussão acesa sobre o destino dos prisioneiros que se encontravam no QG. António Ximenes disse à Comissão: A 7 de Dezembro, pássaros [pára-quedistas] desceram do céu. A situação era grave. Houve uma grande discussão entre os líderes sobre se os prisioneiros deveriam ser mortos, deixados vivos, ou libertados e entregues a si próprios. Tiveram uma discussão séria. Depois, Nicolau Lobato disse: “Se quiserem matá-los, terão de ser vocês a levar as caixas de munições para o arsenal.” As suas palavras venceram as emoções dos outros. Eles deixaram-nos sair, à 1 da tarde, para irmos buscar as 202 caixas de munições e irmos para Aileu. Os prisioneiros da Comarca conseguiram fugir e dirigir-se ao Consulado indonésio em Lecidere, Díli. - 52 - Fuga da Comarca de Balide, 7 de Dezembro de 1975: Anselmo dos Santos e Frederico Almeida Santos 203 Anselmo dos Santos Certo dia, aproximámo-nos de Arnaldo [Araújo, o presidente da Apodeti], e ele disse-nos, em voz baixa: “Camaradas, não desesperem. Não falta muito para que possamos sair daqui.” Na manhã de Domingo, por volta das 4 da manhã de 7 Dezembro, ouvimos o som de aviões e vimos que a Indonésia estava a largar soldados de pára-quedas. Eles ainda não tinham chegado ao sol quando as armas começaram a disparar, de baixo para cima. As portas da prisão foram todas fechadas e ninguém saiu. Frederico Almeida Santos Vimos pára-quedas. Estávamos com muita atenção ao que poderia acontecer. Não sabíamos se devíamos fugir ou permanecer no interior. Chamei Filomeno Gomes [o superintendente da prisão] e disse-lhe: “Camarada, geralmente quando a guerra rebenta e as habitações são queimadas, as que estão nas celas não conseguem sair. Tens de nos libertar para que possamos encontrar maneira de sair.” Anselmo dos Santos Ao princípio, [os guardas] estavam no telhado a disparar as armas, mas o presidente Arnaldo aconselhou-os: “Camaradas, é melhor tirarem os vossos uniformes militares e esconderem as vossas armas. Se alguém vier perguntar-nos qualquer coisa, diremos que somos todos prisioneiros.” Então, os cinco homens da Fretilin seguiram este concelho, esconderam as armas e despiram os uniformes. Frederico Almeida Santos As pessoas estavam a disparar umas contra as outras e nós empilhámos os colchões para podermos chegar à janela e espreitar lá para fora. João Branco [um comandante das Falintil] e três outros passaram à nossa frente no meio de uma troca de tiros com as ABRI. A meio do dia, voltaram a passar e viram-nos à janela. João Branco disse: “De que estão à espera? Agora é uma guerra grande. Já não queremos saber de vocês.” Depois, saiu. Anselmo dos Santos Depois de as tropas da Fretilin [junto à prisão de Balide] começarem a retirar para o QG, começámos a preparar-nos para partir. Quando estávamos prestes a sair da prisão, Arnaldo agarrou numa almofada branca, amarrou-a a uma vara de ferro e colocou-a em frente à prisão. Nenhum de nós foi atingido por uma bala. Todos saímos. Quando estávamos prestes a sair, um soldado das ABRI e o seu pára-quedas caíram mesmo em frente à cozinha da prisão. Ele já estava morto. Arnaldo disse-nos para levantarmos o corpo do soldado e o pormos numa mesa. Arnaldo examinou o corpo e tirou um cartão de identidade e um rosário do bolso do soldado — talvez ele fosse católico. O cartão de identidade e o rosário foram então colocados ao lado do corpo. A arma e o morteiro do soldado foram encostados à parede, junto à cabeça dele. Depois disso, saímos. O presidente Arnaldo, o malae Albano e um árabe — os três lideraram o caminho acenando um tecido branco…Seguimos atrás deles e fomos para o consulado indonésio em Lecidere. Transferência dos prisioneiros de Díli para Aileu e depois para Same Quando os militares indonésios avançaram sobre Aileu e os aviões atacaram a cidade, a 27 de 204 Dezembro de 1975, a Fretilin voltou a evacuar prisioneiros, primeiro para Maubisse (Maubisse, Ainaro) e depois para Same (Manufahi). A Comissão concluiu que os massacres de prisioneiros ocorreram em Aileu, antes do início da marcha forçada, e em Maubisse, durante a marcha (ver subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os restantes prisioneiros chegaram a Same a 31 de Dezembro. O antigo presidente da Fretilin, Francisco Xavier do Amaral, descreveu a razão para a transferência: - 53 - Estávamos no meio da guerra, nesta guerra, quando fugimos dos nossos inimigos…Levámos os que tínhamos aprisionado, os nossos inimigos que tínhamos aprisionado, connosco. Antes de termos oportunidade de recuperar o fôlego, dissemos: O que sabemos agora? Temos de continuar a fugir. Não temos muitas escolhas. Não há transportes, não há comida, há poucos medicamentos, não há nada disto.” Alguns dos que tínhamos aprisionado estavam gravemente doentes, muitos estavam bastante fracos. Por isso, tivemos de examinar a situação. Deixamo-los aqui vivos? Fugimos sozinhos e abandonamo-los? Ou matamo-los e depois fugimos? Eu via perigo em todas estas hipóteses…Se os abandonássemos, por exemplo, um membro da UDT ou da Apodeti, [eles poderiam] cair nas mãos do inimigo indonésio. Os militares indonésios podiam capturá-lo. Podiam pressioná-lo e encontrar-nos. 205 Podiam enganá-lo, ou ele podia confessar. José Maukabe recordou a transferência de Aileu: Os aviões começaram a largar bombas sobre Aileu de manhã, muito cedo. As ABRI podem ter descoberto onde os prisioneiros se encontravam, por isso largaram bombas em redor deles. Ouvimos tiros do lado de fora da prisão. Não sabíamos o que fazer porque as portas da prisão estavam fechadas e não podíamos fugir. Então, um dos aviões largou uma bomba mesmo em cima da casa que ficava do outro lado da rua. Houve salpicos de água. Eles * levaram-nos lá para fora e evacuaram-nos. António Serpa, outro prisioneiro de Aisirimou, descreveu a difícil viagem para Same, passando por Maubisse: Estava a chover quando partimos de Aileu rumo a Maubisse. Não comíamos há três ou quatro dias. Os nossos braços estavam cansados. Faltava firmeza às nossas pernas. Caminhámos lentamente para Daisoli, onde passámos a noite. Aqueles que planeavam fugir não puderam fazê-lo porque não tinham energia suficiente. Depois, na manhã de 28 de Dezembro, continuámos a nossa viagem até Maubisse. Na noite de 28 de Dezembro, dormimos em Maubisse. Na manhã de 29 de Dezembro, deixámos Maubisse para ir buscar mais munições e leválas para Same. Houve uma pessoa que não conseguiu carregá-las e atirou-as para o chão. Então, o falecido Nicolau Lobato disse: “Agora estou a perder a paciência. Quem atirou as munições para o chão? Têm todos de ficar aqui.” * Entrevista da CAVR a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. José Maukabae mencionou dois grupos de prisioneiros em Same, o primeiro grupo e o segundo grupo. Ele fazia parte do segundo grupo, conhecido como grupo de Maubere. Outros relatos referem-se a três grupos em Same: Grupo de Maubere, Grupo de Semi Perigoso e Grupo de Perigosíssimo [Entrevistas da CAVR a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004; Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003; Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003; Bento Reis, Same, 2004]. - 54 - Sentimo-nos envergonhados. Aqueles que tinham mais força pegaram nas munições e carregaram-nas. Quando saímos de Maubisse também estava a chover. Antes de chegarmos a Fleixa, o meu amigo João Damas, que estava exausto, desfaleceu. Até hoje, não sei se morreu ou não. Caminhámos lentamente, transportando as munições até Fleixa. Parámos todos lá. Estava a chover muito. E assim continuámos. Tínhamos fome. Sentamo-nos debaixo de uma casa erguida sobre estacas. Eu perguntei aos camaradas “Quem está pronto para morrer?” Senti que já não conseguia continuar. Sugeri que esperássemos pelo primeiro-ministro [Nicolau Lobato] para lhe perguntar se podíamos parar e ficar aqui. Eles podiam matar-nos aqui. Eu não suportava mais. Por isso, esperámos todos…O primeiro-ministro chegou com os seus guardacostas. Eu disse-lhe que tínhamos vindo de Aileu, que não tínhamos comido nada durante todo este tempo e não tínhamos mais força para carregar as munições. Disse-lhe que não podíamos fazê-lo e que, se não acreditasse, podia florestar-nos. E assim, todas as munições foram armazenadas em Fleixa. Três carros vieram buscar as munições para as levarem para Maubisse e esses três carros voltaram com batatas doces. Dormimos num local chamado Fahi Teen. Na manhã de 30 de Dezembro, deixámos esse local e 206 fomos para Same. Os prisioneiros chegaram a Same por volta de 31 de Dezembro de 1975 e passaram lá a Passagem do Ano. Segundo António Serpa, a 10 de Janeiro, foram vistas luzes no mar e a Fretilin suspeitou que os prisioneiros estivessem a fazer sinais aos militares indonésios. A Fretilin ordenou aos prisioneiros que se reunissem em três salas grandes, na escola primária de Same. José Maukabae descreveu o sucedido: A escola primária tinha três salas. José Osório e eu fomos para a sala do meio. Ele sentou-se no meio e disse: “Já não posso falar porque estou numa posição impossível. Arnaldo está em Díli. Eu não sei o que ele está a fazer. O meu partido não quer a guerra. Eu quero a integração na Indonésia, mas sem guerra. Agora, a Indonésia veio para fazer guerra. Deixem-nos encontrar o inimigo, esteja onde estiver, mas os meus homens não irão colaborar com eles. Eu já não posso falar. Não sei o que Arnaldo diz aos 207 indonésios. A 12 de Janeiro de 1976, a Fretilin dividiu os prisioneiros em três grupos: Grupo Maubere, Grupo 208 Semi Perigoso e Grupo Perigosíssimo. O Grupo Maubere incluía simpatizantes de partidos da * oposição sem influência política. A Fretilin prendeu-os na casa de Mateus Ferreira. O Grupo Semi Perigoso era formado por membros e apoiantes de partidos da oposição com uma ligeira influência política. A Fretilin colocou-os na Escola Primária de Same. O Grupo Perigosíssimo incluía líderes e administradores de partidos da oposição que a Fretilin considerava perigosos. A 209 Fretilin prendeu-os na prisão do subdistrito. * Mateus Ferreira era líder da UDT em Same. - 55 - Holarua (Same, Manufahi) Quando as ABRI entraram no suco de Betano (subdistrito de Same, na costa sul de Manufahi) a Fretilin estava a esforçar-se por manter o controlo. Era difícil para a liderança do partido gerir os prisioneiros. A 27 de Janeiro de 1976, a Fretilin evacuou os prisioneiros da cidade de Same para 210 o suco de Holarua (Same, Manufahi) e colocou a maioria dos prisioneiros noutra escola primária. Porém, alguns, como José Fernando Osório Soares, o secretário-geral da Apodeti, 211 foram presos na casa do major Lourenço, da Segunda Linha. Os prisioneiros de Holarua incluíam os do Grupo Perigosíssimo e do Grupo Semi Perigoso. A Comissão ouviu depoimentos sobre dois grupos de prisioneiros que foram executados pela Fretilin. Moniz da Maia falou à Comissão sobre o primeiro grupo, do qual faia parte o secretário-geral da Apodeti, José Osório 212 Soares, que foi executado em Hat Nipah, perto de Hola Rua, a 27 de Janeiro de 1976. A Comissão tomou conhecimento de uma segunda — e maior — execução de prisioneiros em grupo na escola primária de Same, onde a Fretilin executou 44 prisioneiros pertencentes à UDT, a 29 de Janeiro de 1976 (ver subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). A maioria dos prisioneiros do Grupo Maubere, excepto os membros da Apodeti, foram libertados a 31 de Janeiro de 1976. José Maukabae descreveu o que aconteceu aos prisioneiros: A Fretilin libertou a maioria dos prisioneiros, excepto alguns, que executou. Cerca de 20 prisioneiros pertencentes à Apodeti e à UDT foram libertados pelos comandantes da Fretilin Paulino Gama e Guido Soares em 213 Hola Rua, no final de Janeiro de 1976. Igualmente no final de Janeiro de 1976, César Maulaka libertou o segundo grupo de prisioneiros, que incluía prisioneiros pertencentes à UDT, à Fretilin e não políticos, em Hola Rua, mas manteve os prisioneiros pertencentes à Apodeti. Os membros da Apodeti foram separados e colocados numa escola primária em Hola Rua. Depois, à noite, foram levados para Mota Karau Ulun, Hola Rua, e executados 214 com lanças. Filomeno Pedro Cabral Fernandes e Assis dos Santos confirmaram a primeira libertação 215 realizada pela Fretilin, de 20 prisioneiros pertencentes à UDT e à Apodeti. Filomeno Cabral declarou que os comandantes da Fretilin Guido Soares, Paulino Gama (Mauk Moruk), António Pinto (Kalohan) e Moisés Quina pediram que os prisioneiros fossem retirados de Hola Rua. Os prisioneiros assinaram um acordo, foram levados para leste por tropas das Falintil e libertados. Assis dos Santos falou sobre o acordo assinado com os 20 prisioneiros de Kiras (Same, Manufahi) antes da sua libertação: Assinámos um acordo com a Fretilin. Muitos sobreviveram. O acordo insista em que tínhamos de derramar sangue e prometer juntarmo-nos e fortalecer as forças da Fretilin. O não cumprimento do acordo, 216 significava a morte. José Maukabae descreveu, em pormenor, o que ocorreu quando César Maulaka decidiu o destino do Segundo grupo de presos em Hola Rua: - 56 - [César Maulaka] disse: “Vocês são aqui prisioneiros. Muitos pertencem à UDT. Os que pertencem à Fretilin também estão presos por rixas e roubos. Estão presas pessoas da Apodeti e até civis que não participam em política. Vou contar num minuto quem pertence à UDT, à Apodeti ou à Fretilin e quem não pertencia a qualquer partido. Formem linhas aqui, segundo o vosso grupo.” Nós, os prisioneiros, olhámos uns para os outros. Pouco depois, havia quatro grupos…Juntei-me ao grupo da UDT. Quatro outros amigos [colegas de Maubara] foram para outros grupos. Depois, o comandante, César Maulaka, disse: “Milicianos, levem estes camaradas da Apodeti para o edifício da escola, lá em baixo, e amanhã, depois do julgamento, podem deixá-los ir para casa”. Enquanto eles levavam os prisioneiros pertencentes à Apodeti, César Maulaka disse: “Vocês, pessoas da UDT e da Fretilin e todos os que não pertencem a nenhum partido, quem tiver um amigo em Same pode ficar com ele e, quando este país estiver seguro, podem ir para casa. Aqueles que não tiverem amigos aqui, podem ir para casa.” Todos ficaram 217 felizes e gritaram. Isso aconteceu às 6 ou 7 da tarde. - 57 - 7.4.4 Prisão, tortura e maus-tratos por parte da Fretilin, 1976/1979 Depois da invasão indonésia e antes da destruição das bases da Resistência em finais de 1978, a Fretilin/Falintil continuou a manter pessoas presas nas áreas que controlava (zonas libertadas), com base na sua própria forma de justiça. No entanto, ao contrário do sucedido em 1975, as vítimas de prisão, tortura e maus-tratos eram os próprios membros do partido ou civis que viviam nessas áreas. Quando se tratava de infracções graves ou de infractores reincidentes, os prisioneiros eram colocados em centros de detenção normais ou em Campos de Reabilitação Nacional, ou Renal). A diferença entre uma Renal e um centro de detenção normal da Fretilin era, teoricamente, muito clara. As Renal tinham por objectivo disciplinar membros da Fretilin ou civis que “precisavam de ser trazidos de volta ao bom caminho”, através do ensinamento dos princípios da ideologia da Fretilin. Além de envolverem as pessoas no processo de produção através do trabalho agrícola em quintas cooperativas, também ofereciam formação política e, por vezes, alfabetização. Na prática, a diferença nem sempre era assim tão clara. As Renal tornaram-se sinónimos de prisão na mente dos civis e, com efeito, muitas Renal foram transformadas em prisões. Além disso, a Comissão tomou conhecimento da ocorrência generalizada de tortura e maus-tratos em Renal. Durante a Conferência de Soibada, realizada entre 15 de Maio e 2 de Junho de 1976, os organizadores da Fretilin decidiram que os territórios controlados pela Fretilin seriam divididos em seis sectores controlados pelo comando militar, bem como em territórios de administração política sob controlo de administradores da Fretilin. Os territórios eram: Ponta Leste, que incluía o distrito de Lautém; Centro Leste, que incluía os distritos de Baucau e Viqueque; Centro Norte, que incluía os distritos de Manatuto, Aileu e Díli; Centro Sul, que incluía os distritos de Manufahi e Ainaro; Fronteira Norte, que incluía os distritos de Liquiça e Ermera e partes de Bobonaro; e Fronteira Sul, que incluía o distrito de Covalima e partes de Bobonaro. A Comissão tomou conhecimento de que foram abertos centros de detenção, incluindo Renal, em todos os sectores Fretilin do território. No entanto, segundo o registo de dados estatísticos da Comissão, as prisões foram realizadas com muito mais frequência no distrito de Ermera, de onde são provenientes a maioria dos relatos, por uma margem significativa, seguido dos distritos de Manufahi, Aileu e Viqueque. Os distritos de Bobonaro, Oecusse e Ainaro não relataram quaisquer prisões e, nos distritos de Díli, Lautém e Covalima, o número de relatos foi baixo. Estes resultados não reflectem as conclusões da investigação qualitativa da Comissão em todos os aspectos — esta indica, por exemplo, que o número de prisões realizadas em Lautém foi dos mais elevados. [Inserir gráfico g2021104001 por aqui] É significativo registar a correlação extremamente elevada entre tortura e prisão. Por exemplo, existem 49 relatos de casos de prisão de membros da Fretilin/Falintil pela Fretilin/Falintil ocorridos no distrito de Ermera e também 49 relatos de tortura — indicando que a tortura pode ter sido um aspecto rotineiro da prisão de membros pela Fretilin/Falintil durante este período. Esta secção examina as práticas adoptadas pela Fretilin para alcançar um certo nível de justiça, as razões para a prisão de civis e membros da Fretilin/Falintil entre 1976 e 1978 e o tratamento dado aos prisioneiros em geral. Todos os tipos de centro de detenção são descritos nos testemunhos e depoimentos abaixo apresentados, mas é dada especial atenção às Renal, por serem únicas deste período e terem sido parte fundamental da estratégia de revolução social e política da Fretilin. A Comissão faz notar que o tratamento de prisioneiros diferia de local para local. - 58 - Justiça sob a administração da Fretilin: As práticas de justiça adoptadas pela Fretilin são apresentadas em pormenor na Parte 5: Resistência: Estrutura e Estratégia. Em síntese, essas práticas criaram uma distinção entre o que era considerado infracção menos grave — como o erro de um comandante que causou a 218 morte dos seus homens, o assédio de mulheres ( book feto ) ou o roubo de galinhas — e 219 infracções graves — como trair a “orientação política”, o país ou a revolução. * No caso de infracções menos graves, o acusado era chamado pelo comissário político para se submeter a críticas e a autocrítica numa reunião pública, na qual participava um líder da Fretilin, que apontava os erros da pessoa (crítica), e a pessoa, que exprimia discernimento e remorsos e prometia não reincidir (autocrítica). Por vezes, também era pedido à pessoa que se submetesse a um justo correctivo, como recolher água ou lenha durante um determinado período de tempo. 220 Este correctivo era considerado uma forma de reabilitação do infractor. No caso de infracções mais graves, o acusado enfrentava um processo de justiça popular, no qual as pessoas decidiam o seu destino. Nas audiências de justiça popular, não havia juízes nem acusadores. O comandante que fazia a acusação apresentava o acusado perante o público, juntamente com as acusações e as razões que a elas tinham levado. O comissário político, 221 sozinho, ou acompanhado pelo comandante de sector, decidiam a sentença. João Vienas explicou o procedimento: A secção de justiça era como um juiz que decidia casos, com base nas regras da Fretilin. Ao longo do processo, o acusado respondia a perguntas sobre por que razão tinha sido detido e quem o tinha denunciado. Líderes, como o comissário [político], também eram chamados à audiência. Perguntaram-me: “Sabes qual foi o mal que cometeste?” Respondi: “Não faço ideia”. Eles disseram: “Estamos a dizer-te que o que fizeste mal foi o teu irmão mais novo, José dos Santos, ser traidor. E quem nos deu esta 222 informação é teu amigo.” Nem todos os casos graves eram investigados e não havia presunção de inocência, nem sequer, em muitos casos, direito de resposta. Havia casos em que pessoas suspeitas de terem planeado render-se eram simplesmente acusadas pelo comandante local e era tomada uma decisão. Embora as pessoas tivessem o direito de decidir, costumavam seguir a orientação do comandante. Por estas razões, a Comissão conclui que, mesmo quando as práticas eram correctamente aplicadas, a prisão daí resultante era arbitrária. Um antigo assistente político do comissariado da Fretilin disse à Comissão: * O comissário político era o responsável máximo do sector para todos os assuntos militares ou de administração política [ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia]. - 59 - A justiça popular era formal. A forma que assumia era: suponhamos que eu era acusado e apresentado perante o público. Quando surgia perante o público, muitas pessoas diziam que eu era culpado. Ninguém contestaria essa decisão, mesmo que eu tivesse feito uma coisa acertada. Não havia juiz para nos defender e não era um juiz nem um acusador que apresentava o acusado perante o público. Eu testemunhei cerca de três casos, de pessoas suspeitas capturadas na zona da [guerra] guerrilha e presas pelo comandante sob a acusação de espionagem. [Na audiência de justiça popular] o comandante disse: Este homem capturado na zona da guerrilha é um espião.” Então, as pessoas disseram, “Se é um espião, tem de morrer.” Estes casos costumavam ser tratados por um comandante das Falintil e as pessoas concordavam com o 223 que ele dizia. Se uma pessoa já tivesse passado pelo processo de crítica e autocrítica e tivesse completado o justo correctivo, mas reincidido, ele ou ela era preso numa Renal ou noutra prisão. Em * alternativa, o adjunto podia decidir enviar o infractor para uma Renal através de uma audiência de justiça popular. Noutros casos, como indica a citação acima, os infractores eram mortos. Tal como a culpa do acusado, a duração da sentença do aprisionamento era decidida pelo comissário político ou outra pessoa com autoridade. Eram utilizados vários critérios para decidir se uma pessoa devia ser libertada, incluindo a conduta do prisioneiro enquanto estivesse preso. Em alguns casos, era empregue um processo quase judicial, dirigido pela secção de justiça da Fretilin. Razões para a prisão As Renal foram criadas para prender membros da Fretilin e das Falintil e civis que tivessem violado (ou fosse acusados de violar) os princípios e ideologia da Fretilin e traído a luta. Algumas das razões mais comuns para a prisão eram as seguintes: • Traição por rendição planeada às ABRI ou estabelecer contacto com pessoas em áreas controladas pelas ABRI, comprovada por ir para além das fronteiras delineadas pela 224 Fretilin • Resultado de divisões políticas internas • Impor a disciplina. Traição por rendição planeada às ABRI ou por contacto com pessoas em áreas das ABRI A traição era a razão que mais frequentemente levava à prisão numa Renal, ou centro de detenção da Fretilin: traição por manter contactos ou colaborar com o inimigo — os militares indonésios (ou pessoas “das cidades”) — ou por planear render-se ao inimigo. Tanto civis como membros da Fretilin/Falintil eram detidos por cometerem ou serem suspeitos de cometer, estas infracções. Quando apanhados, eram levados para uma base Fretilin, onde eram interrogados, presos e julgados. Descobrir que alguém se tinha aventurado para além das fronteiras da Zona ou atravessado a linha de fogo (a linha exterior da base da Resistência da Fretilin), onde estavam estacionadas * O Comissário Politico era dirigente politico ao nível de sector dentro da estrutura da Fretilin. O adjunto representava o Comissário Político ao nível da zona [ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia]. - 60 - 225 tropas armadas, era razão suficiente para suportar uma acusação de contacto com o inimigo. Um comandante também podia ser acusado de cooperar com o inimigo se soldados inimigos conseguissem entrar numa área controlada pela Fretilin e matar pessoas. Nestas circunstâncias, 226 considerava-se que o comandante cometera um erro grave e, quando se descobria que um 227 comandante cometera um erro, os seus homens também eram detidos pela mesma infracção. Pedro Faria, comandante da milícia Fretilin em 1975 e secretário da Zona Sakalu, disse à Comissão que foi preso numa Renal chamada Belta Três, em Irara (Fuiloro, Lospalos, Lautém): Fui preso na Renal porque planeava render-me e o comissário político descobriu o meu plano. Fui detido e interrogado e confessei o plano. Fiquei preso durante um mês e meio. Não estive preso sozinho, havia muitas 228 pessoas presas comigo. Por vezes, manter contacto com alguém suspeito de ser traidor era razão suficiente para se ser preso pela Fretilin. Isto aconteceu a João Vienas, em Novembro de 1977, que foi detido, amarrado e preso por uma semana. Durante esse período, sofreu abusos, foi-lhe negada alimentação e urinaram-lhe em cima, mas nunca lhe disseram porque tinha sido detido. Passada uma semana, foi chamado ao encontro do chefe do Secretariado da Zona. Depois foi a minha vez de ser chamado e interrogado. Perguntaram-me: “Qual é a tua relação com José dos Santos?” José dos Santos era o meu irmão mais novo e o comandante da Fretilin na região e tinha sido morto pela Fretilin. Eu não tinha feito nada de mal, mas fui detido devido à morte do meu irmão mais novo, José dos Santos. Eles suspeitavam que eu pudesse reagir fugindo para a cidade e apresentando-me às ABRI. Eu tinha a certeza 229 que não tinha feito nada de mal. Tal como o depoimento de João Vienas demonstra, se um ou mais membros de uma família fossem detidos por suspeita de colaborarem com a Indonésia, ou por tentarem render-se, outros membros da família estariam também sujeitos a serem detidos. Isto verificava-se especialmente no caso de um ou mais membros da família serem líderes da Fretilin. Domingos Soares Martins disse à Comissão que, apesar de ser membro activo das Falintil, foi acusado de ser espião em 1978, pelo comandante T131 da Fretilin, em Leubasa (Ermera), 230 porque a sua mãe se rendera recentemente às ABRI. Modesto de Jesus Almeida Sanches disse à Comissão: Em Novembro de 1977, o meu pai, Salvador Almeida, Adelino Freitas e eu fomos detidos por um pelotão de soldados das Falintil na aldeia de Haksolok, em Iliomar [Lautém], por sermos parentes de Pedro Sanches, Gil Sanches, Bendito Sávio e Adão Amaral, que tinham sido recentemente detidos e aprisionados no sector central da Ponta Leste. - 61 - Depois de sermos detidos, fomos enfiados numa pocilga * durante três dias e três noites. Os meus braços estavam amarrados atrás das costas e fui obrigado a andar desde Iliomar até à prisão de Besi Manas [Ferro Quente], em Luro. Em Luro, o adjunto [Fretilin] T125 disse aos 49 presos, incluindo eu, que éramos traidores do país. Então, com os braços ainda amarrados trás das costas, pelos dedos e pelos cotovelos, [e as nossas pernas amarradas pelos] joelhos e dedos dos pés, fomos colocados numa casa, cujo chão era feito de pequenas pedras afiadas. Ficámos amarrados dia e noite… Só fui interrogado passados três meses, por T126, o secretário da Zona de Luro. Ele acusou-me de planear render-me, mas eu respondi que só tinha sido detido porque ele tinha detido todos os meus irmãos. Eu não 231 achava que tivesse feito alguma coisa errada. Quando os militares indonésios atacavam uma área e os líderes dessa área decidiam retirar, os presos não eram libertados porque se pensava que eles se rendessem e permitissem ao inimigo controlar a área. Orlando Silva Correia Belo (Fernando So), o antigo secretário de suco da Zona Sacalu e, posteriormente, o encarregado da Renal de Marabia, em Iliomar (Lautém), descreveu a sua prisão numa pocilga em 1976: Em Outubro de 1976, Pedro Nunes (Sabalae), Júlio Alegria, Victor Gandara, Caetano Vilanova, Manuel Gandara e eu, juntamente com civis, fomos a uma grande reunião em Paichau, na qual líderes da Fretilin, incluindo T127, T128 e T129, explicaram a infiltração indonésia em Sacalu, Tutuala. Foi-nos dito que éramos irresponsáveis e foi-nos ordenado que largássemos todas as nossas coisas e empunhássemos as nossas armas. Então, fomos amarrados uns aos outros com cordas, pela cintura, e levados para uma pocilga… Só depois de estarmos há nove meses presos na pocilga é que fomos interrogados pelo adjunto T125 sobre a infiltração das ABRI e a captura da área Tutuala. Eu respondi que não sabia nada sobre estas coisas. Depois disso, 27 de nós foram libertados e eu fui nomeado responsável pela Renal de Marabia, Iliomar, em substituição de Tito Cristovão da Costa (Lere Anan 232 Timor). As relações com as pessoas das cidades, fossem quais fossem, eram encaradas com desconfiança pela Fretilin. Miguel da Silva disse à Comissão que, em 1976, foi detido por ser 233 acusado de levar comida à sua família, no suco de Laritame (Ossu, Viqueque). Luís da Costa era pároco quando a Fretilin o deteve em Maio de 1976 e novamente em Novembro de 1976. Foi acusado de contactar pessoas nas cidades e também de não apoiar a ideologia da Fretilin, devido ao seu papel como padre católico. * As prisões “pocilga” não eram estruturas anteriormente utilizadas para guardar porcos. Eram estruturas de detenção improvisadas, por vezes com um formato e tamanho semelhante ao de uma pocilga, onde se colocavam os prisioneiros. O designação “pocilga” foi adoptada para fazer referência ao facto de os presos comerem, dormirem e fazerem as necessidades fisiológicas na cela, como um porco numa pocilga. - 62 - Prisão do padre Luís da Costa Luís da Costa tornou-se padre em Abril de 1974 e foi colocado em Ossu (Viqueque). Sendo padre, não era membro de nenhum partido político. Em 1976, quando as ABRI entraram na região de Ossu, o padre Luís fugiu para a floresta, mas manteve o seu trabalho pastoral. Realizava missa todos os Domingos, dava os sacramentos do baptismo e ensinava o catolicismo às pessoas. O padre Locatelli, de Quelicai, era o seu contacto para obtenção do material necessário para a missa. Contudo, o seu trabalho religioso foi criticado por algumas pessoas da Fretilin e ele foi detido pela primeira vez em Abril de 1976: Por altura da Páscoa, em Abril de 1976…levaram-me para o comando Sagadate, num suco em Laga. O comandante era Paulino Gama (Mauk Moruk)…Abel Ximenes Larisina conduziu o interrogatório…ele perguntou por que razão não cantávamos canções revolucionárias? Eu disse: “Quando devemos cantar canções revolucionárias e quando devemos cantar canções religiosas, uma vez que não devemos misturá-las?”…Então, cinco dias depois, eles deixaram-me em paz. O padre Luís da Costa continuou o seu trabalho pastoral em Uatu-Lari (Viqueque) e depois em Ossu (Viqueque). Em Maio de 1976, depois da missa da Páscoa, foi abordado pelo secretário da Zona Laga (Baucau), João Maubere, que o acusou de contactar católicos na cidade e de apenas ensinar religião, não ideologia política. Contudo, o padre Luís só foi detido pela segunda vez em Dezembro de 1976, devido ao conflito interno entre o Comité Central da Fretilin e Aquiles * Freitas : A 1 de Novembro de 1976, abandonámos o nosso trabalho porque as ABRI haviam entrado na área, vindas de Quelicai [Baucau]. Fugimos com a comunidade para o monte Kaebukaekami. Vivemos lá e eu realizava a missa como habitualmente…Então, disseram que ia haver uma reunião entre [Nicolau] Lobato e Aquiles Freitas a 2 de Dezembro, o que nunca aconteceu. Em vez disso, detiveram toda a gente que estava em Uabitae no pico do monte Matebian, incluindo eu [e Aquiles Freitas, devido ao conflito interno na região oriental]. Fomos detidos por ordem do CCF [Comité Central da Fretilin]. Levaram-nos primeiro para Baguia, onde fomos obrigados a trabalhar, cortando relva à mão durante uma semana. Depois, levaram-nos para Nahareka, onde nos dividiram em dois grupos. Alguns foram para o monte Girai, mas o meu grupo, formado por † 14 pessoas, foi para Cascol. Lá, assisti a violações relacionadas com política, com a guerra que se passava em nosso redor. Vi que a maioria das pessoas não era líderes, como Nicolau Lobato e Vicente Reis, mas arraiamiúda. Eles, a maioria dos quais não percebia de política, exigiam que as pessoas fizessem coisas que não estavam estabelecidas pela formação política. As pessoas também tinham demasiado medo de falar porque os soldados, com as suas armas, eram quem detinha o poder…Não nos deram comida porque, naquela altura, não havia comida. De uma perspectiva política, as acções deles eram apelidadas de reabilitação política, para pessoas que não seguiam a ideologia da Fretilin…Assisti com frequência a violações dos direitos humanos. Eu fui interrogado, mas não me espancaram, apenas me fizeram perguntas. Acusaram-me de ensinar às pessoas que a Fretilin era comunista. * Aquiles Freitas foi detido com Ponciano em Dezembro de 1976 e, segundo as informações recebidas, foi executado em Janeiro de 1977 (ver caixa de Luís da Costa, supra). Segundo Xanana Gusmão, Aquiles Freitas era um antigo soldado português e comandante da Fretilin que tinha a sua fiel companhia estacionada na região fronteiriça de Timor-Leste. Embora apoiasse a independência, não apoiava toda a ideologia da Fretilin. O CCF considerava-o uma ameaça e mandou detê-lo e matá-lo por ser reaccionário [ver Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, p. 30-31]. † Segundo Gusmão, Cascol (Comissariado do Sector Centro Leste) Naroman era o comando criado por Vicente dos Reis (Sa’he), o comissário político do Sector Centro Leste, a oeste de Venilale (Baucau) [Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, pp. 29-30]. - 63 - A 23 de Dezembro de 1976, T132 leu as sentenças dos presos. O padre Luís não era acusado de violações graves e foi libertado, embora em “liberdade condicional”. Outros foram acusados de traírem a nação e foram condenados à morte. Aquiles Freitas foi condenado à morte por ser traidor e o padre Luís soube que ele foi executado em Janeiro de 1977. Depois de ser libertado, o padre Luís continuou a cumprir os seus deveres como pároco, até se render às ABRI, em 234 Novembro de 1977. Os líderes da Fretilin consideravam que colaborar com os militares indonésios era uma violação mais grave do que contactar os militares ou planear a rendição. Por conseguinte, tinha um castigo menos severo. Eram comum uma pessoa ser torturada durante o interrogatório e ficar presa durante longos períodos de tempo quando era acusada desta infracção. António da Silva falou à Comissão sobre a sua detenção, no início do período de administração da Fretilin. Ele não foi torturado, mas ficou preso em más condições e durante muito tempo: Em Abril de 1976, eu e os meus colegas fomos capturados em Ailemi Lohono, no subdistrito de Uatu-Lari [Viqueque]. Os nomes dos meus colegas eram Jeca Mausela, Mário Nascimento, Ernesto da Cruz, Alfredo da Cruz, João da Silva, Teotónio Sarmento da Silva, José de Araújo e Raguiel da Silva. Fomos detidos porque…éramos suspeitos de colaborar com o Governo e os militares indonésios. O CCF mandou as Forças Armadas (Falintil) a minha casa para me deter e ao meu filho, Teotónio Sarmento da Silva. O meu filho tinha cerca de 14 ou 15 anos na altura. Eu, o meu filho e os nossos amigos fomos detidos e amarrados individualmente e depois aos pares. Depois, disseram-nos para caminharmos até à cidade da Zona [subdistrito], vigiada de perto até à nossa chegada. Não reconheci os soldados das Falintil… A detenção foi ordenada pelo comissário político T133…Quando chegámos à Zona, fomos interrogados, um a um. Nem todos fomos interrogados da mesma maneira: uns foram torturados durante o interrogatório; outros foram interrogados, mas não torturados; e outros foram interrogados e depois mortos, nomeadamente Francisco Xavier, de Uatu-Lari [Viqueque], e um outro de Mindelo, no 235 suco de Uaibobo [Ossu, Viqueque]. Ambos eram civis. A conduta no campo de batalha também poderia ser um teste de lealdade à Fretilin. Gaspar Luís foi ferido no peito durante um tiroteio com as ABRI, em Agosto de 1976, tendo por isso deixado o campo de batalha e voltado ao quartel-general. Foi denunciado como traidor e colocado num buraco, na Renal de Nundamar, durante dois meses, sob ordens dos membros principais do 236 CCF T135 e T136. O comissário político, Mau Lear, ordenou a sua libertação. Conflitos internos armados Sob a pressão crescente dos militares indonésios invasores, verificaram-se várias cisões na liderança da Fretilin — o que levou à detenção e tortura de muitas pessoas por criticarem um ou outro líder. A Comissão também tomou conhecimento de pessoas serem rotuladas como reaccionárias ou traidoras por criticarem a liderança ou por apoiarem um líder que era considerado reaccionário ou traidor. Em vários casos, essas pessoas foram executadas (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). - 64 - Conflito entre Hélio Pina e José da Silva, Outubro de 1976 Em 1976, em Fatubesi (Ermera), verificou-se um conflito interno na liderança da Fretilin, entre o comissário político do Sector da Frente Norte, Hélio Pina, e o chefe dos funcionários das Falintil, José da Silva. Celestino de Carvalho Alves foi detido devido a este diferendo e disse à Comissão que o conflito surgiu porque Hélio Pina e o comandante Sebastião Sarmento queriam despromover José da Silva para o cargo de vice-chefe dos funcionários. Segundo Celestino Alves, a 6 de Outubro de 1976, o comandante da companhia, José Soares, sob ordens de José da Silva, levou Hélio Pina para Fatubesi à força, para resolverem o diferendo. Contudo, nessa noite um grupo de homens liderado pelo comandante Pedro Lemos, de Leorema, que apoiava Hélio Pina, atacou Fatubesi. Os homens conseguiram resgatar Hélio Pina, mas várias pessoas 237 morreram no ataque. Celestino Alves, que era oficial de segurança da Fretilin em Fatubesi, fugiu com José Soares e 60 dos seus homens, escondendo-se em Leorema. Antes de chegarem ao esconderijo, foram capturados por T137, um comandante das Falintil. Foram detidos por pouco tempo em Leorema e, posteriormente, levados para Poerema (Ermera, Ermera)e aprisionados numa casa vazia: Em Poerema, sofremos uma tortura invulgar. Fomos espancados, queimados, amarrados com tanta força que sentíamos o nosso sangue parar de correr. Alguns foram levados e mortos. Outros foram torturados como Jesus Cristo, numa cruz de madeira. Mandavam-nos dormir num local cheio de lama, ou salpicavam a nossa cama com água para ficar molhada. Espancavam-nos com madeira, chicotes, bambu e…eles espancavam os nossos corpos com canos e ferro. Até acabarmos por chegar ao ponto de não sabermos o que nos estava a acontecer na prisão…O sadismo era extraordinário…Não recebemos alimentação 238 durante este tempo. Ao longo do ano seguinte, os prisioneiros foram deslocados entre vários centros de detenção, incluindo Cailaco (Bobonaro) e Saugata (Maubara, Liquiça). Eram deslocados à medida que as forças indonésias avançavam. Alguns eram mortos, outros morriam devido às terríveis condições em que se encontravam presos — incluindo falta de alimentação e de medicamentos. Passado um ano, só estavam vivas três das 62 que haviam sido capturadas. Estas pessoas eram Celestino Alves, José da Silva e um outro homem, chamado Jerónimo Albino da Silva. Depois, num dia de Novembro de 1977, foram chamados a Fatubesi para serem interrogados pelo comissário do Sector da Frente Norte, T139. Celestino Alves disse à Comissão que, durante o interrogatório, T139 o ameaçou com uma pistola, uma outra arma e uma corda (para o enforcar). Os prisioneiros ficaram presos na Estufa (ver abaixo: centros de detenção da Fretilin, Ermera). 239 Celestino Alves acabou por ser libertado de lá por T139. Jerónimo Albino da Silva também falou à Comissão sobre a sua detenção — igualmente relacionada com o conflito entre José da Silva e Hélio Pina no Sector da Frente Norte. Disse que muitos outros foram presos com ele, incluindo: Celestino Alves (Sei Moris), José Soares, José da Silva, José Carvalho, Cornélio Soares, Alberto Babo, Afonso Araújo, Manuel Alves, Aparício, Belarmino Alves, Bosco Araújo e Domingas Madeira. Descreveu como foi detido em Asulau/Sare (Hatulia, Ermera) pela sua relação com José da Silva. Jerónimo da Silva confirmou que os presos foram brutalmente espancados, pontapeados e esmurrados, tanto na altura da detenção 240 como em Poerema. Ele acabou por ser enviado para a Renal de Saugata, onde permaneceu até ao ataque das ABRI, em Fevereiro de 1979. Eduardo de Jesus Barreto disse à Comissão que foram executados cerca de 40 presos devido 241 ao conflito interno entre José da Silva e Hélio Pina, em Outubro de 1976. - 65 - Diferendos em Iliomar, Lautém, Novembro de 1976 A Comissão também recebeu informações sobre o conflito entre Francisco Hornay, que era comandante das Falintil e companheiro de Aquiles Freitas, e os líderes da Fretilin no subdistrito de Iliomar. Segundo o filho adoptivo de Francisco Hornay, Constantino, Hornay formou um grupo considerado “reaccionário” em Iliomar porque não concordava com a ideologia política da Fretilin. A comunidade do suco de Tirilolo (Iliomar, Lautém) contou a história destes acontecimentos (ver caixa abaixo). - 66 - Conflito interno da Fretilin em Iliomar, Novembro de 1976 Em 1976, em Iliomar, verificou-se um conflito interno na Fretilin. O secretário da Zona de Iliomar, Tomás Pinto (Lesamau), e o líder das Falintil, Afonso Henrique, ordenaram a detenção de Francisco Ruas Hornay por um dos seus homens, Mateus Oliveira, ter tido um comportamento indisciplinado e dado um tiro num coco, em Cacaven (Lospalos, Lautém), enquanto voltava de Lospalos. Francisco Hornay submeteu-se a um processo de autocrítica perante o comissário político, Juvenal Inácio (Sera Key), em Akara (Iliomar, Lautém). Depois, seguiu Sera Key até Belta Três para se submeter ao justo correctivo durante 14 dias e limpar a mente de ideias contrárias à ideologia da Fretilin. Quando voltou de Belta Três, Francisco Hornay deu formação militar às antigas forças da Segunda Linha e jovens de Larisoru-mumu, mas membros do CCF decidiram que a formação tinha efeitos negativos e encerraram-na. Depois, membros do CCF anunciaram que todos os civis deviam reunir-se num local para receber formação política e Hornay discordou dessa medida. Hornay foi convidado pelo CCF a participar numa reunião em Istasi, Fuat. Não compareceu porque ouviu boatos de que seria preso na reunião. Ele também impediu pessoas de dois sucos, Iliomar II e Tiriloro, de irem. Enviou 45 pessoas em sua representação, lideradas por Celestino Barreto e Bernardo Soares. Sentindo-se inseguro, Hornay foi para Uaibitae (Quelicai, Baucau) para pedir ajuda a Aquiles Freitas. Quando voltou, tinha metralhadoras G3, granadas e munições, mas como precisava de mais munições, mandou 12 dos seus homens irem buscar algumas a Uaritin, um depósito de munições em Iliomar. Depois, Hornay mandou dois dos seus homens, Celestino Barreto e Afonso Barreto, ao encontro de líderes de Iliomar, nomeadamente Jeremias dos Reis e Gregório Pinto, para tentarem resolver o conflito. Os líderes não estavam lá e Celestino Barreto e Afonso Barreto foram detidos — Celestino foi levado para Borutau (Iliomar). Então, Hornay enviou os seus irmãos mais novos, Afonso Pinto e Silvino Ximenes, para tentarem resolver o conflito. Ambos regressaram porque a situação se tinha tornado mais tensa e não tinham conseguido encontrar-se com os líderes em Iliomar. Por último, Hornay foi ele próprio, mais os seus homens, ao encontro dos líderes de Iliomar para discutir o mal-entendido que se havia criado. Quando o grupo chegou a Larisorumumu (Lospalos, Lautém), Serafim Jerónimo disparou contra Hornay e este ripostou. Hornay capturou dois dos homens de Serafim. Uma semana mais tarde, Hornay liderou um ataque ao grupo de Sera Key e a Fernando Txay, ferindo um soldado das Falintil e um civil. Sera Key e Fernando Txay mobilizaram soldados das Falintil e civis para formar uma barreira e perseguiram Hornay e os seus homens até ao monte Paitah (Iliomar). Hornay e 49 homens haviam fugido para Uatu-Carbau com uma metralhadora G3. Alguns dos civis do monte Paitah renderam-se aos grupos de Sera Key e Fernando Txay. Nove pessoas foram presas e torturadas pelos homens de Sera Key. Um civil, Orlando da Costa, ficou angustiado pelo tratamento dado aos prisioneiros e foi ao encontro de Fernando Txay para dizer ao comandante que devia dirigir-se para lá o mais rapidamente possível, ou todos os prisioneiros seriam mortos. Passada cerca de uma semana do encontro com Orlando da Costa, Fernando Txay liderou pessoas de quatro sucos até Uatu-Carbau para capturar Hornay e os seus homens. Antes de chegarem ao grupo de Hornay, ouviram que Paulo Hornay tinha sido capturado e morto por T155, comandante da Fade (Força da Defesa, também conhecida como Armas Brancas [ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia]. Então, os comandantes, incluindo Fernando Txay, Tito Cristovão da Costa (Lere Anan Timor) e Tomás Pinto (Lesamau), entre outros, entraram em Kulaldera (Uatu-Carbau) e capturaram 75 pessoas do grupo de Hornay. Todas foram amarradas e levadas para Tailoi-Caentau (Iliomar). - 67 - Em Iliomar, os presos foram torturados e pendurados nos postes das casas. Gritaram de dor até os líderes da Fretilin T813, T143 e T814, e os seus equivalentes nas Falintil, T815, T144, T816 e T817, decidirem que se os presos não iam ser interrogados, mais valia serem mortos. No entanto, se fossem ser submetidos a algum tipo de processo de interrogatório, não deviam ser torturados. A 17 de Novembro de 1976, foi decidido que oito pessoas seriam executadas em Kakinatar, Lore (Lautém): entre elas encontravam-se António Oliveira, Óscar Ferreira, Ângelo Pinto, António Soares, Silvino Ximenes, Júlio Ximenes, Libertino Bastos e Bernardo Soares. Os que haviam sido acusados de violações menos graves teriam de submeter-se ao justo correctivo durante dois meses em Cacaven, onde tinham de fabricar sal, cortar árvores de sagu e fazer farinha de sagu. As crianças que não tinham feito nada de mal foram mandadas para casa, mas a sua liberdade ficou restrita. Então, Francisco Hornay, juntamente com Duarte Ximenes Pinto, José Nunes, Dinis de Castro, Manuel Sarmento e Marcos Pinto, foi capturado em Quelicai e levado para Iliomar. Os seis prisioneiros não foram interrogados, tendo sido imediatamente executados em Muapepeh 242 (Iliomar, Lautém). Constantino, filho de Francisco Hornay, tinha cerca de 11 anos quando foi detido, juntamente com membros da sua família e outras pessoas, pelo comandante da Fretilin T142 e o membro da Fretilin T143, em Uatu-Carbau, em Novembro de 1976. Constantino disse à Comissão: Fomos capturados de madrugada. Fomos levados para Iliomar e amarrados num local chamado Sailari e depois fomos colocados numa pocilga…depois disso, fomos investigados. Primeiro, os líderes e depois a arraia-miúda. Interrogaram-me no fim, passados cerca de quatro ou cinco dias. Mantiveram-nos amarrados e davam-nos uma refeição por dia. Amarraram-nos com corda preta e corda normal, em três camadas, e prenderam-nos a troncos de bambu. Depois, fomos interrogados, um de cada vez, por um membro das Falintil chamado T144, o comandante operacional. Ele interrogou-me naquela manhã. Os altos comandantes das Falintil T145 e T146 também me interrogaram. Depois disso, fui libertado, sob a condição de trabalhar na cozinha, ir buscar água…procurar lenha e 243 tomar conta dos búfalos. Diferendo entre Francisco Xavier do Amaral e o CCF, Setembro de 1977 O diferendo mais grave e mais conhecido entre a liderança da Fretilin ocorreu quando o presidente fundador da Fretilin, Francisco Xavier do Amaral, foi acusado de trair a luta da Resistência e deposto. O conflito ocorreu no contexto de uma crescente crise de alimentação, saúde e segurança — que estava a provocar cada vez mais mortes de civis nas bases da Resistência — e da aproximação dos militares indonésios. Francisco Xavier do Amaral pensava que as pessoas deviam ser autorizadas a render-se e continuar a lutar nas cidades e nos sucos, 244 mas a maioria dos membros do CCF opunham-se a essa medida. O conflito criou uma atmosfera de desconfiança mútua entre a liderança da Fretilin e resultou na prisão arbitrária, tortura e maus-tratos de muitos companheiros e apoiantes de Amaral. - 68 - Prisão e tortura de Francisco Xavier do Amaral Francisco Xavier do Amaral falou à Comissão sobre a sua detenção e prisão devido aos seus pontos de vista sobre o futuro da luta: Começou a haver divergências dentro da Fretilin. Tínhamos começado a dividir-nos. Alguns diziam que a doutrina [da Fretilin] não estava certa. Alguns diziam que a doutrina estava certa, mas que as pessoas não a seguiam correctamente. Alguns diziam que era boa. Começámos a perder a confiança uns nos outros…Por isso, eles detiveram-me, puseram-me na prisão e acusaram-me…de que eu tinha mandado pessoas renderem-se para que, no futuro, quando eu me rendesse à Indonésia, me dessem um cargo de general ou de ministro. Este era o argumento 245 dos que estavam contra mim. Xavier do Amaral descreveu à Comissão a sua detenção, em Setembro de 1977, e a sua subsequente prisão: Todos os membros do CCF decidiram a favor da detenção. Eu estava a dormir, em Mindelo, perto de Orsanako [Turiscai, Manufahi]. Acordei com Alarico [Fernandes] a gritar e a apontar uma pistola ao meu ouvido. Ele dizia: “Traidor, estás preso!” A ideia tinha sido de Alarico, fora ele quem dissera em que eu tinha ideias anti-revolucionárias. Este problema existia desde que eu regressara de Moçambique [em 1975]…eu tinha-me oferecido para entregar o cargo a Alarico…[mas] eles [os membros do CCF] sabiam que se eu renunciasse, perderiam a confiança das massas das bases. Talvez esse problema tenha durado até eu ser detido… Além de me ser apontada uma pistola, não sofri qualquer outro abuso físico. Eles levaram-me para Aikurus [Remexio, Aileu], mas primeiro, passámos por Soibada [Manatuto], pela aldeia de Fatu Makerek, no suco de Laclubar [Manatuto], e depois voltámos a Turiscai [Manufahi]…Não fui torturado durante a viagem, só ofendido com palavras como “Fala, seu traidor do país, reaccionário!” A viagem durou cerca de um mês. Quando cheguei a Aikurus, fui julgado pelo CCF. Acusaram-me de trair o país e de entregar o povo. Fora Alarico quem me acusara…[Mas] estavam todos lá, nomeadamente Nicolau [Lobato], Vicente Reis [Sa’he], Juvenal Inácio [Sera Key]. Todos me acusaram, mas através de Alarico porque ele era o ministro do interior e da segurança. A decisão deles foi enviar-me para o Sector Central Leste. Fui enviado para lá com 20 outros, incluindo Diego Moniz. Quanto à tortura que sofri enquanto estive preso, fui queimado com metal quente por T90. Todos os membros do CCF…estavam lá a assistir. Ninguém prestava atenção a [coisas como alimentação, água e vestuário]. Se íamos morrer, se tínhamos fome, o problema era nosso. Eu recebia alimentação dos guardas, mas só porque eles tinham pena de mim, não porque o CCF o ordenara. Muitos prisioneiros morreram, talvez 75%. Quando fui preso, cerca de 50 pessoas foram presas comigo, mas todos os dias morriam quatro ou cinco pessoas. Se não conseguissem andar, eram mortos. No final, só sobreviveram cerca de cinco pessoas. Amaral foi continuamente deslocado para fugir aos militares indonésios: Fiquei preso num buraco em Uaimori [Viqueque]. Quando chegávamos a um local, os prisioneiros eram mandados escavar os seus próprios buracos…Por vezes, ficávamos lá uma semana, outras vezes duas semanas no mesmo local, porque estávamos sempre a ser perseguidos pelas ABRI. - 69 - Em Outubro de 1978, quando o grupo estava na costa sul de Viqueque, o campo foi cercado pelas ABRI e, embora tivesse tentado fugir, Amaral foi capturado pelo Batalhão de Infantaria 246 744. Além da tortura sofrida por Xavier do Amaral, muitos dos seus amigos e apoiantes foram detidos e torturados por lhe estarem associados. Na sua autobiografia, Xanana Gusmão descreve as torturas sofridas por Adão Amaral, José dos Santos, Pedro Sanches, Gil Fernandes, Raul dos Santos, Victor Gandara, José da Conceição, Dinis Carvalho e Andrade Sarmento, bem como a sua intervenção para lhes pôr cobro. Xanana Gusmão descreve o efeito da tortura sobre Pedro Sanches: “Tinha o corpo queimado e lançava hálitos nauseabundos. Temíamos pela sua 247 vida.” A Comissão recebeu vários depoimentos de testemunhas sobre a detenção de pessoas suspeitas de apoiarem Xavier do Amaral. Domingos Maria de Andrade deu um testemunho à Comissão descrevendo a sua prisão e os maus-tratos que sofreu: foi espancado, pontapeado e ameaçado com uma baioneta pelos soldados da Fretilin, T151 e T152, em 1978, em Mindelo (Turiscai, Manufahi). Domingos de Andrade disse que foi humilhado à frente de muitas pessoas e acusado de ser um traidor. Foi preso durante um mês, tendo recebido apenas cascas de 248 batata doce e restos para comer. Domingas Araújo Sarmento falou à Comissão sobre a detenção e tortura do seu marido, Alberto Viteho, no suco de Fatisi (Laulara, Aileu): Encontrei o meu marido, que era mensageiro de Xavier [do Amaral]. Pouco depois, apareceram forças da Fretilin, detiveram-no imediatamente e despiram-no. Depois, ordenaram-lhe que vestisse um sarong e levaram-nos para Trassu, onde o penduraram num coqueiro e o espancaram e torturaram até ele sangrar. Eles [Falintil] ameaçaram-me de morte caso eu falasse com alguém 249 sobre isto. Tomás Araújo, alto comandante da Zona Turiscai entre 1975 e 1977, foi detido numa reunião do CCF em Tutuluro (Same, Manufahi), em Setembro 1977, por motivos ligados ao caso de Francisco Xavier do Amaral. Tomás Araújo foi detido com várias outras pessoas e ficou preso durante 27 dias em Aikurus, (Remexio, Aileu) e durante três meses em Fatubesi (Hatulia, Ermera), juntamente com oito dos seus amigos. Das nove pessoas presas em Fatubesi, duas 250 foram executadas: Domingos e Mário Bonifácio. Feliciano Soares, um antigo membro da Fretilin, disse à Comissão que foi detido em Dezembro de 1977 por suspeita de se encontrar com o comandante da Frente Norte, Martinho Soares, que * era fiel a Xavier do Amaral, e de dizer ao povo que se rendesse. Foi levado para Abat (Fatubesi, Ermera) por ordem do Comissariado da Frente Norte, onde foi interrogado por T153 e pelo 251 assistente T154, mas não foi torturado. Ficou preso durante dois meses. Januário Faria disse à Comissão que foi detido pela Fretilin em Caicasa (Fatuberliu, Manufahi) e interrogado sobre ter contactado Xavier do Amaral, com vista à rendição. Não foi torturado, mas foi preso em Caicasa (Fataberliu, Manufahi) com outros prisioneiros, incluindo o padre Mariano 252 (ver abaixo). Grasindo Mariano foi detido pelo comandante da Fretilin T155 e pelo membro da Fretilin T157, em Tutuluro (Same, Manufahi) a 11 de Setembro de 1976, e acusado de apoiar Xavier do * O comandante da Fretilin Martinho Soares foi preso na mesma altura que Feliciano Soares e também ficou aprisionado em Abat. Martinho Soares desapareceu [ver CAVR, Resumo de Caso 902: Martinho Soares, 2003]. - 70 - Amaral. Foi preso na Igreja de Bubulau, Tutuluro (Same, Manufahi) durante dois meses e depois transferido para Fahinehan (Fatuberliu, Manufahi), onde trabalhou nas hortas durante oito 253 meses. Impor a disciplina A Fretilin prendeu pessoas com o objectivo de discipliná-las ou de punir infracções das suas regras dentro das bases da Resistência. A Comissão também tomou conhecimento de casos de tortura e maus-tratos entre os presos, sobretudo numa fase mais adiantada. Ijaias da Costa disse à Comissão que foi recrutado à força para as Falintil. Numa noite de 1976, em Remexio (Aileu), foi-lhe atribuída a vigilância nocturna, mas como não estava habituado a manusear uma arma, disparou-a acidentalmente. Foi punido pela Companhia Samarusa, tendo 254 ficado dois dias preso sem comer. Em 1977, Natalino de Andrade, um soldado da Fretilin, não se apresentou ao trabalho, em Remexio (Aileu), durante dois dias. O comandante do pelotão ordenou ao secretário da Zona, T147, e a dois outros membros da Fretilin, T148 e outro, que o detivessem. Natalino de Andrade 255 foi amarrado e pontapeado durante cerca de uma hora e ficou preso durante quatro meses. Outras pessoas foram presas por procurarem comida fora das zonas delimitadas pela Fretilin. Henrique Pinto afirmou que em Dilor (Viqueque), a Fretilin permitia aos civis que vivessem e trabalhassem a terra em determinadas zonas, ao passo que outras eram marcadas com linhas vermelhas — significando que eram zonas de guerra. Os civis que quisessem entrar nessas zonas tinham de ter autorização. No entanto, muitos civis eram apanhados nas zonas proibidas, quando estavam à procura de víveres. As tropas da Fretilin toleravam essas violações uma ou duas vezes, mas se os civis fossem apanhados repetidamente, podiam ser detidos e presos. Devido à condição crítica dos abastecimentos de víveres e à prevalência de doenças na altura, muitos presos morreram em Dilor. Pinto afirmou que não existia uma secção de logística para 256 tratar das necessidades básicas dos presos. Mariano Meneses foi detido três vezes porque não queria ser membro das Falintil. Disse à 257 Comissão que foi interrogado e obrigado a trabalhar nas hortas, mas não foi torturado. Horácio Mendonça disse à Comissão que foi detido por um membro destacado do CCF, T40, em 1977, e esteve preso dez dias num estábulo por ter criticado tropas das Falintil que estavam a roubar 258 mandioca que pertencia aos civis, mas não foi torturado enquanto esteve preso. A 19 de Junho de 1977, um comandante regional, T149, nomeou Jaime da Costa, um comandante de secção, para guardar os presos de Lacló (Manatuto). Certa noite, Jaime da Costa adormeceu e um prisioneiro fugiu. O comandante regional ordenou que ele fosse levado para Aikurus (Remexio, Aileu). De noite, era colocado num buraco e, de manhã, era retirado e alimentado. Esteve preso durante uma noite e quatro meses. Jaime da Costa disse à Comissão que não foi torturado enquanto esteve preso, mas era obrigado a trabalhar a terra, plantando 259 mandioca e legumes; os produtos eram entregues ao comando da Fretilin. Não seguir a ordem de um comandante também era motivo para castigo. Por exemplo, Silvério Trindade disse à Comissão que, em Abril de 1978, ele e o seu amigo Alarico Trindade, ambos membros da Fretilin no suco de Matata (Railaco, Ermera), foram chamados ao esconderijo dos comandantes das Falintil, Mau Brani e Mau Buti. Como não compareceram à reunião, um pelotão de soldados das Falintil foi enviado atrás deles. T141, um dos soldados do pelotão, amarrou as vítimas com cordas de bambu, mergulhou-as debaixo de água e depois prendeu-as 260 num galinheiro. Enquanto estiveram presas, T155 espancou-as com um cepo. - 71 - Renal e outros centros de detenção da Fretilin Testemunhos dados à Comissão descrevem a prisão em centros de detenção normais e em Renal, embora, em muitos casos, seja difícil distinguir entre ambos. Havia vários tipos de locais de detenção em Renal. A Comissão identificou pelo menos dois tipos. O primeiro era um buraco no chão coberto por barras de madeira, por uma tábua de madeira com uma rocha em cima, ou coberto por terra. Estes buracos tinham tamanhos diversos: alguns tinham apenas 80 centímetros de altura, obrigando os prisioneiros a sentarem-se no chão; outros tinham quatro 261 metros de profundidade, como os buracos da Renal de Nundamar, em Remexio. O segundo era um centro de detenção acima do solo, rodeado por uma parede de pedras empilhadas, com 262 dois ou três metros de altura. Marito Reis disse à Comissão que, durante 1976/1977, Vicente Reis (Sa’he) viajou pelos subdistritos do sector Centro Leste para explicar aos comandantes das Falintil que os prisioneiros não deviam ser mortos, mas reabilitados. Nessa altura, os presos encontravam-se em péssimas condições. Por exemplo, Marito Reis disse ter visto pessoas presas num buraco no chão coberto de bambu e terra, com apenas uma minúscula cana de bambu para respirarem, em * Laleia (Manatuto). Disse que as Renal foram criadas por volta de Julho e Agosto de 1977 e que ao primeira Renal foi construída no Sector Centro Leste, num local chamado Ai-Manas Rai, perto de Lacluta (Viqueque). Aí a terra era fértil e onde, pela primeira vez, a Fretilin não tinha de fugir 263 das forças indonésias. A Comissão tomou conhecimento de que as Renal foram criadas nas bases da Resistência da Fretilin existentes em cada sector, enquanto parte da estratégia revolucionária: Os princípios por trás da criação das Renal eram que a formação devia continuar mesmo em tempo de revolução e que as pessoas que não seguiam a orientação do partido ou infringiam regras disciplinares deveriam ser 264 “reabilitadas”. Os princípios enunciados por subjacentes às Renal eram “Lutar, Aprender e Produzir”. Os presos eram agrupados em cooperativas agrícolas, que, supostamente, funcionavam segundo um sistema de valores baseado em igualdade, apoio social e cooperação. Além de ser fornecida educação alfabética e formação em ideologia política, pensava-se que os presos cujas ideias ou opiniões não coincidissem com os conceitos e a estratégia da Fretilin, com a sua ideologia ou com a ideologia da luta, seriam “reabilitados” e passariam a apoiar a revolução. Durante o dia, os presos trabalhavam nos campos e, de noite, ouviam palestras sobre política. O produto das Renal era dividido entre as Falintil e os civis. O horário típico de uma Renal era: trabalho das 8 da manhã às 4 da tarde, com uma hora de intervalo para almoço; às 4 da tarde, os presos tomavam banho e recebiam formação política, em palestras dadas pelo assistente ou 265 pelo comissário político. Por conseguinte, teoricamente, as Renal eram bastante diferentes das prisões normais. Contudo, na prática, a diferença não era tão grande. As pessoas eram privadas da sua liberdade, com frequência por um período de tempo indefinido, até serem consideradas 266 “reabilitadas” e apoiantes da Fretilin e da revolução. A Comissão também tomou conhecimento de vários relatos de tortura e maus-tratos dos presos das Renal, bem como de execuções. Além disso, os víveres eram escassos e a aproximação das forças indonésias fazia com que a população não pudesse cultivar colheitas. Muitas pessoas morreram enquanto * Comparar com António Amado de Jesus Ramos Guterres, que disse que os Renal foram criados em 1976, depois da Conferência de Soibada, em Maio desse ano. Segundo António Guterres, o primeiro Renal foi o Renal de Nundamar, em Remexio, Aileu (ver caixa abaixo) [Entrevista da CAVR a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, Manatuto, 11 de Dezembro de 2003]. - 72 - estiveram presas pela Fretilin, quer em Renal quer em prisões normais, de fome e de doença. António Amado de Jesus Ramos Guterres, que esteve presente na Conferência de Soibada, em 1976, explicou: Quando uma pessoa era suspeita, tinha de ir para uma Renal e submeter-se à reabilitação. Recebia formação política sobre política revolucionária. Muitas pessoas não gostavam de política revolucionária, devido à ideologia comunista [mas] a Fretilin…implementava-a à força. Os líderes da Fretilin diziam com frequência que os reaccionários eram levados para uma Renal para serem educados. Mas muitas pessoas eram torturadas ou mortas nas Renal. Algumas das que eram detidas em Renal eram 267 libertadas. Outras morriam de fome. Como as Renal eram supervisionadas pelo comissário político encarregue desse determinado sector e a situação militar era diferente em diferentes sectores, as condições variavam entre 268 Renal. Em alguns, as condições eram bastante boas, ao passo que noutros, a Comissão tomou conhecimento de se verificarem, com regularidade, casos de tortura e maus-tratos dos prisioneiros e de haver muitas mortes devido a fome e doença. A Comissão identificou várias razões para a libertação de presos das Renal ou de noutros centros de detenção da Fretilin/Falintil. Os presos podiam fugir, ou serem libertados após a intervenção de um líder. Também se podia dar o caso de os militares indonésios atacarem um bastião da Fretilin/Falintil — que também alojava presos — e estes conseguirem libertar-se depois de os seus carcereiros fugirem. Por vezes, os presos eram capturados pelas ABRI durante um ataque e depois libertados. Os testemunhos abaixo foram dados à Comissão e referem-se a casos de prisão, quer em centros de detenção quer em Renal, nos distritos de Lautém, Viqueque, Manufahi, Aileu e Ermera. Ermera A Comissão recebeu 49 relatos de membros da Fretilin/Falintil presos pela Fretilin no distrito de Ermera — o maior número de relatos do território. Também tomou conhecimento de civis presos pela Fretilin/Falintil. Nem todas estas prisões foram em centros de detenção ou em Renal — algumas pessoas eram simplesmente privadas da sua liberdade e presas em qualquer lugar que fosse conveniente. António Malibere, por exemplo, disse à Comissão que foi preso numa caverna em Lauana (Letefoho, Ermera), durante quatro dias, por um comandante das Falintil, 269 T121. Em 1977, havia uma Renal em Fatubesi. Adriano João, antigo assistente político da Fretilin em Cailaco (Bobonaro), falou à Comissão sobre o tratamento dos presos: Alguns eram espancados, com amarradas, e depois colocados na Davam-lhes de comer uma vez por lhes davam comida durante um dia. 270 doença e de fome. ambas as mãos prisão subterrânea. dia. Por vezes, não Alguns morreram de Uma das prisões de Ermera era singular — tratava-se da Estufa, em Abat (Fatubesi, Ermera). Segundo Celestino Alves, a Estufa foi construída pelos portugueses para queimar látex da árvore-da-borracha. Era muito escura, estreita e não tinha buracos por onde o ar fresco entrasse. Só lá podiam ser presas três pessoas de cada vez e, mesmo assim, tinham de sentar-se com as - 73 - pernas “entrelaçadas como cruzes”. Os presos não podiam esticar as pernas, levantar-se ou mexer-se. Celestino foi preso na Estufa com o comandante José Soares e Jerónimo Albino, pelo comissário político T139, em Novembro de 1977 (ver secção sobre o conflito entre Hélio Pina e José da Silva, Outubro de 1976, supra). Os três homens ficaram presos na Estufa dia e noite e só podiam sair uma vez por dia, na melhor das hipóteses. Recebiam alimentação apenas uma vez por dia e em quantidades muito pequenas — como um pequeno pedaço de mandioca para cada um, ou um prato de milho cozido para dividir pelos três. Celestino Alves disse à Comissão que não sabiam se iam viver ou 271 morrer. Ficaram presos na Estufa durante cerca de um mês e foram libertados por Hélio Pina. Viqueque O quartel-general do Sector Centro Leste era em Viqueque. O Comissariado Político da Fretilin, o Cascol, era o comissariado sectorial mais inovador de todos em termos ideológicos. A Comissão tomou conhecimento da existência de várias prisões e Renal no distrito. Clementino da Silva disse à Comissão que foi detido, amarrado e levado para Nahareka (Ossu, Viqueque) porque foi acusado de contactar a sua família na cidade. Ficou preso durante seis semanas em Nahareka e outras seis semanas em Uailaba. Enquanto esteve preso, foi-lhe dada 272 formação sobre a ideologia política da Fretilin no Centro de Formação Política (Ceforpol). António da Silva disse à Comissão que foi acusado de colaborar com os militares indonésios, com o intuito de se render. Foi detido em Abril de 1976, levado para a Zona 15 de Agosto, em Ailemimi (Lohono, Uatu-Lari, Viqueque) e colocado numa pocilga. Disse que a estrutura era feita de pedras empilhadas até dois ou três metros de altura e que havia dez pessoas em cada uma. Também disse que os prisioneiros só recebiam uma refeição por dia e que foi obrigado a cozinhar e a levar alimentação às Falintil no campo de batalha. António da Silva também falou de como foi obrigado a frequentar aulas de formação política no Centro de Formação Politica. António da Silva ficou preso até Novembro de 1978 e rendeu-se quando a base da Resistência 273 foi destruída. Paulo da Costa disse à Comissão que havia uma grande prisão da Fretilin em Uaimori, (Viqueque) que funcionou entre 1976 e meados de 1979, antes de as ABRI atacarem e ocuparem a área. Eram escavados buracos grandes no solo e o espaço era dividido em celas. As celas de “três meses” eram para pessoas acusadas de terem “duas caras” (fingirem ser leais à Fretilin, mas colaborarem com os indonésios). Nestas celas, os presos só recebiam uma refeição por dia, mas eram libertados passados três meses. Paulo da Costa falou à Comissão sobre a existência de um terceiro grupo, cujas violações eram “demasiado graves”, cujos membros eram mortos: a tiro ou por ingerirem água salgada. A Comissão não pôde confirmar a 274 existência de um sistema de celas dividido em classes. Segundo outras fontes, Uaimori era uma Renal conhecida por ser bem-sucedida na reabilitação das pessoas. Foi por essa razão que 275 Francisco Xavier do Amaral foi preso lá. A comunidade de Baulale, no suco de Irabin de Baixo (Uatu-Carbau, Viqueque) disse que Fretilin/Falintil detia pessoas com frequência, sob suspeita de serem espiões indonésios, e as prendia em pocilgas. Os presos eram então interrogados, estando amarrados com cordas de cavalaria. Informantes disseram à Comissão que um preso, chamado Paulo Fernandes, morreu por as cordas que o amarravam estarem demasiado apertadas, que três outros foram 276 executados, mas que Xanana Gusmão libertou os restantes presos quando visitou Bautate. Xanana Gusmão disse à Comissão que a Renal de Ulusu (Uatu-Lari, Viqueque) funcionava segundo o princípio de dar formação alfabética e política e permitir aos presos que cultivassem colheitas de subsistência. Xanana Gusmão disse que a Renal sob sua responsabilidade até produzia colheitas abundantes, mas o inimigo destruiu-as todas quando atacou a área. As - 74 - pessoas acusadas de serem reaccionárias ou traidoras eram detidas e enviadas para a Renal de Ulusu. Os presos gozavam de uma liberdade relativa e podiam ser autorizados a visitar as suas 277 casas, ou a serem visitados pelas famílias na Renal. Cipriano da Cruz descreveu como foi detido e amarrado pela Fretilin, juntamente com sete familiares seus, em 1977, e levado para uma Renal em Uatu-Lari (Viqueque), provavelmente a Renal de Ulusu. Os presos foram mantidos num buraco durante seis meses, até Xanana 278 Gusmão ordenar a libertação das 280 pessoas presas na Renal. Lautém A Fretilin também manteve vários centros de detenção no distrito de Lautém, utilizados para prender pessoas suspeitas de traição, de serem reaccionárias, de associação a líderes que estivessem sob suspeita, ou outras infracções. Estes centros incluíam: Belta Três, Fuiloro, no subdistrito Lospalos; uma prisão pocilga no subdistrito de Lore; a prisão Besi Manas (Ferro Quente) no subdistrito de Luro; e outra prisão pocilga que veio a ser a Renal Marabia, no subdistrito de Iliomar. Testemunhos de antigos presos dessas prisões e Renal fornecem uma descrição pormenorizada de como era a vida dos prisioneiros da Fretilin neste período. Orlando Silva Correia Belo (Fernando So), falou à Comissão sobre as condições em três prisões pocilga no distrito de Lautém em 1976, antes da criação das Renal: Não éramos espancados, mas tínhamos de…manter os braços levantados porque a corda continuava em redor das nossas cinturas e pescoços. Passado um mês de aprisionamento na pocilga de Belta Três, Irara, fomos transferidos para uma pocilga em Lore. Enquanto estivemos presos, fomos alimentados uma vez por dia…Por vezes, lavávamo-nos de duas em duas semanas. Passados dois meses, fomos transferidos para Iliomar. Em Iliomar, os presos foram divididos em três grupos. Cada pocilga tinha nove pessoas. A comida era parecida com a de Belta Três e Lore. Comíamos sagu, pontas de 279 folhas de palmeira, milho e mandioca. Gaspar Seixas, o antigo vice-secretário da zona de Iliomar, entre 1975 e 1977, disse à Comissão que viu muitas pessoas presas em Renal. Disse: As actividades na Renal costumavam incluir trabalho em campos de arroz, ou hortas, durante o dia e o regresso à prisão de noite, sob a guarda pesada dos soldados das Falintil. Os produtos eram dados às Falintil…e também às pessoas que não tinham comida suficiente. Além de trabalharem, os presos recebiam formação política sobre a ideologia da Fretilin e os princípios da luta. O adjunto Lere 280 Anan Timor deu estas lições no campo de Iliomar. Modesto de Jesus Sanches falou à Comissão sobre a sua prisão em Besi Manas, em 1978: - 75 - Se tivéssemos sorte, recebíamos entre nove e doze grãos de milho, por dia, por pessoa, e só bebíamos água. Como [recebíamos tão pouco], ficávamos muito felizes quando era a nossa vez de ir buscar lenha porque podíamos comer as folhas que encontrássemos pelo caminho. Geralmente, eram enviadas cinco pessoas para buscar lenha de cada vez, atadas umas às outras pela cintura…com dois metros de intervalo, e o soldado das Falintil que nos guardava segurava a ponta da corda. Se…um de nós visse uma noz no rio, corria para [a] apanhar, arrastando todos os que lhe estavam amarrados, que caíam uns em cima dos outros. Secretamente, queríamos rir, mas como tínhamos fome, fazíamos tudo o que podíamos para comer. Certo dia, o local onde estávamos foi bombardeado pelos aviões do inimigo. O adjunto T125 veio ter connosco e disse-nos que éramos todos traidores. Mandou um dos seus homens ir buscar um grande pau, aproximou-se de Cristovão Lopes e bateu-lhe várias vezes na cabeça, matando-o ali mesmo. Eu vi com os meus próprios olhos como o guarda o espancou [até ele estar] morto e o arrastou lá para fora, para ser enterrado. Outra vítima foi Julião, que morreu de fome mesmo ao meu lado. Ele não era alimentado porque suspeitavam que fosse um espião. Em Junho de 1978, quando o adjunto Xanana visitou Lur, ordenou aos seus membros que desfizessem os nós que prendiam as nossas mãos e pernas. Mandaram-nos sentar lá fora, ao sol. Depois, mandaram-nos tomar lavarmo-nos e cortar o cabelo. Os nosso corpos estavam infestados de pulgas e piolhos porque, durante seis semanas, não tínhamos podido lavarmo-nos. Foi o próprio Xanana que nos levou e nos entregou às nossas famílias, em Iliomar. Enquanto estive aprisionado em Besi Manas, a minha mulher, os meus quatro filhos, o meu sobrinho e a minha mãe estiveram presos na Renal de Marabia, em Iliomar, 281 para trabalharem. Horácio de Conceição Sávio integrou o mesmo grupo de presos que Modesto Sanches e contou uma história semelhante à Comissão: Em 1978, fui detido com João Vienas, Alcino Sávio, Cristovão Lopes, Julião Cacavei, Mário Amaral, Félix da Conceição e Bernardino…O comandante T156 e os seus homens detiveram-nos em Iliomar e levaram-nos para a prisão de Besi Manas, em Luro. Lá…fomos agredidos na cara e espancados na cabeça com armas até os nossos corpos estarem inchados, cortados e a sangrar. - 76 - As tropas Fade continuaram a espancar-nos e a dar-nos pontapés e fomos pendurados num poste, expostos ao calor, durante nove dias, das 8 da manhã às 4 da tarde, hora em que nos retiravam de lá e nos devolviam às celas, mas com as mãos atadas atrás das costas. Enquanto estávamos pendurados, eles espancavam-nos. Entre as pessoas que nos espancavam, encontrava-se o comandante T156, o adjunto T156, T125 e T159. Éramos alimentados, mas muito pouco, e apenas uma vez por dia. Se quiséssemos ir à casa de banho, tínhamos de ter autorização e continuávamos a ser guardados pelas tropas Fade. Fomos mandados trabalhar nos campos de arroz. Quando o adjunto Xanana visitou a prisão de Besi Manas, passado um mês de estarmos presos, fomos 282 libertados. Aileu Nundamar era a principal Renal de Timor-Leste e situava-se no subdistrito de Remexio, em Aileu. Nundamar era o campo de reabilitação modelo da Fretilin para implementação da sua ideologia, mas também a Renal mais conhecida por violações graves dos direitos humanos. Xanana Gusmão disse à Comissão que houve casos de tratamento desumano de presos, incluindo espancamentos e queimaduras com madeira em brasa, que foram testemunhados pelo 283 comissário político Sera Key. - 77 - A Renal de Nundamar, em Remexio, Aileu O Campo de Reabilitação de Nundamar foi o primeira Renal criada pelo CCF. Situada em 284 Remexio (Aileu), era a mais importante das Renal . O CCF construiu Nundamar como local modelo para pôr em prática a ideologia política do CCF. Tinha programas de alfabetização, palestras sobre consciência política e programas de desenvolvimento económico para os seus 285 presos, entre os quais se encontravam civis, membros da Fretilin e das forças das Falintil. Xanana Gusmão disse à Comissão que o comissário político Sera Key visitou Nundamar para estudar os métodos aplicados na Renal antes de criar Renal no Sector Centro Leste. O CCF nomeou o adjunto Sebastião Montalvão (Lais) para principal responsável pela Renal de Nundamar. “Lais” é a abreviatura de “Localização da Administração e Informação Serviços de 286 informação ”. José Manuel dos Santos disse à Comissão que estiveram aprisionadas cerca de 300 pessoas na Renal de Nundamar entre 1977 e 1978. Nundamar foi fechada a 28 de Maio de 1978, quando foi atacado pelos militares indonésios. José Manuel dos Santos esteve preso em Nundamar e disse à Comissão: Fui detido por um pelotão das Falintil, sob comando do comandante do sector, T160, porque me recusei a ser comandante da companhia no Sector Centro Norte. Originalmente, o meu cargo era colaborador do comandante da Companhia do Sector Centro Leste. Depois de ser detido, fui levado ao encontro do comandante de sector T160, que disse que era reaccionário porque me tinha recusado a aceitar a decisão deles. Fui preso na Renal de Nundamar. Em Nundamar, fui espancado à mão…e açoitado com um chicote…não contei quantas vezes me chicotearam, mas durou muito tempo. Depois, os que estávamos detidos, incluindo Zacarias, Mário Mesquita, Marcelino, Gaspar, Alexio, António e Maurubi, de Laclubar, fomos presos e obrigados a cortar grandes pedaços de madeira e a levá-los para a Renal de Nundamar. Mandaram-me fazer sal na praia de Metinaro [Díli] durante duas semanas. Depois de a mulher do comissário político Mau Lear me ver, fui mandado ser enfermeiro e tratar dos civis e dos soldados das Falintil. Tratei presos na Renal de Nundamar, mas por minha própria iniciativa…fui mantido prisioneiro até a Renal de Nundamar 287 ser atacada pelos militares indonésios. Morte e tortura dos presos Alguns presos eram espancados até à morte. José Manuel dos Santos falou à Comissão sobre a morte de vários prisioneiros, incluindo: Martinho Mesquita, que foi espancado, primeiro à mão e depois com um pilão de arroz, por T162 a 5 de Dezembro de 1977; Afonso Araújo e Leki Mau, ambos de Metinaro (Díli); Mauloco, de Ailok (Díli Oriental); Beremau, de Daralau (Díli Oriental); e 288 um homem jovem (não identificado) de Hera (Díli). Ele também deu prova que Domingos Dulas, de Maubisse (Hatu Builico, Ainaro), foi morto a tiro, a 17 de Fevereiro de 1977, em 289 Nundamar. Alguns presos de Nundamar eram levados para o exterior e executados: segundo as informações recebidas, Zacarias e Maria Fátima foram ambos executados na Aldeia 8, no suco de Liurai, a 8 de Março de 1977. José Manuel dos Santos disse à Comissão que foi escavado um buraco no chão, os dois prisioneiros foram amarrados um ao outro, com cordas em redor do 290 pescoço e da cintura, e os seus corpos foram atirados para o buraco. - 78 - José Manuel dos Santos também disse à Comissão que os presos eram frequentemente torturados e maltratados em Nundamar. Disse que os presos eram espancados com paus, barras de ferro, pedaços de bambu, ou com um chicote conhecido como Chicote da Liberdade. Estes chicotes eram feitos de pele de búfalo entrançada — parecidos com os chicotes comummente utilizados em cavalos e búfalos — e tinham cerca de 80 centímetros de 291 comprimento. José Manuel dos Santos disse à Comissão que várias pessoas utilizavam regularmente os chicotes para espancar os prisioneiros, nomeadamente: o comandante T163, T162, o comandante da companhia T165, T166, T167, T168, T169, T170, T171, T172, T174, T175, T176, e o secretário T177. Estas pessoas eram (membros destacados do CCF) os principais agentes de T136. Outras formas de tortura e maus-tratos eram queimar os corpos dos prisioneiros com pontas de cigarro ou varas de ferro aquecidas no fogo, ou colocá-los num buraco no chão. Na Renal de Nundamar, havia dois buracos desses, um em forma de “E” e outro em forma de “U”, e tinham cerca de três metros de profundidade. Os buracos eram cobertos em camadas — primeiro, com troncos grandes dispostos em cruz, depois com bambu partido e, por último, com terra. Havia uma porta para cada buraco e os prisioneiros entravam e saíam por uma escada. Condições na Renal Durante o dia, os líderes da prisão ocupavam-se dando formação política às pessoas, ou participando em reuniões. As noites eram ocupadas com entretenimento, como bailes. José dos Santos disse à Comissão que T136 e os seus homens se embriagavam com vinho de palma nos bailes e depois decidiam, de forma arbitrária, deter e espancar pessoas com o Chicote da 292 Liberdade e atirá-las para o buraco. José Manuel dos Santos disse que, em certa ocasião, numa festa, viu T136 e os seus homens embriagarem-se e, sem motivo algum, espancarem Luís Barros com tanta força que a cabeça deste ficou gravemente ferida. Os movimentos dos prisioneiros estavam bastante restringidos. José Manuel Monteiro, o homem encarregue da Renal de Nundamar, reconheceu à Comissão que os presos não podiam deitarse nos buracos, só podiam sentar-se ou ficar em pé e, mesmo então, tinham de cruzar as pernas, devido ao confinamento do espaço. Os presos que iam ser executados não podiam sair 293 dos buracos subterrâneos. Razões para a prisão em Nundamar As pessoas presas pela Fretilin na Renal de Nundamar eram consideradas traidoras. No entanto, José Manuel dos Santos disse à Comissão que não existia qualquer processo de investigação objectivo para provar essas alegações. Devido à gravidade das alegações, também não havia qualquer processo de autocrítica ou justo correctivo em Nundamar. As condições para os prisioneiros que eram considerados traidores eram particularmente duras. A Comissão recebeu testemunhos que indicam que o tratamento médico podia ser recusado devido ao estatuto político dos doentes e que estes eram obrigados a continuar a trabalhar nas quintas comunitárias. Como os presos eram considerados traidores, não havia espaço para expressão como “doença”, ou outras desculpas. Todos tinham de trabalhar nos campos de arroz ou nas hortas, mesmo quando estivessem doentes. Quando trabalhavam nos campos, os presos considerados infractores graves eram amarrados uns aos outros pela cintura, com dois ou três metros de intervalo, e guardados pelos soldados da Fretilin/Falintil. José Manuel dos Santos disse que, nos primeiros meses da sua prisão, os 294 guardas davam água aos trabalhadores quando estes tinham sede. Contudo, depois de Xavier do Amaral ser preso, os prisioneiros só recebiam água quando o membro das Falintil encarregue de os guardar era compassivo. José Manuel dos Santos e José Monteiro disseram ambos à 295 Comissão que esta privação fez com que muitos presos adoecessem e morressem. - 79 - Os guardas de Nundamar não faziam distinções no tratamento dado a homens e a mulheres, sobretudo em questões de trabalho. Lúcia Osório Soares, mulher de Xavier do Amaral, por exemplo, foi obrigada a rapar o cabelo e a trabalhar na Renal. Alimentação e bebida A alimentação consistia de pele de búfalo, cavalo ou cabra, cortada em pequenos pedaços e misturada com mandioca ou jaca e vegetais, como folhas de inhame selvagem. Esta mistura era cozinhada e cada preso recebia duas colheres cheias. Se a refeição fosse mandioca cozida, cada um recebia um pedaço. A carne dos animais abatidos era dada ao homem responsável pela Renal e aos seus homens, ou enviada para os outros membros do CCF, residentes no 296 Sector Centro Norte. José Manuel dos Santos disse que os víveres não eram suficientes e que muitas pessoas morreram de fome e doença. Quase todos os membros de um grupo de civis trazido de Ilimanu (Lacló, Manatuto) — composto por homens, mulheres e crianças — morreram 297 de fome ou doença, ou foram mortos. Deslocação dos presos entre Renal Segundo José Manuel dos Santos, os prisioneiros eram frequentemente deslocados entre Renal. Os presos eram levados para Nundama, vindos das prisões de Lacló e de Laclubar (Manatuto), de Laulara (Aileu) e de outros sectores. A maioria dos civis levados à força de Ilimanu (Lacló), incluindo mulheres e crianças, morreram de fome e doença, mas alguns foram executados. José Manuel dos Santos também informou a Comissão de que os pertences dos presos, como jóias, vestuário e outros artigos, foram apreendidos por T136 e dados aos homens que lhe eram 298 próximos e que T136 disse: “Fogo aos Traidores, Abaixo os traidores!” Maria Fátima Pinto também disse à Comissão: Naquela altura, estávamos numa festa. Por volta das 3 da manhã, eles [membros da Fretilin da Base B do Sector Centro Norte, zona de Laulara, Aileu] disseram que a festa tinha de acabar porque “há traidores entre nós”. Nessa manhã, eles…detiveram-me e a vários outros. Fomos levados para a Renal de Nundamar, em Remexio. Fui interrogada sobre coisas que Maria Goreti enviara, como óleo, medicamentos e roupas. Eu recebera essas coisas e entregara-as a João da Silva Godinho, que as entregara a Nicolau Lobato. Como as informações não eram claras, fui presa no buraco da Renal durante dois dias com uma amiga, Maria Antónia, de Lacló. Fui libertada por Nicolau Lobato, porque não havia provas de que eu tivesse agido mal. Continuei a ser punida na Renal durante três meses. Enquanto estive presa, mandaram-nos trabalhar nas hortas e nos campos de arroz. Em 1978, membros da Fretilin mataram vários presos atirando granadas para os 299 buracos. Na Renal de Nundamar, em 1978, a Fretilin criou um local para prender crianças, conhecido como a creche. As crianças presas na creche eram filhos de prisioneiros da Fretilin, com idades 300 entre os dois e os cinco anos e, por vezes, eram mais de 50. Segundo Maria Antónia, uma das prisioneiras encarregues de tomar conta das crianças da creche, todas as crianças morreram, incluindo os dois filhos de Francisco Xavier do Amaral. Maria Antónia disse que as crianças - 80 - padeceram de má nutrição, devido à alimentação de má qualidade que lhes era dada, e que só 301 eram lavadas com água, sem sabão. Raul da Costa testemunhou os maus-tratos e o homicídio de presos da Renal de Nundamar e de Erluli e outros homicídios cometidos pela Fretilin por ser vice-comandante da Zona Remexio na altura. Ele deu prova da tortura infligida pela Fretilin aos presos na Renal, incluindo a tortura sofrida por Francisco Xavier do Amaral, sobre cujo peito foram colocadas brasas 302 incandescentes. A prisão de Ambulan Domingos Maria Alves (Ambulan) era secretário de zona da Fretilin e foi detido em Lequidoe e (Aileu) e levado para Erluli (Remexio, Aileu) porque foi acusado de pertencer ao grupo de Xavier do Amaral. Ambulan foi apelidado de traidor e depois torturado pelo adjunto da Fretilin, T187, e por um membro do CCF, T90, tendo sido pendurado e espancado, entre outras coisas. Quase todas as partes do seu corpo foram espancadas, à mão ou com madeira, e ele também foi pontapeado. Ambulan disse à Comissão que T90 o interrogou à frente de vários ministros da administração da Fretilin, incluindo Mau Lear, Hata, Mau Kruma, Sa’he, Nicolau Lobato e Afonso Rendentor. T90 perguntou-lhe se era guarda-costas de Xavier do Amaral. Ambulan respondeu que sim. Ambulan foi novamente torturado por T187 e por T90. T187 espancou Ambulan com um pedaço de madeira até a madeira se partir na mão dele. T187 agarrou noutro pedaço de madeira e espancou Ambulan até partir três pedaços de madeira. Depois, agarrou num último pedaço de madeira, que tinha a ponta em brasa, e queimou a pele de Ambulan. Ambulan disse que muitas pessoas foram executadas em público e T90 disse que isso foi feito para servir de aviso ao público e aos outros presos, para que não fizessem o mesmo. Ambulan disse que, certo dia de 1977, T90 lhe mostrou uma carta que, segundo T90, tinha sido enviada pelo povo de Lequidoe. O conteúdo da carta dizia que Ambulan não estava autorizado a voltar para Lequidoe. Pensou-se que a carta tivesse sido escrita por T90 e T132. No entanto, havia nomes na carta, como Gaspar, Mateus, Lequidoe, António, Mau João, Berleke e Bernardo. Devido a essa carta, Ambulan foi colocado num buraco subterrâneo. Ambulan ficou preso nesse buraco, com o seu amigo João Bosco, durante um mês e meio. Depois, Ambulan foi preso com Xavier do Amaral durante uma semana, antes de ser transferido para Fatubesi (Ermera), para onde foi levado juntamente com nove outros presos: Luís Koto, de Uatu-Lari (Viqueque); Mário Bonifácio, de Lacló (Manatuto); Hermenegildo, de Maubisse (Hatu-Builico, Ainaro); José Sabere e Diego, de Fahinehan (Fatuberliu, Manufahi); e Tomás, Domingos, Unkoli e Nuno, de Turiscai (Manufahi). Ambulan disse que, dos dez homens, cinco foram colocados numa cela especial e depois mortos, aquando de um grande ataque dos militares indonésios. Os cinco presos mortos eram Luís Koto, Mário Bonifácio, Domingos, Martinho e uma mulher de Suai (Covalima). Ambulan e os 303 seus quatro amigos foram libertados. A Comissão também tomou conhecimento de vários incidentes de tortura em Lequidoe (Aileu). Guilherme Brito foi detido em Fatukaimauk, em Faturilau (Lequidoe, Aileu), em 1977, e foi amarrado e obrigado (por T196) a ficar no rio, a uma profundidade de um metro e meio, durante 304 três dias e três noites. Daniel de Andrade disse à Comissão que o seu pai (também chamado Daniel de Andrade) foi detido em 1977 pelos comandantes das Falintil T197 e T187, em Lequidoe, espancado com um bloco de madeira e amarrado a uma cruz durante uma semana. Depois, desceram-no da cruz e colocaram-no num buraco no chão, durante mais uma semana, 305 até o retirarem e espancarem até à morte com um pedaço de madeira. - 81 - Manufahi A Comissão tomou conhecimento da existência de, pelo menos, uma Renal em Manufahi, situada em Dotik (Alas, Manufahi), cujas condições eram semelhantes às da prisão vizinha de 306 Uitame, em Viqueque, supra descrita. Tomé da Costa Magalhães falou à Comissão sobre prisões em Rameliak e em Lakeruhun, ambos no suco de Caicasa (Fatuberliu, Manufahi). - 82 - A prisão de Tomé da Costa Magalhães: A 9 de Fevereiro de 1976, quando as ABRI começaram a atacar a área Fahinehan (Manufahi), um comandante da Fretilin chamado Matias mandou todas as pessoas, incluindo Tomé Magalhães, correrem para a floresta. Na floresta, Tomé Magalhães escondeu-se na sua horta, em Ailora, Fahinehan. Francisco Xavier do Amaral e o padre Mariano também estavam lá escondidos e juntaram-se a ele, formando um só grupo, mas depois Xavier do Amaral foi para outro local e o padre Mariano ficou com Tomé Magalhães em Ailora. A 9 de Setembro de 1976, sob ordens do comissário político, T199, o comandante T200, com quatro dos seus homens equipados com duas G3 e duas Mausers, foram a Ailora para deter Tomé Magalhães e o padre Mariano. Tomé Magalhães e o padre Mariano puderam ir a casa buscar os seus pertences e depois foram, montados a cavalo, para Rameliak (Fatuberliu, Manufahi). Quando chegaram a Rameliak, membros da Fretilin aproximaram-se do padre Mariano e puxaram-no, fazendo-o cair do cavalo. Tomé Magalhães e o padre Mariano foram interrogados e depois colocados em celas separadas, com apenas uma parede de bambu entre eles. Tomé Magalhães descreveu a cela como um espaço muito estreito, que não permitia qualquer liberdade de movimentos. Ambos eram vigiados de perto, dia e noite e, se precisassem de ir à casa de banho, eram escoltados por dois membros armados das Falintil. De manhã, T199 chamou o padre Mariano para interrogá-lo e, quando ele chegou, T199 mandou dois dos seus homens tirarem-lhe a roupa. Depois, T199 chicoteou o padre Mariano até ele perder a consciência e colocou-o novamente na cela. O padre Mariano foi repetidamente interrogado sobre a sua ligação a Xavier do Amaral e torturado durante os interrogatórios. Tomé Magalhães disse que, nem ele, nem o padre receberam alimentação da Fretilin enquanto estiveram presos. A sua família levava-lhe alimentação, que era sempre inspeccionada pela Fretilin e, por vezes, confiscada. Tomé Magalhães disse que nunca foi interrogado e torturado, mas que T199 e os seus homens espancaram o padre, por turnos, durante três dias. Depois, T199 tentou obrigar Tomé Magalhães a lutar contra o padre Mariano, mas o corpo do padre estava tão ferido e inchado e as suas pernas tão duras que ele não se aguentava em pé. Tomé Magalhães e o padre Mariano ficaram aprisionados durante três meses na prisão de Rameliak e foram transferidos para a prisão de Caicasa, em Fatuberliu. Em Caicasa, foram colocados numa casa construída sobre estacas com dezenas de varas de bambu afiadas por baixo, onde ficaram presos, em condições terríveis, durante um mês. As pernas de ambos foram colocadas num buraco de madeira e atadas com força, para que não pudessem fugir, e as mãos amarradas atrás das costas. Quando era altura de comer, o guarda tinha de levantar-lhes as cabeças e pôr-lhes a comida na boca. Eram alimentados apenas uma vez por dia, com um pedaço de mandioca e água. Os prisioneiros não podiam ir à casa de banho, por isso tinham de fazer as necessidades fisiológicas no sítio onde se encontravam e a sala fedia excrementos e urina. Fazia muito frio naquela área, mas não lhes foi dado um cobertor para se taparem. Tomé Magalhães disse que, a 19 de Setembro de 1977, as ABRI entraram em Fahinehan. Os guardas da Fretilin retiraram-nos — a ele e ao padre Mariano — da casa de bambu e obrigaram todos os prisioneiros a caminhar, amarrados uns aos outros, de Caicasa até Lakeru-Hun (Fatuberliu, Manufahi), onde foram juntados a presos de Fatuberliu, sob tutela do comandante T206. Muitos presos foram torturados e maltratados — tendo os corpos picados por baionetas ou queimados com cigarros acesos. Depois, os prisioneiros foram novamente transferidos para Rameliak, excepto o padre, que foi levado para Lequidoe. - 83 - Mais tarde, Tomé Magalhães perguntou a T199 por que razão tinha ficado preso durante tanto tempo, sem lhe ser explicado o que havia feito de mal. T199 respondeu: “Porque trabalhaste com Francisco Xavier do Amaral e o padre Mariano. Foi por isso que te castiguei. Mas, acredita em mim, em breve serás livre.” Então, Tomé Magalhães foi colocado na Renal de Rameliak, para trabalhar nas hortas e plantar legumes. A 8 de Agosto de 1978, passados quase dois anos de 307 prisão, Tomé Magalhães foi libertado e regressou para junto da sua família. Valentino da Costa Noronha também falou à Comissão sobre a tortura e a execução dos membros da sua família: Como não havia comida, a minha família, composta por 51 pessoas, e eu decidimos ir para Aileu para apanhar mandioca e batatas-doces na horta de alguém. No caminho de volta para Laututo, Tutuluro [Same, Manufahi] tínhamos fome e decidimos assar as batatas-doces e a mandioca, para comermos. De repente, fomos cercados por um grupo de pessoas das Falintil, que nos detiveram. As mãos de todos os meus familiares foram atadas atrás das costas e fomos amarrados uns aos outros, com uma corda pela cintura. Disseram-nos para andarmos, desde Laututo até Ailora [Fahinehan, Fatuberliu, Manufahi]. Pelo caminho, os soldados das Falintil torturaram a minha família, espancando-nos com as mãos, ramos de limeira com picos, ramos de bambu e ramos de madeira nas nossas costas e barrigas, e queimando-nos com cigarros acesos. Quando chegámos a Ailora, todos os meus familiares foram amarrados e pendurados em postes de casas. De noite, as Falintil executaram 45 membros da minha família. Sete de nós salvaram-se porque um dos 308 meus tios era assistente político. Liquiça Segundo a investigação da Comissão, a principal Renal do distrito de Liquiça era Saugata, no subdistrito de Maubara. Houve, pelo menos, 120 presos nessa Renal durante o seu período de funcionamento. Celestino Alves, que fora detido a 15 de Outubro de 1976 com José da Silva e 60 dos apoiantes de José da Silva, em Leorema (Bazartete, Liquiça) acabou por ser levado para a Renal de Saugata (ver caixa sobre o conflito entre Hélio Pina e José da Silva, Outubro de 1976, supra). Alexandrino de Jesus disse à Comissão que esteve preso, juntamente com 48 outros activistas da Fretilin na Renal de Saugata, entre Outubro de 1977 e o início de Janeiro de 1978. Alexandrino de Jesus fora acusado de planear render-se aos militares indonésios e de manter contacto com o comandante Martinho Soares. A Fretilin prendeu o grupo durante três meses. Os presos tinham de fazer trabalhos como arrancar ervas à mão numa área com cerca de 1,5 hectares, para que pudesse plantar-se milho. Não lhes era dada qualquer alimentação, por isso 309 Alexandrino de Jesus e os seus amigos tinham de encontrar os seus próprios víveres. A Comissão também recebeu testemunhos que indicam a existência de uma Renal em Maukurustema, em Berdois, Maubara, e um centro de detenção e tortura no Campo Sedoze, em Kailima, no suco de Laculai (Liquiça). Por exemplo, Agapito dos Santos e quatro outros foram detidos pelas Falintil em Bardois (Maubara, Liquiça), em 1977, tendo sido amarrados com cordas de bambu, espancados com um tronco e pontapeados com botas militares e presos durante sete meses e meio na Renal de Maukuruslema (Maubara), até o comandante José Soares, das 310 Falintil, os libertar. - 84 - Algumas pessoas não eram presas num edifício ou noutro espaço, mas torturadas no local onde eram detidas. Jorge Pereira Pinto disse à Comissão que foi acusado de traição em Março de 1976, em Pukemanaru (suco de Manati, Liquiça) por, alegadamente, induzir a rendição de civis às ABRI. Foi detido por dois membros da Fretilin, chamados T209 e T210, que o espancaram e o pontapearam até ele cair e depois o espancaram com uma espingarda Mauser, deixando a sua cara ensanguentada e o seu corpo ferido e inchado. A seguir ao espancamento, Jorge Pinto foi 311 amarrado a uma árvore durante um dia e depois libertado. Violência nas zonas Fretilin A tortura, bem como outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante, foi perpetrada em muitas das zonas controladas pela Fretilin, não se limitando aos casos passados nas Renal e nas prisões acima analisados. A violência era frequentemente utilizada como maneira de castigar qualquer mau comportamento, real ou suspeito, e de estabelecer o poder de uma pessoa sobre outra. Seguem-se alguns exemplos: Valente de Sousa Guterres contou à Comissão como, a 3 de Janeiro de 1976, em Baguia, Baucau, foi espancado com um cinto por membros da Fretilin, que feriram o seu olho direito. 312 Depois, foi pontapeado até perder a consciência. O comandante da Fretilin T211 e o membro T212 interrogaram-no e estavam prestes a matá-lo quando Aurélia, a mãe do comandante Mau 313 Hodu, interveio. Valente Guterres foi libertado pouco depois. Geraldo Pereira disse à Comissão que, em Molop (Bobonaro), em 1976, ele e dois outros foram detidos e sofreram abusos, tendo sido espancados, à mão e com armas, pelas Falintil. Um dos outros foi três vezes agredido na cabeça com uma catana, tendo sangrado bastante até perder a consciência, e ao outro foram cortadas as orelhas. Ficaram presos durante três semanas e 314 depois foram libertados pelo comandante Agosto Espírito Santo. António Soares disse à Comissão que foi detido na Zona de Modok, em Iliheu (Lacló, Manatuto, em Março de 1977, pelos membros da Fretilin T213, T214 e T215. António Soares foi levado para a Zona de Modok, onde encontrou cinco outros membros da Fretilin presos (António Demétrio, João Cárceres, Caetano Gusmão, João Harek e António Amado), cujos corpos 315 estavam inchados porque tinham sido queimados com varas de ferro quente. - 85 - 7.4.5 Prisão arbitrária, tortura e maus-tratos efectuados pela Indonésia como potência ocupante, 1975/1979 Introdução De todos os anos abrangidos pelo mandato da Comissão, o período de 1975 a 1979 é o que regista números mais elevados de timorenses arbitrariamente presos, torturados ou vítimas de tratamento cruel, desumano e degradante. Estas violações ocorreram num contexto de caos e violência, à medida que os militares indonésios invadiam e ocupavam gradualmente o território e a população civil fugia para as montanhas, para só depois ser capturada ou se render. Desde cedo que a prisão arbitrária foi uma estratégia militar para assumir o controlo da população e obter informações sobre a força e a liderança da Fretilin/Falintil. Os serviços de informação eram frequentemente utilizados para localizar determinadas pessoas. As divisões locais eram exploradas para identificar e prender possíveis membros ou apoiantes da Resistência. Esta secção examina a natureza e a dimensão da prisão arbitrária, dos maus-tratos e da tortura sob os seguintes títulos: • Perfil estatístico das violações • Invasão de Díli • Conquista de outras áreas • Controlo do território, 1976 a 1979 • Rendições, no início do período e as rendições e capturas em massa de 1978 a 1979. Perfil das violações: 1975 a 1979 A Comissão registou 6.494 casos de prisão, tortura e maus-tratos neste período, perpetrados pelos militares indonésios e pelos seus auxiliares, 43,45% (6.494/14.491) do total referente aos * anos de 1975/1979. As mulheres representam 11,32% de todas as vítimas deste período, um valor relativamente elevado, uma vez que as mulheres raramente tiveram um papel activo nas hostilidades. Tal como o gráfico abaixo demonstra, houve um grande pico de prisões, tortura e maus-tratos no início do período, em 1975 e 1976, e um pico mais elevado no final do período, em 1979. Entre estes pontos, os valores mantêm-se elevados relativamente a outros períodos da ocupação indonésia. Table 1 - Gráfico de prisões, tortura e maus-tratos no período de 1975/1979 g1221hrvd600.pdf, g1221hrvd400.pdf, g1221hrvd1000.pdf Os picos de 1975/1976 e 1979 coincidem com grandes operações militares: sendo a primeira a invasão do território (o início da Operação Seroja), que foi mais intensiva em finais de 1975 e no início de 1976, sendo seguida pelos bombardeamentos e ataques de fuzileiros na região oriental em finais de 1978 e de operações de limpeza na região central em 1979, que resultaram em rendições e prisões em massa de civis nestes anos. * Destaque-se que, em 11,19 % (1622/14.491) dos casos o perpetrador era desconhecido. - 86 - Mesmo nos intervalos entre estas grandes operações, o número de pessoas presas foi elevado em relação ao dos outros anos da ocupação (ver gráfico na Introdução deste Subcapítulo). Estas prisões ocorreram enquanto os militares indonésios enfrentavam a Fretilin/Falintil, para assumir o controlo do território e expulsavam membros da Resistência de áreas já controladas pelos militares, para depois os eliminar. Os padrões das violações relacionadas com prisão, tortura e maus-tratos, bem como de outras violações fatais e não fatais ocorridas durante esta primeira fase do conflito, variavam de região para região. Embora a violência inicial aquando da invasão indonésia de 1975 fosse mais intensa nas regiões ocidental e central, o foco das violações não fatais transferiu-se para a região oriental a partir de 1976. Foi neste ano que a Resistência começou a concentrar-se nas regiões orientais de Timor-Leste, levando a que estas áreas se tornassem alvos das forças de segurança indonésias. Perpetradores A análise da Comissão referente aos perpetradores aos quais foi imputada responsabilidade pelas prisões ocorridas neste período é indicada no gráfico abaixo: [Inserir gp1pfvln400.pdf por aqui] O gráfico indica que os militares indonésios perpetraram a maioria das prisões. Embora a guerra civil de 1975 tenha provocado um grande número de mortes na sociedade timorense, o número de pessoas que sofreram violações não fatais às mãos dos militares indonésios é mais elevado do que o número de pessoas que sofreram violações não fatais às mãos de qualquer um dos partidos em 1975. Os militares indonésios foram referidos em 49,17% (4.393/8.934) de todos os casos de prisão documentados no período da invasão, em 42,55% (1.328/3.079) dos casos de tortura e em 31,19% (773/2.478) dos casos de maus-tratos. Na maioria dos casos, a vítima identificou apenas as ABRI/TNI, não especificando a unidade ou secção responsável. Nesta fase inicial da ocupação, a maioria dos timorenses ainda não conhecia os vários elementos dos militares, incluindo os nomes e os números de batalhões. Muitas destas prisões iniciais ocorreram num clima de revolta e caos, quando os militares atacavam sucos ou grupos de civis, ao contrário do que se verificou em períodos posteriores, em que os batalhões residiam numa determinada área e eram identificáveis pela comunidade. No entanto, é evidente que as unidades territoriais, incluindo unidades orgânicas e não * orgânicas, participaram na prisão de suspeitos As Forças Especiais ( Kopassandha/Kopassus) também prenderam pessoas. Além dos militares propriamente ditos, os timorenses que trabalhavam para as organizações de defesa civil criadas pelos militares indonésios também participaram num número significativo de prisões neste período; provas qualitativas indicam que muitas destas violações foram realizadas em conjunto com os militares. Estes padrões são praticamente idênticos aos dos incidentes de tortura relatados neste mesmo período. [Inserir gp1pfvln600.pdf por aqui] * As unidades territoriais eram unidades não combatentes responsáveis por uma determinada área geográfica e enquadravam-se na estrutura territorial dos níveis de comando — desde o nível dos subdistritos ao nível nacional. As unidades territoriais orgânicas eram compostas na sua maioria por soldados recrutados localmente, ao passo que as unidades não-orgânicas incluíam batalhões territoriais das províncias indonésias. As unidades de combate não eram geograficamente definidas e não se enquadravam na estrutura de comando territorial. Para mais informações, ver Capítulo 4: Regime de Ocupação. - 87 - Prisões durante a invasão Os militares indonésios começaram a sua incursão nas cidades perto da fronteira com Timor Ocidental em Setembro de 1975 e depois iniciaram a invasão de Díli a 7 de Dezembro de 1975. A invasão de Díli assinalou o início da Operação Seroja (Lótus) (ver Capítulo 3: História do Conflito). Depois de assumirem o controlo da capital e de Baucau dois dias depois, as forças deslocaram-se, com o objectivo de capturar áreas estratégicas. Os padrões gerais de prisão eram os mesmos sempre que os militares chegavam a uma nova área. As forças militares detinham civis e combatentes, que se haviam rendido ou sido capturados. Em alguns locais, ocorreram prisões em massa, pois os militares pretendiam assumir o controlo sobre a população local e identificar membros ou apoiantes da Fretilin/Falintil ligados à Resistência. Noutros locais, prendeu grupos familiares ou indivíduos que não conseguiram fugir na altura ou que foram capturados quando regressaram para procurar víveres. A prisão tinha vários objectivos: • Separava membros da Resistência da população geral • Era uma maneira de obter informação estratégica sobre a Resistência • Servia de punição para os membros ou apoiantes da Resistência Agosto a Novembro de 1975 Entre Agosto e Novembro de 1975, as unidades das Forças Especiais indonésias, em conjunto com Partidários timorenses, fizeram incursões à região ocidental, começando por Atsabe (Ermera), Bobonaro (Bobonaro) e Suai (Covalima), a 14 de Setembro, Batugade (Bobonaro) a 8 de Outubro, Balibó (Bobonaro) a 15 de Outubro e Atabae (Bobonaro) a 20 de Novembro. Alguns combatentes da Fretilin foram capturados e presos em batalhas contra as forças indonésias. Alberto Tavares recordou: Em 1975, um Comandante da Segunda Linha, T216, obrigou-nos a fazer um ataque contra soldados indonésios em Balibó. Eu e outros companheiros participámos num tiroteio com as forças indonésias em Balibó, desde manhã até à noite. Como não éramos tão fortes como as ABRI, retirámo-nos para a nossa base em Damalaran [Balibó]. Quando lá chegámos, as forças indonésias atacaram-nos com tanques e o meu irmão mais novo, Talo-Bere, foi morto. Depois da sua morte, o Comandante T216 rendeuse às ABRI e depois ele e as forças indonésias vieram prender-nos em Atabae. Fomos detidos e presos em Rairobo [Atabae]. Não recebemos qualquer alimentação, nem medicamentos, por isso só comemos folhas. O meu 316 filho, Januário Tavares, morreu de fome. Há poucos casos de prisão de civis neste período, indicando que a prisão não fazia parte da estratégia da incursão. Num caso ocorrido no subdistrito de Atsabe, Marciana da Graça descreveu como quatro civis, Mau Butar, Berleki, Beremau e Mausiso, foram capturados pelo Batalhão 403 em Coileki, no suco de Babo Leten (Atsabe), e levados para a cidade de Atsabe. Os soldados, juntamente com um comandante Partidário, T217, levaram as vítimas para o suco 317 de Malabe (Atsabe) e mataram-nas. Guilhermina Gusmão falou à Comissão sobre um caso semelhante, ocorrido em Atabae (Bobonaro): - 88 - Em 1975 [esqueço-me do mês] a Indonésia atacou o suco de Kolibau [Atabae] com tanques e atacou-nos indiscriminadamente. Não sei que unidade era porque eu era apenas uma pessoa comum. Como tivemos medo de morrer, fugi com a minha mãe e o meu pai…Depois, começámos a ser atacados por aviões vindos de Aidabaleten [Atabae], por isso escondemo-nos numa caverna e fugimos para Lou-Mate [Atabae]. Depois, escondemo-nos perto do rio Aidabaleten. Quando lá estávamos, eles vieram ao nosso esconderijo e detiveram o meu irmão mais velho, Mateus Maubere. As pessoas que detiveram o meu irmão eram soldados das ABRI e Partidários, pessoas timorenses. Elas levaram-no para Aipusrah [Atabae], onde o amarraram a uma laranjeira e o 318 mataram a tiro. Nós assistimos, de longe. Díli A invasão No dia da invasão de Díli, os militares capturaram e prenderam combatentes e civis que não fugiram da cidade. Alguns foram levados para o cais do porto de Díli e executados (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Alguns membros da Resistência renderam-se às forças invasoras ao perceberem que já não podiam resistir. Marcelo da Costa Pereira, o comandante de Operações da Fretilin do Sector A, disse à Comissão que ele e quatro outros, Luís da Costa Cardoso Pereira, Sebastião Rodrigues, Celestino Ricardo e Simão Soares, se renderam quando as suas munições acabaram. O grupo foi então detido e levado para o porto, e outros centros de detenção, onde foi torturado pelos seus captores: Fomos levados para o quartel-general do comando e depois para o porto, num tanque das ABRI. Quando chegámos, fomos despidos e ficámos apenas com a roupa interior durante 15 dias. Depois, fomos levados para o [centro de detenção] Tropical e [depois] para a Prisão de Balide [a Comarca]. Quando chegámos à prisão, fomos interrogados, espancados na cabeça com ferro, queimados com cigarros e os nossos pés foram presos 319 debaixo de pernas de cadeiras. Alguns combatentes da Fretilin/Falintil foram capturados depois de fugirem do combate. Luís Sarmento e 30 outros, que Rogério Lobato armara para defenderem a área de Palapaço em Motael (Díli), perceberam que eram demasiado poucos para enfrentar as Forças Armadas indonésias, por isso fugiram para se esconderem no aeroporto. Uma semana depois, foram detidos por tropas das Kopassandha, depois de um informador, T218, dizer aos militares onde eles estavam escondidos. O tratamento recebido por Luís Sarmento e pelos seus colegas foi parecido ao sofrido por Marcelo da Costa Pereira: - 89 - As nossas mãos foram amarradas atrás das costas e [fomos amarrados] uns aos outros. Depois, fomos levados para o porto. Quando chegámos, fomos atirados para o chão e depois atropelaram-nos com motos por duas vezes. Depois, levaram-nos para o [centro de detenção] Tropical, onde nos espancaram, nos despejaram água quente em cima, nos queimaram com cigarros e nos deram milho cozido podre para comermos. Fiquei um ano preso no Tropical. Em 1977, fui transferido para a Prisão 320 de Balide. Embora a maioria dos residentes de Díli tivessem fugido da cidade aquando do início da invasão, os que ficaram eram vulneráveis a ser arbitrariamente presos pelos militares. Marcus Valadares, de Beto, uma área de Díli atrás do aeroporto de Comoro, disse à Comissão como a sua família foi presa dentro da sua própria casa: Quando os militares indonésios chegaram de avião, vi muitas pessoas caírem dos aviões. De madrugada…no aeroporto de Comoro, eu e a minha família não tivemos oportunidade de fugir porque fomos cercados por militares. Às 6 da manhã fomos detidos, não sei por que unidade. Durante três meses, fomos impedidos de sair de casa, excepto para ir à casa de banho. Se deixássemos a casa, 321 seríamos mortos a tiro. Aqueles que fugiram para as montanhas foram perseguidos pelos militares e muitos foram capturados em redor de Dare, nas colinas perto de Díli. Alguns dos capturados foram presos e sofreram maus-tratos e tortura. Elda Guterres descreveu a captura do seu filho, um antigo soldado do Exército português em Timor-Leste: A 7 de Dezembro de 1975, muitas pessoas fugiram para as montanhas e para a floresta devido à invasão das ABRI. O meu filho, Armindo, escondeu-se em Dare. As ABRI atacaram, vindas de muitas direcções ao mesmo tempo, e capturaram muitas pessoas…incluindo o meu filho Armindo. Eles foram levados para Díli e colocados numa cela na prisão de Balide. Enquanto esteve preso, Armindo foi espancado, electrocutado e torturado de várias maneiras. Depois disso, um soldado [Partidário] chamado Marcelino Ximenes, meu sobrinho, pediu às ABRI que mandassem Armindo para o hospital. [As ABRI] concordaram e enviaram-no para o hospital de W i r a 322 Husada [Díli], mas ele morreu a 24 de Julho de 1976. Os dias após a invasão A investigação da Comissão indica que, depois da ocupação efectiva de Díli, os militares indonésios começaram a identificar membros da Fretilin e depois a prendê-los, interrogá-los e/ou puni-los. Ao longo deste processo, as ABRI prenderam civis ou restringiram a sua liberdade de movimentos. Os civis eram mandados reunir-se em vários locais — entre os quais se destacavam o edifício da Intendência e o edifício da Sota (Sociedade Oriental dos Transportes e Armazéns, uma empresa comercial portuguesa). - 90 - A 7 de Dezembro, os militares indonésios ordenaram a centenas de civis que dormissem no chão do edifício da Intendência (anteriormente o Kodim de Díli, e actualmente o centro cultural Uma Fukun) localizado a leste do edifício do governador (conhecido como Palácio do Governo). Na manhã de 8 de Dezembro, estes civis foram mandados andar ao longo da linha costeira até à zona do porto, onde os mandaram esperar em frente ao Hotel Timor. Nessa tarde, estes e outros civis foram levados para a área de Pantai Kelapa/Kampung Alor. Passadas algumas horas, 127 pessoas de etnia chinesa foram autorizadas a regressar às suas casas, mas um grande número 323 de timorenses foi mandado permanecer na área. A 8 de Dezembro, os militares indonésios iniciaram o processo de registo da população de Díli e começaram a emitir cartões de registo. Disseram às pessoas que se apresentassem num edifício que pertencia anteriormente à empresa de comércio grossista e retalhista portuguesa Sota, no subúrbio de Bidau Lecidere (no momento da elaboração deste relatório, o edifício da Sota é o centro cultural de Uma Fukun). No edifício da Sota, todas as pessoas tinham de preencher um formulário com os seus dados pessoais, incluindo a sua filiação política, para poderem receber um cartão. As pessoas que se identificaram como sendo da Fretilin foram imediatamente detidas. António Caleres Júnior explicou o processo: A 12 de Dezembro, tivemos de ir para a Sota para obtermos um cartão de segurança [registo]. [Eles] disseram pelo microfone [em cima de um carro que percorreu Díli], que todos tinham e ir, ou enfrentar as consequências. Todos foram buscar o cartão e depois levaram-no para casa porque o cartão era verificado pelo caminho. Tivemos de preencher um formulário antes de obtermos o cartão e, nesse formulário, havia coisas que tínhamos de revelar, como o partido a que pertencíamos. Também havia várias verificações. Se eles não ficassem convencidos, detinham-nos [e levavam-nos] para qualquer 324 lado, mas nós não sabíamos para onde. Francisco Calçona foi detido no edifício da Sota devido ao seu cartão de membro da Fretilin. Ele foi inicialmente preso na Sota (actualmente, Díli Trade Centre) e depois transferido para o dentro de detenção Tropical, a 19 de Dezembro, de onde foi levado para o edifício da Sang Tai Hoo (uma loja em Colmera, Díli) para ser interrogado. Durante o interrogatório, foi obrigado a acocorar-se com um pau de madeira atrás das pernas e enfiaram-lhe cigarros acesos nas narinas. Os seus interrogadores disseram-lhe para puxar as suas orelhas para fora e escreveram-lhe “hau Fretilin” (Sou Fretilin) na testa com tinta. Francisco Calçonha foi mandado 325 pôr um capacete e agredido na cabeça com uma barra de ferro. Para se salvar, António Caleres, escreveu que pertencia ao partido Apodeti: - 91 - Vimos que as pessoas da Apodeti se mantinham à parte e estavam a organizar coisas com os militares. Elas também detinham pessoas. Mas também havia pessoas boas da Apodeti, que nos explicaram a situação e nos disseram que devíamos escrever Apodeti no formulário. Por isso, todos o fizemos. Não era muito mau escrever KOTA ou Trabalhista, mas se escrevêssemos Fretilin, eles detinham-nos e levavam-nos para qualquer lado. Eu escrevi Apodeti para obter um cartão. O processo de vistoria no edifício da Sota foi supervisionado por líderes * do partido Apodeti que se tinham apresentado na Sota no 326 dia anterior. Filomeno Gomes descreveu como ele e outros líderes da Apodeti, incluindo o líder partidário Arnaldo dos Reis Araújo, fugiram da prisão da Fretilin no dia da invasão e foram para o edifício da Sota. No dia seguinte, 8 de Dezembro de 1975, “(o coronel) Kalbuadi e o major-general L.B. Murdani vieram ao edifício da Sota e encontraram-se connosco”. Vários membros do grupo da Apodeti foram nomeados para supervisionar o processo de vistoria da população, porque os militares os consideravam mais capazes de identificar apoiantes da Fretilin do que os soldados indonésios. Um padrão que se evidenciou nos depoimentos que as vítimas prestaram à Comissão foi o papel desempenhado pelos membros dos partidos Apodeti e UDT no fornecimento de informações sobre os antecedentes de outros timorenses durante o período inicial da ocupação. Por vezes, isto podia resultar a favor de uma pessoa. Maria Olandina Isabel Caeiro Alves disse à Comissão: Fui detida pelas tropas do barrete vermelho a 13 de Dezembro de 1975 e levada para a Sota, que era utilizada pelas pessoas do partido Apodeti. Lá, encontrei-me com o [futuro] governador Arnaldo e com o sargento Vicente Tilman…[e] ambos disseram às ABRI: “Ela não é má pessoa, não é comunista. Vigiem-na, interroguem-na, mas 327 não lhe façam mal.” Em muitos outros casos, membros da Apodeti ou da UDT apontaram membros da Fretilin aos militares indonésios, acompanharam soldados durante as detenções de membros da Fretilin, ou 328 detiveram-nos eles próprios. Por exemplo, Lino Soares disse à Comissão como, a 10 de Dezembro de 1975, quatro membros das Forças Especiais (Kopassandha) juntamente com T219 (um membro da Apodeti e o chefe do suco de Bidau Santana) detiveram o seu pai, Jeferino Soares, e o seu amigo Francisco da Silva em Bidau Santana (Díli Oriental, Díli). Eles tinham ouvido que Jeferino estava a esconder uma bandeira de Timor-Leste. Os militares espancaram as vítimas quando lhes amarraram as mãos e depois levaram-nas para o posto de comando, onde Jeferino foi espancado com mais 329 violência. Ficaram presos durante a noite e foram libertados no dia seguinte. Francisco Soares Henrique, um membro da Fretilin que resistira às forças invasoras no dia da invasão, também foi detido na sua casa em Bidau Santana, a 10 de Dezembro de 1975. Tal como no caso anterior, T219 foi a casa da vítima com os militares. Eles interrogaram Francisco, o seu irmão mais novo e o seu pai sobre as armas que foram encontradas na casa e acusaramnos de serem comunistas. Francisco Henrique e a sua família foram detidos e levados primeiro * Labut Melo, outro membro destacado da Apodeti, disse ter-se apresentado no Hotel Timor a 8 de Dezembro, em vez de no edifício da Sota, onde recebeu as armas que tinham sido entregues pelos combatentes da Fretilin que se renderam. - 92 - para uma loja em Colmera e depois para o comando militar em Díli, onde permaneceram até ao 330 início de 1976, altura em que foram transferidos para a Comarca. Acácio Tau Pelo era um membro da Fretilin que também vivia no subúrbio de Bidau Santana na altura da invasão. Ele disse à Comissão: A 12 de Janeiro de 1976, três membros da Apodeti, T220, T221 e T222, detiveram-me em minha casa e levaram-me para o Comando Militar do Distrito de Díli [Kodim]. No Kodim, fui interrogado desde as 9 da manhã até ao meiodia. A pessoa que me interrogou foi T223. Eu fui detido por ser membro da Fretilin. Depois do interrogatório, fui transferido do K o d i m to para o Tropical, onde fui interrogado novamente pelos serviços de informação e torturado, tendo sido espancado com um cinto. A 15 de Abril de 1976, fui libertado e fui ao encontro da minha família. Depois, juntei-me ao Comité Central da Fretilin da 331 Zona Norte, sob o comando de Alarico Fernandes. - 93 - Centros de detenção em Díli Num espaço de poucos dias após a invasão indonésia de Díli, as forças controlavam os edifícios 332 do porto de Díli e o edifício da Sota, tendo também tomado a antiga prisão portuguesa de * † Balide (Díli), conhecida como a Comarca, os edifícios particulares da Sang Tai Hoo e do ‡ Tropical e várias casas particulares no subúrbio do Farol (Motael, Díli). Foram relatados muitos casos de maus-tratos e tortura por pessoas que estiveram presas em todos estes locais, mas os testemunhos indicam que diferentes locais tinham diferentes finalidades. A prisão da Comarca, em Balide, e o edifício da Sang Tai Hoo, em Colmera, eram dois dos principais centros de detenção nos primeiros anos da ocupação. A Comarca foi utilizada até ao final da ocupação, em 1999. A Comarca Um dos centros de detenção de prisioneiros políticos mais conhecidos durante a ocupação indonésia era a Comarca, a prisão de Balide. A Comarca foi construída como prisão oficial pela § administração colonial portuguesa em 1963 e foi utilizada pela Fretilin durante o conflito interno ** para prender presos da UDT e da Apodeti. Em Janeiro de 1976, os militares indonésios utilizavam a prisão como centro de detenção a longo prazo e prisão oficial de Timor-Leste, onde †† eram presos criminosos normais e prisioneiros políticos — muitos dos quais ficaram presos ‡‡ durante vários anos sem serem acusados, ou julgados, no final da década de 1970. A Comarca tinha seis blocos de celas e oito celas de aço individuais, conhecidas entre os §§ prisioneiros como “celas escuras”. As celas escuras tinham apenas 2,02 metros de comprimento por 2,72 metros de largura por 3,1 metros de altura e péssima ventilação. As pessoas eram presas de roupa interior, sem luz ou ar fresco, frequentemente em celas cheias onde os prisioneiros só tinham espaço para ficar em pé. Outra cela, conhecida como “cela de Maubutar”, era utilizada para prisão solitária. Saturnino Belo, um preso da década de 1990 descreveu a sua experiência na cela escura: Aquela cela não era como as celas normais…Quando se estava naquela cela, ficava-se muito nervoso porque não se podia vestir roupas, não se tinha calças. Só se tinha a roupa interior. Mas transpirava-se constantemente. Apesar de só dormirmos no chão, transpirávamos à mesma…E cheirava mal. A casa de banho estava avariada e, naquela cela, desde que se entrava, ficava-se com dor de cabeça e febre… * Também referida pelos depoentes como Prisão de Balide porque se situava no subúrbio de Balide, Díli. Segundo as informações recebidas, o edifício da Sang Tai Hoo foi utilizado desde o dia da invasão até 1980, embora seja possível que ainda fosse utilizado em 1981. ‡ Centro de detenção Tropical [Ver Testemunhos nº: 5092; 4881; 5730; 7011; 5725; 3742; 3734; 3607; 5683 da HRVD]. Testemunhos fornecidos à CAVR indicam que o Tropical só foi utilizado em 1975/1976; foi reocupado pela milícia Aitarak em 1999 e utilizado para prender apoiantes pró-independência. § Plano de Fomento , um documento oficial da administração portuguesa, de 1963, que se refere à fase de construção da prisão da Comarca de Díli, uma instalação de serviços públicos. ** Comité Internacional da Cruz Vermelha, East Timor Relief Operation, 16 September 1975. Correio electrónico ( E-mail) de Noel Barrow, arquivista da Cruz Vermelha Australiana, Sede Nacional, Melbourne, para a CAVR, 8 de Outubro de 2004. Devido à natureza confidencial dos registos do CICV referentes às visitas da organização às prisões, não estão disponíveis pormenores específicos. †† Entrevista a Justino Mota, Lisboa, 3 e 4 de Julho de 1984. Segundo os relatos fornecidos à Comissão, Venâncio Gomes foi uma das primeiras pessoas a serem presas na prisão. Ele foi detido imediatamente depois da invasão, tendo sido inicialmente preso no centro de detenção Tropical, até ser transferido para a Comarca, em 1976, onde permaneceu até 1979. Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concerns in East Timor, ASA 21/09/83, Londres, p. 7. ‡‡ Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concerns in East Timor , ASA 21/09/83, London, p. 61. Em meados da década de 1980, a maioria dos prisioneiros eram acusados e julgados a determinada altura, mesmo que tivessem estado presos sem terem sido acusados numa fase inicial [ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos]. §§ “ sel gelap” , “cela escura ” ou “ sel nakunun” , que significam cela escura em indonésio, português e tétum, respectivamente. † - 94 - Eu dormia de noite, mas nem se sabia quando a noite acabava. Só se sabia que era manhã porque o galo cantava e porque eles traziam arroz. Traziam arroz de manhã, traziam arroz ao meio-dia e traziam arroz de tarde…Mas quando fechavam a porta, não sabíamos se era noite ou dia. Estava sempre escuro. De noite, rezávamos. Quando se tinha sono, dormia-se. Mas não se 333 conseguia acompanhar a luz. Nos primeiros anos da ocupação, até meados da década de 1980, as condições de prisão eram * extremamente más. A prisão encontrava-se sempre sobrelotada devido ao número de pessoas † detidas em operações militares durante esses anos. Por sua vez, isso levou a uma escassez de alimentos crónica e a más condições sanitárias. Quando o CICV começou a pesar os prisioneiros, por volta de 1983/1984, registou pesos corporais de presos tão baixos como 30 334 kg. Manuel Fernando Oliveira Neves, enviado com 16 outras pessoas para a Comarca a 12 de Junho de 1980, depois do ataque de Marabia, descreveu as condições: Fomos os 17 colocados numa cela confinada, que cheirava mal e estava cheia de dejectos humanos. A casa de banho também cheirava mal. Dormíamos no meio dos dejectos, que já tinham secado, e também no meio dos nossos próprios dejectos, pois não tínhamos colchões 335 onde dormir. Nos seus testemunhos à Comissão, as vítimas relataram repetidamente ter sofrido tortura e maus-tratos enquanto estiveram presas na Comarca, sobretudo nos primeiros anos da ocupação. Os interrogatórios também eram realizados na Comarca, mas era mais frequente os presos serem levados para centros de interrogatório (e de tortura) especiais, como o edifício da Sang Tai Hoo. Os prisioneiros da Comarca também desapareciam com frequência, principalmente de noite. Sang Tai Hoo Sang Tai Hoo era uma loja chinesa que existia em Colmera (o principal distrito de negócios de Díli) durante a época portuguesa. O edifício tinha dois pisos; o piso térreo tinha duas salas e uma garagem; o primeiro piso tinha apenas duas salas muito pequenas e com péssima ventilação. As 336 salas do piso térreo alojavam cerca de 20 prisioneiros cada e, quando ficavam cheias, os presos eram levados para o piso superior — sendo colocados três em cada sala. Segundo 337 António Caleres Júnior, por vezes havia até 200 pessoas presas na Sang Tai Hoo. As condições não eram minimamente higiénicas e os presos tinham de fazer as necessidades 338 fisiológicas dentro da sala. Eram os presos quem limpava a casa de banho. Maria Fátima Maia, uma antiga prisioneira de Sang Tai Hoo, recordou: Eles levaram-me para outra cela com péssimas condições — a água estava obstruída com fleuma e fezes humanas…Eu não conseguia ver o sol, só via através da conduta de ventilação, 339 mas eles também a taparam. * Em 1983, o Comité Internacional da Cruz Vermelha começou a visitar presos na Comarca e a defender publicamente a melhoria das condições da prisão. Foi construída outra prisão oficial em Becora (Díli), por volta de 1986, e depois em Baucau (Baucau), Gleno (Ermera) e Maliana (Bobonaro), em finais da década de 1980 e no início da década de 1990. A Comissão não conseguiu determinar os anos precisos em que estas prisões ficaram prontas devido à destruição dos registos do Governo indonésio em 1999. † A capacidade oficial da prisão era de 200 prisioneiros. [Testemunho de um funcionário civil indonésio ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Subcomissão para a Prevenção da Descriminação e Protecção das Minorias, citado em Amnistia Internacional, p.62.] Em meados de 1977, o número estimado de presos na Comarca era 500 [Entrevista a Justino Mota, Lisboa, 3 e 4 de Julho de 1984] e, segundo a Amnistia Internacional, este número atingiu os 700 em 1979. [Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concerns in East Timor, ASA 21/09/83, London, p.61] O director da prisão entre 1980 e 1986 fala de “haver mais de 500 pessoas na prisão no rescaldo das campanhas militares” [Peter Carey, entrevista a Ian Dion, Java Ocidental, 3 de Janeiro de 2004]. - 95 - Contudo, o edifício da Sang Tai Hoo era principalmente um centro de interrogatório e tortura e não um local de prisão. Os prisioneiros vindos de outros centros de detenção, como a Comarca, eram levados para a Sang Tai Hoo para serem interrogados. Por exemplo, Moisés Mesquita de Almeida, um membro das Falintil, e o seu irmão mais velho, Manuel Soares, foram detidos em Novembro de 1976 e presos na prisão da Comarca, mas foram levados para a Sang Tai Hoo para serem interrogados. Moisés Almeida disse à Comissão que, a 12 de Novembro de 1976, durante os três dias em que foi interrogado pelo coronel indonésio T224, foi submetido a tortura e maus-tratos, incluindo “ter sido espancado, ter ficando com os dedos do pé presos debaixo de uma cadeira na qual se sentaram dois membros das ABRI, ser pontapeado na cara — e quase me caírem os dentes — baterem-me nas orelhas até elas sangrarem e ficar surdo, entre outras 340 formas de tortura.” Francisco Soares Henrique disse à Comissão: Passado um mês no Tropical, fomos levados para a prisão de Balide. Todas as segundas-feiras éramos levados para a Sang Tai Hoo para seremos interrogados. Na Sang Tai Hoo, éramos tratados com muita crueldade. Éramos obrigados a beber a urina dos soldados da ABRI e espancados até sangrarmos. Depois, éramos obrigados a dançar com as prisioneiras (Maria Goreti, Maria Soares, Maria Pereira, Elda Saldanha e Merita Alves), que só estavam vestidas 341 com as cuecas e o soutien. Fiquei preso durante três anos e fui libertado em 1978. As práticas de tortura na Sang Tai Hoo eram particularmente cruéis e humilhantes. A maioria dos interrogatórios eram realizados no canto de um corredor, por isso os presos não tinham como fugir. No mesmo piso havia um escritório administrativo que, por vezes, também era utilizado 342 para os interrogatórios. Os guardas não fechavam as portas das celas propositadamente para ser mais fácil levarem os prisioneiros. Maria Fátima Maia (1981) disse à Comissão: Eu era sempre chamada de repente e de noite para ser interrogada e o interrogatório durava das 7 da tarde até à meia-noite. Depois de ser interrogada, era levada para outra cela que tinha uma casa de banho. De manhã, tiravam-me da cela e punham-me numa arrecadação que só tinha 343 um buraco na porta. Davam-me de comer todas as manhãs através daquele buraco da porta. A Sang Tai Hoo não é mencionada em testemunhos sobre situações posteriores a 1981, o que indica que o centro poderia já não ser utilizado para interrogatórios e/ou tortura depois dessa altura. Padrões iniciais de prisão Mesmo neste período inicial, começaram a surgir padrões claros das práticas de detenção. Dois padrões, referidos na caixa acima, era o uso de locais de detenção oficiais e não oficiais e o uso de diferentes locais para diferentes finalidades — como a Comarca ser utilizada como centro de detenção a longo prazo e a Sang Tai Hoo ou o Tropical serem utilizados para interrogatórios e tortura. Os comandos e bases militares também eram frequentemente utilizados para prender pessoas, por vezes durante vários anos. Este padrão continuou a verificar-se ao longo da ocupação. Outro padrão, igualmente verificado em períodos posteriores, era a frequente deslocação dos presos entre locais de detenção diferentes. Por vezes, os presos eram deslocados entre vários locais numa noite. Este padrão, que começou logo no início do período de ocupação, foi repetido em testemunhos recebidos pela Comissão até ao fim do período do mandato. A utilização de vários locais para diferentes finalidades pode explicar o facto de os presos serem 344 assim tratados. Além disso, diferentes interrogadores procuravam obter diferentes informações de diferentes maneiras. Um antigo preso explicou que, se um interrogador não obtivesse as informações desejadas, o preso seria enviado para outro interrogador que utilizasse - 96 - * técnicas ainda mais duras. Um padrão comum era levar os presos primeiro para centros de 345 detenção informal, como o Tropical e a Sang Tai Hoo — cuja função principal era a de centros † de interrogatório e tortura — antes de os enviar para a Comarca. O facto de a contínua deslocação de um preso, sobretudo durante a noite, ser uma maneira de intimidar e desorientar a vítima e de instilar o medo é outra explicação provável para este tipo de tratamento. A experiência de Francisco Soares Henrique serve de exemplo deste padrão. Francisco Soares disse à Comissão que, depois de ser detido pelas ABRI a 10 de Dezembro de 1975, foi levado para as instalações de uma antiga loja, Toko Lay, onde permaneceu até 12 de Dezembro. Foi então levado para o quartel-general dos militares indonésios em Díli, onde ficou até 17 de Dezembro, tendo sido depois transferido para o Tropical, onde passou cerca de um mês. Só então foi transferido para a Comarca, onde ficou preso durante três anos (ver caixa acima: 346 Centros de detenção em Díli). Maria Olandina Isabel Caeiro Alves era locutora da Rádio Maubere e mulher de um membro das Falintil aquando da invasão. Maria Olandina disse à Comissão ter sido detida por soldados na casa do bispo D. José Joaquim Ribeiro, a 13 de Dezembro de 1975, e posteriormente levada para o edifício da Sota. Nessa mesma noite, foi levada para vários locais em Farol, onde foi 347 presa com outros, onde foi interrogada e torturada: Então, eles levaram-me para Farol [Senopati 1], de noite. Puseram uma bandeira da Fretilin e uma bandeira portuguesa no chão e obrigaram-me a pôr-me em cima delas e a pisá-las…Fiquei lá cerca de 2 ou 3 horas. Depois, fui levada para outra casa em Farol. Na casa, prenderam-me na cozinha e sentaram-me, para ser interrogada. Já eram 2 da manhã. Como eu não compreendia indonésio, eles arranjaram-me um intérprete. Nessa noite, voltaram a mudar-me, para outra casa em Farol [RT Pan]. Prenderam-me na casa de banho…Deslocaram-me novamente para o porto de Díli por volta das 4 da madrugada. Lá, conheci RN e SN. Eles prenderam-nos aos três juntos. Fomos insultados por membros das A B R I, que nos disseram coisas vis. * Chiquito Guterres foi preso em 1996 e deslocado entre vários locais de detenção. Ele explicou: “As razões pelas quais me deslocavam…primeiro, porque não conseguiram reunir provas suficientemente claras para me levarem a tribunal e me julgarem; em segundo lugar, porque pensavam que no SGI Colmera, por serem mais duros, podiam torturar-me e obter provas concretas; em terceiro lugar, para que pudessem torturar-me mais violentamente e fazer com que eu dissesse os nomes de outros membros do movimento clandestino e de combatentes escondidos na floresta.” Estas razões — obter provas de envolvimento mais concretas e os nomes de outras pessoas relacionadas com a Resistência — também se aplicaram durante a década de 1970. [CAVR, Entrevista a Chiquito da Costa Guterres, Díli, 14 de Junho de 2004]. † Ver, por exemplo, Testemunhos da HRVD nº 0175; nº 0113; nº 3752; nº 4881; nº 3780; nº 5050. As Forças Armadas indonésias utilizaram presos para renovar o edifício da Comarca, no início de 1976. - 97 - Fui torturada o dia inteiro. Apesar de estar grávida, fui torturada o dia inteiro. Obrigaram-me a ficar nua, depois agarraram-me e queimaram-me. Enquanto estávamos nus, obrigaram-nos a ficar de pé em frente uns aos outros e olhámos uns para os outros e chorámos. Depois, eles tocaram na minha barriga e disseram que o meu filho era uma criança comunista. E, usando uma régua, deram pontadas nos órgãos genitais de RN e de SN. Depois, fui transferida para o Tropical e interrogada durante algumas 348 horas. Maria Olandina Isabel Caeiro Alves foi levada para Kupang (Timor Ocidental, Indonésia) a 19 de Dezembro de 1975, onde ficou presa até 3 de Março de 1979 numa casa que pertence aos militares, sob o controlo de um coronel indonésio, T225. Embora não estivesse restringida a uma cela, não podia sair da área em redor da casa. Martinho da Costa Jesus também foi preso em vários centros de detenção, antes de chegar à Comarca. Ele decidira permanecer em casa, em Aitarak Laran (Kampung Alor, Díli) durante a invasão, em vez de fugir com os seus vizinhos. Uma semana depois da invasão, um soldado das ABRI deteve Martinho da Costa Jesus e três companheiros seus — Sico Brito, Sung Hai e Francisco dos Santos, todos civis — e levou-os para um posto militar em Marconi (Kampung Alor, Díli). Martinho da Costa Jesus afirmou à Comissão: Quando lá chegámos, amarraram-nos os polegares e mandaram-nos ficar em pé, contra a parede. Assustaramnos, disparando tiros de aviso [para o ar]. Eles levaramnos para Farol, onde fomos presos separadamente. Um comandante, não sei o nome dele, pontapeou-me enquanto dizia que eu era comunista. A 16 de Dezembro de 1975, fomos levados para o porto de Díli, onde fomos despidos até ficarmos nus e nos ordenaram que nos deitássemos no chão. Depois, fomos atropelados várias vezes por motos; ainda consigo sentir a dor. No porto, vi T226, um membro destacado da Apodeti. Ficámos um dia e uma noite presos no porto e depois fomos levados para o Tropical. No dia seguinte, 17 de Dezembro de 1975, fui agredido por um coronel indonésio das ABRI, T227. Ele bateu-me na testa com um pedaço de madeira, fazendome sangrar. Ficámos quatro meses presos no Tropical e depois fomos levados para a prisão de Balide. Fiquei preso durante três anos e fui libertado em Agosto de 349 1978. Vítimas marcadas como alvos para prisão A investigação da Comissão indica que, nestes primeiros anos, os militares tinham uma estratégia clara de identificação e captura apenas de partidários da Fretilin e de membros da Resistência armada, as Falintil. Também prendeu quaisquer pessoas que suspeitava poderem fornecer informação sobre a Resistência, incluindo: - 98 - • Pessoas suspeitas de serem membros ou apoiantes da Fretilin ou de organizações relacionadas com o partido • Familiares de membros da Fretilin • Pessoas relacionadas com a antiga administração portuguesa • Membros da UDT que haviam sido presos pela Fretilin e eram tratados como suspeitos devido a esse contacto. Até as crianças pequenas eram interrogadas. Numa audiência pública da Comissão, Maria José Conceição Franco Pereira afirmou ter sido detida juntamente com a sua mãe por dois membros das ABRI, quando tinha quatro anos. Ambas ficaram presas entre 1976 e 1979. Maria José Pereira contou à Comissão como foi tratada em Sang Tai Hoo: A minha mãe foi detida com várias outras mulheres e os seus filhos em Becora [Díli] porque o meu irmão mais velho era membro da Fretilin e toda a minha família fugira para a floresta, excepto a minha mãe, que era enfermeira. A minha mãe e eu fomos levadas para Sang Tai Hoo…Nessa mesma noite, a minha mãe foi interrogada. Ela foi esbofeteada, chicoteada, cuspiram-lhe em cima, deram-lhe choques eléctricos e ameaçaram-na com uma pistola. Tudo o que eu podia fazer era assistir… No dia seguinte, as ABRI detiveram um homem que era muito velho e o filho dele, que devia ter mais dois ou três anos do que eu. As ABRI começaram a interrogá-los, mas o velho ficava calado. Então, o filho dele respondeu, porque sabia que a Fretilin usara armas em Marabia [Lahane, Díli]…Depois disso, as ABRI disseram que as crianças não mentiam e começaram a torturar-me. A minha mãe gritava sempre que me torturavam e pedia para a torturarem a ela…Uma vez, um soldado levantoume pela ponta das orelhas e pôs-me do lado de fora da janela [do primeiro andar], segurando-me por cima da rua 350 que passava lá em baixo. Em alguns casos, a razão para a detenção não era clara, nem para a vítima. Daniel da Costa Oliveira disse à Comissão ter sido detido por um intérprete indonésio, T228 e por dois membros do Koramil a 26 de Fevereiro de 1976. Detiveram-no em sua casa, mas não lhe disseram porquê. Os soldados levaram-no para a praia de Kampung Alor, depois para o porto, depois para 351 o edifício da Sota e, por último, para o Tropical, onde foi interrogado e espancado. - 99 - Fidelidade à Indonésia Muitos antigos presos afirmaram ter sido obrigados a fazer actos simbólicos, demonstrando fidelidade à Indonésia — o invasor que se estabeleceria pouco depois como potência ocupante do território — e rejeitando Portugal e a Fretilin. A Comissão recebeu depoimentos comprovativos referentes a todo o período de ocupação. Um método comum de exigir fidelidade era através de rituais com a bandeira nacional indonésia. Maria de Fátima descreveu como teve de beber água na qual fora mergulhada uma bandeira 352 indonésia. Outras pessoas eram amarradas a postes de bandeiras à frente de escritórios 353 governamentais ou de instalações militares. Filomeno Soares, que se atrasou a apresentar-se ao serviço como Ratih (rakyat terlatih, civil treinado) em Lequidoe, Aileu, foi obrigado a ficar em sentido perante a bandeira durante uma hora, mantendo-se durante esse tempo sobre apenas 354 uma perna. 355 Ter uma bandeira da Fretilin era causa suficiente para se ser duramente punido. António Alves foi detido com uma bandeira da Fretilin a 20 de Novembro de 1990, na sua casa em Luculai (Liquiça, Liquiça) e foi violentamente esmurrado, pontapeado e espancado até ficar inconsciente 356 no Koramil de Liquiça. Valente Martins foi espancado com um bastão de madeira embrulhado 357 numa bandeira da Fretilin por ser membro do partido, em 1991 em Manetu (Maubisse, Ainaro). Outros presos foram obrigados a desrespeitar as bandeiras de Portugal e/ou de Timor-Leste. Tal como já foi mencionado neste subcapítulo, Maria Olandina Isabel Caeiro Alves foi obrigada a sentar-se em cima da bandeira portuguesa e a pôr os pés em cima da bandeira da Fretilin 358 durante várias horas em Dezembro de 1975. Num outro caso, Almeida Seguera contou à Comissão como o seu irmão Dasbere, um membro da Fretilin, foi capturado em Maio de 976 pelo Batalhão 403 das ABRI no distrito de Ermera, tendo sido fotografado com uma bandeira 359 portuguesa antes de ser levado e morto, segundo dois TBO. Além da bandeira, o Hino da Fretilin Foho Ramelau (monte Ramelau) também era utilizado durante o interrogatório. Os presos relataram ter sido obrigados a cantar o hino aos seus 360 captores. Outros presos disseram terem sido forçados a ler o texto do Pancasila (um código indonésio de cinco princípios nacionalistas). Francisco da Conceição disse à Comissão que, caso se recusasse a ler o texto, seria mergulhado num tanque de água durante 30 minutos. Este 361 caso aconteceu em Maubisse (Ainaro), em 1991. Interrogatório, tortura e outras formas de tratamento cruel e desumano Os interrogatórios, que com frequência recorriam à tortura, eram realizados com o objectivo de apurar quais os pontos fortes e fracos da Resistência. Júlio Alfaro, um antigo sargento timorense do Exército português, foi interrogado sobre a Fretilin depois de ser detido pela Polícia Militar e pelos serviços de informação a 12 de Dezembro de 1975. Júlio Alfaro disse à Comissão que, depois de passar dois meses num edifício atrás do Tropical, foi transferido para uma cela de prisão solitária na Comarca, de onde era retirado apenas para ser interrogado. Disse ter sido questionado não só sobre a sua relação com a Fretilin e se era ou não um comandante militar, mas também sobre as capacidades militares da Fretilin: Outro objectivo deles era saber a dimensão da capacidade militar de Timor-Leste, em termos de armas, pessoal e apoio logístico. Até me perguntaram durante quanto tempo a Fretilin poderia sobreviver na floresta. Eu respondi que a Fretilin poderia durar pelo menos dez anos. Não fui torturado durante o interrogatório, mas voltavam sempre a pôr-me na cela especial, a “Cela Maubutar”. Não me davam de comer depois de me interrogarem e eu dormia 362 sobre o chão de cimento. - 100 - Os presos da Fretilin sofreram tortura e outras formas de tratamento cruel desde o início da ocupação. Contudo, tal como afirmou Júlio Alfaro, as manifestações de tortura e maus-tratos não eram uniformes. As formas de tortura registadas nos depoimentos das vítimas deste período inicial repetiram-se ao longo da ocupação. Os métodos incluíam: • espancamentos com os punhos, armas, pedaços de madeira, barras de metal ou outros objectos pesados • pontapés, frequentemente com botas militares pesadas • choques eléctricos • queimar a carne da vítima com um cigarro aceso • colocar os dedos dos pés da vítima sob as pernas de uma mesa ou cadeira e depois fazer com que uma ou mais pessoas se sentassem na mesa ou cadeira para esmagar os dedos • ameaçar a vítima com uma faca ou com uma arma • utilizar água de várias maneiras — entornando água muito fria ou muito quente sobre a vítima, ou mergulhando a vítima num tanque de água durante um determinado período de tempo. Os prisioneiros também eram mantidos em condições desumanas: muitos relataram terem sido despidos e ficado nus durante semanas; outros disseram ter-lhes sido negada alimentação e bebida. - 101 - Interrogatórios em Díli FN era membro do grupo estudantil da Fretilin, a Unetim (União Nacional dos Estudantes de Timor), que realizava actividades em Baucau e em Aileu, e posteriormente, membro do grupo de mulheres da Fretilin, a OPMT (Organização Popular das Mulheres de Timor) em Díli. Em Janeiro de 1976 — tinha FN cerca de 16 anos — a sua amiga Filomena Aniceto foi a sua casa e disselhe que os militares indonésios tinham chamado ambas a Sang Tai Hoo para serem interrogadas. FN disse à Comissão: Filomena e eu sentamo-nos juntas e ouvimos as perguntas que a intérprete, T229, uma mulher timorense, nos fazia. O soldado perguntou: “Vocês são estudantes da Unetim? Digam-nos quais as actividades ou a missão realizadas pela Unetim até agora porque nós descobrimos que vocês as duas estiveram em Aileu (Aisirimou) [onde se situava a base da Fretilin durante o conflito interno]. Vocês viveram lá como animais – é verdade, ou não?” Ambas respondemos que não era verdade, mas eles continuaram a interrogar-nos e a distorcer as nossas palavras…até à noite. Depois [do interrogatório] eles obrigaram a minha amiga Filomena Aniceto a ficar em Sang Tai Hoo, mas mandaram-me ir para casa. No dia seguinte, fui novamente chamada para ser interrogada…Disseram-me que os meus companheiros, que tinham sido interrogados antes de mim, [os estudantes da Unetim de Aileu] tinham todos feito as mesmas coisas em Aileu. Que vivíamos lá como animais. Eles aproximaram-se de mim e começaram a apalpar-me, dos pés à cabeça. O meu corpo estava frio, como um cadáver, mas, no meu coração, eu rezava para que a Mãe Maria me protegesse de tudo o que eles fizessem. Eu gritava e chorava, mas isso só fez com que eles ficassem zangados e me chamassem cadela. Eles puxaram-me o cabelo e disseram: “Agora tenta convencer os líderes da Unetim e da Fretilin a virem salvar-te.” Eles interrogaram-me, distorcendo as minhas palavras, até à noite. No quinto [dia de] interrogatório, numa segunda-feira, os soldados foram a minha casa num camião grande…Todos viram o camião militar parado em frente de minha casa. Eu não fiquei surpreendida…mas os meus pais ficaram preocupados por eu ser repetidamente levada para ser interrogada. Desta vez, a minha mãe veio comigo. Eles levaram-me para o Tropical, mas quando lá chegámos, não deixaram a minha mãe entrar…Enquanto eu subia as escadas, reuniram-se soldados em meu redor e empurraram-me, encostando uma espingarda às minhas costas. Eles gritaram para que eu me mexesse depressa. Havia muitos outros prisioneiros lá. O meu interrogatório foi realizado por um soldado indonésio, T230, e por um intérprete indonésio, T231. Ele perguntou-me: “Quando é que as forças internacionais chegam a Timor-Leste para enfrentar as tropas indonésias?” Eles usavam estas palavras e acusações para tentar provocar discussões com as pessoas que estavam a interrogar. Por isso, acusaram-me de ter sido obrigada a juntarme à Unetim e à Fretilin. Depois, lavaram a bandeira vermelha e branca [indonésia] e mandaram-me beber a água. Taparam a minha cara com um pano preto, puseram-me um capacete na cabeça e bateram-me com um pedaço de madeira, do género que os polícias costumam utilizar. Bateram-me até desmaiar…Tiraram-me o capacete e o pano preto e depois bateram-me na cabeça com a ponta da madeira até eu estar ferida e a sangrar. Depois de os interrogatórios terminarem, FN e Filomena foram mandadas trabalhar na casa do comandante-em-chefe todos os dias, para tratarem das flores. Um camião militar ia buscá-las todas as manhãs, até que, segundo FN, acabaram por se esquecer delas. FN descreveu o impacto que o seu contacto com militares teve na sua vida: - 102 - Começaram a circular boatos sobre nós. Alguns companheiros nossos suspeitavam que tivéssemos tido relações sexuais com os soldados das ABRI e disseram-nos que as nossas vidas eram como batatas podres [fehuk ropa dodok]. Esse boato surgiu porque nós éramos sempre deslocadas para locais diferentes para sermos interrogadas. Isso aconteceu porque nos mandaram ir a casa do comandante-em-chefe [a casa do brigadeiro Dading Kalbuadi] em Farol para plantarmos flores em vasos. Todos os dias um carro militar ia buscar-nos para nos levar a 363 casa dele para tratarmos das flores. Ocupação de outras áreas Depois da captura das cidades de Díli, a 7 de Dezembro, e de Baucau, dois dias depois, as forças indonésias deslocaram-se, quase em simultâneo, através das regiões central, ocidental e oriental. Em Junho de 1976, a Indonésia controlava a maioria das cidades e estradas (ver Capítulo 3: História do Conflito, secção sobre a Operação Seroja, 1976/1979). Tal como na invasão a Díli, os combatentes eram presos quando eram apanhados ou quando se rendiam às forças invasoras. Salvador Martins disse à Comissão: Em 1975, fui capturado, juntamente com dois companheiros [José Guterres e Francisco, ambos membros da Fretilin/Falintil] pelas ABRI em Fatubesi [Hatulia, Ermera]. Fomos punidos, sendo obrigados a escavar o solo e a cortar e transportar madeira para construir o posto das ABRI. Quando fomos capturados, tínhamos armas como G3, metralhadoras e Mauser. As ABRI levaram-nas e entregaram-nas no quartel-general militar em Ermera. Ficámos um mês presos em Fatubesi e depois fomos levados para o quartel-general de Ermera, onde permanecemos um mês…depois, fomos para casa, 364 ao encontro das nossas famílias. Tal como sucedera em Díli, a maioria da população fugiu quando soube que as forças indonésias estavam a aproximar-se. Segundo as informações recebidas pela Comissão, foram feitas detenções em massa nos poucos locais de onde a população não conseguiu fugir a tempo. João Freitas da Silva descreveu aquilo que viu quando as ABRI entraram no bairro de KaibutiMaimi (Ossorua, Ossu, Viqueque): Em Janeiro de 1976, as ABRI atacaram e entraram na cidade de Ossu. Eu vivia em Kaibuti-Maimi, em Ossurua. Como tive medo, fugi com a minha família para Ahabu, no suco de Uaibubo [Ossu, Viqueque]. Em Fevereiro, as ABRI atacaram-nos (e a outros civis) e eu, Gilberto, e um companheiro fugimos, escondemo-nos e vimos o que se passou. [Nós vimos] muitas pessoas serem detidas, incluindo Francisco da Silva, que os soldados levaram, para que ele transportasse as coisas deles…As A B R I também queimaram as casas das pessoas e roubaram-lhes os 365 animais. Por exemplo, José Freitas disse à Comissão que ele e 166 outras pessoas foram presas em Maubisse (Hatu-Builico, Ainaro) durante dois dias pelo Batalhão 405, depois de os militares 366 entrarem na cidade em Dezembro de 1975. Do mesmo modo, um homem timorense afirmou à - 103 - Comissão que era oficial de segurança da aldeia e dava víveres às Falintil quando as ABRI atacaram Lequidoe (Aileu). Cerca de 190 pessoas, incluindo a sua família, foram capturadas e levadas para uma casa particular na vila de Aileu, onde foram torturadas por timorenses 367 desconhecidos. Os civis também eram presos. Os casos relatados à Comissão indicam que muitas pessoas eram presas de maneira aleatória enquanto os militares tentavam separar membros da Fretilin da população em geral. Os padrões de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos dos presos eram semelhantes aos verificados em Díli: as pessoas eram presas em vários edifícios ocupados * pelos militares, onde eram interrogadas e frequentemente torturadas. Seguem-se dois exemplos de prisão de pessoas: Um homem timorense foi detido com a sua família quando os militares, incluindo Partidários, entraram no seu suco, em Viqueque em 1976. Eles foram postos numa cela na cidade e interrogados. Ele disse à Comissão não ter sido espancado, mas que outros presos da sua cela 368 foram espancados violentamente. GN descreveu como os militares entraram de rompante no quartel-general da OPMT em Aileu, a base da Fretilin durante o conflito interno armado, quando invadiram a cidade em 1975 e detiveram as mulheres que lá trabalhavam. As mulheres foram pontapeadas e espancadas com armas quando foram detidas e depois presas na Caserna (casernas militares portuguesas) de Aileu, onde permaneceram três meses. Ela e outras mulheres foram violadas sexualmente sob 369 ameaça de morte. Divisões comunitárias Os membros do partido UDT e do partido Apodeti desempenharam um papel fundamental na identificação de membros da Fretilin aos militares. No distrito de Ainaro, por exemplo, José da Costa disse à Comissão que membros das ABRI e quatro membros da UDT detiveram o seu tio, Mau-Kei, em 1976, juntamente com Abak, Manuel Araújo, Bento e José Mau-Kiak, em Akadiroto, no suco de Suro-Kraik (Ainaro, Ainaro), por terem sido todos identificados como membros da 370 Fretilin. Albino do Carmo Pereira disse que, em Julho de 1976, ele, Alfredo Bianco e Domingos Maumera foram obrigados a trabalharem como assistentes de cozinha do Batalhão 327, no posto de Mau Mali Lau, no suco de Soru Lau (Ainaro, Ainaro), por T232, que era liurai em Cassa (Ainaro) e comandante da Apodeti, e pelo seu filho T233. Para se salvarem, eles 371 fizeram esse trabalho durante seis meses. Bemvinda Belo disse à Comissão: * Domingos dos Reis disse à Comissão que ele e a sua família foram presos num edifício junto à estrada principal do seu suco, Caicasa Hoo (Bucoli, Baucau), durante quatro dias depois de terem sido detidos pelos pára-quedistas indonésios que aterraram no seu suco a 10 de Dezembro de 1975. Abrão da Costa Freitas disse ter sido detido a 18 de Dezembro de 1975, depois de os fuzileiros invadirem a cidade de Baucau, e preso no posto dos fuzileiros em Uma Lima (cidade de Baucau, Baucau) durante oito horas, onde foi interrogado, espancado e pontapeado. [Testemunhos nº 8040 e nº 7680 da HRVD]. - 104 - Em Janeiro de 1976, depois de nos rendermos, o meu marido, Cipriano Magno Ximenes foi detido por três [pessoas] da Apodeti, sob ordens de T234. Depois da detenção, ele foi entregue aos fuzileiros indonésios e preso durante vários dias. Passados dois dias, a minha filha Ana e eu juntámo-nos a ele na prisão, juntamente com uma pessoa chinesa. Na prisão, fomos espancadas com um pedaço de madeira por T235 e T236, as mulheres dos líderes do partido UDT. Cinco dias depois, Cipriano [o 372 meu marido] foi torturado até à morte. Luís Pereira, do subdistrito de Laclubar (Manatuto), disse que era membro da UDT em 1976. Luís Pereira deixou Laclubar para ir ao encontro das forças indonésias que estavam a entrar em Manatuto vindas de Baucau e rendeu-se a elas em Setembro de 1976. Luís Pereira perguntou às ABRI se iriam a Laclubar para proteger membros da UDT da Fretilin, porque tinha a certeza de que a Fretilin ia sair da sua base em Aileu para matar apoiantes da UDT e da Apodeti. Luís Pereira disse que os militares só detiveram as pessoas armadas quando entraram em Laclubar e 373 que os soldados foram amigáveis para a comunidade. Porém, em breve começaram a marcar civis como alvos. Prisões fora de Díli Algumas das pessoas que foram presas noutras áreas foram enviadas para Díli para serem submetidas a mais interrogatórios porque, nessa altura, o dispositivo dos serviços de informação 374 estava sediado na capital. Marcus Ais, por exemplo, foi levado de Oecusse para a Comarca de Díli. Marcus Ais e outros apoiantes da Fretilin, incluindo o líder da Fretilin Alfredo Ramos, * foram detidos pelas tropas das Kopassandha , quando estas chegaram a Oecusse. Os prisioneiros ficaram primeiro na Companhia Oecusse (que viria a ser o Kodim de Oecusse) antes de serem transferidos para Díli. Marcus Ais disse ter sido torturado em ambos os locais, em 375 Oecusse pelas Boinas Vermelhas e em Balide por quatro Partidários. Outras pessoas foram presas nos vários centros de detenção informais criados quando os militares chegavam a uma área, ou em postos de comando militares. A caixa abaixo refere um estudo de caso de centros de detenção criados no subdistrito de Baucau (Baucau), o centro da região oriental. * As Kopassandha (acrónimo de Komando Pasukan Sandi Yudha ) eram as Forças Especiais indonésias. Tinham ramos de serviços de informação e de combate. Também eram conhecidas pela alcunha “Boinas Vermelhas”, devido às boinas vermelhas dos soldados. - 105 - Estudo de caso: centros de detenção na cidade de Baucau 376 Desde que entraram em Baucau, a 9 de Dezembro de 1975, os militares indonésios apropriaram-se de vários edifícios que se tornaram infames como centros de detenção e tortura. Os presos eram frequentemente deslocados de um centro para outro. Por exemplo, quando os interrogadores de um centro ficavam frustrados com as respostas dos presos, enviavam-nos frequentemente para outros centros. A Comissão concluiu, com base em entrevistas por si realizadas, que o período de interrogatório e tortura mais brutal em Baucau ocorreu entre 1975 e 1980. Os centros de detenção e tortura utilizados neste período e, por vezes, em anos posteriores, incluíam: Hotel Flamboyan O hotel de Bahu, Cidade Velha de Baucau é um complexo com três edifícios. Construído sobre solo sagrado durante a ocupação portuguesa, foi comprado em 1959 ao dono do terreno, Venâncio Boavida, por um empresário português, José Ricardo, por cerca de US$100.000. Em 1960, José Ricardo construiu uma fábrica de sabão e o Hotel Baucau no terreno. O hotel mudou várias vezes de proprietário antes da ocupação indonésia. No dia que em as ABRI invadiram Baucau, apropriaram-se do hotel e passaram a utilizá-lo como casernas militares, mudando-lhe o nome para Hotel Flamboyan, em homenagem à recém-terminada Campanha Militar Flamboyan. As ABRI transformaram a fábrica de sabão num depósito de munições e numa prisão que alojava cerca de 80 prisioneiros, incluindo mulheres grávidas e crianças, desde 1975 a 1979. Muitos prisioneiros desapareceram do Flamboyan, sobretudo em 1975/1976. As ABRI utilizavam a piscina situada junto à fábrica de sabão para mergulhar os prisioneiros. Eram utilizadas diferentes formas de tortura com água. A prisão foi transferida para Rumah Merah (Casa Vermelha) em 1989, mas as ABRI continuaram a utilizar o hotel como casernas até 1999, para alojar familiares de membros das forças militares e convidados que visitavam Baucau, e como 377 local para acontecimentos oficiais. Comando Militar Distrital (Kodim) 1628/ Comando Militar Subdistrital (Koramil) 1628-01 As ABRI ocuparam o quartel-general português depois da invasão para servir de instalações ao Comando Militar Distrital 1628 (Kodim) e ao Comando Militar Subdistrital 1628-01 (Koramil) e utilizaram os edifícios até a Indonésia deixar o território. Ao longo do período de ocupação, as duas estruturas de comando tinham câmaras de interrogatório e de tortura separadas e utilizavam edifícios separados para prender as pessoas. Uma Lima (tétum: Cinco Casas) Em 1976, as ABRI aumentaram o número de centros de detenção, que passaram a incluir Uma Lima: as ABRI utilizaram estas cinco casas como dormitórios dos soldados e como locais de prisão, interrogatório e tortura (incluindo violação sexual) de prisioneiros. Em 1989, o Conselho Nacional de Planeamento Familiar Indonésio ocupou temporariamente a casa do meio. As ABRI mantiveram as restantes quatro casas como dormitórios e câmaras de interrogatório até abandonarem Uma Lima, em 1999. Rumah Merah (indonésio: Casa Vermelha) - 106 - Rumah Merah deve ter recebido esse nome devido às boinas vermelhas dos membros da Unidade de Forças Especiais (Kopassandha), que construíram a casa num terreno desocupado em 1977, sem autorização do seu dono, Joaquim Belo, e sem lhe darem qualquer tipo de retribuição. O Batalhão 330, Bukit Barisan, de Sumatra ocupou Rumah Merah como dormitório e centro de detenção entre 1979 e 1999. De todos os centros de detenção, Rumah Merah era o mais temido no que dizia respeito a violação sexual, tortura e desaparecimentos, sendo apenas suplantado pelas casernas da RTP (ver abaixo). Ser-se enviado para Rumah Merah significava ficar sujeito à Unidade de Forças Especiais, famosa pela sua crueldade, durante o período de prisão. Clube Municipal (português) A administração colonial portuguesa construiu o Clube Municipal para servir de local para encontros desportivos e eventos importantes como as comemorações de Ano Novo. As forças militares indonésias utilizaram o Clube Municipal como centro de detenção para prender os timorenses que se rendiam. As ABRI, que ocuparam este edifício desde que entraram em Baucau até à década de 1980, atribuíram-no não só a membros da Unidade de Forças Especiais, como também aos comandos militares distritais e subdistritais e à Defesa Civil. RTP-12, -15 e –18 (Resimen Tim Pertempuran, Regimentos de Equipas de Combate) As RTP-12, RTP-15, e RTP-18 eram casernas portuguesas que os soldados das ABRI ocuparam quando chegaram a Baucau para lá instalarem as suas unidades de combate. A RTP-12 ficava em Buruma, a RTP-15 em Teulale e a RTP-18 na Cidade Nova de Baucau. As ABRI utilizaram os edifícios como casernas e como locais de detenção, de interrogatório e de tortura. Estes três centros de detenção tiveram a fama de serem os piores centros de detenção e de interrogatório de Baucau até a Indonésia deixar o território em 1999 — apesar da rotatividade dos funcionários das ABRI. Estes locais eram temidos devido à brutalidade com os presos eram tratados, sobretudo entre 1975 e 1979. Os presos acreditavam que, ao serem transferidos para um local das RTP, se encontravam na fase final do interrogatório e estavam prestes a morrer. O Batalhão de Infantaria 745 (Lospalos, Lautém) e a Artilharia de Campo 13 estavam ambos imputados à RTP-12. A RTP-15 e a RTP-18 eram vigiadas unicamente por membros da Artilharia de Campo 13. A Armada 13 era de Sukabumi, Java Ocidental, e servia na área de Quelicai, sob o comando da RTP-18. Um dos oficiais da Armada 13 era o primeiro-tenente indonésio T237, que era um interrogador temido. Em 1979, ele enviou 16 presos da RTP-18 para a caverna de Lacudala em Quelicai (Baucau), onde se juntaram a presos de Lautém e de Viqueque, antes de ser ordenado o seu massacre. Tal como se refere acima, muita da população fugira para o interior à medida que os militares se aproximavam, tendo assim evitado a detenção imediata. Porém, nos dias e semanas que se seguiram à invasão militar, as pessoas começaram a voltar para as suas habitações para procurarem víveres e eram detidas ao serem apanhadas. Por exemplo, Sahe-Dara disse à Comissão: - 107 - Em 1976, as tropas indonésias entraram em Uatu-Lari [Viqueque]. Eu e alguns companheiros, incluindo Verónica, Maria Lopes, Ereleto, Palmira, Pedro, Acácio, Ventura e Bobu fomos levados para a floresta em redor de Mau Boru-Babulu [Uatu-Lari, Viqueque] por tropas das Falintil. Ficámos lá três semanas…Depois, acabou-se a comida, por isso tivemos de ir procurar alimentos em redor de Boru-Lalu. Dois soldados das Falintil, o meu irmão mais velho, Manuel, e o seu amigo, Luís, vigiaram-nos e passámos a noite lá. Mas por volta da meia-noite fomos capturados pelas ABRI e por três membros da Hansip, [o comandante] T238 e [os seus homens] T239 e T240. Manuel e Luís foram imediatamente amarrados e [fomos 378 todos] levados para Uatu-Lari. Sahe-Dara explicou que Manuel e Luís foram levados por membros da Hansip e nunca mais regressaram. O resto do grupo ficou uma semana preso em Uatu-Lari (Viqueque). Um dia, o comandante da Hansip, Hermenegildo, ordenou a Sahe-Dara que escrevesse uma carta a Xanana Gusmão — que se encontrava na floresta — mas ele voltou para trás antes de a entregar e depois foi preso em Uatu-Lari, onde permaneceu nove meses. As pessoas que foram detidas com ele foram levadas para Beaço: quatro morreram e as outras ficaram presas durante nove meses. Garantindo a posse do território: 1976/1979 Em Julho de 1976, Timor-Leste era declarado incorporado na Indonésia (ver Capítulo 3: História do Conflito), o que levou a alterações nas estruturas de segurança e nos padrões de prisão e interrogatório. Essas alterações incluíram: • O posicionamento da Polícia Militar em Díli e nas principais cidades; começaram a * desempenhar um papel na criação de centros de detenção • A criação de postos de comando militares territoriais ao nível distrital (Komando Distrik Militer, referido no presente relatório como Kodim) e subdistrital (Komando Rayon Militer, † referido no presente relatório como Koramil) • A criação de esquadras de polícia provinciais, distritais e subdistritais. A partir desta altura, os presos provenientes das áreas regionais passaram a ser deslocados para Díli com menos frequência, sendo presos em Kodim e Koramil locais. As unidades territoriais dirigiram a sua atenção para a captura de combatentes da Resistência e a identificação de membros das redes clandestinas dentro das áreas que controlavam. O movimento clandestino começou a desenvolver-se assim que a Fretilin se deslocou para o interior, depois da invasão indonésia, a 7 de Dezembro de 1975. Organizados em pequenos grupos, os apoiantes da Resistência ajudaram os guerrilheiros das montanhas, fornecendo-lhes víveres, medicamentos, vestuário e informações sobre a situação em Díli. Estes grupos pequenos desenvolveram-se de forma espontânea, sem uma estratégia comum, trabalhavam independentemente e faziam os seus próprios contactos com os comandantes das Falintil nas 379 montanhas. Estas redes fortaleceram-se após a queda das “zonas libertadas” em 1978/1979. * Por exemplo, a Polícia militar estava encarregue da Comarca de Balide (Díli). Estes postos de comando militares eram controlados pelo Comando Militar Sub-regional de Timor-Leste ( Komando Resort Militer) 164 Wira Dharma, sediado em Díli. † - 108 - Korem, As operações de combate continuavam à medida que os militares indonésios avançavam para áreas controladas pela Fretilin. Os combatentes e civis capturados nestas operações eram frequentemente presos e interrogados. As redes de serviços de informação existentes em todas as comunidades — que chegavam ao nível dos bairros — ajudavam os militares indonésios. Isto levou à captura de membros da Resistência armada que não se tinham rendido e de civis que já viviam sob o controlo indonésio e estavam de algum modo ligados à Resistência. Desenvolvimento das redes de serviços de informação Das detenções relatadas à Comissão, as ocorridas desde meados de 1976, depois de o período inicial de caos e deslocação em massa acalmar, parecem ser mais dirigidas a alvos específicos. Isso deve-se provavelmente a uma rede complexa de informadores de serviços de informação que os militares indonésios estabeleceram a vários níveis, incluindo ao nível comunitário. As secções de serviços de informação dos Kodim e Koramil reuniam informações sobre membros de partidos políticos que se opunham à Fretilin. Várias pessoas contribuíam para o processo de recolha de informação, nomeadamente timorenses recrutados em massa para a Hansip, para as forças militares ou como TBO, civis que se renderam e foram presos e interrogados sobre o tempo que passaram na floresta com a Fretilin e redes de serviços de informação comunitárias, às quais se podia fazer queixa de vizinhos suspeitos de fazerem trabalho clandestino. Estes métodos criaram um ambiente de suspeita e aumentaram as divisões a nível comunitário. Por exemplo, Palmira da Costa de Ornai, de Díli, disse à Comissão: Em Agosto de 1976, os meus vizinhos, chamados T241 e T242, disseram às ABRI que o meu enteado, Horácio Faria, tinha ajudado as Falintil na floresta. Então o meu enteado foi detido e levado para a prisão de Balide. Quando eles chegaram, Horácio foi torturado, tendo sido espancado e electrocutado. Horácio ficou apenas alguns meses preso em Balide. Quando foi libertado, estava doente e acabou por morrer devido aos ferimentos que 380 sofreu enquanto esteve preso em Balide. Segundo o depoimento de Luís Vasconselos Babo, a 5 de Maio de 1976, o informador militar timorense T243 e o civil timorense T244 deram informações falsas sobre o seu pai ao Batalhão de Infantaria (Batalyon Infantri, Yonif) 512. Os militares detiveram Luís e a sua família a 6 de Maio de 1976 e prenderam-nos no posto do Batalhão de Infantaria 512, na cidade de Ermera: As [ABRI] capturaram a maior parte da minha família, o meu pai e vários parentes meus, José Ricardo, José Ximenes, Mário Babo, Abel Babo, Rogério Babo, Rosalina Babo e Rosa Madeira. Fomos todos presos e interrogados sobre o partido a que nos juntáramos. Depois do interrogatório, mandaram-nos voltar para casa, excepto ao meu pai, José Babo, e a Rosalina Babo, que foram levados para o Kodim de Ermera. Ficaram ambos presos uma noite. [De manhã] a minha mãe foi mandada para casa e o meu pai, José Babo, ficou no Kodim de Ermera. Ele foi despido, ficando apenas com a roupa interior e foi 381 espancado, até ficar negro e azul. No dia a seguir à libertação de Luís Vasconselos Babo, um membro da Hansip T799 voltou a detê-lo e levou-o para o Kodim de Ermera para enfrentar T245, o chefe dos serviços de informação indonésio, e o comandante indonésio do Kodim, T246. Luís Babo disse à Comissão ter sido espancado, pisado e estrangulado e depois preso durante três anos no Kodim. O seu pai, José Babo, foi levado para Titlala, no suco de Poetete (Ermera) e morto por um membro - 109 - timorense dos serviços de informação , T247, em frente aos Hansip T248, T249, T250, T251, 382 T252, T253, T254 e T255. Prisão de combatentes da Resistência 383 Os alvos principais dos militares eram, obviamente, os combatentes das Falintil. Não era invulgar que várias instituições diferentes trabalhassem juntas para deter essas pessoas. Daniel da Silva era um membro das Falintil sob o comando de Américo Ximenes (Sabica) e de Jacob Reis (Daya) e disse à Comissão que ele e dois outros membros das Falintil, Alberto Naha Loi e Rodolfo Riba Naha, foram detidos em 1977 graças aos esforços combinados de: • Batalhão de Infantaria 408 • Membros do Kodim de Viqueque 1630 e o comandante timorense T255 • T256, um comandante militar timorense de Uatu-Lari • T257, um Hansip • T258 e T259, ambos civis. Os presos foram levados para o Kodim de Viqueque 1630, com as mãos amarradas atrás das costas, enquanto o Comandante T255, o Comandante T256 e T260 confiscavam o gado e os cavalos de Daniel da Silva. Daniel da Silva disse à Comissão como os prisioneiros eram interrogados: Depois de uma noite no Kodim de Viqueque 1630, por volta das 8 da manhã, fomos os três interrogados pelos membros das A B R I T261, T255, T256. Durante o interrogatório, T256 disse: "Vocês, enquanto tropas das Falintil, estão a criar o comunismo em Timor-Leste." Como estava emocionado, respondi-lhe que, enquanto membros das Falintil, não seguíamos o comunismo. Então, T256 despiu-me e T261 electrocutou-me. Fui posto numa cela e preso com outro prisioneiro, chamado Aníbal, que era um antigo administrador subdistrital de Uatu-Lari [durante a 384 época portuguesa]. Daniel da Silva e Aníbal ficaram cinco dias presos, findos os quais, o Batalhão de Infantaria 408 levou Aníbal de helicóptero para um local desconhecido. Daniel da Silva ficou seis meses preso 385 no quartel-general do Batalhão de Infantaria 408. Raul, um comandante das Falintil da região de Remexio (Aileu), disse à Comissão ter sido capturado por um indonésio e quatro membros timorenses do Koramil — T284, T262, T263, T264 e T265 — sob ordens do comandante indonésio do Koramil, o capitão T266, a 15 de Janeiro de 1979. Raul foi preso no edifício de Timor Klaran, na vila de Aileu. Quando chegou ao edifício, foi maltratado e torturado por um membro do Batalhão 14 dos Engenheiros de Combate (Zeni Tempur, Zipur), que lhe amarrou as mãos e as pernas, empurrando uma barra de ferro grande contra o seu peito, e depois o espancou e o electrocutou. Raul disse ter sido interrogado sobre os nomes dos comandantes das Fretilin/Falintil que se encontravam na floresta durante duas horas. Como não respondeu, o membro do Zipur misturou cinzas com fezes de pássaro e petróleo e colocou-lhe essa mistura na boca. Um membro do Zipur despiu Raul e depois pontapeou-o e esmurrou-o até lhe cair um dente. Depois, o membro do Zipur levou Raul para o exterior e colocou-o num tanque cheio de água. Pouco depois, outro membro do Zipur trouxe urina e mandou Raul bebê-la. Raul recusou-se a bebê-la inicialmente, mas fê-lo pouco depois porque já não aguentava o espancamento. Ao fim de nove dias de - 110 - prisão, Raul estava em tão mau estado que o administrador distrital (Bupati) de Aileu, Abel dos Santos Fátima, se encontrou com o comandante do Kodim para lhe pedir que libertasse Raul. 386 Raul disse ter sido libertado pouco depois dessa reunião. Prisão devido a participação num ataque das Falintil A Comissão recebeu informação sobre um pequeno número de casos de pessoas que foram presas por terem participado em ataques das Falintil a alvos militares. Em 1977, um administrador do subdistrito de Fatululik (Covalima), T267, chamou Pedro de Jesus ao seu escritório. Quando chegou, foi imediatamente espancado e interrogado por ter, supostamente, tentado cercar o Koramil e capturar armas. Pedro de Jesus disse à Comissão: [Ele] disse que eu era um tonto e pôs-me numa sala, onde me espancou com uma espingarda e me pisou o pé com as suas botas militares até a pele do meu pé estar toda cortada. [Eles disseram] “Admite, é ou não verdade que iam atacar o Koramil?” Mas eu respondi, “Sou um dato [membro da elite tradicional], mas sou apenas uma pessoa normal. Como é que eu poderia atacar o Koramil e confiscar armas?” Eu disse-lhe que era verdade que eu era um tonto Depois disso, fui mandado para casa, mas voltei na manhã seguinte, por causa de uma mensagem do admistrador do subdistrito para o escritório subdistrital e fui tratado da mesma maneira que no primeiro dia. Fui espancado e pontapeado até a minha cara estar inchada…Quando o administrador do subdistrito, T267, me espancou, o capitão da polícia do subdistrito e o comandante do Koramil ficaram sentados a olhar, sem 387 dizerem uma palavra. Num caso semelhante, membros das ABRI detiveram SN e a sua família em Julho de 1977, sob suspeita de terem informações sobre um ataque da Fretilin a um tanque do Exército no suco de Guruça (Quelicai, Baucau). Etelvina Ximenes descreveu o incidente: Por volta das 7 da tarde, oito membros das ABRI vieram a minha casa e capturaram o meu marido, Bale-Coo, e o meu pai, Naito. Eles foram levados para o posto 9 dos Fuzileiros [Pasukan Marinir, Pasmar] em Abafala [Quelicai, Baucau]. Lá, amarraram as mãos do meu pai e do meu marido atrás das costas. Eles foram espancados, pontapeados com botas militares e agredidos com a coronha de uma espingarda até de manhã. No dia seguinte, o meu marido e o meu pai foram levados para a base das ABRI em Laga [Baucau]. - 111 - Dois dias depois, três soldados e um TBO vieram determe, à minha irmã Nacorica, aos meus dois filhos, Co`o Kita e Dara Co`o, e ao meu sobrinho Evaristo. Também fomos levados para o posto Pasmar 9 em Abafala. Fomos todos amarrados e…despiram-nos. De tarde, depois do interrogatório, fomos levados para o quartel-general do Pasmar 9, instalado na SDN I [a escola primária], em Soba [Laga, Baucau]. Fomos interrogados assim que chegámos. Electrocutaram-me, despiram-me até ficar nua e queimaram os meus órgãos genitais com um isqueiro a gás. Fui assim tratada devido a ordens do Comandante do Pasmar 9, T268. Fiquei uma semana presa no quartelgeneral do Pasmar 9. Quando fui libertada, foi-me exigido 388 que me apresentasse lá durante seis meses. - 112 - Libertados, mas não livres Mesmo quando libertavam presos políticos dos centros de detenção, os militares indonésios tinham várias estratégias para lhes vigiarem os movimentos após a libertação. Entre estas estratégias incluíam-se as seguintes: “Prisão externa” Alguns presos eram libertados da prisão formal, mas apenas para integrarem um regime conhecido como “prisão externa” (tahanan luar). Estes presos tinham autorização para viver em casa, mas continuavam sob o controlo dos seus captores. Alguns tinham de fazer trabalhos forçados e outros tinham de se apresentar regularmente. Seguem-se alguns exemplos: • Em 1979, um grupo de homens — Apolinário, Antero, João Brito, Filomeno, Januário Mendonça, Januário Cortereal, Orlando, Pedro, João da Silva, Marcos Lisboa e Mário Uca Bere — rendeu-se ao Batalhão de Infantaria Aerotransportada 700 na área de Bubulau (Same, Manufahi). O Batalhão de Infantaria Aerotransportada 700 entregou os dez homens a um grupo de Hansip. Os Hansip espancaram-nos violentamente e colocaram-nos sob o regime de “prisão externa”. Apolinário, José da Silva e Marcos Lisboa foram obrigados a 389 plantar uma horta e a construir uma casa para um dos membros da Hansip, T269. • Segundo Alcino dos Santos Vinhos, em 1980 os militares detiveram 14 pessoas em redor de Lospalos (Lautém) e prenderam-nas no Kodim de Lospalos durante nove meses. Depois de serem libertadas, essas pessoas passaram a ser “presos externos” e tiveram de 390 se apresentar três vezes por semana no Kodim durante três meses. • Em 1994, as milícias detiveram 16 pessoas em redor do suco de Babulu (Same, Manufahi). Elas foram interrogadas e torturadas pelas Kopassandha no quartel-general das Kopassandha em Same durante três dias, antes de serem libertadas como “presos externos” — estatuto esse que mantiveram durante três meses. Durante esse período, tiveram de transportar materiais de construção e de arranjar o relvado da casa tradicional. Obrigatoriedade de apresentação perante as autoridades A obrigatoriedade de apresentação (wajib lapor) perante as autoridades não se aplicava apenas a “presos externos”. Muitos presos políticos tinham de se apresentar com regularidade no seu Koramil ou Kodim local. A Comissão não conseguiu identificar qualquer coerência ou padrão bem definido na forma como este sistema era posto em prática. Alguns antigos presos só tinham de se apresentar uma vez por semana durante vários meses e outros todos os dias durante vários anos. Trabalho forçado Outra maneira de vigiar um antigo preso era utilizá-lo como mão-de-obra forçada. Milhares de jovens do sexo masculino foram obrigados a trabalhar como TBO, sobretudo em finais da década de 1970 e no início da década de 1980; outros foram recrutados como Hansip ou Ratih; muitos outros foram utilizados para construir estradas ou edifícios nos sucos, ou para tratar de * hortas. Recrutamento forçado * Por exemplo, Bernardino dos Reis ficou um ano preso depois de se render em Manufahi, em 1979, e depois foi forçado a ajudar a construir uma estrada que ligava Turiscai à fronteira de Turiscai, juntamente com 200 outros trabalhadores forçados [Testemunho nº 6626 da HRVD]. - 113 - Os militares também recrutavam à força vários presos em vez de os libertarem. A Comissão recebeu testemunhos que descrevem como os presos eram utilizados como T B O para 391 desempenhar tarefas para os militares indonésios, eram obrigados a acompanhar os militares e membros da Hansip até às montanhas para encontrarem pessoas que não se tinham 392 rendido ou eram transformados em informadores. Prisão de membros do movimento clandestino Segundo vários relatos recebidos pela Comissão, além de marcarem indivíduos da Resistência armada como alvos, os militares detinham e prendiam membros de redes clandestinas, ou pessoas residentes em áreas já controladas pela Indonésia, que ajudavam a Resistência 393 armada, disponibilizando-lhe víveres, medicamentos ou locais de esconderijo. Gervásio Yosep foi detido em 1977 pela seguinte razão: Fui capturado pelo chefe da associação de bairro [rukun tetangga, RT] T271 e por seis membros do Batalhão 511, por ter escondido as Falintil na minha casa, em Foholulik (Tilomar, Covalima). Depois de ser capturado, fui levado para o quartel-general do Batalhão 511 em Tilomar e fui imediatamente preso. Fui interrogado, espancado e agredido com um pedaço de madeira e pontapeado até estar ferido e a sangrar. Fui torturado durante 12 horas, desde as 2 da manhã até às 2 da tarde. Fui obrigado a comer e a beber remédios, mas recusei e eles mandaram394 me para casa. - 114 - O desmantelamento de uma rede clandestina António Júnior Caleres falou à Comissão sobre o seu papel numa rede clandestina sediada em Díli que ajudava a Resistência armada, com víveres, medicamentos, cartas e através de outros meios. António Caleres prestava esta assistência sobretudo através do seu trabalho num centro de saúde comunitário, mas também conseguia enviar medicamentos em maiores quantidades * graças ao seu trabalho com a Cruz Vermelha. Em Março de 1977, a Cruz Vermelha encarregouo de ir ao monte Kablaki, junto a Same, para dar medicamentos a milhares de pessoas que estavam a render-se aos militares indonésios. António Caleres tratou dos que estavam a renderse e precisavam de assistência médica, mas também conseguiu enviar duas caixas de medicamentos para as Falintil. Um mês depois, durante um trabalho semelhante em Suai, ele conseguiu enviar mais cinco caixas de medicamentos à Resistência. A rede acabou por ser exposta depois de os militares capturarem um combatente da Resistência que transportava documentos clandestinos, incluindo listas de nomes. As pessoas cujos nomes constavam das listas foram detidas e torturadas e referiram outras pessoas, que também foram detidas. Segundo António Caleres, cerca de 200 foram detidas e levadas para Sang Tai Hoo e para o Tropical. Contudo, nem todas essas pessoas faziam parte da rede: “Havia nomes que não constavam [da lista], mas como as pessoas foram espancadas e violentamente torturadas, começaram a dizer nomes ao acaso. Foi por isso que muitas pessoas que não faziam parte do movimento clandestino, que eram inocentes, foram capturadas.” A 16 de Julho de 1977, António Caleres foi detido e levado para Sang Tai Hoo: Mandaram-me entrar e despir-me até ficar apenas com a roupa interior. Depois, sentei-me durante alguns minutos até entrarem seis pessoas que me espancaram até eu ficar inconsciente. Quando acordei, estava numa sala e vi um homem chinês chamado Francisco Li e dois timorenses que eu não conhecia. Vi que as caras deles estavam inchadas. Passados três dias, fui chamado para ser interrogado e leram em voz alta um documento com as informações que já tinham conseguido apurar. Disseram que eu tinha entregado remédios. “Sim”, confessei, “Eu entreguei remédios para que os que estão na floresta estejam saudáveis e possam vir, porque vocês, soldados, deviam supostamente liderar-nos, mas são inúteis, só aqui vêm pela guerra.” Então, eles viraram a minha cadeira, pondo-me de pernas para o ar, e puseram dois cigarros Gudang Garam acesos nas minhas narinas. Ameaçaram-me com uma faca e disseram: “Tens de ser honesto e agora tens de cantar Foho Ramelau.” Fui obrigado a cantar Foho Ramelau, mas se inalasse o fumo dos cigarros, tossia. Quando ficaram fartos do interrogatório, agarram num capacete e cobriram a minha cabeça, depois bateram-me no corpo com as mãos. Quando já não aguentava mais, desmaiei. António Caleres explicou que, por vezes, os militares retiravam os prisioneiros do local onde se encontravam presos para os assustar. Como os prisioneiros políticos sabiam que muitas pessoas eram retiradas da prisão de noite e nunca mais voltavam, a experiência era particularmente traumática: * O Comité Internacional da Cruz Vermelha não se encontrava em Timor-Leste em 1977, por isso a Comissão presume que o informante trabalhasse com a Cruz Vermelha Indonésia. - 115 - Certa noite, fui levado para Tacitolu. Quando chegámos, saí do carro e andei. Eu fora levado para lá por quatro soldados, que me mandaram sentar-me porque iam descansar primeiro. Mas alguns minutos mais tarde, um deles aproximou-se de mim, tapou-me os olhos com um pano preto e disse-me para rezar. Eu rezei e esperei que me dessem um tiro. Mas não deram. Esperei assim durante duas horas e depois fiquei com sono. Havia mosquitos por toda a parte. Eles voltaram e mandaram-me andar e [disseram-me] que ainda tinham piedade. Voltámos para Sang Tai Hoo de carro e chegámos às 4 da manhã. Também aconteceu um episódio parecido com este quando fui levado para a Areia Branca e me mandaram sentar na praia. Taparam-me os olhos e despiram-me e fiquei lá sentado duas horas, até que me mandaram voltar para o carro. Eles deixavam-me sozinho, talvez para me testarem. Se eu fugisse, podiam ter-me morto a 395 tiro. Faustino Amaral disse à Comissão ter começado a fazer trabalho clandestino em Setembro de 1977, apesar de ser membro das ABRI na altura. Um dia, o comandante do Koramil de Tutuala [Lautém], Deni Rohani, encontrou documentos secretos numa caverna chamada Oi [Mehara, Tutuala, Lautém]. Através deles, Deni Rohani descobriu o meu envolvimento com as organizações clandestinas. Alguns dias mais tarde, fui chamado ao encontro do tenente-coronel Fransiskus Sumaryono, no Kodim de Lautém. Depois de me encontrar com ele, mandaram-me ir para o Korem [em Díli], ao encontro de [o coronel] Sahala Rajagukguk. Fui imediatamente apanhado por um jipe e levado para a Prisão de Balide. Dois membros do Korem despiram-me, até eu estar apenas com a roupa interior, e puseram-me numa cela escura durante uma semana. Fui interrogado e torturado na cela escura. Puseram-me os dedos dos pés debaixo da pena de uma cadeira e fui ameaçado por dois membros das ABRI, um indonésio, T272, e um outro (nome desconhecido), enquanto me apontavam uma 396 baioneta. Certo dia, um prisioneiro chamado Alexandre fugiu da prisão da Comarca de Balide, em Díli. Devido a essa ocorrência, Faustino Amaral e 300 outros prisioneiros foram espancados por um militar das forças indonésias, T273 Os prisioneiros foram mandados reunir-se no campo de 397 voleibol no interior da prisão e correr em redor deste. António Vieira disse à Comissão ter sido detido a 3 de Julho de 1977 por um membro timorense da Intel, T274, à existência de informações segundo as quais ele ajudava a Fretilin na floresta. António Vieira foi levado para Sang Tai Hoo num táxi: - 116 - A razão para a minha captura foi alguém, não sei quem, ter dado informações segundo as quais eu ajudava frequentemente a Fretilin na floresta. Depois de chegar a Sang Tai Hoo, fui interrogado por um comandante [das Kopassandha] enquanto era torturado. A tortura incluiu: os dedos dos meus pés foram presos debaixo de uma cadeira e dois membros das [Kopassandha] sentaram-se em cima dela, a minha cabeça foi pontapeada com botas militares, a minha orelha foi esmurrada e fui obrigado a ficar de pé contra a parede enquanto me batiam com um cano de ferro. Fiquei seis dias preso em Sang Tai Hoo. Depois, fui novamente transferido para a Prisão de Balide, onde fiquei quatro meses e dois dias. Fui libertado em Dezembro de 1977. Apesar de ser livre, continuava a ser um “prisioneiro externo” e tive de me apresentar durante 398 um ano. Por vezes, os membros da Hansip também faziam parte de redes clandestinas e eram punidos se fossem descobertos. Eduardo da Silva disse à Comissão que foi forçado a tornar-se membro da Hansip em 1976, mas manteve o seu trabalho clandestino, distribuindo bens às Falintil através de uma pessoa chamada Guilherme. Quando os serviços de informação militares apanharam e interrogaram Guilherme em 1977, ele deu-lhes informação sobre a sua rede. Eduardo da Silva disse: Por causa disso, fui preso pelo comandante do Koramil e levado para Sang Tai Hoo, onde fui espancado com uma cana e o chefe adjunto dos serviços de informação me pontapeou no peito. Fiquei lá três dias e depois transferiram-me para a Comarca. Mas, de lá, fui imediatamente levado de volta para Sang Tai Hoo por dois membros da Unidade Conjunta dos Serviços de Informação [Satuan Gabungan Intelijen, S G I ] para ser interrogado. De noite, levavam-me novamente para a Comarca. Todas as semanas, durante três semanas, fui para Sang Tai Hoo para ser interrogado. O meu caso foi julgado em tribunal e fui condenado a um ano de prisão. Enquanto cumpria a pena, tinha de cortar a relva duas 399 vezes por semana. - 117 - Interrogatório de um membro do movimento clandestino JN fazia parte de uma rede clandestina, composta principalmente por mulheres, que utilizava estafetas para enviar víveres e outros materiais dos sucos para a Fretilin, na floresta. O chefe do suco de Akadiruhun (Díli), um dos sucos a partir dos quais a rede funcionava, começou a suspeitar de JN e das suas companheiras e informou os serviços de informação militares. A 29 de Janeiro de 1977, os militares e um membro indonésio dos serviços de informação, T800, detiveram-na e levaram-na para o Koramil de Culuhun (Díli) e depois para Sang Tai Hoo, onde ela foi interrogada por um Comandante indonésio das ABRI, T275, e por um sargento. Durante o interrogatório, o prisioneiro Francisco Benevides, conhecedor do idioma indonésio, actuou como intérprete. JN descreveu o interrogatório: Fui interrogada sobre uma lista de nomes, se eu os conhecia. Eu respondi que sim! Eu conhecia [os estafetas]. Eu não podia mentir porque fora eu quem lhes dera as ordens. Então, os meus companheiros foram libertados e eu fiquei presa. [Os estafetas] tinham-lhes dito que eu era a responsável e eu assumi a responsabilidade…Em Sang Tai Hoo, disseram-me para fazer um desenho com a estrutura da organização e os nomes das pessoas que ocupavam cada posição. Eu mencionei todos os nomes, como o de KN, entre outros. Fui agredida com uma fivela de cinto em ferro. Fui espancada para que lhes dissesse tudo…[Os interrogadores] revezavam-se. Depois de um terminar, vinha outro…Eles fotografaram-me durante o interrogatório, quando eu estava apenas com a minha roupa interior. Depois de passar cerca de uma semana em Sang Tai Hoo, JN foi transferida para a Comarca: A 9 de Fevereiro de 1977, fui transferida para a Comarca…Fiquei na “cela Maubutar” e, de noite, dormi no chão, sem esteiras. Eles puxaram-me o cabelo e deram-me pontapés até a minha cara ficar toda ferida. Eles também despejaram água sobre mim…Na manhã seguinte, fui levada de volta para Sang Tai Hoo e…interrogaram-me novamente. De tarde, levaram-me novamente para a Comarca. Dormi três noites na “cela Maubutar.” Se uma pessoa passasse uma semana na “cela Maubutar” era porque a sua morte era certa. Depois, fui transferida para uma cela de ferro… Eu era interrogada todos os dias. Eles vinham de Sang Tai Hoo para me buscar e levavam-me com eles para me interrogarem. Na Comarca, eu era interrogada e espancada pela Polícia Militar e por Boinas Vermelhas [Kopassandha]. Na cela de ferro, eu era espancada de noite. Fiquei três meses presa na cela de ferro…e nunca saí durante esse período [excepto para ser interrogada]. LN e KN foram presas comigo na cela de ferro…Fomos obrigadas [as três] a despirmo-nos até ficarmos nuas e a tomarmos banho como crianças, para que [os soldados] pudessem ver…T276, um homem timorense, aproximou-se e enfiou pregos na nossa roupa interior. Depois disso, fomos violadas até de manhã. Ele tinha uma relação estreita com os militares, por isso os soldados não fizeram nada…Depois disso, fui separada de KN e de LN. Em Maio, fui transferida para uma sala normal…[Passados] 16 meses na Comarca, fui libertada a 6 de Julho de 1978, * mas continuava a ser obrigada a apresentar-me. Prisão devido a ter familiares na floresta Os familiares de pessoas que ainda se encontravam na floresta, quer fossem membros da Resistência armada, ou estivessem simplesmente a esconder-se dos militares, também eram * Entrevista da CAVR a JN, Díli, 4 de Outubro de 2004. Ver também Entrevistas da CAVR a Bernarda dos Mártires Carvalho Correia, Díli, 22 de Janeiro de 2003. Bernarda dos Mártires Carvalho Correia trabalhava como estafeta na mesma rede e foi capturada na mesma altura que JN. Foi interrogada em Sang Tai Hoo e esteve três meses presa na Comarca de Balide. Não foi torturada: “Segundo as ABRI, eu não precisava de ser torturada porque só dera coisas aos meus filhos na floresta, por isso o meu castigo era mais leve comparado aos das minhas companheiras e aos de alguns jovens que foram capturados naquela altura. Eles foram torturados pelas ABRI de maneira mais violenta porque, segundo informações recebidas pelas ABRI, planeavam fugir para a floresta.” - 118 - marcados como alvos para prisão. Os militares esperavam que estas pessoas pudessem fornecer informações sobre o local onde os seus familiares se encontravam escondidos e o que estavam a fazer. Além disso, os membros da Fretilin/Falintil recebiam víveres e outras mercadorias das suas famílias e os militares pretendiam quebrar essas ligações. Por último, era uma forma de violência por substituição. Os familiares transformavam-se em substitutos quando o alvo principal da violência não podia ser capturado. Luís de Jesus disse à Comissão ter sido capturado por dois soldados a 30 de Agosto de 1977, em Camea (Díli), que o levaram para Sang Tai Hoo por ele ser suspeito de ter dado coisas aos seus familiares que se encontravam na floresta: [Fomos] interrogados por um membro das A B R I de Nanggala (Kopassandha). Além de sermos interrogados, fomos espancados e pontapeados. Depois, de manhã, fomos levados para a prisão de Balide. Depois de nos tirarem todas as nossas roupas e de termos ficado nus, os guardas prisionais e a Polícia Militar espancaram-nos com barras de madeira, varas de ferro e correntes. Depois disso, fomos colocados numa cela escura, ainda nus. A cela era apertada e cheirava mal. Ficámos três dias naquela cela, sem nos darem de comer. Só nos davam água quente de manhã, de tarde e de noite. Passados três dias, fomos retirados da cela escura. Eles devolveram-nos as nossas roupas e mandaram-nos vesti-las. Depois, fomos colocados numa cela durante seis meses. Fomos 400 oficialmente libertados a 15 de Março de 1978. HN disse à Comissão ter sido detida em 1979 — quando o seu marido ainda se encontrava na floresta, exercendo o seu posto de comandante das Falintil — e levada para o Koramil de UatuLari (Viqueque), onde foi despida por um membro da Hansip, T277, e interrogada por outro, T278. Mandaram-na sentar-se e obrigaram-na a segurar num ramo de mandioca coberto de espinhos, esbofetearam-na, espancaram e queimaram-na com cigarros acesos. O Koramil libertou-a, mas voltou a detê-la duas semanas mais tarde, com o seu filho de um ano de idade. 401 Eles foram novamente levados para o Koramil e ela foi violada em frente ao filho que chorava. IN foi detido em Ossu (Viqueque) em 1979 porque alguns dos seus familiares eram membros activos da Resistência e ainda se encontravam na floresta. Os soldados das ABRI T279, T280, T28, o membro da Hansip T282 e os membros dos serviços de informação T283 e T255 levaram-no para uma casa e interrogaram-no: No interrogatório, T255 perguntou-me os nomes dos meus familiares que ainda se encontravam na floresta e como eles me contactavam. Eu respondi dizendo-lhes: “Eu não os conheço! Como poderíamos conhecer-nos se eu vivo na cidade e eles na floresta?” Essa resposta enfureceu-os e eles exigiram que eu lhes dissesse a verdade. Depois, T285 agarrou numa barra de madeira e numa faca, apontou-as na minha direcção e disse: “Se não confessares, morrerás hoje.” Pouco depois disso, seis membros da Hansip torturaram-me, uns a seguir aos outros. Eles utilizaram as suas espingardas para me bater, espancaram-me e pontapearam-me…Também fui atingido na testa e o meu corpo foi cortado com uma faca por T285. Depois, fui transferido para o Koramil, onde fiquei 402 preso durante três meses. - 119 - Depois de IN ser interrogado, a sua mulher foi retirada da sua casa e presa no mesmo local que ele. Enquanto ele era interrogado, a sua mulher era violada na sala ao lado por um comandante de pelotão timorense, T286. IN disse à Comissão que conseguia ouvir os gritos da sua mulher, 403 mas não podia fazer nada para a ajudar. A Comissão recebeu informações sobre um homem que decidiu permanecer na floresta quando o resto da sua família se rendeu em Agosto de 1977. Depois de o resto da sua família chegar ao suco de Mehara (Tutuala, Lautém) um membro do parlamento a nível subdistrital (DPR), T287, disse aos pais dele que se apresentassem no posto militar do centro de Mehara para serem interrogados quanto ao seu paradeiro. O interrogatório durou toda a noite e eles só foram libertados às 4 da manhã, sob a condição de se apresentarem durante duas semanas e de 404 fornecerem informações sobre o filho. Até os familiares de pessoas já presas viviam com medo de sofrerem violência às mãos dos militares. António Vieira disse à Comissão: [Enquanto eu estava preso em Díli] a minha mulher, chamada Elsa Soares Gomes, que estava em casa, também foi ameaçada por membros das Kopassandha, que diziam que eu tinha sido morto e que iam levá-la e matá-la também. Devido a essa ameaça, a mulher ficou em estado de choque e adoeceu e acabou por morrer a 7 de Dezembro de 1977. Quando a minha mulher morreu, Leandro Isaac pediu às ABRI que me autorizassem a ir ao 405 seu funeral. Prisões após rendição ou captura* O povo de Timor-Leste começou a render-se aos militares indonésios desde a altura da invasão. Aqueles que não se sentiam em condições de fugir para as montanhas, como mães lactantes ou idosos, ficaram nas suas habitações e foram dos primeiros a render-se. Muitos outros que fugiram para as montanhas regressaram e renderam-se porque não suportavam o estilo de vida difícil da floresta. A Comissão recebeu testemunhos de pessoas que se renderam em 1976 e 1977, depois de terem fugido. Contudo, a esmagadora maioria das pessoas rendeu-se em 1978 e 1979, quando ocorreram rendições em massa com o apoio da liderança da Fretilin. É possível identificar um ponto máximo nas prisões em 1978 — altura em que ocorreram as rendições em massa aos militares indonésios. Os militares foram confrontados com vagas de milhares de pessoas, muitas das quais chegaram a locais que não eram a sua casa e que † estavam doentes e subnutridas. A maioria das pessoas foi colocada em grandes campos de transição, onde podiam ser submetidas a processos de verificação e registadas. As forças militares também examinavam as pessoas que se rendiam para identificar quaisquer membros da Fretilin/Falintil. Aqueles que eram conhecidos eram imediatamente detidos e presos, separados do grupo. Muitos outros eram interrogados sobre o que faziam na floresta. Depois disso, ficavam presos, eram mantidos no campo de transição, recrutados como TBO ou Hansip, * O termo “rendição” costuma ser utilizado para fazer referência a combatentes, não a civis. No entanto, no presente Relatório, é utilizado para escrever um acto de um civil, porque “rendição” é a palavra que os próprios civis utilizavam para descrever o acto e porque o que acontecia era, essencialmente, um acto político, pelo qual se libertavam do controlo da Fretilin/Falintil e se submetiam ao controlo das Forças Armadas indonésias. Em termos práticos, a rendição implicava a apresentação ao comando militar local e um registo subsequente. As pessoas eram frequentemente presas num campo de detenção temporário para serem submetidas aos processos de verificação antes de serem libertadas e poderem ir para casa [ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome]. † Por exemplo, em Uatu-Carbau, muitas pessoas de Ossu (Viqueque), Uatu-Lari (Viqueque) e Baguia (Baucau) renderam-se às Forças Armadas indonésias e foram presas em locais como o Koramil de Uatu-Carbau [Entrevista da CAVR a Xisto Fernandes (também conhecido como Hélio Espírito Santo), Uatu-Carbau, Viqueque, Novembro de 2003]. - 120 - ou libertados, com autorização para regressarem aos seus sucos (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). Detenções iniciais Uma mulher timorense disse que ela e a sua família se renderam em 1977, depois de passarem dois anos escondidos nas montanhas, devido à falta de alimentação e de medicamentos — que levou à morte de cinco dos seus irmãos e irmãs mais novos. Pouco depois de se renderem, toda 406 a família foi detida: aquando da detenção, mataram o seu pai e cortaram-lhe as orelhas, que utilizaram como troféus. O resto da família foi levada para a cidade de Soibada, onde ficaram 407 alguns dias presos. Em 1977, José da Conceição Carvalho, um membro das Falintil, rendeu-se a dois agentes dos serviços de informação chamados T292 e T293, em Díli. Foi imediatamente entregue a um soldado que respondia pela alcunha de T294 para ser interrogado em Palapaço (Díli) e ficou 12 dias preso. Ele afirmou à Comissão: Durante a investigação, fui obrigado a dizer-lhes onde estavam escondidas as armas. Um membro das ABRI, T294, mandou dois dos seus homens (T292 e T293) irem procurar as armas. Depois libertaram-me, mas não para ir * para casa. Eu teria de viver com T294 até 1979. Só então 408 me deixariam regressar à minha casa. Além das rendições voluntárias, os civis também se rendiam ou, por vezes, eram detidos quando os militares os capturavam durante uma operação. José Rosa de Araújo, um membro da Fretilin, disse à Comissão ter lutado como guerrilheiro na região do monte Kablaki, em Ainaro, depois da invasão indonésia. Em 1977, o Batalhão de Infantaria 125 atacou a região do monte Kablaki, levando à detenção de cerca de 80 membros da Fretilin, incluindo José Rosa de Araújo, que recordou o sucedido: No local da captura, um membro da Hansip chamado T295 abusou de mim, espancando-me e pontapeando-me e depois agredindo-me com a coronha de uma espingarda. Então, 20 membros da Hansip juntaram-se a ele, abusando de mim e de outras tropas da Fretilin. Naquela altura, a Hansip e as tropas do Batalhão de Infantaria 125 tinham construído [cinco] postos no monte Kablaki. Eles prenderam-me e às restantes tropas da Fretilin durante um ano. Fomos obrigados a ser TBO e éramos responsáveis por ir buscar arroz ou milho a Dare [Ainaro]. Cada duas pessoas tinham de carregar 100 kg desde Dare até Kablaki. Enquanto estive preso e fui TBO, eu e os meus companheiros só recebíamos legumes para comer, enquanto que os membros da H a n s i p e do 409 Batalhão de Infantaria 125 comiam alimentos bons. Tanto civis como membros das Falintil eram detidos durante essas operações. No entanto, após a captura, os membros das Falintil eram separados do grupo para serem presos. A 22 de Fevereiro de 1977, três membros das Falintil ficaram sem munições e foram capturados, juntamente com os habitantes de Casohan, em Barique (Manatuto) por membros do Batalhão de Infantaria 631, tendo sido interrogados pelo Batalhão de Infantaria 631, que lhes confiscou as * A razão para isto não é clara, mas é provável que fizesse parte da função de um TBO. - 121 - armas. Os civis receberam autorização para regressar a casa, mas os membros das Falintil 410 ficaram um mês presos em Casohan, tendo sido submetidos a mais interrogatórios e tortura. - 122 - História de um intérprete timorense durante os interrogatórios António Peloy era membro da Hansip e prestava serviço de interpretação aos militares indonésios durante o interrogatório de presos no distrito de Baucau. Falou à Comissão sobre os métodos de interrogatório incluindo sobre os esforços que desenvolveu para proteger os interrogados: Tornei-me um Hansip por volta de 1976 em Laga, Baucau. Primeiro, era um Hansip normal e ajudava na vigilância nocturna dos postos. Só comecei a lidar com presos em 1978. O comandante dos Fuzileiros perguntou quais os Hansip que compreendiam o idioma indonésio. Não interessava que fossem fluentes desde que compreendessem as palavras. eu aprendera indonésio antes de os indonésios chegarem a Timor…porque vivi perto da praia e conheci comerciantes indonésios que vinham de barco. Tornei-me intérprete ao serviço do Pasmar 9 (Fuzileiros). [Durante um interrogatório] só estávamos presentes eu e um militar. Os Fuzileiros escreviam as perguntas e eu interpretava-as e também interpretava as respostas [do preso] para os Fuzileiros. Todos os que eram capturados pelo Exército indonésio eram-me entregues. Eu era responsável por uma sala com 110 presos. Os prisioneiros eram provenientes de Ossu [Viqueque], Baucau, Venilale, Quelicai [todos no distrito de Baucau] e do suco de Maina II [Lautém]. Entre eles, encontravam-se membros da Fretilin e também pessoas normais que se tinham rendido. As pessoas rendiam-se, mas eram à mesma interrogadas e espancadas! Os Fuzileiros tratavam os homens e as mulheres de maneira diferente. Interrogavam os homens das 8 da manhã até ao meio-dia e as mulheres das 7 da tarde até às 2 da manhã. Perguntavam [às mulheres]: “Tens marido?”, [elas respondiam] “Eu tenho marido”, “Onde está o teu marido agora?”, “Ele ainda vive na floresta”, “O que faz ele lá?” Depois diziam que a pessoa mentira: “Tens um marido da Fretilin/GPK na floresta!” ou “Ouvimos que tinhas uma imagem da bandeira da Fretilin no peito!” Então, obrigavam-nas a despirem-se ou a levantarem as camisas para as poderem examinar de cima a baixo. Examinavam-nas durante algum tempo e depois diziam que estava na barriga: “Baixa o teu sarong, baixa-o aqui. Se não está no peito, deve estar na barriga.” Depois de examinarem a barriga, diziam que estava abaixo do umbigo. Aos homens perguntavam: “És da GPK? Estás armado? Desde que data? Quando foi a última vez que empunhaste uma arma? Em que data?” Voltavam a interrogá-los sobre os acontecimentos em Matebian. Eles evacuavam e urinavam. Eles eram espancados e electrocutados na orelha e nos dedos. Um homem chamado José Lima era professor em Lospalos. Ele foi tratado de forma dura por ser suspeito de ter participado no bombardeamento do tanque dos Fuzileiros em Quelicai. Ele foi colocado num barril com a cabeça para baixo e as pernas para cima, o que o fez evacuar enquanto as suas pernas estavam amarradas a uma pedra grande e eram puxadas para cima. Mas ele não morreu. Apesar de fazer parte do Exército indonésio, salvei os meus companheiros da floresta…Durante o interrogatório, perguntavam-lhes o que eles faziam na floresta, se empunhavam armas ou se matavam soldados indonésios. Como estavam a ser electrocutados, às vezes admitiam que tinham empunhado armas ou morto soldados na floresta, mas eu ajudava a encobrir essas informações. Antes das 8 da manhã, eu abria ligeiramente a porta e dava-lhes instruções: “Eles vão interrogar-vos um a um, mas se vocês disserem algo de errado…eu piso-vos o pé e vocês têm de parar de falar. Eu falo com o soldado primeiro, mas se vocês disserem alguma coisa que não devem, eu levanto-me e bato-vos.” - 123 - Por exemplo, se eles admitissem terem morto um soldado, eu alterava as palavras para que não fossem mortos e dizia imediatamente à vítima, em [idiomas] tétum ou makassae: “Não digas isso ou eles matam-te.” Eu batia imediatamente nos meus companheiros para que os soldados não suspeitassem deles e também para que não suspeitassem de mim como sendo um inimigo disfarçado. O Exército/fuzileiros perguntavam-me por que lhes batera e eu dizia que fora porque eles não tinham admitido os homicídios. Depois de lhes bater e de voltar a prendê-los, eu pedia desculpa por lhes ter batido e dizia: “Não leves a mal, mas eu ajudei-te a não ser morto pelo 411 Exército indonésio.” Rendições em massa: 1978/1979 Depois da destruição da última zona libertada do monte Matebian, ocorreram rendições em massa por toda a região oriental de Timor-Leste (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). Outros grupos também começaram a render-se nas regiões central e ocidental. Nesta altura, voltou a ser efectuado um processo de selecção para separar aqueles que se sabia serem líderes da Fretilin — que eram detidos imediatamente. Outros eram submetidos a interrogatórios intensos para averiguar qual fora o seu papel, ou se podiam fornecer informações úteis. Além de membros das estruturas militares, membros do governo civil, da defesa civil e, por vezes, cidadão comuns ajudavam a fazer as detenções e a identificar aqueles que deviam ser submetidos a mais interrogatórios. Por exemplo, após se render na cidade de Uatu-Carbau (Viqueque) em 1978, um civil timorense, T297, denunciou Xisto Fernandes a um Hansip, T298, o 412 que levou à sua detenção e prisão no Koramil de Uatu-Carbau. Celestino Manuel Pinto disse à Comissão ter sido detido por uma iniciativa conjunta entre funcionários dos governos locais, a Hansip, a Polícia e dos militares a 23 de Novembro de 1978, depois de ter descido do monte Matebian, perto de Uatu-Carbau (Viqueque), e de se ter rendido no suco de Bahatata (UatuCarbau, Viqueque): Naquela altura, o administrador do subdistrito [de UatuCarbau] T299 e o seu adjunto T300 coordenaram-se com o Comandante da H a n s i p T301 [falecido], com o funcionário deste, T302, e a Polícia e os Comandantes do Koramil para me capturar e a dois companheiros meus, chamados Alfredo Pires e Caetano Quintão. Prenderamnos aos três porque eu era membro das Falintil quando estava na floresta. Fui preso a 1 de Janeiro de 1979 em Afaloicai [Uatu-Carbau]. Outras 130 pessoas foram detidas pelas ABRI em seus sucos, Irabin de Baixo, Irabin de Cima, Uani-Uma, Lo-Ulu, Afaloicai e Bahatata, no subdistrito de Uatu-Carbau. Enquanto estivemos presos, fomos obrigados a fazer trabalhos como, por exemplo, levar um carro Jeep desde Uatu-Lari ao suco de Afaloicai…transportar bambu e construir uma estrada de * Ringgit Baru a Afaloicai e procurar rochas e madeira para construir a casa de T299. Ficámos presos até 1980. Quando fomos libertados, tivemos de nos apresentar durante um ano e meio. Depois disso, ficámos 413 completamente livres. A Comissão realizou reuniões em sucos por todo o Timor-Leste e documentou a experiência das comunidades. Os seguintes Perfis Comunitários contam a história de algumas das rendições e * O nome de um suco que foi fundado, ou recebeu um novo nome, durante a ocupação indonésia. - 124 - detenções em massa ocorridas em 1978 e em 1979 e as diferentes experiências das comunidades que se renderam: Comunidade Remexio, Aileu414 Data 1979 Rendição Rendição da comunidade Uma-Kiik (Viqueque)415 1978 Rendição de algumas pessoas ao Batalhão 202 e de outras ao Batalhão de Infantaria 745. Caisido (Baucau) 416 1978 Molop (Bobonaro) 417 17 de Abril de 1978 Rendição da comunidade de Caisido e de pessoas de outros sucos na cidade de Baucau e nos sucos de Trilolo Triloka, Bucoli, Vemasse (Baucau). Rendição de 370 pessoas ao Batalhão 612. Marobo, Bobonaro 1978 Rendição da comunidade às tropas do Batalhão 612. 22 e 23 de Novembro de 1978 Rendição de muitas pessoas ao Batalhão 328, junto a Samalari (Uatu-Carbau, Viqueque). Mais tarde, um pelotão das Falintil e 19 outras pessoas renderam-se ao Batalhão 328 e à Hansip junto a Samalari 418 Bahatata (Uatu-Carbau, Viqueque)419 Prisão Detenção de todos os homens por membros das ABRI, da Hansip e por Partidários. Mais 20 pessoas (homens e mulheres) foram detidas posteriormente. No total, foram presas cerca de 100 pessoas O Batalhão 202 deteve todas as pessoas, sob suspeita de pertencerem às Falintil. O Batalhão de Infantaria 745 levou todos para a cidade. Oito líderes da Fretilin foram presos durante seis meses no Hotel Flamboyan, em Baucau. Interrogatório/Tortura As pessoas foram presas e interrogadas durante duas semanas e depois enviadas para casa. Detenção de 20 pessoas, sob suspeita de pertencerem às Falintil. As pessoas ficaram 3 meses presas em edifícios da Polícia Militar, sem receberem alimentação. Foram queimadas com cigarros acesos, agredidas com um martelo e com uma arma, arrancaram-lhes as unhas com alicates, despiramnas até ficarem nuas e foram colocadas dentro de água durante 24 horas. As pessoas foram imersas numa piscina durante um período de dois meses. Depois alguns dos prisioneiros foram libertados e cerca de 90 civis foram obrigados a tornarem-se TBO. Todas as pessoas foram presas, incluindo o comandante da Fretilin da Companhia de Bobonaro, João de Jesus. O Batalhão 328 examinou os bens das pessoas e levou um homem suspeito de ser o líder para o Koramil. O pelotão das Falintil e as outras 19 pessoas foram todas presas - 125 - O Batalhão 202 torturou as pessoas, utilizou as mulheres como escravas sexuais e obrigou os homens a tornaremse TBO. O Batalhão de Infantaria 745 obrigou as pessoas cortar erva todos os dias. As pessoas foram torturadas, mas não interrogadas. A pessoa suspeita de ser líder foi interrogada e depois libertada. Os membros das Falintil e as outras 19 pessoas foram espancadas, pontapeadas e queimadas com cigarros por um membro da Hansip, T329. Todos foram obrigados a tornarem-se TBO. Vila de Dato (Liquiça) 420 1979 Hatura, Nasolan, Isolada (Aileu)421 1979 Uato-Haco (Venilale, Baucau)422 Setembro de 1979 Hansip junto a Samalari Rendição da maioria das pessoas de Dato ao Kodim 1638 de Liquiça. Rendição de 280 pessoas em Damata ao Batalhão 712, à Força Aérea 100, à Força Aérea 700 e à Força Aérea 721. Rendição das comunidades de Uatu-Haco e de Uahilalha às ABRI em Venilale. Detenção de 18 comandantes de pelotão. Nenhuma prisão. Os bens das pessoas foram revistados. As pessoas foram todas levadas para Malere, (Aileu) alimentadas e mandadas para casa. Detenção de líderes e de pessoas suspeitas de serem líderes que se encontravam na floresta. As pessoas foram presas por T284 em Koni, Liquiça. Foram torturadas através de espancamentos e obrigadas a construir uma “casa de entretenimento” - Duas pessoas foram presas e interrogadas no Hotel Flamboyan, em Baucau. Foram presas 11 pessoas nos postos militares de Venilale e obrigadas a construir casas. Francisco da Costa foi destacado do grupo quando se rendeu com a sua família em Uatu-Lari (Viqueque), em 1978, depois de viverem dois anos no monte Matebian. Francisco da Costa contou a sua experiência à Comissão: Descemos do monte Matebian e rendemo-nos às ABRI na cidade de Uatu-Lari, em 1978. Quando me rendi, fui imediatamente detido por um homem timorense, T305, e por membros dos serviços de informação das Kopassandha. Fui esmurrado, pontapeado e agredido na cabeça com um pedaço de madeira até ficar inconsciente e não me aguentar em pé. Eles arrastaram-me para a prisão. Fui detido porque tinha colaborado com um delegado da Fretilin chamado Lequimau e tinha proibido as pessoas de se renderem às ABRI. No dia seguinte, um Hansip chamado T306 chegou com três mulheres-soldado timorenses: T307, T308 e T309. O Hansip T306 mandou-as baterem-me com um pedaço de madeira até eu sangrar. Depois, eles [T306 e as três mulheres-soldado] mergulharam-nos em água durante 24 horas. No dia seguinte, fomos entregues ao Koramil e ao chefe do suco de Afaloicai, Agustinho Ribeiro, que teve de assumir a responsabilidade e de tomar conta de nós os 423 quatro. As condições em que as pessoas eram presas durante este período eram frequentemente aterradoras. Exemplo disso é o depoimento de Mário Maubuti, que disse à Comissão que ele e dois dos seus cunhados, Maubuti e Beremau, desceram das montanhas e renderam-se ao Exército em Leimea Kraik (Hatulia, Ermera), em 1978. Foram imediatamente levados para a cidade de Atsabe (Atsabe, Ermera), onde ficaram detidos com várias outras pessoas: - 126 - Depois de chegarmos a Atsabe, fomos todos colocados num buraco no chão e só éramos alimentados uma vez por dia. Também tivemos de lutar uns com os outros por causa da comida. Alguns não conseguiam comida suficiente porque estávamos esfomeados e a comida não chegava para todos os prisioneiros. O buraco estava sobrelotado e, durante a estação das chuvas, dormimos na lama e em poças de água durante oito dias. Depois, 424 fomos libertados. As condições dos campos de transição também eram extremamente difíceis e muitas pessoas morreram (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). - 127 - Prisão no Campo de Uma Metan Alas, Manufahi Uma Metan (tétum: Casa Negra) era um campo criado pelos militares indonésios mesmo antes de Agosto de 1978 junto a Alas (Manufahi) para servir de base de operações contra a Resistência nas montanhas em redor do distrito de Manufahi. Em Uma Metan estavam sediados o Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700, os Batalhões de Infantaria 744, 745 e 310, o Nanggala (Kopassandha) e o Koramil de Alas. O campo também era utilizado como campo de transição para prender pessoas que se rendiam vindas de áreas próximas e para prender pessoas suspeitas de serem membros da Resistência. A Comissão entrevistou vários antigos presos do Campo de Uma Metan. Tomé da Costa Magalhães, prisioneiro em 1978, descreveu Uma Metan como uma colina com cerca de 300 metros de altura. Mateus da Conceição, detido a 8 de Maio de 1979 e prisioneiro em Uma Metan durante três meses, calculou que estivessem cerca de 8.000 pessoas no campo, vindas de vários locais, nomeadamente Aileu, Maubisse, Same, Ainaro, Manatuto, Díli, Liquiça e Viqueque. Tomé Magalhães e Mateus da Conceição disseram ambos que a vida em Uma Metan era extremamente difícil. Todos os dias morriam muitas pessoas de fome e de doenças como diarreia, tuberculose e béri-béri. Eles também falaram sobre uma escola construída em Uma Metan, supostamente para as pessoas aprenderem o idioma indonésio, mas que também era utilizada de noite por membros do Nanggala, do Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700 e 425 do Koramil para violar mulheres. O campo foi encerrado por volta de Janeiro de 1982. Ao contrário de outros campos de transição, Uma Metan também era utilizado como prisão para pessoas que se descobria trabalharem para a Resistência. Essas pessoas eram por vezes encontradas entre as que se rendiam e outras vezes eram apanhadas na floresta e levadas para 426 o campo para serem interrogadas. Vários membros da Resistência eram mortos e executados (ver Subcapítulo 7.2 sobre Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados), outros eram utilizados como mão-de-obra forçada ou para encontrar outros membros da Resistência. Alguns residentes do campo eram transferidos para outro local — como o Koramil de Same (Manufahi) — depois 427 de passarem vários meses em Uma Metan, para serem submetidos a mais interrogatórios. 428 Outros eram obrigados a trabalhar para os militares ou a tornarem-se TBO. Saturnino Tilman, detido pelo Batalhão de Infantaria 745 a 28 de Fevereiro de 1979, em Fatukuak, foi levado de helicóptero para Uma Metan, juntamente com o seu amigo Ijidoro. Os soldados entregaram-no ao Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700, que o interrogou com a ajuda de um Hansip que actuou como intérprete. Os membros do Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700 interrogaram-no sobre a força das Falintil e os tipos de armas que utilizavam. Saturnino Tilman não foi espancado durante o interrogatório, mas pouco depois mandaram-no despir-se e dormir no campo, de frente para o sol, durante várias horas. Depois, foi preso numa casa durante dez dias, tendo apenas recebido uma refeição por dia durante esse período. O seu amigo Ijidoro foi amarrado a uma árvore no exterior. Saturnino Tilman também contou à Comissão como os militares alinharam pessoas perante ele e lhe pediram para as identificar, mas ele disse sempre que não as conhecia. Depois de ser interrogado, foi entregue ao Koramil de Alas, de Uma Metan, e depois enviado para o Koramil de Same, em Betano, onde 429 foi mandado construir uma estrada com 200 outros prisioneiros. Tomé da Costa Magalhães falou sobre 77 civis (nenhum pertencente às Falintil) que se renderam depois de uma operação militar em Fahinehan (Fatuberliu, Manufahi), e foram detidos pelo Batalhão de Infantaria 745 e pelo Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100. Os presos foram levados para Uma Metan, onde foram obrigados a construir casas, uma escola e uma sala de reuniões. - 128 - Mateus Pereira relatou à Comissão ter sido enviado para Uma Metan dois meses depois de se render em Betano (Same, Manufahi). Ele e 12 outros presos foram mandados caminhar até ao campo, vigiados por membros da Hansip a 5 de Março de 1979. Quando chegaram, um comandante das Kopassandha disse-lhes que a sua missão no campo era ir à escola e ajudar a procurar líderes da Fretilin/Falintil na floresta, incluindo José Maria (Mausiri) e Eduardo dos Anjos (Kakuk). Mateus Pereira e os 12 presos foram interrogados individualmente sobre o que faziam na floresta. Depois, deram-lhes um mapa e documentos de viagem e mandaram-nos procurar combatentes em determinadas áreas. Eles encontraram Mausiri, Kakuk e Ermelita Coelho (Sirilau) em Kolokou, no suco de Dotik (Alas, Manufahi). Os combatentes disseram a Mateus e ao seu grupo que estavam prontos para se renderem e entregaram duas das suas armas para serem apresentadas como prova. Quando Mateus Pereira relatou o sucedido em Uma Metan, uma companhia de Nanggala foi buscar os combatentes da Resistência rendidos e Mateus e os 430 seus companheiros receberam documentos de viagem para regressarem ao seu suco. Captura de comunidades: 1978/1979 As comunidades que foram capturadas pelos militares antes de se renderem disseram à Comissão terem sido tratadas de uma forma mais dura do que as que se renderam. A comunidade de Uamoritula, Uaimori (Viqueque, Viqueque) disse à Comissão que, em 1979, o Batalhão de Infantaria 745 capturou cerca de 20 pessoas de Uamoritula e as prendeu em Laleia (Manatuto) sob suspeita de colaborarem com a Resistência. Algumas das pessoas capturadas 431 foram mortas e outras foram violadas na viagem para Laleia. Outra comunidade, a de Manetu (Maubisse, Ainaro), descreveu como, em 1979, as pessoas do suco queriam render-se, mas tinham medo dos militares locais. Antes de se decidirem, foram capturadas pelos soldados em Turiscai (Manufahi), que as espancaram de imediato e violaram duas raparigas do grupo. As pessoas foram depois levadas para Maubisse, onde foram espancadas de maneira impiedosa e 432 interrogadas durante três meses sobre o paradeiro das Falintil na floresta. Jacinto Alves falou à Comissão sobre a sua captura, juntamente com 40.000 civis, na região de Ilimano (Lacló, Manatuto). Deste grupo, apenas cerca de 26 pessoas foram levadas para serem interrogadas: O Movimento Torneante era um movimento circulante. Durante quase três meses, circulámos pela área de Fatubutik, Aikurus, depois de Hatu-Kona [todas em Lacló, Manatuto] e depois regressámos ao local onde tínhamos começado. Fomos atacados pelo ar e pelo chão com morteiros…Não havia qualquer logística, nenhum tipo de ajuda…A 27 de Julho de 1978, nós — cerca de 40.000 pessoas — fomos capturados na área de Ilimano. Toda a população foi mandada para Metinaro [Díli], mas eles detiveram-me, tal como ao comandante da companhia, Vicente Alin, e levaram-me para o posto da Companhia B, 433 Batalhão 315. Eu e mais vinte e seis outros, incluindo os meus pais, o meu tio e outros ficámos juntos mas só eu fui levado para ser interrogado. Fui espancado e pontapeado. Depois disso, 26 foram levados para Metinaro para um campo junto da população local, e eu fui levado para o posto de comando do Batalhão 315. Outras pessoas foram libertadas e eu fui preso sozinho numa casa temporária feita de ramos de melaleuca (um tipo de eucalipto). - 129 - Dois ou três dias depois, eles trouxeram a minha mulher e um dos seus irmãos mais velhos, juntamente com a minha sogra e a minha mãe para o local onde eu estava aprisionado para os interrogarem. Olhámos uns para os 434 outros, mas não pudemos trocar palavras. Francisco Xavier do Amaral, o primeiro Presidente da Fretilin e da RDTL, foi detido na costa sul, no distrito de Viqueque, em Outubro de 1978. Ele fora prisioneiro da Fretilin durante os 13 meses anteriores. À medida que a Fretilin fugia das forças indonésias, os seus prisioneiros tinham de a acompanhar, fugindo também. Quando o Batalhão de Infantaria 744 cercou o campo da Fretilin, Xavier do Amaral estava demasiado fraco para fugir e caiu na erva. Foi capturado e transportado 435 de avião para Díli, para se encontrar com o coronel Dading Kalbuadi. Prisões após o regresso a casa Nem todas as pessoas eram detidas imediatamente depois de se renderem. Algumas eram detidas depois de voltarem a instalar-se nas suas habitações. Por vezes, isso acontecia porque os militares e os seus auxiliares descobriam informações sobre a pessoa através dos sistemas de serviços de informação do controlo comunitário. Américo da Costa disse à Comissão que ele e a sua família desceram do monte Matebian em 1979 e renderam-se no subdistrito de Moro (Lautém). Devido às dificuldades que teve para encontrar víveres, Américo da Costa plantou uma horta em Soru-Uaku, no suco de Maina I (Moro, Lautém). Um dia, enquanto trabalhava na horta, encontrou um familiar que ainda não se tinha rendido: Eu estava a tratar da horta quando o meu cunhado (Sere) e o seu amigo Lourenço chegaram subitamente a Serelau [Moro, Lautém]. Eles ainda eram membros das Falintil, viviam na floresta e não se tinham rendido. Quando nos encontrámos, trocámos histórias sobre a minha vida na cidade e vice-versa. Mas o nosso encontro foi descoberto pelo administrador do subdistrito de Moro T310, que mandou alguém chamarme e à minha irmã, Jacinta Marques, para irmos a casa dele. Fomos interrogados e, durante o interrogatório, fui agredido na cabeça, esbofeteado seis vezes na cara e deram-me pontapés do estômago até eu cair. Depois, ele esbofeteou a minha irmã. Disseram-nos que, se voltássemos a encontrar-nos com membros das Falintil, teríamos de os trazer para se renderem na cidade. Depois, 436 fomos enviados para casa. Luís Maria da Silva (Maukiak) foi detido um mês depois de se render ao Pasmar 9 por se ter descoberto que trabalhou com a Fretilin enquanto esteve na floresta: Um mês [depois de me ter rendido] as ABRI iniciaram uma operação em Quelicai [Baucau], em busca de pessoas que tivessem acabado de sair da floresta, que tivessem colaborado com a Fretilin. O Pasmar 9 conseguiu capturar Raimundo e ele foi interrogado…sobre os nomes das pessoas que se tinham juntado à Fretilin…[e] admitiu que eu tinha participado em actividades da Resistência contra os militares indonésios. - 130 - A 2 de Janeiro de 1979, fui detido por membros do Pasmar 9. Eles levaram-me para o posto de Quelicai [Baucau] e depois ao encontro do comandante do Pasmar 9, para ser interrogado sobre o que fizéramos. Fui 437 libertado passados dois dias. Conluio montado contra um antigo líder da Fretilin O depoimento de José da Silva Amaral revela a atmosfera de suspeita e divisão existente dentro das comunidades locais de Timor-Leste nesta altura. Qualquer pessoa com ressentimentos podia denunciar o seu inimigo ao posto de comando militar local, dizendo que essa pessoa apoiava a Resistência e tornando-a assim vulnerável a prisão a longo prazo, maus-tratos e tortura. A Comissão tomou conhecimento de muitos casos em que as pessoas eram punidas antes de ser realizada qualquer investigação, sendo violados os seus direitos a um julgamento justo, incluindo a presunção de inocência. José Amaral era líder da Fretilin em Viqueque em 1975. Depois da invasão, ele tornou-se comissário político adjunto e delegado da Fretilin em Ossu (Viqueque). No final de Outubro de 1978, José Amaral e várias pessoas fugiram para o monte Matebian, mas renderam-se quando as bases de apoio foram destruídas e foram mortos vários civis. Por volta de Janeiro de 1979, José Amaral trabalhava como agricultor no seu campo de arroz no suco de Ossurua (Ossu, Viqueque), mas a comunidade sabia que ele tinha sido delegado da Fretilin. Um comandante da Hansip, Joaquim Monteiro, trabalhava num campo de arroz perto do campo de José Amaral. Certa noite, alguém roubou todas as vacas de Joaquim Monteiro e, no dia seguinte, Joaquim Monteiro acusou José Amaral de ter cometido o crime e de ter enviado as vacas para as Falintil. José Amaral afirmou a sua inocência e acreditou que o crime tinha sido cometido por um líder tradicional local, sob ordens de um membro do Koramil de Quelicai. Alguns dias mais tarde, três membros da Hansip, T311, T312 e T313, detiveram José Amaral. Levaram-no primeiro para o Koramil de Viqueque e depois para uma casa portuguesa que na altura era utilizada como Comando Táctico (Komando Taktis, Kotis). O Batalhão 202 utilizava a casa como dormitório e como local para interrogar e torturar presos. Um membro do Batalhão 202 interrogou José Amaral sobre os homicídios de alguns soldados do batalhão, que os militares indonésios pensavam terem sido cometidos pela Fretilin. O membro do Batalhão 202 mostrou as suas feridas a José Amaral, dizendo: “Isto, isto! Quem fez isto?” * José Amaral respondeu “Não sei, bapak. Não fui eu que te alvejei!” Então, o soldado mandou o membro da Hansip T311 esbofetear José Amaral na cara até ele cair no chão. Mas o interrogatório continuou. Passados 15 minutos, três outros soldados começaram a agredi-lo com um cinto e a pontapeá-lo na cara. Depois disso, ele foi novamente transferido para o quartelgeneral do Batalhão 202, onde já estavam presas cerca de 50 outras pessoas. José Amaral ficou seis meses preso, entre Janeiro e Julho de 1979. Durante este período, os interrogatórios continuaram e, caso ele não dissesse o que os interrogadores queriam ouvir, era violentamente 438 espancado pelos soldados do Batalhão 202. Alguns membros das Falintil que permaneceram nas montanhas e não se renderam foram enviados pelos seus comandantes para observarem a situação nas cidades. Alguns foram detidos quando chegaram às cidades. João Amaral, membro das Falintil na altura, falou à Comissão sobre a sua detenção, ocorrida quando ele e os seus companheiros foram enviados para vigiar a situação da vila de Suai em 1979: * Bapak é uma expressão indonésia demonstrativa de respeito que se utiliza quando se fala com homens mais velhos e significa tanto “pai” como “senhor”. - 131 - Quando chegámos a Suai, fomos capturados por soldados do Batalhão 507, na área de Ahinarae, no suco de Debos (Suai, Covalima). Fomos capturados por cerca de 100 soldados e imediatamente presos numa antiga loja chinesa chamada Cina Odamatan Tolu [Três Portas Chinesas], que era utilizada como quartel-general das A B R I . Ficámos ambos presos lá durante duas semanas…[Depois] as A B R I mandaram o meu companheiro Mali Raket regressar à floresta para tentar convencer os nossos companheiros a descerem e se renderem às ABRI em Suai. Mas, passaram-se alguns dias e Mali Raket não regressou, por isso as ABRI levaram-me de Suai para Díli. Fui levado para a prisão de Balide e fiquei dois anos preso lá. Durante esse período, fui agredido dos pés à cabeça com um pedaço de madeira e com uma barra de ferro, até estar todo negro. Ainda 439 sinto dores nos intestinos devido à tortura. Conclusão Em finais de 1979, os militares indonésios tinham estabelecido sistemas de controlo sobre a população timorense que incluíam prisão arbitrária, tortura e outras formas de tratamento cruel e desumano. Os padrões que surgiram neste período inicial repetiram-se ao longo do período da ocupação e incluíram: • Utilizar a prisão para suprimir a dissidência política • Interrogar todos os suspeitos de associação com a Fretilin/Falintil, incluindo através de parentesco, para descobrir informações sobre a Resistência • Utilizar a tortura e os maus-tratos como método habitual do processo de interrogatório, incluindo a adopção de determinadas formas de tortura e maus-tratos por figuras de autoridade de todo o território • Ignorar os direitos a um processo legal justo, incluindo a apresentação de um mandato de captura, explicação das razões para a detenção, autorização de acesso a um advogado ou de comparência perante um tribunal judicial • Utilizar os militares para efectuar detenções, infringindo as leis de direitos humanos e o direito nacional da própria Indonésia • Utilizar timorenses, incluindo militares, paramilitares, membros da defesa civil e funcionários civis para perpetrar ou participar na perpetração de violações contra os seus compatriotas timorenses • Criar sistemas de controlo comunitário em que os vizinhos se denunciavam uns aos outros. 7.4.6 Prisões efectuadas pela Indonésia como Potência Ocupante, 1980/1984 Introdução Embora a Indonésia tenha assumido o controlo da maior parte do território e da população pelos finais da década de 1970, as Falintil continuaram a realizar assaltos e ataques aos postos - 132 - militares. As redes clandestinas fortaleceram-se e tornaram-se mais organizadas. Os reagiram a * esta resistência com um grande número de prisões e torturando e maltratando civis. Tentaram isolar membros da Resistência da população civil e trataram os presos políticos com dureza, 440 para que os civis percebessem que a associação à Resistência lhes traria grande sofrimento. Após a interrupção de um cessar-fogo de cinco meses em 1983, as ABRI realizaram uma ofensiva militar em larga escala. O padrão das prisões e da tortura no início da década de 1980 reflecte consideravelmente alguns acontecimentos e fenómenos específicos, nomeadamente: • Ataque Marabia, 1980 • Operação Segurança (Operasi Keamanan), Junho de 1981 • Levantamentos do monte Kablaki, 1982 • Prisões durante o cessar-fogo, Março a Agosto de 1983 • Interrupção do cessar-fogo, Agosto de 1983 • Operação Unidade (Operasi Persatuan), Agosto de 1983 a Junho de 1984 • Prisão, tortura e maus-tratos em 1984 Perfil das violações A Prisão, a tortura e os maus-tratos ocorreram ao longo deste período de quatro anos, embora tenha havido uma ligeira diminuição dos valores verificados durante a invasão e a ocupação do território. Contudo, a incidência de prisão e tortura aumentou ao longo do período e atingiu o ponto máximo por volta de 1983 — como se pode ver nas Figuras <g1222hrvd400.pdf>, <g1222hrvd600.pdf> e <g1222hrvd1000.pdf>. Existe uma correlação evidente entre os padrões † de prisão, tortura e maus-tratos dos anos de 1980 a 1984. [Inserir Figuras <g1222hrvd400.pdf>, <g1222hrvd600.pdf> e <g1222hrvd1000.pdf> por aqui] O auge das violações, em 1983, está provavelmente relacionado com a interrupção do cessarfogo, que foi seguido pela Operação Unidade (Operasi Persatuan), um esforço consciente dos militares indonésios para identificar as pessoas alegadamente envolvidas com as forças das ‡ Falintil. A Persatuan foi liderada pelas Forças Especiais ( Kopassandha), apoiadas pela força aérea, talvez devido ao papel dos Hansip no levantamento, que teria provocado uma grande desconfiança em relação aos soldados timorenses (ver Capítulo 3: História do Conflito). As áreas onde a violência era mais concentrada também mudaram da zona ocidental — onde a violência foi superior durante os anos da invasão — para as regiões oriental e central: 94,7% (7.173/7.574) dos casos de prisão documentados, 92,8% (2.229/2.403) dos casos de tortura documentados e 93,3% (1.455/1.560) de casos de maus-tratos documentados neste período ocorreram nas regiões central e oriental. Estas regiões abrangiam Díli e Ataúro, onde se situavam os principais centros de detenção, e os distritos orientais, onde a Resistência estava * Ver manual de instruções militares nº JUKNIS/05/I/1982, que identifica os ataques feitos pela GPK (Resistência) como “ameaças e distúrbios” e estabelece medidas de prevenção para lhes fazer frente [Manual de Instruções nº. JUKNIS/05/I/1982, System of Security in Towns and Resettlement Areas, tradução em Carmel Budiardjo e Liem Soei Liong, Zed Books, Londres, 1984, p. 184]. † O coeficiente de correlação entre os casos de prisões e tortura documentados é de 0,65 e o coeficiente de correlação entre os casos de prisões e maus-tratos documentados é de 1,0. ‡ A Operasi Persatuan foi lançada pelo major-general Benny Murdani para acabar de vez com a Resistência. Numa carta enviada ao comandante Xanana Gusmão em Junho de 1983, Murdani disse: “O nosso exército está preparado para vos destruir se não estiverem dispostos a colaborar com a nossa república. Estamos a preparar uma operação — Operasi Persatuan—que será iniciada em Agosto.” Citado in Budiardjo e Liem, p. 139 e 47. - 133 - sedeada na altura. Cerca de metade de todas as prisões e maus-tratos ocorreram nos distritos * de Díli e Lautém, como pode ser verificado abaixo. Quadro <t40060010002dist.rtf>. Neste período é também digno de nota o facto de as mulheres terem suportado uma média superior de prisão, tortura e maus-tratos comparativamente aos outros anos. Entre 1980 e 1984, 21,4% (1.601/7.574) dos casos de prisão documentados, 10,8% (259/2.403) dos casos de torturas documentados e 18,7% (292/1.560) dos casos de maus-tratos documentados foram † sofridos por mulheres. O aumento relativo na percentagem de prisões, tortura e maus-tratos sofridos por mulheres pode ser confirmado abaixo: Inserir Quadros <g210400b.pdf>, <g210600b.pdf> e <g2101000b.pdf>. Em parte, isto pode ser explicado pela detenção e transferência em massa de famílias, incluindo mulheres, para Ataúro, descrita à Comissão como prisão em vez de deslocação por muitas vítimas. Contudo, as mulheres também parecem ter sofrido uma média superior de violações deste tipo durante operações militares em larga escala do que noutras alturas. É evidente que, durante as suas principais ofensivas, os militares indonésios e os seus auxiliares não tomaram medidas adequadas para assegurar que os não combatentes (e, em particular, as mulheres) fossem protegidos da prisão, da tortura e dos maus-tratos. A análise dos perpetradores mostra que os membros das organizações de defesa civil foram responsáveis por muitos dos casos de prisão e tortura deste período. Durante o ano em que as prisões atingiram o ponto máximo, 1983, os Hansip foram identificados em 32,8% (644/1.966) dos casos de prisão. O Kopassandha também esteve bastante activo neste período. A sua participação na prisão arbitrária de civis, ao longo de todo o período da ocupação, atingiu o auge em 1983, tendo sido identificado como responsável por 20,2% (398/1.966) dos casos de prisão. Este facto deve-se à Operasi Persatuan, a reacção das organizações de defesa civil aos levantamentos. Levantamento de Marabia, Díli, 10 de Junho de 1980 A primeira vaga de detenções em larga escala e de prisão arbitrária no período 1980/1984 ocorreu depois de membros das Falintil e de grupos clandestinos atacarem a estação emissora Marabia, em Dare (nas colinas acima de Díli) e as casernas do Batalhão de Infantaria 744, em Becora (Díli oriental) a 10 de Junho de 1980. Segundo as informações recebidas, os militares foram surpreendidos pelo ataque e reagiram, prendendo, em Díli e nos distritos vizinhos, centenas de apoiantes da independência — ‡ conhecidos ou suspeitos de o serem — para descobrirem os atacantes. Foram detidas pessoas relativamente às quais não havia qualquer razão para se suspeitar de uma participação directa 441 no ataque, membros do movimento clandestino que se esperava pudessem fornecer 442 informações, e os “suspeitos do costume,” ou seja, pessoas habitualmente detidas devido a 443 ligações anteriores às actividades da Resistência. A repressão resultou do esforço conjunto desenvolvido pelas várias organizações dos militares indonésios, incluindo membros do Kodim e do Koramil, do Batalhão 744 e do Comando da Força 444 de Reacção Rápida (Komando Pasukan Gerak Cepat, Kopasgat). O tenente T314 [indonésio], * O distrito de Lautém relatou 23,7% (1797/7.574) de prisões, 23,3% (559/2.403) de torturas e 22,0% (343/1.560) de maus-tratos. O distrito de Díli relatou 27,3% (2.066/7.574) de prisões, 13,4% (322/2.403) de torturas e 23.5% (366/1.560) de maus-tratos. † Ao longo do período de mandato da Comissão, 13,9% (3.512/25.383) dos casos de prisão documentados, 7,7% (857/11.135) dos casos de tortura documentados e 12,3% (1.041/8.443) dos casos de maus-tratos documentados foram sofridos por mulheres. ‡ Segundo estimativas da Amnistia Internacional, foram presos 400 civis após o ataque [Amnistia Internacional, Relatório Anual de 1981]. - 134 - e o chefe de secção dos serviços de informação do Comando Militar Provincial de Timor-Leste (Komando Resort Militer, Korem) ordenaram e efectuaram pessoalmente muitas das detenções. Os membros das forças militares eram por vezes acompanhados ou auxiliados por um membro dos serviços de informação militares, dos Hansip, da Brigada Móvel da Polícia (Brimob), por um 445 babinsa ou por um chefe de suco. Por exemplo, Maria Imaculada, membro de uma organização que prestava apoio logístico à Resistência armada, foi chamada à casa do chefe de suco timorense T315 e identificada perante o tenente T314, que a deteve e a levou para o 446 Korem, em Díli. Membros do Kodim de Aileu também detiveram suspeitos e entregaram-nos 447 às autoridades em Díli. Prisão arbitrária A natureza conjunta do esforço também é indicada pela variedade de locais onde os presos foram colocados. Os centros de detenção formais incluíam o Posto do Comando Militar Provincial (Korem) em Díli, o Comando Militar 1627 (Kodim)do distrito de Díli, os Koramil e a 448 prisão da Comarca. Dando continuidade ao padrão de prisão da década de 1970, os presos eram deslocados com frequência e levados para centros de detenção informais, especificamente para serem interrogados e torturados. Estes centros incluíam o complexo do comando militar sub-regional (Mes Korem), a maternidade dirigida pela Associação das Mulheres dos Militares * (Persatuan Istri Tentara), chamada Kartika Candra Kirana (Kartika Sari) em Colmera (Díli), e o quartel-general da Unidade Conjunta de Serviços de informação (Satuan Gabungan Intelijen, 449 SGI), também em Colmera. Os períodos de prisão nestes centros variavam entre um dia e duas ou três semanas, ao fim das quais os presos eram libertados ou transferidos para a Comarca ou para a Ilha de Ataúro. Tortura e maus-tratos O tratamento dado aos presos era extremamente duro. David Dias Ximenes, que foi detido após ser apontado por vários presos como o autor do plano do ataque, foi levado para Mes Korem. Foi submetido a choques eléctricos, foi mergulhado num tanque cheio de água e viu um preso ser esfaqueado até à morte à sua frente. Os seus interrogadores ameaçaram-no do mesmo destino 450 caso não falasse. José Gomes Guterres, também preso em Mes Korem , descreveu a sua experiência: Havia cinco pessoas presentes no meu interrogatório: uma para fazer perguntas e quatro para me baterem quando as respostas não fossem suficientemente claras. Não interessava se a resposta era ou não verdadeira — tinha de ser a resposta que eles queriam. Fui espancado com coronhas de espingarda e pontapeado em todo o corpo. Ataram-me os pés e mãos e empurraram-me para um tanque de água, mantendo-me submerso durante dois minutos. Depois, voltavam a interrogar-me. Se eu não confessasse, todo o processo se repetia. Eles puseram dois lagartos com dentes afiados em cima do meu corpo e puxavam-lhes as caudas para que me mordessem e arranhassem. Passado um mês em Mes Korem, puseramme na prisão da Comarca, na cela da solitária, e, em 451 Setembro, enviaram-me para Ataúro. Maria de Fátima Pinto, que fazia parte da Base de Organização da Resistência, juntamente com David Dias Ximenes e Pedro Manek, fugiu para a floresta depois do ataque. Maria de Fátima Pinto disse à Comissão ter sido detida depois de um antigo membro da rede clandestina revelar * Por vezes referida como Mandarin, o bairro onde se situa. - 135 - o seu paradeiro às autoridades. Após três dias de interrogatório em Mes Korem, foi transferida para o quartel-general do Korem durante um mês, onde foi despida, espancada, submetida a choques eléctricos, queimada, mergulhada debaixo de água e lhe esmagaram os pés com uma 452 cadeira. Vários testemunhos mencionam a utilização de lagartos com dentes afiados durante a tortura e 453 em vários locais de detenção. Agapito da Conceição Rocha relatou que a Polícia, os Hansip e as ABRI o detiveram em Aileu uma semana depois do ataque de Marabia. Ele foi preso no Kodim de Aileu e interrogado, antes de ser enviado para Díli. Agapito Rocha disse à Comissão: Fui levado para o campo aéreo de Díli de helicóptero e depois levado imediatamente para o Comando Táctico [Komando Taktis, Kotis], em Mandarin, onde me tiraram toda a roupa e me colocaram num tanque de água durante três dias e três noites. Depois, os perpetradores soltaram um lagarto de dentes afiados dentro do tangue e ele mordeu as minhas orelhas, cara, lábios e órgãos genitais. Depois, tiraram-me do tanque e espancaram-me, pontapearam-me e levaram-me para uma sala para cantar a canção Foho Ramelau. Eles gravaram-me a cantar. 454 Estive mais de duas semanas preso em Mandarin. Amadeo da Silva Carvalho descreveu à Comissão como os soldados do Koramil de Becora obrigaram o seu pai, Luís Fátima Carvalho, a sentar-se numa árvore, como um macaco, durante 455 um dia inteiro. As pessoas presas após o ataque de Marabia foram mantidas em condições deploráveis. No Kodim de Díli, homens e mulheres eram obrigados a despir-se. Se um preso precisasse de ir à 456 casa de banho, ele ou ela era mandado ir nu, à frente de todos os outros prisioneiros. Agapito da Conceição Rocha descreveu as condições do dia a dia na Comarca: Estive preso na Comarca de Balide, numa cela pequena e estreita, com 14 outros prisioneiros. Não podíamos dormir na cela, só ficar de pé. Recebíamos uma refeição por dia e bebíamos água suja. Por causa disso, sofremos de diarreia que cheirava [tão mal] que os outros prisioneiros 457 não conseguiam suportar o cheiro. Alguns presos ficaram aprisionados na Comarca durante mais de um ano, sem receberem quaisquer informações sobre durante quanto tempo ficariam presos ou quando poderiam ser 458 visitados pelas famílias. - 136 - A prisão e tortura de Bernardino Ximenes Villanova Bernardino Ximenes Villanova foi detido, preso e torturado após o ataque da Resistência à estação emissora de Marabia, perto de Díli, em 1980. A Comissão entrevistou Bernardino e ele também depôs na Audiência Pública Nacional sobre Prisão por Motivos Políticos: A 10 de Junho de 1980, fomos para Marabia. O nosso objectivo era encontrar uma delegação que [soubéramos] vinha a Timor e provar ao mundo que a Fretilin ainda existia. Também tínhamos decidido atacar a estação emissora de Marabia. Às 2 da manhã, iniciámos o ataque. Algumas pessoas foram mortas durante o combate, que durou até às 10 da manhã. Depois, algumas pessoas, incluindo eu, renderam-se e os militares indonésios levaram-nos. Fomos levados para o Koramil de Becora e depois transferidos e presos no Kodim. Nessa mesma noite, fomos levados para a Comarca e, no dia seguinte, libertaram-nos e disseram: “Aqueles que estiverem perto do fogo, sentirão o calor. Aqueles que estiverem longe, não.” Na altura, eu vivia com o padre Alberto [Ricardo] em Becora e trabalhava como seu motorista. Quando cheguei à casa, dois homens da Hansip, que eu não conhecia, chegaram para me deter quando eu estava prestes a levar uma freira e um médico ao Farol. Antes de eles me apanharem, eu disse-lhes que não ia fugir e que, depois da viagem até ao Farol, iria para o Koramil de Becora. Mas o padre Ricardo seguiu-me num táxi e levou-me para a residência do bispo D. Martinho, em Lecidere. Às 06 da manhã de 12 de Junho de 1980, o tenente T314, um funcionário dos serviços de informação Korem, o condutor deste e um outro homem, vieram à casa do bispo e detiveram-me. Levaram-me para Mes Korem. Quando cheguei às escadas, um membro timorense das forças militares cumprimentou-me, esmurrando-me, pontapeando-me e espancando-me. Lá dentro as ABRI interrogaram-me sobre acontecimentos passados e sobre o meu trabalho com a Igreja. Eles queriam saber quem ao certo tinha participado no ataque de Marabia e qual a relação entre o meu trabalho com a Igreja e o ataque. Como me recusei a dar-lhes quaisquer informações, os soldados cobriram as caras com panos negros, como os ninjas, para que eu não soubesse quem estava a espancar-me. Deram-me socos e pontapés e queimaram-me com cigarros acesos e com fósforos. Depois, bateram-me com uma espingarda até eu desmaiar. Quando recuperei os sentidos, sentaram-me novamente numa cadeira e mandaram-me pôr o dedo grande de cada pé debaixo das pernas da cadeira. Primeiro, só eu estava sentado na cadeira, mas, logo depois, o tenente T314 sentou-se na cadeira, esmagando os meus dedos. Então, um soldado que eu não conhecia, deu-me pontapés por trás até eu cair. Os dedos de ambos os meus pés estavam partidos, mas eles continuaram a espancar-me até eu não aguentar mais e eu disse-lhes o nome do segundo-comandante, Luís Silva, o antigo chefe do suco de Hera [Díli]. As ABRI foram imediatamente para lá e capturaram Luís Silva. Às 12, reuniram-nos. Sentámo-nos os dois em frente de uma mesa e fomos interrogados e espancados com uma vara de metal até sangrarmos. Eu tinha um crucifixo ao pescoço e eles arrancaram-mo e deitaram-no fora. O interrogatório e o espancamento começaram ao meio-dia e duraram até à meia-noite. A 13 de Junho, tentaram que lhes falasse sobre a participação da Igreja no ataque. Recusei-me a falar. Começaram a dar-me choques eléctricos e a queimar-me com cigarros e continuaram a perguntar-me sobre a participação do padre Ricardo. Eu só lhes disse que não sabia mais nada. Eles puseram-me na parte de trás da sala às 9 da noite. Às 9 da manhã seguinte, puseram-me num tanque, juntamente com um lagarto de dentes afiados. Atiçaram o lagarto até ele morder a minha cara e rasgar a minha pele. Depois, puseram-me um balde na cabeça e perguntaram “A Igreja também esteve envolvida?” Como não respondi, bateram-me na cabeça com um cano de metal. Depois disto, fui levado de volta para a sala, onde fiquei durante uma semana. - 137 - Durante este tempo, as ABRI detiveram outro homem, José Soares, um líder comunitário de Bidau (Díli). Ele foi espancado e, durante o espancamento não ficou calado. Disse-lhes que eu fora um dos líderes do ataque. Fui colocado frente a frente com José Soares. O soldado disselhe para me esmurrar três vezes e eu caí no chão. Depois, os militares mandaram-me esmurrar José Soares três vezes. Ele não caiu. Fui novamente enviado para dentro e José Soares foi libertado. Um dia depois, fui colocado numa cela, onde fiquei até 28 de Julho. A 29 de Julho, os militares levaram-me novamente lá para fora. Despiram-me e puseram-me no tanque, desta vez com outro timorense. Eu não o conhecia, nem sabia por que razão fora posto no tanque comigo. Fomos amarrados e amarraram-nos um ao outro pelos órgãos genitais. Começaram a espancar o outro homem. Isto fez com que a corda que prendia os nossos órgãos genitais fosse puxada, magoando-me. Tive de me sentar ao lado do outro homem e esperar que ele acordasse porque ainda estávamos amarrados um ao outro. Depois disso, na altura quente do dia, fomos novamente amarrados um ao outro e colocados numa rocha, na zona soalheira do Korem, onde ficámos quase uma hora, até sermos levados para dentro. A 30 de Julho, levaram-me para a Comarca de Balide e puseram-me numa das celas de aço escuras, conhecidas por todas as pessoas que morreram dentro delas. Ficámos lá durante dez 459 dias e eu não sabia se era noite ou dia. Transferência de presos políticos para a Ilha de Ataúro Muitas pessoas presas depois do ataque de Marabia foram enviadas para Ataúro. Este foi o primeiro grupo de prisioneiros políticos a ser enviado para a ilha; alguns chegaram em Julho e mais se seguiram em Setembro de 1980. Foram enviados mais prisioneiros ao longo dos quatro anos seguintes. Esta forma de prisão não só punia os que haviam participado no ataque, como desmantelava as redes clandestinas, separando os membros activos das suas redes de apoio e * das suas famílias. Depois do ataque de Marabia, a Amnistia Internacional estima que tenham sido enviadas 120 460 pessoas para a ilha, ao passo que a Comissão calcula que o número de pessoas internadas em Ataúro tenha totalizado 500 em meados da década de 1980. Alguns presos foram enviados † de helicóptero, mas a maioria foram enviados de barco, em grupos grandes. Tanto Bernardino Villanova como Agapito da Conceição Rocha foram enviados de barco a 3 de Setembro. Bernardino Villanova relatou: Fomos retirados da Comarca a 3 de Setembro e fomos para a praia, onde esperámos por um barco pequeno. Às 3 da manhã, fui transportado de barco para a Ilha de Ataúro. Quando chegámos, havia pessoas a preparar uma casa em Ataúro. Deram-nos duas latas de milho. Muito já estava estragado, mas tivemos de come-lo. Em Ataúro, vivíamos em liberdade, mas não podíamos contactar as nossas famílias, que estavam em Díli. Suportámos isto até 461 sermos libertados, em 1984. * O manual militar do Korem sobre como desmantelar redes de apoio do GPK sugere a transferência para Ataúro de todos os membros da rede de apoio do GPK, bem como de familiares que ainda não tenham sido enviados: “Desta forma, poderemos cortar os laços entre as redes de apoio da colónia e os Nurep [Núcleos da Resistência].” [Comando Militar Regional (Korem) 164, Secção de Serviços de informação , Manual de Instruções: Como um babinsa ou uma Equipa Pembina Desa podem revelar/desmantelar redes de apoio do GPK, 30 de Agosto de 1982, tradução em Budiardjo e Liem, p. 180.] † Por exemplo, José Carvalho descreveu como o seu sogro, Abílio de Sousa, e um outro homem, Felisberto da Conceição, foram detidos e imediatamente transportados para Ataúro de avião, depois do ataque de Marabia [HRVD, Testemunho nº 2165]. - 138 - Guilherme da Costa (Bie Ki Ruby), Comandante da Fretilin, também foi enviado para Ataúro após o ataque de Marabia. Foi preso a 2 de Dezembro de 1980, cerca de seis meses depois do ataque, em Ostico (Vemasse, Baucau), porque foi identificado por um colega da Fretilin/Falintil durante um interrogatório. Guilherme da Costa esteve preso durante três semanas na RTP 12, em Baucau; duas semanas no Hotel Flamboyan, em Baucau; uma semana no Comando Táctico (Kotis), em Venilale (Baucau); duas semanas no quartel-general do SGI, em Colmera (Díli); e mais de um mês na prisão de Balide. Enquanto esteve na Comarca, Guilherme da Costa foi interrogado e torturado. Por último, foi enviado para Ataúro. A mulher e os filhos de Guilherme da Costa foram detidos em Ostico pouco depois e foram transportados directamente de Baucau para Ataúro, de barco. A família reuniu-se na ilha, onde permaneceu dois anos e meio. Guilherme da Costa explicou que, em 1983, alguns presos foram mandados para casa, mas as autoridades decidiram que ele e cerca de 700 outros, na sua maioria de Bucoli, Vemasse, Venilale, Uatu-Lari, Uatu-Carbau e Manatuto (na região oriental), ainda constituíam uma ameaça se fossem libertados. Estas pessoas foram reinstaladas em Cailaco, Bobonaro (na zona ocidental). Em Cailaco, a família viveu num pequeno abrigo temporário, com um telhado de zinco e paredes de lona. Todas as manhãs e noites tinham de se alinhar para serem contados. Podiam procurar comida durante o dia, mas não podiam sair de noite. Também eram obrigados a trabalhar, desempenhando tarefas como construir uma estrada, uma escola e um campo de futebol e fazer limpezas. Eram vigiados por membros da Hansip, pelo babinsa e pela Bimpolda. Guilherme da Costa e a sua família passaram quatro anos e meio em Cailaco até poderem ir para casa. Foi realizada uma cerimónia pública, na qual os presos foram informados de que Timor-Leste se tornara um local seguro, pois só restavam 50 membros da Resistência em todo o país. A maioria das pessoas foi para casa, mas Guilherme da Costa permaneceu ali até 1994, 462 para continuar as actividades clandestinas em que se envolvera na zona em redor de Cailaco. - 139 - Ataúro Ataúro, a ilha árida situada ao largo da costa norte de Díli, foi utilizada pela primeira vez pelos portugueses em 1937, para alojar prisioneiros políticos exilados de Portugal e das colónias portuguesas. Segundo Vasco Lopes da Silva, antigo chefe do suco de Vila (Ataúro, Díli), estiveram lá prisioneiros conhecidos, nomeadamente o pai de Manuel Carrascalão e Mário Lopes, o pai de Maria do Céu Lopes da Silva Federer, que foram exilados de S. Tomé. Em 1959, o Governo português enviou mais de 3.000 pessoas para Ataúro. Durante o conflito interno armado de 1975, o governador do Timor português e outros membros da administração portuguesa fugiram de Díli para Ataúro e dali para Darwin. Acabaram por ser apanhados por um 463 navio que os levou para Macau e para Lisboa (ver Capítulo 3: História do Conflito). A Indonésia utilizou Ataúro como local para prisão arbitrária do povo timorense entre 1980 e 1986, mas os números atingiram o auge em 1982, com cerca de 4.000 prisioneiros. Este valor é compatível com as informações reunidas directamente pela Comissão através do seu processo de recolha de testemunhos e de relatórios de fontes secundárias da Amnistia Internacional; ambos os dados confirmam que grandes grupos de pessoas foram presas na Ilha de Ataúro no * início da década de 1980. Estes valores são mostrados abaixo. [Inserir Figura gai400Ataúro.pdf>por aqui] [Inserir Figura <gTSVlnsInAtaúroM400.pdf>por aqui] A ilha era utilizada como prisão para prisioneiros políticos, bem como para civis, incluindo crianças e idosos, que tinham parentes na Resistência. Os presos eram enviados para a ilha em grupos grandes — o primeiro foi enviado em Julho de 1980, após o ataque de Marabia. A maioria das pessoas enviadas para Ataúro eram transportadas de barco, embora algumas fossem de helicóptero. Poucas eram informadas sobre o seu destino até embarcarem na viagem. 464 À chegada, os presos eram alinhados, contados e registados. As autoridades nomeavam então uma pessoa (chefes de associações de bairro), frequentemente do mesmo suco, para representar um grupo de presos, que era responsável pelo comportamento das pessoas desse 465 grupo. Embora as pessoas enviadas para Ataúro fossem prisioneiros no sentido em que não podiam sair da ilha, não estavam presas num edifício. O primeiro grupo de presos foi alojado na escola 466 primária na cidade principal de Vila. Subsequentemente, foram construídas habitações provisórias, com capacidade para alojar 20 a 40 famílias, perto de Vila, pelas autoridades de Ataúro ou pelos próprios presos. As habitações tinham telhados de metal enrugado e pedaços 467 de plástico preto ou de lona como paredes. Não tinham camas, nem água corrente. * A Comissão recebeu prova de várias fontes sobre o número de pessoas presas em Ataúro em diferentes alturas. Várias mencionam um número bastante superior a 4.000 e, no total, o número de pessoas transportadas para Ataúro entre 1980 e 1984 pode ter excedido bastante as 6.000. Céu Lopes Federer disse à Comissão que manteve uma lista de presos enquanto foi voluntária do CICV, com mais de 6.000 nomes [Depoimento na Audiência Pública Nacional sobre Prisão e Tortura, 17 e 18 de Fevereiro de 2003]. - 140 - No início, as condições de vida eram extremamente duras. Os militares distribuíam quantidades 468 insuficientes de milho podre. Céu Lopes Federer, antiga voluntária do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em Ataúro, disse que, quando as pessoas pediam mais comida, os militares enviavam um carregamento de helicóptero, mas isso nunca era suficiente. Muitas 469 sofreram de má nutrição e fome. As pessoas comiam folhas das árvores, algas do mar e, por 470 vezes, roubavam víveres das hortas da população local para se manterem vivas. Havia pouca 471 água limpa. Alguns presos, incluindo crianças e idosos, eram obrigados a trabalhar, sob a vigilância da Polícia ou dos Hansip, em troca de alimentação ou por uma remuneração muito 472 baixa. Alguns presos chegavam apenas com a roupa que tinham sobre o corpo porque tinham 473 sido obrigados a deixar os seus pertences para trás. A população local dava-lhes alimentação 474 e vestuário, mas muitos morreram devido a fome, sobretudo crianças e idosos. A ajuda dada pelo CICV, a partir de Fevereiro de 1982, melhorou consideravelmente as condições de vida quotidiana pois, entre outras coisas, fornecia medicamentos, arroz, leite, sardinhas, feijão475 mungo, chá e açúcar, comida enlatada e outros víveres. O CICV também enviava um médico à ilha para tratar dos doentes. A guarda dos presos de Ataúro estava a cargo de membros do Koramil, da Polícia e dos Hansip locais. Por vezes, os presos eram autorizados a sair de Vila para procurar víveres, mas primeiro tinham de obter uma autorização de viagem no Koramil para poderem sair do acampamento e 476 tinham de apresentar-se ao Koramil quando voltassem. Quem quebrasse as regras era 477 duramente punido. Céu Lopes Federer explicou, contudo, que a regra de autorização de viagem era aplicada com maior rigor durante os três primeiros meses que um preso passava na ilha e depois era aplicada de forma mais branda, para que as pessoas pudessem afastar-se mais da cidade principal sem autorização. Do mesmo modo, o recolher nocturno implementado pelo Koramil esteve, numa primeira fase, estabelecido para as 6 da tarde, mas depois prolongou-se 478 até às 8 e até às to 10 da noite. Numa fase posterior, os presos também podiam organizar 479 sessões de entretenimento, como dançar tebe licurai e tebe dahur (tipos de dança tradicional). Os presos não podiam ser visitados pelos seus familiares e a maioria dos presos não tinha como * informar os seus entes queridos acerca do seu paradeiro. A partir de 1982, o CICV começou a 480 registar os nomes dos presos e os seus sucos de origem e a informar as suas famílias. Por exemplo, Maria Fátima da Costa, de Same (Manufahi), disse à Comissão que, passados seis meses do desaparecimento do seu marido, foi informada pelo CICV que ele estava em Ataúro. 481 Ela pôde escrever-lhe uma carta e enviá-la através do CICV. Embora a maioria dos presos de Ataúro não fossem interrogados quando chegavam à ilha, eram realizados alguns interrogatórios. Guilherme da Costa descreveu como, geralmente nos primeiros três meses após a chegada, algumas pessoas eram chamadas ao Koramil ou à esquadra da polícia, e interrogadas. Os interrogatórios eram realizados por, entre outros, o primeiro-tenente T317 e T318, [ambos indonésios] um segundo-tenente da Pasmar (Pasukan 482 Maritim, Tropas de Fuzileiros), e um segundo-tenente (unidade de fuzileiros). A partir de 1983, as autoridades começaram a enviar pessoas para casa ou para outros locais em Timor-Leste. As pessoas que haviam sido detidas e enviadas para Ataúro devido à sua ligação com Mauchiga foram primeiro enviadas para Bonuk (Hatu-Udo, Ainaro) durante algumas semanas, antes de serem autorizadas a ir para casa. Um grande grupo de pessoas, que ainda se julgava constituírem ameaça, foi enviado para Cailaco (Ermera). * Testemunhas relataram à Comissão que o CICV iniciou as suas visitas em 1981, mas os Relatórios Anuais do CICV indicam que as primeiras visitas tiveram lugar no início de 1982. - 141 - Segundo Céu Lopes Federer, as condições de vida em Ataúro eram melhores do que as das prisões de Díli porque os presos não eram espancados todos os dias. No entanto, viviam em terríveis condições, longe de casa e muitos morreram de fome e doença. Adelina Soares disse que era como uma prisão. Era isolada. Algumas pessoas tentaram fugir, mas não conseguiram. Adelina Soares caracterizou a vida em Ataúro como sendo marcada por falta de víveres, fome, 483 doença, perda de contacto com a família, depressão mental e trauma. (Para mais pormenores sobre as condições de vida em Ataúro ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome) Operação Segurança (Operasi Keamanan), 1981 A Operação Segurança (Operasi Keamanan) foi uma reacção ao ressurgimento e * restabelecimento da Fretilin/Falintil no início de 1981. A operação foi iniciada em Junho de 1981 para eliminar a Resistência das áreas rurais e desmantelar as redes clandestinas que † asseguravam a sobrevivência das Falintil na floresta. Embora a operação seja mais conhecida por ter realizado em todo o território operações de “cerco de pernas” (Operasi Pagar Betis, também conhecida por Operasi Kikis) em larga escala, com o objectivo de capturar combatentes das Falintil, também incluía a prisão e o transporte para Ataúro de grandes números de civis ‡ ligados à Resistência. A análise quantitativa da Comissão mostra um claro aumento do número de prisões em Ataúro a partir de Junho de 1981, com um pico em Agosto, no auge da Operação Segurança. Mário (Marito) Nicolau dos Reis descreveu este aspecto da operação como se segue: Os militares estavam a começar a perceber que os combatentes da guerrilha continuavam a conquistar o apoio do povo. Isso era evidente pelo fluxo contínuo de apoio logístico, de fornecimento de vestuário, munições e outros…equipamentos aos combatentes da guerrilha. Eles [os militares indonésios] começaram a traçar um plano, segundo o qual os que ainda tivessem família na floresta seriam exilados para Ataúro. Este plano incluía-nos, aos 484 que dirigíamos a organização clandestina. A Comissão considera que alguns casos de transferência em massa de civis para Ataúro constituem deslocação forçada; estes são discutidos no Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome. São casos em que a pessoa não tinha feito nada de “errado”, mas foi transferida para a ilha por estar relacionada com uma pessoa que ainda estava na floresta (por conseguinte, presumivelmente da Fretilin/Falintil), ou por ser de uma área onde a Fretilin/Falintil estivesse activa. Os testemunhos recebidos pela Comissão indicam que esses presos geralmente não eram interrogados, nem presos noutros locais antes de serem enviados para a ilha e, por isso, não relataram tortura nem maus-tratos. Os civis da região oriental de Timor-Leste, onde a Fretilin/Falintil era mais activa, eram particularmente vulneráveis a sofrer deslocação forçada * Na conferência nacional da Fretilin/Falintil em Março de 1981, Xanana Gusmão foi eleito chefe do recém-formado Concelho Revolucionário da Resistência Nacional, CRRN e Comandante-em-chefe das Falintil. Sob sua liderança, a Fretilin/Falintil começou a depender mais das redes clandestinas, sobretudo porque as bases de apoio já não estavam em funcionamento. As Falintil também se tornaram mais localizadas, recorrendo a unidades mais pequenas para atacar os alvos indonésios [ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia]. † A Pasmar 11 actuou em Timor entre 1 de Abril e 24 de Novembro de 1981, com o objectivo de ajudar as ABRI a levar a efeito a Operação Segurança. As suas actividades antiguerilha incluíam: detecção de áreas civis suspeitas de serem solidárias com a Resistência; destruição de redes de espionagem através do interrogatório de presos e da recuperação de documentos; desmantelamento das ligações entre as forças da Resistência e as suas famílias, enviando-as para Ataúro. ‡ A Operação Segurança é discutida em pormenor em vários capítulos; Para uma análise geral e contextualização histórica, ver Capítulo 3: História do Conflito; ver também 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome; 7.5: Violações do Direito de Guerra e 7.8: Violações do Direito da Criança. - 142 - * para Ataúro. Num determinado caso, em Julho de 1981, um grupo de 300 parentes de membros da Fretilin/Falintil do distrito de Baucau foram reunidos pelos seus chefes de suco. Depois, foram † enviados para Ataúro pelos militares. Noutros casos, contudo, a Comissão considera a transferência de presos políticos para Ataúro durante a Operação Segurança uma forma de prisão arbitrária. As vítimas eram deslocadas porque tinham feito algum acto de resistência — desde dar comida a um familiar que ainda estivesse escondido a participarem numa das estruturas emergentes de apoio à Resistência 485 armada, conhecidas como Núcleos de Resistência Popular, Nurep). A Comissão também recebeu relatos sobre a detenção de homens por se recusarem a participar numa Operação 486 Kikis, ou no regresso de uma dessas operações. Estes casos incluem, entre outros: * Testemunhos da HRVD que indicam detenções arbitrárias nos distritos orientais de Timor-Leste: nº 7786; nº 7096; nº 3959; nº 7608; nº 4367; nº 5383; nº 0206; nº 4383; nº 5346; nº 8759; nº 8795; nº 3052; nº 6081; nº 6145 e nº 8744. Segundo Ernest Chamberlain, 24 famílias de Iliomar (Lautém), todas com familiares das Falintil na floresta, foram exiladas para Ataúro em 1981. A maioria das famílias foi exilada durante 15 meses, findos os quais foram transferidas para Maliana (Bobonaro) durante mais quatro anos, antes de regressarem a Iliomar em 1986 [Ernest Chamberlain, The Struggle in Iliomar, Resistência in rural East Timor, Point Lonsdale, Austrália, 2003, p. 25]. † Por exemplo, Ricardina Ximenes disse à Comissão que a 12 de Junho de 1981, o chefe do suco de Teki Nomata (Laga, Baucau), T319, lhe disse que ela devia reunir os seus pertences e ir para Ataúro, porque um familiar dela, Teotoni, ainda estava na floresta. Ele mandou Ricardina, os seus dois filhos, o seu marido e outro familiar reunirem-se no escritório de um babinsa, juntamente com muitos outros cidadãos de Teki Nomata e o grupo foi levado em camiões para o porto de Laga, para partir para Ataúro. Testemunho nº 7786 da HRVD. - 143 - • Celestino Verdial falou sobre a sua detenção em Ainaro em meados de Setembro de 1981, após o seu regresso de uma Operasi Kikis. A operação não tinha descoberto Xanana Gusmão nem Venâncio Ferraz e o comando militar local começou a suspeitar que ele escondia os líderes das Falintil. Um membro das forças militares deteve-o e levou-o para o Koramil de Hatu-Udo (Ainaro) e depois para o Kodim de Ainaro, onde foi interrogado, espancado e ameaçado de morte até admitir fornecer víveres a Venâncio Ferraz. Celestino Verdial passou uma semana no Koramil. Depois, foi enviado para as casernas do Exército em Taibessi (Díli). Celestino Verdial disse que foi enviado de 487 helicóptero para Ataúro com 11 outros presos em 1981. • Aquiles da Costa foi detido com os seus cinco tios (Armando Soares, Jacinto Soares, Cipriano Soares, Pedro Soares e Izidio Soares) em Vemasse (Vemasse, Baucau) a 1 de Outubro de 1981, sob suspeita de ter dado oito sacas de arroz e um búfalo às Falintil. A detenção foi feita por dois agentes dos serviços de informação das ABRI, que levaram os presos para o posto das ABRI em Laga. Os tios de Aquiles da Costa foram espancados com bastões de metal. Depois, os seis presos foram amarrados e mergulhados debaixo de água. Ficaram presos durante dois dias em Laga antes de serem enviados de barco para Díli e dali para Ataúro, onde permaneceram durante cinco 488 anos. • Fernando da Costa Lopes, de Haurobo (Baucau) descreveu como o seu pai, José Lopes, foi capturado e levado para Ataúro em finais de 1981. José Lopes já havia sido detido duas vezes por fornecer mercadorias às Falintil. Alguém chamado T320 [um funcionário 489 de uma cidade timorense] prendeu José Lopes durante um dia e espancou-o. • Domingos Madeira era suspeito de ser espião das Falintil e de ter participado no ataque das Falintil em Hariana (Uato Haco, Baucau). A 15 de Junho de 1981, foi detido pelo Comandante da Hansip T321, dois membros da Hansip chamados T322 e T323 e por um soldado das ABRI. Os seus captores levaram-no para o Koramil de Venilale, onde foi interrogado pelo membro timorense do Parlamento regional T324, pelo Comandante da Hansip T325 e pelo Comandante T326. Enquanto o interrogavam, espancaram-no com a coronha de uma espingarda, pontapearam-no e esmurraram-no. Domingos Madeira disse ter sido espancado regularmente até Agosto de 1981, altura em que foi enviado para a prisão de Balide, onde ficou durante vários dias, antes de ser enviado para 490 Ataúro, onde permaneceu dois anos. A maioria das pessoas detidas durante a Operação Segurança era proveniente da região 491 oriental. Esta informação é compatível com a das fontes secundárias, que indicam que esta “operação de limpeza” se concentrou nos distritos orientais e que “o Hotel Flamboyan, em Baucau, serviu de comando militar central para a operação “cerco de pernas” [Operasi Pagar * Betis] em 1981”. Também foram efectuadas algumas detenções nas regiões central e ocidental durante a Operação Segurança, mas a estratégia de prender grandes grupos de familiares e deslocá-los para Ataúro não era tão utilizada. Nos locais onde era levada a efeito, os familiares eram frequentemente presos e interrogados antes de serem enviados para a ilha. Por exemplo, uma mulher timorense disse à Comissão que, em 1981, o chefe do suco de Rotuto (Hatu Builico, Ainaro), T327, e um timorense chamado T328, ambos agindo sob ordens das ABRI, a obrigaram a participar num plano para fazer o seu marido regressar da floresta: * Cristiano da Costa in Michele Turner, Telling East Timor: Personal Testimonies 1942-1992 , Sydney, New South Wales University Press, 1992, p. 185; Ver também Constâncio Pinto e Matthew Jardine, East Timor's Unfinished Struggle, Inside the Timorese Resistência, Boston, South End Press, pp. 84-86; Um manual de instruções militar também refere que “é no sector oriental que o apoio popular é mais militante e mais difícil de descobrir. Isso deve-se à existência de laços familiares muito próximos e fortes e ao facto de o GPK ter consolidado a sua liderança política durante vários anos nesta região.” [Comando Militar Regional (Kodam) XVI, Procedimento Estabelecido (PROTAP) in Serviços de informação nº. 01/IV/1982: Instruções para Actividades de Serviços de informação Territoriais em Timor-Leste, tradução em Budiardjo e Liem, pp. 193-210]. - 144 - O chefe de suco T327 trouxe-me algumas cartas a convencer o meu marido e outros membros das Falintil a renderem-se. Naquela altura, eu tinha um filho pequeno, mas [mesmo assim] tinha de levar as cartas para a floresta e pregá-las às árvores em todos os trilhos para que o meu marido…e outros membros das Falintil as vissem. Depois, as ABRI aprisionaram-me no Kodim de Manufahi 1634 durante sete meses porque estavam a realizar uma operação em Aitana. O comandante do K o d i m de Manufahi ordenou-me [então] que eu e o meu filho (6 anos) e o meu irmão mais novo (4 anos) fossemos para Ataúro. Ficamos aprisionados em Ataúro durante quarto 492 anos, sete meses e sete dias. Marçal Lourenço Ribeiro descreveu a sua detenção em Agosto de 1981, por de fornecer víveres às Falintil: Fui detido pelas ABRI numa quinta em Ormahei, Letefoho [Manufahi] porque era suspeito de ter a minha horta perto da floresta para poder dar víveres às Falintil. Eu levado para o Kodim de Manufahi 1634, onde fui espancado quatro vezes com uma sandália pelo chefe de secção dos Serviços de informação [Kepala Seksi, Serviços de informação , Kasi I]. Depois, o chefe dos serviços de informação disse a um Hansip para me pôr num tanque de água durante uma hora, finda a qual fui retirado do tanque e posto numa cela secreta, onde permanecei cerca de três dias. Depois, fui retirado da cela e fui colocado na sala normal da prisão. Durante o tempo que estive preso, o chefe dos serviços de informação mandou-me trabalhar no campo de arroz dele e limpar a erva em redor de Same 493 durante três meses. A incidência de tortura entre as regiões também variava nesta altura, por razões semelhantes. Na região oriental, havia uma correlação mais baixa entre prisão ou maus-tratos e tortura, comparada com as das regiões central e ocidental. Uma provável razão para esta diferença é a proporção mais elevada de detenções localizadas de membros das redes clandestinas nas 494 regiões central e ocidental. Segundo os testemunhos, os militares prendiam os membros de redes clandestinas durante algum tempo no território principal de Timor-Leste, onde os interrogavam e frequentemente torturavam, antes de os enviarem para Ataúro. Contudo, a maioria das famílias detidas foram enviadas directamente para Ataúro sem serem interrogadas. Como se verificou uma proporção mais elevada de familiares detidos e enviados directamente para Ataúro nas regiões orientais, a proporção de presos que sofreram tortura ou maus-tratos nestas áreas é inferior, quando comparada com as das regiões central e ocidental. No ano mencionado, foram enviadas para Ataúro pessoas dos 12 distritos. Depois da Operação Segurança A Operação Segurança terminou no final de 1981, sem ter capturado qualquer figura principal da * Resistência. Em 1982, os militares continuaram a prender membros da Resistência armada e de * Algumas testemunhas que participaram na Operasi Keamanan disseram à Comissão que o grupo a que pertenciam não entrou em conflito armado com as Falintil, não fez quaisquer detenções e não matou ninguém durante toda a operação. No entanto, a Comissão recebeu informações sobre várias violações fatais durante a operação, culminando num confronto entre as ABRI e as Falintil no monte Aitana, que, segundo as informações recebidas, resultou na morte de - 145 - redes clandestinas e a deslocá-los para Ataúro. Os militares fizeram muitas detenções localizadas, baseadas em informações sobre a população civil fornecida pelos Hansip, pelos Ratih e outros grupos de defesa civil. Adelino Soares falou à Comissão sobre a sua detenção, devido a ser membro da rede clandestina em Uatu-Lari (Viqueque), baseada em informações que um Ratih dera às forças militares locais. O Ratih T277 encontrou documentos pertencentes à rede clandestina no corpo de um estafeta por si baleado e morto, nos quais se referia o nome de Adelino. O Ratih T277 informou imediatamente o Koramil de Uatu-Lari sobre o envolvimento de Adelino na rede clandestina. O Comandante do Koramil mandou T330, T91 (um tradutor timorense) e um membro do Koramil deter Adelino Soares, em sua casa, a 26 de Março de 1982. Adelino Soares descreveu como foi ameaçado com uma arma aquando da sua detenção e levado para o Koramil de Uatu-Lari, onde o Comandante do Koramil o interrogou e o espancou e o vicecomandante do Koramil o espancou com uma arma e o pontapeou com botas militares. Depois de passar um mês no Koramil, Adelino Soares e nove outros presos foram levados para Ataúro 495 de helicóptero. Adelino Soares só regressou a casa a 7 de Fevereiro de 1986. Os militares também mantiveram o costume de manter pessoas por perto suspeitas de pertencerem à rede clandestina para que pudessem vigiar as suas actividades. Este costume também pode ter sido uma maneira de os serviços de informação das Forças Armadas descobrirem mais sobre as redes clandestinas. Marito Reis, um membro destacado das redes clandestinas, declarou ter sido retirado da prisão em Ataúro para se tornar motorista do chefe dos serviços de informação do Korem, Willem da Costa. Marito Reis acredita que se tratava de uma táctica “para que…eu lhe desse informações sobre as organizações, ou os problemas existentes em Timor-Leste”. Enquanto trabalhou para Willem da Costa, Marito Reis liderou a rede clandestina em Díli. Foi novamente detido em 1982, depois de os militares descobrirem 496 uma revista clandestina. Alexandrina Amaral descreveu como foi presa em 1982 por membros do Koramil de Ainaro, depois de o chefe dos serviços de informação do Koramil a acusar de ser mulher do Comandante das Falintil Venâncio Ferraz. Alexandrina Amaral foi presa numa cela especial no Koramil de Ainaro, não tendo recebido qualquer alimentação nem autorização para se lavar, podendo apenas utilizar a casa de banho, durante os dias que esteve presa. Depois, foi levada para Díli e presa na Comarca durante nove dias, até ser transportada de barco para Ataúro. Alexandrina Amaral foi libertada em 1986, mas decidiu ficar em Ataúro porque já tinha casado e 497 construído uma casa. Finais de 1982 – Levantamento das Falintil junto ao monte Kablaki Os levantamentos de Kablaki ocorreram a 20 de Agosto de 1982, junto ao monte Kablaki, nos sucos de Mauchiga, Dare e Mulo (Hatu-Builico, Ainaro), Aitutu (Maubisse, Ainaro) e Rotuto (Same, Manufahi). A Comissão realizou uma investigação abrangente na região de Mauchiga sobre os acontecimentos de Agosto de 1982 e muitas das conclusões que se seguem são fruto 498 dessa investigação. No que diz respeito aos casos de prisão arbitrária de civis de Rotuto e Aitutu, a Comissão baseou-se em testemunhos narrativos e em Perfis Comunitários. Primeiras detenções A 6 de Julho de 1982, três membros das Falintil reuniram com 36 homens de Mauchiga em Nailemali (Mauchiga) para planear um ataque ao Koramil de Hatu-Builico. Os militares indonésios receberam informações sobre a reunião e, a 10 de Julho de 1982, os militares e membros da Hansip de Hatu-Builico iniciaram uma operação casa-a-casa nos sucos de Gulora, vários membros das Falintil e numa detenção em massa [ver Subcapítulo 7.2 sobre Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, para mais informações sobre este incidente]. - 146 - 499 Mauchiga e Hatuquero. Detiveram cerca de 30 pessoas, 16 das quais tinham participado na 500 reunião. Todos os presos foram directamente levados para o Kodim de Ainaro. Abílio dos Santos Belo, um dos presos, fez a seguinte descrição à Comissão: Quando chegámos ao Kodim, puseram-nos num local de prisão especial. O chefe dos serviços de informação do Koramil conduziu a investigação e torturou-nos, um a um. Não foi só eu que fui espancado pelos membros do Koramil e pelo chefe dos serviços de informação ; outros companheiros foram espancados até o sangue escorrer e 501 alguns morreram na prisão. Os militares prenderam os prisioneiros em Ainaro durante mais de um mês antes de os transferirem para a Comarca. Estes presos foram as primeiras pessoas da área do monte 502 Kablaki a serem enviadas para Ataúro. Depois do Levantamento Apesar destas detenções de civis de Mauchiga em Julho, os ataques das Falintil prosseguiram a * 20 de Agosto de 1982. Os soldados das Falintil sob o comando de Venâncio Ferraz e de Mau Hunu atacaram vários postos militares e policiais, incluindo o Koramil de Dare, o Koramil e a 503 esquadra de polícia de Hatu-Builico e os postos da Hansip em Aitutu, Raimerhei e Rotuto. Imediatamente depois dos ataques, as forças militares de Ainaro, Same, Aileu, Díli e Lospalos convergiram na região, nomeadamente o Batalhão de Infantaria 744 e o Batalhão de Infantaria 504 745. Estes batalhões foram reforçados por membros do Kodim 1633, da Polícia e da Hansip. As forças militares queimaram habitações em Dare, encerraram as escolas e obrigaram as 505 mulheres e as crianças a servirem de guardas nos postos militares. Depois de queimar as habitações, o Exército montou postos em todas as aldeias da área e acrescentou cerca de oito 506 “postos comunitários” em redor de Dare. Os combatentes das Falintil e muita da população fugiram da área, alguns subindo o monte Kablaki. Um grupo de cerca de 30 pessoas de Mauchiga que se escondeu na caverna de Nonai foi capturado e levado para Dare. Um outro grupo de Mauchiga escondeu-se em Tisimai, junto a Same, mas acabou por se render ao 507 Koramil de Same. Detenção Aqueles que não tiveram oportunidade de fugir dos sucos de Mauchiga, Dare ou Mulo foram capturados pelos militares. Em Mauchiga, a população de todo o suco foi arbitrariamente presa e levada para Dare. Noutros sucos, as provas indicam que os militares localizaram pessoas suspeitas de terem participado no ataque ou de terem informação útil. As provas em que os militares baseavam as suas detenções eram frequentemente insuficientes. Mariano de Araújo, de Mulo, por exemplo, disse à Comissão ter sido detido porque a Hansip lhe ordenou que trabalhasse como segurança no Koramil de Hatu-Builico. Como ele não apareceu, detiveram-no 508 por suspeita de participação dos levantamentos. 509 Em Rotuto, foram detidos alguns membros da Hansip. Luís da Costa Soares disse à Comissão ter sido detido, juntamente com 18 outros suspeitos de ter participado no Levantamento em Rotuto. Foram levados primeiro para o Koramil de Manufahi Kodim, depois para o posto de Nanggala em Aisirimou (Aileu), para o Korem de Díli e, por último, para a prisão * Correram informações em Mauchiga de que, a 20 de Agosto, o aniversário da fundação das Falintil, haveria um levantamento geral por todo o território. [Ver CAVR e Fokupers, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuso dos Direitos Humanos das Mulheres de uma Perspectiva Comunitária: Mauchiga1982/1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, p. 2]. - 147 - de Balide (Comarca). Ficaram presos na Comarca até Outubro de 1982, altura em que foram enviados para Ataúro. Os familiares de membros conhecidos das Falintil ou de pessoas que fugiram dos seus sucos também eram perseguidos. Luís Nunes disse à Comissão que fugiu para a floresta depois dos ataques, mas que os militares detiveram a sua família sob suspeita de pertencerem à Fretilin, incluindo a sua mulher Beatriz da Costa e cinco outros familiares: Alzira da Silva, Olandina da Costa, Talvina Freitas, Rosantina Seizas e Luísa Xavier. Foram levados para o posto militar de Rotuto, onde ficaram por uma noite, e depois estiveram nove dias presos no Posto de Comando 510 de Same, no Koramil. Depois, foram enviados para Ataúro, onde permaneceram três anos. A maioria das detenções na área em redor de Mauchiga foram feitas pelos Hansip, frequentemente acompanhados por um oficial das ABRI, como o chefe dos serviços de informação do Kodim, ou por um funcionário do governo, como o secretário de subdistrito 511 timorense T331. Os membros da Hansip mencionados à Comissão com mais frequência * foram T332, T333, T334 e T335. Em Rotuto, foram efectuadas detenções pelo Comandante do 512 Kodim de Manufahi, pelo Comandante do Koramil de Same e pelo administrador do distrito. Algumas pessoas eram detidas em diferentes alturas, por diferentes organizações. Mário Amaral foi detido pelo Koramil antes do ataque de Mauchiga e depois voltou a ser detido, passados alguns meses, pelo Kodim. Segundo o seu familiar Domingos Amaral, as duas instituições não partilhavam informações entre si: O Koramil ou o Kodim, a Polícia ou outras instituições militares, [todas] tinham as suas próprias listas com nomes de civis a deter. Porque o Koramil e outras instituições militares não tinham conhecimento de quem estava aprisionado no Kodim e vice-versa. O Kodim e outras instituições militares encarregues de Ainaro na altura não sabiam quem estava preso no Koramil. Por vezes, [as ABRI] não trabalhavam juntas para prender civis. Parecia que as pessoas se tinham tornado peças de um concurso 513 das [das ABRI] e serviam para aumentar a classificação. Prisão e interrogatório Os civis presos imediatamente depois dos ataques foram interrogados durante várias horas. As pessoas capturadas nas cidades de Mauchiga, Dare ou Mulo foram levadas para o Koramil de Hatu-Builico, o Koramil de Ainaro ou o Koramil de Dare. As pessoas de Aituto foram levadas † para o Kodim de Ainaro e para postos militares em Same. A maioria dos presos de Rotuto foram levados para ao Kodim de Manufahi, onde ficaram durante períodos entre um dia e três meses. [47.] Alguns presos eram libertados depois do interrogatório, mas outros ficavam presos, para serem alvo de uma investigação mais aprofundada. Dos presos de Mauchiga e de Mulo que não 514 foram libertados foram levados para o Kodim de Ainaro. A população de Mulo descrevem como dez pessoas foram presas no Kodim de Ainaro, numa sala tão pequena que não 515 conseguiam sentar-se. Outras foram levados para o posto das ABRI em Lesu Hati, onde 516 ficaram presas durante períodos que variaram entre alguns dias e algumas semanas. Passada uma semana, 12 camiões Hino chegaram a Lesu Hati para conduzir os presos para Díli, para que dali pudessem ser enviados para Ataúro. Os camiões já estavam tão cheios de presos * Outros Hansip mencionados foram: T336, T337, T338, T339, T340, T341, T342, T343, T344, T335, T346, T347, T348, T348, T349, T350, T351, T352, T353, T354, T355, T356 e T357. † Testemunho nº 2050 da HRVD; Domingas Pacheco foi detida pelo Batalhão de Infantaria 745 em Aituto e levada para o Kodim de Ainaro para ser interrogada [HRVD, Testemunho nº 4910]. - 148 - provenientes de Same e de Ainaro que só alguns couberam. O chefe do suco de Aitutu, T358, 517 conduziu ele próprio, a pé, os presos que ficaram em Lesu Hati até ao Koramil de Dare. Tortura e outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante O tratamento dado aos presos era extremamente duro e muitos eram torturados. Em Ainaro, os interrogatórios e a tortura eram levados a efeito por membros indonésios do Kodim de Ainaro, 518 519 como o Comandante T359, o Comandante do Koramil T360, o comandante sargento do 520 521 Koramil T361, e o sargento T362 , bem como por membros do Batalhão de Infantaria 744 do 522 posto de Manatuto e por tropas do Batalhão Zipur 5 — que estiveram estacionadas em Dare 523 desde 5 de Setembro até Dezembro. O administrador do subdistrito de Hatu-Builico, T363, 524 também foi mencionado num testemunho. No Kodim de Manufahi, o chefe dos serviços de informação indonésio T364, o Comandante do Kodim e o babinsa T365 [timorense] interrogaram e espancaram pessoas. Seguem-se alguns pormenores destes casos: • Domingos Melo disse à Comissão ter desmaiado ao ser agredido na cabeça com um pedaço de madeira. Quando recuperou os sentidos, descobriu que o seu joelho fora 525 cortado com uma faca e que estava numa cela de prisão. • Uma mulher timorense de Mauchiga, descreveu como os soldados dispararam contra os civis no dia do ataque dos militares. Ela tentou fugir, mas foi capturada e os soldados pontapearam-na e esfaquearam-na. João Tilman, uma das pessoas que a acompanhavam na altura do ataque, foi morto no tiroteio. Os soldados cortaram a cabeça dele e obrigaram-na a transportá-la até Dare. Quando chegaram ao suco de Dare, a cabeça foi enterrada e ela foi levada para o Kodim de Ainaro, onde ficou presa durante três meses. Durante este período, foi submetida a choques eléctricos na cara e forçada a tornar-se muçulmana. Quando recusou, foi espancada até perder a consciência. Ela e um outro preso foram também obrigados a procurar as Falintil na floresta durante um mês e meio. Quando regressaram sem ninguém, ela foi forçada a 526 “ser casada” com um soldado durante mais de um ano. • Rui Soares de Araújo, um membro da Hansip, foi preso e torturado no Koramil de Ainaro por fornecer informações vitais às Falintil antes do ataque. Ele falara ao Comandante das Falintil Venâncio Ferraz sobre a quantidade de soldados e de armas existentes no Koramil de Dare, bem como sobre o horário de patrulha dos soldados e as horas a que o escritório do Koramil estaria vazio. Ele disse à Comissão: Depois do incidente de Mauchiga, o Comandante do K o r a m i l de Hatu-Builico suspeitou que eu tivesse colaborado com as Falintil no ataque ao Koramil de Dare…Uma semana depois, a 26 de Agosto de 1982, fui detido no mercado pelo agente da polícia T366 e levado para o Koramil de Ainaro, onde fui interrogado pelo chefe da secção de serviços de informação e por T366. Depois, T366 espancou-me com um cabo eléctrico, esbofeteou-me e pontapeou todo o meu corpo até eu cair no chão, inconsciente. Depois disso, fui levado para o Kodim de Ainaro e, passado um mês, fui transferido…para a prisão de Balide. Depois, a 11 de Outubro de 1982, fui levado para o porto de Díli e embarquei no ferry Seiçal, no qual fui enviado para Ataúro, juntamente com 11 outras pessoas 527 de Ainaro. A violência sexual contra os prisioneiros foi perpetrada contra muitas mulheres que foram presas depois dos levantamentos (ver Subcapítulo 7.7: Violência Sexual.) Por exemplo, seis mulheres que foram levadas para o posto das ABRI em Manatuto foram torturadas e violadas. Algumas foram violadas em Lesuhati. Uma mulher timorense disse à Comissão: - 149 - As ABRI e os Hansip seguiam-me todas as noites porque eu tinha cerca de 14 anos na altura. Fui torturada de várias maneiras antes de ser violada. Fui espancada com uma arma, queimada, despejaram água em cima de mim e fui despida. Eles levaram-me para fora [para o meio dos juncos] e aconteceu uma coisa que eu nunca imaginara. Na primeira noite, fui violada por T367 [timorense] do Batalhão de Infantaria 744, um cabo. Na segunda noite, fui violada por T368 [timorense], soldado do 744, também com a patente de cabo. Na terceira noite, fui violada por T369 [timorense] do Batalhão de Infantaria 744, um cabo. Depois disso…o meu corpo ficou encharcado em 528 sangue. Prisão no suco Além de prenderem vítimas nos seus postos de comando, os militares também utilizaram uma táctica de “prisão no suco”, baseada em concentrar civis de toda a região dentro das fronteiras de certos sucos e prendê-los em edifícios ou áreas públicas e privadas. Por exemplo, a Comissão tomou conhecimento de que muitas pessoas de Mauchiga eram levadas para Dare após a detenção. Primeiro, eram registadas no Koramil de Hatu-Builico e depois divididas em grupos. Alguns grupos eram levados para o mercado e outros para a escola primária por detrás do Koramil. Quando o mercado e a escola ficavam cheios, os presos eram levados para habitações particulares em Dare. Este tipo de prisão continuou a ser efectuada durante vários meses. As pessoas presas no mercado construíram habitações de madeira e juncos. Eram cuidadosamente vigiadas e só podiam procurar víveres ou lenha em grupo e com autorização do Koramil. Um membro do Koramil acompanhava o grupo, que tinha de se apresentar no Koramil quando regressasse. Se alguém andasse sozinho ou voltasse tarde, ele ou ela era colocado num de três tanques de peixes situados à frente do Koramil de Dare. As pessoas presas na escola encontravam-se em três das quatro salas grandes da escola e os presos de cada sala não podiam falar com os das outras salas. Além das más condições em que estas pessoas estavam presas, a sua experiência foi piorada pela crueldade dos seus captores e da impunidade com que as Forças Armadas e os seus auxiliares actuavam. A Comissão registou várias violações graves dos direitos humanos perpetradas contra civis cuja liberdade de movimento no seu suco era restringida desta maneira — nomeadamente homicídios sádicos, por vezes cometidos em público para aterrorizar a * população. Também existem relatos sobre violação sexual generalizada e sobre outras formas † de violência sexual perpetradas por membros das forças militares e da Hansip. A tortura e os maus-tratos não eram cometidos apenas para punir a pessoa, mas também para instilar medo na comunidade. As vítimas eram torturadas perante uma multidão ou eram * Apenas um exemplo: Bernardino dos Reis Tilman viu o Comandante do Zipur 5 T370 decapitar um homem chamado Tomás com o seu machado perante a população local. Depois, ordenou que a cabeça de Tomas fosse cozinhada no quartel-general do Koramil em Dare e obrigou dois membros do seu batalhão a comer a cabeça enquanto tirava fotografias. Também mordeu o pénis de um homem morto e mandou membros do seu batalhão fotografá-lo e mostrou as fotografias à população local, anunciando “todos vocês, mais tarde vou comer-vos assim. Vou cortar-vos a cabeça e vou comê-lo assim”. [Entrevista da CAVR a Ana Britos, que recebeu informações sobre o destino do seu marido através de Bernardino dos Reis Tilman, Mauchiga, Ainaro, 29 de Maio de 2003]. † A Comissão também recebeu relatos segundo os quais os membros das Forças Armadas e da Hansip violaram cinco mulheres atrás do mercado, duas das quais estavam grávidas na altura da violação. CAVR e Fokupers, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuso dos Direitos Humanos das Mulheres de uma Perspectiva Comunitária: Mauchiga 1982-1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, pp. 8-9]. - 150 - mandadas informar outros dos maus-tratos por si sofridos. Por exemplo, Leonel Cardoso Pereira, de Aitutu contou como o seu irmão mais velho, Fernão, foi torturado desde casa e ao longo da estrada, até chegar à casa de Hau Teo, utilizada como posto da Hansip. Fernão ficou amarrado a um poste durante um dia e uma noite, sem receber qualquer alimentação, e sempre que um 529 membro da Hansip entrava ou saía do posto, espancava-o ou pontapeava-o. Adelino de Araújo, que tinha 14 anos e era um auxiliar de operação na altura, foi preso juntamente com o seu pai e o seu irmão mais velho em Kablaki e sofreu uma humilhação semelhante: Passados cerca de dois dias com eles [soldados do posto de Zipur] comecei a ver órgãos genitais e cabeças penduradas num dos pinheiros do Posto. Passada uma semana, ou mais, levaram-me novamente para o posto do Koramil. Fui amarrado ao poste da bandeira por volta das 8 da manhã. As minhas roupas foram tiradas até eu estar nu e eles deram-me as cuecas deles para eu vestir enquanto estivesse amarrado. Depois disso, fui retirado do poste da bandeira e mandaram-me carregar uma caixa pesada em cima dos ombros, caminhando em direcção ao posto do Zipur. Mandaram-me gritar às pessoas que encontrasse pelo caminho: “Não sigam os cretinos das Falintil! Se seguirem as Falintil, vão ficar como eu!” Quando cheguei ao posto de Zipur, fotografaram-me. Eu pedi as minhas roupas antes de me fotografarem, mas eles não as deram. Só no fim da tarde é que me 530 devolveram as roupas. Deslocação forçada depois dos ataques Depois dos levantamentos, grandes grupos de pessoas provenientes das áreas afectadas foram deslocadas das suas habitações na montanha para áreas junto à costa. Embora, tecnicamente, se tratasse de deslocação forçada de civis, para os deslocados era “aprisionamento”. Por exemplo, quando Dare já não tinha capacidade para aceitar presos de Mauchiga, o comandante do Koramil pediu ajuda ao chefe do suco de Nunomogue (Hatu Builico, Ainaro). O chefe do suco concordou em aceitar alguns presos em Nunomogue e foi construído um abrigo simples para os alojar. Os presos estavam limitados à área de Nunomogue, mas não recebiam qualquer alimentação e tinham de depender da generosidade das pessoas de Nunomogue, que lhes deram terreno para cultivar uma horta. Passados dois anos a viver nestas condições, o 531 comandante do Koramil de Dare chamou os presos de volta a Dare. Outro grupo de 431 pessoas, 202 homens e 229 mulheres provenientes de Mauchiga e de Dare, * foi enviado para Ataúro. Um outro grupo com mais de 100 pessoas da área foi enviado para Dotik (Manufahi), na costa sul, a 7 de Janeiro de 1983. Lá, o grupo recebeu mais 50 pessoas 532 que tinham estado presas no Kodim de Same, incluindo alguns membros da Fretilin. Luís Sarmenti Lin disse à Comissão que participou no ataque em Rotuto e integrou o grupo enviado para Dotik depois de ser detido. Luís Sarmenti descreveu como um plantão de soldados das ABRI mandou as pessoas presas em Dotik ficar em pé e de mãos dadas e olhar para o sol 533 desde as 7 às 12 da manhã. Luís Sarmenti recebia apenas uma refeição por dia. Passados três dias em Dotik, Luís Sarmenti passou os dois anos seguintes a guardar o Koramil de HatuBuilico, sob ordens do comandante do Koramil. Só então foi autorizado a regressar para sua * Entrevista da CAVR a Abílio dos Santos Belo, secretário do suco de Mauchiga desde 1991, Mauchiga, Ainaro, 4 de Junho de 2003. Abílio dos Santos tomou a iniciativa de reunir dados quantitativos sobre o destino de cada pessoa da comunidade de Mauchiga, tendo inclusivamente elaborado uma lista com os nomes de todos os presos depois do levantamento de Mauchiga [ver também Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; ver ainda, Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos]. - 151 - 534 casa, em Rotuto. Outras pessoas que estiveram detidas no Kodim de Same foram forçadas a realojarem-se em Raifusa (Manufahi) ou na Ilha de Ataúro. Prisão durante o cessar-fogo: Março a Agosto de 1983 A 23 de Março de 1983, foi assinado um acordo de cessar-fogo entre as ABRI e as Falintil, após vários meses de reuniões ao nível dos sucos (conhecidas como “contactos pacíficos”) e acordos de paz a nível local com comunidades dos distritos orientais. O cessar-fogo durou até Agosto de 1983. Apesar da interrupção formal das hostilidades durante este período de cinco meses, a Comissão recebeu prova de que os militares indonésios continuaram a prender pessoas de forma arbitrária e a torturar pessoas suspeitas de pertencer à rede clandestina. Durante o cessar-fogo, também continuou a verificar-se a transferência de civis para Ataúro. Os relatos de casos de prisão arbitrária e/ou tortura ocorridos durante o cessar-fogo indicam que o programa de identificação de membros da rede clandestina ou de membros das Fretilin/Falintil levado a efeito pelos militares continuou durante este período e que essas detenções foram realizadas em conjunto, por unidades da Hansip, do Ratih e das forças militares, sobretudo de Forças Especiais. Seguem-se alguns destes casos: - 152 - • Abílio Soares disse à Comissão que, a 15 de Abril de 1983, um Ratih chamado T371 e o * Hansip T372 detiveram 20 homens no suco de Caicua (Vemasse, Baucau). Os homens foram separados em grupos e o grupo de Abílio foi levado para o rio, vendado e espancado. Duas semanas depois, a 1 de Maio de 1983, o Batalhão de Infantaria 745 e a Hansip detiveram os mesmos homens e levaram-nos para Tacitolu (Dom Aleixo, Díli) e depois para a unidade Batalhão de Infantaria 745 em Díli. Segundo as informações recebidas, dois dos presos, Domingos e Nahe Dasi, foram esbofeteados e os seus pés foram pisados. A 18 de Maio de 1983, os militares libertaram 11 dos presos e enviaram 535 nove para Ataúro. • Daniel “Barnabé” Pereira descreveu a sua detenção em Maio de 1983, em Laga (Baucau), pelo Comandante de Companhia do Batalhão de Infantaria 144, T373. Daniel Pereira era suspeito de ser membro das Falintil. Ficou preso durante três dias e três 536 noites, foi espancado e queimado com cigarros acesos. • Dois depoentes de Vessoru (Uatu-Lari, Viqueque) declararam ter sido presos a 4 de Junho de 1983 sob suspeita de trabalharem com as Falintil. Gilberto Pinto Fernandes foi levado para o posto do Kopassandha pelo vice-comandante do Kopassandha T374, sob ordens do Comandante do Kopassandha T375, onde foi preso com Manuel Lopes, Lourenço Lopes, Valente e Baltazar Mascarenhas. T374 chamou Gilberto Fernandes à sala de interrogatório, onde ele afirma ter sido espancado, pontapeado e agredido com uma arma, perdendo dois dentes. Ficou pendurado no tecto durante 15 minutos antes de 537 o interrogatório continuar. • A Comissão recebeu um testemunho de um homem timorense que afirmou ter sido detido em Julho de 1983 em Urahou (Punilala, Ermera) por soldados das ABRI. Foi preso no Kodim de Ermera durante 15 dias, onde foi interrogado enquanto era espancado, pontapeado e queimado com cigarros acesos. Depois, foi transferido para a 538 Comarca, em Díli, onde permaneceu até Setembro de 1983. Termo do cessar-fogo e Operação Unidade, Agosto de 1983 O cessar-fogo terminou por completo no início de Agosto de 1983, com uma série de levantamentos nos distritos de Viqueque e Lautém, quase exactamente um ano depois dos levantamentos junto ao monte Kablaki. Mais uma vez, os militares reagiram com a prisão, tortura e maus-tratos de civis de maneira generalizada, juntamente com outras violações graves dos direitos humanos. O cessar-fogo dera à Fretilin uma oportunidade de se aproximar das 539 comunidades e explicar a importância da luta. Consequentemente, a rede clandestina foi ampliada, sobretudo nos distritos orientais, onde a Fretilin/Falintil era mais activa e onde se tinha † fortalecido. A Comissão tomou conhecimento dos seguintes incidentes ocorridos a 8 de Agosto de 1983, ou por volta desse dia: * Os nomes dos homens presos e as suas alegadas idades na altura eram: Abílio Soares (48), Biana (20), Jaime (33), Alfredo (22), Delfin (42), Arnaldo (28), Feliciano (45), Cai Dasi (41), Aquiles (30), Jeremias (40), Mário Correia (20), Naha Dasi (34), Rubi Dasi (32), Domingos Guterres (50), Naha Hare (46), Bosi Hari (38), Sina Ono (37), Domingos Pinto (44), José Sina Du (28) e Julião (39). † Segundo o padre Domingos Soares (padre Maubere), a paz fora uma táctica de Xanana Gusmão para ganhar tempo para a reestruturação da Resistência. O padre Maubere chegou de Portugal em Maio de 1980 e foi enviado como novo padre para Ossu em Junho de 1980. A sua paróquia também abrangia Viqueque e Lacluta [Entrevista da CAVR ao padre Maubere (Domingos Soares), Díli, 22 de Setembro de 2003]. - 153 - • Um ataque das Falintil a uma base militar em Buikarin, na região de Kraras, resultando 540 na morte de 14 engenheiros javaneses. • Um grupo de Hansip desertou para se juntar às Falintil na floresta. Segundo as informações recebidas, na mesma altura verificaram-se vários ataques subsequentes * noutras partes de Viqueque, incluindo em Uatu-Carbau a 19 de Agosto de 1983 , e em 541 Uatu-Lari . • Centenas de membros das organizações de defesa civil Wanra e Hansip, bem como outros homens fisicamente capazes fugiram dos sucos de Mehara (Tutuala, Lautém), 542 Lore e Luro (Lospalos, Lautém) e Serelau (Moro, Lautém) para se juntarem às Falintil. • Em Mehara, um grupo de Hansip sob o comando de Raja Miguel dos Santos (Kuba) 543 apreendeu armas da Polícia e do Koramil, incluindo uma metralhadora, e juntaram-se 544 545 às Falintil. Este incidente é por vezes referido como levantamento armado. • No subdistrito de Iliomar (Lautém), quatro Hansip timorenses, T338, T339, T440 e T394 relataram ao Koramil que dois membros das Falintil lhes tinham pedido para participarem num ataque aos militares em Iliomar na noite seguinte. A Hansip, receosa das 546 repercussões de um tal ataque, matou os dois combatentes das Falintil. Reagindo a estes ataques, ou ataques frustrados, a Operação Unidade (Operasi Persatuan) foi lançada a 17 de Agosto de 1983. A 9 de Setembro, o Governo indonésio declarou estado de emergência e, cinco dias depois, o Presidente Suharto ordenou uma “limpeza total” da 547 Resistência armada. Consequentemente, os militares indonésios levaram a efeito operações de repressão maciça nos distritos de Viqueque e de Lautém, que também atingiram outras áreas do território, incluindo Baucau, Aileu e Díli. As ofensivas por bombardeamento realizaram-se entre Agosto de 1983 e Junho de 1984. A intensidade das operações reflecte-se na investigação quantitativa da Comissão, que indica um aumento de violações dos direitos humanos em finais de 1983, sobretudo nos distritos orientais de Lautém, Viqueque e Baucau. As principais violações dos direitos humanos incluíram o massacre de civis, a deslocação forçada da população civil para outras áreas e a violação sexual e a utilização de mulheres da região como escravas sexuais (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome; e Subcapítulo 7.7: Violência Sexual). Além disso, a Comissão registou um aumento súbito da incidência de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos. Tal como noutras operações, pessoas suspeitas de pertencerem às redes clandestinas, sobretudo membros da Hansip e do Ratih que haviam sido significativamente representados nos ataques, foram alvos de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos. Contudo, como tantos membros da Resistência fugiram das suas casas para se juntarem às Falintil, o impacto do ataque das ABRI atingiu os civis, sobretudo as famílias dos que haviam fugido. Kraras A maioria da população de Kraras (Viqueque, Viqueque) fugiu e subiu o monte Bibileo depois dos ataques. Foi lançada uma operação para encontrar os aldeões, liderada pelo Batalhão de Infantaria 745 e pelo Chandraca 7 (Kopassandha), sob o comando do major (tenente-coronel) † T364, do capitão T377 e do Comandante do Kodim de Viqueque T378. Estes militares levaram 548 a efeito um ataque intenso à montanha, bombardeando-a com aviões e cercando-a. Muita da 549 população foi obrigada a render-se. * Foram relatados ataques em vários sucos de Uatu-Carbau, incluindo Dara Gata (19 de Agosto de 1983) [HRVD, Testemunho nº 7340]. † O Chandraca 7 ( Kopassandha), composto por 120 membros das Forças Especiais, aterrou em Viqueque a 28 de Agosto de 1983. - 154 - José Andrade dos Santos disse à Comissão que, no rescaldo das mortes de Kraras, toda a região ficou mergulhada no medo. Explicou que muitas pessoas da área foram detidas de 550 maneira arbitrária, presas e torturadas durante cerca de uma ou duas semanas. Tomás Guterres, de Uatu-Lari, descreveu como, nos meses que se seguiram ao incidente de Kraras, três ou quatro funcionários militares chegavam a uma casa a meio do dia, ou da noite, e chamavam os seus residentes. Quando a porta era aberta, entravam de rajada e prendiam o suspeito. Se não encontrassem quem procuravam, detinham frequentemente os familiares dessa 551 pessoa, incluindo mulheres. 552 As detenções eram generalizadas e as vítimas eram detidas na floresta e em sucos vizinhos. Mariano Soares, falou sobre Kraras na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, explicando: Depois do massacre de Agosto de 1983, foram detidas muitas pessoas suspeitas de apoiar o ataque. O Kodim 1630 [Viqueque] procurava pessoas relacionadas com o movimento clandestino e…também…começou a deter pessoas normais de Viqueque para as transportar para 553 Ataúro. A Comissão tomou conhecimento de uma detenção em massa depois dos levantamentos. João Ximenes de Araújo disse como os Batalhões 744 e 745 trabalharam juntos para prender 100 civis da área de Uma-Uain (Viqueque, Viqueque) e os prenderam no Kodim de Viqueque. Dali, 554 foram levados para Laga (Baucau, Baucau) e depois para Ataúro. Contudo, em todos os outros casos de prisão arbitrária, as vítimas eram localizadas e detidas individualmente ou em grupos inferiores a 15 pessoas. Tal como em acções semelhantes, os militares identificavam pessoas suspeitas de serem perpetradores do levantamento, ou de serem membros do movimento clandestino, e civis que poderiam ter informações relevantes. Matias Miguel foi detido pelo secretário do suco T379, enviado para o Kodim de Viqueque durante três dias e depois enviado para a Comarca em Díli, onde permaneceu durante três 555 anos. Os testemunhos recebidos pela Comissão indicam que foram identificados membros da rede clandestina no distrito de Viqueque. Mário de Jesus Sarmento, um membro da Fretilin de Carau-Balu (Viqueque, Viqueque) foi detido pelo seu tio, o membro timorense das ABRI T380. os civis Pedro Soares, Inácio Pinto e Paul Gomes também foram detidos. O administrador timorense do subdistrito T256 e o chefe dos serviços de informação do subdistrito interrogaram os quatro membros da rede clandestina durante três noites em Carau-Balu, antes de eles serem levados para o Kodim de Viqueque. Ernesto Freitas, também de Carau-Balu, descreveu como T256 e o chefe dos serviços de informação T382 o abordaram nas instalações da administração pública local e o acusaram de se encontrar com o membro das Falintil, Roque. Nessa noite, quando saiu do escritório e voltou para casa, foi-lhe ordenado que se dirigisse ao Kodim de Viqueque, onde foi interrogado. Depois, foi enviado para uma casa que pertencia ao chefe dos serviços de informação, no suco de Monument (vila de Viqueque, Viqueque). Por último, ficou preso durante três meses na casa de T383, o secretário do subdistrito, onde foi espancado por soldados do Batalhão de Infantaria 556 745. Estas detenções também ocorreram fora da área. O SGI deteve António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) em Díli por ter descoberto que ele tinha dinheiro para entregar à Resistência. António da Costa foi preso no Korem, no quartel-general da Polícia Militar em Balide e depois 557 enviado para Kupang, com 68 outros presos. Carlos Alfredo da Costa Soares falou à Comissão sobre a prisão e interrogatório de uma divisão inteira, contando como ele e 159 outros membros da Hansip foram detidos depois do - 155 - levantamento de Kraras e levados para o Kodim de Viqueque. Passadas várias semanas, foram transferidos para o Kodim de Baucau de camião, onde o Comandante do Kodim os interrogou um a um. Um membro do Kodim agrediu Carlos Soares três vezes com a coronha de uma espingarda. Nessa mesma noite, os presos foram colocados num barco e levados para Ataúro, onde permaneceram até 1986, altura em que o Koramil lhes deu permissão para voltarem para * casa. A repressão militar em Viqueque durou cerca de três meses, mas a detenção arbitrária e a 558 tortura continuaram a verificar-se até 1984. Os relatórios recebidos pela Comissão mencionam que, em Fevereiro de 1984, membros do Chandraca (Kopassandha) ainda chamavam pessoas 559 ao Kodim devido aos acontecimentos de Kraras. Outros, como José Gomes, tinham fugido para a floresta com as Falintil depois do levantamento e foram detidos quando regressaram. Depois do levantamento de Kraras, José Gomes foi detido pelo grupo 2 do Chandraca 7 e ficou preso durante cerca de seis meses, tendo sido posteriormente interrogado e torturado durante duas semanas no Kodim de Viqueque. Os comandos territoriais militares eram o local mais utilizado para prender pessoas. No 560 subdistrito de Viqueque, a maioria dos presos eram levados para o Kodim de Viqueque 1630. Lá, o administrador do subdistrito, Martinho Fernandes e o chefe dos serviços de informação 561 Amo Sani realizavam interrogatórios. Pessoas provenientes de regiões vizinhas de Kraras, como Beaço e Ossu, também eram levadas para o Kodim de Viqueque por membros do 562 Kopassandha ou dos Koramil locais. A base do Batalhão de Infantaria 745 em Olo Bai também era utilizada para prender pessoas. Segundo o padre Domingos Soares (padre Maubere), tornou-se infame pelas mortes extrajudiciais e a tortura infligida aos presos. Os períodos de 563 prisão na base 745 costumavam durar entre uma semana e seis meses. Os edifícios públicos também foram tomados e utilizados para prender pessoas. Em Kraras, o † edifício do parlamento local, também conhecido como o edifício da PIDE portuguesa foi 564 tomado. Por exemplo, Mariano Soares disse à Comissão ter sido preso numa casa de banho na “PIDE portuguesa” durante dez dias, findos os quais foi interrogado no Kodim. Os períodos de prisão no edifício da “PIDE portuguesa” costumavam durar entre uma semana e seis meses. Uatu-Carbau No subdistrito de Uatu-Carbau (Viqueque), funcionários locais do suco e as Kopassandha foram 565 apontados como responsáveis pela maioria das prisões arbitrárias. A Comissão tomou conhecimento, através de Adérito de Carvalho, que 12 homens foram detidos a 15 de Agosto 566 sob suspeita de terem participado no levantamento de Kraras. Foram presos numa casa vazia. Segundo as informações recebidas, depois do ataque em Uatu-Carbau a 19 de Agosto, outros oito homens foram presos no Koramil de Uatu-Carbau. Lindolfo de Jesus Fernandes, um membro da rede clandestina, disse à Comissão ter sido detido sob suspeita de ajudar as Falintil quando regressava dos campos onde trabalhava. Foi-lhe ordenado que se dirigisse ao administrador do subdistrito de Uatu-Carbau, o timorense T299, e ficou preso no Koramil com ‡ sete outras pessoas. Os presos de Uatu-Carbau eram quase todos levados para o Koramil de Uatu-Carbau. Alguns ficavam presos no Koramil, mas outros eram transferidos para o quartel-general do Batalhão 511 em Viqueque. * Entrevista da CAVR a Carlos Alfredo da Costa Soares, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003. Ver também Testemunho nº 9014 da HRVD, que refere que 99 Hansip foram deslocados à força pelas ABRI, devido a suspeitas da sua participação no levantamento de Kraras. † Um edifício do Governo português utilizado como quartel-general distrital pela polícia secreta (PIDE). ‡ Foi acompanhado por Chiquito, Manuel de Conceição e o seu irmão Hermenegildo de Conceição (membros da Fretilin), Armando Guterres da Silva Freitas, Jeremias Xavier, Afonso da Silva e Gaspar de Carvalho (membro da rede clandestina). HRVD, Testemunhos nº 7344; 7340; 7522 e 7523. - 156 - Iliomar No distrito de Lautém, o Batalhão de Infantaria 641, o Batalhão de Infantaria 520 e o Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100 trabalharam juntamente com as unidades 2 e 4 do Kodim e do 567 Nanggala. Segundo Ernest Chamberlain, em Iliomar, os Hansip que também pertenciam à rede clandestina eram o principal alvo dos militares, sendo os outros Hansip “pró-integração” 568 utilizados para prendê-los, torturá-los ou matá-los. A maioria dos presos eram levados para o 569 Koramil de Iliomar, onde decorriam os interrogatórios e a tortura. Os membros da Hansip 570 ajudavam a traduzir o que era dito para que o Danramil T385 tomasse conhecimento. No seu depoimento, Marcos Fernandes disse que os membros do Ratih detidos em Outubro foram todos 571 levados para o Kodim de Lautém. A investigação da Comissão indica que o principal alvo das detenções em Iliomar eram os 572 Hansip e Ratih locais com ligações clandestinas. O Comandante indonésio do Koramil T385, T386, (Chandraca Kopassandha), o administrador timorense do subdistrito de Iliomar T387 e o 573 membro da Assembleia Distrital T255 foram referidos em relatórios de detenções. Contudo, a maioria das detenções nesta área eram realizadas por membros pró-integração da Hansip, incluindo os quatro que se recusaram a participar no ataque de Koramil. O timorense T389 foi referido em 15 casos de detenção arbitrária relatados à Comissão e também ordenou a 574 participação de outros membros do Hansip. Ermínio Pinto descreveu como o alto responsável do Kopassandha T386 e o comandante do Koramil T385 tomaram conhecimento da rede clandestina Hansip na área através de Filomeno da Gama, que foi então morto. Pouco depois, foram detidos quatro membros da Hansip: Ermínio Pinto, Ernesto Madeira, Carlos da Costa e Luís Lopes. Depois, a 30 de Setembro, T386 e T387, juntamente com o Comandante da Hansip T389 e o membro T390 detiveram mais cinco homens de Iliomar: Carlos da Costa, Luís Lopes, Carlos Correia (civil), António Geronimo (civil) e Belmonte Geronimo. As detenções de Hansip em Iliomar continuaram até Outubro, pois descobriu-se a identidade de mais membros da rede clandestina. Marcos Fernandes, um Ratih, disse à Comissão que um membro Ratih/Hansip chamado Lourenço Marques, que fugira para a floresta imediatamente depois do incidente em Iliomar, rendeu-se a 3 de Outubro. Foi detido pelo Comandante das ABRI do Grupo 3, o major indonésio T391, e torturado durante uma semana, até de confessar os nomes de outros membros do Ratih que ajudaram as Falintil. Entre 10 e 13 de Outubro de 1983, * as ABRI detiveram 15 Ratih da área de Iliomar. Todos os presos foram levados para o Kodim de Lautém. Mehara No suco de Mehara (Tutuala, Lautém), os militares deram ordens aos batalhões de combate Unidades Territoriais dos Batalhões 515 e 641, Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100 e aos grupos de Comandos 1, 2 e 4, sob o comando do segundo-tenente T392, para deterem os 575 residentes de maneira generalizada. Os Batalhões 541 e 641 detiveram civis em Mehara e nas aldeias de Loikere e de Porlamano Mehara (Tutuala, Lautém). A maioria dos testemunhos recebidos foram de mulheres do suco de Mehara. As mulheres de membros da Hansip que haviam fugido eram detidas e interrogadas sobre o paradeiro dos seus maridos, ou era-lhes ordenado que os procurassem na floresta. Domingas Alves Fernandes disse à Comissão: * A 10 de Outubro, as ABRI detiveram nove membros do Ratih: Marcos Fernandes, Manuel Victor, Joaquim Fernandes, Joaquim Manuel, José da Costa, Domingos Cunha, Telu-Lara, Januário Monteiro e Leopoldo Fernandes. A 13 de Outubro, detiveram António de Oliveira, Pedro dos Santos, Mário Pinto, Orlando Mendes, José Eurico e António da Silva. - 157 - Naquele dia [8 de Agosto de 1983], todas as mães cujo marido ou família tivessem fugido, incluindo o meu marido, foram mandadas para o posto das ABRI, onde fomos interrogadas. Mandaram-nos procurar [os nossos] maridos ou famílias na floresta e gritar, utilizando um megafone. Algumas de nós foram então para a floresta atrás de [monte] Paichau para encontrar os que tinham fugido…Quando voltámos, dissemos-lhes que não encontráramos nada. Depois disso, tínhamos de nos apresentar no escritório do suco todos os dias, durante 576 várias semanas. As mulheres também ficavam numa posição vulnerável quando os homens do suco partiam em buscas forçadas, à procura de membros da Resistência na floresta. Um homem timorense foi obrigado pelo Comandante da Força de Intervenção (Satuan Tugas, Satgas) de Tutuala a participar numa busca de um mês para encontrar membros da Hansip que haviam fugido. A sua mulher foi mandada para o posto do Batalhão de Infantaria 641 em Laluna Lopo, Poros, Mehera, (Tutuala, Lautém), onde foi interrogada sobre o trabalho clandestino do seu marido e sobre se alguma vez tinha conhecido membros da Fretilin. Ficou presa durante três noites. Certa noite, foi beijada e acariciada, mas não foi violada. O seu marido foi levado para o Kodim 1629 em 577 Lospalos e nunca mais foi visto. A comunidade de Porlamano, no suco de Mehara, disse à Comissão como alguns familiares de membros da Hansip fugitivos foram levados para o posto militar do Batalhão de Infantaria 641 e torturados, enquanto membros do Batalhão de Infantaria 641 e do Batalhão de Infantaria 578 Aerotransportado 100 destruíam os seus pertences. As pessoas também foram presas em 579 edifícios públicos da cidade, incluindo a escola primária e a igreja. Membros do Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100 detiveram muitas mulheres de membros da Hansip e 580 prenderam-nas numa casa tradicional vazia (uma lulik). Depois, transferiram-nas para a praça principal de Porlamano, onde o administrador timorense do subdistrito de Tutuala, T393, e o 581 comandante T392 realizaram interrogatórios. 582 As detenções intensivas em redor de Mehara continuaram até ao final de 1983. a comunidade de Herana, em Mehara, por exemplo, disse à Comissão que, em Novembro, o Batalhão de Infantaria 641 deteve dez pessoas na aldeia e as entregou ao Batalhão de Infantaria 583 Aerotransportado 100 e ao Batalhão de Infantaria 745, para serem mortas. - 158 - A história de Maria* A história de Maria ilustra o impacto devastador que a repressão que se seguiu ao levantamento teve nas vidas dos familiares dos envolvidos. O marido de Maria juntou-se aos Hansip e aos civis do suco de Mehara no combate na floresta a 8 de Agosto. As ABRI detiveram Maria a 10 de Agosto de 1983 em Mehara, dois dias depois do levantamento e levaram-na directamente para o Kodim de Lospalos 1629 (Lautém). No Kodim, Maria foi repetidamente interrogada pelos militares indonésios sobre o paradeiro do seu marido e presa numa cela escura. Os seus pais também foram presos e interrogados durante 15 dias, no Koramil de Tutuala. O seu filho mais novo, com apenas sete meses, foi levado para o Kodim de Lospalos e pendurado pelos pés durante várias horas. Esta criança foi vitimizada por ser filho do homem que na altura era marido de Maria. (Os outros três eram filhos do primeiro marido.) Durante os três anos em que esteve aprisionada no Kodim, Maria disse ter sido violada repetidamente e ter provocado três abortos. Maria não queria que as crianças nascessem, por resultarem de violações sexuais perpetradas por membros das ABRI e não saber quem eram os pais. Em 1986, foi libertada do Kodim, mas não ficou completamente livre. Tinha de se apresentar uma vez por semana aos militares. A Comissão tomou conhecimento de que, em 1988, Maria foi obrigada a procurar o seu marido na floresta, acompanhada por membros do Batalhão de Infantaria 745. Quando o encontrou, ele foi morto a tiro pelos soldados. Deixou então de ser obrigada a apresentar-se aos militares indonésios. Maria morreu antes do 584 presente relatório ser redigido. Tortura e maus-tratos 585 Os presos dos distritos de Viqueque e de Lautém sofriam maus-tratos particularmente duros. Muitos foram mortos ou desapareceram, como se pode verificar no subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados. Tal como no rescaldo do ataque de Marabia e dos levantamentos de Kablaki, o aumento de relatos de tortura e de maus-tratos após o incidente de Kraras tem uma estreita relação com o aumento do número de relatos de prisões, indicando que uma proporção elevada das pessoas arbitrariamente presas também era torturada. Quase todos os presos de Viqueque e de Lautém relataram ter sido violentamente 586 espancados. Vários também relataram ter sido queimados com cigarros acesos e electrocutados — formas de tortura utilizadas desde o início da ocupação indonésia. Isabela da Silva, de Beaço Maluru (Viqueque, Viqueque), descreveu como o seu marido Jeremias, director da escola primária, e o seu irmão, Caetano, foram levados por um membro das Forças Especiais (Nanggala) para o Kodim Viqueque, onde foram torturados antes de desaparecerem. O administrador do subdistrito, T256, descobrira que Jeremias tinha dado livros, uma bola e uma rede a um velho amigo de escola, Rosito, que na altura era membro das Falintil. Isabela contou à Comissão: O meu marido foi interrogado e torturado, sendo queimado com cigarros. Os pés dele foram esmagados debaixo da perna de uma cadeira quando alguém se sentou em cima dela. O meu marido foi repetidamente acusado de ser “um espião e de ter dupla cara”. Depois, ele disse, “Preferia ser morto do que sofrer desta maneira.” * Maria é um pseudónimo utilizado para proteger a identidade da vítima. - 159 - A 28 de Março, Jeremias foi mandado entrar num tanque, pois ia ser enviado numa operação. Eu e o meu marido, Jeremias, já sabíamos que ele ia ser morto…[Ele] foi levado por um Nanggala natural de Ambon e pelo chefe dos serviços de informação de Viqueque…em direcção a Kraras. Passada uma semana, regressei ao Kodim de Viqueque para perguntar onde ele estava. Eles riram e disseram, 587 “esse prisioneiro continua numa operação”. Outras pessoas descreveram formas específicas de maus-tratos. Mário de Jesus Sarmento disse à Comissão ter sido interrogado em Carau-Balu, pelo administrador do subdistrito T256, e pelo chefe dos serviços de informação , T382 [timorense]. Como não respondeu às perguntas deles, foi espancado, pontapeado e queimado com cigarros. Passados três dias, foi levado para o Kodim de Viqueque por quatro membros do Kodim que, pelo caminho, lhe cortaram a orelha e o 588 obrigaram a comê-la. Isto foi testemunhado por Pedro da Costa Amaral, que fora detido a 19 de Agosto por oito membros do Kodim. Pedro Amaral foi levado para o Hotel Flamboyan, em 589 Baucau, onde foi torturado por membros do Kopassandha. Villanova Caetano, depois de ser violentamente espancado, juntamente com as vítimas Domingos Rodrigues e Alberto da Incarnação, foi obrigado por membros do Batalhão de Infantaria Aerotransportada 100 a comer 590 um maço de cigarros inteiro e um par de meias. Consequências do Levantamento Transferência de presos para fora da área 591 Muitos dos que foram presos após o levantamento de Kraras foram enviados para Ataúro. * Outros foram enviados para prisões na Indonésia, incluindo Cipinang, em Jacarta, e para o Bali. A Comissão tomou conhecimento de que cerca de 69 pessoas foram enviadas para a prisão em 592 Kupang (Timor Ocidental, Indonésia) (Para mais informações sobre a utilização de prisões na Indonésia, ver caixa adiante) Prisão do suco de Lalerek Mutin, Viqueque A prisão e a perseguição das populações locais em 1983 não terminaram com as repressões imediatas que se seguiram aos levantamentos de Agosto. A restante população civil de Kraras foi transferida para o suco de Lalerek Mutin (Viqueque, Viqueque) e colocada sob vigilância † apertada, de modo a que a sua liberdade física ficasse altamente restringida. José Gomes descreveu como os militares faziam a chamada de manhã e separavam as mulheres dos homens à noite. Foram construídos postos em redor do suco, formando três anéis, para impedir, ostensivamente, que os habitantes contactassem com os combatentes da Resistência. Foram colocados residentes do suco como guardas nos três níveis. A Nanggala tomava conta da camada mais interior. Por conseguinte, o suco estava rodeado por um escudo humano gigante. 593 José Gomes disse que “Lalerek Mutin parecia umas casernas militares.” Prisões em massa em Lautém A Comissão tomou conhecimento da detenção em massa de comunidades em Mehara (Tutuala, Lautém) e no subdistrito de Iliomar, em Dezembro de 1983, quatro meses após os levantamentos. * Marito Reis, líder clandestino em Díli em 1983, disse à Comissão que esta política visava desmantelar a Resistência [Entrevista da CAVR a Marito Reis, Baucau, 27 de Maio de 2004]. † À data da redacção do presente relatório, José Gomes era o chefe do suco de Lalerek Mutin. - 160 - Em Iliomar, quatro depoentes descreveram como, a 5 de Dezembro de 1983, os residentes de Iliomar foram obrigados a participar numa cerimónia de hastear da bandeira, na qual receberam 594 uma “prelecção”, após a qual foram detidos. Gabriel da Costa fez a seguinte descrição: Na segunda-feira, 5 de Dezembro de 1983, participei numa cerimónia de hastear a bandeira. Quando terminou, T255, o membro da Assembleia Distrital de Iliomar, e T387 e T213, membros da Hansip, mandaram-me, juntamente com seis companheiros, para uma reunião no escritório da administração do subdistrito. Entrámos e, passada uma hora, a porta foi fechada por membros da Hansip que nos disseram: “Foi Deus quem nos criou para vivermos neste mundo e foi Deus quem desistiu de vocês. Vocês foram detidos por terem dupla cara e por se oporem ao Governo indonésio.” Três horas depois, os membros da Hansip levaram seis de nós para o local onde íamos ser presos, que na altura era o edifico da escola. O edifício junto a 595 este tinha sido transformado numa prisão. José da Costa disse à Comissão que, a 12 de Dezembro de 1983, uma semana depois da detenção de civis na cerimónia de hastear da bandeira, todos os chefes de suco e de aldeia de Iliomar foram convidados a dirigir-se à escola primária para participar numa reunião. Quando chegaram, as portas fecharam-se e perguntaram-lhes: “Vocês são os que querem que TimorLeste seja independente?” José mencionou 20 pessoas que foram presas nessa altura e foram espancadas, pontapeadas e interrogadas uma a uma. Passados dez dias, o comandante T385 e * T255 retiraram nove presos do edifício, que foram mortos. Os restantes presos foram transferidos para um edifício pequeno junto à escola, onde permanecerem durante mais três meses e foram interrogados diariamente. Depois de serem libertados, foi-lhes ordenado que se † apresentassem diariamente no Koramil. Muitos outros civis, que haviam sido detidos individualmente depois de dois membros das Falintil serem mortos em Iliomar, foram presos no 596 edifício adjacente à escola. Américo de Sousa Jerónimo descreveu como alguns presos ‡ tinham de dormir na casa de banho, que estava cheia de fezes e de urina. Uma outra detenção em massa teve lugar em Mehara, por volta de 16 ou 17 de Dezembro de 1983. O administrador do subdistrito de Tutuala (Lautém), T393, juntamente com o Batalhão de Infantaria 641 e o Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100, mandaram toda a população de Mehara e dos sucos em redor, como Loikere, reunir-se em frente ao escritório do suco de 597 Mehara. Foi lida uma lista de nomes e os que constavam da lista foram colocados inicialmente na clínica de Mehara. Depois, foram transportados de camião ou de helicóptero para o Kodim 1629, em Lospalos. No Kodim, muitos foram interrogados sobre o levantamento de Mehara, presos em condições duras e torturados. Uma testemunha descreveu como ele e outros presos foram amarrados uns aos outros e levados para o Kodim 1629 de Lautém, onde foram 598 interrogados e torturados. Os métodos de tortura incluíam espancamentos e electrocussão. A 22 de Dezembro de 1983, quatro amigos de Gabriel da Costa foram retirados da escola e mortos na área de Trilolo (Iliomar, Lautém), sob ordens do comandante indonésio do Koramil T385, do alto responsável do Kopassandha T386, de T255 [timorense] e do administrador do subdistrito de Iliomar, T387. Gabriel da Costa e dois amigos ficaram lá presos durante mais um ano. Foram libertados num feriado nacional indonésio, a 28 de Outubro, “Dia do Juramento da 599 Juventude” (Hari Sumpah Pemuda) em 1984. * Eram António, Jerónimo, José Anunciação, Pelomonte, Joaquim, Martinho Monteiro, Carlos Coreia, Venâncio e Américo Cipriano. † O testemunho nº 9171 da HRVD refere que as pessoas foram presas no Toko Cina (uma loja). ‡ Américo da Sousa Jerónimo era membro da Fretilin e fora detido a 17 de Outubro de 1983 [ver HRVD, Testemunho nº 3985 ]. - 161 - Segundo as informações recebidas, a maioria dos que foram presos depois da detenção em massa em Mehara em Dezembro ficaram presos entre quatro e sete meses, findos os quais foram devolvidos aos seus sucos. Alguns ainda tinham de se apresentar no comando militar local. A Comissão recebeu um testemunho que indica que o Comandante do Kodim de Lautém 600 emitiu uma “ordem escrita” (surat perintah) para libertar os prisioneiros. Operação Segurança (Operasi Keamanan) noutros distritos de Timor-Leste A investigação da Comissão indica que a Operação K e a m a n a n , que se seguiu aos levantamentos em Viqueque e em Lautém, se concentrou nos distritos orientais de Timor-Leste, * mas também atingiu outros distritos. Seguem-se alguns desses casos: • No único testemunho do distrito de Ainaro, relatando acontecimentos de finais de 1983, Manuel Agostinho Freitas disse à Comissão ter sido detido na cidade de Ainaro a 10 de Outubro pelo Comandante do Koramil de Zumalai e pelo administrador timorense do subdistrito, T395. Manuel Agostinho foi levado para o Kodim de Ainaro, onde foi espancado, pontapeado e submetido a choques eléctricos pelo comandante T377, o comandante mencionado na tortura de vítimas depois do levantamento de Mauchiga. Manuel Agostinho ficou preso no Kodim durante um mês e depois foi entregue à unidade 55 do Nanggala Kopassandha, que o prendeu durante três dias. Manuel Agostinho disse que a sua detenção ocorreu como reacção ao facto de as Falintil terem morto um 601 soldado das ABRI em Nagidal (Zumalai, Covalima). • A Comissão recebeu 11 testemunhos sobre casos de prisão no distrito de Baucau 602 durante Agosto e Setembro de 1983. Quatro testemunhos descreveram a prisão de um grupo e o seu desaparecimento em Uma Ana-Iku, Ossoala (Vemasse, Baucau). Seis membros da Equipa Lorico, liderados por T397, chamaram dez homens do suco para 603 irem à casa do chefe do suco de Ossoala, onde foram os membros da Equipa Lorico 604 os espancaram e pontapearam e lhes amarraram as mãos atrás das costas. Alice André Gusmão, a mulher de um dos presos, Alexandre Gusmão, disse que os dez homens foram presos por se terem encontrado com Xanana Gusmão em Diuk, um local em Ossoala. Foi-lhe dito que eles tinham sido levados para o posto de Ostico, mas eles nunca regressaram (ver Subcapítulo 7.2 sobre Mortes Ilícitas e Desaparecimentos 605 Forçados). • Foram relatados cinco incidentes de prisão arbitrária ocorridos em Laleia (Manatuto), mas apenas um testemunho forneceu o mês em que a violação ocorreu. Agapito Viegas, de Laleia, disse à Comissão: A 11 de Novembro de 1983, eu estava a tomar conta do meu filho enquanto a minha mulher tinha ido ao mercado, quando, de repente, apareceu um membro do Milsas chamado T398. Ele deteve-me e levou-me para o Koramil de Laleia, onde encontrei o meu amigo Pascoal, que também fora detido. Mandaram-nos esperar por um autocarro público para Manatuto. Ao chegarmos lá, deveríamos apresentar-nos no Kodim de Manatuto. Fomos acompanhados por dois Milsas que eu não conhecia. * A Comissão não recebeu testemunhos referentes ao período entre Agosto e Dezembro de 1983 provenientes dos distritos de Oecusse, Ermera, Bobonaro ou Covalima. Contudo, um testemunho, sem mês, proveniente de Liquiça foi atribuído a esse período e, tal como em Aileu e em Ainaro, envolvia o Nanggala 55 [HRVD, Testemunho nº 0205]. Foram recebidos nove testemunhos provenientes do distrito de Manufahi sobre o ano de 1983, mas os depoentes não especificaram o mês em que a violação ocorrera. Dois casos descreviam a prisão arbitrária e tortura de membros da rede clandestina [HRVD, Testemunhos nº 5442 e 5467]. Dois referiam-se a famílias presas por alojarem o comandante das Falintil Mau Hunu [HRVD, Testemunhos nºs 5483 e 5484]. - 162 - Quando lá chegámos, fomos interrogados por dois membros das ABRI. Perguntaram-me o que eu tinha feito de mal para ser detido. Eu respondi que não sabia, por isso eles agrediram-me duas vezes nas costas com um rabo de raia e depois com um pedaço de madeira de sândalo, um pedaço bastante grande…Depois, outro membro das ABRI, chamado T399 veio e disse: “És suficientemente forte para suportar a tortura?” Eu disse: “Quer seja forte ou não, tenho de suportá-la.” Ele não gostou da resposta e espancou-me e pontapeou-me até 606 eu cair. Agapito Viegas disse à Comissão ter sido subsequentemente enviado para o Korem, em Díli, e dali para o comando do Kopassandha, onde teve tanto medo que mentiu, dizendo que tinha dado víveres às Falintil. A tortura terminou, mas ele ficou preso em Díli durante mais cinco 607 meses e foi obrigado a tratar da relva de jardins de edifícios públicos e de escolas. Aileu, 1983 O cessar-fogo deu à Fretilin/Falintil uma oportunidade de se aproximar das comunidades em busca de apoio, mas também expôs membros das redes clandestinas durante os “contactos de paz” (Kontak Damai) entre a Fretilin/Falintil e as ABRI. A comunidade de Fatisi (Laulara, Aileu) disse à Comissão ter havido um “contacto de paz” no suco. Quando o cessar-fogo terminou, as ABRI, as Forças Especiais e vários oficiais dos sucos reprimiram os membros da rede 608 clandestina em Fatisi. Testemunhos narrativos indicam que 19 pessoas foram arbitrariamente * presas em Fatisi em Agosto e Setembro de 1983. As vítimas eram suspeitas de trabalho 609 clandestino, em particular de terem ajudado o comandante Sakudi das Falintil e dois outros que haviam sido recentemente capturados pelo Batalhão de Fuzileiros 303 e pelo Nanggala 610 55. A maioria das detenções foram feitas num ataque no início da manhã de 2 de Setembro de 1983, embora algumas tenham ocorrido no final de Agosto. O grupo preso foi levado inicialmente para um posto militar de uma aldeia de Fatisi, onde Luís Mouzinho foi espancado e depois morto. Os prisioneiros foram então levados para a clínica de Besilau e entregues ao chefe do suco, que os amarrou com arame. Francisco Pinto de Deus descreveu como caminhou até lá, ainda ensanguentado do espancamento sofrido durante a detenção, escoltado pelos Hansip e pelo babinsa indonésio T400. A 3 de Setembro, dois soldados do Kodim de Aileu foram buscar os presos, que foram amarrados pelas mãos e pelos pés e levados de camião até ao Kodim, sendo atirados para o chão à chegada como se fossem sacas de arroz. O soldado timorense T401 e outros membros do Kodim rasgaram-lhe as roupas com uma faca, deixando-os nus. A partir das 10 da noite, os presos foram levados um a um para serem interrogados, tendo sido espancados com um bloco de madeira durante o interrogatório. A partir desta data, as experiências vividas pelos presos foram bastante variadas e reveladoras de uma falta de coordenação, supervisão e disciplina dos militares. As experiências das vítimas incluem as seguintes: * As vítimas referidas à Comissão, compiladas de vários testemunhos de vítimas, foram: Alfredo Carvalho, Romaldo Pereira, Joaquim Henrique, Luís Mouzinho, Mariano de Deus, Agustinho Pereira (também conhecido como Agustinho Martins), Caetano Soares (também conhecido como Caetano José Alves), Crispim dos Santos, Paul Soares, Moisés Sarmento, Graciano Pinto, António de Deus, Bernardino Santos, Victor Araújo de Deus, Afonso, Ananias, Serafim e Francisco Pinto de Deus. - 163 - • Segundo o testemunho de Graciano Pinto, o seu irmão, Moisés Sarmento, foi levado a 30 de Agosto de 1983 pelo babinsa T400 de Besilau (de Sumatera), pelo oficial timorense dos serviços de informação das ABRI T402, pelo comandante do Koramil de Laulara e pelo administrador do subdistrito de Laulara. Moisés Sarmento não voltou a ser visto. O próprio Graciano Pinto relatou ter estado preso durante três anos e ter sido 611 libertado apenas após a intervenção do CICV. • Alfredo Carvalho também foi levado separadamente para Besilau, onde, passados vários dias, foi levado para um cemitério por um membro das Kopassandha para ser morto. Contudo, em vez disso foi levado de helicóptero para Díli. Nessa noite, foi novamente levado para a rua e disseram-lhe que ia ser morto, mas, em vez disso, foi levado para a Polícia militar e prenderam-no. Alfredo Carvalho não disse à Comissão durante quanto 612 tempo esteve preso. • Em Besilau, um homem timorense foi violentamente espancado e depois interrogado durante dois dias, até ser levado para o Koramil de Laulara (Laulara, Aileu)e interrogado 613 pelo comandante. O Koramil libertou-o por não ter descoberto nada. • Pelo menos cinco dos prisioneiros — Crispim Maria dos Santos, João Soares Pereira, Caetano Soares, António de Deus e Afonso — foram levados do Kodim de Aileu Kodim para Aisirimou, onde foram vigiados de perto pela Hansip e impedidos de procurar 614 víveres. António de Deus e Afonso morreram de fome. • A Comissão recebeu um testemunho de um homem timorense segundo o qual T801, um babinsa, o obrigou a trabalhar para uma empresa em Aileu durante dois meses e lhe roubou os salários. Findo esse período, o homem foi mandado trabalhar com o Batalhão 615 de Infantaria 412. Prisões na Indonésia, 1983 até finais da década de 1990 A administração indonésia começou a enviar grupos de presos políticos para prisões oficiais na Indonésia a partir de finais de 1983, frequentemente depois de julgamentos e condenações. Estas prisões incluíam: Prisão de Cipinang, em Jacarta, Java Foram enviadas duas vagas de presos para Cipinang. A primeira foi em 1984, dividida em dois grupos. O primeiro grupo incluía David Dias Ximenes, Mariano Bonaparte Soares, Aquilino, Fraga Guterres, Cosme Cabral, Albino de Lourdes, Domingos Seixas, António Mesquita, José Simões, Roberto Seixas, Agapito Rocha, Miguel da Costa, João da Costa, Martinho Pereira, 616 Caetano Guterres e Marito Reis. Domingas da Costa foi enviada para a prisão feminina de 617 Tangerang, em Java Ocidental. Este primeiro grupo foi enviado em Março e Abril de 1984. O segundo grupo, composto por 42 prisioneiros, foi enviado em Novembro e Dezembro de 1984. Em 1991, restavam apenas quatro prisioneiros. Em 1992, juntaram-se a estes Domingos Barreto, Virgílio Guterres, João Freitas da Câmara, Fernando Araújo (La Sama) e, depois, 618 Xanana Gusmão. Prisão de Kedung Pane Semarang, em Semarang, Java Central A 10 de Junho de 1994, as seis pessoas condenadas em Díli depois da manifestação de Santa Cruz foram transferidas da Prisão de Becora para Semarang. Estas pessoas eram Filomeno da Silva Ferreira, Jacinto das Neves Raimundo Alves, Francisco Miranda Branco, Saturnino Belo da Costa, Juvêncio de Jesus Martins e Gregório da Cunha Saldanha. Prisão de Lowok Waru, em Malang, Java Oriental - 164 - O único prisioneiro de Malang conhecido pela Comissão é José Neves, que estudava em Malang 619 na altura em que foi preso por actividades clandestinas, em 1994. Prisão de Kalisosok, em Surabaya, Java Oriental A 27 de Março de 1997, 16 prisioneiros foram transferidos da prisão de Buruma, nos arredores da cidade de Baucau (Lembaga Pemasyarakatan), para a Prisão de Kalisosok. Os prisioneiros eram: João Bosco, Mário Filipe, Marcus Ximenes Belo, Domingos Sarmento, Fortuna Ximenes, Filomeno Freitas, Justino Graciano Freitas, Virgílio Martins, Domingos de Jesus, Domingos de Jesus Freitas, João Freitas, Alexandre Freitas, Muhammad Amin Dagal, Ventura Belo, Marcus Ximenes e Albino Freitas. Condições na Indonésia Prisão de Penfui, perto de Kupang, Timor Ocidental António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) disse à Comissão que 69 presos, incluindo ele próprio, formaram o primeiro grupo de prisioneiros a ser enviado para uma prisão fora do território de Timor-Leste. Eles foram enviados para a prisão de Penfui, em Kupang, em Agosto 1983, tendo sido transportados para lá num avião Hércules, após o levantamento de Kraras. Foram presos, sem julgamento, em Penfui onde ficaram até Agosto de 1984, altura em que o CICV visitou a prisão e se queixou sobre a situação dos presos às autoridades. As condições em que se encontravam presos eram deploráveis. António das Costa recordou-as: Durante 14 meses só comemos folhas e arroz; eles davam-nos uma colher cheia por dia. Nós apanhávamos e comíamos os grãos de arroz que caíam no chão. Havia folhas lá fora. Rasgámos as nossas calças, fizemos uma corda e atirámo-la lá para fora, dizendo-lhes, em indonésio, “Por favor, seja onde for que houver folhas como as que as cabras comem, nós precisamos delas todas. Dêem-nos quaisquer restos que queiram deitar fora.” Eles trouxeramnos os restos num tambor e atiram-nos na nossa direcção. Utilizávamos a corda que fizéramos 620 com as nossas calças para puxarmos folhas de papaia para dentro. Segundo António Tomás Amaral da Costa, só 14 dos 69 timorenses presos em Kupang sobreviveram à provação. Ele refere apenas uma vítima, Duarte Ximenes, que morreu de fome, mas diz que os restantes 54 foram algemados e levados por um veículo militar e nunca mais 621 * voltaram. Os 14 que sobreviveram foram enviados para Timor-Leste em 1985. Foram então 622 julgados em Benfica e cumpriram as suas penas na Comarca e depois em Becora, até serem 623 libertados em 1987. Prisões em Java Mais tarde, grupos de prisioneiros que haviam sido julgados e condenados foram enviados para a Indonésia. De uma maneira geral, os antigos presos das prisões javanesas relataram que as condições eram muito melhores do que as das prisões Timor-Leste. Um antigo preso ficou surpreendido por receber uma cama e um colchão quando foi transferido para uma prisão em Java. Foi então que percebeu que, apesar da retórica que ouvira em Timor-Leste sobre serem “um país”, os indonésios “consideravam [nos] cidadãos de segunda classe…[e] tratavam-nos 624 como animais”. Segundo as informações recebidas, em 1994 na Prisão de Semarang não houve interrogatórios e as penas dos prisioneiros foram reduzidas, por vezes vários meses em cada ano. * Segundo António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), os 14 que sobreviveram foram: ele próprio, Fernando da Costa, Rogério Pinto, Paulo Amaral, Paul Buikarin, José Gularte, Francisco Ximenes, João Bosco, Ernesto Pinto, Henrique Belmiro, Mariano Soares, Alfredo da Costa, Agusto da Silva e Arthur Kaibada-Waimua [Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 28 de Abril de 2004]. - 165 - Razão para enviar prisioneiros para a Indonésia Não se sabe por que razão os prisioneiros eram transferidos para fora de Timor-Leste, mas um antigo preso disse que era porque a Indonésia precisava de mais espaço para prender os 625 timorenses de leste. Também é provável que fosse uma estratégia deliberada para separar os líderes do movimento clandestino das suas redes. Se fosse este o caso, a política fracassou. Actividades da Resistência nas prisões indonésias Muitos prisioneiros políticos timorenses presos na Indonésia puderam continuar com as suas actividades de resistência à ocupação indonésia. Em alguns casos, a prisão até pode ter ajudado a Resistência a alargar as suas redes de comunicação. Na prisão de Cipinang, os prisioneiros 626 puderam reconstruir as estruturas das suas redes clandestinas. Xanana Gusmão explicou: Utilizei a rede de João Câmara, que já estava estabelecida. Como eu conhecia as redes da floresta e da cidade, escrevo aos que estavam em Timor-Leste que eu ainda controlava…a luta…[Consegui] manter contacto com o exterior. Na altura, Ramos Horta e a sua ajudante especial, que trabalhava numa organização não governamental e é agora a minha mulher [Kirsty Sword Gusmão], ajudaram…[H]avia Internet e correio electrónico, que nos permitiam construir 627 relações no exterior utilizando todas as redes existentes. Segundo João Freitas da Câmara, não era difícil para os timorenses presos em Cipinang continuarem com as suas actividades de resistência, desde que alguns guardas apoiassem a sua causa. Muitos dos guardas gostavam de Xanana Gusmão e respeitavam-no. Os prisioneiros também receberam ajuda do exterior, sob a forma de uma máquina de escrever, um computador laptop, um telemóvel e um videogravador de cassetes. Eles pagavam aos guardas que iam buscar os itens e lhos entregavam secretamente. Desta forma, eles puderam continuar a 628 produzir documentos. Detenções de membros do movimento clandestino urbano Durante a Operação Limpeza Total houve muitas detenções na capital, sobretudo de líderes do movimento clandestino. A Comissão recebeu pelo menos 35 testemunhos relacionados com prisões arbitrárias ocorridas em Díli entre 9 de Agosto e finais de Dezembro de 1983. Outros 15 relatos não referiam mês específico. Algumas figuras-chave do movimento clandestino corriam riscos consideráveis na altura, abordando visitantes e delegações estrangeiros e tentando informá-los sobre a difícil situação vivida pelo povo timorense. Alguns foram presos enquanto tentavam enviar informação para o estrangeiro. Seguem-se alguns desses casos, identificados pela Comissão: - 166 - • Câncio Gama e 17 outros membros das Falintil foram detidos e enviados para Kupang depois de tentarem falar com uma delegação do Parlamento australiano liderada por Bill 629 Morrison. A maioria destes membros morreram de fome em Kupang. • Justo dos Santos foi detido em Díli a 25 de Julho de 1983, antes do final do cessar-fogo. Foi levado para a casa do comandante do Korem, no Farol (Díli), onde foi enfiado num buraco, ficando apenas com o pescoço de fora. Foi-lhe dado um pacote de velas que ele “acendeu para darem luz noite e dia”. Passados três meses no buraco, foi levado para o Korem, onde foi acusado de liderar o movimento clandestino em Baucau. Durante várias noites de sábado consecutivas, de Outubro a Dezembro de 1983, os militares levaram Justo dos Santos para Tacitolu, nos arredores de Díli. Durante estas visitas a Tacitolu, 630 ele foi três vezes enterrado até ao pescoço. • Caetano Guterres era membro da rede clandestina e foi detido em Díli, em Setembro de 1983, pelo Kopassandha depois de um outro membro da rede clandestina dar o seu nome os militares. Foi preso no quartel-general do SGI em Colmera (Díli), onde permaneceu, incomunicável, durante três meses. Caetano Guterres disse à Comissão ter sido interrogado todas as noites, em particular sobre os planos e as actividades do Comité Central da Fretilin. Os interrogatórios duravam entre quatro e oito horas por dia e 631 quase dez horas, das 7 da noite às 5 da manhã, durante o primeiro mês. Caetano Guterres foi então levado para a Comarca e julgado. Condenado a oito anos de prisão, 632 Caetano Guterres foi transferido para Cipinang, onde ficou preso até 1989. • Marito Reis, um líder do movimento clandestino, descreveu como, em Agosto de 1983, o Kopassandha o enviou, juntamente com outros membros da rede clandestina de Díli, para o Bali, para serem interrogados. Não foram torturados, mas só recebiam uma refeição por dia. Quando regressaram, em Novembro de 1983, foram presos na Comarca, onde foram submetidos a choques eléctricos durante o interrogatório. Marito Reis foi então preso no quartel-general do SGI durante quatro meses e depois no Kodim, durante um mês, antes de regressar à Comarca. Não foi torturado nem no quartelgeneral do SGI, nem no Kodim. De facto, no quartel-general do SGI, um capitão ordenou aos seus homens que parassem de agredi-lo, dizendo: “Isto é uma pessoa, não um animal.” Em 1984, Marito Reis foi julgado e condenado, tendo integrado o grupo de prisioneiros políticos que foram enviados para a Prisão de Cipinang, em Jacarta, para cumprirem as suas penas. • Noutra ocasião, Marito e cinco outros membros do movimento clandestino foram chamados ao Korem, onde foram obrigados a assinar um documento que dizia: “Se continuarem a fazer actividades clandestinas, todos serão mortos a tiro no local onde 633 estiverem.” • É evidente que os militares indonésios começavam a perceber a importância do movimento clandestino urbano — que se tornava cada vez mais organizado — para a luta da Resistência. A principal estratégia utilizada pelos militares em reacção a estes desenvolvimentos foi prender líderes do movimento clandestino durante longos períodos de tempo (e, em alguns casos, matá-los). Além das pessoas presas após o ataque de Marabia em 1980, pouquíssimos membros da rede clandestina urbana foram enviados para a Ilha de Ataúro. Em vez disso, foram julgados e condenados a longos períodos de prisão, frequentemente em zonas da Indonésia. As experiências destes presos indicam que, durante este período, os militares indonésios tinham informação secreta mais pormenorizada e um sistema coordenado e graduado para lidar com os presos políticos em Timor-Leste. Caetano Guterres, nomeado responsável por fazer sair clandestinamente informação para o estrangeiro por Xanana Gusmão, falou à Comissão sobre documentos que conseguiu enviar de Timor-Leste com a ajuda de um jornalista que acompanhava a delegação parlamentar 634 australiana, em Julho de 1983. Entre os documentos, encontrava-se um manual contra levantamentos elaborado pelo Exército indonésio para os soldados e classificado como - 167 - “Secreto”, que as Falintil encontraram numas casernas indonésias. A Comissão tem em sua posse um documento assinado pelo coronel A. Sahala Rajagukguk, comandante militar em Timor-Leste na altura, que diz o seguinte: Espera-se que os interrogatórios não sejam acompanhados pelo uso de violência, excepto em certas circunstâncias, em que o interrogado esteja a ter dificuldades em dizer a verdade [seja evasivo]…Se for necessário utilizar violência, certifique-se de que não há pessoas em redor [TBO, Hansip, Ratih, pessoas]…Evite tirar fotografias que mostrem a tortura a decorrer [enquanto o prisioneiro estiver a ser submetido a choques 635 eléctricos, ou estiver despido, etc.]. - 168 - Detenção e interrogatório em Díli em finais de 1983 Aquilino Fraga Guterres (Eteuco) era um membro da rede clandestina envolvido no envio de informação sobre a situação de Timor-Leste para o estrangeiro. Em Outubro de 1983, o Kodim de Díli descobriu as suas actividades e mandou dois oficiais dos serviços de informação , Domingos e Carlos, investigá-lo. Na altura, Aquilino Guterres trabalhava como motorista no Banco do Desenvolvimento Regional (Bank Pembangunan Daerah, BPD). Eu não sabia que os membros do SGI e o director do B P D estavam a preparar-me uma armadilha…[Um dia] o director disse-me para levar o carro para uma estação de serviço junto às instalações da Segurança Social. Pouco depois de chegar à estação de serviço, apareceram vários membros não identificados do SGI e disseram-me: “O director disse-nos (SGI) para irmos contigo ao aeroporto buscar um convidado.”…[Q]uando entrei no carro deles fui levado para perto de Balide, [para o] Korem até chegarmos à [quartel-general da] SGI em Colmera. No quartel-general do SGI, Aquilino Guterres foi interrogado por membros da Kopassus. Aquilino ficou preso durante um ano e, durante esse período, sofreu espancamentos e foi submetido a electrocussão: Primeiro, eles destruíram-me fisicamente. Por exemplo, na questão da alimentação, não era [uma quantidade] habitual, mas pequenas porções durante um ano. Passei por momentos difíceis. Também fui interrogado: “Quantas vezes te encontraste com as Falintil? Que tipo de apoio deste às Falintil?” Durante o interrogatório, espancavam-me com armas, prendiam-me os pés debaixo de uma cadeira, electrocutavam-me. Senti que estava a morrer. Eles amarraram o meu corpo com cordas e vendaram-me os olhos com um pedaço de pano. Depois, fui atirado para dentro de um carro, sem saber para onde ia. Eu só podia sentir [onde estava] e ouvir. Andámos em redor da cidade de Díli durante quatro horas. Depois, quando ficaram satisfeitos e cansados, voltámos para o SGI de Colmera. Depois disto, Aquilino Guterres foi transferido para a Comarca, onde lhe tiraram as roupas. Ficou preso numa cela juntamente com cerca de 20 a 30 pessoas. Quando queriam interrogá-lo, levavam-no novamente para o quartel-general do SGI em Colmera e devolviam-no à Comarca depois do interrogatório. Aquilino Guterres explicou que, durante o interrogatório, os oficiais só queriam uma confissão: Durante o interrogatório, eles não queriam saber o que eu tinha feito de errado. A Kopassus inventava más acções e obrigava-nos a admiti-las. Por exemplo, que tínhamos enviado munições, supermi [massa instantânea], pilhas [aos combatentes da Resistência]. Eles diziam: “Se admitires, serás julgado e poderás ser libertado em breve.” Isso era contra a minha consciência, por isso não fiz o que eles queriam. Eles estavam a utilizar o sistema: quem 636 conseguisse matar ou torturar pessoas era promovido ou recebia um bónus. Prisão arbitrária, tortura e maus-tratos em 1984 A investigação da Comissão indica que se verificou uma diminuição dos casos de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos no ano de 1984, assinalando o início do período de relativa “normalização”, ou “consolidação” (1985/1998). No entanto, o ano começou com uma operação das Forças Armadas no subdistrito de Zumalai (Covalima). Foram detidas algumas pessoas e algumas morreram na prisão. Depois de um ataque mortífero das Falintil a funcionários militares indonésios em Zolo, Zumalai, em finais de - 169 - * 1983, os militares indonésios do distrito de Bobonaro detiveram pessoas no subdistrito de Bobonaro e no subdistrito vizinho de Zumalai (Covalima) e, possivelmente, em regiões tão 637 distantes como Ainaro. Algumas pessoas foram presas no Koramil de Bobonaro, outras no 638 Koramil de Zumalai. Tanto homens como mulheres foram presos de maneira arbitrária, por vezes pelo simples facto de terem nomes parecidos com os de pessoas que os militares 639 consideravam suspeitas de ajudarem a Resistência. Um dos presos, Armando dos Santos, calcula que 100 pessoas foram presas consigo no Koramil de Bobonaro. Através do seu processo de recolha de testemunhos, a Comissão identificou pelo † menos 15 pessoas presas nos subdistritos de Zumalai e Bobonaro. Outra testemunha forneceu 640 à Comissão uma lista de 45 pessoas presas e mortas na operação. Foram detidas seis vítimas relacionadas com o ataque no suco de Carabau (Bobonaro, Bobonaro) em Fevereiro de 1984, devido ao facto de alguns membros da comunidade terem dito os militares indonésios que elas ‡ eram membros da Fretilin ou tinham contactos com a Fretilin/Falintil. É evidente que os militares realizaram uma investigação após o ataque de finais de 1983 para identificar todos os membros da Fretilin e da rede clandestina existentes na área antes de fazerem as detenções. A detenção de membros da Fretilin, ou de pessoas suspeitas de o serem, nos subdistritos de Bobonaro e de 641 Zumalai prosseguiu até Agosto de 1984. Dinis de Araújo disse à Comissão: Certo dia, a minha filha estava doente e eu estava a tomar conta dela. De repente, as A B R I trouxeram quatro pessoas para a frente da minha casa, todas amarradas. Eu vi que a maioria tinham sido queimadas. Tal como batata-doce assada, estavam cobertas de [marcas] pretas e escuras nos corpos e nos rostos. Fiquei com os pêlos em pé e cheio de medo. Mas eles não me fizeram nada. Só andaram em frente à minha casa. Provavelmente, já tinham o meu nome. Passado um mês, um Hansip de 642 Bobonaro veio a minha casa e prendeu-me. Todos os presos identificados pela Comissão relataram tortura e maus-tratos. Miguel dos Santos foi detido em Hauba (Bobonaro, Bobonaro) a 7 de Fevereiro de 1984 pelo Batalhão de Infantaria 407 e levado para o escritório do suco de Carabau antes de ser levado para o Koramil de Bobonaro: O Batalhão de Infantaria 407 iniciou o interrogatório. Disseram-me: “Estavas com a GPK/Falintil, a disparar contra soldados em Fatuleto/Zumalai. Um homem timorense, T403, o antigo chefe do suco de Oeleu, juntamente com as TNI, começou a espancar-me, esmurrar-me, pontapear-me e a queimar-me com beatas de cigarro. O meu corpo ficou todo ferido e o meu rosto ficou inchado. O meu nariz, boca e olhos escorriam 643 sangue. * Olandino Guterres disse à Comissão que o ataque ocorreu a 7 de Dezembro de 1983 (o aniversário da invasão indonésia de Díli) e que as Falintil mataram sete membros do Batalhão de Infantaria 407 em Pelet, Lour [Bobonaro, Bobonaro]. O Batalhão de Infantaria 407 estava a patrulhar quando foi emboscado pelas Falintil. A Comissão não pôde confirmar este relato, mas faz notar que os três testemunhos recebidos de vítimas de prisão arbitrária em redor de Pelet fornecem datas das suas detenções, situadas entre Março e Julho de 1984. Dois desses testemunhos foram dados pelas mulheres de vítimas que foram mortas no Koramil de Zumalai. A razão apresentada para a detenção dos seus maridos foi eles terem escondido uma bandeira da Fretilin. † São: Armindo Franquelin, Alarico Sena, Francisco Talo Mau, António Gomes, Afonso da Cruz, Manuel Freitas, Matias, Miguel dos Santos, José Noronha, Rozito dos Santos, Carlos Magno, José Cardoso, Agapito Moniz e Belarmino dos Santos. ‡ Por exemplo, António Gomes disse à Comissão ter sido detido pelo Batalhão de Infantaria 407, por membros do Nanggala e membros do Koramil de Bobonaro, devido a “informações” recebidas de cinco pessoas do suco: T404, T405, T406, T407, T408 [HRVD, Testemunho nº 5156]. - 170 - Por vezes, os prisioneiros eram obrigados a despir-se enquanto eram interrogados sobre o homicídio dos soldados indonésios. A Comissão recebeu relatos segundo os quais os prisioneiros eram ameaçados de serem embebidos em óleo e queimados vivos. Eram privados de alimentação durante períodos até uma semana. Os oficiais do Kopassandha, mais provavelmente do Chandraca 11, participaram em muitos destes espancamentos, embora por vezes a Hansip também participasse, sob ordens de oficiais do Kopassandha. A Comissão apurou que, pelo menos três pessoas foram mortas enquanto estavam presas, embora seja provável que fossem muitas mais (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os prisioneiros que sobreviveram foram deslocados das suas habitações, nas montanhas de Bobonaro, para uma área recém-construída chamada Halecou, no suco de 644 Ritabou (Maliana, Bobonaro) em Maio 1984. Noutros casos de prisão arbitrária em 1984, as vítimas foram detidas por suspeita de fornecerem ajuda material às Falintil, de estarem em contacto com líderes das Falintil, de terem 645 conhecimento de preparativos para um ataque das Falintil, ou de terem familiares na floresta. Um depoente, Sama Leto, disse ter sido detido pelo Batalhão de Infantaria 412 e pelo Kopassandha 55 por terem encontrado uma fotografia do seu irmão mais novo, que ainda estava na floresta, e porque ele era o chefe do suco, mas recusava-se a fornecer mulheres aos militares. Sama Leto disse à Comissão: Fui detido e levado para Tokoluli para escavar um buraco e depois ser morto. Mas isso não aconteceu e fui mandado para casa. Dois dias depois, fui chamado novamente. Fui espancado até os meus dentes se partirem. Eu estava a sangrar e o meu rosto estava inchado. Fui levado para Liquiça, onde fiquei preso com o meu amigo Domingos [durante duas semanas]. Depois fui levado para Bazartete [Liquiça] durante um dia e libertado porque doei uma cabra ao grupo do Batalhão de Infantaria 646 412 e do Kopassandha 55, que estava de saída. Algumas pessoas tinham a pouca sorte de serem apanhadas num ataque das Falintil e o Exército indonésio suspeitava de elas terem colaborado com os atacantes. Adriana Soares descreveu como as Falintil roubaram o quiosque do seu irmão mais velho, Manuel Gaspar, em Uaitame (Uatu-Lari, Viqueque), em Abril de 1984, e disse que alguém do seu suco fez queixa dela e de Manuel ao comandante do Chandraca 7 (Kopassandha), levando à detenção de ambos. Adriana Soares foi interrogada e torturada, juntamente com outra jovem mulher, Angelina. Adriana Soares disse à Comissão: Angelina e eu fomos postas numa sala. Depois, rasgaramnos as roupas até estamos nuas, mandaram-nos sentar em cadeiras e interrogaram-nos: “Digam que estiveram em contacto com as Falintil, ok! Que se encontraram com Xanana e com o comandante Rosito!” Depois, aquele membro do Nanggala espancou-me até eu cair e…disse novamente: “Xanana e o comandante Rosito lixaram-vos às duas!” Ficámos caladas. Depois, queimaram-nos com um cigarro, a mim e a Angelina, no corpo e nas coxas, mas não nos violaram. Em Maio, as ABRI chegaram às 05 da manhã e levaram 18 presos num camião Hino. As 647 famílias deles ainda não sabem onde eles estão. - 171 - 7.4.7 Prisão e tortura perpetradas pelas autoridades de ocupação indonésias 1985/1998 Introdução Durante o período de 14 anos decorrido entre 1985 e 1998, conhecido como o período de “normalização e consolidação”, pretendeu-se dar a entender que Timor-Leste era apenas mais 648 uma província da Indonésia e o território ficou aberto ao mundo exterior. A investigação da Comissão indica que os casos de prisão arbitrária, maus-tratos e tortura de civis atingiram níveis inferiores aos registados no período entre 1975 e 1983, mas, apesar disso, ocorreram em todos os anos deste período. Entre 1985 e 1998 ocorreram significativas alterações políticas e mudanças tanto na natureza da ocupação como na natureza da resistência. Em 1987, as Falintil separaram-se do partido Fretilin para se transformarem num movimento de resistência armada não partidário (ver Capítulo 3: História do Conflito e Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Isolada do mundo exterior, a Resistência começou a depender cada vez mais da frente clandestina para ajudar à sua sobrevivência e na maioria da actividade de resistência. Embora os períodos iniciais tenham sido caracterizados por confrontos armados a nível regional promovidos pela Resistência com o apoio das redes clandestinas, em finais da década de 1980, a resistência ocorria sobretudo nos centros urbanos, através de manifestações e de outras formas de activismo político. Uma nova geração de jovens activistas tornou-se líder dos movimentos clandestinos urbanos, embora tenham continuado a ser dirigidos por líderes das Falintil na floresta (ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Embora continuassem a ser presas figuras da Resistência e a incidência de tortura na prisão tivesse aumentado, as Forças Armadas indonésias tornaram-se menos evidentes enquanto perpetradoras destas violações. A Polícia assumiu maiores responsabilidades no controlo do território. Os membros das Falintil e da rede clandestina que foram detidos acabaram por ser acusados e levados a julgamento (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos). No início da década de 1990, os militares indonésios criaram paramilitares e milícias locais que eram responsáveis por muitas violações. A politização da Resistência e da juventude pró-indonésia levou a explosões de agitação civil relacionadas com questões étnicas e religiosas. Estas tensões resultaram em várias escaramuças violentas entre a juventude timorense e membros do dispositivo de segurança indonésio (ver Capítulo 3: História do Conflito). Os padrões anteriormente estabelecidos persistiram. A caça aos membros da Resistência armada e do movimento clandestino continuou. Os que eram capturados eram detido e presos de forma arbitrária e sofriam tortura e outras formas de tratamento cruel e desumano. Os ataques da Resistência armada a alvos civis ou militares também continuaram, embora a uma escala menor do que a verificada em inícios da década de 1980. No entanto, tal como nessa altura, a população civil sofreu violações generalizadas no rescaldo dos ataques. A tortura continuou a ser uma experiência comum durante o interrogatório e as condições de prisão eram frequentemente duras. O número de prisões e a incidência de casos de tortura e maus-tratos permaneceu estável durante este longo e complexo período. Esta secção foi estruturada de acordo com as razões gerais para prisão, em vez de cronologicamente. Os critérios incluíram: - 172 - • Participação ou contacto com o movimento clandestino ou com a Resistência armada • Participação em manifestações públicas contra a potência ocupante • Questões religiosas e outros conflitos • Prisões no decurso de buscas por membros das Falintil • Ataques da Resistência a alvos indonésios, militares ou civis Perfil das violações O período de “normalização e consolidação” da ocupação indonésia entre 1985 e 1998 caracterizou-se por padrões de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos bastante diferentes relativamente aos de outros períodos (nomeadamente de 1974/1979, 1980/1984 e o período posterior — por volta da altura da Consulta Popular da ONU em 1999). Observou-se, em particular, que o nível geral de violência foi menor entre 1985 e 1998 do que durante os outros períodos. Esta hipótese apoia-se nos dados quantitativos das conclusões da Comissão. A reflexão sobre a magnitude geral das violações documentadas revelou que, apesar de o período abranger 53,8% (14/26) dos anos que integram o mandato da Comissão, só 23,8% (6.039/25.383) dos casos de prisões, 30,5% (3.393/11.135) dos casos de tortura e 27,1% (2.292/8.443) dos casos de maus-tratos ocorreram durante o período. Podem ser encontradas mais provas desta conclusão examinando a taxa de diária de violações. As taxas diárias de violações referentes a prisão, tortura e maus-tratos são bastante inferiores durante este período do que nos outros, como pode ser verificado na Figura <t_dailyvlnrate_4006001000.rtf>, abaixo. Por exemplo, a taxa diária de prisões documentada pela Comissão foi mais de 7,9 vezes superior em 1999 e 3,8 vezes superior nos primeiros anos da invasão do que durante a “fase de normalização e consolidação”. Figura <t_dailyvlnrate_4006001000.rtf>: Taxa diária de violações para casos relatados de prisão, tortura e maus-tratos por fase, 1974/1999 Período Prisões Torturas Maus-Tratos Total 1974 0,1 0,1 0 0,2 1975/1984 4,5 1,5 1,1 7,1 1985/1998 1,2 0,7 0,5 2,3 1999 9,3 7,5 7 23,8 Anos do Mandato 2,7 1,2 0,9 4,8 Fonte: Base de dados dos testemunhos narrativos prestados à CAVR (HRVD) Violações no espaço Além do massacre de Santa Cruz e do seu rescaldo, em 1991 em Díli e nas regiões em redor, os casos relatados de violência durante os “anos da consolidação”, de 1985 a 1998, assumiram a forma de violência esporádica de baixo nível nas três regiões. A Comissão documentou níveis semelhantes de prisão, tortura e maus-tratos durante a fase de “normalização e consolidação” nas regiões oriental e ocidental e um nível ligeiramente superior na região central durante este período. Estes níveis parecem compatíveis com o facto de os principais centros de detenção dos militares indonésios serem em Díli. - 173 - Prisão e tortura Durante o período de 1985/1998, foram presas vítimas individuais com muito mais frequência do que grupos de vítimas, como pode ser verificado na Figura <gpTS_groupindiv400.ps>. Este dado é compatível com a hipótese de as práticas de prisão das autoridades indonésias terem passado de uma concentração em indivíduos e grupos nos primeiros anos da ocupação (1977/1984) para uma estratégia mais direccionada para indivíduos no período de 1985 a 1999. Também reflecte o final das deslocações em massa de civis para campos de internamento, como o de Ataúro, no início deste período. [Inserir Figura <gpTS_groupindiv400.ps> por aqui] A natureza mais direccionada da violência perpetrada pelos militares indonésios apoia-se na evidência estatística da Comissão: o coeficiente de correlação entre os casos documentados de prisão e os casos documentados de tortura atribuídos aos militares indonésios durante a “fase de normalização e consolidação” era de 0,97. Verifica-se em particular, como mostra a Figura <tphase400600.rtf>, que a taxa relativa de torturas por prisão aumentou substancialmente ao longo das três fases do conflito: de 0,29 nos anos iniciais da invasão para 0,52 nos anos de “normalização” e “consolidação” e 0,69 durante 1999. Figura <tphase 400600.rtf>: Rácio de torturas relatadas por prisão atribuídas aos militares e à Polícia indonésios por fase, 1974/1999 Prisões Tortura Rácio de Prisões para Tortura 1975/1984 10.867 3.237 3,4 1985/1998 5.465 2.921 1,9 1999 1.417 972 1,5 Total 17.749 7.130 2,5 Vinculação institucional dos perpetradores As instituições identificadas pelas vítimas como responsáveis pelos casos de prisão e tortura também mudaram nesta fase. A participação da defesa civil (Hansip) diminuiu acentuadamente em 1984, depois dos levantamentos liderados pela Hansip em 1983, e ainda mais em 1985. O número de casos de prisão em que a Polícia participou também diminuiu entre 1985 e 1990, relativamente aos níveis anteriores, mas a sua participação aumentou a partir de 1991, até se tornar uma das principais instituições a fazer detenções. Os militares indonésios continuaram a ser o perpetrador referido com mais frequência nos casos documentados ao longo do período. Prisão de membros do movimento clandestino Em 1985, as autoridades indonésias estavam convencidas de que a Operação Unidade (Operasi Persatuan) tinha destruído grande parte das redes clandestinas que sustentavam a Resistência armada das Falintil e que o número de membros das Falintil estava a diminuir. A Resistência armada também passou a abordar a luta com mais cuidado. A estratégia da Resistência mudou durante a década de 1980, ao ponto de o conflito armado se tornar secundário em relação à luta diplomática internacional e, de um modo geral, a Resistência deixou de procurar confrontos directos com os militares indonésios (ver Parte 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Não obstante, as redes clandestinas tornaram-se cada vez mais organizadas e muitas foram colocadas sob o controlo de uma estrutura central em 1986 — a Organização Coordenadora - 174 - * Inter-regional, ou OCR). As redes clandestinas também começaram a procurar membros nas escolas e em grupos de jovens. Este processo de organização e centralização prosseguiu na década de 1990. Os líderes destas redes eram um alvo principal para os militares indonésios. Característico desta fase era o facto de o movimento clandestino ser cada vez mais liderado por jovens e organizações de juventude. Eles levavam a efeito protestos políticos contra a potência ocupante — abaixo examinados. A prisão e o interrogatório de membros ou pessoas do movimento clandestino, ou de pessoas suspeitas de o serem, não envolvidas em manifestações continuaram ao longo do período em todos os distritos de Timor-Leste, incluindo Díli. A Comissão recebeu mais de 500 relatos de prisão, tortura e maus-tratos de membros do movimento clandestino neste período. Os presos pertencentes ao movimento clandestino sofreram frequentemente tortura e maus-tratos na altura da detenção ou enquanto estiveram presos. 1985 a 1988 Neste período, Timor-Leste continuava fechado ao mundo exterior. As comunidades eram vigiadas de perto através de amplas redes comunitárias de serviços de informação e da presença penetrante das forças ocupantes, que chegavam ao nível dos bairros. Vizinhos denunciavam vizinhos. Os militares e a Polícia agiam com impunidade e tratavam como lhes apetecia as pessoas suspeitas de pertencerem ao movimento clandestino (ver Capítulo 3: História do Conflito). Num certo caso, a Comissão tomou conhecimento de que as Forças Especiais (Kopassandha) do distrito de Lautém tinham prendido menores a 23 de Maio de 1985, submetendo-os a tortura e maus-tratos. Armindo Nunes (17) descreveu como ele e dois amigos, Agusto da Silva (18) e Amélio Nunes (17), todos membros do movimento clandestino, foram detidos na sua escola secundária em Lospalos (Lautém) e levados para o quartel-general das Kopassandha, onde foram presos, espancados, esbofeteados e pontapeados. Os três foram levados para o Kodim de Lospalos, onde foram presos com um membro da Fretilin, Domingos Sávio, que tinham sido alvejado e ferido. Depois de dois dias e duas noites no Kodim, chegaram forças do Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700 que torturaram os três jovens. Armindo Nunes disse à Comissão: Naquela noite, eles (Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700) chegaram e espancaram-nos, dando-nos socos na cabeça e pontapés nos joelhos. Isto aconteceu todas as noites durante sete dias. Eles só nos batiam; não diziam uma só palavra. Depois, de manhã, despejavam-nos água em cima e deixavam-nos ficar encharcados. Passados sete dias, fui chamado por um membro das Kopassandha e ele colocou a perna de uma mesa em cima dos dedos do meu pé e sentou-se na mesa. Um membro da Tim Alfa entrou e disse-nos que seríamos mortos se não desistíssemos de tentar conseguir a independência. Fui interrogado quatro vezes enquanto estive preso e fui espancado da mesma maneira em todas as vezes, com socos na cabeça. Eu começava a sentir a cabeça pesada e não conseguia responder às perguntas 649 deles. * Segundo Vasco da Gama, António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) e Paulo Assis Belo eram membros activos deste organismo, que esteve operacional até 1988. [Entrevista da CAVR a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004]. - 175 - Durante sete dias, os presos não receberam alimentação e, incapazes de suportar a fome, comeram cascas de banana que tinham sido deitadas fora. Amélio Nunes foi libertado, mas chegaram novos presos ao Kodim, incluindo Victor, José, Ângelo, Martinho e Manuel Xisto. Todos eram espancados com regularidade. Em Agosto, Armindo Nunes foi transferido para o quartel-general distrital da Polícia durante um mês. A 14 de Setembro de 1985, foi levado de helicóptero com cinco outros para a prisão de Balide (Comarca), em Díli, para ser investigado e foi mantido nu numa cela escura, onde dormia no chão, durante cerca de 15 dias. Acabou por 650 ser julgado cinco meses depois e foi condenado a um ano e dez meses de prisão. Outros exemplos de prisão arbitrária da parte inicial do período incluíram: Nome Distrito Detenção Razão para a Detenção Suspeita de apreender espingardas do Koramil e entregá-las às Falintil. Prisão Moisés de Jesus e Domingos651 Ainaro 25 de Janeiro de 1985, pelo Hansip T409 e por T410, membro do Kopassus. Idelfonso Piedade Belo652 Baucau 17 de Setembro de 1985, pelo Comandante do Batalhão de Infantaria 724, T411. Suspeita de saber onde estavam armazenadas espingardas das Falintil. Preso no Hotel Flamboyan, em Baucau, e interrogado pelo comandante indonésio das ABRI, T412, durante dois dias e duas noites. António de Araújo Soares653 Makadade, Díli 1985, pelo Rukun Warga. Levado para casa do chefe do suco. Raimundo da Cruz654 Viqueque Herculano dos Santos655 Hatulia, Ermera 1985, por um comandante indonésio do Kopassus chamado T414. Abril de 1986, pelo chefe de secção de desenvolvime nto do suco (Kasi PMD) T415. A comunidade foi mandada empurrar um barco ao longo da costa. A vítima não se juntou ao resto do grupo e, por isso, foi acusada de apoiar a Fretilin. Um vizinho perdeu uma vaca e acusou o depoente de a roubar para a dar às Falintil. Foi ao banco levantar dinheiro para pagar aos seus funcionários, mas tornou-se suspeito de dar dinheiro às Falintil. Eugénio de Jesus656 Hera-Lebos, Díli Descobriu-se que o cartão de identificação estava rasgado durante uma verificação. Preso durante uma semana no Kodim de Díli. Por tropas do Batalhão de Infantaria 723 - 176 - Preso no Koramil de Ainaro durante dois dias. Tortura/Maustratos Continuamente espancado. Espancado, electrocutado, queimado com pontas de cigarro e mergulhado nu várias vezes dentro de um tanque de água pelo comandante indonésio das ABRI T413. Nenhuma tortura relatada. Preso durante três meses. Espancado, esmurrado e pontapeado. Preso durante um dia na esquadra da polícia de Hatulia. Sofreu choques, foi estrangulado e pisado por T415 e depois pontapeado por T416. Na estação, foi algemado e mergulhado em água durante três horas. Nenhuma tortura relatada. estava rasgado durante uma verificação. Durante este período, os presos políticos que tinham sido enviados para a Ilha de Ataúro no 657 início da década de 1980 começaram a regressar. Embora alguns ficassem completamente livres depois de serem libertados, outros continuavam a ser vigiados nos seus sucos, ou eram temporariamente presos em campos de detenção ou de reinstalação, como o de Cailaco ou de Bonuk (Hatu Udo, Ainaro) (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). - 177 - Prisões em Timor-Leste No início da década de 1980, a Comarca de Díli, única prisão oficial de Timor-Leste, estava gravemente sobrelotada. As operações militares tinham resultado na prisão de muitas pessoas. A partir de 1983, mais prisioneiros passaram a ser julgados e condenados a longos períodos de 658 prisão — precisando de alojamento. Alguns presos políticos eram enviados para prisões na Indonésia, mas continuava a ser necessário mais espaço de prisão em Timor-Leste. De acordo com essa necessidade, foi aberta a prisão de Becora, em Díli oriental, em 1985, seguida da Prisão de Buruma, no distrito de Baucau, em 1986/1987 e das prisões de Maliana (Bobonaro) e * de Gleno (Ermera). Estas prisões eram dirigidas por funcionários civis do Departamento da Justiça e serviam para prender tanto os prisioneiros que aguardavam julgamento, como aqueles que tinham sido condenados e recebido sentença. Em geral, as condições das prisões estatais eram melhores do que as dos vários centros de detenção informais, postos de comando militares e de outras instituições policiais e militares onde as pessoas eram presas. Tortura e maus-tratos A tortura e os maus-tratos nestas instituições eram menos frequentes do que noutros centros de detenção. Não foram recebidos quaisquer relatos de tortura dos prisioneiros de Maliana e Gleno, embora vários antigos presos da Prisão de Becora tenham afirmado que sofreram maus-tratos † graves às mãos dos guardas prisionais. Segundos os relatos recebidos, a tortura ocorreu em Buruma. Januário Freitas Ximenes, que trabalhou como guarda na Prisão de Buruma de 1990 a 1999, disse à Comissão ter visto pessoas a serem torturadas pela Polícia durante os interrogatórios. Um homem foi torturado “durante 40 dias numa cela, até ficar muito maltratado e impotente devido aos espancamentos.” A Polícia obrigava os funcionários prisionais a participar no espancamento dos presos. Freitas Ximenes disse: “Fui obrigado [a esbofetear um prisioneiro] 659 e ameaçado com uma pistola, e se não o fizesse, eles matavam-me.” Mário Filipe relatou ter 660 sido constantemente torturado por Brimob em Buruma. Celas escuras Todas as prisões tinham “celas escuras” (por vezes descritas como “celas especiais”) nas quais os presos eram privados de luz e de ar fresco. Estas celas eram utilizadas para prisioneiros 661 recém-chegados, como meio de punição ou para fins de prisão solitária. Algumas celas escuras da Prisão de Buruma tinham pia e chuveiro, bem como um colchão para os presos dormirem. As celas escuras da Prisão de Gleno tinham um lavatório e uma pia. A Comissão tomou conhecimento de que vários presos eram mantidos em celas escuras durante períodos excessivos, o que representava um tratamento cruel e degradante. Octávio da Conceição falou sobre o que sofreu em termos psicológicos por ter estado três meses preso numa cela escura na 662 Prisão de Becora. Eduardo Lopes (Lorico Lopes), detido em 1995, passou quatro anos na 663 Prisão de Maliana sem ver a luz do dia. * Devido à destruição dos registos da administração indonésia em Timor-Leste, a Comissão não pôde determinar quando foram inauguradas as prisões de Maliana e de Gleno. Contudo, os testemunhos recebidos pela Comissão que descrevem a prisão nestas instituições indicam uma data por volta de 1990. † Por exemplo, Manuel Pereira disse à Comissão ter estado seis meses preso na Prisão de Becora em 1987 e ter sido deixado ao sol durante longos períodos durante esse tempo. Em certa ocasião, foi também obrigado a arrastar o pneu de um carro que estava amarrado ao seu pescoço, juntamente com outros prisioneiros. [HRVD, Testemunho nº 0928. Ver também HRVD, Testemunhos nº 00185, 3729 e 5079. Os casos de tortura e maus-tratos em LP Baucau incluem o HRVD, Testemunho nº 7817]. - 178 - As condições sanitárias e de higiene nas prisões estatais encontravam-se abaixo da norma definida pelas Convenções de Genebra para garantir o tratamento humano dos presos e não pareciam melhorar ao longo do tempo. Mário Filipe falou sobre as condições na Prisão de Buruma em 1997: “Havia uma pia na cela, mas não havia água, por isso o cheiro a fezes e a * urina era intenso e constante.” As condições na prisão de Maliana não eram melhores. Em finais da década de 1990, as condições de higiene nas pequenas e mal cheirosas celas eram más, sobretudo porque os prisioneiros tinham de comer, utilizar a casa de banho e dormir sem um 664 colchão — tudo na mesma cela. Nos seus testemunhos, os antigos prisioneiros de TimorLeste referem sistematicamente o facto de dormirem em chão de cimento — por vezes húmido e, frequentemente, sem colchões. As condições sanitárias foram frequentemente mencionadas à Comissão, juntamente com outros abusos dos direitos humanos. José da Costa Ximenes, preso em 1994 na Prisão de Buruma, em Baucau, foi separado das outras pessoas que foram detidas com ele. Quando protestou, o director da prisão — um indonésio, T419 — chamou-lhe bastardo e mandou que o colocassem numa cela escura, desnudado, durante dez dias: Só me davam papas de aveia e arroz seco para comer. A cela escura tinha uma pia no chão, perto do local onde eu dormia, por isso eu tinha de ter cuidado para não entornar água quando me lavava, ou o chão ficariam molhado. A cela era muito pequena e eu não conseguia mexer665 me. Os prisioneiros condenados costumavam ser mais bem tratados do que os que se encontravam sob prisão preventiva, sendo geralmente transferidos de celas escuras para a sala comum. Deixavam de ser interrogados e podiam deslocar-se com maior liberdade pela prisão. No entanto, os guardas prisionais costumavam tratar os presos políticos e os presos normais de maneira diferente. Felismina da Conceição disse o seguinte sobre o ambiente da Prisão de Becora em 1992: Eles tratavam os prisioneiros criminais com mais cuidado do que a nós [prisioneiros políticos]. Quando os prisioneiros normais ficavam doentes, eram levados ao hospital, mas quando nós 666 adoecíamos, éramos nas nossas celas. Júlio Araújo Martins, preso em Gleno, disse que os movimentos dos prisioneiros políticos dentro da prisão eram restringidos: Eu não podia [falar com] outros prisioneiros…Eles suspeitavam que eu pudesse influenciá-los 667 por ser prisioneiro político, por isso mantinham-me sozinho numa cela.” Este foi o tipo de isolamento que as seis pessoas aprisionadas viveram em Becora por terem sido condenadas por participação da manifestação de Santa Cruz em 1991, passou-se o seguinte: Aqueles de nós [a quem eles chamavam] cabeças duras eram separados. Por isso, ficámos os seis sozinhos numa cela. A porta foi fechada e não pudemos contactar nenhum dos outros presos durante mais de dois anos. Fizemos jardinagem e jogámos pingue-pongue enquanto lá 668 estivemos. * Mário Filipe ficou dois meses preso na Prisão de Buruma, em Baucau, em 1997, tendo depois sido transferido para a Prisão de Kalisosok, em Surabaya, Java Oriental. Durante os três meses anteriores à Consulta Popular de 1999, ficou na Prisão de Semarang, em Java Central. [Entrevista da CAVR a Mário Filipe, Baucau, 3 de Setembro de 2004]. - 179 - Por vezes, os prisioneiros podiam sair da prisão, mas essa não parece ter sido a norma aplicada aos prisioneiros políticos. Felismina de Conceição disse que os guardas da Prisão de Becora podiam escoltar um prisioneiro normal (criminal) até uma reunião familiar, como um funeral ou 669 uma festa, mas não os prisioneiros políticos. David da Conceição Thon, uma das pessoas presas em Becora depois do Massacre de Santa Cruz, disse que passados dois ou três meses de prisão, deixaram-no sair para apanhar ar fresco e ir à igreja. Ele acabou por conseguir pagar a alguns guardas para o deixarem ir passar a noite a casa e regressar à prisão na manhã 670 seguinte. 1989/1998 Mesmo depois de Timor-Leste ser “normalizado” e aberto ao mundo exterior, os membros do movimento clandestino continuaram a ser presos. Por vezes, um membro do movimento clandestino capturado fornecia informações aos militares, ou à Polícia, que conduziam a várias detenções. Por exemplo, depois da captura de líderes do * CNRM, nomeadamente Amadeu Dias dos Santos e Agustinho dos Santos, em Liquiça, em 671 Novembro de 1990, foi exposta uma grande parte da rede clandestina. Foram feitas detenções 672 em sucos como Loidahar, Luculai e Darulete (todos em Liquiça, Liquila). Em Loidahar, o chefe † do suco, T420, por vezes acompanhado por um babinsa, T421 , deteve várias pessoas, entregando-as posteriormente à SGI ou ao Koramil de Liquiça, onde eram interrogadas e 673 torturadas. A maioria das pessoas ficavam presas entre 10 dias e duas semanas. Um homem, António Hatoli, tinha distribuído bandeiras da Fretilin e outro, António Alves, foi encontrado com 674 uma bandeira em sua posse. O testemunho que se segue descreve uma detenção em Novembro de 1990 em Liquiça e é ilustrativo do costume de um ramo do dispositivo de segurança entregar um prisioneiro a outro para este proceder ao interrogatório: Às dez horas da manhã de 10 de Novembro de 1990, um soldado timorense do Kodim de Liquiça, T422, e [membros d] o SGI detiveram-me na residência do padre da paróquia de Liquiça e levaram-me para o Kodim de Liquiça para ser interrogado. Durante o interrogatório, pontapearam-me até eu cair no chão e depois pisaram-me e bateram-me nas costas com uma pedra até eu ficar estendido de costas e perder a consciência. Depois, o chefe da secção de serviços de informação do Kodim de Liquiça, um indonésio chamado T423, esmagou os dedos do meu pé debaixo da perna de uma mesa enquanto outro soldado se sentava em cima [da mesa]. Enquanto o interrogatório decorria, bateram-me com uma pedra até, pela segunda, eu perder a consciência. * O chefe do suco de Darulete (Liquiça, Liquiça), que foi posteriormente despedido. Ver Testemunho nº 2989 da HRVD. Outros chefes de suco do distrito de Liquiça que participaram na detenção de pessoas, ou lhes fizeram ameaças, no final da década de 1990 foram: T426 (suco de Leorema) [HRVD, Testemunho nº 2177] e T427 (vila de Bazartete) [HRVD, Testemunho nº 0956]. † - 180 - Quando acordei, tinha sido algemado por um agente da polícia e levado para o quartel-general da Polícia do subdistrito de Liquiça. Eles trataram as minhas feridas com uma compressa, betadine e ervas. Depois, despiram-me e puseram-me numa cela. Às cinco horas da tarde, o 675 Gadapaksi e o SGI de Díli chegaram para me levar para o quartel-general do SGI em Colmera, Díli. Lá, fui esmurrado na cara por um [membro timorense da] SGI, T424, até cair no chão. Levantei-me devagar e o S G I interrogou-me. Eles espancaram-me, pontapearam-me e esbofetearam-me até o meu corpo ficar inchado. Depois, transferiram-me para o Kolakops Farol [Gabinete de Investigação do SGI], onde fui despido, peça a peça, por um [membro indonésio da] S G I , T425, que me amarrou a uma cadeira e me electrocutou, nas pontas dos 676 dedos dos pés e nas orelhas. - 181 - Prisão de um líder do movimento clandestino A rede clandestina de Ossu (Ossu, Viqueque) era particularmente forte em finais da década de 1980 e na década de 1990. A rede era liderada por José da Silva Amaral (Asuloko) que, juntamente com os seus companheiros, fornecia alimentação, roupas, medicamentos e informações sobre as actividades militares à Resistência. José Amaral descreveu como a rede alargou gradualmente a sua área de operações, desde a cidade de Ossu até abranger todo o subdistrito, acabando por contar com a participação de todos os membros da comunidade, incluindo mulheres e crianças, nas actividades clandestinas. José da Silva Amaral disse à Comissão ter sido detido por um membro indonésio do Kopassus, T428, a 17 de Julho de 1991. T428 levou José Amaral para a casa de um membro da assembleia local, T429, que era na altura utilizada para prender e torturar pessoas, e interrogouo. Quando José Amaral se recusou a responder às perguntas, foi mandado despir-se. T428 e o seu colega timorense, T430, puseram-no num tanque cheio de água e cubos de gelo e deixaram-no lá durante três horas. Depois, T430 agarrou numa pá e despejou água gelada sobre a cabeça de José Amaral. José Amaral já não suportava o frio. Gritou que deviam matá-lo e disse a T428 que diria a verdade se fosse retirado do tanque. T428 continuou o interrogatório e José Amaral forneceu os nomes de companheiros que sabia já terem sido detidos, como Mário Miranda e Fernando Nahabia. T428 não ficou satisfeito com esta informação, sacou de uma arma e bateu nas mãos de José Amaral até sangrarem. José Amaral limpou o sangue nas calças, com a intenção de o mostrar mais tarde ao CICV, mas T428 viu o sangue e mandou alguém lavar as calças. Depois disto, os pêlos do bigode de José Amaral foram arrancados e ele foi espancado e pontapeado até perder a consciência. José Amaral ficou um mês preso na casa de T429 e depois passou dois meses preso no Kotis. Depois de ser libertado, José Amaral voltou a ser detido, em sua casa, por membros do Koramil de Viqueque Koramil. T428 reapareceu e levou-o para o acampamento da base em Manatuto. Enquanto esteve amarrado, José Amaral foi colocado numa caixa que foi transportada de helicóptero para Manehat (Barique, Natarbora, Viqueque). Passados dois meses, José Amaral foi novamente transferido para o Rumah Merah, em Baucau, onde ficou preso com Alberto Espírito Santo, José Manuel, Filomeno e o enfermeiro Victor Viegas. T431 interrogou-o. José Amaral foi despido e T428 espancou-o com uma vara de ferro com um metro de comprimento. O interrogatório durou desde as nove horas da manhã às três horas da manhã. José Amaral ficou um ano preso no Rumah Merah, em Baucau, e foi posteriormente libertado, sem nunca ter 677 comparecido a julgamento. Por vezes, sucos inteiros eram suspeitos de pertencerem a uma rede clandestina e detidos pelos militares: - 182 - • Segundo as informações recebidas, 40 pessoas foram detidas nos sucos de Soro e de Suro-Kraik (Ainaro, Ainaro) em Outubro de 1990, depois de serem encontrados documentos clandestinos que os implicavam em actividades clandestinas. A maioria dos presos foram libertados depois de serem interrogados, mas alguns ficaram várias 678 semanas presos. • Em Novembro de 1992, nos sucos de Tutoloro e de Babulu (Same, Manufahi), pelo 679 menos 40 membros do movimento clandestino foram detidos pela Polícia. T432, sob ordens do agente de polícia do suco (Bimpolda) T433, chamou-os ao centro de reuniões do suco, onde todos foram interrogados sobre o envio de mercadorias para a floresta. A Polícia entregou o grupo ao chefe indonésio dos serviços de informação do Kodim de Manufahi, T434, que o levou para o acampamento da base, em Same. No acampamento, os presos foram obrigados a sentar-se encostados à parede e foram espancados e pontapeados. Depois do espancamento, foram mandados cortar relva até à noite, altura em que todos, menos seis, foram libertados. Os seis eram Raul da Costa, Anteiro, Paul da Costa, Marito da Costa, Benigno e Hilário e mantiveram o estatuto de 680 “presos externos” durante 18 meses. • A 15 de Janeiro de 1995, o Kodim de Liquiça 1638 iniciou uma operação no suco de Gariana (Vatuvuo, Maubara, Liquiça) por os seus habitantes serem suspeitos de 681 esconder membros das Falintil. Os militares detiveram residentes de Gariana, incluindo o chefe do suco, José Nunes, Abel Nunes, Victor, Agusto Pinto, Joanico 682 Sampanho, Fernando Pinto Nunes e Filomeno. Os seis homens acabaram por ser mortos a tiro (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Antes de morrerem, foram levados para o posto do Karbaudabas e interrogados durante a noite. Quatro dos homens foram torturados, sendo pendurados pelo pescoço até ficarem * inconscientes por um funcionário timorense, T435, e por um soldado raso do TNI, T436. Uma outra vítima, Mário da Silva, não foi morta, mas foi interrogada pelo primeiro† tenente T437. Durante o interrogatório, outro soldado timorense, T438, cortou o dedo do pé de Mário da Silva com a perna de uma mesa, pisou-o com botas militares e 683 espancou-o com uma espingarda. Segundo a comunidade de Uatuboru (Maubara, Liquiça), depois do incidente em Gariana, as ABRI e os seus auxiliares começaram a 684 suspeitar que jovens da zona do distrito de Liquiça trabalhassem com as Falintil. * Acabaram por ser mortos pelos mesmos perpetradores. [Testemunho nº 3004 da HRVD]. T436 e T437 foram condenados por um tribunal militar por desobedecerem às ordens de um superior, mandarem outra pessoa cometer um homicídio e redigirem um relatório falso aos seus superiores [Amnesty International Indonesia and East Timor: Twenty years of violations. Testemunho perante o Comité Especial de Descolonização da ONU, 11 de Julho de 1995, Índice da Amnistia Internacional: ASA 21/33/95]. † - 183 - • * Em Uatu-Lari (Viqueque) em 1998, o comandante indonésio do Koramil de Uatu-Lari, T439, e os seus homens detiveram 100 residentes por pertencerem ao grupo próindependência 55 (leia-se Cinco Cinco). Depois de serem detidos, foram amarrados, pontapeados, golpeados com uma espingarda e levados para o Koramil de Uatu-Lari. Depois, foram levados para o Kodim de Viqueque, onde ficaram presos durante três meses. Foram interrogados enquanto estavam amarrados com cabos e foram também obrigados a ficar em sentido perante a bandeira indonésia todos os dias. Depois de 685 serem libertados, tiveram de se apresentar duas vezes por semana. As detenções não se limitaram às áreas rurais e também foram detidos membros do movimento clandestino em Díli. Num dos casos de que a Comissão tomou conhecimento, três * jovens — Alexandre dos Santos, o seu irmão João Xavier e Mariano da Costa — foram detidos em Outubro de 1990 porque as autoridades acreditavam que eles planeavam queimar a casa de Jaime Oliveira, um administrador do subdistrito. Os jovens foram seguidos desde o subúrbio de Fatuhada até Hudi Laran, Díli, por membros da Polícia, das forças militares e dos serviços de informação que dispararam contra eles. Quando foram apanhados, foram espancados com correntes de motocicletas e com canos de metal. Foram então levados para esquadras de polícia locais e interrogados e posteriormente levados para uma clínica para lhes tratarem das feridas. Passados três dias no quartel-general da Polícia subdistrital, foram levados para a prisão de Becora, 686 onde ficaram 17 dias. Na sociedade timorense, alguém descrito como alargada, ou um bom amigo ou colega. "irmão" pode ser um primo, um sobrinho, um membro da família - 184 - Detenções clandestinas em Díli Chiquito da Costa Guterres começou a trabalhar como estafeta em 1994, transportando para a Resistência documentos importantes de Díli para Manatuto. Foi detido a 21 de Fevereiro de 1996 pelos serviços de informação da Polícia na loja Juwita de fotografia em Colmera, onde se encontrava a revelar fotografias para as Falintil. Foi colocado num táxi e levado para a esquadra da Polícia de trânsito, onde foi interrogado durante algumas horas sobre quem eram os seus líderes e quem o tinha mandado revelar as fotografias. Chiquito da Costa Guterres foi espancado e submetido a choques eléctricos pela Polícia. Depois, foi transferido para a esquadra da polícia subdistrital no Mercado Velho, onde foi interrogado. Dessa vez, taparam-lhe os olhos com um pano e despiram-no. Ele foi espancado por agentes dos serviços de informação da Polícia e obrigado a assinar uma carta com respostas falsas ao que lhe fora perguntado durante o interrogatório. Passados dois dias, foi transferido para a esquadra da Polícia distrital, onde foi interrogado por membros do SGI e por agentes dos serviços de informação da Polícia. Os seus dedos foram esmagados debaixo de uma cadeira em cima da qual alguém se sentou. Ele perdeu a consciência e foi posteriormente colocado numa “cela escura”. De noite, os serviços de informação da Polícia tiraram-no da cela e levaram-no para Tacitolu, na periferia de Díli: Eles (serviços de informação da Polícia) obrigaram-me a ficar de pé na água enquanto as ondas molhavam as minhas pernas e eles disparam as suas armas. Eu não sabia para onde eles estavam a apontar. Depois, arrastaram-me para uma árvore cheia de espinhos e eu pisei esses espinhos. Amarram-me à árvore e dispararam as armas. Foi uma ameaça psicológica para me obrigar a dizer a verdade. Passado um mês no quartel-general da Polícia regional, Chiquito Guterres foi novamente transferido para o SGI de Colmera, onde ficou uma semana preso. Não foi magoado fisicamente, mas foi ameaçado com tortura. Quando lhe perguntaram por que razão era constantemente transferido para diferentes locais de detenção, Chiquito Guterres respondeu: Eles transferiram-me da Polícia de trânsito para o quartel-general da Polícia subdistrital porque não era um local de detenção e não havia garantias de que os presos não fugissem. Depois, transferiram-me do quartel-general da Polícia subdistrital para o quartel-general da Polícia regional porque o quartel-general da subdistrital não podia alojar presos a longo prazo e porque, também ali, não havia garantias de que os presos não fugissem. Depois entregaram-me à SGI de Colmera porque, em primeiro lugar, não tinham provas concretas para me levar a tribunal e, em segundo lugar, porque pensavam que o SGI de Colmera seria mais dura. Eles torturam-me para obter provas concretas. Em terceiro lugar, eles podiam prolongar a tortura para que eu revelasse as identidades dos meus companheiros do movimento clandestino e dos meus companheiros da Resistência que se encontravam nas montanhas. De facto, o SGI não me 687 torturou fisicamente. Em vez disso, fui torturado psicologicamente. A detenção de membros do movimento clandestino na Indonésia Na década de 1980, muitos timorenses começaram a viver, a trabalhar e a estudar na Indonésia. No final da década de 1980, havia grupos clandestino activos estabelecidos em cidades indonésias. As pessoas que participavam em actividades clandestinas na Indonésia corriam o risco de serem detidas e presas pelas autoridades indonésias. A Comissão recebeu relatos sobre detenção e maus-tratos de timorenses suspeitos de actividades clandestinas nas cidades 688 689 690 de Bandung, Semarang, Solo e Surabaya, Jacarta, Malang e Yogyakarta em Java, e 691 Denpasar, em Bali. - 185 - Num outro caso, José Neves foi detido no Posto Central dos Correios de Malang a 18 de Maio de 1994, enquanto tentava enviar documentos com pormenores sobre abusos dos direitos humanos em Timor-Leste para o estrangeiro, para um grupo de solidariedade da Alemanha. Os funcionários da alfândega abriram os documentos e, ao verem o nome de Xanana Gusmão, perceberam que estavam relacionados com a Resistência em Timor-Leste. Trinta minutos depois, chegaram duas pessoas da Procuradoria e agentes dos serviços de informação à paisana que detiveram José Neves e o levaram para a esquadra da polícia em Malang, onde ele foi interrogado: Enquanto estive preso, fui interrogado por agentes dos serviços de informação e detectives todas as tardes e também de noite. Os agentes dos serviços de informação estavam interessados nas redes clandestinas, nas suas actividades e nas pessoas que nelas participavam. Os detectives queriam [informações que os pudessem ajudar] a preparar acusações para os julgamentos. Durante o interrogatório, fui insultado e ameaçado de me espancarem ou alvejarem, mas isso nunca aconteceu. Eles disseram coisas como “estudantes estúpidos”, “agitadores” e “perturbadores da ordem pública”. Também insultaram os timorenses, dizendo que eles eram 692 estúpidos, ingratos e primitivos. Passados cinco meses de prisão, José Neves foi julgado e condenado a quatro anos de prisão. Cumpriu dois anos e meio na Prisão de Lowokwaru, em Malang, entre Fevereiro de 1995 e Setembro de 1997. Manifestações As manifestações de rua eram um contexto para prisões, maus-tratos e tortura que foi exclusivo do período de normalização. Esses actos públicos de resistência eram liderados pelas redes clandestinas sediadas na cidade, que surgiram em finais da década de 1980. Estes actos tornaram-se uma estratégia importante da Resistência. Contudo, essa estratégia deu a conhecer alguns membros da Resistência às autoridades e fez com que muitas centenas de pessoas fossem detidas ao longo dos anos (ver Capítulo 3: História do Conflito; Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). O fenómeno das manifestações de rua começou depois de o Presidente Suharto abrir oito dos treze distritos de Timor-Leste a visitantes e delegações indonésios e estrangeiros, em 1989. As manifestações foram uma maneira de transmitir a mensagem da resistência ao mundo exterior. A primeira grande manifestação ocorreu durante a visita do Papa João Paulo II, em Outubro de 1989, depois da Missa em Tacitolu. As manifestações organizadas foram acontecimentos comuns ao longo dos dois anos seguintes, até à repressão militar no cemitério de Santa Cruz em 1991, que resultou na captura e prisão de muitas figuras de destaque da Resistência. Consequentemente, os relatos de prisão arbitrária e de tortura relacionados com as manifestações diminuíram em 1993, embora tenham continuado a ocorrer, à medida que surgiam novas gerações de activistas estudantis — sobretudo da Universidade de Timor (Untim). Os números referentes a prisão e a tortura relacionados com as grandes manifestações coincidentes com a queda do Presidente Suharto em 1998 são baixos (ver Capítulo 3: História do Conflito). As vítimas de prisão e tortura relacionadas com as manifestações eram predominantemente jovens dos centros populacionais de Díli e de Baucau. Muitos eram estudantes do ensino secundário ou da universidade. - 186 - O debate que se segue examina a natureza e a dimensão da detenção arbitrária de possíveis manifestantes antes de uma manifestação, e a detenção arbitrária e prisão durante e depois de uma manifestação e os padrões de interrogatório e de tortura. Detenções antes de uma manifestação As autoridades indonésias despendiam tempo, esforços e fundos para suprimir as manifestações e outras formas de expressão pública de opiniões políticas. Muitos casos de detenção e prisão arbitrária relacionados com manifestações organizadas ocorreram antes do acontecimento. Como as manifestações costumavam ser planeadas de modo a coincidir com visitas internacionais, ou para assinalar dias específicos, podiam ser previstas. As pessoas eram detidas com base em informações específicas, ou devido ao conhecimento geral que se tinha das redes clandestinas. A Polícia e os militares invadiam regularmente determinadas escolas conhecidas pelas suas actividades de resistência, em busca de literatura pró-independência ou * para deter membros do movimento clandestino. A Visita do Papa João Paulo II Pelo menos três meses antes da visita do Papa João Paulo II, a 12 de Outubro de 1989, foi iniciada uma intensa operação militar no território em todo o território com o objectivo de deter † potenciais desordeiros e de impedir os guerrilheiros de entrar nos sucos e nas cidades. Milhares 693 de soldados guardaram Díli, bem como as cidades de Aileu e de Ermera. Gregório Saldanha, ‡ membro do movimento clandestino, foi um dos detidos durante esta operação. Seguem-se algumas palavras suas sobre o sucedido: Os militares indonésios pensaram que a manifestação planeada para a visita do Papa não ocorreria se nos detivessem. Eles detiveram-nos para prever quaisquer incidentes. A outra razão por que nos detiveram foi terem descoberto a rede que tínhamos formado. Mas eles estavam enganados. Outras pessoas organizaram uma manifestação durante a visita do Papa a 12 de Outubro de 694 1989, porque já estavam bem organizadas. No total, foram presas 34 pessoas, primeiro no quartel-general do Batalhão de Infantaria 744 e depois no quartel-general do SGI de Colmera. Todas passaram entre cinco e seis meses presas, sem receberem visitas de familiares ou de organizações de vigilância internacionais (ver Capítulo 3: História do Conflito). * As escolas que foram alvo das autoridades incluíram: a Escola Secundária Católica de S. Paulo VI (SMP Paulus) e o Externato, ambas em Díli; a Escola Secundária de São José em Balide, Díli e a Escola Secundária de Fatumeta IV (SMP 4) e a Escola Secundária Técnica (STM) de Fatumaca (também conhecida como escola de João Bosco) ambas em Baucau. Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002. † Documento “ 35 Tahun Darma Bakti Kostrad, Perpus Lemhanas,seluruh sector, khususnya Kodim 1627/Díli, mengadakan Pam dalam rangka kunjungan Paus Johannes Paulus II ke Díli.” ["…todos os sectores, sobretudo o Comando Militar Distrital 1627/Díli, tomaram medidas suplementares de segurança para preparar a visita do Papa João Paulo II a Díli."], Documento “35 Tahun Dharma Bakti Kostrad, Perpustakaan Lemhanas, [sem data] ["35 Years of Kostrad Services, Library of Lemhanas" [sem data]: p. 97.] ‡ Segundo informações da Amnistia Internacional. Filomeno Paixão de Jesus e Hermenegildo de Conceição foram presos em Junho de 1990 e levados para um arsenal militar em Díli, o Municipal Gudang [Amnistia Internacional, Testemunho da Amnistia Internacional ao Comité Especial de Descolonização da ONU, Índice AI: ASA 29/09/90, Agosto de 1990. p.2]. - 187 - Delegação parlamentar portuguesa Em 1991, houve um aumento da actividade política relacionado com a visita de uma delegação * parlamentar portuguesa, agendada para 4 de Novembro de 1991. A Resistência viu essa visita como uma oportunidade para transmitir a sua mensagem para o mundo exterior e, a Abril de 1991, organizou uma reunião com todos os grupos de juventude para fazer planos para a ocasião. No final da reunião, declarou-se a criação do CRNJT (Conselho Nacional da Resistência da Juventude de Timor) e José Manuel da Silva Fernandes foi eleito presidente. O objectivo principal do CRNJT era planear uma recepção para a delegação parlamentar 695 portuguesa. Foram feitos estandartes e vários grupos de juventude planearam manifestações 696 pacíficas para todo o território de Timor-Leste, desde Díli a Baucau e Oecusse. Depois do que sucedera durante a missa celebrada pelo Papa em Tacitolu, os militares indonésios estavam determinados a impedir mais acções e manifestações da Resistência. O Comando Militar Regional de Bali (Kodam) e o Comando de Implementação de Operações (Komando Pelaksana Operasi, Kolakops) prepararam um documento de 150 páginas traçando 697 um plano de operações pormenorizado que deveria ser iniciado três meses antes da visita. † Devido a esse plano, o número de tropas aumentou consideravelmente e os grupos ‡ paramilitares foram mandados organizar manifestações a favor da integração. Os militares visitaram sucos por todo o território de Timor-Leste para avisar as comunidades de que as pessoas envolvidas em actividades clandestinas relacionadas com a visita da delegação § parlamentar seriam mortas. Os militares também detiveram todas as pessoas suspeitas de poderem vir a participar numa acção ou manifestação. Em Díli, muitos dos “suspeitos do costume” foram marcados como alvos para prisão. Alfonso Maria, que fora detido anteriormente em 1987, 1988, 1989 e 1990, disse ter voltado a ser detido em 1991 porque os militares de Jacarta receberam informações segundo as quais ele estava a fazer planos para a visita parlamentar. Alfonso Maria foi levado para Nusra Bhakti, em Díli, mas disse que muitos outros dos que foram detidos nesta altura foram levados para fora de Díli e 698 presos em Baucau e em Viqueque — numa tentativa de os separar da rede clandestina. Também foram feitas detenções fora de Díli. Jorge Flores dos Santos disse à Comissão que, a 14 de Novembro de 1990, ele e dois companheiros seus, Calistro e Amadeo, foram chamados ao Kodim de Liquiça pelo chefe dos serviços de informação da secção (Kasi 1), T423, e pelo membro timorense do Kodim T422, porque tinham sido recebidas informações segundo as quais os três jovens estavam a preparar algo para a delegação portuguesa. Foram imediatamente levados para o Koramil de Liquiça, onde o sargento indonésio do Kolakops T442, dois membros das ABRI e agentes da polícia se revezaram para os pontapear, esmurrar e espancar e, depois, os interrogaram. Nesse mesmo dia, os três foram entregues ao Kopassus e levados para Díli para serem presos em Nusra Bhakti. Não houve interrogatórios nem se verificaram maus-tratos 699 nesse local. No dia seguinte, 15 de Novembro, Jorge Flores dos Santos foi transferido para a Prisão de Balide, onde ficou cinco dias preso sem roupa numa cela escura cheia de fezes. Foilhe dada alimentação “adequada para animais”. Ele foi novamente levado para o Nusra Bhakti, onde permaneceu mais três semanas e o mandaram traduzir documentos que tinham sido 700 obtidos por membros do SGI. * Inicialmente agendada para uma data anterior, mas reagendada várias vezes. Foram empregues três unidades adicionais da Força de Intervenção (1629 soldados), [ East Timor’s Unfinished Struggle: Inside the Timorese Struggle, Constâncio Pinto e Matthew Jardine, 1997, South End Press, Boston, MA, p. 176]. ‡ A Equipa dos Voluntários, por exemplo, foi criada pelas Forças Especiais em Ainaro, em 1991, com o objectivo de se manifestar a favor da integração. § Pinto também refere que foram escavadas sepulturas em massa em Tacitolu para intimidar as pessoas. East Timor’s Unfinished Struggle: Inside the Timorese Struggle, [Constâncio Pinto e Matthew Jardine, 1997, South End Press, Boston, MA, p.178]. † - 188 - Como os activistas conhecidos eram cada vez mais marcados como alvos para detenção, um grupo composto por mais de vinte activistas da Resistência escondeu-se na Igreja de Motael, em Díli. Às onze horas da noite de 28 de Outubro de 1991, os militares e membros da Polícia e do SGI cercaram a igreja e tomaram-na de assalto. Os activistas ripostaram. Um membro da Resistência, Sebastião Gomes Rangel, foi morto a tiro e um informador militar timorense chamado Afonso, também foi morto. Boby Xavier Luís Pereira disse à Comissão que ele e outros, incluindo João Domingos Freitas Leite, Alexio da Silva Gama (Alexio Cobra), Bonifácio Barreto e Jacob, foram detidos na manhã seguinte e levados para a esquadra da polícia do distrito de Díli, enquanto eram espancados, esmurrados e pontapeados. Boby Xavier Luís Pereira afirmou à Comissão: Ficamos presos na esquadra da polícia. Todos os dias éramos torturados de várias maneiras e interrogados. As formas de tortura incluíam espancarem-nos com as mãos e com bastões, darem-nos pontapés até estarmos cobertos de nódoas negras e cairmos no chão e depois molharem-nos com água suja. O processo diário de interrogatório e tortura durou cerca de uma semana. As pessoas que nos torturaram, as que eu conhecia, eram os agentes da polícia timorenses T443, actualmente na Indonésia, T444 de Lospalos, que também está na Indonésia, e T445, actualmente agente da polícia da nova 701 PNTL [Polícia Nacional de Timor-Leste]. David da Conceição Thon também foi detido em Motael a 29 de Outubro, mas foi directamente 702 enviado para a Prisão de Becora. Segundo a Amnistia Internacional, vinte pessoas foram detidas na Igreja de Motael, acusadas de provocarem distúrbios sociais e efectuarem actividades 703 pró-independência. José Manuel da Silva Fernandes disse à Comissão que o padre da paróquia de Motael e o Vigário-Geral da Diocese de Díli, o padre Alberto Ricardo, também foram * levados para serem interrogados. Boby Xavier acabou por ser julgado e condenado a três anos 704 de prisão em Kupang. Alexio Cobra foi inicialmente preso para prestar testemunho, mas pouco depois foi acusado e julgado pela sua participação, tendo também sido condenado a três anos 705 de prisão em Kupang. A visita portuguesa acabou por ser cancelada e não houve qualquer manifestação. A transferência de pessoas suspeitas de pertencerem ao movimento clandestino para fora de Díli para as impedir de participarem numa manifestação era uma forma de detenção preventiva. Segue-se o relato de uma dessas pessoas, Aníbal Ximenes: * Segundo informações recebidas da Amnistia Internacional, o padre Ricardo “foi submetido a interrogatórios repetidos e intensivos pelas forças de segurança desde o incidente de 12 de Novembro. Os interrogatórios parecem ter cessado durante um curto período durante a época natalícia, mas segundo as informações recebidas, já foram retomados. Alegadamente, a 2 de Janeiro de 1992, o padre Ricardo foi submetido a interrogatórios contínuos, desde as nove horas da manhã até às cinco e meia da tarde, tendo sido ameaçado e insultado durante esse tempo. Segundo a opinião de alguns colegas, o padre Ricardo corre o sério risco de sofrer um esgotamento nervoso devido a esses interrogatórios.” Acção Urgente da Amnistia Internacional 04/92, ASA 21/01/92, 3 de Janeiro de 1992. [Ver também Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004]. - 189 - A 27 de Setembro de 1994, por volta das oito horas da manhã, fui ao Korem 164 Wira Dharma de Díli porque recebi uma carta do babinsa Hary a chamar-me para lá ir…Quando cheguei, juntei-me a 50 outras pessoas que já tinham sido presas. Fomos divididos em grupos e levados para os distritos para sermos impedidos de organizar uma manifestação durante a visita de um congressista americano a Timor Lorosae. Levaram-me para o Kodim de Baucau, onde fiquei dois dias e depois [passei] duas semanas em Quelicai. Depois levaram-me novamente para o Kodim de Díli, onde permanecei durante um dia, 706 até ser libertado. Detenções durante ou depois de um evento Apesar de serem efectuadas detenções preventivas de forma intensiva antes das visitas de delegações internacionais, o movimento clandestino conseguia com frequência fazer as suas manifestações. As autoridades indonésias reagiam a estes actos efectuando detenções em massa dos manifestantes e exercendo uma brutalidade exagerada para a ameaça que os manifestantes representavam. Fotografias e filmes de vídeo captados por agentes dos serviços de informação vestidos à paisana eram utilizados para capturar os manifestantes que conseguissem fugir à detenção durante a manifestação. A Missa do Papa João Paulo II em Tacitolu Cerca de 100.000 pessoas compareceram à missa realizada pelo Papa João Paulo II em Tacitolu (Díli), a 12 de Outubro de 1989 (ver Capítulo 3: História do Conflito). Quando a Missa terminou, um grupo de jovens apoiantes pró-independência tiraram estandartes que tinham escondido debaixo da roupa e começaram a gritar palavras de ordem. Os manifestantes eram sobretudo estudantes do ensino secundário do Externato, da STM de Fatumaca, de Baucau e escuteiros católicos da Igreja de Balide. Seguiu-se o caos. Agentes de segurança indonésios atiraram cadeiras, o Papa foi retirado do palco e a Polícia e os militares indonésios capturaram e * detiveram os manifestantes. Segundo o bispo D. Carlos Ximenes Belo, citado pela Asia Watch , † 40 pessoas foram detidas em Tacitolu. A Comissão recebeu um testemunho de Celestino Porfira da Silva sobre a manifestação, no qual ele refere que muitas pessoas foram detidas, nomeadamente Donaciano Gomes e José Manuel da Silva Fernandes, e que ambos foram 707 levados para o quartel-general do SGI em Colmera, onde ficaram vários dias presos. os militares mandaram os estudantes da STM de Fatumaca — que reconheceram devido aos uniformes — entrarem em camiões para serem levados de volta a Baucau. Em vez disso, levaram-nos para a base do Batalhão de Infantaria 745, em Comoro. Recorrendo a fotografias tiradas na missa, os militares detiveram outros manifestantes que tinham conseguido fugir da manifestação. A Comissão tomou conhecimento de que várias pessoas foram detidas em pontos de verificação enquanto tentavam regressar os seus sucos, 708 fora de Díli. Outras pessoas foram apanhadas nos dias e semanas subsequentes. Por exemplo Boby Xavier Luís Pereira, do Externato, disse à Comissão ter sido capturado por militares do Comando de Operações de Segurança de Timor-Leste (Komando Operasi Keamanan, Koopskam) e levado para a Prisão de Becora. Boby Xavier foi libertado passado um 709 mês, graças a uma intervenção do CICV. José Manuel, um dos organizadores da manifestação, escondeu-se durante três dias e depois procurou refúgio na residência do bispo, juntamente com cerca de 26 outras pessoas, nomeadamente Donaciano Gomes, Francisco * A Comissão obteve filmagens da missa, da manifestação que se seguiu e das suas violentas consequências, que mostram agentes de segurança indonésios a atirar cadeiras aos manifestantes e fazê-los dispersar recorrendo a violência. [Filmagens da ABC Television, Austrália. Arquivo da CAVR]. † Segundo o bispo D. Ximenes Belo, foram detidas 40 pessoas [ver Asia Watch, p.76]. - 190 - Sousa, António Mesquita (Maukoer) e Guilherme. Ele contou à Comissão como, passados dez dias, os manifestantes foram visitados por um grupo de funcionários dos serviços de informação e militares, incluindo o coronel Bimo, chefe dos serviços de informação, o brigadeiro-general Mulyadi, o Comandante do Kolakops e o coronel Nainggolan — um oficial do Kopassus de Jacarta. Eles tentaram convencê-los a renderem-se, fazendo-se acompanhar pelo governador Mário Carrascalão, que actuou como negociador, e por dois prisioneiros, Victor da Costa (membro do Comité Central da Fretilin), e Baimetak (um guerrilheiro), para mostrar aos 710 manifestantes que os prisioneiros não eram maltratados e que a rendição era a melhor opção. Representantes militares prometeram ao bispo D. Ximenes Belo que os manifestantes não seriam torturados, mas eles recusaram-se a render-se. Passada uma semana, a 5 de Novembro, 711 os membros das forças militares regressaram, detiveram o grupo e levaram-no para o Korem. Visita do Embaixador dos EUA, John Monjo 712 A 17 de Janeiro de 1990, 100 manifestantes reuniram-se em frente ao Hotel Turismo e pediram ao embaixador dos EUA na Indonésia, John Monjo, para vir ao exterior e ouvir uma petição que lhe queriam apresentar. O embaixador saiu e falou com os manifestantes através de um megafone, durante cerca de uma hora. Durante a interacção, militares indonésios vestidos à * paisana filmaram, fotografaram e registaram os nomes das pessoas presentes. Assim que o embaixador saiu do hotel, a Polícia antimotim começou a espancar e a deter os manifestantes de 713 714 forma arbitrária. A maioria das pessoas foram levadas para o Kodim de Díli e interrogadas (ver Capítulo 3: História do Conflito). Escola SMPN IV, Díli Nem todas as manifestações eram planeadas. Algumas ocorriam de forma espontânea, como reacção a iniciativas interpretadas como provocações do Estado e também eram reprimidas pelas autoridades. Por exemplo, na escola SMPN IV (Díli) a 17 de Março de 1990, um representante da Procuradoria-Geral, Bambang Udiyono, que visitava a escola disse num discurso: "Se nem sequer conseguem fabricar um fósforo, então Timor-Leste não pode ser † independente.” Os estudantes reagiram com fúria ao discurso e começaram a manifestar-se. A Brimob chegou e envolveu-se numa escaramuça com os estudantes, detendo alguns. Um dos estudantes detidos, Francisco da Costa, disse ter sido preso inicialmente no quartel-general da Polícia do subdistrito de Díli, onde foi violentamente espancado, e depois no SGI de Colmera, onde foi acusado de pertencer à Resistência, desnudado e espancado até perder a 715 consciência. A manifestação de Santa Cruz A manifestação de Santa Cruz foi a mais conhecida das manifestações públicas ocorridas em Timor-Leste. Os vídeos do massacre no Cemitério de Santa a 12 de Novembro de 1991 alteraram profundamente o destino do território, pois atraíram a atenção internacional para a situação. Além dos que foram mortos na manifestação (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimento Forçados), muitos foram detidos e presos. Testemunhos prestados à Comissão sobre o incidente classificam como brutais os métodos de detenção arbitrária, os quais incluíram espancamentos violentos perpetrados pela Polícia e pelos militares. A maioria * Um membro do Kodim vestido com uniforme militar foi visto a filmar às claras, mas as únicas pessoas vistas a fotografar eram agentes dos serviços de informação vestidos à paisana. [Declaração Estatutária de Andrew John MacMillan perante o Comissariado de Oaths, Darwin, Austrália, 23 de Janeiro de 1990. Ver também Entrevista da CAVR a Simplício Celestino de Deus, Díli, 8 de Outubro de 2004. † Esta frase é semelhante a uma frase alegadamente utilizada por membros do partido político UDT em 1974/1975, altura em que afirmaram que Timor-Leste não era suficientemente desenvolvido para ser imediatamente independente. Muitos depoimentos prestados à Comissão faziam referência a esta frase. Ver, por exemplo, os depoimentos de Manuel Agustinus Freitas, Manuel Duarte e Francisco Xavier do Amaral na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. - 191 - dos detidos foram atirados para dentro de camiões e levadas para várias esquadras de polícia 716 em redor de Díli o para o K o r e m e o Kodim de Díli. Algumas das que se encontravam gravemente feridas foram levadas de camião para o Hospital Militar de Lahane. Segundo as 717 informações recebidas, ocorreram espancamentos durante a viagem e até no próprio 718 hospital. Depois de receberam cuidados médicos essenciais, a maioria dos presos foram * enviados para a esquadra da polícia, onde se decidiu quem deveria permanecer sob custódia. O 719 bispo D. Ximenes Belo conseguiu assegurar a libertação de alguns, mas outros ficaram presos durante períodos mais prolongados. A Comissão tomou conhecimento de que alguns presos, sobretudo líderes do movimento clandestino, foram transferidos para outros distritos — para que 720 fossem quebradas todas as suas ligações com o movimento da Resistência. A Amnistia 721 Internacional calcula que tenha sido presas cerca de 300 presas após o incidente. Várias pessoas que conseguiram evitar serem detidas no cemitério foram perseguidas por membros da Brimob, ou das forças militares e capturadas noutras zonas de Díli. Os membros da Brimob ou das forças militares seguiram outras pessoas mais tarde no próprio dia. Pedro Amaral descreveu à Comissão a maneira como fugiu em direcção à zona do Mercado Antigo para apanhar um miniautocarro público, mas foi capturado por dois membros da Brimob e por dois membros da polícia, que o espancaram com os punhos e com espingardas SKS. Pedro Amaral passou duas noites no Quartel-general da Polícia do subdistrito antes de ser transferido para o Quartel-general da Polícia distrital, onde permaneceu uma semana e não sofreu maus-tratos. Depois disso, passou três meses na Prisão de Becora, findos os quais foi libertado. Pedro 722 Amaral não foi alimentado durante a sua primeira semana em Becora. Simplício Celestino de Deus, membro do movimento clandestino, foi detido no cemitério depois de o tiroteio contra os manifestantes terminar. Afirmou à Comissão: Procurei um lugar onde me esconder no cemitério de Santa Cruz. Pouco depois, soldados entraram no cemitério, pisaram as vítimas que estavam no chão e bateram-lhes com espingardas. Depois, detiveram-me. Um soldado do Batalhão 303 de Sulawesi cortou a minha orelha esquerda [e] sangrou. Eles começaram a torturarme e a espancar-me. Depois, um cabo da polícia [timorense], T443 de Hatulia, aproximou-se e cortou a minha orelha direita e algemou-me. O sangue jorrou da minha orelha. * Segundo Laporan Khusus Tentang Pengungkapan Para Perusuh Yang Terlibat Dalam Peristiwa Demonstrasi 12 Nopember 1991 Di Santa Cruz, Díli, Timor Timur, [Relatório especial sobre divulgação dos amotinados da manifestação de 12 de Novembro de 1991 em Santa Cruz, Díli, Timor-Leste] com data de Dezembro de 1991 (sem dia), assinado e selado pelo Komando Pelaksana Operasi Timor Timur (brigadeiro-general Rudolf Warouw), 253 pessoas foram libertadas nesse mesmo dia, sete foram libertadas oito dias depois, 11 pessoas foram libertadas 12 dias depois, dez pessoas foram libertadas 15 dias depois. O documento refere que 22 foram ditahan (presos), o que significa um período mais longo. Esta informação difere da fornecida pelo relato da Asia Watch (Asia Watch, “Remembering History in East-Timor: The Trial of Xanana Gusmão and a Follow-up to the Díli Massacre,” Abril de 1993, Vol.5, nº.8), segundo o qual 32 pessoas foram detidas, oito das quais foram julgadas em Díli em Junho de 1992 e condenadas a penas de prisão desde cinco anos a oito meses ou perpétuas (A Asia Watch recorreu ao relato do ICJ, “Tragedy in East Timor: Report on the Trials in Dili and Jacarta,” Genebra, Suíça, 1992). Os restantes 24 tornaram-se tahanan pembinaan (preso para orientação), ver debate abaixo. - 192 - Enquanto me torturavam, ouvi um soldado gritar: “Não o torturem porque o comandante precisa dele.” Depois, arrastaram-me com violência para fora do cemitério de Santa Cruz e atiraram-me para um camião Hino cheio de cadáveres, cerca de 50 a 60 cadáveres. O sangue correu sobre todo o meu corpo e sobre os meus olhos. Depois, eu e os meus companheiros recebemos cuidados médicos durante nove dias no Hospital de Wira Husada, em 723 Lahane. Simplício de Deus foi posteriormente preso no quartel-general da Polícia regional em Comoro. Testemunhos recebidos pela Comissão indicam que os militares detiveram pessoas, não só em Díli, mas também nos distritos de Liquiça, Bobonaro e Baucau depois da manifestação e do 724 massacre de Santa Cruz. Por exemplo, as comunidades de Venilale (Baucau) e Vemasse (Baucau) descreveram a maneira como os militares indonésios intensificaram as patrulhas nocturnas e começaram a marcar pessoas como alvos — geralmente jovens do sexo masculino 725 suspeitos de terem participado na manifestação. A Comissão tomou conhecimento de que 726 duas pessoas do suco de Uatu-Haco (Venilale, Baucau) foram torturadas. Em Quelicai 727 (Baucau), membros da Tim Saka, grupo paramilitar ligado à ABRI ajudaram a deter suspeitos. - 193 - Prisão para orientação Os militares experimentaram várias técnicas para desmantelar o movimento clandestino. No início da década de 1980, membros do movimento clandestino foram separados das suas redes e enviados para a Ilha de Ataúro, ou para prisões na Indonésia, e mantidos incontactáveis. Outros foram retirados dos seus sucos e presos em sucos construídos de raiz, como Dotik (Alas, Manufahi) ou Bonuk (Hatu Udo, Ainaro), longe das suas famílias e amigos. Na década de 1990, membros da Resistência urbana envolvidos em manifestações também foram deslocados das * suas cidades para áreas rurais, com o objectivo de serem separados da rede clandestina. Alguns foram enviados para serem “reeducados”, um processo que implicava trabalhos forçados para os militares durante períodos indeterminados. Foi essa a experiência de Simplício Celestino de Deus e de cinco companheiros seus, Filomeno Gomes, Fernando Tilman (Gulit), Renilde Guterres, José Bento e José Belo, que foram detidos após a manifestação de Santa Cruz em 1991. Após serem presos na esquadra da polícia do distrito de Díli com outras pessoas, disseram-lhes que seriam libertados depois de comparecerem a uma missa do padre Brito. No entanto, o camião que pensavam que os levaria à missa, levou-os para o distrito de Lautém. Ficaram presos no Kodim de Lautém durante um dia e depois na base do Comando da Reserva Estratégica do Exército (Komando Strategis Angkatan Darat, Kostrad) em Illiapa Lore II (Lospalos, Lautém), durante dois dias. Simplício de Deus e Filomeno Gomes foram separados dos outros e presos na base do Batalhão de Infantaria Aerotransportada Kostrad em Alapapulu (Lospalos, Lautém), onde foram interrogados sobre a rede clandestina e lhes perguntaram os nomes dos membros. Passados cerca de quatro meses, 728 os seis voltaram a encontrar-se no acampamento da base em Lospalos. No acampamento da base, os presos tinham de trabalhar noite e dia sem receberem qualquer remuneração, cultivando alimentos para os soldados durante o dia e vigiando o acampamento durante a noite. Simplício de Deus disse que trabalhavam a terra doze horas por dia, das seis horas da manhã às seis horas da tarde, com apenas uma pequena pausa para o pequenoalmoço e um intervalo de 15 minutos para o almoço. Os presos eram espancados se chegassem atrasados. Às seis horas da tarde, tomavam banho, comiam e descansavam. A partir das nove horas da noite, revezavam-se para fazer a vigília nocturna, até às seis horas da manhã. Este tipo de prisão é por vezes mencionado como “pessoas presas para orientação” (tahanan † pembinaan). A Asia Watch disse que esses prisioneiros eram colocados sob a custódia das unidades territoriais em áreas rurais onde trabalhavam em projectos de desenvolvimento rural, 729 sob supervisão dos soldados. Alegadamente, o general Theo Syafei disse à Asia Watch que este tipo de prisão poderia ser indefinido, embora os soldados encarregues da supervisão recebessem “objectivos” para completar a reeducação dos presos a seu cargo. Segundo as informações recebidas, um agente superior dos serviços de informação, ao ser interrogado sobre se esses presos seriam formalmente acusados e julgados perante um tribunal respondeu: “não é 730 necessário”. Simplício Celestino de Deus descreveu as visitas que recebia dos oficiais militares de Jacarta a cada três meses. Eles falavam com ele para avaliarem o seu estado psicológico. Perguntavamlhe coisas como: “Onde te imaginas daqui por cinco anos? O que achas que acontecerá no futuro? O que achas te acontecerá?” Simplício de Deus pensa que o deixaram ir para casa em 731 1993 porque estes visitantes enviaram um relatório favorável para Jacarta. * Após a sua detenção a 23 de Janeiro de 1991, José Manuel da Silva Fernandes foi transferido para locais de detenção diferentes, como o Senopati, I (Díli), o Nusra Bhakti (Díli), o Rumah Merah (Baucau), o Kotis, a base do Batalhão de Infantaria 413 (Manuboe, Ossu, Viqueque), o Kodim de Viqueque e o acampamento da base em Viqueque, onde ficou preso como tahanan luar (prisioneiro para ser enviado para os distritos) durante dois anos. Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004. † Asia Watch, Abril de 1993, Vol. 5, nº. 8, p. 22. Foi dito aos familiares de Simplício de Deus que o visitaram que ele não era um prisioneiro, mas um tahanan pembinaan (preso para orientação). - 194 - Visita cancelada da delegação parlamentar portuguesa Também em Novembro de 1991, os militares e outros agentes indonésios detiveram apoiantes pró-independência que estavam a fazer preparativos para a visita da delegação parlamentar 732 portuguesa a Díli e a outros distritos. Por exemplo, a 15 de Novembro de 1991 em Cailaco (Bobonaro), o comandante do Koramil, o primeiro-sargento T451 deteve dez jovens que estavam a fazer preparativos para a visita portuguesa a Cailaco. Um dos detidos, Adriano João, foi levado para o Kodim 1636 de Bobonaro. O sargento T452, dos serviços de informação, e o chefe (indonésio) dos serviços de informação, T453, interrogaram Adriano João durante três dias. Durante o interrogatório, espancaram-no violentamente e submeteram-no a choques eléctricos. Adriano João contou como, certa noite, soldados embriagados acordaram os presos e os mandaram despir-se e dormir nus no chão. A comida que os familiares dos presos lhes levavam 733 ao Kodim era confiscada. Júlio Araújo Martins disse à Comissão que foi detido por um membro indonésio do Kopassus chamado T454 em sua casa, em Ermera, às nove horas da manhã de 17 de Dezembro de 1991 porque tinha preparado um estandarte para a visita da delegação portuguesa a Ermera e também porque participara na manifestação de Santa Cruz no mês anterior. O comandante do Koramil de Ermera e quatro outros levaram-no para o Kodim, onde ele ficou quatro meses detido. Durante esse período, T454 e dois babinsa, T455 e T456, de Bobonaro, espancaram-no, 734 esbofetearam-no e torturaram-no com choques eléctricos. - 195 - A ascensão das milícias 1985/1998 Como refere a secção anterior sobre o Perfil das Violações: 1985/1998, esta fase do conflito político caracterizou-se também por um reforço da colaboração — na prisão, maus-tratos e tortura de civis — entre os militares indonésios e vários novos grupos de milícias timorenses, além dos auxiliares timorenses dos militares indonésios (ver Capítulo 4: Regime da Ocupação, secção sobre a Militarização da Sociedade Timorense). A maioria dos grupos milicianos foram criados a nível distrital pelo Kopassus, que recrutava jovens timorenses do sexo masculino no distrito. Um padrão comum identificado pela Comissão foi um aumento das detenções num determinado distrito após a formação de uma nova milícia. Estas incluíam: Tim Alfa (Lospalos) e Tim Sera (Baucau) na década de 1980, Tim Saka (Baucau) 735 em 1983 e Tim Sukarelawan (Equipa dos Voluntários) (Ainaro) em 1991. Um grande número das detenções relatadas à Comissão foram atribuídas à Equipa dos Voluntários (Tim Sukarelawan), que actuava em Ainaro (desde 1991), à Tim Saka, em Baucau (desde 1991), e à Halilintar, em Bobonaro (desde1994). Halilintar Segundo testemunhos recebidos pela Comissão e o Perfil Comunitário de Atabae (Bobonaro), os militares de Atabae tomaram conhecimento da existência de actividades clandestinas no suco de Atabae Lama, através de um informante, em Setembro de 1994. Os militares criaram um grupo de jovens que viria mais tarde a ser conhecido como a milícia Halilintar. Foi realizada uma grande operação de detenção na área, tendo por alvo jovens suspeitos de praticarem * actividades clandestinas. No final de Novembro, pelo menos 50 pessoas tinham sido detidas e 736 737 levadas para o Koramil. Foram espancadas e torturadas na sua cela. Tanto o SGI como os membros do Koramil, nomeadamente o comandante T457 e o chefe do suco T458, participaram 738 nas detenções. T457 autorizou as detenções e participou pessoalmente na tortura dos 739 740 presos. O Kodim 1636 de Maliana também prendeu pessoas do suco de Fatubesi João da Silva, de Fatubesi (Hatulia, Ermera), disse à Comissão que em 1994, ele e 62 outras pessoas que não eram suas conhecidas foram detidas em Atabae por serem suspeitas de manterem contacto com as Falintil. Ele disse ter sido detido por T459, um membro da Halilintar, e espancado e depois levado com os outros prisioneiros para Loes (Atabae, Bobonaro), onde ficaram presos durante três meses, tendo de se apresentar todos os dias, até serem autorizados † a voltar para casa. Segundo a comunidade de Atabae, passado um ano, T1 e membros do SGI de Atabae criaram o grupo miliciano Halilintar, que continuou a deter jovens suspeitos de estarem ligados ao movimento clandestino. Muitas pessoas foram detidas e espancadas, por vezes com tanta 741 brutalidade que os seus rostos ficavam irreconhecíveis. Tim Sukarelawan (Equipa dos Voluntários) * A Comissão tomou conhecimento de uma reactivação do grupo Halilintar, que era responsável pelo rapto e desaparecimento de apoiantes pró-independência [CAVR, Perfil Comunitário do suco de Atabae, subdistrito de Atabae, distrito de Bobonaro, 8 de Outubro de 2002. Ver também Testemunho nº 1181 da HRVD]. † Ver Testemunho nº 1200 da HRVD. Esta detenção em massa foi corroborada por Domingos Soares, que disse que ele e outros membros do movimento clandestino foram obrigados a comparecer numa cerimónia (provavelmente do hasteamento da bandeira indonésia) no dia 17 de cada mês, durante um ano depois de terem sido detidos pela milícia Halilintar [Testemunho nº 1181 da HRVD]. - 196 - A Tim Sukarelawan foi criada vários anos antes, em 1991, num pequeno suco do distrito de * Ainaro. Segundo várias fontes, a equipa tinha por missão reunir jovens para levar a efeito uma contra-manifestação a favor da integração quando a delegação parlamentar portuguesa visitasse 742 743 Ainaro : o objectivo era reprimir o movimento clandestino e impedir que os jovens de Ainaro † participassem na manifestação de Santa Cruz. Estatística A Tim Sukarelawan foi responsável por um grande pico no número de detenções em Ainaro em 1991 e 1992. A Comissão tinha tomado conhecimento de apenas dois casos de prisão ocorridos em 1990, mas recebeu testemunhos a descrever 390 incidentes ocorridos em 1991. Foram ainda relatados 219 incidentes de maus-tratos e 201 de tortura. Em 1992, o número de prisões voltou a descer, para 19, com apenas três casos de tortura e 13 de maus-tratos. Prisão e tortura 744 No início, a Tim Sukarelawan só prendia os que se recusavam a juntar-se à milícia , mas em breve começou a marcar como alvos para prisão quaisquer civis, ou comunidades, suspeitos de terem laços com a Resistência. As comunidades relataram detenções em massa de civis nos sucos e nas cidades de Ainaro, incluindo Maulau (50 pessoas), Cassa (26 pessoas), Manelebos 745 (97 pessoas) e Manetu (55 pessoas). As pessoas eram presas em vários locais, incluindo instalações militares, como o Koramil de Maubisse, edifícios públicos, como o Edifício da Integração em Cassa, os gabinetes dos sucos de Maneto, Aituto e Manutasi e o gabinete do 746 administrador do subdistrito, T461. A casa particular do chefe de suco T462 também foi identificada como local de detenção. Isto indica que os Voluntários trabalhavam em cooperação com os militares indonésios e a administração civil — ou, pelo menos, com o seu conhecimento. A maioria das pessoas ficavam presas alguns dias, mas algumas ficavam presas por períodos que podiam estender-se até quatro meses, sobretudo as que ficavam presas no Koramil de Maubisse. Muitas eram submetidas a interrogatórios contínuos e a tortura às mãos da Tim Sukarelawan e das ABRI. Em Maulau (Maubisse), uma mistura de malaguetas e água era esfregada nos olhos dos presos. Em Manelobas (Maubisse), a chefe do suco, Cecília Xavier, foi 747 enrolada numa bandeira dos pés à cabeça e ameaçada de ser queimada. Em Manetu (Maubisse), Manutasi (Ainaro) e Cassa (Ainaro) as mulheres foram violadas ou ameaçadas de 748 violação sexual. Tim Sukarelawan e os militares * Segundo a comunidade de Manutasi (Ainaro, Ainaro), a Equipa dos Voluntários foi criada em Mau-ulo II, Fatuk Maria, suco de Manutasi, onde foi construído o primeiro “grande posto” da milícia. A organização de direitos humanos timorense Yayasan HAK relatou que os Voluntários eram recrutados entre os filhos de antigos líderes da Apodeti e que o grupo era liderado por Câncio Lopes Carvalho. ‘Prawatiwi’ Catatan perjalanan di bumi Loro Sa’e [Travel notes from Loro Sa’e soil] (10), Matebean, 8 de Outubro de 1999, in Masters of Terror Indonesia’s Military and Violence in East Timor 1999, Canberra. Strategic and Defence Studies Centre, Australian National University. 2002, ou consultar sítio na internet www.villagechief.com/mot † CAVR, Perfis Comunitários do suco de Maulau (26 de Maio de 2003), do suco de Manelobas (23 de Maio de 2003), do suco de Manetu (8 de Julho de 2003), subdistrito de Maubisse, Ainaro. Foi relatado um aumento nas detenções a 10 e 11 de Novembro de 1991, os dias anteriores à manifestação de Santa Cruz. - 197 - A clara divisão de tarefas entre a Tim Sukarelawan e os militares fornece mais evidências da relação entre ambas. Certos membros da Tim Sukarelawan eram incumbidos de deter pessoas, geralmente em grupos de cinco ou mais. As vítimas eram então entregues a outros membros da Tim Sukarelawan, ou ao chefe militar dos serviços de informação, que as interrogavam. Os interrogatórios centravam-se na participação da vítima em actividades clandestinas e no seu contacto com as Falintil. Outros membros da Tim Sukarelawan, os babinsa, ou até mesmo o chefe do suco, torturavam então a vítima. Estas detenções, prisões e actos de tortura costumavam ser ordenados por comandantes da Tim Sukarelawan, nomeadamente T463, T464, T465 ou o “líder superior” T466, com o consentimento dos militares. Pedro Sarmento recordou: Em 1991, às três horas da tarde, os membros da Sukarelawan T468, T469 e T470 detiveram-me em casa e levaram-me para o edifício da integração, em Cassa, onde T471 me esbofeteou, sob ordens de T472…Fiquei em pé e T473 interrogou-me, deu-me pontapés nas orelhas até deitarem sangue e prendeu-me no exterior do edifício durante três dias e três noites. Eles interrogaram-me, espancaram-me e pontapearam-me continuamente. T474 e T475 amarraram749 me com arame. Depois, disseram-me para ir para casa. Moisés Mendonça Doutel Sarmento disse à Comissão: Em 1991, o chefe do suco [de Manetu] T462 e o Sukarelawan T477 levaram-me e entregaramme…a dois Kopassus que me interrogaram sobre a bandeira nacional [da Fretilin]. Dei-lhes informações, mas depois fui espancado e esmurrado na cara por membros da Sukarelawan, incluindo T478, T479, T480 e T481…Às cinco horas, chegaram o babinsa T482 e dois Kopassus, que me mergulharam e a Abel Mendonça dentro de água e nos mandaram deitarmo-nos e olharmos para o sol. Depois, chegaram dois Kopassus com pedras grandes, puseram-nas em cima dos nossos peitos e interrogaram-nos e mergulharam-nos dentro de água durante uma hora. Depois, mandaram-nos sair da água e interrogaram-nos. Eles mandaram Abel Mendonça para casa, mas mantiveram-me durante um mês no Koramil. O babinsa T482 mandou-nos, a mim e aos meus companheiros, construir uma pocilga para ele. Depois, mandou-nos para casa, 750 mas tínhamos de nos apresentar uma vez por semana e de trazer lenha para as ABRI. Trabalho forçado Após a libertação, as vítimas eram frequentemente obrigadas a fazer trabalhos — desde construir uma casa nova para o chefe do suco de Manetu, T462, a vigiar um posto dos 751 Sukarelawan, limpar o jardim do Koramil ou construir uma nova vedação. Este trabalho podia prosseguir durante um ano após a “libertação”, levando a que muitos sectores da população de Ainaro vivessem sob condições de alta vigilância desde finais de 1991 até meados de 1992. Segundo a comunidade de Manetu, a população civil só foi verdadeiramente deixada em paz 752 após a detenção de Xanana Gusmão, em Novembro de 1992. Libertação Depois de a maioria dos presos serem libertados, o Koramil de Maubisse 02 recebeu ordens do Kodim 1633 de Ainaro para reunir todos os libertos e escoltá-los até uma grande cerimónia de juramento de sangue que iria decorrer no estádio de Ainaro. As comunidades de Manutasi (Maubisse, Ainaro) e de Hohoraik (Ainaro, Ainaro) descreveram o sucedido: Retirámos sangue nosso durante todo o dia e depois bebemos o sangue e jurámos nunca mais participar em actividades políticas, viver sob a bandeira Vermelha e Branca e sacrificar as 753 nossas vidas pela integração na Indonésia. - 198 - O nosso líder era Manuel Pereira, o chefe da Divisão de Educação e Cultura do Distrito de Ainaro. Nós éramos de quatro subdistritos, Hatu-Builico, Maubisse, Hatu-Udo e Ainaro. Havia mais de 2.150 pessoas ali reunidas e o campo de futebol estava cheio. Os nossos líderes obrigaram-nos a florestar cabras, a cozinhar, a trazer vinho de palma e a festejar. Depois, mandaram-nos voltar aos nossos subdistritos e dizermos às pessoas que tínhamos duas 754 caras. Interrogatório e tortura de vítimas ligadas às manifestações A investigação da Comissão indica que as pessoas relacionadas com as manifestações foram frequentemente vítimas de abusos, os maus-tratos e a tortura enquanto estiveram presas. Em documento disponibilizado à Comissão, ex-prisioneiros políticos afirmam: Éramos submetidos a espancamentos e mergulhados em tanque cheios de excrementos. Por vezes, eles abriam as portas aos soldados que regressaram de operações de combate nas montanhas e deixavam-nos espancar-nos. Eles chegavam de madrugada, munidos de todo o seu equipamento militar, com as roupas empoeiradas, e começavam a bater-nos e a esmurrar-nos. Eles gritavam: “Estamos à procura dos comunistas. Afinal, eles estão * aqui, em Díli, não nas montanhas.” A Polícia torturava frequentemente as vítimas durante os interrogatórios, com o objectivo de forçar uma confissão para ser utilizada num eventual julgamento. Por exemplo, José Manuel da Silva Fernandes, um dos organizadores da manifestação na Missa do Papa João Paulo II em Tacitolu, que foi preso vários dias depois, disse à Comissão que o grupo de activistas que se escondera em casa do bispo foi levado para o quartel-general da Polícia Sub-regional (Polwil) e dividido. José Manuel foi levado para o Korem, onde ficou preso durante três meses, durante os 755 quais foi submetido a tortura contínua. José Manuel disse à Comissão que os interrogatórios efectuados nas duas primeiras semanas tinham por objectivo extrair uma confissão simples. Neste período, ele foi espancado, pontapeado, atacado com coronhas de espingarda, golpeado com a ponta de uma faca, queimado com cigarros acesos, mergulhado num tanque cheio de 756 excrementos, pisado e ameaçado com armas carregadas. Depois de obterem a confissão, os seus interrogadores quiseram “confirmar” a confissão forçada, aplicando duas formas de choques eléctricos: a primeira através de um carregador com uma manivela e a segunda através de uma cadeira de metal especialmente concebida para o efeito. O prisioneiro era preso à cadeira pelos tornozelos e pelos pulsos e eram colocados 757 eléctrodos sobre o seu corpo. José Manuel disse que a tortura poderia ocasionalmente durar 758 até 15 minutos e ser administrada três vezes por dia. O processo de tortura era levado a efeito sob a direcção do coronel do Kopassus T449, com a colaboração de cinco soldados do Kopassus. José Manuel também disse ter sido espancado com um pau pelo brigadeiro-general T485, o comandante do Kolakops, e agredido no rosto por T449 enquanto esteve preso. Durante um interrogatório, disseram-lhe que não devia sentar-se numa cadeira, mas sim acocorar-se no chão porque era um animal, e espancaram-no nos joelhos e na cabeça, com frequência mais de dez 759 vezes. No Korem, foi interrogado e torturado por oficiais de várias instituições. * A Comissão recebeu uma análise pormenorizada desta alteração no padrão de prisão da Associação dos ExPrisioneiros e Detidos Políticos de Timor-Leste (Assepol), em depoimento à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, juntamente com uma Apresentação escrita [Arquivo da CAVR]. A citação acima está incluída nesta . Apresentação, retirada de um relatório da Comissão Internacional de Juristas 1992:23 [Ver também Constâncio Pinto e Mathew Jardine, op. cit.]. - 199 - Quadro 4 - Presos relacionados com a manifestação de Santa Cruz e o tratamento que * receberam Nome José P. Vicente760 Detenção Na sua casa, em Taibessi (Díli), por um agente dos serviços de informação. Prisão Um dia no Korem; Kodim; hospital de Wira Husada Francisco Branco, membro da Comissão Executiva da Frente Clandestina761 Convocado oficialmente pelo Quartel-general da Polícia Subregional (Polwil) 7 a 8 meses no Quartel-general da Polícia Subregional (Polwil); depois transferido para a Comarca após julgamento. † Basílio dos Santos762 No cemitério de Santa Cruz, a 12 de Novembro de 1991, pela Polícia e pelas ABRI. No Quartel-general da Polícia Subregional (Polwil), mas transferido no mesmo dia para o Kodim, onde ficou seis meses. Manuel da Conceição763 No cemitério de Santa Cruz, a 12 de Novembro de 1991, por militares. 15 dias no Quartelgeneral da Polícia Sub-regional (Polwil) de Comoro, juntamente com vários outros, incluindo Aleixo Cobra e Aleon. Estaquio Pinto764 No cemitério de Santa Cruz, a 12 de Novembro de 1991, por militares. António Fernandes765 16 de Novembro de 1991, por militares. Libertado pelo Quartel-general da Polícia Subregional (Polwil) por pedido do bispo D. Ximenes Belo. Dois dias e duas noites no Korem. * Tortura No Korem – violentamente espancado com espingardas, pontapeado e esmurrado. No Kodim – recebeu um tratamento idêntico, mas também foi golpeado nas costas. Pontapeado e espancado a caminho do hospital e interrogado e torturado no hospital. Não foi torturado. Francisco Branco pensa que não foi torturado devido à atenção internacional concentrada na Indonésia e porque as autoridades perceberam que os presos não iriam colaborar. Espancado com uma arma e pontapeado com botas da polícia no Quartelgeneral da Polícia Subregional (Polwil). No Kodim, electrocutaramno, arrancaram-lhe as unhas com alicates e cortaram-lhe os lábios com uma lâmina de barbear. Espancado e pontapeado no cemitério. No Quartelgeneral da Polícia Subregional (Polwil) de Comoro, foi obrigado a despir-se e depois foi espancado, esmurrado e pontapeado durante longos interrogatórios efectuados por vários polícias, por turnos. Foi submetido a choques eléctricos e a espancamentos e raparam-lhe o cabelo. Perpetrador Membros do Korem e do Kodim. Interrogado sobre o incidente. Espancado e queimado com pontas de cigarro no rosto. Três soldados das ABRI. O interrogatório foi realizado em Jacarta, por um grupo de agentes dos serviços de informação de Bakin. Polícia e militares. As ABRI, depois a Polícia. As ABRI. Esta lista contém alguns dos nomes dos detidos após a manifestação de Santa Cruz, em conformidade com os relatos apresentados à Comissão. Estes depoentes foram seleccionados para revelar o tratamento dispensado após detenção e prisão. † Francisco Branco foi julgado e condenado pelo seu papel na manifestação. [Ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos]. - 200 - Dada a variação no tratamento dado aos presos, é difícil descobrir se havia uma estratégia clara em relação à tortura dos prisioneiros. Mário Carrascalão deu a entender que o tratamento dado aos prisioneiros após a visita do Papa João Paulo II não era aceite a nível nacional. Ele disse à Comissão que ele e o brigadeiro-general Mulyadi acompanharam Benny Murdani ao aeroporto após a visita do Papa: Benny disse a Mulyadi: “Mulyadi, não faças nada esquisito, está bem? Deter pessoas sem razão, não faças isso.” Mas assim que o avião levantou voo, enquanto ainda estávamos no aeroporto, Mulyadi disse: “Benny é o responsável a nível nacional, mas eu é que mando em Timor Leste.” Ele começou a fazer detenções a partir 766 desse dia. No entanto, havia uma coordenação evidente, pelo menos a nível provincial. Como o quadro mostra, as pessoas eram frequentemente presas em diferentes locais e interrogadas por várias unidades, num padrão semelhante ao da prisão no início da década de 1970. José Manuel da Silva Fernandes disse ter sido interrogado e torturado por diversas instituições, que utilizavam o termo “bon” (recibo) ou “saya bon dulu” (Eu uso um recibo) — o que significava que uma 767 instituição emprestava os seus presos a outras para serem interrogados ou torturados. Além disso, embora possam ter existido instruções sobre a maneira como os presos deviam ser torturados, é evidente não havia limites para o que os oficiais da Polícia ou militares podiam fazer para obter informações. A tortura e outras formas de tratamento cruel e desumano, sob que forma fossem, eram tão comuns que chegaram a ser consideradas parte sistemática do processo de prisão e interrogatório. - 201 - Interrogatórios após a manifestação de Santa Cruz Gregório Saldanha, um dos membros do movimento clandestino encarregue de organizar a manifestação de Santa Cruz, foi detido no cemitério e levado para o hospital, onde permaneceu quatro dias. Passou nove meses na esquadra da polícia de Comoro, seguidos de nove meses na Comarca e depois nas prisões de Becora (Díli), Semarang e Cipinang (Java, Indonésia). Gregório Saldanha disse à Comissão: Fui detido em frente ao cemitério de Santa Cruz na manhã de 12 de Novembro, depois de levar um tiro nas costas. Ali perto, os soldados alvejavam os protestantes e golpeavam-nos com as suas baionetas…Eu fingi estar morto. Cinco minutos depois, chegou um comandante do Kodim, que mandou os seus homens pararem de disparar, de golpear e de bater. Ele também disse: “Se estiverem vivos, levantem as mãos!”. Eu levantei-me e ergui as mãos. Havia cinco cadáveres no camião. Quando chegámos ao hospital, eles atiraram os cadáveres para fora do camião a pontapé e aqueles de nós que estavam feridos foram banhados e tratados. Não voltei a ver as pessoas que vinham comigo no camião. Suspeitei que tivessem sido mortas ou levadas para a morgue. Tanto quanto sei, havia cerca de 90 pessoas feridas que foram registadas. Na esquadra da polícia, encontrei-me imediatamente com os principais oficiais da Polícia e militares para lhes dizer: “Vocês já me detiveram. Eu sou o responsável pelo incidente e, por isso, estou pronto para receber a punição que me quiserem dar. Pedi que os outros fossem libertados.” Muitos dos jovens presos ainda estavam em idade escolar e muitos também tinham empregos. [As autoridades militares] acabaram por libertar alguns, mas os restantes continuaram presos. Era hábito deles prender as pessoas que considerassem suspeitas para as interrogarem e lhes extraírem informações que pudesse ser utilizada como prova para novas detenções. Eu continuei a exigir [a libertação dos outros manifestantes]. Eu também disse isto a um delegado do Supremo Tribunal de Jacarta, que estava de visita. Quando fui apresentado perante os outros presos na esquadra da polícia, as autoridades perguntaram aos outros presos se me conheciam. Eles disseram que não me conheciam, embora fossem meus amigos chegados, nomeadamente Simplício, Márcio e outros. Eu senti imensa admiração por eles. Eles não só foram corajosos nos seus actos, como no assumir das suas responsabilidades. A tortura fazia sempre parte do processo de interrogatório. Porque eles sabiam que era difícil obter uma confissão sem exercerem pressão. Eles sabiam muito bem que não ia ser fácil fazerme confessar e muito do que confessei não era o que eles queriam. Tivemos sorte porque o incidente de 12 de Novembro atraiu a atenção internacional e nós estávamos no centro dessa atenção. Por causa disso, estávamos sempre sob os holofotes. Houve alturas em que eles exerceram pressão sobre mim. Levavam-me de noite para ser interrogado e torturado. Mas outras vezes tinham de ser simpáticos. A Polícia não tinha apenas processos de interrogatórios formais. Cada grupo realizava o interrogatório como queria. Por vezes, era interrogado por uma unidade do SGI, outras vezes por outras unidades me. Isto punha-me confuso. Eles nunca me deixavam em paz. - 202 - Uma das experiências mais humilhantes a que fui submetido foi quando o subchefe da polícia da área me chamou para comparecer perante um delegado do Supremo Tribunal, da Polícia militar e do procurador. Todos me fizeram perguntas. Faziam perguntas como se fosse uma maratona—antes de eu responder a uma, já outro estava a fazer outra, por isso eu não tinha oportunidade de responder. E as perguntas eram na sua maioria aleatórias, o que me leva a dar as respostas erradas. Como neguei as acusações que me foram feitas, o subchefe da polícia esbofeteou-me, de tão zangado que estava. Eu falei sobre este incidente durante o meu julgamento, porque um agente da polícia não pode abusar fisicamente dos prisioneiros. Alguns bateram-me e outros mostraram alguma humanidade, dizendo-me “é melhor dares as informações correctas, para não seres novamente torturado.”Acho que esta era outra das suas 768 tácticas para obterem as respostas certas. Manifestação em Jacarta, 19 de Novembro de 1991 e as detenções em Bali Também foram detidos membros timorenses do movimento clandestino na Indonésia na década de 1990. O tratamento dado a esses presos era geralmente melhor — tanto em termos do processo como em termos de tratamento físico — do que o que era dado aos presos em TimorLeste. No entanto, essas prisões continuavam a ser uma violação dos direitos de liberdade de expressão e de associação (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos). A primeira grande manifestação política de estudantes timorenses em Jacarta ocorreu uma * semana depois do Massacre de Santa Cruz, a 19 de Novembro de 1991. Cerca de 100 estudantes realizaram uma manifestação pacífica no centro de Jacarta, para homenagear os que tinham morrido e protestar contras os actos dos militares indonésios. Os protestantes entoaram palavras de ordem pró-independência, mostraram estandartes e entregaram uma petição aos representantes da ONU e às embaixadas australiana e japonesa. Os cartazes e a petição faziam referência ao massacre de Santa Cruz, mas também à invasão e à integração forçada de Timor Leste na Indonésia. A Polícia deteve cerca de 70 dos manifestantes e prendeu-os inicialmente no quartel-general da Polícia nacional, em Jacarta. Os presos foram interrogados por agentes policiais do quartelgeneral, membros das forças militares estacionadas em Timor-Leste e membros do Kopassus. Passados três dias, os presos foram transferidos para o quartel-general da Polícia regional da área de Jacarta (Kepolisian Daerah Metropolitan Jakarta Raya, Polda Metro Jaya) onde 769 permaneceram três meses. Cinco dias depois da manifestação, a 24 de Novembro de 1991, a Polícia fez mais seis detenções de membros timorenses do movimento clandestino em Denpasar, Bali: Fernando de Araújo (La Sama), José Pompeia, Anita florestas, Aniceto Guterres Lopes (detido três dias depois) José Paulo e Clemente Soares. Estas detenções podem ter-se devido a informações obtidas nos interrogatórios aos presos de Jacarta. Os seis foram capturados na sua residência e presos no quartel-general da Polícia regional (Polda Nusra) em Denpasar, Bali, onde permaneceram até 30 de Dezembro de 1991. Aniceto Guterres Lopes e José Paulo foram então libertados e Fernando de Araújo foi algemado e transportado, num avião militar, para Jacarta, onde se juntou aos seus companheiros no Polda Metro Jaya. José Pompeia, Anito Matos e Clemente Soares permaneceram no quartel-general da Polícia regional. Virgílio Guterres disse à Comissão não ter sido torturado enquanto esteve preso: * Uma acção anterior, mas fracassada, em Jacarta foi a tentativa de vários estudantes timorenses de obterem asilo em 1987. Tinham sido realizadas manifestações noutras partes da Indonésia antes disso, como a manifestação da Universidade de Udayana, em Bali a 13 de Março de 1991. Segundo a Amnistia Internacional, dezenas de estudantes foram detidos nesta manifestação, incluindo seis estudantes timorenses que ficaram presos durante a noite: Alexandre Corte-Real, Manuel Sarmento, Boaventura da Silva, José Celestino, Lourenço e Miguel Ximenes. [Índice da AI: ASA 21/04/91]. - 203 - Uma das razões pode ter sido a grande pressão a que as autoridades indonésias estavam sujeitas por altura da nossa detenção. As filmagens de Max Stahl do incidente de 12 de Novembro foram exibidas internacionalmente e a Indonésia estava sob grande pressão internacional. A maneira como nos tratavam enquanto estivemos presos em Jacarta foi uma táctica planeada para mostrar ao mundo que podiam tratar-nos bem, para rebater as acusações de abusos dos direitos humanos e para dar a impressão de que não cometiam violência em Timor Leste, ao contrário do que afirmavam os seus críticos. Em Díli, praticamente não havia contacto com o mundo exterior, por isso a tortura era frequente. Enquanto estivemos em Jacarta, só não tivemos acesso ao mundo exterior durante as primeiras semanas na prisão. Mas depois dos interrogatórios, recebemos visitas de amigos e de familiares. Até os nossos amigos da comunicação social vieram visitar-nos e os funcionários indonésios não 770 ousaram recorrer à violência durante os interrogatórios. Muitos dos prisioneiros foram libertados depois de passarem três meses no Polda Metro Jaya, mas os 22 que iam ser julgados continuaram presos. Domingos Barreto descreveu a libertação de alguns: Eles separaram-nos porque a investigação revelou que a participação de alguns tinha sido fortuita…[Eles] prosseguiam com a investigação de noite…Separaramnos dos outros presos [cerca de 70]. Libertaram a maioria dos presos depois da investigação provar que a sua 771 participação fora fortuita. Dos 22 prisioneiros que não foram libertados, 17 tornaram-se testemunhas nos julgamentos dos outros cinco: João Freitas da Câmara, Fernando de Araújo, Virgílio Guterres, Agapito Cardoso e 772 Domingos Barreto. Os cinco foram acusados de subversão. Durante o julgamento, os arguidos ficaram presos no Polda Metro Jaya. Todos foram condenados a penas de prisão: quatro foram enviados para a Prisão de Salemba (Jacarta) e João Freitas da Câmara foi enviado para a Prisão de Cipinang (Jacarta). Fernando de Araújo e Virgílio Guterres foram posteriormente transferidos de Salemba para Cipinang (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos). Manifestações da Untim Depois das detenções e homicídios de 1991, o número de líderes clandestinos activos em TimorLeste diminui consideravelmente. Contudo, a partir de meados da década de 1990, os estudantes da Universidade de Timor Timur (Untim) organizaram várias manifestações no 773 campus universitário, por vezes acompanhados por estudantes do ensino secundário. Algumas manifestações eram espontâneas, mas outras eram cuidadosamente planeadas, como as comemorações anuais do Massacre de Santa Cruz. Seguem-se algumas das manifestações relatadas à Comissão: - 204 - • Em Junho de 1994, estudantes reagiram a um incidente na igreja de um suco em Remexio (Aileu), durante o qual soldados indonésios atiraram para o chão hóstias consagradas e pisaram-nas. Segundo um relato da comunicação social, cerca de 300 estudantes timorenses tentaram realizar um protesto na universidade, mas este foi 774 interrompido e muitos dos estudantes foram presos. • A 9 de Janeiro de 1995, uma manifestação da Untim deu lugar a cenas de violência quando os manifestantes, a Polícia e as TNI começaram a atirar pedras uns aos 775 * outros. Foram detidas entre 26 e 30 pessoas no local, e levadas para o Quartelgeneral da Polícia Sub-regional em Comoro. Enquanto estiveram presos, os estudantes foram violentamente espancados por membros da Brimob, que os desnudaram e os submeteram a choques eléctricos. Alguns foram libertados passados 11 dias e outros 776 foram julgados, condenados e presos na prisão de Becora. • A 14 de Novembro de 1997, outra manifestação da Untim tornou-se violenta após uma discussão entre os estudantes e dois membros das forças militares vestidos à paisana. Observadores externos independentes afirmaram que a Polícia e os membros dos Batalhões 744 e 511 fizeram um uso excessivo da força. Cinco estudantes foram 777 hospitalizados, alguns com ferimentos de bala. Foram detidas pelo menos 11 778 pessoas, seis das quais foram julgadas ao abrigo do Artigo 170 (violência contra pessoas e propriedade) do Código Criminal Indonésio (KUHP) por terem, alegadamente, atacado três membros do Batalhão 511, Unidade C. SARA e agitação civil Também foram relatados casos de detenção, prisão arbitrária e tortura ocorridos na década de 1990, relacionados com incidentes definidos pelo aparelho de segurança indonésio como casos de SARA (suku, agama, ras, antara golongan, explosões étnicas, religiosas, raciais e entre grupos). Embora estes incidentes espontâneos protagonizados por jovens timorenses nem sempre tenham estado directamente relacionados com os conflitos políticos, os testemunhos prestados à Comissão indicam que ambos os lados do conflito político utilizaram os incidentes com os seus próprios objectivos. Os apoiantes pró-independência utilizaram-nos como plataforma para se manifestarem contra a ocupação e os militares e a Polícia indonésios utilizaram-nos como pretexto para deter e prender pessoas suspeitas de pertencerem ao movimento clandestino e interrogá-las sobre as suas actividades clandestinas. O tratamento dado aos prisioneiros relacionados com estes incidentes era frequentemente tão duro quanto o que era dado aos que eram presos noutros contextos. Uma razão para a agitação, sobretudo nos conflitos entre grupos e jovens, era a crescente politização da juventude em Timor-Leste neste período. Em 1994, as forças armas reduziram o número de batalhão que estavam estacionados no território para sete, mas compensou essa redução com a criação da Jovem Guarda de Defensores da Integração (Garda Muda Penegak Integrasi, ou Gadapaksi). Segundo documentos militares indonésios, 11.000 jovens foram 779 recrutados para a Gadapaksi em 1994. Outras milícias distritais foram criadas na década de 1990 (ver caixa sobre a Equipa dos Voluntários, em cima), ao mesmo tempo que os jovens a favor da independência resistiam mais abertamente ao regime. Estas lealdades vieram à superfície em vários incidentes de agitação civil, que começaram a desencadear-se em meados da década de 1990. Muitos incidentes de S A R A resultaram em manifestações — algumas das quais se transformaram em motins — que foram seguidas de um número crescente de casos de prisão, tortura e maus-tratos dos presos. Seguem-se alguns exemplos comunicados à Comissão: * Entre outros: Inácio de Jesus Santos Oliveira, José A. Beto, José Pinto, Paulo Amaral, Luís Tavares, João Manuel, Lemos, Carlos, José Henrique, Alfredo Lopes, Crispim, Apólito, Mário Pinto, Bendito Salo, Filomeno, Zito L. Barreto e Alexandrino. [HRVD, Testemunhos nº 5674 e 6982-2]. - 205 - • Um confronto religioso em Uatu-Lari (Viqueque), em Setembro de 1995, entre jovens protestantes e muçulmanos e jovens católicos. Desconhecem-se os antecedentes deste caso, que levou jovens católicos a incendiar locais de culto protestantes e muçulmanos. A maioria dos jovens católicos fugiram, mas Marcelino Duarte Barros foi detido, juntamente com dez outros, por membros da Tim Saka. Marcelino Duarte Barros relatou 780 a sua prisão e os maus-tratos que sofreram. • Segundo as informações recebidas, em Maliana (Bobonaro), no início de Setembro de 1995, um funcionário prisional chamado Sanusi Abubakar fez observações insultuosas 781 sobre a fé católica. Os jovens católicos e outros apoiantes pró-independência de Maliana reagiram, manifestando-se, ameaçando matar Sanusi Abubakar e queimando o mercado de Maliana. Os manifestantes foram detidos pela Polícia, as ABRI e por membros do Kodim 1636. Alguns conseguiram escapar, nomeadamente José Soares 782 Vicente, que se fugiu para Díli. • A Comissão tomou conhecimento dos seguintes casos de prisão, tortura e maus-tratos. Quadro 4 - Prisão e maus-tratos sofridos por Marcelino Duarte Barros Perpetrador Local da Prisão Tim Saka às ordens do Comandante T486 Brimob Quartel-general da Tim Saka em Quelicai (Baucau) Polícia Polsek de Beloi Polícia Polsek de Uatu-Lari (Viqueque), levados para lá por 12 membros da Brimob. Cela na Nova Cidade de Baucau Duração da Prisão Três dias Dois dias Uma semana Tortura/Maus-tratos Foi agredido com uma barra de metal, pontapeado, pisado e amarrado com arame. Os seus olhos foram cobertos e foi obrigado a deitar-se ao sol durante três dias Foi mandado formar em linha e correr e depois foi espancado. Foi obrigado a beber água misturada com urina. Foi espancado, pontapeado, esmurrado e pulverizado com gás. Foi interrogado pela Polícia sobre contactos com as Falintil e a entrega de alimentos na floresta. Foi espancado, esmurrado e pontapeado por um agente timorense dos serviços de informação, T487. Quadro 5 -Prisão, tortura e maus-tratos em Maliana (Bobonaro) Vítima Perpetrador Local da Prisão Hernâni M. de Araújo, membro do movimento clandestino da Sagrada Família.783 As ABRI e a Polícia Kodim 1636, depois numa esquadra da polícia (não identificada) Eduardo Lopes, (Lorico Lopes) detido a 18 de Setembro de 1995784 A Polícia; o cabo T488 liderou a equipa de detenção. Esquadra da polícia Laurentina Amaral785 - Kodim 1636 - 206 - Duração da Prisão Uma noite no Kodim, depois seis semanas numa esquadra da polícia. Julgado e condenado a uma pena de prisão em Maliana. Dois meses, Depois condenado a quatro anos na Prisão de Maliana. Três meses. Pagou 500 mil rupias pela sua libertação. Tortura/Maus-tratos Os militares espancaram-no, electrocutaram-no e arrancaram-lhe as unhas das mãos e dos pés com alicates. A Polícia interrogou-o e depois voltou a espancá-lo, electrocutou-o e esmagou-lhe os dedos dos pés debaixo da perna de uma cadeira. A vítima foi espancada e queimada com cigarros. Disse que a Polícia arrancou os rosários que os presos tinham ao pescoço e lhes disse que eles estavam a “opor-se ao Estado”. - José P. Vicente, de Lebos (Lolotoe, Bobonaro)* • Agente da polícia chamado T489. Quartel-general da Polícia subdistrital de Maliana. sua libertação. Um dia. Espancado uma vez na cabeça com um bastão de metal. † Em Uatu-Lari (Viqueque), em Fevereiro 1997, um grupo de jovens pró-integração atacou ‡ um grupo de activistas religiosos. A comunidade de Makadiki (Uatu-Lari, Viqueque) disse à Comissão que as pessoas invadiram as ruas e enfrentaram as autoridades. A 786 luta continuou durante quatro dias, bloqueando a estrada de Makadiki. O número de pessoas detidas durante este incidente foi avaliado em 70 — pelo coronel Mahidin Simbolon, o comandante do Comando Militar Sub-regional de Timor Leste — e em 109 787 — pelo subchefe da Polícia de Timor Leste e pelo coronel Atok Rismanto. Todos os presos foram levados para o Kodim de Viqueque e para um posto militar em Darabai (Uatu-Lari, Viqueque), onde foram interrogados e libertados passados alguns dias. Incidentes após a atribuição do Prémio Nobel da Paz Díli foi palco de algumas detenções em Dezembro de 1996, quando o bispo D. Carlos Ximenes Belo regressou a Timor-Leste depois de receber o Prémio Nobel da Paz — que partilhou com § José Ramos-Horta. Foram realizadas comemorações por todo o país aquando do seu regresso, mas também ocorreram algumas escaramuças violentas, incluindo o espancamento até à morte por 26 jovens timorenses de um agente dos serviços de informação, o cabo Alfredo de Santo Sigamau. Segundo as informações recebidas, os jovens pensavam que o cabo planeava ** assassinar o bispo. Os militares e a Polícia indonésios reagiram detendo pessoas e levando-as para o quartelgeneral da Polícia subdistrital, o quartel-general da Polícia regional e o SGI de Colmera, em Díli. 788 Algumas foram julgadas e cumpriram penas na prisão de Becora. A Polícia relatou a detenção 789 de 13 pessoas relacionadas com os tumultos em Díli. Hermenegildo Martins, um dos 26 jovens envolvidos no homicídio do cabo Sigamau, foi detido quatro meses depois do incidente e levado para o quartel-general da Polícia regional, em Díli. A Polícia interrogou-o sobre o homicídio durante três dias e queimou-o com cigarros acesos durante o interrogatório. Depois, transferiram-no para o quartel-general da Polícia subdistrital em Díli, onde foi maltratado por 12 agentes policiais, que, entre outras coisas, utilizaram uma navalha para lhe cortar a coxa. Hermenegildo Martins acabou por ser julgado pela sua 790 participação no homicídio e foi enviado para a prisão de Becora. * José Vicente, membro da Fretilin, voltou a ser detido pelo Kodim dois anos depois, em Outubro de 1997, por ser suspeito de ter mobilizado uma manifestação que levou ao incêndio do mercado. José Vicente ficou três dias preso e, durante esse período, foi desnudado, espancado, esmurrado e pontapeado. Em 1999, foi detido pela milícia KMP em Lolotoe e preso durante um dia [Testemunho nº 7157 da HRVD]. † A comunidade do suco de Makadiki, em Uatu-Lari (Viqueque) descreveu os jovens como membros da Gadapaksi [Perfil Comunitário do suco de Makadiki subdistrito de Uatu-Lari, distrito de Viqueque]. ‡ A Comissão não tem provas concretas do que esteve na origem deste confronto, embora a comunidade do suco de Makadiki, em Uatu-Lari (Viqueque) tenha dito à Comissão que o confronto durou quatro dias e implicou lutas entre os habitantes do suco e as autoridades indonésias. [CAVR, Perfil Comunitário do suco de Makadiki, Uatu-Lari, distrito de Viqueque]. § CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bidau Santana, subdistrito de Nain Feto/Díli Oriental, distrito de Díli. Em Baucau, foi encenada uma grande manifestação a 25 de Dezembro de 1996 [CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bucoli, subdistrito de Baucau, distrito de Baucau]. ** Segundo Hermenegildo Martins, um dos envolvidos no homicídio, foi encontrada uma carta no bolso do cabo Sigamau que dizia: "Quem conseguir matar o bispo Belo receberá a soma de 1 milhão e 500 mil rupias.” [HRVD, Testemunho nº 3739]. - 207 - Bandos ninja e bandos anti-ninja Em meados da década de 1990, enquanto parte da crescente politização da juventude, começaram a formar-se bandos pró-integração e pró-independência em Díli. Os Ninjas eram jovens a favor da integração que se vestiam de negro, cobriam as cabeças com capuzes e atacavam as habitações de famílias pró-independência de noite. Embora pareçam ter sido jovens desiludidos causadores de problemas, há indícios de que trabalharam em coordenação 791 com os militares para instilar o medo na cidade. Como reacção a estes bandos, os activistas pró-independência criaram grupos de vigilantes para fazer frente aos ataques Ninja. Muitos desses activistas foram presos pela Polícia. Segundo relatos da Amnistia Internacional, a Polícia e as forças militares detiveram até 15 pessoas em Díli 792 entre 18 e 22 de Fevereiro de 1995. O chefe da Polícia de Timor Leste, Andreas Sugianto, disse que foram presas 14 pessoas, 12 das quais foram acusadas de terem criado grupos de 793 vigilantes para fazer frente aos ataques dos bandos Ninja. A 25 de Março de 1995, um agente 794 timorense do SGI chamado T491, deteve dois membros da Ojetil , Carlito e Octavianos em Quintal Bot, Díli. Os detidos foram levados para o quartel-general do SGI em Colmera e 795 acusados de terem participado no corte da orelha de um Ninja. A Comissão recebeu um testemunho de um jovem a favor da integração que foi gravemente atacado por jovens pró-independência, embora não seja claro se este é ocaso acima referido. Um homem timorense (que preferiu não ser identificado) disse à Comissão ter sido raptado por quatro jovens pró-independência — T492, T493, T494 e T495 — a 13 de Fevereiro de 1995. Ele disse que o acusaram de ser um Ninja e de colaborar com o SGI. A sua casa foi pilhada, as suas mãos amarradas e ele foi levado para a casa de Alves Ribeiro, onde os quatro jovens lhe cortaram o rosto com uma navalha, o espancaram na cabeça com um bastão de aço e lhe cortaram a orelha. Depois, levaram-no para o gabinete do suco de Santa Cruz, amarraram-no a 796 um poste de bandeira e espancaram-no até o seu corpo estar coberto de sangue. A caça aos líderes das Falintil na década de 1990 Os líderes das Falintil controlavam a frente armada, clandestina e diplomática da Resistência e, por conseguinte, continuaram a ser os alvos principais dos militares indonésios durante o período de 1985/1998. A investigação da Comissão indica que a detenção arbitrária e o posterior interrogatório e tortura era uma estratégia-chave na caça das pessoas suspeitas de terem quaisquer ligações com estes líderes. Embora essas detenções tenham ocorrido em anos anteriores, os testemunhos prestados à Comissão pelas vítimas indicam que os esforços indonésios para capturar líderes das Falintil aumentaram no início da década de 1990. Por vezes, essas operações ocorriam após um incidente que salientasse a contínua influência das Falintil em Timor-Leste. Por exemplo, quando o advogado e jornalista australiano Robert Domm, conseguiu encontrar-se com Xanana Gusmão e entrevistá-lo, a 27 de Setembro de 1990, os serviços de informação lançaram grandes operações para descobrir quem organizara o 797 encontro. Outras vezes, as operações militares eram lançadas com o objectivo específico de capturar líderes da Resistência. Em 1991/1992, por exemplo, foram realizadas operações conjuntas 798 militares e paramilitares para procurar Xanana Gusmão. Em 1991, as forças de segurança pensavam que Xanana Gusmão se encontrava em Ainaro, o que levou à prisão de muitas 799 pessoas no distrito pela Tim Sukarelawan (ver caixa cima). Em 1992, foram realizadas duas operações militares em Timor-Leste, a Operação I (Abril a Setembro de 1992) e a Operação II (Outubro de 1992 a Março de 1983) (Operasi Tuntas I e II), que incluíram a preparação de listas 800 de timorenses suspeitos de manterem contacto com Xanana Gusmão. - 208 - A prisão dos suspeitos tendia a ser a curto prazo e implicava interrogatórios frequentemente acompanhados por tortura ou maus-tratos. Por exemplo, uma mulher disse à Comissão ter sido presa em Ainaro, em 1991, por ser suspeita de fornecer víveres às Falintil. Ela foi detida pela Tim Sukarelawan e depois interrogada no Edifício da Integração, em Cassa (Ainaro, Ainaro). Após o interrogatório, foi violentamente espancada, o que lhe provocou uma hemorragia nos órgãos genitais, e depois foi assediada sexualmente por 38 membros da Tim Sukarelawan. Foi 801 libertada passada uma noite. Bendito da Conceição também foi detido em Ainaro, em 1991, juntamente com 40 outros civis do suco de Suro Kraik (Ainaro, Ainaro) por ter dançado numa festa do suco com Xanana Gusmão e outros líderes das Falintil, nomeadamente o adjunto Maufutu, Konis Santana, Riak Leman e Abia Monaria. Cinco dias depois da festa, a 25 de Julho de 1991, a comunidade foi presa por T496, um membro indonésio do Kopassus, e por dois Milsas, T497 e T498. Os detidos foram interrogados durante quatro horas e depois mandados escavar buracos e tratar de um relvado no 802 posto militar durante três anos. Em Ossu (Viqueque), onde foram detidos vários suspeitos em finais de 1992 pelos Batalhões 407 e 503, os suspeitos eram levados para o acampamento da base em Viqueque, para o posto do batalhão não orgânico (BTT) em Ossu. Alguns para outros distritos para serem submetidos a mais investigações. Faustino da Silva foi detido em Ossu, juntamente com três outros. Após um violento interrogatório no Koramil de Ossu, no qual todos os presos foram acusados de pertencer à rede de Xanana Gusmão, foram separados. Faustino da Silva foi levado para as casernas do Kodim de Viqueque. O seu amigo Rui ficou três meses preso no quartel-general do Batalhão 503, e os seus companheiros Alfredo e Tomás foram transportados para Díli de helicóptero para 803 serem submetidos a mais interrogatórios. Segundo os relatos, também em Díli foram detidas pessoas suspeitas de manterem contacto com Xanana Gusmão. As detenções foram feitas pelo major T499, pelo comandante do Kopassus do SGI de Colmera e pelo Batalhão de Infantaria 804 745, em colaboração com o Koramil de Becora. Outras detenções relacionadas com a busca de líderes das Falintil incluíram: - 209 - • No distrito de Aileu, em 1985, 11 pessoas de Lequidoe foram detidas por membros do Koramil por serem suspeitas de esconderem membros destacados da Fretilin/Falintil, incluindo Xanana Gusmão. O depoente, Celestino Amaral, não disse à Comissão 805 durante quanto tempo esteve preso. • Jacinto Moniz, de Fohorem (Fohorem, Covalima), falou à Comissão sobre a sua detenção a 16 de Julho de 1989, sob suspeita de esconder Xanana Gusmão. Quando se recusou a confessar, foi espancado, pontapeado e esmurrado pelos soldados indonésios 806 no Fohorem. • Em Ossu (Viqueque), em 1992, além de procurar Xanana Gusmão, o Batalhão de Infantaria 407 e membros da Tim Makikit e da Rajawali marcaram como alvos algumas 807 pessoas suspeitas de colaborarem com o Comandante Falur Rate Laek da Falintil. • No suco de Babulu (Same, Manufahi), em 1994, foram detidas várias pessoas durante uma operação de busca conjunta, levada a efeito pelo Kopassus e os Milsas, pelo membro destacado das Falintil, Riak Leman. Algumas das pessoas detidas tinham surgido numa lista de pessoas acusadas de estarem ligadas à rede clandestina liderada 808 por Riak Leman, lista essa provavelmente elaborada pelos serviços de informação. As pessoas foram levadas para o Kodim de Manufahi e para o Quartel-general das Nanggala e interrogadas durante três dias. Depois, foram libertadas, mantendo o estatuto de “presos externos” durante três meses. Durante esse período, foram 809 obrigadas a transportar postes e a cortar relva para construir uma casa tradicional. • Nos sucos de Carau-Balu e de Luca (Viqueque, Viqueque), em 1994 e 1997, soldados das ABRI e da Rajawali detiveram e maltrataram pessoas suspeitas de manterem 810 contacto com o comandante das Falintil, Ular. • Os civis de Baucau — local onde David Alex, comandante das Falintil, operava antes de ser capturado e morto em 1997 — eram regularmente presos para serem interrogados sobre o paradeiro do líder das Falintil. A maioria dos civis ficavam presos poucos dias, durante os quais eram submetidos a interrogatórios intensos, em locais como o Hotel 811 Flamboyan, o Rumah Merah e o posto do Kopassus de Ossu, em Viqueque. Por vezes, sucos inteiros eram cercados. Em 1994, membros das ABRI e da Tim Saka detiveram 24 pessoas no suco de Guruça (Quelicai, Baucau) após terem surgido rumores de que o povo de Guruça tinha estado em contacto com David Alex. Os detidos foram presos no Kodim de Baucau, onde foram interrogados e torturados durante dois 812 dias. A Comissão também tomou conhecimento de que algumas pessoas foram obrigadas a repudiar publicamente a autoridade dos líderes das Falintil. Num determinado caso, Frederico de Araújo contou à Comissão como os soldados do Batalhão de Infantaria Aerotransportada 700 o deteve e quatro outros, em 1991. As suas mãos e pés foram atados e eles foram levados para o posto do Kopassus em Mau-Ulo (Ainaro), onde ficaram oito meses presos. Frederico de Araújo disse que foi pontapeado e esmurrado enquanto esteve preso e, em certa ocasião, foi deixado à chuva, amarrado, durante dois dias e duas noites. Também foi obrigado a percorrer Ainaro e dizer às pessoas que os líderes das Falintil, Xanana Gusmão, Mau Hodu, Mau Hunu e Venâncio Ferraz eram mentirosos. A mulher de Frederico de Araújo acabou por subornar o Comandante do Sector B (oeste), Thamrin, com duas peças tecidas (tais), duas galinhas e uma espada para 813 salvar a vida do marido. - 210 - A detenção de Xanana Gusmão Xanana Gusmão foi detido às quatro horas da manhã de 20 de Novembro de 1992, no exterior de uma casa em Lahane (Díli), onde estivera escondido. A detenção foi filmada pelas 814 autoridades indonésias e recebeu cobertura de imprensa generalizada em toda a Indonésia. Xanana Gusmão foi mantido incontactável durante 17 dias, até o CICV ser autorizado a vê-lo. Durante esse período, foi transferido entre vários locais, até ser preso no quartel-general da Polícia nacional em Jacarta, (Mabes Kepolisian RI), onde foi interrogado e sofreu maus-tratos. Segundo Xanana Gusmão, ele foi tratado com respeito durante a detenção, mas não lhe foi apresentado um mandado de captura. Da casa onde foi capturado, foi imediatamente levado para a casa do general Theo Syafei, comandante do Comando de Implementação das Operações em Timor Leste (Kolakops), onde passou uma ou duas horas e foi visitado pelo então comandante-em-chefe das Forças Armadas indonésias, Try Sutrisno. Xanana Gusmão disse que ambos os homens o trataram com respeito. Mais tarde, nesse mesmo dia, Xanana Gusmão foi transportado de avião para Bali, onde ficou preso no Comando Militar Regional (Kodam IX) 815 durante três dias e três noites. Em Bali, Xanana Gusmão foi entregue ao Kopassus, que o interrogou e o submeteu a uma grave privação de sono durante três dias e três noites: O primeiro método, quando estive em Bali, [foi] não me deixarem dormir. Eu tinha sono durante o dia e eles gritavam. Eu tinha sono de noite e eles também gritavam. Eles falaram comigo às duas horas da manhã. Eu lembro-me de Yunus Yosfiah porque o conheci em 1983, quando ele era major, e ele falou sobre generalidades. Ele batia na mesa e eu fazia o mesmo. Ambos 816 batíamos na mesa. Xanana Gusmão foi então enviado para Jacarta, para o Organismo de Serviços de Informação Estratégicos (Badan Intelijen Strategis, Bais), onde foi visitado por Hendropriyono e prestou um testemunho ao Organismo de Coordenação dos Serviços de Informação do Estado (Badan Kordinasi Intelijen Negara, Bakin). Xanana Gusmão foi condenado a prisão perpétua em Maio de 1993 e enviado para a prisão de Cipinang, em Jacarta, para cumprir a pena. Em Agosto de 1993, o Presidente Suharto reduziu a pena para 20 anos. Em Agosto de 1995, Xanana Gusmão foi colocado numa cela de prisão solitária depois de ter tentado enviar uma carta não autorizada para a Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres da ONU, em Pequim, para proteger os direitos das mulheres timorenses que, segundo ele, a Indonésia tinha "violado sistematicamente" durante 20 anos (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos). Após a detenção de Xanana Gusmão, os militares e a Polícia detiveram todos os que estivessem relacionados com ele. Em Dezembro de 1992, poucas semanas depois da detenção, o Secretário-Geral das Nações Unidas disse ao Comité sobre Direitos Humanos que, pelo menos, 817 20 colaboradores próximos e parentes de Xanana Gusmão tinham sido detidos e presos. A Amnistia Internacional alegou que as pessoas presas em Díli foram submetidas a maus-tratos 818 graves e a tortura. Os donos da casa onde Xanana Gusmão foi preso, Aliança Araújo e o seu marido Agusto Pereira, e os seus filhos foram levados para o quartel-general do SGI, onde ficaram sete meses presos. Durante esse período, sofreram tortura e maus-tratos — as unhas dos pés de Agusto foram arrancadas com alicates, por exemplo. Uma das mulheres disse num 819 depoimento posterior ter sido violada sexualmente. 820 Segundo a Asia Watch, foram detidos nove familiares de Xanana Gusmão , incluindo a sua irmã mais nova, Armandina Gusmão, o marido desta e dois dos seus filhos. Eles foram detidos pouco depois da detenção de Xanana Gusmão pela Polícia dos serviços de informação “na presença do chefe do seu suco e não foram informados por que razão, o que constitui uma 821 violação do Código do Processo Penal Indonésio, bem como das normas internacionais”. A família foi levada para o Quartel-general da Polícia Sub-regional e interrogada continuamente - 211 - durante três dias. Armandina Gusmão disse à Comissão que a Polícia lhes apresentou provas. A Polícia também os fotografou e tirou-lhes as impressões digitais. Passados três dias no Quartelgeneral da Polícia Sub-regional, Armandina Gusmão e o seu marido foram vendados e levados para o quartel-general do SGI em carros separados. Passaram cinco meses no quartel-general 822 do SGI, findos os quais ela foi levada para Nusra Bhakti, onde permaneceu uma semana. A Comissão tomou conhecimento de, pelo menos, um caso em que uma pessoa que tinha anteriormente sido detida por supostamente estar relacionada com Xanana Gusmão, voltou a ser detida após a captura deste. Em Ainaro, um homem timorense relacionado com Xanana Gusmão voltou a ser chamado, depois de ter sido libertado, quando Xanana Gusmão foi detido e mandaram-no apresentar-se todas as manhãs durante um mês. Pelo contrário, algumas pessoas foram libertadas assim que Xanana Gusmão foi capturado, por já não serem necessárias para obter a sua detenção. Alfonso Maria explicou: Antes da detenção de Xanana Gusmão, eles estavam sempre a espancar-nos e a torturar-nos. Eles perguntavam-nos sempre: “Tens uma rede com Xanana?” Se disseres que não, serás espancado e electrocutado até dizeres que sim. Depois eles paravam com a tortura. Fomos libertados após a captura de Xanana, a 20 de 823 Novembro. Outros foram dispensados da sua obrigação de se apresentarem ou de períodos de trabalho forçado, mas só depois de jurarem fidelidade à Indonésia. Vicenti Tavares tinha sido detido com sete outros membros do movimento clandestino de Carau-Balu em Outubro 1992 pelo Batalhão de Infantaria 407 por terem mantido contacto com Xanana Gusmão. Estiveram seis dias presos e depois tiveram de se apresentar no posto militar de Ossu (Ossu, Viqueque). Após a captura de Xanana Gusmão, foram dispensados da obrigação de se apresentarem, mas foram obrigados a fazer um juramento (presumivelmente de fidelidade à Indonésia) e a beber sangue de cão 824 perante os Muspida, os Tripika e o comandante do Korem de Díli. - 212 - A história de Olga Corte-Real Olga Corte-Real aderiu ao movimento clandestino em 1982, quando ela e vários familiares seus se encontraram com os membros das Falintil, Birak e Kasihan, e discutiram os obstáculos enfrentados pelas Falintil. Passada uma semana Olga, Petronela e Manuel Corte-Real encontraram-se com o comandante das Falintil, Mau Hunu, na aldeia de Trilolo, Holarua (Same, Manufahi) para planearem trabalho clandestino. Em 1990, Olga Corte-Real trabalhou como enfermeira no centro de saúde comunitário do suco de Datina, Holarua (Same, Manufahi.) Em Agosto de 1990, Olga Corte-Real encontrou-se com Xanana Gusmão na aldeia de Kakau Lidin, Bairro Pite (Dom Alexio, Díli). Olga fez um relato das suas experiências à CAVR, na Audiência Pública Nacional sobre Mulheres e Conflito, a 28 e 29 de Abril de 2003. Talvez os soldados das A B R I me tenham denunciado devido às minhas actividades clandestinas. A 8 de Novembro de 1992, um agente da polícia timorense chamado T500 e vários soldados [do Kodim] de Manufahi detiveram-me, juntamente com Graciana, Fernando Cardoso e Gabriel C Trindade da Costa. Levaram-nos para o Kodim, onde o Comandante timorense do Kodim T501 e o Comandante de batalhão timorense 514 estavam à nossa espera. T501 perguntou-me se eu e a minha irmã Regina tínhamos dado remédios a Xanana em Hoholau. Eu disse que eu e a minha irmã não tínhamos levado remédios a Xanana, mas que os enviáramos através de um estafeta, António Martins. De facto, eu e a minha irmã tínhamos entregue os remédios pessoalmente, mas mentimos. Depois, T501 exigiu que eu revelasse os nomes das outras raparigas da rede [clandestina], mas eu disse-lhe que as únicas mulheres da rede eram a minha prima Graciana, a minha irmã Regina e eu. Realmente, havia outras mulheres [na rede], nomeadamente Angelina da Costa, Fernanda de Jesus, Eleonora Cardoso e Francisca Cardoso. T501 ameaçou-me de me cortar a garganta se viesse a descobrir os nomes das outras mulheres. Eu disse que estava preparada para me cortarem a garganta se as minhas informações viessem a revelar-se incorrectas. Enquanto que o interrogatório decorria, um membro do Nanggala [Kopassus] entrou na sala. Ele levou-me para outra casa, onde um agente da polícia dos serviços de informação , T490, me interrogou desde as nove horas da manhã até às três e meia da tarde. Um colega de T490 chamado T502 entrou na sala. Ele praguejou contra mim e disse que eu tivera relações sexuais com Xanana. T502 mandou Luís Cardoso e o seu irmão mais novo António Martins sentarem-se numa cadeira e esmagaram os dedos dos meus pés até as minhas unhas ficarem pretas. Às dez horas da manhã seguinte, 9 de Novembro de 1992, um comandante das ABRI chegou de Díli de helicóptero e aterrou no acampamento da base. Ele tinha uma câmara Polaroid e fotografou-me. Depois, o helicóptero levou-o de volta para Díli. As ABRI escoltaram-nos de volta a Datina às quatro horas da tarde. Obrigaram-me a comparecer na cerimónia matinal do Kodim desde 1 de Janeiro de 1993 até Abril de 1994. Fui à cerimónia todas as manhãs, mas mantive as minhas actividades 825 clandestinas e os meus laços com as Falintil, que estavam nas montanhas. Retaliações a ataques da Resistência O padrão de detenções de civis em massa após os ataques das Falintil a alvos militares ou governamentais continuou ao longo do período de normalização e consolidação, embora a uma escala mais pequena. As autoridades reagiram a esses ataques fazendo detenções, prisões arbitrárias e maltratando e torturando os suspeitos, que, geralmente, eram membros do movimento clandestino — embora alguns fossem civis. - 213 - A Comissão tomou conhecimento de ataques isolados das Falintil, sobretudo no distrito de Lautém, mas também no distrito de Manufahi, ocorridos entre 1985 e 1987, que suscitaram 826 retaliações dos militares indonésios. Na década de 1990, grupos policiais e de paramilitares locais aumentaram a sua participação na repressão, prisão e tortura de suspeitos. Os exemplos que se seguem são os principais incidentes das Falintil decorridos na década de 1990 conhecidos pela Comissão. Os depoimentos de vítimas de repressões dos militares e da Polícia recebidos pela Comissão indicam que a reacção típica era a prisão, frequentemente acompanhada por tortura e outras formas de tratamento cruel e desumano. Estes exemplos são: • Cidade de Baucau, em Outubro de 1992m, após um homicídio perpetrado pelas Falintil • Ermera, 1996, após as Falintil matarem um civil • Ataques das Brimob em Díli e Baucau, Maio de 1997 • Ataques em Manufahi, 1998. Baucau, Outubro de 1992 A Comissão recebeu um testemunho sobre o homicídio de um civil indonésio de Sulawesi, morto pelas Falintil a 5 de Outubro de 1992, num restaurante na Cidade Velha de Baucau. Jerónimo Paulo Freitas falou à Comissão sobre o ocorrido e disse ter sido detido por membros do Batalhão de Infantaria 315 e da Tim Saka cinco dias depois, sob suspeita de participação no crime. Jerónimo Paulo Freitas era membro activo da rede clandestina de Baucau. Um membro da Tim Saka, T503, agrediu-o nas costas com uma espingarda e levou-o para o Kodim de Baucau, onde um membro timorense das forças militares identificado como T504, o interrogou sobre o incidente enquanto outro membro timorense das forças militares, T505, o torturava, espancandoo com uma trave de madeira, esmurrando-o e pontapeando-o. Jerónimo Paulo Freitas disse à Comissão ter então sido colocado num saco negro e levado para o suco de Gariuai (Baucau, Baucau), onde foi atirado para uma casa de banho, na qual permaneceu 13 dias, tendo apenas 827 cascas de banana e sal para comer. Ermera, Outubro de 1996 A Comissão tomou conhecimento de outro homicídio de um civil indonésio, morto pelas Falintil quatro anos depois, em Ermera, em Outubro de 1996, que também resultou na detenção de civis. A Comissão foi informada de que um membro das Falintil matou um comerciante de roupa 828 indonésio em Ermera por suspeitar que o homem trabalhasse para os serviços de informação. Desta vez, foi a Polícia, e não os militares, que deteve activistas pró-independência em vários sucos da área. João Alves Trinidade disse à Comissão que, a 16 de Outubro de 1996, sete jovens da aldeia de Lekesi (Railaco, Ermera) — João Alves Trindade, Eduardo dos Santos, Gaspar dos Santos, Silvestre Martins, João, Luís Salsinha e Joel Assunção Neves — foram detidos por agentes policiais timorenses armados — T506, T507, T508, T509, T520 — e pelos agentes da polícia indonésios T511, T512 e T513. A Polícia amarrou as mãos dos detidos, arrastou-os pela encosta de uma montanha abaixa e espancou-os com madeira. Mais tarde, o grupo sofreu tortura e maus-tratos na esquadra da polícia de Gleno (Ermera). João Alves Trindade disse à Comissão No quartel-general da Polícia do subdistrito de Gleno, a Polícia mandou-nos despir e pôs-nos numa cela. [Eles] electrocutaram-nos e apertaram e puxaram os nossos órgãos genitais. Eles bateram-nos e deram-nos pontapés até os nossos corpos estarem inchados. Eles bateram-nos na cabeça e obrigaram-nos a fazer um testemunho, fornecendo pormenores sobre coisas que não tínhamos 829 feito…Eles prenderam-nos durante dois meses. - 214 - João Alves Trinidade e os seus amigos ficaram presos na esquadra da polícia de Ermera durante dois meses e depois foram julgados. Começaram a cumprir a sua pena de prisão de 10 830 anos na prisão de Becora, mas fugiram depois do acto eleitoral de 11 de Setembro de 1999. Segundo as informações recebidas, o agente policial T506 também deteve Julito Babo em Darhetu Mate, Ponilala (Ermera, Ermera). T506 levou Julito Babo para a esquadra da polícia de Gleno, onde lhe tirou a carteira, o crucifixo e as roupas. Depois, amarrou-o a uma cruz, fazendo uma paródia a Jesus, e espancou-o até horas tardias da noite. Findo isso, agarrou um lagarto e 831 obrigou Julito Babo a comê-lo e mandou-o lamber restos de comida do chão. A Comissão também recebeu um testemunho que indica que as famílias dos jovens membros da rede clandestina também sofreram prisão arbitrária e maus-tratos. Amália Alexio Martins disse à Comissão que depois dos seus filhos, Eduardo dos Santos e Gaspar dos Santos, serem detidos, o agente da polícia T512 deteve-a e ao seu marido, Pedro Martin, a 16 de Outubro de 1998, em Poetete (Ermera, Ermera) Eles foram arbitrariamente presos na esquadra da polícia de Ermera e foram maltratados — numa tentativa de os obrigar a fornecer provas contras os filhos. Amália Martins disse que T512 a interrogou enquanto lhe batia, puxando-lhe o cabelo, ameaçando despi-la e atirando-a contra a porta. Eles foram libertados passados quatro dias, mas eram obrigados a apresentar-se todos os dias e o agente policial T506 extorquiu-lhes 900 mil rupias, 832 duas cabras, seis galinhas, um cão e dinheiro diário para comprar cigarros. Ataques por altura das eleições nacionais indonésias de 1997 Em 1997, por altura das eleições nacionais indonésias de 29 de Maio de 1997, ocorreu uma * vaga de ataques das Falintil. Segundo a Amnistia Internacional, 42 pessoas, incluindo agentes † da polícia e combatentes das Falintil, foram mortas nesses ataques. Os dois maiores ataques foram contra unidades da Brigada Móvel da Polícia (Brimob): * Segundo a HRW, ocorreu outro ataque relacionado com as eleições nacionais indonésias em Seiçal (Baucau) a 29 de Maio, quando um local de voto foi atacado por um grupo não identificado. Um funcionário eleitoral, Abinau Salay, que era membro da Wanra, foi agredido com um catana e ferido. Dez pessoas foram detidas. Human Rights Watch, Deteriorating Human Rights Situation in East Timor, Arquivos da CAVR in HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html. Segundo João Bosco, ocorreu um ataque relacionado com as eleições em Daraqua (Laga, Baucau) a 27 de Maio de 1997 [Entrevista da CAVR a João Bosco, Quelicai, Baucau, 2 de Setembro de 2004]. † Segundo o coronel da Polícia de Timor Leste Jusuf Mucharam, 17 civis foram mortos pelas Falintil durante o mês de Maio de 1997 (incluindo 10 pessoas em Lospalos, duas em Baucau e duas em Liquiça e uma em Viqueque, uma em Ermera e uma em Ainaro). [AI UA 391/97]. - 215 - • O primeiro ataque foi feito por jovens a favor da independência em Díli, a 28 Maio 1997. Por volta das dez horas da noite, 15 jovens atacaram um posto de guarda da Brimob no * Bairro Pite, um bairro de Díli. Eles feriram cinco agentes da polícia e um dos jovens 833 roubou uma espingarda, que mais tarde atirou para a sarjeta. Cinco dos atacantes foram mortos a tiro no ataque. • O segundo ataque foi feito pelas Falintil a 31 de Maio no subdistrito de Quelicai (Baucau). As Falintil atacaram camiões Hino, que transportavam 26 agentes policiais da Brimob e dois soldados que estavam a entregar uma urna de voto para a contagem em Baucau, e atiraram uma granada para dentro de um camião, provocando a explosão de um bidão de gasolina. Treze das pessoas que seguiam a bordo de um dos camiões morreram queimadas devido à explosão. As Falintil mataram mais quatro pessoas 834 enquanto tentavam fugir. Francisco da Costa, que participou no ataque, descreveu o incidente: Naquela tarde, a Polícia tinha supostamente de devolver as urnas de voto a Baucau para a contagem. Então, a Polícia…carregou vários carros de polícia com as urnas de voto e levou-as para Baucau, com uma escolta de segurança apertada. A meio do caminho, perto do suco de Abafala e de Quelicai, soldados das [Falintil] pararam os carros e atacaram a Polícia, provocando bastantes baixas 835 entre os agentes policiais. O subchefe da Polícia de Timor Leste, o coronel da Polícia Jusuf Mucharam, relatou terem sido feitas cerca de 120 detenções, todas de membros da Resistência, relacionadas com os ataques † e emboscadas em diferentes partes do território. Detenções após o ataque de Díli Os dez jovens que sobreviveram ao ataque em Díli conseguiram fugir do local, mas pelo menos nove deles (nove nomes foram identificado à Comissão) foram posteriormente detidos ou entregaram-se, nomeadamente Francisco da Silva, Reinaldo Marçal, Adalio Barreto, Domingos Barcos, Abeto Soares, Frederico Soares, João da Cunha, EIgidio da Cunha, Francisco da Conceição, Romeo da Conceição e Mariano Soares. David Dias Ximenes, considerado o cérebro 836 que planeou o ataque, também foi detido a 31 de Maio em sua casa. A sua mulher foi presa 837 pouco depois. Outros civis que não haviam participado no ataque também foram detidos, e não apenas na área de Díli. Francisco Carceia Correia e um homem chamado João foram 838 detidos em Manatuto. Todos os presos conhecidos pela Comissão (excepto João, de Manatuto, que foi preso em Manatuto) foram levados para a Polícia distrital de Díli. Foram interrogados e sofreram tortura e 839 maus-tratos. Francisco Carceia Correia disse à Comissão ter sido espancado e pontapeado 840 por cinco agentes da polícia e depois colocado num saco e pendurado. Romeo da Conceição, um dos que se entregaram na Polícia distrital a 31 de Maio de 1997, disse à Comissão: * Segundo Romeo da Conceição, (HRVD, Testemunho nº 5074) os jovens actuavam sob ordens de Kaixa Koto Morok; segundo Reinaldo Marçal, actuavam sob ordens de Xanana Gusmão e de Taur Matan Ruak; e segundo Mariano, actuavam sob ordens de Taur Matan Ruak e do Comandante da Região II, Sabica. † “Foram detidas 26 pessoas que lançaram um ataque contra a Companhia A da Brigada Móvel da Polícia, Brimob, no Bairro Pite, Díli (28/5)” [Apakabar Online news service, [email protected] 9 de Junho de 1997]. - 216 - Eles praguejaram contra nós e mandaram-nos despir as roupas. Depois, bateram-me na virilha e um agente da polícia, M283, electrocutou-me. À hora das refeições, mandavam-nos dançar antes de nos deixarem comer. Eles prenderam-nos e torturaram-nos durante seis meses. Em de Janeiro de 1998, transferiram-nos para a Prisão de 841 Becora e os guardas de lá também nos torturaram. Os interrogatórios das nove pessoas suspeitas de terem perpetrado o ataque foram realizados pela Polícia distrital e pelos serviços de informação. Mariano da Costa Sarmento Soares, por exemplo, foi interrogado pelo agente policia indonésio T515, pelo tenente T516 e por um agente 842 dos serviços de informação chamado T517. David Ximenes, por ser suspeito de ter organizado o ataque, foi interrogado por uma equipa militar de Jacarta, que incluía o comandante militar de Timor Leste, o major-general T518. Pouco depois da detenção de David Ximenes, a Brimob também deteve a sua mulher e os seus filhos e levou-os para a esquadra da polícia distrital. Segundo Reinaldo Marçal, depois de serem interrogados pela Polícia, foram levados para o quartel-general do SGI para serem interrogados pelo Kopassus. Os membros do Kopassus agrediram-nos com uma espingarda e esmagaram-lhes os pés debaixo da perna de uma cadeira enquanto lhes perguntavam quem estava por trás do ataque. Os homens responderam que tinham sido eles próprios a organizar o ataque: Eles disseram: “Não acreditamos. Alguém o deve ter ordenado e nós não o conhecemos”, e depois continuaram com a tortura. Eles disseram: “Têm de dizer a verdade, 843 senão levamo-los para Tacitolu esta noite.” Os membros do Kopassus levaram-nos para Tacitolu, onde os ameaçaram, antes de os levarem de volta à Polícia distrital. Eles voltaram a ser interrogados enquanto eram pontapeados, espancados com um taco de madeira e ameaçados de morte por serem traidores. O interrogatório, a tortura e os maus-tratos continuaram durante uma semana, até eles serem obrigados a assinar uma carta escrita pelos seus captores. Eles assinaram-na porque se 844 sentiram ameaçados pelos guardas armados. Os presos foram então enviados para a Prisão de Becora, onde passaram um mês na cela escura. Foram maltratados pelos guardas de Becora e por T519, um indonésio. Foram obrigados a despirem-se, ficando apenas com a roupa interior. Foram espancados, pontapeados e 845 submetidos a choques eléctricos. Nove dos suspeitos perpetradores foram julgados e condenados a dez anos de prisão. Foram 846 presos em Becora. David Ximenes foi libertado sem julgamento passados alguns dias. Detenções após o ataque em Quelicai (Baucau) O ataque em Quelicai, em Maio de 1997, também desencadeou uma repressão militar que implicou a prisão arbitrária e a tortura de pessoas suspeitas de terem perpetrado os ataques, de pessoas suspeitas de os terem organizado, de membros conhecidos do movimento clandestino e * de civis, nos subdistritos de Quelicai e de Vemasse, em Baucau. A operação resultou na * Também ocorreram detenções relacionadas com o ataque em Díli — David Dias Ximenes e a sua mulher — e em Ainaro — Francisco Magno, José Acácio e a sua mulher (Acção Urgente da Amnistia Internacional 391/97). - 217 - detenção (e homicídio), a 25 Junho de 1997, do alto comandante das Falintil, David Alex, que os * militares consideravam ser o cérebro por trás do ataque, e de seis outros. Na maioria das detenções relatadas à Comissão, os militares trabalharam em conjunto com a Tim Saka, por vezes acompanhadas por membros da Tim Rajawali, da Brimob ou Hansip. Se a detenção fosse de um suspeito de ter perpetrado o ataque, era feita por um grupo grande, composto por membros de várias instituições. Os presos eram levados para o Koramil de † Quelicai, a Polícia distrital de Díli ou para a esquadra da polícia distrital de Baucau, e muitos 847 eram transferidos entre diferentes locais de detenção para serem interrogados. O interrogatório dos presos costumava ser realizado pelo comandante do Koramil ou por comandantes da Tim Saka, nomeadamente T520 e T521, e eram acompanhados de tortura e maus-tratos às mãos de membros da Tim Saka ou da Polícia. Não se conhece o número exacto de detenções relacionadas com o ataque, embora se saiba que 19 pessoas acabaram por ser acusadas e que uma morreu. Também foram detidos muitos civis de sucos do subdistrito de Quelicai, que não tinham participado no ataque e foram presos 848 durante um curto período, apenas para serem interrogados. Constâncio Gaio, por exemplo, disse à Comissão que era agricultor e criador de gado, mas foi detido quando soldados das ABRI vieram de Baucau para recolher os cadáveres dos membros da Brimob mortos no ataque. Ele foi levado para a esquadra da polícia do distrito de Baucau, onde foi espancado, pontapeado e golpeado com uma espingarda e depois interrogado sobre o ataque. Constâncio Gaio foi 849 libertado passados três dias. Os suspeitos de participação directa ou indirecta no ataque foram presos durante períodos mais 850 longos. O membro do movimento clandestino Luís Maria da Silva (Maukiak) foi detido, juntamente com vários outros, a 5 de Junho de 1997 por membros da Brimob, da Polícia, da Tim Sera, da Tim Rajawali e pelo comandante T521 da Tim Saka e o seu adjunto, T523. Francisco 851 da Costa, que participou no ataque, foi detido a 6 de Junho de 1997. João Bosco foi detido na 852 igreja, à saída da missa, a 8 de Junho de 1997 por membros do Koramil e da Tim Saka. Os três foram inicialmente levados para o Koramil de Quelicai, onde foram espancados e torturados por comandantes da Tim Saka, incluindo T521. João Bosco também foi espancado no Koramil, por soldados do Koramil e por T524, um agente timorense dos serviços de informação. Francisco da Costa descreveu a tortura que sofreu às mãos dos membros da Tim Saka durante dois dias: Eles agarraram num pedaço de madeira e amarram-no entre as minhas pernas. Depois, espancaram--me e deram-me pontapés. Os meus ossos partiram-se e eu não conseguia mexer o queixo porque estava inchado e fraco. Eu sangrava, mas eles continuaram a espancaram-me até todos os meus dentes estarem partidos e espalhados no 853 chão. Eles torturaram-me durante dois dias. Os presos foram então transferidos do Koramil para a esquadra da polícia de Baucau. Luís Maria da Silva passou apenas duas horas no local, tendo sido espancado pela Polícia antes de ser transferido para o Rumah Merah, onde permaneceu seis dias e foi espancado por membros das forças militares. Francisco da Costa e João Bosco passaram vários dias na esquadra da polícia e João Bosco disse ter sido torturado pelo capitão indonésio da Polícia subdistrital, T525. A 11 de Junho de 1997, os três, juntamente com Marcus Ximenes, Mário Filipe e Januário Martins, foram * HRVD, Testemunho nº 7681; Human Rights Watch, Deteriorating Human Rights Situation in East Timor , Arquivos da CAVR in HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html. Segundo a Amnistia Internacional, Manuel, José António Belo, Cesário da Costa, Gil da Costa e Guilherme dos Santos também foram detidos com ele. ASA 21/54/97. † Segundo a HRW, as pessoas detidas a 5 de Junho foram levadas para o Kodim [Human Rights Watch, Deteriorating Human Rights Situation in East Timor, CAVR Archive at HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html]. - 218 - transferidos para o quartel-general da Polícia regional, em Díli, onde ficaram presos e foram * interrogados durante vários meses. Mário Filipe descreveu a rotina de interrogatório na esquadra da polícia distrital de Díli: O método de interrogatório era uma pessoa fazer as perguntas e quatro pessoas torturarem-me. Enquanto uma pessoa me interrogava, as outras quatro davam-me pontapés à frente, nas costas e de lado, para que eu não pudesse falar calmamente. Eles alimentavam-me uma vez por dia. A Cruz Vermelha visitou-me. Um dia, antes de a Cruz Vermelha vir, eles limparam todas as salas e deramme três refeições por dia. Mas depois de a Cruz Vermelha se ir embora, eles voltaram aos velhos costumes. Eles deixavam-nos dormir no chão numa sala suja e, por vezes, 854 nem nos davam de comer. As condições na esquadra da polícia distrital eram particularmente desumanas, talvez por a Polícia querer vingar os seus mortos. As vítimas descreveram o tratamento recebido: Eles despejavam a comida no chão e pediam aos 855 prisioneiros para o lamberem até ficar limpo. Por vezes, misturavam a comida com fragmentos de vidro e obrigavam as pessoas a comer. Também obrigavam os prisioneiros a rebolar no chão até o secarem, como se 856 fossem esfregonas humanas. Após o período passado na esquadra da polícia distrital, os membros do movimento clandestino de Baucau foram novamente enviados para a esquadra da polícia de Baucau, onde ficaram presos até ao julgamento. Francisco da Costa permaneceu seis meses preso pela Polícia em 857 Baucau. Dezanove pessoas acabaram por ser julgadas em Baucau e a Comissão tomou conhecimento † de que uma delas, Januário Martins, morreu na prisão. Dos sobreviventes, 16 receberam penas entre nove e 15 anos de prisão; José Maria e Francisco da Costa foram condenados à pena de morte. Dezasseis foram enviados para Kalisosok, em Surabaya (Java Oriental, Indonésia), depois de aceitarem a sentença. Francisco da Costa e Luís da Silva recusaram-se a aceitar as 858 suas sentenças e permaneceram em Baucau até 1999. Uma síntese da experiência de prisão e tortura de Luís Maria da Silva realça o padrão familiar da deslocação de presos entre vários locais, a relação próxima entre os militares, a Polícia e as milícias locais na prisão, interrogatório, tortura e maus-tratos dos presos e a utilização quase 859 rotineira de tortura durante os interrogatórios: Prisão Quelicai Koramil Duração 1 dia Tortura/Maus-tratos “Eles espancaram-me, bateram-me e deram-me pontapés até o meu corpo estar inchado e eu desmaiar” Perpetrador Comandante T521 da Tim Saka Polícia Polícia do 2 horas Espancamento e agressão. subdistrito de Baucau Rumah 6 dias “Eles espancaram-me, deram-me pontapés e pisaramMilitares Merah, me até a minha boca, nariz e orelhas sangrarem. Eu Baucau fiquei inconsciente. Quando acordei, voltaram a * Francisco da Costa diz que foi mais do que um mês, Luís da Silva ficou dois meses preso e João Bosco disse à espancar-me.” Comissão que todos ficaram três meses presos. † Segundo João Bosco: “Eles espancaram Januário até à morte quando chegaram ao Quartel-general Regional da Polícia [Polda] de Díli, a 11 de Junho de 1997.” [Entrevista da CAVR a João Bosco, Quelicai, Baucau, 2 de Setembro de 2004]. - 219 - Merah, Baucau Polícia do distrito de Díli 2 meses Polícia do subdistrito de Baucau 1 mês Prisão de Baucau Cumpriu sentença me até a minha boca, nariz e orelhas sangrarem. Eu fiquei inconsciente. Quando acordei, voltaram a espancar-me.” “Antes de entrar na minha cela, eles amarram-me as mãos com uma corda e espancaram-me, arrastaram-me e atiraram-me, com mais seis pessoas que eu não conhecia, para a casa de banho.” “Eles agrediram-me e espancaram-me até o meu corpo ficar inchado. Despejaram água quente em cima do meu corpo. Um agente da polícia deu-me arroz misturado com pedaços de agulhas e fragmentos de vidro.” Polícia Polícia Além dos que foram detidos em Baucau, a Comissão tomou conhecimento da detenção de um membro destacado do movimento clandestino em Díli. Vasco da Gama (Mauleki), um líder clandestino, foi detido em Junho de 1997, sob suspeita de ter ordenado o ataque de Quelicai e por outras alegadas actividades clandestinas. A detenção foi feita por membros da Rajawali, do Kopassus, da Polícia e do Koramil, sob ordens do capitão T527 de Kupang e do seu adjunto timorense, T528. Eles vendaram os olhos de Vasco da Gama com um pano negro, amarraramlhe as mãos e espancaram-no durante todo o caminho, desde sua casa até à esquadra da polícia. Eles interrogaram-no sobre o ataque à Brimob e sobre quem ordenara o boicote às eleições. Vasco da Gama (Mauleki) afirmou à Comissão: Eu não confessei. Por isso, assim que cheguei à entrada da esquadra da polícia, meteram-me dentro de um bidão cheio de água e fizeram-no rolar. Depois, com o meu corpo todo inchado, puseram-me numa cela para ser interrogado. Quinze minutos depois, começaram a espancar-me e a dar-me pontapés e algemaram as minhas mãos. Alguém amarrou as minhas pernas à cadeira. Não sei quem foi porque tinha os olhos cobertos 860 com um pano negro. No dia seguinte, Vasco da Gama continuou a ser interrogado pelo sargento-mor da polícia de Kupang T529, e pelo tenente-coronel T530, que queriam obter informações sobre diferentes líderes clandestinos que se encontravam no interior e em Díli. Vasco da Gama foi acusado de dar 9 milhões de rupias ao movimento clandestino para financiar uma manifestação. Como Vasco da Gama não confessou, T529 começou a espancá-lo com um cacete de ferro e com a coronha de uma espingarda e a pontapeá-lo. T529 pôs uma arma na boca de Vasco da Gama e ameaçou-o de disparar caso ele não dissesse nomes. Quatro dias depois, o coronel indonésio 861 T531 interrogou-o novamente sobre os nomes de outros membros do movimento clandestino. - 220 - Polícia Tal como os estudos de caso acima demonstram, a Polícia começou a ter um papel mais activo na detenção e prisão de suspeitos por motivos políticos na década de 1990, tanto a nível local nacional como a nível nacional. Uma razão para isso foi a “normalização” da província de Timor Leste, o que significava, em parte, que o território já não era uma zona de guerra e, por conseguinte, que a Polícia tinha mais responsabilidade de assegurar a segurança. Desde tão cedo como 1983 — quando os presos políticos começaram a ser julgados — que eles e os seus ficheiros eram entregues ao sistema de tribunais para serem processados (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos). Tratamento dado aos presos pela Polícia No entanto, ser-se detido pela Polícia não significava necessariamente que se fosse melhor tratado. Raramente eram utilizados mandatos de captura, os presos eram mantidos incontactáveis durante dias ou semanas e, frequentemente, não tinham acesso a um advogado antes do dia do início do seu julgamento. Os agentes da polícia também foram identificados como perpetradores em vários casos de tortura e maus-tratos relatados à Comissão, tendo sido referidos em casos em que os presos eram mantidos em condições aterradoras, sem víveres ou bebida. A Polícia e os militares Em muitos casos, sobretudo até ao início da década de 1990, a Polícia e os militares trabalhavam em conjunto nas detenções e na obtenção de informações. Até 1998, a força policial era formalmente considerada parte integrante das Forças Armadas dentro do sistema indonésio e, geralmente, assumia um estatuto subserviente no sistema. A manutenção da lei e da ordem e a defesa do Estado de direito eram frequentemente tarefas secundárias em relação à concretização de objectivos militares no contexto do conflito (ver Capítulo 3: História do Conflito). O testemunho de Constâncio da Costa dos Santos (Akita) à Comissão ilustra a crescente importância do papel desempenhado pela Polícia. Ele falou à Comissão sobre a sua detenção por ter levado uma bomba da Indonésia para Díli. A bomba iria ser utilizada para fazer explodir um posto da polícia em Setembro de 1997. As autoridades de Timor Leste foram informadas da sua chegada e, quando o barco entrou no porto de Díli, a Polícia, os comandantes do SGI, o então comandante do Kopassus, major-general Prabowo Subianto, o chefe dos funcionários do Korem, tenente-coronel Tono Suratman, e o comandante do Korem, o coronel Sidabutar, *862 estavam à sua espera. Constâncio dos Santos foi detido pela Polícia e levado para a esquadra. No entanto, o interrogatório foi realizado pelo comandante do SGI. Ele foi interrogado desde as dez horas da manhã até às duas horas da manhã do dia seguinte, sobretudo sobre se havia colaboração entre as Falintil e grupos internacionais de terroristas. Como se recusou a responder às perguntas, foi espancado, queimado com cigarros, algemado com as mãos atrás das costas e mandado segurar uma lista telefónica pesada. Segundo Constâncio dos Santos, os agentes da esquadra da polícia subdistrital não participaram nos maus-tratos. * Durante a sua viagem de barco desde Semarang, outra bomba explodiu acidentalmente dentro da casa de membros do movimento clandestino em Demak, Semarang. Devido a esse incidente, a Polícia e as Forças Armadas de Timor-Leste foram informadas de que Constâncio dos Santos se dirigia de barco para Díli e esperaram por ele no porto. - 221 - No dia seguinte, Zacky Anwar Makarim, chefe da Agência de Serviços de Informação das Forças Armadas (Badan Inteligensi ABRI, BIA), veio de Jacarta para ver Constâncio dos Santos. Constâncio disse à Comissão que quando os membros do SGI o levaram ao encontro de Zacky Anwar, o capitão da polícia não concordou em libertá-lo da tutela da Polícia. Ele acabou por concordar, sob a condição de alguns membros da polícia acompanharem os membros do SGI à casa do chefe das forças militares. Constâncio dos Santos foi levado da esquadra subdistrital para a casa do comandante, onde jantaram. Eles conversaram bastante e ele recorda: Fiquei surpreendido com o que Zacky nos disse porque ele falou sobre as actividades do movimento em Java como se fosse timorense. Ele sabia tudo. Sabia tudo sobre as actividades do movimento em Java e os seus laços com Díli, os grupos da Resistência, as organizações estudantis e outras organizações em Java. Após o “interrogatório”, ele foi novamente levado para o quartel-general da Polícia subdistrital, onde ficou dois meses preso. Quando membros do SGI perguntaram ao capitão da polícia se podiam levar Constâncio dos Santos para ser interrogado durante a noite, ele não lhes deu autorização para o fazer. Os agentes da polícia disseram a Constâncio que ele poderia ter “desaparecido” se tivesse sido o SGI a detê-lo em vez da Polícia. Liquiça, Julho de 1997 A Comissão recebeu testemunhos sobre detenções feitas após as Falintil matarem três membros da Rajawali no suco de Darulete (Liquiça, Liquiça) em meados de Julho de 1997. Membros da comunidade de Maumeta (Bazartete, Liquiça) descreveram como os membros do Kodim de 863 Liquiça e do SGI detiveram civis que suspeitavam ter participado no ataque. Os detidos foram 864 865 levados para a esquadra da polícia do subdistrito de Liquiça, para o Koramil de Liquiça e 866 para o Kodim. Jacinto da Costa, um dos presos, descreveu a sua detenção e subsequente interrogatório e tortura: - 222 - Na quinta-feira 31 de Julho de 1997, às duas horas da tarde, os membros do Kodim T532 e T533 lideraram cerca de 20 soldados das ABRI até minha casa. T533 pediu-me o cartão de identificação e eu mostrei-lho. Depois, disseme para entrar num camião Hino, onde vi que já estavam oito companheiros meus, incluindo Marcelino, Adelino Vidigal, Silvino dos Santos, António de Jesus, Guilherme, Armindo e António Vidigal. Eles levaram-nos para o gabinete do suco em Darulete. Quando saímos do camião, T534 rasgou a minha camisa. Ele mandou-nos voltar para o camião e levou-nos para o Kodim 1638 em Liquiça, onde fomos interrogados por 10 membros do SGI e fui separado dos meus companheiros. Eles levaram-me para o Koramil e puseram-me numa sala. T534 obrigou-me a despir toda a roupa, excepto a interior. Pouco depois, chegaram entre 10 e 15 membros do SGI, que me espancaram com espingardas, me esbofetearam e me esmurraram e me bateram na cabeça com bambu até eu sangrar. Eles perguntaram-me onde estavam as Falintil. Eu disse que não sabia e eles torturaram-me. Eles cortaram a minha cara com uma navalha e espancaram-me, deram pontapés, bofetadas, murros e pontapés sem parar, 867 durante três dias. Depois de serem interrogados e torturados, Jacinto da Costa e Silvino dos Santos foram levados para o suco de Darulete por quatro membros do SGI e da Rajawali. Ficaram lá presos durante dois dias sem serem alimentados e depois foram deixados ir para casa. Porém, no dia seguinte, a Rajawali foi buscar os dois homens e levou-os para o Kodim de Liquiça e depois para o Koramil de Liquiça, onde os militares voltaram a mandá-los despir-se até ficarem apenas com a roupa interior e os soldados os espancaram, pontapearam, esbofetearam e esmurraram. Jacinto da Costa disse à Comissão que um membro das ABRI, T535, o pontapeou até ele perder a consciência. Quando acordou uma hora depois, o seu rosto tinha sido cortado com uma navalha e furado com pregos. Passados alguns dias, os dois voltaram a ser deslocados para a esquadra da polícia do subdistrito de Liquiça, onde ficaram presos durante quatro meses e 18 dias. Por último, foram transferidos para a prisão de Becora, onde a cabeça de Jacinto da Costa foi rapada 868 e ele foi interrogado. Ele permaneceu sete meses na prisão de Becora. Dois incidentes das Falintil em Alas (Manufahi), finais de 1998 Em Outubro e Novembro de 1998, dois ataques aos militares indonésios em Manufahi levaram a uma dura reacção militar e a vários casos de prisão, tortura e maus-tratos de civis. Muita da violência foi perpetrada pela milícia Ablai, com o apoio dos militares prenunciando a violência que viria a acontecer em 1999. O primeiro ataque O primeiro ataque foi o homicídio espontâneo de três pessoas durante uma reunião entre a comunidade de Weberek, suco de Dotik (Alas, Manufahi) e as Falintil, sob a liderança do comandante das Falintil T536, a 28 de Outubro de 1998. Segundo Alexandre da Costa, dois soldados do Kopassus chegaram de carro e, quando insistiram em passar, as Falintil tiraram-lhe as armas. Mateus da Costa Amaral disse à Comissão que quatro soldados do Kopassus foram capturados por jovens pró-independência durante a reunião. Três dos cativos foram mortos; um 869 conseguiu escapar e relatar o incidente a Díli. - 223 - Na noite do dia do ataque, uma força combinada de militares, da Brimob, de Bimpolda e T537, um membro do Koramil, atacou Weberek. A Comissão tomou conhecimento de que 16 pessoas foram presas depois deste ataque, embora só tenha recebido os nomes de cinco: Mateus da * Costa Amaral, Alexandre, João Maia, Patrício da Costa e Alexandre da Costa. É possível que duas jovens do sexo feminino, Vicentina Fernandes e Etelvina Fernandes Dias, também tenham sido detidas. Mateus da Costa disse que ele e outros três foram atirados para um camião Hino e espancados antes de serem levados para a esquadra da polícia subdistrital de Same. Foram atirados para um galinheiro, onde permaneceram até serem levados para interrogatório. Mateus da Costa afirmou à Comissão: Um membro da Brimob entrou e puxou uma mesa para pôr em cima dos dedos dos nossos pés. Eles interrogavam um de nós enquanto espancavam os outros quatro com as espingardas. Eles desnudaram-nos e mandaram-nos esfregar os corpos contra as paredes. Depois, mandaram-nos ajoelhar e deram-nos pontapés. Um soldado [indonésio], T538…perguntou: “Reconhecemme, ou não?” (Fez esta pergunta três vezes). Eu disse: “Não!” Então, ele sacou da faca e cortou as minhas orelhas. Como não ficaram completamente cortadas, ele puxou-as até as arrancar completamente. Ele golpeou o meu peito, pôr a arma dele na minha boca, despiu-me, deu-me pontapés e espancou-me…até eu cair no chão. Ele descansou um pouco até agarrar na cauda de uma raia venenosa e a esfregar na minha nuca. Ele mandoume ajoelhar e obrigou-me a cheirar fezes humanas e a lamber fezes na retrete. Depois, chegou um agente da polícia de Bali com comida e água quente e disse-me: “Reza no teu coração.” † Membros da Nanggala e Milsas vendaram-me os olhos e levaram-me de jipe para a ponte de Bolmeta, em Same. Eles pararam para me matar, mas o comandante falou de repente através do rádio e disse-lhes para não me matarem. Eles levaram-me de volta para Same e trataram as minhas feridas. Às quatro horas da manhã, levaram-me para a esquadra da polícia de Same e deram-me roupas 870 para vestir. Alexandre da Costa disse ter sido detido no dia seguinte, 29 de Outubro, quando foi entregar alguns objectos à Igreja de Dotik. Soldados das ABRI de Dotik perseguiram-no e alvejaram-no, mas não lhe acertaram. Quando o apanharam, detiveram-no e espancaram-no com a coronha de uma espingarda, pontapearam-no e esmurraram-no até ele ficar por terra e a sangrar. Depois, atiraram-no para um buraco e despejaram-lhe água quente por cima. Arrastaram pelo cabelo e queimaram-lhe a pele. Depois, os soldados levaram-no para junto dos outros presos na 871 esquadra da polícia de Same. . A 20 de Novembro de 1998, alguns dos presos foram libertados e seis outros foram levados para 872 a esquadra da polícia distrital de Díli, onde ficaram nove meses presos, até Julho de 1999. * Outras vítimas referidas também foram referidas em testemunhos sobre o ataque ao Koramil de Alas, 12 dias depois. Milsas é uma abreviatura de “militerisasi”, que significa militarização. Os Milsas eram antigos Hansip que após passarem três meses em Bali e Java, se tornavam membros das Forças Armadas [ver Capítulo 4: Regime de Ocupação]. † - 224 - O segundo ataque O segundo ataque ocorreu quase duas semanas depois, a 9 de Novembro de 1998, e foi * realizado pelas Falintil e por aldeões locais. Segundo a Human Rights Watch, o ataque tinha por objectivo a captura de Siswanto, o funcionário que conseguira escapar de Weberek. O grupo atacou o Koramil de Alas e matou três soldados indonésios, levou 36 espingardas e, pelo menos, treze soldados (sobretudo timorenses) consigo para as montanhas, onde ficaram duas noites, † até serem libertados. O ataque ao Koramil de Alas, como os ataques ocorridos 16 anos antes ao Koramil de Hatu-Builico, desencadearam retaliações graves dos militares indonésios, 873 incluindo uma vaga generalizada de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos. Os perpetradores das Falintil foram detidos pelo Batalhão de Fuzileiros 301, pelo Batalhão de Infantaria 744 e pelo Batalhão de Infantaria 745 uma semana depois do ataque e foram levados 874 para o Kodim de Manufahi. Os militares continuaram em busca de outros perpetradores e do paradeiro das armas roubadas. Começaram a deter civis em Alas, bem como quaisquer suspeitos de participação no ataque ou de ligações ao movimento clandestino (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, sobre o homicídio de civis durante esta repressão). Muitos cidadãos de Alas fugiram com medo da iminente reacção militar, lembrando as experiências vividas pelas comunidades no início da década de 1980. Outros foram mandados 875 para a igreja pelo chefe do suco e outros líderes locais. No entanto, a comunidade não encontrou segurança na igreja. O comandante do Koramil de Alas, um oficial timorense chamado T539, foi à igreja pouco depois do ataque e começou a interrogar pessoas sobre o paradeiro das 876 armas. Os soldados das ABRI que o acompanhavam espancaram várias pessoas. 877 878 A 14 de Novembro, o comandante da milícia Ablai de Alas, juntamente com T540, T541, 879 880 T542, T543 e o administrador do subdistrito de Alas, T544, foram à igreja. Deixaram algumas pessoas sair, mas levaram outras para a escola primária de Alas, onde membros dos Batalhões de Infantaria 744 e T434 e o chefe dos serviços de informação do Kodim de Manufahi tentaram novamente descobrir o paradeiro das armas obrigando as pessoas a dizerem onde era 881 o esconderijo. Eles ameaçaram-nas, dizendo que as que não fornecessem informações até às 882 quatro horas da tarde seriam mortas a tiro ou enterradas vivas. O chefe do suco, T541, (alegadamente um comandante da milícia Ablai), juntamente com os membros T550 e T551 da Ablai, importunaram física e verbalmente os presos, insultando-os e puxando os seus órgãos 883 genitais. Os civis foram arbitrariamente presos na escola primária, onde permanecerem cerca de um mês sob condições duras: a alimentação era escassa e não podiam receber visitas de 884 membros da Igreja ou de familiares. A Comissão tomou conhecimento de que, a 17 de Novembro, T541 deslocou um grupo de 885 presos para uma casa vazia , onde o comandante do Koramil T539 e o chefe dos serviços de informação T434 continuaram a torturar e a interrogar os prisioneiros. Flamínia da Costa, uma jovem de 20 anos e membro do movimento clandestino que foi levada para a casa, disse à Comissão que eles foram interrogados sobre o seu papel no movimento clandestino e que foi esbofeteada dez vezes com força até a sua boca sangrar: * Segundo o Testemunho nº 1531 da HRVD, as Falintil foram lideradas pelo comandante T545, T546 e T547. A Human Rights Watch também referiu que era um grupo armado com entre 50 e 80 homens, incluindo alguns membros das Falintil, mas que a maioria eram aldeões da zona do suco de Taitudak (Alas, Manufahi) [http://hrw.org/press98/nov/etimor1123.htm]. † Segundo as informações recebidas, os soldados raptados foram Luís Fasalo, Henriques Morato, José Pereira, Manuel Oliveira, José Conceição, António da Costa, Felisberto, Mateus Conceição, José Fernandes, Tomás Martins e Francisco O.P. Seak (Testemunho nº 9019 da HRVD) e João Baptista e Manuel dos Santos, que ficaram presos durante mais tempo [http://hrw.org/press98/nov/etimor1123.htm; HRVD, Testemunhos nº 1566 e nº 9019]. - 225 - Eles disseram-nos: “Se algum dos soldados de Same desaparecer, vocês serão os alvos. Mesmo que fujam para a região oriental, nós vamos caçá-los e apanhá886 los. Eles foram então levados para o Koramil de Alas, onde permaneceram um mês e foram 887 interrogados por T539 e torturados por T434. Além dos que fugiram para a igreja, muitos outros civis foram arbitrariamente detidos, interrogados e maltratados. As vítimas destas violações relataram a participação de vários perpetradores, incluindo: • Membros do Koramil, incluindo o comandante do Koramil T539, T552, T553 e o chefe da 888 secção de serviços de informação, T434. • Membros da milícia Ablai, incluindo T554, T555 e T556. • Batalhão de Infantaria 744 • Agentes da polícia, incluindo um indonésio chamado T557 e um timorense chamado 891 T558. • Chefes de suco (também referidos como comandantes da milícia Ablai) T541 e T540 • Milsas T559, 889 893 T560 894 890 892 895 e T561. Os presos foram levados para a escola primária, o Koramil de Alas, o posto Nanggala de Alas, a esquadra da polícia, o quartel-general da milícia Ablai e para casas particulares, incluindo a do 896 chefe do suco de Taitudik, T562. A maioria das pessoas ficaram presas e foram interrogadas durante poucos dias, mas algumas ficaram várias semanas presas. Muitas foram espancadas, esmurradas e ameaçadas com espingardas e facas. O Batalhão de Infantaria 744 mandou 897 algumas pessoas procurar as armas desaparecidas. Num certo caso, um homem timorense disse à Comissão ter sido detido a 13 de Novembro de 1998, juntamente com oito companheiros seus. Eles não sabiam nada sobre o incidente das Falintil em Alas, mas foram detidos pelo chefe do suco e comandante da Ablai, T540 e pelo membro da milícia Ablai T556 em Taitudik. Foram levados para a casa de T562 no suco de Taitudik, onde foram espancados e torturados. Na manhã seguinte, foram levados para Beroban, Taitudak (Alas Manufahi), onde soldados do Batalhão de Infantaria 744 e do Batalhão de Infantaria 755 os espancaram, e depois foram novamente levados para Alas, onde os espancamentos continuaram. Eles foram presos na casa do membro da milícia Ablai T554, onde 898 permaneceram seis dias, durante os quais fizeram trabalhos forçados. José Tilman também falou à Comissão sobre a prisão de cinco jovens estudantes do sexo feminino da SMP (escola preparatória) de Alas, que também eram membros do movimento clandestino. Elas ficaram duas noites presas na antiga esquadra da polícia por serem suspeitas * 899 de ajudar as Falintil. Foram presas por membros da milícia Ablai e militares. * Os seus nomes eram Joana Alves, Antonina Alves, Artunisa Fernandes, Anunciação e Filomena. - 226 - 7.4.8 Prisão e tortura perpetradas pelas autoridades indonésias em 1999 Esta secção examina a natureza e a dimensão dos casos de prisão arbitrária, tortura e maustratos ocorridos em 1999. O ano de 1999 é estudado em separado no presente Relatório devido ao conjunto singular de circunstâncias em que as prisões ocorreram: a Consulta Popular que dividiu a comunidade; as técnicas coercivas e violentas de campanha utilizadas, incluindo a tentativa de suprimir o movimento pró-independência e a criação e armamento de grupos milicianos para implementar essas técnicas; o recrutamento em massa, frequentemente forçado, para os grupos milicianos; a presença de funcionários da ONU a partir de Junho para supervisionar o acto eleitoral; e, por último, a extrema violência e devastação que ocorreu após o acto eleitoral. A relutância das autoridades em impedir ou punir aqueles que cometeram actos de violência foi normal, como documentado em secções anteriores do presente subcapítulo e noutras secções do presente Relatório. O que foi invulgar em 1999 foi que essa conduta ocorresse no contexto de um processo sob supervisão internacional e ao abrigo de um tratado internacional que obrigava a Indonésia a garantir que o acto eleitoral decorresse em condições de segurança. A detenção arbitrária, prisão e tortura atingiram o auge desde finais da década de 1970 em 1999. Contudo, os padrões de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos divergiram de anos anteriores em termos de finalidade, forma, alvos e perpetradores. Estes padrões são estudados em pormenor abaixo. As sementes daquilo que acabou por resultar em violência e devastação massivas encontravamse em germinação desde finais de 1998 (ver Capítulo 3: História do Conflito). Foi nesta altura que começaram a redigir-se planos para a criação de milícias — e os principais perpetradores da violência de 1999 já faziam a sua presença sentir-se em finais de 1998. A prisão arbitrária, a tortura e os maus-tratos começaram a aumentar nesta altura, sendo exemplo disso as detenções em massa feitas em Alas (Manufahi). O subcapítulo que se segue estuda alguns padrões gerais de prisão e tortura em 1999, em termos quantitativos e qualitativos, incluindo a maneira como as pessoas eram presas e as razões que levavam à sua prisão. Depois, examina os padrões de prisão e tortura ao longo do tempo, nas seguintes fases: • Novembro de 1998 a Março de 1999, período durante o qual foram redigidos e anunciados os planos para um acto de votação e foram formadas novas milícias • Abril de 1999, quando as milícias começaram a recrutar jovens e a realizar operações por todo o território • Maio de 1999, depois da Polícia indonésia ser responsabilizada pela segurança • Junho a Agosto de 1999, durante a presença da UNAMET e os preparativos para a Consulta Popular • Setembro e Outubro de 1999, após o anúncio do resultado da Consulta Popular Perfil estatístico de prisão, tortura e maus-tratos em 1999 Os padrões de prisão e tortura ao longo do tempo e do espaço em 1999 são quase idênticos aos de outras violações ocorridas no mesmo ano, nomeadamente execuções extrajudiciais e violações sexuais. - 227 - Padrões de prisão e tortura ao longo do tempo O gráfico abaixo mostra os padrões de prisão e tortura em 1999, por mês. Inserir gráfico <gTS_pg4004.pdf>. Segundo as informações recebidas, quase todas as prisões, torturas e maus-tratos ocorreram nos meses de Abril, Maio e Setembro de 1999, como mostra a Figura <gTS_pg4004.pdf>. No entanto, o número de violações começou a aumentar em Janeiro e Fevereiro. Após a chegada da UNAMET, o número de incidentes relatados era relativamente baixo, mas começou novamente a aumentar em Agosto, à medida que se aproximava a data da votação. A incidência de prisão e tortura apresenta níveis muito próximos ao longo do ano e, em alguns meses (Julho e Outubro), exactamente iguais. Isto indica que uma proporção bastante elevada dos presos também sofreu tortura. Padrões no espaço Durante a fase final do conflito, em 1999, 75,1% (9.494/12.634) das violações não fatais relatadas ocorreram na região ocidental. Os dados da Comissão são compatíveis com a afirmação de que as comunidades próximas da fronteira com Timor Ocidental e de Oecusse foram sujeitas a níveis mais elevados de violência em 1999, à medida que as milícias próautonomia e os militares indonésios se retiravam para Timor Ocidental. Table 2 - Distrito Prisão Tortura Maus-tratos Lautém 32 23 19 Viqueque 114 105 22 Baucau 20 10 10 Manatuto 51 33 20 Manufahi 79 72 94 Aileu 104 67 64 Ermera 249 264 266 Liquiça 257 211 182 Díli 195 119 92 Ainaro 90 74 53 Covalima 569 377 367 Oecusse 419 417 488 Bobonaro 497 412 283 Número de casos de prisão, tortura e maus-tratos ocorridos em 1999 registados pela Comissão. Duração da Prisão Em 1999, a duração da prisão de algumas pessoas era significativamente mais curta do que em períodos anteriores. Por vezes, a prisão durava apenas algumas horas, mas durante esse tempo, os presos sofriam tortura, espancamentos ou outras formas de maus-tratos e também recebiam ameaças, que tinham por objectivo persuadi-los a apoiar a opção da autonomia. A finalidade da prisão era com frequência intimidar os apoiantes da independência, não prendê-los por períodos prolongados, e os locais utilizados para prender as pessoas eram centros de detenção improvisados que não serviam para prender muitas pessoas a longo prazo. - 228 - Grupos alvo em 1999 Tanto a investigação quantitativa como a investigação qualitativa da Comissão indicam que os perpetradores da maioria dos incidentes de prisão arbitrária tinham por alvo membros específicos de grupos pró-independência, incluindo o CNRT, grupos estudantis e redes clandestinas e das Falintil. Pessoas que não pertenciam claramente ao movimento próindependência, mas que demonstravam oposição à opção da autonomia também foram sujeitas a violações dos direitos humanos — entre elas contavam-se funcionários públicos, funcionários da UNAMET e membros de partidos políticos locais. Os familiares das pessoas que faziam campanha a favor da independência também foram assediados e, por vezes, presos. Uma prova da perseguição de determinadas pessoas, além da presente nos testemunhos, é que foram presas quase o dobro das pessoas individualmente do que em grupo durante 1999. Isto indica que a pessoa presa era seleccionada para esse efeito e não capturada aleatoriamente numa operação de detenção. Membros do CNRT Victor da Cruz estava a elaborar uma lista com nomes de apoiantes da independência do subdistrito de Balibó (Bobonaro), para enviar para o gabinete do CNRT em Díli. Quando os membros do grupo miliciano Firmi Merah Putih descobriram as suas actividades, ele foi convocado ao posto da Firmi, em Balibó, onde foi espancado por membros da Firmi, incluindo pelo timorense T565. Victor da Cruz ficou duas semanas preso no local e só foi libertado depois de participar numa cerimónia de sangue em que prometeu juntar-se à milícia, juntamente com 15 900 outros. Em Railaco (Ermera), Daniel Ataidi foi mandado fazer cem flexões por um babinsa indonésio, T566, por pertencer à liderança do CNRT. Findo isso, foi levado para um posto onde 901 foi torturado por T566 e por dois membros timorenses do TNI, T567 e T568. Outros relatos de detenções e maus-tratos incluem casos de uma pessoa vestir uma t-shirt do CNRT, outra comparecer a uma cerimónia de abertura do CNRT, outra que era mulher de um membro do 902 CNRT e muitas que eram membros do CNRT. Membros do movimento clandestino Embora a prioridade das autoridades indonésias fosse marcar pessoas como alvos tendo em vista o acto eleitoral que se avizinhava, as pessoas continuaram a ser detidas e presas por manterem contacto com as Falintil. A Comissão recebeu um total de 567 testemunhos sobre a prisão de pessoas identificadas como membros do movimento clandestino em 1999. Os meses das detenções foram Abril e Maio e também Setembro e Outubro, embora num número ligeiramente inferior. Activistas estudantis Os membros do Conselho de Solidariedade dos Estudantes de Timor Leste (Dewan Solitaritas Mahasiswa dan Pelajar Timor Timur, DSMPTT) já faziam abertamente feito campanha a favor da independência desde finais de 1998, indo de suco em suco explicar os benefícios da independência. Justino Ferreira Vicente disse à Comissão ter sido detido em Fatumean (Covalima) e preso com 26 outras pessoas a 23 de Abril de 1999, durante uma investigação ao * DSMPTT, que visitara recentemente Fatumean para fazer campanha a favor da independência. Depois do anúncio do resultado da votação, membros do DSMPTT foram marcados como alvos, mesmo os que tinham fugido para Timor Ocidental. Agnes Lese disse à Comissão que o seu marido, Edmundus Bere, foi capturado por membros da milícia Laksaur a 15 de Outubro de 1999 * HRVD, Testemunho nº 6277. O Testemunho nº 8489 da HRVD descreve como dois carros do foram ao posto local da DSMPTT e alvejaram e feriram dois estudantes universitários. - 229 - Koramil da vila de Suai em Lakmaras, Atambua (Timor Ocidental) e levado para o posto da milícia por ser membro do 903 DSMPTT. Ele foi torturado em Lakmaras e morto a 17 de Outubro. Funcionários da UNAMET A Comissão recebeu pelo menos cinco testemunhos sobre casos em que funcionários locais da UNAMET que trabalhavam para a Consulta Popular, e outras pessoas suspeitas de terem 904 ligações com a UNAMET suportaram ameaças, assédio e espancamentos. Estes casos intensificaram-se à medida que se aproximava o acto eleitoral. Por exemplo, João da Costa disse ter estado preso na esquadra da polícia de Hato Udo (Ainaro, Ainaro) nos dias antes da votação, juntamente com três funcionárias da UNAMET. Depois de o resultado do acto eleitoral ser anunciado, algumas pessoas ligadas à UNAMET foram punidas. Cristina dos Reis Ataíde disse à Comissão que a sua casa em Aisirimou (vila de Aileu, Aileu) foi queimada a 9 de Setembro de 1999 e que ela foi chamada ao Kodim de Aileu e 905 insultada por ser suspeita de estar ligada à UNAMET. Armando do Rego foi preso a 15 de Setembro no suco de Deudet (Lolotoe, Bobonaro) após uma operação conjunta do TNI e da 906 milícia KMP (Kaer-Metin Merah Putih). Ele foi interrogado sobre a UNAMET. Perpetradores Os testemunhos prestados à Comissão descrevem diversas alterações na responsabilidade dos perpetradores, em matéria de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos de pessoas em 1999. Dos actos de prisão arbitrária documentados pela Comissão, a maioria foram atribuídos às forças de segurança indonésias, aos seus auxiliares timorenses, ou a ambos. A maioria das prisões foi atribuída a auxiliares timorenses: dos actos de prisão arbitrária ocorridos em 1999 e documentados pela Comissão, 75,7% (2.104/2.779) foram atribuídos a auxiliares timorenses que agiram sozinhos ou em colaboração com os militares e a Polícia indonésios, enquanto que 19,2% (534/2.779) dos casos documentados de prisão ocorridos em 1999 foram atribuídos apenas aos militares indonésios. Uma proporção semelhante, 82,5% (16.135/19.559) dos casos documentados de tortura e maus-tratos, é atribuída às forças de ocupação indonésias e aos seus auxiliares timorenses. 75,8% (3.278/4.324) dos casos de tortura e maus-tratos relatados foram atribuídos a auxiliares timorenses (agindo sozinhos ou em colaboração com parceiros dos militares e da Polícia indonésios). [Inserir Figuras<gTS_pg6004.pdf> e <gTS_pg10004.pdf> por aqui] Estes padrões estatísticos indicam um planeamento prévio e uma coordenação operacional entre ambas as forças no uso da prisão arbitrária. Como a Figura <gTS_pg400M.pdf> mostra, os actos relatados de prisão arbitrária atribuídos aos militares indonésios e à Polícia, a auxiliares timorenses, ou a ambas as forças agindo em conjunto, estão correlacionados de forma positiva ao longo do tempo, incluindo em 1999. No entanto, em 1999 o papel dos auxiliares torna-se muito mais visível. É assim evidente que, em vez de procurarem controlar os seus auxiliares timorenses (sobretudo as milícias pró-autonomia), os militares indonésios ajudaram e instigaramnas a fazer um uso generalizado da prisão arbitrária no períodos imediatamente antes e depois da Consulta Popular patrocinada pela ONU. [Inserir Figura <gTS_pg400M.pdf> por aqui] Na categoria “colaboradores timorenses dos militares indonésios”, estão incluídos membros de organizações de defesa civil como a Wanra (Resistência do Povo, Perlawanan Rakyat) e membros das 25 milícias identificadas como actuantes em Timor-Leste. A categoria também inclui membros da administração civil, desde administradores de distritos (Bupati) a chefes de suco, muitos dos quais trabalhavam para a causa pró-autonomia em 1999 — quer por livre vontade, ou sob pressão da administração (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação). A Comissão - 230 - concluiu que estes colaboradores foram criados, armados e frequentemente instruídos a perpetrarem as violações pelos militares indonésios. Locais de detenção A investigação qualitativa da Comissão indica que os Koramil, as esquadras da polícia e os postos do TNI foram utilizados de forma generalizada em 1999, tal como acontecera noutros períodos, mas também houve um regresso ao padrão de prisão da década de 1970 — em centros improvisados como postos de milícias recém-construídos, casas particulares e edifícios * públicos, como escolas primárias. A natureza destes centros de detenção influenciou a experiência dos presos. Como estes edifícios eram frequentemente pequenos e não tinham sido construídos para alojar pessoas, os presos eram mantidos em grupos pequenos ou individualmente durante um período curto e depois eram libertados. As condições eram más e muitas pessoas recebiam pouca ou nenhuma alimentação. Alguns presos conseguiam escapar devido à fraca segurança. A Comissão recebeu apenas um testemunho em que um preso relata ter estado em prisões oficiais (lembaga pemasyarakaten, LP) como o LP de Becora, LP da † Comarca, LP de Baucau ou LP de Maliana, em 1999. Razões para prisão e tortura Evidenciam-se vários motivos para a prisão arbitrária, tortura e maus-tratos nos testemunhos prestados à Comissão e nas entrevistas realizadas pelos funcionários da Comissão — e de outras entidades. Antes do acto eleitoral, a principal razão para prisão e tortura referida era coagir a vítima e a população como um todo a rejeitar a opção da independência e escolher ser uma província autónoma da Indonésia. Enquanto parte desta estratégia, o pessoal da segurança indonésia e as milícias que agiam em seu nome detinham pessoas aleatoriamente, ou em reuniões de “socialização”, e interrogavam-nas sobre a sua filiação política. Ao mesmo tempo, membros da milícia afirmavam o seu novo poder sobre a população através de actos aleatórios de violência. Os grupos milicianos eram maioritariamente compostos por jovens do sexo masculino marginalizados ou zangados, ou que tinham relacionamentos antigos com grupos de defesa civil ou paramilitares indonésios. Alguns desses jovens eram simples oportunistas e, neste período de ausência de força de lei e de tensão e violência exacerbada, tiveram rédea livre para fazer o que quisessem com impunidade. De facto, as provas tornam claro que os militares não só permitiam, como encorajavam a brutalidade por parte das milícias. Outras razões incluíam: Recrutamento forçado de milícias Para além do recurso a prisão e tortura com o objectivo de intimidar as pessoas, uma das razões 907 para detenção frequente referida era encontrar novos recrutas para grupos milicianos. Enquanto estavam presas, as vítimas eram obrigadas a juntar-se a vários grupos milicianos — por vezes após participarem num ritual de juramento de sangue ou noutro tipo de cerimónia ‡ tradicional na qual juravam fidelidade à Indonésia e à opção da autonomia — antes de serem * O Tropical, em Díli, foi utilizado pela primeira vez na década de 1970 pelas TNI para prender pessoas e tornou-se conhecido pelas práticas de tortura perpetradas nas suas instalações. A milícia Aitarak e a P P I (Pasukan Pejuang Integrasi, Força de Combatentes pela Integração) sob comando do líder Eurico Guterres reocuparam-na como local de detenção em 1999. † Um testemunho de uma pessoa que esteve presa na prisão de Ermera. ‡ A antiga tradição timorense de beber sangue de cabra, cão, bem como humano, foi utilizada pelo campo pró-autonomia como maneira de reforçar a sua campanha. A Comissão recebeu testemunhos sobre a utilização de cerimónia de juramento de sangue para obrigar pessoas a jurar fidelidade à integração desde 1982 [HRVD, Testemunhos nºs 7161; 5610 e 5592]. - 231 - 908 libertadas. Segundo informações recebidas pela Comissão, houve pessoas de Oecusse a 909 quem foi oferecido dinheiro para aderirem à milícia. Agustino foi preso pela milícia Mahidi no quartel-general de Zumalai (Covalima) devido às suas actividades clandestinas e foi obrigado a fazer um juramento bebendo água na qual fora mergulhada a bandeira indonésia. Depois, foi-lhe dado um uniforme pró-autonomia e tornou-se 910 membro da Mahidi. A comunidade do suco de Saboria (vila de Aileu, Aileu) descreveu a maneira como muitos dos seus jovens foram forçados a juntar-se à milícia AHI (Aileu Hametin Intergrasi, Aileu Fortalece a Integração) durante uma reunião de socialização no suco dirigida pelas TNI, a Polícia e líderes da milícia. Os jovens eram obrigados a juntar-se às milícias em reuniões dos sucos para promover a integração e participarem em rituais de juramento de 911 sangue. As TNI capturaram João Leki, um jovem de Saboria, e levaram-no para o gabinete da AHI, onde o mantiveram durante 24 horas e o espancaram até ele perder a consciência para o 912 obrigarem a juntar-se à milícia. Afirmação da autoridade das forças pró-autonomia sobre as comunidades A Comissão recebeu relatos sobre detenções, prisões e tortura com a aparente finalidade de transmitir à comunidade que os apoiantes da autonomia, mais especificamente os grupos milicianos, tinham poder sobre as vidas dos civis. Muitas destas detenções ocorreram imediatamente após um recrutamento em massa, uma cerimónia inaugural ou outro acontecimento público, no qual os membros das milícias eram incitados a comportar-se de maneira agressiva para com a comunidade. O caso mais famoso foi uma reunião de todas as milícias para a cerimónia de lançamento da organização de cúpula das milícias, a PPI, em Díli, a 17 de Abril de 1999, após a qual as milícias queimaram e saquearam habitações em Díli, 913 incluindo a de Manuel Carrascalão. Retaliação contra ataques da Resistência Como em anos anteriores, em 1999 foram detidas pessoas após ataques da Resistência, ou outros incidentes com forças da oposição, num esforço para encontrar os perpetradores, mas frequentemente também para punir a comunidade do suco no qual o acontecimento tinha lugar. Ocorreram vários incidentes desse tipo, por exemplo, no distrito de Ermera, em Abril de 1999 — que são debatidos mais abaixo. Punição de pessoas que declaravam abertamente o seu apoio à independência Era utilizada força para punir aqueles que declaravam abertamente o seu apoio pelo movimento da independência. Muitos eram espancados, maltratados ou torturados antes de serem libertados e recebiam ameaças graves, quer directas quer às suas famílias. As pessoas identificadas em comícios públicos a favor da independência eram posteriormente detidas e 914 interrogadas. Houve vários relatos sobre apoiantes pró-independência cujas orelhas foram 915 cortadas, aparentemente com o objectivo de os marcar. Outros tinham de provar que tinham mudado de opinião assinando uma declaração (surat pernyataan), ao abrigo da qual se comprometiam a apoiar a autonomia e a denunciar qualquer 916 associação ao movimento pró-independência. A declaração assinada por Alexandre dos Reis no Kodim de Covalima a 26 de Maio afirmava o seguinte: Quando sair, não vou fugir para a floresta. Se fugir, toda a minha família em Zumalai, em Galitas e em Akar Laran 917 será morta. Tenho de apoiar a autonomia. - 232 - Este motivo ganhou força renovada após serem anunciados os resultados do acto eleitoral, a 4 de Setembro de 1999. Os apoiantes da independência conhecidos foram reunidos e torturados e muitos foram executados. Obtenção de informações sobre líderes e estruturas pró-independência Em 1999, as TNI e as milícias continuaram com o padrão existente desde que as forças indonésias invadiram o território pela primeira vez, prendendo, interrogando e torturando pessoas para obter informações sobre o movimento pró-independência e os membros das redes clandestinas. Os membros da comunidade suspeitos de ajudar activistas pró-independência, ou de deter informações sobre o seu paradeiro, foram arbitrariamente detidos. As autoridades também marcaram como alvos membros do CNRT, membros do movimento clandestino e jovens activistas e estudantes, numa tentativa de extrair informação e identificar a liderança do movimento pró-independência. O uso de tortura era frequente para obter essas informações. Transporte de civis e captura de fugitivos Centenas de milhares de pessoas fugiram dos seus sucos após o acto eleitoral. Algumas foram para Timor Ocidental de livre vontade, ou para as montanhas de Timor-Leste, e muitas outras foram obrigadas a atravessar a fronteira. As vítimas relataram terem sido presas, tanto para serem deslocadas à força como enquanto tentavam fugir voluntariamente. Prisões e tortura, Novembro 1998 a Março 1999 Os padrões de prisão, tortura e maus-tratos acima descritos começaram de facto em finais de 1998, à medida que se desenrolavam os acontecimentos políticos que antecederam e sucederam o anúncio da Consulta Popular. Antes do anúncio do acto eleitoral Começaram a ocorrer prisões arbitrárias, frequentemente perpetradas única e directamente pelos militares. Por exemplo, a Comissão tomou conhecimento de um caso ocorrido em Poemate no suco de Atabae (Atabae, Bobonaro) a 9 de Novembro de 1998, em que Jacinto Lobato e três companheiros seus, Ernesto Gaspar, Domingos e Claudino, foram ameaçados com espingardas M-16 por Luís António, um membro do Koramil de Atabae e do Batalhão de 918 Combate Territorial (Batalyon Tempur Teritorial, BTT), sediado em Atabae. Também em finais de 1998, membros das Falintil que participavam numa reunião tradicional na aldeia de Holbese, no suco de Leber (Bobonaro, Bobonaro), foram subitamente cercados por * mais de 20 soldados do TNI e membros do Kodim 1636. Os soldados detiveram pessoas da comunidade de Holbese, incluindo mulheres e jovens. No dia seguinte, toda a comunidade foi punida. Agusta afirmou à Comissão: * Entre os quais: M284, um membro do TNI oriundo de Tapo, M285, um membro do membro do TNI oriundo de Oe-lau. - 233 - TNI oriundo de Holsa, e M286, um No dia seguinte, às oito horas da manhã, toda a comunidade foi reunida e recebeu instruções de Januário, um membro do TNI. Ele insultou-nos, dizendo: “Querem a independência, mas nem sequer conseguem fazer um fósforo. Para que querem a independência?” Alguns companheiros foram detidos e torturados, sendo esmurrados, pontapeados e pisados com botas militares. Os rostos de cinco das vítimas, incluindo o do meu marido José Vicente, ficaram inchados. Eles sangravam da boca, nariz e cabeça e também foram golpeados repetidamente 919 com a ponta de uma faca. Paulo Moreira e Vicente do Rosário falaram sobre a sua detenção em Janeiro de 1999, em Turiscai (Manufahi), por dez soldados do Kopassus e quatro membros timorenses das forças militares: T570, T571, T572 e T573. Os seus captores bateram-lhes na cabeça e nas costas com coronhas de espingarda e depois entregaram-nos ao Koramil. O comandante do Koramil voltou a esbofeteá-los. Depois, os soldados levaram-nos para a base do Batalhão de Infantaria 745, cujos membros os espancaram com tanta violência que partiram a coluna de Paulo Moreira e lhe 920 provocaram ferimentos graves na cabeça, que levaram à perda de audição num ouvido. Os militares também reorganizaram os paramilitares em Baucau (Equipa Saka, Makikit e Tim Sera) e em Lospalos (Tim Alfa) e criaram novas milícias: nomeadamente a Mahidi no distrito de Ainaro, a Halilintar no subdistrito de Maliana (Bobonaro) e a Besi Merah Putih (BMP) no distrito de Liquiça. Os primeiros membros dessas novas milícias eram membros de longa data das forças paramilitares e outros colaboradores dos militares indonésios. Por exemplo, Câncio Carvalho Lopes, o antigo chefe da Equipa dos Voluntários, que tinha perpetrado prisões arbitrárias e tortura de uma maneira generalizada em Ainaro no início da década de 1990, foi o líder da milícia Mahidi. Após a formação das milícias, a prisão arbitrária, a tortura e os maustratos ocorriam com o objectivo de recrutar membros à força e de afirmar a autoridade na região. 921 No início de Janeiro, numa das primeiras reuniões da milícia Besi Merah Putih no suco de Guguleur (Maubara, Liquiça), foram apresentadas planos para as futuras operações da BMP no subdistrito de Maubara. A comunidade de Guguleur descreveu a maneira como, no dia seguinte, os membros da BMP detiveram cinco pessoas e as espancaram. Quatro foram espancadas com 922 tanta força que tiveram de ser hospitalizadas em Díli; a quinta ficou presa no posto da milícia. Grupos grandes, compostos por 30 ou mais membros da BMP, acompanhados por funcionários civis do Koramil, detiveram muitas outras pessoas na área, sobretudo membros do CNRT. A Comissão recebeu um testemunho sobre prisões ocorridas em Gugleur em Janeiro de 1999 e cinco referentes a Fevereiro de 1999. Além destes, foram recebidos outros cinco de Vatuboro, quatro de Vatuvuo e seis de Guico (todos em Maubara, Liquiça). Os perpetradores referidos nestes testemunhos incluem os membros timorenses T574, T575, T576, T577, T578, T579 e 923 T580. Membros dos Gadapaksi e do Batalhão 143 também atacaram o povo de Gugleur com 924 paus e armas afiadas, como lanças e catanas. Muitos aldeões fugiram do subdistrito de Maubara. A Comissão também tomou conhecimento de que 40 membros da milícia Naga Merah atacaram a casa do chefe do suco de Vatuvou, Manuel Almeida. Ele não estava em casa na altura do ataque, mas os jovens atacantes utilizaram facas, pedras, barras de ferro e M16s para destruir a casa e ameaçar a sua família. Três familiares seus foram raptados e levados para o posto Naga 925 Merah no Koramil de Maubara, onde foram torturados. As detenções prosseguiram em Fevereiro. Paulo dos Santos, um antigo membro do movimento clandestino, disse à Comissão ter sido detido por quatro fuzileiros do TNI em Ainaro, a 2 de Janeiro. Eles mandaram-no sair de um miniautocarro público e levaram-no para a base dos fuzileiros, em Cassa (Ainaro, Ainaro), onde - 234 - o espancaram e pontapearam até ele sangrar pelas orelhas; ele ficou inconsciente durante cerca de uma hora. À meia-noite, levaram-no para um edifício perto da ribeira Cassa, com os polegares e os dedos grandes dos pés atados entre si e os olhos vendados. Paulo dos Santos recordou essa experiência: Eles mantiveram-me preso durante dois dias, começando por interrogar-me sobre a minha participação em actividades da independência. Como eu tinha medo, disse-lhes tudo o que tinha feito. Um membro dos fuzileiros avisou-me: “Não voltes a participar em manifestações relacionadas com o referendo, como aconteceu no incidente SP II, onde os jovens espancaram o comandante do SGI, quando o bispo D. Ximenes Belo inaugurou a capela em SP II.” Eu disse que não participaria nessas actividades. Passados dois dias, o meu tio, Agustinho Sarmento, administrador do subdistrito de Hatu Udo, apareceu e conseguiu a minha libertação e levou-me para Hatu Udo, onde fiquei um mês 926 escondido. Após o anúncio de duas opções No dia 27 de Janeiro de 1999, foi anunciada a decisão de um acto de votação referente ao futuro político de Timor-Leste. Foram criadas mais milícias nos distritos e subdistritos de Timor-Leste (para uma lista completa, ver Capítulo 4: Regime da Ocupação). Nas semanas seguintes, a milícia BMP fez algumas detenções em Maubara (Liquiça), actuando sozinha em alguns casos. Por exemplo, Mário da Costa, um antigo membro do CNRT, disse à Comissão ter sido detido na sua casa em Vatuboro (Maubara, Liquiça) a 30 de Janeiro, por dois membros timorenses da milícia BMP, T578 e T579. Foi pontapeado no pescoço e espancado com uma corrente de motocicleta na altura da detenção e depois foi levado para o posto da milícia, onde voltou a ser espancado e foi interrogado por T580, um comandante da milícia. A Comissão recebeu pelo menos cinco testemunhos a descrever casos em que a milícia BMP * colaborou de perto com as TNI, os Gadapaksi e a Polícia em Liquiça. Num dos casos, ocorrido a 16 de Fevereiro de 1999, João Soares foi detido na sua casa em Manukabia (Maubara, Liquiça) por quatro membros timorenses do TNI, T581, T582, T583 e T584, e dois membros timorenses da milícia BMP, T585 e T586. Eles espancaram-no com a coronha de uma espingarda, esmurraram-no e esbofetearam-no, provocando-lhe ferimentos na cabeça. João Soares foi então levado para a esquadra da polícia de Maubara e, pelo caminho, M287 e M288 golpearam-no com uma seta, fazendo-o sangrar profundamente. Ele acabou por ser levado para uma esquadra 927 da polícia em Liquiça, onde ficou preso e foi interrogado durante oito dias. A 5 de Fevereiro, Ana Maria Mouzinho foi detida em Holbolu (Beco, Suai, Covalima), após membros da milícia Mahidi, nomeadamente T587 e T589 (mulher de um funcionário governamental em Raimea) receberem informações fornecidas pelo informador timorense dos serviços de informação T587. Ana Maria foi espancada, agredida com uma espingarda e levada para o quartel-general da Mahidi em Zumalai, onde foi interrogada, ameaçada de morte, novamente espancada com uma 928 espingarda e mandada moer arroz [para as milícias]. Ela ficou dois dias presa. Além de reforçarem a opção da autonomia, os membros recém-recrutados das milícias eram frequentemente mandados fazer algum tipo de trabalho forçado, como limpar, cortar relva, 929 arranjar canos, procurar lenha ou vigiar um posto das milícias. A 11 de Março, Agustino foi capturado por quatro membros timorenses da milícia Mahidi, T590, T591, T592 e T593, em * HRVD, Testemunhos nº 4630; 1001; 0225; 5908 e 2867 (a vítima, Joanico Marçal, foi detida por membros do entregue à milícia BMP). - 235 - TNI e Mape (Zumalai, Covalima). Interrogaram-no durante toda a noite e depois mandaram-no fazer diversas tarefas antes de ser libertado. Ele afirmou à Comissão: Fui mandado arranjar a ponte de Loumea, cortar a relva e cortar madeira para construir o posto da milícia Mahidi em Kulu Oan, Zumalai. A 16 de Março, a Mahidi levou-me para Zumalai, onde fui mandado apanhar beatas de cigarro em redor do quartel-general da Mahidi e escavar buracos. Fiquei uma semana preso no quartel-general da 930 Mahidi. A comunidade de Rai Fun (Maliana, Bobonaro) contou à Comissão que, em Fevereiro de 1999, membros do Kodim de Maliana procuraram especificamente jovens do sexo masculino com o cabelo comprido. Manuel Laka Suri, Domingos Salvador e João Barreto, todos homens com o cabelo comprido, foram capturados e os seus cabelos foram cortados com uma faca. Alguns foram detidos e mergulhados em campos de arroz inundados. Depois, foram desnudados e 931 colocados numa saca escura cheia de água que os impedia de se sentarem ou de dormirem. Dilor, Viqueque, 20 de Março Segundo as informações recebidas, a milícia Tim Makikit começou a recrutar em Março de 1999. A 20 de Março, após uma reunião no posto do TNI em Dilor (Lacluta, Viqueque), os novos recrutas começaram a atacar pessoas e as suas habitações nos sucos em redor, espancando e ameaçando alegados apoiantes da independência. Cerca de 160 pessoas ficaram presas durante um curto período de tempo no Koramil de Lacluta em Dilor e cerca de 500 outras fugiram 932 das suas habitações, com medo. Artur de Carvalho, um apoiante da independência, foi uma das vítimas deste ataque. Ele disse à Comissão que a sua casa em Laline (Lacluta, Viqueque), foi atacada por membros da milícia, que destruíram o telhado, a porta e as janelas. Depois, levaram-no para o Koramil e entregaramno ao membro timorense da milícia T594 e ao comandante do Koramil, o sargento-mor T598. Ele afirmou que, pelo menos, mais 64 pessoas foram presas no Koramil nessa altura. As suas habitações e lojas também foram destruídas. Os presos ficaram 24 horas sem alimentação e foram libertados a 22 de Março de 1999. Artur de Carvalho disse à Comissão que pelo menos uma pessoa, MN, foi maltratada na prisão — arrancaram-lhe as calças e tocaram-lhe nos órgãos 933 genitais. Sete homens timorenses fugiram para a floresta. Quando regressaram duas semanas mais tarde, foram detidos pelos babinsa locais T596 e T597 e levados para o Koramil. O comandante do Koramil, T598, interrogou-os e libertou-os nessa mesma noite. Contudo, no dia seguinte, quando se apresentaram no Koramil, T598 e T600 voltaram a prendê-los. Os homens foram obrigados a trabalhar para os militares durante dois meses e meio, cavando a terra, cortando 934 madeira e bambu, construindo vedações e telhados e plantando legumes. Maliana, Bobonaro, Março de 1999 A 22 de Março, soldados do TNI espancaram em público um líder eminente do CNRT, José Andrade da Cruz, e arrastaram-no pela cidade até ao quartel-general do TNI em Maliana (Bobonaro). O seu espancamento em público serviu de exemplo para outros apoiantes da 935 independência e para instilar um medo generalizado na comunidade. Para escaparem ao agravamento da situação de segurança, muitos membros do CNRT do subdistrito de Maliana procuraram refúgio na esquadra da polícia de Maliana e nas igrejas locais 936 ou fugiram para Díli (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). - 236 - Zumalai, Covalima, Março de 1999 A 23 de Março, Celestino Pereira de Araújo e nove companheiros seus foram capturados pela milícia Mahidi no suco de Julo (Zumalai, Covalima)e levados para a casa de um membro da Mahidi, Vasco da Cruz. Os dez homens foram então entregues a membros do Batalhão de Infantaria BTT 144 que os levaram para o quartel-general do BTT. Foram interrogados, espancados e pontapeados e, de noite, receberam a visita do administrador do subdistrito de Zumalai. Afirmou à Comissão: De noite, o administrador do subdistrito, T601, visitou-nos e perguntou-nos os nossos nomes. Depois, atirou óleo sujo para a minha cabeça e insultou-nos, dizendo: “Vocês têm cara de macacos e querem a independência!” Depois, mandou-nos beber a nossa própria saliva, que tinha sido 937 misturada num copo e nós bebemos, um de cada vez. Prisão e Tortura em Abril de 1999 O número de pessoas presas, bem como o número de vítimas de tortura e maus-tratos, atingiu o auge em Abril de 1999. A maioria das detenções e prisões que implicavam algum tipo de interrogatório ocorreram em Abril e em Maio de 1999. Tal como em anos anteriores, membros do movimento clandestino, ou suspeitos de o serem, foram interrogados sobre as suas actividades, ou dos seus companheiros, 938 na rede clandestina e sobre o paradeiro de familiares seus das Falintil, ou o grau de contacto 939 que mantinham com eles. Alguns foram interrogados sobre o paradeiro de membros 940 941 específicos das Falintil ou de esconderijos de armas. Foram formadas novas milícias, como a Sakunar em Oecusse, e foram inauguradas formalmente milícias que haviam sido formadas anteriormente. Por exemplo, a milícia Laksaur foi formada em Janeiro, mas só começou a realizar operações em grande escala e a recrutar membros 942 intensivamente em meados de Abril, quando foi formalmente inaugurada. A milícia Mahidi, que actuava sobretudo no distrito de Ainaro, também tinha uma filial no subdistrito de Zumalai (Covalima), liderada por Vasco da Cruz e Domingos Alves, ambos chefes 943 944 de suco. Esta filial também deteve pessoas e levou-as para o quartel-general de Zumalai. 945 M122 participou directamente nas prisões e em alguns espancamentos dos presos. A Comissão recebeu sete testemunhos sobre pessoas presas pela milícia Mahidi — todas foram ameaçadas, espancadas e até mesmo torturadas e posteriormente obrigadas a juntar-se à 946 milícia Mahidi. Liquiça, Abril de 1999 Na primeira semana de Abril, a milícia BMP, a Polícia e os militares realizaram uma operação conjunta para encontrar as pessoas pró-independência nos subdistritos de Liquiça e de Maubara. Domingos de Jesus da Costa, por exemplo, contou como ele e nove outros de Lailok Lara, no suco de Dato (Liquiça, Liquiça) foram presos a 5 de Abril por uma força conjunta composta pelo membro timorense do Kodim T612, os soldados timorenses T613 e T614, os agentes da polícia timorenses T615, T616, T617 e T618, o membro timorense do Koramil T619 e o funcionário civil T620. Ficaram várias horas presos, durante as quais foram obrigados a deitarse no meio da estrada principal. Uma vítima, Fernando da Costa, foi espancada com a coronha 947 de uma espingarda. - 237 - Segundo Mamo Ana, no mesmo dia, ela e a sua família foram atacados por quatro membros da milícia BMP em Fukelara, no suco de Dato. A milícia matou o seu marido, Maubusa, e levou-a e à família para o Kodim 1638 de Liquiça, onde os prendeu durante um dia e uma noite. No dia seguinte, o Bupati de Liquiça, T621, e membros do Kodim de Liquiça, deslocaram a família para 948 Maubara, onde esta permaneceu durante um mês. A 6 de Abril de 1999, a população fugiu para procurar abrigo na Igreja de Liquiça. A milícia BMP reuniu-se do lado de fora da igreja e começou a florestar muitos dos que lá se encontravam refugiados, enquanto membros do TNI e da Polícia se limitavam a assistir (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Além dos que morreram, muitos sofreram maustratos e abusos. Remiro Ximenes dos Santos, com 71 anos na altura do massacre, recordou: A 6 de Abril, fugi para a Igreja de Liquiça porque a milícia BMP estava a realizar uma operação na área de Liquiça e a fazer brutalidades para encontrar pessoas próindependência. Quando cheguei, fiquei em frente à igreja e vi membros da milícia BMP dirigirem-se à igreja, por isso entrei na cozinha da paróquia de Liquiça para ir buscar uma faca para me defender. Mas, subitamente, tinha um membro da milícia BMP atrás de mim, que começou a bater-me com um pedaço de madeira nas costas e eu desmaiei. Depois, ele cortou a minha cara com uma faca, rasgando a minha pele e fazendo-a sangrar. Ele deixoume ali, inconsciente e a sangrar na Igreja de Liquiça. A minha mulher chegou e levou-me para o Kodim de Liquiça…onde um soldado chamado Mateus me deu uns 949 panos para a minha ferida e me mandou para casa. Após o massacre, a milícia BMP continuou a capturar apoiantes da independência por todo o distrito. A comunidade de Loidahar (Liquiça, Liquiça) disse que 50 pessoas do suco foram presas e torturadas por membros da BMP. As raparigas eram regularmente obrigadas a participar em 950 danças com a milícia. Muitas das pessoas ficavam inicialmente presas em casa do 951 administrador do subdistrito de Liquiça, T621 , e depois eram transportadas para a cidade de 952 Maubara, onde ficavam cerca de dois meses presas no quartel-general da BMP. Em Abril de 1999, após o massacre, alguns jovens de outras áreas juntaram-se à milícia Aitarak 953 para se salvarem. Ermera, Abril 1999 Ermera foi palco de violações graves dos direitos humanos em 1999, incluindo um grande número de homicídios (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Foi também um dos distritos que relatou dos mais elevados números de prisões em 1999 — fazendo referência a 235 incidentes nos 220 testemunhos prestados à Comissão. Havia cinco milícias actuantes em Ermera e o movimento pró-independência era muito activo no distrito. A Comissão tomou conhecimento de que membros do CNRT prenderam toda a população da aldeia de Ilimanu no gabinete do suco de Manusae (Hatulia, Ermera) a 1 de Abril, mantendo-a lá durante uma semana. Eles espancaram os membros do grupo do sexo masculino 954 por suspeitarem que pertenciam à milícia Naga Merah. Em Abril de 1999, no subdistrito de Railaco, Dinis dos Santos e 43 outros membros do CNRT escreveram uma declaração ao governador do distrito de Ermera, na qual exprimiam a sua rejeição da autonomia. Os apoiantes da autonomia e as autoridades indonésias reagiram a estes actos. A 14 de Abril, a 955 milícia Naga Merah deteve membros do movimento clandestino e civis no suco de Manusae. A - 238 - 26 de Abril de 1999, o SGI mandou todos os residentes de Kukara, suco de Manusae, reuniremse para serem instruídos. Dois membros do movimento clandestino, chamados Marito e António, 956 foram então detidos e espancados. Em Railaco, o comandante do Koramil, T668, deteve Armindo Soares, um dos 44 indivíduos que escreveram a carta. Ele foi violentamente espancado no Koramil. O comandante do Koramil ordenou então aos membros do Koramil que 957 perseguissem e detivessem os restantes 43 autores da declaração. O testemunho de Dinis dos Santos descreve o tratamento dado por membros do TNI: Quando chegámos, fomos mandados alinhar e depois fomos espancados, esmurrados e pontapeados. Eles bateram na cabeça de Estêvão com uma pistola, feriram gravemente a sua perna e bateram-lhe com uma cadeira até a cadeira se partir. O comandante do Koramil, T668, ordenou aos membros timorenses do TNI T669, T670, T671, T672, T673 e 674 que nos espancassem. T670 agarrou numa faca para esfaquear Estêvão, mas felizmente, T668 gritou [com T670], senão Estêvão poderia ter morrido. Depois de sermos libertados [e autorizados a ir para] casa, para Tocoluli, o comandante T668 mandou-nos, aos 44, pagar uma multa de 2 milhões e 500 mil rupias e cortar cinco metros cúbicos de madeira, 958 compostos por blocos de 5 x 7 e lâminas. Eles foram então forçados a juntar-se à milícia Darah Merah e tiveram de participar nas reuniões 959 da milícia em Ermera. É evidente que os militares tinham identificado as pessoas que eram a favor da independência para as prenderem e torturarem. Cudinho Manegas disse à Comissão que em Abril, o comandante do Koramil de Railaco e um babinsa, T677, foram a casa de Hermenegildo para o acusarem de ser membro do movimento clandestino e procurarem outro membro do movimento clandestino, chamado Martinho. Quando descobriram que Martinho tinha fugido, começaram a espancar Hermenegildo. Martinho regressou pouco depois e rendeu-se. Os babinsa libertaram 960 Hermenegildo e começaram a espancar Martinho com a coronha de uma espingarda. O comandante do SGI em Hatulia, T678, foi referido em vários relatos sobre detenções em 961 Hatulia. Anselmo Soares fez a descrição de como foi detido, juntamente com Armando dos Reis, Alcino e Abílio, por T678 e dois membros do SGI no suco de Ailelo (Hatulia, Ermera) e depois levado para Hatulia, para ser interrogado. Armando dos Reis foi violentamente espancado 962 durante o interrogatório. José Lemos contou como ele e Bonifácio dos Reis foram detidos a 10 de Abril por T678 e presos no Koramil de Hatulia, onde a sua cabeça foi rapada e o seu couro cabeludo foi cortado com lâminas de barbear. Ambas as vítimas eram membros do movimento 963 clandestino. Outros incidentes de violência também aumentaram a tensão no distrito. A 10 de Abril, em Gleno, a capital do subdistrito de Ermera, os militares queimaram o quartel-general do CNRT e 964 mataram um membro muito conhecido do CNRT e do parlamento local, António Lima. Muitas pessoas fugiram de Ermera após o homicídio, a 19 de Abril, e refugiaram-se junto das Falintil. Num esforço para capturar outros membros do movimento clandestino, o SGI e membros do Batalhão de Combate Territorial (BTT) 144 fizeram detenções generalizadas fora da área de 965 Ermera. Parece não ter havido participação das milícias nestas detenções. Por exemplo, André Madeira falou sobre seis membros do movimento clandestino de Ermera, incluindo ele próprio, que foram detidos na casa do administrador distrital de Ermera a 10 de Abril, por dois * membros do SGI e um agente policial. Eles foram levados para o Kodim de Ermera, onde foram * O administrador do subdistrito de Ermera, Constantino Soares, não apoiou de maneira activa a causa pró-integração e deixou membros do CNRT que corriam perigo esconderem-se na sua residência [ver Robinson, p. 161]. - 239 - espancados, pontapeados e esmurrados por vários perpetradores, incluindo agentes da polícia e 966 membros do SGI e do BTT local. João de Jesus Soares Valeres disse à Comissão ter sido detido pelos membros do SGI T682 e T683 e depois ter sido mandado procurar o comandante das Falintil Ernesto Fernandes (Dudu), sob ameaça de morte. Ele falsificou uma carta do 967 comandante e foi libertado. Covalima, Abril de 1999 Várias milícias actuavam no distrito de Covalima, um distrito que faz fronteira com Timor Ocidental. A milícia Mahidi, sediada em Ainaro, tinha uma filial no subdistrito de Zumalai. A Unidade de Crimes Graves da Procuradoria-Geral de Timor-Leste acusou formalmente sete antigos comandantes da milícia Mahidi por crimes contra a humanidade cometidos em Zumalai, incluindo a prisão e tortura de apoiantes pró-independência em três centros de detenção no subdistrito. A pronúncia de acusação alega que: A prisão e o encarceramento eram dos principais meios utilizados para perseguir civis pró-independência, que eram sistematicamente seleccionados, presos e encarcerados, por motivos políticos. O principal centro de detenção era a casa de Vasco da Cruz [no suco de Zulo], onde foram presos mais de 45 aldeões. Do outro lado da estrada, em frente à casa de Vasco da Cruz, ficava o edifício do Governo indonésio, onde residia Lino Barreto. Lino Barreto prendeu pelo menos seis pessoas em sua casa. Também existia uma casa de detenção no subsuco de Beilaco [Reimea, Zumalai], na casa de Napoleon dos Santos, também conhecido como Napoleon Alves. Napoleon dos Santos, também conhecido como Napoleon Alves, prendeu pelo menos 12 pessoas em sua casa. Estes presos foram submetidos a abusos físicos e psicológicos, incluindo espancamentos e tortura, e sofreram uma privação desumana de necessidades básicas, como alimentação adequada, água e abrigo. Os campos de detenção estavam sobrelotados e não tinham condições sanitárias e os presos não recebiam assistência 968 médica. A Comissão recebeu vários testemunhos que mencionam a prisão e a tortura de civis em Zumalai, sobretudo em Abril. Segundo Leontino Moniz, a 12 de Abril, cinco membros da milícia Mahidi detiveram-no em Boro e levaram-no para o quartel-general da Mahidi em Zumalai, onde T602, o comandante timorense da milícia, espancou-o na cabeça, enquanto outros lhe batiam com pedaços de madeira. Ele foi interrogado, espancado e esmurrado até perder a consciência. Subsequentemente, ele e os outros acusados de apoiarem a independência foram mandados alinhar-se para lhes ser cortado o cabelo. Eles foram libertados quando a UNAMET chegou, mas não antes de T602 e os membros timorenses da milícia T643 e T644 lhes dizerem que, caso a opção da autonomia perdesse, todos eles seriam mortos, juntamente com as suas mulheres e 969 filhos. Foram recebidos seis testemunhos sobre o centro de detenção de Beilaco, no suco de Raimea 970 (Zumalai). A maioria das prisões e experiências de tortura foram atribuídas aos membros timorenses da Mahidi T645, T646, T647 e T648. Luís Soares foi espancado com a coronha de uma espingarda e pontapeado com botas militares e as suas mãos foram amarradas antes de ser levado para o posto da Mahidi em Beilaco. No posto, foi repetidamente espancado por T645 971 e T646, o que lhe provocou uma dor nas costas de duração prolongada. - 240 - A milícia Laksaur aterrorizou a população do subdistrito de Suai (Covalima), em colaboração com a Polícia e os militares. Carlos Pereira descreveu a sua detenção e tortura, ocorridas a 24 de Abril na vila de Suai (Suai, Covalima): Os membros timorenses da Laksaur, T654, T655 e T656 Tahu, e um membro timorense do TNI, T657, detiveramme no suco de Akar Laran por eu ser pró-independência. T658 queria cortar-me, mas T659 impediu-o, por isso ele só me empurrou para o chão. Ele começou a bater-me na cara e nas orelhas até o meu nariz e as minhas orelhas sangrarem. Eu caí, mas levantei-me novamente. Fui agredido na cara, o sangue saiu pela minha boca e eu caí uma segunda vez. Depois, T658 levantou-me e atirou-me para T657, que amarrou as minhas mãos ao meu pescoço com arame. Fui espancado pelos três membros da Laksaur durante 20 minutos. Depois, dois membros da Laksaur e um membro do TNI mandaram-me andar desde Akar Laran até ao cruzamento de Akar Laran. Eu vi T658, um polícia armado, à minha espera com um veículo Kijang, e mandaram-me entrar num Kijang, que me levou para ser entregue a T662, o chefe timorense do suco de Suai Loro, em casa dele. Quando chegámos a casa dele, muitos milicianos sentaram-se em meu redor. Pouco depois, dois gémeos de Suai Loro cujos nomes não sei começaram-me a baterme e a Agustino. Eles bateram-nos na boca com as mãos, deram-nos pontapés no peito e bateram-nos nos corpos durante 20 minutos. Depois, T662 acusou-me de ser um radical do lado pró-independência. Ele tinha descoberto através dos informadores timorenses T664, T665 e T666. Pouco depois disto, Agustino e eu fomos levados para a esquadra da polícia do subdistrito em Suai Loro e entregues a um polícia da Indonésia. Não sei o nome dele. Fomos colocados numa cela e deram-me um murro na 972 boca. Cailaco, Bobonaro, Abril de 1999 973 Depois do homicídio de Manuel Gama, uma figura pró-autonomia e membro do Koramil , ocorrido a 12 de Abril em circunstâncias discutíveis, os militares realizaram uma operação brutal * no subdistrito de Cailaco (Bobonaro) para encontrar os homicidas. Este caso forneceu provas consistentes sobre a estreita colaboração entre membros da milícia e funcionários do TNI para infligir terror à comunidade. O comandante do SGI em Marco, a principal vila de Cailaco, T623, ordenou às TNI e aos membros da milícia Halilintar que realizassem operações de revista geral. Eles detiveram cerca de 30 residentes de Marco, incluindo mulheres e crianças, e levaram-nos para o Koramil de Cailaco, em Marco. As mulheres e as crianças foram separadas dos homens e libertadas passados vários dias. Os homens foram violentamente espancados. Segundo as informações recebidas, o Kodim de Bobonaro, em Maliana, e o comandante da milícia, João Tavares, autorizaram especificamente os espancamentos. A acusação formal contra Cailaco, apresentada a 3 de Fevereiro de 2001, descreve os espancamentos: * Ver também Testemunho nº 9167 da HRVD, que afirma que a operação foi levada a cabo por eles não terem participado numa reunião inaugural da BMP no início daquele mês. - 241 - Os presos foram mandados deitar-se no chão e as TNI e os milicianos presentes bateram-lhes com os punhos e com as botas. Eles também foram espancados com coronhas de espingarda enquanto eram interrogados 974 sobre o homicídio de Manuel Gama. A Comissão recebeu seis testemunhos de pessoas presas durante esta operação. Os depoentes descreveram a maneira como os residentes e os funcionários civis foram mandados reunir-se em casa do falecido Manuel Gama, onde lhes foi dito que os apoiantes da independência presentes seriam mortos, tal como os três que já tinham sido mortos em Purogoa (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Alguns foram então presos no Koramil de 975 976 Cailaco ou nos postos do BTT vizinhos de Purogua e de Bilimau (Cailaco, Bobonaro). Os testemunhos mencionam vários perpetradores, incluindo o Koramil, a milícia Halilintar, a milícia 977 Guntur Merah Putih, a Polícia de Cailaco e forças do TNI, como o BTT 143. Num caso ocorrido a 13 de Abril, T624 e três outros membros da milícia Dadurus Merah Putih (DMP) detiveram um membro do CNRT, Adriano João, em casa da sua irmã, no subdistrito de Cailaco. Eles bateram-lhe e esmurraram-no e depois levaram-no até casa do chefe da PPI, T1, 978 onde voltaram a espancá-lo e a pontapeá-lo, partindo alguns dos seus ossos. Oecusse, Abril de 1999 979 A milícia Sakunar foi formada a 14 de Abril de 1999, em Oecusse , com o total apoio do governador de Timor-Leste, Abílio Osório Soares, do administrador do distrito de Díli, Domingos Soares, dos líderes das milícias nacionais, João Tavares e Eurico Guterres, e dos líderes locais, *980 Laurentino Soares (Moko) e Simão Lopes. Jacinto Colo, membro da milícia Sakunar descreveu a reunião inaugural: A 14 de Abril, fui abordado pelo chefe do suco de Nipani, Cândido Meko, para ir a casa do administrador do distrito, Filomeno Mesquita, a uma reunião sobre a formação da milícia Sakunar em Ambeno. As pessoas lá reunidas incluíam Cândido Meko, Elvis Lopes, Simão Lopes, Belarmino da Costa, Laurentino Soares (Moko) e Carlos Pereira. Na reunião, foram decididas a liderança e a estrutura e Simão Lopes foi escolhido como comandanteem-chefe da Sakunar e Cândido Meko como comandante para o suco de Sakato. Eu também me tornei 981 comandante. Segundo os relatos, houve um aumento repentino dos casos de detenção, prisão e tortura 982 983 ocorridos em todo o distrito de Oecusse no mês de Abril, estendendo-se a Maio. Muitas das detenções foram feitas durante operações em que vários membros da milícia, acompanhados por membros do Kodim, iam de suco em suco, destruindo habitações de pessoas suspeitas de pertencerem ao CNRT. Foram apresentados pelo menos nove relatos à Comissão que fazem referência ao facto de a milícia Sakunar deter e obrigar pessoas suspeitas 984 de pertencerem ao CNRT a integrar a milícia, sobretudo durante Abril de 1999. A Comissão recebeu seis relatos sobre uma operação liderada pelo comandante da milícia Sakunar, T603, a 22 de Abril de 1999, em que muitos dos que foram presos foram levados para a sua casa em Cunha (Pante Makassar). As vítimas relataram ter sido espancadas pelos milicianos e * Desde a altura da sua formação (1 de Maio de 1999), a Sakunar recebeu total apoio político e financeiro do administrador do distrito, do chefe da polícia distrital e do comandante do Kodim (Dandim) [Robinson, East Timor 1999, Documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p.184]. - 242 - 985 torturadas. Após outra operação de detenção ocorrida em Abril e liderada por um agente policial timorense, T604 , muitos dos presos foram levados para o gabinete do suco de Abani 986 987 988 (Passabe, Oecusse), para a casa de T604 , ou para a esquadra da polícia do subdistrito. Foi realizada uma outra operação de detenção em massa de líderes e membros do CNRT em meados de Abril, no suco de Abani (Passabe, Oecusse). A comunidade descreveu como cerca de 42 pessoas ligadas ao CNRT foram levadas para a casa do líder da milícia e chefe do suco, T604, e para o Koramil, onde foram espancadas com tacos de madeira. Algumas foram 989 espancadas com tanta força que perderam a consciência. A milícia Sakunar foi responsável pela maioria das detenções ocorridas em Oecusse em 1999 relatadas à Comissão. A maioria destas detenções foram feitas sob ordens de líderes da milícia, 990 como o chefe do suco de Cunha, T603, o chefe do suco de Abani, (Passabe, Oecusse), e do 991 992 993 agente policial T604, do babinsa timorense T609 e do funcionário civil T610. O comandante do Koramil T611 também participou em várias detenções arbitrárias e actuou em 994 conjunto com os comandantes da milícia. As vítimas dos casos relatados à Comissão são membros do CNRT ou pessoas suspeitas de terem ligações com o movimento clandestino. Díli, 17 de Abril de 1999 Um membro da milícia Sakunar, falou à Comissão sobre o comício das milícias em Díli, a 17 de Abril de 1999, e sobre os ataques violentos que foram perpetrados após o comício: A 17 de Abril de 1999, eu e 40 membros da milícia Sakunar da aldeia de Sakato, em Oecusse, fomos à inauguração em massa de milícias pró-integração [as PPI] em Díli, que eram lideradas do comandante-em-chefe João Tavares, e pelo seu adjunto, Eurico Guterres, que também era o comandante da Aitarak. Após a cerimónia, todas as milícias pró-integração, incluindo a milícia Sakunar, desfilaram pela cidade de Díli, lideradas por Eurico Guterres. No desfile, todas as milícias utilizaram veículos com duas e quatro rodas do quartel-general da Polícia regional [de Timor Leste]. Quando chegámos à casa de Manuel Carrascalão, junto ao Tropical de Díli, alguns milicianos abriram fogo 995 contra a porta e começaram a queimar a casa. Francisco da Silva Seraun e Raul dos Santos estavam escondidos na casa de banho da casa de Manuel Carrascalão aquando do ataque. Foram descobertos por um membro da BMP chamado Francisco Afonso do Rosário. Francisco da Silva Seraun afirmou à Comissão: - 243 - Por isso, rendemo-nos imediatamente…Enquanto tínhamos as mãos no ar, T268 cortou a mão esquerda de Raul…Depois, T268 chamou Raul e esfaqueou-o nas costas. Raul voltou a ser esfaqueado, no peito, com duas facas que lhe atravessaram todo o corpo e saíram pelas costas, até ele morrer. Depois, a Brimob [Brigada Móvel da Polícia] salvou-nos, aos que tínhamos procurado refúgio na casa. Levaram-nos para o quartel-general da Polícia subdistrital, em Mercado Lama. Quando chegámos ao quartel-general da Polícia subdistrital, eu e outros prisioneiros, Santiago Canselo e Filomeno, fomos separados dos outros refugiados e ficámos três dias presos no quartel-general da Polícia regional, em Comoro, sem recebermos comida ou bebida. Fomos interrogados por um agente da polícia que eu não conhecia e que pôs uma pedra na boca do meu companheiro, André Seraun…Depois, o tenente-coronel Paul pediu-me para olhar para o meu companheiro. Ele disse: “Vês, o teu companheiro está a comer uma pedra agora; como é que 996 pessoas como vocês querem a independência?”. Foi realizado outro ataque em Meti-Aut (Díli Oriental, Díli) a 17 de Abril. Agapito Ximenes descreveu como 15 membros da milícia destruíram a casa do membro do movimento clandestino Carlito, e insultaram os jovens da área. Quando cinco jovens fugiram, os membros da milícia disparam contra eles, ferindo quatro deles: Carlos da Silva, João Baptista Julião da Costa Xavier 997 e o próprio Agapito Ximenes. A Amnistia Internacional também relatou que António Barbosa, um funcionário civil e activista da independência, foi detido no mesmo dia, em sua casa, por 998 perpetradores desconhecidos. A milícia Aitarak era muito forte no suco de Hera (Díli Oriental, Díli) e a Comissão recebeu vários relatos sobre a detenção de apoiantes da independência pela milícia, as TNI e a Polícia em 999 Hera, em 1999. A Comissão foi informada de que, num incidente, foram detidos 17 jovens suspeitos de apoiarem a independência a 22 de Abril de 1999. T630, o antigo chefe do suco de Hera, que se tornara comandante local da Aitarak, pediu a professores, estudantes e à comunidade do Politécnico de Hera para irem a um diálogo de paz com a milícia Aitarak. Assim que os aldeões se reuniram, membros da milícia Aitarak, da Brimob e da milícia BMP cercaram os jovens, detiveram aqueles que pensavam ser activistas no Politécnico e levaram-nos para a casa do chefe do suco. Presume-se que o último local onde estiveram detidos foi o quartel* general da Polícia regional, em Díli. Viqueque, Abril de 1999 Após uma cerimónia no Kodim 1630 de Viqueque, a 20 de Abril, o comandante-em-chefe adjunto da PPI, reuniu todos os membros da PPI dos subdistritos de Viqueque e fê-los participar num juramento, no qual beberam sangue de cão (asu malibuti). Os membros da PPI e do T N I começaram então a intimidar os residentes da comunidade, sobretudo os suspeitos de serem pró-independência. Os membros da PPI e do TNI detiveram e torturaram vários jovens no suco de Ahic (Lacluta), incluindo Domingos Amaral Bosi, Paul Sarmento, Jovelino Andreas Sarmento, Gerónimo dos Santos, Francisco Gomes, Cipriano Coreia, Francisco Sarmento, Norberto 1000 Soares, Adriano de Jesus e Izac Martinho. * HRVD, Testemunhos nº 3757, 0615 e 6952. Os nomes das vítimas raptadas eram Belai, Leopoldino, Quieros, Cesaltino, Amoe, Kobuti, Eurico Gaspar Amaral, Alberto da Silva Costa, António da Costa, Domingos da Silva, Sebastião da Silva, Egídio da Silva, Elvino Cerilo dos Santos, Fernando dos Santos, Hélio Tavares Guterres, José Cai e Laurento Sarmento. - 244 - O seguinte acontecimento, ocorrido no subdistrito de Lacluta (Viqueque), ilustra a maneira como os chefes do suco e outros funcionários do governo civil também eram marcados como alvos. A 30 de Abril, em Lacluta, 14 funcionários civis locais do suco de Ahic foram detidos após * intervirem num evento da milícia alguns dias antes. Entre os funcionários, encontrava-se o chefe do suco, Germano Gomes Amaral, o secretário do suco, José Martins Lopes, cinco RK (Rukun Keluarga, Associação de suco), três RT (Rukun Tetangga, associação de aldeia) e o catequista da igreja, Eugénio Soares. Segundo Eugénio Soares, a milícia e as TNI reuniam a comunidade de noite para florestar vacas e fazer-lhe discursos pró-autonomia. Os 15 funcionários civis 1001 decidiram dizer à população para ir para casa e descansar, em vez de participar. O 1002 comandante do Koramil, T598 juntamente com membros da milícia Tim Makikit , deteve o † grupo e levou os funcionários para o Koramil de Lacluta. As vítimas foram interrogadas, espancadas com paus e canos, pontapeadas e pisadas. Os ferimentos foram tão graves que um 1003 dos membros do grupo, Zacarias, morreu. Os perpetradores foram o comandante do Koramil, T598, e nove membros timorenses da milícia Makikit. Molop, Bobonaro, 24 de Abril de 199 Também eram realizadas operações num suco específico devido a informações, ou boatos, de que o suco estivesse envolvido em actividades clandestinas. Por vezes, quando as TNI tomavam conhecimento de um suco desses, os seus soldados, as milícias, ou ambos, aterrorizavam o suco inteiro, ou até mesmo o subdistrito. Por conseguinte, não eram apenas os suspeitos de participar em actividades pró-independência que eram vítimas de intimidação, prisão e tortura — toda a comunidade sofria. Justino Barreto, o chefe de aldeia de Omelai no suco de Molop (Bobonaro, Bobonaro) descreveu como a sua comunidade foi intimidada por membros de duas milícias armados com armas automáticas: A 24 de Abril de 1999, a comunidade de Omelai, no suco de Molop, distrito de Bobonaro, foi visitada por T684, o comandante timorense da milícia de Halilintar, por um membro da Halilintar, T685, e membros timorenses da Dadurus Merah Putih (DMP), incluindo T686. Eles vieram de Bobonaro com espingardas M16 e Z3 para realizar a operação. Eles cercaram a minha casa por eu ser suspeito de ser clandestino, de trabalhar com o comandante das Falintil, Loro Mesak, e de distribuir uma carta de apelo à comunidade, que mostrava uma visão política contrária à das forças indonésias, apelando nomeadamente a lutar pela independência. * Os 15 funcionários civis detidos eram: Germano Gomes Amaral, o chefe do suco de Ahic; José Martins Lopes, o secretário do suco; Domingos Belo, Luciano Lemos, Acácio Soares Ximenes, Gilberto Paiva, Moisés Marques, Mateus Horta, Teófilo Quintão, Inácio Soares, Mateus Soares, Eugénio Soares, catequista da igreja, Pedro da Costa Araújo e Zacarias da Silva Belo [ver HRVD, Testemunhos nºs 0404; 0471; 0469; 9167; 0477 e 0475 e Robinson, p. 189]. † Segundo o Testemunho nº 0469 da HRVD, disseram-lhes que iam levá-los para o Koramil, mas levaram-nos para o posto da BMP. Ver HRVD, Testemunho nº 0475, que afirma que foram levados para o gabinete da KUD (Koperasi Unit Desa). - 245 - Um membro do Koramil entrou na casa e puxou-me lá para fora e deixou-me ao sol durante um dia inteiro. Eles trouxeram facas para me matar, mas não o fizeram. Eles confiscaram 1 milhão e 300 mil rupias [que tinham sido angariadas] para o apelo e 1 milhão e 400 mil rupias do meu dinheiro pessoal e obrigaram toda a comunidade a dançar com eles. Caso recusassem, todas as pessoas de Molop seriam mortas. Com medo, eu, sendo o chefe de aldeia, chamei nove jovens para dançarem com a milícia até ao amanhecer. A 25 de Abril de 1999, entregaram-me ao Koramil 01 de Bobonaro para ser interrogado sobre a publicidade que tinha feito e depois fui libertado, para ir 1004 para casa. Maio de 1999 A 5 de Maio de 1999, celebrou-se em Nova Iorque a assinatura dos Acordos do 5 de Maio, entre as Nações Unidas, Indonésia e Portugal, que atribuíam a responsabilidade pela segurança no território à Polícia indonésia. A prisão e tortura dos timorenses diminuiu ligeiramente após a assinatura dos acordos, mas segundo relatos recebidos pela Comissão, manteve-se inalterada em muitos distritos. Continuaram a ser realizadas cerimónias públicas para promover a opção da independência, sobretudo no início de Maio. A 1 de Maio, foi realizada uma grande cerimónia na praça do suco de Palapan, em Palapan, Oecusse, na qual 100 membros do CNRT foram obrigados a renunciar à sua filiação na organização e a jurar apoio à opção da autonomia. O administrador do distrito (Bupati) de Oecusse, Filomeno Misquito da Costa, o chefe da Polícia do distrito de Oecusse, tenente-coronel da Polícia Wilmar Marpaung, e o comandante do Kodim, tenente-coronel Kamiso Miran, bem como o homem que lhe sucedeu em Agosto, o tenente-coronel Bambang Sungesti, 1005 compareceram a esta cerimónia de 1 de Maio. Também foram realizadas cerimónias com o objectivo de recrutar membros à força para as milícias nos subdistritos de Atabae e de Lolotoe, no distrito de Bobonaro. Ambas contaram com a presença do comandante da Halilintar, T1. Basílio Sousa da Silva disse à Comissão como ele e os seus companheiros Laurentino Martins, Tomás Tavares, Maria Fernandes, Sérgio Soares e Agustino Pereira da Silva foram forçados a juntar-se à milícia Halilintar, em Atabae. Em Maio de 1999, o comandante da Halilintar, T1, e o comandante da Armui, T689, obrigaram-nos a integrar a milícia Armui. Se não o fizéssemos, seríamos mortos. Depois de nos tornarmos milicianos da Armui, não danificámos a propriedade de ninguém e nunca tocámos 1006 numa pessoa. Ataque das Falintil em Lolotoe, Bobonaro, Maio de 1999 Em Maio de 1999, um ataque ao Koramil de Gole, no suco de Deudet (Lolotoe, Bobonaro) resultou na morte de três soldados, que, por sua vez, desencadeou a repressão levada a efeito * pelas milícias e pelas Forças Armadas indonésias presentes na área. No dia depois do ataque de 16 de Maio, o BTT local e membros da milícia Kaer Metin Maerah Putih (KMP) deslocaram-se para a área e reuniram centenas de pessoas suspeitas de apoiarem a independência e líderes * Os soldados Caitano, Vicente e Bendito foram mortos. Outro membro do Koramil, Gabriel, fugiu, bem como dois membros da milícia KMP, Jhoni Franca e Mouzinho (José Cardoso) [HRVD, Testemunhos nºs 5612 e 7164 e CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Opa e de Daudet, subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 14 de Julho de 2003]. - 246 - 1007 do CNRT. Lolotoe, uma região na fronteira com Timor Ocidental, era um bastião conhecido pelo seu apoio à independência mesmo antes do ataque. Segundo membros das comunidades dos sucos de Opa e de Deudet, em Lolotoe, o chefe dos serviços de informação do Koramil e membros da milícia vieram de Maliana em 17 camiões, para realizar uma operação em larga escala, tendo queimado habitações e espancado pessoas. Um residente, chamado Armindo, foi esfaqueado nas costas pelo membro timorense da milícia T690, mas não foi morta. A maioria da população de Gole foi deslocada para a Escola Primária Católica de Deudet, onde foi continuamente intimidada até a UNAMET chegar a Timor-Leste e a população ser libertada. Os membros das comunidades de Ope e de Deudet descreveram como 22 pessoas foram presas no quartel-general da Polícia subdistrital e na praça do suco, sem receberem alimentação — embora as suas famílias lhes fornecessem alimentação secretamente. Os presos foram mandados cavar duas sepulturas grandes com cinco metros 1008 quadrados. Os testemunhos recebidos pela Comissão indicam que muitas outras pessoas 1009 detidas no âmbito desta operação foram presas no Koramil de Lolotoe João dos Santos descreveu como foi obrigado a participar numa cerimónia tradicional em Lolotoe, enquanto esteve preso no Koramil por membros da Kaer Metin Merah Putih: Em Maio de 1999, membros do BTT local, do Koramil e da milícia KMP de Lolotoe, liderados pelos comandantes milicianos T691 e T692, detiveram-me e a 21 outros membros do movimento clandestino e levaram-nos para a cidade de Lolotoe. Fomos obrigados a fazer um juramento tradicional…Os anciões de Lebos e de Lolotoe foram convidados para uma cerimónia, na qual foram sacrificadas uma cabra e uma galinha. Misturou-se uma garrafa de vinho e sumo de coco com o sangue da cabra e da galinha. Depois, eles mandaram-nos, aos 21, alinhar por baixo do poste onde estava hasteada a bandeira vermelha e branca [a bandeira indonésia]. O comandante da milícia Halilintar e o comandante da PPI, T1, e os seus seguidores começaram a realizar o juramento de sangue, dizendo que aqueles de nós que trabalhavam na rede clandestina já não pertenceríamos à organização a partir daquele momento e que já não teríamos “duas cabeças”. Eu e os meus amigos participámos no juramento de sangue porque tivemos medo que nos matassem caso não o fizéssemos. Mas continuámos a pensar que só havia uma via, que era “Ukun Rasik An” [Independência]. As pessoas presas pelos militares noutras áreas eram obrigadas a juntar-se à operação. Saturnino Mali Eli descreveu como foi detido em na sua casa, em Maliana (Bobonaro), pelas TNI, nomeadamente o babinsa local e um membro timorense do TNI, T694, juntamente com três membros dos serviços de informação militares, o tenente indonésio T695 [chefe dos Serviços de Informação em Maliana] e dois timorenses, T696 e T697, todos armados com espingardas AR16. Eles levaram-no para o gabinete do suco Raifun 1, na cidade de Maliana, onde o obrigaram a juntar-se a uma operação no subdistrito de Lolotoe (Bobonaro). Esta operação era provavelmente a discutida acima. Regressado de Lolotoe, Saturnino Mali Eli foi preso numa cela no Kodim de Maliana, onde permaneceu quatro dias e foi investigado e espancado por um - 247 - membro do TNI, T698. Saturnino Mali Eli foi levado para o exterior para ser morto, mas foi salvo * por um membro do TNI chamado Domingos. Devido à operação de Lolotoe, Mário Gonçalves, um líder do CNRT do suco de Guda (Lolotoe, Bobonaro), também foi preso e torturado por um grande grupo de milicianos da KMMP e pelo chefe do suco, a 24 de Maio. A descrição que se segue foi retirada de uma acusação formal apresentada pela Unidade de Crimes Graves em Maio de 2001, sobre o tratamento dispensado a Mário Gonçalves por membros da KMMP. Quando Mário Gonçalves saiu da igreja, foi espancado pelos membros da milícia KMMP enquanto era arrastado pelo campo em frente ao gabinete do CNRT. No campo, Sabino Gouveia Leite [o chefe do suco], José Cardoso Ferreira, também conhecido como Mouzinho [o comandante adjunto da KMMP] e João Franca da Silva, também conhecido como Jhoni Franca [o comandante da K M M P ] ordenaram a membros da milícia KMMP que espancassem Mário Gonçalves, revezando-se. Cerca de 37 membros da milícia K M M P espancaram Mário Gonçalves. João Franca da Silva, também conhecido como Jhoni Franca, também atacou Mário Gonçalves com uma catana, cortando-o no braço direito e golpeando-o no ombro esquerdo. Sabino Gouveia Leite instigou José Cardoso Ferreira, também conhecido como Mouzinho, e João Franca da Silva, também conhecido como Jhoni Franca, a cortar a orelha de Mário Gonçalves…A orelha foi atirada para o chão e Sabino Gouveia Leite e João Franca da Silva, também conhecido como Jhoni Franca, obrigaram Mário Gonçalves a comê-la. Temendo pela sua vida, Mário Gonçalves fez o que lhe tinha sido ordenado e comeu a 1010 sua orelha direita. Ermera Em Maio de 1999, continuava a ocorrer violência no distrito de Ermera, enquanto os militares e a milícia realizavam operações pelo distrito. As operações relatadas à Comissão incluem: * Testemunho nº 2535 da HRVD; ver também Testemunho nº 1868 da HRVD, no qual se refere que o chefe da secção de serviços de informação, T695, interrogou a vítima no Kodim 1636 de Maliana, mantendo a perna de uma mesa em cima do pé dele e mandando duas pessoas sentarem-se em cima da mesa. - 248 - • A 2 de Maio, os militares realizaram uma operação no suco de Lauala (Ermera, Ermera) e prenderam jovens pró-independência. José Xavier do Amaral foi detido por membros do Kodim e membros do SGI. • No suco de Mau Ubo (Hatulia, Ermera), de 9 a 11 de Maio, o BTT local fez uma 1011 detenção em massa, detendo apoiantes pró-independência ou familiares seus. Segundo Jacinto de Jesus Soares, a operação foi instigada pelo chefe do suco de Mau Ubo, T700, que chamou o BTT para realizar uma operação no suco depois de as Falintil alegadamente cercarem a sua casa, a 8 de Maio. Todos os homens do suco fugiram para a floresta, deixando as suas famílias para trás. Jacinto de Jesus Soares afirmou que a sua mulher, Branca Araújo dos Santos, e uma parente, Deolinda Santos, foram 1012 presas e obrigadas a procurar os maridos. A 12 de Maio, Jacinto Soares e o seu irmão, Gregório Araújo, apresentaram-se ao BTT. Foram imediatamente espancados e pontapeados durante três horas e depois obrigados a desculparem-se perante o chefe do suco. Para garantirem a segurança da sua família, tiveram de pagar 200 mil rupias a * T700 e dar um búfalo, duas cabras e duas sacas de café aos membros do BTT. • Em Haturegas, no suco de Fatubesi (Hatulia, Ermera), a 14 de Maio, a milícia Darah Merah (também conhecida como Darah Integrasi) realizou uma operação para prender apoiantes da independência. NN contou que, pelo menos, 30 pessoas da comunidade de Haturegas foram espancadas com ramos de cafeeiro pela milícia. NN foi espancado durante várias horas e depois foi levado, juntamente com a sua mulher, ON, e o seu filho adulto, PN, todos pró-independência, para Fatubesi por T147, um membro da milícia Darah Merah. Lá, ON foi violada e PN foi torturado com tanta gravidade que morreu 1013 pouco depois devido aos ferimentos. • A 26 de Maio de 1999, nove apoiantes pró-independência foram detidos por um babinsa, T702, e seis membros do BTT, incluindo o timorense T699, e levados para o gabinete do suco de Lauana (Letefoho, Ermera), onde foram espancados e golpeados com uma espingarda e ficaram uma noite presos. Os presos incluíam Saturnino de Deus Soares, o líder clandestino da área, Domingos Soares, Manuel Soares, Serafim Soares, Paulino de Araújo, Maulino, Jaime, João e Pedro. Regina dos Santos, a mulher de Saturnino Soares, foi mandada cozinhar para os membros da milícia Darah Merah pela mulher do 1014 antigo chefe do suco. A busca contínua pelos membros do movimento clandestino A detenção e o interrogatório de membros do movimento clandestino também continuaram em Maio. Mónica Amaral disse ter estado três dias presa em Zumalai (Covalima). Ela foi torturada † por membros da milícia do sexo feminino — um novo fenómeno que surgiu em 1999: * Testemunho nº 6421 e nº 6428 da HRVD. O Testemunho nº F9425 da HRVD também refere que as vítimas tiveram de pagar uma saca de café e duas galinhas a um funcionário civil chamado T700 para obterem a libertação dos seus maridos. † Ver, por exemplo, o caso de Ana Maria Mouzinho, em que T704 também era perpetrador. Num outro caso, T705, um membro da milícia Aitarak, foi apontado por Manuel Soares Lemos como, aquele que lhe bateu na cabeça com uma vara de ferro no posto da Aitarak, em Kampung Alor, Díli Ocidental (Díli) a 14 de Setembro de 1999. Os membros da comunidade de Ahic (Lacluta, Viqueque) contaram à Comissão que duas mulheres de Ahic, Hermelinda da Conceição e Rita Correia, foram violentamente espancadas pela T706, mulher de um membro da PPI, tendo sofrido ferimentos graves na cabeça [HRVD, Testemunhos nºs 6260 e 7024 e CAVR, Perfil Comunitário do suco de Ahic, subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque, 22 de Novembro de 2002]. - 249 - A 2 de Maio de 1999, um membro timorense do sexo feminino da milícia Mahidi, T704, e um membro indonésio do TNI, T709, com cerca de dez outros membros da Mahidi atacaram a nossa SMP (escola preparatória) em Beco para me deterem…[juntamente com] Domingas dos Santos, Cecília da Costa e Lúcia da Costa. Eles levaramnos para o posto da Mahidi em Zumalai num [veículo] Kijang. Quando lá chegámos, fomos interrogadas e eles disseram-nos que nós estávamos a esconder granadas, armas e bandeiras da Fretilin, mas nós dissemos que não sabíamos [nada]. A 3 de Maio de 1999, eles levaram-nos para uma casa em Beco para procurar granadas, armas e uma bandeira da Fretilin. Como não encontraram nada, T704, T711 e T712 bateram-nos e deram-nos pontapés nas costas. T704 deu-me murros na cara até eu sangrar, T713 queimou-me a boca com um cigarro. Eles os três espancaram-nos. Quando acabaram de nos espancar, levaram-nos para casa do coordenador da Mahidi, T602, em Zumalai. Puseram-nos às quatro numa cela e começaram a interrogar-nos. Não nos deram de comer 1015 nem de beber. No subdistrito de Lequidoe (Aileu), as forças da milícia AHI e soldados Rajawali, fizeram várias detenções enquanto procuravam membros clandestinos do CNRT, documentos clandestinos ou pessoas simples que disponibilizavam comida às Falintil. As detenções eram, por vezes, levadas a cabo em colaboração com o Koramil e com o administrador do subdistrito, T715, cujo gabinete 1016 era utilizado para prender pessoas. Sabino das Neves afirmou à Comissão: Em Maio de 1999, o chefe da R T (Rukun Tetangga, associação de bairro), T716, e membros da milícia AHI entraram e saíram das casas à procura de documentos clandestinos. Encontraram uma carta de apelo do Chefe do Estado-Maior das Falintil em casa da minha tia Maria Fátima, na aldeia de Fatu Merin. Sem suspeitar de nada, a minha tia disse-lhes que o seu “filho”, Sabino das Neves, trouxera a cara para casa. Eu estava na SMP (Escola Preparatória), em Lequidoe, na altura. Depois das aulas, eu e dois companheiros, Domingos Araújo e João Oliveira, fomos interrogados por T716 e por membros da milícia AHI. Mais tarde, fomos levados para o quartel-general do Koramil. No quartel-general, fomos interrogados pelo administrador do subdistrito de Lequidoe, T714, e pelo Comandante do K o r a m i l de Lequidoe, T710. Eles despiram-nos e acusaram-nos de ajudar as Falintil. O comandante do Koramil mandou quatro membros do K o r a m i l apontarem as armas na nossa direcção e ameaçaram-nos de morte caso não fornecêssemos informações claras. Depois de nos interrogarem durante cerca de quatro horas, libertaram-nos e mandaram-nos apresentar-nos no Koramil todos os dias, mas, nesse 1017 mesmo dia, nós fugimos para Díli. As organizações de serviços de informação também participavam na identificação e na prisão de apoiantes pró-independência. Lucas João foi detido a 11 de Maio por membros da Dadurus Merah Putih, da Kaer Metin Merah Putih, do SGI e do Kodim, depois de os militares descobrirem que ele estava a esconder seis membros das Falintil na sua casa, em Lahomea. As suas mãos e - 250 - pés foram amarrados e ele foi metido num saco. Foi levado para o Kodim de Maliana, onde foi espancado enquanto ainda estava no saco. Depois foi colocado numa cela escura, na qual permaneceu durante cinco dias, sem receber alimentação ou bebida. Lucas João foi ameaçado 1018 com uma arma antes de ser libertado. A 19 de Maio de 1999, Vicente Lourdes e Martinho da Costa Barreto foram capturados pelo comandante da milícia Ablai, T717, em Letefoho (Same, Manufahi), que entregou os presos ao membro do Koramil T434, a um membro do Kodim chamado T719 e a um líder da Ablai, T720, que levou as vítimas para o Kodim 1634 de Manufahi. No Kodim, T434, membros do Kopassus e um funcionário civil do Kodim interrogaram os presos. Mandaram-nos encostar-se à parede, com as mãos no ar, e depois esmurraram-nos, pontapearam-nos e espancaram-nos nas costelas e queimados com pontas de cigarro no rosto e no resto do corpo. Eles ficaram dez dias presos no 1019 Kodim. Thomás dos Santos disse ao tribunal como ele e outros apoiantes da independência foram detidos e torturados a 30 de Maio de 1999: Às quatro horas da manhã, um membro da milícia Halilintar, José Zoro, tirou-me de minha casa em Abatninin [Rairobo, Atabae, Bobonaro]. Ele segurou-me com força e levou-me para a rua, onde, imediatamente, [soldados das] TNI com boinas verdes me levaram para um carro. Outros já estavam no carro, nomeadamente: Ernesto Soares, Batista Guterres, Ermenegildo Tavares, Henriques, João da Culu, Francisco Martins, Afonso Haletalo e Jacinto Barros. Fomos obrigados a ficar deitados no carro com a cara virada para baixo. As nossas costas foram cravadas com pedaços de madeira e o comandante do Koramil de Atabae pisava a madeira. Nós fomos levados para o Koramil e, quando chegámos, fomos desnudados, espancados com a raiz de uma figueira-de-bengala…[e] eles espancaram-me na cara. Eles mandaram-nos deitar no chão enquanto nos algemavam as mãos. De noite, o SGI veio e levou-nos lá para for a, tapando os nossos olhos com lenços e espancou-nos com armas até os nossos corpos estarem feridos. Não posso fazer trabalhos pesados até hoje; as minhas costas ficaram tão afectadas 1020 que, quando trabalho, me doem sempre. - 251 - Marcas de identificação O corte da orelha de Mário Gonçalves por um membro da KMMP em Lolotoe não foi o único caso do género relatado à Comissão. Um testemunho indica que não eram só as autoridades indonésias que recorriam ao corte de orelhas em Lolotoe. Armando do Rego, um antigo membro das Falintil, disse à Comissão que, a 9 de Agosto de 1999, quando se dirigia à missa com a sua mulher em Lolotoe, as Falintil mandaram-no parar e levaram-no. Os seus captores, os membros das Falintil T722 e T723, espancaram-no com um bloco de madeira, pontapearam-no até o seu nariz sangrar e ameaçaram-no com uma faca. Depois, chegou um carro com dois agentes da polícia, chamados Constantino e Caetano. T722 e T723 puxaram-nos para fora do carro e 1021 cortaram-lhes as orelhas. As Forças Armadas indonésias também cometiam actos semelhantes. A comunidade de Lacló (Atsabe, Ermera) relatou que, em Maio, membros do SGI, do TNI e da Tim Pancasila cortaram a orelha de um homem chamado Bereleki no suco de Laubano e a orelha de Agostinho no suco de Obulo. No dia seguinte, membros do SGI, dos Partidários e da Tim Pancasila cortaram a orelha 1022 de Lourenço em Atara. A Comissão também recebeu vários relatos sobre pessoas cujo cabelo foi cortado ou rapado. Num dos casos, raparam o cabelo de um homem, formando o desenho de uma cruz, e noutro alinharam todas as pessoas identificadas como apoiantes da independência e cortaram-lhes o 1023 cabelo. Manatuto, a participação do administrador do distrito O administrador do distrito (Bupati) de Manatuto, T724, também é referido em três testemunhos prestados à Comissão por ter interrogado pessoalmente as pessoas e permitido que a sua casa 1024 fosse utilizada como centro de detenção. Ligado às TNI desde que se tornou comandante do Tonsus em finais de 1970 (ver Capítulo 4: Regime da Ocupação), e alegadamente nomeado 1025 funcionário honorário do Kopassus, ele permitiu que a sua casa fosse utilizada como posto do Kopassus. Joaquim Soares é uma das vítimas que disse ter estado presa em casa de T724. Joaquim Soares disse à Comissão que, em Maio de 1999, quando se dirigia para uma cerimónia de abertura da sede do CNRT com a sua família e outros civis, os membros da milícia Tim Morok, T726, T727, T728 e T729, fizeram-nos parar. As pessoas foram mandadas ir para o Kodim de Manatuto, para receberem armas, em vez disso foram levadas para a casa do administrador do distrito. Foram vendadas com panos negros e interrogadas individualmente sobre a localização do gabinete do CNRT. Quando Joaquim Soares respondeu que não sabia, as suas mãos e pés foram amarrados e ele foi espancado com madeira, pontapeado e esmurrado e queimado com cigarros acesos. Findo este abuso, ele foi trancado numa das 1026 divisões da casa de T724, onde permaneceu sete dias, ainda amarrado. John Hornai Sarmento contou como, no início de 1999, os seis chefes de suco e o administrador do subdistrito de Soibada se tornaram suspeitos de actividades clandestinas e foram, por isso, convocados pelo administrador do distrito de Manatuto, que os interrogou sobre a sua participação em actividades clandestinas. Depois do interrogatório, John Hornai Sarmento e cinco colegas seus receberam 25 mil rupias cada para regressarem para Soibada, mas o administrador do subdistrito (camat) de Soibada, Zaolino, ficou preso em Manatuto. John Sarmento tomou conhecimento de que Zaolino foi torturado por um membro da milícia * Mahadomi, T732, e acabou por ser morto. * Um professor chamado Vicente foi morto na mesma altura [HRVD, Testemunho nº 0643]. - 252 - Prisão e Tortura entre Junho e 30 de Agosto, o dia da votação A Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET) chegou a Timor-Leste a 3 de Junho de 1999. Após a sua chegada, os relatos sobre detenções e tortura diminuíram, mas as pessoas continuaram a ser intimidadas e algumas eram ameaçadas de morte, geralmente para serem obrigadas a votar na opção da autonomia na Consulta Popular. Um depoente, de Zumalai, disse o seguinte acerca deste período: Depois de a UNAMET chegar, eles libertaram-nos para irmos para casa, mas os membros da milícia [Mahidi] T733, T602 e T644 disseram-nos: “Se a autonomia perder, nós matamo-los todos, incluindo as vossas mulheres e 1027 filhos”. Neste período, os apoiantes pró-integração continuavam a pressionar as pessoas para apoiarem a sua causa e, por vezes, prendiam apoiantes pró-independência. As ”visitas de socialização” às comunidades, durante as quais as autoridades procuraram pretensamente informar as comunidades sobre a Consulta Popular, eram frequentemente utilizadas para intimidar as pessoas, na esperança de as fazer apoiar a autonomia. Em Junho, no suco de Lebos (Lolotoe, Bobonaro), 20 jovens ficaram presos durante um dia e uma noite no gabinete do suco durante uma “visita de socialização” feita pelo chefe dos serviços de informação do Kodim 1636 e membros do BTT local e da milícia Dadurus Merah Putih. Os jovens foram ameaçados, para que não participassem em actividades clandestinas, antes de 1028 serem libertados. A comunidade de Sabarai (Maliana, Bobonaro) também disse à Comissão que, em Junho, o comandante da milícia Dadurus Merah Putih em Saburai, T736, ameaçaram a comunidade dizendo às pessoas que cortariam as mãos de quem votasse contra a autonomia no 1029 acto eleitoral. A comunidade de Saboria (vila de Aileu, Aileu) disse que os líderes da milícia, o TNI e a Polícia participavam em eventos de socialização sobre a autonomia, nos quais forçavam os membros da comunidade a apoiar a opção da autonomia, a participar em 1030 cerimónias de juramento de sangue e a integrar a milícia AHI. As pessoas começaram a fugir das suas habitações e também estava sujeitas a serem presas se fossem apanhadas (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). No distrito de Liquiça, houve casos de pessoas cujo marido, filhos ou outros familiares tiveram de fugir para a floresta; noutros casos, as pessoas tentaram esconder-se na floresta e os seus familiares foram 1031 detidos. Abílio Lobato de Fátima relatou: A 7 de Junho de 1999, uma força conjunta da milícia BMP, da Polícia e do TNI veio a Fatunesu, no suco de Fahilebo, para me deter porque tinham sido informados de que eu fugira para a floresta. Eles levaram-me para o posto de comando da B M P no suco de Fatumasi (Bazartete, Liquiça) onde me prenderam durante 40 dias. A 23 de Junho de 1999, a milícia BMP voltou a minha casa e deteve as mulheres de todos os nossos irmãos que tinham fugido, para que elas pudessem explicar onde estavam os maridos. Eu dei 500 mil rupias a T737 para que as mulheres dos nossos irmãos fossem libertadas. Eu continuei no posto de comando e, enquanto lá estive, tive de vigiar o posto 24 horas por dia, sem descanso. Eu tentei dar 950 mil rupias a T738 e a T739 para me protegerem das ameaças dos outros milicianos. Quando os resultados do referendo foram anunciados, a 4 de 1032 Setembro, fugi para a floresta sem eles saberem. - 253 - As pessoas que faziam campanha pró-independência também eram presas. Por exemplo, segundo as informações recebidas, a milícia D M P deteve cinco membros do movimento clandestino — Mateus Barreto, Agusto Marques, Josefina Marques, Joanico Soares e Fernando Vicente — em Maliana, a 26 de Junho, quando eles se reuniram para distribuir estandartes do CNRT. Eles foram arrastados e levados para a esquadra da polícia distrital de Bobonaro, onde 1033 ficaram um mês presos. Apesar da presença das Nações Unidas, os militares indonésios continuaram a fazer detenções ocasionais por livre iniciativa. Um homem timorense disse à Comissão ter sido detido em Fatululik (Covalima), no final de Junho, por um funcionário indonésio dos serviços de informação, T740, e levado para o Koramil de Fatululik. O comandante do Koramil, T741, o interrogou sobre 1034 certos documentos. Ele ficou três noites preso. Outros foram libertados. A 8 de Julho de 1999, o comandante do Koramil de Lolotoe, tenente Bambang Indra, o chefe do suco de Guda, Sabino Gouveia Leite, e o comandante da KMMP, José Cardoso Ferreira (Mouzinho), co-assinaram um documento a confirmar a libertação de seis pessoas e a sua devolução ao suco de Guda. O documento afirmava que eles tinham estado presos para “orientação” desde 22 de Maio e que agora estavam a ser devolvidos ao seu suco “num estado saudável e em segurança”, mas que poderiam ser chamados para mais 1035 interrogatórios em qualquer ocasião futura. Esta carta é mais uma demonstração clara da contínua colaboração entre os militares, as milícias e a administração civil. Em Agosto, à medida que a data do acto eleitoral se aproximava, as campanhas de terror das milícias aumentavam. A 25 de Agosto, cinco dias antes da votação, dois membros timorenses da BMP, T742 e T743, detiveram um homem timorense e levaram-no para o Posto de Comando em Fatumasi (Bazartete, Liquiça). A Comissão foi informada de que ele foi violentamente espancado e pontapeado nas costas, tendo perdido a audição, e que depois mandado vigiar o posto da 1036 BMP em Unahei. A 26 de Agosto, membros da milícia Aitarak, incluindo quatro membros timorenses, T744, T745, T746 e T747 atacaram seis homens — Calistro, Júlio, Sérgio, Fernando, António e Tomás — na casa de Calistro (Bairro Pite, Díli Ocidental). Eles foram espancados, pontapeados e cortados na cabeça e depois foram levados para um posto da Aitarak, onde ficaram presos por pouco tempo, 1037 até serem entregues à SGI para serem interrogados Prisão e tortura após a votação Como foi descrito em secções anteriores do presente Relatório, o período imediatamente após a Consulta Popular foi violento. As tensões aumentaram ainda mais após o anúncio do resultado, a 4 de Setembro, que foi seguido por um frenesi de destruição de habitações e de infra-estruturas. A incidência de prisão e tortura aumentou. Se antes da votação a prisão e a tortura eram perpetradas com o objectivo de intimidar e coagir os presos a apoiar a integração, depois do acto eleitoral as razões incluíam as seguintes: - 254 - • punição e vingança • prisão de vítimas marcadas como alvos tendo em vista a sua execução • prisão de pessoas para as impedir de fugir para as montanhas, ou capturá-las quando voltavam às suas habitações em busca de víveres • reunião de grupos de pessoas num local para as enviar para Timor Ocidental, numa tentativa de demonstrar ao mundo exterior que a maioria dos cidadãos timorenses não concordava com o resultado da Consulta Popular e preferiam ficar na Indonésia. Depois de votarem, a 30 de Agosto, muitos líderes do CNRT e outros apoiantes próindependência, sobretudo os líderes do movimento, sentiram-se inseguros nas suas habitações e fugiram para a floresta ou as montanhas. Por vezes, os familiares que ficavam para trás eram marcados como alvos para prisão e maus-tratos. Os membros da comunidade de Ahic (Lacluta, Viqueque) descreveram como isso ocorreu na sua região. José Andrade dos Santos e 39 outros apoiantes da independência de Dilor (Lacluta, Viqueque), repararam em postos da milícia em pontos estratégicos quando iam votar. Decidiram fugir depois de votarem e passar a noite em Ue-Aiheres (do outro lado do monte Manutargele, em Bibileo, Viqueque), para organizarem esconderijos para a comunidade. As suas mulheres e famílias ficaram na cidade de Dilor. Os apoiantes pró-autonomia submeteram algumas pessoas que tinham ficado para trás, incluindo os parentes de José Andrade dos Santos, a tratamento degradante, ameaças, intimidação e 1038 tortura. Outros eram capturados e presos depois de fugirem, quando regressavam às suas habitações em busca de víveres. Por exemplo, Abílio Paicheco, que fugira para as montanhas após a votação, foi a Mota Ulun, Becora (Díli) com dois amigos em busca de víveres, a 17 de Setembro de 1999. Pelo caminho, encontraram seis membros da milícia Aitarak. A milícia espancou-os e pontapeou-os e alvejou Abílio nas costas. Ele sobreviveu, mas disse à Comissão que ainda 1039 carrega a bala no corpo. Uma semana depois da Consulta Popular, a 7 de Setembro de 1999, Evangelino da Conceição e o seu companheiro Mateus desceram das montanhas em busca de víveres e foram apanhados e sofreram maus-tratos. Na estrada para Dare (Díli), um funcionário timorense do TNI, T335, e tropas do Batalhão 613 apanharam-nos e espancaram-nos. Pouco depois, um membro do Batalhão 613 agarrou Evangelino pela cintura e golpeou-o na orelha com a sua baioneta. Durante as duas horas seguintes, um funcionário civil espancou os dois homens e pontapeou-os no rosto e nas orelhas. As vítimas foram então levadas para o Koramil de Dare, onde voltaram a ser golpeadas com uma baioneta, nas costas e nas coxas. Evangelino da Conceição foi queimado com cigarros acesos e atirado para dentro de água pelas TNI, e um civil timorense que 1040 trabalhava para o Koramil de, T749, atirou-lhe uma pedra à cabeça, fazendo-a sangrar. Os militares, a Polícia e os seus auxiliares também procuravam membros das Falintil que estivessem a descer da floresta e das montanhas. A casa de Amélia do Carmo, em Asumaten, na vila de Suai (Suai, Covalima), foi atacada a 4 de Setembro de 1999, por membros da milícia Laksaur, T750, T751, T752, T753 e T754, e 40 agentes da polícia do Contingente de Lorosae porque uma pessoa da floresta tinha sido vista lá. Eles encontraram quatro jovens do sexo masculino em casa de Amélia do Carmo, mas ela só conhecia um deles. Todos foram espancados no local e foram levados para a esquadra da polícia e depois para o Kodim de Covalima. O filho de Amélia, com dois anos de idade, morreu devido ao trauma de ver a mãe ser ameaçada com uma catana e foi afirmado à Comissão que a mãe considera que tal se deveu ao 1041 choque provocado pelo ataque. Após a votação Após a votação, mas antes do anúncio dos resultados, a 4 de Setembro, continuaram a ser presos apoiantes pró-independência e membros do movimento clandestino. - 255 - A Comissão recebeu seis testemunhos de membros do PDI-P (Partai Demokrasi Indonesia1042 Perjuangan), o partido político indonésio em Oecusse e Ataúro (Díli). Os depoentes acreditam 1043 terem sido marcados como alvos por serem filiados nesse partido. Segundo Gonzalo Abi, de Oecusse, isso aconteceu porque muitos membros do PDI-P também eram membros do 1044 movimento clandestino ou do CNRT. Tito da Costa, membro do PDI-P e do movimento clandestino, disse à Comissão como foi chamado, juntamente com outros, alguns dos quais também membros do PDI-P, para comparecer no gabinete do comandante do Koramil de Ataúro após a Consulta Popular. Depois da Consulta Popular, a 1 de Setembro de 1999, às 9 horas da manhã, o comandante do Koramil chamou-me e a alguns companheiros meus, nomeadamente José, Alfredo, Tomás Alves, Cézar Brandão, Pedro dos Santos, Daniel, José Rambo e Apoli, para irmos ao Quartelgeneral do Koramil de Ataúro. Quando chegámos ao Koramil, o comandante do Koramil mandou-nos alinhar, tocou uma cassete e quis que todos dançássemos. Como não dançámos, o comandante do Koramil disse aos seus subordinados timorenses, T755 e T758, para nos espancarem. Depois, mandou-nos sair e mostrarmos o nosso respeito pela bandeira vermelha e branca durante cerca de duas horas. Depois, fomos mandados para casa, mas para que pudéssemos convocar os nossos outros companheiros de Makadede. Fomos mandados apresentarmo-nos no Koramil durante duas semanas. Após ser anunciado o resultado da Consulta Popular, o comandante do Koramil [deixou Ataúro] e nós ficámos 1045 livres. Depois da Consulta Popular, a violência aumentou substancialmente em Covalima. Os perpetradores eram não só os membros da milícia Laksaur e do TNI, como também a Polícia local e o Contingente de Lorosae (Kontingen Lorosae) — um contingente policial indonésio destacado para Timor-Leste com o objectivo específico de assegurar a segurança durante a Consulta Popular. Os presos foram levados para esquadras da polícia por todo o distrito de Covalima. Em Fohoren (Fohoren, Covalima), muitos civis fugiram para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fohoren depois de votarem, prevendo a violência que se seguiria ao acto de votação. A Polícia deteve 14 pessoas que ali procuravam refúgio e levou-os para a esquadra 1046 de Fohorem. Os membros da comunidade de Fohorem descreveram como foram espancados, despidos e queimados com cigarros acesos na esquadra da polícia. As mulheres foram sexualmente assediadas. Tocaram-lhes, acariciaram-lhes os seios e foram ameaçadas com comentários impudicos e avanços sexuais. O líder da milícia Laksaur, T757, veio de Salele 1047 para interrogar alguns dos presos. Depois, os agentes da polícia timorenses T758 e T759 e o comandante da polícia T760, juntamente com o comandante timorense da companhia da milícia Laksaur T761, o comandante * T762 e um comandante adjunto, T763, foram à Igreja de Fohoren e detiveram 16 dos homens. Informadores disseram à Laksaur que os homens tinham influenciado os seus familiares a juntarse ao movimento clandestino. Basílio Amaral descreveu a maneira como foram tratados: * Basílio Amaral, Fernando Sarmento, Hipólito Afonso, Daniel de Araújo, Anito Saldanha, Grasiano do Rego, Paul dos Santos, José Barreto, António Amaral, Julião Cardoso, Gabriel dos Santos, Ângelo dos Santos, Constâncio dos Santos, Roberto Gomes, Pedro do Rego e Salvador Pereira. - 256 - Fomos levados para o posto da Laksaur na esquadra da polícia, onde fomos interrogados e espancados, um a um. Eles despiram-nos antes de nos espancarem e deram-nos murros, pontapés e bateram-nos com armas até as nossas caras estarem cobertas de sangue. Eles puseram armas nas nossas bocas e deram-me murros até a minha cara estar ferida. Fomos torturados desta maneira durante dois 1048 dias. Punição e vingança Após o anúncio do resultado, os militares e as milícias responderam com mais violência. Centenas de apoiantes pró-independência foram presos e torturados, ou sofreram outras formas de tratamento cruel, degradante e desumano. Muitas vítimas de prisão arbitrária e tortura disseram à Comissão que o motivo para terem sido presos após o acto eleitoral foi simples vingança por parte da milícia e dos militares pelo resultado do acto eleitoral. A Comissão recebeu testemunhos referentes ao distrito de Díli que descrevem como as pessoas eram levadas para o quartel-general da Aitarak, no Tropical, para postos da Aitarak, esquadras da 1049 polícia e para o Koramil em Metinaro, e eram espancadas. Nos primeiros meses de 1999, os períodos de prisão eram bastante curtos — geralmente de apenas alguns dias. A milícia AHI actuou sozinha quando prendeu e interrogou Domingos da Cruz. Ele disse ter sido detido a 5 de Setembro de 1999 por T764 e T765, membros da milícia AHI, e levado para o gabinete governamental da agricultura local, onde foi espancado, pontapeado e esmurrado. Depois, foi levado para o quartel-general da AHI, onde foi interrogado pelo comandante da AHI, T766, esbofeteado e ameaçado de morte por T767, e espancado até perder a consciência por 1050 pelo membro da milícia T768. Fernando, outro miliciano, salvou-o, mais tarde. Em Balibó (Bobonaro), Agapito da Purificação, líder da rede clandestina e do CNRT, que tinha dado dinheiro e arroz às Falintil no Sector 4, descreveu como foi detido, juntamente com os seus companheiros Alexio Gama, Sabino da Purificação, Manuel Caeiro e Paul Soares a 17 de Setembro de 1999, na vila de Balibó (Balibó, Bobonaro). O membro do TNI T769 fez a detenção, acompanhado pelo comandante da milícia Firmi, T770, e pelos membros da milícia T771 e T772. Os detidos foram levados para o quartel-general da Firmi, em Balibó, para serem interrogados. Durante o interrogatório, T772 espancou Agapito na cabeça com uma arma de fogo de fabrico artesanal (rakitan) até ele ficar inconsciente. Eles foram ameaçados de morte e mantidos presos 1051 durante três dias, sem receberem alimentação, até serem libertados. Casos de prisão antes da evacuação Ao mesmo tempo que começavam a retirar, a milícia e os militares transportavam centenas de milhares de pessoas para o outro lado da fronteira. Muitos dos que foram obrigados a deslocarse desta maneira relataram um curto período de prisão, por vezes de apenas algumas horas, antes de iniciar viagem. A comunidade do suco de Ahic (Lacluta, Viqueque) descreveu a sua detenção, no dia do anúncio do resultado, 4 de Setembro. Os cidadãos de Dilor que não tinham fugido foram reunidos por membros da PPI no jardim do Koramil, onde foram vigiados de perto durante um curto espaço de 1052 tempo, antes de serem evacuados para Timor Ocidental. Em Lautém, nas semanas após a Consulta Popular, entre cenas de caos, habitações queimadas e o som de disparos, algumas das pessoas que não conseguiram fugir foram capturadas e 1053 enviadas para o Kodim 1629, em Lautém. Algumas foram imediatamente enviadas para Timor Ocidental e outras ficaram presas no Kodim durante alguns dias. - 257 - Manuel Mendonça foi levado para o Koramil de Metinaro (Díli) a 6 de Setembro por membros da milícia Aitarak e foi obrigado a escrever o nome da sua família numa lista de pessoas a serem 1054 enviadas para Atambua, Timor Ocidental. Prisão de pessoas marcadas como alvos para execução A Comissão também tomou conhecimento de pessoas conhecidas como líderes que foram marcadas como alvos para detenção e prisão, a fim de serem executadas (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os líderes das milícias e o TNI identificaram algumas pessoas para captura. Por vezes, eram elaboradas listas para distinguir os que iam ser * enviados para Timor Ocidental dos que iam ser executados. António da Costa Guterres disse à Comissão que a milícia BMP deteve José da Costa Guterres em Odomau (Maliana, Bobonaro) a 5 de Setembro, e levou-o para a esquadra da polícia distrital 1055 de Bobonaro, em Maliana, onde a matou por ele ser membro do CNRT. Aníbal do Rego e Lito da Costa Amaral apresentaram ambos testemunhos sobre a sua detenção, ocorrida enquanto tentavam fugir para Timor Ocidental a 9 de Setembro. Aníbal disse ter sido detido pelo comandante do Koramil e pela milícia Laksaur quando se aproximaram do Koramil de Suai. O comandante do Koramil, tenente T774, e T775, da Laksaur mandaram-no e a quatro outras pessoas — Paul Ximenes, Câncio, Lito da Costa Amaral e Anis Tahu — entrar num carro. Quando chegaram a Audian, em Camanasa, disseram-lhes para saírem do carro e três deles, Paul Ximenes, Anis Tahu e Câncio, foram seleccionados para serem mortos. Eles foram imediatamente baleados, e os outros dois prisioneiros, Aníbal do Rego e Lito da Costa Amaral, 1056 foram levados para casa — embora tenham sido pontapeados e pisados pelo caminho. Domingos Araújo, membro da milícia Mahidi, descreveu à Comissão como, a 12 de Setembro de 1999, ele e oito membros da milícia participaram numa reunião convocada pelo comandante timorense da Mahidi, T776, na casa deste em Cassa (Ainaro, Ainaro). T776 e o seu irmão T779 pediram a captura de Paulino Maria Bianco por ele ser suspeito de ser membro do movimento clandestino e de ajudar as Falintil. Imediatamente após a reunião, os membros da Mahidi capturaram Paulino Bianco e levaram-no a T776 na manhã seguinte. O rosto de Paulino estava envolto em plástico e as suas mãos e pés estavam amarrados. T776 ordenou então aos membros da Mahidi T782 e T783 que levassem Paulino Bianco para Sildena Harikain Cassa 1057 (Ainaro, Ainaro) para o matarem. Libertação Na maioria dos casos de prisão ocorridos em 1999 relatados à Comissão, as vítimas eram autorizadas a ir para casa, por vezes poucas horas depois de serem detidas. A maioria das pessoas era libertada depois de serem avisadas, ameaçadas e maltratadas. As ameaças eram tanto implícitas como explícitas. Por exemplo, podia ser sugerido à vítima que, caso não prestasse atenção ao aviso, podia facilmente ser encontrada e capturada novamente. Como se menciona acima, algumas pessoas eram libertadas apenas depois de participarem numa cerimónia de juramento de sangue e de prometerem tornar-se membros da milícia. * O Investigador de Crimes Graves, Dave Savage, afirmou à Comissão: “ Obtivemos provas em todos os distritos de Timor-Leste de que foram redigidas listas com nomes de líderes da Independência durante 1999. Estas eram as pessoas que eram caçadas e, em muitos casos, executadas. Isto pode ser demonstrado pelo número de líderes do CNRT e de apoiantes destacados pró-Independência que foram caçados, mesmo em Timor Ocidental (Kupang e Atambua), detidos, presos e executados. Em muitos casos, os que eram detidos em Timor Ocidental eram transportados para Timor-Leste para a fase da execução. Isto não significa que não houvesse mais mortes além das que estavam identificadas e listadas, quer como parte de um ataque maior (Igreja de Suai, esquadra da polícia do distrito de Maliana, homicídios do clero, Massacre de Passabe) ou como parte de um desvairado homicídio em massa de todos aqueles que não estivessem sob o controlo do TNI/milícias (Maliana 3 a 9 de Setembro), ou devido a retaliações oportunistas, motivadas por qualquer razão”. Correio electrónico (E-mail) de David Savage. Arquivo da CAVR. - 258 - Exigências de apresentação obrigatória Muitas das vítimas presas antes do acto eleitoral tinham de se apresentar às autoridades 1058 indonésias após a sua libertação, durante dias, semanas ou, por vezes, vários meses. Este padrão é semelhante ao de períodos anteriores e, tal como em períodos anteriores, permitiu às autoridades indonésias vigiar os movimentos de pessoas suspeitas de causarem distúrbios. Por vezes, as exigências de apresentação eram pesadas e implicavam várias instituições. Francisco da Conceição Guterres disse que ao ser libertado do Kodim e da esquadra da polícia distrital, em Ermera (Ermera), a 10 de Abril de 1999, foi-lhe imposto que se apresentasse nas seguintes instituições durante nove dias: • 8 – 10 da manhã no Kodim 1637 de Ermera • 11 – 12 da manhã na esquadra da polícia distrital de Ermera • 1 – 2 da tarde na Procuradoria-Geral • 2 – 4 da tarde no tribunal. Francisco da Conceição Guterres foi julgado a 19 de Abril de 1999 e condenado a dois meses de 1059 prisão. Subornos Vários testemunhos mencionam que os presos eram obrigados a pagar à Polícia, às milícias ou aos militares pela sua libertação. Esta forma de extorsão já era utilizada antes de 1999 e tornou1060 se muito mais comum nesse ano. A Comissão também tomou conhecimento de pelo menos um caso em que o depoente descreveu ter sido obrigado a fazer uma espécie de pagamento de protecção para não ser detido. No caso abaixo apresentado, toda a comunidade de Atabae (Bobonaro) foi obrigada a contribuir com dinheiro no final de Abril. Cristovão Afonso descreveu a sua detenção, juntamente com sete companheiros, pela milícia Armui a 26 de Abril por serem * suspeitos de fornecer comida às Falintil. Ele contou à Comissão como fora coagido a entregar dinheiro e bens à milícia Halilintar a 27 de Abril: O comandante da milícia Halilintar reuniu todos os residentes de Diruaben e de Bia-Matae para ouvirem as suas ordens. Eles disseram que todos os de Diruaben e de Bia-Matae tinham de dar ou de reunir dinheiro, gado e arroz para alimentar as forças da Halilintar que actuavam no suco de Hataz. Só fomos libertados depois de essas 1061 coisas serem recolhidas. Os familiares dos presos eram frequentemente informados de que os seus entes queridos não 1062 seriam libertados, ou pior ainda, que seriam mortos na prisão, caso eles não pagassem. Alguns foram obrigados a vender os seus bens para pagar. Marcus Pereira da Costa Freitas já tinha sido libertado de um posto da BMP em Fatumasi (Bazartete, Liquiça), mas continuou a ser assediado e acabou por pagar para poder viver numa paz relativa. Ele afirmou à Comissão: * Os sete amigos eram: Anselmus Nunes, Júlio Nunes, Agustino Soares, Marcelino Ximenes, Flabiano Lopes, Pedro dos Santos e Agusta. O depoente disse que todos os presos, excepto ele e Júlio Nunes morreram na prisão. - 259 - Mandaram-me ir a casa do chefe do suco timorense T784. Todas as noites havia membros da milícia BMP a vigiarme. Depois, T784 disse-me que o administrador timorense do subdistrito de Bazartete, Jacinto Gonçalves, o viceadministrador do subdistrito, Laurindo, e um membro da milícia BMP, Manuel Rosário, precisavam de dinheiro. Então eu disse à minha mulher para me levar um colar tradicional que pertencia à minha avó e vendi-o por a T784 por 800 mil rupias. Isso, juntamente com o dinheiro do meu pai, 1 milhão e 300 mil rupias, totalizava 2 milhões e 100 mil rupias. [Esta quantia] foi dada a T78 em troca de Laurindo, Jacinto, Manuel e os seus homens. Depois 1063 disso, eles começaram a tratar-me bem. Intervenção de terceiros A Comissão recebeu vários outros testemunhos de pessoas que foram libertadas devido à intervenção de terceiros. A visita de um pastor poderia, por vezes, levar à libertação de um * preso. Outros presos afirmaram que o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) promoveu † a sua libertação. Noutros casos, era um familiar ou amigo com o poder de intervir que ajudava. Por exemplo, em Janeiro, Paulo dos Santos tinha sido levado para o Quartel-general dos Fuzileiros em Cassa (Ainaro), onde foi interrogado por um membro dos fuzileiros sobre as suas actividades clandestinas. Passados dois dias, o seu tio, Agustinho Sarmento, administrador do subdistrito de Hatudo (Ainaro) foi ao quartel-general e libertou-o e levou-o para Hatudo, onde ele 1064 ficou escondido durante um mês. José Brites foi preso num posto da BMP em Abril e foi mandado fugir por um dos membros da milícia, Ventura, porque ia ser morto no dia seguinte por 1065 outros membros da milícia. Fuga A Comissão também recebeu vários relatos sobre presos que fugiram da prisão, por vezes pelo 1066 seu próprio pé. Isso era possível porque a maioria das pessoas eram presas em edifícios improvisados e com más condições de segurança, como se refere acima. Vários testemunhos 1067 revelam que os presos fugiram depois de serem ameaçados de morte pelos seus captores. Tortura e maus-tratos em 1999 Como em períodos anteriores, as vítimas de tortura e maus-tratos de 1999 foram espancadas, pontapeadas, esmurradas e queimadas com cigarros acesos. Por exemplo, Armindo Soares Salsinha, líder do CNRT na vila de Ermera, foi capturado a 30 de Abril por membros do TNI, da Rajawali e da milícia DMP e levado para o posto da Rajawali na Casa da Integração. Ele foi posteriormente transferido para o Koramil. Contou à Comissão como foi tratado: * Por exemplo, Agusto da Silva e outra vítima foram libertados do Kodim de Covalima em Março de 1999, depois de o padre Hilário se encontrar com o chefe dos serviços de informação, o sargento Yus Nampun [HRVD, Testemunho nº 5135. Ver também os Testemunhos nº 2161; 5641; 8445 e 5176 da HRVD]. † Por exemplo, o CICV foi referido como promotor das libertações do Kodim de Covalima em Maio de 1999 e da esquadra da polícia do distrito de Díli a 27 de Janeiro de 1999 [HRVD, Testemunhos nº 7399 e 5176]. - 260 - Quando chegámos ao Koramil, T785 (um soldado), T789 e T786 (da milícia DMP) interrogaram-me enquanto faziam força numa cadeira que estava em cima do meu pé e José usou a arma dele para me bater na face, partindo-me dois dentes. T786 deu-me pontapés no peito e murros na testa. Um [soldado] BTT esmurrou-me e um BTT usou a arma dele para me bater nas costas e eu agora tenho dores levantar coisas pesadas. Foi continuamente espancado, 1068 desde a meia-noite até de manhã. Havia algumas diferenças nos métodos de tortura e maus-tratos utilizados em 1999 em relação aos de períodos anteriores. Por exemplo, por um lado, a Comissão recebeu poucos relatos sobre 1069 o uso de electricidade comparativamente às décadas anteriores. Por outro lado, foram relatadas ameaças de morte com muito mais frequência do que em anos anteriores. Outros métodos de tortura que surgiram neste período incluem os seguintes. Humilhação e degradação Muitos incidentes de tortura ou maus-tratos de vítimas incluíam um elemento de humilhação e degradação da vítima, tanto em centros de detenção como em público. A humilhação pública da vítima não pretendia apenas dissuadi-la de “repetir a infracção”, mas também enviar uma mensagem clara a toda a comunidade sobre as consequências de ser pró-independência. Alguns presos eram humilhados sendo desnudados em público. Carlito Fernandes descreveu como, a 13 de Abril de 1999, o chefe do suco de Malabe (Atsabe, Ermera) chamou todos os residentes de Malabe ao gabinete do suco e depois mandou Carlito Fernandes despir-se completamente. Carlito foi obrigado a ficar nu em frente da multidão enquanto os perpetradores o espancavam com madeira, o pontapeavam e o empurravam para a lama, como se fosse um búfalo. Ele foi mandado para casa, nu e envergonhado. Isto aconteceu porque as suas 1070 actividades clandestinas foram descobertas. Domingos da Conceição disse à Comissão ter sido detido por membros do TNI de Atsabe (Ermera) por ser membro do movimento clandestino em Maliubu (Bobonaro, Bobonaro). Eles mandaram-no despir-se e obrigaram-no a ficar sobre 1071 um formigueiro enquanto o espancavam com as coronhas das espingardas. O tratamento degradante de presos também ocorreu depois do acto eleitoral, como forma de punição pelo resultado. José Costude Cardoso disse ter sido desnudado em frente da sua casa 1072 em Borohun, Duyung (Metinaro, Díli) por membros da Aitarak, a 31 de Agosto de 1999. Fernando de Araújo Sarmento (o secretário do movimento clandestino da zona 1 para o subdistrito de Fohorem, Covalima) foi detido, juntamente com Basílio Amaral, cujo testemunho é mencionado acima. Ele disse à Comissão que, a 1 de Setembro, ele e 13 outros foram capturados por um grupo formado por membros da milícia Laksaur, do BTT, do Contingente * Lorosae e o chefe da polícia de Fohorem, T760 , e foram levados para a esquadra da polícia de Fohoren, onde tiveram de ficar de pé sobre uma perna e com as mãos na cabeça, enquanto 1073 eram espancados pelos agentes policiais timorenses T759, T790, T791 e T792. Violência em público A violência em público também foi mais comum do que em anos anteriores, talvez para instilar medo na comunidade e porque os membros das milícias agiam com impunidade. Por exemplo, em Manufahi, a 30 de Agosto, o dia da votação, dois homens foram decapitados e as suas * As outras vítimas que o depoente conhecia eram: Basílio Amaral, Hipólito Afonso, Anito Saldanha, Paulo de Jesus, Ângelo, António, Júlio, Daniel, Graciano do Rego e Gabriel. - 261 - cabeças foram exibidas em público, para aterrorizar a comunidade e levá-la a partir para Timor 1074 Ocidental. Abusos verbais Os comentários insultuosos sobre o movimento da independência e as ameaças de morte foram 1075 muito mais comuns do que em anos anteriores. Os juramentos de sangue, nos quais os participantes eram obrigados, frequentemente sob ameaça de morte, a beber uma mistura de sangue humano e sangue animal e a jurar fidelidade à Indonésia, também eram uma forma de abuso. Outras formas de tratamento cruel e degradante Muitas vítimas sofreram várias outras formas de tratamento cruel e degradante em 1999, incluindo: as suas cabeças serem envoltas em plástico, serem privadas de alimentação e de bebida ou obrigadas a comer coisas não alimentares, ou urinarem sobre elas. A 30 de Abril, Alexandre dos Reis foi capturado pelos membros timorenses da milícia Laksaur, T794 e T795, e pelo agente policial timorense T796, no suco de Akar-Laran, em Suai Loro (Suai, Covalima) e levado para o Kodim de Covalima. Descreveu à Comissão o tratamento que lhe dispensaram: Antes de me espancarem, puseram-me numa sala e amarraram o meu pescoço com arame, as minhas mãos e a minha cintura e algemaram as minhas mãos…[Eles] começaram a tapar a minha cabeça com um saco de plástico preto e depois espancaram-me com as mãos. As pessoas que me torturam eram um soldado, T797, e três outros que eu não conhecia. Fui torturado deste as 10 horas da noite até ao meio-dia do dia seguinte. Depois, desamarram-me e tiraram o saco de plástico da minha cabeça, mas continuei algemado. Não recebi comida nem bebida durante três dias e três noites. Como tinha muita fome e muita sede, menti e disse que precisava e ir à casa 1076 de banho e depois bebi a água da retrete. Enquanto estiveram presos numa cela atrás do gabinete do suco de Cassa (Ainaro, Ainaro), Filomeno Soni e Basílio foram desnudados, as suas cabeças foram envoltas em plástico durante 30 minutos e as suas unhas dos pés foram arrancadas com alicates por membros do BTT local, 1077 da Gadapaksi e da Mahidi. A 13 de Setembro, Raimundo Madeira foi preso pela milícia Aitarak e levado para um posto do TNI. Depois de lhe vendarem os olhos, o espancarem até ele perder os sentidos e o arrastarem pela estrada principal, mandaram-no dormir no chão, urinaram sobre ele e queimaram-no com 1078 pontas de cigarro. Depois de votar na Consulta Popular, Justino do Rego dos Santos tentou fugir para o aeroporto de Díli. Foi travado pela milícia Aitarak e levado para o posto de Comoro. Foi violentamente espancado o que resultou numa hemorragia no ouvido e foi obrigado a comer e engolir o seu 1079 cartão de identificação do CNRT. Carlos Pereira sofreu uma forma estranha de maus-tratos enquanto esteve preso na esquadra da polícia do subdistrito de Suai Loro: - 262 - A 25 de Abril de 1999, de manhã cedo, um agente da polícia saiu e trouxe uma tigela de arroz e obrigou-me a mim e a Agustinho a comer. Mas tínhamos de acabar antes de ele contar até dez. Como não comemos tudo dentro do tempo, o agente da polícia usou a arma dele para me bater no peito, nas costas e na boca até o sangue 1080 jorrar. Conclusão Podem ser retiradas várias conclusões das provas sobre os padrões de prisão arbitrária, tortura e maus-tratos em 1999: • A prisão arbitrária, a tortura e os maus-tratos eram utilizados pelos militares ou pelos seus substitutos das milícias com o objectivo explícito de intimidar a população e de coagir as pessoas a apoiar a integração na Indonésia. • Os militares deram rédea livre às milícias para aterrorizar a comunidade através de abusos públicos e privados e da tortura de civis. A Comissão não encontrou quaisquer exemplos de milicianos serem punidos, ou sequer repreendidos, pelos seus abusos. Pelo contrário, as provas indicam que as forças armas participavam com frequência na prisão, tortura e maus-tratos das vítimas. • Foram utilizadas instalações militares para prender, interrogar e torturar vítimas. • As milícias também utilizaram centros de detenção improvisados, nos quais as condições de prisão eram más. • Os períodos de prisão eram curtos, geralmente não superiores a uma semana, embora houvesse algumas excepções. Por vezes, uma figura de autoridade promovia a libertação de um preso. Noutros casos, eram pagos subornos aos captores da vítima. • A tortura e os maus-tratos tinham por objectivo não só punir a vítima, como degradá-la e humilhá-la. 7.4.9 Conclusões Prisões, tortura e maus-tratos por parte da UDT Prisão A Comissão conclui que: 1. Membros e apoiantes da UDT e de forças da UDT levaram a efeito prisões generalizadas durante o período do movimento armado. Estes actos tinham claramente como alvo os líderes, membros e apoiantes da Fretilin. A Comissão baseia esta conclusão em entrevistas e em depoimentos em primeira mão de centenas de pessoas presas pela UDT ou que testemunharam detenções feitas por este partido, bem como em perfis históricos elaborados por comunidades. 2. Membros da UDT e de forças da UDT prenderam vítimas em todos os distritos de TimorLeste, com excepção de Oecusse. No entanto, o maior número de prisões registou-se em Ermera, Díli, Manufahi, Bobonaro e Liquiça. A maioria das prisões ocorreram no primeiro dia do movimento armado da UDT, em 11 de Agosto de 1975, mas foram presas mais pessoas nos dez dias seguintes. - 263 - 3. Estas prisões eram uma estratégia fundamental da acção da UDT. No entanto, a UDT não tinha autoridade legal para deter civis. Estas prisões e detenções foram feitas pelo facto de apoiantes da Fretilin exercerem os seus legítimos direitos de liberdade de expressão política e liberdade de associação. 4. As vítimas de prisão arbitrária eram detidas em prisões improvisadas, geralmente em edifícios grandes na área onde se realizavam as detenções. Entre esses edifícios contavam-se armazéns, escolas, casas particulares, uma antiga prisão portuguesa, antigas casernas militares e galinheiros. Também foram criados centros de detenção principais, incluindo Palapaço, em Díli, e Descascadeira, em Baucau, para os quais eram levados presos detidos noutros distritos. 5. Os períodos de aprisionamento foram curtos porque o movimento da UDT iniciado a 11 de Agosto durou pouco. A maioria dos presos eram libertados num espaço de duas semanas, mas alguns ficavam detidos mais do que um mês. Enquanto estavam presos, eram regularmente obrigados a desempenhar tarefas como cozinhar para outros presos e limpar os centros de detenção, construir estradas ou transportar pedras e madeira. A UDT libertou alguns presos por iniciativa própria, mas a maioria foram abandonados quando as forças da Fretilin atacaram uma zona onde os presos estavam, levando à fuga das forças da UDT. 6. As vítimas de prisão arbitrária conhecidas pela comissão são predominantemente do sexo masculino, em idade militar e consideradas pelo perpetrador como estando associadas à Fretilin. Por vezes, familiares destas vítimas, incluindo as suas mulheres, pais e filhos, foram arbitrariamente detidos. 7. Os perpetradores de prisão arbitrária eram predominantemente líderes da UDT a nível distrital, ou pessoas sobre o seu comando. Estes líderes conheciam a população de cada distrito e conseguiam identificar eficazmente os membros ou apoiantes da Fretilin. Maus-tratos e tortura 8. Membros e apoiantes da UDT, bem como indivíduos mobilizados por dirigentes da UDT, trataram os presos de uma forma generalizadamente cruel, desumana, degradante durante o movimento armado de 1975. Alguns presos foram torturados, mas a tortura não foi generalizada. Estes actos ocorreram entre 11 de Agosto de 1975 e o final de Agosto e em todos os distritos de Timor-Leste, excepto Oecusse, mas com maior incidência em Ermera, Díli, Manufahi e Bobonaro. 9. A Comissão baseia as suas conclusões em entrevistas e depoimentos em primeira mão de centenas de pessoas que foram maltratadas e torturadas pela UDT, ou que assistiram a detenções feitas pela UDT. 10. Entre os diversos tipos de abusos físicos sofridos pelas vítimas são de referir: - 264 - • Espancamentos graves, com as mãos ou com espingarda, por um perpetrador, ou por vezes, por um grupo de perpetradores • Chicotadas • Estar amarrado durante longos períodos de tempo, por vezes mais do que uma semana • Ameaças de morte • Cortar a vítima com catanas, ou lâminas de barbear • Bofetadas e pontapés • Uma vítima disse ter sido queimada com cigarros acesos. 11. Líderes individuais da UDT detiveram prisioneiros em edifícios que não estavam equipados para alojar grandes grupos de pessoas durante longos períodos de tempo. As condições sanitárias e de ventilação eram gravemente inadequadas e os membros da UDT encarregues dos centros de detenção fizeram poucos ou nenhuns esforços para melhorar as condições ali existentes. Muitos centros de detenção encontravam-se completamente superlotados e, além disso, a UDT não tomou medidas para alimentar as centenas de pessoas que deteve. Os presos dos principais centros de detenção da UDT disseram ter sido privados de alimentação; alguns não receberam qualquer alimentação durante nove dias. Pelo menos duas pessoas morreram de fome enquanto estiveram presas. A austeridade destas condições resultou num tratamento cruel, desumano e degradante. 12. Os presos não eram maltratados com o intuito de lhes ser extraída informação ou de coagi-los. As vítimas sofreram os actos violentos acima descritos quando eram detidas e transportadas para a prisão e enquanto permaneciam presas — como castigo, ou como manifestação da violência desenfreada que se fez sentir no período. 13. As vítimas de maus-tratos e tortura por parte da UDT eram principalmente presos, ou pessoas sob detenção. Por conseguinte, eram predominantemente homens em idade militar associados — ou suspeitos de pertencerem — à Fretilin. Os líderes da Fretilin foram tratados com particular brutalidade. 14. Os maus-tratos e a tortura não foram necessariamente ordenados pela Comissão Política da UDT, mas as tensões da época, o incitamento à detenção feito através da rádio e o incitamento geral de “purgar os comunistas” criou uma atmosfera na qual era bastante provável que os presos fossem vítimas de abusos. Além disso, membros da Comissão Política da UDT estariam cientes de que líderes individuais e membros da UDT e das forças da UDT estariam a maltratar e, em alguns casos, a torturar prisioneiros. As formas mais excessivas de abuso ocorreram no quartel-general da UDT, em Díli, e nos bastiões da UDT de Ermera e do distrito de Liquiça, nos quais foram avistados líderes principais da UDT. 15. Quando ficou ciente do que estava a acontecer, a liderança da UDT só fez esforços mínimos para prevenir ou travar os abusos infligidos aos prisioneiros. Prisões, tortura e maus-tratos por parte da Fretilin Durante o conflito interno armado Prisão A Comissão conclui que: - 265 - 16. A Fretilin reagiu ao movimento armado da UDT com uma insurreição armada, que incluiu a captura e prisão de líderes, membros e apoiantes da UDT de forma generalizada. Embora isto fosse em parte motivado por um desejo de travar a violência praticada contra os membros da Fretilin, também foi motivado pelo desejo de vingar as violações perpetradas pelos membros e forças da UDT. Foram feitas detenções em todos os distritos de Timor-Leste, excepto Oecusse, mas os números foram mais elevados em Ermera, seguido por Díli, Bobonaro e Manufahi. Mais de mil pessoas foram presas em todo o território. 17. A Fretilin prendeu a maioria dos membros e apoiantes da UDT na primeira semana da insurreição geral armada, de 20 a 27 de Agosto de 1975, data após a qual os líderes e membros da UDT deixaram o território, partindo para Timor Ocidental (Indonésia). Continuou a haver casos isolados de prisão de membros da UDT que tinham ficado para trás, até à invasão indonésia. Ao longo de Agosto e Setembro, a Fretilin também prendeu líderes, membros e apoiantes da Apodeti que participaram no movimento da UDT de 11 de Agosto. No dia 4 de Outubro, reagindo a boatos sobre um golpe da Apodeti e infiltração das ABRI nas fronteiras de Timor-Leste, o Comité Central da Fretilin ordenou a prisão generalizada de membros da Apodeti e prendeu os seus líderes principais, bem como outros membros e apoiantes. A Fretilin também prendeu membros da administração portuguesa, incluindo o chefe da Polícia portuguesa, o tenente-coronel Maggiolo Gouveia. 18. As vítimas de prisão arbitrária eram detidas em prisões improvisadas, geralmente em grandes edifícios na área local. Alguns destes tinham sido utilizados pela UDT durante o movimento armado e incluíam armazéns, escolas, antigas prisões portuguesas, o museu de Díli, casernas militares. Os maiores centros de detenção situavam-se no quartelgeneral da Fretilin, em Aisirimou, Aileu. 19. Depois de controlar o território, a Fretilin concentrou em Aisirimou presos vindos de Ermera, Manufahi e Manatuto. No dia 7 de Dezembro, quando a Indonésia lançou a sua invasão em larga escala, os presos de Díli também foram transferidos para Aisirimou. A 9 de Dezembro, os prisioneiros detidos em Aisirimou totalizavam quase 1.000. 20. As vítimas de prisão arbitrária por parte de membros e apoiantes da Fretilin conhecidas pela Comissão eram predominantemente do sexo masculino, em idade militar e consideradas pelo perpetrador como estando associadas à UDT ou à Apodeti. Também foram presos líderes dos partidos políticos KOTA e Trabalhista. Por vezes, familiares também eram arbitrariamente presos. 21. Os perpetradores de prisão arbitrária eram predominantemente comandantes da Fretilin a nível distrital, ou pessoas sob o seu comando. Estes comandantes conheciam a população de cada distrito e conseguiam identificar eficazmente os membros ou apoiantes da UDT e da Apodeti. 22. Após o final do conflito interno armado, a Fretilin desenvolveu esforços no sentido de garantir aos detidos a instrução correcta do seu processo. Criou uma comissão de inquérito para decidir sobre a culpa ou inocência dos presos após o movimento armado da UDT. Este processo envolvia a apresentação de testemunho. Este processo de inquérito funcionava a nível distrital, mas, dado o ambiente criado pelo recente conflito, as condições oferecidas não eram melhores que as de um linchamento. O acusado não era presumido inocente antes de ser considerado culpado pela população e não tinha direito de contestação. O tipo de castigo determinado pelo povo era frequentemente duro e desproporcional em relação ao alegado crime. 23. As vítimas permaneceram detidas durante um máximo de cinco meses, até o avanço das forças indonésias tornar insustentável a detenção dos prisioneiros, levando ao seu abandono, libertação ou, em alguns casos, à sua execução. - 266 - 24. Os presos eram regularmente obrigados a desempenhar tarefas, entre as quais cozinhar para outros presos, limpar os centros de detenção, construir estradas ou transportar pedras e madeira. Alguns dos presos foram recrutados para as forças da Fretilin/Falintil depois da invasão em larga escala da Indonésia. Foi criado um campo de trabalho para alimentar os prisioneiros, que eram obrigados a trabalhar em plantações de arroz e de café. 25. Depois da invasão indonésia, a Fretilin manteve os seus prisioneiros em Díli e em Aileu, com medo que eles caíssem nas mãos dos militares indonésios. Conduziu os prisioneiros para longe das forças invasoras, levando primeiro os que estavam detidos em Díli para Aileu e, depois, transferindo todos os prisioneiros de Aileu para a cidade de Same, através de Maubisse, e, por fim, para Holarua no subdistrito de Same. A maioria dos presos da UDT foi levada para Ainaro. A maioria dos presos da UDT que se encontravam em Same, foram libertados, bem como um pequeno número de prisioneiros da Apodeti, mas sob condições. O Capítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, aborda as execuções de presos. Tortura e maus-tratos 26. Membros e apoiantes da Fretilin e de forças da Fretilin trataram os presos de uma forma generalizadamente cruel, desumana e degradante durante o conflito político interno de 1975. A gravidade do tratamento sofrido pelos presos raiou em alguns casos a tortura e algumas pessoas morreram devido aos abusos sofridos. Estes abusos ocorreram numa atmosfera de violência desenfreada e num espírito de vingança pelas violações perpetradas pela UDT. A violência também afectou membros da Apodeti, que foram maltratados e torturados, principalmente à medida que as incursões indonésias aumentavam de intensidade. 27. A brutalidade com que os membros da Fretilin tratavam os presos ou com que permitiam que os presos fossem tratados é evidente na lista parcial que se segue sobre o sucedido: • Espancamentos graves, com as mãos ou com utensílios — entre os quais espingarda, barra de ferro, paus de madeira, bambu, canas-da-índia, cabos de travão de automóvel, capacete, pilão, pregos e um pedaço de arame farpado; alguns presos foram espancados até à morte, ou até ficarem inconscientes, cegos ou surdos • Era ordenado aos prisioneiros que se espancassem uns aos outros, incluindo prisioneiros aparentados • Esfaqueamento • Amarrar os presos antes do espancamento, para que não pudessem defender-se • Arrastar os presos pelo chão até ficarem cortados e a sangrar • Despir os presos e obrigá-los a dormir no chão acidentado 28. Estes actos começaram a ocorrer a 20 de Agosto de 1975 em todos os distritos de Timor-Leste, excepto Oecusse, mas com maior incidência em Ermera, Díli, Baucau, Manufahi e Aileu. 29. O tratamento dos presos variava entre centros de detenção, mas a Comarca e o Museu de Díli eram os únicos locais onde não foi relatada violência contra os presos. Noutros centros de detenção, os guardas espancavam frequentemente os prisioneiros e, pelo menos numa prisão da Fretilin, identificou-se um guarda específico que abusava dos prisioneiros. 30. Poucos presos foram interrogados pela Fretilin e, na maioria dos casos, a violência acontecia apenas para punir o preso, ou como manifestação da atmosfera geral de conflito e violência. - 267 - 31. Tal como a UDT fizera anteriormente, os comandantes e membros da Fretilin utilizaram edifícios ou estruturas para deter os prisioneiros que não estavam equipados para alojar grandes grupos de pessoas durante longos períodos de tempo. As condições sanitárias e de ventilação eram lamentáveis e os membros da Fretilin encarregados dos centros de detenção fizeram poucos ou nenhuns esforços para melhorarem as condições nestes existentes. Os centros de detenção estavam com frequência completamente superlotados, principalmente os de Aileu. Estas condições eram de tal maneira lamentáveis que resultavam num tratamento cruel, desumano e degradante. 32. A quantidade de alimentação recebida pelos presos da Fretilin variava. Em Baucau e na Comarca de Díli, presos relataram ter recebido três refeições por dia, entre Agosto e Outubro. Noutros centros de detenção, os presos disseram receber alimentação insuficiente. Em Novembro, à medida que continuavam as incursões indonésias na fronteira, houve grave escassez de víveres em todos os centros de detenção. A liderança da Fretilin estava ciente da escassez de víveres e montou campos de trabalho em Aileu, mas estes não conseguiam alimentar os presos devido aos ataques indonésios. A Fretilin não libertou presos depois de perceber que não podia alimentá-los, o que resultou num tratamento cruel, desumano e degradante. 33. Embora a violência ocorresse no contexto do conflito armado, era evidente que os membros principais do Comité Central estavam cientes dos abusos praticados contra os prisioneiros. O tratamento de presos mais brutal ocorreu no quartel-general da Fretilin, em Taibesi, e em Aisirimou, Aileu. O tratamento dos presos variava consoante o distrito, bem como o nível de responsabilidade pelos maus-tratos e pela tortura dos prisioneiros. Em Baucau, prisioneiros disseram ter sido espancados regularmente, mas só pelos guardas, depois de os superiores destes saírem. No entanto, em Manufahi e em Aileu, líderes da Fretilin estiveram presentes aquando da tortura de líderes da UDT, não só permitindo essa tortura como também incitando a comunidade a atacar membros da UDT. Vários membros do Comité Central da Fretilin falaram sobre o seu conhecimento do abuso dos prisioneiros, mas afirmaram não conseguirem controlá-lo. 34. A liderança da Fretilin fez esforços insuficientes para prevenir os abusos ou para travar o abuso dos prisioneiros, depois de tomar conhecimento do que estava a acontecer. 1976/1979 A Comissão conclui que: Prisão 35. Depois da invasão indonésia, a Fretilin continuou a prender pessoas no território, dentro das zonas libertadas por si controladas, até as bases da Resistência serem destruídas. O Comité Central da Fretilin recorria por rotina à prisão para manter a disciplina e o controlo e para resolver divergências políticas. 36. Como as detenções eram um elemento reconhecido na administração das zonas libertadas, havia membros do Comité Central da Fretilin que as levavam a efeito pessoalmente, ou que as ordenavam. Em termos processuais, a detenção e prisão arbitrária de presos suspeitos competiam à autoridade dos comandantes das Falintil e as investigações realizavam-se sob supervisão dos comissários políticos. Por conseguinte, a prisão arbitrária era claramente aceite pelo Comité Central. 37. A Fretilin prendeu pessoas por violarem regras estabelecidas pelo seu Comité Central, incluindo por traírem a posição política da Fretilin, a nação ou o partido, ou por transgressões disciplinares. Como não havia directrizes, estas regras eram aplicadas sem coerência, o que na prática fazia com que qualquer acto ou suspeita de acto que o Comité Central desaprovasse pudesse ser denunciado como traição, ou como transgressão das regras da Fretilin. - 268 - 38. As vítimas de prisão eram todas aquelas sob o controlo da Fretilin, incluindo membros da Fretilin e das Falintil e civis comuns. A Fretilin escolhia como alvos as pessoas que considerava “reaccionárias” e “traidoras”, frequentemente pessoas associadas a um líder específico da Fretilin/Falintil. 39. A Fretilin tentou garantir a instrução correcta do processo judicial dos presos através da justiça popular para julgar e condenar os presos, mas as sentenças de prisão resultantes deste processo eram arbitrárias. Aos acusados não era dada oportunidade de se defenderem nem de interporem recurso — nem da decisão, nem da sentença. Além disso, muitas pessoas permaneciam detidas durante vários meses antes de serem “julgadas”, não sendo informadas sobre as acusações de que eram alvo, ou nem sequer julgadas. * 40. Os presos eram mantidos em estruturas primitivas, como “pocilgas” , galinheiros, cabanas de bambu ou buracos no chão. No início, eram apenas locais onde as pessoas eram presas, mas no final de 1977, muitos foram transformados em campos de reabilitação nacionais (ou Renal). Outras Renal foram construídas de raiz e tinham este tipo de condições. As Renal eram idênticas às prisões — no que se refere às condições de detenção dos presos — mas foram criadas no pressuposto de que os praticantes de actos ilícitos poderiam ser “reabilitados”. Os presos recebiam formação política, sendo por vezes alfabetizados, e trabalhavam em campos comunais, obedecendo ao que era supostamente um sistema de valores baseado na igualdade. 41. Em termos teóricos, as sentenças de prisão não tinham prazo determinado e estes períodos de prisão duraram até as bases de apoio serem destruídas. Mesmo nessa altura, o Comité Central libertava poucos presos por livre iniciativa, mas os presos fugiram quando as forças indonésias chegaram à zona, ou foram libertados pela Fretilin quando se tornou impraticável fazer mais prisões. Tortura e maus-tratos 42. Membros e apoiantes da Fretilin e de forças da Fretilin praticaram um tratamento cruel, desumano e degradante generalizado e torturaram presos em centros de detenção e em Renal entre 1976 e 1978. A tortura e os maus-tratos foram praticados de forma mais cruel do que no período do conflito interno, pois tornaram-se parte da prática de justiça administrada pela Fretilin. A tortura e os maus-tratos foram utilizados não só para controlar os presos, como durante os interrogatórios e para punir adversários políticos. Muitas pessoas morreram na prisão. 43. Os métodos de tortura e os maus-tratos geralmente sofridos pelas vítimas incluíam: * As prisões “pocilga” não eram estruturas anteriormente utilizadas para guardar porcos. Eram, geralmente, estruturas de detenção improvisadas, por vezes com um formato e tamanho parecidos com os de uma pocilga, onde se detinham os presos. O nome “pocilga” foi adoptado para fazer referência ao facto de os presos comerem, dormirem e fazerem as suas necessidades fisiológicas na cela, como porcos numa pocilga. - 269 - • Espancamentos graves, com as mãos, com espingarda, com ramos espinhosos ou outros pedaços de madeira • Chicotadas • Queimar a vítima com varas de ferro quentes, cigarros acesos ou pedaços de madeira em chamas • Amarrar as vítimas a uma árvore ou poste e deixá-las expostas ao sol durante longos períodos de tempo • Amarrar as vítimas de maneira restringir fortemente os seus movimentos, impedindo-as de se alimentarem ou de fazerem as suas necessidades fisiológicas • Urinar sobre as vítimas • Colocar as vítimas num buraco cheio de formigas • Ameaçar as vítimas de morte • Pontapear as vítimas com botas militares 44. Membros do Comité Central estiverem frequentemente envolvidos de forma directa ou testemunharam a tortura de prisioneiros e nada fizeram para o impedir. 45. Os prisioneiros eram mantidos em condições de sobrelotação e de má ventilação em alguns locais e as condições sanitárias eram extremamente inadequadas em todos eles. Alguns presos tinham de urinar e defecar no local onde se encontravam. Em muitos casos, as condições de detenção constituíram um tratamento cruel, desumano e degradante. 46. A Fretilin privava frequentemente os presos de alimentação ou não conseguia dar-lhes alimentação suficiente, tendo alguns morrido de fome ou de doenças relacionados com a fome. Um grupo de 50 crianças mantidas numa creche em Aileu morreu devido a alimentação insuficiente, privação que as fez adoecer. Os presos que estavam doentes continuavam a ter de trabalhar. Isto resultou num tratamento cruel, desumano e degradante. Este tratamento pode ser parcialmente explicado pelas circunstâncias difíceis da época, incluindo o avanço das forças indonésias que obrigou a Fretilin a deslocar-se e queimou culturas da Fretilin. Contudo, a Fretilin não libertou os presos depois de saber que não conseguiria alimentá-los. Além disso, em muitos casos a Fretilin privava intencionalmente os presos de alimentação para castigá-los, incluindo os alimentos entregues pelos familiares dos detidos. Prisões, tortura e maus-tratos pelos militares, polícias e agentes indonésios Prisão e detenção A Comissão conclui que: 47. Membros das forças de segurança indonésias e os seus auxiliares cometeram, incentivaram e aceitaram a prisão e detenção de forma sistemática e generalizada durante o período da ocupação indonésia de Timor-Leste. 48. A Comissão baseia a sua conclusão em cerca de 150 entrevistas e milhares de testemunhos — com depoimentos em primeira mão sobre prisões arbitrárias —, além de provas corroborativas fornecidas por testemunhos de testemunhas e outros documentos, incluindo documentos militares indonésios em posse da Comissão. - 270 - 49. É provável que tenham sido presos dezenas de milhares de timorenses de leste durante a ocupação. A Comissão baseia esta conclusão no facto de o seu processo de recolha de testemunhos ter identificado mais de 18.518 vítimas de prisão arbitrária pelos militares indonésios e seus auxiliares, em mais de 20.895 incidentes de prisão. Como o processo de recolha de testemunhos só recolheu testemunhos de cerca de 1% da população, o número real de detidos será certamente muito superior. 50. As prisões aumentaram durante as operações militares e depois delas. O número de pessoas detidas atingiu o ponto máximo em 1979, mas manteve-se sempre elevado entre 1975 e 1983, o período das maiores operações militares. As prisões atingiram um novo ponto máximo em 1999, durante os preparativos para a Consulta Popular e depois de serem anunciados os resultados desta. 51. As autoridades indonésias detiveram pessoas em todos os distritos de Timor-Leste, embora o número mais elevado de prisões tenha ocorrido em Díli, que tinha as maiores prisões estatais e os maiores centros de detenção, seguido pelos distritos orientais de Timor-Leste. Muito poucas pessoas foram detidas em Oecusse depois do período de invasão inicial, até à violência das milícias em 1999. 52. As vítimas de prisão e detenção arbitrária eram predominantemente homens em idade militar (dos 20 aos 39 anos de idade), associados — ou suspeitos de associação — a grupos que resistiram à ocupação, incluindo a Fretilin/Falintil, redes clandestinas, ou outros grupos pró-independência. As forças de segurança indonésias e os seus auxiliares também marcaram como alvos os familiares de pessoas suspeitas de pertencerem à Resistência armada, redes clandestinas ou outros grupos próindependência, incluindo as suas mulheres, pais e filhos. Estas detenções foram feitas em nome da segurança nacional e para livrar Timor-Leste de membros do Bando de Perturbadores da Segurança (Gerombolan Pengacau Keamanan, GPK). 53. Setenta porcento das prisões foram feitas directamente pelas forças de segurança indonésias, incluindo membros de batalhões de combate, membros dos comandos provincial, distrital e subdistrital e respectivos batalhões e unidades de serviços de informação associados, membros da Unidade Conjunta dos Serviços de Informação (Satuan Gabungan Intelijen, SGI) ou do Comando de Forças Especiais Indonésias (Kopassandha/Kopassus) e membros de esquadras de polícia a nível subdistrital, distrital e provincial. No início, os militares faziam a maioria das detenções, mas isso mudou durante o período da ocupação e, em meados dos anos 1990, a Polícia era a responsável pela maioria das detenções. 54. O Kopassandha/Kopassus esteve activo desde o nível central ao nível dos sucos durante a ocupação. O seu papel directo atingiu o ponto máximo entre 1983 e 1986, depois das insurreições nos distritos orientais e, mais tarde, começou a formar, treinar e armar milícias locais. 55. A segunda maior categoria de perpetradores era a dos timorenses que colaboravam com os militares indonésios. Os colaboradores (incluindo a defesa civil — Hansip, os funcionários públicos, os paramilitares e as milícias) foram apontados como tendo participado directamente em 34% das prisões, mas em muitos casos a detenção foi ordenada pelos militares ou feita juntamente com os militares. As Forças Armadas indonésias criaram alguns grupos de paramilitares e de milícias com o objectivo específico de aterrorizar a população local em zonas onde a resistência era forte, detendo e torturando pessoas suspeitas de pertencerem a movimentos clandestinos. Os auxiliares timorenses também eram fundamentais para fornecer informação aos militares. 56. Durante a invasão e ocupação indonésia, a prisão e a detenção foram utilizadas para reprimir a resistência em Timor-Leste, das seguintes maneiras: - 271 - • Mantendo os membros da resistência presos, impediam que eles continuassem as suas actividades ou que comunicassem com os seus colegas. • Os agentes dos serviços de informação e de outros militares utilizavam o interrogatório de prisioneiros para obterem informação sobre as estruturas e estratégias da resistência, ou sobre o paradeiro de determinados membros da resistência. • A prisão arbitrária e outras violações que ocorreram com frequência durante um período de prisões puniam membros efectivos dos grupos da resistência (ou suspeitos de o serem), o que servia de aviso sobre as consequências de seguir os exemplos deles. • A prisão de familiares e associados de pessoas suspeitas de pertencer à Resistência poderia fornecer informação sobre um suspeito às forças de segurança e também era utilizada para punir o familiar ou associado no lugar do suspeito. • Quando era detidos grupos grandes, os membros da Fretilin e das Falintil podiam ser separados dos civis comuns graças a informação dos serviços de informação , sendo posteriormente presos. A prática comum das forças de segurança indonésias consistia em deter arbitrariamente suspeitos sem qualquer consideração pela instrução correcta do processo judicial, principalmente nos primeiros anos da ocupação. Os direitos não eram lidos aos detidos e estes não eram informados de quais as acusações contra eles. Por rotina, era utilizada força excessiva na detenção dos suspeitos. Esta conclusão baseia-se em provas forte e vastamente comprovadas, que demonstram que a prática de detenção sem mandato de captura e o uso excessivo da força foram levados a efeito por várias unidades militares, a Polícia e o Kopassandha/Kopassus em todos os distritos de Timor-Leste, em todos os anos da ocupação. Ao longo da ocupação, mas principalmente entre 1975 e 1984, as autoridades indonésias procederam, com regularidade, a detenções em massa de grupos de número igual ou superior a 98 pessoas. Estas detenções foram feitas durante operações militares de larga escala como reacção aos ataques da resistência, ou depois de os serviços de informação identificarem um suco específico como apoiante do movimento clandestino ou esconderijo de membros das Falintil. Por vezes, as detenções em massas eram levadas a efeito como castigo colectivo dos actos de algumas pessoas. A partir de 1985, a detenção individual tornou-se mais comum do que a detenção de grupos grandes, sugerindo que as prisões eram feitas de uma maneira mais específica do que anteriormente. As forças de segurança indonésias recorreram a informações secretas fornecidas pelos auxiliares timorenses para identificar membros da Fretilin, das Falintil, das redes clandestinas, ou as suas famílias, e marcaram estas pessoas como alvos a deter. Por vezes, as informações recolhidas pelos serviços de informação eram utilizadas para criar “listas negras” com nomes de suspeitos, que serviam para deter pessoas. As pessoas que constavam dessas listas eram detidas repetidamente e eram frequentemente reunidas antes de algum evento da resistência, como uma manifestação. Na maioria dos casos, as pessoas eram detidas nas suas habitações ou locais de trabalho, convocadas a comparecer numa esquadra de polícia ou posto militar por um auxiliar timorense, sendo aí detidas, ou eram detidas durante operações militares. Poucas foram “apanhadas num acto” de resistência, como participar numa demonstração. Os timorenses de leste que viviam na Indonésia, principalmente estudantes, também foram alvo de prisão e detenção, principalmente na década de 1990, quando muitos foram presos por participarem em manifestações ou em actividades clandestinas. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. - 272 - Condições da prisão A Comissão conclui que: 64. Membros das forças de segurança indonésia e os seus auxiliares cometeram, incentivaram e aceitaram a prisão de timorenses de forma sistemática e generalizada em condições que estavam abaixo dos padrões mínimos internacionalmente aceites para o tratamento de presos. Centenas de pessoas morreram enquanto estiveram presas, por maus-tratos deliberados, ou de negligência, fome e doença. Dos 18.518 casos relatados de detenção por militares ou polícias indonésios, 378 morreram durante a detenção. Outros 1.314 detidos morreram mas como se desconhece a data exacta das suas mortes não pode ser dado por certo que tenham morrido durante o período de detenção. 65. As forças de segurança indonésias utilizaram vários centros de detenção para deter os presos, tanto oficiais como não oficiais. Estes incluíam: - 273 - • Grandes edifícios requisitados pelos militares, como lojas, hotéis, edifícios públicos, como armazéns no porto de Díli, e casas particulares. Foram utilizados edifícios públicos e privados ocupados para deter prisioneiros quando havia muitas pessoas detidas e espaço insuficiente. Por exemplo, depois da invasão de Díli e quando os militares entraram pela primeira vez noutras áreas, depois dos levantamentos da resistência em redor do Monte Kablaki, em 1982, nos distritos orientais, em 1983, e em Alas (Manufahi), em 1998. Os paramilitares também utilizavam esses edifícios quando prendiam vítimas, sendo exemplo disso as prisões feitas pela Tim Sukarelawan em Ainaro, em 1991, e por todas as milícias em 1999. • Edifícios militares e policiais, incluindo postos de comando militares e esquadras de polícia a nível subdistrital, distrital e provincial, o quartel-general do SGI, bases militares, o Mess Korem, casernas militares, postos militares e bases do Kopassandha/Kopassus. Na maioria dos casos, os presos eram mantidos em celas, mas por vezes eram trancados em salas no quartel-general ou no posto militar, incluindo nas casas de banho. • Edifícios governamentais como escritórios dos sucos, salas de reuniões dos sucos ou escritórios da administração subdistrital ou distrital. Estes edifícios eram geralmente utilizados com o conhecimento ou o anuimento do funcionário administrativo encarregue do edifício. • Prisões estatais. A prisão da Comarca, em Díli, foi utilizada imediatamente depois da invasão. Outras prisões estatais de centros regionais foram abertas durante a segunda metade da década de 1980. • Estruturas improvisadas como buracos no chão ou edifícios feitos de ramos e bambu. Isto era comum durante o período de 1978 a 79, quando massas de pessoas se renderam, ou foram capturadas em zonas rurais. • Domicílio do preso. Os presos eram colocados em prisão domiciliária quando havia muitas pessoas presas, como durante a invasão e durante as operações de repressão militar que se seguiram ao levantamento da Resistência em 1982, em Mauchiga (Hatu Builico, Ainaro). • Ilha de Ataúro. Entre 1980 e 1983, foram enviadas cerca de 3.500 membros, ou pessoas suspeitas de serem, de redes clandestinas para a ilha, onde ficaram detidas até 1983 e, em alguns casos, até 1987. • Campos de transição. Estes campos, estabelecidos por todo o território, foram utilizados no final da década de 1970, depois da redenção em massa de pessoas que tinham estado sob o controlo da Fretilin. Prisões na Indonésia. Segundo relatórios recebidos pela Comissão, exceptuando um grupo de prisioneiros enviado para Kupang, Timor Ocidental, em 1983, os prisioneiros de Timor-Leste eram enviados para prisões em Java depois de serem julgados e condenados. Estes eram geralmente membros destacados do movimento clandestino ou da Resistência. 66. Era prática comum privar os prisioneiros de alimentação adequada ou água potável, ou fazer um fornecimento completamente inadequado de alimentação e alojamento para os prisioneiros. Os prisioneiros morreram frequentemente de fome e doença em vários locais de detenção até meados da década de 1980, quando o número de presos diminuiu e foram construídas prisões estatais para alojar os presos. Mesmo depois desta altura, havia relatos frequentes de presos que eram privados de alimentação durante vários dias ou que recebiam alimentação não comestível. • - 274 - 67. Era prática comum prender os prisioneiros em centros de detenção não oficiais, longe da família e dos amigos. Em muitos casos, as famílias não sabiam o que tinha acontecido aos parentes que tinham sido detidos e, se descobrissem, eram proibidos de comunicar por carta ou de fazer visitas. A presença do CICV melhorou a situação de alguns presos, mas só quando lhe era permitido actuar em Timor-Leste e só nas prisões e centros de detenção aos quais os seus representantes tinham acesso. 68. Era prática institucional comum deslocar os presos entre centros de detenção, por vezes entre alguns lugares na mesma noite. Isto servia para desorientar as vítimas, para permitir que diferentes unidades militares interrogassem a vítima, ou para colocar as vítimas sob custódia de diferentes unidades. Por vezes, os presos eram requisitados a um centro de detenção por uma unidade militar para serem interrogados, sendo depois devolvidos. Estes padrões verificaram-se durante a ocupação, desde os primeiros dias da invasão. 69. Outros exemplos de condições aterradoras em que os presos costumavam ser mantidos: • Providenciar alimentação, mas fazer com que não fosse comestível, deixando-a cair no chão, misturando-a com vidros partidos ou outros objectos afiados ou fezes de gato, ou dar-lhes víveres queimados ou podres. • Despir a vítima, deixando-a nua ou só com a roupa interior. Por vezes, isto era feito antes do interrogatório, mas em alguns locais era costume todos os presos serem mantidos nesta condição. • Colocar os presos em prisão solitária, por vezes por períodos até um ano. • Colocar as vítimas em celas conhecidas como “celas escuras, onde não havia luz e as condições de ventilação eram extremamente más. Todos os centros de detenção, incluindo prisões, esquadras de polícia e postos de comando militares, tinham celas escuras. • Condições sanitárias extremamente más, incluindo a ausência de casas de banho, para que os presos se sentassem em cima dos próprios excrementos ou dos excrementos de outros, ou a existência de apenas uma pequena casa de banho para um grande número de pessoas. • Restringir o acesso dos prisioneiros a actividades enquanto estivessem presos. Por norma, era-lhes negada autorização para praticar desporto, ler livros e jornais ou participar noutras actividades de lazer. No entanto, algumas actividades eram impostas aos presos, como cantar o Hino Nacional indonésio ou honrar a bandeira indonésia. Restringir o aceso a assessoria ou representação legal até à década de 1990 e, mesmo então, permitir apenas um acesso limitado. 70. Depois de visitas do CICV, de advogados ou de uma delegação estrangeira a um centro de detenção, as condições tendiam a melhorar. Contudo, alguns presos eram punidos por falarem com os visitantes. 71. As condições gerais melhoravam por vezes, quando os presos eram transferidos para uma prisão oficial. Isto verificou-se particularmente na prisão de Becora, em Díli, depois de esta abrir em 1986. Os maus-tratos e a tortura, incluindo espancamentos e abuso por parte de guardas prisionais, a reclusão solitária e as restrições em relação às actividades de lazer, comunicação com o mundo exterior ou visitas familiares também aconteciam nessas instituições, mas com muito menos frequência. • - 275 - 72. Antes do final de 1983, as autoridades indonésias não julgavam os prisioneiros. Os presos não dispunham de mecanismos para contestar a sua prisão ou solicitar uma data de libertação. A sua prisão não tinha termo determinado. Mesmo quando os julgamentos começaram, em 1983, as autoridades indonésias detiveram muitas pessoas durante longos períodos de tempo, antes de as julgarem. Na década de 1990, os presos que eram julgados eram acusados e levados a julgamento relativamente depressa. Não obstante, mesmo na década de 1990, muitos presos nunca foram julgados. Em 1999, quase nenhuns presos foram julgados. Interrogatório A Comissão conclui que: 73. Era prática institucional interrogar os presos. O interrogatório era utilizado para obter informações sobre as actividades da vítima, para punir ou intimidar a vítima, ou para obter informação sobre as estruturas e estratégias da resistência, a localização de armas ou documentos, ou os nomes de outros membros da Resistência. 74. Estes padrões mudaram ao longo do tempo. Nos primeiros anos da ocupação, os militares recorreram aos interrogatórios para aumentar os seus conhecimentos sobre a Resistência. 75. Quando a Polícia se tornou mais activa na prisão e no interrogatório de suspeitos e presos, os interrogatórios também se centraram em obter provas, como uma confissão, para serem utilizadas em julgamento. Antes de o interrogatório começar, os interrogadores costumavam preparar uma confissão escrita que era lida ao preso, sendo este obrigado a assiná-la, ou então a Polícia obrigava o preso a fazer uma falsa confissão. Muitos presos assinavam a confissão só para pôr fim ao interrogatório e à tortura. 76. Em 1999, antes da Consulta Popular, o interrogatório era utilizado para intimidar a vítima, bem como para descobrir os movimentos dos grupos pró-independência. 77. Era prática comum utilizar medidas altamente coercivas durante o interrogatório. Os métodos incluíam a utilização generalizada de tortura, ameaças de morte contra a vítima ou a sua família, fazer várias perguntas ou perguntas confusas ao preso ou distorcer as suas palavras, dizer ao preso que um outro preso já tinha confessado um alegado crime e privar os presos de alimentação, bebida, instalações sanitárias e sono, entre as sessões de interrogatório. 78. Quando havia atenção internacional em relação a determinados presos, o tratamento dos presos por parte das forças de segurança indonésias eram consideravelmente melhor. 79. Os presos costumavam ser interrogados dentro de centros de detenção, na sua cela, ou numa sala de interrogatório. Um número mais pequeno de presos era interrogado em casa antes de serem detidos. Alguns presos eram levados para centros de interrogatório especiais para serem interrogados, como o Sang Tai Hoo, em Díli. Alguns destes locais tornaram-se particularmente conhecidos pelo tratamento que davam aos presos. Alguns presos eram enviados para Java ou Bali, a fim de serem mais demoradamente interrogados. 80. A duração dos interrogatórios variava. Por vezes, os presos eram sujeitos a interrogatórios longos que duravam vários dias, numa tentativa de “quebrar” a vítima. Alguns presos tinham um horário de interrogatório, segundo o eram interrogados no mesmo dia todas as semanas, ou ao mesmo tempo em certos dias. Outras vezes, os interrogatórios eram curtos e intensos, principalmente quando tinham por objectivo intimidar o preso. - 276 - 81. Os presos eram frequentemente interrogados por diferentes agentes de diferentes instituições, ao mesmo tempo ou consecutivamente. Geralmente os interrogatórios estavam a cargo de agentes dos serviços de informação; em alguns casos, oficiais militares de alta patente voavam de Jacarta até Timor-Leste para interrogarem as vítimas. 82. As tácticas utilizadas pelos membros clandestinos durante o interrogatório incluíam mencionar apenas os nomes de camaradas que já tinham sido detidos, só divulgar informação já em posse dos interrogadores e assumir a responsabilidade pelos actos de outros. Tortura e maus-tratos A Comissão conclui que: 83. Membros das forças de segurança indonésias e seus auxiliares cometeram, incentivaram e aceitaram, de forma sistemática e generalizada, actos de tortura e maustratos contra as vítimas durante o período da ocupação indonésia de Timor-Leste. Em alguns casos, a tortura levava à morte. Por vezes, esta resultava directamente da tortura aplicada, outras da falta de tratamento dos ferimentos provocados durante a tortura. 84. As vítimas de tortura e maus-tratos eram esmagadoramente do sexo masculino, em idade militar e relacionados com a Fretilin/Falintil, ou outros grupos pró-independência. O segundo maior grupo sujeito a tortura e maus-tratos era composto por vítimas identificadas a si próprias como civis. Estas pessoas eram geralmente suspeitas de pertencerem a grupos de resistência, civis pertencentes a sucos suspeitos de apoiar membros da Fretilin/Falintil ou dar-lhes esconderijo, ou familiares ou associados de membros da Fretilin/Falintil, ou de outros grupos da Resistência. 85. As forças de segurança indonésias foram apontadas como perpetrador directo em 60% dos casos de tortura e 55% dos casos de maus-tratos. Diferentes instituições pertencentes ao aparelho de segurança desempenharam papéis proeminentes em momentos diferentes. No início da ocupação, os batalhões e oficiais militares participaram na maioria dos casos de tortura, principalmente funcionários dos serviços de informação . Entre 1985 e 1987, o Kopassandha/Kopassus participou directamente em muitos casos de tortura. A participação da Polícia na tortura de presos aumentou no final da década de 1990, atingindo o auge em 1999. 86. Os auxiliares timorenses também tiveram uma participação considerável na tortura das vítimas. Foram apontados como responsáveis por 35% dos casos de tortura e 40% dos casos de maus-tratos. Em muitos casos, as vítimas eram torturadas por auxiliares que cumpriam ordens dos militares ou que as praticavam juntamente com os militares. Os auxiliares desempenharam um papel significativamente menos proeminente do que os militares em todos os anos, excepto 1999, ano em que foram os principais perpetradores de violência contra as vítimas. 87. A maioria dos actos de tortura e maus-tratos foram praticados durante ou depois da detenção, ou na prisão. Algumas vítimas eram torturadas ou maltratadas fora do local de detenção, sendo agredidas em público, nas suas habitações, num campo ou durante a deslocação para o local de detenção. 88. A tortura tinha por objectivo obter informações da vítima, puni-la, ameaçá-la, humilhá-la e intimidá-la, ou a outras pessoas que partilhassem os seus vínculos políticos, ou então forçar a vítima a alterar a sua fidelidade política. 89. A tortura e outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante ocorriam geralmente quando os presos chegavam pela primeira vez a um centro de detenção, ou durante o interrogatório. Eram perpetraram nas celas, por vezes em frente a outros presos, outras vezes em salas de interrogatório específicas. Nos primeiros anos da ocupação, os militares indonésios utilizaram alguns edifícios especificamente para torturar prisioneiros. - 277 - 90. Actos de tortura e maus-tratos em público ocorreram com frequência durante a ocupação, mas principalmente em 1999. Não só causavam dor e humilhação à vítima, como tinham por intenção aterrorizar as pessoas que os testemunhassem. Em contrapartida, muitos actos de tortura e maus-tratos foram levados a efeito em segredo, longe dos olhos dos entes queridos das vítimas, ou da comunidade internacional. 91. Ao longo da ocupação, a correlação entre tortura ou maus-tratos e detenção aumentou. Durante o período de 1985/1998, embora houvesse menos pessoas presas, as que estavam tinham muito mais probabilidades de serem torturadas do que durante o período de 1975/1984, quando houve detenções em massa frequentes. 92. Os seguintes actos de tortura e outros tipos de tratamento cruel, desumano ou degradante foram comummente praticados pelas forças de segurança: - 278 - • Espancamento com os punhos, ou com utensílios como um taco ou um ramo de madeira, uma barra de ferro, a coronha de uma espingarda, correntes, um martelo, um cinto, cabos eléctricos • Pontapés, geralmente com botas militares ou policiais, incluindo na cabeça e na cara • Socos e bofetadas • Chicotadas • Cortes com facas • Cortes com lâminas de barbear • Colocar os dedos dos pés de alguém debaixo da perna de uma cadeira ou mesa e depois fazer uma ou mais pessoas sentarem-se em cima desta • Queimar a carne das vítimas — incluindo os órgãos genitais — com cigarros acesos ou com um isqueiro • Dar choques eléctricos a diferentes partes do corpo da vítima, incluindo os órgãos genitais • Amarrar com força as mãos e pés de alguém, ou amarrar a vítima e pendurá-la numa árvore ou num telhado • Utilizar água de várias maneiras, entre outras manter a cabeça de uma pessoa debaixo de água; manter uma vítima num tanque de água durante um período prolongado, por vezes até três dias; ensopar e amaciar a pele de uma vítima em água antes de a espancar; colocar a vítima num barril cheio de água e fazê-lo rolar; despejar água muito quente ou muito fria em cima da vítima; despejar água muito suja ou de esgotos por cima da vítima • Assédio sexual, formas sexuais de tortura e maus-tratos ou violação na prisão. As mulheres eram as principais vítimas deste tipo de abuso • Cortar a orelha de uma vítima para marcá-la • Amarrar a vítima atrás de um carro e obrigá-la a correr atrás dele, ou a ser arrastada pelo chão • Colocar lagartos com dentes e garras afiadas (lafaek rai maran) sobre a vítima, incitando-os a morder diferentes partes do seu corpo • Arrancar unhas dos pés e das mãos com um alicate • Atropelar a vítima com uma motocicleta • Obrigar uma vítima a beber a urina de um soldado ou a comer itens não alimentares, como pequenos lagartos vivos ou um par de meias • Deixar a vítima ao sol durante longos períodos de tempo • Humilhar os presos em frente às suas comunidades, fazendo-as ficar nuas ou andar nuas pela cidade, por exemplo Ameaçar a vítima ou a sua família de morte ou fazer mal a um familiar da vítima à frente da família 93. Há outros exemplos de formas de tortura e tratamento cruel e desumano que não foram muito relatadas, mas confirmam o padrão geral de abuso sistemático e generalizado dos presos, incluindo: • - 279 - • Esfregar malaguetas nos olhos da vítima • Obrigar a vítima a varrer o chão com o corpo • Obrigar a vítima a transportar uma cabeça decapitada na sua aldeia • Espancar duas vítimas do sexo masculino amarradas juntas pelos órgãos genitais • Cortar a orelha da vítima e obrigá-la a comê-la • Amarrar a vítima dentro de um saco cheio de cobras • Embeber um grupo de prisioneiros com petróleo e ameaçar queimá-los vivos 94. Além dos abusos físicos, os presos também foram sujeitos a tortura mental e emocional e a um tratamento cruel, desumano e degradante, aplicando, entre outros, os seguintes métodos: • Manter os prisioneiros presos detidos sem qualquer acesso à família e amigos • Manter os prisioneiros em prisão solitária, ou em celas sem luz e com pouca ventilação, durante longos períodos de tempo • Conduzir um preso a um local utilizado em execuções extrajudiciais, levando a vítima a pensar que ia ser morta, ao ponto de disparar na sua direcção • Praticar abusos verbais e insultos • Obrigar as vítimas a baterem umas nas outras • Torturar um familiar da vítima numa sala adjacente para que esta ouvisse os gritos, ou torturar ou ameaçar um familiar da vítima à frente dela • Vendar os olhos ou colocar um tecido preto, um capacete ou um balde sobre a cabeça da vítima, durante o interrogatório e a tortura • Recorrer ao simbolismo para humilhar e vergar o ânimo da vítima, por exemplo, obrigando-a a beber água na qual fora mergulhada uma bandeira indonésia, escrevendo “eu sou Fretilin” nas testas dos presos, fazendo os presos cantar conhecidas canções portuguesas ou da Fretilin, ou ao contrário, o Hino Nacional indonésio, obrigando-os a sentar-se em cima da bandeira portuguesa ou da Fretilin, espancando um preso com uma bandeira portuguesa ou da Fretilin, ou amarrando vítimas ao poste de uma bandeira indonésia • Insultar a religião de uma vítima, arrancando o seu crucifixo, ou amarrando a vítima a uma cruz • Cuspir sobre a vítima • Privar a vítima de sono recorrendo a métodos como tocar música alto durante a noite nos centros de detenção • Despir os presos, homens e mulheres, e tocar nos seus órgãos genitais Libertação 95. As forças de segurança indonésias raramente libertavam os prisioneiros políticos de forma absoluta. 96. Em alguns casos, os presos políticos eram obrigados a fazer algum tipo de declaração de fidelidade à Indonésia, incluindo: - 280 - • Assinar uma declaração (“declaração de lealdade”) na qual juravam fidelidade à bandeira indonésia e prometiam nunca mais participar em actividades clandestinas • Beber água na qual tinha sido mergulhada uma bandeira indonésia Participar em juramentos de sangue tradicionais, bebendo sangue de humanos e animais, um acto fortemente simbólico na cultura timorense que foi utilizado pelos militares e, posteriormente, pelas milícias, para os seus próprios fins 97. Aquando da libertação, era frequentemente exigido um pagamento em dinheiro ou em géneros. A incidência de extorsão aumentou significativamente em 1999. 98. As forças de segurança também criaram maneiras de vigiar os presos depois de os libertar, utilizando-os para trabalhos forçados ou recrutando-os para as forças de segurança, organizações de defesa civil ou paramilitares, ou obrigando-as a encontrar parentes que ainda não se tivessem rendido. A outros era conferido o estatuto de “presos externos” (tahanan luar), o que significava que continuavam a ser vigiados de perto. 99. A maioria dos presos tinha de se apresentar regularmente numa base militar, esquadra de polícia ou noutra agência depois de serem libertados, por vezes durante vários anos (wajib lapor). • 1 Artigo 3º da DUDH, artigo 9º da ICCPR e direito consuetudinário: Comissão dos Direitos Humanos, Comentário Geral nº 24, parágrafo 8. 2 Ver Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Folha de Factos nº 26 sobre o Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária; ver também, por exemplo, Opiniões de 2003, adoptadas pelo Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária, E/CN.4/2004/3/Add.1. 3 Comissão dos Direitos Humanos , Comentário Geral nº 8, parágrafo 2; Ver também Jijon vs Ecuador (1992), Comentário nº 227/88 da CDH, no qual se considerou que um atraso de cinco dias na apresentação de um prisioneiro perante um juiz constituía violação do artigo 9º (3). 4 Artigo 9º, nº 3 da ICCPR. 5 Artigo 5º da DUDH, artigo 7º da Comentário Geral 24, parágrafo 8. ICCPR e direito consuetudinário: Comissão dos Direitos Humanos, 6 Ver, por exemplo, artigo 1º, nº 1 da Convenção Contra a Tortura e Tratamento Cruel, Desumano ou Degradante ou Punição. 7 Ver, por exemplo, CDH, Comentário Geral nº 20, parágrafo 2. 8 Mukong vs Cameroon (1994) Comentário Geral nº 458/91, parágrafo 9.4. 9 Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257; ver também Irlanda vs Reino Unido (1978) TEDH, requerimento nº 5310/71, parágrafos 96 e 167. 10 Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257. 11 Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257; ver também Irlanda vs Reino Unido (1978) TEDH, requerimento nº 5310/71, parágrafos 96 e 167. 12 Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257. 13 Artigo 5º da DUDH, artigo 7º da ICCPR e direito consuetudinário: Comissão dos Direitos Humanos, Comentário Geral nº 24, parágrafo 8. - 281 - 14 Violando o artigo 5º da DUDH; artigo 7º da ICCPR, artigo 16º da CAT. 15 Artigo 10º, nº 1 da ICCPR e direito consuetudinário internacional: Comissão dos Direitos Humanos, Comentário Geral nº 29, CAT 13 (a). Ver também as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos; o Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão e os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos. 16 Comissão dos Direitos Humanos, Comentário Geral nº 21, parágrafo. 3. 17 Comissão dos Direitos Humanos , Comentário Geral nº 20, parágrafo 6; Comissão dos Direitos Humanos, Comentário Geral nº 7, parágrafo 2, El-Megreisi vs Libyan Arab Jamahiriya (1990) CDH, Comentário nº 440/90, parágrafo 5.4; Mukong vs Cameroon (1994) CDH, Comentário nº 458/91, parágrafos 9.3-9.4. 18 HRVD, Testemunhos nºs 7659; 2399; 1123; 5606; 8354; 6155; 4677; 5036; 3751 e 3728. 19 José Ramos-Horta, Timor Leste: Amanhã em Díli, Dom Quixote, Lisboa, 1994, pp. 107-113. 20 Entrevista da CAVR a Armindo Soares Mariano, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 20 de Julho de 2004. 21 Entrevista da CAVR a José Catarino Grigorio Magno Trindade de Mello (Labut Mello), Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 23 de Julho de 2004. 22 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 23 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 24 João Carrascalão, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 25 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 27 de Julho de 2003. 26 HRVD, Testemunho nº 2447. João Lopes não mencionou as datas da sua prisão. 27 HRVD, Testemunho nº 2412. Ver também HRVD, Testemunho nº 5408. 28 Entrevista da CAVR a Lúcio Dias Marques, Maliana, Bobonaro, 13 de Junho de 2003. 29 Entrevista da CAVR a Manuel Agustino Freitas, Bobonaro (Bobonaro), 12 de Junho de 2003. 30 Mario Carrascalão, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 31 Entrevista da CAVR a Lúcio Dinis Marques, Maliana, Bobonaro, 13 de Junho de 2003. 32 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 27 de Julho de 2003. 33 Entrevista da CAVR a Lúcio Dinis Marques, Maliana, Bobonaro, 13 de Junho de 2003. 34 HRVD, Testemunho nº 5062. 35 Entrevista da CAVR a Mário (Marito) Nicolau dos Reis, Díli, 27 de Julho de 2003. 36 Xanana Gusmão, “Autobiografia” Editora Colibri, 1994, p. 18. in Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria 37 , Lisboa, Entrevista da CAVR a Miguel Agustinho Freitas, Carabau, Bobonaro, 12 de Junho de 2003. Manuel prestou o seu depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 38 HRVD, Testemunho nº 5036. 39 HRVD, Testemunho nº 5694. 40 HRVD, Testemunho nº 5699. - 282 - 41 HRVD, Testemunho nº 3745. 42 HRVD, Testemunho nº 5698. 43 HRVD, Testemunho nº 3784. 44 Perfil Comunitário da CAVR do suco de Fatukero, subdistrito de Railaco, distrito de Ermera, 27 de Março de 2003. 45 Entrevistas da CAVR a Lourenço dos Santos, Ermera, 25 de Agosto de 2003; Manuel Duarte, Hatulia, Ermera, 23 de Setembro de 2003; Florentino de Jesus Martins, Ermera, 25 de Junho de 2003. Ver também HRVD, Testemunho nº 6442. 46 HRVD, Testemunho nº 6203. Eufrásia de Jesus também disse que 32 delegados da Fretilin foram mortos enquanto presos. Ver subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados. 47 HRVD, Testemunho nº 8330. 48 Entrevista da CAVR a Adelino Soares, Ermera, Ermera, 12 de Outubro de 2003. 49 HRVD, Testemunho nº 8346. 50 Manuel Duarte, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 51 HRVD, Testemunhos nºs 1084; 6202; 1039 e 6155. 52 HRVD, Testemunhos nºs 1080; 1730; 5102 e 1663. 53 HRVD, Testemunhos nºs 3570; 3596; 3541; 3502; 3559; 2107 e 3570. 54 HRVD, Testemunhos nºs 4568 e 8262. 55 HRVD, Testemunho nº 8262. 56 HRVD, Testemunho nº 1071. 57 HRVD, Testemunho nº 1772. 58 HRVD, Testemunho nº 1088. 59 HRVD, Testemunho nº 1745. 60 HRVD, Testemunho nº 1077. 61 Ibid. 62 Entrevista da CAVR a Lay Konen (Manisera), Mandarin, Díli, 2003. 63 Entrevista da CAVR a José Guterres, Díli, 19 de Julho de 2004 e a João Godinho, Díli, 26 de Julho de 2004. 64 HRVD, Testemunho nº 2455 e Entrevista da CAVR a João Godinho, Díli, 26 de Julho de 2004. 65 Entrevista da CAVR a João Godinho, Díli, 26 de Julho de 2004. 66 Entrevista da CAVR a José Pinto Guterres, Bairro Maravilha, Maliana, 19 de Julho de 2004. 67 HRVD, Testemunhos nºs 2414; 2455 e 2412. 68 HRVD, Testemunho nº 2600. 69 HRVD, Testemunho nº 2412. 70 HRVD, Testemunhos nºs 2412; 4355; 8992; 5606; 5639; 2600; 5622 e 2454. 71 HRVD, Testemunho nº 3703. 72 HRVD, Testemunho nº 5606. - 283 - 73 Entrevista da CAVR a Adriano João, Díli, 10 de Junho de 2004; HRVD, Testemunho nº 8992. 74 HRVD, Testemunho nº 5622. 75 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guda, subdistrito de Lolotoe, Bobonaro, 26 de Agosto de 2003. 76 HRVD, Testemunhos nºs 5472 e 5486. 77 HRVD, Testemunho nº 5472. 78 HRVD, Testemunho nº 5486. 79 HRVD, Testemunho nº 1585. 80 Entrevista da CAVR a Santina de Jesus Soares Ly, Baucau, Baucau, 10 de Outubro de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 6119; 2399; 7634 e 7764. 81 HRVD, Testemunho nº 7634. 82 HRVD, Testemunho nº 6119. 83 HRVD, Testemunho nº 2399. 84 HRVD, Testemunho nº 1994. 85 HRVD, Testemunho nº 0293. 86 HHRVDRVD, Testemunho nº 5904. 87 HRVD, Testemunho nº 1994. 88 Entrevista da CAVR a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004 89 Entrevista da CAVR a José da Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004. 90 HRVD, Testemunho nº 3447. 91 Entrevista da CAVR a Adriano João, Díli, 10 de Junho de 2004. 92 HRVD, Testemunho nº 5904. 93 HRVD, Testemunho nº 5450. 94 James Dunn, A People Betrayed, 1966, p. 187. 95 Entrevista da CAVR a Rogério Tiago de Fátima Lobato (Rogério Lobato), antigo comandante das Forças Armadas da Fretilin, 26 de Agosto de 2003. 96 Entrevista da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004. 97 Entrevista da CAVR a Rogério Tiago de Fátima Lobato, Díli, 26 de Agosto de 2003; Entrevista da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004. 98 Entrevista da CAVR a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004. 99 Entrevista da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004. 100 Entrevista da CAVR a Paulo Freitas da Silva, antigo presidente do partido Trabalhista, Díli, 9 de Julho de 2003. 101 HRVD, Testemunhos nºs 8152 e 4987. 102 Entrevista da CAVR a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003. 103 Rogério Lobato, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 104 Ibid. 105 Entrevista da CAVR a Francisco Gonçalves, Díli, 14 de Junho de 2003. - 284 - 106 HRVD, Testemunho nº 3764. 107 HRVD, Testemunho nº 9081. 108 Entrevista da CAVR a Mari Alkatiri, Díli, 25 de Junho de 2004. 109 Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 110 Comité Internacional da Cruz Vermelha, Operação de Assistência a Timor Leste, 16 de Setembro de 1975. E-mail de Noel Barrow, arquivista da Cruz Vermelha australiana, Sede Nacional, Melbourne, para CAVR, 8 de Outubro de 2004. Devido à natureza confidencial dos registos do CICV em relação às suas visitas às prisões, não estão disponíveis pormenores específicos. 111 HRVD, Testemunho nº 6146. 112 HRVD, Testemunhos nºs 3764 e 9081. 113 Entrevista da CAVR a Frederico Almeida Santos, Díli, 2003. 114 Entrevista da CAVR a Anselmo dos Santos, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. 115 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2004. 116 Entrevista da CAVR a Rafael dos Nascimento, Aileu, Junho de 2003. 117 HRVD, Testemunho nº 1413. 118 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 119 Entrevista da CAVR a João da Costa, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003 e a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 120 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003; Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 121 Entrevista da CAVR a João da Costa, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003 122 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 3595. 123 HRVD, Testemunho nº 2156. 124 HRVD, Testemunho nº 3594. 125 HRVD, Testemunho nº 6146. 126 HRVD, Testemunho nº 6357. 127 HRVD, Testemunho nº 3568. 128 HRVD, Testemunho nº 9062. 129 HRVD, Testemunho nº 8300. 130 HRVD, Testemunho nº 6409. 131 HRVD, Testemunho nº 6409. 132 HRVD, Testemunhos nºs 8337; nº 2220 e 8371. 133 HRVD, Testemunhos nºs 4971; nº 5975; nº 7201 e 5982. 134 HRVD, Testemunho nº 2694. 135 HRVD, Testemunhos nºs 2375; 7658 e 9056. 136 HRVD, Testemunho nº 8040. - 285 - 137 HRVD, Testemunho nº 9056. 138 Clementino dos Reis Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 139 HRVD, Testemunho nº 2375. 140 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 141 Perfil Comunitário da CAVR do suco de Rasa, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 1 de Março de 2004. 142 Entrevista da CAVR a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004. 143 Ibid. 144 Perfil Comunitário da CAVR do suco de Bauro, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 26 de Janeiro de 2004. 145 HRVD, Testemunhos nºs 5919; 4541; 5853 e 5930. 146 HRVD, Testemunho nº 5919. 147 HRVD, Testemunho nº 4541. 148 HRVD, Testemunho nº 5853. 149 HRVD, Testemunho nº 6018. 150 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 151 HRVD, Testemunhos nºs 6502; 7995; 8025; 8025; 1918; 6501 e 8021. 152 HRVD, Testemunho nº 6502. 153 HRVD, Testemunho nº 7946. 154 Perfil Comunitário da CAVR dos sucos de Carabau, Cotabot, Tebabui, Maliubu e Colimau, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Outubro de 2003, e Perfil Comunitário do suco de Lourba. 155 HRVD, Testemunho nº 02540 156 HRVD, Testemunho nº 1082. Ver também HRVD, Testemunho nº 8347. 157 HRVD, Testemunho nº 5546. 158 HRVD, Testemunho nº 8152. 159 HRVD, Testemunho nº 5524. 160 HRVD, Testemunhos nºs 0186; 5546; 1162 e 8152. 161 Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 162 HRVD, Testemunho nº 3666. 163 HRVD, Testemunho nº 8025. 164 HRVD, Testemunho nº 8021. 165 HRVD, Testemunho nº 2510. 166 HRVD, Testemunho nº 2375. 167 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Manlewana, Díli, 5 de Dezembro de 2003. - 286 - 168 Entrevista da CAVR a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004. 169 Entrevistas da CAVR a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003; Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004; Luís António de Aquino Caldas, Díli, 21 de Maio de 2004, José Catarino Gregório Magno de Mello (Labut Mello), Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 23 de Julho de 2004; Armindo Soares Mariano, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 20 de Julho de 2004. 170 Campanha da Apodeti na Rádio Timor, Díli. Está disponível uma cópia da cassete na CAVR. 171 Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 172 HRVD, Testemunho nº 0826. 173 HRVD, Testemunho nº 8950. 174 HRVD, Testemunho nº 6243. 175 HRVD, Testemunho nº 9034. 176 Entrevista da CAVR a Luís António de Aquino Caldas, Díli, 21 de Maio de 2004. 177 Entrevista da CAVR a Frederico Almeida Santos, presidente da Apodeti Pró-Referendo, Díli, 2003. 178 Depoimento de antigo preso na prisão do subdistrito de Same (Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Manlewana, Díli, 5 de Dezembro de 2003, João da Costa, Letefoho, Same, 24 de Junho de 2003, Bento Reis, Same, 2004) 179 Entrevista da CAVR a Bento Reis, Same, 2004. 180 Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 181 CAVR, documentos de estudo sobre o tema do Conflito Partidário: Caso 7, Uma Colecção de Análises de Casos, Janeiro de 2004. 182 HRVD, Testemunho nº 3265. 183 Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 184 Entrevista da CAVR a Eufrázia de Jesus Soares, Gleno, Ermera, Outubro de 2003. 185 Entrevista da CAVR a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. 186 Entrevista da CAVR a Rafael do Nascimento, Aileu, Junho de 2003. 187 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, 5 de Dezembro de 2003, Rafael Nascimento, Aileu, Junho de 2003 188 Entrevista da CAVR a Amélia Mesquita, Seloi-Malere, Aileu, 27 de Junho de 2003 189 Entrevista da CAVR a Francisco Xavier do Amaral, líder da ASDT/Fretilin 1974-1977, primeiro presidente da RDTL 1975-1977, Díli, 28 de Agosto de 2003. 190 António Serpa, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 191 Entrevista da CAVR a João da Costa, Letefoho, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003. 192 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 193 Entrevista da CAVR a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004, José de Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004. 194 Entrevista da CAVR a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004. 195 HRVD, Testemunhos nºs 1082 e nº 8347. - 287 - 196 HRVD, Testemunho nº 6416. 197 HRVD, Testemunho nº 2375. 198 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 199 Entrevistas da CAVR a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003; Luís António de Aquino Caldas, Palapaço, Díli, 21 de Maio de 2004; José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004; e Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004. 200 Xanana Gusmão, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 201 Entrevista da CAVR a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. 202 António Ximenes Serpa, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 203 O testemunho desta caixa constitui um resumo da Entrevista da CAVR a Anselmo dos Santos, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004, bem como da Entrevista da CAVR a Frederico Almeida Santos, Díli, 2003. 204 Entrevista da CAVR a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003 205 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 206 António Serpa, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 207 Entrevista da CAVR a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. 208 Assis dos Santos, Relatório da Tortura na Prisão de Fretilin 1975, 1976, 1977 CAVR. . Cópia disponível na 209 Entrevistas da CAVR a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004 e a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003, Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003; Bento Reis, Same, 2004. 210 Entrevistas da CAVR a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004 e a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003, Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 211 Entrevista da CAVR a Luís António de Aquino Caldas, Díli, 21 de Maio de 2004. 212 Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 213 Entrevistas da CAVR a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004 e a Assis dos Santos, Relatório da Tortura Na Prisão de Fretilin 1975, 1976, 1977, Museu Díli, Taibessi, Aileu, Maubisse, Same, Uatu-Lari, Nahareca, Ossu. Está disponível uma cópia na CAVR. 214 Entrevista da CAVR a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. 215 Entrevistas da CAVR a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004; Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003. 216 Entrevista da CAVR a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003. 217 Entrevista da CAVR a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. 218 Entrevista da CAVR a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004. 219 Entrevistas da CAVR a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004 e a Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004. 220 Entrevista da CAVR a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004. 221 Ibid. - 288 - 222 Entrevista da CAVR a João Veinas, o responsável pelo suco em 1975, Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão por Motivos Políticos, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 223 Entrevista da CAVR a Egas da Costa, 19 de Maio de 2004. 224 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004. 225 Ibid. 226 Entrevista da CAVR a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004. 227 Entrevistas da CAVR a Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004 e a José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 228 Entrevista da CAVR a Pedro Faria, Lospalos, Lautém, ND. 229 João Veinas, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão por Motivos Políticos, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 230 HRVD, Testemunho nº 1697. 231 Entrevista da CAVR a Modesto de Jesus Sanches, antigo responsável Secai, na zona de Iliomar, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 232 Entrevista da CAVR a Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 233 Entrevista da CAVR a Miguel da Silva, Ossu, Viqueque, 23 de Fevereiro de 2003. 234 Entrevista da CAVR a Luís da Costa, Lisboa, Portugal, 15 de Outubro de 2003. 235 Entrevistas da CAVR a António da Silva e Raquel da Silva, Ossu, Viqueque, 10 Junho 2003. 236 HRVD, Testemunho nº 4872. 237 Entrevista da CAVR a Celestino de Carvalho Alves, Fatubesi, Ermera, 6 de Outubro de 2003. 238 Entrevista da CAVR a Celestino Alves, Fatubesi, Ermera, 27 de Junho de 2004, Fatubesi Ermera, 6 de Outubro de 2003. 239 Entrevista da CAVR a Celestino de Carvalho Alves, Fatubesi, Ermera, 6 de Outubro de 2003. 240 Entrevista da CAVR a Jerónimo Albino da Silva, Ermera, Ermera, 10 de Setembro de 2003. 241 Entrevista da CAVR a Eduardo de Deus Barreto, Gleno, Ermera, 26 de Agosto de 2004; Entrevista da CAVR a Celestino Alves, Fatubesi, Ermera, 6 de Outubro de 2003 242 Perfil Comunitário da CAVR do suco de Tirilolo, subdistrito de Iliomar, distrito de Lautém, 4 de Julho de 2003. 243 Constantino Hornay, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Crianças e Conflito, Díli, 29 e 30 de Março de 2004. 244 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. Ver também entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004. 245 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. Ver também entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004. 246 Entrevista da CAVR a Francisco Xavier do Amaral, Díli, 18 de Junho de 2004. 247 Xanana Gusmão, , Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, p. 35; Entrevistas da CAVR a Horácio de Conceição Savio, Irara, Lospalos, 10 de Setembro de 2004 e a Modesto de Jesus Almeida Sanches, antigo chefe de logística da zona de Iliomar, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 248 HRVD, Testemunho nº 5418. - 289 - 249 HRVD, Testemunho nº 1467. 250 Entrevista da CAVR a Tomás de Araújo, Turiscai, Manufahi, 14 de Outubro de 2003. 251 Entrevista da CAVR a Feliciano Soares, Cailaco, Bobonaro, 2003. 252 HRVD, Testemunho nº 3460. 253 HRVD, Testemunho nº 3448. 254 HRVD, Testemunho nº 4845. 255 HRVD, Testemunho nº 4818 256 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 de Dezembro de 2003, p. 10. 257 CAVR, “Resumo de Caso: A Prisão de Mariano Meneses”, documento de investigação interna, 2003. 258 HRVD, Testemunho nº 2099. 259 HRVD, Testemunho nº 6541. 260 HRVD, Testemunho nº 2112. 261 Entrevista da CAVR a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, 11 de Dezembro de 2003. 262 Entrevistas da CAVR a António da Silva e a Raquel da Silva, Ossu, Viqueque, 10 de Junho de 2003; Bernardo Quintão, 4 de Junho de 2003. 263 Entrevista da CAVR a Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004. 264 Entrevista da CAVR a Filomeno Paixão, Díli, 17 de Junho de 2004. 265 Entrevistas da CAVR a Horácio Savio, Irara, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 11 de Setembro de 2004; e a José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 266 Entrevistas da CAVR a Marito Reis, antigo assistente político, Zona 20 de Maio Centro Leste , Díli, 21 de Setembro de 2004; Francisco Xavier do Amaral, primeiro presidente da Fretilin, Díli, 18 de Junho de 2004; Filomeno Paixão, tenente-coronel das Falintil/FDTL, Díli, 17 de Junho de 2004; Xanana Gusmão, antigo comandante das Falintil, Díli, 30 de Junho de 2004; Egas da Costa Freitas, antigo assistente político Zona 20 de Maio Centro Leste, Lahane, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo (Fernando So), antigo secretário de suco, antiga zona de secretaria de Sacalu, Tutuala, Lautém e antigo responsável pelo Renal de Marabia (Iliomar, Lautém), Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004; José da Costa, Kupang, Timor Ocidental, 24 de Agosto de 2004; e Horácio de Conceição Savio, Irara, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 267 Entrevista da CAVR a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, Manatuto, 11 de Dezembro de 2003. 268 Entrevistas da CAVR a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Marito Reis, antigo assistente político, Díli, 21 de Setembro de 2004; e José Manuel Monteiro, antigo comandante de ataque e chefe do Renal de Nundamar, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 269 HRVD, Testemunho nº 1742. 270 Entrevista da CAVR a João Adriano, Bairro Maravilha, Bobonaro, 6 de Outubro de 2003. 271 Entrevista da CAVR a Celestino Carvalho Alves, Fatubesi, Ermera, 13 de Junho de 2003. 272 Entrevista da CAVR a Clementino da Silva, Ossu, Viqueque, 2003. 273 Entrevista da CAVR a António da Silva Ossu, Viqueque, 10 de Junho de 2003. - 290 - 274 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 de Dezembro de 2003. 275 Entrevistas da CAVR a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Marito Reis, antigo assistente político, Díli, 21 de Setembro de 2004; José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 276 Perfil Comunitário da CAVR de Bautate, no suco de Irabin de Baixo, subdistrito de Uatu-Carbau, Viqueque, 26 de Agosto de 2003. 277 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004. 278 HRVD, Testemunho nº 7442. 279 Entrevista da CAVR a Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 280 Entrevista da CAVR a Gaspar Seixas, Iliomar, Lautém, 2003. 281 Entrevista da CAVR a Modesto de Jesus Sanches, antigos responsável pela zona Iliomar, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 282 Entrevista da CAVR a Horácio de Conceição Savio, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 283 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004. 284 Entrevista da CAVR a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, Manatuto, 11 de Dezembro de 2003. 285 Entrevistas da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004; Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004; Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004; Francisco Xavier do Amaral, Díli, 18 de Junho de 2004; Filomeno Paixão, Díli, 17 de Junho de 2004; Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; e Horácio de Conceição Savio, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004. 286 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 287 Ibid. 288 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e Entrevista da CAVR a José Manuel Monteiro, Remexio, 6 de Outubro de 2004. 289 Ibid. 290 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 291 Ibid. 292 Ibid. 293 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e a José Manuel Monteiro, Remexio, 6 de Outubro de 2004. 294 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 295 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e a José Manuel Monteiro, Remexio, 6 de Outubro de 2004. 296 Ibid. 297 Ibid. 298 Entrevista da CAVR a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 299 Entrevista da CAVR a Maria Fátima Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004. - 291 - 300 Entrevistas da CAVR a Maria Antónia Santos Sousa, Lacló, Manatuto, 28 de Abril de 2003; José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e a José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004. 301 Entrevista da CAVR a Maria Antónia, Lacló, Manatuto, 20 de Março de 2003. 302 Entrevista da CAVR a Raul da Costa, Remexio, Aileu, 16 de Outubro de 2003. 303 Entrevista da CAVR a Domingos Maria Alves (Ambulan), Lequidoe, Aileu, 15 de Outubro de 2003. 304 HRVD, Testemunho nº 5761. 305 HRVD, Testemunho nº 5763. 306 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 de Dezembro de 2003. 307 Entrevista da CAVR a Tomé da Costa Magalhães, Same, Manufahi, 12 de Agosto de 2004. 308 Entrevista da CAVR a Valentino da Costa Noronha, Hola Rua, Manufahi, 14 de Agosto de 2004. 309 Entrevista da CAVR a Alexandrino de Jesus, Hatulia, Ermera, 2003. 310 HRVD, Testemunho nº 2195. 311 HRVD, Testemunho nº 0292. 312 HRVD, Testemunho nº 0570. 313 HRVD, Testemunho nº 0570. 314 HRVD, Testemunho nº 8159. 315 HRVD, Testemunho nº 8027. 316 HRVD, Testemunho nº 1132. 317 HRVD, Testemunho nº 4607. 318 HRVD, Testemunho nº 1794. 319 HRVD, Testemunho nº 0175. 320 HRVD, Testemunho nº 3752. 321 Entrevista da CAVR a Marcus Valadares, Díli, 2 de Agosto de 2003. 322 HRVD, Testemunho nº 3826. 323 Entrevista da CAVR a W2 (fonte confidencial), Díli, 24 de Agosto de 2004. Ver também Entrevista da CAVR a Rita Ximenes, Díli, 10 de Dezembro de 2003. 324 Entrevista da CAVR a António Caleres Junior, Díli, 2 de Outubro de 2004. 325 Entrevista da CAVR a Francisco Calçonha, Díli, 13 de Agosto de 2004. 326 Entrevista da CAVR a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004. Ver também Entrevista da CAVR a Alberto de Oliveira Câmara, Díli, 1 de Setembro de 2004. 327 Entrevista da CAVR a Maria Olandina Isabel Cairo Alves, Díli, 6 de Maio de 2004. 328 Para casos de membros da UDT que colaboravam com as ABRI, ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 1352 e 2012. Para casos de membros da Apodeti que colaboravam com as ABRI, ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 5728; 5694; 5662 e 8086; Para casos em que um membro da Apodeti fez detenções, ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 5725 e 5099. 329 HRVD, Testemunho nº 5731. 330 HRVD, Testemunho nº 5730. - 292 - 331 HRVD, Testemunho nº 5728. 332 Ver, por exemplo, Testemunhos nºs 3752; 4881 e 0175; Entrevista da CAVR a Maria Olandina Isabel Caeiro Alves, Díli, 6 de Maio de 2004: Para 1975/1976 ver, por exemplo, Testemunhos nºs 3742; 5666; 5107; 5050. 333 Entrevista da Neil Barrett a Saturnino Belo, CAVR, Agosto de 2002. Neil Barrett Comarca Video Project , Apresentação à 334 Entrevista da CAVR a Afonso Correia Lemos, Comarca, Balide, 5 de Setembro de 2004. 335 HRVD, Testemunho nº 3793. 336 Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concern in Indonesia and East Timor ASA: 21/05/80, Londres, 29 de Abril de 1980, p. 10. 337 Entrevista da CAVR a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004. 338 Entrevista da CAVR a Maria Fátima Maia, Díli, 16 de Fevereiro de 2003. 339 Entrevista da CAVR a Maria Fátima Maia, Díli, 16 de Fevereiro de 2003. 340 HRVD, Testemunho nº 5666. 341 HRVD, Testemunho nº 5730. 342 Entrevista da CAVR a Jacinto Alves, Díli, 5 de Agosto de 2004. 343 Entrevista da CAVR a Maria Fátima Maia, Díli, 16 de Fevereiro de 2003. 344 João Balthazar Martins, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 345 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 4881; 5730; 0175; 0113; 3752; 3780; 5050 e 0041. 346 Testemunho nº 5730. 347 Entrevista da CAVR a Maria Olandina Isabel Caeiro Alves, Díli, 6 de Maio de 2004. 348 Ibid. 349 Testemunho nº 4881. 350 Maria José Franco Pereira, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 351 HRVD, Testemunho nº 3737. 352 Entrevista da CAVR a Maria de Fátima Acácio Guterres Leong, Díli, 21 de Fevereiro de 2003, p. 3. 353 Testemunhos nºs 5010 e 1088. 354 Testemunho nº 5790. 355 Testemunhos nºs 4930 e 5121. 356 Testemunho nº 1985. 357 Testemunho nº 3358. 358 Entrevista da CAVR a Maria Olandina Isabel Caeiro Alves, Díli, 6 de Maio de 2004. 359 HRVD, Testemunho nº 1659. 360 Entrevista da CAVR a António Júnior Caleres, Díli, 2 de Outubro de 2004. 361 HRVD, Testemunho nº 4930. 362 Entrevista da CAVR a Júlio Alfaro, 18 de Fevereiro de 2003. - 293 - , 363 Entrevista da CAVR a FN, Díli, 21 de Fevereiro de 2003. 364 HRVD, Testemunho nº 1138. 365 HRVD, Testemunho nº 3075. 366 HRVD, Testemunho nº 4858. 367 HRVD, Testemunho nº 0051. 368 HRVD, Testemunho nº 0463. 369 HRVD, Testemunho nº 3797. 370 HRVD, Testemunho nº 2012. 371 HRVD, Testemunho nº 2017. 372 HRVD, Testemunho nº 0543. 373 Entrevista da CAVR a Luís Pereira, Laclubar, Viqueque, 12 de Abril de 2003. 374 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 2091; 5834; 3282; 8908; 5052; 1061; 5834; 7642; 8086; 3086; 2651. 375 HRVD, Testemunho nº 2651: Ver também HRVD, Testemunhos nº 3295 e 5712. 376 Entrevista da CAVR a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004. 377 Equipa de Investigação da CAVR sobre Mulheres e Conflito. Ver em especial Apêndice G: “Depiction of Detention Location in Baucau”, 10-13 de Junho de 2003. 378 HRVD, Testemunho nº 7528. 379 Entrevista da CAVR a Cornélio Gama (“L-7”), antigo comandante da Região 3, Díli, 9 de Abril de 2003. 380 HRVD, Testemunho nº 5662. 381 HRVD, Testemunho nº 8345. 382 HRVD, Testemunho nº 8345. 383 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 3607; 5834 e 6624. 384 HRVD, Testemunho nº 3072. 385 Ibid. 386 Entrevista da CAVR a Raul da Costa da Silva Araújo, Remexio, Aileu, 17 de Outubro de 2003. 387 HRVD, Testemunho nº 1298. 388 HRVD, Testemunho nº 7792. 389 HRVD, Testemunho nº 5417. 390 HRVD, Testemunho nº 5337. 391 Ver, por exemplo: HRVD, Testemunhos nºs 8392 e 3234; Entrevista da CAVR a Alfredo Manuel de Jesus, distrito de Ermera, 8 de Outubro de 2003; Entrevista da CAVR a Rui Soares de Araújo, Díli, 27 de Outubro de 2003; CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Sibuni, de Lour e de Molop, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro; 24 de Outubro de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uamoritula, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 6 de Setembro de 2003. 392 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 8561 e 6442. 393 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 5677 e 2406. - 294 - 394 HRVD, Testemunho nº 6319. 395 Entrevista da CAVR a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004. 396 HRVD, Testemunho nº 8735. 397 Ibid. 398 HRVD, Testemunho nº 5680. 399 HRVD, Testemunho nº 8112. 400 HRVD, Testemunho nº 5679. 401 Entrevista da CAVR a HN, Viqueque, 17 de Setembro de 2003. Ver também HRVD, Testemunho nº 1632 da HRVD, em que a depoente descreve ter sido presa porque o seu marido estava na floresta. 402 Entrevista da CAVR a IN, Uatu-Lari, Viqueque, 17 de Setembro de 2003. 403 Ibid. 404 HRVD, Testemunho nº 0762. 405 HRVD, Testemunho nº 5680. 406 HRVD, Testemunho nº 0646. 407 Para outras rendições, ver Testemunhos nº 1469; 9001; 0646 e 3479. 408 HRVD, Testemunho nº 1469. 409 HRVD, Testemunho nº 7200. 410 HRVD, Testemunho nº 0682. 411 Entrevista da CAVR a António Peloy, Díli, 1 de Junho de 2004. 412 Entrevista da CAVR a Xisto Fernandes (alias Hélio Espírito Santo), Uatu-Carbau, distrito de Viqueque, Novembro de 2003. 413 HRVD, Testemunho nº 7525. 414 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Hautuho, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 23 de Maio de 2003. 415 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uma Ki'ik, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 11 de Julho de 2003. 416 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Caisido, subdistrito de Baucau, distrito de Baucau. 417 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Sibuni; do suco de Lour; do suco de Molop, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Outubro de 2003. 418 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Sibuni; do suco de Lour; do suco de Molop, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Outubro de 2003. 419 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bahatata, subdistrito de Uatu-Carbau, distrito de Viqueque, 11 de Setembro de 2003. 420 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Dato, subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça, 13 de Março de 2003. 421 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Hatura; do suco de Naroman, do suco de Isolado, subdistrito de Vera Cruz, distrito de Díli, 9 de Junho de 2003. 422 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uatuhaco, subdistrito de Venilale, distrito de Baucau, 8 de Julho de 2003. 423 HRVD, Testemunho nº 6821. - 295 - 424 HRVD, Testemunho nº 4586. 425 CAVR, Relatório Especial sobre Deslocação Forçada e Fome em Uma Metan, Alas. 426 Para rendições ao Uma Metan , ver HRVD, Testemunhos nº 4083/2 e 4023. Para pessoas detidas e levadas para Uma Metan ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 3494, 5442, 3428, 3431/3, 5413, 3429, 3430. 427 HRVD, Testemunhos nºs 5442, 5413 e 4083. 428 HRVD, Testemunhos nºs 3428, 3431 e 4065. 429 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, “Massacres em Summary Collection, Março de 2003. 430 Uma Metan ”, Manufahi, Case Entrevista da CAVR a Mateus Pereira, Metan, Alas, Manufahi, [sem data]. 431 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uamoritula, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 6 de Setembro de 2003. 432 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manetu, subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro, 8 de Julho de 2003. 433 Entrevista da CAVR a Jacinto Alves, Díli, 5 de Agosto de 2004. 434 Ibid. 435 Entrevista da CAVR a Francisco Xavier do Amaral, Díli, 18 de Junho de 2004; ver também secção sobre centros de detenção da Fretilin neste subcapítulo. 436 HRVD, Testemunho nº 5353. 437 Entrevista da CAVR a Luís Maria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003. 438 Entrevista da CAVR a José da Silva Amaral, 18 de Setembro de 2003. 439 HRVD, Testemunho nº 8561. 440 Manual Militar nº 01/IV/1982, escrito pelo coronel Rajagukguk. Tradução Soei Leong, The War Against East Timor, Zed Books, London, 1984, p. 209. in Carmel Budiardjo & Liem 441 Entrevistas da CAVR a: Maria Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004; Bernardino Ximenes Vila Nova, Ataúro, 7 de Março de 2002; José Simões, Díli, 9 de Março de 2004; Beatriz Miranda Guterres, Lalerek Mutin, Viqueque, 24 de Março de 2003; Ver também entrevista a José Gomes Guterres [Lisboa, Portugal, 1988]; Francisco de Carvalho; José de Sousa, antigo polícia militar; HRVD, Testemunho nº 3490, e entrevista de Neil Barrett a David Dias Ximenes, The Comarca Video Project, Apresentação à CAVR, Agosto de 2002. 442 HRVD, Testemunho nº 5032. 443 HRVD, Testemunhos nº 5730 e 5651. 444 HRVD, Testemunhos nº 5730; 5651; 8101; 2094 e 6943. 445 Entrevista da CAVR a Serafin do Nascimento, Aileu, 15 de Outubro de 2003; Testemunhos nº 2094; nº 2069; nº 8073; nº 8101; nº 5032; nº 6941 e nº 6983. 446 Entrevista de Neil Barrett a Maria Immaculada, Agosto de 2002. 447 The Comarca Video Project , Apresentação à CAVR, HRVD, Testemunhos nº 6981 e 2080. 448 HRVD, Testemunhos nº 2069; 5032; 5042; 5092; 5655; 5651; 5679; 5696; 5730; 6941; 6983; 8031; 8275; 8735 e 3490. 449 HRVD, Testemunhos nºs 3793; 6981; 8101; 8073 e 1498; Entrevista da CAVR a Serafim do Nascimento, Aileu, 15 de Outubro de 2003; Entrevista da CAVR a Bernardino Ximenes Vilanova, Ataúro, 7 de Março de 2002; Entrevista da CAVR a Maria Fátima de Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004; Entrevistas - 296 - de Neil Barrett a Maria Imaculada e a David Dias Ximenes, The Comarca Video Project, Apresentação à CAVR, Agosto de 2002. 450 Entrevista de Neil Barrett a David Dias Ximenes, Agosto de 2002. The Comarca Video Project , Apresentação à CAVR, 451 Jill Jolliffe, entrevista a José Gomes Guterres, Lisboa, Portugal, 1988, citado em Associação dos Antigos Prisioneiros Políticos (Assepol), Political Prisoners in Timor Leste 25 April 1974, September 1999, Apresentação à CAVR, Díli, 2003. 452 Entrevista da CAVR a Maria de Fátima Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004. Ver também entrevista de Neil Barrett a Maria Imaculada, The Comarca Video Project, Apresentação à CAVR, Agosto de 2002. 453 Ver por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 8101; 6981 e 6983, Entrevista da CAVR a Bernardino Ximenes Vilanova, Ataúro, Díli, 7 de Março de 2002 454 HRVD, Testemunho nº 6981. 455 HRVD, Testemunho nº 6983. 456 HRVD, Testemunho nº 5032. 457 HRVD, Testemunho nº 6981. 458 Entrevista da CAVR a Maria Imaculada, Testemunhos nº 5037 e nº 5042 da HRVD; (David Ximenes, Mariano Bonaparte Soares, Luís Bobonaro, Januário). 459 Bernardino Villanova, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 460 Amnistia Internacional, Relatório Anual de 1981. 461 Bernardino Villanova, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 462 Entrevista da CAVR a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004. 463 Entrevista da CAVR a Vasco Lopes da Silva, Ataúro, Díli, 7 de Março de 2002. 464 Entrevista da CAVR a Adelino Soares, Ataúro, 27 de Outubro de 2003. 465 Entrevista da CAVR a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004; Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 21 de Agosto de 2004. 466 Entrevistas da CAVR a Céu Lopes Federer, Díli, 30 de Agosto de 2003 e 7 de Abril de 2004; Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 21 de Agosto de 2004. 467 Entrevista da CAVR a Céu Lopes Federer, Díli, 30 de Agosto de 2003 e 7 de Abril de 2004; CAVR, Resumo de Caso nº 1014: Deslocação Forçada e Fome. 468 Entrevistas da CAVR a Rosalina da Costa, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003 e a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. 469 Entrevista da CAVR a Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003. 470 Entrevista da CAVR a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004; Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003 e a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. 471 Entrevista da CAVR a Alexandrina Amaral, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003. 472 Entrevista da CAVR a Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003. 473 Ibid. 474 Abílio dos Santos, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; Entrevista da CAVR a Alexandrina Amaral, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003. CAVR, Resumo de Caso nº 1014: Deslocação Forçada e Fome. - 297 - 475 Comité Internacional da Cruz Vermelha, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. Annual Report 1982 . Entrevista da CAVR a Adelino Soares, 476 Entrevistas da CAVR a: Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003; Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003; e a Vasco Lopes da Silva, Ataúro, Díli, 7 de Março de 2002. 477 Entrevista da CAVR a Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003. 478 Entrevistas da CAVR a Céu Lopes Federer, Díli, 30 de Agosto de 2003 e 7 de Abril de 2004. 479 Ibid. 480 Entrevistas da CAVR a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003 e a Maria Fátima da Costa, Same, Manufahi, 26 de Fevereiro de 2003. Ver também HRVD, Testemunho nº 6530. 481 Entrevista da CAVR a Maria Fátima da Costa, Same, Manufahi, 26 de Fevereiro de 2003. 482 Entrevista da CAVR a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004. 483 Entrevista da CAVR a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. 484 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 21 de Agosto de 2004. 485 Entrevista de Neil Barrett a Maria Imaculada, Agosto de 2002. The Comarca Video Project , Apresentação à CAVR, 486 Testemunhos nºs 6145; 8744 e 6081; Entrevista da CAVR a Celestino Verdial, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. 487 Entrevista da CAVR a Celestino Verdial, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. 488 HRVD, Testemunho nº 5220. 489 HRVD, Testemunho nº 7724 490 HRVD, Testemunho nº 3820. 491 HRVD, Testemunhos nº 5220; 6530; 2662 e 4710. 492 Rosalina da Costa, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003. 493 HRVD, Testemunho nº 4710. 494 HRVD, Testemunhos nºs 1967; 0953; 1968; 4885 e 3345. 495 Entrevista da CAVR a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003. 496 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 27 de Maio de 2004. 497 Entrevista da CAVR a Alexandrina Amaral, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003 498 Ver CAVR, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Field Report Mauchiga, 27 de Maio- 1 de Junho de 2003. 499 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mauchiga (subdistrito de Hatu-Builico, distrito de Ainaro), 17 de Setembro de 2003. 500 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mauchiga (subdistrito de Hatu-Builico, distrito de Ainaro), 17 de Setembro de 2003; CAVR, Violações dos Direitos Humanos das Mulheres de uma Perspectiva Comunitária: Sociedade de Mauchiga 1982-87, Mauchiga, Ainaro, 2003. 501 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003. 502 Ibid; [Ver também Apêndice: I.0, Violação dos Direitos das Mulheres da Perspectiva da Comunidade: Comunidade de Mauchiga, 1982-1987, Mauchiga, 27 de Maio s/d, 1 de Junho de 2003.] - 298 - 503 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; [Ver também Apêndice: I.0, Violação dos Direitos das Mulheres da Perspectiva da Comunidade: Comunidade de Mauchiga, 1982-1987, Mauchiga, 27 de Maio s/d 1 de Junho de 2003.] 504 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo VI, Ainaro, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 505 Ibid. 506 CAVR e Fokupers, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuse of Women's Human Rights from a Community Perspective: Mauchiga 1982-1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, p. 10. 507 Ibid. 508 HRVD, Testemunho nº 7149. 509 HRVD, Testemunhos nºs 4720; 4109; 4708 e 7252. 510 HRVD, Testemunho nº 2050. 511 HRVD, Testemunhos nºs 7193; 7194; 7258; 7259; 7270; 8901; 8038 e 8047. 512 HRVD, Testemunho nº 4712. 513 CAVR, Equipa de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo VI: Ainaro, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 514 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; Entrevista da CAVR a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 7193; 7259; 7270; 8047 e 7382. 515 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mulo (subdistrito de Hatu, distrito de Ainaro). 516 CAVR e Fokupers, da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuse of Women's Human Rights from a Community Perspective: Mauchiga 1982-1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, p. 10. 517 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; Entrevista da CAVR a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003; Testemunhos nºs 7193; 7259; 7270; 8047 e 7382. 518 HRVD, Testemunho nº 7193. 519 Entrevistas da CAVR a Hermelinda Britos, Mauchiga, Ainaro, 30 de Maio de 2003 e a Crismina de Conceição, Mauchiga, Ainaro, 28 de Maio de 2003. 520 Entrevistas da CAVR a Francisca Barbosa, Mauchiga, Ainaro, 28 de Maio de 2003; Laurentina de Orleans, Mauchiga, Ainaro, 31 de Maio de 2003; Joaninha Britos, Mauchiga, Ainaro, 30 de Maio de 2003 e a Zélia da Conceição, Dare, Ainaro, 1 de Junho de 2003. 521 Entrevista da CAVR a Manuel Martins, Dare, Ainaro, 1 de Junho de 2003 e Joaninha Britos, Mauchiga, Ainaro, 30 de Maio de 2003. 522 Entrevista da CAVR a RN, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 28 de Maio de 2003. 523 Entrevista da CAVR a Bernardino dos Reis Tilman, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 15 de Janeiro de 2003. 524 HRVD, Testemunho nº 8047. 525 HRVD, Testemunho nº 4708. 526 HRVD, Testemunho nº 7269. 527 Entrevista da CAVR a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003. - 299 - 528 Entrevista da CAVR a RN, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 28 de Maio de 2003. 529 Entrevista da CAVR a Leonel Cardoso Pereira, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 30 de Maio de 2003. 530 Entrevista da CAVR a Adelino de Araújo, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 29 de Maio de 2003. 531 Anexo 1.0 de Violações dos Direitos das Mulheres da Perspectiva da Comunidade: A Comunidade de Mauchiga, 1982-1987, Mauchiga, 27 de Maio a 1 de Junho de 2003. 532 HRVD, Testemunho nº 7252. 533 Ibid. 534 Ibid. 535 HRVD, Testemunho nº 2316. 536 HRVD, Testemunho nº 0853-2. 537 HRVD, Testemunho nºs 6788 e nº 6013. 538 HRVD, Testemunho nº 1061. 539 Entrevista da CAVR a José de Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004. 540 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV, 12-15 de Dezembro de 2003. 541 HRVD, Testemunhos nº 6008 e nº 6013. 542 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 de Setembro de 2002; Entrevistas da CAVR a Pedro Faria, antigo chefe da Fretilin no distrito de Lautém, Iliomar, Lautém, 1 de Junho de 2003; Gaspar Seixas, antigo vice-administrador do subdistrito de Iliomar 1979/1985, Iliomar, Lautém, 29 de Maio de 2003; Fernando Amaral, chefe do suco de Fuad, Iliomar, Lautém, 28 de Maio de 2003. 543 Entrevista da CAVR a Domingos Alves Fernandes, Lospalos, Lautém, 21 de Março de 2003. 544 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 de Setembro de 2002. 545 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 de Setembro de 2002; Entrevista da CAVR a Domingas Alves Fernandes, Lospalos, Lautém, 21 de Março de 2003. 546 HRVD, Testemunhos nºs 3930 e 3952; Ernest Chamberlain, rural East Timor, não publicado, Point Lonsdale, Austrália, 2003. The Struggle in Iliomar, Resistência in 547 Lembaga Studi dan Advokasi Masyarakat (ELSAM), Kerangka Pencarian dan Pengumpulan Data Operasi Militer ABRI di Wilayah Timor Timur: Período 1974-1999, Jakarta, Março de 2004. 548 CAVR, Síntese do Caso de Kraras, Relatório Preliminar de Investigação baseado nas Entrevistas da CAVR a José Gomes, Olinda Pinto, Martins Miguel, Viana Martina Rangel, Beatriz Miranda Guterres, Domingos Amaral, Vasco Tilman Pinto e Hermenegildo da Cruz, Díli, Janeiro 2004. 549 República Democrática de Timor-Leste – Relatório da Fretilin, 1985, pp. 3-6. 550 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 de Dezembro de 2003, p. 7. 551 Entrevista da CAVR a Thomás Guterres, de Afolocai, Uatu-Lari, Viqueque, CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Field Report II, 27 de Novembro – 1 de Dezembro 2002. 552 CAVR, Equipa de Investigação sobre Massacres, Field Report IV: Viqueque, 12-15 Dezembro de 2003, p. 7. 553 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. - 300 - 554 HRVD, Testemunhos nº 8045. 555 HRVD, Testemunho nº 0417-03. 556 HRVD, Testemunho nº 6015-04. 557 António da Costa (Aitahan Matak), depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 558 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 de Dezembro de 2002, p. 7. 559 Ibid. 560 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 0007; 8045; 4203; 6015; 6016 e 6023. 561 HRVD, Testemunhos nºs 6015; 6016 e 6023. 562 Entrevista da CAVR a Thomás Guterres, de Afolocai, Uatu-Lari, Viqueque, CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Field Report II, 27 de Novembro – 1 de Dezembro 2002. 563 Entrevista da CAVR ao padre Maubere (Domingos Soares), Díli, 22 de Setembro de 2003. 564 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003; ver também Jill Joliffe, Cover Up: The Inside Story of the Balibó Five, Scribe Publications, Victoria, 2002, p. 292. 565 HRVD, Testemunho nº 7523 566 HRVD, Testemunho nº 7332. 567 Fretilin, lista manuscrita de vítimas em Lautém, Viqueque, Baucau e Díli, finais de 1983-84, elaborada para a Delegação de Serviços Externos da Fretilin (Delegação da Fretilin em Serviço No Exterior), Doc. No4/Ag/84, Timor-Leste, 20 de Agosto de 1984. Arquivo da CAVR. 568 Ernest Chamberlain, 2003, p. 30. 569 HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3930; 3934; 3972; 3977; 4371; 4407; 4408; 3925; 3938; 3947; 3949; 3951; 3972; 3986; 3989; 4376; 4387; 4393; 4397; 4399; 4436 e 4445. 570 HRVD, Testemunhos nºs 3951 e 4402. 571 HRVD, Testemunho nº 7591. 572 Ernest Chamberlain, 2003, p. 30. 573 O Comandante T385 [ Koramil] é mencionado nos HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3930; 3938; 4399; 4407; 3925; 3949; 4384; 4393; 4397; 4436 e 4445. T386 [Senior Kopassandha], o alto responsável da equipa Chandraca (Kopassandha) em Iliomar foi mencionado nos HRVD, Testemunhos nºs 4371; 3951; 4436; 3947; 4376 e 3952. T387 [administrador do subdistrito, Iliomar] foi mencionado nos HRVD, Testemunhos nºs 4408; 3949; 4002; 2113; 3947 e 3927. T255 foi mencionado nos HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3918; 3930; 3972; 4399; 4408 e 3951. 574 Detenções com a participação de T389 [timorense], ver HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3918; 3930; 3947; 3950; 3952; 3972; 3977; 3985; 3990; 4371; 4387; 4397; 4399 e 4408. Detenções com a participação de T390, ver HRVD, Testemunhos nºs 3918; 3930; 3952; 3977; 3985; 4371; 4387; 4397; 4399 e 4408. Detenções com a participação de T801 [timorense], ver HRVD, Testemunhos nºs 3930; 3952 e 4402. Detenções com a participação de T802 [timorense], ver HRVD, Testemunhos nºs 3930; 3952; 4402 e 3989. 575 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 de Setembro de 2002. 576 Entrevista da CAVR a Domingos Alves Fernandes, Lospalos, Lautém, 21 de Março de 2003. - 301 - 577 Grasilda Quimaraes, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 578 CAVR, Perfil Comunitário de Porlamano, no suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 de Setembro de 2002. 579 HRVD, Testemunhos nºs 1609; 1611; 0741; 0784 e 0787. 580 HRVD, Testemunhos nºs 0717; 0731; 0739 e 0782. 581 HRVD, Testemunhos nºs 0717 e 0731. 582 CAVR, Perfil Comunitário de Porlamano, no suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 de Setembro de 2002. 583 Ibid. 584 Entrevistas da CAVR a Filipe José Dias de Castro, Tutuala, Lautém, 10 de Janeiro de 2003 e a Edmundo da Cruz, chefe do suco de Com (subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém), 10 de Janeiro de 2003. Ver também Entrevista da CAVR a Justino Valentim e a Albino da Silva, Díli, 17 de Abril de 2004. 585 Entrevista da CAVR a Abraham Tomás Martinho, CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Field Report II, 1 de Dezembro de 2002. 586 Para exemplos de Viqueque, ver HRVD, Testemunhos nºs 0417; 4128; 8045; 6015; 6023; 4160; 6016; 6957; 7344 e 7340. Para exemplos de Lautém, ver HRVD, Testemunhos nºs 7591; 0800 e 7607. 587 Entrevista da CAVR a Isabel da Silva, suco de Beaço, Viqueque, Viqueque, 14 de Dezembro de 2002. 588 HRVD, Testemunho nº 6023. 589 HRVD, Testemunho nº 6016. 590 HRVD, Testemunho nº 7607. 591 HRVD, Testemunhos nºs 0007 e 8045; Entrevista da CAVR a Carlos Alfredo da Costa Soares, Ataúro, Díli, 28 de Outubro de 2003 592 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003; Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) Díli, 1 de Novembro de 2002. 593 CAVR, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV Viqueque, 12-15 de Dezembro, 2002, p. 5. 594 HRVD, Testemunhos nºs 3986 e 4387. 595 HRVD, Testemunho nº 3927. 596 HRVD, Testemunhos nºs 3949; 3951; 3985; 4003; 4371; 4408; 4436 e 2291. 597 HRVD, Testemunhos nºs 0755; 0760; 0762; 0763; 0771; 0793; 0741 e 0758. 598 HRVD, Testemunho nº 0755. 599 HRVD, Testemunho nº 3927. 600 HRVD, Testemunho nº 0778. A carta foi identificada como: Surat Perintah [carta de ordem] do Comandante do Kodim 1629 Lospalos, Nomor Sprin/028/VS/1984, datada de 27 de Maio de 1984. 601 HRVD, Testemunho nº 5164. 602 HRVD, Testemunhos nºs 7810; 6148; 7819; 3883 e 0567. 603 Ver, por exemplo, Testemunhos nºs 2323 e 2370. 604 HRVD, Testemunhos nº 2323, 2370; 2371; 2387. - 302 - 605 HRVD, Testemunho nº 2371. 606 HRVD, Testemunho nº 5244. 607 HRVD, Testemunho nº 5244. 608 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fatisi (subdistrito de Laulara, distrito de Aileu), 9 de Outubro de 2002. 609 HRVD, Testemunho nº 1437. 610 HRVD, Testemunho nº 1483. 611 HRVD, Testemunho nº 1454. 612 HRVD, Testemunho nº 5045. 613 HRVD, Testemunho nº 1407. 614 HRVD, Testemunho nº 1420. 615 HRVD, Testemunho nº 1483. 616 Apresentação da Assepol, 2003, p. 7. 617 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 17 de Novembro de 2002. 618 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 17 de Novembro de 2002. 619 José António de Jesus das Neves, Apresentação à CAVR, 29 de Setembro de 2004. 620 Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 28 de Abril de 2004. 621 Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 16 de Outubro de 2003. 622 Entrevistas da CAVR a Henrique Belmiro, Díli, 25 de Maio de 2004 e a António Tomás da Costa (Aitahan Matak), Díli, 1 de Novembro de 2002; Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 623 Entrevista da CAVR a António Tomás da Costa (Aitahan Matak), Díli, 1 de Novembro de 2002 624 Entrevista da CAVR a Francisco Miranda Branco, Díli, 30 de Julho de 2004. 625 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 626 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 17 de Novembro de 2002. 627 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 10 de Agosto de 2004. 628 Entrevista da CAVR a João Freitas da Câmara, Díli, 5 de Junho de 2004. 629 Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 1 de Novembro de 2002; Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 16 de Outubro de 2003; Entrevista da CAVR a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 28 de Abril de 2004. 630 Entrevista da CAVR a Justo dos Santos, Díli, 3 de Novembro de 2002. 631 Apresentação da Assepol à CAVR, 2003, p. 8. 632 Entrevista da CAVR a Caetano Guterres, Díli, 22 de Maio de 2004. 633 Entrevista da CAVR a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 17 de Novembro de 2002. 634 Entrevista da CAVR a Caetano Guterres, Díli, 22 de Maio de 2004. 635 Comando Militar Regional XVI Udayana, Comando Militar Sub-Regional 164/Wira Dharma, Prosedur Tetap (Protap) nº PROTAP/01-B/VII/1982, em relação aos procedimentos do Interrogatório de Prisioneiros, datado de Julho de 1982. - 303 - 636 Entrevista da CAVR a Aquilino Fraga Guterres, Baguia, Baucau, 17 de Maio de 2004. 637 HRVD, Testemunhos nºs 1265; 5157; 5169; 5156; 6681; 8182 e 8187. 638 HRVD, Testemunho nº 5121. 639 Entrevista da CAVR a Lúcio Dinis Marques, Maliana, 14 de Junho de 2003. 640 Ver lista de 45 vítimas – “ Daftar Nama Korban Yang Dibantai Tahun 1984 di Bobonaro .” (Lista das vítimas que foram executadas em 1984 em Bobonaro) Fornecida por Olandino Guterres, no Relatório do distrito de Bobonaro (11 a 14 de Junho 2003). 641 HRVD, Testemunhos nº 7172; 8143; 6715; 7168; 5203 e 3695. 642 Entrevista da CAVR a Dinis de Araújo, Maliana, Bobonaro, 14 de Junho de 2003. 643 HRVD, Testemunho nº 1265. 644 Entrevista da CAVR a Armando dos Santos, Maliana, Bobonaro, 14 de Junho de 2003. 645 HRVD, Testemunhos nºs 5751 e 5817 (Aileu); HRVD, Testemunhos nºs 7233 e 2803 (Ainaro); HRVD, Testemunhos nºs 7028; 7060; 7662; 7764; 7092; 7735 e 2401 (Baucau); HRVD, Testemunho nºs 6681 (Bobonaro); HRVD, Testemunhos nºs 1265; 5156 e 5203 (Covalima); HRVD, Testemunhos nºs 3747; 5016 e 3785 (Díli); HRVD, Testemunhos nºs 2142; 5356; 4433; 5333; 5393; 5394; 8726; 8754; 2797; 4439 e 4459 (Lautém); HRVD, Testemunhos nºs 0902; 0922; 0932; 0981; 0992 e 0993 (Liquiça); HRVD, Testemunhos nºs 6515; 1913; 1560 e 3452 (Manatuto); HRVD, Testemunhos nºs 3080; 6798; 7331; 7515; 7465; 9180; 4123; 4163 e 6037 (Viqueque). 646 HRVD, Testemunho nº 0922. 647 HRVD, Testemunho nº 9180. 648 Ver Keputusan Presiden Republik Indonesia, Nomor 62 Tahun 1988 Tentang Penyelenggaraan Pemerintahan dan Pembangunan di Propinsi Daerah Tingkat I Timor Timur (Decisão do Presidente da República da Indonésia, Número 62, 1988, Referente à Implementação da Administração e Desenvolvimento na Província de Timor-Leste). 649 HRVD, Testemunho nº 7603. 650 Ibid. 651 HRVD, Testemunho nº 3338. 652 HRVD, Testemunho nº 5049. 653 HRVD, Testemunho nº 6987. 654 HRVD, Testemunho nº 0483. 655 HRVD, Testemunho nº 6235. 656 HRVD, Testemunho nº 4873. Ver também HRVD, Testemunho nº 4874, no qual a vítima sofreu o mesmo período de prisão arbitrária no Kodim de Díli porque os membros do Batalhão 723 não acreditavam que o seu cartão de identidade fosse dele. 657 HRVD, Testemunhos nºs 7213; 7220; 1012; 3334 e 9175. 658 HRVD, Testemunhos nºs 3778; 5049; 6025; 4209; 4126 e 4189. 659 Entrevista da CAVR a Januário Freitas Ximenes, Baucau, 3 de Setembro de 2004. 660 Entrevista da CAVR a Mário Filipe, Baucau, 3 de Setembro de 2004. 661 Entrevista da CAVR a David da Conceição Thon, preso na Prisão de Becora em 1991, Díli, 13 de Agosto de 2004. Entrevista a Domingos Martins Pereira, Aileu, 15 de Outubro de 2004. 662 Entrevista da CAVR a Octávio da Conceição, Díli, 3 de Novembro de 2002 - 304 - 663 Entrevista da CAVR a Eduardo Lopes, preso na Prisão de Maliana 1995-99, Maliana, 28 de Agosto de 2004 (preso no LP Maliana entre 1995 e 1999), 664 Ibid. 665 Entrevista da CAVR a José da Costa Ximenes (preso no LP Buruma, Baucau a 10 de Julho de 1994), Baucau, 3 Setembro 2004. 666 Entrevista da CAVR a Felismina da Conceição, Díli 4 Maio 2004 (presa na Prisão de Becora em 1992) 667 Entrevista da CAVR a Júlio Araújo Martins, Gleno, Ermera, 26 de Agosto de 2004. 668 Entrevistas da CAVR a Jacinto Alves e a Gregório Saldanha, Díli, 4 Junho 2004. (Ambos presos na Prisão de Becora em 1992). 669 Entrevista da CAVR a Felismina da Conceição, Díli, 4 de Maio de 2004 (presa na Prisão de Becora em 1992). 670 Entrevista da CAVR a David da Conceição Thon, Díli, 13 Agosto 2004. (presa no edifício do Colmera a 1988). SGI em 671 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Darulete (subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça) 13 de Fevereiro de 2003; menciona a detenção de 15 pessoas. 672 HRVD, Testemunhos nºs 0907; 2989; 1985 e 2874. 673 Interrogatório do SGI: HRVD, Testemunho nº 2989. Interrogatório no Koramil de Liquiça descrito em CAVR, Perfis Comunitários de Liquiça, Loidahar, Luculai, e no Testemunho nº 1985 da HRVD. 674 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Luculai (subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça) 19 de Fevereiro de 2003; e Testemunho nº 1985 da HRVD. 675 O documento disponibilizado pela Elsam à CAVR refere que o Gadapaksi foi fundado por volta de Março de 1994, e o Relatório de Geoffrey Robinson refere a data de Julho 1995 (p.154). 676 HRVD, Testemunho nº 2874. 677 Entrevista da CAVR a José da Silva Amaral, Uatu-Carbau, Viqueque, 18 de Setembro de 2003. 678 Amnistia Internacional, Depoimento ao Comité Especial de Descolonização da ONU, ASA 21/14/91, Agosto de 1991. 679 HRVD, Testemunhos nºs 4779 (40 pessoas), e 4790 (46 pessoas). 680 HRVD, Testemunho nº 4779. 681 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Vatuvou (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 5 de Junho de 2003; e Testemunho nº 1996 da HRVD. 682 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Vatuvou, (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 26 de Junho de 2003 Testemunhos nº 3004; nº 5892; nº 2994; nº 5882 e nº 1996 da HRVD. Amnistia Internacional, Indonesia and East Timor: Twenty years of violations, statement before the United Nations Special Committee on Decolonization, Julho de 1995 AI Index: ASA 21/33/95. 683 HRVD, Testemunho nº 1996. 684 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Vatuboro, (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 5 de Junho de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 5882 e nº 1996. 685 HRVD, Testemunho nº 6739. 686 HRVD, Testemunho nº 8098. 687 Entrevista da CAVR a Chiquito da Costa Guterres (também conhecido Kaiwua), Díli, 14 de Junho de 2004 - 305 - como Michael Savio ou 688 Amnistia Internacional, Indonesia/East Timor: Possible "disappearance" , 4 de Julho de 1991, AI Index: ASA 21/12/91; Amnistia Internacional, Extrajudicial Execution/Arrest/Fear of Torture, 30 de Outubro de 1991, AI Index: ASA 21/18/91. 689 Amnistia Internacional, Legal Concern/Fear of Torture , 22 de Novembro de 1991, AI Index: ASA 21/26/91. 690 Amnistia Internacional, Further information on UA 408/91 (ASA 21/26/91, 22 Novembro 1991) and follow-up ASA 21/28/91, 29 Novembro 1991 - Legal Concern/Fear of Torture, 10 Dezembro 1991,AI Index: ASA 21/29/91. 691 Amnistia Internacional, Depoimento ao Comité Especial de Descolonização da ONU, ASA 21/14/91, Agosto de 1991. 692 Entrevista da CAVR a José António de Jesus das Neves, Díli, 3 de Maio de 2004. 693 Constâncio Pinto e Matthew Jardine, South End Press, Boston, 1997, p.108. East Timor’s unfinished struggle: inside the Timorese struggle, 694 Entrevista da CAVR a Gregório Saldanha, Díli, 10 de Novembro de 2002. 695 Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002. 696 Ibid. Ver também depoimento de Gregório Saldanha na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Prisão e Tortura, 17 e 18 de Fevereiro de 2003. 697 Kodam IX Kolakops, “Rencana Operasi ‘Halo Kapaz”, datado de 31 de Agosto de 1991, confidencial), citado em Samuel Moore, “The Indonesian Military’s Last Years in East Timor: An Analysis of its Secret Documents”, Indonesia 72, Outubro de 2001), p. 21. 698 Entrevista da CAVR a Alfonso Maria, Díli, 1 de Novembro 2002 699 HRVD, Testemunho nº 1970. 700 HRVD, Testemunho nº 1970. O depoente não disse à Comissão qual foi o destino dos seus companheiros Calisto e Amadeo. 701 HRVD, Testemunho nº 5070. 702 Entrevista da CAVR a David da Conceição, Díli, 13 de Agosto de 2004. 703 Acção Urgente da Amnistia Internacional 04/92, ASA 21/01/92, 3 de Janeiro de 1992. 704 HRVD, Testemunho nº 5070. 705 Entrevista da CAVR a, José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 Outubro 2002. 706 HRVD, Testemunho nº 8046. 707 HRVD, Testemunho nº 8088. 708 CAVR, Entrevista Confidencial, dada por fonte mantida em sigilo, Díli, 15 de Novembro de 2004. 709 HRVD, Testemunho nº 5070. 710 Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004. 711 Constâncio Pinto e Matthew Jardine, East Timor’s Unfinished Struggle, Inside the Timorese Struggle 1997, South End Press, Boston, MA, p. 112. 712 Amnistia Internacional, ASA 21/01/90. 713 HRVD, Testemunho nº 8084/4. 714 HRVD, Testemunhos nºs 2989; 8384/4 e 8304. 715 HRVD, Testemunho nº 0195. - 306 - , 716 HRVD, Testemunhos nºs 2726; 6731; 7157; 7420; 5071; 9126; 6352; 0921; 4169; 4217/3; 7736; 4705; 0195/4; 1996 e 0634. 717 Ver depoimentos de Simplício Celestino de Deus na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Massacres, 28 e 29 de Novembro de 2003, e Alexandrino da Costa na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Crianças e Conflito 28 e 29 de Março de 2004. 718 HRVD, Testemunhos nºs 6731, 7157 e 4217/3; Entrevista da CAVR a Simplício Celestino de Deus, Díli, 8 Outubro 2004. 719 HRVD, Testemunho nº 5071. 720 Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002. 721 Amnistia Internacional, Indonesia/East Timor: A new order? Human rights in 1992. 722 HRVD, Testemunho nº 2726. 723 Entrevista da CAVR a Simplício Celestino de Deus, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 724 Detenções em Liquiça, ver por exemplo HRVD, Testemunhos nºs 0634; 0195; 1996 e 4705 (Foram detidos pelo chefe dos serviços de informação, Durante, e por Tomé Diogo). Sobre detenções em Bobonaro, ver por exemplo HRVD, Testemunhos nºs 8634 e 5615/2. Sobre detenções em Baucau, ver por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 2363/4 e entrevista de Neil Barrett a Saturnino Belo, Díli, parte integrante do The Comarca Video Project, disponibilizado à CAVR . 725 CAVR, Perfis Comunitários do suco de Uma-Anaico e de Uma-Analu (subdistrito de Venilale, distrito de Baucau, 12 de Junho de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bahamori (subdistrito de Venilale, distrito de Baucau), 29 de Maio de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Tasi (subdistrito de Vemasse, distrito de Baucau), 28 de Março de 2003. 726 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uatu-Haco (subdistrito de Venilale, distrito de Baucau), 8 de Junho de 2003. 727 CAVR, Perfil Comunitário da cidade de Quelicai, distrito de Baucau, sem data. 728 Entrevista da CAVR a Simplício Celestino de Deus, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 729 Asia Watch, Remembering History in East-Timor, the trial of Xanana Gusmão and a follow-up to the Díli Massacre, Abril de 1993, Vol.5, Nº.8, p. 22. 730 Ibid., p.23. 731 Entrevista da CAVR a Simplício Celestino de Deus, Díli, 5 de Dezembro de 2003. 732 Sobre detenções relacionadas com a visita em Ainaro, ver secção sobre a criada para contrariar os preparativos para a visita. Tim Sukarelawan , que foi 733 Entrevista da CAVR a Adriano João, Díli, 10 de Junho de 2004 734 Entrevista da CAVR a Júlio Araújo Martins, Gleno, Ermera, 26 de Agosto de 2004. 735 Lembaga Studi dan Advokasi Masyarakat (Elsam), Kerangka Pencarian dan Pengumpulan Data Operasi Militer ABRI di Wilayah Timor Timur: Periode 1974-1999, Jacarta, Março de 2001. [Institute for Study and People Advocacy, Elsam, Framework for Finding and Collecting Military Operation Data of ABRI in East Timor Period of 1974-199]. A Comissão tomou conhecimento de vários casos de pessoas recrutadas à força para estas equipas; ver por exemplo HRVD, Testemunho nº 0745. 736 HRVD, Testemunhos nºs 1887; 1106; 1172 e 1108. 737 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Atabae (subdistrito de Atabae, distrito de Bobonaro), 8 de Outubro de 2002. 738 HRVD, Testemunho nº 1115. 739 HRVD, Testemunho nº 1106. - 307 - 740 HRVD, Testemunho nº 1140. 741 CAVR Perfil Comunitário do suco de Atabae (subdistrito de Atabae, distrito de Bobonaro), 8 Outubro 2002. 742 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Manetu (8 de Julho de 2003) e de Hohoraikik (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro). 743 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Maulau (26 de Maio de 2003), de Manelobas (23 de Maio de 2003), de Manetu (8 de Julho de 2003), subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro. 744 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manutasi (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro), 17 de Fevereiro de 2003. 745 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maulau (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 26 de Maio de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manelobas (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 23 de Maio de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 8 de Julho de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Cassa (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro), 18 de Fevereiro de 2003. 746 HRVD, Testemunho nº 2682. 747 CAVR Perfil Comunitário do suco de Manelobus (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 23 de Maio de 2003. 748 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 8 de Julho de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Cassa (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro), 18 de Fevereiro de 2003. 749 HRVD, Testemunho nº 2683. 750 HRVD, Testemunho nº 3379. 751 HRVD, Testemunhos nºs 3309; 3342; 4911; 5956; 5006; 3378; 3386; 3387; 3389; 4919; 4930; 5971; 3307; 4983; 5000; 5977; 3379; 3383; 4950; 4964; 5003 e 4921; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manelobas (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 23 de Maio de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 8 de Julho de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maubisse (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro). 752 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Ainaro (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro); CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maubisse (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro); CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), todos em Maio-Julho de 2003. 753 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Ainaro (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maubisse (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro); CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro); CAVR, Perfil Comunitário do suco de Manutasi (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro) todos em Maio-Julho de 2003. 754 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Horiauic (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro) MaioJunho de 2003. 755 Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002, Apresentação da Assepol. 756 Apresentação da Assepol à CAVR (17 de Fevereiro de 2003), confirmada na Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004. 757 Ibid. 758 Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004. 759 Ibid. 760 HRVD, Testemunho nº 7157. - 308 - 761 Entrevista da CAVR a Francisco Miranda Branco, Díli, 24 de Novembro de 2002; Entrevista da CAVR a Jacinto Alves, 5 de Junho de 2005 762 HRVD, Testemunho nº 7420. 763 HRVD, Testemunho nº 9126. 764 HRVD, Testemunho nº 5071. 765 HRVD, Testemunho nº 7736. 766 Entrevista de Ben Anderson, Douglas Kammen e Arif Djati a Mário Carrascalão, Díli, 20 de Março de 2002. Arquivo da CAVR. 767 Entrevista da CAVR a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004. 768 Entrevista da CAVR a Gregório Saldanha, Díli, 4 de Junho de 2004. 769 Entrevista da CAVR a João Freitas da Câmara, Díli, 5 de Junho de 2004. 770 Entrevista da CAVR a Virgílio da Silva Guterres, Díli, 5 de Novembro de 2002. 771 Entrevista da CAVR a Domingos Barreto, Díli, 6 de Maio de 2004. 772 Entrevista da CAVR a Virgílio da Silva Guterres, Díli, 5 de Novembro de 2002. Entrevista da CAVR a João Freitas da Câmara, Díli, 5 de Junho de 2004. 773 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Bidau Santana & Meti Aut (subdistrito de Nain Feto/Díli Oriental, distrito de Díli), 29 de Agosto de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 3076-8; 5066; 5674; 9189 e 6982-2. 774 AFP, Jacarta, 12 de Julho de 1994. 775 HRVD, Testemunho nº 5066. 776 HRVD, Testemunhos nº 5674. 777 Relatório anual da ETHRC, 17 de Fevereiro de 1998, http://www.asia-pacificaction.org/southeastasia/easttimor/resources/reports/ethrc97.htm. 778 Amnistia Internacional, ASA 21/86/97, ASA 21/88/97, Relatório anual da ETHRC, 17 de Fevereiro de 1998, http://www.asia-pacific-action.org/southeastasia/easttimor/resources/reports/ethrc97.htm. 779 Documento Confidencial disponibilizado pela Elsam à CAVR. 780 HRVD, Testemunhos nºs 7530 e 7465. 781 HRVD, Testemunho nº 8177. 782 HRVD, Testemunho nº 8177. 783 Entrevista da CAVR a Hernâni Deolindo de Araújo, Maliana, 28 de Agosto de 2004. 784 Entrevista da CAVR a Eduardo Lopes (Lorico Lopes), Maliana, 28 de Agosto de 2004. 785 HRVD, Testemunho nº 2436. 786 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Macadique (subdistrito de Uatu-Lari, distrito de Viqueque) sem data; Amnistia Internacional, 1997 Indonesia/East Timor: Further information on fear of torture/medical concern, AI Index: ASA 21/06/97. 787 Amnistia Internacional, 1997 Indonesia/East Timor: Further information on fear of torture/medical concern, AI Index: ASA 21/06/97. 788 Preso na esquadra da polícia subdistrital (Polres): Balthasar SH Belo (Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997); Presos em Polda: José Maria Geronimo, João Budiono C Moraes, Gregório Sequira, Luís Afonso, Abel Fernandes e Bobby Xavier (Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997.); - 309 - Presos no SGI de Colmera: Armanda C Soares (Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997); Presos na Prisão de Becora: HRVD, Testemunho nº 5075; CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Bidau Santana & Meti Aut (subdistrito de Nain Feto/Díli Oriental, distrito de Díli), 29 de Agosto de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Hera (subdistrito de Cristo Rei/Díli Oriental, distrito de Díli), 1 de Setembro de 2003; CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Benamauk, Kamea e Fatu-Ahi (subdistrito de Cristo Rei, distrito de Díli), [sem data]; Amnistia Internacional, Indonesia: Further information on fear of torture, AI Index: ASA 21/16/97, 18 de Março de 1997. 789 Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997). 790 HRVD, Testemunho nº 3739. 791 Amnistia Internacional, Intimidation/Fear for Safety: 29 Abducted by "Ninja" Gangs in Díli Fevereiro de 1995, AI index: ASA 21/14/95. 792 Indonesia and East Timor: Political prisoners and the "rule of law". ASA 21/16/95. 793 Reuters, 21 de Fevereiro de 1995. 794 HRVD, Testemunho nº 8069. 795 Ibid. 796 HRVD, Testemunho nº 9082. 797 Tapol Bulletin, nº. 102, Dezembro de 1990, p. 16. , 13 de 798 HRVD, Testemunhos nºs 2698; 3342; 9321 e 2687 (Ainaro), 5719; 0076/8; 0445/7+8; 3139/4; 7375/2 e 6741. 799 HRVD, Testemunhos nºs 1346; 2698; 3342; 9321 e 2687. 800 Ver John G. Taylor, Indonesia’s Forgotten War: The Hidden History of East Timor, Zed Books, 1991. 801 HRVD, Testemunho nº 2687. 802 HRVD, Testemunho nº 2006. 803 HRVD, Testemunho nº 7375/2. 804 HRVD, Testemunhos nºs 5719; 0076 e 6983. 805 HRVD, Testemunho nº 5768. 806 HRVD, Testemunho nº 6269. 807 HRVD, Testemunhos nº 3139/4 e 3076/9. 808 HRVD, Testemunhos nº 4736 e 4733. 809 HRVD, Testemunho nº 4733. 810 HRVD, Testemunhos nºs 4173/3; 4169/3 e 4137. 811 HRVD, Testemunhos nºs 0154/3; 8006; 3123/6 e 7681. 812 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bualale (subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau ), 16 de Dezembro de 2003. 813 HRVD, Testemunho nº 9321. 814 Asia Watch, “Remembering History in East Timor: The Trial of Xanana Gusmão and a Follow-up to the Díli Massacre”, Vol. 5 Nº. 8, Abril de 1993, p. 8. 815 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 10 de Agosto de 2004, p. 1. 816 Ibid., p. 5. - 310 - 817 Comissão para os Direitos Humanos, Sessão 49ª, “Situation in East Timor: Report of the Secretarygeneral”, 10 de Fevereiro de 1993, p. 14. 818 Ibid. 819 Apresentação da Assepol à CAVR, 18 de Fevereiro de 2003. 820 Asia Watch, “Remembering History in East Timor: The Trial of Xanana Gusmão and a Follow-up to the Díli Massacre”, Vol. 5 Nº. 8, Abril de 1993, p. 9. 821 Ibid., p. 10 822 Entrevista da CAVR a Armandina Gusmão, Díli, 3 de Setembro de 2004. 823 Entrevista da CAVR a Alfonso Maria, Díli, 1 de Novembro de 2002. 824 HRVD, Testemunho nº 3120. Ver também HRVD, Testemunhos nºs 3127; nº 7375; nº 0445/7+8 e nº 3139/4 sobre detenções na região de Ossu em 1992. 825 Entrevista da CAVR a Olga Corte-Real, Datina, Same, Manufahi, 3 de Junho de 2003. 826 HRVD, Testemunhos nºs 4005; 4385 (1985); 4009; 7584 (1986) e 4075 Manufahi (1987). 827 HRVD, Testemunho nº 7091. 828 HRVD, Testemunhos nº 8375 e 8342. 829 HRVD, Testemunho nº 8342. 830 HRVD, Testemunho nº 8342. 831 Ibid. 832 HRVD, Testemunho nº 8375. 833 Entrevista da CAVR a Reinaldo Marçal, Díli, 10 de Julho de 2004. 834 Human Rights Watch, Deteriorating Human Rights Situation in East Timor HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html. 835 , Arquivos da CAVR Entrevista da CAVR a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004. 836 A Amnistia Internacional menciona outros detidos: José Acácio, João Ângelo, Francisco Magno. ASA 21/38/97. 837 Acção Urgente da ETHRC, 4 de Junho de 1997, Acção Urgente da Amnistia Internacional, 2 de Junho de 1997. 838 HRVD, Testemunho nº 8005. 839 Entrevista da CAVR a Reinaldo Marçal, Díli, 10 de Julho de 2004. 840 HRVD, Testemunho nº 8005. 841 HRVD, Testemunho nº 5074, Romeo da Conceição (no HRVD, Testemunho nº, a data é 31 de Julho, mas o contexto torna bastante claro que se trata do dia 31 de Maio.) 842 Entrevista da CAVR a Mariano da Costa Sarmento Soares, Díli, 10 de Julho de 2004. 843 Entrevista da CAVR a Reinaldo Marçal, Fatumeta, 10 de Julho de 2004. 844 Ibid., e Entrevista da CAVR a Mariano da Costa Sarmento Soares, Díli, 4 de Maio de 2004, 10 de Julho de 2004 845 Ibid. 846 Entrevista da CAVR a Reinaldo Marçal, Díli, 10 de Julho de 2004; Entrevista da CAVR a Mariano da Costa Sarmento Soares, Díli, 10 de Julho de 2004. - 311 - in 847 Entrevista da CAVR a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004; Entrevista da CAVR a Luís Maria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003; Entrevista da CAVR a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004. 848 Testemunhos nºs 7815 e 7783 da HRVD; CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Bualale, Guruca, Uaitame e Lelalai (subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau). 849 HRVD, Testemunho nº 7783. 850 Entrevista da CAVR a Vasco da Gama, Becora, Díli, 18 de Maio de 2004; Entrevista da CAVR a Luís Maria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003; Entrevista da CAVR a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004; Testemunhos nºs 7707; 7098 e 3702 da HRVD. 851 Entrevista da CAVR a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004. 852 Entrevista da CAVR a João Bosco, Quelicai, 2 de Setembro de 2004. 853 HRVD, Testemunho nº 8046. 854 Entrevista da CAVR a Mário Filipe, Baucau, 2 de Setembro de 2004. 855 Entrevista da CAVR a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004. 856 Entrevista da CAVR a Mário Filipe, Baucau, 2 de Setembro de 2004. 857 Entrevista da CAVR a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004. 858 Ibid. 859 Entrevista da CAVR a Luís Maria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003. 860 Entrevista da CAVR a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004. 861 Ibid. 862 Entrevista da CAVR a Constâncio da Costa Santos, Balide, Díli, 7 de Julho de 2004. 863 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maumeta (subdistrito de Bazartete, distrito de Liquiça); HRVD, Testemunhos nºs 1974; 1987 e 1984. 864 HRVD, Testemunho nº 1974. 865 HRVD, Testemunho nº 1987. 866 HRVD, Testemunho nº 1984. 867 HRVD, Testemunho nº 1984. 868 Ibid. 869 HRVD, Testemunhos nºs 3446; 3472 e 1558. 870 HRVD, Testemunho nº 3446. 871 HRVD, Testemunho nº 3472. 872 HRVD, Testemunhos nºs 3472; 1558 e 3446. 873 HRVD, Testemunhos nº 1531; 9019; 1566. 874 HRVD, Testemunho nº 9033. 875 HRVD, Testemunhos nºs 1581; 1586; 1580; 1575; 1601; 1602; 1558; 1510; 1568; 1550; 1526; 1589; 1530; 1549; 1557; 1521 e 1531. 876 HRVD, Testemunho nº 1558. 877 Segundo o Testemunho nº 1510, um Babinsa; Segundo o Testemunho nº 1568 da HRVD, um comandante da milícia Ablai—a mesma pessoa podia deter os dois cargos. - 312 - 878 HRVD, Testemunhos nºs 1550; 1526 e 1589. Segundo o Testemunho nº 1526, T541 é o chefe do suco; Segundo o Testemunho nº 1589, T541 é um comandante da milícia Ablai. É provável que a mesma pessoa detivesse os dois cargos. 879 HRVD, Testemunhos nºs 1526; 1530; 1549; 1557 e 1575. 880 HRVD, Testemunho nº 1526. 881 HRVD, Testemunho nº 1557. 882 HRVD, Testemunho nº 1521. 883 HRVD, Testemunhos nºs 1526 e 1550. 884 HRVD, Testemunhos nºs 1549; 1530; 1557; 1580; 1531. 885 HRVD, Testemunhos nºs 8124 e 1549. 886 HRVD, Testemunho nº 1549. 887 HRVD, Testemunho nº 8124. 888 Para referência aos membros do Koramil, ver: HRVD, Testemunhos nºs 1505; 1518; 1520; 1540; 1559 e 9022. Sobre o chefe de secção dos serviços de informação T434, ver HRVD, Testemunhos nºs 3407; 3436 e 3437. 889 HRVD, Testemunhos nºs 1568 e 1523. 890 HRVD, Testemunhos nºs 1505; 1518; 3467 e 4029. 891 HRVD, Testemunho nº 1507. 892 HRVD, Testemunhos nºs 1510, 1514; 1559 e 3437. 893 HRVD, Testemunhos nºs 1540 e 1514. 894 HRVD, Testemunho nº 1514. 895 Ibid. 896 Koramil de Alas: ver Testemunhos nºs 1505; 1518; 1573; 1593 e 3480; Posto Nanggala de Alas: ver HRVD, Testemunhos nºs 1564 e 3473; Esquadra da polícia: HRVD, Testemunhos nºs 1507 e 3436; casas particulares: ver HRVD, Testemunhos nºs 9015 e 1541. 897 HRVD, Testemunho nº 1559. 898 HRVD, Testemunho nº 1568. 899 HRVD, Testemunho nº 9022. 900 HRVD, Testemunho nº 6861. 901 HRVD, Testemunho nº 1079. 902 HRVD, Testemunhos nºs 2645; 5298; 5922; 3515; 8405; 5934; 4633; 5789; 5794 e 4191. 903 HRVD, Testemunho nº 8046. 904 Testemunhos nºs 3245; 2019; 5602; 1021 e 6887. 905 HRVD, Testemunho nº 3245. 906 HRVD, Testemunho nº 5602. 907 HRVD, Testemunhos nºs 03691; 3692; 02543; 1866; 2637; 0804; 5133; 8619; 0093; 5492; 0929; 3298; 5592; 2681; 5133; 3691; 2021; 3679; 5151; 3690; 3692; 8893; 1866; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Saboria (subdistrito de Aileu Vila, distrito de Aileu), 14 de Março de 2003. 908 HRVD, Testemunhos nºs 5133; 8619; 0093; 5492; 0929; 3298; 5592 e 2681. - 313 - 909 HRVD, Testemunhos nºs 2637 e 0804. 910 HRVD, Testemunho nº 5133. 911 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Saboria (subdistrito de Aileu Vila, distrito de Aileu), 14 de Março de 2003. 912 Ibid. 913 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p.201205. 914 HRVD, Testemunhos nºs 5888 e 9158. 915 Informação de Dave Savage, num correio electrónico para o redactor, 2 de Novembro de 2004. Arquivo da CAVR. 916 HRVD, Testemunhos nºs 7134; 6277; 6349 e 6348. 917 HRVD, Testemunho nº 6348. 918 HRVD, Testemunho nº 1179. 919 HRVD, Testemunho nº 8221. 920 HRVD, Testemunho nº 6631. 921 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p.169. 922 CAVR, Perfil Comunitário do subsuco de Rainaba, do suco de Guguleur (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 12 de Junho de 2003. 923 HRVD, Testemunhos nºs 04697; 4610; 4615; 4638; 5855; 5920 (Gugleur); HRVD, Testemunhos nºs 4642; 4659; 4689; 4608; 4654 (Vatuboro); 5908; 5909; 5934; 5908; 5909; 5943 (Vatuvou); 4666; 4646; 4613; 4622; 4651; 4629 e SR1/99-43 (Guico) 924 HRVD, Testemunho nº SR2/98 (ETHRC). 925 HRVD, Testemunho nº SR1/99-63. 926 HRVD, Testemunho nº 5168. 927 HRVD, Testemunho nº 5908. 928 HRVD, Testemunho nº 6260. 929 HRVD, Testemunhos nºs 5133; 04628; 02934; 04920; 1954; 3670 e 3692. 930 Testemunho nº 5133 da HRVD. 931 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Rai Fun (subdistrito de Maliana, distrito de Bobonaro), 3 de Fevereiro de 2003. 932 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p.189. 933 HRVD, Testemunho nº 0408. 934 HRVD, Testemunho nº 0411. 935 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p.144. 936 Ibid. 937 HRVD, Testemunho nº 3692. 938 HRVD, Testemunhos nºs 8495; 7418; 1233; 3582; 0643 e 4986. 939 HRVD, Testemunhos nºs 3858; 8162; 2036; 0225 e 1204. - 314 - 940 HRVD, Testemunhos nºs 6396 e 6912. 941 HRVD, Testemunho nº 1554. 942 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p. 149, ver também The Deputy General Prosecutor for Serious Crimes vs Sedyono et al indictment (Caso nº 142003) 8 de Abril de 2003. 943 HRVD, Testemunhos nº 3690 e 3699. 944 HRVD, Testemunhos nºs 3691; 2021; 3679; 3699; 3670; 5138; 3688; 8893; 7419; 3698; 5151 e CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fatuleto, (subdistrito de Zumalai, distrito de Covalima) 21 de Maio de 2003 945 HRVD, Testemunhos nºs 5152; 7419; 2021; 7422; 3670; 5130; 3698 e 3690. 946 HRVD, Testemunhos nºs 3691; 2021; 3679; 5151; 3690; 3692 e 8893. 947 HRVD, Testemunho nº 2976. 948 HRVD, Testemunho nº 4644. 949 HRVD, Testemunho nº 0276. 950 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Loidahar, (subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça), 4 de Março de 2003. 951 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004. 952 HRVD, Testemunhos nºs 4644; 5865; 4633; 5884 e 5903 . 953 HRVD, Testemunhos nºs 3509 e 2103. 954 HRVD, Testemunhos nºs 9025 e 9027. 955 HRVD, Testemunho nº 6157. 956 HRVD, Testemunho nº 6157. 957 HRVD, Testemunhos nºs 2193 e 2224. 958 HRVD, Testemunho nº 2193. 959 HRVD, Testemunho nº 2193. 960 HRVD, Testemunho nº 3578. 961 HRVD, Testemunhos nºs 4594 e 4544. 962 HRVD, Testemunho nº 6174. 963 HRVD, Testemunho nº 4594. Ver também Testemunho nº 4544. 964 HRVD, Testemunhos nºs 8295 e 8296. 965 HRVD, Testemunho nºs 3510; 8295; 8296 e 9471. 966 HRVD, Testemunho nº 6401. 967 HRVD, Testemunho nº 8296. 968 Vice Procurador-Geral para os Crimes Graves, acusação formal de Vasco da Cruz, Domingos Alves, Guilhermino de Araújo, Napoleon dos Santos, Simão Tasion, Lino Barreto e Câncio Lopes de Carvalho, 29 de Novembro de 2004, p. 6. 969 HRVD, Testemunho nº 3670. 970 HRVD, Testemunhos nºs 5177; 5155; 3699; 5151 e 5148. 971 HRVD, Testemunho nº 5155. - 315 - 972 HRVD, Testemunho nº 7399. 973 HRVD, Testemunho nº 5535. 974 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004. The Deputy General Prosecutor for Serious Crimes vs Burhanuddin Siagian indictment (Caso nº 2-2003) 3 de Fevereiro de 2003. 975 HRVD, Testemunhos nºs 4321; 5532 e 5535. 976 HRVD, Testemunhos nº 4281 e 4341. 977 HRVD, Testemunhos nº 4321; 4281; 4341; 5532; 5535 e 4235. Burhanuddin Siagian et al Indictment, 3 de Fevereiro de 2003. The Deputy General Prosecutor 978 HRVD, Testemunhos nº 8992 e 5626. 979 HRVD, Testemunho nº 2930 , Perfil Comunitário de Abani (Passabe, Oecusse), 10-09-2003. 980 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p.184. 981 HRVD, Testemunho nº 0354. vs 982 HRVD, Testemunhos nºs 2930; 6888; 2852; 6895; 0326; 0378; 0401; 2931; 2622; 2921; 2622; 2921; 2935; 2947; 6832; 6840; 6899; 6898; 6890; 6897; 2934; 2848; 2957; 2950; 2953; 2930; 2936; 6884; 2851; 6837 e 6892 . 983 HRVD, Testemunhos nºs 0337, 9183, 0093; 2857 . 984 HRVD, Testemunhos nºs 2852; 6888; 0336; 2614; 2957; 2637; 2852; 2950 e 2947 . 985 HRVD, Testemunhos nºs 2921; 2935; 2947; 2934; 2950 e 2930 . 986 HRVD, Testemunhos nºs 6890; 6897; 2848; 2936; 6884; 2851 e 6837 . 987 HRVD, Testemunhos nºs 6892; 6898; 6840 e 6832 . 988 HRVD, Testemunhos nºs 2851 e 6892 . 989 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Abani (subdistrito de Passabe, distrito de Oecusse), 10 de Setembro de 2003. 990 HRVD, Testemunhos nºs 2931; 2622; 2921; 2935; 2934; 2957 e 2950 . 991 HRVD, Testemunhos nºs 6832; 6888; 6895; 6899; 6897; 6892; 6837 e 2851 . 992 HRVD, Testemunhos nºs 6888; 2852 e 6899 . 993 HRVD, Testemunhos nºs 2953; 2950; 2930; 6899 e 2957 . 994 HRVD, Testemunhos nºs 6888; 2848; 6892; 6837 e 2930 . 995 HRVD, Testemunho nº 0354 . 996 HRVD, Testemunho nº 4661 . 997 HRVD, Testemunhos nºs 5736 e 5726 . 998 Amnistia Internacional, Indonesia (East Timor): Further information on Fear for Safety , AI Index: ASA 21/35/99, 26 Abril 1999. 999 HRVD, Testemunhos nºs 3757; nº 0615; e 6952 . 1000 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Ahic (subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque), 22 de Novembro de 2002. 1001 HRVD, Testemunho nº 0469 . 1002 HRVD, Testemunhos nºs 0471 e 0404 . - 316 - 1003 HRVD, Testemunho nº 0471 . 1004 HRVD, Testemunho nº 6697. 1005 Apresentação da OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p. 184 1006 HRVD, Testemunho nº 1866. 1007 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p. 145. 1008 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Opa e Daudet (subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro), 14 de Julho de 2003. 1009 HRVD, Testemunho nºs 5641; 7127; 5580 e 5639. 1010 Procuradoria-Geral da UNTAET, Pronúncia de Acusação contra João Franca da Silva 4a-2001), 25 de Maio de 2001. 1011 HRVD, Testemunhos nºs 6428; 6393; F9425 e 6429. 1012 Ver também Testemunho nº 6371. 1013 HRVD, Testemunho nºs 6405 . Ver também Testemunhos nº 6403 e 6441. 1014 HRVD, Testemunhos nºs 1754; 1747; 1719 e 1755. 1015 HRVD, Testemunho nº 7419. 1016 HRVD, Testemunhos nºs 5824; 4850; 5790; 5753 e 5752. 1017 HRVD, Testemunho nº 5824. 1018 HRVD, Testemunho nº 2576. 1019 HRVD, Testemunho nº 6647. 1020 HRVD, Testemunho nº 1833. 1021 HRVD, Testemunho nº 5602. et al (Caso nº: 1022 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lacló (subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera), 16 de Junho de 2003. 1023 HRVD, Testemunhos nºs 1325; 3688; 3670; 1260; 6912; 3508 e 02957. 1024 HRVD, Testemunhos nºs 0643; 5298 e 7904. 1025 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p. 176. 1026 HRVD, Testemunho nº 5298. 1027 HRVD, Testemunhos nºs 03670 e 3858. 1028 CAVR, Perfil Comunitário do subsuco de Gildapil, suco de Lebos (subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro), 9 de Setembro de 2003. 1029 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Sabarai (subdistrito de Maliana, distrito de Bobonaro), 13 de Janeiro de 2003. 1030 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Saboria, vila de Aileu (subdistrito de Aileu, distrito de Aileu), 14 de Março de 2003. 1031 HRVD, Testemunhos nºs 0225; nº 2868; nº 1954; nº 4652. 1032 HRVD, Testemunho nº 0225. 1033 HRVD, Testemunho nº 8204. 1034 HRVD, Testemunho nº 1294. - 317 - 1035 Ver “Surat Pengembalian,” 8 de Julho de 1999 (HRU Collection, Doc. BOB#9) Apresentação da OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p 209. 1036 HRVD, Testemunho nº 00227. 1037 HRVD, Testemunho nº 3754. 1038 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Ahic (subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque), 22 de Novembro de 2002. 1039 HRVD, Testemunho nº 7023. 1040 HRVD, Testemunho nº 7203. 1041 HRVD, Testemunho nº 6333. 1042 HRVD, Testemunhos nºs 6994; 7007; 7009 e 7010. 1043 HRVD, Testemunho nºs 2953; 2957; 7007 e 7009. 1044 HRVD, Testemunho nº 2957. 1045 HRVD, Testemunho nº 7007. 1046 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fohoren (subdistrito de Fohoren, distrito de Covalima), 22 de Janeiro de 2004; Testemunhos nº 6272 e 8933. 1047 Ibid. 1048 HRVD, Testemunho nº 8933. 1049 HRVD, Testemunhos nºs 3726; 4884; 4886; 5687; 0170; 3711 e 0122. 1050 HRVD, Testemunho nº 4837. 1051 HRVD, Testemunho nº 8626. 1052 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Ahic (subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque), 22 de Novembro de 2002. 1053 HRVD, Testemunhos nºs 8738; 8743 e 8734. 1054 HRVD, Testemunho nº 0143. 1055 HRVD, Testemunho nº 2412. 1056 HRVD, Testemunho nº 7398 , ver também Testemunho nº 8958. 1057 HRVD, Testemunho nº 2008 ; ver também Testemunho nº 2676. 1058 HRVD, Testemunhos nºs 8278, 6178, 4450, 4657, 4630, 0235, 3446, 5787, 3298, 4322, 7151, 4321, 1803, 8629, 5149, 1243, 7387, 5138, 7006, 6158, 7009, 3510 e 7007. 1059 HRVD, Testemunho nº 3510. 1060 HRVD, Testemunhos nºs 01777; 00230; 06225; 2895; 5601; 0988; 4082; 7156; 6749; 2427; 1139; 5127 e 2193. 1061 HRVD, Testemunho nº 01777. 1062 HRVD, Testemunhos nºs 4082; 6749; 1139 e 5127. 1063 HRVD, Testemunho nº 0988. 1064 HRVD, Testemunho nº 5168. 1065 HRVD, Testemunho nº 4667. - 318 - 1066 HRVD, Testemunhos nºs 2950, 0411, 4192, 5790, 5835, 1119, 7024, 6752, 0414, 5756, 4986, 3229, 7405, 4341, 5132, 3508, 4651, 0378, 0410 e 1817. 1067 HRVD, Testemunhos nºs 2950-1; 0411; 4192-2; 5835; 1119; 6752-3; 0414-6 e 7; 5756; 4986; 3229; 7405-2; 4341-6; 5132; 3508; 4651; 0378-1; 0410 e 1817. 1068 HRVD, Testemunho nº 8313. 1069 HRVD, Testemunho nºs 6279 e 0091. 1070 HRVD, Testemunho nº 8294. 1071 HRVD, Testemunho nº 6751. 1072 HRVD, Testemunho nº 0145. 1073 HRVD, Testemunho nº 6272 . Ver também Testemunho nº 8933. 1074 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à CAVR, Abril de 2004, p. 54. 1075 HRVD, Testemunhos nºs 03670 e 3858. 1076 HRVD, Testemunho nº 6348. 1077 HRVD, Testemunho nº 7418. 1078 HRVD, Testemunho nº 3743. 1079 HRVD, Testemunho nº 3769. 1080 HRVD, Testemunho nº 7399. - 319 -
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